Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

4
Q …na troca, a Fluidez Quando eu lhe digo aikidô, o que vem imediatamente à sua mente? Entrevista Pascal Guillemin Para Pascal Guillemin, 5° dan, a prática do aikidô deve ser uma aventura humana centrada no compartilha- mento com desapego. Seu credo seria transformar o ataque em troca, trazer flu- idez para a técnica, tanto no dojô como na vida. Liberdade, liberdade de ação, não oposição, troca, fluidez. Um sistema de educação notável. E quando o senhor pensa no seu primeiro contato com o aikido... Eu tinha 15 anos e, como para a maior parte dos jovens que iniciam, para mim era como se fosse no Cercle Tissier em Vincennes ; fiquei impressionado pela atmosfera, a calma e a serenidade. Eu vinha de um meio um pouco mais tumultuoso, e isso me sur- preendeu e sobretudo me instigou bastante. Logo na primeira aula, fiquei maravilhado pela sutileza da disciplina, tendo em conta que nós podíamos imo- bilizar ou fazer alguém cair de forma muito simples dominando a mecânica do corpo, o que não é dado de antemão. Mas, sobretudo, logo nas primeiras au- las eu tive muito prazer; foi realmente uma revela- ção para mim, a ponto de dois meses depois eu de- cidir ser um dia um profissional, sem mesmo saber se isso realmente existia. Logo procurei saber se isso era possível, se havia uma formação em particular. Cheguei até o aikidô por acaso; eu era um espor- tista, fazia futebol, tênis, e até prestei um concurso de seleção para o PSG . Fui selecionado e demitido no mesmo dia — incompatibilidade de humor. Hoje, com o meu passado de aikidô, eu teria gerenciado aquela situação de outro modo. De fato, eu não me enquadrava nas disciplinas coletivas. Um amigo que havia começado karatê me trouxe uma revista es- pecializada na qual havia um artigo com uma en- trevista com Christian Tissier. Ele abordava muitas questões nesse artigo e falava ainda de Yamaguchi sensei. Não estou certo de ter compreendido tudo na época, mas fui sensível ao fato de aquele texto abordar algo em particular, novo e interessante para mim. O círculo de atividades era situado a menos de 15 minutos da nossa casa; fui ver e fiquei mara- vilhado de imediato. Uma confluência de fatores ou ainda um puro acaso, se isso existisse de fato, mas eu tinha necessidade nesse momento de me cur- var, de me dirigir rumo a alguma coisa eficaz para o adolescente que eu era. No futebol ou no tênis, tudo remete à competição, à vitória, à derrota, e eu me encontrava de repente num universo sem agres- sividade, onde a harmonia era o valor de referência. No aikido, onde é que se encontra a vitória, no seu ponto de vista? Se vitória acontecer, eu a considero realmente como algo de pessoal, seguro e com relação direta consigo. Em nenhum momento procuro estar em competição para ser melhor do que um ou outro. 8 Para mim, o desafio de todos os instantes seria o de procurar o bônus de melhorar a mim mesmo com o tempo, de apagar todas as tensões físicas e as velei- dades. O aikidô me permite ter um recuo e me ajuda a tornar fluida a vida do dia a dia. Esse aikido que o senhor viu em Vincennes correspondia àquele que o senhor imaginava? Se ele porventura fosse diferente, eu não estou certo de que teria continuado nesse rumo. Eu não imaginava alguma coisa em particular indo assistir ao aikidô, eu apenas imaginava o que eu tinha visto e que de fato existia. Eu diria que o lado incisivo na fluidez da nossa prática me convinha perfeitamente. Certas formas de aikidô, certos ensinamentos, não me convêm, mesmo que seja bom que existam para aqueles a quem possam convir. O senhor pratica bastante. O treino é muito importante? É verdade que, imediatamente, eu comecei a treinar de 3 a 6 horas por dia, durante vários anos, seguin- do Christian Tissier por toda parte, tanto na França como no exterior, com a vontade de nunca aban- donar. Muito rápido, entendi que mesmo nos mo-

description

Conteúdo autorizado por Pascal Guillemin Sensei e Sylvette Douche Diretora Administrativa da FFAAA Créditos: Texto e Fotos: Aikido Magazine – Dezembro de 2006 Tradução para o Português: Cristina Vaz Duarte Revisão do Português: EDF (Design Gráfico e Web Desgner) Revisão Geral: Elena de Carvalho Stellfeld Entrevista no blog: Conexão Aikido.

