Aleijadinho
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ALEIJADINHO
BRIOGRAFIA
"Era pardo-escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado: a estatura era
baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e testa volumosa, o
cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum
tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto".
Rodrigo José Ferreira Bretas – Primeiro biógrafo de Aleijadinho
Quase nada ficou registrado sobre sua vida pessoal, a não
ser que gostava de se entreter nas "danças vulgares" e
comer bem, e que amasiou-se com a mulata Narcisa, tendo
com ela um filho. Nada foi dito sobre suas ideias artísticas,
sociais ou políticas. Trabalhava sempre sob o regime da
encomenda ganhando meia oitava de ouro por dia, mas
não acumulou fortuna, antes, diz-se que era descuidado
com o dinheiro, sendo roubado várias vezes. Por outro
lado, teria feito repetidas doações aos pobres. Manteve três
escravos: Maurício, seu ajudante principal com quem
dividia os ganhos, e mais Agostinho, auxiliar de entalhes, e
Januário, que lhe guiava o burro em que andava.
Continuando, Bretas relatou que depois de 1777 o artista
começou a exibir sinais de uma misteriosa doença
degenerativa, que lhe valeu o apelido de "Aleijadinho". O
seu corpo foi progressivamente se deformando, o que lhe
causava dores contínuas; teria perdido vários dedos das
mãos, restando-lhe apenas o indicador e o polegar, e todos
dos pés, obrigando-o a andar de joelhos. Para trabalhar
tinha de fazer com que lhe amarrassem os cinzéis nos
cotos, e na fase mais avançada do mal precisava ser
carregado para todos os deslocamentos - sobrevivem
recibos de pagamentos de escravos que o levavam para cá
e para lá, atestando-o. Também a face foi atingida,
emprestando-lhe uma aparência grotesca. De acordo com
o relato, Aleijadinho tinha plena consciência de seu aspecto
terrível, e por isso desenvolveu um humor perenemente
revoltado, colérico e desconfiado, imaginando que mesmo
os elogios que recebia por suas realizações artísticas eram
escárnios dissimulados.
Para ocultar sua deformidade vestia roupas amplas e
folgadas, grandes chapéus que lhe escondiam o rosto, e
passou a preferir trabalhar à noite, quando não podia ser
visto facilmente, e dentro de um espaço fechado por toldos.
Nos seus últimos dois anos, quando já não podia trabalhar
e passava a maior parte do tempo acamado, Bretas disse
que, de acordo com o que soube da nora do artista, um
lado de seu corpo ficou coberto de chagas, e ele implorava
constantemente que Cristo viesse dar-lhe morte e livrar
dessa vida de sofrimento, pousando Seus santos pés sobre
o seu corpo miserável.14 2 Porém, os testemunhos de
época não concordam sobre a natureza nem sobre a
extensão de suas deformidades. John Bury diz que a
versão que o apresenta sem mãos se originou com John
Luccock, que visitou as Minas em 1818, sendo repetida por
muitos outros, mas Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo,
que esteve lá na mesma altura, referiu que ele preservara
as mãos, embora paralisadas, versão repetida pelo barão
von Eschwege. A exumação de seus restos mortais em
1930 não foi conclusiva. Não foram encontrados os ossos
terminais dos dedos das mãos e dos pés, mas eles podem
ter se desintegrado após o enterramento, hipótese sugerida
pelo estado de decomposição dos ossos maiores.2
Muitas dúvidas cercam a vida de Antônio Francisco Lisboa.
Praticamente todos os dados hoje disponíveis são derivados de uma biografia
escrita em 1858 por Rodrigo José Ferreira Bretas, 44 anos após a morte do
Aleijadinho, baseando-se alegadamente em documentos e depoimentos de
indivíduos que haviam conhecido pessoalmente o artista. Contudo, a crítica
recente tende a considerar essa biografia em boa medida fantasiosa, parte de
um processo de magnificação e dramatização de sua personalidade e obra,
numa manipulação romantizada de sua figura cujo intuito era elevá-lo à
condição ícone da brasilidade, um misto de herói e artista, um "gênio singular,
sagrado e consagrado", como descreveu Roger Chartier.
