Ainda a Polêmica Sobre a Distinção Entre a Jurisdição Contenciosa e a Jurisdição Voluntária...

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AINDA A POLÊMICA SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE A "JURISDIÇÃO CONTENCIOSA" E A "JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA" ESPÉCIES DE UM MESMO GÊNERO OU ENTIDADES SUBSTANCIALMENTE DISTINTAS? Revista de Processo | vol. 198 | p. 13 | Ago / 2011 Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 2 | p. 543 | Out / 2011 DTR\2011\2316 Humberto Theodoro Júnior Doutor em Direito. Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da UFMG. Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International Association of Procedural Law. Desembargador aposentado do TJMG. Advogado. Área do Direito: Processual Resumo: Neste trabalho, o autor questiona a tradicional divisão entre jurisdição contenciosa e voluntária. Seriam mesmo duas atividades de natureza absolutamente distinta? Palavras-chave: Jurisdição voluntária - Jurisdição contenciosa - Atividade do juiz. Abstract: In this study the author questions the traditional division between contentious and voluntary jurisdiction. Are they really two activities of an absolutely distinct nature? Keywords: Voluntary jurisdiction - Contentious jurisdiction - Judge's activity. Interessa ao direito processual moderno, comprometido com a funcionalidade e efetividade da tutela jurisdicional, que a jurisdição voluntária se confunda, em natureza, com a jurisdição contenciosa? Eis a questão. Sumário: 1.Introdução - 2.Definição clássica e tentativa de redefinição de jurisdição - 3.A doutrina de Cândido Dinamarco - 4.A jurisdição na ótica constitucional - 5.Jurisdição e direito de ação na ordem constitucional. Reflexos sobre a configuração da jurisdição contenciosa e da jurisdição voluntária - 6.Uma visão da doutrina italiana de grande precisão e atualidade - 7.A visão da jurisdição voluntária pelo direito positivo espanhol - 8.Jurisdição voluntária e coisa julgada - 9.Conclusões 1. Introdução Depois que, nos primórdios da segunda metade do século XX, duas obras monumentais se debruçaram, no direito processual civil brasileiro, sobre a pesquisa e a definição da natureza da denominada “jurisdição voluntária” (atividade desempenhada pelo Poder Judiciário sem o pressuposto da litigiosidade), e o fizeram para evidenciar, com maestria, que “jurisdição contenciosa” (ou, simplesmente, “jurisdição”) e “jurisdição voluntária” eram duas realidades técnicas e práticas distintas, que se aproximavam do ponto de vista subjetivo-funcional (por serem ambas desempenhadas pelo mesmo órgão público) (refiro-me às monografias dedicadas ao tema por Lopes da Costa 1 e Frederico Marques); 2 depois que, na mesma época, o principal e mais respeitado curso de direito processual civil seguiu a mesma doutrina, com amplo acatamento universitário 3 (refiro-me ao clássico “Primeiras Linhas” de Amaral Santos), 4 imaginava-se que a especulação em torno de antigas controvérsias estrangeiras não mais viria repercutir em nosso direito processual civil. Sentia-se que a ideia dominante na doutrina nacional era a de que o tema entre nós, estava assentado e as divergências superadas. No entanto, para surpresa de muitos, o pretexto de revisitar o conceito de jurisdição, sob o impulso dos novos ventos que a conduziriam para a busca de novos escopos, além dos puramente jurídicos (como os políticos e os sociais), surgiu e tem se desenvolvido, aqui e na Europa, uma corrente cuja pretensão doutrinária se bate pela ampliação e unificação do conceito de jurisdição, de modo a nele incluir tanto a contenciosa como a voluntária. Para que tal se tornasse defensável, é claro que outra definição haveria de ser dada ao fenômeno jurídico da jurisdição já que historicamente esta surgiu e se consolidou em torno da pacificação de Ainda a polêmica sobre a distinção entre a "jurisdição contenciosa" e a "jurisdição voluntária" Espécies de um mesmo gênero ou entidades substancialmente distintas? Página 1

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  • AINDA A POLMICA SOBRE A DISTINO ENTRE A "JURISDIOCONTENCIOSA" E A "JURISDIO VOLUNTRIA" ESPCIES DE UM MESMO

    GNERO OU ENTIDADES SUBSTANCIALMENTE DISTINTAS?Revista de Processo | vol. 198 | p. 13 | Ago / 2011

    Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 2 | p. 543 | Out / 2011DTR\2011\2316

    Humberto Theodoro JniorDoutor em Direito. Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da UFMG. Membro daAcademia Mineira de Letras Jurdicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto deDireito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do InstitutoIbero-Americano de Direito Processual e da International Association of Procedural Law.Desembargador aposentado do TJMG. Advogado.

    rea do Direito: ProcessualResumo: Neste trabalho, o autor questiona a tradicional diviso entre jurisdio contenciosa evoluntria. Seriam mesmo duas atividades de natureza absolutamente distinta?

    Palavras-chave: Jurisdio voluntria - Jurisdio contenciosa - Atividade do juiz.Abstract: In this study the author questions the traditional division between contentious and voluntaryjurisdiction. Are they really two activities of an absolutely distinct nature?Keywords: Voluntary jurisdiction - Contentious jurisdiction - Judge's activity.

    Interessa ao direito processual moderno, comprometido com afuncionalidade e efetividade da tutela jurisdicional, que a jurisdiovoluntria se confunda, em natureza, com a jurisdiocontenciosa? Eis a questo.

    Sumrio:

    1.Introduo - 2.Definio clssica e tentativa de redefinio de jurisdio - 3.A doutrina de CndidoDinamarco - 4.A jurisdio na tica constitucional - 5.Jurisdio e direito de ao na ordemconstitucional. Reflexos sobre a configurao da jurisdio contenciosa e da jurisdio voluntria -6.Uma viso da doutrina italiana de grande preciso e atualidade - 7.A viso da jurisdio voluntriapelo direito positivo espanhol - 8.Jurisdio voluntria e coisa julgada - 9.Concluses1. Introduo

    Depois que, nos primrdios da segunda metade do sculo XX, duas obras monumentais sedebruaram, no direito processual civil brasileiro, sobre a pesquisa e a definio da natureza dadenominada jurisdio voluntria (atividade desempenhada pelo Poder Judicirio sem opressuposto da litigiosidade), e o fizeram para evidenciar, com maestria, que jurisdio contenciosa(ou, simplesmente, jurisdio) e jurisdio voluntria eram duas realidades tcnicas e prticasdistintas, que s se aproximavam do ponto de vista subjetivo-funcional (por serem ambasdesempenhadas pelo mesmo rgo pblico) (refiro-me s monografias dedicadas ao tema por Lopesda Costa 1 e Frederico Marques); 2 depois que, na mesma poca, o principal e mais respeitado cursode direito processual civil seguiu a mesma doutrina, com amplo acatamento universitrio 3 (refiro-meao clssico Primeiras Linhas de Amaral Santos), 4 imaginava-se que a especulao em torno deantigas controvrsias estrangeiras no mais viria repercutir em nosso direito processual civil.Sentia-se que a ideia dominante na doutrina nacional era a de que o tema entre ns, estavaassentado e as divergncias superadas.

    No entanto, para surpresa de muitos, o pretexto de revisitar o conceito de jurisdio, sob o impulsodos novos ventos que a conduziriam para a busca de novos escopos, alm dos puramente jurdicos(como os polticos e os sociais), surgiu e tem se desenvolvido, aqui e na Europa, uma corrente cujapretenso doutrinria se bate pela ampliao e unificao do conceito de jurisdio, de modo a neleincluir tanto a contenciosa como a voluntria.

    Para que tal se tornasse defensvel, claro que outra definio haveria de ser dada ao fenmenojurdico da jurisdio j que historicamente esta surgiu e se consolidou em torno da pacificao de

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  • situaes conflituosas, e no de situaes individuais tuteladas unilateralmente, sem o pressupostoda preexistncia de um litgio a ser composto impositivamente pelo Estado, como em regra se passanas hipteses de atuao da impropriamente denominada jurisdio voluntria. 5

    Nunca pouco recordar que a atividade jurisdicional surgiu de permeio entre a atividade legislativa ea administrativa, objetivando o Estado impor a observncia do direito que ele mesmo instituiu e que, falta de espontneo cumprimento, haver de ser feito atuar por meio da autoridade pblica, sempreque necessrio. base, pois, da ideia de jurisdio situa-se o problema da ocorrncia de ausnciade espontneo cumprimento do direito, 6 causador do litgio, ou do conflito de interesses entrepartes antagnicas. para resolver esse conflito, aplicando a vontade concreta da lei, que atua ajurisdio, fazendo prevalecer o interesse que realmente for tutelado pelo direito objetivo, medianteato de autoridade. 7

    Assim sendo, imprpria a prpria denominao daquilo que se costuma qualificar de jurisdiovoluntria, cujo exerccio no pressupe descumprimento voluntrio do direito e se desenvolvecomo ato de realizao de funo atribuda a um servio pblico, que tanto pode ser desempenhadopor rgo judicial como da administrao ordinria. 8

    Dessa forma, por mais que se intente igualar em natureza as duas espcies de jurisdio, no possvel negar a substancial diferena entre a prestao judicial realizada no processo contencioso eaquela alcanada no procedimento de jurisdio voluntria. Tampouco se pode igualar em contedoe fora (autoridade) os provimentos emitidos num e noutro. Nem se pode imaginar que adefinitividade e a retratabilidade dos efeitos sejam as mesmas diante dos resultados prticos dajurisdio contenciosa e da jurisdio voluntria. 9

    Da porque mesmo aqueles que modernamente se batem pela identidade de natureza entre as duasespcies de jurisdio, acabam concluindo que tal debate mais interessa ao plano acadmico doque ao plano prtico. 10

    2. Definio clssica e tentativa de redefinio de jurisdio

    A jurisdio, na histria dos povos civilizados, surgiu da necessidade de evitar os inconvenientes dajustia privada (justia pelas prprias mos ou foras do titular do direito subjetivo violado ouameaado), de sorte que a assuno do monoplio da pacificao dos conflitos pelo Poder Pblicoadveio do inconteste inconveniente da autotutela aliado ao escopo de fazer com que a leis editadaspelo Estado fossem realmente acatadas pelos destinatrios.