Transcript of Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

Page 1: Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

Q

…na troca, a Fluidez Quando eu lhe digo aikidô, o que vem imediatamente à sua mente?

Entrevista Pascal Guillemin

Para Pascal Guillemin, 5° dan, a prática do aikidô deve ser uma aventura humana centrada no compartilha-mento com desapego. Seu credo seria transformar o ataque em troca, trazer fl u-idez para a técnica, tanto no dojô como na vida.

Liberdade, liberdade de ação, não oposição, troca,

fl uidez. Um sistema de educação notável.

E quando o senhor pensa no seu primeiro contato com o aikido...

Eu tinha 15 anos e, como para a maior parte dos

jovens que iniciam, para mim era como se fosse no

Cercle Tissier em Vincennes ; fi quei impressionado

pela atmosfera, a calma e a serenidade. Eu vinha de

um meio um pouco mais tumultuoso, e isso me sur-

preendeu e sobretudo me instigou bastante. Logo

na primeira aula, fi quei maravilhado pela sutileza da

disciplina, tendo em conta que nós podíamos imo-

bilizar ou fazer alguém cair de forma muito simples

dominando a mecânica do corpo, o que não é dado

de antemão. Mas, sobretudo, logo nas primeiras au-

las eu tive muito prazer; foi realmente uma revela-

ção para mim, a ponto de dois meses depois eu de-

cidir ser um dia um profi ssional, sem mesmo saber

se isso realmente existia. Logo procurei saber se isso

era possível, se havia uma formação em particular.

Cheguei até o aikidô por acaso; eu era um espor-

tista, fazia futebol, tênis, e até prestei um concurso

de seleção para o PSG . Fui selecionado e demitido

no mesmo dia — incompatibilidade de humor. Hoje,

com o meu passado de aikidô, eu teria gerenciado

aquela situação de outro modo. De fato, eu não me

enquadrava nas disciplinas coletivas. Um amigo que

havia começado karatê me trouxe uma revista es-

pecializada na qual havia um artigo com uma en-

trevista com Christian Tissier. Ele abordava muitas

questões nesse artigo e falava ainda de Yamaguchi

sensei. Não estou certo de ter compreendido tudo

na época, mas fui sensível ao fato de aquele texto

abordar algo em particular, novo e interessante para

mim. O círculo de atividades era situado a menos

de 15 minutos da nossa casa; fui ver e fi quei mara-

vilhado de imediato. Uma confl uência de fatores ou

ainda um puro acaso, se isso existisse de fato, mas

eu tinha necessidade nesse momento de me cur-

var, de me dirigir rumo a alguma coisa efi caz para

o adolescente que eu era. No futebol ou no tênis,

tudo remete à competição, à vitória, à derrota, e eu

me encontrava de repente num universo sem agres-

sividade, onde a harmonia era o valor de referência.

No aikido, onde é que se encontra a vitória, no seu ponto de vista?

Se vitória acontecer, eu a considero realmente

como algo de pessoal, seguro e com relação direta

consigo. Em nenhum momento procuro estar em

competição para ser melhor do que um ou outro.

8

Para mim, o desafi o de todos os instantes seria o de

procurar o bônus de melhorar a mim mesmo com o

tempo, de apagar todas as tensões físicas e as velei-

dades. O aikidô me permite ter um recuo e me ajuda

a tornar fl uida a vida do dia a dia.

Esse aikido que o senhor viu em Vincennes correspondia àquele que o senhor imaginava? Se ele porventura fosse diferente, eu não estou

certo de que teria continuado nesse rumo. Eu não

imaginava alguma coisa em particular indo assistir

ao aikidô, eu apenas imaginava o que eu tinha visto

e que de fato existia. Eu diria que o lado incisivo na

fl uidez da nossa prática me convinha perfeitamente.

Certas formas de aikidô, certos ensinamentos, não

me convêm, mesmo que seja bom que existam para

aqueles a quem possam convir.

