AIRRO ALTO EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA · 32 Avaliação das Condicionantes Naturais...

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32 Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa BAIRRO ALTO EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA A cidade de Lisboa, no início de quinhentos manifestava uma grande dinâmica, vivendo a aventura dos Descobrimentos consolidando-se como um novo centro de comércio que exercia um grande fascínio sobre toda a sorte de gentes. Atraídos por este novo comércio e novas relações, chegam à cidade nacionais e estrangeiros, num surto demográfico a custo contido pela muralha Fernandina, numa cidade eminentemente medieval no seu emaranhado de ruas estreitas, becos sem saída e dificuldades de saneamento. Lisboa inicia então, um acentuado crescimento em extensão territorial, permitida pela revogação do antigo ordenamento que impedia a construção fora das muralhas. Imposta a Baixa como centro urbano e o estuário como pólo dinamizador da vida mercantil, a cerca medieval perde a sua importância e as classes populares começam a deslocar-se no seu exterior. Nestes contextos, regista-se em Lisboa, na transição no séc. XV para o séc. XVI, “um fenómeno de desenvolvimento urbano do maior interesse: o primeiro anúncio duma cidade moderna – O Bairro Alto”. A urbanização deste bairro, pelos terrenos de vales e barrancos, montículos e colinas que abundavam, é iniciada primeiro junto ao rio, por gentes modestas ligadas aos trabalhos do mar, mas rapidamente sobe a encosta mais a Norte, privilegiada por boas exposições solares e comunicação ampla, onde se instala uma nova classe de burgueses ricos, de mercadores e de prestigiadas famílias fidalgas que aqui constróiem um grande número de palácios, conventos e igrejas. O Padre Baltazar Teles, no inicio do séc. XVII, dizia o Bairro ser “senão o mais frequentado, ao menos o mais gabado; o sítio o mais alto da cidade mais descoberto a Norte, mais lavado dos ventos, e mais purificado dos ares: e como as chuvas têm tanta corrente para o mar fica tudo mui limpo, e sadio e fora dos incómodos, que nas partes da cidade de padecem: as ruas são mui largas, e mui bem lançadas”. Para os habitantes de Lisboa, que a peste tinha dizimado, as vantagens do novo sitio de traço alargado e bem ventilado, em comparação com as empestadas e perigosas vizinhanças do antigo centro urbano, justificam o sucesso deste novo bairro. No entanto, no último quartel do Figura 35 – Posicionamento do Bairro Alto na cidade de Lisboa

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Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

BAIRRO ALTO

EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA

A cidade de Lisboa, no início de quinhentos manifestava uma grande dinâmica, vivendo a

aventura dos Descobrimentos consolidando-se como um novo centro de comércio que exercia

um grande fascínio sobre toda a sorte de gentes.

Atraídos por este novo comércio e novas relações, chegam à cidade nacionais e estrangeiros,

num surto demográfico a custo contido pela muralha Fernandina, numa cidade eminentemente

medieval no seu emaranhado de ruas estreitas, becos sem saída e dificuldades de saneamento.

Lisboa inicia então, um acentuado crescimento em extensão territorial, permitida pela

revogação do antigo ordenamento que impedia a construção fora das muralhas. Imposta a

Baixa como centro urbano e o estuário como pólo dinamizador da vida mercantil, a cerca

medieval perde a sua importância e as classes populares começam a deslocar-se no seu

exterior.

Nestes contextos, regista-se em Lisboa, na transição no séc. XV para o séc. XVI, “um

fenómeno de desenvolvimento urbano do maior interesse: o primeiro anúncio duma

cidade moderna – O Bairro Alto”.

A urbanização deste bairro, pelos terrenos de vales e barrancos, montículos e colinas que

abundavam, é iniciada primeiro junto ao rio, por gentes modestas ligadas aos trabalhos do mar,

mas rapidamente sobe a encosta mais a Norte, privilegiada por boas exposições solares e

comunicação ampla, onde se instala uma nova classe de burgueses ricos, de mercadores e de

prestigiadas famílias fidalgas que aqui constróiem um grande número de palácios, conventos e

igrejas.

