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Este novo número da Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável oferece aos seus leitores um pouco do pensamento de Eduardo Sevilla Guzmán na entrevista realizada quando da sua participação no VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Porto Alegre. Em destaque, as opiniões do professor da Universidade de Córdoba acerca das múltiplas dimensões da Agroecologia e o potencial desta ciência para alavancar mudanças profundas no modelo de desenvolvimento social. Guzmán chama a atenção para os problemas causados pela agricultura industrial, salientando a importância da extensão rural como promotora na transição para a Agroecologia.

O Relato de Experiência apresenta o trabalho desenvolvido em Dom Feliciano, no Interior do Rio Grande do Sul, analisando os impactos e desafios na implementação do Programa Brasil sem Miséria. Cabe destacar a importância do uso de uma metodologia participativa que busca construir de forma coletiva as soluções, visando reduzir a vulnerabilidade das 100 famílias atendidas.

No artigo “Indicadores visuais de qualidade do solo e cafeeiros utilizados por agricultores familiares” os autores demonstram os resultados da pesquisa que avaliou os indicadores de qualidade do solo, a partir de parâmetros qualitativos e quantitativos, traçando um comparativo entre um sistema cafeeiro agroflorestal e um cafeeiro sob manejo convencional.

“Mulheres Agricultoras: um olhar feminista e geracional” é o artigo que remete à capa desta edição. Neste texto as pesquisadoras se propõem a questionar estereótipos e preconceitos de gênero, geração e sexualidade a partir de relatos colhidos entre mulheres agricultoras participantes do projeto Gente de Valor, na Bahia. A partir da coleta de dados e, embasadas pela revisão bibliográfica eleita, Ana Elizabeth Siqueira e Cecília Sardenberg problematizam os papeis que são reproduzidos geração após geração.

Michelle Zattoni e Rodolfo de Figueiredo analisam no ensaio “Percepção sobre restauro de

mata ciliar em propriedades rurais” a maneira como a proteção ambiental é percebida pelos agentes diretamente envolvidos com estas áreas, sejam eles proprietários, moradores ou funcionários. Em foco na pesquisa, a necessidade de uma maior compreensão por parte destes agentes como forma de garantir a ação do poder públicos e da sociedade civil organizada em prol da conservação das Áreas de Preservação e Proteção (APPs).

Para encerrar o conjunto de artigos desta edição, apresentamos o trabalho desenvolvido por João Carlos Reginato e Simone Schneider, “A agricultura familiar e o processo de erosão”, que trata o problema da erosão a partir de um olhar diferenciado, em que, para além das questões técnicas, são incorporados outros elementos de análise como a penosidade do trabalho, oferecendo, assim, uma visão ampla e singular na abordagem deste assunto.

Além dos artigos, a revista retoma suas tradicionais colunas como a Dica Agroecológica, assinada pelo médico veterinário da Emater-RS, Ricardo Lopes Machado e que trata do tema da biomineralização animal.

Os leitores também poderão conferir as colunas de Ecolinks e Ecodicas, assim como a seção de resenhas que, nesta edição, apresenta duas obras reunindo ensaios diversos: Agroecología y Cambio Climático - Metologías para evaluar la resiliencia sócio-ecológica em comunidades rurales e Psicologia e Contextos Rurais.

E para encerrar, lembramos que esta primeira edição da Revista Agroecologia e DRS de 2014 chega também para celebrar o Ano da Agricultura Familiar, destacado pela Organização das Nações Unidas, que remete, justamente, à importância estratégica da agricultura familiar, enquanto setor que deve ser valorizado e fortalecido, considerando a sua importância no desenvolvimento de sistemas produtivos mais resilientes.

A todos uma boa leitura!

Gervásio PaulusDiretor Técnico da Emater/RS

Agroecologia e DRS: edição em sintonia com o Ano Internacional da Agricultura Familiar

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

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Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RSAssociação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

Lino De DavidPresidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR

Gervásio PaulusDiretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnico da ASCAR

Jaime Miguel WeberDiretor Administrativo da EMATER/RS e Superintendente Administrativo da ASCAR

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelv. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Claudio Fioreze, Córdula Eckert, Décio Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Emma Siliprandi, Fábio Kessler Dal Soglio, Flávia Charão Marques, Francisco Manteze, Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime Miguel Weber, José Antônio Costabeber, José Ernani Schwengber, Leonardo Melgarejo, Luiz Antonio Rocha Barcellos, Luiz Fernando Fleck, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Marta H. Tejera Kiefer, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Urubatan Neto da Costa.

Editora Responsável: Jornalista Marta H. Tejera Kiefer - RP 1352Projeto Gráfico: Wilmar de Oliveira MarquesCapa: Roseana KriedtFotografia: Kátia Marcon e acervo fotográfico da Emater/RS-Ascar Periodicidade: QuadrimestralTiragem: 1.500 exemplaresImpressão: Gráfica da Emater/RS-AscarDistribuição: Biblioteca da Emater/RS-Ascar

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável Porto Alegre v. 7 n. 1 p. 1-68 jan./abr. 20144

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

Emater/RS-AscarRua Botafogo, 1051Bairro Menino DeusCEP 90150-153 - Porto Alegre-RS - BrasilFone: 51 21253144 - FAX: 51 21253156Endereço eletrônico da revista: http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/E-mail: [email protected]

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação quadrimestral da Associação Rio-grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Ru-ral (Ascar). Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos autores.

CartasCartas podem ser endereçadas para a biblioteca da

Emater/RS-Ascar, rua Botafogo, 1051, 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150-053, Porto Alegre, RS ou para [email protected].

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Sumário

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• Expediente ...................................................................................................................... 4

• Entrevista ........................................................................................................................ 6Eduardo Sevilla Guzmán: “O futuro está a nosso favor”

• Relato de Experiência ................................................................................................. 11Alguns desafios da “extensão rural” do RS: da invisibilidade à visibilidade em Dom Feliciano/RS Ebert, Maristela Rempel et al.

• Artigo ............................................................................................................................. 24Indicadores visuais de qualidade do solo e cafeeiros utilizados por agricultores familiares Guimarães, Gabriel Pinto et al.

• Dica Agroecológica ...................................................................................................... 32Biomineralização animal: Uma ferramenta dentro da visão sistêmica de produção animal de base ecológicaMachado, Ricardo Lopes

• Artigo ............................................................................................................................... 34Mulheres Agricultoras: um olhar feminista e geracional Siqueira, Ana Elizabeth Souza Silveira de et al.

• Ecolinks .......................................................................................................................... 43

• Artigo ............................................................................................................................. 45Percepção sobre restauro de mata ciliar em propriedades rurais (Itirapina e São Carlos, SP) Zattoni, Michelle et al.

• Econotas ........................................................................................................................ 52

• Artigo ............................................................................................................................. 54A Agricultura Familiar e o Processo de Erosão Reginato, João Carlos et al.

• Resenha ......................................................................................................................... 63

• Normas para publicação ............................................................................................. 65

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

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6Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 06-10, jan./abr., 2014.

Por Marta H. Tejera Kiefer

Eduardo Sevilla Guzmán é professor catedrático da Universidade de Córdoba, onde é diretor do Programa de Doutorado em Agroecologia, Sociologia e Desenvolvi-mento Rural Sustentável. Também está à frente do Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos da Universidade de Córdoba. É autor de diversos livros sobre Agroeco-logia, campesinato, desenvolvimento agro-ecológico e movimentos sociais do campo na Espanha e na América Latina. Nesta entrevista, concedida durante o VIII Con-gresso Brasileiro de Agroecologia, em Por-to Alegre, Guzmán, faz uma análise sobre os aspectos sociais, culturais e políticos im-plicados na Agroecologia, além de observar a evolução do tema no Brasil.

Revista Agroecologia e DRS - Quando se fala em Agroecologia uma das associa-ções diretas é com a produção de alimen-tos limpos, livres de agrotóxicos, mas seus textos demonstram que a Agroecologia abrange outras dimensões como a social, e que devem ser consideradas. O que há

de social na Agroecologia que o público, em geral, não percebe?

Eduardo Sevilla Guzmán - Não é somente social, a Agroeocologia possui aspectos sociais, culturais e políticos. Há muitas “agroecologias”. Cada estilo de agricultura ecológica está vincu-lado a uma identidade e a um território específi-co que tem a sua própria cultura. E essa é a di-mensão cultural, muito importante. Mas há uma dimensão sócioeconômica que também se faz importante e que implica no fato de que a Agro-eocologia existe fora do processo de produção. A Agroecologia não é só a produção de alimentos. É também a comercialização, a chegada até o con-sumidor. E todo esse processo é muito importan-te, porque é aí que reside o controle dos mercados alternativos que se estabelecem entre o produtor e o consumidor. E a Agroecologia é, sobretudo, anticapitalista, porque evita que uma pessoa ex-plore as outras. E isso se consegue, na Agroecolo-gia, ao romper-se esta lógica de lucro em que se gera excedente e que caracteriza o capitalismo. Esta alteração se consegue no mercado alterna-tivo. Então esta é uma dimensão importante da Agroecologia: a de criar infraestruturas orga-nizativas que a cada lugar podem ser distintas

Eduardo Sevilla Guzmán: O futuro está a nosso favor

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e que estão vinculadas às próprias identidades socioculturais que existem em cada localidade. Esta é a dimensão socioeconômica. Mas também há uma dimensão que é política. Que diz res-peito a apresentar alternativas não só em nível de comercialização e de evitar que se produza a extração de excedente, mas também, devolver a visibilidade àquelas experiências agroecológicas que são muito mais potentes, do ponto de vista produtivo, do ponto de vista econônomico, mas que estão invisíveis pelas condições da moder-nidade capitalista. É como se não existissem, mas são alternativas reais, que existem, e que politicamente precisam ser articuladas entre si para que, nos distintos níveis de territorialidade, possam enfrentar este ocultamento que a moder-nidade está produzindo e que está gerando uma invisibilidade na potencialidade da Agroecologia.

Revista Agroecologia – Esta dimensão po-lítica da Agroecologia faz com que ela seja uma opção com características próprias também em um campo que é político...

Eduardo Sevilla Guzmán - Sim, a Agroe-cologia é uma alternativa de esquerda, sempre. Isso porque ela tenta evitar que algumas pes-soas explorem as outras e inclusive evita que exploremos a natureza. E não é só isso. O mais importante é que a Agroecologia luta para que a saúde não seja somente a do Planeta, mas a das pessoas também. A Agroecologia busca que nos alimentemos de produtos saudáveis e impede o funcionamento de uma agricultura com agrotó-xicos e com todos aqueles elementos que deterio-ram a água, o solo, a biodiversidade. É uma luta contra a agricultura industrializada e a base de funcionamento do capitalismo.

Revista Agroecologia e DRS – Isso faz com que a Agroecologia surja, em deter-minados momentos, como uma ciência até certo ponto partidarizada?

Eduardo Sevilla Guzmán – Os partidos po-líticos apropriam-se para introduzirem-se em um determinado nicho. A Agroecologia é apartidária, porém, de esquerda, claramente. O problema é o funcionamento da democracia, regime que está

cada vez mais deteriorado. É preciso conseguir transformar a democracia, fazendo com que exis-tam realmente mandatos da sociedade, para que se cumpram os objetivos de maneira participa-tiva. São justamente estes meios participativos que busca a Agroecologia. A transição agroecoló-gica é o problema mais importante da Agroecolo-gia. Trata-se de uma evolução que vai permitir que se obtenham mudanças. Introduzindo-se a Agroecologia em outros campos, inclusive no campo da política, vemos que a Agroeocologia já se faz presente, porque, por exemplo, no caso das sementes, já querem nos tirar a soberania sobre as sementes. Olhando-se para este caso vemos que é fundamental que se recuperem as semen-tes, para que seja algo desrmercantilizado, come-çando o processo de desmercantilização em vá-rios níveis de territorialidade. Há um outro nível de territorialidade que é a comunidade local. A comunidade local está vinculada a um mercado local, no qual a Agroecologia busca e consegue produzir movimentos agroecológicos que atuam de forma a mudar a forma de comércio e orga-nizar um mercado alternativo. Este mercado al-ternativo funciona através das instituições vin-culadas a estas identidades socioculturais que estão postas ali. É neste nível de territorialidade que se produz uma das ações mais importantes da Agroecologia: tentar conseguir um sistema de produção de alimentos local. Este sistema se cria quando é possível organizar vários sistemas produtivos locais, o que implica em começar ar-ticulações de caráter político que possam conse-guir a transição agroecológica em nível estatal. E como se consegue isso? Através do pacto entre agricultores e distintos tipos de instituições que existem nessa estrutura política, ao vincular as autoridades locais às reivindicações da Agroeco-logia e conseguir que esta articulação de merca-do se instale como política pública. E isso implica em uma busca de mandato de representativida-de social. Aqui no Brasil houve um processo, do qual participei, de uma maneira muito forte, que foi quando, no Rio Grande do Sul, a Agroecolo-gia entrou pela primeira vez como uma pauta do Estado. Isso foi em 2000, durante o governo Olívio Dutra. Eu recordo que naquele momento a Emater e a Embrapa admitiram uma política de Agroecologia. E os diretores eram pessoas

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que estiveram trabalhando comigo na Espanha, fazendo suas teses de Doutorado. E essas teses foram feitas já pensando em mudar essas insti-tuições. E tivemos a sorte de poder implementar essas ideias aqui. Era um grupo de agroecologis-tas, formados na Universidade de Córdoba, onde ficaram fazendo suas investigações e onde tive-ram a oportunidade de articular umas pesquisas com as outras e de tentar um processo de transi-ção agroecológica em uma territorialidade muita mais ampla que a local. No Brasil há uma especi-ficidade muito importante em nível de Constitui-ção. A Constituição diz que a sociedade civil pode apresentar propostas de políticas públicas. Isso foi utilizado naquele momento e teve um êxito muito grande e o que aconteceu? Quando entra um partido político que tem uma cor diferente daquele partido político que estava no governo, tenta desfazer tudo o que anterior fez. Sobretudo, se entra a direita. A Agroeocologia tem uma in-tencionalidade de mudança social e política que busca a equidade. Essa é uma das coisas mais fundamentais da Agroecologia. Isso implica que quando a direita chega...tenta romper com tudo que a esquerda fez. Por isso a Agroecologia tem um espectro político muito grande quando se tra-ta de implementar as políticas públicas.

Revista Agroecologia e DRS- Que evolu-ções o senhor, que acompanhou este pro-cesso da Agroecologia aqui no Rio Grande do Sul, observa de lá para cá?

Eduardo Sevilla Guzmán – Eu acredito que houve uma evolução muito forte porque se con-seguiu que a Agroecologia entrasse nas institui-ções. Coisa que em poucos países acontece. Na Espanha é dificílimo. Por exemplo, na Espanha o único programa de Doutorado em Agroecologia que há é o que temos na Universidade de Córdo-ba. Na Espanha há um governo de direita que enfrenta claramente a Agroeocologia, não deixa que funcione. Aqui, no entanto, houve a oportu-nidade de mudanças importantes. Na universi-dade existe uma Agroecologia muito sólida no Brasil. Há uma formação forte. Por exemplo, na Universidade Federal de Pernambuco, há cinco professores que fizeram sua formação em Cór-doba e que implementaram este tema nesta uni-

versidade. Não que se trate de uma tentativa de colonização europeia aqui, porque a Agroecologia é algo que surgiu também na América Latina e que surgiu de um enfrentamento diante da uti-lização de agrotóxicos, diante das enfermida-des que começavam a surgir devido a este uso. A agricultura industrializada que está do lado oposto da Agroecologia foi criada em estações ex-perimentais na Europa. Estações experimentais que existiam em climas determinados e que de-senvolviam tecnologias cuja aplicação em outros lugares geravam o destroçamento daqueles am-bientes. No entanto, isso que a Agronomia nos diz que as tecnologias desenvolvidas podem ser apli-cadas em qualquer lugar, é uma mentira. Cada agroecossistema tem uma especificidade que é preciso ser analisada do ponto de vista agronô-mico. A busca do conhecimento local, camponês e o conhecimento científico voltado para esta es-pecificidade é o que gera a aparição do manejo ecológico em cada lugar. Por isso a Agroecologia tem uma dimensão subversiva, porque enfrenta a ciência convencional e demonstra que a ciência convencional é uma parcialidade somente e que necessita de outras parcialidades, de outras cos-movisões para completar-se e, ao completar-se, poder resolver os problemas realmente. Porque a ciência não tem conseguido resolver as crises ecológicas, políticas e sociais de todos os tipos. A crise da fome, por exemplo. Como tantas pessoas podem morrer de fome no mundo quando sobram alimentos por todos os lados? Isso é uma barba-ridade. Então a Agroecologia, o que ela faz é en-frentar essa ocultação que a modernidade capi-talista faz da realidade, tratando de desvelar as

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mentiras. Essa é a primeira dimensão de luta da Agroecologia e isso é que determina que a Agroe-cologia seja uma força de mudança política e que seja uma força subversiva, porque aceita que o conhecimento de cada lugar, pelas especificida-des de manejo de cada espaço, seja muito melhor sobre este ecossistema que a própria ciência. A ciência tem que adaptar-se e estabelecer um di-álogo de saberes e funcionar com o saber local.

Revista Agroecologia e DRS – Sobre esta questão da fome há quem diga que a agricultura de extensão baseada no uso de agrotóxicos e sementes geneticamente modificadas foi a salvação para a hipóte-se da falta de alimentos em todo o mundo, ideia em voga na década de 70.

Eduardo Sevilla Guzmán – Esta é a per-versidade do argumento da modernidade capi-talista para conseguir expandir-se e manter a lógica do lucro funcionando. Está demonstrado em todos os sentidos que isso é absolutamen-te falso. A Agroecologia pode dar de comer não exatamente igual, mas de maneira muito melhor, que a agricultura industrializada. A agricultura transgênica é um perigo espantoso porque os processos de degradação que ela de-senvolve, em muitos sentidos, têm uma dimen-são irreversível e, para a saúde, o problema que existe é muito sério. Em Rosário, na Argentina, há centenas e centenas de pessoas em luta con-tra os processos de câncer desenvolvidos pela população como consequência de 50 anos pro-duzindo soja transgênica. É preciso enfrentar isso pois é realmente perverso. A agricultura mais selvagem do ponto de vista predador é a agricultura industrializada e mais ainda ago-ra, com estas tecnologias, como a “terminator”, que implica no uso de uma semente que morre depois de ser usada. A semente é a vida e ela tem que estar em sintonia com o ecossistema e funcionar co-evoluindo com o homem porque o homem é uma parte da natureza e não podemos sair da natureza para dominá-la como as pesso-as que utilizam os transgênicos e a falsa ciência da modernidade nos estão dizendo.

Revista Agroecologia e DRS – O Bra-

sil vive uma situação paradoxal. Por um lado o avanço da Agroecologia e o imple-mento de políticas públicas de incentivo a este setor e por outro lado é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Inclusive no Brasil é permitido o uso de agrotóxi-cos que são proibidos no país de origem. Como o senhor analisa este cenário?

Eduardo Sevilla Guzmán – Bem, isso se deve ao fato de que a hegemonia das multina-cionais é tão brutal que determina que as polí-ticas públicas sobreponham seus interesses. A luta mais importante que temos agora se deve ao fato de que boa parte dos governos do mun-do não estabeleceu o alarme necessário sobre processos irreversíveis como as mudanças cli-máticas e seus consequentes problemas bru-tais. O governo terá que mudar muito pois não é possível viver de acordo com a ordem social que nos impõem as multinacionais. E uma luta importante contra as multinacionais é a Agro-ecologia. Aí está a dimensão política e para isso é preciso o apoio das políticas públicas que precisam ser fortes, por isso a mudança é uma mudança política.

Revista Agroecologia e DRS – O Brasil está atrasado em relação a políticas para a Agroecologia?

Eduardo Sevilla Guzmán – A Agroecolo-gia brasileira é uma das mais desenvolvidas do mundo. Porque houve a oportunidade de introduzir políticas públicas e promover uma disseminação maior. Porque aconteceram pro-cessos coerentes que incentivaram a Agroeco-logia e fizeram o seu ingresso na universidade e possibilitaram uma formação realmente prá-tica deste conhecimento e, sobretudo, porque tem se aceitado a necessidade de uma dimen-são econômica, de fazer mercados alternativos agroecológicos, o que na Europa, de maneira geral, não acontece. Na Europa não há Agro-ecologia, há uma agricultura ecológica. Uma agricultura sem dimensão política. Em alguns lugares se conseguiu introduzir mercados al-ternativos. Há uma Agroecologia com algumas deficiências porque não há articulação política.

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Aqui na América Latina a situação é privile-giada e, muito mais, no Brasil.

Revista Agroecologia e DRS – E do pon-to de vista do consumidor? O consumidor está atento para os malefícios dos agrotóxicos? No Brasil, de forma geral, crê-se que ainda não. Há um diferencial grande em relação ao consu-midor europeu?

Eduardo Sevilla Guzmán – Sim, isso sim. E esse é um problema importante porque a co-mida sã não pode ser só para os ricos. E isso é o que está acontecendo. E é perverso porque há muitas pessoas com enfermidades que se ocultam mas que são consequência do domínio das multinacionais. A mudança deve ser intro-duzida através dos movimentos sociais. Uma luta social que force a introdução de políticas públicas neste sentido, o que já vem ocorrendo em muitos lugares, mas muito mais lentamen-te do que deveria.

Revista Agroecologia e DRS – Em re-lação à evolução do campesinato, tema recorrente em suas obras, quais observa-ções sobre as mudanças no campesinato brasileiro?

Eduardo Sevilla Guzmán – Bem, no Bra-sil há muitas sociedades campesinas distintas devido às especificidades territoriais. O proble-

ma é que a maior parte destas identidades lo-cais sofreu uma erosão do conhecimento e que é difícil de recriar. Mas, de todas as formas, há movimentos campesinos muito importantes li-gados à pequena agricultura que potencializam a biodiversidade de uma maneira eficiente. Eu diria que os movimentos campesinos, em geral, no Brasil, são muito benéficos porque já aceita-ram que a Agroecologia é a solução. É o que se vê na Via Campesina, por exemplo. O campesi-nato no Brasil passa por muitas dificuldades, sofre um processo de deterioração muito forte, porque as políticas públicas de apoio ao agro-negócio são brutais e isso para o campesinato o destroça cada vez mais, porque ele não pode competir no mercado capitalista quando o apoio à agricultura industrializada e ao agronegócio é tão forte, com uma subvenção forte, enquanto que a Agroecologia vive sem apoio.

Revista Agroecologia e DRS – Na Espa-nha ou em outros países da Europa exis-te um serviço público de extensão rural como a Emater, ou semelhante?

Eduardo Sevilla Guzmán – Na Europa, faz muito tempo, a extensão rural desapareceu e foi privatizada e isso foi horrível para a agri-cultura e, de maneira geral, para as culturas rurais. O processo de deterioração da extensão rural na Europa é grande e o problema do nível de consumo selvagem também. Os privilégios do desenvolvimento aí estão postos, mas neste sentido, a falta de um serviço de extensão agrá-ria como há aqui, e ainda por cima, público, é relevante.

Revista Agroecologia e DRS – Se o se-nhor fosse dar um conselho para um jo-vem extensionista rural que está come-çando, que conselho seria?

Eduardo Sevilla Guzman – Que não desa-nime diante das contradições que existem nas políticas públicas, porque a Agroecologia tem uma dimensão militante forte. E o importan-te é que, bem, temos a razão! O futuro está a nosso favor. Minha mensagem é de esperança e ânimo para eles.

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EBERT, Maristela Rempel1, CORADINI, Rolnei Vicente2, SILVA, Carlos Eduardo Gonçalves da3, GARCIA, Nastia

Duarte4, NUNES, José Alcion Lemos5, ANDRZEJEWSKI, Júnior André6, FELICETTI, Ricardo Augusto7

ResumoA presente sistematização busca analisar os impactos e os desafios do Programa Brasil sem Miséria junto aos agricultores familia-res em Extrema Pobreza no que diz respeito ao acesso às políticas públicas. Fazem parte do projeto cem (100) famílias pertencentes a três comunidades do meio rural de Dom Feli-ciano-RS: Linha cavadeira, Linha Faxinal e Linha Herval. Por meio de visitas, reuniões, diagnóstico individual e coletivo, se buscou comparar a condição inicial e posterior aos primeiros processos de execução do progra-ma (do primeiro e segundo módulo). A me-todologia participativa buscou construir com o conjunto dos envolvidos, os indicadores de acesso a documentação, (DAP, Carteira de identidade, CPF e Bloco de produtor e etc...), resgate de saberes tradicionais de cultivos e alimentação, bem como de plantas bioativas. E trabalhando desta forma conseguimos iden-tificar os desafios para a diminuição da vul-nerabilidade em suas diferentes dimensões. A análise abrange as duas primeiras etapas das atividades da Emater com as famílias.

Palavras-chave: Políticas públicas. Cidadania. Direitos sociais. Práticas sustentáveis.

