Água de reuso e a produção agrícola familiar
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Água de reuso e a produção agrícola familiar: o
potencial hídrico do rejeito da dessalinização.
As águas subterrâneas é uma alternativa para as comunidades inseridas no
semiárido brasileiro, a partir de investimentos públicos na perfuração de poços.
Entretanto, essas fontes hídricas apresentam na maioria dos casos restrições de uso para
o consumo humano por apresentarem problemas de salinidade.
A dessalinização por osmose reversa se apresenta como um tratamento eficaz e
bastante utilizado para reduzir a salinidade dessas águas. Há alguns anos, o „Programa
Água Boa‟ do Governo Federal instalou, nestas comunidades, Estações de Tratamento
de Água por Osmose Reversa, a fim de obter água potável para as famílias por meio da
dessalinização da água salobra de poços. Geralmente, cada comunidade dispõe de um
poço e, nos casos em que a água é salina, instala-se um dessalinizador para tornar esta
água potável.
“Osmose reversa é um processo de separação que ocorre quando
duas soluções de concentrações diferentes (por exemplo, água boa e
água salgada) são separadas por uma membrana permeável ao
solvente e impermeável ao soluto, ou seja, a membrana permitirá a
passagem de solvente (água potável), retendo os solutos (concentrado
ou rejeito salino). Esse processo ocorre quando se aplica uma grande
pressão sobre este meio aquoso, o que contraria o fluxo natural da
osmose.” (Figura 1).
Figura 1. Processo de tratamento de água salina por
osmose reversa.
O emprego desta tecnologia acaba por amenizar as precárias condições do
abastecimento hídrico nas localidades nordestinas contempladas pelos programas
governamentais neste âmbito.
Durante o processo de dessalinização, 60% da água tornam-se potável e os outros
40% são rejeitos salinos, que quando não são descartados da forma correta, possuem um
elevado potencial de poluição dos rios e solos.
A água de rejeito tem potencial para contaminar mananciais, solos e, em casos
extremos a fauna e a flora da região, resultando na desertificação da área devido a
salinização dos solos. Por exemplo, quando os sais presentes no rejeito da
dessalinização acumulação excessivamente nos solos, este pode ter vários efeitos
negativos sobre as plantas como seca fisiológica (a presença de sais solúveis no solo
dificulta a absorção da água no solo) e toxicidade das folhas pelo acúmulo excessivo de
sais, reduzindo o seu crescimento e a produção das plantas.
Visando a redução dos impactos ambientais causados durante o processo de
dessalinização e a possibilidade de produzir alimentos utilizando o rejeito salino como
suporte hídrico nas comunidades rurais aonde foram instalados estações de tratamentos
de água, desenvolveu-se um projeto capaz de aproveitar este resíduo em um sistema
integrado de produção. O projeto piloto foi iniciado em 2009, ocasião em que
observamos os impactos da deposição rejeito no solo em uma visita de campo a
comunidade de Bom Jesus, Campo Grande, RN.
Decidimos, inicialmente, aproveitar o rejeito salino em um projeto de hortas
comunitárias e, como este suporte hídrico era bastante salino, desenvolvemos algumas
estratégias de manejo para irrigar as hortaliças, sendo a escolhas de espécies tolerantes
aos sais e a irrigação superficial, as principais práticas.
Mas, não paramos por aí, aprendemos muito com a comunidade envolvida no
projeto, trocamos várias experiências, pesquisamos e estudamos mais sobre o assunto.
Encontramos e visitamos várias alternativas que buscavam amenizar os riscos potenciais
do rejeito salino. Portanto, chegamos à conclusão de que estas ações isoladas reduziriam
em parte os impactos da deposição do rejeito salino, mas não o suficiente para fechar o
ciclo de produção ambientalmente sustentável.
A partir daí, surgiu à ideia de testar o uso do rejeito salino para a produção de
tilápias em viveiro de criação em virtude da sua elevada tolerância à salinidade da água;
porém esta deveria está integrado à outras ações em um sistema integrado de produção
capaz de eliminar os ricos de impactos ambientais negativos e que, também, contribuam
para a segurança alimentar das localidades beneficiadas.
Figura 2. Hortas produzidas com água de rejeito salino.
O sistema é composto por um conjunto de ações, as quais são: 1) Inicialmente, a
água salobra do poço é bombeada para a estação de tratamento; 2) O sistema de
dessalinização produz a água potável para as famílias e também a água residuária
(rejeito salmoura ou concentrado); 3) Em seguida, o efluente do dessalinizador é
bombeado para tanques de piscicultura para a criação de tilápia – uma espécie que se
desenvolve em água salgada (fonte de proteínas para a comunidade), 4) Posteriormente,
o efluente dessa criação, enriquecido em matéria orgânica, é aproveitado na produção
vegetal: a) irrigação de uma horta comunitária orgânica – sem o uso de agroquímicos
(produção de alface, coentro, pimentão, tomate etc.), b) irrigação de mudas de essências
florestais para revegetação e, c) irrigação de espécies forrageiras consorciado com
Sorgo (Sorghum bicolor L.), capim elefante (Pennisetum americanum L.) e erva sal
(Atriplex nummularia) e; 5) Por fim, a forragem, com teor de proteína entre 14 e 18%, é
utilizada para a engorda de caprinos e/ou ovinos que, juntamente como a produção de
tilápia e hortaliças garante a segurança alimentas e nutricional das famílias e, ainda a o
aumento da renda com a venda do excedente, fechando assim o sistema de produção
ambientalmente sustentável (Figura 3).
Figura 3. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da dessalinização da água
salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do acervo da pesquisa.
O uso diário da ração fornecida aos peixes dentro dos viveiros e, os seus próprios
desejos, enriquece a água de rejeito salino com matéria orgânica. Constantemente essa
água é renovada e, o efluente é depositado em um tanque para irrigação. Neste processo,
a quantidade de sais não é reduzida, mas a matéria orgânica presente, nutre as plantas e
melhoras as propriedades físicas do solo, fazendo com que haja uma redução dos efeitos
negativos da salinidade da água sobre as plantas. Porém, a redução dos sais ocorre
justamente quando se cultiva no solo a “erva sal” em consorcio do outra forrageiras,
devido ser uma espécie halófita, consegue retirar cerca de 1 tonelada de sais por hectare
a cada ciclo, impedindo a salinização do solo no final do processo.
O rejeito salino tem restrições de uso para fins de irrigação quando manejado
inadequadamente e, a sua deposição direta nos solos provoca a salinização das áreas das
comunidades.
Do ponto de vista econômica, pode-se afirmar que, o subsistema criação de peixes
ocupa a segunda menor área entre as atividades desenvolvidas na comunidade aonde se
implementou o projetou e o mais eficiente dos subsistemas no que se refere à
produtividade. A produção de mudas de essência da caatinga e a produção de hortaliças
orgânicas utilizando o rejeito salino são viáveis para o fortalecimento da agricultura
familiar com maior segurança ambiental. A erva sal extraiu do solo 971,21 kg de sais
por ha-1
ano-1
, comprovando o seu poder de fitoremediação dos ambientes salinos.
As ações do projeto apresentaram possibilidades técnicas do uso „nobre‟ do rejeito
salino e apontam a viabilidade desse processo para a produção agrícola familiar, com
vista à geração de renda em comunidades rurais. O projeto, também, colaborou
significativamente com a gestão participativa das águas residuárias e com a
potencialização da geração de renda e de alimentos, por meio da inovação e da
diversidade de atividades que poderão ser desenvolvidas pelas famílias, além de
contribuir para a conservação ambiental de dois importantes recursos naturais: o solo e a
água.
A experiência na Comunidade de Bom Jesus beneficiou 35 famílias. Nesta
experiência foram montados dois viveiros e construído um tanque para receber o
efluente a ser utilizado na irrigação. Em Janeiro de 2014, a nossa equipe do projeto
conseguiu um financiamento do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e
Sustentabilidade - IABS e replicamos essa experiência em mais duas comunidades
rurais de Mossoró, RN (Santa Elza e Serra Mossoró) que, também possuem esse
aparelho de dessalinização (Figuras 3 e 4).
No início foi bastante difícil, pois a comunidade não acreditava muito que a água
de rejeito salino pudesse ser utilizada na irrigação e produzir satisfatoriamente – muitos
diziam: “nem os cavalos bebem essa água”. Eles passaram a acreditar e a se envolver
mais com o projeto quando os resultados foram surgindo.
Figura 4. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da
dessalinização da água salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do
acervo da pesquisa.
Hoje é mais fácil envolver as famílias na comunidade, pois inicialmente fazemos
um trabalho de sensibilização e mobilização utilizando os resultados da experiência do
nosso projeto piloto. Além disso, realizamos algumas capacitações sobre temas
relacionados com o projeto como, por exemplo, produção de mudas, hortas orgânicas e
criação de peixes em viveiros utilizando rejeito como suporte hídrico.
Para garantir o envolvimento da comunidade e a transferência da tecnologia do nosso
projeto utilizamos a metodologia da pesquisa participativa, ou seja, todas as atividades
do projeto são dialogadas com as famílias em uma construção conjunta de instrumentos
que potencializariam o planejamento das ações e sua execução.
Figura 4. Sistema integrado de produção utilizando o rejeito da dessalinização
da água salobra como suporte hídrico. Fonte: Dados do acervo da pesquisa.
“Antes dos tanques de peixes, essas fruteiras não pegava carga. Hoje ela carrega o ano
todo - a manga e a seriguela” (Relato de um agricultor).
“A gente não acreditava muito nessa água, hoje produzimos tilápia, alface, couve,
coentro e outras hortaliças no nosso grupo de hortaliças.” (Relato de uma agricultora).
Professor Nildo da Silva Dias
- Departamento de Ciências Ambientais e Tecnológicas da Universidade Federal
Rural do Semiárido (UFERSA).