    Como as normas legais devem, primariamente, ser acatadas e cumpridas, sem a interfernciaautoritria da Justia Pblica, a tutela jurisdicional a cargo do Poder Judicirio opera em cartersecundrio, ou seja, apenas quando o direito material entra em crise de atuao prtica. Substituindoa vontade dos conflitantes, o rgo judicial, no processo, faz a opo de conduta que seja conforme ordem jurdica e que deva ser observada pelos contendores. E o faz como deliberao impositiva,emanada do Poder Pblico, em carter final e definitivo, provocando a cessao da crise (litgio)causadora da instalao do processo judicial, em termos no mais suscetveis de mutaes erediscusses nos limites do objeto litigioso deduzido em juzo.Como o Estado, no desempenho do monoplio da justia, tem no s o poder de resolver osconflitos jurdicos que lhe so submetidos pelos litigantes, mas tambm o dever de comp-losadequadamente, o que lhe toca no desempenho da jurisdio uma funo (poder-dever), a quecorresponde um direito subjetivo pblico do destinatrio da tutela jurisdicional assegurada pelaConstituio (art. 5., XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3)) (direito de ao).Sem dvida, a jurisdio corresponde a uma emanao de poder do Estado. Mas no suficienteencar-la apenas desse ngulo, j que sua compreenso completa s ocorre quando se entrevtambm o direito daqueles que podem exigir o exerccio do poder pelo Estado. dessa perspectivaque se prefere conceituar a jurisdio como funo estatal.11 Nossa propositura de definio , pois,aquela que trata a jurisdio como a funo do Estado de declarar e realizar, de forma prtica, avontade da lei diante de uma situao jurdica controvertida 12 (entendida a lei no em sentidoestrito, mas no sentido amplo de todo o ordenamento jurdico formador do complexo normativo a quetodos se acham sujeitos dentro do Estado de Direito).Critica-se o entendimento porque reduziria a funo jurisdicional mera reproduo da lei diante do

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  • caso concreto, quando, modernamente, o que cabe jurisdio aplicar o direito e no somente alei.13 Mas o que a jurisdio aplica, na composio do litgio, alm do que se deduz dos enunciadoslegais so princpios gerais presentes no sistema e os princpios constitucionais superiores a toda equalquer regra ordinria ou infraconstitucional. O Estado, sendo de direito, assenta-se sobre agarantia fundamental de que ningum ser obrigado a fazer ou no fazer alguma coisa seno emvirtude de lei (art. 5., III, da CF/1988 (LGL\1988\3)).O que evoluiu, no Estado Democrtico de Direito, no foi o princpio da sujeio de todos lei, masfoi a compreenso do que se deva entender por lei. Lei hoje no sinnimo de enunciado legal, masde direito, dentro do qual figuram as regras, os princpios gerais e os princpios constitucionais; demodo que a lei do caso concreto que prevalece no provimento jurisdicional a norma extrada pelorgo judicial daquilo que existe no seio do ordenamento e que leva em conta todas as forasnormativas atuantes dentro do sistema. Portanto, a clssica definio de jurisdio no tem demudar em essncia; bastando compreender-se na dico tradicional de lei o sentido de direito. Istoporque, na tutela jurisdicional no poder prevalecer jamais uma soluo que no seja apoiada nosistema normativo constitucionalmente consagrado. A soluo justa prestigiada pelo processo doEstado Democrtico de Direito pode no se filiar literalidade do enunciado de uma lei comum, massempre estar sujeita a se conformar com os princpios e regras constitucionais, que so todos elesnormas e, portanto, lei em sentido lato.

    Assume, pois, o feitio de um mero capricho acadmico a afirmao de que est superado o conceitoclssico de jurisdio porque no a lei, mas o direito que se realiza por meio da prestaojurisdicional, se lei em sentido lato, no quer dizer outra coisa seno direito.14

    Critica-se tambm a clssica viso de compromisso com a coisa julgada, que seria atributo dajurisdio contenciosa, e que faltaria na jurisdio voluntria, por duas razes: h prestaes dejurisdio contenciosa que no fazem coisa julgada e decises de procedimento de jurisdiovoluntria que a fazem. O raciocnio equvoco. O que se enfoca no a eventualidade de um casoou outro isolado da generalidade, como a coisa julgada formada quando, por exemplo, se contesta avenda judicial para extino do condomnio sobre coisa individual (procedimento de jurisdiovoluntria), ou quando o juiz extingue o processo contencioso, sem resolver o mrito da causa. claro que, tramitando um procedimento de jurisdio voluntria sob o comando de um rgo judicialapto a decidir tambm as questes litigiosas, se dentro de um procedimento originariamente nocontencioso nasce uma controvrsia caracterizadora de um litgio, instaurado estar um conflito quehaver de ser composto por provimento dotado de todas as caractersticas da jurisdio contenciosa.O procedimento ter nascido sob o signo da no contenciosidade e, portanto, com todas ascaractersticas da jurisdio voluntria, mas ter transmudado sua natureza para a de um pleitocontencioso. Como o rgo atuante um s, perfeitamente possvel a continuidade doprocedimento administrativo j agora com o feitio jurisdicional contencioso. 15

    No h, outrossim, nenhuma contradio em o juiz proferir uma deciso extintiva do processo sem aaptido para fazer coisa julgada material e dar por invivel a prestao jurisdicional pleiteada. Oprocesso nasceu com o fito ou destino de procurar a soluo definitiva do conflito de direito material,da sua natureza jurisdicional. Se faltou, a meio caminho, pressuposto ou requisito de procedibilidadepara alcanar-se o provimento de mrito, foi um acidente de percurso que determinou essa soluoanmala do processo. claro que o juiz estava no desempenho da jurisdio (contenciosa) quandose deparou com o embarao incontornvel que o impediu de chegar meta do processocontencioso. O encerramento prematuro demonstra o fracasso do intento com que se instalou oprocesso, mas no lhe afeta a natureza jurdica fixada em razo da funo para cujo desempenho aatividade do Poder Judicirio fora demandada (a de resolver o mrito da causa).Nunca pouco relembrar que o acesso justia, embora seja universalmente assegurado, sesubmete a regras tcnicas, sem cuja observncia a tutela jurisdicional no se concretiza. Por isso,incumbe ao juiz no s a funo de compor definitivamente o conflito jurdico, mas tambm a deverificar e controlar os requisitos tcnicos para que a composio se d validamente. Quando o juiz,portanto, extingue um processo irregularmente estabelecido, ele de fato est no desempenho daatividade jurisdicional, porque age legitimado pela preexistncia de um processo de naturezacontenciosa. Se a relao processual abortada, por ato do juiz, antes de alcanar o provimento demrito visado pela parte, a sentena que assim pe fim prematuramente ao processo no ir, defato, produzir a coisa julgada material (fim visado pela jurisdio contenciosa). que sem resoluodo mrito da causa no h o que passar em julgado materialmente. 16 A atividade judicial dentro do

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  • processo ter ficado restrita ao controle da legalidade formal do instrumento jurdico manejado pelaparte, funo que cumpre ao juiz exercer, previamente, em todo e qualquer procedimentocontencioso. No foi a prestao jurisdicional contenciosa que no produziu a coisa julgada material,mas a imperfeio do instrumento manejado pelo litigante que impediu o juiz de cumprir a funonormal, que vem a ser a de compor o litgio por deciso de mrito capaz de se revestir da autoridadeda coisa julgada, isto , de tornar-se regra concreta imutvel e indiscutvel, entre as partes e oprprio poder judicante. Assim, a coisa julgada apenas formal, como eficcia preclusiva, dentro doprocesso extinto apenas, consequncia inevitvel da falta de requisitos tcnicos para que o juiztivesse desempenhado, de maneira completa e vlida, a funo jurisdicional, em condies dealcanar a composio definitiva do conflito material. E se, tecnicamente, isto no se deu, claro quea coisa julgada material no se formou, pela simples razo de que o processo, embora existente, noviveu o suficiente para atingir o estgio necessrio ao pronunciamento da soluo do mrito dacausa. A discusso da lide em outro processo no encontrar o obstculo da coisa julgada pelasimples razo de que tal discusso sequer chegou a se consumar no procedimento extinto porausncia de requisitos tcnicos de viabilizao do provimento jurisdicional de mrito.Por outro lado, quando a corrente tradicional cogita da coisa julgada como uma das metas dajurisdio contenciosa, o faz no quadro do processo de conhecimento, onde de incio se estruturou aideia fundamental de jurisdio. O que realmente se intencionava afirmar que o resultado doprocesso jurisdicional era uma soluo ltima, que nenhum outro rgo estatal, ou no, teria poderespara ignorar ou desfazer. claro que a prpria coisa julgada, fenmeno maior da estabilidade esegurana das decises finais da jurisdio contenciosa, no importa gerao de atos totalmenteimunes a reviso, mas esta, quando excepcionalmente admitida, no se faz por rgos estranhos aoPoder Judicirio. Pense-se, por exemplo, na ao rescisria e nos embargos (ou impugnao) execuo da sentena, em alguns casos, como se prev nos arts. 485, 475-L, I, e 1., 741, I, epargrafo nico, do CPC (LGL\1973\5).A caracterstica da jurisdio, porm, a de buscar a definitividade, evitando no s a revisoexterna, mas, se possvel, at mesmo a reviso interna dentro do prprio aparelhamentojurisdicional. 17

    certo que em alguns casos extraordinrios, como o da tutela sumria, da tutela cautelar ou datutela de execuo pura, no se chega formao da coisa julgada material (de eficcia externa aoprocesso), mas apenas coisa julgada formal (de efeito interno, portanto). Mas no so osfenmenos episdicos que se prestam a definir a natureza da coisa, mas o objetivo essencial doinstituto. O procedimento cautelar no se destina a uma meta final e autnoma dentro dos objetivosda tutela jurisdicional. Apenas instrumentalmente procura conservar bens e direitos enquanto seaguarda o provimento de mrito, para cuja utilidade e eficcia seria indispensvel a conservao dosbens preservados pela tutela cautelar, cujo papel no dizer de Calamandrei o de instrumento doinstrumento, ou seja, o processo principal tutela o direito material em litgio, enquanto a medidacautelar protege e tutela a eficincia do processo principal, ou de mrito. O escopo final, portanto, oda realizao do processo principal, em boas condies de compor, de maneira justa, o conflito dedireito material constante do objeto do processo principal, onde o litgio ser afinal composto demaneira exaustiva e definitiva.

    O mesmo se pode dizer dos procedimentos sumrios, em que o legislador se afasta da meta dacoisa julgada, excepcionalmente, em razo de observar, em nome da urgncia, uma cogniosuperficial e no exauriente. A soluo de mrito, capaz de alcanar a imutabilidade eindiscutibilidade, fica relegada a outro processo, a ser manejado a critrio das partes, no qual adiscusso e a cognio sejam amplas e exaurientes, permitindo, assim, a formao da coisa julgadamaterial em bases mais seguras e mais justas.A afirmativa de que a execuo forada, que manifestao da jurisdio contenciosa, pode seultimar sem deciso de mrito capaz de fazer coisa julgada material, tambm no conspira para aafirmao de que a coisa julgada no pode ser vista como a meta ltima da jurisdio contenciosa.Se nem toda prestao jurisdicional contenciosa termina por um provimento revestido da autoridadeda coisa julgada, o certo que em todos eles se logra a definitividade daquilo que for praticado parapr fim controvrsia motivadora da invocao da prestao jurisdicional, no havendo lugar para serecorrer a organismo estranho ao Judicirio para sua reviso. E mesmo dentro do Judicirio, aresoluo obtida por meio da jurisdio contenciosa, ainda que excepcionalmente sem a autoridade

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  • da res iudicata, sempre atingida pela precluso interna, que impede o rejulgamento das questesj decididas (art. 471 do CPC (LGL\1973\5)).O processo de execuo, que sabidamente integra a jurisdio contenciosa (porque precedido de umconflito jurdico entre credor e devedor), no desagua necessariamente num provimento apto aproduzir a coisa julgada material, porquanto pode se encerrar pela efetiva satisfao do credor, semque o juiz seja convocado a sentenciar sobre ponto controvertido entre os litigantes. Mas, se surgealgum questionamento sobre a obrigao de direito material representada no ttulo executivo, claroque sua apreciao, em embargos ou em incidente do prprio processo de execuo, representarjulgamento de mrito, apto, portanto, a gerar a coisa julgada material.Mesmo quando a execuo termina pelo pagamento forado por meio de bens ou valoresexpropriados ao executado, esse provimento com que se pe termo ao processo executivoreveste-se de definitividade entre as partes e o terceiro que eventualmente tenha adquirido o bemexpropriado judicialmente ao devedor ou responsvel.Pode-se, verdade, questionar, em ao posterior, sobre a inexistncia ou a extino da obrigaoexequenda, se a seu respeito no se questionou nem se decidiu durante o processo executivo.Sobre o tema no existir a intangibilidade prpria da coisa julgada, o que permitir, por exemplo,uma ao de repetio por pagamento indevido entre ex-exequente e ex-executado. O atoexpropriatrio executivo (a arrematao do bem penhorado por terceiro), entretanto, permanecerntegro, porquanto regular a alienao judicial, segundo as regras da execuo forada. A eventualao de repetio do indbito ficar restrita reparao dos prejuzos do devedor em face dolocuplemento indevido de que se beneficiou o exequente. 18

    Enfim, no ser o ato expropriatrio executivo que ser desfeito, mas o direito repetio do indbitoque o executado poder reclamar do exequente que manejou a execuo forada com base emttulo que no mais representava dbito atual do executado.