O Padre Baltazar Teles, no inicio do séc. XVII, dizia o Bairro ser “senão o mais

frequentado, ao menos o mais gabado; o sítio o mais alto da cidade mais descoberto a

Norte, mais lavado dos ventos, e mais purificado dos ares: e como as chuvas têm

tanta corrente para o mar fica tudo mui limpo, e sadio e fora dos incómodos, que nas

partes da cidade de padecem: as ruas são mui largas, e mui bem lançadas”.

Para os habitantes de Lisboa, que a peste tinha dizimado, as vantagens do novo sitio de traço

alargado e bem ventilado, em comparação com as empestadas e perigosas vizinhanças do

antigo centro urbano, justificam o sucesso deste novo bairro. No entanto, no último quartel doFigura 35 – Posicionamento do Bairro Alto na cidade

de Lisboa

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Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Figura 36 – Evolução do Bairro Alto ao longo dos anos ( a azul encontra-se o limite da muralha Fernandina)

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Figura 37 – Vista de Lisboa na 2ª metade do século XVI inserida na obra de George Braunio

(Civitates Orbis Terrarum de 1593

Figura 38 – O Bairro Alto na planta de Lisboa de 1807

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séc. XIX, o Bairro Alto passava de lugar mais desafogado e gabado, como dizia Baltazar Teles, a

lugar de trama apertada – um verdadeiro labirinto de ruas estreitas e declivosas onde

a circulação viária e pedonal são reduzidas e conflituosas.

Em 1527 refere-se já a existência de 408 edifícios e 1600 habitantes e menciona-se a

existência de cinco ruas no sentido Norte-Sul e duas no sentido Nascente-Poente. Na

“Civitates Orbis Terrarum” de Braunio pode-se observar, com relativa nitidez, a coerência e

quase completa definição do novo bairro, estruturado segundo um traçado ortogonal que define

quarteirões, possuindo logradouros internos.

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA

O território onde se desenhou o Bairro Alto é delimitado a Este pela rua do Alecrim (limite

originalmente associado à muralha Fernandina) e constitui-se topograficamente como um

planalto terminado a Norte por um marcado acidente topográfico que o interrompe quase

verticalmente. Esse planalto desenvolve-se depois com um agradável declive para Sul que

confina com o estuário do Tejo.

Analisando a área abrangida pelo Bairro Alto, integrada numa encosta, verificamos que esta é

atravessada no sentido Norte-Sul por duas linhas de festo secundárias ramificadas da

cumeada principal. Esta cumeada distingue, as bacias que drenam para a Baixa Pombalina,

das que drenam directamente para o Tejo e para as imediações da Av. D. Carlos I.

O sistemas hidrológico comporta três linhas de água que escoam directamente para Tejo, e

desenvolvem-se nas redondezas da Rua do Alecrim, Rua da Bica Duarte Belo e Calçada, Rua

das Flores e Rua Poço dos Negros. A preservação destas linhas de água sob a forma de ruas

está intimamente associada à necessidade de manutenção do sistema de drenagem natural, e

que de forma prática foi integrado na malha ortogonal implantada.

Em relação às linhas de festo, podemos dizer que a Rua das Chagas e a Rua Marechal

Saldanha são as mais privilegiadas por panorâmicas de grande amplitude sobre o bairro, rio e

margem sul pois, além de estarem bem orientadas, coincidem sobre linhas de festo que,

por consequência, fazem com que estas ruas estejam colocadas sobre cotas elevadas.

