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    AJUSTE FISCAL E EFEITOS MACROECONMICOS

    TEMA: AJUSTE FISCAL E DVIDA PBLICA

    SUBTEMA: AJUSTE FISCAL E EQUILBRIO MACROECONMICO

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    N D I C E

    1.

    Introduo......................................................................................................................

    3

    2. Resenha

    Terica............................................................................................................

    7

    2.1. Dinmica e critrios de solvncia da dvida pblica.............................................. 7

    2.2. Teoria sobre ajustes fiscais recessivos ou expansionistas..................................... 17

    2.2.1. Lado da

    demanda.......................................................................................

    18

    2.2.2. Lado daoferta.............................................................................................

    21

    2.2.3. A composio do ajuste

    fiscal.....................................................................

    23

    3. Roteiro

    Metodolgico......................................................................................................

    26

    3.1. Estimando a discricionaridade do resultado fiscal................................................. 26

    3.2. Classificando as polticas de ajuste

    fiscal..............................................................

    31

    4. Investigao

    Emprica....................................................................................................

    35

    4.1. Estimativa do impulso

    fiscal.................................................................................

    35

    4.1.1. A poltica fiscal em

    retrospectiva.................................................................

    35

    4.1.2. Anlise

    economtrica..................................................................................

    38

    4.1.3. Resultados dos testes de raiz

    unitria.........................................................

    44

    4.1.4. Resultado fiscal estrutural e impulso fiscal.................................................. 47

    4.2. Identificao e avaliao dos ajustamentos fiscais brasileiros........................ ....... 50

    5.

    Concluses....................................................................................................................

    .

    55

    Bibliografia.....................................................................................................................

    59

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    3

    ....

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    1. Introduo

    A economia mundial experimentou nos ltimos anos um aprofundamento

    no processo de liberalizao e integrao dos mercados nacionais ao exterior, o

    que produziu significativas transformaes nas mais diversas esferas da

    sociedade. No tocante administrao das polticas econmicas, a volatilidade

    dos fluxos de capital reforou a necessidade do setor pblico contribuir para a

    estabilidade macroeconmica implementando polticas fiscal e monetriasustentveis a longo prazo.

    A respeito das polticas fiscal e monetria, um influente argumento

    desenvolvido por Sargent e Wallace (1982) recomenda a coordenao dessas

    polticas. Na sua ausncia, as conseqncias podem ser resumidas em maior

    inflao ou no crescimento insustentvel da dvida pblica. Os resultados revelam

    a importncia de uma poltica fiscal equilibrada, constituindo-se numa condio

    necessria, embora no suficiente, para o equilbrio macroeconmico1.

    Em relao poltica fiscal, o conceito de sustentabilidade est

    associado capacidade do governo em quitar sua dvida mediante a gerao de

    supervits primrios, podendo ainda contar com receitas moderadas de

    senhoriagem, conforme discutido em Buiter e Patel (1992). Embora a condio

    analtica de sustentabilidade seja pouco rigorosa quanto ao timingda realizao

    de supervits primrios, a incerteza sobre a disposio do governo em honrar

    suas obrigaes torna invivel a implementao de polticas fiscais

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    expansionistas por longos perodos, deixando a economia vulnervel a choques

    externos. Dessa forma, freqentemente os pases se vem compelidos a

    reverterem seu expansionismo fiscal, especialmente aqueles em

    desenvolvimento dependentes do capital externo.

    Embora o reconhecimento da importncia do equilbrio fiscal para a

    estabilidade econmica ao menos a longo prazo seja consensual pelas

    principais correntes do pensamento econmico, o debate est longe de ser

    esgotado em relao a alguns tpicos. Um deles o efeito imediato de um

    programa de ajuste fiscal sobre o ambiente macroeconmico, expresso pelas

    principais variveis do sistema, como o produto interno, o nvel de emprego, a

    taxa de cmbio etc.

    Um ajuste fiscal pode ser compreendido como um conjunto de medidas

    destinadas a reconduzir as finanas pblicas a uma trajetria de solvncia

    intertemporal. Essa conceituao de cunho puramente quantitativo, por se

    basear no valor do supervit fiscal necessrio para o cumprimento das condies

    de equilbrio de longo prazo. Entendido dessa forma, o aspecto econmico de um

    programa de ajustamento se resumiria na estimao do valor esforo fiscal

    requerido, dadas as projees das variveis econmicas relevantes nessa tarefa.

    Entretanto, estaremos argumentando nesse trabalho que os aspectos qualitativos

    do programa no podem ser subestimados.

    Na busca da solvncia intertemporal, um plano de ajuste fiscal pode ser

    conduzido tanto pelo aumento das receitas como pela reduo das despesas

    1Maiores detalhes podem ser pesquisados em Pastore (1995), o qual contm ainda uma anlisesobre o regime monetrio brasileiro no perodo 1991-94.

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    pblicas, ou ainda o que mais comum por uma combinao dessas

    medidas. Alm disso, receitas e despesas possuem subgrupos de rubricas com

    caractersticas econmicas distintas entre si, as quais podem produzir efeitos

    macroeconmicos consideravelmente diversos para um mesmo nvel de

    poupana pblica.

    Para a teoria keynesiana tradicional, uma contrao fiscal recessiva,

    principalmente se predominar o corte de despesas. Este resultado decorrente

    do efeito multiplicador do corte das mesmas sobre a demanda agregada,

    normalmente obtido num modelo com viscosidade de preos e salrios. No

    entanto, a introduo de componentes expectacionais permite extrair concluses

    em vrias direes.

    No campo neoclssico, so enfatizados os efeitos que a gerao de

    poupana pblica provoca sobre a oferta de trabalho. Por essa tica, mais

    importante que a magnitude do ajuste fiscal a sua composio, sendo que

    programas apoiados no aumento da tributao especialmente sobre a renda

    do trabalho tendem a reduzir a oferta de trabalho e serem recessivos, ao passo

    que cortes de despesas pblicas podem produzir efeito expansionista.

    Numa tentativa pioneira de sistematizar a avaliao emprica dos

    impactos desses ajustes sobre o sistema econmico, Alesina e Perotti (1997a)

    prope uma metodologia baseada nos seguintes passos. Primeiro, calcular o

    resultado primrio ciclicamente ajustado, o que permitir avaliar isoladamente a

    magnitude do impulso fiscal. A tcnica empregada nesse trabalho foi inspirada

    em Blanchard (1990b), a qual representa um avano conceitual quando

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    comparada a outras medidas elaboradas para avaliar o componente estrutural do

    dficit pblico.

    O segundo passo consiste em definir uma tentativa de ajustamento fiscal a

    partir da estipulao de um supervit primrio mnimo, ajustado pelo efeito do

    ciclo de negcios, conforme tratado na etapa anterior. Terceiro passo, definir o

    sucesso da tentativa de ajustamento de acordo com a manuteno do supervit

    primrio (ou da dvida pblica) aps o perodo da implementao do programa. A

    quarta e ltima etapa consiste na avaliao da influncia dos ajustes fiscais

    encontrados pela definio adotada sobre as variveis macroeconmicas

    selecionadas, como o PIB e a taxa de desemprego.

    O objetivo desta monografia estudar a experincia brasileira no perodo

    que se estende de 1991 ao segundo trimestre de 2002, utilizando como

    referencial metodolgico o paper de Alesina e Perotti. So feitos diversos

    ajustamentos para adequar a metodologia de investigao emprica economia

    brasileira no perodo analisado. Os resultados permitiro avaliar criticamente a

    eficcia das estratgias de ajustamento implementadas nesse perodo, traando

    um paralelo com a experincia internacional.

    O trabalho est estruturado da seguinte forma: no segundo captulo

    apresentada uma resenha terica sobre os critrios para sustentabilidade da

    poltica fiscal, assim como os efeitos macroeconmicos de ajustes fiscais; o

    terceiro discute o roteiro metodolgico empregado, explicitando as adaptaes

    requeridas para a economia brasileira; o quarto captulo apresenta o processo de

    investigao economtrica, bem como seus resultados; finalmente, o quinto

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    resume as concluses do trabalho.

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    2. Resenha Terica

    Neste captulo analisado inicialmente os critrios para solvncia da

    dvida pblica, utilizando a modelagem empregada em Buiter e Patel (1992). Esta

    apresentao se faz necessria para identificar os indicadores relevantes na

    avaliao da sustentabilidade da poltica fiscal. Em seguida, so analisados

    diversos estudos tericos a respeito da influncia da poltica de ajustes fiscais

    sobre o quadro macroeconmico.

    2.1. Dinmica e critrios de solvncia da dvida pblica

    A anlise da sustentabilidade intertemporal da dvida pblica pode ser

    feita sob diversas formas, dependendo das variveis econmicas e fiscais

    consideradas. Apresentamos a seguir a modelagem utilizada em Buiter e Patel

    (1992), acompanhada de comentrios crticos bem como sobre as adaptaes

    dessa abordagem por outros autores. A anlise parte da restrio oramentria

    do governo, como a identidade (1) abaixo, expressa em termos nominais:

    ( )ttt

    t

    ttt

    t

    tt

    t

    tt TKP

    BBV

    P

    BB

    P

    MM++

    +

    +

    11

    *

    1

    *

    11

    ~~

    ( ) ( )t

    ttt

    tt

    t

    t

    t

    t

    t

    tttP

    FFVFB

    P

    Vi

    P

    BiAC

    *

    1

    *

    *

    1

    *

    1

    *

    1

    1

    1

    ~

    ++++ (1)

    onde:

    :M base monetria;

    :B dvida pblica denominada em moeda domstica;

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    :~*B dvida pblica denominada em moeda estrangeira;

    :*F reservas internacionais;

    :K capital do setor pblico avaliado pelo custo corrente de reproduo;

    :C despesa pblica com consumo;

    :A formao bruta de capital do setor pblico;

    :T receita corrente lquida;

    :i taxa de juros nominal interna;

    :*i taxa de juros nominal externa;

    :V taxa de cmbio;

    :P nvel de preos interno;

    : taxa de retorno do capital do setor pblico.

    A identidade (1) expressa do lado esquerdo as fontes de financiamento da

    despesa pblica, pela ordem: a senhoriagem, o endividamento interno e externo,

    as receitas corrente e de retorno do capital pblico. Do lado direito temos as

    aplicaes desses recursos, identificadas segundo as despesas primrias com

    consumo e investimento, o pagamento de juros sobre as dvidas interna e externa

    (neste caso, considera-se o fluxo de dispndios lquido da remunerao dos

    ativos externos) e a acumulao do estoque de reservas internacionais.