1 Socióloga, extensionista da Emater. E-mail: [email protected] Engenheiro agrônomo, extensionista da Emater. E-mail: [email protected]

3 Técnico agrícola, extensionista da Emater. E-mail: [email protected] Nível médio, extensionista da Emater. E-mail: [email protected]

5 Técnico agrícola extensionista da Emater. E-mail: alcí[email protected] Nível médio, administrativo da Emater. E-mail: [email protected]

7 Engenheiro agrônomo, extensionista da Emater. E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO As condições socioeconômicas do meio rural

do Rio Grande do Sul têm apresentando preocu-pações relevantes na atualidade para diversos setores da sociedade, impulsionando não apenas pesquisas acadêmicas, mas também ações dos gestores públicos buscando intervir e modificar esta realidade. Dentre as problemáticas visuali-zadas destaca-se a dimensão da pobreza: há 378 mil estabelecimentos familiares rurais, e destes, 149 mil estão inscritas no CadÚnico – MDS; 77 mil recebem bolsa família; e 30 mil estão enqua-drados na extrema pobreza (EMATER, 2012). O município de Dom Feliciano, local de onde emer-ge a presente reflexão, é juntamente com os ou-tros municípios da centro-sul que reproduzem parte desta realidade problemática. A região produtora da monocultura do tabaco apresenta péssimos indicadores sociais, tais como: baixa renda, baixa escolaridade, baixo acesso a saúde, ausência de saneamento básico, habitações pre-cárias, e etc.

Dom Feliciano possui uma área de 1.356.171 km (quadrados) e 14.380 habitantes, sendo que 11.046 estão no meio rural, compondo 2602 es-tabelecimentos agrícolas familiares, segundo dados do IBGE (2010). Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, 464 famílias rurais fo-ram enquadradas na linha da extrema pobreza. Considerando as condições de desenvolvimento local, ocupa a última posição no que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano do to-tal de 497 municípios gaúchos (dados recentes PNUD). Diante desta situação de grande vul-

Alguns desafios da “extensão rural” do RS: da invisibilidade à visibilidade

em Dom Feliciano/RS

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nerabilidade, os governos nas três esferas vêm empreendendo esforços no intuito de dirimir esta realidade que vem se perpetuando histori-camente, em especial junto àquelas populações historicamente mais suscetíveis como quilom-bolas, indígenas, comunidades de pescadores, e agricultores familiares de baixa renda, em es-pecial, nos municípios com maiores índices de bolsões de pobreza. Neste contexto que Dom Fe-liciano juntamente a outros seis municípios da região centro-sul, foram escolhidos para execu-tarem projetos pilotos de superação da extrema pobreza no solo gaúcho.

Assim, esta reflexão quer dar visibilidade ao processo de implantação do “Programa Brasil sem Miséria” junto a agricultores familiares classificados na linha da extrema pobreza no município de Dom Feliciano. Este Programa é um Acordo de Cooperação Técnica entre o Go-verno do Estado do Rio Grande do Sul (via Se-cretaria de desenvolvimento Rural, Pesca e Co-operativismo - SDR) e o Governo Federal (via Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA e Ministério de Desenvolvimento Social – MDS). A Emater/RS, que atua há 58 anos em pratica-mente todos os municípios gaúchos, é a insti-tuição executora. A primeira fase do programa abarca 6 (seis) mil famílias beneficiárias, das quais 700 encontram-se no território Centro-Sul da Regional de Porto Alegre.

Em Dom Feliciano, um dos primeiros muni-cípios da região a iniciar o trabalho, foi contem-plado com 100 famílias do meio rural, dentre os critérios de acesso consta: estar no CadÚnico com renda per capita até 70 reais e que tenham DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf. Esta política faz parte das ações federativas de erra-dicar a fome no país, compromisso pactuado em todo o território brasileiro. O programa inclui diversas atividades individuais e coletivas com as famílias envolvidas: 54 horas de reuniões e cursos divididos em três módulos com reuniões (acesso a políticas públicas e cidadania; qualida-de de vida, organização social e produtiva), diag-nóstico individual na propriedade, elaboração de projeto produtivo e sete visitas individuais (no mínimo) de acompanhamento de execução do projeto. Dentre as metas de inclusão social e

produtiva encontra-se ampliar o acesso a políti-cas públicas, melhorar a qualidade vida (resga-te cultural, alimentação saudável, entre outros aspectos) e 40% dos participantes se inserirem no processo de comercialização formal (inclusive mercado institucional) ou informal.

Portanto, baseado na orientação do Convênio, criou-se um comitê com a participação de repre-sentantes do poder público local, da Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Desenvolvi-mento Rural Sustentável e seus respectivos con-selhos e ainda do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, buscando construir parcerias, critérios de escolhas de beneficiários, além de dar trans-parência às escolhas. O trabalho iniciado com estas famílias revela que a vulnerabilidade de-las não é apenas com relação à renda efetiva, há outros aspectos como cultural, capital social, associativismo, racial, saneamento, transporte (locomoção à cidade) e distâncias da sede que igualmente contribuem para perpetuar as rela-ções de desigualdade social e de vulnerabilida-de. Esta condição confirma o debate acadêmico atual das multidimensões da pobreza somado a identificações dos bolsões, fenômeno urbano que também ocorre no meio rural.

O título de invisibilidade pode ser explicado pela falta ou pouco acesso às políticas públicas, como transporte público, habitação, saneamen-to, saúde, educação, tecnologia, e documenta-ção. Mas também emerge de outra dimensão, o desconhecimento do poder público municipal, até mesmo da Assistência Social da localização destas famílias. Mais especificamente, dificul-dades do poder público em geral de pensar ações que atentem para as especificidades dos grupos sociais vulneráveis. Ainda, a fragmentação fre-quente das políticas públicas, que a torna efeti-va para ações filantrópicas, mas ignora o con-junto das políticas e direitos sociais.

Portanto, baseado na orientação do Convê-nio e nas construções coletivas do comitê, foram definidas os critérios de mapeamento dos be-neficiários. As regiões escolhidas, com base no número de bolsas famílias distribuídas e tradi-cionais precariedades locais, mobilizaram além dos representantes do Comitê, a participação dos agentes comunitários de saúde (ACS), sen-

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do que os territórios foram ajustados às áreas dos antigos PSF, hoje Estratégia de Saúde da Família (ESF). Uma vez definidos os territórios, quais sejam as regiões do Faxinal, Cavadeira e Herval, a Emater iniciou a seleção das famílias por meio de reuniões, visitas, realização de diag-nósticos e os posteriores cursos. Final de feverei-ro, com a possibilidade de realização da sistema-tização de experiências, começou a discutir com as famílias a participação destas na elaboração. Dentre os desmembramentos, foram realizados três Diagnósticos Rápidos Participativos (DRP), buscando analisar as condições passadas e atu-ais, onde se confrontaram os diversos aspectos (saúde, educação, ambiente, produção, lazer, hábitos culturais, comunicação, transporte, sa-neamento e etc...), considerando melhorias ou agravamento das condições de vida. As questões orientadoras foram aquelas questões do diag-nóstico que se revelaram mais problemáticas. Dentre os aspectos se avaliou o acesso às polí-ticas públicas, passadas e atuais e os impactos das duas primeiras fases do programa (acesso a documentação e qualidade de vida), os entraves e os potenciais.

Com isso, além de pensar empiricamente os desafios do acesso, tende-se a confrontar os próprios limites das políticas públicas, nas três esferas de governo, focalizadas e fragmentadas que apresentam dificuldades de trabalhar com a realidade complexa das sociedades e, mais es-pecificamente, do meio rural. Isto se torna mais evidente quando se trata do fenômeno da pobre-za e das condições de seu agravamento na época contemporânea de exclusão social generalizada. Certamente que nos debates acadêmicos tem se dado destaque majoritariamente ao meio urba-no, entretanto, apesar da necessidade de focar o meio rural a partir de suas especificidades, mui-tas discussões são pertinentes para se pensar o meio rural, tanto no que diz respeito à pobreza, exclusão social e vulnerabilidade, considerados como fenômenos complexos e não homogêneos, quanto à importância de respostas do poder público que lidem com essas diversidades, tais como: a social, econômica, política, cultural, afe-tiva, ética e ambiental.

Desse modo, analisar os impactos da políti-

ca na vida destas famílias e suas comunidades a partir do olhar dos envolvidos (as), por meio de metodologias participativas torna-se a razão primeira desta reflexão. Ou seja, refletir sobre o êxito de ampliar à cidadania por meio de polí-ticas de acesso à documentação e qualidade de vida. Sob este aspecto os participantes afirmam que tem melhorado sua condição: estão acessan-do documentação para si e familiares, alguns se inscreveram para receber o PAA e três famílias forneceram alimentos ao longo de 2013 para o programa; inscreveram-se na política habitacio-nal no município, entre outros destaques. Ain-da com aproximações significativas de órgãos municipais para resolver questões históricas de falta de acesso (ou de má qualidade) da água; busca por banheiros, atualização do cadastro do Bolsa Família e aumento do valor recebido. Ou-tro impacto são correções de distorções do Bolsa Família e busca ativa de famílias em situações de grande vulnerabilidade.

Ainda, tem se oportunizado momentos co-letivos de reflexão e ressignificação de saberes populares, baseados em práticas mais sustentá-veis, ligados à produção, consumo, cuidados com alimentação e saúde. Estes processos têm pro-movido consideráveis mudanças na organiza-ção das famílias e em seus hábitos alimentares (como aparece nos discursos nas reuniões e vi-sitas). Ainda, destaca-se a mudança da relação entre os participantes dos grupos, que por meio dos encontros e atividades tem criados laços de apoio e solidariedade, inclusive com troca de se-mentes e plantas.

A presente reflexão poderá motivar possíveis reavaliações da extensão rural da Emater jun-to aos beneficiários, buscando a qualificação do trabalho. De outro, vai evidenciar esta realidade complexa do meio rural, possibilitando à gestão pública reflexões sobre as formas de ação e in-tervenções mais adequadas à realidade da po-breza em Dom Feliciano, no Rio Grande do Sul e Brasil. Poderá contribuir com os próprios pro-ponentes do programa de Acordo de Cooperação aperfeiçoamento da proposta de trabalho e qui-çá repensar a própria lógica do Programa Bolsa Família em vigor desde 2003, com seus méritos, mas com limites no que diz respeito a promover

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a cidadania. Haja vista, que há anos a maioria das famílias possui o benefício social e não saí-ram da condição de vulnerabilidade, já que são parcas oportunidades de políticas e programas que articulem os aspectos sociais, econômicos e culturais. Ainda, é visível a ausência de uma conexão do conjunto de políticas sociais que pos-sam alavancar alternativas para as populações nesta condição de extrema pobreza (em suas múltiplas dimensões).

2 CONTEXTO O Programa Bolsa Família (PBF) foi insti-

tuído em 2003 no Brasil, aglutinando diversos programas anteriores (vale-gás, bolsa alimenta-ção, bolsa escola, etc.) funcionando como trans-ferência de renda, com o objetivo de superar a situação de extrema vulnerabilidade de milhões de famílias no Brasil, as quais estão desprovidas de renda mínima para sobrevivência. Além de transferir renda, implica em condicionalidades ligadas a saúde e educação, buscando também ampliar o acesso a outras políticas públicas. Ainda, paralelamente, o programa prevê o de-senvolvimento econômico e social das famílias, por meio de ações de reinserção no mercado de trabalho, cursos de qualificação entre outros programas. Ou seja, esta política se insere nes-ta lógica de promoção de políticas concomitante com a transferência de renda de forma susten-tável com o objetivo de superação da condição de vulnerabilidade. Destaca-se que as desigual-dades sociais no meio rural são ainda mais pre-cárias no contexto brasileiro, logo são grandes os desafios a políticas de transferência de renda.

Apesar do mito de que não se teria as desigual-dades estruturais que caracterizam o país no solo gaúcho, diversos indicadores sociais têm desmen-tido esta visão, em especial no meio rural, tendo em vista o dado já citado de que 77 mil famílias encontram-se na extrema pobreza. Frente a isso, emerge o Acordo de Cooperação entre Governo Federal (Ministério do Desenvolvimento Rural e Ministério do Desenvolvimento Social) e governo Estadual (por meio da Secretaria de Desenvolvi-mento Rural, Pesca e Cooperativismo), iniciativa deste último buscando atuar na zona rural nas situações de grande vulnerabilidade.

Portanto, a invisibilidade sob vários aspectos evidencia os limites das políticas públicas que não conseguem se articular de forma mais am-pla e integrada. Ou seja, os beneficiários aces-saram o “Bolsa Família” e a “Luz para todos”, e, no entanto, ficaram invisíveis ao conjunto de outros direitos sociais aos olhos do poder público nas diferentes esferas. Certamente que as po-líticas sociais federais citadas tiveram grande mérito na medida em que estas populações esta-vam quase na completa invisibilidade até aque-le momento. Todavia, estas formas pontuais de intervenção foram insuficientes para retirar as populações vulneráveis de forma sustentável de tal condição. A pergunta a ser respondida pelo conjunto dos envolvidos é o potencial deste pro-grama preencher as lacunas deixadas por políti-cas assistências e focalizadas.

A literatura acadêmica, em especial nas ci-ências humanas, tem alertado para os riscos de simplificações no trato das questões sociais e mais precisamente da pobreza. Afinal, é um equivoco tratá-la tão somente como questão de renda ou econômica, em geral é uma soma de variáveis. Paugam (2005), sociólogo Fran-cês, frente aos debates contemporâneos apre-senta uma tipologia que aproxima a pobreza e vínculos sociais na realidade urbana, contudo esta perspectiva permite estabelecer alguns vínculos com a problemática rural dos países periféricos. Para o pesquisador a pobreza se-ria classificada em integrada, marginalizada e desqualificada. A pobreza integrada seria aquela tradicional, que acomete boa parte das populações dos países periféricos, possuem baixa renda e relações de trabalho informal, mas estão inseridos em redes sociais; margi-nalizados são aqueles excluídos, estigmati-zados e que recebem (e vivem) da assistência social, um grupo bem menor que possui pouca autonomia na definição de sua identidade. A pobreza desqualificante diz mais respeito à ex-clusão social mais ampla, sofrem tanta falta de renda, acesso a moradia, saúde como de pró-prios laços de sociabilidade familiar, e mesmo de amparos sociais significativos.

Embora o sociólogo esteja analisando a po-breza urbana, é visível que a pobreza no meio

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rural não é homogênea. O programa em exe-cução ao longo dos meses tem evidenciado que as famílias têm diferentes condições, apesar de partilharem o fenômeno da baixa renda, algu-mas apresentam mais possibilidades de apro-priar-se das oportunidades que as políticas pú-blicas propiciam. Aspectos como a localização espacial (proximidade dos aglomerados), rela-ções sociais, familiares, de vizinhança, parti-cipação em Igreja (comunidades e associações praticamente nenhuma participa) são alguns aspectos que coincidem com as diferenças nos potenciais que alavancam o êxito maior de umas em relação às outras. Inicialmente, no programa foram incorporados 98 mulheres e 2 homens beneficiários do Bolsa Família, iden-tificadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) em condições de Extrema pobre-za que tem participado mensalmente das ati-vidades previstas (boa parte traz o companhei-ro e filhos nas reuniões).

A condição da baixa renda se associa com outros indicadores sociais de vulnerabilidade: possuem baixa escolaridade, 88% possuem nível primário (até 4ª série), 10% analfabetas (e mais uma boa parte alfabetizados funcionais), somen-te uma com ensino fundamental completo e ou-tra com ensino médio cursado. Das beneficiárias 40% são negras (mais concentrado numa das comunidades). Realidade que se perpetua nos fi-lhos com repetência escolar e abandono, muitos que permanecem é por obrigação para não per-der o recurso do Bolsa família, relato também confirmado pelas escolas.

A maioria não possui documentação da terra, vivem como posseiros ou contrato temporário, logo se mudam frequentemente na localidade (vários já mudaram de lugar desde o início do projeto). São trabalhadoras safristas em época de intensificação do trabalho no fumo (dezembro e janeiro). Boa parte tem casas precárias e 43% não tem banheiro.

Paugam (1999) propõe estudar a pobreza a partir de tipologia, quer dizer, as pessoas que se enquadram nestas diferentes situações e ver como vivenciam esta desqualificação so-cial, para assim montar políticas públicas mais adequadas conforme as necessidades postas

pela sociedade. Há intervenções pontuais que podem dar conta; em outras situações são ne-cessárias intervenções regulares considerando que certos coletivos apresentam maior dificul-dade de adaptarem-se as novas exigências so-ciais; outros ainda exigem ações mais sistemá-ticas e permanentes junto ao cotidiano de vida das famílias.

Bourdieu (2010), outro sociólogo Francês, buscou elucidar ao longo de suas pesquisas como a realidade das desigualdades sociais e econômicos se perpetuam nas sociedades de modo que alguns poucos se beneficiam e a gran-de maioria fica excluída dos benefícios sociais, alheia e sem acesso a condições básicas neces-sárias para uma vida socialmente reconhecida (cultural e histórica). Isto no caso do Brasil po-deria se traduzir no seguinte questionamento: o que faz com que 80% da população que se apropria de menos de 20% das riquezas social-mente produzidas, se submetam a uma peque-na minoria (20%) que detém 80% das riquezas. Desigualdade social esta também visível em municípios pequenos, e certamente Dom Feli-ciano, apesar de estruturado por uma distri-buição agrária de minifúndios, não é exceção. Para este sociólogo, toda a cidade reproduz a lógica de desigualdades sociais, econômicas e culturais, as quais igualmente se convertem em perpetuação simbólica, ou seja, valores cul-turais e morais que corroboram a existência de uma determinada ordem social. Neste sentido, as famílias que estão na extrema pobreza com suas múltiplas formas de vulnerabilidade são estigmatizadas culturalmente: “incapazes”, “vagabundos”, “não se esforçam e querem tudo dado”, entre outros pejorativos, às vezes per-passados pela dimensão racial, que comumen-te são proferidos aos extensionistas da Emater que executam o programa Brasil sem Miséria. Formas de percepções não apenas da comu-nidade, mas de gestores de políticas públicas locais. Esta forma de tratamento inibe ainda mais a procura destas famílias por seus direi-tos e os fragiliza no processo de protagonismo das mudanças sociais. Além disso, o autor mostra como os processos de acesso educacio-nal contribui para perpetuar relações sociais

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assimétricas, assim se considerarmos que 10% são analfabetos (e se entende aos familiares), outros tantos são “alfabetizado funcionais”, e que estes indicadores se perpetuam nos filhos, por meio da evasão e repetência, confirmando os ciclos sociais que se perpetuam.

Se Bourdieu (1989) contribui para refletir-mos sobre a perpetuação simbólica por meio de valores de dominação/submissão, os quais legi-timam certas realidades da história do Brasil, Paulo Freire (1997), pedagogo crítico, inspirou diversos movimentos populares de resistência e de luta por um país mais justo socialmente. Por meio de processos participativos (ele não se limitou aos processos de educação e alfabetiza-ção no meio institucional) e dialógico crítico, o pedagogo mostra como se podem produzir mo-vimentos contra hegemônicos que promovem o protagonismo destas populações em situação de vulnerabilidade. Para ele, promover atividades e ambientes de valorização dos saberes popula-res na busca de autonomia, potencializa amplia-ção no acesso a direitos e capacidade de escolha de seus destinos. E mais, que estas mudanças não se fazem sozinhos, mas coletivamente. Nes-ta direção que se montou atividades em forma de oficinas buscando construir diagnósticos da comunidade (coletivo em que se inserem), difi-culdades e potencialidades e como cada família se situa e pode coletivamente ir construindo es-tratégias de mudanças.

Figura 1 – Comunidade Cavadeira, maio 2013 - DRP/Linha de Tempo

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Figura 2 – Comunidade Herval, maio 2013 - DRP/Linha de Tempo

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Posteriormente, já como desmembramen-to dos DRP, realizou-se a oficina em que eles trouxeram suas produções rurais, socializan-do experiências de produção, alimentação, plantas bioativas para cuidado da saúde e etc. Buscou-se valorizar e estimularas prá-ticas populares que reforçam a autonomia e orgulho do modo de vida dos agricultores (a). Ao mesmo tempo, foram momentos de reflexão sobre quais políticas públicas podem contribuir de modo mais efetivo para resolver seus problemas (por eles elencados) e o que dependem da organização deles para modifi-car a realidade.

Figura 3 – Oficina plantas bioativas/alimentaçao saudável junho 2013 Cavadeira

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

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Figura 4 – Oficina plantas bioativas/alimentaçao saudável junho 2013 Faxinal

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Figura 5 – Oficina plantas bioativas/alimentaçao saudável junho 2013 Herval

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Assim, a sistematização foi organizada em quatro momentos com vários encontros: o momento das visitas familiares e os diag-nósticos individuais que possibilitam um primeiro contato com a realidade destas fa-mílias; segundo momento, primeiro contato coletivo, visando integrá-los entre si, e expli-citar os direitos sociais e aproximação com os gestores municipais; o terceiro momento em que se montou algo parecido com a metodolo-gia Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) aproximando-se da linha de tempo, buscando confrontar as informações iniciais com a cons-trução coletiva, para assim retomar as expe-riências históricas destas famílias (e de seus antepassados), valorizando e incentivando protagonismo dos participantes; quarto mo-mento, por meio de oficinas fazer o resgate e valorização do que se produzem no meio ru-ral, alimentos, plantas bioativas, onde cada uma das famílias trouxe aquilo que julgava relevante. Este momento foi emocionante, porque trouxeram muito da riqueza que apa-receu na oficina da linha de tempo (DRP). Es-tes diversos momentos foram registrados em painéis, cartazes e fotografias.

3 RESULTADOS A comparação do diagnóstico inicial com

a fase atual na avaliação dos envolvidos do projeto permite afirmar que houve signifi-cativos avanços no acesso a políticas como a documentação (identidade, CPF, DAP,...). Entretanto, os extensionistas perceberam que permaneceram as dificuldades ao lon-go da caminhada para muitas famílias, que em função da distancia da sede e dos gastos com transporte não conseguiram acessar a documentação para o conjunto dos familia-res. Sendo assim, fizemos um levantamento para o mutirão social, de acesso a documen-tação que ocorrerá dias 10 e 11 de abril de 2014 (promovido pelo MDA em parceria com a prefeitura e a Emater) e temos ainda pen-dencia de 140 Carteiras de identidade (83 de primeira via), titulo eleitoral (não há cartó-rio eleitoral no município), faltam 40, sendo que há jovens com mais de 20 anos sem ter

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8 Entretanto, mudanças de governo e eleições nova-mente estagnaram os avanços, agora está se retoman-do, inclusive com a participação da secretaria da educa-ção no comitê municipal.

acessado esta documentação), 100 documen-tos de CPF entre outros.

O programa por meio da execução articula-da com o poder público local está conseguin-do avançar na possibilidade de construções de moradia, através do PNHR, Programa Nacional de Habitação Rural, sendo que das 100 famílias, 28 se inscreveram em2013. To-davia, ainda não saiu do papel, exceto uma beneficiária que conseguiu parte do mate-rial, de modo que ela e o marido construíram uma bela casa.

Com relação às condições de 10 beneficiá-rias titulares analfabetas se está construindo com a secretaria de educação uma oficina es-pecial para atendê-las8, já que no programa normal do EJA rural, por ser noturno, con-siderando a distância e que muitas possuem crianças pequenas, se torna inviável, apesar da manifestação de interesse das mesmas. Atualmente 3 beneficiárias se organizaram para frequentar o EJA no meio rural.

Outro aspecto a ser destacado refere-se à presença dos beneficiários nos cursos. As famílias tem sido assíduas, das 100 apenas uma se ausentou dos dois módulos e outras duas desistiram do projeto. Considerando os relatos da dificuldade de manter o públi-co nos cursos promovidos pela Secretaria da Assistência Social, acredita-se que o êxito não se dá pela condicionalidade de 75% de presença, mas pela motivação de participar em função das metodologias participativas e dialógicas com a realidade dos participantes.

O programa do Brasil sem Miséria ou In-clusão social e produtivo tem o mérito de articular a política de transferência de ren-da com processos sociais participativos que possibilitam a reflexão e a troca de experiên-cias coletivas entre diversos agentes sociais, as famílias beneficiadas, representantes do poder público e de instituições sociais como sindicato e cooperativa, juntamente com os extensionistas da Emater do município de Dom Feliciano. Acredita-se que este proces-so engendrará mudanças sociais (presentes e futuras) na medida em que se está cons-truindo de forma participativa e democrática

processos de inclusão efetiva destas famílias, em termos políticos, sociais, culturais e eco-nômico. Reconhecer em cada um deles um protagonista social possibilita criar condições de transformações reais nas relações sociais e de poder no município numa perspectiva de Paulo Freire. É a oportunidade de produzir ações públicas que dêem visibilidades a estas famílias que estão à margem, que trabalham de peões e que apresentam pouca autonomia até mesmo na gestão de suas vidas privadas, fruto de condições históricas de opressão de raça, gênero e classe. Trazer para o visível àquilo que muitas vezes a sociedade faz de conta que não vê. Afinal, há pouco tempo ain-da era comum se ouvir na mídia que no Rio Grande do Sul não se tinha pobreza, ao me-nos aquelas nos moldes nordestinos.