O senhor pratica bastante. O treino é muito importante? É verdade que, imediatamente, eu comecei a treinar

de 3 a 6 horas por dia, durante vários anos, seguin-

do Christian Tissier por toda parte, tanto na França

como no exterior, com a vontade de nunca aban-

donar. Muito rápido, entendi que mesmo nos mo-

Page 2: Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

A fl uidez

na aplicação

das técnicas

lhe garante

uma quali-

dade na

prática do

Aikido.

garante uma prática de

qualidade do aikidô na

realização pessoal de cada

um. Eu imagino que os

seus praticantes procurem

um pouco a mesma coisa.

O aikidô ainda é uma arte mar-

cial, mas a técnica não serve

mentos mais difíceis, eu não podia esmorecer — não

com relação a meu entorno, mas com relação a mim

mesmo. Eu queria provar para mim mesmo certas

coisas, tanto física quanto mentalmente. Mental

e físico são indispensáveis no aikidô. Desenvolver

qualidades mentais é primordial para progredir.

Além disso, tendo me tornado um profi ssional, eu

não podia aceitar interromper logo no primeiro ma-

chucado, na primeira contusão ou fadiga. É verdade

que hoje estou num treino do tipo esportivo de

alto nível, com um acompanhamento médico, uma

alimentação adaptada. Nunca vacilei no tatame,

apesar de alguns probleminhas advindos de uma

prática intensa, de até 6 horas por dia. Talvez não

fosse o que eu aconselhasse aos meus alunos, mas

aplico em mim essa regra.

O aikidô poderia ser uma forma de se dopar?

Entendo perfeitamente a sua colocação. Se for

um modo de se dopar, ele é perfeito na medida

em que faz avançar, progredir de maneira sadia.

A disciplina é salutar, a mensagem é sadia, e

também é fundamental o entorno que tem uma

importância. A fl uidez na aplicação das técnicas

unicamente para imobi-

lizar; trata-se, sobretu-

do, de uma ferramenta

excelente para outra

busca, para desenvolver

algo mais, como o bem-

estar, o relaxamento das

tensões musculares, ner-

vosas ou psicológicas.

Na prática do aikidô, a

comunicação, a troca

com o parceiro deve se

prolongar na vida quo-

tidiana. Em função da

qualidade dessa troca,

podemos até chegar a

dizer se o parceiro passou um bom dia ou não.

O senhor tem a impressão de es-tar no âmago do seu projeto de aikidô?

Quando eu iniciei o aikidô, ao cabo de dois

meses eu queria ser profi ssional; deixei de

estudar «por covardia». Tive imediatamente a

impressão de mergulhar num esporte-estudo

aikidô. Minha primeira aula, ministrei na idade

de 19 anos, «com a condição de que essas horas

não atrapalhassem meus treinos», me dissera

Christian Tissier. Eu verdadeiramente comecei

a lecionar mais tarde, é claro, mas hoje acho

que me aproximei daquilo que eu almejava

fazer com o aikidô. Hoje, existem muitos as-

pectos ainda a serem aperfeiçoados, a serem

colocados em destaque. Por ter lecionado, por

exemplo, em meio hospitalar ou carcerário,

eu percebo que existe ainda à minha frente

um campo enorme a ser cultivado, onde o ai-

kidô pode se expressar plenamente. Eu nunca

chegarei a estar satisfeito, mas avanço pouco a

pouco todos os dias em direção à meta fi xada.

Como o senhor defi ne o uke ideal, o que o senhor exige dele?

Primeiramente, ter uma boa relação com tori.

A noção de contato é primordial para mim.

Eu penso, a esse respeito, acerca de um es-

tágio com Endo sensei. É preciso fazer de tal

modo que a técnica não pareça uma coreo-

grafi a; não perder o vínculo, a intenção entre

uke e tori. Eu gosto da presença de uke como

a concebe Endo sensei. É importante preservar

a noção marcial de fundo do aikidô. Fala-se

de ataque, e mesmo se o desdobramento não

é aquele das outras artes marciais, uke e tori

não podem negligenciar esse aspecto da nossa

prática. É um elemento da riqueza do aikido.

9

Quais foram seus encontros funda-mentais?

Eu diria que um encontro essencial foi com Chris-

tian Tissier. Com ele, eu realmente aprendi o rigor.

Sua exigência de perfeição me convém perfeita-

mente. Sua presença é sempre um enriquecimento

para mim; suas qualidades humanas, tanto sobre o

tatame como na vida, lhe conferem essa facilidade

de se apagar dela os problemas e as asperezas.

Eu me lembro que no início, há mais de vinte anos

mais ou menos, eu estava em seiza; trabalhávamos

em três com dois parceiros, e ele me disse: «O que

você vier a aprender aqui, você poderá levar para a vida

do dia a dia», Ele me disse isso assim, como quem

não quer dizer nada. Eu tinha 16 anos, e fui entender

depois que ele não estava falando em resolver uma

situação pelo confronto, mas que se referia à troca de

respeito, de reconhecimento, de compartilhamento.

Christian Tissier me transmitiu os princípios

que eu tento pôr em prática na vida, tanto no

dojô como no interior de uma central peni-

tenciária: não fi car embotado, negociar prob-

lemas; se não passar em omote, passar em ura.

Quais foram os ensinamentos trans-mitidos por senseis como Endo ou, ainda, como Yasuno?

Entre o dinamismo de Yasuno sensei e o relaxa-

mento de Endo Sensei temos quase toda a gama

do aikido. Eu diria que o relaxamento físico e mental

em Endo sensei, bem além da técnica, nos mostra

o caminho, mas também o trabalho a ser abraçado

para alcançar esse nível de perícia. Com Endo sensei,

nós percebemos que a técnica é um álibi, uma ferra-

menta para ir na direção de outros domínios não tão

evidentes, à primeira vista, para certas pessoas que

podem pensar que o aikidô se resume a uma técnica

para quebrar os braços ou imobilizar um agressor.

Endo sensei nos mostra que o relaxamento no ai-

kidô é também um meio formidável para gerenciar

mentalmente o stress. Residem nesse fato alguns de

seus benefícios, que deveriam, a meu ver, ser mais

amplamente divulgados.

Page 3: Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

uma coreografi a, eu teria feito dança. O conteúdo

marcial do aikidô permite desenvolver qualidades

intrínsecas. O aikidô é antes de mais nada uma arte

marcial, caso contrário perderia seu sentido e co-

erência, além da efi cácia que oferece para o geren-

ciamento do stress. Desvincular dele a sua essência

marcial seria caminhar em outra direção, que fosse

aquela de uma outra atividade, cujo nome fosse

outro. Mas o principal é o sistema de educação que

se origina nele.

Em que momento a sua prática evoluiu em direção ao ken? Muito cedo, de fato, desde meu primeiro ano de prática, eu

cursava as aulas de Christian Tissier pela manhã das 7h às

8h, antes de ir para a escola.

O lado samurai do sabre era muito fascinante para um jo-

vem praticante, como eu era naquela época. O ken é uma

disciplina por ela mesma, muito próxima da prática com

mãos vazias, mas traz uma dimensão marcial complemen-

tar que requer adrenalina e que não se conhece no aikidô.

Poder fazer no ken um corte rapidamente, e parar a alguns

milímetros do seu parceiro, está no nível do domínio e da

beleza do gesto, muito exigente e muito completo. As sen-

sações são muito particulares.

Com Christian Tissier, eu trabalho o kenjutsu e o aikiken.

O aikiken desenvolve qualidades específi cas, ligadas às dis-

tâncias da prática e aos tempos de reação mais curtos. O

trabalho de posturas no kenjutsu está provavelmente mais

exigente, mas as posições dos pés, as atitudes e os movi-

mentos do ken são muito próximos daqueles do aikidô, o

que explica provavelmente que tenha mais sucesso junto

aos aikidokas. Eu pratico indiferentemente os dois por sua

complementariedade. Hoje, não posso mais dissociá-los.

A prática do ken me traz a compreensão do aikidô. Enviar

um shomen de mãos vazias pode apresentar um certo

perigo; quando se tem um ken nas mãos é outra coisa,

estamos numa outra dimensão, que requer uma maior

concentração.

Com o ken, por exemplo, não se pode colocar o braço para

bloquear um ataque; é preciso desenvolver outras soluções

e outras qualidades físicas e mentais.

Hoje eu ensino cada vez mais ken, da escola Kashima de

Inaba sensei, que Christian Tissier me transmite. O estudo

aprofundado dos katas abre perspectivas ao infi nito.

O aikidô, a arte marcial, é arte de combate ou não? Eu preciso desse aspecto da disciplina. Se fosse apenas

Esse gerenciamento do stress, eu imagino que se aplique perfeita-mente no âmbito de um universo carcerário, fechado, sem liber-dade. Como o senhor chegou até o ensino em ambiente carcerário? Primeiro, ninguém está livre de passar um certo tem-

po na cadeia. É importante dizer isso. Apesar de isso

não ser desejável, pode ocorrer a qualquer pessoa.

Ser privado de liberdade é terrível, é preciso ter esta-

do nesse tipo de lugar par se dar conta realmente. Há

muito tempo que penso que o aikido pode desem-

penhar um papel importante para essas populações

em difi culdade. Já com 20 anos eu pensava nisso. Eu

era jovem demais para ir até lá, teria sido um erro ter

feito isso prematuramente. Alguns anos mais tarde,

na maturidade, mais tecnicamente preparado tam-

bém, eu senti que o momento havia chegado.

Eu lido com praticantes muito receptivos. É possível

compreender muito rapidamente que a efi cácia da

técnica passa em segundo lugar, que existem outros

modos de ser tremendamente mais efi cazes. Para

eles, existe no tatame, na prática, uma liberdade que

eles não têm mais em vida.

A prática com armas e do ken-

jutsu ou de aikiken desenvolvem

qualidades específi cas.

É preciso dominar dia a dia o

stress do encarceramento em um

universo onde reina a lei do mais

forte. Deixar seu corpo se expres-

sar livremente, no estado de cria-

ção: nesse ponto reside o que é

primordial. É esse o âmbito para

o qual o aikido pode trazer uma

ferramenta para controlar e até

mesmo dominar esse stress. Em

1999, a pedido da administra-

ção penitenciária, nós fomos em

cinco pessoas, dentre as quais

Patrick Bénézi, que havia sido o

contato na praça. Fomos fazer

uma demonstração seguida de

um debate na Centrale de Poissy

Práticar com

armas, Ken-

Jutsu ou Aiki-

ken desenvolve

qualidades específi cas.

. Eles foram fi sgados, administração e presos inclusos.

Foi a conta para serem, a partir de então, público-alvo

de estágios. Eu estava disponível e fui para lá com Bru-

no Gonzales. Nós ainda estivemos, no início, sediados

numa pequena sala de box, num ambiente um pouco

peculiar, mas deu tudo certo para eles e para nós du-

rante quatro dias seguidos. Depois disso a administ-

ração da penitenciária nos pediu que substituíssemos

um preso que dava aulas, e eu aceitei o desafi o. Eu

tenho outras propostas para outros estabelecimentos

que poderiam interessar outras pessoas. Mas, atenção;

não se pode enganar na sua fala. Existem falas que não

podemos ter, do tipo: «É bom, a gente relaxa, liberem o

que está dentro de você, etc.» A gente precisa se concen-

trar ao máximo para evitar cometer certos erros, mas

sem que isso represente um impedimento. O universo

carcerário tem suas regras próprias, o contato físico

tem aí um sentido bem peculiar. O basquete, por ex-

emplo, é banido desse meio, para evitar contatos acir-

rados que pudessem rapidamente degenerar.

Então ensinar o aikidô, disciplina particularmente tátil,

requer uma adaptação. No que se refere a mim, eu

tentei concentrar todos os meus esforços na noção de

troca.

É uma aventura humana incrível baseada no sentido da

palavra «compartilhar». Há um ano agora que eu ensino

até mesmo as armas, o que era inimaginável há pouco

tempo. Falar de trabalho com armas tem um sentido

muito preciso numa prisão e, no entanto, de mãos em

punho, fazemos entrar bokken e tanto e tudo corre

muito bem. Algo de espetacular ocorre nesse grupo

que agora se autogerencia, numa confi ança recíproca.

Eu nunca tenho o sentimento de dar uma aula a de-

tentos, mas simplesmente dar aula a aikidokas, com

um percurso peculiar, é verdade, mas que não impede

a harmonia de comparecer.tos, mas simplesmente dar

aula a aikidokas, com um percurso peculiar, é verdade,

mas que não impede a harmonia de comparecer.

10

Page 4: Aikido Magazine – Dezembro de 2006 [Pascal Guillemin]

Eu imagino que o que esses alunos especi-ais lhe oferecem em retorno deva ser algo considerável. Isso pode parecer estranho, mas eu encontro uma qualidade

humana nesse meio que não encontro necessariamente em

outros lugares, em contextos ditos... normais.

Eu me dou conta de a que ponto o humano é complexo. Eu

não ensino para nada, eu procuro entender. Muitas questões

fi cam ainda sem respostas. Como podemos cometer atos ex-

tremamente graves contra alguns e ao mesmo tempo ter as

melhores intenções com relação a outros ? Não é simples. Nin-

guém está ao abrigo do pior que possa haver... nem do mel-

hor. No tapete, não sinto nenhuma pressão advinda do meio

circundante. Dou uma aula de aikidô como em toda parte no

mundo. Poderíamos pensar que um certo hábito se instalou,

e no entanto, em cada aula, sempre o mesmo calor humano,

a mesma escuta, o mesmo respeito, nenhuma lassidão toma

conta.

Dos dois lados, é muito rico de ensinamentos, as ideias pré-

concebidas caem, os complexos também. Logo na primeira

aula, tentei mostrar como ai hammi katate dori que o que podia se passar por um ataque é primeiro uma troca. Nesse sentido,

posso afi rmar que tenho um retorno de qualidade excepcional.

Essas técnicas de gestão do stress podem ser aplicadas em outros lugares?

Entrevista Pascal Guillemin

Bien sûr, dans le milieu hospitalier par exemple, où

j’assure également des formations pour des person-

nels confrontés au stress des urgences, sans même

aller très loin dans la technique, rien que sur les

prin-cipes de fonctionnement de l’Aïki. C’est très

bien reçu et bien compris, le message est très effi -

cace. Il ne s’agit pas de faire des champions d’Aïkido

en vingt séances mais de faire comprendre que ça

ne sert à rien de rester sur des blocages, qu’il faut

trouver des solutions pour parvenir à l’objectif fi xé.

J’applique là les principes universels de l’Aïkido, de

même pour la préparation physique et mentale de

sportifs de haut niveau.

Quais são suas ambições hoje? Primeiro, continuar a praticar ainda e sempre,

ensinar e transmitir a riqueza do aikidô. Além

disso, com um amigo fi sioterapeuta e neurolo-

gista, eu desenvolvi um conceito inovador para

o preparo da mente, do físico e da fi siologia na

▼...Quando dou aulas, quero me colocar no nível dos meus alunos. O que me importa é dar o melhor de mim mesmo, sobre o tatame e também fora do dojô...▲

11

qual o aikidô tem um lugar preponderante.

Nós trabalhamos sobre a neurofi siologia estando

à escuta do corpo. Praticando exercícios corpo-

rais adaptados, temos efeitos imediatos sobre o

psiquismo do atleta. Trabalhando de outro modo

sobre o psiquismo com, sobretudo, o método de

relaxamento progressivo de Jacobson, chegamos a

efeitos positivos insuspeitáveis sobre o corpo. Para

se chegar a isso, eu me apoio sempre que pos-

sível sobre minha prática de aikidô e conto com

a minha experiência esportiva para personalizar e

tornar efi caz cada intervenção, em função de cada

indivíduo.Muito mais do que ser treinador, nós es-

tamos na esfera da perícia. Eu emprego também

um pouco de meu tempo em um projeto com a

P.P.J. (Protection Judiciaire de la Jeunesse), por

intermédio de um amigo karateka, Alain Trouvé,

cofundador de uma O.N.G., Atletas do Mundo, da

qual o presidente é Jean Galfi one. Trata-se de re-

abilitar os jovens que passam por difi culdades, que

são carentes e que estão perdendo suas referên-

cias, pela prática das artes marciais.

Como é que você se defi ne? Eu sou antes de mais nada um aikidoka, depois um

professor. Se eu não pudesse mais me submeter aos

treinos, acho que interromperia minhas atividades

de professor. Para mim, é muito importante ser uke,

praticar os dois papéis.

Eu tenho 33 anos, eu sou 5° dan desde há pouco e,

mesmo que pareça ainda cedo, eu não quero ap-

enas brincar de ser professor. Tenho realmente ne-

cessidade de sentir que eu também sou aluno para

manter o meu equilíbrio, sendo ainda verdade que

eu tenho muito a aprender.

Quando eu dou aulas, quero me colocar à posição

de meus alunos. O que me importa é dar o melhor

de mim mesmo, sobre o tatame e também fora do

dojô... ●