    V-se, de tal sorte, que a execuo forada est credenciada a produzir coisa julgada material emseus mltiplos incidentes; e mesmo no existindo incidentes de mrito em seu curso, geraestabilidade de seu provimento final, compatvel com os desgnios da jurisdio contenciosa. 19

    Para os que no querem ver distino substancial entre os atos de jurisdio contenciosa e dejurisdio voluntria, nem mesmo o pressuposto da necessidade de eliminar uma lide (ou litgio) seriaapangio da prestao jurisdicional, j que as prprias partes podem resolver seus litgios por meiode autocomposio ou de expedientes extrajudiciais como a arbitragem. 20 O argumento, todavia,prova demais, porque a autocomposio afasta a jurisdio justamente por eliminar ou evitar a lide,sem a qual no h interesse que legitime o recurso jurisdio. Quanto negao do carterjurisdicional do juzo arbitral, trata-se de argumento repudiado pelo direito positivo brasileiro e peladoutrina sobre ele j construda. 21 Por fora de lei a sentena arbitral faz coisa julgada material, ttulo executivo judicial e o controle admitido a cargo do Judicirio apenas de legalidadeprocedimental, no lhe sendo possvel rever o mrito do julgado (arts. 31, 32 e 33, Lei 9.307/1996;art. 475-N, IV, do CPC (LGL\1973\5)).Para que a jurisdio voluntria se integre na jurisdio lato sensu, os defensores mais modernosdessa identificao excluem do conceito de jurisdio o fim de pacificar uma situao litigiosaatribuindo-lhe a funo de realizar o direito de modo imperativo e criativo,reconhecendo/efetivando/protegendo situaes jurdicas concretamente deduzidas, em decisoinsuscetvel de controle externo e com aptido para tornar-se indiscutvel, 22 ou, a funopreponderante estatal, exercida por um rgo independente e imparcial, que atua a vontade concretada lei na justa composio da lide ou na proteo de interesses particulares;23 ou, reconhecendo-sea necessidade de alterao no conceito tradicional de jurisdio, para nele introduzir, tambm, ajurisdio voluntria, a nova conceituao deveria ser no sentido de atribuir jurisdio a funorealizada pelo Estado, atravs de rgo seu investido em garantias funcionais, cuja misso aaplicao do direito de maneira especfica (autoritamente) com impossibilidade de reviso externa.24 Ou, ainda, se substitui o objetivo de compor conflitos ou litgios pelo de solucionar crisesjurdicas que envolvem os direitos subjetivos. 25

    V-se, pois, que no af de assimilar a dita jurisdio voluntria pela jurisdio, ora se atribuidefinitividade aos atos judiciais praticados nos procedimentos de jurisdio voluntria, ora se exclui

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  • do conceito geral de jurisdio o vnculo com a definitividade, ressaltando-se apenas a suaautoritatividade.3. A doutrina de Cndido Dinamarco

    Como na perspectiva constitucional a jurisdio aparece atrelada funo soberana de tutelardireitos em conflito (isto , direitos ameaados ou lesados), Cndido Dinamarco, para atribuirnatureza jurisdicional aos atos judiciais praticados nos procedimentos de jurisdio voluntria, ampliao prprio conceito de conflito, sem o qual entende no se poder falar em jurisdio. Para tanto,qualifica como conflito a simples situao configurada quando o direito individual permaneceinsatisfeito enquanto no se obtm uma soluo a ser dada pelo juiz, como se passa com ahomologao do acordo de separao ajustado entre os cnjuges em crise. O conflito, in casu, seriaa crise matrimonial. Mas quem compe essa crise so os prprios cnjuges por meio do acordo que levado ao juiz apenas para homologao, como poderia ser levado ao registro nas notas de umtabelio. Por que haveria jurisdio no ato homologado em juzo, e no haveria no ato administrativodo tabelio?

    O prprio autor, por outro lado, reconhece que no rol das medidas que a lei insere nosprocedimentos de jurisdio voluntria, h diversos atos que no passam de mera certificao feitapelo juiz (legalizao de livros comerciais, aposio de visto) ou de pura e simples recepo epublicidade (publicao de testamento particular). Esses atos aduz Dinamarco tm realmentepura natureza administrativa (administrao pblica de interesses privados, realizada pelo juiz), masno h a mnima razo ou utilidade prtica ou sistemtica que justifique consider-los d e jurisdiovoluntria. Isto porque, em sua tica, no se referem a conflitos, nem lhes do soluo, nem serealizam pelas formas do processo civil. No so atos de jurisdio voluntria 26 (grifamos).Mas de se observar que os protestos e interpelaes, regulados procedimentalmente pelo Cdigode Processo Civil (LGL\1973\5), tambm podem ser praticados pelos ofcios de protestos e deregistro de ttulos e documentos, alcanando os mesmos efeitos tanto pelas vias judiciais como pelasadministrativas. Seriam de naturezas diversas os protestos realizados sob a forma do Cdigo deProcesso Civil (LGL\1973\5) e aqueles regulados pela lei prpria dos ofcios administrativos? A seadotar a teoria de Dinamarco, ter-se-iam duas espcies de jurisdio voluntria reguladas pelas leisprocessuais: uma que teria a natureza jurisdicional e outra que seria puramente administrativa. Isto,porm, s aumentaria a complexidade do tema, visto que nem a lei nem a doutrina conseguemapontar homogeneamente os procedimentos que havero de ser tratados como administrativos eno administrativos, dentro do elenco de medidas imputadas jurisdio voluntria. Afinal, quandohaver, e quando no haver, a crise que torna jurisdicional a atividade no contenciosa do juiz?O importante que a doutrina de Cndido Dinamarco fiel tradio de que no se pode falar emjurisdio sem vincul-la soluo de conflito jurdico. 274. A jurisdio na tica constitucional

    A jurisdio um fenmeno ligado ao poder estatal, a que corresponde um direito de todos, que ode exigir do Estado que exercite o poder jurisdicional, sempre que necessrio. Por isso que sedefine a jurisdio como funo (poder-dever) e no apenas como poder. Nessa perspectiva no no direito infraconstitucional, mas na prpria Constituio que se deve buscar a identificao do queseja a funo jurisdicional, distinguindo-a, em essncia, das demais funes soberanas do Estado(isto , a legislativa e a administrativa).A propsito, logo em seu segundo artigo a Constituio define como sendo Poderes da Unio,independentes e harmnicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio. Portanto, nossa CartaMagna (LGL\1988\3) consagra o princpio da diviso de poderes, como critrio fundamental doEstado Democrtico de Direito. Dentro dessa sistemtica bsica, Poder Legislativo, Poder Executivoe Poder Judicirio so expresses com duplo sentido: exprimem, a um s tempo, as funeslegislativa, executiva e jurisdicional e os rgos que as exercem. 28

    O poder estatal, como emanao de soberania poltica e social, uno, indivisvel e indelegvel, masno pode se concentrar nas mos de um s rgo. No , entretanto, o prprio poder que se divide,so as funes dele emanadas que so atribudas a organismos distintos. Quando, pois, se fala notexto constitucional de tripartio dos poderes soberanos do Estado, o que se partilha, realmente,so as funes fundamentais da soberania, no a prpria soberania (poder nico e supremo).

    Ainda a polmica sobre a distino entre a "jurisdiocontenciosa" e a "jurisdio voluntria" Espcies de ummesmo gnero ou entidades substancialmente distintas?

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  • Os rgos a que a Constituio atribui as funes soberanas do Estado (isto , o exerccio do poderpoltico, cujo conjunto se denomina governo ou rgos governamentais) so aquelesencarregados das funes legislativa, executiva e jurisdicional. Esclarece Jos Afonso da Silva:A funo legislativa consiste na edio de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras daordem jurdica, denominadas leis. A funo executiva resolve os problemas concretos eindividualizados, de acordo com as leis; no se limita simples execuo das leis, como s vezes sediz; comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurdicos que no tenham cartergeral e impessoal. Por isso, cabvel dizer que a funo executiva se distingue em funo degoverno, com atribuies polticas, colegislativas e de deciso, e funo administrativa, com trsmisses bsicas: interveno, fomento e servio pblico. A funo jurisdicional tem por objeto aplicaro direito aos casos concretos, a fim de dirimir conflitos de interesse. 29

    Na ordem constitucional, a diviso de Poderes, ou mais precisamente, de funes inerentes aoPoder, se funda (a) na especializao funcional (cada rgo especializado no exerccio de umafuno) e (b) na independncia orgnica (cada rgo deve ser efetivamente independente dosoutros, o que postula ausncia de meios de subordinao). 305. Jurisdio e direito de ao na ordem constitucional. Reflexos sobre a configurao dajurisdio contenciosa e da jurisdio voluntria

    Toda construo do direito processual moderno se edificou sobre o trip jurisdio, ao e processo,de sorte que, circularmente, jurisdio e ao, a um s tempo, so causa e efeito recprocos,operando em torno da crise jurdica de convivncia social, enquanto o processo o meio ou mtodode enfrentar e solucionar essa mesma crise, por obra da funo jurisdicional, (manifestao depoder) cuja atuao depende sempre da provocao oriunda do exerccio da ao (direito tutelajurisdicional), s praticvel segundo a disciplina do processo judicial.A obra dos engenheiros (com destaque para Wach, Blow e Chiovenda) dessa construo magnficadeita seus alicerces na teoria do direito de ao concebida como algo autnomo e diverso do direitomaterial conflituoso, mas tendente, diante da crise de leso ou ameaa por esse enfrentado, aproporcionar-lhe, por meio do poder jurisdicional, uma tutela efetiva e adequada, assegurando aorespectivo titular, uma vez regularmente reconhecido como tal, medida concreta apta a lhe dar,quanto possvel praticamente tutto quello e proprio quello chegli ha diritto di conseguire alla streguadella legge sostanziale (). 31 justamente o que j ensinava a antiga e sempre lembrada lio deChiovenda. 32

    Explica Proto Pisani que a garantia de um processo justo, prometido pela Constituio, haver deresultar numa tutela que leve em conta as categorias dos direitos substanciais e, em particular, asespecficas modalidades de violao que esses direitos possam sofrer, de maneira que quaisquerque sejam a modalidade e o contedo da tutela jurisdicional (posta em movimento pelo exerccio dodireito de ao) haver sempre de ser efetiva, no sentido chiovendiano h pouco lembrado. 33

    Ora, se jurisdio e ao so fenmenos ligados ao exerccio do Poder Pblico, na Constituioque se haver de investigar o respectivo objeto, e, consequentemente, o conceito da funosoberana que lhe corresponde. , ento, no direito fundamental garantido no art. 5., XXXV, daCF/1988 (LGL\1988\3) que iremos localizar o contedo da funo e do direito que lhe corresponde,em tema de jurisdio e ao. E o que ali se prev que nenhuma leso ou ameaa a direito sersubtrada da apreciao do Judicirio.