O que o programa da Inclusão social e produtiva tem possibilitado a nível local é tornar visível estas populações rurais que vivem no anonimato, praticamente isoladas em recantos longínquos, que no caso de Dom Feliciano só aparecem ao meio urbano no dia de receber o Bolsa Família. Agora, elas se encontram mensalmente para discutir suas condições, conhecer seus direitos e são cha-madas a serem protagonistas na busca de alternativas.

Dentre os desmembramentos se montou uma proposta de seminário municipal (na sede do município) a ser realizado, onde fize-ram a exposição do que produzem, o qual con-tou com a presença dos gestores municipais e estaduais do convênio. Esta atividade de trazer o invisível ao visível é chamar atenção do poder público para sua existência, sensibi-lizando-os para a emergência de políticas pú-blicas como saneamento (água de qualidade, banheiros), habitação, transporte, problemas ambientais, etc. Ou seja, o objetivo foi cha-mar a atenção dos gestores públicos para as múltiplas necessidades para superarem sua condição de vulnerabilidade.

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Figura 6 – Encontro Municipal dos beneficiários do Programa agosto/2013

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Outro aspecto que está se verificando é mudan-ças nas práticas produtivas fruto das oficinas de conservação de solo, caldas e compostagem, das atividades de resgate de alimentos e plantas bioati-vas e do curso técnico na feira Fafec em Camaquã. Muitos estão incorporando e adaptando a seus afa-zeres práticas agroecológicas de cultivo dos alimen-tos (abandonando uso de agrotóxicos, intercalando

plantas naturalmente repelentes para controle bio-lógico, etc.). Também, frutos das atividades coleti-vas, estão incorporando novos hábitos alimentares com melhor aproveitamento daqueles alimentos produzidos, tais como suco de couve, bolos de fei-jão, legumes, etc. No evento de confraternização do final do ano algumas beneficiárias já trouxerem alimentos processados destas oficinas trabalhadas.

Figura 7 – Conservação de solo set e nov/2013 - Faxinal

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Figura 8 – Dia de Campo Fafec Camaqua/2013 – Faxinal e Herval

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

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Figura 9 – Oficina confraternização dez/2013Faxinal

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Vários jovens, filhos destes beneficiários estão começando a participar de atividades promovi-das na parceria entre Emater e Escola de Jovens Rurais (EJR) (ligado à Pastoral da Terra) na ten-tativa de incentivar as organizações destes jo-vens. No momento (2014) há uma possibilidade de acesso a muitos deles ao programa Estadual “Bolsa Jovem”, o qual busca incentivar a perma-nência dos jovens no meio rural e continuação dos estudos, com repasse financeiro e acompa-nhamento técnico de projeto produtivo.

Destaque também cabe à participação das be-neficiarias no encontro de Sistematização de Ex-periências da Emater em novembro e dezembro de 2013. Participaram 5 beneficiárias represen-tando os grupos, as quais ajudaram a apresentar o trabalho e deram depoimento sobre as dificul-dades do grupo e o que melhorou com o projeto.

Figura 10 – Feira semana do município dez/2013 Faxinal

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Vários jovens, filhos destes beneficiários estão começando a participar de atividades promovi-das na parceria entre Emater e Escola de Jovens Rurais (EJR) (ligado à Pastoral da Terra) na ten-tativa de incentivar as organizações destes jo-vens. No momento (2014) há uma possibilidade de acesso a muitos deles ao programa Estadual “Bolsa Jovem”, o qual busca incentivar a perma-nência dos jovens no meio rural e continuação dos estudos, com repasse financeiro e acompa-nhamento técnico de projeto produtivo.

Destaque também cabe à participação das be-neficiarias no encontro de Sistematização de Ex-periências da Emater em novembro e dezembro de 2013. Participaram 5 beneficiárias represen-tando os grupos, as quais ajudaram a apresentar o trabalho e deram depoimento sobre as dificul-dades do grupo e o que melhorou com o projeto.

Figura 11 – Encontro Estadual sistematização de experiência dez/2013

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Por último, há que falar das surpresas positi-vas com o andamento da execução dos projetos. Tivemos apenas 3 beneficiárias que não estão executando o projeto após receber a primeira parcela. Destacamos o caso de uma beneficiá-ria de 57 anos que através da busca ativa foi possível inscrevê-la no CadÚnico, hoje além de estar no projeto e já ter recebido a 2ª parcela, a mesma já está recebendo o Bolsa família. Numa das últimas visitas, o marido acamado até então desconhecido para nos extensionistas levantou para receber a equipe e tomar mate.

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Figura 12 – Beneficiária Maria de Lourdes – Região Cavadeira março/2013

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Também foram inúmeros os projetos execu-tados que produziram verdadeiras surpresas na capacidade de organização das famílias.

Figura 13 – Execução do projeto de Horta – Propriedade da Família da Vera (Set/2013 - Cavadeira)

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

Figura 14 – Execução do projeto de Horta – Propriedade da Família da Iracema (jan/2014 - Faxinal)

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

4 LIMITES Dentre os limites estão às formalidades

do programa que nem sempre se compatibi-lizam com as necessidades das famílias. Por exemplo, muitas famílias vivem em condições de moradia com extrema vulnerabilidade, no entanto, o recurso somente pode ser utilizado para produção. Os programas habitacionais rurais em andamento exigem documentação da terra, condição esta impossível em 80% dos beneficiários deste projeto em andamen-to. Por um lado urge maior efetividade da po-lítica do crédito fundiário e de outro, a política de regularização fundiária. Está última tem uma proposta de início para março de 2014, o qual comtemplará certamente alguns benefi-ciários da região do Faxinal (área selecionada para o projeto piloto).

Muitas famílias enfrentam dificuldades para acessar seus direitos. A primeira come-ça pelo transporte, raramente conseguem se deslocar, isso sem mencionar os custos (ôni-bus ou em transporte individual por vizi-nhos). Isto mostra a dificuldade da institui-ção de rede de políticas sociais estruturadas no município envolvendo saúde, assistência social, entre outras secretarias.

Dentre os desafios está a dificuldade do governo e das políticas públicas produzirem ações que considerem as diferentes dimen-sões. Mesmo num município pequeno em que teoricamente seria mais fácil atender a população mais vulnerável a partir de suas especificidades, este esforço é altamente com-plicado considerando que os programas são focalizados. Mas mais do que isso, são frutos de uma lógica social complexa, estratificada, fragmentada e com seu percurso cartesiano de conhecimento e organização social.

Outra dificuldade, considerando as raízes históricas culturais e sociais destas famílias, o primeiro desafio da extensão rural é con-quistar a confiança de que o programa foge da lógica clientelista e de promessas vazias. O atraso do repasse do Fomento (três parcelas que totalizam 2.400 reais) levou alguns bene-ficiários a questionar se de fato viria ou seria mais uma realidade que não se concretiza.

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2222Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 11-23, jan./abr., 2014.

Ainda, fruto das condições históricas, muitas mulheres conversavam conosco cabisbaixa, retratando o sentimento legitimado simboli-camente da culpalização a pobreza, deixando oculta sua origem histórica e social.

Ainda reproduzem uma lógica bastante in-dividual, mostrando a necessidade de ações frequentes de modo a alavancar a organiza-ção para enfrentarem coletivamente a condi-ção que vivenciam. Outro fenômeno que se confirma no trabalho no munícipio é a pobre-za associada com gênero e cor. Os diagnósti-cos construídos revelaram que as mulheres recebem menos no trabalho de peão, mesmo trabalhando lado a lado com os homens9. E num município de predominância étnica po-lonesa, boa parte do público beneficiário são mulheres negras. Dessa forma, a dimensão é importante, mas não pode ser ignorada a realidade multidimensional da pobreza que estas famílias retratam, as quais têm desa-fiado a equipe do escritório municipal, mas também da supervisão, ATR’s e gerente re-gional da Emater em produzir respostas que contribuem para a inserção no mercado con-sumidor mas também produtor (com reintro-dução de práticas ecológicas). E, as alternati-vas não estão dadas, terão quer ser buscadas com o conjunto dos envolvidos, já que não será a mesma reposta para aqueles que têm se mudado freqüentemente com aqueles que moram há tempos numa terra que pertence à família (ainda que sem posse escritural). E mais, os laços sociais e comunitários dife-renciados que constituem certo capital social, também potencializam formas diferenciadas de caminhada, produzindo ritmos diferen-ciados dos envolvidos. Isto já se evidenciou antes mesmo de estarmos executando os pro-jetos produtivos. Frente ao exposto, perma-nece a interrogação: o poder público local e das outras esferas está pronto para fomentar a inclusão social e a redução das desigualda-des considerando estas múltiplas realidades e dimensões?

5 LIÇÕES APRENDIDAS Foram muitas as lições apreendidas para

o conjunto dos envolvidos. Os beneficiários têm ampliado o acesso a direitos e a políti-cas. Tem se dirigido frequentemente a Ema-ter e a outros órgãos na busca de resolução de suas necessidades. Eles têm explicitado com alegria suas conquistas. E ao mesmo tempo tem exigido quase que diariamente atenção e empenho na busca de melhorias.

Nós, extensionistas da Emater, estamos apreendendo diariamente com este público. Entre os destaques estão os sentidos dos dis-cursos, que às vezes levamos tempo para en-tender o que de fato significam. Duas bene-ficiárias quase desistiram do programa até que entendemos que elas estavam com medo da obrigação de irrigar, o que acarretaria um possível aumento de custo com eletricidade.

Ainda, impressionou os conhecimentos tradicionais de cultivo das plantas bioati-vas e cuidado do corpo (saúde), que embora já não estejam tão presentes nas práticas atuais (abandonados pela desvalorização do conhecimento cientifico), ainda estão no horizonte simbólico. Igualmente as práticas ecológicas de produção (como rotação de cul-tivos, diversificação,...) utilização de práticas de conservação de alimentos foram rememo-rados e mesmo ocasião de troca de experiên-cias com as gerações mais novas.

Também tem nos mostrado que as meto-dologias participativas e articuladas com as realidades locais são aquelas que mais têm produzidos resultados positivos em termos de participação e mudanças de hábitos. Mui-tos têm introduzido (ou reintroduzidos) plan-tas bioativas, práticas tradicionais de culti-vos de hortas. Nas visitas recentes temos encontrado mudanças na atitude, no olhar que agora não são cabisbaixos, mas também nas práticas em casa. Trocaram plantas e sementes, e algumas casas recentemente vi-sitadas, já estão cultivando estes produtos.

Por último, há que lembrar que as mudan-ças culturais e sociais são em longo prazo, e os extensionistas precisam pacientemen-te insistir nelas. Tivemos dois casos que já

9 E muitas delas são responsáveis sozinhas pelas suas famílias.

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REFERÊNCIAS

estávamos desistindo por não se conseguir avançar com o projeto após o recebimento da primeira parcela. Mas visitamos várias ve-zes e atualmente já concluíram a primeira fase e estão em execução da continuação do programa. Estes dois exemplos tem servido de alento para lidarmos com as adversidades e assim contribuirmos com as transforma-ções necessárias do meio rural. O cotidiano

do nosso trabalho nos desafia à desacomo-dação de nossos valores e preconceitos para descobrirmos os sempre novos horizontes que se delineiam dialeticamente na intera-ção com os agricultores e agricultoras. Diz Freire (2010) “uma educação sem esperança não é educação. Quem não tem esperança na educação dos camponeses deve procurar tra-balho em outro lugar”.

Figura 14 – Execução do projeto de Horta – Propriedade da Família da Iracema (jan/2014 - Faxinal)

Fonte: Emater/RS-Ascar, 2013.

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GUIMARÃES, Gabriel Pinto 1, ROCHA JUNIOR, Paulo Roberto 2, SILVA, Victor Maurício 3, RIGO,

Michelle Machado 4, MENDONÇA, Eduardo de Sá 5.

ResumoO trabalho teve por objetivo avaliar, juntamen-te com os agricultores familiares, indicadores de qualidade do solo e saúde dos cafeeiros. As propriedades estudadas estão localizadas no município de Alegre-ES, onde foram avaliados um sistema cafeeiro agroflorestal (SAF) e cafe-eiro sob manejo convencional (CONV). As amos-tras de solo foram coletadas na projeção da copa do cafeeiro na profundidade 0-20 cm. Os resul-tados apontaram solos de fertilidade mediana para o SAF e baixa para o CONV. De acordo com os indicadores de qualidade do solo, o SAF apresentou maior sustentabilidade em relação ao sistema CONV. Não ocorreu variação na média para os indicadores de qualidade do ca-feeiro entre os dois agroecossistemas avaliados.

1 Mestre em Produção Vegetal pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo (CCA-UFES). Departamento de Produção Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, UFES, Alto Universitário s/n. 29500-000 – Alegre-ES – Brasil. E-mail: [email protected] Doutorando em Produção Vegetal pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo (CCA-UFES). Departamento de

Produção Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, UFES, Alto Universitário s/n. 29500-000 – Alegre-ES – Brasil. E-mail: [email protected] Doutorando em Produção Vegetal pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo (CCA-UFES). Departamento de

Produção Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, UFES, Alto Universitário s/n. 29500-000 – Alegre-ES – Brasil. E-mail: [email protected] Mestre em Produção Vegetal pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo (CCA-UFES). Departamento de

Produção Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, UFES, Alto Universitário s/n. 29500-000 – Alegre-ES – Brasil. E-mail: [email protected] Professor do Departamento de Produção Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre/

ES-Brasil, [email protected]

A investigação e interpretação de parâmetros qualitativos do solo e do cafeeiro mostraram-se acessíveis e de fácil interpretação pelo produtor.

Palavras-chaves: Agricultura familiar. Sustentabilidade. Cafeicultura. Manejo agroflorestal.

Visual indicators of soil quality used by coffee family farmers

AbstractO study aimed to evaluate with family farmers, indicators quality of soil and health of coffee. The farm studied are located in the municipa-lity of Alegre-ES were evaluated in a system coffee agroforestry (SAF) and coffee under con-ventional tillage (CONV). Soil samples were collected in the projection of the coffee canopy at 0-20 cm depth. The results showed soil ferti-lity median for the SAF and low for CONV. Ac-

Indicadores visuais de qualidade do solo e cafeeiros utilizados por agricultores familiares

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cording to the indicators of soil quality, the SAF had higher sustainability compared to CONV system. There was no variation in the average for the quality indicators between the two coffee agroecosystems evaluated. The investigation and interpretation of qualitative parameters of soil and coffee proved to be accessible and easily interpreted by the producer.

Keywords: Familiar agriculture. Sustainability. Coffee. Plantations. Agroforestry management.

1 INTRODUÇÃOEm sistemas de produção de base ecológica a

consolidação de indicadores de qualidade do solo é de fundamental importância no desenvolvi-mento de ferramentas que permitam ao agricul-tor avaliar a sustentabilidade de seu agroecossis-tema (GIRACCA et al, 2003). A sustentabilidade requer o uso racional dos recursos naturais tendo em vista a sua manutenção produtiva para as fu-turas gerações (GLIESSMAN, 2000). Dessa for-ma, para que o agroecossistema seja sustentável, é necessário que o agricultor avalie a qualidade do solo e da saúde das culturas.

Na metodologia proposta por Altieri e Ni-cholls (2002) estas avaliações são obtidas por meio de um questionário que possui perguntas sobre o solo (indicadores químicos, físicos e bio-lógicos) e sobre a saúde das plantas (aspectos da cultura). Notas são atribuídas para cada in-dicador e posteriormente estas são plotadas em gráfico para melhor visualização dos atributos que estão limitando ou potencializando a sus-tentabilidade do agroecossistema.

Neste sentido, Ferreira, Lovato e Hugo.(2007) utilizando o método proposto por Altieri e Nicholls (2002) em dois manejos de cafeeiros orgânicos (Abatiá-PR e Mariana-PR) e um siste-ma cafeeiro convencional (Mariana-PR) sob La-tossolo Roxo, concluíram que o sistema cafeeiro convencional apresentou menor sustentabili-dade em relação aos orgânicos, sendo os indi-cadores mais limitantes a diversidade vegetal, diversidade circundante e sistemas de manejo.

Utilizando a metodologia MESMIS, Theodo-ro, Castro e Aburaya (2011) avaliaram a sus-tentabilidade de 10 unidades de produção agrí-cola. Os autores concluíram que para o alcance

da sustentabilidade deve-se fazer a recomposi-ção das áreas de reserva legal, restauração das áreas de preservação permanente, correção do manejo animal e arborização das lavouras. As-sim sendo, fica claro que estes diagnósticos de fácil execução podem auxiliar numa recomen-dação sistemática para a melhoria e a sustenta-bilidade do agroecossistema em estudo.

Observações dos níveis de diversidade de plantas espontâneas ou adubos verdes, a di-versidade da vegetação circundante à área de cultivo e o sistema de manejo visam avaliar a infra-estrutura ecológica da lavoura. Sistemas que apresentam alta diversidade, com baixa entrada de insumos externos e com diversidade circundante são beneficiados pelas sinergias da biodiversidade, havendo maior nível de susten-tabilidade (NICHOLLS et al., 2004).

O Estado do Espírito Santo (ES) possui 81,8 % dos estabelecimentos agrícolas constituídos por agricultores familiares (IBGE, 2009) que se utilizam da cafeicultura como principal fonte de renda. Nas áreas produtoras de café predomi-nam o manejo convencional dos cafeeiros com emprego de agrotóxicos, reduzido uso de adubos orgânicos e baixo número de plantas por hec-tare, com impactos diretos sobre a sustentabi-lidade agrícola. Entretanto, deve-se ressaltar que em muitas propriedades familiares ocorre-ram ou estão ocorrendo transições no sistema de manejo convencional para sistemas em bases ecológicas, tornando-se necessária a determina-ção dos indicadores em diferentes manejos.

A utilização e a consolidação de indicadores visuais de qualidade do solo e saúde das plan-tas tornam-se de grande importância para os agricultores familiares uma vez que esses in-dicadores são de fácil uso e interpretação, são sensíveis de refletirem mudanças ambientais e das práticas de manejo impactando nos atribu-tos químicos, físicos e biológicos do solo.

Ressalta-se que existem poucos trabalhos na literatura que são desenvolvidos por pes-quisadores e agricultores que avaliaram a qualidade do solo e do cafeeiro. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi avaliar, junta-mente com os agricultores familiares, a quali-dade do solo e do cafeeiro sob manejo agroflo-restal e convencional utilizando a metodologia proposta por Altieri e Nicholls (2002).

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2 MATERIAL E MÉTODOSO trabalho foi conduzido em duas proprieda-

des familiares pertecentes ao município de Ale-gre-ES. De acordo com a classificação Köppen o clima predominante na região é quente e úmido no verão e inverno seco, a temperatura média anual é de 23º C. Os solos são Latossolo Vermelho Amarelo distrófico (LVAd) de textu-ra argilosa .

A propriedade 1 possui 4,84 ha cultivado com café sob manejo agroflorestal (SAF). A principal cultura é o café conilon. As outras culturas são: pimenta do reino, palmito, ma-mão, laranja comum, mexerica, mexeriqui-nha azeda, tangerina põnkan, lima, limão, pitanga, coco, jaca, abacate, goiaba, cajá manga, jabuticaba, acerola, ingá, banana e caju. O manejo da lavoura é realizado com ro-çadas para manter uma cobertura vegetal do solo evitando a erosão. Na propriedade ocorre apenas a utilização de isca formicida. Ressal-ta-se que o agricultor não realiza análise de solo e não há aplicação de calcário ou adubo químico, sendo que utiliza apenas a palha do café no manejo de adubação.

No momento da aquisição da propriedade, há 63 anos, a área era formada com lavoura de café arábica e mata. No entanto, o agricultor realizou a derrubada mata visando a implan-tação da lavoura cafeeira. A implantação do sistema agroflorestal ocorreu com experiências adquiridas ao longo dos anos. Inicialmente o agricultor resolveu deixar algumas árvores crescerem no meio do café. Ao longo do tempo por meio de sua percepção verificou que algu-mas plantas contribuíam para o desenvolvi-mento do café, contudo outras prejudicavam. Dessa maneira, as plantas que desfavorecerem o desenvolvimento do café foram eliminadas.

Ainda de acordo com sua percepção, o agricul-tor resolveu substituir algumas plantas de café arábica por café conilon observando o maior vi-gor nas plantas cafeeiras. Diante disso, resol-veu substituir todo o café arábica estabelecendo somente lavoura de café conilon. Com o passar dos anos, percebeu que a propriedade havia se transformado em floresta, e com o aprendizado adquirido ao longo do tempo com o sobreamento do café resolveu diversificar sua produção im-plantando diversas outras espécies de árvores,

frutíferas e palmeiras, formando assim um sis-tema agroflorestal.

A propriedade 2 possui 1,45 ha cultivado com café sob manejo convencional (CONV). As la-vouras são plantadas em curva de nível, man-tendo sempre uma cobertura do solo com plan-tas e palhadas. Parte da palha do café retorna para a lavoura, visando melhorar a fertilidade do solo. O agroecossistema é circundado por fai-xas de bananeiras com o objetivo de proteger o cultivo da ação do vento. Existem ainda al-gumas poucas espécies arbóreas (Quaresmão e Jacaré) dentro das lavouras. O manejo de adu-bação é feito com aplicação de adubo mineral sendo feito de acordo com a análise de solo. O manejo fitossanitário é feito basicamente com a aplicação de agrotóxicos.

As amostragens de solo e a aplicação do questionário para avaliação dos indicadores de qualidade do solo e saúde dos cafeeiros foram realizadas em julho de 2010. Para a realização da avaliação participativa dos indicadores de qualidade do solo e de cafeeiros, o trabalho ba-seou-se nos indicadores propostos por Altieri e Nicholls (2002). A metodologia foi aplicada com o produtor na forma de questionário com cami-nhamento no campo.

O método consistiu em avaliar vinte e seis in-dicadores, sendo treze atributos relacionados à qualidade do solo e treze relacionado à qualida-de das plantas de cafeeiro. Para cada atributo foi dada nota de 1 a 10 sendo num consenso en-tre agricultor familiar e pesquisadores. Assim, nota 1 e 2, 3 e 4, 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10 correspondem respectivamente a um nível muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto dos atributos avaliados.

Os resultados de análise de solo foram inter-pretados segundo Ribeiro et al. (1999), sendo os resultados da interpretação transformados em notas. Dessa forma, foi tomada a nota média no atributo análise de solo utilizado como um dos indicadores de qualidade do solo. Os atributos de análise do solo foram determinados segundo Embrapa (1997).

Para melhor visualização e interpretação dos resultados, as notas de cada atributo foram in-seridas num gráfico tipo radar, possibilitando assim comparar os indicadores que limitam ou potencializam a produção e a sustentabilidade dos agroecossistemas.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Indicadores de qualidade do solo

De acordo com os resultados obtidos, obser-vou-se que para os treze atributos estudados como indicadores de qualidade do solo o SAF obteve a nota média igual a 8,67. Por outro lado, quando avaliado o sistema CONV, a média foi numericamente inferior, sendo esta igual a 6,13 (Tabela 1). Depreende-se que o SAF obteve 2,54 unidades superiores na média quando compara-do ao sistema CONV, comprovando a sua maior sustentabilidade.

Verifica-se por meio da Figura 1 que a “man-cha” de representação gráfica na área de SAF é muito superior comparado ao sistema CONV, ressaltando a maior qualidade do solo neste sis-tema mais conservacionista. Ademais, constata--se que a representação gráfica foi à forma mais didática e eficiente de apresentação dos dados, permitindo a maior percepção dos resultados por parte dos agricultores e técnicos.

Embora o resultado do sistema CONV esteja abaixo dos resultados obtidos para o SAF, ain-da estão acima dos valores recomendados por Nicholls et al. (2004) que indicaram um valor médio global inferior a 5 como indicador de qua-lidade do solo e/ou saúde da cultura considerado o limiar de sustentabilidade.

As variações de resultados são esperadas uma vez que as condições edafoclimaticas de desen-volvimento do estudo de Nicholls et al. (2004) eram diferentes da atual. Dessa forma, um dos grandes desafios enfrentados pelos agricultores e extencionistas tratando-se de avaliar a quali-dade é saber quando um agroecossistema é sau-dável, ou melhor ainda, saber o quão saudável é um agroecosistema.

Mesmo o SAF tendo apresentado média su-perior ao sistema CONV para os indicadores de qualidade do solo, o atributo que apresentou maior limitação neste sistema (SAF) foi a aná-lise de solo que obteve nota 6 (Tabela 1). Como o agricultor não realiza adubações química e/ou orgânica no SAF, a fertilidade do solo é manti-da através da ciclagem de nutrientes, demons-trando a importância da grande diversidade de árvores na nutrição do cafeeiro.

Na profundidade 0-20 cm da propriedade 1,

o solo apresentou os seguintes atributos quí-micos: pH em água (5,6); fósforo (2 mg dm-3); potássio (76 mg dm-3); cálcio (2,4 cmolc dm-3); magnésio (0,7 cmolc dm-3); soma de bases (1,96 cmolc dm-3); H+Al (3,1 cmolc dm-3); Al+3 (0,0 cmolc dm-3), CTC total (6,44 cmolc dm-3) e sa-turação de bases (52,1%). Já na propriedade 2, na profundidade 0-20 cm, o solo os seguintes atributos químicos: pH em água (5,2); fósforo (3 mg dm-3); potássio (21 mg dm-3); cálcio (1,6 cmolc dm-3); magnésio (0,3 cmolc dm-3); soma de bases (1,96 cmolc dm-3); H+Al (8,6 cmolc dm-3); Al+3 (0,6 cmolc dm-3), CTC total (10,54 cmolc dm-3) e saturação de bases (18,2%).