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Figura 39 – (1) Planta do Bairro Alto; (2) R. Das Flores; (3) R. da Misericórdia; (4) Travessa Queimada

(2) (3) (4)

(1)

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Relativamente aos declives, verifica-se que, apesar de esta ser uma zona localizada numa

encosta onde dominam declives superiores a 8%, existem vastas áreas com declives nas

classes 16 – 25% e mesmo superiores a 25%. Foram sobretudo estes declives locais associados

à eventual instabilidade do solo que em tempos passados deram origem a deslocamentos de

grandes massas de terra ao longo da encosta nesta zona. Dos aluimentos de terras que

mais se destacam está o de 1597 que permitiu uma reconstrução num vale que deu

origem ao Bairro da Bica.

Distinguem-se então duas áreas antagónicas em termos dos declives locais: enquanto

que o núcleo primitivo da zona integra-se numa área regular de declives superiores a 8%, cujo

traçado ortogonal se adapta ao relevo local dispensando a introdução de escadarias e evitando

a compartimentação deste núcleo por muros de suporte e desníveis elevados, a zona anelar e

principalmente a zona a sul distribui-se por uma área irregular em termos de declives não

permitindo desta forma o ajustamento do traçado urbano ao local. Nesta malha urbana

destacam-se assim as ruas extremamente declivosas e extensas escadarias

implantadas de forma a vencer grandes diferenças de cotas.

O estudo das orientações do terreno considerou sinteticamente os quadrantes Norte, sul,

Este e Oeste, integrando-se no segundo as áreas planas de forma a simplificar a análise em

curso.

A partir desta análise podem determinar-se áreas semelhantes em termos de radiação

incidente, exposição e ventos dominantes e outros elementos que influem no conforto

ambiental. Constata-se que na zona em estudo domina o quadrante Sul, existindo ainda áreas

de dimensões significativas expostas a Nascente e Poente. As ruas definidas permitem uma

insolação geral, sendo reduzidas as áreas expostas à radiação solar. É de notar, no entanto,

que a densidade da malha urbana e a imposição de volumes elevados deturpa a apreciação dos

parâmetros descritos.

Em suma, podemos dizer que a sua área de implantação permite uma excelente

exposição solar – que sabiamente se explorou orientando o maior número de espaços

públicos no sentido Norte-Sul, garantindo-se pela sábia utilização dos declives

existentes a evacuação.

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Figura 40 – (1) Travessa dos Fiéis de Deus; (2) Calçada do Tejolo; (3) Cunhal das Bolas

(1) (2)

(3)

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RUA DO ALECRIM

CALÇADA DO COMBRO

R. DA BICA DUARTE BELO DO ALECRIM

R. POÇO DOS NEGROS

RUA DAS FLORES

Legenda

Linhas de Água

Linhas de Festo

Cartograma 11 – Linhas de água e de festo do Bairro Alto e Bica

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Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Cartograma 12 – Declives dominantes do Bairro Alto e Bica

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Legenda

> 25%

8-25%

5-8%

0-5%

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

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Cartograma 13 – Orientações dominantes do Bairro Alto e Bica

Legenda

Norte

Sul

Este

Oeste

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MOURARIA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA

O termo Mouraria designa hoje uma vasta área que se estende pela Colina do Castelo,

desde o Martim Moniz até à Graça, no entanto, inicialmente aplicava-se somente ao arrabalde

destinado por D. Afonso Henriques aos mouros vencidos aquando da tomada da cidade em

1147.

Esta zona, não abrangida pela Cerca Moura, foi-se desenvolvendo de forma espontânea a

partir de dois eixos viários existentes desde o tempo dos romanos: o primeiro circundaria o

monte do castelo e bifurcava pela Calçada de Sto. André e pela Rua das Olaria enquanto a

segunda seguia para Poente e para Norte pela Rua da Madalena, prosseguindo pela Rua da

Mouraria e do Benformoso.

A topografia acidentada provocou o desenvolvimento de um traçado sinuoso e irregular,

que tinha como traços gerais descer pela encosta até ao vale de água outrora aí existente

(antiga ribeira que corresponde à actual Av. Almirante Reis).

