Alem Do Positivismo Juridico

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    ALMDOPOSITIVISMOJURDICO

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    ALMDOPOSITIVISMOJURDICO

    LVARO RICARDO DE SOUZA CRUZProcurador da Repblica em Minas Gerais

    Mestre em Direito Econmico e Doutor em Direito Constitucional

    Professor da Graduao e da Ps-Graduao da PontifciaUniversidade Catlica de Minas Gerais

    Vice-Presidente do Instituto Mineiro de Direito ConstitucionalMembro do Instituto de Hermenutica Jurdica/MG

    Coordenador das 1 e 3 Cmaras da ordem constitucionale da ordem econmica na PRMG

    BERNARDO AUGUSTO FERREIRA DUARTEAdvogado

    Especialista em Direito Constitucional peloInstituto de Educao Continuada (IEC)Mestre em Direito Pblico pela PontifciaUniversidade Catlica de Minas Gerias

    Professor de Direito Constitucional e Introduoao Estudo do Direito do Instituto Metodista Izabela Hendrix

    Belo Horizonte2013

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    Cruz, lvaro Ricardo de Souza C957 Alm do positivismo jurdico / lvaro Ricardo de Souza Cruz e Bernardo

    Augusto Ferreira Duarte. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013. 293p. ISBN: 978-85-8238-016-1

    1.Direito Filosofia. 2. Positivismo jurdico. I.Duarte,Bernardo Augusto Ferreira. II. Ttulo.

    CDD: 340.1 CDU: 340.12

    Belo Horizonte2013

    CONSELHO EDITORIAL

    Elaborada por: Maria Aparecida Costa DuarteCRB/6-1047

    proibida a reproduo total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrnico,inclusive por processos reprogrficos, sem autorizao expressa da editora.

    Impresso no Brasil | Printed in Brazil

    Arraes Editores Ltda., 2013.

    Coordenao Editorial:Produo Editorial:Reviso:

    Capa:

    Fabiana CarvalhoNous EditorialAlexandre BomfimGustavo Caram e Hugo Soares

    lvaro Ricardo de Souza CruzAndr Cordeiro Leal

    Andr Lipp Pinto Basto LupiAntnio Mrcio da Cunha Guimares

    Carlos Augusto Canedo G. da SilvaDavid Frana Ribeiro de Carvalho

    Dhenis Cruz MadeiraDirco Torrecillas Ramos

    Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

    Florisbal de Souza DelOlmoFrederico Barbosa Gomes

    Gilberto BercoviciGregrio Assagra de Almeida

    Gustavo Corgosinho

    Jamile Bergamaschine Mata DizJean Carlos Fernandes

    Jorge Bacelar Gouveia PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina EspanhaJos Luiz Quadros de MagalhesLeandro Eustquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Manoel Gomes JniorLuiz MoreiraMrcio Lus de OliveiraMaria de Ftima Freire SMrio Lcio Quinto SoaresNelson RosenvaldRenato CaramRodrigo Almeida MagalhesRogrio Filippetto

    Rubens BeakVladmir Oliveira da SilveiraWagner Menezes

    Rua Pernambuco, 1389, Loja 05P SavassiBelo Horizonte/MG - CEP 30130-151

    Tel: (31) 3031-2330

    [email protected]

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    V

    SERMINEIRO

    CARLOSDRUMMONDDEANDRADE

    Ser Mineiro no dizer o que faz, nem o que vai fazer, fingir que no sabe aquilo que sabe, falar pouco e escutar muito, passar por bobo e ser inteligente, vender queijos e possuir bancos.

    Um bom Mineiro no laa boi com imbira,no d rasteira no vento,

    no pisa no escuro,no anda no molhado,no estica conversa com estranho,s acredita na fumaa quando v o fogo,s arrisca quando tem certeza,no troca um pssaro na mo por dois voando.

    Ser Mineiro dizer uai, ser diferente, ter marca registrada, ter histria.Ser Mineiro ter simplicidade e pureza,

    humildade e modstia,coragem e bravura,fidalguia e elegncia.

    SerMineiro vero nascer do Sole o brilhar da Lua, ouvir o canto dos pssarose o mugir do gado, sentir o despertar do tempoe o amanhecer da vida.

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    VI

    Ser Mineiro ser religioso e conservador, cultivar as letras e artes, ser poeta e literato,

    gostar de poltica e amar a liberdade, viver nas montanhas, ter vida interior, ser gente.

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    VII

    Para minha famlia, a de hoje, a de sempre, queinclui os amigos da rua Turfa, a partir do esprito

    franciscano do Colgio Santo Antnio, indo maise alm do que os muros da UFMG, DA PUC/

    MG, do Amendoeiras e do Citt Giardini

    lvaro

    Para minha esposa, Tina, amor da minha vida,aquela que me protege e me faz ter ainda maisperseverana e persistncia.Aos meus avs, Tate e Gelita (in memoriam),Ado e Matilde, razes da minha existncia.

