Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

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Capítulo 5 Sabedoria e sucesso Nunca andam separados E este audaz progresso Ocorre aqui nos Cerrados. Na estação de sequia Não há precipitação Então se faz poesia Graças à irrigação. Geovane Alves de Andrade

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Agricultura é a união de técnicas aplicadas no solo para o cultivo de vegetais destinados à alimentação humana e animal, produção de matérias-primas e ornamentação. A agricultura é uma atividade produtiva de grande importância para o homem, pois é a partir dela que temos o nosso sustento. Existem três fatores ligados à produção agrícola: o físico, como o solo e o clima; o fator humano, que corresponde à mão de obra em seu desenvolvimento; e o fator econômico, que se refere ao valor da terra e o nível de tecnologias aplicadas na produção.

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Capítulo 5

Sabedoria e sucessoNunca andam separadosE este audaz progresso

Ocorre aqui nos Cerrados.

Na estação de sequiaNão há precipitaçãoEntão se faz poesiaGraças à irrigação.

Geovane Alves de Andrade

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Agronegócio e Recursos Naturais noCerrado: desafios para uma coexistênciaharmônica

Alfredo Scheid Lopes

Eduardo Daher

AbstractThe advancement of the agribusiness, which represented 23 % of Brazil’s GNP in 2006(~R$ 540 billion), was a remarkable fact concerning the evolution of the Brazilian economyin the last 3 decades. One of the key factors regarding this evolution was the expansion ofagriculture and beef cattle production in the Cerrado region, an area considered marginal foragriculture production until the beginning of the 1960´s. However, a great investment onresearch in several agronomic subjects in the last 40 years made it possible the developmentof a number of management strategies that allow the Brazilian Cerrado to become nowadaysone of the most productive regions in Brazil in terms of grains, beef cattle, and agro-energyproduction, as well as reforestation. Yet, in more recent years intense soil degradation hasbeen observed in many areas, which is reported to be related mainly to deep conventionalplowing and disking. Such a technique is necessary to incorporate liming materials that areneeded as an initial step in the process of “building-up” soil fertility in these soils. However,when conventional deep plowing and disking are repeated annually several deleteriouseffects might occur, namely: (i) soil structure deterioration; (ii) very rapid decrease in soilorganic matter content; (iii) soil compaction at the 12 cm-15 cm depth; and (iv) run-off andsevere erosion. The result is a production process that is not sustainable. To revert thissituation a series of more sustainable management technologies have been introduced in thisregion in recent years. This includes: (i) increasing use of crop rotation and cover crops; (ii)no till and/or minimum tillage; (iii) integrate crop-livestock production and/or crop-livestock-forest production. We believe however, that a harmonic coexistence of agribusiness and arational use of natural resources in this region – aiming at a more sustainable productionprocess – requires not only an increasing research effort regarding some agronomic issuesbut also actions to remove several logistic problems.

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Introdução

Um dos maiores desafios da humanidade é atender à demanda mundial daprodução de alimentos em virtude do crescimento populacional nas próximas décadas. Aprodução mundial de alimentos, que foi de 2 bilhões de toneladas em 1990, quando apopulação mundial era de 5,2 bilhões de habitantes, deverá atingir 4 bilhões de toneladasno ano de 2025, quando a população mundial chegará a 8,3 bilhões de habitantes,conforme projeções da Organização Mundial para Alimentação e Agricultura (FAO). Paraque essas metas sejam alcançadas, a produtividade média mundial de grãos, que era de2,5 toneladas por hectare em 1990, deverá atingir 4,5 toneladas por hectare em 2025. Apalavra-chave é, portanto, produtividade, a qual deverá estar sintonizada com asustentabilidade do processo produtivo, incluindo-se, nesse contexto, a minimização deriscos ao meio ambiente.

O Brasil é um dos poucos países com amplas possibilidades de ser umparticipante importante nesse processo, que envolve a segurança alimentar, pelasseguintes razões:

1) Apresenta possibilidades de ganhos expressivos em produtividade média de muitasculturas, principalmente as que se constituem em alimentos básicos, graças aosinvestimentos feitos em pesquisas agropecuárias nas últimas décadas, acoplados aodesenvolvimento das atividades de ensino das ciências agrárias e à difusão de tecnologia.

2) Dispõe da maior fronteira mundial para a expansão da agricultura, pois dos 1,4 bilhões dehectares de terras agricultáveis no mundo, o Brasil possui 497 milhões, ou seja, 35 %dessa área.

3) Dispõe de água – cerca de 14 % da água doce disponível do planeta está no Brasil –, o querevela um grande potencial para expansão da área irrigada, com sensíveis aumentos nasprodutividades das culturas.

4) Possui condições climáticas e ecorregionais que possibilitam o plantio de culturas queacumulam grandes quantidades de biomassa, com potencial para produção debiocombustíveis.

5) Possui o domínio de pacote tecnológico agrícola que propicia o aproveitamento de fontesnaturais de nutrientes de baixo impacto ambiental, como é o caso dos sistemas decultivo com uso intensivo de plantas e organismos dotados de aparato para fixação de Natmosférico.

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Um dos exemplos mais notáveis de evolução das pesquisas agropecuárias, comaplicação prática pelos agricultores das tecnologias desenvolvidas, foi a ocupação daregião dos Cerrados. Segundo Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz de 1970, o queocorreu nessa região nas últimas décadas foi a maior Revolução Verde de toda a históriada humanidade. Essa evolução da aplicação de princípios científicos e tecnológicos parafazer produzir, de modo econômico e sustentável, as mais diferentes culturas na região foium passo extremamente importante para a evolução e consolidação do agronegóciobrasileiro no seu sentido mais amplo.

Entretanto, para que a vocação agrícola do Brasil possa ser exercida em suaplenitude, torna-se necessário uma revisão de conceitos e princípios tecnológicos,procurando mais e mais vencer os desafios para uma coexistência harmônica entre osprocessos produtivos, a utilização dos recursos naturais e a preservação ambiental.

Os objetivos deste trabalho são: (1) apresentar as características e os principaisfatores limitantes dos solos da região dos Cerrados para a produção agropecuária e umresumo de tecnologias para a construção da fertilidade destes solos; (2) comentar algunsaspectos relativos ao agronegócio brasileiro e a importância e contribuição do Cerradopara esse segmento da economia brasileira; (3) discutir a necessidade de implementaçãode tecnologias de produção agropecuárias menos impactantes ao meio ambiente, mas aomesmo tempo de alta produtividade e socialmente justas; (4) ressaltar a importância deuma conscientização popular sobre a grande vantagem competitiva da agriculturabrasileira no cenário internacional e do seu importante papel para o desenvolvimentoeconômico e social do Brasil; e (5) apresentar algumas necessidades de pesquisas e osprincipais gargalos para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro em coexistênciaharmônica com o meio ambiente.

A Região dos Cerrados

A região dos Cerrados no Brasil ocupa 2,04 milhões de hectares ou 20 % doterritório do País (Fig. 1). Até o início dos anos 1960, essa região era consideradamarginal para a produção agrícola face às limitações impostas pela baixa fertilidadenatural de seus solos, a inadequada distribuição das chuvas, a probabilidade deocorrência de veranicos durante a estação das chuvas e a falta de infra-estrutura naregião. Hoje se admite que a região possua 50 % de terra agricultável, sendo dois terçosadequados para agricultura e pecuária.

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Fig. 1. A região dos Cerrados no Brasil.

Fonte: Adaptado de Lopes e Guilherme (1994).

A pluviosidade média varia de 900 mm a 2.000 mm por ano, sendo que a maior

parte se situa entre 1.000 mm e 1.400 mm anuais, a qual, se fosse bem distribuída, seria

adequada para a maioria das culturas. A temperatura média anual é de 22 oC no sul da

região e 27 oC no norte, com uma radiação solar variando de 475 a 900 langleys. Esse

conjunto de fatores é extremamente positivo do ponto de vista do potencial fotossintético,

que é alto praticamente o ano todo.

Os principais solos que ocorrem na região são mostrados na Tabela 1. Latossolos

(46 % da área), Podzólicos (15 %) e Areias Quartzosas (15 %) são as principais unidades de

mapeamento encontradas. A textura pode variar desde solos extremamente argilosos até

arenosos, e este é um dos principais atributos que levam às alterações do manejo quando

se almeja obter produtividades máximas econômicas na região.

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Tabela 1. Principais classes de solos na região dos Cerrados.

Sistema de classificação do solo Área na região

Brasileiro FAO Soil Taxonomy (km2) (%)

Latossolos Ferralsols Oxisols 935.870 46Concrecionários Lateríticos Acrisols Ultisols 57.460 3

FerralsolsPodzólicos Acrisols Ultisols 307.680 15

Luvisols AlfisolsTerras Roxas Nitosols Alfisols 34.230 2Cambissolos Cambisols Entisols 61.940 3

InceptisolsLitólicos Lithosols Entisols 148.130 7

Areias Quartzosas Arenosols Entisols 309.720 15Lateritas Hidromórficas Luvisols Alfisols 122.660 6

Gleysols InceptisolsGley Gleysols Inceptisols 40.750 2Outros 19.150 1

Total 2.037.590 100

Fonte: Adaptado de Adamoli et al. (1986).