Como observado no SAF, o CONV apresentou a análise de solo como um dos indicadores de qualidade do solo mais limitante (nota 4). Na Figura 1, observa-se de forma mais perceptí-vel que o fósforo (P) foi o elemento químico que apresentou a menor nota dada em ambos os agroecossistemas.

Um dos maiores problemas dos solos tropicais é a deficiência generalizada de P, uma vez que esses solos apresentam alta capacidade de fixa-ção de fosfato (adsorção e precipitação), o que li-mita grandemente a produtividade das culturas nessas áreas (VAN RAIJ, 1991). Entretanto, como ocorre para os indicadores de qualidade do solo, essa forma gráfica de apresentação da interpretação dos dados da análise de rotina do solo é uma forma mais didática e perceptível do agricultor observar quais elementos químicos devem ser corrigidos.

Outro atributo que apresentou nota baixa no CONV foi a presença de plantas indicado-ras. Nesse sistema foram encontradas plan-tas típicas da região que indicam solos com fertilidade mais baixa. Exemplos de plantas encontradas que indicam solos pobres foram: samambaia, picão preto e losmam branca. Ferreira, Lovato e Hugo.(2007) realizaram um levantamento no cerrado com a finalida-de de identificar plantas indicadoras de qua-lidade de solos. Os autores caracterizaram 21 plantas indicadoras de solos distróficos e 6 plantas indicadoras de solos eutróficos, mos-trando assim, a capacidade de distinguir dois tipos de solo com características químicas di-ferentes somente a partir de análises visuais.

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Tabela 1 – Indicadores de qualidade do solo sob sistema cafeeiro agroflorestal (SAF) e convencional (CONV) com respectivas notas para cada atributo avaliado.

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Figura 1 – Gráfico da qualidade do solo e da fertilidade do solo sob cultivo com cafeeiro agroflorestal (SAF) e conven-cional (CONV) pertencente a duas propriedades familiares de Alegre-ES.

3.2 Indicadores de qualidade dos cafeeiros

Em relação aos treze atributos avaliados para os indicadores de qualidade dos cafeeiros, ob-servou-se que o SAF obteve média de 7,15, já o CONV, a média foi de 7,23 (Tabela 2, Figura 2). Para os dois agroecossistemas, o atributo que mais limitou foi diversidade natural circundan-te que obtiveram nota 3. De forma semelhante, Theodoro, Castro e Aburaya (2011) relataram que deve-se fazer a recomposição das áreas de reserva legal, restauração das áreas de preservação per-manente para o alcance da sustentabilidade.

Mesmo o SAF apresentando média próxima ao CONV para os indicadores de qualidade do cafe-

eiro, o SAF obteve nota 4 para o indicador rendi-mento do cafeeiro atual e potencial. Este valor se deve possivelmente pelo fato do cafeeiro já estar em idade avançada e o agricultor não realizar po-das ou renovação do cafeeiro.

Para o CONV, além da diversidade natural cir-cundante, outro indicador limitante foi a arboriza-ção que obteve nota 4. Esses resultados se devem a homogeneização de espécies vegetais na lavoura o que indica que o agricultor deve rever a condição de inserção de outras espécies com a cultura prin-cipal, com o intuito de incrementar a diversidade do agroecossistema (Azevedo et al., 2002). Esse quadro é dominante em várias regiões do estado do Espírito Santo (Espírito Santo, 2008), onde a maioria das lavouras não é arborizada sendo con-duzidas em sistemas de monocultivo.

É importante ressaltar que essas avaliações são empíricas, pois para um mesmo atributo quando analisado por diferentes agricultores em um mesmo solo, pode ocorrer notas diferen-tes. Dessa forma, para que haja credibilidade na metodologia e a mesma possa refletir a realida-de local, é importante que as avaliações sejam realizadas sempre pelo mesmo agricultor ou conjunto de pessoas no agroecossistema. Esta metodologia, quando realizada com agriculto-res e técnicos, é muito importante para ajustar a avaliação permanente da lavoura por parte, principalmente, do agricultor.

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Tabela 2 – Indicadores da saúde do cafeeiro sob sistema de produção cafeeiro agroflorestal (SAF) e convencional (CONV) com respectivas notas para cada atributo avaliado.

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REFERÊNCIAS

4 CONCLUSÕESO manejo dos cafeeiros em sistema agroflores-

tal registrou aumento médio de 2,54 unidades nos indicadores de qualidade do solo em relação aos ca-

feeiros no sistema convencional. Esse dado indica que os indicadores de qualidade do solo auxiliam o SAF a apresentar maior sus-tentabilidade quando comparado ao CONV.

Não ocorreu variação na média para os indicadores de qualidade do cafeeiro entre os dois agroecossistemas avaliados. Os indicado-res mais limitantes para o SAF é o rendimen-to atual e potencial do cafeeiro e a diversidade natural circundante. Para o CONV, os indi-cadores mais limitantes são a arborização da lavoura e a diversidade natural circundante.

A interpretação de parâmetros qualita-tivos do solo e de cafeeiros demonstrou ser acessível e de fácil interpretação pelos agri-cultores familiares. Os agricultores ressal-tam satisfação na visualização dos gráficos que é uma forma didática de apresentar os dados e observar quais atributos são os mais limitantes, para que ajustes nos sistemas de manejo possam ser realizados.

AGRADECIMENTOSAos agricultores familiares do Território do Ca-

paraó e a Fundação de Amparo a Pesquisa do Espí-rito Santo (Fapes) pelo apoio financeiro.

Figura 2 – Avaliação da saúde do cafeeiro cultivado sob manejo agroflorestal (SAF) e convencional (CONV) pertencente a duas pro-priedades familiares de Alegre-ES.

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1 Médico Veterinário da Emater-RS/Ascar.

Biomineralização animalUma ferramenta dentro da visão sistêmica de

produção animal de base ecológicaMachado, Ricardo Lopes1

Assim como as plantas, os animais depen-dem diretamente dos minerais para terem o organismo equilibrado e poderem desenvol-ver todas as suas funções produtivas. Segun-do o cientista Vernadsky (1863-1945): “Vida é mineral animado”. Mesmo os animais selva-gens conhecem muito bem os benefícios da mineralização. Seja por instinto ou experiên-cia, muitos animais complementam sua dieta com minerais ricos para a saúde. É comum vermos os animais domésticos aproveitando as cinzas de algum fogo de chão. Embora os animais obtenham toda a sua energia dos ali-mentos que ingerem, ainda assim podem ter carência de vitaminas e minerais, que preci-sam ser procurados em outros lugares. Os gorilas-das-montanhas comem terra vulcâni-ca para obter os minerais vitais que os man-têm saudáveis. Em alguns lugares o solo é rico em cálcio e potássio, e na estação seca, os go-rilas cavam o solo rico em sais e comem-no.

No caso dos animais domésticos a ne-cessidade é maior ainda, visto que por exemplo as vacas que vieram ao mundo para produzir leite apenas para a cria hoje acabam produzindo muitas vezes mais por nosso interesse, e com isso a exigência em termos minerais deve ser complementada. Assim a biomineralização dos animais na verdade é uma forma de “adubar” os ani-mais para que fiquem em equilíbrio e de-sempenhem adequadamente suas funções produtivas. Devemos também atentar que o sistema como um todo deve estar em equilíbrio. Solo com manejo de base ecoló-gica e que proporcione a formação de vida, vai melhor bio-disponibilizar os nutrientes para as plantas e consequentemente para os animais. A “teoria da trofobiose” deve se estender a estes.

FORMULAÇÃO DE SAL MINERAL CASEIRO

É plenamente possível fazer em casa uma mistura mineral que atenda as necessidades de nossos animais, usando-se ingredientes que são encontrados no comércio e resí-duos de casa como a cinza, e assim baixar o custo das misturas comerciais prontas. Após queimada a madeira, nas cinzas fi-cam aqueles elementos minerais extraídos do solo como o Fósforo, Potássio, Cálcio, Magnésio, Enxofre, Cobre, Ferro, Zinco, Manganês, Sódio. Observar que a cinza deve ser de madeira não tratada e deve ser peneirada antes do uso.

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F 3 - BOVINOS DE LEITE COM FOSFATO BICÁLCICO

Fosfato Bicálcico ...... 43 %Calcário Calcítico ..... 15 % Sal Comum ............... 30 % Cinza ......................... 3,5 % Enxofre ..................... 2,5 % Magnésio ..................... 3 %

Em todas as formulações pode ser acrescido após a mistura 30 % de farinhas de rocha. Uma indicação é o produto “Geobacter”, composto por uma mistura de rochas de basalto, granito e outras complementares que perfazem mui-tos microelementos. É possível testar farinhas de rochas locais e que não estejam lixiviadas.

Fornecer aos animais nas mesmas quantida-

des e seguindo as recomendações usuais das misturas comerciais prontas. É importante ter um cocho de sal com livre acesso aos animais.

A mistura mineral também pode ser um im-portante veículo para o fornecimento de ho-meopatia paro os animais, que é mais uma im-portante ferramenta para viabilizar a produção animal de base ecológica.

Vacas Leiteiras Biominera-lizadas em Novo Xingu-RS, animais criados em sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) consumindo mistura mineral + pó-de-rochas e homeopatia no cocho. Solo vivo mineralizado pasto em quantidade e com quali-dade queijo e derivados com qualidade e sabor ca-racterísticos do produto de base ecológica.

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SIQUEIRA, Ana Elizabeth Souza Silveira de1, SARDENBERG, Cecília Maria Bacellar2.

ResumoEste artigo aborda questões em torno das rela-ções de gênero com um olhar sobre a perspec-tiva geracional a partir da discussão teórica em torno dos papéis produtivos e reprodutivos assumidos por mulheres nos espaços privado e público. Propomo-nos, à luz das teorias femi-nistas, levantar argumentos para questionar estereótipos e preconceitos relacionados a gêne-ro, geração e sexualidade. Os dados expressos foram obtidos a partir das observações de cam-po e dos relatos de mulheres agricultoras que participam do Projeto Gente de Valor (PGV), da Companhia de Desenvolvimento e Ação Re-gional (CAR), órgão do Governo do Estado da Bahia. A análise desse processo permite-nos fa-zer considerações sobre a reprodução dos papéis de gênero de geração a geração.

Palavras-chaves: Relações de gênero. Mulheres agricultoras. Geração.

1 Engenheira Agrônoma (UFRPE), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPG-NEIM), Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil, [email protected].

2 Doutora em Antropologia Social, Boston University; Pós Doutor(a) – Institute of Development Studies, Brighton, Reino Unido.Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo

(PPG-NEIM), Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil, [email protected].

1 INTRODUÇÃO“A partir dos sete, oito anos, eu coloco as minhas

filhas para fazer tudo dentro de casa” – relatos como este nos chamam a atenção para o fato de ainda hoje mulheres agricultoras continuarem reproduzindo os papéis tradicionais de gênero em suas famílias. Este artigo surge provocado por esta constatação. Os dados e informações aqui expressos foram obtidos em observações de campo e de relatos de mulheres agricultoras que participaram de alguns dos 100 Encontros Sub-territoriais de Mulheres promovidos, entre 2010 a 2012, pelo Projeto Gente de Valor (PGV), da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regio-nal (CAR), empresa pública do Estado da Bahia. Instigam-nos as continuidades e descontinuida-des nas representações de gênero em diferentes gerações de famílias agricultoras aí encontradas. Durante estes encontros de mulheres foram dis-cutidas várias temáticas, das quais aqui vamos abordar as relacionadas aos papéis produtivos e reprodutivos, à divisão sexual do trabalho, edu-cação, violência e sexualidade, partindo sempre de relatos destas mulheres.

Mulheres Agricultoras: um olhar feminista e geracional

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Curta-metragem “Vida Maria”, de Márcio Ramos.

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Para tanto, dialogamos com a literatura a cer-ca dos fundamentos teóricos sobre as categorias de gênero e de geração, considerando a transmis-são geracional de valores, as etapas do ciclo de vida reprodutivo e produtivo, a trajetória da vida cotidiana das mulheres agricultoras ao exercer as atividades domésticas, organizativas e produti-vas em suas comunidades. Propomo-nos dialogar com as teorias feministas, levantando argumen-tos para questionar estereótipos e preconceitos relacionados a gênero, geração e sexualidade, e analisar as experiências das mulheres agriculto-ras na instituição familiar e na associação comu-nitária ou de produção, espaços onde conciliam atividades domésticas e laborais, cuidado com os filhos e filhas, trabalho nos quintais e na roça. Reconhecemos gênero, classe social e raça/etnia como categorias relacionais de análise, e geração e idade como dimensões fundantes de análise da vida social; categorias que nos ajudam a compre-ender as questões atinentes a esta temática e a sua interseccionalidade com outras categorias. A análise desse processo permite-nos fazer conside-rações sobre a reprodução dos papéis de gênero de geração a geração. Percebe-se que as mulheres vêm assumindo um papel de chefias e provedoras de família, sobretudo por estarem também deten-do o poder aquisitivo da família e contribuir efe-tivamente para o orçamento doméstico. No con-fronto de elementos teóricos com a experiência concreta dessas mulheres agricultoras, pretende--se enriquecer o debate sobre como a questão de gênero interfere na organização social dos espa-ços público e privado, e levar a pensar nos valores e contravalores que estão associados a cada uma das designações atribuídas a homens e a mulhe-res na sociedade contemporânea.

2 UM BREVE HISTÓRICO DO “PROJETO GENTE DE VALOR”O Projeto Gente de Valor começou a ser imple-

mentado no início de 2007 pela CAR, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional (SEDIR). É um Projeto do Governo do Estado da Bahia em parceria com o Fundo Inter-nacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), órgão das Nações Unidas (ONU). Sua área de abrangência compreende 34 municípios da re-gião semiárida, todos com baixo Índice de Desen-volvimento Humano (IDH), sendo 26 municípios

na região Nordeste do Estado3 e oito na região Sudoeste4. O que o Projeto se propõe é o desen-volvimento regional através da construção de alternativas agroecológicas, de convivência com o semiárido, com promoção da segurança alimen-tar e nutricional, para melhorar a qualidade de vida de 282 comunidades rurais, constituídas por agricultores e agricultoras tradicionais ou quilombolas ou indígenas. A perspectiva adotada é a territorial, que prevê o desenvolvimento inte-grado – social, cultural, ambiental e produtivo.

O diferencial do Projeto Gente de Valor em re-lação aos demais desenvolvidos pela CAR é ser o único que tem como uma estratégia de interven-ção a perspectiva de gênero. Para enfrentar o de-safio de promover a equidade de gênero em todas as ações desenvolvidas no projeto, a estratégia metodológica foi trabalhá-la de forma transver-sal. A transversalidade do tema de gênero é vista de forma inovadora, inclusiva, ao adotar a viabi-lização da inclusão social, a equalização das opor-tunidades, ao garantir que o recorte transversal de gênero esteja presente por dentro da estrutu-ra de execução do projeto e de todas as ações dos Componentes Produtivo e de Mercado e do Capi-tal Humano e Social, conforme o modo como se organiza o projeto. A intervenção na perspectiva de gênero demandou várias ações afirmativas e o processo de sensibilização e capacitação sobre as questões de gênero foi uma das estratégias mais importantes. Através do trabalho específico com as mulheres, elas se prepararam e se capacita-ram para a participação nos processos e espaços sociais representativos com uma maior consciên-cia de si, de seu papel, ocupando cargos de poder com autonomia. O processo de sensibilização teve início com os encontros de mulheres que aconte-ceram nos subterritórios5, refletindo e visibilizan-do as contribuições das mulheres camponesas.

A metodologia utilizada nos encontros de mulhe-res foi à participativa que proporcionou a interação

3 Abaré, Adustina, Antas, Banzaê, Cansanção, Ca-nudos, Chorróchó, Cícero Dantas, Coronel João Sá, Eu-clides da Cunha, Fátima, Glória, Heliópolis, Itapicuru, Jeremoabo, Macururé, Monte Santo, Nordestina, Novo Triunfo, Paripiranga, Pedro Alexandre, Quijingue, Ribei-ra do Amparo, Rodelas, Santa Brígida e Sítio do Quinto.

4 Aracatu, Boa Nova, Bom Jesus da Serra, Caetanos, Manoel Vitorino, Mirante, Planalto e Poções.

5 Conjunto de três ou quatro comunidades com carac-terísticas e identidades culturais semelhantes.

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do grupo através de relatos de suas experiências, com discussões que enfatizaram a importância delas para si mesmas e para a comunidade como um todo. Como eixo central da proposta de conte-údo dos encontros de mulheres trabalhamos com a dinâmica “Eu, minha Mãe e minha Avó”6 com a finalidade de estimular o olhar crítico sobre a vida cotidiana das mulheres agricultoras, levá--las a refletir sobre as semelhanças e diferenças entre as gerações, se e quais mudanças houve do tempo das avós até hoje. Também foi exibido du-rante esses encontros o filme de animação “Vida Maria”, do diretor Márcio Ramos. O filme retrata a realidade da personagem Maria José, da infân-cia até a idade adulta, no sertão nordestino, uma repetição do passado de sua mãe e avó. A identifi-cação com a personagem principal do filme “Vida Maria” facilitou às mulheres aprofundar o tema nem sempre fácil das relações de gênero, num con-texto desafiador de conviver com o clima semiárido e de assumir as atividades reprodutivas. A Maria do filme revela, como se fosse sina, a desigualdade nas relações entre homens e mulheres: não teve oportunidade de estudar, carregou água na cabe-ça, cozinhou, pisou arroz no pilão, lavou e passou roupas, varreu o quintal, tratou dos animais, ca-sou na adolescência, teve nove filhos e cuidou sozi-nha da educação deles, sofreu violência doméstica, não participou de espaços organizativos e repetiu a mesma história de vida de sua mãe, de sua avó.

Concluindo observamos que as mulheres agri-cultoras que participaram desses encontros, assim como a Maria José do filme, continuam em grande medida reproduzindo essa história em suas famí-lias, independentemente de sua idade e geração.

3 UM OLHAR SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO MEIO DAS AGRICULTORASNeste contexto, é necessário dar visibilidade à

importância da família no processo de socialização dos indivíduos e na transmissão da herança sim-bólica, cuja hierarquia de lugares sociais, aliada à autoridade da experiência e dos saberes das ge-rações mais velhas, constitui-se como referência à função socializadora. A família aparece aqui com seu papel mediador entre o indivíduo, a sociedade e o Estado, ela permeia as fronteiras entre as esfe-ras pública e privada. Essa relação entre a família e a sociedade é complexa e expressa descontinui-dades e permanências diante de mútuas influên-

6 Essa dinâmica consiste em resgatar como era a vida das ancestrais das agricultoras confrontando com a realidade atual. Perguntamos a elas quais as atitudes que eram feitas por nossas avós e mães, que repetimos em nossas vidas?

7 Nome fictício que será usado neste artigo para todas as mulheres agricultoras depoentes.

cias entre família e sociedade. No dizer de Britto da Motta (1998, p.69), a família:

[...] é uma trama de relações sociais as mais bási-cas, corporificadas em indivíduos que constroem sua identidade de gênero como homens ou como mulhe-res, de variados grupos de idade que se constituem (ou podem ser vistos) como gerações, e se identifi-cam como crianças, jovens, adultos plenos ou velhos.

A família, um lugar social dos afetos, dos senti-mentos, dos amores, é também um espaço de em-bates entre os sexos/gêneros e gerações, hierárqui-co e de disputa de poder. As relações de gerações de gênero, ou melhor, de poder vivida no entrelace entre as gerações contíguas (pais e filhos/as, avós e filhos/as) e intrageracionais (os/as irmãos/as) nos mostra que o conflito é maior nas gerações que es-tão mais próximas da geração que se está vivendo. Durante os encontros de mulheres observamos que os relatos das diversas “Marias”7, de várias gerações, ao contar de suas vivências pessoais no espaço doméstico e familiar ao longo de suas vidas, reproduzem e reforçam a identidade femi-nina tradicional. Os laços de gênero e de geração em famílias agricultoras desta região, com ênfase para a transmissão de legados pelas avós e mães nem sempre ou quase nunca valorizadas e reco-nhecidas, estão ligados à promoção da segurança alimentar e preservação da agrobiodiversidade e se expressam num amplo conjunto de práticas co-tidianas: produção de alimentos (verduras, frutas, grãos, legumes), criação de pequenos animais; cul-tivo de plantas medicinais e flores; fabricação de doces, geleia e compotas; conservação das semen-tes e mudas; manejo do bioma caatinga; produção de artesanato; preservação cultural (cantigas, danças, brincadeiras, rezas e outras); organização da casa e do quintal, no cuidado com as crianças, idosos e de pessoas portadoras de cuidados espe-ciais etc. A criança é considerada sem experiência, controlada pelos pais, aprende e reproduz desde a infância o cuidado com os irmãos e irmãs. Des-se modo as meninas aprendem desde muito cedo como cuidar dos filhos e filhas, netos e netas. É o

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que diz Maria de Chorrochó8: “Não tenho muito afeto com crianças, pois cuidei dos meus irmãos desde os quatro, cinco anos. Eu derrubei o meu ir-mão que era pesado para mim e quase matei”. “Le-vei uma surra porque não quis olhar o meu irmão”.

Esse aprendizado dá-se através de mecanismos racionais, emocionais e da linguagem que favore-cem a identificação da criança com o outro, a per-cepção e assimilação de papéis e atitudes de outros como seus. É importante compreender que a socia-lização das normas e valores não transcorre de for-ma linear, que o processo de internalização ocorre no curso de vida dessas mulheres. A identidade de gênero é uma variável cultural, socialmente cons-truída. O gênero na vida das mulheres agriculto-ras evidencia-se como resultado de um processo que foi sendo produzido e reproduzido na medida em que sua família, a educação, a religião, a vida doméstica, as relações políticas, assim como as de-mais relações sociais, interagem entre si, se rela-cionam e através de imagens, gestos e símbolos se materializam, são alimentados pelos aspectos nor-mativos e se institucionalizam. A naturalização das diferenças nas relações de gênero, a ideologia de uma essência masculina e outra feminina, foi sendo construída, ensinada, passando para essas mulheres padrões de comportamento de menina e de menino, de modo a instituir sua subordinação enquanto gênero feminino, algo que se construiu ao longo de suas vidas.

Na fala de Maria, de Glória evidencia-se a domi-nação: “Só quem sabe falar é ele. O homem quer ser o principal”. Assim, homens e mulheres modelam identidades na interface dessa construção social de gênero, permeando a totalidade de suas relações socioculturais. Quem lida com gênero numa pers-pectiva feminista contesta a exploração/domina-ção masculina que é forte na vida dessas mulheres agricultoras. As mulheres agricultoras familiares nordestinas vivem, no cotidiano, o peso da cultura machista, sexista e patriarcal. A formação domés-tica reafirma o poder legitimado do homem sobre as mulheres, mantendo-as oprimidas no âmbito da família, assumidamente figuras subalternas (SAFFIOTI, 1992). Essa dominação se materia-liza por intermédio da cultura, das tradições, da divisão sexual do trabalho doméstico, que impõe desde muito cedo sobre quem tem o sexo “fêmea” o desempenho de determinadas tarefas ditas femi-ninas. Nas relações familiares destas mulheres,

observamos como a ordem de gênero patriarcal ainda impera e é mantida cotidianamente por ho-mens e mulheres. As mulheres, contudo, reprodu-zem o patriarcado e se tornam peças importantes na sua reprodução e continuidade, por meio, so-bretudo, da educação dos filhos e filhas.

Uma das questões enfrentadas por elas é o pre-conceito dentro da comunidade e entre as próprias mulheres. Como registrado por Maria de Mirante: “eu era presidente da associação e a outra era tesou-reira. Quando foi para renovar, votaram em um ho-mem porque disseram que nós não éramos capazes de assumir a associação com a chegada do PGV”. E confirmado na fala de Maria de Monte Santo: “A maioria das mulheres continua vivendo apenas para os maridos e os filhos e muitas vezes deixando de viver as suas próprias vidas”. As dificuldades enfrentadas por essas mulheres remetem ao que Kimberlé Crenshaw (2002) chama “associação de sistemas múltiplos de subordinação” que estru-turam os terrenos sociais, econômicos e políticos. São problemas de consequências estruturais e de dinâmicas interseccionais de gênero, classe, raça, etnias, geração, regionalidade, e outras. Desigual-dades básicas na vida dessas mulheres e de outras mulheres negras, pobres, são criadas pelas formas com que se exercem e se combinam o sexismo, o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios. De modo geral, a estrutura e reprodução do patriarcado ainda hoje é predominante, de diferentes formas e graus, sobre todas as mulheres, qual seja sua raça ou etnia e classe social. No entanto, pelo que se observa na trajetória dessas mulheres agricultoras, o fato de ser pobre, mulher, nordestina, rural, negra ou índia, jovem ou idosa, potencializa a dominação patriarcal. Veja o que disse essa jovem Maria de Monte Santo: “eu tinha um namorado que não dei-xava eu ir para a festa, e não era nem para pedir para eu ir à feira.” Outra Maria nos surpreendeu dizendo: “A vida da mulher que pensa mudou, as que não pensam vivem dominadas pelos maridos”. Apesar de enfrentarem o preconceito de gênero, classe social, raça/etnia e geração, elas sabem do desafio que é sair da sombra e assumir o papel de protagonistas. Como podemos verificar neste de-poimento de Maria de Mirante: “As mulheres têm que saber tomar decisões. Hoje mudou muito por-

8 Município da Bahia onde cada Maria reside.

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que começamos a sair de casa, mas essas que só pensam em fogão ficam na mesma vida de sofri-mento e submissão”.