    Bernardo Duarte(Sl 127:1-2)

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    SUMRIO

    PREFCIO 1 ...................................................................................................... XI

    PREFCIO 2 ...................................................................................................... XVII

    APRESENTAO ............................................................................................ XXV

    CAPTULO1

    INTRODUO ...................................................................................... 1

    CAPTULO2POSITIVISMOS ................................................................................................. 23

    2.1.Brainstormingsobre o Positivismo Jurdico ..................................... 27(i) O Positivismo Metodolgico, o Positivismo como Teoria

    Geral e o Positivismo ideolgico ....................................................... 28(ii) Hart entra em cena e traz consigo a Filosofia Analtica ............... 44

    (iii) A contribuio de Dimitri Dimoulis .............................................. 58(iv) Consideraes crticas sobre o conceito de Direito ...................... 68

    2.2. Positivismo como paradigma: o olhar para uma questode pressupostos ....................................................................................... 111

    CAPTULO3

    EM BUSCA DE ESCLARECIMENTOS ............................................ 1193.1. Aparando as arestas: a caricatura do Positivismo no

    Brasil ............................................................................................... 119

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    X

    3.1.1. O Positivismo Jurdico como teoria superada .................. 1203.1.2. O Positivismo Jurdico como tcnica de aplicao

    mecnica da lei ....................................................................... 1233.1.3. Legitimao incondicional do Direito: colaboraocom o nazismo ....................................................................... 134

    3.1.4. Adeso injustificada ao Jusnaturalismo ............................. 1553.2. Respostas a algumas crticas de Dimitri Dimoulis................. 159

    CAPTULO4APONTAMENTOS DE UMA CONCEPO PS-POSITIVISTADO DIREITO .................................................................................................... 171

    4.1. Ponto de Partida: uma concepo assentada na

    complementaridade entre Filosofia e Cincia ................................... 1724.2. Ps-positivismo crtico-deliberativo x Positivismo(s)

    jurdico(s): uma anlise a partir da metfora das caixasde chocolate............................................................................................ 180

    4.3. Teoria a servio da Prtica e Prtica a servio da Teoria ......... 219

    CONCLUSO ................................................................................................... 249

    REFERNCIAS ................................................................................................. 255

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    XI

    Nos ltimos anos, os juristas brasileiros tm podido assistir e tomar parte em ricase profundas transformaes no Direito. Dentre os fatores responsveis por tal fenme-no ho de ser destacados os novos parmetros normativos democrticos trazidos pelaConstituio republicana de 1988. Desse majestoso evento poltico-jurdico adveio umnovo compromisso com a supremacia constitucional como estrutura normativa basilar,

    reguladora e controladora do Estado e de suas instituies, limitadora do exerccio dopoder estatal em nome das liberdades fundamentais do indivduo.As sendas e veredas abertas pela densificao e concretizao dos preceitos consti-

    tucionais tm sido, desde ento, percurso obrigatrio a ser trilhado por todos os juristasconscientes da importncia de suas atribuies para a realizao da democracia. A lutapela Constituio torna-se a bandeira mais pungente e a necessidade mais premente noalvorecer do sculo XXI.

    A ampliao do rol das disciplinas jurdicas, bem como a valorizao das deno-minadas disciplinas tericas tambm filha desta transformao. Sua razo de ser podeser compreendida se entendermos que a legitimidade do Direito nesta nova quadra dahistria no mais pode se fazer sustentada em dimenses puramente formais e norma-

    tivas, mas deve comportar um permanente entrelaamento com os aspectos filosficos,histricos e sociolgicos que circundam e se entrelaam realidade jurdica. Tais disci-plinas, durante tanto tempo desvalorizadas seno de todo excludas dos curriculadasFaculdades de Direito, vieram a ganhar, com a solidificao democrtica, papel centralna formao dos bacharis comprometidos no apenas com a operacionalidade do Direi-to, mas com sua legitimidade e justia.

    A obra que temos a honra e alegria de prefaciar representa um eloquente exemplodas transformaes por que vem passando o estudo do Direito no Brasil. Sua temticacentral leva-nos a um reencontro com a escola de pensamento mais longeva e influen-te do Direito moderno o positivismo jurdico ao mesmo tempo em que lana-nos

    PREFCIO1

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    na compreenso daquela que pode ser considerada como a corrente predominante dopensamento jurdico hodierno: o ps-positivismo. Ao faz-lo, todavia, os seus autores,lvaro Ricardo de Souza Cruz e Bernardo Duarte vo muito alm de uma simples ex-

    planao ou anlise dos conceitos fundamentais pertinentes a estas correntes. A partirde sua narrativa, podemos perceber a tessitura do prprio discurso jurdico-filosfico nacontemporaneidade, onde a percepo das dimenses pragmtica e hermenutica da lin-guagem relativiza a fora dos invlucros conceituais, abrindo espao para um acontecerde sentidos que jamais se exaurem, e convocam-nos ao permanente dilogo e a reflexo.

    A pretenso desveladora lanada j na introduo, onde, a partir das rdo dilogoentre um aluno e um professor, so lanadas as pedras fundamentais para o desenvolvi-mento da obra: o que (so) o(s) positivismo(s) jurdico(s)? Quais os seus pressupostos?Quais os sentidos e fundamentos do pensamento ps-positivista? Qual a importncia dodilogo e dialtica entre tais escolas? Tratar-se-ia de um mero jogo de sombras, em queos embates so construdos a partir de uma simples percepo caricaturesca do outro?

    Evidentemente, a superao do chamado paradigma JP (jusnaturalismo e positi-vismo jurdico) requer, segundo os autores, esforos que vo alm do simples domnioanaltico de elementos conceituais que modelam as escolas positivistas e ps-positivitas,sendo necessrio que o ps-positivismo seja pensado a partir das aporias presentes nodiscurso de muitos de seus divulgadores (como Dworkin) e mesmo das contribuies jexistentes no pensamento de alguns positivistas. Somente assim, deixando-se guiar pelofio condutor do dilogo, torna-se possvel escapar dos lugares comuns, recuperando-se oextrato mais verossmil e slido da contribuio dessas correntes de pensamento.

