Água de reuso e a produção agrícola familiar

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Água de reuso e a produção agrícola familiar: o potencial hídrico do rejeito da dessalinização. As águas subterrâneas é uma alternativa para as comunidades inseridas no semiárido brasileiro, a partir de investimentos públicos na perfuração de poços. Entretanto, essas fontes hídricas apresentam na maioria dos casos restrições de uso para o consumo humano por apresentarem problemas de salinidade. A dessalinização por osmose reversa se apresenta como um tratamento eficaz e bastante utilizado para reduzir a salinidade dessas águas. Há alguns anos, o „Programa Água Boa‟ do Governo Federal instalou, nestas comunidades, Estações de Tratamento de Água por Osmose Reversa, a fim de obter água potável para as famílias por meio da dessalinização da água salobra de poços. Geralmente, cada comunidade dispõe de um poço e, nos casos em que a água é salina, instala-se um dessalinizador para tornar esta água potável. Osmose reversa é um processo de separação que ocorre quando duas soluções de concentrações diferentes (por exemplo, água boa e água salgada) são separadas por uma membrana permeável ao solvente e impermeável ao soluto, ou seja, a membrana permitirá a passagem de solvente (água potável), retendo os solutos (concentrado ou rejeito salino). Esse processo ocorre quando se aplica uma grande pressão sobre este meio aquoso, o que contraria o fluxo natural da osmose.(Figura 1). Figura 1. Processo de tratamento de água salina por osmose reversa.

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Artigo de Nildo da Silva Dias, professor do Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).

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Água de reuso e a produção agrícola familiar: o

potencial hídrico do rejeito da dessalinização.

As águas subterrâneas é uma alternativa para as comunidades inseridas no

semiárido brasileiro, a partir de investimentos públicos na perfuração de poços.

Entretanto, essas fontes hídricas apresentam na maioria dos casos restrições de uso para

o consumo humano por apresentarem problemas de salinidade.

A dessalinização por osmose reversa se apresenta como um tratamento eficaz e

bastante utilizado para reduzir a salinidade dessas águas. Há alguns anos, o „Programa

Água Boa‟ do Governo Federal instalou, nestas comunidades, Estações de Tratamento

de Água por Osmose Reversa, a fim de obter água potável para as famílias por meio da

dessalinização da água salobra de poços. Geralmente, cada comunidade dispõe de um

poço e, nos casos em que a água é salina, instala-se um dessalinizador para tornar esta

água potável.

“Osmose reversa é um processo de separação que ocorre quando

duas soluções de concentrações diferentes (por exemplo, água boa e

água salgada) são separadas por uma membrana permeável ao

solvente e impermeável ao soluto, ou seja, a membrana permitirá a

passagem de solvente (água potável), retendo os solutos (concentrado

ou rejeito salino). Esse processo ocorre quando se aplica uma grande

pressão sobre este meio aquoso, o que contraria o fluxo natural da

osmose.” (Figura 1).

Figura 1. Processo de tratamento de água salina por

osmose reversa.

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O emprego desta tecnologia acaba por amenizar as precárias condições do

abastecimento hídrico nas localidades nordestinas contempladas pelos programas

governamentais neste âmbito.

Durante o processo de dessalinização, 60% da água tornam-se potável e os outros

40% são rejeitos salinos, que quando não são descartados da forma correta, possuem um

elevado potencial de poluição dos rios e solos.

A água de rejeito tem potencial para contaminar mananciais, solos e, em casos

extremos a fauna e a flora da região, resultando na desertificação da área devido a

salinização dos solos. Por exemplo, quando os sais presentes no rejeito da

dessalinização acumulação excessivamente nos solos, este pode ter vários efeitos

negativos sobre as plantas como seca fisiológica (a presença de sais solúveis no solo

dificulta a absorção da água no solo) e toxicidade das folhas pelo acúmulo excessivo de

sais, reduzindo o seu crescimento e a produção das plantas.

Visando a redução dos impactos ambientais causados durante o processo de

dessalinização e a possibilidade de produzir alimentos utilizando o rejeito salino como

suporte hídrico nas comunidades rurais aonde foram instalados estações de tratamentos

de água, desenvolveu-se um projeto capaz de aproveitar este resíduo em um sistema

integrado de produção. O projeto piloto foi iniciado em 2009, ocasião em que

observamos os impactos da deposição rejeito no solo em uma visita de campo a

comunidade de Bom Jesus, Campo Grande, RN.

Decidimos, inicialmente, aproveitar o rejeito salino em um projeto de hortas

comunitárias e, como este suporte hídrico era bastante salino, desenvolvemos algumas

estratégias de manejo para irrigar as hortaliças, sendo a escolhas de espécies tolerantes

aos sais e a irrigação superficial, as principais práticas.

Mas, não paramos por aí, aprendemos muito com a comunidade envolvida no

projeto, trocamos várias experiências, pesquisamos e estudamos mais sobre o assunto.

Encontramos e visitamos várias alternativas que buscavam amenizar os riscos potenciais

do rejeito salino. Portanto, chegamos à conclusão de que estas ações isoladas reduziriam

em parte os impactos da deposição do rejeito salino, mas não o suficiente para fechar o

ciclo de produção ambientalmente sustentável.

A partir daí, surgiu à ideia de testar o uso do rejeito salino para a produção de

tilápias em viveiro de criação em virtude da sua elevada tolerância à salinidade da água;

porém esta deveria está integrado à outras ações em um sistema integrado de produção

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capaz de eliminar os ricos de impactos ambientais negativos e que, também, contribuam

para a segurança alimentar das localidades beneficiadas.

Figura 2. Hortas produzidas com água de rejeito salino.