Por força da ideologia de gênero, que confere ao homem a responsabilidade pelas atividades ditas “produtivas” e as mulheres as ditas “domésticas” reforçando a constituição da identidade de gênero, há diferenças na assunção das identidades mas-culina, sempre como trabalhador, e a identidade feminina pela maternidade e tarefas domésticas. É o que é revelado por essas Marias, de Boa Nova: ”Desde muito cedo as mulheres começaram a fa-zer serviço de casa”; “tem o negócio de dizer: isso é trabalho de mulher”; “a mulher tem de dar o pra-to do marido na mão”; “Nós dona de casa desde que levanta não para de fazer serviço e ainda vai ser empregada de marido”; “Nós mulher trabalha mais. Eu vou pra roça eu chego dentro de casa, se minha menina não estiver eu tenho que fazer tudo. Ia pegar água longe, de barrigão”.

Quando as mulheres se inserem no espaço pro-dutivo e permanecem no mundo do trabalho, isso se dá quase sempre com muito conflito, as soltei-ras com seus pais e irmãos, e as casadas principal-mente com seus maridos. Quando essa mulher é uma adolescente o conflito muitas vezes se agrava, pois entrar em contato com as amigas, participar da comunidade, dos cursos de formação, da asso-ciação etc., faz com que essa adolescente se sinta desafiada a romper com os hábitos e costumes que para a maioria dos adultos são aceitos com natura-lidade (MANNHEIM, 1961).

Considerando gênero e idade/geração como di-mensões fundantes de análise da vida social e de importantes fatores de organização social, Bour-dieu (1978, p. 113) lembra que tanto “a juventude como a velhice não são dados, mas construídos so-cialmente na luta entre os jovens e os velhos”. Ele afirma que a representação ideológica da divisão entre as idades dos jovens e dos velhos é arbitrá-ria, trata-se da repartição dos poderes, pois ao lon-go de nossa vida ocupamos várias posições, somos sempre os jovens ou os velhos de alguém. E ressal-ta que a geração que tem maior poder no momento é quem ganha na disputa, pois no curso de nossa vida tudo é dinâmico e tudo muda o tempo todo.

“O marido puxa a orelha e tira a gente de tem-po.” Esse depoimento é de uma das Marias quando perguntamos por que nas reuniões com a presença dos homens elas falam pouco. Fica evidenciada a

opressão vivida por elas quando “teimam” em par-ticipar e expressar sua opinião nos espaços mistos. Muitas delas, as mais velhas e as adultas, casa-ram jovens, com cerca de 13 anos de idade, e logo tiveram filhos. Segundo elas a falta de oportunida-de era e ainda é o grande vilão para um casamento tão precoce. Ainda hoje na região semiárida, obser-va-se pouca perspectiva quanto a geração de renda para as mulheres, mesmo quando elas concluem o ensino médio.

Em uma comunidade as mulheres idosas em sua maioria são analfabetas ou analfabetas fun-cionais, as adultas mal terminaram a 4ª série primária, hoje ensino fundamental I. Apesar das mais jovens terem mais escolaridade, chegando a concluir o ensino médio, elas continuam ven-do o casamento como uma única alternativa na vida delas, diferente dos homens – que priorizam o trabalho rural. Foi dito por uma Maria: “Hoje, as moças se formam e os homens não se interes-sam em estudar. As oportunidades existem para os dois, porém os homens querem trabalhar para ganhar dinheiro”. Os jovens, filhos de agricultores que deixam a escola muito cedo, querem começar a trabalhar, porque isso significa entrar no mundo dos adultos, ter dinheiro é muito importante para se afirmar em relação aos colegas e em relação às meninas. “Ser reconhecido e se reconhecer como homem”, diria Bourdieu (1983, p.115).

Já as jovens mulheres, diferentemente de suas mães e avós, que não conseguiram terminar o “pri-mário”, estão tendo mais oportunidades de estu-dar, de encontrar os amigos e amigas, no horário

“Paisagem de Brodowski” - 1940. Cândido Portinari

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que estão na escola são dispensadas das tarefas domésticas. E quando finalmente conseguem con-cluir o ensino médio, mesmo esse sendo precário, isto faz com que elas tenham mais aspirações, muitas vezes incompatíveis com suas chances re-ais. São jovens filhas de camponesas para as quais o ensino então chamado “secundário” era inacessí-vel. Diz uma dessas camponesas, que estudou no MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetiza-ção e foi professora-leiga na escola da comunidade: “Meus pais não me deram oportunidade para estu-dar, mas o meu sonho era estudar e conseguir dar o 2º grau aos meus filhos.”; “Meus pais não tinham condições para dar estudo e não iam pôr suas fi-lhas na cidade”.

Segundo Bourdieu (1983, p. 117), “para que as classes populares pudessem descobrir que o sis-tema escolar funciona como um instrumento de reprodução era preciso que passasse pelo sistema escolar”. Ele afirma que o sistema escolar é um ve-ículo de privilégios da classe dominante. Observa-

mos a materialização do privilégio de estudar no depoimento desta Maria: “Ainda hoje, têm jovens que não vêm à aula ou chegam atrasados porque estão ajudando os pais.” Este ainda é um retrato muito comum na zona rural. As mulheres campo-nesas, mais velhas, ressaltam a discriminação so-frida quando elas iam estudar na cidade: “Estudar na rua, lá na cidade, éramos discriminadas”.

No tempo das avós, elas não podiam estudar: “Meus pais nunca me deram estudo. Diziam que caneta de agricultor é a enxada”. Algumas mulhe-res agricultoras atribuíram a dificuldade de estu-dar no passado às longas distâncias que tinham que andar para chegar à escola. Relembraram que naquele tempo se não aprendesse a lição levava “bolo na mão” com a palmatória. Na escola não ti-nha merenda. Cursavam até a 3ª série e ficavam repetindo o ano porque quem ensinava era profes-sora leiga, que só sabia até aí...

Outro fator importante que apareceu nos re-latos das mulheres mais velhas como uma gran-de dificuldade para que elas estudassem foi a fome: “A fome não me deixava e eu não conseguia aprender.” Ficamos surpresas em um dos encon-tros numa comunidade do município de Macu-ruré quando a diretora da escola local ressaltou que a fome ainda hoje é um fator do não aprendi-zado. Ela disse: “A fome ainda existe. No dia que não tem merenda escolar, eles ficam inquietos e agressivos”. A fome foi apontada pelas mulheres mais velhas como um fator determinante no não aprendizado delas antigamente, dificultando o entendimento dos conteúdos, fazendo com que as pessoas desistissem de estudar: “quando jo-vem queria, mas não conseguia”.

4 QUESTÕES GERACIONAIS E CONEXÃO COM A SEXUALIDADEPara pensar as relações entre as gerações de

mulheres agricultoras e suas representações sobre a sexualidade usamos o marcador social “geração” como categoria analítica nos dois sen-tidos em que Andréa Alves (2009) emprega o termo geração. O primeiro sentido é “como po-sição no interior da estrutura de parentesco, alinhada à organização social do ciclo de vida” (ALVES, 2009, p.15), na perspectiva de tornar mais explicita a conexão entre sexualidade e reprodução, através das relações de parentesco dessas mulheres agricultoras e da organização

“Índia e mulata” - 1934. Cândido Portinari

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social do ciclo de vida. O modelo que predomina na sociedade que essas mulheres agricultoras estão inseridas é o modelo normativo, domi-nante, de família patriarcal, heterossexual, de casamento monogâmico com padrões de divisão de gênero e de idade. São padrões construídos socialmente que relacionam linearmente sexu-alidade, geração e reprodução.

Observamos que a sexualidade é um tema difícil entre as gerações das mulheres da zona rural. Outra percepção é que há uma repro-dução de vida cotidiana trazidas pelas avós e mães, e nem sempre percebidas, principalmen-te em relação às mulheres assumirem os filhos, a casa e o trabalho na roça, bem como a falta de diálogo entre as mães e filhas sobre assuntos como orientação sexual e sobre o corpo. Dizem Marias de Nordestina: “Minha mãe nunca me falou nada sobre sexo, o que aprendi foi um pro-fessor que me falou, mas ficava com vergonha de perguntar mais, por isso que tenho 03 filhos”; “Quando minhas regras chegaram, fiquei dentro do rio por horas, quando saía e voltava a san-grar, voltava por rio e me sentava por lá, só que o sangue não parava, pensei que ia morrer, daí com tempo aprendi...”; “Mas nunca conversei com minha filha, ela também aprendeu só”.

Com relação à vida sexual com os maridos, estas mesmas mulheres se colocam como objeto, suas vontades quase nunca respeitadas: “Namoro é bom quando se quer, mas quando é para ceder para o homem, é ruim, mas faço isso para ele não ir procurar outra”. Nesses relatos fica evidenciada pouca mudança nas relações de gênero, na educa-ção sexual, no conhecimento do próprio corpo, na vivência da sexualidade, entre as gerações, entre os tempos das avós, das filhas e até das netas.

Ao dialogar com o segundo sentido de geração, empregado por Alda Britto da Motta e por outros pesquisadores sobre geração, que se baseia nas te-orias de Mannheim “designa um coletivo de indi-víduos que vivem em determinada época ou tempo social, têm aproximadamente a mesma idade e compartilha alguma forma de experiência ou vi-vência” (BRITTO DA MOTTA, 2004, p. 350).

Relatos de mulheres agricultoras acompanha-das pelo PGV revelam uma ampla gama de expe-riências e vivências geracionais, desde o tempo das avós É o que verificamos neste depoimento:

“Elas faziam renda, fiavam linha, faziam roupa de algodãozinho vermelho, faziam panelas de bar-ro, pote, trançavam esteiras. Os pais não deixa-ram elas estudar porque senão iam escrever cartas para rapazes. Todo dia ia trabalhar na roça ou tirar pó de palha para dar aos filhos. Era rezadei-ra e raizeira. Fazia azeite de mamona para curar as crianças porque não tinha médico nem vacina. Fazia sabão de coada para dar o primeiro banho nas crianças.” (Maria de Boa Nova).

Nos encontros as mulheres, avós ou não, fo-ram estimuladas a fazer um exercício de memó-ria, lembrar fatos de sua vida e de suas experi-ências individuais geracionais, compartilhando um momento histórico de suas vidas ou de suas antepassadas. Ao compreender as gerações como “coletivos de indivíduos” que inicialmente pensam sua experiência na sociedade de forma individualizada, percebo que esse processo se materializou nos encontros realizados. O per-tencimento geracional é um processo que se revela construído dentro do grupo, na medida em que as mulheres foram “puxando pela me-mória”. A princípio cada uma trazia as suas lembranças do passado, as quais foram no pro-gredir dos relatos se constituindo não mais de indivíduos, mas de um coletivo. Elas foram se percebendo naquela geração retratada, não só por terem a idade aproximada, mas por terem vivido fatos semelhantes ou por estarem sendo identificadas no discurso, nos eventos lembra-dos pelo grupo, ou por aquele que elas testemu-nharam ou participaram pessoalmente.

Dentre as mulheres agricultoras que participa-ram dos encontros de mulheres tivemos, em sua maioria, aquelas que casaram muito cedo, ainda adolescentes (13 a 15 anos de idade), constituíram famílias segundo as normas dominantes, tiveram muitos filhos e filhas (12 a 20), vivem ou viveram com seus maridos “até que a morte os separe”. Al-gumas dessas mulheres relatam que levar o ca-samento foi muito difícil, mas que conseguiram manter sua união conjugal apesar dos conflitos e da violência doméstica. Apesar do tema violência contra a mulher ser muito delicado para ser trata-do em grupo, uma vez que os vínculos de confian-ça ainda não foram formados entre elas, nem as redes de pertencimento enquanto grupo, mesmo assim sempre esteve presente nos depoimentos das participantes independentemente da idade e da geração. É o que constatamos nas falas das

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Marias, do município de Fátima sobre a violência doméstica sofrida por elas: “Muitas vezes apanhei do meu marido e de noite ia me deitar com ele, com medo de apanhar novamente”; “Quem bate, es-quece, mas quem apanha nunca esquece”; “Hoje o tempo mudou. Os homens não podem mais bater e nem chutar as mulheres, porque tem lei”.

5 À GUISA DE CONCLUSÃO Ao refletir as relações sociais que se materia-

lizam no cotidiano e na história de vida dessas mulheres no âmbito do Projeto Gente de Valor identificamos matizes de gênero, classe social e geração na constituição de identidades e sociabili-dades. Podemos dizer, com Britto da Motta (1999, p.193), que estas relações “expressam diferenças, oposições, conflitos e/ou alianças e hierarquias provisórias. Provisórias, porque na dialética da vida os lugares sociais se alternam, as situações so-ciais desestruturam-se e reconstroem-se em outros moldes”. Superar esta provisoriedade opressiva é o desafio destas mulheres agricultoras.

Aí observamos que gênero, geração e classe social9, como categorias relacionais ou da expe-riência concretamente vivida, contribuem para explicar melhor diferentes trajetórias de vida percorridas socialmente por diferentes homens e mulheres. Como são relações de poder, este aspecto não pode escapar à análise. Mulheres agricultoras com experiências e trajetórias di-versas tiveram que se organizar e se articular para lutar pelos seus direitos e interesses co-muns, pelo reconhecimento de seu trabalho e pela afirmação de sua identidade de mulheres e de mulheres camponesas. Foi, está sendo, o modo como encontraram para superar domina-ções de toda ordem e viveram com maior pleni-tude a vida.

As idosas já falam do alívio e da liberdade adquirida nesta fase da vida, algumas já viú-vas e recebendo a aposentadoria. Dizem que a vida foi muito dura para elas, assim como a da sua mãe e a de sua avó. Neste sentido, a ideia da vida como progressão contínua e linear deve ser questionada, pois não podemos ordenar nem prever o processo da vida humana. Mudanças históricas e culturais alteram os padrões de de-senvolvimento e transição na vida adulta para diferentes grupos e gerações. Isso nos remete a importância do vínculo entre as gerações (avós,

mães e filhas) e entre as mudanças ocorridas ao longo da vida destas mulheres. Percebem-se os significados socialmente compartilhados entre elas, identificando ou atribuindo tais mudanças a um grupo etário específico. O “paradigma do curso da vida” (SIMÕES, 2004) precisa ser ana-lisado de uma perspectiva dinâmica, pois exis-te uma fluidez entre as fases, que nos ajudam a entender as inter-relações entre a trajetória pessoal e a estruturação histórica e cultural ex-perimentada por essas mulheres no passado, no presente e nas suas expectativas futuras. É importante observar o fenômeno das gerações e a sucessão de uma após a outra, porém, no caso das mulheres agricultoras precisamos ter um olhar atento à co-existência e aos significados diferentes do cronológico, pois as mesmas influ-ências dominantes continuam.

As mulheres apontam os avanços na conquista de alguns direitos, como aposentadoria e o auxílio--maternidade. O acesso a esses direitos possibi-litou mudança no lugar social destas mulheres,

9 Também raça ou etnia, o que demanda outra elabo-ração, em próxima oportunidade.

“Grupo de meninas” - 1940. Cândido Portinari

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SIMÕES, Júlio Assis. Homossexualidade masculina e curso da vida: pensando idades e identidades sexuais. In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CAR-RARA, Sérgio (Org.). Sexualidade e saberes: conven-ções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

REFERÊNCIAS

que agora com essa renda podem estar assumindo um papel de provedoras e de “chefia de família”, sobretudo por deterem em suas mãos ou compar-tilharem com seus maridos o poder aquisitivo e contribuir efetivamente para o orçamento domés-tico. Para as mulheres idosas essa situação se deu principalmente depois da instituição do direito à aposentadoria, legitimando seus direitos enquan-to trabalhadoras e idosas. Vale ressaltar que os programas de transferência de renda, como Bol-sa Família, desenvolvidos nos últimos anos, têm provocado avanços significativos na diminuição da pobreza. Segundo as mulheres jovens (as netas), criar os filhos hoje está mais fácil com o apoio do governo. É o que afirma Maria, de Bom Jesus da Serra: “Hoje em dia somos estudadas, participa-mos de movimentos sociais, tem projetos do gover-no, tem professoras, escolas e bolsa família. As mu-lheres não casam muito cedo e tem menos filhos”.

Os casos aqui citados, através dos relatos re-produzidos, não esgotam as diversas possibili-dades das relações de gênero vivenciadas pelas mulheres agricultoras que participaram dos encontros do PGV, independentemente de sua geração. Ressaltamos ainda que essas mulheres agricultoras jovens, adultas ou idosas continu-am assumindo os trabalhos domésticos e repe-tindo de geração em geração os papéis ditos de mulheres. Algumas afirmam que já tentam fazer diferente, pois dividem com os filhos e filhas as tarefas da casa. Porém, os maridos continuam sem assumir as tarefas domésticas, nem ajudam em casa e muitos ainda recebem tudo pronto das mãos delas. Diante de tudo aqui apresentado ve-rificamos que o grande desafio é investir na edu-cação na perspectiva de mudanças nas relações de gênero para que todos e todas construamos um futuro melhor, mais justo e igualitário.

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43Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 43-44, jan./abr., 2014.

Carta Agroecológica de Porto Alegre 2013

Ao final do VIII CBA-Agroecologia, a Carta Agroe-cológica de Porto Alegre foi apresentada a todos, veja o trecho a seguir:“A configuração dos modernos sistemas agroali-mentares, caracterizados pela extremada artifi-cialização dos processos produtivos e pelo cres-cente afastamento entre a produção e o consumo de alimentos é um dos fatores determinantes dessa crise. Os promotores e principais benefi-ciários dessa crise são corporações empresariais que exercem seu poder político e ideológico sobre instituições do Estado no sentido de criar as condições para ampliar seu controle sobre os processos de produção e consumo alimentar, via-bilizando desta forma sua estratégia de reprodu-ção ampliada do capital à revelia dos impactos ne-gativos sobre a saúde, o ambiente e da crescente degradação das relações sociais, em especial no que tange às relações de gênero, étnicas, raciais e geracionais. As promessas tecnológicas anuncia-das por essas corporações, bem como os marcos institucionais -na linha da economia verde- por elas impostos têm contribuído para agravar a cri-se que se revela em diferentes formas de violên-cia e opressão...”Leia toda a carta aqui: http://goo.gl/nvCytN

Cadernos de Agroecologia

Já está disponível o Caderno de Agroecologia (ISSN: 2236-7934) reunindo os trabalhos científi-cos do VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia. A revista “Cadernos de Agroecologia” é uma pu-blicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia e tem, por função principal, publicar resumos de seminários e congressos de Agroecologia.Para acessar, os trabalhos científicos e relatos de experiência: http://goo.gl/6GWDsk

Blog do CBA-Agroecologia

Os organizadores criaram um blog para melhor agrupar os textos, fotos e vídeos do VIII CBA--Agreocologia. Além de ser um espaço virtual permanente sobre o congresso. Para conhecer acesse http://goo.gl/ZJoEOKO site seguirá no ar e começará a ser utilizado para a próxima edição, o IX que acontecerá em 2015, no Pará: http://www.cbagroecologia.org.br/

Fotos e Vídeos do VIII CBA-Agroecologia

Buscando tornar públicas e estimular o comparti-lhamento das fotos produzidas pela equipe de Co-municação da Emater e outros colaboradores que participaram do congresso foi criado um álbum fotográfico virtual. Ele está hospedado no Flick, onde as fotos podem ser visualizadas e copiadas. Acesso através do link: http://goo.gl/DedIwR

Por Cíntia Barenho e Marta Tejera Kiefer

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Além das fotos, os vídeos produzidos também foram agrupados para facilitar o acesso daqueles que têm interesse de rever ou conhecer o que foi debatido durante os quatro dias de congresso. Além dos vídeos curtos, também estão na íntegra os painéis que aconteceram no Auditório Figueira, o auditório principal do VIII CBA-Agroecologia. Assim, um canal de Youtube exclusivo foi criado e está disponível no link: http://goo.gl/rGuuxH

Instituto do Decrescimento

Para quem gostou do tema da entrevista do eco-nomista Serge Latouche, na Revista Agroecolo-gia e Desenvolvimento Rural Sustentável, fica a dica do site do Instituto de Estudos Econômi-cos e Sociais pelo Decrescimento Sustentável: http://www.decroissance.org. Já na abertura da página o aviso de que o “desenvolvimento susten-tável” é uma ilusão e que o crescimento infinito é impossível e tem como preço o esgotamento dos recursos naturais não renováveis. Entrevistas, textos, divulgação de colóquios sobre o tema, re-portagens veiculadas em diversos órgãos de im-prensa, vídeos, entrevistas de rádio, bibliografia sugerida e outras seções muitos singulares, como a dedicada às “bobagens sobre o desenvolvimento durável”, reunindo frases de efeito de personali-dades importantes a respeito do assunto e “insul-tos”, onde teóricos, políticos e outros profissio-nais com ação midiática se referem de maneira negativa ao discurso dos ambientalistas e dos par-

tidários do movimento pelo decrescimento. Atra-vés deste site também é possível acessar o jornal Decrescimento, que pode ser assinado para rece-bimento eletrônico. A publicação é apresentada pelos editores como o primeiro jornal de Ecologia Política do mundo.

Sociedade de Agroeocologia

http://agroeco.org/socla/ é o site da Sociedade Científica Latinoamericana de Agroecologia (So-cla), entidade que tem como objetivo promover a reflexão, a discussão e o intercâmbio entre pes-quisadores e professores da América Latina sobre o tema.A Socla é responsável pela publicação, a cada dois anos, de uma revista com artigos sobre Agroecologia, além de organziar um congresso também a cada dois anos. A Socla tem promovi-do cursos de especialização à distância e presen-ciais e realiza projetos cooperativos de pesquisa. Também atuou na criação de grupos permanen-tes de trabalho que produzem informativos so-bre assuntos estratégicos sobre a agricultura da América Latina. A Socla apresenta-se em seu site como uma orga-nização que age de maneira conjunta com outras organizações que atuam na promoção da Agro-eocologia, a exemplo da Sociedade Brasileira de Agroecologia, de forma a incentivar a organização de grupos que atuem, pesquisem e difundam a Agroecologia. A atual presidente da Socla é Clara Nicholls, da Universidade de Berkeley, que este-ve presente como conferecista no VIII Congresso Brasileiro de Agroeocologia.

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ZATTONI, Michelle1; DE FIGUEIREDO, Rodolfo Antônio2.

ResumoEsta pesquisa objetivou realizar um levanta-mento da percepção ambiental de pessoas como: proprietárias, funcionárias e moradoras de pro-priedades rurais em relação ao trabalho de res-tauro da mata ciliar. Os dados coletados por meio de entrevista estruturada por roteiro, teve como resultado principal foi de que as pessoas entre-vistadas têm informações relevantes sobre a im-portância do restauro florestal a fim de promo-ver a melhoria da qualidade de vida e ambiental. No entanto, há dificuldades em executar ações de conservação das APPs em suas propriedades, assim como falta apoio extensionista. Conclui--se que uma melhor compreensão das questões socioambientais percebidas por esses atores e atrizes sociais, poderão subsidiar futuras ações do poder público e ONGs que atuam na região.

1 Bióloga, Mestra em Agroecologia e Desenvolvimento Rural - Universidade Federal de São Carlos/UFSCar, Especialista em Educação Ambiental e Recursos Hídricos - Universidade de São Paulo/USP - [email protected]

2 Biólogo, Professor Dr. em Ecologia, Departamento de Agroecologia - Universidade Federal de São Carlos/UFSCar - Caixa Postal 153 - CEP 13600-970 Araras, SP - [email protected]

Palavras-chaves: Percepção ambiental. População rural. Áreas de preservação permanente. Mata ciliar. Restauração florestal.

Perception on riparian forest restoration in rural properties

(Itirapina and São Carlos, SP, Brazil)

AbstractThis research aimed to survey the environmental perception of owners, employees and residents of rural properties in relation to the work of restora-tion of riparian vegetation. The data were collec-ted through a structured interview script, had as main result was that respondents have relevant information about the importance of reforestation to improve the quality of life and environment. However, there are difficulties in implementing conservation actions in the PPAs in the proper-ties, as well as lack of rural extension support. The conclusion is that a better understanding of

Percepção Sobre Restauro de Mata Ciliar em Propriedades Rurais

(Itirapina e São Carlos, SP)

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 45-51, jan./abr., 2014.

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environmental issues perceived by social actors and actresses may support future actions of the governmental and nongovernmental organiza-tions working in the region of this research.

Keywords: Environmental perception. Rural population. Permanent preservation area. Riparian vegetation. Forest restoration.

1 INTRODUÇÃOO desmatamento das matas ciliares é um dos

principais processos de degradação que ocorre, so-bretudo, nas áreas rurais. Isto se deve ao avanço das áreas cultiváveis em direção às margens dos cursos d’água, na tentativa de gerar mais renda para os proprietários das terras. Assim como ou-tros tipos de desmatamento, este se torna causa de diversos problemas ambientais (GANEM; DRUM-MOND; FRANCO, 2008). Para que esta situação seja revertida é importante a incorporação das comunidades rurais como parceiras nas políticas de conservação, preservação e restauro das matas ciliares (ATTANASIO et al., 2006).

Com a ocupação e a utilização desordenada dos recursos ambientais, o que mais vem sendo ameaçado é a água, recurso imprescindível para todos os seres vivos, e que, nos últimos anos, vem se tornando uma grande preocupação devido à escassez e o processo de poluição contínuo. Um elemento para amenizar os danos causados a esse recurso é a vegetação existente nas margens dos cursos d’água, que garantem a proteção das águas. Fedrizzi et al. (2010, p.1) destacaram que:

[...] a vegetação bem planejada é um dos ele-mentos que mais colabora para melhorar a qualidade destes espaços, agregando valores estéticos aos mesmos, melhorando suas condi-ções de conforto e, ainda, servindo como uma valiosa ferramenta de apoio ao trabalho de educação ambiental.

Segundo Carvalho (2008), deve-se considerar a interação contínua que ocorre entre sociedade e natureza, na qual mutuamente as duas partes se modificam, deixam marcas dessa influência na natureza e possibilitam a sustentabilidade da vida na Terra. Então, buscar estratégias que promovam a conservação das florestas é uma necessidade urgente face aos críticos níveis de

degradação ambiental. Neste aspecto, cabe res-saltar o atual interesse por envolver as comuni-dades locais em esforços conservacionistas (DAL-LE; POTVIN, 2004). Para tanto, compreender a percepção de atores e atrizes pode proporcionar o comprometimento destes com a conservação socioambiental, possibilitando uma sensação de integração (BARROS; DINES, 2000).

É necessário se fazer entender a relação ser humano/ambiente por meio de suas percepções de espaço ao qual está inserido, para tal, é cha-mada de percepção ambiental (CASTELLO, 2001). O grau de influência da percepção am-biental nas atividades antrópicas não pode ser medido com exatidão dado seu caráter subjetivo. Entretanto, é inegável que o modo como é per-cebido o entorno, determina a escolha de ações e atitudes ambientalmente adequadas ou não (LIMA, 1998; CASTELLO, 2001).

Trabalhos focados na percepção dos grupos so-ciais sobre os bens e serviços oferecidos pelas flo-restas, considerando que essa percepção do meio reflete o uso que se faz deste (LIMA, 1998).

Assim sendo, os objetivos desta pesquisa são diagnosticar a percepção das pessoas que pos-suem as funções de: proprietários, funcionários e moradores das propriedades rurais em rela-ção ao restauro de mata ciliar executado na-quela localidade.

2 METODOLOGIAO trabalho de campo foi realizado em pro-

priedades rurais existentes às margens do Ri-beirão Feijão, rio este que divide os municípios de São Carlos e Itirapina, SP. Estas proprieda-des receberam um projeto de restauro de mata ciliar entre os anos de 2006 e 2011, que foi realizado por uma Organização não governa-mental (ONG) objetivando a recomposição da vegetação nativa nestas propriedades.

A coleta de dados do presente trabalho foi realizada no primeiro semestre de 2011. O pro-jeto de restauração na área em questão foi exe-cutado em anos anteriores em oito proprieda-des, assim, esta pesquisa, foi desenvolvida em seis destas propriedades (Figura 1) que acei-taram o convite para participar efetivamente da pesquisa. Das 34 pessoas que atuam nessas propriedades, dezesseis delas aceitaram ser entrevistadas.

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 45-51, jan./abr., 2014.

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Fonte: Google Earth, 2013.

A fim de distinguir as atividades desempe-nhadas por cada um dos entrevistados, foi cria-da a seguinte nomenclatura: 1) “proprietários”: indivíduos que têm a posse de terras, mas ne-las não residem, gerenciando e trabalhando em suas propriedades; 2) “funcionários”: indivíduos que moram e trabalham de forma assalariada nas propriedades; e 3) “moradores”: indivídu-os que apenas residem nas propriedades, mas nelas não trabalham. Um dos funcionários en-trevistados é terceirizado e neste caso, somente trabalha na propriedade.

A percepção dos entrevistados foi registrada por meio de entrevistas estruturadas, seguindo um roteiro, e gravadas para posterior transcri-ção dos relatos. Os dados coletados são de natu-reza qualitativa (prioritariamente) e quantita-tiva, enfocando dimensões econômicas, sociais e ambientais sobre as propriedades (SELLTIZ, 1987; MINAYO, 2008).

Algumas das perguntas do roteiro utilizado procuravam, de forma geral, diagnosticar a percepção dos entrevistados sobre a situação da mata ciliar nas propriedades, o grau de ocu-pação e seu conhecimento sobre a legislação ambiental.

A análise dos dados coletados considerou a frequência das respostas e os discursos dos en-trevistados. Todas as respostas dos entrevista-

dos foram lidas e analisadas, elencadas de for-ma objetiva e posteriormente feita a releitura de cada resposta para, então, ser possível a cria-ção das categorias e, quando necessário, subca-tegorias (ver Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998) e Minayo (2008), para discussões sobre a análise de dados qualitativos).

Ao transcrever os relatos dos entrevistados, foi respeitada a forma com que cada indivíduo se expressa, considerando que, segundo Whitaker (2002, p.116), não se deve corrigir concordância e regência de verbos da fala de uma pessoa.

Como a pesquisa deve preservar a identidade das pessoas que participaram das entrevistas, foi criado um modelo para a geração de símbo-los que substituíram seus nomes, para manter este anonimato. O primeiro número indica a propriedade rural, o segundo indica a sequência em que a pessoa participante foi entrevistada em uma dada propriedade. A primeira letra in-dica o gênero da pessoa que participou (“F” - fe-minino e “M” - masculino) e a segunda a função desta (“p” – proprietária, “f” – funcionária, “m” – moradora, “t” – funcionária terceirizada).

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comi-tê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), tendo recebido aprovação para sua realização (Parecer 298/2010).

Figura 1 - Área de pesquisa, localizado entre as cidades de São Carlos e Itirapina e a locali-zação aproximada das seis propriedades envolvidas na pesquisa.

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3 Este termo é utilizado ao longo do artigo para repre-sentar a expressão “né”, que é a contração das palavras “não é” como ao qual foi dita pelos entrevistados.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃOO maior número de entrevistados desta pes-

quisa pertenceu ao gênero masculino, sendo que das 16 pessoas entrevistadas, seis (14Ff e 15Mf, 43Mf e 44Fm e 51Ff e 52Mf) eram maridos e es-posas, respectivamente e estes responderam à entrevista juntos.

Quando perguntado aos entrevistados se vêem importância em conservar a área de pre-servação permanente (APP) do Ribeirão Feijão, 56,25% dos entrevistados se restringiram em di-zer: “Sim!”; “Bastante importante!”; “Sem dúvida nenhuma!”; “Claro!”; “Essencial!”, entre outros. Os demais entrevistados (43,75%) já estenderam suas falas, contribuindo com mais elementos para a compreensão do que estas pessoas pen-sam sobre áreas de APPs:

(15Mf): -“Ah eu acho n/é3?..., porque do jeito que “tá” indo o meio ambiente n/é?..., “tá” cada vez piorando n/é? Ah eu acho bem importante sim!”(14Ff): -“Tanto pros filhos da gente, eles vão crescer... filhos deles n/é?..., porque daqui uns anos se não preservar não vai ter nada n/é?(12Mf): -“Eu acho! Porque se não cuidar, vai acabando com tudo. O rio mesmo vai criando erosão, então eu acho muito importante conser-var mais o rio.”A percepção de todos os entrevistados em rela-

ção à APP é no sentido de valorizar tais áreas de preservação que vai para além de suas próprias gerações, na intensão de garantir estes recursos às futuras gerações. Porém, Ryan (1998) obteve resultado divergente em sua pesquisa, pois seus entrevistados preferiam áreas agricultáveis em suas propriedades à cobertura florestal.

Quando perguntados sobre o que poderia ser feito para conservar, 50% responderam que seria a restauração florestal.

Com relação às ações conservacionistas, algu-mas falas retratam o que os entrevistados perce-bem como importantes são:

(21Mp): -“[...] A gente não tira árvore, que é pra poder plantar, limpar, cuidar... Agora não depende só da gente n/é?..., esse é o pro-blema. Acho que cada um tem que fazer sua parte, n/é?”(31Mp): -“...não deixar o pessoal poluir...man-ter a qualidade da água.”

(53Fm): -“Não tacar fogo, não jogar lixo...”Estes resultados encontrados na presente

pesquisa podem ser comparados com os de Xa-vier e Nishijima (2010, p.53), quando estes se referem aos:

[...] moradores do entorno do Arroio Ta-buão, em sua maioria, realizam alguma ação para preservar a natureza, todas elas ações simples, porém, de grande im-portância: 61% não jogam nenhum tipo de resíduos (lixo) no arroio – embora o ar-roio possua lixo -, 26% não queimam lixo e cuidam para que a vegetação não seja removida entorno do arroio, entretanto, 13% não realizam nenhuma ação ou não souberam responder.

Com relação a realizar as ações conservacio-nistas que entendem como necessárias, 41,67% dos entrevistados disseram que estão conseguin-do, 25% estão realizando pelo menos parte delas, e 33,34% externaram que não estão conseguindo providenciar qualquer ajuste na APP, como mos-tra o relato a seguir:

(31Mp): -“Eu acho que a primeira atitude é essa n/é?..., plantar árvores a 50, 100 metros da margem de rio e... pra proteger a mata ci-liar dele mesmo, as nascentes, a cabeceira dele lá em cima onde o pessoal “ta” pegando do começo ao fim dele n/é?..., eu acho certinho. Primeira... começa por aí! Depois é a parte de poluição de água n/é?..., não deixar o pessoal poluir, utilizar a água, poluir a água e depois partir pra qualidade da água...manter a qua-lidade da água.”

Assim sendo, os entrevistados apontaram o que deve ser feito para conservar os ambientes de APPs, demonstrando conhecimento de que é preciso mudanças para garantir a melhoria local e o que estão fazendo ou tentando fazer para con-seguirem essa melhoria.

Alirol (2001, p.24), indica que “diferentes atores não vêem os problemas ambientais e de

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desenvolvimento da mesma maneira [...] O sen-timento de responsabilidade, [...] varia enorme-mente, conforme a categoria social ou profis-sional à qual se pertence”. No presente estudo, proprietários e funcionários desempenham dife-rentes tarefas dentro de uma mesma proprieda-de e, também, diferem quanto às possibilidades percebidas de ações e intervenções neste local. Desta maneira, os funcionários propuseram di-versas ações que poderiam ser feitas para con-servar (tanto na propriedade quanto ao entorno), mas ficavam limitados quanto a execução destas ações, pois muitas vezes seria necessário o aval do/a proprietário/a.

Diante da pergunta se achava importante manter a mata nativa nas APPs, foi unânime entre todos os/as entrevistados/as a resposta po-sitiva, tal como:

(15Mf): -“Ah é importante, é importante sim. Porque se não preservar, vai acabar tudo em nada n/é? Ah e outra coisa n/é, onde “tá” des-matando, a televisão mesmo mostra “tá” tendo desabamento, “tá” sempre tendo alguma coisa, “cê” “tá” entendendo? “Tá” feio a coisa.”

Com relação ao trabalho de restauro da mata ciliar implantado por todas as propriedades es-tudadas, 75% dos entrevistados disseram conhe-cer o trabalho de restauro, 59% o classificaram como um ótimo trabalho, como:

(14Ff): -“...acho ótimo, porque isso ai não vai ficar pra gente, n/é? Porque um dia a gente vai morrer e os “fio” da gente vai ficar e o meio am-biente estiver preservado, vai ser melhor pros “fio” da gente, n/é? Porque daí, se não preser-var, essas árvores e plantar, daqui uns dias não tem nada, só vai ter poluição!”

Quando perguntados qual a motivação para fazer o trabalho de restauro na propriedade, 62% dos entrevistados indicaram ser devido à fiscali-zação, como pode ser exemplificado pelas falas a seguir:

(14Ff): -“Ah que nem, esse rio, não tinha, aí ele fez esse rio. Aí invés dele ir levar, sei lá a multa...”(15Mf): -“Legaliza, n/é?”

(14Ff): -“Aí ele pegou e fez o reflorestamento.... Ah! foi mais uma reposição...do que ele tirou daqui...”(15Mf): -“Mas só... daí o que que aconteceu, a fiscalização veio em cima dele e daí fizeram o mapeamento da fazenda pra ver o tanto de área que faltava... ele ”tá” tendo que fazer na “marra”.”

Outro grupo de entrevistados externou que o trabalho de restauro partiu de um interesse sur-gido por ver uma propriedade vizinha ser restau-rada, como mostra o relato a seguir:

(31Mp): -“Como eu te falei, a gente sentiu ne-cessidade... queria fazer. É... aí coincidiu do (nome da empresa de restauro, ocultado)... começar a trabalhar com essa ONG e já me falou.... e eu falei: ‘Meu, vamos fazer agora!’. Decidi fazer na hora isso aí. A ideia já tinha, só deu início a executar quando (nome da em-presa de restauro, ocultado) apresentou essa proposta.”

Segundo Xavier e Nishijima (2010, p.49), o ser humano “enquanto ser social é agente transformador e articulador da natureza. Por isso ao modificá-la, cria um espaço para viver e garantir a sua existência, sem, de imediato, se preocupar com as consequências de ocupar um determinado lugar”.

Neste contexto, as legislações se fazem neces-sárias para assegurar a organização dos seres humanos em sociedade. A natureza é um bem comum a todos e devemos garantir esse benefí-cio às futuras gerações, já que todos têm direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (ROSSI; SCHIAVETTI, 2003).

Quando perguntado aos entrevistados sobre o que esperam alcançar com o trabalho de restau-ro da mata ciliar presente na APP da proprieda-de, as respostas foram variadas. Quarenta e sete por cento dos entrevistados responderam conser-var a propriedade ou o entorno, 27% conservam o meio ambiente como um todo e 7% atender as exigências da fiscalização. Um entrevistado, em sintonia com o resultado geral encontrado, disse:

(21Mp): -“Eu espero “tá” colaborando com o meio ambiente em primeiro lugar. Em segun-

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do a propriedade vai ficar assim.... saudável, vai fica bonita... vão ter árvores, não vai ser aquele deserto.”

Em relação à qualidade e quantidade de água no rio e outros corpos d’água presentes nas pro-priedades, 54% disse não ter notado diferença após o restauro. Este resultado não quer dizer que não houve alteração na água do ribeirão, pois segundo Balbinot et al. (2008) em um curso d’água com total cobertura florestal, ocorre uma menor produção de água comparado à um com ausência desta cobertura, isso se deve à intercep-tação. Porém, o fluxo de água é mais estável e sustentável. “No Ribeirão do Feijão a água tem qualidade “ótima” no inverno (Índice de Quali-dade de Água-IQA=84) e qualidade apenas “boa” no verão (IQA=61)”, segundo dados obtidos por Carvalho et al., (2011), em seu trabalho.

Apesar dos entrevistados não terem observa-do alteração na qualidade e quantidade de água após o restauro, 92% disseram que recomenda-ria a um colega ou vizinho também fazer o tra-balho de restauro da APP, assim como apresen-tado a seguir:

(51Ff): -“Era uma boa, n/é?..., porque não adianta “cê” fazer aqui e o vizinho não querer fazer, n/é’?”(12Mf): -“Achei ótimo n/é? Ah, agora a gente já vê a mata n/é?..., vê mais passarinho, os bi-cho do mato...”

Também, 75% dos entrevistados indicaram conversar sobre o restauro da mata ciliar com seus familiares. Já o entrevistado cuja fala se encontra abaixo, faz parte dos 25% que não pos-suem o costume de conversar sobre este tema:

(43Mf): -“Não! Nós conversa de outras coisa. E é tanta correria nem dá tempo.”

Pontos que surgiram nas entrevistas como im-portantes para os entrevistados foram às ques-tões da burocracia e do custo para fazer e manter o restauro da área de APP, conforme exemplifi-cado na fala a seguir:

(13Mp): -“Antes era dez! Agora com as exigên-cias, com a dificuldade que tem, já não posso

dizer que seja dez. Necessária sim! Mas preci-sa ir com mais cautela. Porque não é da noite para o dia, porque uma árvore, ela leva dez anos pra nascer, não por assim e amanhã já “tá” alta. Pelo que nós estamos passando, que estamos com o processo já a bastante tempo... Já gastei uma fortuna! É mapa, é agrônomo, agrimensor, engenheiro florestal, advogado.... Não posso dar dez.”

Quanto a receber algum órgão fiscalizador na propriedade, 56% declararam que sim, seja du-rante o processo de obtenção de licença para co-mercializar produtos ou para verificar irregulari-dade da propriedade, como indica a fala abaixo:

(13Mp): - “Há 12 anos atrás! [...] Todas as exi-gências e... e... aí começou. A gente discute, põe pra cá, põe pra lá. E o tempo vai passando... Já faz 12 anos e eu ainda não consegui averbar os 20%! Não dá, porque põe pra cá, põe pra lá e 20% então... O problema nem é os 20%... uma cerca, vai lá, passa... não é aqui! Volta lá refaz. Já fiz uns 3 ou 4 mapas... não, isso aqui não pode! O verde tem que passar pra cá! E é ver-de, é azul, amarelo... então... isso aqui não quer porque... olha é muito ‘nhê, nhê, nhê’.”

Para encerrar a entrevista, foi perguntado se a pessoa teria algum tema relativo ao meio am-biente que gostaria de conhecer mais profunda-mente. Alguns temas foram: como fazer um plan-tio correto, quais espécies devem ser plantadas em tipos diferentes de solo, como fazer mudas de árvore, entre outros. As opiniões apontadas gi-ram ao redor do tema do restauro da mata ciliar, que após o projeto desenvolvido nas proprieda-des, despertou interesse nos entrevistados.

4 CONCLUSÃOÉ possível concluir que tanto a questão da pre-

servação de áreas de APPs como seu restauro são percebidos como importantes e necessários pela maioria das pessoas entrevistadas, sendo que estas demonstraram compreender os impactos das ações humanas no ambiente. No entanto, é fundamental o aprofundamento das informações sobre legislação ambiental aos interessados e principalmente uma menor burocracia para se alcançar a conservação das APPs.

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Dessa forma, foi de grande importância saber quais são as necessidades de proprietários e fun-cionários, assim como conhecer o que pensam so-bre as questões ambientais na área rural, para que subsidiem futuras propostas de intervenção de forma participativa. Os resultados desta pes-quisa possibilitam uma melhor compreensão das relações socioambientais existentes no local de estudo e podem auxiliar nas ações educativas

e extensionistas que enfoquem principalmente o restauro de mata ciliar em áreas APP, vistas como incipientes pelos próprios entrevistados.

Futuras ações que valorizem o quadro de per-cepção desta população que aqui foi descrito de-verão receber o necessário apoio e incentivo de instituições governamentais e não governamen-tais locais e regionais, visando à sua formação continuada.

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REFERÊNCIAS

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52Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 52-53, jan./abr., 2014.

2014 é o ano Internacional da Agricultura Familiar

A agricultura familiar inclui todas as ativida-des agrícolas de base familiar e está ligada a diversas áreas do desenvolvimento rural. Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, a agricultura fa-miliar é a forma predominante de agricultura no setor de produção de alimentos. Em nível nacional, existe uma série de fatores que são fundamentais para o bom desenvolvimento da agricultura familiar, tais como: condições agroecológicas e as características territo-riais; ambiente político; acesso aos merca-dos; o acesso à terra e aos recursos naturais; acesso à tecnologia e serviços de extensão; o acesso ao financiamento; condições de-mográficas, econômicas e socioculturais; disponibilidade de educação especializada; entre outros. Considerando a importância do setor a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que 2014 é o Ano Inter-nacional da Agricultura Familiar. Com isso, a ONU objetiva aumentar a visibilidade da agricultura familiar e dos pequenos agricul-tores, focalizando a atenção mundial em seu importante papel na erradicação da fome e da pobreza, provisão de segurança alimen-tar e nutricional, melhora dos meios de subsistência, gestão dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e para o desen-volvimento sustentável, particularmente nas áreas rurais.

Prêmio Margarida Alves

O Ministério do Desenvolvimento Agrário, em parceria com o Instituto Nacional de Co-

Por Cíntia Barenho e Marta Tejera Kiefer

lonização e Reforma Agrária e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, lançaram neste ano a 4ª Edi-ção do Prêmio Margarida Alves de Estudos Rurais e Gênero. O Prêmio Margarida Alves tem âmbito nacional e selecionará os me-lhores trabalhos sobre o tema Mulheres e Agroecologia em três categorias. A iniciativa é uma homenagem à Margarida Maria Alves (1943-1983), dirigente sindical que, após 12 anos no Sindicato Rural de Alagoa Grande (PB), rompeu com padrões tradicionais de gênero ao fundar o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural. Ela também lutou contra o analfabetismo, as injustiças e a exploração e, ainda, defendeu a reforma agrária. Em consequência dessa luta acabou sendo assassinada. Serão premiados até 15 trabalhos, entre ensaios e textos. Os vence-dores receberão um prêmio individual de R$ 3 mil. O edital completo e as fichas de ins-crição estão nos sites do Ministério do De-senvolvimento Agrário (www.mda.gov.br) e do Núcleo de Estudos Agrários e Desen-volvimento Rural (Nead) (www.nead.org.br), além dos sites das instituições parceiras, como a Associação Brasileira de Agroecolo-gia. Interessados podem se inscrever até o dia 30 de agosto.

Panorama geral do VIII CBA-Agroecologia

Aconteceu em novembro/2013, em Por-to Alegre, o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA-Agroecologia), principal evento sobre o tema no Brasil, espaço fun-damental para a consolidação do conheci-mento acadêmico, científico e empírico em Agroecologia. Completando um ciclo de dez anos, o VIII CBA-Agroecologia retornou à Porto Alegre, e foi realizado no Centro de Eventos da PUCRS, tendo como tema cen-tral “Cuidando da Saúde do Planeta”. Pa-ralelamente ao congresso ocorreram o XII

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53Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 52-53, jan./abr., 2014.

Seminário Internacional sobre Agroecologia, o XIII Seminário Estadual sobre Agroecolo-gia e o V Encontro Nacional de Grupos de Agroecologia (ENGA).

O VIII CBA-Agroecologia consolidou-se, como um grande evento, não só acadêmico, como de reunião e promoção da Agroecolo-gia no Brasil. Foram cerca de 4,5 mil parti-cipantes. Houve a realização de dezenas de palestras, painéis e mesas-redondas; apre-sentados mais de mil trabalhos científicos e relatos de experiências; realizadas mais de 40 oficinas autogestionárias; oferecida uma programação cultural com mais de 20 artis-tas e grupos de diferentes estilo; apoiadas 10 atividades paralelas ao evento; exibidos 16 filmes na mostra audiovisual; expostas fotografias de 23 fotógrafos e fotógrafas; disponibilizado espaço de ciranda para as crianças, realizada feira dos Produtos da So-ciobiodiversidade com quase 20 exposito-res de diferentes associações cooperativas e etnias. Foram recebidos mais de 1,6 mil resumos de trabalhos, dos quais foram se-lecionados 1055 para serem apresentados em 81 sessões de apresentações orais e 3 sessões de apresentações de pôsteres. Além disso, foram mais de 70 painelistas dos mais diferentes campos de atuação, do Brasil e de outros países.

Jornadas de Agroecologia da Emater-RS/Ascar

Com o objetivo de qualificar o trabalho téc-nico junto à agricultura familiar, em uma perspectiva de sustentabilidade crescente, a Emater promove em 2014 sete edições da

Jornada Regional de Agroeoclogia Aplicada. A programação das jornadas compreende a discussão de aspectos técnicos de manejo e produção agroecológica, com base na reali-dade de cada região, visita a uma proprieda-de, que será objeto de análise e debate téc-

nico, e definição de estratégias de trabalho para avançar na sustentabilidade.

De acordo com Gervásio Paulus, diretor técnico da Emater, o papel da Agroecolo-gia vislumbrado em ações como a Jornada é, além da ecologização das formas de ma-nejo da produção agrícola, ajudar a cons-truir processos de desenvolvimento rural. Esses processos devem ter a participação como método e foco na sustentabilidade e no fortalecimento, além da autonomia das famílias rurais.

O Veneno está na Mesa 2

No primeiro semestre deste ano, Sílvio Ten-dler voltou a impactar com o lançamento do documentário O Veneno está na Mesa 2. Nesta nova produção, Tendler atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública. O filme apresenta experiên-cias agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alterna-tivas viáveis de produção de alimentos sau-dáveis, que respeitam a natureza, os traba-lhadores rurais e os consumidores.