    A superao de paradigmas exige sempre um hercleo esforo. Na construo doconhecimento jurdico exige-se, antes de tudo, redobrada ateno para com a construo

    do seu prprio discurso de sustentao. que o Direito regido pela palavra, e nojogo das razes linguisticamente proferidas que os seres humanos se aproximam do justo.Assim, ao levar a srio a contribuio da fenomenologia, da filosofia hermenutica e dopensamento de E. Lvinas, W. Benjamin e J. Derrida, as inovaes pretendidas pela obrano poderiam se efetivar caso no partissem de uma reconstruo da prpria escrita ede sua estrutura. com este propsito que os autores lanam mo de alguns recursosestilsticos e metodolgicos pouco ortodoxos.

    Neste sentido, uma nova funo atribuda s notas de rodap, que passam aexercer papel de grande relevo na compreenso do texto principal (...seria mesmo prin-cipal?...). Aqui, elas deixam seu papel tradicional (e marginal talvez numa aluso a obraMargens da Filosofia de Jaques Derrida) seja de referncias complementares ao texto ou

    de exerccio de erudio, para se colocarem como vetores de dilogo e dialetizao comas assertivas contidas na obra. Se a hermenutica to bem nos ensina sobre os limites dodiscurso conceitualista (logos apofntico), a abertura torna-se a chave para o acontecer deuma verdade que ultrapasse a dimenso objetivadora dos conceitos. Como bem mostrouGadamer, o dilogo o fio condutor privilegiado do logos hermenutico, sendo por seuintermdio que podemos desvelar os diversos sentidos que se escondem nas palavras.Ademais, a dupla estrutura da linguagem s poder ser compreendida quando devida-mente ancorada no como de nosso modo de ser-no-mundo. Assim, o dilogo internoexplicitado pelos autores torna-se um evidente facilitador da atividade hermenutica (nosentido mais fundamental) a ser assumida por seus leitores: o de deixar falar verdadeira-

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    mente o texto, abrindo-se ao novo que ele lhes traz. Ao faz-lo, a obra j demonstra porsi s um relevante salto sobre o positivismo jurdico. que aqui se busca uma com-preenso do Direito que ultrapasse os limites do simples entendimentoda tradicionalteoria do conhecimento. Vale dizer, no se cuida apenas de uma atividade epistemolgicaou lgica, enquanto exerccio da razo. A inteno tornar aberta sua prpria linguagempara um compreender de feies essencialmente hermenuticas e ontolgicas, porqueprofundamente vinculado a estrutura existencial Ser-a (Dasein).

    Interessante exemplo pode ser encontrado na nota de rodap em que os autores seutilizam da metfora de Peter Pan, de onde podem ser extradas elucidativas conclusespara o conjunto da obra. Temos ali uma aluso impossibilidade de fugir da responsabi-lidade, que o centro da tica leivinasiana. tambm uma figura que remete a uma visocrtica e reflexiva de nossa corrida com/contra o tempo. Tambm pode ser vista comouma referncia Arte, apontando para a necessidade de abandonarmos o padro de ra-cionalidade cartesiana/galileana. Ademais, ela nos alerta tambm para o fato de que, damesma forma que nos impossvel fugir de nossa sombra, nunca conseguimos superar oslimites da ontologia. Ou seja, mesmo percebendo que h il y a alm da ontologia, nss conseguimos nos expressar na ontologia, o que atesta uma contradio permanenteque nos envolve e nos conduz.

    Igualmente importantes e muito bem contextualizadas so as referncias man-cha e a Gewalt. A primeira traz uma direta referncia a filosofia de W. Benjamim,que, num texto de juventude, Sobre a Pintura ou Sinal e Mancha defende que o Novo manifestado atravs de uma Mancha, cabendo ao pintor a sua nomeao segundo oprprio processo de composio. Mancha que, ao ser nomeada, inscreve-se num sistemade Sinais compartilhados. H aqui mais uma referncia impossibilidade da construo

    racionalista/cartesiana do nosso saber, uma vez que a pincelada de um quadro, a formade uma nuvem, ou mesmo uma sujeira na parede, sempre nos remetem a formas quasesempre humanas, a sensaes que nos fazem viajar sobre seu entendimento. Com re-lao a Gewalt, a explicitao de seus dois sentidos originrios no alemo (quais sejam,Direito, ordem legtima do governo, e, de outro lado, violncia), leva-nos a profunda edesafiadora compreenso de que a criao e aplicao do Direito sempre trazem, impli-citamente, em alguma dimenso, um ato de violncia.

    Ingredientes como hospititabilidade (a hospitalidade hostil, a abertura condiciona-da ao Outro), o trao, khra(bem distante da Khra que se encontra na obra Timeu dePlato), diffrance,passe par tout,subjetile e fenda, conceitos tpicos filosofia de JacquesDerrida se combinam com o emprego da aliterao fontica, a hipstase, o infinito, a al-

    teridade, oil y a, o il faut bien,o outramente que ser,tipicos do pensamento levinasiano,formando um prato que acreditamos vir do norte de Minas, pois traz consigo o temperogostoso da pimenta baiana (ou seria melhor dizer portenha?). At mesmo o emprego donegrito e o excesso de pontos de exclamao atestam um jogo presente e sutil entre alngua falada e a lngua escrita implicando uma dennica dos autores contra os limitesdo conceitualismo logocntrico dominante no Positivismo Jurdico.