Embora a Mouraria tenha uma localização central relativamente à cidade esta sempre foi

desprezada enquanto pólo urbano. Assim, quando em 1375 se edifica a Cerca Fernandina, a

Mouraria não é englobada pela mesma.

O terramoto de 1755 não veio a provocar grandes destruições no bairro e é assim que chega

aos nossos dias a malha urbana medieval em que surgem características das cidades árabes,

ou seja, uma malha apertada em que as parcelas de reduzidas dimensões são inteiramente

ocupadas com edificações ou logradouros; as ruas, becos e escadas são sempre muitos

estreitos e definem uma rede complexa; os largos são de pequenas dimensões e resultam de

acções acidentais (demolição de um exercício ou desacerto entre ruas).

Associado à marginalidade a que a Mouraria foi vetada e às más características

fisiográficas que a zona apresenta, como sejam as más exposições solares (encostas

voltadas a norte), as encostas expostas aos ventos frios de norte (as “nortadas”) e os

acentuados declives que o terreno apresenta, a área nunca foi apetecível para as classes

mais ricas em termos sociais e económicos, facto que pode ajudar a explicar a degradação a

que está hoje sujeito o parque habitacional e ao consequente abandono progressivo dos

proprietários.Figura 42 – Beco Imaginário

Figura 41 – Encosta poente da mouraria

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA

No limite ocidental da Mouraria surge uma linha de água coincidente com a Av. Almirante

Reis, da qual se pode dizer que é a base do sistema hidrográfico local pois directamente ou

indirectamente as restantes linhas de água drenam para ela.

Dessas linhas de menor importância podemos destacar a que se inicia no Largo Rodrigues de

Freitas e que desce pela Calçada de Santo André e pela Rua Capelão até ao Martim Moniz. Todo

este sistema fluí para a Bacia do Tejo atravessando ainda a Baixa Pombalina.

O facto das linhas de água coincidirem com ruas não é inocente e está associado à

necessidade de manutenção do sistema de drenagem natural que deriva da crescente

impermeabilização do solo, ao longo dos séculos, por alterações a nível geológico. Deste modo,

previnem-se problemas de escoamento e no passado constituiu um promotor de salubridade

pública. Assim sendo, admite-se como áreas de potencial risco de inundação as zonas planas

próximas da linha de água da Av. Almirante Reis.

A zona é envolvida por linhas de cumeada relacionadas com as colinas locais,

principalmente a do Castelo. A orientação das encostas e a distribuição permitem panorâmicas

a Norte, Sul e Poente como se pode apreciar no Miradouro da Graça.

Em termos de exposições solares verifica-se a existência de três zonas de características

bem distintas:

- Uma pequena parcela de encostas expostas a Sul onde existe maior quantidade de radiação

solar e portanto mais confortável do ponto de vista térmico;

- Uma zona predominante, de encostas expostas a Oeste caracterizadas por receberem

elevada quantidade de radiação, aprazível em termos térmicos;

- Algumas áreas de encostas expostas a Norte, pouco agradáveis em termos de conforto

térmico devido à baixa incidência de radiação solar.

Esta variação na quantidade de radiação incidente traduziu-se em diferentes tipos de

ocupação urbana. Assim as áreas expostas a Norte apresentam uma menor densidade de

ocupação, onde surgem armazéns retalhistas e oficinas, que as expostas a Sul e a Poente.

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Figura 43 – Encosta da Mouraria exposta a Norte

Figura 44 – Calçada de Sto. André

Figura 45 – Planta da Mouraria

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Em relação aos declives, a Mouraria integra-se numa encosta declivosa, logo não é de

estranhar que dominem os declives superiores a 8% ainda que existem vastas áreas de declives

superiores a 25%. Apenas na base da encosta, pela proximidade da linha de água da Av.

Almirante Reis, é que surgem áreas praticamente planas (declives inferiores a 5%).