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REGINATO, João Carlos1, SCHENEIDER, Simone Beatris2

ResumoUma das principais implicações na moderniza-ção da agricultura tem sido identificada através da preservação dos solos. O modelo preconizado, através da agricultura conservacionista, baseava--se na busca de maior produtividade com mais eficiência em que se observavam práticas que an-tecediam as atividades de um novo ciclo de produ-ção e preocupando-se com o que ocorria durante e depois do ciclo. As dificuldades em se controlar a erosão vão além das questões técnicas. Abrangem sim as complexas relações de valores que orientam as ações do homem, que nunca é isenta de crité-rios – que vão do ambiental, social e econômico, passando pela comodidade operacional; de modo que a importância de conservar o solo se ajusta a uma escala de prioridades objetivas e subjetivas. O presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa aplicada com quinze (15) produtores rurais, que desenvolvem a agricultura familiar a

1 Engenheiro Agrônomo. Pós-graduando em desenvolvimento rural sustentável com ênfase em licenças ambientais. E-mail: [email protected]

2 Química industrial, mestre em ambiente e desenvolvimento. E-mail: [email protected]

fim de detectar o nível de conhecimento dos mes-mos sobre o processo de erosão do solo.

Palavras-chaves: Agricultura conservacionista. Agricultura familiar. Erosão.

AbstractOne of the main implications of the moderniza-tion of agriculture has been identified through soil conservation. The model advocated by con-servation agriculture was based on the pursuit of higher productivity with more efficiency whe-re we looked practices that predated the activi-ties of a new cycle of production and worrying about what happened during and after the cycle. The difficulties in controlling erosion go beyond technical issues. Yes cover the complex relationships of values that guide the actions of the man, who is never free of criteria - ran-ging from environmental, social and economic, through operational convenience, so that the importance of conserving the soil adjusts to a

A Agricultura Familiar e o Processo de Erosão

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 54-62, jan./abr., 2014.

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range of objective and subjective priorities. This paper presents the results of an applied resear-ch with fifteen (15) farmers who develop family farms in order to detect the level of knowledge of them on the process of soil erosion.

Keywords: Conservation agriculture. Family farming. Erosion.

1 INTRODUÇÃOA história da agricultura, por ser anterior a es-

crita, tem sua origem um tanto imprecisa, mas acredita-se que ela tenha surgido a cerca de 10 a 12 mil anos. Desde então, o homem tem evoluído suas técnicas de domesticação de plantas e ani-mais, bem como, respectivamente, de cultivo e criação. Nos dias de hoje, apesar de alguns ques-tionamentos, tem sua importância reconhecida quanto ao sustento da população mundial.

Os primórdios da agricultura são obscuros, mas admite-se que ela tenha surgido independente-mente em diferentes lugares do mundo, prova-velmente nos vales e várzeas fluviais habitados por antigas civilizações. A agricultura causou os primeiros impactos ambientais quando o homem aprendeu a cultivar plantas alimentícias e a criar animais. O crescimento populacional só fez agra-var as consequências desses impactos.

A modernização do campo e os avanços tecno-lógicos dos últimos anos precisam ser analisados de ângulos diferentes. Se, de um lado, proporcio-naram o aumento da produção de alimentos e a adoção de novas técnicas para a proteção do meio ambiente, de outro, não permitiram a igual distri-buição desses benefícios. Além do mais, podemos dizer que a tecnologia que protege também agrava a degradação ambiental. O homem usa técnicas para combater a erosão do solo, mas o polui com o uso de agrotóxicos.

Além da erosão dos solos, a agricultura trouxe outro grave problema para o meio ambiente. As técnicas agrícolas modernas requerem o uso de vá-rios produtos que, se por um lado facilitam a tarefa do homem do campo, por outro, agridem bastante a natureza. São fertilizantes, pesticidas e herbici-das conhecidos como agrotóxicos (GUERRA; SIL-VA; BOTELHO, 2007).

A erosão dos solos é entendida como um proces-so de desprendimento, transporte e deposição das partículas do solo, tendo como principais agentes o

vento e a água. Entretanto com a ação do homem por meio da inserção de práticas que desequilibram as condições naturais, aceleram-se os processos erosivos originando a erosão acelerada. Os preju-ízos sociais e ambientais gerados pela erosão são bastante elevados, pois reduzem a capacidade pro-dutiva das terras, revertendo no aumento dos cus-tos de produção e, consequentemente a diminuição do lucro dos produtores interferindo na permanên-cia da atividade agrícola (PRUSKI, F et al, 2006).

Dentre os principais fatores relacionados com o aumento da degradação ambiental estão as fre-qüentes alterações não planejadas no uso da terra, acima da capacidade de suporte do solo. Nas zonas rurais, o manejo inadequado do solo, sem a obser-vância dos limites e riscos de degradação ambien-tal, tem provocado o desenvolvimento de processos erosivos acelerados, sendo um dos principais fato-res causadores da degradação e deterioração da qualidade ambiental (GUERRA; CUNHA, 1996).

1.1 OBJETIVOS1.1.1 GeralIdentificar o nível de conhecimento dos agricul-

tores em relação ao processo erosivo.1.1.2 Específicosa) Descrever algumas atividades que contri-

buem para o agravamentro da situação em relação à erosão;

b) abordar práticas passíveis de uso pelo produ-tor rural para minimizar o problema;

c) caracterizar a aptidão do solo do município pesquisado.

1.2 JUSTIFICATIVAA introdução da atividade leiteira, antes ausen-

te na área pesquisada alterou significativamente os sistemas de produção adotados pelos agriculto-res familiares. O presente trabalho foi realizado em virtude da observação de várias áreas desti-nadas ao uso agrícola nas quais o processo erosi-vo vem se agravando em função de não estarem sendo tomadas medidas adequadas de manejo da criação bem como do solo, muitas vezes sem a consciência do produtor rural.

2 METODOLOGIATrata-se de uma pesquisa de campo com abor-

dagem qualitativa e com ênfase no objeto de estudo que é a sustentabilidade do desenvolvi-mento da agricultura familiar: possibilidades e

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alternativas. Segundo Minayo (2003), o trabalho de campo se apresenta como uma possibilidade de conseguirmos não só uma aproximação com aquilo que desejamos conhecer e estudar, mas também de criar um conhecimento partindo da realidade presente no campo.

Quando se fala em abordagem qualitativa, Ne-ves (1996) cita que a pesquisa qualitativa tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenôme-nos do mundo social. Trata-se de reduzir a distân-cia entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação. Cita ainda que é freqüente que o pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situa-ção estudada e, a partir daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados.

O local escolhido para a realização da pesquisa foi em zona rural do município de Nova Prata/RS em que foram aplicados os questionários para uma amostra selecionada aleatoriamente.

A amostra da pesquisa é não-probabilística, por acessibilidade, na qual, de acordo com Kotler (1998), o pesquisador seleciona os membros da po-pulação que dão informações com mais facilidade.

Os dados da pesquisa foram coletados através da técnica de observação e entrevista semi-estrutu-rada com a aplicação do instrumento questionário para 15 produtores rurais, caracteristicamente fa-miliares, e que representam o extrato da população envolvida na área pesquisada.

Segundo Bervian e Cervo (2006), a tarefa da coleta de dados corresponde a uma fase intermedi-ária da pesquisa qualitativa.

De acordo com Marconi e Lakatos (2001) a en-trevista é um encontro entre suas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversa de natureza profissional. Consideram ainda que há diferentes tipos de entrevistas, que variam de acordo com o propósito do entrevistador. A entre-vista padronizada estruturada é aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido, as perguntas feitas aos indivíduos são predeterminadas. O motivo da padronização é obter, dos entrevistados, respostas às mesmas perguntas, permitindo “que todas elas sejam com-paradas com o mesmo conjunto de perguntas, e que as diferenças devem refletir diferenças entre os respondentes e não diferenças nas perguntas” (MARCONI; LAKATOS, 2001, p. 95).

Também, foi utilizada na metodologia a revisão bibliográfica caracterizando o processo de erosão, o plantio direto, as práticas conservacionistas e o tipo de solo encontrado no município estudado.

3 DESENVOLVIMENTOAlgumas alternativas existem para a diminui-

ção do problema da erosão através da adoção de práticas que englobam o conceito de agricultura conservacionista. Segundo Denardin et al (2005, p. 20), a agricultura conservacionista envolve:

a) o uso do solo de acordo com a capacidade de uso;b) preservação de ambientes ecologicamente sen-

síveis como banhados, nascentes e ambientes ripários;

c) redução ou eliminação da mobilização do solo;d) preservação dos resíduos culturais na superfície

do solo;e) manutenção da cobertura permanente do solo;f) ampliação da biodiversidade mediante múltiplas

culturas, rotação de culturas e consórcio de cultu-ras, uso de adubos verdes ou de plantas de cober-tura do solo;

g) diversificação e complexação de sistemas agríco-las produtivos como sistemas agropastoris, agro-florestais e agrossilvipastoris;

h) manejo integrado de pragas, de patógenos e de plantas daninhas; controle de trafego de máqui-nas e de equipamentos; e

i) uso moderado de agroquímicos.

Como se observa estes são os pilares de sustenta-ção para toda a atividade produtiva, onde há preo-cupação com solo, água, ar e com a diversidade dos ecossistemas adjacentes. Porém, o que se observa é uma simplificação de todo o processo produtivo o que tem levado, invariavelmente, a diminuição da fertilidade natural e da capacidade de armazena-mento de água dos solos e consequentemente perda do poder aquisitivo dos agricultores, êxodo rural, poluição, perda da função social e a não reprodução da propriedade rural.

Para compreender melhor os danos causados pela erosão é pertinente fornecer elementos refe-rentes à formação de solos e os tipos de erosão que ocorrem como forma de embasar a discussão rela-tiva ao tema.

Os solos são diferenciados pela ação dos fatores que o formam. Estes fatores possuem ação inter-dependente e são eles: material de origem, clima, relevo, organismos e o tempo. Analisando individu-almente estes fatores podemos observar não só sua ação, mas também notar as relações de interdepen-

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dência existentes entre os mesmos.O primeiro fator a ser observado é o material de

origem. É um material intemperizado não consoli-dado, que pode ser de natureza mineral ou orgâni-ca, que deu origem aos solos devido a processos pe-dogenéticos, os quais nada mais são do que reações ou mecanismos físicos, químicos ou biológicos que formam zonas características no interior do solo. Dependendo do material de origem e de sua sus-cetibilidade ao processo de intemperismo teremos alterações em vários atributos do solo: granulome-tria, morfologia, mineralogia e parte química.

Outro fator é o clima, que é o conjunto habitual flutuante dos elementos físicos, químicos e bioló-gicos que caracterizam a atmosfera de um local e influi nos seres vivos que nele se encontram. (PON-CELET, 1993 apud PRADO, 1995, p. 3).

Os fatores climáticos que tem sua atuação de forma mais incisiva na formação dos solos são: a radiação solar (calor), a precipitação pluvial (água das chuvas) e a pressão atmosférica que pode ser traduzida por vento. O calor atua diretamente nas atividades químicas e processos biológicos. A água promove hidrólise e hidratação de todos os cons-tituintes do solo, porém quando em excesso pode ocasionar erosão. E o vento que também pode ocasionar um tipo característico de erosão eólica e também o ressecamento da superfície do solo.

Aparentemente o relevo tem estreita relação com o tipo de solo de uma região. Resumidamente podemos afirmar que em áreas mais planas temos uma maior sedimentação de partículas e formação de solos mais profundos. Segundo Prado (1995, p. 4), “na posição de cota mais baixa do relevo, a má drenagem provoca o acúmulo de água e, como con-seqüência, ocorre o fenômeno de redução do ferro, originando solos gleisados”.

Já os organismos que são a micro e macro flo-ra e a micro e macro fauna, além do homem, são importantes na diferenciação dos horizontes com acúmulo diferenciado de matéria orgânica e atuam diretamente na formação do perfil. No caso da ma-cro fauna como tatus, formigas, cupins, minhocas entre outros, que através da escavação de galerias permitem a circulação de ar e a percolação de água. E a atividade antrópica, ou seja, do homem através de práticas de manejo, uso de fertilizantes, sejam químicos ou orgânicos, gessagem e calagem e uso de agrotóxicos pode alterar alguns atributos do solo.

E, finalmente o tempo que define o quanto

a ação dos organismos e clima ocorrem sobre o material de origem, num tipo específico de rele-vo determinando as propriedades morfológicas do perfil do solo.

Assim podemos entender os processos pedoge-néticos, que segundo Simonson (1959 apud PRA-DO, 1995, p. 6),

[...] consideram a adição ao solo do material mine-ral e orgânico no estado sólido, liquido e gasoso, a transformação, a perda e a translocação desses materiais no solo. Nunca um processo pedogenético ocorrerá isoladamente na formação de um solo, mas poderá ocorrer a predominância de um deles.

A predominância dos solos do município são neossolos, cujo termo que os define lembra solos novos, recém formados e poucos desenvolvidos. Os mesmos apresentam como característica se-rem solos rasos ou mesmo profundos e podem ser subdivididos em neossolos litólicos ou regolíticos. O neossolo litólico segundo Streck et al (2008, p. 86) “apresentam um horizonte A ou O assentado diretamente sobre horizonte C ou Cr” e tem pro-fundidade de 0 a 50 cm.

Isto quer dizer que o horizonte mineral mais su-perficial ou a camada utilizada pelo produtor rural está diretamente ligada a rocha de origem seja ela em sua forma primitiva ou pouco alterada. Já o ne-ossolo regolítico difere do anterior por apresentar em seu horizonte C a rocha de origem totalmente alterada e possuir uma profundidade superior a 50 cm.

Esta revisão sobre solos faz-se necessária para se ter noção dos processos que ocorrem durante a formação dos mesmos e, também para dar-se con-ta de que o tempo é muito importante nestes pro-cessos, pois pode-se levar de 100 a 400 anos para formação de apenas 1,0 cm de solo. Passaremos a abordar a perda deste mesmo solo através da ero-são e seus processos.

Segundo o Manual de Conservação do Solo e Água (1985, p. 21), erosão é o movimento de par-tículas constituintes do solo pela ação da água em movimento, resultante da precipitação pluviomé-trica ou pela ação dos ventos e das ondas. Também, pode ser definida como um processo de desgaste da superfície e/ou arrastamento das partículas do solo por agentes, tais como a água das chuvas (hí-drica), ventos (eólica), gelo (mudanças de tempe-ratura), ou outro agente geológico incluindo pro-

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cessos como o arraste gravitacional (GALINDO; MARGOLIS, 1989). Tem-se variações de erosão em relação à sua origem, aos agentes causadores, a forma de atuação do agente mecânico e quanto ao grau de intensidade.

Quanto à sua origem a erosão pode ser normal e que também é conhecida por geológica ou acelera-da. A normal, como o próprio nome diz é causada por fenômenos naturais que agem na crosta terres-tre, que fazem parte da própria formação do solo e são independentes da ação do homem (antrópica). Já a erosão acelerada é diretamente relacionada com a atuação do homem principalmente no que diz respeito à ação na agropecuária através do cul-tivo das áreas de lavouras e criações de animais.

Falando em agentes causadores de erosão te-mos a eólica e a hídrica. Como os próprios nomes sugerem a primeira causada pelo vento, através do transporte aéreo ou rolamento das partículas e a hídrica que é o transporte por arrastamento das partículas de solo por ação da água.

Já quanto à forma de atuação dos agentes me-cânicos podemos observar erosão pelas ondas, pelo impacto da gota da chuva, por percolação e por deslizamento. No caso das ondas, esta ação se manifesta em regiões litorâneas, lacustres, em ba-cias ou margens de rios e o vai e vem das mesmas provoca desagregação do solo e suspendendo-o na água e transportando. No caso da gota da chuva a energia cinética provoca desagregação do solo fazendo respingar a uma determinada distância e dependendo do volume de chuvas em podendo provocar o arrastamento destas partículas pelo es-corrimento superficial.

Este impacto contra o solo com conseqüente destruição dos agregados pode ocasionar um efeito de selamento nesta superfície que impede a per-colação da água pelo perfil e, segundo Wunsche e Denardin (1980 apud MONEGAT, 1991, p. 17):

[...] o impacto direto das gotas da chuva é responsá-vel por 95% da erosão hídrica, sendo que a crosta for-mada na superfície tem um maior efeito na absorção da água, que o tipo de solo e a declividade do terreno.

A percolação por sua vez é uma das responsáveis pela diferenciação dos perfis de solo ou também dos chamados horizontes. Esta diferenciação se dá em função do arraste da maior ou menor quanti-dade de partículas e sua deposição em determina-das camadas. Ainda temos a erosão por desliza-

mento, que nada mais é do que a movimentação de massas ou blocos superficiais devido a chuvas con-tinuadas, como temos visto em locais como Ilhota e Blumenau em Santa Catarina e Angra dos Reis no Rio de Janeiro, muito recentemente.

E, finalizando os tipos de erosão podemos classificá-las quanto ao seu grau de intensidade. Aqui podemos ter a erosão laminar, que é uma erosão superficial e que após uma chuva pode re-tirar uma camada fina e uniforme da superfície do solo. É uma forma perigosa de erosão hídrica, pois muitas vezes passa despercebida. É a fase inicial da erosão hídrica. Passando por este está-gio, temos a erosão em sulcos. Esta já é facilmen-te percebida pelo técnico ou agricultor porque forma valas ou sulcos irregulares.

Dependendo do grau de severidade pode vir a impedir o trânsito de máquinas nas áreas agri-cultáveis. E, o agravamento desta situação é o que chamamos de voçorocas que são desloca-mentos de grandes massas de solo, ocasionando a formação de grandes sulcos, podendo chegar a atingir o lençol freático.

Segundo Monegat (1991, p. 17) em nível de uma propriedade ou microbacia, comumente ocorrem outros fatores que contribuem para intensificar o escoamento superficial da água e transporte de solo. Esses fatores podem ser assim caracterizados:

a) sulcos abertos morro abaixo pelas rodas da carro-ça, por ocasião do transporte da produção;

b) surgimento de nascentes ou intensificação destas no meio da lavoura, por ocasião de chuvas mais prolongadas, com aumento do volume de água e da correnteza;

c) estradas internas construídas no sentido dos acli-ves;

d) baixo índice de cobertura vegetal dos potreiros.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃOAs avaliações reportadas neste trabalho foram

realizadas na região da Serra do Estado do Rio Grande do Sul, no município de Nova Prata. O período da realização da pesquisa foi de agosto a novembro de 2013.

Com relação ao clima, neste período são observa-das precipitações pluviométricas de maior intensi-dade. O clima na região é mesotérmico úmido (KÖE-PPEN, [20--?] apud EMATER/RS-ASCAR, 2013).

De maneira a comprovar o nível de conhecimen-to e compreensão dos agricultores sobre o assun-

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to, foi aplicado um questionário (em anexo) onde se obteve 15 respondentes. As propriedades dos agricultores consultados possuem em torno de 26 hectares de área total, dos quais cerca de 18,5 hec-tares são destinados a algum tipo de exploração agropecuária.

Foram identificados oito (8) sistemas de pro-dução: milho, leite, soja, suinocultura, avicultura integrada, hortigranjeiros, produção de feno e fru-ticultura. Os resultados apontaram:

a) milho x leite (6,67%);b) milho x leite x soja x suínos (13,34%);c) milho x leite x hortigranjeiros (19,99%);d) milho x leite x soja (26,65%);e) milho x avicultura integrada x leite (13,34%);f) milho x leite x soja x hortigranjeiros (6,67%);g) produção de feno (6,67%);h) fruticultura (6,67%).

Em seis dos sistemas citados aparecem a cultu-ra do milho e leite concomitantes e esta combina-ção é observada em 13 das 15 propriedades.

No que diz respeito ao conhecimento sobre o fa-tor erosão 13 dos entrevistados (86,67%) afirmam saber o que é o processo erosivo e 5 (33,33%) admi-tem existir erosão em suas propriedades. Mas um fato que chama a atenção é que apenas a erosão em sulcos (voçorocas) é citada como presente nas propriedades.

Este aspecto contrasta com a existência da bovi-nocultura leiteira na grande maioria das proprie-dades envolvidas na pesquisa. Como é sabido, o trânsito do gado provoca realmente sulcos, devido ao seu hábito de transitar sempre pelos mesmos lugares e também é comum encontramos erosão nos locais destinados a parada de espera de orde-nha ou alimentação pós-ordenha. Locais que não possuem pavimentação adequada, como calça-mento, saibro, etc.

Entre os 13 respondentes (86,67%) dos agri-cultores admitem ter conhecimento sobre o que é erosão e referem que a causa do processo erosivo citada com maior freqüência é o excesso de chuvas.

Segundo Nolla (1982), impacto da gota da chu-va participa em 95% do processo erosivo lami-nar. Esta opção foi lembrada em 6 respondentes (46,15%). Também a falta de cobertura de solo foi citada por 5 (38,46%).

Neste aspecto há uma nítida noção por parte dos

agricultores dos principais fatores que deflagram o processo erosivo e as medidas por eles preconizadas elegem a cobertura de solo, a introdução do plantio direto e a utilização de barreiras físicas (curva de nível) como medida de controle do processo.

Na região pesquisada, município de Nova Pra-ta/RS, há uma predominância de pequenas pro-priedades consideradas de tamanho médio – em torno de 26 hectares. Dentre as atividades de-senvolvidas, encontra-se o cultivo de grãos como a cultura do milho destacando-se, porém com um avanço gradual e constante da soja. Também, são comuns as atividades ligadas à olericultura onde o tomate e o repolho são culturas que, apesar de te-rem seu cultivo em áreas reduzidas aparecem com freqüência nos sistemas de cultivo. Em casos de criações nas propriedades pesquisadas a suinocul-tura vem perdendo espaço.

A avicultura de corte integrada é uma atividade característica da região, mas que tem encontrado certa dificuldade de expansão em função dos in-vestimentos necessários para adequação das ins-talações às normas de biossegurança.

E, recentemente a bovinocultura leiteira tem avançado de maneira significativa nestas proprie-dades. Este avanço tem um papel muito importan-te nos aspectos econômico e social, pois em termos econômicos é uma atividade que gera renda men-sal. Esta característica é importante uma vez que comparando com outras culturas que geram recei-ta apenas uma vez ao ano, dota o agricultor de re-cursos para fazer frente às despesas ordinárias de manutenção de sua casa como luz, alimentos que não são produzidos, roupas, saúde, etc.

Também, em relação ao aspecto produtivo permi-te ao agricultor optar pelo sistema de produção que mais lhe convém: desde a produção à base de pasto até o confinamento total. E, no seu caráter social é inegável a ocupação da mão de obra da família. Neste ponto há dois aspectos a serem considerados: o fator positivo de ocupação e remuneração da mão de obra utilizada e o aspecto negativo que este fator de produção é cada vez mais raro nas pequenas pro-priedades. Esta atividade que inclui a exploração do solo de uma maneira peculiar, seja ela por pas-tejo direto ou pela utilização do mesmo na produção do alimento a ser servido ao animal no cocho tem sido questionada em função dos problemas ambien-tais que estaria ocasionando em especial o aspecto de erosão do solo (BOVINOCULTURA..., 2010).

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O processo de erosão em áreas agricultáveis, que nem sempre é percebido. É um dos fatores de maior perda de renda dos agricultores familiares do município de Nova Prata/RS devido à diminui-ção da produtividade das culturas e também de poluição e assoreamento de rios e barragens atra-vés do carreamento de sedimentos muitas vezes contaminados por agrotóxicos. Podemos também observar prejuízos causados em conservação de estradas e tapumes, que muitas vezes requerem altos investimentos de governos, sejam eles mu-nicipal, estadual ou federal, dependendo da loca-lização da propriedade, para recuperação do local.

A modernização do campo e os avanços tecnoló-gicos dos últimos anos precisam ser analisados de ângulos diferentes. Se, de um lado proporcionaram o aumento da produção de alimentos e a adoção de novas técnicas para a proteção do meio ambiente, de outro, não permitiram a igual distribuição desses benefícios. Além do mais podemos dizer que a tec-nologia que protege também agrava a degradação ambiental. O homem usa técnicas para combater a erosão do solo, mas o polui com o uso de agrotóxicos.

Como pôde ser observado muitas são as variá-veis que podem contribuir para que se possa mini-mizar os impactos causados pela erosão e com isto atribuir a variável sustentabilidade no processo agrícola de produção. De acordo com os preceitos da agricultura conservacionista e fazendo uma analogia ao plantio direto, que hoje é uma das téc-nicas de cultivo mais difundida e com melhores re-sultados na minimização do processo erosivo nota--se que o agricultor está simplificando suas ações e, como conseqüência, o meio ambiente está dando respostas negativas a estes procedimentos. Enten-de-se por plantio direto aquele realizado com mo-bilização apenas na linha de plantio e que tenha uma cobertura de solo condizente com a necessi-dade de colocar a semente em contato com o solo.