    Essa formulao abrangente o bastante para considerar quaisquer

    entidades do setor pblico, tanto as autoridades fiscais a nvel federal e local,

    quanto a autoridade monetria, ao incluir a receita de senhoriagem2. Esse

    aspecto permite que as concluses sobre a solvncia da dvida pblica derivadas

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    dessa modelagem considere potenciais fontes de deteriorao (como os

    governos locais e as empresas estatais) e consolidao (senhoriagem) das

    finanas pblicas.

    A referncia aos governos locais como possveis fontes de deteriorao

    fiscal do setor pblico explica-se pelo fato de que a responsabilidade pelo

    equilbrio macroeconmico est a cargo do governo federal, de modo que

    eventuais desequilbrios financeiros crnicos dos governos subnacionais

    freqentemente so financiados pela autoridade central sob condies

    favorveis, via negociaes polticas. No tocante s empresas estatais, essas

    instituies costumam operar de forma deficitria, devido natureza no lucrativa

    das atividades que desenvolvem ou mesmo por ineficincia gerencial, de modo

    que periodicamente requerem aportes de capitais pelo controlador, afetando o

    estoque da dvida pblica. Dessa forma, a avaliao da solvncia fiscal deveria

    idealmente englobar todos os entes que compem o setor pblico, conforme

    contemplado na restrio oramentria supracitada.

    Quanto receita de senhoriagem, esta constitui-se numa no desprezvel

    fonte de financiamento para muitos pases, especialmente aqueles em

    desenvolvimento, a despeito dos potenciais efeitos inflacionrios. Rossi (1997: 4)

    cita estimativa de que a receita mdia de senhoriagem para os pases

    industrializados prximo de 1% do PIB, enquanto que para os pases em

    desenvolvimento essa taxa pouco inferior a 2,5%. No caso brasileiro, estudo

    economtrico de Pastore (1995) aponta que o aumento da emisso monetria

    2As variveis fiscais citadas, de natureza primria e financeira, possuem generalidade suficientepara abranger inclusive empresas estatais.

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    impediu que a dvida pblica assumisse at 1994 uma trajetria de

    insustentabilidade. Estes resultados novamente reforam a relevncia da

    abrangncia da restrio oramentria definida acima.

    Por outro lado, a escolha das variveis fiscais depender dos objetivos do

    pesquisador, isolando aquelas do interesse especfico da investigao. Exemplo

    disso pode ser encontrado em Ourives (2001), onde a restrio oramentria de

    Buiter e Patel redefinida de modo a incluir ajustes patrimoniais, como receitas

    de privatizao e o reconhecimento de passivos contingentes, eventos esses de

    grande importncia para a economia brasileira na dcada de 19903.

    Voltando anlise da demonstrao das condies de sustentabilidade

    da poltica fiscal, a identidade (1) pode ser expressa em proporo ao PIB, como

    segue:

    ( )

    ( )( )

    ( )( )( )( )11

    1

    *

    1*

    1

    11

    1

    1

    *

    11

    11

    11

    1

    ++

    +++

    +++

    +tt

    tt

    t

    tt

    t

    tttn

    ib

    n

    ibbb

    tt

    t

    t

    ttt kn

    ac

    +

    ++

    1

    1

    1

    1 (2)

    onde:

    1

    1

    1

    t

    tt

    tP

    PP , a taxa de inflao;

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    13

    1

    1

    1

    t

    tt

    tY

    YYn , a taxa de crescimento real da produo;

    1

    1

    1

    t

    tt

    t

    V

    VV , a taxa de variao cambial;

    tt

    tt

    tYP

    MM 1 , a senhoriagem em proporo ao produto; e

    Y o produto real.

    Para tornar a notao mais compacta, a dvida total (lado esquerdo da

    identidade) pode ser denominada apenas por d, o dficit primrio do setor

    pblico definido como 11 + tttttt kac , o dficit primrio na sua verso

    aumentadapor ( )( ) ( )[ ]11*11

    *

    1 1111

    ++++

    + tttt

    t

    tt rrn

    b , onde a taxa de

    depreciao cambial proporcional, r( *r ) a taxa de juros real interna (externa) e

    ( )( )

    11~

    + nnrr . Aps algumas substituies, a identidade (2) pode ser

    expressa na forma a seguir4:

    ( ) ttttt drd ++ 11~1 (3)

    Para obter a equao do valor presente da dvida, a expresso (3) acima

    resolvida recursivamente para frente, sendo tambm aplicado o operador de

    expectativas tE . Feito isto, obtm-se a seguinte equao:

    [ ]

    =++

    +

    ++++

    + ++=0

    1

    1

    11

    1

    limi

    it

    t

    it

    ti

    itit

    t

    it

    tt dq

    qE

    q

    qEd (4)

    3 Nesse estudo omitida a distino entre as receitas corrente e do retorno sobre o capitalpblico, bem como das despesas com consumo e investimento.

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    onde ( ) =+

    i

    j ji rq

    0

    1~1 o fator de desconto.

    Considerando uma economia eficiente dinamicamente e com horizonte de

    tempo infinito, para que haja solvncia intertemporal da dvida pblica a seguinte

    condio de transversalidade deve ser obedecida5:

    01

    lim 11

    +++

    itittt

    idqE

    q (5)

    Obedecida esta condio, a equao (4) reduz-se a

    [ ]

    =+++ +=

    0

    11

    i

    itttt SED (6)

    onde ttt dqD 1 o valor presente da dvida do perodo t trazida para o

    momento zero, ititit q +++++ 11 o valor presente do dficit primrio, e

    ititit qS +++++ 11 o valor presente da senhoriagem. Esta expressa indica que a

    solvncia intertemporal da dvida requer a equivalncia quantitativa entre dficits

    primrios e receitas de senhoriagem, ambos a valor presente.

    A condio (5) pode ser obedecida de duas formas, considerando a

    igualdade ou a desigualdade estritas, denominadas de solvncia fraca e

    supersolvncia, respectivamente. A condio de supersolvncia contempla o

    caso em que os agentes privados tornam-se devedores do governo medida

    que o tempo tende para o infinito. Por outro lado, a solvncia fraca assume

    4A poro aumentadado dficit primrio refere-se ao desvio entre a taxa de juros real interna eexterna, acrescida da depreciao real da taxa de cmbio. Entretanto, para efeito de estudosempricos, Buiter e Patel (1992) ignoram essa parcela.5 Uma economia considerada ineficiente dinamicamente se a taxa real de juros for sempreinferior ao crescimento do produto, tt nr < t .

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    apenas que a dvida descontada tD no pode ter uma tendncia estocstica ou

    determinstica (Buiter e Patel(1992: 187)). Mesmo se o estoque da dvida pblica

    em proporo ao produto for crescente, ainda possvel que seja atendida a

    condio de solvncia fraca, bastando apenas que a taxa de crescimento de td

    seja inferior a r~ (o excesso da taxa real de juros sobre o crescimento do

    produto). Neste caso, a pagamento dos juros da dvida pblica pode inclusive

    superar o prprio PIB, que a condio solvncia fraca ser atendida6. Buiter e

    Patel mencionam um critrio alternativo, denominado de solvncia prtica, o qual

    consiste em assumir que apenas td a dvida em proporo ao produto no

    descontada , ao invs de tD , no tenha uma tendncia determinstica ou

    estocstica positiva.

    As estatsticas oficiais do supervit oramentrio costumam ser

    elaboradas e divulgadas sob trs medidas, diferenciadas apenas pelo tratamento

    conferido ao pagamento dos juros da dvida pblica:

    i) o supervit nominal, que abrange todas necessidades de financiamento

    do setor pblico (NFSP), com sinal invertido:

    [ ] +++** B

    PVi

    PBiACKTNFSPNOM (7)

    ii) o supervit operacional, o qual elimina do resultado nominal o efeito da

    correo monetria dos juros da dvida:

    6

    Buiter e Patel (1992: 186) argumentam que esse resultado somente obtido pois foi ignorado ocusto econmico associado cobrana de tributos distorcivos, sendo pouco relevante na prticaa condio de solvncia fraca.

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    [ ] ( )

    ( )( )

    ( )( )( )( )

    ++++

    +

    +++

    ++ **

    111

    111

    11

    1B

    P

    V

    n

    i

    P

    B

    n

    iACKTOPER

    (8)

    iii) o supervit primrio, que desconsidera totalmente o pagamento de juros:

    [ ]ACKTPRIM ++ (9)

    Dado um governo com estoque positivo de dvida e uma economia

    eficiente dinamicamente, definida pela taxa de juros superando o crescimento da

    economia ( nr> ), podem ser deduzidos os seguintes resultados7:

    Nem pelo critrio fracoouprticode solvncia requerido que sejam obtidos

    supervits nominais em algum perodo t. Buiter e Patel reconhecem que pode

    ser desejvel ou mesmo timo algum supervit nominal, mas isto no uma

    condio necessria para o atendimento dos critrios de solvncia.

    Ignoradas as receitas de senhoriagem, o critrio prtico de solvncia requer

    que em algum supervit operacional seja obtido, mas no pelo critrio fraco.

    Se as receitas de senhoriagem forem positivas, esta restrio do critrio

    prtico pode ser abandonada.

    Ainda se for ignorada a senhoriagem, necessrio a ocorrncia de

    supervits primrios para que seja atendidas a condio de solvncia por

    ambos os critrios. A magnitude desse supervit deve ser pelo menos igual

    ao estoque da dvida, ambos a valor presente. No entanto, uma vez permitida

    a obteno de senhoriagem essa concluso deve ser revista.

    7 Rossi (1997: 14) apresenta uma demonstrao desses resultados para o caso do dficitoramentrio pelos conceitos nominal e primrio.

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    Esses resultados so bastante teis para efeito de conduo da poltica

    fiscal, pois indicam claramente a importncia da obteno de supervits

    oramentrios apenas pelos critrios primrio e operacional, e ainda

    eventualmente dficits primrios permanentes, conforme as hipteses a respeito

    da receita de senhoriagem. Tambm revelam que esses supervits no precisam

    ser obtidos sempre, mas somente que o montante acumulado a valor presente

    seja igual ao estoque da dvida.

    Embora estejam corretos do ponto de vista matemtico, esses resultados

    merecem uma qualificao quando utilizados para a formulao de polticas

    econmicas. Devido s incertezas oriundas quanto capacidade e/ou

    disposio temporria do governo em honrar suas obrigaes de devedor, para

    longos perodos de dficits primrios ou de supervits percebidos como

    insuficientes os agentes privados credores podem ficar refratrios ao

    financiamento da rolagem da dvida pblica. A insolvncia temporria, seja

    decorrente de uma crise de confiana dos credores ou por uma moratria

    unilateral, pode prejudicar o funcionamento eficiente do sistema econmico, mas

    ainda ser perfeitamente racional do ponto de vista da durao do ciclo poltico.

    Dessa forma, em determinadas ocasies as autoridades econmicas

    podem necessitar de uma reverso na sua poltica fiscal, implementando aes

    no curto prazo que estejam em sintonia com a trajetria de equilbrio de longo

    prazo. Uma possvel estratgia a ser seguida atender ao critrio de solvncia

    prtica, estabelecendo uma meta limite para a dvida em proporo ao PIB,

    permanentemente ou por um determinado perodo, conforme o ambiente poltico

    assim o permitir. Dado o estoque inicial da dvida e a projeo de parmetros

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    econmicos relevantes, a ao da autoridade fiscal consiste em definir e atingir

    uma meta de supervit primrio. A magnitude desse ajuste fiscal pode ser

    obtido partindo da identidade contbil (7) redefinida da seguinte forma8:

    PRIMJNFSP = (7)

    onde J equivale ao termo entre parntesis da identidade (7) e o supervit

    primrio, PRIM , prpria identidade (9).

    Definindo J simplesmente por BiJ .= , de modo a ignorar as diferenas

    de moeda em que esto referenciadas os estoques da dvida, e considerando

    que a necessidade de financiamento pode ser atendida por aumento do

    endividamento e pela senhoriagem, obtm-se aps alguns algebrismos a

    frmula do supervit oramentrio requerido para estabilizao da dvida:

    ( )( ) += y

    yidp1

    . (10)

    onde p supervit primrio requerido em proporo ao PIB, y a taxa de

    crescimento real do PIB e as demais variveis j foram definidas anteriormente.

    Basicamente, a frmula (10) indica que o supervit primrio acrescido da

    senhoriagem dever ser tanto maior quanto mais expressiva for a discrepncia

    entre a taxa de juros e a taxa de crescimento da economia, ponderada pela

    8A derivao do supervit primrio requerido para estabilizao da dvida pode ser realizada dediferentes formas, conforme as hipteses adotadas quanto aos aspectos relevantes para atrajetria de uma determinada economia, ou com as variveis que se deseja avaliar de maneiraisolada. A derivao aqui apresentada baseia-se em Giambiagi (1998), escolha essa feita pelasimplicidade e clareza com que os aspectos mais fundamentais do tema so tratados. Essaabordagem no contempla, dentre outras situaes importantes, a ocorrncia de ajustes

    patrimoniais, como o reconhecimento de passivos continges e recursos de privatizao. Contudo,a ampliao do modelo no afetaria a concluso bsica de exerccios como esse, que o supervit

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    proporo do estoque da dvida em relao ao PIB. Dado o estoque, a partir

    dessa expresso matemtica possvel elaborar diversas simulaes acerca da

    magnitude do ajuste fiscal requerido para a estabilizao da dvida, conforme as

    diferentes estimativas para trajetria da taxa de juros e do crescimento

    econmico.

    Uma vez estimado o montante do ajuste fiscal necessrio, a etapa

    seguinte consiste na definio das variveis oramentrias objeto da interveno.

    No af de implementar imediatamente o programa, freqentemente essa

    definio feita em observncia s restries legais e polticas. O objetivo da

    prxima seo justamente apresentar e discutir as consideraes da teoria

    econmica sobre os aspectos qualitativos da poltica fiscal.

    2.2. Teoria sobre ajustes fiscais recessivos ou expansionistas9

    Ajustes fiscais so necessariamente recessivos? Diferentes respostas

    podem ser obtidas para esta questo, a partir das concluses de modelos que

    assumem hipteses alternativas ao modelo keynesiano simples, caracterizado

    pela perspectiva temporal esttica e pela rigidez de preos e salrios. Esses

    estudos podem ser agrupados em duas grandes categorias, aqueles que

    focalizam o comportamento dos consumidores e investidores (lado da demanda)

    e os outros que analisam a oferta de trabalho (lado da oferta). So contemplados

    nesses estudos no apenas a magnitude da poupana pblica gerada, mas

    tambm a distribuio do esforo para gerao de supervits fiscais entre suas

    fontes: corte de despesas e aumento de receitas. A anlise do efeito

    primrio requerido uma funo direta do estoque da dvida e da taxa nominal de juros, e uma

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    macroeconmico vai alm da composio entre receita e despesa, mas engloba

    tambm as diferentes categorias econmicas que integram esses agregados.

    Esses resultados so resumidos a seguir.

    2.2.1. Lado da demanda

    Na anlise dos componentes da demanda agregada, a mudana mais

    importante nos modelos que apresentam resultados keynesianos a introduo

    conforme Bertola e Drazen (1993) da viso expectacional da poltica fiscal,

    eliminando o carter esttico desses modelos10. Os principais trabalhos nessa

    linha citados por Alesina e Perotti, que tratam da influncia da do ajuste fiscal

    sobre a demanda agregada, so discutidos abaixo:

    Efei to r iqueza sobre o consum o e o invest imento privado

    Se os cortes de despesa pblica forem percebidos como permanentes, aexpectativa pelos agentes de reduo da carga tributria futura pode gerar um

    efeito riqueza positivo j no perodo presente, ampliando o consumo privado

    e, por conseguinte, a demanda agregada. Segundo Blanchard (1990a),

    mesmo aumentos de receita podem elevar o consumo privado, pela reduo

    da poupana precaucional decorrente de uma correo da poltica fiscal

    considerada insustentvel11.

    funo inversa da senhoriagem e da taxa de crescimento do PIB .9A exposio a seguir est baseada na seo I de Alesina e Perotti (1997a).

    10 The key characteristic of the expectations viewof fiscal policy is that nonstandard effects of

    fiscal policy are explained by the role of current policy in shaping expectations of future policychanges. A policy innovation that would be contractionary in a static model may be expansionary

    if it induces sufficiently strong expectations of future policy changes in the opposite direction.Bertola e Drazen (1993), p. 12. 11Alesina e Perotti (1997a), p. 213.

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    Utilizando um modelo estocstico para mudanas de poltica, Bertola e

    Drazen (1993) concluem que para nveis baixos da despesa pblica, o efeito

    crowding-out apenas parcial, refletindo as expectativas dos agentes de que

    um corte de despesa e consequentemente do valor presente dos impostos

    cobrados est prximo12. No entanto, quando a despesa atinge um

    determinado valor crtico, gc, a ausncia de um corte de despesas pode

    sinalizar um descomprometimento com o equilbrio fiscal, provocando uma

    queda acentuada do consumo privado face expectativa de aumento

    acentuado da tributao futura. Por outro lado, se ao nvel de despesa gco

    ajuste fiscal ocorre, mediante intenso corte de despesa, o consumo privado

    dar um salto positivo, refletindo o corte esperado no valor presente dos

    impostos13.

    Giavazzi e Pagano (1996) argumentam que grandes cortes fiscais podem ter

    efeitos expansionistas por sinalizarem um ajuste fiscal decisivo e

    permanente, ao passo que um pequeno corte de despesa pode ser

    recessivo, pelas razes opostas.

    Sutherland (1995) desenvolve um modelo cujos resultados apresentam

    concluses tipicamente keynesianas (impulso fiscal expansionista) se a

    dvida pblica baixa, ao passo que o oposto ocorre se a dvida pblica

    considerada elevada. Por considerar agentes com vida finita, nveis de

    endividamento pblico considerados baixos sinalizam que eventuais dficits

    somente sero corrigidos num futuro longnquo, quando provavelmente esses

    12 Conforme enfatizado pelos autores, esse keynesiano obtido utilizando um modelo comestrutura neoclssica ao extremo. Bertola e Drazen (1993), p. 20.

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    agentes no estaro vivos, reduzindo o efeito crowding-out. Por outro lado,

    com altos patamares de dvida pblica, um eventual dficit aumenta a

    probabilidade de ajuste fiscal local logo, quando os agentes ainda estaro

    vivos.

    Alesina e Perotti (1997a) tambm argumentam que, alm do consumo, o

    investimento privado tambm pode ser afetado positivamente pelo ajuste

    fiscal, ao reduzir a taxa de juros e elevar o valor de mercado do patrimnio

    privado.

    Efei to credibi l idade sobre o consumo e invest imento privado

    O ajuste fiscal pode reduzir a taxa de juros pelo efeito credibilidade, ao

    diminuir o prmio de risco da inflao e de um eventual default. Alm de

    incentivar o investimento pela elevao do valor de mercado da riqueza

    privada, a queda da taxa de juros viabiliza a realizao de novos

    investimentos privados, bem como a compra de bens durveis. O efeito

    credibilidade particularmente importante para pases com elevada dvida

    pblica. Dentre os trabalhos que tratam desse efeito do ajuste fiscal so

    citados Miller, Skidelsky e Weller (1990) e Alesina, Prati e Tabellini (1990).

    Crtica

    As teorias baseadas na abordagem expectacional da poltica fiscal

    podem ser criticadas por serem passveis da obteno de qualquer resultado

    analiticamente, apenas pela adoo de hipteses convenientes acerca da

    percepo pelos agentes da poltica fiscal corrente. Mesmo reconhecendo a

    13Bertola e Drazen (1993), p. 20.

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    importncia das expectativas quanto a eventos futuros sobre as decises de

    investimento e consumo no perodo presente, vale reconhecer tambm que essas

    propriedades, prprias da equivalncia ricardiana, so prejudicadas pela

    existncia de restries de crdito sobre os agentes econmicos, as quais so

    particularmente importantes nos pases em desenvolvimento.

    2.2.2. Lado da oferta

    Para inferir o efeito de um ajuste fiscal sobre o nvel de atividade,

    necessrio contemplar tambm as variveis do lado da oferta. Alesina e Perotti

    conferem especial ateno oferta de trabalho, desenvolvendo a anlise em dois

    planos, ao nvel do trabalhador individual e no contexto de trabalhadores

    agrupados em sindicatos com diferentes nveis de centralizao. As concluses

    diferem pela intensidade dos efeitos, mas no pela sua direo.

    Efeito riqueza e efeito s ub stit uio sob re a ofer ta de tr abalh o

    Enquanto que do lado da demanda o efeito riqueza decorrente de um ajuste

    fiscal na forma de corte de despesas pblicas pode ter efeito expansionista,

    do lado da oferta ser recessivo. Esse resultado est assentado na hiptese

    que consumo e lazer sejam bens normais, uma vez que o indivduo se

    sentindo mais rico tende a consumir mais dos dois bens, reduzindo sua

    oferta de trabalho14. Considerando o efeito substituio, um aumento de

    impostos especialmente sobre a renda do trabalho provoca uma reduo

    da oferta de trabalho. Desta forma, um corte de despesa acompanhado de

    uma reduo dos impostos produzir incentivos no sentido contrrio: o efeito

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    riqueza desestimular a oferta de trabalho, enquanto o efeito substituio ter

    o efeito oposto. Alesina e Perotti (1997a) argumentam que se o corte de

    despesa for percebido como permanente o efeito riqueza ser predominante

    (impacto recessivo), caso contrrio o efeito substituio ir prevalecer

    (impacto expansionista). No entanto, os autores reconhecem que,

    empiricamente, a magnitude dos dois efeitos sobre a oferta de trabalho

    costuma ser pequena.

    Utilizando a abordagem de equilbrio geral da poltica fiscal, Baxter e King

    (1993) apresentam quatro concluses para a poltica de gastos pblicos: (i)

    mudanas permanentes na despesa financiada por tributos lump-sum

    apresentar multiplicador superior a 1 no longo prazo e, caso a oferta de mo-

    de-obra seja elstica, tambm no curto prazo; (ii) mudanas permanentes

    tero efeitos maiores sobre a produo do que quando apenas temporrias;

    (iii) a forma de financiamento da mudana nas despesas muito mais

    importante do que a sua prpria magnitude (os autores mencionam que um

    acrscimo na despesa financiado por imposto de renda provoca queda da

    produo); e (iv) os efeitos macroeconmicos das despesas pblicas so

    afetados pelo seu impacto sobre o produto marginal privado (se a formao

    de capital pblico afeta positivamente a produtividade dos fatores de

    produo privados, ento os investimentos pblicos podem produzir efeitos

    dramticos sobre a produo e o investimento privado)15.

    Estrutura do mercado d e trabalho

    14Barro (1981).

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    Alesina e Perotti (1997a)argumentam que embora o impacto do efeito renda

    e riqueza sobre a oferta de trabalho individual seja pequeno, o contrrio

    ocorre com a curva de oferta agregada, com mercado de trabalho

    sindicalizado. No caso de uma elevao no imposto sobre a renda do

    trabalho, os sindicados iro pressionar por uma elevao no salrio real, para

    compensar o efeito do aumento na tributao, produzindo impacto recessivo.

    Esse efeito tender a ser tanto mais forte quanto mais descentralizados forem

    os sindicatos, mas suficientemente fortes para repassar as perdas com a

    tributao. Quando os sindicatos so bastante centralizados, eles internalizam

    os incentivos fiscais do governo ao poderem pressionar por mais despesas

    com bens pblicos e transferncias de interesse dos seus associados.

    2.2.3. A composio do ajuste fiscal

    Alm da distino entre receita e despesa na anlise dos efeitos

    macroeconmicos das polticas de ajustamento fiscal, Alesina e Perotti

    argumentam que importante distinguir tambm o papel desempenhado pela

    escolha das diferentes rubricas das contas pblicas. Essa distino adicional

    relevante tambm para a percepo da permanncia do equilbrio fiscal. Os

    autores destacam trs razes para essa avaliao, a seguir:

    Expectat ivas: Embora determinadas categorias da despesa possuam menor

    rigidez a curto prazo, a reduo desses gastos nem sempre pode ser

    prorrogada indefinidamente, salvo na hiptese de mudanas estruturais na

    repartio de funes entre o setor pblico e privado. Nesse grupo se

    15Baxter e King (1993), p. 333. A esse respeito, estudo emprico de Ribeiro e Teixeira (2001),

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    enquadram os gastos com investimento em infra-estrutura. Por outro lado,

    certas rubricas da despesa pblica costumam ser bastante inflexveis,

    decorrente da abrangncia da cobertura do estado de bem-estar. A razo

    para essa relativa inflexibilidade que tais gastos costumam resultar de

    longos processos de negociao poltica, devidamente consolidados no

    aparato legal da sociedade. Integram esse grupo, dentre outras, as despesas

    com pessoal e transferncias previdencirias. Em virtude dessas diferenas,

    um corte de despesas de mesma magnitude realizado em diferentes

    categorias pode produzir diferentes perspectivas quanto permanncia do

    equilbrio fiscal e, consequentemente, nas decises de consumo e

    investimento dos agentes privados.

    Cred ib ilid ade poltica: Um ajustamento fiscal baseado em itens da despesa

    particularmente rgidos como pagamento de pessoal e programas sociais,

    pode sinalizar um srio compromisso com o equilbrio das contas pblicas,

    fomentando expectativas favorveis por parte dos agentes privados. Esse

    resultado, segundo os autores, possui maior probabilidade de se realizar

    quando associado a um ambiente poltico favorvel e coeso o suficiente para

    gerar credibilidade quanto sua viabilidade.

    Mercado de trabalho: Baseado nas experincias dos pases da OCDE

    relatadas por Lane e Perotti (1995), argumenta-se que cortes de vagas no

    servio pblico afetam positivamente lucratividade das firmas por dois canais,

    ao (i) reduzir o custo unitrio da mo-de-obra (em funo do deslocamento da

    para a economia brasileira no perodo 1956-96, encontra evidncias economtricas da importnciado investimento pblico para a realizao de investimento privado.

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    curva de oferta de trabalho) e (ii) depreciar a taxa de cmbio nos regimes

    flutuantes. Esse efeito macroeconmico positivo do corte de despesa pblica

    com a folha salarial decorreria da propenso a gastar com as demais

    categorias serem aproximadamente iguais no setor pblico e privado.

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    3. Roteiro Metodolgico

    As proposies tericas resenhadas no captulo anterior destacam a

    diferena que a escolha do formato de um programa de ajustamento fiscal pode

    proporcionar sobre as variveis macroeconmicas. A investigao emprica

    dessas proposies requer a observncia dos fundamentos econmicos

    pertinentes formao das sries estatsticas utilizadas, bem como a elaborao

    de conceitos e definies que permitam averiguar corretamente os efeitos das

    polticas fiscais alternativas.

    Um aspecto particularmente importante a utilizao de indicadores que

    reflitam a discricionaridade da poltica fiscal, eliminando dos indicadores padres

    aquela parcela decorrente da alterao no ambiente macroeconmico. Esse

    procedimento fundamenta-se na necessidade de averiguar a reao dos agentes

    econmicos ao esforo de gerao da poupana pblica, isento dos efeitos

    endgenos do ciclo de negcios.

    Alm da estimativa do resultado fiscal ajustado pelo ciclo de negcios,

    tambm faz-se necessria a definio do que vem a ser uma tentativa de ajuste

    fiscal. Esse conceito importante na avaliao da influncia da busca do

    equilbrio fiscal sobre as decises dos agentes econmicos.

    A seguir, esses aspectos so discutidos em maiores detalhes.

    3.1. Estimando a discricionaridade do resultado fiscal

    Na avaliao da poltica econmica, os analistas normalmente recorrem

    ao valor apurado do dficit pblico como indicador bsico da poltica fiscal

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    implementada. O clculo desse indicador, por sua vez, possui diversas

    metodologias alternativas, cujo propsito fornecer informaes

    complementares que reflitam os diversos aspectos da dependncia pelo governo

    da poupana privada.

    O principal indicador do dficit fiscal o de necessidade de

    financiamento, relacionado ao fluxo bruto de recursos para quitar o fluxo de

    obrigaes vincendas, tambm conhecido como dficit nominal. Existem ainda

    vrias outras medidas de dficits ponderados, os quais atribuem pesos

    diferentes s operaes fiscais, conforme a varivel macroeconmica

    considerada16. Dentre estas medidas, destacam-se os conceitos de dficit

    primrio e operacional, os quais atribuem peso zero ao pagamento total de juros

    (decorrente dos dficits passados) e parcela nominal dessa conta de juros

    (decorrente da reposio do valor principal da dvida pela inflao),

    respectivamente.

    Alm da taxa real de juros e da inflao, uma importante varivel

    macroeconmica a ser considerada o nvel de atividade, devido ao seu efeito

    na receita pblica assim como em categorias especficas da despesa. O dficit

    pblico afetado pelo ciclo econmico, de modo que o impacto de mudanas

    discricionrias de poltica depende da posio do ciclo econmico em que so

    implementadas17.

    A primeira estimativa do dficit neutro ao ciclo de negcios remonta a

    Brown (1956), a qual pelo seu carter pioneiro citada de forma recorrente

    16Blejer e Cheasty (1990), p. 11.

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    nos trabalhos que tratam desse assunto. Brown reestimou o dficit pblico norte-

    americano do incio do sculo passado supondo que a economia estivesse

    operando em pleno emprego, a partir de hipteses sobre a evoluo do PIB

    potencial. Devido ausncia de componentes cclicos, esta medida redefinida do

    dficit forneceria um indicador melhor da discricionaridade da poltica fiscal. O

    clculo do dficit por este critrio tambm conhecido por dficit estrutural.

    A natureza desse conceito pode ser descrito pela figura 1 abaixo,

    reproduzida de Leeuw et alli(1980). O eixo das abcissas indica o PIB efetivo emproporo ao PIB potencial, o qual crescente medida que se afasta da

    origem. O eixo das ordenadas, por sua vez, indica o resultado das contas

    pblicas, sendo um supervit (dficit) nos pontos situados acima (abaixo) da

    abcissa. Cada uma das duas retas inclinadas representam um nvel de esforo

    para gerao de supervit fiscal, variando o resultado fiscal efetivo conforme a

    posio da economia no ciclo de negcios. Assim, sua interseco com a reta

    vertical direita indica o supervit ao nvel de pleno emprego dos fatores de

    produo. Desta forma, percebe-se que poltica fiscal do primeiro ano foi mais

    restritiva que no segundo.

    Entretanto, considerando-se que no primeiro ano a economia tenhapassado por um perodo mais recessivo que no ano seguinte, pode ocorrer que

    no primeiro ano o governo tenha incorrido em dficit pelo critrio usual, ao

    contrrio da poltica fiscal realizada no perodo seguinte. Esse exerccio grfico

    serve para ilustrar a importncia do conceito de PIB potencial como referncia

    17Blejer e Cheasty (1990), p. 17.

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    exgena na anlise da poltica fiscal, excluindo os elementos cclicos da medida

    do dficit.

    Figura 1

    Supervit ou Dficit

    (PIB efetivo/ PIB potencial)

    Dficit Efetivo vs. Estrutural.

    Poltica Fiscal do Ano 1

    Poltica Fiscal do Ano 2

    Ano 1Ano 2 Pleno

    Emprego

    Ano 2

    Ano 1

    Ano 2

    Ano 1

    SupervitEstrutural

    Supervit ouDficitEfetivo

    Como ocorre com muitas variveis econmicas no observadas

    diretamente, a estimao do produto potencial cercada de controvrsias, tanto

    de cunho terico quanto emprico. A controvrsia terica diz respeito origem

    das flutuaes econmicas18. Essa falta de consenso ensejou a elaborao de

    diversas metodologias de clculo, as quais podem ser classificadas em dois

    grandes grupos, um que apoia-se em determinadas hipteses sobre o processo

    estocstico gerador do comportamento do nvel de produo, e outro que prioriza

    a estimao das relaes estruturais entre as variveis econmicas envolvidas.

    Entretanto, o clculo do dficit estrutural apenas uma das possibilidades

    abertas com o reconhecimento da importncia do ciclo de negcios no uso do

    dficit pblico como indicador da discricionaridade da poltica fiscal. Desde a

    publicao do trabalho seminal de Brown, surgiram outras metodologias

    alternativas, como a utilizao do PIB tendencial ao invs do PIB potencial

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    para a reestimativa das contas pblicas, produzindo o denominado dficit

    ciclicamente ajustado. Contudo, o uso do PIB tendencial em substituio ao

    produto potencial no representa grande mudana de natureza conceitual, tendo

    em vista a correlao a mdio e longo prazo das duas medidas.

    Essas metodologias, em especial o dficit ciclicamente ajustado, foram

    objeto de crticas por Blanchard (1990b), devido ao uso indiscriminado para

    avaliao de diferentes aspectos da poltica fiscal. Blanchard destaca quatro

    questes relevantes na anlise da poltica fiscal, as quais no seriam

    adequadamente respondidas pelo dficit ciclicamente ajustado. So elas: (i) a

    discricionaridade da poltica fiscal, (ii) sua sustentabilidade intertemporal, (iii) seu

    impacto sobre a demanda agregada e a (iv) sinalizao de uma poltica fiscal

    tima, em termos da busca do equilbrio macroeconmico. Blanchard

    recomenda a utilizao de distintos indicadores para anlise dessas questes,

    ao invs do uso apenas do dficit ciclicamente ajustado.

    No tocante ao aspecto da discricionaridade, o estudo de Blanchard

    representou uma grande mudana no arcabouo analtico, por dois motivos: 1)

    reconhecer a importncia de outras variveis, alm do PIB, na determinao do

    dficit pblico; e 2) sugerir o estabelecimento do ambiente macroeconmico

    observado no ano anterior ou qualquer outro perodo composto pelas

    variveis econmicas consideradas mais importantes, como referncia para

    mensurao da discricionaridade da poltica fiscal.

    18Cerra e Saxena (2000), p. 3.

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    Utilizando a notao matemtica apresentada em Ize (1999), a medida da

    discricionaridade da poltica fiscal proposta por Blanchard, BFI(impulso fiscal de

    Blanchard), pode ser resumida da seguinte forma:

    ( ) ( )ititititttt EPDEPDBFI = ,, (11)

    onde D representa o resultado fiscal, o qual funo das polticas fiscais, P, e

    das variveis relevantes para representao do ambiente macroeconmico, E.

    Os subscritos indicam o perodo a que se referem os valores das variveis

    estruturais. A estimativa da discricionaridade da poltica fiscal requer a escolha

    de um perodo benchmark.Segundo Blanchard, o benchmarkpode ser o ano

    anterior ou a mdia dos ltimos dez anos19.

    Quanto abrangncia do vetor E, a partir do qual sero calculados os

    parmetros estruturais das variveis fiscais a serem ajustadas, Blanchard prope

    a restrio da anlise s principais variveis macroeconmicas, cujas alteraes

    no perodo de um ano sejam relevantes para a mudana do resultado

    oramentrio, como as taxas de desemprego, de juros reais e de inflao. Por

    simplicidade, recomendada a anlise do resultado primrio (que desconsidera

    o pagamento dos juros nominais da dvida pblica), eliminando a necessidade de

    avaliar o efeito da taxa de juros. Naturalmente, outras variveis econmicas

    podem ser includas, dependendo da peculiaridade emprica da varivel fiscal

    analisada. Essa discusso retomada no quarto captulo, onde so

    apresentados os resultados da investigao emprica.

    3.2. Classificando as polticas de ajuste fiscal

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    Conforme mencionado anteriormente, nosso objetivo avaliar o efeito dos

    ajustes fiscais sobre variveis macroeconmicas selecionadas, em especial o

    nvel de atividade. Para isso, primordial definir objetivamente o que seja uma

    experincia de ajuste fiscal. Nossa definio, inspirada naquela adotada por

    Alesina e Perotti (1997a), considera como um perodo de ajuste fiscal quando o

    dficit ciclicamente ajustado (estimado pelo critrio de Blanchard) acumulado

    anualmente cai pelo menos 1,0 por cento do PIB.

    Essa definio diferencia-se daquela adotada no estudo acima por

    trabalhar os dados com freqncia trimestral, ao invs de anual, e considerar

    valores inferiores do esforo de conteno fiscal. A escolha dos dados com esta

    periodicidade deve-se ao curto perodo amostral disponvel, o que, ao ampliar a

    periodicidade das observaes, tende a melhorar a qualidade dos testes

    economtricos. Alem disso, por tratar-se de um perodo relativamente curto, a

    apurao das elasticidades dever explorar mais intensamente as oscilaes

    decorrentes da sazonalidade das variveis econmicas, especialmente do

    produto.

    Vale observar que uma modelagem alternativa seria utilizar a prpria srie

    do dficit ciclicamente ajustado, regredindo-a como varivel explicativa das

    sries macroeconmicas que se deseja avaliar a influncia da poltica fiscal. Tal

    exerccio indicaria o efeito que o impulso fiscal, per si, produz sobre essas

    variveis. Entretanto, a iniciativa de nossa investigao emprica foi motivada

    pelos supostos efeitos que uma reverso na poltica fiscal em direo ao

    equilbrio intertemporal associada ao perfil dessa estratgia pode produzir

    19Blanchard (1990b), p. 11.

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    sobre as demais variveis econmicas. Dessa forma, acreditamos que a

    modelagem economtrica aqui adotada reflete melhor o postulado terico que se

    deseja avaliar.

    A excluso da dvida lquida dessa definio deve-se ao seu

    comportamento atpico no perodo analisado, em virtude dos efeitos significativos

    de ajustes patrimoniais na contabilidade da dvida lquida do setor pblico federal.

    Dentre esses ajustes, destaca-se o efeito positivo das privatizaes para o

    abatimento da dvida pblica, o qual foi superado pelo reconhecimento de

    obrigaes no associados poltica fiscal corrente, os chamados

    esqueletos20.

    Como j mencionado, um dos aspectos centrais dessa pesquisa avaliar

    tambm a importncia da composio do ajuste fiscal, a qual classificada por

    Alesina e Perotti segundo dois grupos, denominados tipos I e II. Uma

    determinada poltica considerada do tipo I quando predominar o corte de

    despesas, em especial de itens da despesa cuja reduo reflita uma substituio

    do papel do Estado na proviso de bens e servios, de modo a diminuir gastos

    com transferncias previdencirias e a folha de pagamento. No mbito da

    receita, so consideradas polticas do tipo I aquelas baseadas na elevao de

    impostos sobre os lucros, sob o argumento que a participao dos lucros na

    renda agregada eleva-se quando o ajuste fiscal bem sucedido, e nos tributos

    indiretos.

    20Ourives (2001) apresenta uma sntese dos principais ajustes patrimoniais, complementado pela

    avaliao da sustentabilidade da dvida lquida do governo central. Aplicando o teste desenvolvidopor Hakkio e Rush, a autora conclui que a dvida pblica brasileira apresentou-se sustentvel noperodo de 1992 a 2000.

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    Por outro lado, nas polticas do tipo II o ajuste baseia-se principalmente no

    aumento das receitas pblicas, em especial os tributos sobre a renda pessoal e

    das contribuies sociais. J as despesas apresentam maiores cortes nos

    investimentos pblicos.

    A classificao de cada elemento da receita e despesa entre tipo I e II

    constitui outro importante passo, devido diversidade de contas e seus

    determinantes. Nessa etapa, alguma dose de arbitrariedade ser necessria

    para a execuo do trabalho emprico, devendo no entanto ater-se ao

    princpio bsico das duas definies. Nossa definio apresentada no prximo

    captulo.

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    37

    4. Investigao Emprica

    Este captulo apresenta os resultados da investigao emprica da

    metodologia discutida no captulo anterior, aplicada ao caso brasileiro no perodo

    de 1991 a 2002. Tambm so discutidos os procedimentos economtricos para

    obteno desses resultados. Inicialmente, mostrado o clculo do dficit fiscal

    ajustado ciclicamente pelo mtodo de Blanchard. Em seguida, apresentada

    uma avaliao do programa de ajuste fiscal brasileiro recente e o quadro

    macroeconmico do perodo.

    4.1. Estimativa do impulso fiscal

    4.1.1. A poltica fiscal em retrospectiva

    Na ltima dcada, a importncia conferida poltica fiscal pelo governo

    central evoluiu de maneira no uniforme, pelas razes que sero aqui

    discutidas21. Em linhas gerais, podem ser identificados trs subperodos

    distintos, como pode ser visto no grfico 1 abaixo. O primeiro, entre 1991 e

    meados de 1995, caracteriza-se pela gerao de supervits primrios

    moderados. No segundo, que se estende at 1998, prevalece certa folga fiscal.

    J no ltimo, o governo central empreende rigoroso ajuste fiscal, produzindo

    expressivos supervits primrios.

    No que tange ao primeiro subperodo, vale lembrar que a Constituio

    Federal promulgada em 1988 impingiu grande rigidez administrao financeira

    21O conceito aqui adotado de governo centralrefere-se quele empregado nas estatsticas oficiais

    divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), oqual abrange o governo federal, a previdncia social e as atividades de natureza fiscal do BCB. O

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    do governo central, reduzindo o grau de discricionaridade da autoridade

    oramentria22. Nesse sentido, o xito da poltica fiscal em obter supervits

    primrios foi curiosamente facilitado pelas elevadas taxas de inflao do

    perodo, ao propiciar a reduo do valor real das despesas pblicas pela

    reteno provisria no caixa do Tesouro Nacional dos recursos

    oramentrios a serem liberados aos gestores pblicos23. Adicionalmente, a

    longa convivncia com altas taxas de inflao ensejou o desenvolvimento e

    aperfeioamento, pela administrao fazendria, de mecanismos que

    indexassem as receitas pblicas inflao ocorrida entre o fato gerador e o

    recolhimento do tributo.

    Grfico 1

    Supervit Primrio do Governo Central: Jan/1992-Jun/2002(Saldo acumulado dos ltimos 12 meses)

    -2

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    1991

    T4

    1992

    T3

    1993

    T2

    1994

    T1

    1994

    T4

    1995

    T3

    1996

    T2

    1997

    T1

    1997

    T4

    1998

    T3

    1999

    T2

    2000

    T1

    2000

    T4

    2001

    T3

    2002

    T2

    %P

    IB

    Primrio Mdia (subperodo)

    Fonte: Banco Central do Brasil.

    conceito de governo federal engloba as operaes dos trs poderes ao nvel federal, mas soexcludas as contas relativas s empresas estatais e o BCB.22 Dentre os elementos que enrijeceram a poltica fiscal, merece destaque o aumento das

    transferncias aos entes federativos e o aumento das despesas no sistema previdencirio. 23 Sobre os mecanismo dessa represso fiscal e a estimativa do dficit potencial, v. Guardia(1992).

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    Devido a esses mecanismos de proteo, o efeito da inflao sobre as

    contas pblicas brasileiras costuma ser referido como efeito Bacha, em

    contraponto ao denominado efeito Tanzi, segundo o qual a inflao prejudica as

    contas pblicas pela eroso do valor real das receitas. Bacha (1994) argumenta

    que a correo monetria assimtrica do oramento pblico brasileiro desse

    perodo preservando parcialmente o valor real das receitas e depreciando os

    gastos proporcionou um equilbrio artificial nas contas pblicas, encobrindo um

    grande dficit potencial, entendido como aquele que ocorreria caso no

    houvesse represso fiscal24. Considerando os agentes econmicos dotados de

    expectativas adaptativas, encontra-se uma explicao luz da ortodoxia

    econmica para a coexistncia de pequenos dficits nominais e taxas de

    inflao elevadas e ascendentes, pois a inflao teria razes num desequilbrio de

    natureza fiscal, desequilbrio esse reprimido mas no suprimido.

    Entre os anos de 1995 e 1998, a situao fiscal do governo central,

    avaliada pelo critrio do dficit primrio, sofre uma clara deteriorao. Para isso,

    podem ser elencados tanto os fatores decorrentes da rigidez das contas pblicas

    introduzida pela Constituio Federal de 1988, como outros de natureza

    discricionria25. No primeiro caso, destacam-se as j mencionadas

    transferncias constitucionais a estados e municpios e os gastos com benefcios

    previdencirios. Outros dispositivos legais tambm contriburam para a rigidez do

    gasto pblico, como sugere por exemplo o crescimento vegetativo da folha de

    pagamento no governo federal nesse perodo, a despeito do congelamento de

    salrios da maior parte do funcionalismo pblico.

    24Bacha (1994), p. 9.

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    Por outro lado, certas decises na elaborao oramentria, como a

    concesso de reajustes reais no valor dos benefcios previdencirios e o

    crescimento real no valor das despesas de custeio e capital rubrica de maior

    controle pelo governo so reveladoras da disposio do governo federal nesse

    perodo em priorizar o atendimento de certas demandas sociais e polticas, em

    detrimento do equilbrio fiscal.

    Finalmente, a partir do ltimo trimestre de 1998 observa-se o

    encerramento do ciclo de folga da poltica fiscal, em virtude da escassez de

    financiamento no mercado externo. Nesse perodo, o Brasil conjugava elevado

    dficit tanto no setor externo quanto no fiscal, deparando-se com a urgente

    necessidade de rever suas diretrizes de poltica econmica. A primeira e mais

    importante mudana foi a adoo de metas fiscais para o trinio que se seguia,

    destinadas a estabilizar a relao dvida lquida/PIB 26. Em janeiro de 1999, a

    poltica de bandas cambiais deu lugar ao regime de livre flutuao, removendo

    assim a principal ncora de preos vigente desde julho de 1994. Essa mudana

    acentuou a responsabilidade da poltica fiscal articulada com o regime de

    metas inflacionrias no mbito da poltica monetria para a manuteno do

    equilbrio macroeconmico.

    4.1.2. Anlise economtrica

    Em virtude das mudanas ocorridas na poltica fiscal desse perodo, fez-se

    necessrio uma anlise individual das diversas rubricas que compem o

    25Para uma anlise mais detalhada desse diagnstico, ver captulo 6 de Giambiagi e Alm (2000).

    26

    O diagnstico e a estratgia oficial de enfrentamento da crise apresentado no documentointitulado Programa de Estabilidade Fiscal Nota Imprensa, elaborado pelo Ministrio daFazenda e divulgado em 28.10.1998.

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    resultado primrio, a fim de identificar as quebras estruturais decorrentes da

    ao da autoridade fiscal. Uma vez identificadas estas quebras, utilizou-se

    recursos da anlise de interveno para estimar corretamente as elasticidades

    dessas rubricas s variveis representativas do ambiente macroeconmico.

    Conforme discutido anteriormente na seo 3.1, a medida da

    discricionaridade da poltica fiscal proposta por Blanchard (1990b) o dficit

    primrio redefinido de modo a excluir o efeito da flutuao da taxa de

    desemprego. A escolha do resultado primrio como varivel sntese da poltica

    fiscal decorreria do seu mrito em no incluir as flutuaes do gasto com o

    servio da dvida, o qual afetado por outras variveis conjunturais, como a

    inflao, a taxa de juros real e o prmio de risco. Dessa forma, toda a anlise da

    discricionaridade se resumiria em expurgar das variveis fiscais o efeito da

    flutuao no nvel de produo, representado pela taxa de desemprego.

    No Brasil, o trabalho de referncia para estimao do dficit ciclicamente

    ajustado de Blanchard de autoria de Bevilaqua e Werneck (1997), os quais

    utilizaram como proxy para o ambiente macroeconmico o PIB e a inflao.

    Pereira (1999) estimou a discricionaridade das despesas pblicas federais

    utilizando as mesmas variveis explicativas de Bevilaqua e Werneck.

    Em ambos os trabalhos, a escolha do PIB, em substituio taxa de

    desemprego, justificada pela constatao que essa varivel reflete melhor o

    ciclo de negcios. Pereira (1999) argumenta que a elevada rigidez na taxa de

    desemprego decorre da existncia de custos institucionais, os quais tendem a

    desestimular uma alta rotatividade da mo-de-obra. Adicionalmente a esse

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    argumento, convm ainda reconhecer que o mercado de trabalho brasileiro

    passou por profunda reestruturao, decorrente da liberalizao do comrcio

    externo. Esse processo afetou a taxa de desemprego na dcada de 90,

    recomendando a recusa dessa varivel como uma proxy para o ciclo de

    negcios.

    Por sua vez, a escolha da taxa de inflao decorre do reconhecimento da

    importncia do efeito Bacha, o qual vimos que se trata do uso da represso

    fiscal para reduzir o valor real da despesa pblica. Tambm vlida a suspeita, a

    priori, da presena do efeito Tanzi em certas categorias da receita pblica, tendo

    em vista que os mecanismos de indexao aplicados compensaram apenas

    parcialmente os efeitos da inflao.

    Definida as variveis indicativas do ambiente macroeconmico, PIB e

    inflao, necessrio verificar se essas sries histricas (cada srie fiscal e as

    sries do PIB e da inflao) so cointegradas, ou estacionrias em nvel, para

    evitar a utilizao equivocada de parmetros destitudos de significado. Duas ou

    mais sries so cointegradas se (1) tiverem mesma ordem de integrao e (2)

    produzirem uma combinao linear estacionria de ordem inferior.

    A ordem de integrao de uma determinada srie histrica

    representada por I(d) o nmero dde vezes em que essa srie precisa ser

    diferenciada para tornar-se estacionria; nesse caso, pode-se dizer tambm que

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    a srie possui d razes unitrias. Por sua vez, uma srie estacionria se

    possuir27:

    (i) mdia invariante ao tempo: ( ) ( ) == stt yEyE

    (ii) varincia constante: ( ) ( ) 222

    ystt yEyE ==

    (iii) covarincia estacionria: ( )( )[ ] ssjtjtstt yyEyyE ==

    O teste Dickey-Fuller aumentado o mais utilizado para avaliar se uma

    srie estacionria, o qual de forma resumida consiste em testar a

    significncia do parmetro da equao (14) abaixo, utilizando os valores

    crticos calculados pelos autores:

    t

    p

    i

    ititt ytayay ++++= =

    +2

    1210 (14)

    Esse teste permite verificar a presena de razes unitrias de uma

    determinada srie contemplando tambm a presena de regressores

    determinsticos, como o intercepto ( 0a ) e a tendncia (t ). Os valores crticos

    variam em funo no apenas do tamanho da amostra, mas tambm da

    presena de cada um desses regressores determinsticos.

    Finalmente, para que seja possvel afirmar que as variveis so

    cointegradas (dito de outra forma: que existe uma relao de equilbrio de longo

    prazo) necessrio verificar se elas apresentam uma combinao linear de

    27 Em termos formais, a satisfao das condies de (i) a (iii) implica no conceito de

    estacionaridade fraca,ou covarincia estacionria. O cumprimento apenas do item (iii) resulta noconceito de estacionaridade forte. Dessa forma, apesar da terminologia empregada, o conceitofracode estacionaridade mais rigoroso que o seu correspondente forte. Enders (1995: 69).

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    ordem b, onde d>b>0. Essa condio verificada pelo teste de raiz unitria dos

    resduos obtidos da regresso da equao de longo prazo na forma linear:

    tt xe = (15)

    onde:

    ( )',...,, 21 ntttt xxxx = o vetor das variveis econmicas analisadas;

    ( )n ,...,, 21= o vetor de cointegrao dessas variveis; e

    te so os desvios dessa relao de equilbrio de longo prazo.

    Verificada a cointegrao das sries que se deseja analisar, pode-se

    estimar os parmetros estruturais da equao de longo prazo, ou seja, com as

    variveis em nvel28. Inicialmente, faz-se necessrio o reconhecimento da

    influncia dos diversos fatores que atuam sobre o comportamento da varivel

    fiscal: a) ambiente econmico; b) intervenes de natureza legal e institucional; e

    c) sazonalidade. O item a j foi satisfatoriamente discutido. O item b refere-se

    s aes do governo, no sentido de executar a poltica fiscal definida (por

    exemplo, modificando uma alquota de um determinado tributo), ou advindo de

    peculiaridades institucionais. O item c decorre da freqncia trimestral da srie

    utilizada, sujeitando as observaes s flutuaes sazonais do produto e/ou s

    regras para a cobrana e o recolhimento dos tributos, bem como o pagamento de

    determinados itens das despesas.

    No que se refere ao item a, a influncia e a forma de relacionamento da

    srie fiscal com as demais variveis econmicas justamente o objetivo de

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    nossa anlise; portanto, no necessrio nenhum ajustamento especial para a

    estimao da equao de longo prazo. Por outro lado, os fatores b e c podem

    afetar significativamente os parmetros estruturais obtidos, independentemente

    do efeito do ambiente econmico. Nesse sentido, necessrio o emprego de

    tcnicas de anlise de interveno para eliminar essas atipicidades. Cada

    situao requer um tratamento especfico, conforme o caso tratado.

    Dessa forma, o clculo do dficit ciclicamente ajustado pelo mtodo de

    Blanchard ser realizado pela reestimativa da srie fiscalt

    y a partir dos

    parmetros , e da equao na seguinte forma funcional:

    tttt DxLByLAy +++= )()( (16)

    onde:

    ty : srie fiscal;

    )(LA e )(LB : polinmio do operador de defasagens L ;

    tx : vetor das variveis macroeconmicas, PIB e inflao;

    D : vetor de variveis determinsticas (intercepto, dummiessazonais ou de

    quebra estrutural);

    , e : parmetros estruturais;

    t : resduo da regresso estimada.

    Estimados os parmetros e , a srie ty reestimada com as

    variveis do vetor tx defasadas em quatro trimestres:

    28Caso as sries no sejam cointegradas, os parmetros estimados da equao de longo prazo

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    DxLByLAy ttR

    t ++= 4)()( (17)

    A definio exata dos termos da equao (16), cujos parmetros serviro

    para a estimativa de Rty , resultar de um processo interativo de identificao dos

    mecanismos geradores da srie, conjugando conhecimento histrico de cada

    varivel fiscal com os resultados dos testes de diagnsticos. Dessa forma, ser

    contemplada como regra de deciso: a significncia da varivel; o ganho de

    poder explicativo, medido pelas estatsticas Akaike Information Criterion (AIC),

    Schwartz Bayesian Criterion (SBC) e o R2 ajustado; a ausncia de

    autocorrelao seriada dos resduos da equao estimada, indicada pelos testes

    de Durbin-Watson e Q de Ljung-Box.

    A definio do vetor ty feita ao nvel mais desagregado, de modo a

    obter estimativas com o melhor ajustamento possvel, respeitada a

    disponibilidade da informao e a relevncia das variveis integrantes do vetor

    tx para o seu comportamento. A seguir, so apresentados os resultados dessa

    anlise.

    4.1.3. Resultados dos testes de raiz unitria

    O quadro 1 relata o resumo dos testes Dickey-Fuller aplicados s sries

    que sero ajustadas para o clculo do dficit estrutural pelo mtodo de

    Blanchard. As sries testadas cobrem o perodo que se estende do primeiro

    trimestre de 1991 at o segundo trimestre de 2002. Quase todas essas sries

    apresentaram-se tendncia estacionria, ou seja, estacionrias em torno de

    so destitudos de significado econmico.

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    uma tendncia linear. As excees foram as sries da contribuio para o

    PIS/Pasep, da CSLL e do IRPF, cujos testes indicaram serem estacionrias em

    torno do intercepto. J a srie do IGP-DI foi avaliada utilizando o teste de Perron

    para sries com quebra estrutural, em virtude da ntida caracterizao de dois

    subperodos. De janeiro/1991 a julho/1994, a taxa mdia mensal de inflao foi

    de 26,2%, com tendncia ascendente, contra 0,9% observado no restante do

    perodo.

    Quadro 1Resultados do Teste Dickey-Fuller de Raiz Unitria

    Varivel Estatstica t (a) Defasagens Regressores determinsticos

    EconmicaPIB -5,309 (***) 0 Constante (***) e Tendncia(***)IGP-DI -2,483 (**) 0 nenhum

    ReceitaIPI -4,593 (***) 0 Constante (***) e Tendncia (***)

    IRPF -5,920 (***) 0 Constante (***)IRPJ -5,651 (***) 0 Constante (***) e Tendncia (***)

    IRRF -4,671 (***) 0 Constante (***) e Tendncia (***)IOF -3,517 (**) 0 Constante (***) e Tendncia (**)Cofins -4,056 (**) 1 Constante (**) e Tendncia (***)PIS/Pasep -7,342 (***) 0 Constante (***)CSLL -4,607 (***) 0 Constante (***)

    DespesaTransf. Constituc. -4,906 (***) 0 Constante (***) e Tendncia (***)OCC -5,283 (***) 0 Constante (***) e Tendncia (***)

    (a)\ A estatstica t refere-se ao parmetro da equao (1). A hiptese nula que existe uma

    raiz unitria. Dessa forma, sua rejeio pelos nveis de significncia indicados entre parntesesequivale a assumir que a srie estacionria sem a necessidade de diferenciar.Nveis de significncia: (*) 10%; (**) 5%; (***) 1%.

    O teste de Perron foi realizado estimando inicialmente a seguinte

    equao:

    tLt yDay 0 ++= (18)

    onde,

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    48

    ty : taxa trimestral de inflao medida pelo IGP-DI;

    0a : intercepto;

    LD : dummyde nvel, assumindo valor 0 at o segundo trimestre de 1994, e 1

    para o perodo restante;

    ty : srie ty redefinida de modo a excluir os efeitos da quebra estrutural de 1994

    (absorvido pela varivel dummy LD ) e do patamar inflacionrio de longo

    prazo (absorvido pelo intercepto).

    Em seguida, foi aplicado o teste ADF para a srie ty , cujo resultado est

    relatado no quadro 1, na linha referente ao IGP-DI. Foi possvel rejeitar a hiptese

    de raiz unitria a 5% de significncia, incluindo como regressor adicional trs

    defasagens da srie em primeira diferena. Dessa forma, conclumos que a srie

    do IGP-DI estacionria, com quebra estrutural no terceiro trimestre de 1994.

    Todas as sries rejeitaram a hiptese de presena de raiz unitria, aos

    nveis de 1%, 5% e 10%. Esse resultado indica que as sries so estacionrias

    sem a necessidade de diferenciao e, portanto, cointegradas, de modo que

    possvel estimar as sries fiscais tendo como regressores o PIB e o IGP-DI.

    As regresses, lineares, foram realizadas pelo mtodo de mnimos

    quadrados, com as variveis na sua forma original, sem transformaes. Dessa

    forma, os parmetros das variveis econmicas no podem ser classificadas

    como elasticidades. Esse procedimento foi adotado em virtude de uma

    observao da srie do IGP-DI (terceiro trimestre de 1998) ter sido negativa, no

    sendo possvel sua transformao por logaritmo.

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    49

    Devido ocorrncia de fatores exgenos ao comportamento do PIB e da

    inflao, como alterao de alquotas e outros choques, em vrios casos foram

    includas variveis dummiespara melhorar o ajustamento do modelo e estimar

    corretamente os parmetros . Alm da identificao do fato gerador do

    choque, da significncia estatstica e do coeficiente de ajustamento (R2ajustado),

    o critrio para definio e incluso dessas variveis dummies obedeceu os

    resultados dos testes de diagnsticos de Breusch-Godfrey (correlao serial),

    White (heterocedasticidade), Jarque-Bera (normalidade) e Ramsey RESET

    (especificao). O software estatstico utilizado foi o Eviews 3.0.

    4.1.4. Resultado fiscal estrutural e impulso fiscal

    O grfico 2 abaixo apresenta a srie, em proporo ao PIB, do supervit

    primrio do governo federal pelo critrio convencional, no perodo 1T1991-

    2T2002, e seu correspondente ajustado pelo critrio de Blanchard, o supervit

    estrutural. Ambas as sries o montante acumulado dos ltimos quatro trimestres.

    A utilizao de dados acumulados visa eliminar da srie as flutuaes bruscas de

    curto prazo decorrentes da sazonalidade ou por fatores atpicos, permitindo

    avaliar mais adequadamente a tendncia do indicador.

    A primeira grande divergncia entre as duas sries ocorre entre o ltimo

    trimestre de 1994 e termina ao final de 1995, quando o indicador do supervit

    estrutural revela uma ntida e expressiva deteriorao das contas do governo

    federal, o que no observado com a mesma intensidade pela estatstica

    convencional. Essa divergncia explicada pelo comportamento favorvel do

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    50

    nvel de renda nesse perodo, prejudicando a avaliao do esforo fiscal baseada

    na estatstica convencional de supervit primrio.

    No perodo mais recente, observa-se entre 1999 e meados de 2000 um

    esforo para o ajustamento fiscal cuja magnitude subestimada pelo indicador

    convencional.

    Grfico 2

    Supervit Primrio do Governo Federal:Dados observados vs. ajustados (estrutural)

    O grfico 3 apresenta o impulso fiscal, calculado a partir das sries

    convencionais do resultado fiscal e pelo critrio estrutural29. Assim como no caso

    29 O indicador do impulso fiscal (F ) pela estatstica convencional foi obtido pela aplicao da

    seguinte frmula:

    =

    ==

    4

    84

    t

    tj

    j

    t

    ti

    it PRIMPRIMFI , onde PRIM refere-se ao supervit

    -0,5%

    0,0%

    0,5%

    1,0%

    1,5%

    2,0%

    2,5%

    3,0%

    3,5%

    dez/91

    jun/92

    dez/92

    jun/93

    dez/93

    jun/94

    dez/94

    jun/95

    dez/95

    jun/96

    dez/96

    jun/97

    dez/97

    jun/98

    dez/98

    jun/99

    dez/99

    jun/00

    dez/00

    jun/01

    dez/01

    jun/02

    %P

    IB

    Estrutural Observado

  • 7/23/2019 Ajuste Fiscal

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    51

    anterior, as so sries trimestrais e esto acumuladas para um ano, de modo a

    reduzir a importncia das flutuaes de curto prazo.

    Uma concluso que emerge da anlise do grfico 3 que no perodo de

    implantao do Plano Real a deteriorao da poltica fiscal ocorre ao final de

    1994, e no ao trmino de 1995, como sugeriria a srie convencional do impulso

    fiscal. Como j discutido, esse resultado decorreu da expanso econmica

    observada no perodo, encobrindo o carter expansionista da poltica fiscal.

    A partir de meados de 1998 retomada a restrio fiscal, cujo auge

    ocorreu em 1999. Essa restrio medida pelo critrio estrutural no encontra

    precedentes em toda a dcada, e muito superior ao revelado pelo indicador

    convencional. Nos ltimos quatro trimestres encerrados em junho de 2002,

    observa-se um ligeira folga da poltica fiscal, captada com mais intensidade pelo

    impulso fiscal de Blanchard.

    Grfico 3

    Impulso Fiscal do Governo Federal:Dados observados vs. Indicador de Blanchard

    primrio convencional. O impulso fiscal pelo critrio de Blanchard (BFI ), tambm denominado

    estrutural, decorre da seguinte frumula:

    =

    ==

    4

    84

    *t

    tjj

    t

    tiit PRIMPRIMBFI , onde

    *

    PRIM

    refere-se ao supervit primrio estrutural.