Estes grandes declives traduzem-se em problemas de circulação e acessos e

conduziram a que na implementação da malha urbana se tomassem medidas para suavizar as

inclinações sendo isto constatável pelo tipo de construção, pela existência de escadas, muros de

suporte e pela disposição das ruas (oblíquas às curvas de nível).

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Figura 46 – Rua declivosa Figura 47 – Escadinha do Marquês de Ponte de Lima

Figura 48 – Mouraria

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Legenda

Linhas de Água

Linhas de Festo

Cartograma 14 – Linhas de água e de festo da Mouraria

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

CALÇADA DE SANTO ANDRÉ

AV. ALMIRANTE REIS

R. CAPELÃO

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Cartograma 15 – Declives dominantes da Mouraria

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Legenda

> 25%

8-25%

5-8%

0-5%

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Cartograma 16 – Orientações dominantes da Mouraria

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Legenda

Norte

Sul

Este

Oeste

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ALFAMA E COLINA DO CASTELO

EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA

O casco da Colina do Castelo é o mais antigo e porventura o mais rico de Lisboa.

Além de ser o berço da povoação, que viria a dar origem à cidade, os seus limites coincidiram

sensivelmente com os de Lisboa até quase ao final da primeira dinastia.

Deixando de parte a encosta norte da colina – a Mouraria – objecto de análise específica no

plano de urbanização a ela relativo, há a distinguir cinco núcleos: o Castelo, Alfama, a

Encosta da Sé, a Frente Ribeirinha e a franja do núcleo de S. Vicente que se entrecruza

com os limites da colina.

A Colina do Castelo fora de entre as colinas que ladeiam as margens do rio Tejo a preferida

para as primeiras fixações humanas que viriam a dar origem à cidade de Lisboa.

Desenhava-se já, ao longo da encosta sudoeste da colina, o arrabalde de Alfama.

Fortemente marcada pela sua situação geográfica, hidrográfica e topográfica, Alfama usufruía

de águas abundantes e da dupla proximidade do rio e da cidade – estabelecendo uma ponte

privilegiada entre esta e o seu termo, entre o núcleo urbano e a sua envolvente rural.

A Lisboa pós-reconquista e novamente cristã, manteria, ainda por alguns séculos, o perímetro

muralhado referido. A deslocação do pólo comercial de Lisboa para a zona ribeirinha acentuou-

se com o período das Descobertas acarretando a transferência de alguns dos núcleos vitais da

cidade para as franjas da colina. Outros rossios estendiam-se pelo aterro da margem até

Alfama, pontuados pelos chafarizes abastecedores de água à cidade.

O terramoto de 1755 teve efeitos desastrosos na maioria dos edifícios de

arquitectura notável da Colina do castelo.

O empirismo e o tradicionalismo de que Alfama se revestiu a reconstrução pós-terramoto

permitiram a subsistência da malha urbana medieval, particularmente marcada pela herança

árabo-mediterrânica – conjunto de características que conferem a Alfama uma fisionomia muito

própria no seio da colina. O traçado viário – íngreme, tortuoso e, em certos pontos,

quase labiríntico – organiza-se em becos e ruas exíguas, ligadas por numerosos arcos,

escadinhas e cotovelos. Consiste num tecido urbano que se desenvolve de forma orgânica,

em alvéolos.

Figura 49 – Largo do Peneireiro

Figura 50 – Vista de Alfama

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

O castelo que hoje lá podemos ver é fruto de uma vasta operação de “reconstituição”

histórica pensada no contexto a Exposição do mundo português (1940).

Em Alfama, ainda é possível ver vestígios das ocupações Romana e Árabe, duas das

civilizações mais dominantes no passado de Lisboa. As ruas estreitas, resultado da cultura

Muçulmana, guiam-se por leis individualistas em que os espaços públicos não são importantes.