O relato de Bretas, contudo, não pode ser completamente descartado,
pois sendo a mais antiga nota biográfica substancial sobre Aleijadinho, sobre
ela se construiu a maioria das biografias posteriores, mas as informações que
traz precisam ser encaradas com algum ceticismo, sendo difícil distinguir o que
é fato do que foi distorcido pela tradição popular e pelas interpretações do
escritor.
Biografias e estudos críticos realizados pelos modernistas brasileiros na
primeira metade do século XX também fizeram interpretações tendenciosas de
sua vida e obra, aumentando a quantidade de estereótipos em seu redor, que
ainda hoje se perpetuam na imaginação popular e em parte da crítica, e são
explorados tanto por instâncias culturais oficias como pelas agências de
turismo das cidades onde ele deixou sua produção.
A primeira notícia oficial sobre Aleijadinho apareceu em 1790 em um
memorando escrito pelo capitão Joaquim José da Silva, cumprindo ordem régia
de 20 de julho de 1782 que determinava se registrassem em livro oficial os
acontecimentos notáveis, de que houvesse notícia certa, ocorridos desde a
fundação da Capitania de Minas Gerais. O memorando, escrito ainda em vida
de Aleijadinho, continha uma descrição das obras mais notáveis do artista e
algumas indicações biográficas, e em parte nele se baseou Bretas para
escrever os Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa,
distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho, onde
reproduziu trechos do documento original, que mais tarde se perdeu.
PRIMEIROS ANOS E FORMAÇÃO
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era filho natural de um
respeitado mestre de obras e arquiteto português, Manuel Francisco Lisboa, e
sua escrava africana, Isabel. Na certidão de batismo invocada por Bretas
consta que Antônio, nascido escravo, fora batizado em 29 de agosto de 1730
na então chamada Vila Rica, atual Ouro Preto, na freguesia de Nossa Senhora
da Conceição de Antônio Dias, tendo como padrinho Antônio dos Reis e sendo
alforriado na ocasião por seu pai e senhor.
Na certidão não consta a data de nascimento da criança, que pode ter
ocorrido alguns dias antes.8 2 Entretanto, há argumentos fortes que levam
atualmente a se considerar mais provável que tenha nascido em 1738, pois em
sua certidão de óbito consta como data de seu falecimento 18 de novembro de
1814, acrescentando que o artista tinha então 76 anos de idade.
A data de 1738 é aceita pelo Museu Aleijadinho localizado em Ouro
Preto,11 e segundo Vasconcelos o manuscrito original de Bretas, encontrado
no arquivo da Arquidiocese de Mariana, remete o nascimento a 1738,
advertindo corresponder a data ao registrado na certidão de óbito do artista; o
motivo da discrepância entre as datas no manuscrito e no opúsculo que foi
impresso não é clara. Em 1738 seu pai casou com Maria Antônia de São
Pedro, uma açoriana, e com ela deu quatro meios-irmãos a Aleijadinho, e foi
nesta família que o artista cresceu.
Segundo Bretas o conhecimento que Aleijadinho tinha de desenho, de
arquitetura e escultura fora obtido de seu pai e talvez do desenhista e pintor
João Gomes Batista. Terá frequentado o internato do Seminário dos
Franciscanos Donatos do Hospício da Terra Santa de 1750 até 1759, em Ouro
Preto, onde aprenderia Gramática, Latim, Matemática e Religião. Entrementes,
assistia seu pai nos trabalhos que ele realizava na Matriz de Antônio Dias e na
Casa dos Contos, trabalhando também com seu tio Antônio Francisco Pombal,
entalhador, e Francisco Xavier de Brito. Colaborou com José Coelho Noronha
na obra da talha dos altares da Matriz de Caeté, projeto de seu pai. Data de
1752 o seu primeiro projeto individual, um desenho para o chafariz do pátio do
Palácio dos Governadores em Ouro Preto.
