Além Das Mídias Interativas - Roy Ascott

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Além das Mídias Interativas: das cibernéticas às tecnoéticas Roy Ascott Tradução: Cleomar Rocha e Júlio César dos Santos http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/alem-das-midias-interativas-das-ciberneticas- as-tecnoeticas-de-roy-ascott-2/ Por toda a minha carreira, as mídias cibernéticas tem sido o elemento integrativo no meu processo criativo. Em 1959, os escritos de Ross Ashby i , Norberto Wienner ii , e Heinz von Foerster iii inspirou meu pensamento sobre redes dentro de redes – tanto semânticas quanto orgânicas – que poderiam dar forma a uma arte conectiva, transformativa e generativa. Eu percebi, de pronto, que isto poderia prover uma disciplina para a arte interativa, lincando mente-a-mente, lugar-a-lugar, dentro de uma complexidade de sistemas variados. Eu demonstro minhas ideias no texto “Behaviourist Art and the Cybernetic Vision” (Arte Comportamental e a Visão Cibernética) publicado em 1966/7 iv . As mídias cibernéticas me permitiram identificar arte como um sistema combinando o artista, o trabalho artístico e o espectador num processo de interação experimental e semântico. Como estudante eu fui profundamente mobilizado pelo trabalho de Paul Cézanne, Jackson Pollock e Marcel Duchamp, que apresentam três estéticas aparentemente opostas e que levaram muitos anos para se resolverem no meu próprio trabalho. Em Cézanne, eu pude entender a pintura como um organismo que se desenvolve da mobilidade caótica, inquieta, para o ponto de vista do artista que interage com o fluxo do comportamento natural, e somente o espectador pode resolver a incompletude do seu trabalho. Em Pollock, o plano de operações foi deslocado da parede (um elemento divisor) para o chão, unificando os traços do comportamento (gestual) do artista. No caso de Duchamp, há o desafio para que o espectador negocie subjetivamente e resolva a contingência do sentido que se encontra em todo e qualquer trabalho. A sua abordagem também se dirige à própria identidade, a qual ele vê como maleável. Esta tríade estética é fundante para (minha) prática artística digital, onde comportamento, interação, negociação, desenvolvimento e identidade são seus termos definidores. Minha “change-painting 1 ” e “hinged relief constructions 2 ” dos anos 1960 foram um resposta exploratória para resolver (ou, como eu teorizaria mais tarde, ‘sincretizar’) estas incompatibilidades, com cada painel transparente transportando um elemento gestual ou semiótico que poderia ser re-arranjado em novas relações através da manipalação do espectador. Este processo de permitir o espectador manipular as partes, reordená-las em configurações infinitamente variáveis, levou-

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Alm das Mdias Interativas: das cibernticas s tecnoticas

Roy Ascott

Traduo: Cleomar Rocha e Jlio Csar dos Santos

http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/alem-das-midias-interativas-das-ciberneticas-as-tecnoeticas-de-roy-ascott-2/

Por toda a minha carreira, as mdias cibernticas tem sido o elemento integrativo no meu processo criativo. Em 1959, os escritos de Ross Ashbyi, Norberto Wiennerii, e Heinz von Foersteriiiinspirou meu pensamento sobre redes dentro de redes tanto semnticas quanto orgnicas que poderiam dar forma a uma arte conectiva, transformativa e generativa. Eu percebi, de pronto, que isto poderia prover uma disciplina para a arte interativa, lincando mente-a-mente, lugar-a-lugar, dentro de uma complexidade de sistemas variados. Eu demonstro minhas ideias no texto Behaviourist Art and the Cybernetic Vision (Arte Comportamental e a Viso Ciberntica) publicado em 1966/7iv.

As mdias cibernticas me permitiram identificar arte como um sistema combinando o artista, o trabalho artstico e o espectador num processo de interao experimental e semntico. Como estudante eu fui profundamente mobilizado pelo trabalho de Paul Czanne, Jackson Pollock e Marcel Duchamp, que apresentam trs estticas aparentemente opostas e que levaram muitos anos para se resolverem no meu prprio trabalho. Em Czanne, eu pude entender a pintura como um organismo que se desenvolve da mobilidade catica, inquieta, para o ponto de vista do artista que interage com o fluxo do comportamento natural, e somente o espectador pode resolver a incompletude do seu trabalho. Em Pollock, o plano de operaes foi deslocado da parede (um elemento divisor) para o cho, unificando os traos do comportamento (gestual) do artista. No caso de Duchamp, h o desafio para que o espectador negocie subjetivamente e resolva a contingncia do sentido que se encontra em todo e qualquer trabalho. A sua abordagem tambm se dirige prpria identidade, a qual ele v como malevel. Esta trade esttica fundante para (minha) prtica artstica digital, onde comportamento, interao, negociao, desenvolvimento e identidade so seus termos definidores.

Minha change-painting1 e hinged relief constructions2 dos anos 1960 foram um resposta exploratria para resolver (ou, como eu teorizaria mais tarde, sincretizar) estas incompatibilidades, com cada painel transparente transportando um elemento gestual ou semitico que poderia ser re-arranjado em novas relaes atravs da manipalao do espectador. Este processo de permitir o espectador manipular as partes, reorden-las em configuraes infinitamente variveis, levou-me para o tabletop3 como arena de interao com possibilidades muito importantes para o desenvolvimento do trabalho. Usando, ao acaso, instrumentos domsticos de controle (funis/fluxos, modeladores de bolinhos/formas, moldes/formas, tapetes anti-derrapantes/redes, cabides de roupas/conectores), o espectador era convidado a sentar-se mesa interagindo num jogo com um parceiro, com o fim em aberto. Estes trabalhos eram, de fato, para serem coisas em si mesmas como metforas num nvel amplo de significao. O tabletop como interface tem sido um importante tema e suporte no meu trabalho, em suas ambas formas anlogas e como um modo de exibio do meu trabalho digital projetado num suporte horizontal.

Eu pude explorar mais o poder das mdas cibernticas como uma ferramenta cognitiva e criativa quando fui convidado a ministrar um curso totalmente experimental em Londres (e eventualmente em Ipswich). Eu o chamei de Groundcoursev. Seu efeito foi sentido internacionalmente, tendo ganhado muita ateno a partir da notoriedade de algum dos mais extremos desafios propostos para estudantes, mas tambm pela notabilidade de cada bem conhecido graduado como Brian Eno e Pete Townsend. A qualidade destes graduados pode demonstrar a excelncia de um curso, e pode revelar sua natureza transformativa e integrativa. Isto pode tambm ser pensado como a maior aventura dos ltimos tempos no mais alto nvel de investigao artstica, o Planetary Collegiumvi, uma rede de pesquisa internacional, agora baseada na Universidade de Plymouth com pontos em Zurique e Milo, e que foi primeiro estabelecida por mim na Universidade de Wales em 1994, e da qual incluem, como ex-alunos, Bill Seaman, Victoria Vesna, Char Davies e o artista brasileiro Guto Nbrega, juntamente com muitos outros artistas e tericos notveis.

Quando eu me mudei, em 1970, de Londres para Toronto, como presidente da Ontrio College of Art, eu pude levar as implicaes artsticas, intelectuais e filosficas deste processo educacional para um outro nvel. Aqui, as divises de prticas do velho sculo em departamentos de artes refinadas, desenho grfico, moda e produtos de estilo foram abandonadas em prol de um currculo estruturado em trs principais zonas de ao: Informao, Conceito e Estrutura, cada qual elaborada com base em Anlise, Teoria, Especulao e Aplicao Social, a partir das quais reas especficas de assuntos poderiam ser geradas. A maioria dos estudantes gostaram disto; alguns professores temeram, especialmente aqueles cujos domnios eram representados por territriosvii.

Em 1974 mudei-me para o San Francisco Art Institute, como vice-presidente e decano do Colgio. Na Califrnia, eu encontrei pesquisas em conferncias por computador no Stanford Research Institute. Eu vi , claramente, as implicaes futuras para a prtica artstica desta mdia. Eu escrevi mais tarde: redes de computadores podem fornecer campos de interao entre inteligncias humanas e artificiais, envolvendo simbiose e integrao de modos de pensar, imaginar e criar, os quais, do ponto de vista da arte, podem conduzir a uma imensa diversidade de transformaes culturais; e tambm na cincia e filosofia, definies enriquecidas da condio humana. Redes de computadores, em resumo, respondem ao nosso profundo desejo psicolgico por transcendncia por considerar o imaterial, o espiritual a vontade de estar fora do corpo, fora da mente, de extrapolar as limitaes do tempo e espao: um tipo de teologia bio-tecnolgicaviii. Eu requeri, com sucesso, uma subveno ao National Endowment for the Arts, o que me permitiu distribuir terminais portteis Texas Instrument para artistas no Reino Unido, Estados Unidos e Europa no primeiro evento telemtico internacional que eu chamei Terminal Art.

Paralelamente, eu continuei pintando, buscando negociar com o no-linear, esculturas em camadas mas, em 1980, eu decidi dedicar-me inteiramente s comunicaes computacionais e cunhei o termo telematic art para definir a minha prtica. Assim como antes, eu tive um flash despertador do valor da teoria ciberntica para minha prtica (com) arte interativa, muito claramente eu vi na telemtica a possibilidade para uma nova mdia conectiva para minha arte. Com o National Endowment for the Arts financiando o projeto, terminais portteis foram enviados para artistas nos Estados Unidos e o Reino Unido. No momento em que este projeto teve incio, eu mudei minha base da Bay Area para o Reino Unido. L, minha proximidade com a Frana me possibilitou testemunhar os primeiros passos na telematizao da sociedade, resultante de um relatrio do MinC e Nora ao Presidente da Frana: o programa telemticoix. Neste momento eu comecei a desenvolver uma srie de pesquisas especulativas com vistas a provveis apropriaes para a arte de desenvolvimentos tecnolgicos que j haviam sido realizados ou que poderiam vir a ser desenvolvidos iminentemente. O que se pode vislumbrar est, muitas vezes, fora de alcance, tecnologicamente falando, e s pode ser antecipado pela (atravs da) linguagem um processo que necessita a formulao de novas metforas e neologismos. Penso que seja necessrio a criao de termos como: tecnotica, cibercepo e mdia-mida, por exemplox.

Meu primeiro grande trabalho telemtico foi La Plissure du Texte4. O projeto surgiu em resposta a um convite de Frank Popper para participar de Electra: Eletricidade e Eletrnica na Arte do Sculo XXxi, no Muse Art Moderne de la Ville de Paris, no outono de 1983. Popper havia escrito anteriormente sobre o meu trabalho e eu estava confiante de que seu convite oferecia uma oportunidade perfeita para criar um evento telemtico de grande escala que poderia incorporar idias e atitudes que eu havia formado ao longo dos ltimos vinte anos ou mais. La Plissure du Texte (LPDT): um Conto de Fadas Planetrio, buscou pr em marcha um processo pelo qual uma narrativa com final-aberto pode ser construda a partir de uma mente autoral cujos ns (da rede) interagiam assincronicamente cobrindo grandes distncias de fato, em escala planetria. Retrospectivamente, eu vejo como uma complexidade de ideias capaz de criar um contexto para um trabalho cuja aparente simplicidade mascara um processo generativo que pode bifurcar em muitos outros modos de expresso e criao. Isto tem sido provado ser o caso do LPTD2xiique foi criado especificamente para minha exposio retrospectiva na Coria, como parte do Incheon Digital Arts Festival em outubro de 2010.

Eram os sistemas psquicos que eu vinha estudando deste o incio dos anos 1960 telepatia atravs dos oceanos, a comunicao com os desencarnados em mundos distantes que me levou, uma dcada depois, a formular ideias da mente compartilhada e o conceito de autoria compartilhada. Foram narrativas tecidas por volta do perodo neoltico, tecnologia espiritual clssica e medieval da minha regio-natal Aveburry, Silbury Hill, Stonehenge e Glastonbury que me preparou, desde muito jovem, para meus estudos subsequentes de esoterismo e o sentido do numinoso5que, mais tarde, fui encontrar no ciberespao. Em abril de 1970, publiquei The Psibernetic Archxiii, que procurava fazer uma ponte entre as aparentemente opostas esferas da ciberntica dura e os sistemas psquicos moles.

Muitos projetos telemticos vieram depois dos LPDT. Em 1984, eu liderei a criao do Laboratorio Ubiquaxivda Bienal de Veneza, para o qual eu era um comissrio internacional. Este se categorizou por todo tipo de mdia interativa computadorizada disponvel no momento. Um projeto semelhante, em menor escala, introduziu o meu conceito de Telenoiaxv um projeto de 24 horas patrocinado pelo V2 Centre for Unstable Media na Holanda. Isto era uma chamada para um oitavo dia da semana, a ser conhecido como Telenoia, que defini como a celebrao da conectividade, ao contrrio da parania da cultura industrial ocidental. Em 1989, eu criei Aspects of Gaia: vias digitais em toda a terraxvi, instaladas em dois canais em Brucknerhaus, Lins para o Ars Electronica Festival. Aspects of Gaia combinou a experincia telemtica de estar fora-do-corpo no ciberespao com a realidade concreta do espao fsico, colocando juntos uma rede de participantes distribuda globalmente, colaborando na criao e transformao de textos e imagens relacionadas a Gaia, a Terra, vista a partir de uma multiplicidade de perspectivas espirituais, cientficas, culturais e mitolgicas. No nvel superior da Brucknerhaus, uma grande tela horizontal permitiu que espectadores olhassem para baixo e interagissem com imagens e textos compartilhados remotamente, de todo o mundo. No nvel inferior, em um tnel em todo o comprimento do edifcio, espectadores podiam se deslocar num carrinho eletrnico que passava por telas LED que mostrava mensagens flashes sobre Gaia. O espectador torna-se fisicamente engajado na experincia que transmitia ideias sobre a emergente qualidade da conscincia telemtica que se refere Terra como um organismo vivo.

Neste ponto, reconhecendo em mim mesmo, e na experincia de artistas parceiros, a necessidade de compreender mais profundamente a nova arte-mdia que est emergindo, eu montei um programa de pesquisa de doutorado na Universidade Walles. Este foi o Centro de Pesquisa Avanada em Arte Interativa (CAAiiA), que mais tarde se mudou para a Universidade de Plymouth, com pontos filiados em Zurique e Miloxvii. Existem hoje cerca de 60 candidatos em pesquisa ativa de doutoramento, e 25 ttulos de doutorados concedidos.

No final dos anos 1990 visitei o Brasil na primeira das muitas visitas que se estenderam de Caxias do Sul no Sul para Fortaleza no Norte, tanto quanto, por algum tempo, pela regio do rio Xingu com o povo Kuikuru. Durante estas visitas me tornei cada vez mais consciente da natureza sincrtica das prticas espirituais do Pas, que inclui a Umbanda, o Candombl, o Santo Daime e a Unio do Vegetal. Em muitos casos, os princpios do xamanismo aparecem dentro das culturas contemporneas, como eu acredito que seja na Coria hoje, onde tive o privilgio de assistir a uma srie de cerimnias rituais. No Brasil fui apresentado bebida sagrada Ayahuasca, que induz a estados alterados de conscincia. Eu vi nisso uma tecnologia farmacutica muito especfica que altera a cognio e a percepo de maneira similar cibercepo mediada por computador (embora muito mais profunda). Neste ponto eu introduzi a idia das Trs Realidades Virtuais VR: Realidade Validade, Virtual e Vegetalxviii. Uma proposta em que o mundo seco da virtualidade computacional e o mundo molhado dos sistemas biolgicos esto convergindo para produzir um novo substrato para o trabalho criativo mdia-mida consistindo em bits, tomos, neurnios e genes. H tambm uma certa convergncia destas trs realidades virtuais

Realidade Virtual (tecnologia digital interativa), que telemtica e imersiva;

Realidade Validada (tecnologia mecnica reativa), que prosaica e newtoniana;

Realidade Vegetal (tecnologia de plantas psicoativas), que enteognica e espiritual.

Neste interespao reside o grande desafio para a cincia e a arte: compreender a natureza da conscincia. A esttica tecnotica se faz necessria, em consrcio com a mdia-mida, a qual pode possibilitar-nos como artistas abordar questes fundamentais do nosso tempo:

o que ser humano na cultura ps biolgica?

o que a ontologia da mente e do corpo compartilhado no ciberespao?

como lidar com a responsabilidade de redefinir a natureza e at mesmo a prpria vida?

quais aspectos do imaterial podem contribuir com a re-materializao da arte?

Estou convencido de que a qumica cerebral, como acontece com a conscincia de forma mais ampla, estar no topo da agenda durante a maior parte deste sculo. Por esta razo, eu acredito que o cnone da tecnotica dar forma a uma arte sria num futuro previsvel, uma arte que investe em interao e conectividade.

Os mais antigos e legitimados cdigos de pesquisa, definidos em qualquer rea das humanidades ou tradio cientfica, so inadequados para a pesquisa realizada por artistas. Uma nova pesquisa especulativa demandada, em apoio da qual eu persuadi a Intellect Ltda a publicar a revista Technoetic Artsxix. Eu tenho definido tecnotica como um campo convergente de prticas que procuram explorar a conscincia (estados) e conectividade por meios digitais, telemticos, qumicos e espirituais, e o uso criativo da mdia-mida. A pesquisa especulativa do artista do sculo XXI segue uma trajetria quntupla, que envolve:

conectividade das mentes, mquinas e culturas;

imerso no espao hbrido da realidade varivel;

interao como trans-modalidades de mdias e sistemas;

transformao da imagem, forma e conscincia;

a emergncia de novas representaes, estruturas, valores e significados individuais, culturais, espirituais e sociais.

Imerso telemtica na NET que leva a mltiplos si-mesmos, que nos leva alm da representao da absoro em conscincia global e dos estados de representao sincrtica.

Na prtica da arte, o sincretismo pode tornar-se um imperativo metodolgico. Sincretismo, na tentativa de conciliar crenas dspares ou contrrias, rene entidades diferentes material e imaterial e seus costumes e cdigos filosficos, religiosos e culturais. O pensamento sincrtico associativo e no-linear. Como artistas envolvidos na conectividade e interatividade global, a nossa prtica est envolvida por uma arte sincrtica, refletindo e construindo uma cultura sincrtica numa realidade sincrtica. Sincretismo pode servir-nos para compreender as vises de mundo como multicamadas, tanto materiais como metafsicas, que esto emergindo de nosso engajamento com tecnologias computacionais infiltrantes e sistemas ps biolgicos. A aplicao do pensamento sincrtico tem efeitos distintos e positivos. Ela acelera o desenvolvimento tecnotico, desestabiliza ideias ortodoxas, desafia representaes, hibridiza identidades, suaviza a interao social e re-ordena o tempo e o espao.

Olhando para o futuro, podemos ver que nosso planeta est cada vez mais telemtico, gerando densa e inclusiva conectividade global; nossa mente est se tornando mais plenamente tecnotica, abrindo caminhos para a conscincia expandida, nosso sistema sensorial extendido por prteses que ampliam a faculdade da cibercepo, e por uma renovao do interesse em cultivar aqueles sentidos de segunda ordem (psquica) que a iluminao fundamentalista estrita baniu do repertrio da sensibilidade humana; a identidade individual est se tornando mltipla com a criao de avatares e personagens alternativos; nosso corpo transformvel tanto em termos do fsico quanto do virtual; nossa realidade se mostra numa maior variabilidade; tornando domnios mltiplos indissociveis. Agora que nosso substrato na construo da nossa realidade est no nvel do nano, estamos ampliando a interface das condies materiais e imateriais de ser.

Em consequncia, a arte se torna progressivamente mais sincrtica, com o risco de perder inteiramente seu significado social e espiritual. A mente est, em muitos aspectos, superando o corpo, e o sentido de si mesmo tornar-se mltiplo. Como foi o caso de Duchamp, a primeira influncia no meu trabalho a identidade malevel, o si-mesmo emergente. Estamos em um constante estado de tornar-se: no todo mas mltiplo, no um mas muitos. O fato que j no somos um organismo nico. Progressivamente nos tornaremos mais permeveis e transparentes na mente, assim com no corpo e no apenas para os outros, mas tambm para ns mesmos e para nossa prpria auto-realizao. Como consequncia do desenvolvimento tecnotico estamos reconstruindo o si-mesmo. Estamos cada qual envolvido na construo e sincretizao dos muitos eusxx. Quanto mais fundo entramos em ns-mesmos, mais eus descobriremos.

Como consequncia do desenvolvimento das mdias interativas ao longo dos ltimos 50 anos, as artes, a indstria, o meio ambiente e a educao esto todos passando por mudanas e transformaes significativas; o alcance da conectividade global, a engenharia radical em matria de corpo e mente, e o previsvel poder dos sistemas computacionais so as causas mais evidentes destas mudanas de desenvolvimento. Esta poca de transformaes ir gerar formas totalmente novas de comportamento e comunicao, novos sistemas e estruturas. Os efeitos vo ser sentidos rapidamente na arquitetura, entretenimento, aprendizagem, caractersticas da produo industrial, mercado consumidor e nas fronteiras nacionais e geofsicas. Vamos gerar uma abordagem mais colaborativa e transdisciplinar visando solucionar nossos problemas e projetar novas iniciativas. Arte, Cincia e Tecnologia devem repensar suas interaes. O Sincretismo, encontrado unidade na diferena, pode tornar-se um imperativo metodolgico. Enquanto uma parte do mundo da arte continua implacavelmente materialista e competitiva, outras prticas, nomeadamente nas artes interativas e em muitos aspectos e aplicaes das redes sociais, esto voltados para a conectividade pessoal e a criao de significado.

1Pinturas sobre placas mveis, dispostas em camadas que parecem se mover, ou seja, mudar de lugar com o movimento do espectador, alteram a noo de profundidade e principalmente re-ordena a prpria pintura. Posteriormente este trabalho desenvolvido utilizando-se de mdias digitais. http://www.youtube.com/watch?v=stXIHsL1xm8 um exemplo deste tipo de trabalho.2Do mesmo modo, elementos e placas dobrveis que constroem relevos que podem ser alterados, ou que se alteram de acordo com o movimento do espectador diante do objeto artstico. Ou seja, da mesma forma que a change-painting prope um final-aberto, que nunca acabado, mas sempre re-ordenada.

3Pensado no sentido de um tabuleiro, de uma mesa para futebol de boto, onde se pode alterar a posio dos objetos, as dimenses, as formas, manipulando uma mesa-tela horizontal na qual o espectador pode interagir, tocando e manipulando elementos, re-organizando sua potica, ou seja, esttica e tica.

4Literalmente, as pregas (dobras) do texto.

5Numinoso (do latim numen, divindade) algo que sagrado ou divino. Esse termo foi utilizado academicamene por Rudolf Otto, um dos pais da Fenomenologia Religiosa. usado numa conotao psicolgica na Psicologia Analtica de Carl Gustav Jung, como aquilo que est ao dogma do supremo ordenador do cosmos, uma especie de iluminao.iASHBY, Ross. Design for a Brain. London: Chapman & Hall, 1952.

iiWIENER, Norbert. Cybernetcs or Control and Communication in the Animal and the Machine. New York: Wiley, 1948. The Human Use of Human Beings. Boston: Houghton Miffin, 1950.

iiiFOERSTER, H. Von. Cybernetcs of Cybernetics, Urbana Illinois: University of Illinois, 1974.

ivASCOTT, Roy. Behaviourist Art and the Cybernetic Vision. In: Cybernetica, Journal of the International Association for Cybernetics (Namur), 9, 1966, pp. 247-264. ASSCOTT, Roy. Behaviourist Art and the Cybernetic Vision. In: Cybernetica, Journal of the International Association for Cybernetics (Namur), 10, 1967. Pp.25-56.

vASCOTT, Roy. The Construction of Change. In: Cambridge Opinion (Cambridge, England), 1964. Pp. 37-42.

vihttp://en.wikipedia.org/wiki/Planetary_Collegium(viewed 16 June 2011).

viiWOLFE, Morris. OCA 1967-72: five turbulent years. Toronto: Brub Street Books, 2001.

viiiASCOTT, Roy. Seeing Double: Art and the Technology or Transcendence. In: ASCOTT, Roy (ed.). Reframing consciousness. Exeter: Intellect Books, 1999.

ixMINC, Alain; NORA, Simon. LInformatisation de la socit. Paris: Seuil, 1978.

xASCOTT, Roy. Telematic Embrace: visionary theories of art, technology, and consciousness. Bekerley: University of California Press, 2003.

xiPOPPER, Frank. Electra: Electricity and electronics in the art of the XXth Century. Paris: Muse dArt Moderne de la Ville de Paris, 1984.

xiihttp://www.youtube.com/watch?v=kTSaOTh3Hz0acessed 15 June 2011.

xiiiASCOTT, Roy. The Psibernetic Arch. In: Studio International. London. April, 1970, pp. 181-182.

xivASCOTT, Roy. Arte, Tecnologia e Computer. In: PIROVANO, Carlo (ed.). Arte e Scienza, Biologia, Technologia e Informtica. La Biennale di Venezia: Electra Editrice, 1986.

xvASCOOT, Roy. Telenoia. In: ADRIAN, Robert (ed.), On Line Kunst in Netz. Graz: Steirischen Kultuiniative, 1993.

xvihttp://www.artelectronicmedia.com/artwork/aspects-of-gaia-trolly-under-brucknerhauss-with-networked-led-messagesacessed 15 June 2011.

xviihttp://en.wikipedia.org/wiki/Planetary_Collegiumacessed 15 June 2010.

xviiihttp://www.hz-journal.org/n16/ascott.htmlacessed 15 June 2010.

xixhttp://www.intellectbooks.co.uk/journals/view-Article,id=8347/acessed 15 June 2010.

xxASCOTT, Roy. The Ambiguity of Self. In: ASCOTT, Roy; BAST, G. et all, New Realities: Being Syncretic. Wein, New York: Springer, pp. 22-25.

Roy Ascott, julho/2011.Universidade de Plymouth, Reino Unido: Professor de Artes Tecnoticas e Presidente do Planetary Collegium. Telematic Embrace. University of California Press, 2003.