Estas ruas são uma marca do Corão, onde pouco valor é dado às fachadas em detrimento do

interior das casas, que é muito mais valorizado.

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA

A vertente onde se localiza a área em estudo é limitada a Norte por uma linha de festo

principal, paralela ao Rio Tejo, que divide duas hemibacias: uma que drena directamente para

o Tejo e outra que orienta as águas para a antiga ribeira coincidente com a Av. Almirante de

Reis e Martim Moniz.

A área em estudo é favorecida em termos de conforto climático tanto pela exposição solar

dominante a Sul-Sudeste como pela presença da linha de festo a Norte que protege a encosta

Sul de ventos dominantes de quadrante Norte e que permite aproveitar as brisas de quadrante

Sul em períodos estivais.

Do festo principal derivam linhas secundárias que definiam hemibacias de reduzidas

dimensões que drenavam directamente para o Tejo.

Relativamente aos declives da área em estudo integra-se numa encosta declivosa em que

dominam declives superiores a 8%, verificando-se a existência de uma área significativa com

declives superiores a 25%, por vezes pouco perceptível no local pela implantação dos edifícios e

adaptação do terreno às necessidades humanas.

Em termos de exposições solares constata-se que a área analisada é dominada por

encostas expostas a Sul e a Nascente, exceptuando-se as mediações de S. Vicente e a

vertente voltada para a Baixa Pombalina, onde predominam as exposições a Poente e a Norte.

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Figura 51 – Declive acentuado da rua Regueira

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

No entanto, há que fazer notar que a densa ocupação urbana impede a análise exacta

deste parâmetro pois altera a nível de solo, a incidência da radiação por ensombramento,

reflexão de superfícies, entre outros. Deste modo apenas podemos inferir alguns motivos que

presidiram ao tipo de ocupação estabelecida no local e na definição de intervenções que

permitiam adaptar o clima local à ocupação humana.

A solução imposta pelo relevo levou a que a urbanização se desenvolvesse

sensivelmente ao longo das curvas de nível, dando origem a uma paisagem ímpar e

espontânea, valorizada pela diversidade e harmonia que ainda preserva.

Esta intervenção secular atendeu à correcção dos declives pela construção de edifícios e

muros de suporte. Como solução compreendeu ainda a construção de rampas pouco

declivosas interligadas por escadarias.

E sta solução prática em termos de ocupação de uma encosta declivosa permitiu a redução da

incidência solar pela projecção da sombra dos edifícios.

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Figura 52 – Travessa de S. Tomé

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Cartograma 17 – Linhas de água e de festo de

Alfama e Colina do Castelo

Legenda

Linhas de Água

Linhas de Festo

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Legenda

> 25%

10-25%

5-10%

0-5%

Cartograma 18 – Declives Dominantes

de Alfama e Colina do castelo

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Cartograma 19 – Orientações dominantes de Alfama e Colina do Castelo

Norte

Nordeste

Este

Sudeste

Sul

Sudoeste

Oeste

Noroeste

Áreas Planas

Legenda

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GRAÇA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA CIDADE DE LISBOA

A Graça, como freguesia, foi formada já muito depois do terramoto de 1755, com a

integração das extintas freguesias de Santo André e Santa Marinha, só tendo adquirindo

identidade própria já no século XIX. Foi neste período pós terramoto que foi reconstruído o

Mosteiro, fundado em 1271 e que se ergue por detrás do miradouro da Graça.

Algumas residências apalaçadas e casas burguesas marcam o cenário, que tem a igreja e o

convento de Santo André e Santa Marinha, com a sua Torre do Relógio, como referência

principal de um bairro outrora aristocrático.

O terramoto de 1755 teve efeitos desastrosos na maioria dos edifícios de

arquitectura notável da Colina do castelo.