Uma característica marcante desses solos é que a fração argila é formada quase

que totalmente por caulinita, gibbsita e óxidos de ferro, todos com características de

argilas de baixa atividade química com baixa densidade de cargas dependentes de pH.

A declividade dominante é de menos de 3 %, mas a ocorrência de solos com

relevo suave-ondulado é também bastante comum; com boa estabilidade dos agregados

do solo, esses solos são profundos e bem drenados, o que favorece a mecanização.

Uma das principais características desses solos é a baixa fertilidade natural. Há

deficiência da grande maioria dos nutrientes essenciais, com destaque para os níveis

extremamente baixos, por natureza, de P, K, Ca, Mg, S, Zn, B, Cu. Os solos são ainda

ácidos (pH em água mais comumente encontrado entre 4,8 a 5,1), com alta toxidez por Al,

alta fixação de P e teor médio de matéria orgânica, que se constitui no fator mais

importante ligado à capacidade de troca de cátions nesses solos (Tabela 2).

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Tabela 2. Distribuição das limitações químicas nos solos da região dos Cerrados, com base em 518amostras superficiais (0 cm-15 cm), incluindo 16 amostras sob vegetação de floresta e outras estimativas.

Propriedades Área do Cerrado(0 cm-15 cm) (%)

pH em água < 5,0 50Ca cmolc dm-3 < 1,5 96Mg cmolc dm-3 < 0,5 90K cmolc dm-3 < 0,15 85Al cmolc dm-3 > 1,0 15CTC efetiva cmolc dm-3 < 4,0 97Saturação por Al (valor m %) > 40 79P mg dm-3 (Mehlich 1) < 2,0 92Matéria orgânica % <2,0 17Zn mg dm-3 (Mehlich 1) < 1.0 95Cu mg dm-3 (Mehlich 1) < 1.0 70Mn mg dm-3 (Mehlich 1) < 5.0 37N (deficiência) 32S-SO4

2- (deficiência) 70B (deficiência) 60

Fonte: Adaptado de Lopes e Cox (1977) e Malavolta e Kliemann (1985).

Além desses fatores, cabe destacar as seguintes limitações à produção agrícola

na região: (1) 5 a 6 meses de duração da estação da seca – normalmente de abril a

setembro; (2) ocorrência de veranicos na estação das chuvas com duração de 1 a 3

semanas, normalmente; (3) baixa capacidade de retenção água, notadamente nos solos

mais arenosos; e (4) restrição ao desenvolvimento do sistema radicular em profundidade

das plantas cultivadas, principalmente em decorrência da toxidez de Al e deficiência de

Ca no subsolo.

Essa gama de fatores limitantes para a produção agropecuária justificou um

esforço hercúleo de todos os setores da pesquisa agrícola, procurando, no início,

identificar e quantificar esses fatores e, posteriormente, desenvolver estratégias de

manejo e tecnologias para sobrepujá-los, ensinando essas tecnologias nas escolas e

universidades agrárias e difundindo-as para os agricultores em amplos programas de

extensão.

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As primeiras pesquisas de casa de vegetação e experimentos de campo

envolvendo solos sob Cerrado foram iniciadas nos anos 1950 no IBEC Research Instituteda Fundação Rockfeller em Matão, SP, e no antigo Instituto Agronômico de Minas Gerais,em Sete Lagoas, MG. Essas pesquisas e a experimentação deslancharam com a criaçãodo CPAC em Planaltina, DF, em 1975, e de vários outros centros de pesquisa da Embrapa(Arroz e Feijão, Milho e Sorgo, Gado de Corte, Gado de Leite, dentre outros). Destacam-seainda os trabalhos desenvolvidos em inúmeros institutos estaduais de pesquisas,

universidades federais, estaduais e particulares, institutos/centros/universidadesinternacionais, com destaque para o Ciat, Jica, Orstom, Cirad, Tropsoil, Cornell University,North Carolina State University e, mais recentemente, inúmeras fundações estaduais.Cabe destaque, também, para os incansáveis trabalhos de difusão de tecnologiadesenvolvidos por inúmeras entidades na região nos últimos 40 a 50 anos.

Essa evolução das pesquisas que permitiu a transformação do sonho de incorporara região dos Cerrados na realidade atual somente foi possível graças a um enfoque

multidisciplinar envolvendo as mais diferentes áreas de conhecimento em ciênciasagrárias com destaque para: fertilidade do solo, genética e melhoramento, microbiologiado solo, entomologia e fitopatologia, mecanização agrícola, climatologia, sistemas decultivo, física do solo, química do solo, conservação do solo, tecnologia de sementes,manejo integrado de pragas e doenças, dentre outras.

Entre essas várias áreas do conhecimento agronômico, cabe destaque o acervode pesquisas que permitiram, em realidade, a implementação de um verdadeiro processode construção da fertilidade. As tecnologias derivadas dessas pesquisas fizeram com que

a baixa fertilidade natural dos solos dessa região deixasse de ser um dos principaisfatores limitantes à sua incorporação de maneira efetiva, eficiente, sustentável e,sobretudo, cada vez mais representativa, no agronegócio brasileiro. Esse esforço permitiuo desenvolvimento de alternativas de tecnologias de construção e manutenção dafertilidade do solo que, aplicadas no dia-a-dia da maioria dos agricultores da região,levaram a níveis de produtividade da maioria das culturas comparáveis e até superiores

às produtividades das melhores áreas do Brasil. Essas tecnologias envolviam: (a)calagem; (b) uso do gesso agrícola; (c) adubação fosfatada corretiva; (d) adubaçãopotássica corretiva; (e) adubação corretiva com micronutrientes; e (f) manejo da matériaorgânica. Detalhamentos dessas tecnologias podem ser encontrados em Lopes (1983),

Lopes e Guilherme (1994) e Sousa e Lobato (2002).

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Somado a esse esforço da pesquisa, devem-se mencionar, ainda, fatoressocioeconômicos, tais como o baixo preço das terras, políticas governamentais deincentivos para investimentos em infra-estrutura, assistência técnica e a migração deagricultores tradicionais da Região Sul para a região dos Cerrados (EMBRAPA CERRADOS,

1999).

O Desenvolvimento dos Cerrados e o Agronegócio

Um dos aspectos mais importantes observados na economia brasileira nosúltimos anos foi a evolução do agronegócio brasileiro e a sua contribuição para o aumentodo PIB nacional, na participação da balança comercial, geração de empregos, segurançaalimentar, inclusão social, dentre outros fatores.

Do PIB brasileiro de 2006 (R$ 2.323 bilhões), o agronegócio representou R$ 540,06bilhões (23 %). Desse total, o segmento “de dentro da porteira” atingiu R$ 149,8 bilhões,ou 27,7 %, e o segmento “de fora da porteira”, R$ 390,26 bilhões, ou 72,3 %. Do total deexportações brasileiras em 2006 (US$ 137,5 bilhões), o agronegócio foi responsável porUS$ 49,4 bilhões, o que corresponde a 36 %. Adicionalmente, o agronegócio foiresponsável, em 2005, pela geração de 35 % dos empregos do País.

Cabe destacar a evolução da importância do agronegócio no saldo da balançacomercial. Desde o início dos anos 1970 até hoje, esse saldo tem sempre mostrado umaparticipação positiva e crescente, compensando em muitos anos o mais fracodesempenho de outros setores que levaram a balanços negativos da balança comercial,como mostrado na Fig. 2.

Esse desempenho favorável, principalmente a partir do início dos anos 1990, édecorrente do aumento da produção de grãos. Essa produção evoluiu de 57,9 milhões detoneladas em 1990/1991, para 131,4 milhões em 2006/2007, o que representou umaumento de 128 % no período, enquanto a área plantada passou de 37,9 milhões dehectares para 46,1 milhões de hectares no mesmo período, com um aumento total deapenas 21,8 % (Fig. 3). Deve-se ressaltar que o aumento da produção observado nesseperíodo foi resultado principalmente da aplicação de tecnologia agrícola, que permitiu aelevação da produtividade de grãos de 1,5 t ha-1 em 1990/1991 para 2,9 t ha-1 em 2006/2007 (aumento de 93 %). Da mesma forma, foi marcante o aumento da produção de carnebovina (204 %), de suínos (176 %) e de frango (285 %), de 1994 até 2006 (Fig. 4). Essaconsolidação do agronegócio brasileiro, principalmente da produção agropecuária, levou o

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Brasil a alcançar, em 2006: o primeiro lugar mundial na produção de açúcar, café e suco delaranja; o segundo lugar na produção de carne bovina e soja; o primeiro lugar naexportação de carne bovina, de frango, açúcar, café e suco de laranja; e o segundo lugar na

exportação de soja (grãos, farelo e óleo), entre outros resultados positivos (Tabela 3).

Fig. 2. Evolução do saldo total da balança comercial no Brasil de 1972 até 2007,em comparação com o saldo do agronegócio e de outros segmentos da economia.