    Claro, portanto, que a crise jurdica cuja soluo a Constituio atribuir ao Poder Judicirio justamente aquela representada pela litigiosidade (ou seja, a que se configura quando um direitosubjetivo, ou uma situao jurdica concreta violada ou ameaada). Isto, obviamente, no impedeque o legislador infraconstitucional venha a instituir situaes secundrias ou eventuais em que aosjuzes se confie, por deliberao poltica, tarefas no jurisdicionais, como, v.g., as de alistamentoeleitoral, as de provimento de ofcios notariais e controle das dvidas surgidas na execuo dos atosde registro pblico, e, em geral, o multifrio e complexo universo das medidas predominantementeadministrativas que formam o elenco dos procedimentos ditos de jurisdio voluntria. 34

    Mas, no ser em relao a atribuies secundrias e eventuais que se revelar a natureza dafuno de um poder soberano, mas daquilo que no lhe pode faltar, daquilo que na tripartio da

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  • soberania necessrio para compreender a essncia institucional de cada uma das funes em quea soberania se divide e se manifesta, dentro da partilha traada pela Constituio.

    nesse sentido que a doutrina aponta para uma noo de uma funo jurisdicional necessria eoutra no necessria. Com efeito, ao lado da rea em que atuam as funes jurisdicionaisconstitucionalmente necessrias, h uma outra em que as funes confiadas ao Judicirio no sonecessrias ao desempenho da funo soberana que a Constituio lhe afeta.

    Observa Proto Pisani que nessa rea no necessria surgem funes ulteriores da tutelajurisdicional dos direitos, as quais o legislador ordinrio poderia legitimamente atribuir, em suadiscricionariedade, aos poderes privados ou s autoridades administrativas. o que se d, naexemplificao de Proto Pisani, acerca da oportunidade de por em prtica a administrao dosinteresses dos menores e incapazes; de conceder a autorizao para funcionamento de certaspessoas jurdicas; de realizar a liquidao do patrimnio de algumas empresas; de proceder nomeao e remoo de representantes legais de menores ou incapazes, venda coativa de bensetc. Todos esses atos, como muitos outros, podem ser, indiferentemente, objeto de atribuio legalseja ao juiz seja a rgos da administrao. 35 Da porque no se prestam a caracterizar a essnciada jurisdio, dentro da partilha constitucional dos poderes soberanos do Estado.Prova de que no figuram necessariamente na rea de definio da atividade jurisdicional, que,sem violar a atribuio constitucional contida na partilha dos poderes soberanos estatais, muitasmedidas que no passado figuravam no rol dos procedimentos ditos de jurisdio voluntria tmmigrado para a competncia de rgos administrativos, sem qualquer eiva de inconstitucionalidade.Veja-se, para exemplificar, a permisso para que a consignao em pagamento se processeextrajudicialmente (art. 334 do CC/2002 (LGL\2002\400); art. 890, 1., do CPC (LGL\1973\5)); paraque o Oficial do Registro de Imvel promova a notificao do promissrio comprador, relativamente anegociao de imveis loteados, constituindo-o em mora e cancelando o registro do respectivocontrato, sem depender de deciso judicial alguma (art. 32 da Lei 6.766/1979); tambm da mesmaforma se procede administrativamente, atravs do Oficial do Registro de Imveis, para se obter ocumprimento do compromisso de compra e venda, quando o promitente vendedor no providencia aoutorga da escritura definitiva, depois de ter sido pago o preo integral da promessa (art. 27 da Lei6.766/1979); iguais procedimentos administrativos a cargo do Oficial de Registro de Imveis soautorizados tanto no inadimplemento como no cumprimento do contrato de financiamento imobiliriosob garantia de alienao fiduciria (arts. 25, 26 e 27 da Lei 9.514/1997); tambm a venda foradado imvel hipotecado por meio de contrato de financiamento do Sistema Financeiro de Habitaopode ser promovida sem processo judicial, por iniciativa da instituio financeira (arts. 31 e 32 doDec.-lei 70/1966); a separao e o divrcio consensuais (art. 1.124-A do CPC (LGL\1973\5)), assimcomo a partilha amigvel tanto podem ser processados em juzo como administrativamente por meiode ato notarial etc. O que, de fato, se nota no direito moderno , na verdade, uma tendnciaacentuada a processar administrativamente tanto o cumprimento como a resoluo de diversoscontratos e a desconstituio de situaes jurdicas, antes administradas pelo Poder Judicirio,afastando a necessidade da interferncia judicial. 36

    Ora, me parece inconcebvel que algo que se exclua livremente de uma funo, sem quebra ouperda de sua essncia, possa ser havido como integrante de sua prpria natureza. Como imaginarque uma mesma dissoluo de casamento ou uma mesma partilha patrimonial ora seja jurisdicionalporque processada em juzo, ora seja administrativa porque realizada por notrio. O que se meafigura que a natureza do ato sempre foi a mesma e continuou inalterada, quer quando dirigidapelo juiz quer quando orientada pelo tabelio.Por isso, os atos da espcie, que o legislador, a seu bel prazer, inclui na dita jurisdio voluntria, oudela exclui por pura opo poltica, no pertencem substancialmente natureza da jurisdioconcebida e regulada pela Constituio.

    Na ordem constitucional, a justia foi expressamente concebida como a prestadora da funojurisdicional necessria para tutelar os direitos lesados ou ameaados de leso, de maneira que, nocabem no seu mbito institucional simples atos de tutela de interesses privados, quando isto tantopossa se fazer, com legitimidade, pelos juzes como pelos agentes estatais administrativos.A rea em que atua a jurisdio constitucionalmente necessria nada tem que ver com aquilo ques vezes se atribui administrativamente aos juzes, pois aquela coincide com a rea da jurisdio

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  • tradicionalmente denominada como contenciosa . 37 Assim, na base do processo, por meio do qualatua a jurisdio, nos moldes constitucionais, est sempre um conflito de interesses, do qualdecorre a pretenso deduzida em juzo, que, por sua vez revelar o litgio a ser composto peloprovimento jurisdicional. Constituindo o conflito de interesses a base do processo civil, no hprocesso civil [vale dizer: no h jurisdio, acrescentamos] onde no haja conflito de interesses. 38Por isso, conclui Jos Lebre de Freitas, 39 se situa fora do processo civil a categoria dos processosde jurisdio voluntria, ainda quando estes so reguladores no Cdigo de Processo Civil(LGL\1973\5). que, segundo o processualista lusitano, os processos de jurisdio voluntriavisam a prossecuo de interesses no organizados em conflito. s vezes, aduz o mesmo autor, seintenta apenas perseguir o interesse de uma pessoa determinada, sem que outro qualquer sejaconsiderado (exemplo: interdio, reunio do conselho de famlia, autorizao judicial, curadoriaprovisria dos bens do ausente, verificao da gravidez) ou ainda que o interesse de outra pessoadeva ser considerado, mas s num plano secundrio (regulao do poder paternal); e outros h emque se intenta prosseguir os interesses solidrios de duas ou mais pessoas (por exemplo: divrciopor mtuo consentimento, notificao para preferncia).Da Lebre de Freitas extrai a irrespondvel concluso de que:

    A submisso destes casos [de jurisdio voluntria] resulta de se ter con siderado necessria umacuidadosa avaliao dos interesses particulares [no litigiosos] em jogo, que o juiz, melhor do queuma entidade administrativa, est em condies de assegurar. Mas a actividade judicial assimdesenvolvida no corresponde ao exerccio da funo jurisdicional. Trata-se antes do exerccio dumafuno administrativa. Respeitando esta a situaes anmalas, entendeu-se, por consideraes depoltica legislativa, no dever ser desempenhada por notrio, um conservador ou outra entidadeadministrativa; mas no deixa por isso de, ao lado da actividade do notrio ou do conservador, serenglobada por alguns autores na categoria geral da administrao pblica de direitos privados.40

    Se, enfim, se focaliza a histria do direito processual e principalmente, o sistema constitucional dapartilha do poder estatal, a primeira caracterstica da jurisdio ressaltada por Fazzalari consisteem que as medidas jurisdicionais tm como pressuposto o ilcito, mais precipuamente a(consumada ou atualmente ameaada) violao de um dever substancial, ou seja, j imposto pela leisubstancial. 41

    Inevitvel, destarte, a concluso de que no havendo conflito de interesses a dirimir nosprocedimentos administrativos desenvolvidos em juzo, rigorosamente, a chamada jurisdiovoluntria no constitui uma jurisdio s a jurisdio contenciosa sendo jurisdio em sentidoprprio (grifo do original). 42

    Ausente o pressuposto do conflito de interesses e, consequentemente, do requisito de partescontrapostas diante da pretenso medida de jurisdio voluntria, o nico elemento que aaproxima dos provimentos de jurisdio contenciosa o seu processamento perante o mesmo rgoestatal. Mas, bvio que a s referncia ao sujeito das duas atividades no tem o poder depreencher o vale que as divide, do ponto de vista substancial. 43 Dir-se- que a prestao realizadaatravs da jurisdio voluntria observa o mesmo regime processual de contraditrio, sentena erecurso previsto para a atividade da jurisdio contenciosa, pelo que merece ser qualificada tambmcomo prestao jurisdicional. 44 Ora, o contraditrio, segundo a Constituio no apangio doprocesso jurisdicional, devendo ser observado tambm nos procedimentos puramenteadministrativos (art. 5., LV, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Por outro lado, o mecanismo procedimentalsujeito a decises e recursos hierrquicos observado tradicionalmente no seio da Administrao,que chega at a instituir rgos de estrutura destinada a especificamente julgar conflitos internos eexternos envolvendo interesses do servio pblico e de particulares que deles dependam. Pense-senos Tribunais de Contas, nos Conselhos de Contribuintes, nos rgos recursais da PrevidnciaSocial, nos Conselhos Tutelares da Infncia, nos rgos de proteo ao meio ambiente, ou decontrole da livre concorrncia, nas Agncias Reguladoras dos Servios Pblicos delegados explorao privada etc. Em todos esses organismos genuinamente administrativos, e em inmerosoutros, se formam, desenvolvem, instruem e julgam procedimentos, sob regime de contraditrio e deimpugnao recursal perante rgos hierarquicamente superiores, sem que, de maneira alguma, sepossa pensar em qualific-los como procedimentos jurisdicionais. lgico, portanto, que a presenade estrutura processual, de julgamento e de recurso hierrquico no muda a natureza doprocedimento que envolve sujeitos e objeto vinculados Administrao, e que por isso mesmo spode ser qualificado de procedimento administrativo.