Também, segundo a Cruz et al (2006), plantio direto, definido como o processo de semeadura em solo não revolvido, no qual a semente é colocada em sulcos ou covas, com largura e profundidade suficientes para a adequada cobertura e contato das sementes com a terra. Ainda, este sistema pressupõe a utilização de outras ferramentas que auxiliam no controle da enxurrada e conseqüente-mente a diminuição da erosão do solo. Estas ferra-mentas são: a adequada cobertura do solo, plantio em nível, realização das operações com máquinas

e implementos com o solo no estado friável, barrei-ras físicas de contensão como terraceamento.

Porém, em virtude do viés econômico que vi-sualiza somente a maximização do lucro pratica-mente todas as variáveis componentes do plantio direto não estão adotadas. Um dos primeiros as-pectos que se observa é o aumento de áreas que estão sendo sistematizadas para a produção de grãos. O que mais chama a atenção neste caso é que não se tratam de áreas extensas, mas sim de pequenas áreas que estão sendo incorporadas ao processo produtivo. Esta característica deve-se à destinação nas pequenas propriedades de áreas para produção de commodities e estes por carac-terísticas próprias dependem de escala para gerar lucro satisfatório. O mais preocupante é que estes locais, na sua grande maioria trata-se de APPs – áreas de preservação permanente – como banha-dos, declivosas, áreas onde se retiram matas e/ou outras vegetações. Isto tem aumentado o passivo ambiental de muitas propriedades, conforme a lei 12.651, 2012 do Código Florestal Brasileiro.

Retornando ao aspecto de conservação de solo não mais está adotando-se a prática de manu-tenção da cobertura do solo. O hábito de adquirir sementes de culturas indicadas e adequadas a co-bertura, como aveia, azevém, ervilhaca, nabo for-rageiro, triticale, centeio, entre outras, ou mesmo a produção doméstica das mesmas ocorre em pe-quena escala em relação à área disponível para a sua semeadura.

Percebe-se apenas a palhada residual dos ciclos de cultivos anteriores, que na maioria das vezes são anuais de verão e o nascimento de vegetação espontânea, oriunda de bancos de sementes exis-tentes nas áreas. Quando há ocorrência desta se-gunda possibilidade, invariavelmente o número de indivíduos que germinam fica muito aquém do stand tido como mínimo para a proteção do solo, conforme citado por Monegat (1991, p. 178).

A realização do plantio da cultura econômica é preconizada pela otimização do desempenho das máquinas e o menor tempo para sua execução deixando-se de lado a recomendação de plantio em nível, ou mais próximo dele. É buscado o sentido que apresente a maior distância a ser percorrida em linha reta diminuindo ao máximo o número de manobras a serem realizadas.

Apesar da facilidade de realização de tratos culturais nos cultivos, com o advento da trans-

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genia e evolução de máquinas e equipamentos, não se observam as condições de umidade ideais para execução dos tratos culturais. Ao invés disto muitas vezes ocorre a circulação com máquinas e equipamentos na lavoura com excesso de umidade ocasionando compactação do solo e com isto favo-recendo o início de processos erosivos devido à não penetração da água no solo e de conseqüente es-corrimento superficial.

As barreiras físicas antes utilizadas como ter-raços de base estreita, média e larga, murunduns, cordões vegetados, mulching vertical entre outros, foram retirados visando realizar as operações de plantio e colheita no sentido do maior comprimen-to. Em algumas áreas onde o comprimento de rampa não é muito grande associado à presença de vegetação perene, como campos e florestas, locali-zadas acima em alguns casos minimizam o impac-to do processo erosivo não sendo sentida a retirada destas barreiras. Nos casos onde o comprimento de rampa e o grau de declividade são grandes, são observados processos erosivos estabelecidos e em aumento de intensidade.

5 CONCLUSÃO A introdução do gado bovino leiteiro no pro-

cesso descrito neste trabalho aliado a um grau de desconhecimento das práticas conservacio-nistas por parte do agricultor familiar colaborou para o aumento dos problemas apresentados na pesquisa especialmente naquelas propriedades

onde o sistema é baseado na produção do leite a pasto. O acesso do animal nas áreas de pastejo não observa aspectos como umidade do solo e al-tura de resteva, a lotação (UA/área) não é respei-tada, a produção da silagem para alimentação extrai praticamente toda parte aérea da planta, a falta de locais adequados para estes animais ficarem dias de chuva nos períodos antes da or-denha e durante a complementação alimentar foram fatores que colaboraram no aumento da degradação do solo destas propriedades.

Em síntese, a presença de animais de grande porte como o gado bovino leiteiro sem manejo adequado e a simplificação do sistema plantio direto que envolve todas as ferramentas descri-tas, pela busca da otimização do desempenho das máquinas com conseqüente redução do tem-po de trabalho preconizando apenas lucrativida-de maior tem levado o produtor a reduzir suas preocupações com a manutenção das condições físicas, químicas e biológicas do solo. Esta lucra-tividade é temporária e ilusória, pois está sendo obtida com exaustão do solo. A combinação de todos estes descuidos em relação aos pilares da agricultura conservacionista, sendo um destes pilares o plantio direto, está tomando propor-ções alarmantes, que se não for modificado o enfoque criará um efeito dominó culminando na degradação do solo por processos erosivos inten-sos e, possivelmente irreversíveis.

ANEXO I

Questionário 1- Qual a área total da propriedade em hectares? ______________________________________________2- Que área é destinada a atividade agropecuária, em hectares?_________________________________3- Qual o sistema de produção desenvolvido?

( ) milho x leite x soja( ) milho x leite x hortigranjeiros( ) milho x avicultura integrada x leite( ) milho x soja( ) outro. Descreva ____________________.

4- Sabe o que é erosão do solo? ( ) sim ( ) não5- Existe erosão do solo em sua propriedade? ( ) sim ( ) não6- Se existe, que tipo?7- Como você identifica a erosão? 8- No seu entendimento, qual a principal causa da erosão?9- Toma alguma medida para evitar a erosão? ( ) sim ( ) não 10- Em caso positivo, que medidas adotam para evitar a erosão?

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 54-62, jan./abr., 2014.

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BERVIAN, P. A.; CERVO, A. L. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.

BOVINOCULTURA de leite. Brasília, DF: Banco do Brasil; IICA, 2010. 60 p. (Série Cadernos de propostas para atuação em cadeias produtivas, v. 1). Disponível em: <http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Vol-1BovinoLeite.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2013.

BRASIL. Lei n 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe so-bre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponí-vel em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm>. Acesso em: 07 jul. 2013.

CRUZ, J. C. et al. Cultivo do milho. 2. ed. Sete La-goas, MG: Embrapa Milho e Sorgo, 2006. (Sistemas de produção, v. 1).

DAROLT, M. R. (Org.). Plantio direto: pequena pro-priedade sustentável. Londrina, 1998. 255 p. (IAPAR. Circular, n. 101).

DENARDIN, J. E. Manejo de enxurrada em siste-ma plantio direto. Porto Alegre: Fórum Estadual de Solo e Água, 2005. 88 p.

EMATER/RS-ASCAR. Projeto de assistência técnica e extensão rural para promoção da agricultura familiar sustentável na cadeia produtiva do leite. Proposta técnica EMATER/RS. Porto Alegre, 2013. 96 p.

EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Trigo. Plantio direto no Brasil. Passo Fundo: Aldeia Nor-te, 1993. 166 p.

GALINDO, I. C.; MARGOLIS, E. Tolerância de per-das por erosão para solos do estado de Pernam-buco. Rev. Bras. Cienc. Solo, Campinas, SP, v. 13, n. 1, p. 95-100, 1989.

GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. Degradação am-biental. In: CUNHA, S. B. Geomorfologia e meio ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. Dis-ponível em: <http://www.soloeagua.ufc.br/erosao.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2013.

GUERRA, A. J. T.; SILVA, S. S.; BOTELHO, R. G. M. Erosão e conservação dos solos. 3 ed. Rio de Janei-ro: Bertrand Brasil, 2007.

KOTLER, P. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. São Paulo: Atlas, 1998.

MANUAL de conservação do solo e água: uso adequa-do e preservação dos recursos naturais renováveis. 3. ed. atual. Porto Alegre, RS: Secretaria da Agricultura, 1985. 287 p.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MINAYO, M.C.S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Rio Janeiro: Vozes, 2003.

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NEVES, J. L. Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Cadernos de Pesquisas em Admi-nistração, São Paulo, v. 1, n. 3, 2. sem. 1996. Dis-ponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2014.

NOLLA, D. Erosão do solo. Porto Alegre: Secretaria da Agricultura, 1982. 412 p.

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WANDERLEY, M. N. B. Raízes históricas do campe-sinato brasileiro. In: TEDESCO, J. C. Agricultura fa-miliar: realidades e perspectivas. 2. ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999.

REFERÊNCIAS

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 54-62, jan./abr., 2014.

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63Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 63-64, jan./abr., 2014.

Agroecología y Cambio ClimáticoMetodologías para evaluar la resiliencia socio-ecológica en comunidades rurales

Editores Clara L. Nicholls y Miguel Altieri

Cíntia Barenho 1

Um dos vários livros lançados durante o VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia, dialogou diretamente com a te-mática central “Cuidan-do da Saúde do Plane-ta”. Cuidar da saúde do planeta é reconhecer que as mudanças climá-ticas já são uma realida-de vivida e, portanto, necessitamos desen-volver metodologias para enfrentar e mini-mizar seus impactos.

É sabido que o modelo de agri-cultura industrial, de agronegócio, voltada à comercializa-ção e exportação de commodities, é uma grande emissora de gases de efeito estufa. Ainda assim, tal modelo segue em expansão, mesmo estando a beira de um precipício, pois as mudanças climáticas já estão afetando diretamente a produ-ção de tais commodities.

Recentemente o observatório da Nasa divulgou resul-tados evidenciando a multiplicação de eventos climáticos extremos, como o frio intenso do último inverno na Amé-rica do Norte e o calor que afligiu a Austrália e a América do Sul no início de 2014.

Bons planetas são difíceis de encontrar. Quem trabalha com a metodologia da pegada ecológica é enfático em afir-mar que se a população mundial adotasse um estilo de vida dos EUA, seriam necessários cinco planetas para atender as necessidades da população.

Ao mesmo tempo, que as notícias espalham as possíveis catástrofes sobre a agricultura industrial, encobrem que a Agroecologia tem capacidade de “esfriar o planeta” e já está fazendo isso.

Esse é o propósito do livro que Nicholls e Altieri organi-zaram: evidenciar que a Agroecologia desenvolveu-se como uma agricultura resiliente aos extremos climáticos e com tal resiliência adaptar-se-á às mudanças climáticas.

O livro possui nove artigos de diferentes autores e países. Apresenta experiências de Cuba, México, Chile e Colômbia.

Cabe destacarmos o artigo de Altieri e Nicholls que in-troduz a publicação, entitulado “Agroecologia y Resiliencia al cambio climático: princípios y consideraciones metodo-logicas”.

Por resiliência se entende a capacidade de um sistema de resistir e assegurar sua estrutura organizacional e sua produtividade apesar de uma perturbação. A resiliência também tem duas dimensões: a resistência à perturbação e a capacidade de recuperação do sistema. Portanto, um agroecossistema é considerado resiliente quando é capaz de seguir produzindo alimento após uma perturbação, como uma seca ou um furacão.

O conhecimento tradicional e as práticas indígenas de manejo dos recursos são a base da resiliência dos agroe-cossistemas camponeses. Estratégias de manutenção da di-versidade genética, policultivos, agroflorestas, conservação de água e solos, dentre outras, são mecanismos de minimi-zação de riscos frente a climas incertos. Além disso, o uso diversificado da paisagem e o acesso a recursos múltiplos incrementa a capacidade dos camponeses em responder às mudanças climáticas.

Os autores evidenciam que o resgate dos sistemas tradi-cionais de manejo combinados com estratégias agroecológi-cas pode representar uma rota viável e sólida para incremen-tar a produtividade, sustentabilidade, e, consequentemente, resiliência da produção agrícola. Diferentemente da agricul-tura industrial - agronegócio - que devido a seu fomento ao monocultivo de larga escala já tem sofrido perdas e maiores impactos com a variabilidade climática.

Para isso, demonstram princípios e considerações meto-dológicas para verificar e construir processos de resiliência dos agroecossistemas como os dez princípios do desenho agroecológico, princípios de vulnerabilidade, indicadores de sistemas de produção.

Há um destaque importante a complementação dos prin-cípios do desenho agroecológico com princípios sociais. Os agroecossistemas não ocorrem em vazios sócio-culturais e, portanto, a resiliência deve ser entendida e trabalhada tanto social, como ecologicamente.

Assim, o entendimento de capacidade de adaptação deve referir-se ao conjunto de condições sociais e agroecológicas, que permitem a indivíduos ou grupos, em suas proprieda-des, responder às mudanças climáticas de maneira resiliente. Diante disso, o livro segue, apresentando diversos casos de resiliência, seja em áreas montanhosas, como os Andes, seja depois de furacões, como ocorreu em Cuba; ou ainda em áreas de escassez de recursos hídricos, como sul do Chile.

1 Bióloga, mestre em Educação Ambiental.

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64Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 63-64, jan./abr., 2014.

Psicologia e Contextos RuraisOrganização: Jáder Ferreira Leite eMagda DimensteinEditora: EDUFRN

Marta Tejera 1

“Psicologia e Contex-tos Rurais”, obra que re-úne ensaios de diversos pesquisadores que atu-am no campo da Psico-logia com interface no meio rural, trata-se de um trabalho que ofere-ce um panorama bas-tante abrangente das pesquisas desenvolvidas nesta área no Brasil.

Entre os 18 ensaios apresentados no livro, destaque para as aná-lises de Karla Patrícia Martins Ferreira e Zulmira Áurea Cruz Bomfim, apresen-tadas sob o título “Juventude no semiárido nordestino: caminhos e descaminhos da emigração”, tratando sobre o tema da saída do campo para a cidade, as angústias, os desejos, o retorno, a permanência e as motivações. De forma geral, a pesquisa realizada no município de Tauá, no interior do estado do Ceará, mostra o desejo dos jovens que participaram da pesquisa – com idades entre 18 e 25 anos - de alcançar novas oportunidades em cidades maio-res, em especial São Paulo, também demonstra o incenti-vo dos pais para que deixem a vida no campo, considerada árdua, para atingir condições de vida melhores, com maior remuneração e, consequentemente, maior conforto. En-tre as dificuldades para romper os laços com a cidade na-tal e as atividades rurais está o distanciamento da família, o medo do desconhecido e a insegurança em relação à cidade grande. Entre os apontamentos que incentivam estes jovens à emigração está a falta de oportunidades e, geralmente, as situações de subemprego: baixos salários, relações de trabalho difíceis, horários de trabalho não es-tabelecidos, falta de carteira de trabalho assinada, etc.

Como demonstram as pesquisadoras, vale destacar a estreita relação estabelecida pelos entrevistados entre o desejo de melhores oportunidades de emprego e a von-tade de levar os estudos adiante. Além disso, o exemplo de emigrantes que “deram certo” na cidade grande favo-rece a intenção de emigração, mesmo que esta não seja uma decisão fácil. Como apontam Ferreira e Bomfim, o

investimento em educação de nível superior no semiárido cearense, com melhores possibilidades seria um fator que poderia frear o impulso migratório da juventude da região. Resta a dúvida sobre a situação de quem fica, em flagrante situação de envelhecimento e sem a sucessão que favore-ceria a manutenção de um trabalho contínuo no campo. Esta questão vem à tona para quem lê o ensaio das au-toras e poderia perfeitamente ser tema de uma pesquisa sequencial.

Além deste ensaio, destacamos também a única pesquisa assentada fora do Brasil e que integra a seleção de ensaios do livro. Realizada em Portugal, trata de uma etnia que man-tém registros em território brasileiro mas, sobre a qual, não vemos muitas pesquisas associando-a à temática rural.

Em “Modos de vida cigana e toxicodependência: desa-fios e perspectivas no cuidado em saúde mental em Portu-gal”, Joaquim A. Costa Borges recupera traços históricos da etnia cigana e sua chegada em território europeu bem como as relações que os membros deste grupo estabele-cem com o poder público constituído. A investigação tem como base o trabalho desenvolvido pelo grupo português Sina, que atua na busca pela integração desta etnia a partir de atendimentos na área econômica, social e de saúde.

A associação feita pelo autor da etnia cigana com a vida no campo - apesar do nomadismo que a caracteriza – está no vínculo mantido pelo grupo com a natureza, a vida ao ar livre, e na prática da agricultura, em consonância com outras atividades da tradição cigana, como a quiromancia, as artes cênicas, a produção de cestos, a venda de gado e a metalurgia.

A falta de oportunidades de garantir a execução destas tarefas e a manutenção de sua cultura de forma digna e capaz de garantir a sobrevivência, como nos mostra Bar-bosa, tem feito com que membros desta etnia sejam lan-çados a outras atividades paralelas, muitas vezes ilegais, caso do tráfico de drogas e, simultaneamente, ao con-sumo de substâncias entorpecentes e viciantes. Aliado a este cenário, Barbosa aponta a maneira peculiar como os ciganos lidam com a questão da saúde, vendo os agentes com desconfiança e tendo dificuldades para se compro-meter com tratamentos devido a forma como agem em relação às questões da temporalidade. Estas questões exigem dos promotores de saúde uma ação social efetiva em Portugal, buscando resgatar e organizar esta etnia de forma a garantir que a toxicodependência seja combatida de maneira eficiente. Para isso, Barbosa conclui que a me-lhor estratégia passa pela descentralização dos serviços de saúde e a organização socioeconômica deste grupo com uma ação constante do Estado.

1 Jornalista, Doutora em Comunicação Social

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista da Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e

Extensão Rural e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divul-gação de trabalhos de agricultores, extensionistas, profes-sores, pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temas centrais de interesse da Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é um periódico de publicação quadrimestral que tem como público referencial todas aquelas pessoas que estão empe-nhadas na construção da agricultura e do desenvolvimento rural sustentáveis.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso, resenhas de teses e livros, assim como experi-ências e relatos de trabalhos orientados pelos princípios da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvimento rural sustentável e da agricultura sustentável, esta enten-dida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ecológica, independentemente da orientação teórica so-bre a qual se assenta.

Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica espe-cial interesse à agricultura familiar, que constitui o público prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são aceitos para publicação artigos e textos que tratem teori-camente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas que promovam o fortalecimento da agricultura familiar.

4 Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail para [email protected].

5 Serão aceitos para publicação textos escritos em Português ou Espanhol, assim como tradução de textos para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das tradu-ções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, confor-me o caso.

6 Terão prioridade na ordem de publicação os textos inéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que estejam centrados em temas da atualidade e contemporâ-neos ao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo a que se refere.

7 Os textos deverão se enquadrar nos seguintes te-mas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura Sustentável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimen-to Rural, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Socie-

dade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica e a divulgação de experiências práticas nas seguintes ca-tegorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local, reforma agrária, agricultura/pecuária de base eco-lógica, proteção etnoecológica, conhecimento local, meio ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação ru-ral, extensão rural, organização social, metodologias par-ticipativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis, tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade, biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, im-pactos ambientais.

8 As contribuições devem ter, no máximo, 15 laudas (usando editor de textos Microsoft Word) em formato A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, ta-manho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre parágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e es-paço simples.

Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras de-vem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e preparados em softwares compatíveis com a plataforma Microsoft Windows, de preferência no formato JPG ou TIF.

9 Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for o caso, o número da página citada ou letras minúsculas quando houver mais de uma citação do mesmo autor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42); como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-ção, usando (SILVA, 1999, p. 42).

10 As referências devem ser reunidas no fim do texto, seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-vem conter:

a) título do artigo: em negrito e centrado;b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapé em que conste profissão, titulação, atividade profissional, lo-cal de trabalho, endereço e e-mail;

c) resumo: no máximo em 10 linhas nos idiomas Portu-guês e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

d) palavras-chave: no mínimo 3 palavras-chave e no máximo 5 nos idiomas Português e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);

e) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4 tópicos, a saber: introdução, desenvolvimento, conclusões e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados im-portantes para o melhor entendimento do texto.

12 Serão enviados 3 exemplares do número da Revista para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para publicação não serão devolvidos aos seus autores.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

66Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jan./abr., 2014.

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

Revista de la Associação Rio-grandense de Empreendimento de Assistência Técnica e Extensão

Rural y de la Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - Emater/RS-Ascar

NORMAS PARA PUBLICACIÓN

1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es una publicación de la Emater/RS-Ascar, destinada a la di-vulgación de trabajos de agricultores, extensionistas, profe-sores, investigadores y otros profesionales dedicados a los temas centrales de interés de la Revista.

2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável es un periódico de publicación cuatrimestral que tiene como público referencial todas las personas que están em-peñadas en la construcción de la agricultura y del desarrollo rural sustentable.

3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável publica artículos científicos, resultados de investigaciones, estudios de caso, reseñas de tesinas y libros, bien como experiencias y relatos de trabajos orientados por los prin-cipios de la Agroecología. Además, acepta artículos con enfoques teóricos y/o prácticos en las áreas del desarrollo rural sustentable y de la agricultura sustentable, ésta com-prendida como toda la forma o estilo de agricultura de base ecológica, independientemente de la orientación te-órica sobre la cual se basa.

Como no podría dejar de ser, la Revista dedica especial interés a la agricultura familiar, que constituye el público prioritario de la extensión rural gaúcha. En ese sentido, se aceptarán para publicación los artículos y textos que tra-ten teóricamente de ese tema y/o de estrategias y prác-ticas que promuevan el fortalecimiento de la agricultura familiar.

4 Los artículos y textos se deben enviar por e-mail a [email protected].

5 Se aceptarán para publicación textos en Lengua Por-tuguesa o Española, bien como traducción de textos para esos idiomas. Se llama la atención para que, cuando se trate de traducción, se mencione expresamente, al pie de la página, la expresión “Traducción autorizada y revisada por el autor” o “Traducción autorizada y no revisada por el autor”, de acuerdo con el caso.

6 Tendrán prioridad en el orden de publicación los textos inéditos, aún no publicados, así como aquellos que estén centrados en temas de la actualidad y contemporá-neos al debate y al “estado del arte” del área de estudio a que se refiere.

7 Los textos se deberán encuadrar en los siguientes temas: Desarrollo Rural Sustentable, Agricultura Susten-table, Agroecología, Agricultura Familiar, Extensión Rural, Relaciones Sociales en los Procesos de Desarrollo Rural, Manejo Sustentable de Agroecosistemas, Sociedad y Am-

biente, encuadrándose el abordaje teórico y la divulgaci-ón de experiencias prácticas en las siguientes categorías: desarrollo endógeno, desarrollo local, reforma agraria, agricultura/pecuaria de base ecológica, protección etno-ecológica, conocimiento local, medio ambiente, ecología, economía ecológica, comunicación rural, extensión rural, organización social, metodologías participativas, rediseño de agroecosistemas sustentables, tecnología y sociedad, indicadores de sustentabilidad, biodiversidad, balances energéticos agropecuarios, impactos ambientales.

8 Las contribuciones deben tener extensión máxima de 15 páginas (utilizándose editor de textos Microsoft Word) en formato A-4, con estilo de letra Times New Ro-man, tamaño 12, y a un espacio y medio entre líneas (un espacio entre párrafos). Será posible utilizar notas al pie de la página o notas finales, debidamente numeradas, de-biendo ser escritas en letra Times New Roman, tamaño 10, a un espacio.

Cuando sea el caso, fotos, mapas, gráficos y figuras se deben enviar obligatoriamente en formato digital y prepa-rados en softwares compatibles con el Microsoft Windo-ws, preferentemente en formato JPG o TIF.

9 Los artículos deben seguir las normas de la Asso-ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 6022/2003. Se recomienda que se inserten en el cuerpo del texto todas las citas, destacándose, entre paréntesis, el apellido del autor, el año de publicación y, si es el caso, el número de la página citada o letras minúsculas cuando haya más de una cita del mismo autor y año. Ejemplos: Como ya se mencionó Silva (1999, p. 42); como ya se mencionó Souza (1999 a, b); o, al final de la cita, utilizán-dose (SILVA, 1999, p. 42).

10 Las referencias se deben reunir al final del texto, siguiendo las normas de la ABNT (NBR 6023/2002).

11 Sobre la estructura, los artículos técnico-científicos deben contener:

a) título del artículo: en negrita y centrado;b) nombre(s) del (de los) autor(es); empezando por

el (los) apellido(s), acompañado(s) de nota al pie en que conste profesión, titulación, actividad profesional, lugar de trabajo, dirección y e-mail;

c) resumen: no más de 10 líneas en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

d) palabras clave: no menos que 3 palabras clave y no más que 5, en los idiomas Español e Inglés (para artículos en Lengua Española);

e) cuerpo del trabajo: debe presentar no menos que 4 puntos, a saber: introducción, desarrollo, conclusión y referencias. Podrá también contener lista de ilustraciones, lista de tablas y lista de abreviaciones y cualquier otro ítem que se juzgue importante para la mejor comprensión del texto.

12 Se enviarán 3 ejemplares de la edición de la Revista a todos los autores que tengan sus artículos o textos pu-blicados. En cualquier caso, no se devolverán a sus auto-res los textos no aceptados para publicación.

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