Fonte: Adaptado de Brasil (2008); Datamark (2008).

Fig. 3. Evolução da produção de grãos e da área plantada no Brasil, noperíodo de 1990/1991 a 2006/2007.

Fonte: IBGE (2008).

TotalAgronegócioDemais segmentos

50

40

30

20

10

0

-10

-20

-301980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007

Anos

Bilh

ões

(US$

)

1990/1991 1993/1994 1996/1997 1999/2000 2002/2003 2005/2006

57,9

131,4

37,946,1

Produção (milhões t)

Área (milhões ha)

Var. 127,0 %

Safras

Var. 21,8 %

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Fig. 4. Evolução da produção de carne bovina, de suína e de frango no Brasil, noperíodo de 1990 a 2007.

Fonte: Adaptado de ABEF, ABIEC, ABIPECS (2008).

Tabela 3. Ranking mundial da produção e exportação dos principais produtos da agropecuária noBrasil em 2006.

Produção Exportação

Produtos (%) Ranking (%) Ranking

Carne bovina 16,5 2º 27,8 1ºCarne de frango 15,4 3º 38,6 1ºCarne de porco 2,7 4º 10,4 4ºAçúcar 18,7 1º 34,7 1ºCafé 32,0 1º 28,1 1ºSuco de laranja 59,7 1º 81,9 1ºSoja - grão 25,2 2º 40,2 2ºSoja - farelo 15,1 4º 25,2 2ºSoja - óleo 15,7 4º 22,0 2ºAlgodão 5,9 4º 4,4 5ºMilho 4,1 5º 3,0 5ºArroz 1,9 9º 0,9 17º

Fonte: Rodrigues (2007).

Esse fantástico desempenho do agronegócio brasileiro, entretanto não seria

possível se não fosse o desenvolvimento da produção e da produtividade do segmento “de

dentro da porteira” na região dos Cerrados. Esse segmento foi responsável, em 2006, por

1990 1993 1996 1999 2002 2005 2007

Anos

0

2

4

6

8

10Carne bovina

Carne de frangoCarne suína

1,0

2,4

4,1

10,6

9,8

3,0Milh

ões

(t)

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89 % do algodão produzido no Brasil, 69 % do sorgo, 55 % do gado de corte, 53 % da soja,

48 % do café, 37 % do arroz, 30 % do milho, 25 % do feijão e 13 % da cana-de-açúcar. A

produção de grãos na região passou de 5,6 milhões de toneladas em 1970, para

44 milhões de toneladas em 2003, apresentando um crescimento de 6,4 % ao ano no

período. Poucos setores da economia nacional tiveram uma taxa de crescimento tão

elevada nesse período1.

Na virada do século XX, foram desenvolvidos estudos procurando avaliar a

ocupação do Cerrado, à época, assim como o potencial da região para expansão da

fronteira agrícola. Um resumo desse trabalho, apresentado na Tabela 4, mostra que

aproximadamente 100 milhões de hectares são adequados para o cultivo com uma área já

explorada nesta época de 12 milhões de hectares com culturas anuais, 49 milhões com

pastagens melhoradas e 2 milhões com culturas perenes. Isso deixaria um potencial para

expansão da área total cultivada de 37 milhões de hectares (EMBRAPA CERRADOS, 1999).

1Informação pessoal do pesquisador Roberto Teixeira Alves, da Embrapa Cerrados, aos autores.

Tabela 4. Ocupação do Cerrado no fim dos anos 1990 e potencial para ocupação futura.

ÁreasAtividade (Milhões de ha) (%)

1. Pastagens melhoradas 49 242. Culturas anuais 12 63. Culturas perenes 2 14. Áreas cultivadas (1+2+3) 63 315. Fronteira agrícola 37 186. Área potencial (4+5) 100 497. 20 % de reserva legal 25 128. Outros usos e áreas de preservação 79 399. Total (6+7+8) 204 100

Fonte: Adaptado de Embrapa Cerrados (1999).

Nessa época, a produção de grãos nos Cerrados alcançava 24 milhões de

toneladas sob agricultura de sequeiro, 900 mil toneladas de agricultura irrigada e

2,5 milhões de toneladas de carne, com uma produção total de 27,4 milhões de toneladas

de alimentos, que correspondiam a um terço da produção brasileira de grãos e cerca de

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34 % do rebanho de gado de corte (Tabela 5). As produtividades médias eram estimadas

em 2 t ha -1 para a agricultura de sequeiro, 3 t ha -1 para as culturas irrigadas e a taxa de

ganho de peso do gado era de 50 kg-1 ha-1 ano-1.

Considerando que 37 milhões de hectares são ainda disponíveis para a expansão

da fronteira agrícola na região dos Cerrados, pode-se simular um cenário futuro para a

contribuição dessa região para o agronegócio brasileiro (Tabela 6).

Tabela 5. Produção de grãos e carne nos Cerrados no fim dos anos 1990.

Área Produtividade ProduçãoAtividade (milhões de ha) (t -1 ha -1 ano-1) (milhões de t)

Grãos (sequeiro) 12,0 2,0 24,0Grãos (irrigado) (1) 0,3 3,0 0,9Gado de corte 49,0 0,05 (2) 2,5

Total 61,3 27,4

1 Estimado para culturas de inverno.2 Produção de carne por hectare.Fonte: Resck et al. (2006).

Tabela 6. Cenário do potencial de uso da região dos Cerrados.

Produtividade Área ProdutividadeAtividade Área atual atual potencial potencial Produção

(milhões ha) (t ha -1 ano-1) (milhões ha) (t ha -1 ano-1) (milhões t)

Grãos (sequeiro) 12,0 2,0 20,0 3,0 60,0Grãos (irrigado) (1) 0,3 3,0 1,0 4,5 4,5Gado de corte 49,0 0,05 (2) 50,0 0,10 5,0Frutas 0,3 10,0 1,5 15,0 22,5

Total 52,6 - 72,0 - 92,0

1 Cultura de inverno após uma cultura das águas.2 Produtividade de carne por hectare.Fonte: Resck et al. (2006).

Esse cenário pode ser considerado conservador, pois foi estabelecido de acordo

com tetos de produtividade obtidos no fim dos anos 1990. Nessa época, a produtividade

média de algumas culturas na região, embora um pouco mais elevada que a média

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brasileira, era ainda bem menor do que aquela alcançada por agricultores que aplicam

adequadamente as tecnologias de produção já disponíveis. Comparando-se com as

produtividades de várias culturas obtidas nas estações experimentais, nessa época,

essas diferenças são ainda maiores, deixando um espaço para aumentos na produtividade

média de muitos produtores (Tabela 7).

O cenário apresentado na Tabela 6 mostra que é possível produzir nessa região

92 milhões de toneladas de alimentos (grãos, carne e frutas), se se considerar um

aumento médio de 50 % na produtividade das culturas e de 100 % na produtividade de

carne, e a incorporação de cerca de 20 milhões de hectares ao processo produtivo, o que

é perfeitamente factível.

Dados de produtividade alcançada em anos recentes por produtores que utilizam

as tecnologias de produção já desenvolvidas pela pesquisa brasileira para a região dos

Cerrados, como por exemplo: 6 t ha-1 de arroz de sequeiro, 9 t ha-1 - 10 t ha-1 de arroz irrigado,

3,5 t ha-1 de feijão irrigado, 10 t ha-1 - 12 t ha-1 de milho, 4 t ha-1 de soja, 6 t ha-1-7 t ha-1 de

milho safrinha, 350@ ha-1 de algodão e 30 e 50 sacos de café por hectare, sem e com

irrigação, são fortes indicativos que o potencial produtivo dessa região é, certamente,

muito superior ao apresentado na Tabela 7.

Tabela 7. Produtividade de algumas culturas graníferas no fim dos anos 1990 e produtividade

potencial.

Cerrado

Cultura Média do Agricultores Estações

Brasil Média com tecnologia experimentais

................................................. t ha -1 ....................................................................................

Arroz 1,7 1.2 3,1 4,8

Feijão 0,4 0,4 2,0 4,0

Milho 2,0 2,0 7,6 13,0

Soja 1,8 2,0 4,0 5,0

Trigo irrigado 1,7 3,8 5,5 8,0

Trigo de sequeiro 1,7 2,0 2,7 3,5

Fonte: Resck et al. (2006).

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Esses aspectos amplamente positivos do desenvolvimento do agronegócio

brasileiro, principalmente em relação ao aperfeiçoamento de tecnologias de produção

agrícola, aumento da produtividade e da eficiência do processo produtivo, permitiram

ainda que a contribuição do item alimentação a domicílio atingisse apenas 15 % no IPCA,

que, de janeiro de 1994 até agosto de 2007, cresceu 212 %. Dados comparativos com

outros segmentos da economia brasileira mostram que a contribuição dos segmentos de

serviços de comunicação, combustíveis, aluguel, transporte público, energia elétrica e

planos de saúde no aumento do IPCA foi bem maior do que a dos vários segmentos

relacionados ao agronegócio (Tabela 8).