CARACTERIZAÇÃO FÍSICA

Em traços gerais constata-se que na extensão das duas principais ruas da Graça, Rua da

Graça e Rua Senhora da Glória, se desenvolve uma linha de cumeada que não é mais que

uma pequena ramificação da rede hidrográfica da cidade. Daí resulta que estejamos perante

uma zona de altitude relativamente elevada, o que permite obter uma excelente

panorâmica sobre os telhados lisboetas, assim como uma visão privilegiada do castelo e do

rio.

Não se registam importantes linhas de água nesta zona, o que seria em parte de

esperar devido à topografia do local.

Em relação à distribuição das exposições solares na extensão da zona da Graça, torna-se

evidente que existem duas grandes zonas bem distintas:

- A primeira, mais a Sul trata-se de uma área privilegiada neste aspecto na qual podemos

distinguir três parcelas que, de Norte para Sul, se encontram expostas a Este, Sudeste e Sul,

sendo esta última, a que mais beneficia desta situação, delimitando inferiormente a zona.

Figura 53 – Largo da Graça

Figura 54 – R. Sta. Marinha

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Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

É então fácil de concluir que se tratará de uma área onde existe um elevado nível de radiação

solar donde resultam ganhos térmicos consideráveis, tal como uma boa iluminação.

- A segunda, delimitando a Norte a zona em análise, encontra-se numa vasta área com

exposição solar Nordeste e mesmo Norte onde o conforto térmico é claramente reduzido, o

que não se traduz, no entanto, numa menor área de habitação.

Em relação aos declives, a Graça encontra-se inserida numa superfície onde predominam

declives entre os 4 e os 12%, surgindo nalgumas zonas mais centrais uma inclinação mais

acentuada, onde os declives ultrapassam este intervalo de valores, não ultrapassando os 25%.

Devido a esta gama de declives toda a malha urbana é afectada, resultando dai ruas

muito inclinadas.

No que diz respeito às altitudes, a Graça apresenta uma pequena área de maior elevação,

que se situa entre os 80 e 100 metros e onde se situa o miradouro da Graça, estando toda a

restante zona incluída numa vasta área cuja altitude percorre um intervalo que vai de 50 a

80m.

Figura 55 – Calçada da Graça

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

Cartograma 20 – Declives dominantes Graça

54

> 25%

8-25%

Legenda

[0,4]

]4,12]

]12,25]

>25

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Cartograma 21 – Orientações dominantes da Graça

Norte

Nordeste

Este

Sudeste

Sul

Sudoeste

Oeste

Noroeste

Áreas Planas

Legenda

CONCLUSÃO

Localizada na margem direita do estuário do Tejo, virada sobre a frente atlântica da

Península Ibérica, no extremo ocidental da Europa, sensivelmente a meio da costa litoral

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

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ANEXOS

Avaliação das Condicionantes Naturais na Ocupação Urbana – Cidade Lisboa

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BIBLIOGRAFIA

Livros:

A Baixa Pombalina e a sua importância para o património Mundial – Comunicações das jornadas

de 9-10 de Outubro de 2003;

Edição – Câmara Municipal de Lisboa – Licenciamento Urbanístico e Reabilitação Urbana;

Atlas de Lisboa, A cidade no espaço e no tempo, contexto 1993;

Lisboa em Mapas, Edição Câmara Municipal de Lisboa;

Plano de Urbanização do núcleo histórico do Bairro Alto e Bica et al.;

Plano de Urbanização do núcleo histórico da Mouraria et al.;

Plano de Urbanização do núcleo histórico de Alfama e Colina do Castelo et al.;

França, José Augusto (1997) – Lisboa: Urbanismo e Arquitectura. Instituto da Cultura e Língua

Portuguesa – Colecção Biblioteca Breve, 3ª. Edição, Lisboa;

Sites:

http://www.wikipedia.org/

http://www.cm-lisboa.pt/

http://www.epal.pt/

Imagens:

http://www.google.pt/

http://www.wikipedia.org/

http://www.inlisboa.com/index.html

Fotografias tiradas “in situ”

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