O sistema é composto por um conjunto de ações, as quais são: 1) Inicialmente, a

água salobra do poço é bombeada para a estação de tratamento; 2) O sistema de

dessalinização produz a água potável para as famílias e também a água residuária

(rejeito salmoura ou concentrado); 3) Em seguida, o efluente do dessalinizador é

bombeado para tanques de piscicultura para a criação de tilápia – uma espécie que se

desenvolve em água salgada (fonte de proteínas para a comunidade), 4) Posteriormente,

o efluente dessa criação, enriquecido em matéria orgânica, é aproveitado na produção

vegetal: a) irrigação de uma horta comunitária orgânica – sem o uso de agroquímicos

(produção de alface, coentro, pimentão, tomate etc.), b) irrigação de mudas de essências

florestais para revegetação e, c) irrigação de espécies forrageiras consorciado com

Sorgo (Sorghum bicolor L.), capim elefante (Pennisetum americanum L.) e erva sal

(Atriplex nummularia) e; 5) Por fim, a forragem, com teor de proteína entre 14 e 18%, é

utilizada para a engorda de caprinos e/ou ovinos que, juntamente como a produção de

tilápia e hortaliças garante a segurança alimentas e nutricional das famílias e, ainda a o

aumento da renda com a venda do excedente, fechando assim o sistema de produção

ambientalmente sustentável (Figura 3).

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Figura 3. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da dessalinização da água

salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do acervo da pesquisa.

O uso diário da ração fornecida aos peixes dentro dos viveiros e, os seus próprios

desejos, enriquece a água de rejeito salino com matéria orgânica. Constantemente essa

água é renovada e, o efluente é depositado em um tanque para irrigação. Neste processo,

a quantidade de sais não é reduzida, mas a matéria orgânica presente, nutre as plantas e

melhoras as propriedades físicas do solo, fazendo com que haja uma redução dos efeitos

negativos da salinidade da água sobre as plantas. Porém, a redução dos sais ocorre

justamente quando se cultiva no solo a “erva sal” em consorcio do outra forrageiras,

devido ser uma espécie halófita, consegue retirar cerca de 1 tonelada de sais por hectare

a cada ciclo, impedindo a salinização do solo no final do processo.

O rejeito salino tem restrições de uso para fins de irrigação quando manejado

inadequadamente e, a sua deposição direta nos solos provoca a salinização das áreas das

comunidades.

Do ponto de vista econômica, pode-se afirmar que, o subsistema criação de peixes

ocupa a segunda menor área entre as atividades desenvolvidas na comunidade aonde se

implementou o projetou e o mais eficiente dos subsistemas no que se refere à

produtividade. A produção de mudas de essência da caatinga e a produção de hortaliças

orgânicas utilizando o rejeito salino são viáveis para o fortalecimento da agricultura

familiar com maior segurança ambiental. A erva sal extraiu do solo 971,21 kg de sais

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, comprovando o seu poder de fitoremediação dos ambientes salinos.

As ações do projeto apresentaram possibilidades técnicas do uso „nobre‟ do rejeito

salino e apontam a viabilidade desse processo para a produção agrícola familiar, com

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vista à geração de renda em comunidades rurais. O projeto, também, colaborou

significativamente com a gestão participativa das águas residuárias e com a

potencialização da geração de renda e de alimentos, por meio da inovação e da

diversidade de atividades que poderão ser desenvolvidas pelas famílias, além de

contribuir para a conservação ambiental de dois importantes recursos naturais: o solo e a

água.

A experiência na Comunidade de Bom Jesus beneficiou 35 famílias. Nesta

experiência foram montados dois viveiros e construído um tanque para receber o

efluente a ser utilizado na irrigação. Em Janeiro de 2014, a nossa equipe do projeto

conseguiu um financiamento do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e

Sustentabilidade - IABS e replicamos essa experiência em mais duas comunidades

rurais de Mossoró, RN (Santa Elza e Serra Mossoró) que, também possuem esse

aparelho de dessalinização (Figuras 3 e 4).

No início foi bastante difícil, pois a comunidade não acreditava muito que a água

de rejeito salino pudesse ser utilizada na irrigação e produzir satisfatoriamente – muitos

diziam: “nem os cavalos bebem essa água”. Eles passaram a acreditar e a se envolver

mais com o projeto quando os resultados foram surgindo.

Figura 4. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da

dessalinização da água salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do

acervo da pesquisa.

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Hoje é mais fácil envolver as famílias na comunidade, pois inicialmente fazemos

um trabalho de sensibilização e mobilização utilizando os resultados da experiência do

nosso projeto piloto. Além disso, realizamos algumas capacitações sobre temas

relacionados com o projeto como, por exemplo, produção de mudas, hortas orgânicas e

criação de peixes em viveiros utilizando rejeito como suporte hídrico.

Para garantir o envolvimento da comunidade e a transferência da tecnologia do nosso

projeto utilizamos a metodologia da pesquisa participativa, ou seja, todas as atividades

do projeto são dialogadas com as famílias em uma construção conjunta de instrumentos

que potencializariam o planejamento das ações e sua execução.

Figura 4. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da dessalinização

da água salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do acervo da pesquisa.

“Antes dos tanques de peixes, essas fruteiras não pegava carga. Hoje ela carrega o ano

todo - a manga e a seriguela” (Relato de um agricultor).

“A gente não acreditava muito nessa água, hoje produzimos tilápia, alface, couve,

coentro e outras hortaliças no nosso grupo de hortaliças.” (Relato de uma agricultora).

Professor Nildo da Silva Dias

- Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas da Universidade Federal

Rural do Semiárido (UFERSA).