Entretanto, a rentabilidade do setor agrícola, que esteve relativamente estável de

1998 a 2003, foi afetada mais recentemente, por conta de fatores climáticos (seca no RS),

pela incidência maior de pragas e seu oneroso custo ao combatê-las (ferrugem-asiática-

da-soja) e, acima de tudo, pela constante apreciação cambial do dólar norte americano

frente ao Real. Esse conjunto de fatores causou uma sensível redução na renda agrícola

auferida pelo agronegócio brasileiro.

Trata-se do principio econômico da lei dos rendimentos decrescentes, onde os

preços recebidos pelos produtores (IPR) crescem a uma taxa menor do que o ritmo de

crescimento dos preços pagos, por esses mesmos produtores (IPP). A relação do índice

IPR/IPP, negativa em 19 %, é, por si só, um alerta para os possíveis problemas que

venhamos a enfrentar na gestão do agronegócio brasileiro. Aparentemente está se

chegando próximo ao ponto de máxima do mercado como um todo; os gargalos logísticos

e de crédito acabam por limitar a reversão desse quadro.

Tabela 8. Variação da inflação de produtos agrícolas e outros custos no Brasil desde o Plano Real –

IPCA janeiro 1994 a agosto 2007: 212 %.

Serviços de comunicação 661 % Leite e derivados 181 %

Combustíveis 634 % Aves e ovos 170 %

Aluguéis 477 % Carnes 155 %

Transporte público 442 % Hortaliças e verduras 150 %

Energia elétrica 393 % Cereais e leguminosas 124 %

Planos de saúde 321 % Frutas - 34 %

Fonte: Rodrigues (2007).

Page 16: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 187

Fig. 5. Comparação do índice de preços pagos e preços recebidos pelosagricultores no período de 1998 a 2006.

Fonte: Fundação Getúlio Vargas, 2007.

Degradação do Solo: um problema a ser equacionado

Vários fatores têm sido diagnosticados como indutores de degradação dos solos

da região dos Cerrados, indicando uma necessidade de adequação de rumos no manejo

para aumento da sustentabilidade de produção nessa região, fato que felizmente já está

ocorrendo. Entre esses fatores, ocupam lugar de destaque: (a) perdas da estrutura original

(normalmente associada a perdas de matéria orgânica) e (b) perdas do solo pela erosão e

perdas de água.

Todos esses fatores têm relação direta com o clima da região, notadamente com a

intensidade de chuvas, com a monocultura e com o sistema de preparo do solo. Discorre-

se, a seguir, sobre alguns desses fatores.

Perdas da estrutura

Uma das mais sérias conseqüências do sistema de cultivo convencional utilizado

ainda hoje tem relação com seus efeitos na estrutura do solo. As operações de preparo do

solo na região do Cerrado começam normalmente na estação da seca (julho, agosto e

setembro). Em geral, os agricultores têm grandes extensões de terra para preparar e,

muitas vezes, número insuficiente de tratores. Para aumentar a velocidade de preparo do

110

160

210

260

310

360

410

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 200660

65

70

75

80

85

90

Índice de preços – recebidos pelos agricultores

Índice de preços – pago pelosagricultores

IPR/IPP

Anos

IPP (eixo esquerdo) IPR/IPP (eixo direito)IPR (eixo esquerdo)

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais188

solo, são utilizados arados ou grades aradoras de discos pesadas como implementosmais comuns que, com o correr de anos de preparo semelhante, têm sérias

conseqüências da destruição da boa agregação do solo, no aumento do teor de argiladispersa em água nas camadas superficiais do solo, na maior exposição da matériaorgânica à ação dos microorganismos e na formação de camadas compactadas entre12 cm e 15 cm abaixo da superfície do solo.

Latossolos argilosos (45 % de argila), sob vegetação natural de Cerrado,pastagens e eucalipto, apresentam mais de 80 % dos agregados do solo com mais de2 mm de diâmetro na camada arável. Em contrapartida, áreas cultivadas por mais de 10

anos, seja sob a rotação soja-milho ou arroz-milho e preparadas com arado de disco,apresentam somente 20 % dos agregados do solo maiores que 2 mm. Perdas de carbonodo solo de 13 t ha-1 (0,7 %) em rotação soja-milho e de 17 t ha-1 (0,9 %) na rotação arroz-milho foram reportadas por Resck et al. (2006) em alguns desses sistemas intensivos.

Áreas cultivadas com adubos verdes e preparadas com rototiller chegaram a nãomais que 42 % de agregados estáveis em água, demonstrando danos à estruturacausados por esse implemento, apesar da incorporação de grandes quantidades dematéria seca ao solo (cerca de 10 t ha-1 em ambos os casos).

Os teores de C orgânico em agregados do solo com mais de 2 mm de diâmetro

nesses sistemas foram 1,6 %, 1,3 %, 1,3 % e 1,5 %, para o Cerrado virgem e pastagem,eucalipto e adubo verde, rotação soja-milho e rotação arroz-milho, respectivamente(RESCK; SILVA, 1990). A impossibilidade de se manter uma alta percentagem deagregados do solo maiores que 2 mm nas áreas cultivadas intensivamente foi decorrentede uma diminuição na fração protegida da matéria orgânica (DUXBURY et al., 1989) e, emconseqüência, na sua quantidade, que foi várias vezes menor nas áreas cultivadas

intensivamente comparada aos sistemas naturais.

Vários outros trabalhos de pesquisa têm demonstrado claramente os efeitos detempo de cultivo, tipos de implemento de preparo do solo e uso de adubos verdes sobre oteor de C do solo na região dos Cerrados. Em um Latossolo Vermelho-Amarelo com 75 %de argila, onde se monitorou a matéria orgânica por 11 anos, ficou evidenciado que, logoapós a remoção da vegetação, o teor de C orgânico foi de 1,9 % no horizonte superficial.Durante os 2 anos seguintes, com o cultivo de arroz de sequeiro, o teor de C orgânico

aumentou para 2,3 %, provavelmente por causa da decomposição dos resíduos das raízes

Page 18: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 189

da vegetação nativa. Sob cultivo contínuo com soja e com o solo preparado com grade

aradora pesada, o C orgânico no solo caiu para menos de 1,7 %, em decorrência da

diminuição de resíduos das plantas e do aumento da atividade microbiana resultante do

uso de calcário e fertilizantes. Essas perdas não foram mais acentuadas por causa do alto

teor de argila que faz uma maior proteção física da matéria orgânica, tornando-a mais

difícil de ser destruída do que em solos de textura média ou arenosa. Após 11 anos de

cultivo, o horizonte superficial, que originalmente continha 90 % de agregados maiores que

2 mm sob vegetação de Cerrado, tinha apenas 62 % desses agregados, apesar do alto teor

de carbono orgânico, que foi de 2,1 % (WOOMER et al., 1994).

Outra alteração importante observada nesse último experimento foi o aumento do

teor de argila dispersa em água, que passou de 10 % no solo sob Cerrado nativo para 44 %

após 11 anos de cultivo. O arado de discos pesado pulverizou a estrutura do solo, expondo

a matéria orgânica à decomposição microbiana. Ademais, esse implemento formou uma

camada compactada na profundidade de 12 cm a 15 cm, formada por argilas naturais

transportadas pela percolação da água de chuva. Na superfície, esse processo leva à

formação de uma fina crosta que diminui a infiltração da água.

Esse processo faz com os solos sob Cerrado, principalmente os Latossolos, que

normalmente são muito resistentes à erosão, tornem-se passíveis de perdas

consideráveis de solo e água, que carregam sedimentos que foram enriquecidos em

nutrientes por meio do oneroso processo de construção e manutenção da fertilidade do

solo. Estimativas de Resck (1981) e Resck et al. (1991) mostram que as perdas de

nutrientes por esse processo podem chegar aos seguintes níveis: P - aumento de 14

vezes; Ca e Mg - aumento de 2 vezes; K - aumento de 1 vez; e matéria orgânica - aumento

de 5 vezes.

Outro exemplo do manejo inadequado do solo em decorrência do efeito destrutivo

da estrutura por grades aradoras de disco pesadas foi observado em Latossolos e Areias

Quartzosas no Oeste da Bahia. A diminuição do teor de matéria orgânica do solo (MOS)

com o tempo de cultivo (TC) e o seu efeito na capacidade de troca de cátions (CTC) foi

avaliada em áreas continuamente cultivadas com soja. Os solos formaram dois grupos:

grupo I – até 30 % de argila e grupo II – maior que 30 % de argila. Os principais resultados

desse trabalho podem ser resumidos no seguinte (SILVA et al., 1994):

Page 19: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais190

a) A diminuição da MOS ocorreu em todos os solos. Após 5 anos de cultivo, a quantidade

perdida foi menor no grupo I (15,7 t ha-1) do que no grupo II (18,9 t ha-1). Essas perdas

representaram, entretanto, 69 % e 46 % do estoque inicial de MOS nos grupos I e II,

respectivamente.

b) A taxa de diminuição da MOS (Fator K), estimada de acordo com Dalal e Mayer (1986), foi

de 0,300 % ano-1 e 0,244 % ano-1 para os grupos I e II, respectivamente.

c) Os valores da meia vida (t½), ou seja, tempo para ocorrer uma diminuição de metade do

teor original de MOS foram de 2,74 e 6,07 anos para os grupos I e II, respectivamente,

mostrando que a taxa de perda da MOS foi maior em solos com baixo teor de argila,

principalmente nas Areias Quartzosas onde K = 0,299 % ano-1 e t½= 2,15 anos.

d) A diminuição da MOS foi seguida por uma diminuição da CTC do solo e ambos os

atributos foram relacionados de forma linear, com uma correlação de 0,8 em ambos os

grupos de solos.

e) A diminuição da CTC por unidade percentual de perda da MOS foi maior no grupo I do que

no grupo II, provavelmente por causa da contribuição da fração argila na CTC dos solos

argilosos.