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  • de se observar, ainda, que sob o rtulo de jurisdio voluntria os Cdigos e leis processuaisextravagantes costumam arrolar os mais dispares provimentos, desde atos de mera documentao(protestos, notificaes), de simples presena (hasta pblica, assembleias de credores ou decondminos), de pura autorizao, at atos de constituio jurdica (interdio de incapaz, nomeaode tutor, curador) ou de integrao eficacial de negcios convencionados entre interessados nolitigantes (homologao de divrcio ou separao consensuais, de acordos em torno de questesno figurantes em processo contencioso) ou, ainda, de controle de atos notariais ou registrais. 45Basta esta diversidade catica de temas e tarefas para se concluir que nem mesmo internamente possvel encontrar identidade substancial capaz de unificar a natureza do complexo universo de atosjudiciais reunidos sob a denominao de jurisdio voluntria. O que, porm, certo aimpossibilidade de tratar a todos como representativos de conflitos de interesses que devam serpacificados por verdadeiros provimentos jurisdicionais.Dir-se- que s vezes alguns procedimentos da espcie podem ensejar controvrsias que exigirodebate e soluo sob regime de contraditrio igual ao dos procedimentos contenciosos. Mas, sesobreviver tal conflito, a consequncia ser a mudana de natureza do feito, que deixar de seradministrativo para tornar--se contencioso. Aquilo que se iniciara sem o pressuposto da litigiosidade,fora supervenientemente por ela contagiado. Como o rgo judicante detm tanto a funoadministrativa como a jurisdicional, nada o impede de assumir esta ltima, mudando o rumo doprocedimento para propiciar um acertamento da lide incidental nos termos prprios da jurisdiocontenciosa. o que se passa, por exemplo, quando o pai requer autorizao para vender imvel dofilho menor e a me comparece ao processo para impugnar a pretenso; ou quando o interditandocontrata advogado para contestar o cabimento da medida; ou, ainda, quando o pedido de alienaodo bem indivisvel contestado por um dos condminos, para negar sua indivisibilidade. Todosesses procedimentos independem de prvio litgio para justificar sua instaurao em juzo, maseventualmente podem degenerar em disputa contenciosa superveniente. 46

    Por outro lado, se algum procedimento includo no Cdigo entre os contenciosos, quando naverdade no precedido de litgio algum; ou se algum outro inserido pela lei entre os de jurisdiovoluntria, quando em realidade pressupe prvia disputa entre antagonistas, nem por isso anatureza da coisa estar comprometida, nem poder ser desprezada. Prevalecer o enquadramentoditado pela substncia da tutela a ser desempenhada pelo rgo judicial. Se soluo de umconflito que o procedimento se destina ser ele tratado como de jurisdio contenciosa; se inexisteconflito a compor, ser jurisdio voluntria aquela desempenhada pelo juiz, pouco importando asede em que o procedimento tenha sido colocado dentro do Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5).6. Uma viso da doutrina italiana de grande preciso e atualidade

    H os que incluem a jurisdio dita voluntria no mesmo terreno da jurisdio contenciosa, a pretextode que, no Estado Democrtico dos tempos de hoje, a presena do Estado desenvolveria papelvoltado para objetivos sociais e polticos ignorados ou no valorizados primrdios do Estadorepublicano liberal. Desse modo a tutela de interesses e direitos, mesmo no envolvidos em litgio,haveria de ser vista como integrante da misso constitucional do Estado moderno.Consequentemente, a jurisdio os acobertaria, para cumprir os fins sociais, polticos e propriamentejurdicos, perseguidos, como algo essencial atividade do Estado, onde quer que o seu poder devase manifestar. 47

    Assim pensando, para Marinoni e Mitidiero, a atividade do Poder Judicirio deve ser levada a efeitona dimenso da Constituio, sempre tendo por objetivo realizar a justia do caso concreto, sejaele litigioso ou no litigioso. 48 De tal sorte, mesmo reconhecendo que nos procedimentos dejurisdio voluntria no h litgio entre os interessados na obteno da tutela jurisdicional e semembargo de no existir partes, mas apenas interessados, os autores insistem em que najurisdio voluntria h jurisdio. 49

    Ora, no h dvida de que, no moderno Estado Democrtico de Direito, todos os trs poderes tm oencargo de atuar perseguindo as metas sociais, polticas e jurdicas programadas pela Constituio.Isto, contudo, no importa anular a diviso de poderes ( rectius: de funes soberanas), dadorelevantssimo de demarcao e controle das reas de atuao especfica de cada um deles. Ouseja: todos os poderes soberanos realizam as metas sociais, polticas e jurdicas, limitando-se,porm, a faz-lo dentro da esfera de atividade que caracteriza o quinho de soberania que seatribuiu a cada um. Dessa maneira, o Executivo pratica a administrao e, ao faz-lo, orienta-se

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  • pelos critrios que melhor atendam s metas polticas, sociais e jurdicas da Constituio; de igualmodo, o Legislativo edita as normas jurdicas, atribuindo-lhes contedo que corresponda quelasmesmas metas; e, tambm, o Judicirio soluciona os conflitos que lhes so submetidos,pronunciando decises e praticando atos processuais, sempre inspirados naqueles princpios enormas que a Constituio previu para orientar a misso do governo em suas diversas funessoberanas.

    No , pois, pela invaso de rea de outro poder que cada um deles se desincumbe dos escoposgerais do Estado. no desempenho daquilo que especfico da prpria rea de atuao que cadaPoder haver de cumprir o programa geral da Constituio no plano das metas sociais, polticas ejurdicas.Portanto, se a Constituio atribui ao Judicirio a tutela dos direitos contra leses ou ameaas (art.5., XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3)), nessa tutela que, constitucionalmente, se exercitar afuno soberana denominada jurisdio. No h necessidade alguma de ampliar a rea de atuaoda jurisdio para que ao Judicirio se reconhea o compromisso com as metas sociais, polticas ejurdicas idealizadas pela Constituio. Se a lei ordinria, confere a rgos da justia alguma tarefatutelar que, por natureza, poderia legitimamente ser desempenhada por rgo administrativo, o certo que isto se deve apenas a opo de liberdade e convenincia poltico-legislativa. A incluso ouexcluso de semelhantes atribuies no amplia nem reduz a esfera de poder soberanamenteatribuda justia, a qual necessariamente lhe pertence como essncia funcional. Essa funonecessria e fundamental, que no pode ser alterada seno pela prpria Constituio, por issomesmo, ter de ser a base da conceituao do que vem a ser jurisdio, dentro da estrutura estatalde poder.

    dentro dessa perspectiva que se invoca o ensinamento de trs processualistas de incontesteautoridade na doutrina processual italiana, autores das Lezioni de processo civil amplamenteacatadas em seu pas de origem e tambm entre ns. Trata-se dos Professores Luigi PaoloComoglio (da Universidade Catlica de Milo), Corrado Ferri e Michele Tarufo (ambos daUniversidade de Pavia). Eis como, em linhas gerais, essa doutrina conceitua a jurisdio e deladistingue a denominada jurisdio voluntria (ainda que a considere espcie da atividadejurisdicional, mas apenas porque se desenvolve diante de um juiz da magistratura ordinria): 50

    a) pela garantia de acesso justia, qualquer pessoa, pblica ou privada, afirmando-se titular de umdireito subjetivo que tenha sido contestado por outrem, ou que intente exercitar um direito subjetivo etenha sido impedido pelo comportamento de outrem, pode pedir ao juiz ordinrio que proporcione,por um procedimento e nas formas processuais adequadas, a tutela jurisdicional do referido direito; 51

    b) a funo jurisdicional, por meio da qual um juiz, terceiro imparcial a respeito s envolvidas nacontrovrsia, consiste em aplicar a norma jurdica substancial por ele considerada adequada asolucion-la. Dessa forma, a funo jurisdicional se apresenta como atividade de resoluo deconflitos ou controvrsias entre pessoas, mediante a aplicao em via judicial de normassubstanciais destinadas a regular o caso controvertido; 52

    c) na funo jurisdicional, alm da definio da controvrsia, em carter definitivo e indiscutvel(coisa julgada), inclui-se a execuo forada, cuja tarefa consiste em fazer atuar e realizar em viacoativa, com emprego efetivo do poder coercitivo por rgos do Estado, sob direo judicial, ocontedo do direito previamente acertado; 53

    d) sob o rtulo de jurisdio voluntria, atribuem-se tambm aos juzes ordinrios (aqueles a quecabe a jurisdio contenciosa) alguns atos de simples administrao, atos que, s vezes, tantopodem ser confiados a juiz como a rgo no jurisdicional (por exemplo, ofcios da administraopblica) ou a oficiais pblicos em exerccio de atividade privada (exemplo: tabelies). A nomenclaturajurisdio voluntria, portanto, reputa-se jurisdio apenas formalmente (porque exercida porjuzes), permanecendo, no entanto, atividade substancialmente administrativa, j que confiada argo judicial to s por exigncia garantstica. No passa, dessa maneira, de uma administraopblica de determinadas matrias do direito privado, se bem que exercida por rgos judicirios; 54

    e) a diversidade das funes exercitadas pelos juzes numa e noutra espcie de jurisdio pode serdelineadas em trs perspectivas:

    (i) do ponto de vista funcional, a jurisdio contenciosa opera na tutela jurisdicional dos direitos

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  • para faz-los atuar, em contraditrio, entre as partes em litgio, por meio de provimentos definitivos,tendentes coisa julgada; j a voluntria visa, predominantemente, a tutelar, sem qualquercontraposio dialtica entre partes divergentes, e, por isso, sem predisposio coisa julgada,situaes subjetivas de menor relevo (exemplo: expectativas jurdicas ou interesses legtimos dedireito privado, que o ordenamento jurdico, no obstante, considera merecedores de tutela);(ii) do ponto de vista objetivo, enquanto a jurisdio contenciosa acerta, constitui ou condena,segundo a modalidade dos provimentos adotveis para a tutela dos direitos, a jurisdio voluntriatem quase sempre um efeito constitutivo direto, intervindo imediatamente para integrar ouaperfeioar, por meio de ato autorizativo, a hiptese gentica de determinado status pessoal oufamiliar, de determinados poderes ou de certas pessoas jurdicas (pense-se na adoo de menores,na separao consensual entre cnjuges, nos atos que cabem aos genitores e tutores, na inscrioda sociedade annima no registro das empresas); 55

    (iii) do ponto de vista estrutural, enquanto a jurisdio contenciosa, no seu esquema tpico, sedesenvolve em funo de obter a definitividade da coisa julgada, a jurisdio voluntria no aspiraa atuar uma certeza irretratvel, nem se mostra idnea a gerar a coisa julgada, j que se fundasobre pressupostos diametralmente antitticos (quais sejam; a modificabilidade e a revogabilidadedos provimentos; art. 742 do CPC (LGL\1973\5) italiano; acrescentamos: arts. 486 e 1.111 do CPC(LGL\1973\5) brasileiro); 56

    f) essas distines coordenam-se e harmonizam-se, sem dificuldade aparente, no planoconstitucional, donde se extrair a concluso de que:

    (i) a jurisdio contenciosa deve ser sempre considerada como constitucionalmente necessria, jque a tutela aos direitos ameaados ou lesados ter sempre que ser realizada pelo processo justo,vale dizer, por um juzo em sentido prprio, submetido s garantias do contraditrio e tendente adesaguar em julgado vinculante (coisa julgada);(ii) em sentido contrrio, a jurisdio voluntria representa uma funo jurisdicionalconstitucionalmente no necessria porquanto pode ser, ou no ser, atribuda aos juzesordinrios, segundo a discrio do legislador ; j que: no tem por objeto, seno em casos excepcionais, a atuao e a tutela dos direitos em sensolato;

    realiza, fora dos verdadeiros contrastes entre partes contrapostas, atividade prevalentementeadministrativa, a proteo de expectativas ou de interesses legtimos de direito privado, emboraqualificados de relevncia pblica;

    no pressupe, como tal, um juzo e uma audincia em sentido tcnico, nem tampouco implica aformao de qualquer coisa julgada (formal ou substancial), mas prev procedimentos simplificadose sumrios (que se desenvolvem, na linguagem dos velhos Cdigos, fora de audincia), cujacaracterstica a de concluir-se com provimentos modificveis ou revogveis (e portanto instveis),de per si incapazes de aspirar certeza prpria de um julgado definitivo 57 (isto , uma certezatipificadora da coisa julgada, como aquela formada ordinariamente no processo dominado pelajurisdio contenciosa). 587. A viso da jurisdio voluntria pelo direito positivo espanhol