    Esses so apenas alguns dos insightsque este prefaciador teve ao ler este instigantetexto que oferecido comunidade jurdica. Muitos outros certamente ho de vir daleitura atenta e crtica da obra. Seria mesmo uma v e contraditria pretenso a de tentarexaurir neste prefcio a extenso de sentidos possveis de serem extrados de tais metfo-

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    ras. Afinal, como bem elucida R. Posner, a grande funo filosfica a ser desempenhadapelas metforas a de lanar uma pessoa para fora de seu atual quadro de referncias,levando-a a olhar para determinada coisa de uma maneira nova, talvez mais esclarece-

    dora (Para alm do direito. Traduo de Evandro Ferreira e Silva. So Paulo: MartinsFontes, 2009, p. 550).

    Ademais, as notas de rodap evocam ainda um dos maiores pensadores da contem-poraneidade, cuja influncia faz-se notar sobre a obra. Trata-se de Emmanuel Lvinas, ogrande terico da alteridade no Ocidente. Autor de uma tica inovadora por muitostida como uma metatica o filsofo lituano procurava explorar justamente as condiesde possibilidade de todo interesse e aes humanas pautadas pelo bem. Sua filosofia uma profunda investigao sobre o significado e extenso da intersubjetividade, girandoem torno de trs grandes temas, quais sejam, a transcendncia, a existncia e o outro.Em Levinas, a prpria linguagem tem sua origem ligada a uma resposta, uma resposta aooutro, a suas demandas e seus anseios. O dilogo revela-se em ltima anlise como umaefetivao desta resposta, sendo por meio dela que podemos perceber a dimenso maisprofunda da prpria intersubjetividade. que o outro nos chama, nos convoca, e noh no mundo nenhuma experincia que possa ser mais transformadora ou chocante queo encontro com esta outra face. Dela exsurgir a responsabilidade verdadeira enquantoexperincia afetiva de transcendncia e fraternidade.

    apenas mediante o dilogo que pode advir a verdadeira voz do outro, que semanifeste no como resistncia, mas sim como instruo. As instigantes e por vezesinquietantes notas de rodap recobram a importante lio de Levinas de que a decisotica fundamental que o eu deve tomar e conservar de manter a dimenso face-a-facedo dilogo, j que atravs deste que a pluralidade do outro se manifesta. Suas inmeras

    vozes lembram-nos de um saber que faz-se tambm revelao, em que, diferentemente daepistemologia de linhagem racionalista da qual se nutrem as correntes positivistas oconhecimento no se coloca como uma instncia de domnio, nem como instrumentopara o exerccio do poder.

    Permeado de didticas metforas e de exemplos prticos de aplicao de seus postu-lados o terceiro captulo revela-se um instigante convite a pensarmos os caminhos e possi-bilidades de superao do paradigma JP (jusnaturalismo e positivismo jurdico). Como aobra aponta, este uma caminho incontornvel se assumirmos a necessria complemen-taridade entre filosofia e cincia, e se compreendermos que tanto jusnaturalistas quantopositivistas assumem como pressuposto uma racionalidade naturalista totalizadora, aqual mostra-se incompatvel com a abertura, o dilogo e a aplicao, postulados centrais

    da filosofia contempornea aps o chamado giro hermenutico-lingustico-pragmtico.Nele mostra-se tambm a imprescindvel necessidade de uma melhor compreenso darelao entre teoria e prtica, a qual constitui, por si s, poderoso elemento de superaode muitos dos axiomas de correntes positivistas. Ainda que possamos no concordar commuitas das posies ali assumidas, h de ser reconhecido o mrito da obra por carrearsuas posies tericas para o mago de discusses jurdicas e judiciais concretas.

    O fio dialgico (e em algum sentido dialtico) que perpassa toda a obra uma de-monstrao da maturidade que vem assumindo o pensamento jurdico brasileiro. tam-bm uma prova do arejamento democrtico e seu poder transformador sobre a realidadee sobre o prprio conhecimento cientfico. Lado outro, foroso reconhecer que o pen-

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    samento tem fora ingente sobre a vivncia humana, chegando mesmo a ser comparadona Antiguidade com os ventos. Apesar de invisveis possuem uma fora manifesta paratodos, e sentimos sempre a sua aproximao e o seu impacto. De fato, a histria nos tem

    demonstrado, de forma prolfica e pungente, a fora das ideias e do pensamento comoinstrumentos de transformao da realidade. As discusses aqui travadas serviro certa-mente de impulso a uma srie de outros textos e reflexes, no contnuo e incessante fazerdo conhecimento humano, apangio de nossa vivncia moderna. que a modernidadeno nos ser jamais servida numa bandeja! Ela no est pronta, e jamais o estar. Porisso o Direito moderno, com todo o rico arcabouo de promessas com que foi erigido,tampouco est. Cabe a ns todos a tarefa ingente de constru-lo e reconstru-lo, sobretudoa partir de suas contradies, de seus percalos, de suas aporias.

    Belo Horizonte, janeiro de 2013

    FERNANDO JOS ARMANDO RIBEIROProfessor Doutor da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas

    Pesquisador visitante da Universidade da Califrnia BerkeleyJuiz Vice-Presidente do Tribunal de Justia Militar de Minas Gerais

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    XVII

    O livroAlm do Positivismo Jurdico, de autoria dos professores lvaro Ricardo deSouza Cruz e Bernardo Augusto Ferreira Duarte, me traz memria uma oportunidadeque tive de sentar em uma mesa de bar com um dos mais proeminentes tericos con-temporneos do direito, que havia recentemente escrito uma valiosa obra em defesa dopositivismo tico ou normativo. Depois de algumas horas de conversa, quando algumas

    de minhas reservas s denominadas teses centrais do positivismo jurdico j haviamtransparecido, tive ento de enfrentar a velha questo em relao a qual todo estudantede direito, desde o primeiro contato com o fenmeno jurdico, tem que se posicionar:afinal de contas, voc positivista ou jusnaturalista?