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    52

    Na prxima seo apresentado e discutido o ajuste fiscal no perodo

    analisado, bem como uma avaliao do comportamento de indicadores

    macroeconmicos selecionados.

    4.2. Identificao e avaliao do ajustamento fiscal brasileiro

    Conforme discutido no captulo anterior, a definio aqui adotada de

    ajustamento fiscal compreende a reduo do dficit primrio anual (estimado

    pelo critrio de Blanchard) da ordem de 1,0 ponto percentual do PIB. Essa

    definio permite a identificao do incio do ajustamento a partir do 4 otrimestre

    de 1998, se estendendo at e o 2o de 2000. Ao todo, so 7 observaes

    trimestrais de um universo total de 43 perodos avaliados.

    A tabela 1 abaixo apresenta estatsticas comparadas entre os perodos

    com ajustamento fiscal e a srie total. Os dados calculados indicam que o

    -2,5%

    -2,0%

    -1,5%

    -1,0%

    -0,5%

    0,0%

    0,5%1,0%

    1,5%

    2,0%

    2,5%

    3,0%

    dez/92

    jun/93

    dez/93

    jun/94

    dez/94

    jun/95

    dez/95

    jun/96

    dez/96

    jun/97

    dez/97

    jun/98

    dez/98

    jun/99

    dez/99

    jun/00

    dez/00

    jun/01

    dez/01

    jun/02

    %P

    IB

    Blanchard Observado

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    53

    impulso fiscal nos perodos de ajustamento cerca de 1,4 ponto percentual do

    PIB mais restritivo que na srie total. No entanto, o resultado mais importante diz

    respeito ao comportamento agregado das receitas e das despesas. No perodo

    completo, as receitas restringem a demanda agregada em media cerca de

    1,04% do PIB, enquanto que as despesas impulsionam em 0,83%30. Embora a

    contrao fiscal seja mais intensa nos perodos de ajuste, esse resultado obtido

    principalmente pela elevao das receitas, cerca de 1,24% do PIB, pois as

    despesas se contraem em apenas 0,38%.

    Tabela 1Ajustes fiscais brasileiros: variao nas receitas e despesas (% PIB)

    Observaes Impulso Fiscal Var. despesas Var. receitasTodos os Perodos 43 -0,21% 0,83% 1,04%

    (0,010) (0,010) (0,008)Perodos de Ajuste Fiscal 7 -1,62% -0,38% 1,24%

    (0,005) (0,010) (0,008)Obs.: o valor entre parnteses refere-se ao desvio padro.

    Esses resultados diferem razoavelmente daqueles obtidos por Alesina e

    Perotti no estudo sobre os pases da OECD, ver tabela 1-A, onde as estimativas

    indicam que ajustes ocorreram principalmente pelo corte de despesas.

    30 O indicador de variao da despesa foi obtido pela aplicao da seguinte frmula:

    tDDDt

    tj

    j

    t

    ti

    it /4

    84

    *

    =

    ==

    , onde *D refere-se despesa em proporo do PIB recalculada

    nos moldes da metodologia de Blanchard, ou seja, considerando o nvel de dispndio queocorreria se fossem mantidos os parmetros econmicos do trimestre anterior. A mesma frmulavale para as receitas.

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    Tabela 1-AAjustes fiscais nos pases da OECD: variao nas receitas e despesas (% PIB)

    Observaes Impulso Fiscal Var. despesas Var. receitasTodos os Perodos 378 -0,07 0,32 0,38

    (0,09) (0,09) (0,06)

    Perodos de Ajuste Fiscal 62 -2,57 -1,34 1,22(0,20) (0,23) (0,15)Obs.: o valor entre parnteses refere-se ao desvio padro.Fonte: Alesina e Perotti (1997).

    Por outro lado, nossos resultados esto em sintonia com aqueles obtidos

    no estudo de Issler e Lima (1997), onde avaliada a forma de restaurao do

    equilbrio das finanas pblicas brasileiras no perodo de 1947 a 1992. Os

    autores concluem que aps um choque no dficit, independente se a origem foi

    do lado das receitas ou das despesas, o reequilbrio fiscal ocorre mediante

    principalmente um aumento dos impostos. Embora o estudo conclua ainda que a

    dvida pblica sustentvel, a receita de senhoriagem desempenha um

    importante papel para a obteno desse resultado, contribuindo com cerca de

    3% do PIB para a gerao de receitas.

    A tabela 2 abaixo desagrega o comportamento das despesas no perodo

    analisado, classificadas segundo quatro categorias: (i) transferncias a estados e

    municpios; (ii) benefcios previdencirios; (iii) despesa com pessoal; e (iv) gastos

    com custeio e investimento.

    Tabela 2Composio das despesas nos perodos de ajustamento (% PIB)

    Tentativa Variaodespesas

    Transfer.Est./Mun.

    BenefciosPrevidencirios

    Pessoal Custeio eInvestimento

    Todos os Perodos 0,83% 0,12% 0,43% 0,27% 0,00%(0,010) (0,002) (0,004) (0,005) (0,006)

    Perodos de Ajuste -0,38% 0,20% 0,15% -0,07% -0,66%Fiscal (0,010) (0,002) (0,004) (0,003) (0,005)

    Obs.: o valor entre parnteses refere-se ao desvio padro.

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    Um trao marcante dos dados da tabela 2 a intensidade do corte de

    despesa com custeio e investimento, provavelmente devido ao menor grau de

    rigidez legal e institucional dessa rubrica. Os gastos com benefcios

    previdencirios continuam a crescer no perodo do ajuste fiscal, decorrente da

    proteo constitucional aos beneficirios do sistema previdecirio. O

    crescimento dos gastos com transferncias aos entes da federao bastante

    compreensvel, uma vez que a maior parte dessas transferncias tem amparo

    constitucional e acompanha o comportamento da arrecadao do imposto de

    renda e do imposto sobre produtos industrializados.

    A tabela 3 abaixo desagrega a variao das receitas, classificando-as

    em: (i) incidentes sobre a renda pessoal (IRPF); (ii) contribuio previdenciria

    (receitas bancrias do RGPS); (iii) diversas (dividendos, concesses, tributos

    variados etc.); (iv) incidentes sobre pessoa jurdica (IRPJ e CSLL); e (v) tributos

    indiretos (Imp. Importao, Imp. Exportao, IPI, IOF, Cofins, PIS-Pasep e

    CPMF). A incluso de cada tributo nessas categorias est sujeita a crticas. No

    entanto, nosso objetivo obter apenas uma aproximao da importncia e do

    comportamento de cada uma dessas categorias, a qual acreditamos no afetar

    significativamente os resultados.

    Tabela 3Composio das receitas nos perodos de ajustamento (% PIB)

    Tentativa Var.receitas

    RendaPessoal

    Contr.RGPS

    Diversas PessoaJurdica

    TributosIndiretos

    Todos os Perodos 1,04% 0,01% 0,13% 0,36% 0,10% 0,44%(0,008) (0,000) (0,004) (0,010) (0,004) (0,007)

    Perodos de Ajuste 1,24% -0,01% -0,26% 0,78% -0,10% 0,83%Fiscal (0,008) (0,000) (0,001) (0,015) (0,002) (0,007)

    Obs.: o valor entre parnteses refere-se ao desvio padro.

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    Os dados da tabela indicam que o crescimento das receitas no perodo do

    ajuste fiscal ocorre principalmente nos chamados tributos indiretos, e, em menor

    proporo nas receitas diversas. O crescimento da arrecadao baseada

    nesses itens tem recebido crticas de duas naturezas. Primeiro, porque a

    cobrana de tributos indiretos contraria as condies de eficincia econmica da

    tributao, ao interferir nos preos relativos dos bens e servios. Segundo,

    porque o aumento da arrecadao foi baseada em grande medida na obteno

    de receitas extraordinrias, como os recursos de concesso.

    A tabela 4 abaixo contm indicadores macroeconmicos selecionados

    relativos aos perodos anterior, durante e aps a experincia de ajuste fiscal.

    Assim como nos resultados encontrados por Alesina e Perotti (tabela 4-A), o

    ambiente macroeconmico brasileiro apresenta ligeira melhora. Os indicadores

    do nvel de atividade (PIB, desemprego e investimento) comportam-se de forma

    recessiva durante o ajustamento, mas recuperam-se aps esse perodo.

    Tabela 4Ajuste Fiscal Brasileiro e Condies Macroeconmicas

    Variveis 4T1998-2T2000Macroeconmicas Antes Durante Depois

    PIB 1,1% 0,6% 3,6%Desemprego 7,3% 7,6% 6,4%Investimento 20,1% 18,5% 19,7%Taxa de juros 2,1% 1,9% 1,2%

    Nota: A extenso do perodo definido como antes e depois do ajuste fiscal abrange quatrotrimestres. O PIB definido pela taxa mdia de crescimento dos ltimos quatro trimestres; O desemprego medido pela taxa mdia mensal de desemprego aberto dessazonalizado; O investimento definido pela mdia em proporo ao PIB; A taxa de juros definida pela mdia da taxa mensal de juros nominal selic.

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    No tocante taxa de juros, esta reduziu-se substancialmente aps o ajuste

    fiscal. Embora este resultado esteja associado boa receptividade pelos

    agentes privados do ajustamento fiscal, a taxa de juros no perodo tambm foi

    influenciada decisivamente pela poltica monetria.

    Tabela 4-AAjustes Fiscais nos Pases Membros da OECD

    e Condies MacroeconmicasVariveis Ajuste Fiscal Bem-Sucedido

    Macroeconmicas Antes Durante DepoisCrescimento do PIB -0,08% 1,05% 0,28%Desemprego 1,20% 1,44% 1,08%Crescimento do Investimento -1,05% 4,93% 9,14%Crescimento do ConsumoPrivado

    1,75% 2,98% 2,71%

    Fonte: Alesina e Perotti (1997a).Observaes: os dados de crescimento do PIB, Investimento e Consumo Privado estoexpressos em termos do desvio daqueles observados nos principais parceiros comerciais do pasanalisado. Os dados de desemprego tambm esto expressos em termos do desvio da taxa dedesemprego dos parceiros comerciais.

    Os dados apresentados na Tabela 4-A referem-se s experincias bem-

    sucedidas de ajuste fiscal dos pases membros da OECD, conforme estudo de

    Alesina e Perotti. Vale destacar que o conceito de sucesso aqui citado est

    associado manuteno do supervit aps o perodo de ajustamento, ou seja, a

    manuteno de resultados fiscais compatveis com a sustentabilidade de longo

    prazo.

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    5. Concluses

    Foi discutido no segundo captulo que as condies para a

    sustentabilidade da poltica fiscal requerem que, numa economia com eficincia

    dinmica e ausncia de senhoriagem, o montante acumulado do supervit

    primrio deve ser