    Um posicionamento claro acerca da distino entre a jurisdio contenciosa e a voluntriaencontra-se na legislao processual civil espanhola: Se considerarn actos de jurisdiccinvoluntria todos aquellos en que sea necesaria, o se solicite, la intervencin del Juez sin estarempeada ni promoverse cuestin alguna entre partes conocidas y determinadas (art. 1.811 daLEC/1881, mantido em vigor pela LEC/2000). , pois, a inexistncia de litgio que compe o traodiferencial, no direito espanhol, entre a jurisdio voluntria e a contenciosa, como alis, prevalecena doutrina dominante no direito comparado. Entre ns, merece ser lembrada, no mesmo sentido, aclssica lio de Amaral Santos:

    Em todos esses casos [casos de jurisdio voluntria], os interesses sujeitos administrao dosrgos judicirios no esto em conflito com interesses de outrem. Quer dizer que esses rgos osconhecem no para compor conflitos, mas para tutel-los, protegendo os respectivos titulares. Esse

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  • o objeto da jurisdio voluntria: tutelar interesses no em conflito, protegendo os respectivosinteressados. Por outras palavras, pode-se conceituar jurisdio voluntria como administrao deinteresses privados pelos rgos jurisdicionais.Assim, no so conflitos de interesses, mas interesses no em conflito que constituem objeto dajurisdio voluntria. Essa jurisdio no versa sobre conflitos, muito menos sobre litgios. 59

    Segundo o Cdigo espanhol (LEC), a contraposio entre jurisdio contenciosa e jurisdiovoluntria se d exatamente nos termos preconizados por Amaral Santos para o direito brasileiro. Ouseja, as matrias integrantes da atividade denominada jurisdio voluntria so, por critrios polticose de oportunidade, atribudas aos rgos judiciais, sem que isto signifique que, em sua atuao, sedesenvolvam ou exeram atividade jurisdicional, nem que detenham a exclusividade dos respectivosassuntos, visto que, em determinados casos a interveno ser feita pelos notrios, registradores ouos cnsules. 60

    Discute-se, na Espanha, se a natureza da jurisdio voluntria seria a jurisdicional ou aadministrativa. O principal obstculo oposto natureza jurisdicional o fato de que as medidasjudiciais da espcie no produzem a coisa julgada material. Da que, para o setor majoritrio dadoutrina: La jurisdiccin voluntaria no es verdadera jurisdiccin sino actividad administrativarealizada por el Juez en su condicin de funcionario pblico, de ah que, para ciertos autores(Prieto-Castro, Gimeno Gamarra) convenga ms la denominacin da administracin pblica dederecho privado en cuanto que el objeto de dicha actividad est integrado por relaciones de derechoprivado. 61

    Nos mais diversos e dspares atos que o juiz pratica sob o rtulo de jurisdio voluntria, uma coisa certa: os rgos judiciais so rgos estatais que atuam ora cumprindo funes administrativas orafunes jurisdicionais. Determinar quando atuam de uma ou outra forma exige atentar para aessncia mesma da instituio. 62

    O que se localiza, portanto, no cerne da funo jurisdicional o pressuposto da controvrsia adirimir, de sorte que a funo administrativa desempenhada pelo Juiz sob a denominada jurisdiovoluntria consiste em cumprir normas de direito privado, por meio de atos quase sempre de efeitoconstitutivo, consistente em criar, modificar ou suprimir estados ou relaes jurdica civis oucomerciais, sem que exista controvrsia a seu respeito. 63

    Atentando, pois, para a essncia da jurisdio, segundo os fins institucionais do Poder Judicirio, apenas na resoluo de conflitos que se pode reconhecer a funo constitucional necessariamenteconfiada aos rgos jurisdicionais (art. 5., XXXV, da CF/1988 (LGL\1988\3)). A denominadajurisdio voluntria no tarefa necessria ou obrigatria dos agentes do Poder Judicirio, que aassumem por delegao infraconstitucional, como poderia ocorrer com qualquer agente daadministrao pblica. Portanto, jurisdio contenciosa na verdade a jurisdio necessriaconstitucionalmente, e a jurisdio voluntria pura atividade administrativa eventualmenteexercitada por juiz.A orientao que prevalece na viso doutrinria espanhola a mesma observada em Portugal:rigorosamente apenas a jurisdio contenciosa constitui a jurisdio em sentido institucional, omesmo no ocorrendo com a dita jurisdio voluntria. 648. Jurisdio voluntria e coisa julgada

    J se demonstrou que a coisa julgada, em sentido material, um fenmeno tpico da jurisdiocontenciosa e que se mostra estranho jurisdio voluntria, justamente pela inexistncia nosprocedimentos desta de partes conflitantes, entre as quais a fora da res iudicata pudesse seroposta.

    Embora no haja espao na maioria dos procedimentos de jurisdio voluntria para se cogitar daindiscutibilidade e imutabilidade da sentena (at porque quase sempre nem julgamento existir[exemplo: protesto, notificao, interpelao, justificao, coleta antecipada de prova, abertura eregistro de testamento, arrecadao de bens de ausente ou de coisas vagas, emancipao, extinode usufruto e de fideicomisso, sub-rogao]), Fredie Didier nega seja a coisa julgada umacaracterstica exclusiva do processo contencioso e afirma ser possvel detect-la tambm em algunsprocedimentos de jurisdio voluntria. Para demonstrar o acerto de sua afirmao, invoca o

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  • exemplo do acordo extrajudicial (autocomposio praticada pelos prprios interessados), que ora seapresenta como ttulo executivo judicial, ora no, a depender da interveno do juiz no negcio(contrato) das partes.Observa que, nessa conjuntura, o acordo por si s se apresenta como ttulo executivo, mas nacategoria de ttulo executivo extrajudicial (art. 585, II, do CPC (LGL\1973\5)), desde que satisfeitos osrequisitos da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigao ajustada na transao (art. 586 do CPC(LGL\1973\5)). Sendo, porm, submetido, por meio de procedimento de jurisdio voluntria, homologao do juiz, transforma-se, sem passar por procedimento contencioso, em ttulo executivojudicial (art. 475-N, V, do CPC (LGL\1973\5)). A presena da coisa julgada material, segundo oaludido processualista, seria demonstrada in casu pelo fato de que na execuo do acordohomologado em juzo no teria o devedor como discutir a substncia do negcio jurdico, ficandorestrita a sua defesa s matrias oponveis sentena condenatria (art. 475-L do CPC(LGL\1973\5)). Ou seja: o acordo homologado seria substancialmente indiscutvel tanto quanto umacondenao proferida em processo contencioso.

    Entretanto, no bem assim que se passam as coisas. Se verdade que o negcio jurdico daspartes se torna ttulo executivo judicial pelo s efeito da homologao em juzo, no correto queseja submetido ao regime da coisa julgada material. Tanto isto no se d que o art. 486 prev umregime de resciso para a espcie distinto daquele traado para as sentenas de mritopronunciadas em processo contencioso. Para estas, em homenagem coisa julgada material, aresciso s pode ser alcanada pelo casusmo estreito da ao rescisria (art. 485 do CPC(LGL\1973\5)). J para os casos de jurisdio voluntria, em que a sentena meramentehomologatria, a rescindibilidade segue o regime comum aplicvel aos atos jurdicos em geral, nostermos da lei civil (art. 486 do CPC (LGL\1973\5)). A jurisprudncia tranquila, na exegese dodispositivo em tela, em reconhecer que a coisa julgada no atinge o acordo avenado entre aspartes, a no ser quando a sentena, para homolog-lo, tenha penetrado no exame do conflito que oprecedeu, ou seja, isto somente se dar se a sentena contiver pronunciamento judicial sobre olitgio. Do contrrio, a ao cabvel para atacar sentena homologatria de transao a aoanulatria, e no a rescisria. 65 Ou seja: A ao ordinria anulatria, prevista no art. 486 do CPC(LGL\1973\5), a sede prpria para a invalidao de acordo homologado judicialmente,oportunidade em que podero ser discutidos os vcios do ato objeto da anulao; 66

    Que sentido, portanto, tem a qualificao de ttulo executivo judicial atribudo pelo Cdigo deProcesso Civil (LGL\1973\5) ao acordo extrajudicial homologado em juzo? Trata-se apenas de umefeito formal, que acelera e refora a fora executiva do ttulo, impedindo a suscitao, dentro doprocedimento do cumprimento de sentena, de matrias estranhas ao rol do art. 475-L do CPC(LGL\1973\5). A restrio, porm, vigora apenas internamente no campo da impugnao ouembargos execuo. Fora, do processo executivo, ao devedor ser lcito recorrer ao ordinriapara invalidar ou rescindir o acordo homologado, nos termos do art. 486 do CPC (LGL\1973\5),desde que possa demonstrar vcios, invalidades ou inadimplementos ligados ao prprio contedo donegcio jurdico (i.e. da transao).Enfim, o certo que inadmite-se o uso de ao rescisria contra a sentena meramentehomologatria de transao, pois tal deciso apenas equiparada, quanto aos efeitos, sentenade mrito, sem aptido para produzir coisa julgada material, prpria da verdadeira jurisdio, estandosujeita, somente, a ao anulatria dos atos jurdicos em geral nos moldes do art. 486 do CPC(LGL\1973\5). 67

    Diante, pois, da jurisdio voluntria, em matria de homologao de acordo das partes, a exegesejurisprudencial , corretamente, fixada no sentido da inocorrncia da coisa julgada material.Configura-se, dessa maneira, que a interveno do juiz se d apenas para atribuir maior eficciaexecutiva ao negcio jurdico, criado e aperfeioado pelas prprias partes, e no para engendrar-lhea intangibilidade prpria da coisa julgada material. o que se passa no apenas quanto ao negcio das partes homologado pelo juiz, mas com todosos atos, negcios ou contratos que os interessados ultimam sob autorizao judicial emitida nosprocedimentos de jurisdio voluntria. A interveno judicial integrativa ou autorizativa no altera anatureza negocial e privada desses atos, e no os afasta, nos casos de vcios ou nulidades, doregime de resoluo dos atos jurdicos em geral, previstos nas leis civis (art .486 do CPC(LGL\1973\5)).

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  • Ainda no af de atestar a ocorrncia de coisa julgada na sentena pronunciada em algunsprocedimentos (j que muitos deles se cumprem e encerram sem sentena alguma), costuma-seinvocar a regra do art. 1.111 do CPC (LGL\1973\5), que impediria de t-la como instvel, revogvelou modificvel a qualquer momento e sob qualquer circunstncia, uma vez que aquele dispositivosomente permitiria tais alteraes quando ocorressem fatos supervenientes capazes de justificar umrejulgamento, o que, ainda assim, haveria de se dar sem prejuzo dos efeitos j produzidos. 68 Istocorresponderia ao regime da coisa julgada estatudo no processo contencioso para ser observadosempre que a sentena se referir a obrigao continuativa, cuja eficcia perdura aps o julgamentoda causa dentro do princpio rebus sic stantibus (art. 471, I, CPC (LGL\1973\5)). 69

    Acontece que o art. 1.111 do CPC (LGL\1973\5), tal como o art. 471, I, do CPC (LGL\1973\5), nocuidam de rescindibilidade de sentena recoberta pela coisa julgada material, mas apenas de aorevisional. Esta, sim, pressupe supervenincia de fato novo, que funcionar como causa petendipara justificar um novo julgamento, o qual no afetar os efeitos j produzidos pela sentenatransitada em julgado, pois enfrentar apenas o efeito que as circunstncias posteriores vieram aproduzir sobre o relacionamento jurdico material existente entre as partes. A eficcia da reviso endereada para o futuro ( ex nunc).J a ao rescisria, prevista para as sentenas de mrito transitadas em julgado, no se prende aoseventos ulteriores ao provimento jurisdicional definitivo. Volta-se contra vcios detectadosdiretamente no contedo do prprio decisrio (hipteses arroladas em numerus clausus pelo art. 485do CPC (LGL\1973\5)), mesmo quando se trate de obrigao de prestaes continuativas (a eficciasempre retroativa ex tunc). No se pode, de maneira alguma, confundir ao de reviso com aode resciso.