Perdas do solo pela erosão e perdas de água

Estudos conduzidos por Dedecek et al. (1986) em uma área sob vegetação de

Cerrado próxima à Brasília, DF, mostraram que uma área sob pousio em um Latossolo

argiloso apresentava uma perda anual equivalente a 53 t ha-1, o que era equivalente a uma

camada de 5,3 mm. Nessa região, a curva de erosividade da chuva (IE30) é ascendente de

outubro (meados da estação chuvosa) até meados de janeiro, o que coincide com o

período de preparo do solo com aração e gradagem e com um mínimo de cobertura

vegetal. A média anual de erosividade da chuva é igual a 7.897 MJ mm ha-1, e cerca de

47 % dessa energia ocorre no período citado. Além disso, a erosão do solo e o

escorrimento superficial atingem o máximo (36 t ha-1 ou 68 %) de meados de janeiro até a

época da colheita. Se se considerar a área cultivada hoje com culturas anuais (12 milhões

de hectares) sob cultivo convencional (sob pousio) e as perdas de solo que ocorrem de

outubro a meados de janeiro (17 t ha-1), o potencial de perdas anuais de solo,

considerando-se uma camada de 20 cm, atingiria 102.000 ha (cada ha pesando 2000 t,

Page 20: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 191

com densidade do solo de 1 t m-3). Os autores comentam ainda que essas perdas seriam

reduzidas para 45 %, 83 % e 85 % para milho, soja e arroz sob cultivo convencional,

respectivamente, em comparação à área sob pousio. Para soja em sistema de plantio

direto, essas perdas de solo corresponderiam a apenas 9.180 ha (também para uma

camada de 20 cm).

Outro aspecto ligado à degradação do solo, quando se pratica a agricultura

convencional, tem a ver com as possíveis perdas de água por escorrimento superficial.

Segundo Resck et al. (2006), da precipitação média anual de 1.165 mm (CV=26 %),

próximo a 280 mm são perdidos por escorrimento superficial (CV=10 %), o que

corresponde a uma infiltração de 76 %. Considerando-se a área de 58 milhões de hectares

ocupados atualmente com culturas anuais nos Cerrados, isso representaria uma perda

anual de 16.240.000 m3 de água doce, o que seria suficiente para uma população de

773.337 consumindo 21 m3 per capita por ano.

Tecnologia de Produção, o Agronegócio e aPreservação Ambiental

Embora tenha sido notável a evolução das ciências agronômicas e tecnologias

agrícolas que permitiram o desenvolvimento do processo produtivo na região dos

Cerrados e a obtenção dos níveis de produção e produtividade atuais, há que se refletir

sobre as adequações dessas tecnologias dentro do conceito moderno de preservação

ambiental e sustentabilidade futura desses sistemas de produção.

Nesse contexto, cabem alguns comentários sobre mudanças ou adequação dos

rumos de ocupação dessa região, para que ela continue a ser partícipe importante na

evolução do agronegócio brasileiro. Essa adequação envolve ainda a implementação de

ações que minimizem os riscos de degradação e contaminação ambientais, que conduzam

à diminuição do desmatamento em áreas pouco vocacionadas para produções agrícolas

intensivas, que contribuam para a conservação do Bioma Cerrado em áreas de preservação

permanente e que levem a uma maior inclusão social dos habitantes da região.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas tão somente no intuito de iniciar uma

discussão sobre alguns pontos importantes nessa readequação de rumos dos processos

produtivo na região, consideram-se importantes os pontos abordados a seguir:

Page 21: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais192

Recuperação das áreas degradadas

A recuperação de áreas degradadas para sua incorporação ao processo produtivoagrossilvipastoril deve merecer atenção especial e contar inclusive com incentivosoficiais. O enfoque básico deve ser o de aumentar a produtividade nas áreas já abertas enão a simples expansão da fronteira agrícola.

Estima-se que no Brasil existam cerca de 180 milhões de hectares ocupados porpastagens nativas ou melhoradas, a maior parte na região dos Cerrados. Cerca de metadedessas pastagens (90 milhões de hectares) estão degradadas ou apresentam algum graude degradação com baixíssima capacidade de carga de animais (1 animal para cada5 hectares). Admitindo-se que um terço dessas pastagens degradadas possam serrecuperadas num curto prazo – pois há conhecimento científico e tecnológico para isso –e uma produção de 4 toneladas de grãos por hectare anualmente, isso representaria apossibilidade de produção anual de mais 120 milhões de toneladas de alimentos semdesmatar um hectare sequer de vegetação nativa. Essa ação seria extremamente bemrecebida por todos aqueles que militam em campanhas de preservação ambiental,podendo-se, inclusive, adotar um selo de qualidade ecológico com os dizeres: “Esteproduto foi produzido em área recuperada de pastagem degradada e não representou anecessidade de desmatamento de área de floresta ou Cerrado nativo para sua produção”.Essa ação deveria se constituir em um programa da mais alta prioridade das autoridadesconstituídas e da iniciativa privada do País.

Plantio direto

A importância da matéria orgânica para a sustentabilidade da produção dos solosda região dos Cerrados é um fato inquestionável, conforme foi demonstrado em tópicosanteriores. A abertura de novas áreas de Cerrado, até passado recente, foi fundamentadaquase que exclusivamente na aração e em gradagens profundas, principalmente nasoperações iniciais para a construção da fertilidade desses solos. Isso pode ser justificávelinicialmente, porém a repetição anual dessas práticas levou muitas áreas a sofreremdegradação, com conseqüente perda de sustentabilidade do processo produtivo. Deacordo com Goedert e Oliveira (2007), os principais efeitos negativos já detectados paraessa prática são: (a) pulverização do solo, com ruptura dos agregados, facilitando oselamento superficial do solo e o arraste de partículas pela enxurrada; (b) exposiçãoexcessiva dos compostos orgânicos, com aumento da velocidade de sua decomposição,

Page 22: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 193

resultando em diminuição do teor de matéria orgânica do solo; (c) favorecimento decondições para a formação de uma zona compactada abaixo da camada arável do solo(denominada “pé-de-grade”), resultante da pressão exercida pelos implementos depreparo e/ou da movimentação das partículas mais finas no perfil do solo.

A evolução das pesquisas em relação a sistemas mais sustentáveis de manejodo solo, com destaque para o plantio direto – que, segundo John Landers, para tersucesso precisa: “palha, palha, palha; rotação, rotação, rotação; e perfil, perfil, perfil” –,está levando à segunda grande revolução da agricultura brasileira. A verdadeira explosãono aumento da área sob plantio direto, não apenas na região dos Cerrados, mas em todo oBrasil, tem resultado em vários efeitos positivos, com reduções significativas em: (i)perdas da estrutura natural dos solos; (ii) das taxas de erosão do solo; (iii) doescorrimento superficial da água; e (iv) das taxas de redução do teor de matéria orgânica

do solo. Tudo isso resulta em maior sustentabilidade do sistema produtivo (Fig. 6).

Fig. 6. Evolução da área sob plantio direto, o Brasil e na região dos Cerrados, noperíodo de 1975/1976 a 2003/2004.Fonte: FEBRAPDP (2003).

Integração lavoura-pecuária

Possivelmente, um dos mais expressivos avanços na busca de tecnologias mais

sustentáveis para a exploração agropecuária no Brasil seja a evolução do conhecimento

do sistema integrado de produção lavoura-pecuária. A implementação desse sistema

BrasilCerrados

24

20

16

12

8

4

0

1975

/197

6

1919

80/

81

1919

85/

86

1919

90/

91

1919

95/

96

2000

/200

1

2003

/200

4 (e

)

Ano agrícola

Milh

ões

(ha)

Área de plantio direto no Brasil

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais194

exige uma mudança conceitual e operacional das práticas agrícolas, tanto para a

produção de grãos e outros produtos como da pecuária. Porém, os resultados obtidos têmmostrado que essa integração permite somar efeitos positivos da produção isolada degrãos com os da produção de carne e leite, com um grande efeito sinergístico benéfico doconjunto dessas operações. Dentre os vários efeitos positivos desse sistema, citam-se:(a) maior cobertura vegetal do solo, o ano todo, reduzindo os efeitos da erosão e doescorrimento superficial das águas; (b) diminuição da intensidade de pragas e doenças

das culturas, reduzindo a intensidade de aplicação de pesticidas; (c) formação depastagens altamente produtivas e com grande capacidade de suporte, aproveitando oefeito residual do calcário e dos fertilizantes aplicados nas culturas anuais; (d) maiorciclagem de nutrientes lixiviados para o subsolo, devido ao sistema radicular maisprofundo das espécies forrageiras.

Embora seja uma tecnologia de manejo relativamente recente, quando integradacom o sistema plantio direto, a integração lavoura-pecuária talvez seja uma das formas

de manejo mais recomendáveis para a sustentabilidade de produção dos solos sobCerrados. Mais detalhes sobre esse sistema podem ser encontrados em Kluthcouski et al.(2003).

Um terceiro componente que tem sido avaliado na integração lavoura-pecuária é oreflorestamento com eucaliptus e, ou, pinus, levando ao sistema lavoura-pecuária-reflorestamento. A idéia básica seria alargar o espaçamento das linhas das espéciesflorestais de modo a permitir a implementação da integração lavoura-pecuária nas entrelinhas. Embora com aporte de pesquisas ainda reduzido, algumas iniciativas pioneiras

dessa integração tríplice têm se mostrado altamente eficientes em relação àsustentabilidade de manejo. A intensificação de pesquisas para diagnosticar os gargalospara uma mais efetiva implementação desse sistema – avaliando inclusive os possíveis

efeitos benéficos quanto à sua sustentabilidade nos Cerrados – é uma prioridade.

A sustentabilidade do agronegócio

Embora já existam algumas linhas objetivando uma adequação de rumos do

processo produtivo da agropecuária brasileira (vide sugestões apresentadas nos tópicos:

Recuperação de áreas degradadas, Plantio direto e Integração lavoura-pecuária, deste

trabalho, em relação a sistemas de exploração menos impactantes no que tange ao meio

Page 24: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 195

ambiente e, de modo especial, ao recurso natural solo), torna-se necessário tratar da

sustentabilidade do agronegócio brasileiro de uma forma mais ampla.

É preciso levar em conta que, nos dias atuais, quaisquer ações têm que ser

equilibradas e harmônicas em relação a três componentes, ou seja, devem ser

economicamente viáveis, socialmente responsáveis e ambientalmente sustentáveis (Fig.

7). Qualquer desequilíbrio em um desses vértices irá levar a atritos e divergências que

podem comprometer as metas de desenvolvimento do agronegócio e prejudicar a

consolidação do Brasil como um país com vocações imbatíveis nesse segmento. Uma

mais ampla implementação dos dois programas descritos a seguir pode certamente se

constituir em instrumento da mais alta significância para o futuro do agronegócio

brasileiro.

Economicamente viável

Ambientalmente sustentávelSocialmente responsável

Fig. 7. A harmonia de ações para a sustentabilidade do agronegócio.

Fonte: Adaptado de Araújo (2007).

Programa Alimentos Seguros (PAS)

Esse programa tem como objetivos disseminar e apoiar a implantação das Boas

Práticas e o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) nas

empresas de alimentos e alimentação, em todo o País. Com isso, o PAS contribui para:

(a) aumentar a segurança e a qualidade dos alimentos produzidos para a população

brasileira; (b) aumentar a exportação de alimentos, preparando o setor produtivo

brasileiro para atender às exigências dos países importadores em termos de segurança

dos alimentos; e (c) aumentar a competitividade de nossas empresas.

Page 25: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais196

Como um programa que atinge toda a cadeia de alimentos, o PAS é composto de

uma parceria abrangente, que reúne instituições com focos de ação desde o campo até o

consumo final do alimento, tais como: Embrapa, Senar, Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sebrae,

sendo também parceiras a Anvisa e o CNPq.

O PAS conta também, desde seu início, com o apoio (técnico) do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do Ministério da Saúde (MS) e da

Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos (Abia). Também o Instituto Nacional de

Metrologia (Inmetro) e a Associação Brasileira de Norma Técnicas (ABNT) foram

envolvidos no PAS, para trabalharem o aspecto de normalização. Detalhes do programa

podem ser encontrados em http://www.alimentos.senai.br.

Sistema de Produção Integrada (SPI)

Trata-se de um sistema de exploração agrária que produz alimentos e outros

produtos de alta qualidade mediante o uso dos recursos naturais e de mecanismos

reguladores para racionalizar o uso de insumos visando a uma produção agrária

sustentável.

Envolta no contexto da segunda metade da década de 1990, a Produção Integrada

(PI) surgiu a partir das demandas reais de satisfazer às necessidades da sociedade como

um todo, no que se refere a produção de alimentos e insumos industriais (fibras, couro,

etc.), oriundos da produção agropecuária, a geração de empregos no campo para

população de baixa renda e escolaridade e a redução de êxodo rural para as cidades

grandes.

Inicialmente, visava otimizar o Manejo Integrado de Pragas (MIP) nas fruteiras de

clima temperado da Europa, técnica esta que vislumbra a redução do uso de pesticidas,

baseando-se em controles culturais, químicos e biológicos. Sempre que possível, o MIP é

orientado pelo Limiar de Dano Econômico (LED) e pelo Nível de Dano Econômico (NED),

que requer o conhecimento da dinâmica populacional das pragas e doenças prioritárias de

controle pelos Programas de MIP.

A implantação prática do SPI deve, baseada na sua própria definição, refletir a

gestão ambiental das atividades agrárias de forma sustentável, estabelecendo normas

que assegurem uma cuidadosa utilização dos recursos naturais minimizando o uso de

Page 26: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 197

pesticidas e insumos na exploração, baseada nas normas da série ISO 14001. Possibilita

ainda a aplicação da norma ISO 9001, no que se refere ao acompanhamento da cadeia

produtiva e de pós-colheita. Tudo isso está orientado à produção de produtos agrícolas de

qualidade internacional que atendam às necessidades e exigências do consumidor final,

propondo assim um conjunto de boas práticas agrícolas a serem estabelecidas em

normas e procedimentos direcionados àqueles que se propuserem a utilizá-las no campo.

Assim, o SPI objetiva a produção de alimentos de alta qualidade, mediante o uso

de técnicas que levem em consideração os impactos ambientais sobre o sistema solo/

água/produção e que possibilitem avaliar a qualidade dos produtos, considerando as

características físicas, químicas e biológicas dos recursos naturais locais nos processos

envolvidos na cadeia produtiva, pós-colheita e comercialização da produção.

Assim sendo, os produtos elaborados conforme as normas de Produção Integrada

elegem um sistema de produção que elenca as melhores alternativas existentes para a

exploração do sistema agrário, assim como de instrumentos e técnicas para

monitoramento ambiental e controle da cadeia produtiva e de pós-colheita, assegurando

um menor risco de contaminação ambiental direta e indireta, além de proporcionar uma

diminuição gradativa dos custos de produção.

Conscientização Popular

Outro ponto que mereceria ênfase especial seria uma ampla campanha de

esclarecimento da opinião pública sobre a importância da agricultura para o

desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Como exemplo, três dos cinco pontos mencionados na introdução deste trabalho –

(1) ganhos em produtividade; (2) expansão da fronteira agrícola; e (3) disponibilidade de

água – deveriam ser cada vez mais divulgados como instrumento de convencimento da

população brasileira sobre a grande vantagem competitiva da agricultura brasileira no

cenário internacional e do seu importante papel – passado, presente e futuro – para o

desenvolvimento brasileiro.

Ressaltamos esses aspectos, pois existe por parte do público em geral,

notadamente daqueles que não militam com assuntos ligados ao campo, um profundo

Page 27: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais198

desconhecimento do que foi alcançado pelo desenvolvimento da agricultura num contexto

macroeconômico, ambiental e social, nas últimas décadas. Em realidade, certas

mensagens veiculadas por alguns meios de comunicação de massa levam a população a

crer que: (1) a agricultura é uma grande vilã ambiental, contribuindo para o desmatamento

desenfreado da região Amazônica; (2) o agronegócio só privilegia os grandes produtores

rurais e as culturas de exportação; e, finalmente, (3) os benefícios sociais do modelo da

agricultura tradicional adotado no Brasil foram ínfimos.

Para que a vocação agrícola do Brasil possa ser exercida em sua plenitude, há

uma necessidade urgente, dentre outras ações (LOPES et al., 2003), de ser levado ao

conhecimento de todos os brasileiros, por meio de um programa agressivo de

esclarecimento, exemplos positivos da importância da agricultura no contexto geral. Ou

seja, uma mensagem clara e objetiva sobre a importância do que representa o

desenvolvimento da agricultura para melhorar as condições de segurança alimentar não

apenas do nosso país, mas de toda a humanidade. Se incluirmos nesse contexto as

oportunidades que o Brasil poderá ter com o aumento da demanda mundial de

agroenergia, essas oportunidades serão, certamente, consideravelmente aumentadas.

Observe-se o que se faz em termos de convencimento da população no segmento

da agricultura orgânica no Brasil. Alguns meios de comunicação veiculam mensagens

sobre os benefícios dessa atividade – que é também “agricultura” – incluindo, porém,

visões distorcidas de que tudo que é orgânico e natural é saudável e, por via de

conseqüência, tudo que é químico – incluindo aqui o uso de agroquímicos – é danoso ao

homem e ao ambiente. Isso é uma grande “inverdade”.

Como escreve Dick Taverne, autor do livro A Marcha para a Irracionalidade, em

matéria publicada no jornal The Guardian, no Reino Unido: “Não existe nada saudável em

relação a produtos químicos naturais como a ricina, a toxina aflotoxina e a toxina

botulínica ou especialmente perigoso em relação a químicos sintéticos como as

sulfoamidas (bactericida), o isoniazid, que cura a tuberculose ou o analgésico

paracetamol”. Lamentavelmente, notícias como a publicada no Environmental News, em

3 de outubro de 2006, nos Estados Unidos, relatando que espinafre orgânico contaminado

com Eischeria coli 0157, resultado do manejo inadequado de adubos orgânicos utilizados

nessa cultura, levou à contaminação de 200 pessoas (com hospitalização de 29 pessoas

com falência dos rins) em 23 estados americanos, não são veiculadas no Brasil.

Page 28: Agronegocio e Recursos Naturais No Cerrado: desafios para uma existência harmônica

Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 199

É necessário que os diversos segmentos da mídia levem ao cidadão comum

mensagens contendo alguns exemplos de conquistas da agricultura brasileira e

esclareçam a opinião pública sobre inverdades que aparecem no dia-a-dia de alguns

meios de comunicação.

Acredita-se que os três aspectos seguintes, os quais retratam importantes

contribuições da agricultura, mereçam uma reflexão de todos os cidadãos brasileiros e

uma ampla campanha de esclarecimento.

Aspectos ambientais

No período de 1970/1971 até 2007/2008, a produção das 16 principais culturas no

Brasil (base seca) passou de 51,7 milhões de toneladas para 222,4 milhões de toneladas

(aumento de 4,3 vezes). No mesmo período, a produtividade passou de 1,4 t ha-1 para 3,7 t ha-1

(aumento de 2,6 vezes) e a área cultivada passou de 35,7 milhões de hectares para

60,5 milhões de hectares (aumento de apenas 1,7 vez). Como conseqüência, o aumento da

produção foi, principalmente, em virtude do aumento da produtividade e não da simples

expansão da área cultivada (Fig. 8). É verdade que as produtividades atuais para algumas

culturas ainda estão longe do ponto de máximo econômico. Esses dados indicam, porém, que

se estivéssemos produzindo em 2007/2008 as 222,4 milhões de toneladas com as

produtividades de 1970/1971 (1,4 t ha-1), teríamos que ter incorporado ao processo produtivo

da agricultura brasileira mais 71 milhões de hectares. Ou seja, o aumento da produtividade,

em decorrência de investimentos em tecnologias mais eficientes, incluindo melhor manejo

da fertilidade do solo, evitou um desmatamento equivalente a 71 milhões de hectares. Essa é,

talvez, a maior contribuição em termos ambientais resultante desse processo.

Por tudo isso, vale a pena enfatizar mais uma vez o papel fundamental para o

desenvolvimento sustentável, notadamente na região dos Cerrados, que representa o uso

de técnicas que levem ao aumento da produtividade da agricultura nas áreas já

incorporadas ao processo produtivo. Assim, a tecnologia se constitui em um poderoso

instrumento de preservação ambiental, pois reduz as pressões de desmatamento das

áreas florestadas, muitas vezes não adequadas ao processo intensivo da produção

agropecuária, deixando mais espaço para manutenção da biodiversidade e a preservação

da natureza.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais200

Fig. 8. Evolução da área cultivada, área poupada e produtividade média das 16 principaisculturas no Brasil (base seca) mo período de 1970/1971 a 2007/2008.

Fonte: Adaptado de Lopes et al. (2003); IBGE (2008).

Aspectos econômicos

Um dos fatos mais notáveis pertinentes ao crescimento da economia brasileira

nos últimos anos foi a evolução do agronegócio. Vários aspectos positivos relacionados a

essa evolução já foram abordados previamente neste trabalho. Ressaltam-se, porém,

dados publicados pela Revista Veja (2004), revelando que, em 2003, o Brasil se

posicionava em primeiro lugar mundial na exportação dos seguintes produtos: (a) açúcar:

vendeu 29 % de todo o açúcar consumido no mundo; (b) café: vendeu 28,5 % do café em

grão consumido no planeta e 43,6 % do café solúvel; (c) carne bovina: assumiu a liderança

em 2003, com 19 % de participação no mercado mundial; (d) carne de frango: foi o

primeiro em vendas, com exportações de 1,9 bilhão de dólares; (e) soja em grão: deteve

38,4 % do mercado mundial; (f) suco de laranja: vendeu 81,9 % do suco distribuído no

planeta; e (g) tabaco: vendeu 23,1 % do tabaco consumido no mundo.

Entretanto, embora relevantes, esses dados do agronegócio têm levado o público

em geral, principalmente aqueles não ligados às atividades agrícolas, a uma conceituação

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1970/1971 1975/1976 19 1980/ 81 19 1985/ 86 19 1990/ 91 19 1995/ 96 2000/01 2005/20060

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Safras

1,4 t ha-1

Área usada

Área poupada

71 milhões ha

3,7 t ha(2,6X)

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Produção

1970/71 - 51,72003/04 - 222,4(4,3X)

(milhões t)

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Produtividade

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ha

)-1

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Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 201

errônea de que esse segmento envolve apenas o grande produtor rural e as culturas de

exportação. É preciso lembrar que são também constituintes importantes do agronegócio

a agricultura familiar do pequeno produtor rural e até mesmo a chamada agricultura de

subsistência. A agricultura familiar ou aquela praticada nas pequenas propriedades

responde hoje por 30,5 % da área total cultivada no País, 38 % de tudo que se produz e

77 % das pessoas que trabalham na agricultura. A agricultura familiar, nesse contexto, é

responsável por 67 % do feijão, 84 % da mandioca, 31 % do arroz, 49 % do milho, 53 % do

leite, 59 % dos suínos e 40 % das aves e ovos, para citar apenas alguns produtos do

campo. No caso da agricultura de subsistência, um segmento com baixa capitalização, o

apoio institucional para o seu desenvolvimento, visando ao acesso à implementação de

tecnologias de produção sustentáveis – que aumentem a produtividade de suas terras

acima daquela necessária para a sua subsistência e de seus familiares –, é ainda mais

imprescindível. Esse tipo de produtor, ao ter acesso a essas tecnologias, muitas delas

simples, poderá vender o seu pequeno “excesso” de produção no mercado próximo,

aumentar a sua renda e contribuir para a sua inclusão social. É necessário, portanto,

desmistificar que o agronegócio seja coisa apenas de grande produtor e das culturas de

exportação.

Aspectos sociais

Finalmente, um ponto de grande relevância – e desconhecido do grande público –

é o resultado da evolução da produção, da produtividade e da eficiência dos sistemas

produtivos da agricultura brasileira. Esse ponto é ilustrado pelos dados mostrados na

Fig. 9, que apontam a “involução” dos preços reais dos produtos da cesta básica nas

últimas décadas. De setembro de 1975 a janeiro de 2000, os preços reais dos produtos da

cesta básica caíram para um terço do valor original, seguindo uma tendência linear de

queda nesse período. Isso beneficia todos os brasileiros, sobretudo, aqueles que se

encontram no segmento de mais baixa renda da sociedade. Poucos programas de

inclusão social governamentais tiveram o mesmo sucesso do representado pela evolução

e desenvolvimento da agricultura brasileira, que contribuiu para este barateamento dos

produtos da cesta básica.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais202

Fig. 9. “Involução” dos preços reais dos produtos da cesta básica no Brasil noperíodo de setembro 1975 a dezembro de 2000.

Fonte: Portugal (2002).

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S-75 M-77 S-78 M-80 S-81 M-83 S-84 M-86 S-87 M-89 S-90 M-92 S-93 D-95 J-97

D-98 J-00

J-00

Índi

ce

Lamentavelmente, vários fatores limitantes ainda impedem o aumento da

produtividade – com sustentabilidade – das culturas de exportação, da agricultura

familiar nas pequenas propriedades rurais e da agricultura de subsistência. Nisso se inclui

as logísticas e estruturas de armazenagem e transporte. Esses fatores já foram

diagnosticados e debatidos em vários fóruns competentes, e todos são unânimes em

reafirmar a necessidade urgente de adoção de medidas para a eliminação desses

gargalos pelos órgãos constituídos e pela iniciativa privada, o que irá, certamente,

contribuir para que o Brasil se torne uma grande nação socialmente mais justa.

Valorizar a agricultura brasileira é uma questão de sobrevivência da nossa nação.

Acima de tudo, é necessário que a agricultura brasileira seja considerada um assunto de

segurança nacional. Para isso, as autoridades constituídas devem estabelecer políticas

agrícolas de mais longo prazo, para que a nossa vocação agrícola seja exercida em sua

plenitude e não por meio de implantação de programas do tipo “apaga-incêndio”. Não

podemos – e não devemos – deixar o nosso futuro em aberto, ou, o que é na verdade pior,

fechado às perspectivas que se vislumbram bastantes promissoras para o Brasil como

um grande país produtor mundial de alimentos, fibras, agroenergia e outros produtos do

campo.

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Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 203

Perspectivas e Desafios

Segundo Alan MacDiarmid, Prêmio Nobel de Química, numa palestra em SãoCarlos, SP, em abril de 2005, os dez maiores problemas para a humanidade nos próximos50 anos são: energia, água, alimentos, meio ambiente, pobreza, educação, democracia,população, doenças e terrorismo/guerras. Destes, os cinco primeiros têm relação com aagricultura e com o agronegócio.

Dentre China, Índia e Brasil – três importantes países emergentes – a vocaçãonatural do primeiro é a produção de manufaturados, enquanto a do segundo é o setor deserviços. O Brasil, pelos aspectos já discutidos, possui o maior potencial mundial para aprodução de alimentos, fibras e agroenergia. Temos tecnologia para aumentar aprodutividade das culturas, temos terra disponível para expansão da área plantada, temoságua em abundância.

Enquanto a segurança alimentar foi estratégia no século XX – e continuará a sendono século XXI – a segurança energética passa a ser de maior importância no século atual.As projeções oficiais de crescimento de alguns segmentos da agricultura e da produçãoanimal brasileiras, elaboradas pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Tabela 9), mostram uma notável projeção decrescimento na produção de arroz, milho, soja e trigo (total de 124 milhões de toneladas

em 2007/2008 e projeção de 157 milhões de toneladas em 2017/2018).

Tabela 9. Projeções de aumento da produção de alguns produtos agrícolas, carnes e etanol para o anode 2017/2018 em comparação com 2007/2008 - Brasil.

Taxa de crescimentoProduto 2007/2008 2017/2018 médio anual (%)

................................................ (Mil t) .......................................................Arroz 11.269 13.134 0,92Milho 51.064 64.122 2,86Soja 57.551 75.348 2,44Trigo 4.128 5.036 2,00Carne de frango 9.821 14.414 3,26Carne bovina 10.630 13.976 2,48Carne suína 2.976 3.730 1,86Açúcar 30.708 43.213 2,98

................................................ (Mil L) ......................................................Etanol 17.600 41.639 8,99Leite 26.675 33.089 1,92

Fonte: Gasques et al. (2007).

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais204

Em relação a carnes e leite, a expectativa é que até 2017/2018 haja um

crescimento anual de 3,26 % na produção de carne de frango, de 2,48 % na de carne

bovina, de 1,86 % na de carne suína e de 1,92 % na produção de leite (Tabela 9).

Os altos preços do petróleo, o rápido esgotamento das reservas, a necessidade de

busca de fontes de energia alternativas, os perigos do aquecimento global e as

preocupações com aspectos ambientais deverão afetar o perfil de produção do

agronegócio brasileiro, privilegiando, também, o segmento de bioenergia, notadamente

em relação à produção de etanol e de biodiesel. Nesse contexto, estima-se que

a produção de etanol, que atingiu 17.600 milhões de litros em 2007/2008, atinja

41.629 milhões de litros em 2017/2018, com um crescimento no período de 2,36 vezes

(Tabela 9).

Finalmente, além dos pontos anteriormente discutidos nos tópicos: “Tecnologia de

produção, o agronegócio e a preservação ambiental” e “Conscientização popular”, deste

capítulo para que o agronegócio e a região dos Cerrados possam contribuir mais e mais

para atender a demanda crescente da população brasileira e prover excedentes

exportáveis, acredita-se, ainda, que algumas ações de pesquisa precisam ser priorizadas

e alguns gargalos logísticos removidos em futuro próximo.

Aspectos relacionados à pesquisa

1) Monitoramento mais efetivo de níveis de nitrato, fosfato, metais pesados, pesticidas,

resíduos industriais e orgânicos, que possam vir a ser impactantes em relação à

sustentabilidade do meio ambiente, ao homem, à flora e à fauna.

2) Intensificação de estudos que permitam uma adoção mais intensa de toda e qualquer

prática agrícola com o objetivo de manter o solo com cobertura viva a maior parte do

tempo, inclusive no período da seca, para as mais diferentes condições de clima, solo e

tipos de exploração agro-silvi-pastoril.

3) Intensificação de pesquisas que permitam o estabelecimento de padrões confiáveis de

qualidade do solo em termos biológicos, físicos e químicos, para, num sentido mais

amplo, nortear a sustentabilidade dos sistemas de produção agrossilvipastoris para a

região dos Cerrados.

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Agronegócio e Recursos Naturais no Cerrado ... 205

4) Intensificação de pesquisas que permitam ajuste fino do conhecimento sobre dinâmicade nutrientes no solo, eficiência de absorção, transporte e metabolismo procurandoidentificar espécies, variedades e cultivares mais eficientes na utilização de recursosminerais essenciais para a produção, porém, finitos.

5) O principal tópico atual - Mudanças Climáticas (emissão de gases, efeito estufa e seqüestrode carbono) - está trazendo uma nova perspectiva em relação à agricultura. Como aagricultura nos Cerrados poderia ajudar a aliviar ou mitigar os efeitos dos gases de efeitoestufa, é ainda uma questão não respondida, que merece ser pesquisada.

Aspectos relacionados à infra-estrutura, logística eoutros

1) A capacidade estática de armazenamento da produção agrícola brasileira, embora tenhaevoluído na última década, ainda está longe da condição ideal do patamar de 20 % acimada maior produção. Além disso, a concentração dos armazéns e silos é de 56 % na zonaurbana e de apenas 9 % nas fazendas, estando os restantes 29 % na zona rural e 6 % naárea portuária.

2) O sistema de transportes no Brasil se constitui de 60,5 % de rodovias, 20,7 % de ferroviase apenas 13,6 % de hidrovias. Em comparação com alguns outros países de dimensõescontinentais como o Brasil, a participação das rodovias na matriz de transporte é de 35 %nos EUA, 15 % na China e na Rússia e 25 % no Canadá, por exemplo. A relação do custode transporte em dólares é 1, 2, e 4, respectivamente para o transporte hidroviário,ferroviário e rodoviário. Além disso, quanto às condições de tráfego, 35 % das rodoviasbrasileiras são deficientes e 39 % de ruim a péssima qualidade.

3) Os dois maiores portos do Brasil, Santos e Paranaguá, apresentam sérios problemaslogísticos de operacionalização, com destaque para dificuldade de acesso via rodoviasou ferrovias, capacidade de carga e descarga, áreas de apoio para armazenamento,dentre outras. Estima-se que cada dia de atraso nas operações de carga e descargatenha um custo adicional de US$ 35.000,00. Com uma estimativa média de 20 dias pornavio, isso representaria um custo adicional de US$ 750.000,00.

4) Inconsistente consumo de calcário em relação ao consumo de fertilizantes, fazendo comque nos últimos anos a agricultura tenha consumido mais fertilizantes do que calcário.

Estima-se que uma relação equilibrada de consumo atual deveria ser de 2 a 3 toneladas

de calcário para cada tonelada de fertilizante consumido.

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Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais206

5) A dependência de importações de matérias-primas para a fabricação de fertilizantes é nomínimo preocupante. Em 1983, do total de 2,32 milhões de toneladas de nutrientesconsumidos na agricultura brasileira, a produção nacional respondia por 68 %; em 2006,do total de 8,9 milhões de toneladas consumidas, a produção brasileira respondeu por35 %. A estimativa para o ano de 2025 é que da previsão do total de nutrientes a serconsumidos, a produção nacional deverá ser de apenas 14 %, ou seja, 86 % serãodecorrentes de importações. Se se levar em conta que qualquer investimento na produçãode matérias-primas para a produção de fertilizantes leva de 5 a 7 anos, do projeto para oinício da produção, possíveis ações para reverter esse quadro merecem prioridade.

6) As barreiras tarifárias, não-tarifarias e os subsídios dados à agricultura nos países ricos,embora não sejam de responsabilidade nacional, representam uma séria ameaça aodesenvolvimento do agronegócio brasileiro e, mais grave ainda, desestimulam qualquerproposta consistente de investimento neste setor .

7) E finalmente, um dos pontos mais importantes para completar um quadro de racionalidadee sustentabilidade de exploração dessa vasta região seriam ações para a realimplementação do Código Florestal, lei 4771 de 1995, já modificado por outras leis,decretos e outros instrumentos sob revisão no Congresso Nacional. Essa lei estabeleceque 20 % de qualquer propriedade agrícola seja mantida como reserva legal. Torna-senecessária a implementação dos rigores da lei para coibir desmatamentos ilegais eampla prioridade para o estabelecimento das áreas dos parques nacionais e outrasformas de reservas, objetivando à manutenção da biodiversidade nessas áreas depreservação.

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