    A minha resposta no talvez no tenha agradado o interlocutor, mas expressa o quegenuinamente entendo ser o ncleo de um importante argumento em favor do que hojese convencionou denominar, na falta de nomenclatura mais adequada, de ps-positivis-mo: no sou adepto nemdo positivismo e nemdo jusnaturalismo. Em que sentidoessa frase deve ser compreendida, se que possvel derivar uma posio defensvel querejeite a um s tempo o positivismo jurdico e o jusnaturalismo?

    A primeira dificuldade que um estudioso do direito encontra ao se deparar com

    esta indagao que a sua enunciao pressupe a afirmao de uma tese que rompe comum senso comum que ainda sustentado por grande parte dos filsofos do direito donosso tempo, segundo o qual h uma disjuntiva entre positivismo e jusnaturalismo, semdeixar espao para quaisquer posies intermedirias. Esse senso comum reflete o queStanley Paulson, em criterioso estudo sobre o desenvolvimento das principais vertentesdo positivismo contemporneo, denominou de Tese da Exaustividade, segundo a qual ouse positivista oujusnaturalista. Tertium non datur.1

    1 Paulson, Stanley. Continental Normativism and its British Counterpart: How different are they?.RatioJuris, vol. 6, n. 3, 1993, pp. 227-244, p. 228.

    PREFCIO2

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    XVIII

    A segunda dificuldade, por sua vez, refere-se multiplicidade de concepes teri-cas que podem ser associadas tanto ao positivismo quanto ao jusnaturalismo. Diantedo estgio atual de desenvolvimento da filosofia do direito, a aderncia de algum ao

    positivismo ou ao jusnaturalismo deixa obscuros aspectos importantes de suas concep-es acerca do dever de obedincia ao direito, da natureza da obrigao poltica, da formacomo o direito deve ser desenvolvido e interpretado pelos aplicadores do direito, e, lastbut not least, da admissibilidade de se utilizar argumentos pragmticos e morais pararesolver problemas jurdicos concretos.

    A forma mais fcil de enfrentar essas dificuldades comear pela segunda. H quese esclarecer quais so as teses centrais ou comuns a todos os positivistas e a todos osjusnaturalistas antes de se estabelecer se a defesa de um deles pressupe necessariamente aexcluso do outro, bem como se possvel dizer algo compreensvel sobre a natureza dodireito sem se comprometer com uma dessas vertentes do pensamento jurdico.

    Iniciemos pelo jusnaturalismo. Paira sobre as concepes de direito ligadas aojusnaturalismo uma espcie de mistrio, j que os seus crticos raramente conseguemapontar claramente qual a posio acerca da natureza do direito defendida por essespensadores. Costuma-se oferecer, sem uma anlise suficientemente profunda de seus de-fensores, uma viso caricaturada do jusnaturalismo, de acordo com a qual ele sustentariaque o direito seria inteiramente derivado da moral e, portanto, toda norma injusta au-tomaticamente perderia a sua validade. Um olhar mais atento das teses defendidas pelosadeptos do jusnaturalismo mostra, porm, que h importantes detalhes do pensamentojusnaturalista que no so bem explicados por essa caricatura.

    A proposio nuclear de toda teoria jusnaturalista, na realidade, no uma tesesobre o direito, mas sobre a moral. Os defensores da teoria do direito natural, a despeitode suas diferentes concepes metafsicas sobre a natureza do bem e do mal e sobrea fundamentao de obrigaes morais e direitos naturais, convergem quanto ideiade que h um conjunto de princpios bsicos objetivos que indicam a forma correta deatuao prtica, os quais constituem bens que devem ser perseguidos e realizados (...)por todos que tomem em considerao o que deve ser feito2. A tese central do jusna-turalismo, portanto, consiste na afirmao de uma ordem moral esttica que pode serracionalmente conhecida; dizer, pressupe-se uma concepo objetiva de bem que invarivel histrica e culturalmente e reclama validade universal.

    Essa afirmao sobre a natureza da moral, no entanto, no completamente in-dependente do direito. Os jusnaturalistas costumam sustentar, alm da objetividade e,para alguns3, do carter autoevidente dos princpios do direito natural, que o direito

    natural justifica o exerccio da autoridade em uma comunidade: eles exigem, tambm,que a autoridade (o poder) seja exercido de uma maneira convenientemente denominadade Estado de Direito4.

    As proposies centrais do jusnaturalismo, por conseguinte, so (1) a Tese da Ob-jetividade da morale (2) a Tese da Justificao Moral da Autoridade, segundo a qual anormatividade ( dizer, a capacidade de obrigar) do direito depende de sua conformidadecom o direito natural. Da no se segue, porm, necessariamente, nem que todo o direito

    2 Finnis, John. Natural Law and Natural Rights, 2. ed. Oxford: OUP, 2011, p. 23.3 Idem, p. 33.4 Idem, p. 23.

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    positivo derive do direito natural, nem que toda norma jurdica integrante do direitopositivo que apresente um contedo injusto seja automaticamente privada de validadejurdica5.

    Uma vez identificado o ncleo das teorias do direito natural, passemos a mirarsobre o positivismo. Talvez a maior fonte de incompreenses acerca do positivismoresida no fato de os seus crticos no compreenderem ao certo o contexto em que ele defendido contemporaneamente e as teorias da deciso e da interpretao que podem serassociadas a ele. O seguinte excerto de John Gardner, um tpico defensor do positivismoanglo-americano la Hart, elucidativo para se compreender o alcance que os prpriospositivistas do nosso tempo atribuem a suas teorias:

    Positivismo jurdico no uma teoria completa da natureza do direito (...). uma tese sobre avalidade do direito, que compatvel com um vasto nmero de outras teses sobre a natureza dodireito, incluindo-se a tese de que todo o direito vlido por natureza sujeito a objetivos morais

    especiais e imperativos prprios. H uma longa distncia, porm, entre esta tese e a concluso deque o direito vlido respondeapenasaos seus prprios objetivos morais especiais e imperativos,e no ao resto da moralidade6.

    Essa anlise revela que o positivismo jurdico hoje em dia consiste em uma posturamuito mais modesta da que se verificava nos estudos de Bentham, Austin e Kelsen, porexemplo. O positivismo fica limitado a uma tese especfica dentro de uma teoria maisgeral sobre a natureza do direito, e h vrias teorias incompatveis sobre a natureza dodireito que compartilham esse critrio de validade.

    J no se pode falar, tambm, que o positivismo se define apenas pela tese da se-parabilidade entre o direito e a moral. Como explica Coleman, ainda que esta tese esteja

    correta ela simplesmente desinteressante7, pois constitui uma espcie de positivismonegativo que diz muito pouco sobre a natureza do direito. Ao invs de explicar o que o fenmeno jurdico, ela se limita a oferecer uma definio do que no o direito, sendode muito pouca utilidade para se compreender a natureza do direito enquanto prticasocial8.

    H que se procurar, portanto, uma espcie de positivismo positivo, dizer, umapretenso afirmativa sobre o direito9, ou ao menos a enunciao de um critrio devalidade para as normas que o compem. nesse esprito que Joseph Raz enuncia suaTese das Fontes Sociais, segundo a qual todo o direito est baseado em determinadasfontes10. Para Raz, dizer que todo o direito est compreendido nas suas fontes significa

    5 Nesse sentido, para Finnis, no correto dizer que no pensamento de Toms de Aquino a clusula LexInjusta Non Est Lex implique, invariavelmente, a perda de validade para as leis injustas (Finnis, op. cit.,pp. 351-370)

    6 Gardner, John. Legal Positivism: 5 and a Half Myths.American Journal of Jurisprudence, vol. 46, 2001,pp. 199-227, esp. p. 210.

    7 Coleman, Jules. Beyond the Separability Thesis: Moral Semantics and the Methodology of Jurispru-dence. Oxford Journal of Legal Studies, v. 27, 2007, pp. 581-608, esp. 586.

    8 Coleman, Jules. Negative and Positive Positivism, in. M Cohen (org.),Ronald Dworkin and Contempo-rary Jurisprudence. Londres: Duckworth, 1984, pp. 28-48.

    9 Idem, p. 35.10 All law is source-based. Raz, Joseph.Ethics in the Public Domain. Oxford: Clarendon, 1994, p. 210.

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    que sua existncia e contedo pode ser identificado com referncia apenas a fatos so-ciais, sem se recorrer a qualquer argumento valorativo11.

    Sem embargo, apesar do aparente radicalismo dessa posio, equivocado imagi-

    nar que os positivistas sejam todos necessariamente formalistas ou que preguem umaausncia de valorao moral por parte dos juristas prticos. No mais das vezes, eles in-clusive sustentam teses cticas quanto existncia de uma obrigao moral de obedecerao direito12e recomendam, inclusive, que em casos difceis os juzes criem novas normasjurdicas com base em valoraes morais13, mesmo quando essas valoraes morais esta-belecem excees no direito positivo. A interpretao, muitas vezes, descrita por essespositivistas como um processo criativo que pode ir alm do direito.

    Chegamos, portanto, seguinte concluso parcial: no contexto do pensamentojurdico contemporneo, o elemento central do positivismo parece ser no mais a tese daseparabilidade entre o direito e a moral ( dizer, a tese de que inexistem conexes neces-

    srias entre o direito e a moral), mas a tese das fontes sociais, segundo a qual possvelidentificaro direito sem se valer de critrios morais. Essa tese, no entanto, percebidapelos prprios positivistas, seus defensores, como uma afirmao que diz relativamentepouco sobre a natureza do direito, da obrigao poltica e da forma adequada de se de-cidir casos difceis.

    Essa concluso parcial nos leva a outra, que tem ntima relao com a obra queestou a apresentar: mesmo para os positivistas, imperioso construir uma teoria que v

    alm do positivismo. At mesmo os seus defensores mais radicais entre os filsofos dodireito contemporneos, como John Gardner, Jules Coleman e Joseph Raz, tm plenaconscincia de que o positivismo uma teoria jurdica limitada e insatisfatria, mesmose ele estiver correto. Ele h de ser, sempre, completado tanto por uma teoria da deciso

    e da interpretao do direito, quanto por uma teoria que explique a normatividade (dizer, a fora obrigatria) das regras de direito positivo.

    Creio que essa concluso revela um amadurecimento do positivismo jurdico con-temporneo. Sem embargo, o livro de lvaro Ricardo de Souza Cruz e Bernardo AugustoFerreira Duarte vai muito alm dessa autocrtica dos positivistas. Ele transcende, e muito,a simples ideia de que as teorias jurdicas positivistas devem ser completadas ou inte-gradas por uma teoria da argumentao e uma teoria da normatividade do direito. Oque o livro que apresento ao leitor reclama muito mais do que preencher as lacunasou remediar deficincias pontuais do positivismo, pois questiona a prpria forma depensar de toda a tradio positivista. Ele adota o que eu denomino de ps-positivismoe rejeita, com maestria, tanto o jusnaturalismo como o positivismo.

    Adota-se uma postura hermenutica em relao ao fenmeno jurdico que incor-pora uma tradio filosfica que est muito alm do debate em lngua inglesa sobre aidentificao do direito. Com a invocao da hermenutica filosfica e de uma tradioque vem desde Heidegger, os autores questionam no apenas as teses dos positivistascontemporneos, mas a prpria metodologia filosfica desses autores.

    11 Idem, p. 211.12 Raz, Joseph. The Morality of Freedom. Oxford: OUP, 1986.13 Ver, por exemplo, Raz, Joseph.Between Authority and Interpretation.Oxford: OUP, 2009, esp. pp. 322-

    370 (sobre a interpretao constitutional).

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    Sem sustentar a pretenso de aprofundar nas teses filosficas dos autores, possooferecer um exemplo recente que demonstra o quo radical e frutfero esse ataque geralao positivismo pode ser. Refiro-me ao debate ocorrido no Reino Unido entre alguns de

    seus principais filsofos do direito aps o julgamento do casoFactortame, na dcada de199014. Em 1972, o Parlamento britnico aprovou oEuropean Community Act, que foiconfirmado em 1975 por um referendum popular, estabelecendo a primazia do direitocomunitrio europeu sobre a legislao estatal.Factortame importante porque o pri-meiro caso naquele pas a afirmar a primazia do direito comunitrio face a uma lei apro-vada pelo parlamento depoisdo European Community Act 1972.A celeuma jurdica,portanto, era se o parlamento poderia ter alterado o princpio constitucional implcito(lembramos, aqui, que apesar de no haver constituio escrita no Reino Unido h umconsenso acerca de certas convenes constitucionais previstas tanto em leis ordinriasquanto em certas normas costumeiras15) segundo o qual a soberania reside no Parlamen-

    to, no havendo qualquer outra esfera superior de deciso poltica.Uma vez que os juzes daHouse of Lords(que na poca possua uma Cmara Judi-cial que exercia as competncias jurisdicionais atualmente depositadas na Suprema Cor-te do Reino Unido) decidiram que o Merchant Shipping Act 1988era uma lei invlidaporque ela no poderia alterar normas jurdicas do direito comunitrio europeu, algunsjuristas britnicos sustentaram que uma revoluo, ou pelo menos uma revoluo emsentido tcnico, tinha ocorrido na Gr-Bretanha. Ainda que o caso Factortame notivesse ele prprio feito uma revoluo judicial, ele deve ao menos ter reconhecido queuma revoluo j houvera ocorrido16.

    De acordo com esse argumento, aduzido por Sir W. Wade, antes da entrada emvigor doEuropean Community Act 1972havia uma conveno constitucional bem esta-

    belecida no direito do Reino Unido de que o princpio da soberania do parlamentoerao que Hart chamaria de a regra [ltima] de reconhecimento daquele pas. Uma vez queesta conveno constitucional a regra de reconhecimento, o parlamento no poderiater juridicamentealterado a hierarquia das leis no sistema jurdico britnico. Portanto,a nica forma de se explicar o fato de que hoje em diao direito do Reino Unido admiteque as provises do direito da Comunidade Europeia precedem sobre os atos do parla-mento reconhecer que uma revoluo ocorreu naquele pas.

    Esta interpretao foi duramente criticada por Trevor Allan, que argumentou quea tese de Wade est baseada em uma concepo estreita sobre as regras fundamentaisdo direito, pois sugere que o desenvolvimento dessas regras um processo que no estsujeito a argumentos de princpio, mas apenas influncia de consideraes polticas17.

    Os pontos fundamentais da crtica de Allan eram, primeiramente, que as regras cons-titucionais fundamentais pertencem ao common lawe no ao direito legislador e, em

    14 Factortame v Secretary of State for Transport[1991] A.C. 603.15 Ver, por todos, Marshall, Geoffrey. Constitutional Conventions: The Rules and Forms of Political Account-

    ability. Oxford: Clarendon, 1984.16 Sir W. Wade, Sovereignty Revolution or Evolution?Law Quarterly Review, vol. 112, 1996, p. 568-s.

    Confiei, aqui, na reconstruo de Neil MacCormick deste raciocnio, em MacCormick, Neil. QuestioningSovereignty: Law, State and Nation in the European Commonwealth. Oxford: OUP, 1999, p. 79.

    17 Allan, Trevor.Law, Liberty and Justice. 1993, citado por MacCormick, Questioning Sovereignty, cit. p.81.

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    segundo lugar, que a forma correta de se interpret-las no com o auxlio da inade-quada teoria jurdica positivista, mas segundo o modelo dworkiniano de argumentaofundada em princpios18.

    Como podemos ver, este um debate que ascende at os prprios fundamentosdo direito19.

    Trata-se de um debate que Dworkin designaria como uma desavena terica(theoretical disagreement), dizer, uma desavena sobre os prprios fundamentos dodireito positivo20, cuja soluo crucial para se determinar as competncias do parlamen-to. Com efeito, um debate no s sobre a questo acadmica da natureza do direito,mas tambm sobre a concepo de direito pressuposta pela constituio, dizer, sobre osignificado das regras institucionais que definem o contedo da constituio.