    Liebman esclarece, com adequao, que a reviso da situao jurdica continuativa fundada em fatosuperveniente no representa resciso ou anulao da sentena transitada em julgado, masapreciao de nova situao jurdica, distinta daquela que antes fora acertada em juzo, assumindo aautoridade da coisa julgada. O exame a que se procede na ao revisional, por isso mesmo, nocolide com a coisa julgada, precisamente por versar sobre outro objeto jurdico, que somente surgiuno mundo jurdico, aps a sentena originria. 70 O que se altera no a sentena, mas sim arelao jurdica decidida no processo que, por sua natureza, e pela variabilidade de seus elementospode sofrer mltiplas modificaes e at extinguir-se, depois da sentena passada em julgado.Apreciar, portanto, o novo estado da relao jurdica continuativa nenhum obstculo encontra nacoisa julgada formada antes da sua inovao.Com efeito, para se pensar em coisa julgada e em conflito a seu respeito necessrio que a novaao seja idntica anterior, o que somente acontece quando nas duas aes confrontadas ocorraidentidade de partes, de pedido e de causa de pedir (art. 301, 1. e 2., do CPC (LGL\1973\5)), oque definitivamente no ocorre nas aes revisionais autorizadas pelos arts. 471, I, e 1.111 do CPC(LGL\1973\5).Enfim, o fato de o art. 1.111 do CPC (LGL\1973\5) admitir a ao de reviso do decidido na jurisdiovoluntria somente com fundamento em fato superveniente no permite a concluso de que onegcio autorizado ou praticado em decorrncia daquela jurisdio se revista da indiscutibilidadeprpria da coisa julgada material. O art. 1.111 do CPC (LGL\1973\5), por no cuidar de anulao ouresciso, deixa essas hipteses sob a regncia do art. 486 do CPC (LGL\1973\5).Vale dizer: os atos judiciais (e respectivos efeitos) praticados em procedimento de jurisdiovoluntria no se revestem de coisa julgada material e so rescindveis como os atos jurdicos emgeral, nos termos da lei civil (art. 486 do CPC (LGL\1973\5)).Mas no se pode deixar de observar que os procedimentos de jurisdio voluntria, embora seinstaurem sempre sem a preexistncia de um litgio, 71 podem, em alguns casos, desviar, porincidente de percurso, para uma crise de litigiosidade. A partir do momento em que o requerimentodo promovente encontre resistncia de algum cointeressado, o procedimento iniciadoadministrativamente se tornar contencioso, 72 e a sentena que afinal der soluo a esse conflitoincidental ser, sem dvida, uma sentena de mrito. Far coisa julgada material e somente a aorescisria poder desconstitu-la (art. 485 do CPC (LGL\1973\5)).Como no h lugar para afirmar sempre a presena da coisa julgada nos procedimentos de

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  • jurisdio voluntria, afirma-se que a verdadeira e universal caracterstica da jurisdio seria adefinitividade de seus provimentos, j que no seriam suscetveis de reviso externa, isto , dereviso por ato de outro poder estatal. 73 S ao Poder Judicirio seria conferida autoridade para, noprocesso, pronunciar decises definitivas, sem possibilidade de alterao por obra de outro Poder.Assim, tanto os atos judiciais da jurisdio contenciosa como da jurisdio voluntria teriam a mesmadefinitividade, j que nenhum agente de outro Poder teria competncia para invalid-los ou rev-los.Ora, se a ltima palavra se reserva institucionalmente ao Poder Judicirio, isto se explica pelaprpria funo constitucional que lhe foi atribuda, qual seja a de resolver todas as crises queenvolvam leses ou ameaas a direito. Como tais crises eventualmente podem decorrer de atos deagentes do Poder Judicirio, quando tal ocorre, a ltima palavra de pacificao haver de serpronunciada pelo prprio Poder Judicirio. Mas nem se diga que s ao Poder Judicirio cabecontrolar atos dos outros Poderes, e que somente os atos dos rgos judicirios ficariam imunes aocontrole externo. Tambm no Legislativo e na Administrao h atos no suscetveis de controleexterno e sobre os quais ao prprio Poder Judicirio no permitido o reexame. Pense-se nos atosinterna corporis na atuao do Poder Legislativo, e no mrito do ato da Administrao Pblica,terrenos nos quais o Poder Judicirio abstm-se de intrometer.9. Concluses

    No cincia, mas simples capricho acadmico, o esforo desenvolvido para chegar a resultadoconceitual que no importa alterao alguma nos efeitos anteriormente detectados para osfenmenos analisados. Sendo impossvel identificar o objeto e os fins da tutela prestada por meio dachamada jurisdio voluntria com os da verdadeira jurisdio (isto , da jurisdio ditacontenciosa), no merece estmulo, a nosso ver, o movimento em prol da unificao do conceito dejurisdio, de modo a faz-lo compreender, indistintamente, a contenciosa e a voluntria.Se uma jurisdio necessria na ordem constitucional de separao dos poderes soberanos doEstado (a contenciosa) e outra no necessria para a funo tutelar atribuda justia de que opoder se acha institucionalmente encarregado (a voluntria), 74 como definir a jurisdio, nelainserindo papel meramente acidental, que tanto pode ser desempenhado por rgo judicial como porrgo administrativo?

    Se funcional e objetivamente as atividades desempenhadas no mbito da jurisdio voluntria noso necessrias ao cumprimento das atividades fundamentalmente reservadas ao Poder Judicirio,e no so iguais s necessrias, isto , as que correspondem jurisdio contenciosa, impossvelatribuir a ambas uma s e mesma natureza. Ademais, que proveito prtico, ou mesmo terico, sepode esperar da absoro da jurisdio voluntria pelo conceito nico de jurisdio, se, com talconceito, no se lograr homogeneidade para o procedimento, o objetivo e a eficcia das tutelasprestadas nas duas espcies de jurisdio? O esforo terico ter sido improdutivo e, por issomesmo, sem relevncia cientfica.

    A constatao inevitvel de que, pela prpria complexidade e diversidade das medidas que sepodem tomar sob o nomen iuris de jurisdio voluntria, sempre houve muita dificuldade degeneralizar aquilo que constituiria a sua substncia; e, consequentemente, confusa e incerta temsido a misso dos que se empenham a traar os seus limites. Muito mais seguro conceituar ajurisdio, segundo a funo necessria que a Constituio lhe destina, sem dvida ligada soluode conflitos (litgios), e deixar para a noo de jurisdio voluntria tudo aquilo que, sem a presenada contenciosidade, apenas acidentalmente atribudo aos rgos jurisdicionais, num planopredominantemente administrativo.

    No h como pensar, num universo de contedo to variado e complexo, que a atividade dajurisdio contenciosa e a da jurisdio voluntria sejam espcies de um s gnero, quando tudoconspira a evidenciar que se trata de dois gneros distintos de atividade. 75 A s coincidnciasubjetiva do rgo que as exerce no tem o poder de anular a diversidade essencial de objeto efinalidade.

    Em sntese, razo relevante no h para se afastar dos conceitos consagrados pela doutrinatradicional, segundo os quais:

    a) La funzione giurisdizionale si presenta quindi come attivit di risoluzione di confliti o controversie

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  • tra soggetti mediante lapplicazione in via giudiziale di norme sostanziali destinate a regulare lafattispecie controversa; 76 nessa funo necessria, englobam-se os provimentos dos processos deconhecimento e as medidas prticas de realizao de direito exercitveis no processo da execuo;77 a essa funo corresponde um complexo de atividades configuradoras das funzioni giurisdizionalicostituzionalmente necessarie (cio che il legislatore ordinario non pu non attribuire al giudice). 78Os juzes foram, fundamentalmente, institudos para exerccio daquilo que necessariamente aConstituio lhes confiou (e que outra coisa no que a soluo de situao conflituosa); atribuiesdiversas e ocasionais institudas pelo legislador ordinrio, portanto, no podem influir naconceituao da funo jurisdicional tpica;b) Funo qualificada como jurisdio voluntria aquela (a cargo do Judicirio) no necessriaconstitucionalmente, distinta da que corresponde a resoluo de situaes conflituosas, e que,portanto, il legislatore ordinario potrebbe legittimamente rimettere, nella sua discrezionalit, anche intoto ai potere privati o alla potest ammnistrativa; 79 sua existncia, pela prpria eventualidade comque ocorre, no tem relevncia para conceituao da funo essencial do Poder Judicirio.

    c) no h razo terica ou prtica para se afastar da tradicional conceituao firmada pela doutrina ejurisprudncia dominante no Brasil: A jurisdio voluntria distingue-se da contenciosa por algumascaractersticas, a saber: na voluntria no h ao, mas pedido; no h processo, mas apenasprocedimento; no h partes, mas interessados; no produz coisa julgada, nem h lide . 80 Najurisdio voluntria, como afirmado anteriormente, o magistrado se apresenta na condio derepresentante do Poder Judicirio, como verdadeiro administrador, levando-nos a concluir que afuno jurisdicional na espcie voluntria aproxima-se de outra funo estatal, como tal da executivaou administrativa. 81

    d) Logo, uma ltima e conclusiva ponderao se impe: ao invs de confundir as duas supostasespcies de jurisdio, forando-as a uma identidade funcional inexistente, de todo preferveltrat-las como entidades distintas, em forma e substncia, para bem realar a essncia de cada umadelas, e assim propiciar melhor compreenso e mais til avaliao das respectivas funes, tanto naordem tcnica como prtica.

    1 Lopes da Costa, Alfredo de Arajo. A administrao pblica e ordem jurdica privada (jurisdiovoluntria). Belo Horizonte: Bernardo Alvares, 1961.2 Marques, Jos Frederico. Ensaio sobre a jurisdio voluntria. So Paulo: Saraiva, 1959.3 Cintra, Antonio Carlos de Arajo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cndido Rangel. Teoriageral do processo. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007. n. 80, p. 169-170. Os autores, emborareconhecendo que o pensamento dominante na doutrina tradicional no atribui natureza jurisdicional atividade desenvolvida nos procedimentos de jurisdio dita voluntria, registram o surgimento nadoutrina de vozes que a inserem na mesma natureza da jurisdio contenciosa.4 Amaral Santos, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. 3. ed. So Paulo: MaxLimonad, 1962. vol. I, n. 53, p. 106-109: Enquanto a jurisdio contenciosa visa composio deconflitos de interesse, a voluntria versa sobre interesses no em conflito. No mesmo sentido:BARBI, Celso Agrcola. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5). 11. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002. vol. I, n. 3, p. 10, para quem a doutrina moderna predominante no Brasilreconhece que, do ponto de vista cientfico, somente jurisdio a chamada jurisdio contenciosa,pois a tradicionalmente denominada jurisdio voluntria no nem jurisdio, nem voluntria (p. 10)() os atos da jurisdio voluntria so de simples administrao () (n. 8, p. 12). Na mesma linha:Fux, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 43; MONTENEGROFILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 7. ed. So Paulo: Atlas, 2011. vol. I, p. 54.