MATURIDADE
Em 1756 pode ter ido ao Rio de Janeiro acompanhando Frei Lucas de
Santa Clara, transportador do ouro e diamantes que deveriam ser embarcados
para Lisboa, onde pode ter recebido influência dos artistas locais. Dois anos
depois teria criado um chafariz de pedra-sabão para o Hospício da Terra Santa
e logo em seguida lançou-se como profissional autônomo. Contudo, sendo
mulato, muitas vezes foi obrigado a aceitar contratos como artesão diarista e
não como mestre. Da década de 1760 até próximo da morte realizou uma
grande quantidade de obras, mas na ausência de documentação
comprobatória, diversas têm uma autoria controversa e são a rigor
consideradas apenas atribuições, baseadas em critérios de semelhança
estilística com sua produção autenticada. Em 1767 morreu-lhe o pai, mas
Aleijadinho, como filho bastardo, não foi contemplado no testamento. No ano
seguinte alistou-se no Regimento da Infantaria dos Homens Pardos de Ouro
Preto, onde permaneceu três anos, sem descontinuar sua atividade artística.
Neste período recebeu encomendas importantes: o risco da fachada da Igreja
de Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, e os púlpitos da Igreja São Francisco
de Assis, de Ouro Preto.
Em torno de 1770 organizou sua oficina, que estava em franca
expansão, segundo o modelo das corporações de ofícios ou guildas medievais,
a qual em 1772 foi regulada e reconhecida pela Câmara de Ouro Preto.11
Ainda em 1772, no dia 5 de agosto, foi recebido como irmão na Irmandade de
São José de Ouro Preto.
Em 4 de março de 1776 o governador da Capitania de Minas, Dom
Antônio de Noronha, cumprindo instruções do vice-rei, convocou pedreiros,
carpinteiros, serralheiros e ferreiros para integrarem um batalhão militar que
trabalharia na reconstrução de um forte no Rio Grande do Sul. Aleijadinho teria
sido obrigado a atender ao chamado, chegando a se deslocar até o Rio de
Janeiro, mas então teria sido dispensado. No Rio providenciou o averbamento
judicial da paternidade de um filho que tivera com a mulata Narcisa Rodrigues
da Conceição, filho que se chamou, como o avô, Manuel Francisco Lisboa.11
Mais tarde ela o abandonou e levou o filho para o Rio, onde ele se tornou
artesão.
Até então, de acordo com Bretas, Aleijadinho gozara de boa saúde e
apreciava os prazeres da mesa e as festas e danças populares, mas a partir de
1777 começaram a surgir os sinais de uma grave doença que, com o passar
dos anos, deformou-lhe o corpo e prejudicou seu trabalho, causando-lhe
grandes sofrimentos. Até hoje, como já Bretas reconhecera, é desconhecida a
exata natureza de seu mal, e várias propostas de diagnóstico foram oferecidas
por diversos historiadores e médicos.
Mesmo com crescente dificuldade, prosseguiu trabalhando
intensivamente. Em 9 de dezembro de 1787 assumiu formalmente como juiz da
Irmandade de São José.
MORTE
Em 1796 recebeu outra encomenda de grande importância, para a
realização de esculturas da Via Sacra e os Profetas para o Santuário de Bom
Jesus de Matosinhos, em Congonhas, consideradas a sua obra-prima.
No censo de 1804 seu filho apareceu como um de seus dependentes,
junto com a nora Joana e um neto.8 Entre 1807 e 1809, estando sua doença
em estado avançado, a sua oficina encerrou as atividades, mas ele ainda
realizou alguns trabalhos.
A partir de 1812 sua saúde piorou e ele passou a depender muito das
pessoas que o assistiam. Mudou-se para uma casa nas proximidades da Igreja
do Carmo de Ouro Preto, para supervisionar as obras que estavam a cargo de
seu discípulo Justino de Almeida.
A esta altura estava quase cego e com as capacidades motoras
grandemente reduzidas.
Por um breve período voltou para sua antiga moradia, mas logo teve de
acomodar-se na casa de sua nora, que de acordo com Bretas se encarregou
dos cuidados de que necessitava até que ele veio a falecer, em 18 de
novembro de 1814. Foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, em uma tumba
junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte.