Aids volta a crescer e preocupa médicos - Página 1

1
GERAIS 6 BELÉM, DOMINGO, 20 DE JULHO DE 2014 AIDS VOLTA A CRESCER á pelo menos sete anos, o Bra- sil servia de referência mun- dial na implementação do programa de combate à Aids, no entanto, dados divulgados recen- temente pela Unaids, programa conjunto das Nações Unidas so- bre HIV/Aids, provocam reflexões sobre a implementação das políti- cas públicas na área, pois aponta que o índice de novos infectados pelo vírus no País subiu 11% entre 2005 e 2013. A tendência é contrá- ria aos números globais, que mos- tram queda nos casos. No mesmo período, a quantidade de casos no mundo caiu 27,5%, de 2,9 mi- lhões, em 2005, para 2,1 milhões, em 2013. Desde 2001, a queda foi de 38%. No Pará, os números os- cilam e em 2013 ocorreram 745 casos notificados da doença. Os dados servem de alerta e preocupam a Organização Mun- dial da Saúde (OMS), que pediu mais esforços para tratar em par- ticular os homens que têm rela- ções sexuais com outros homens, as pessoas transgênero, detentos, profissionais do sexo e usuários de drogas. A sugestão da OMS é que homens gays usem medi- camentos antirretrovirais como forma de prevenir a infecção pelo HIV e mobiliza especialistas e ati- vistas a respeito do tema. “O uso de antirretrovirais seria uma complementação à preven- ção. Isso diminuiria a incidência do HIV entre homens entre 20% a 25% e evitaria um crescimento da Aids na próxima década”, esclarece, em nota, a OMS. A Organização ado- ta o que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) já recomendam desde 2011. “Para garantir que ninguém fi- cará para trás, temos que diminuir a brecha entre as pessoas que po- dem ser atendidas e as que não, en- tre as que estão protegidas e as que são castigadas”, disse o diretor da Unaids, Michel Sidibe, a uma revis- ta de grande circulação nacional. Infectologistas observam que a orientação da OMS é um passo fundamental, pois a profilaxia pré-exposição já se mostrou extremamente eficaz e evita em mais de 90% o risco de infecção, quando o paciente toma o remédio todos os dias. Além disso, apesar de existirem grupos de maior risco entre os homossexuais, a abrangência da proposta da OMS deve ter levado em conta o fato de que a prática de sexo anal, comum en- tre gays, aumenta as chances de transmissão do vírus. A médica hepatologista Debo- OMS RECOMENDA ANTIRRETROVIRAIS PARA EVITAR MAIOR AVANÇO DE CASOS H rah Crespo, coordenadora esta- dual do Programa de DST/Aids, avalia que o uso da medicação vai se somar às estratégias imple- mentadas no combate à doença no Estado. “Já ampliamos a dis- tribuição de preservativos mas- culinos e femininos, os serviço de testagem HIV/Aids e o tratamento do HIV na atenção primária de saúde. Os antirretrovirais é será mais uma iniciativa”, diz. A partir da recomendação da OMS, o presidente da Organiza- ção Não-Governamental Para- vidda, Jair Santos, afirma que a entidade está preocupada com a repercussão sobre os antirretro- virais para uso preventivo e avalia que existem pontos positivos e negativos. “O lado positivo é porque a in- clusão da profilaxia pré-exposição vai agregar tecnologia - o que é im- portante - no combate à doença e deve ser trabalhada junto às popu- lações mais vulneráveis”, afirma o presidente do Paravidda. Porém, na opinião do dirigente de ONG, o uso de medicamentos antirretrovirais como forma de prevenir a infecção pelo HIV terá resultado positivo só se for soma- do ao uso correto do preservativo. “O que me preocupa é que precisamos ter mecanismos com os medicamentos antivi- rais de prevenção ao HIV, mas será que o jovem não vai imagi- nar que poderá fazer sexo sem camisinha porque fez a medi- cação? Tem que ficar claro que a medicação é um aliado ao uso do preservativo e este não pode ser deixado de lado. É por isso que estamos preocupados, pre- cisamos ser cautelosos e deve haver maior debate sobre o as- sunto entre o governo e socie- dade civil envolvendo os grupos vulneráveis: movimento LGBT, pessoas privadas de liberdade, enfim. Só vamos barrar essa epi- demia se conseguirmos realizar força-tarefa e envolver a todos. Vamos levar a questão para o Fórum Paraense de ONGs/Aids e Hepatites Virais, que se reu- nirá em agosto, chamando as Secretaria Estadual e Municipal de Saúde”, afirma o dirigente da ONG, que tem como função dar assistência a pessoas doentes de Aids e portadores do vírus HIV. Jair Santos, do Paravidda, vai levar assunto para ser debatido no Fórum Paraense de ONGs/Aids e Hepatites Virais em agosto NELDSON NEVES/O LIBERAL CLEIDE MAGALHÃES Da Redação Para Jair Santos, trabalhar a informação direta é a melhor for- ma de evitar que ocorra epidemia da doença no País. Para isso, ava- lia que é crucial ter investimentos na prevenção positiva (pessoas já com Aids), que esta tenha respon- sabilidade consigo mesmo e seja multiplicadora de informações. “O grande ‘gargalo’ é que mui- tas ONGs, como o Paravidda, não têm condições financeiras para garantir material informativo que devem ser usados nas ações. Antes tínhamos apoio do gover- no por meio de parcerias, mas há mais de dois anos sofremos com a falta de incentivos, que hoje é o mínimo e precisa ser pesado. O que se faz hoje é criminalizar as ONGs como ambiente de falca- trua, de pessoas irresponsáveis com recursos públicos, mas o que precisa é ter uma leitura de que ainda existem ONGs que fazem trabalho sério para combater uma epidemia que é preocupante. Tra- balhamos direto com a assistên- cia e prevenção e precisamos de resposta imediata do governo”, ressalta Santos. “Infelizmente, a gente vê que no Brasil a Aids não é mais tratada com prioridade pelos governos, porque estamos aqui na ponta lhe dando direto com os doentes e com a prevenção, porque a ação não depende somente da distri- buição de preservativo, mas de um trabalho também educativo e de conscientização de que a Aids envolve não somente a vida do paciente, mas de todos que fazem parte de sua vida. É uma luta mui- to grande”, continua o presidente do Paravidda. INFORMAÇÃO AINDA É A MELHOR PREVENÇÃO Segundo o relatório da ONU, o Brasil tinha 730 mil pessoas com Aids vivendo no País em 2013, o que representa 2% do total mundial. Estima-se que 44 mil pessoas tenham contraído o HIV apenas no ano passado, montante que também repre- senta 2% do total global. O documento não apresenta a quantidade de casos existentes em 2005, apenas o percentual comparativo. Os dados das Na- ções Unidas afirmam que 16 mil pessoas com HIV morreram no ano passado e que 327.562 pesso- as utilizavam antirretrovirais. Em relação à América Latina, 47% dos novos casos registrados no ano passado surgiram no Brasil, sendo o México o segun- do país com mais contamina- ções novas. De acordo com a ONU, os grupos particularmente vul- neráveis a novas infecções são transexuais, homens que fazem sexo com outros homens, profis- sionais do sexo e seus clientes, além de usuários de drogas in- jetáveis. No fim de 2013, o Ministério da Saúde divulgou que o país tinha cerca de 700 mil pessoas infectadas pelo vírus, sendo que 39 mil descobriram estar conta- minadas em 2013. Além disso, o governo informou que 300 mil pessoas estavam em tratamento naquele ano. A África continua sendo o continente mais afetado pela doença, com 1,1 milhão de mor- tos em 2013, 1,5 milhão de novas infecções e 24,7 milhões de afri- canos que vivem com o HIV. DEZESSEISMILMORRERAMCOM HIV NO BRASILEM 2013

Transcript of Aids volta a crescer e preocupa médicos - Página 1

Page 1: Aids volta a crescer e preocupa médicos - Página 1

GERAIS6

BELÉM, DOMINGO, 20 DE JULHO DE 2014

AIDS VOLTA A CRESCER á pelo menos sete anos, o Bra-sil servia de referência mun-dial na implementação do

programa de combate à Aids, no entanto, dados divulgados recen-temente pela Unaids, programa conjunto das Nações Unidas so-bre HIV/Aids, provocam re� exões sobre a implementação das políti-cas públicas na área, pois aponta que o índice de novos infectados pelo vírus no País subiu 11% entre 2005 e 2013. A tendência é contrá-ria aos números globais, que mos-tram queda nos casos. No mesmo período, a quantidade de casos no mundo caiu 27,5%, de 2,9 mi-lhões, em 2005, para 2,1 milhões, em 2013. Desde 2001, a queda foi de 38%. No Pará, os números os-cilam e em 2013 ocorreram 745 casos noti� cados da doença.

Os dados servem de alerta e preocupam a Organização Mun-dial da Saúde (OMS), que pediu mais esforços para tratar em par-ticular os homens que têm rela-ções sexuais com outros homens, as pessoas transgênero, detentos, pro� ssionais do sexo e usuários de drogas. A sugestão da OMS é que homens gays usem medi-camentos antirretrovirais como forma de prevenir a infecção pelo HIV e mobiliza especialistas e ati-vistas a respeito do tema.

“O uso de antirretrovirais seria uma complementação à preven-ção. Isso diminuiria a incidência do HIV entre homens entre 20% a 25% e evitaria um crescimento da Aids na próxima década”, esclarece, em nota, a OMS. A Organização ado-ta o que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) já recomendam desde 2011.

“Para garantir que ninguém fi-cará para trás, temos que diminuir a brecha entre as pessoas que po-dem ser atendidas e as que não, en-tre as que estão protegidas e as que são castigadas”, disse o diretor da Unaids, Michel Sidibe, a uma revis-ta de grande circulação nacional.

Infectologistas observam que a orientação da OMS é um passo fundamental, pois a pro� laxia pré-exposição já se mostrou extremamente e� caz e evita em mais de 90% o risco de infecção, quando o paciente toma o remédio todos os dias. Além disso, apesar de existirem grupos de maior risco entre os homossexuais, a abrangência da proposta da OMS deve ter levado em conta o fato de que a prática de sexo anal, comum en-tre gays, aumenta as chances de transmissão do vírus.

A médica hepatologista Debo-

OMS RECOMENDAANTIRRETROVIRAIS PARA EVITAR MAIOR AVANÇO DE CASOS

H

rah Crespo, coordenadora esta-dual do Programa de DST/Aids, avalia que o uso da medicação vai se somar às estratégias imple-mentadas no combate à doença no Estado. “Já ampliamos a dis-tribuição de preservativos mas-culinos e femininos, os serviço de testagem HIV/Aids e o tratamento do HIV na atenção primária de saúde. Os antirretrovirais é será mais uma iniciativa”, diz.

A partir da recomendação da OMS, o presidente da Organiza-ção Não-Governamental Para-vidda, Jair Santos, a� rma que a

entidade está preocupada com a repercussão sobre os antirretro-virais para uso preventivo e avalia que existem pontos positivos e negativos.

“O lado positivo é porque a in-clusão da profilaxia pré-exposição vai agregar tecnologia - o que é im-portante - no combate à doença e deve ser trabalhada junto às popu-lações mais vulneráveis”, afirma o presidente do Paravidda.

Porém, na opinião do dirigente de ONG, o uso de medicamentos antirretrovirais como forma de prevenir a infecção pelo HIV terá

resultado positivo só se for soma-do ao uso correto do preservativo.

“O que me preocupa é que precisamos ter mecanismos com os medicamentos antivi-rais de prevenção ao HIV, mas será que o jovem não vai imagi-nar que poderá fazer sexo sem camisinha porque fez a medi-cação? Tem que � car claro que a medicação é um aliado ao uso do preservativo e este não pode ser deixado de lado. É por isso que estamos preocupados, pre-cisamos ser cautelosos e deve haver maior debate sobre o as-

sunto entre o governo e socie-dade civil envolvendo os grupos vulneráveis: movimento LGBT, pessoas privadas de liberdade, en� m. Só vamos barrar essa epi-demia se conseguirmos realizar força-tarefa e envolver a todos. Vamos levar a questão para o Fórum Paraense de ONGs/Aids e Hepatites Virais, que se reu-nirá em agosto, chamando as Secretaria Estadual e Municipal de Saúde”, a� rma o dirigente da ONG, que tem como função dar assistência a pessoas doentes de Aids e portadores do vírus HIV.

Jair Santos, do Paravidda, vai levar assunto para ser debatido no Fórum Paraense de ONGs/Aids e Hepatites Virais em agosto

NEL

DS

ON

NEV

ES/O

LIB

ERA

L

CLEIDE MAGALHÃESDa Redação

Para Jair Santos, trabalhar a informação direta é a melhor for-ma de evitar que ocorra epidemia da doença no País. Para isso, ava-lia que é crucial ter investimentos na prevenção positiva (pessoas já com Aids), que esta tenha respon-sabilidade consigo mesmo e seja multiplicadora de informações.

“O grande ‘gargalo’ é que mui-tas ONGs, como o Paravidda, não têm condições � nanceiras para garantir material informativo que devem ser usados nas ações. Antes tínhamos apoio do gover-no por meio de parcerias, mas há mais de dois anos sofremos com a falta de incentivos, que hoje é o mínimo e precisa ser pesado. O que se faz hoje é criminalizar as ONGs como ambiente de falca-trua, de pessoas irresponsáveis com recursos públicos, mas o que

precisa é ter uma leitura de que ainda existem ONGs que fazem trabalho sério para combater uma epidemia que é preocupante. Tra-balhamos direto com a assistên-cia e prevenção e precisamos de resposta imediata do governo”, ressalta Santos.

“Infelizmente, a gente vê que no Brasil a Aids não é mais tratada com prioridade pelos governos, porque estamos aqui na ponta lhe dando direto com os doentes e com a prevenção, porque a ação não depende somente da distri-buição de preservativo, mas de um trabalho também educativo e de conscientização de que a Aids envolve não somente a vida do paciente, mas de todos que fazem parte de sua vida. É uma luta mui-to grande”, continua o presidente do Paravidda.

INFORMAÇÃO AINDA É A MELHOR PREVENÇÃOSegundo o relatório da ONU,

o Brasil tinha 730 mil pessoas com Aids vivendo no País em 2013, o que representa 2% do total mundial. Estima-se que 44 mil pessoas tenham contraído o HIV apenas no ano passado, montante que também repre-senta 2% do total global.

O documento não apresenta a quantidade de casos existentes em 2005, apenas o percentual comparativo. Os dados das Na-ções Unidas a� rmam que 16 mil pessoas com HIV morreram no ano passado e que 327.562 pesso-as utilizavam antirretrovirais.

Em relação à América Latina, 47% dos novos casos registrados no ano passado surgiram no Brasil, sendo o México o segun-do país com mais contamina-ções novas.

De acordo com a ONU, os grupos particularmente vul-neráveis a novas infecções são transexuais, homens que fazem sexo com outros homens, pro� s-sionais do sexo e seus clientes, além de usuários de drogas in-jetáveis.

No � m de 2013, o Ministério da Saúde divulgou que o país tinha cerca de 700 mil pessoas infectadas pelo vírus, sendo que 39 mil descobriram estar conta-minadas em 2013. Além disso, o governo informou que 300 mil pessoas estavam em tratamento naquele ano.

A África continua sendo o continente mais afetado pela doença, com 1,1 milhão de mor-tos em 2013, 1,5 milhão de novas infecções e 24,7 milhões de afri-canos que vivem com o HIV.

DEZESSEIS MIL MORRERAM COM HIV NO BRASIL EM 2013