    5 Para Chiovenda o que distingue a jurisdio da administrao que a primeira atua substituindo avontade alheia (isto , a vontade das partes) enquanto a ltima exerce uma atividade prpria impostadiretamente pela lei aos rgos pblicos. Em outros termos, o juiz age atuando a lei [lei destinada aser cumprida pelas partes]; administrao age em conformidade com a lei [lei que deve ser cumpridapelo prprio administrador]; o administrador considera-a como norma de sua prpria conduta [a lei

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  • aplicada pelo juiz regula a conduta alheia, ou seja, das partes]. E ainda: a administrao umaatividade primria ou originria; a jurisdio uma atividade secundria ou coordenada. Aadministrao tambm julga, mas julga sobre prpria atividade. Ao contrrio, a jurisdio julga daatividade alheia e duma vontade de lei concernente a outrem (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituiesde direito processual. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 1965. vol. II, n. 140, p. 12).6 Pacheco, Jos da Silva. Direito processual civil. So Paulo: Saraiva, 1976. vol. I, n. 10, p. 12.

    7 Marques, Jos Frederico. Instituies de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1958. vol.I, p. 10-11; COUTURE, Eduardo. Fundamentos del derecho procesal civile. Buenos Aires: Depalma,1951. p. 4.

    8 Chiovenda, Giuseppe. Op. cit., vol. II, n. 142, p. 16.

    9 Segundo o entendimento dominante, os casos de jurisdio voluntria no ensejam a utilizao doprocesso, que especfico da jurisdio contenciosa, mas de simples procedimento, ou expediente;na jurisdio voluntria no h partes, como na contenciosa, mas apenas interessados; a decisodefinitiva desses procedimentos no alcana a fora de coisa julgada material, que s pode ocorrernas sentenas de mrito proferidas em atividade de jurisdio contenciosa. Na jurisdio voluntriapredomina o princpio inquisitrio, enquanto na jurisdio contenciosa prevalece o princpiodispositivo. Alm dessas caractersticas diferenciais, a atividade da jurisdio voluntria tem naturezaconstitutiva e finalidade preventiva (BARBI, Celso Agrcola. Op. cit., vol. I, n. 9, p.13-14). No mesmosentido: MARQUES, Jos Frederico. Ensaio sobre a jurisdio voluntria cit., p. 229, 300; LOPES DACOSTA, Alfredo de Arajo. Op. cit., n. 56, 58, 115, p. 96, 98 e 149; PRATA, Edson. Jurisdiovoluntria. So Paulo: Leud, 1979. p. 101 e 205.

    10 Neves, Daniel Amorim Assumpo. Manual de direto processual civil. So Paulo: Mtodo, 2009.n. 1.7.2, p. 26.

    11 Onde h funo, pelo contrrio, no h autonomia da vontade, nem a liberdade em que seexpressa, nem a autodeterminao da finalidade a ser buscada, nem a procura de interessesprprios, pessoais. H adscrio a uma finalidade previamente estabelecida e, no caso de funopblica, h submisso da vontade ao escopo pr-traado na Constituio ou na lei e h o dever debem curar um interesse alheio () (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Curso de direitoadministrativo. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 1998. p. 57). Aquele que desempenha funo tem, narealidade, deveres-poderes. No poderes, simplesmente (). Fcil ver-se que a tnica reside naideia de dever, no na de poder (idem, p. 56).12 Theodoro Jnior, Humberto. Curso de direito processual civil. 52. ed. Rio de Janeiro: Forense,2011. vol. I, n. 34, p. 47.

    13 Oliveira, Carlos Alberto Alvaro de; Mitidiero, Daniel. Curso de processo civil. So Paulo: Atlas,2010. vol. I, p. 126.

    14 Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado da ao rescisria das sentenas e de outrasdecises. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266-267.

    15 Observa Chiovenda que um ato de administrao, conquanto, por sua natureza, diverso dojurisdicional, pode constituir objeto de jurisdio, quando se tenha de julgar se legtimo ouoportuno, e revog-lo ou confirm-lo. Desta forma, um ato de jurisdio voluntria, se impugnado,pode dar ensejo funo jurisdicional (Chiovenda, Giuseppe. Op. cit., vol. II, n. 142, p. 20).16 Quando se cogita da coisa julgada material, o que se tem em mira o ato jurisdicional queobjetivamente atua no acertamento da demanda, cujo objeto um direito material feito valer noprocesso. De tal modo, La sentenza, assistita dal giudicato sostanziale, ha quindi deciso in modoincontrovertibile e non pi disentibile, nel merito (A sentena, recoberta da coisa julgadasubstancial, a que decidiu de modo imutvel e no mais discutvel, no mrito). Ou seja: Ingenerale lefficacia che opera dando piena certezza ai rapporti giuridici quella che caratterizza ()le sentenze di mrito che decidono sulla domanda (COMOGLIO, Luigi Paolo; Ferri, Corrado; Taruffo,Michele. Lezioni sul processo civile. Bologna: Il Mulino, 1995. vol. I, p. 693). A sentena que se torna

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  • imutvel e indiscutvel pela exausto da via recursal, e que alcana autoridade da coisa julgadamaterial (art. 467 do CPC (LGL\1973\5)) , para nosso Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5), a queresolve o mrito da causa, julgando total ou parcialmente a lide, e assumindo fora de lei nos limitesda lide e das questes decididas (art. 468 do CPC (LGL\1973\5)).17 De fato, a caracterstica que exclusiva da jurisdio a aptido para a definitividade. S osatos jurisdicionais podem adquirir essa definitividade, que recebe o nome de coisa julgada, situaojurdica que estabiliza as relaes jurdicas de modo definitivo (DIDIER JR., Fredie. Curso de direitoprocessual civil. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. vol. I, p. 92).18 Fazzalari, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 8. ed. Padova: Cedam, 1996. p. 476; TheodoroJnior, Humberto. Curso de direito processual civil. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. vol. II, n,964, p. 484.

    19 O processo de execuo pode encerrar-se sem deciso alguma sobre questes de mrito emtorno dos direitos e obrigaes derivados da relao obrigacional documentada no ttulo executivoque lhe serviu de fundamento. No raro, contudo, debate sobre a inexistncia ou extino dodbito exequendo, com soluo dada ao longo do desenvolvimento do processo executivo, sem quese tenha instaurado um processo de cognio apartado para tanto. O STJ tem admitido resciso desentena que extingue a execuo por reconhecer a satisfao do crdito exequendo, o queconfiguraria deciso de contedo material (art. 794, I, do CPC (LGL\1973\5)) (STJ, REsp238.059/RN, 6. T., j. 21.03.2000, rel. Min. Fernando Gonalves, DJU 10.04.2000, p. 144; STJ, REsp147.735/SP, 6. T., j. 23.05.2000, rel. Min. Vicente Leal, DJU 12.06.2000, p. 139). A rescindibilidade,todavia, como adverte Yarshell, no se baseia na simples extino do processo, mas depende doobjeto do julgado e do grau de cognio com que a questo do pagamento ou da extino daobrigao se deu. Se no processo de execuo no houve cognio adequada e suficiente porque(i) a no foram deduzidas alegaes defensivas ou (ii) as alegaes a apresentadas exigiamcognio incompatvel com aquela possvel e adequada estrutura e fins desse processo, ento,realmente, no h que se cogitar de julgamento do mrito, e, nessa medida, descarta--se aocorrncia de coisa julgada material (YARSHELL, Flvio Luiz. Ao rescisria. So Paulo:Malheiros, 2005. p. 216-217). Quer isto dizer que a extino por pagamento ocorrido durante o cursodo processo no suficiente, por si s, para transformar em sentena de mrito a que apenas pefim execuo (art. 794, I, do CPC (LGL\1973\5)). Para que isto ocorra necessrio que sobre opagamento tenha havido controvrsia (questo) e que o juiz a tenha dirimido (sentena de mrito),proferindo, a sim, julgamento de mrito, capaz de produzir sentena passvel de resciso (art. 485do CPC (LGL\1973\5)).20 Oliveira, Carlos Alberto Alvaro de; Mitidiero, Daniel. Op. cit., vol. I, p. 123.

    21 A arbitragem no encarada como um equivalente jurisdicional. Entende-se que se trata deexerccio de jurisdio por autoridade no estatal. No equivalente jurisdicional porque jurisdio(DIDIER JR., Fredie. Op. cit., p. 93). A lei apenas reforou, ao empregar a expresso sentenaarbitral, a natureza jurisdicional da arbitragem, que j era perfeitamente intuda (CARMONA, CarlosAlberto. Arbitragem e processo. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2009. p. 338, nota 3).22 Didier Jr., Fredie. Op. cit., p. 83.

    23 Greco, Leonardo. Instituies de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. I, n. 3.1, p. 65.

    24 Oliveira, Carlos Alberto Alvaro de; Mitidiero, Daniel. Op. cit., vol. I, p. 130.

    25 Neves, Daniel Amorim Assumpo. Op. cit., n.1.1, p. 4. Para o autor a crise jurdica nem sempredecorre de um conflito de interesses (p. 3), pois pode derivar de opo do legislador decondicionar o efeito jurdico de determinadas relaes jurdicas, em razo de seu objeto e (ou deseus sujeitos), interveno do juiz (op. cit., n. 1.7.1.1, p. 23). Nessa linha de concepo, a crisejurdica compreenderia tanto o litgio como os atos privados que no podem ser praticadoseficazmente sem a participao integrativa do juiz.26 Dinamarco, Cndido Rangel. Instituies de direito processual civil. So Paulo: Malheiros, 2001.vol. I, n. 123, p. 316-317.

    Ainda a polmica sobre a distino entre a "jurisdiocontenciosa" e a "jurisdio voluntria" Espcies de ummesmo gnero ou entidades substancialmente distintas?

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  • 27 Idem, p. 316.

    28 SILVA, Jos Afonso da. Comentrio contextual Constituio. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 42.

    29 Idem, p. 43, com invocao de Maurice Duverger, Droit constitutionnel et institutions politiques, 4.ed., vol. I, p. 150 e ss.; German Jos Bidart Campos, Derecho poltico. 2. ed., p. 333 e ss.; JorgeXifras Heras. Curso de derecho constitucional, vol. II, p. 126 e ss.

    30 SILVA, Jos Afonso da. Op. cit., p. 44.

    31 Proto Pisani, Andrea. I diritti e le tutele. Bologna: Edizioni Scientifiche, 2008. p. 39.

    32 Chiovenda, Giuseppe. Instituies de direito processual civil. 3. ed. Trad. da 2. ed. italiana por J.Guimares Menegale. So Paulo: Saraiva, 1969. vol. I, n. 12, p. 46.

    33 Proto Pisani, Andrea. Op. cit.

    34 Aquilo que torna obrigatrio e exige uma demanda de jurisdio voluntria fruto de uma opopoltico-legislativa, como fica claramente demonstrado com a Lei 11.441/2007, que passou a permitiro inventrio, partilha, separao e divrcio pela via administrativa, desde que preenchidos osrequisitos da lei. Atualmente as partes podero optar por obter o inventrio, partilha, separao edivrcio perante o cartrio de registro civil das pessoas naturais [ rectius: cartrio de notas] ou oPoder Judicirio (NEVES, Daniel A