    Nesse sentido, MacCormick argumenta que as crticas de Allan a Wade demons-tram tanto a fora como a fraqueza dos ataques ao positivismo e sua preocupao como pedigree das normas jurdicas21. A fraqueza dos crticos do positivismo que umadesavena constitucional como a que aparece emFactortameno pode ser resolvida semuma investigao sobre o que se pode chamar de regras institucionais [fundamentais]da constituio22, as quais no podem ser identificadas sem um mtodo relacionado aopedigree (ou s fontes sociais do direito) para se estabelecer um fato social de naturezainstitucional.

    A fora, por sua vez, que este tipo de controvrsia constitucional s pode ser re-solvida por meio de uma interpretao construtiva dos fundamentos do sistema jurdico.Para MacCormick, bvio que ser fracassada qualquer tentativa de se entender umaordem constitucional segundo a teoria de Hart ou qualquer outra, (...) a no ser que oterico se engaje em uma argumentao interpretativa23.

    Podemos ver, portanto, que MacCormick est plenamente ciente de que nenhumateoria baseada em fatos sociais ou no pedigree das normas jurdicas inteiramentesuficiente para resolver as desavenas tericas sobre a natureza da constituio. Parecebastante claro, portanto, que ele est defendendo uma espcie de ps-positivismo, queno descarta completamente todos os insights do positivismo, j que pretende encontraros fundamentos do direito em fatos institucionais. Sem embargo, ele sustenta que essesfatos institucionais devem ser interpretados por meio de uma teoria compreensiva ouhermenutica, que preserve a integridade da constituio. Em suas prprias palavras,

    Compreender uma constituio no compreender qualquer regra especfica nela contidacomo sendo fundamental; compreender como as regras constitucionais interagem e fazemreferncias cruzadas com as outras, e como todas elas fazem sentido luz dos princpios de

    associao poltica que se tem como certo que elas expressam. Se h uma obrigao fundamentalaqui, uma obrigao em relao constituio como um todo. a obrigao de respeitar aintegridade de uma constituio enquanto tal, uma obrigao que dotada de significado tantoem momentos de estabilidade poltica quanto em momentos mais dinmicos24.

    18 MacCormick, Questioning Sovereignty, p. 81.19 Idem, 81.20 Dworkin, Ronald.Laws Empire. Cambridge, MA: Belknap. 11. reimp., 2000.21 MacCormick, Questioning Sovereignty, p. 91.22 Ibid., 92.23 Ibid., 92.24 Ibid., 93.

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    Podemos concordar com MacCormick, portanto, que a nica forma de solucionarum caso difcil como esse adotar uma atitude interpretativa em relao constituio econstruir, por meio de um processo hermenutico que supere as autolimitaes metodo-

    lgicas do positivismo, uma concepo acerca do significado da constituio.Ainda que os positivistas estejam certos em dizer que para estabelecer o que o di-

    reito o terico deve observar um fato social ou institucional, a existncia de desavenastericas como a que foi retratada no exemplo acima demonstra que esses fatos sociaisdevem ser interpretados com a ajuda de ferramentas hermenuticas como os que seroapresentadas nas pginas que se seguem, e no meramente descritos como se eles fossemobjetos fsicos autoevidentes.

    nesse sentido que entendo o ps-positivismo contemporneo: como uma teoriaque vai alm do positivismo jurdico, pois encara a realidade sob as lentes de uma herme-nutica filosfica que no se satisfaz com a meta-teoria neutra e desengajada defendidapor positivistas como Kelsen e Hart. E por perceber essa deficincia do positivismo epor propor uma leitura filosfica do direito que transcende as amarras do pensamentodo positivismo que, entre outras razes, o livro que o leitor tem em mos constitui umgrande salto de qualidade no pensamento jurdico contemporneo.

    Um dos aspectos salutares em que se supera o positivismo a superao do mitoda autonomia da cincia do direito, que se liga pretenso de isolar o objeto direitoda moral, da poltica e da prpria sociedade. Com efeito, uma das consequncias de seadotar as teses do positivismo sobre a validade do direito se ver o direito como cons-trudo de maneira autorreferencial, com fundamento em cadeias de validade e dotado decontedo inteiramente determinado por simples decises polticas carentes de justifica-o racional. Nesse ambiente, a teoria do direito uma teoria geral que constitui umempreendimento que pode ser realizado com independncia da linguagem e das prticassociais em que se constri o conhecimento jurdico. A teoria do direito (theory of law),poderia, portanto, ser claramente diferenciada tanto da teoria da deciso (theory of

    adjudication)quanto da teoria da interpretao25.Essa separao, que correlata s distines entre cincia e filosofia do direito e

    entre teoria e prtica jurdica, um dos males a serem combatidos pelo pensamentojurdico do nosso tempo. E eu no tenho dvida de que lvaro Ricardo de Souza Cruze Bernardo Augusto Ferreia Duarte esto na direo certa quando eles sustentam, nestelivro, que

    ingnuo pensar que as questes dogmticas, no campo do Direito ou de qualquer outra Cin-cia, estejam isentas de pressupostos filosficos. Na realidade, a despeito da resistncia de grande

    parte dos alunos, a Filosofia serve Cincia Jurdica na mesma proporo em que esta podeservir quela. No h como se chegar a uma questo terica sem antes lanar mo de vivnciasprticas. So os problemas de ordem prtica que afetam o ser lanado e, exatamente emdecorrncia disso, chegam a ser tratados pela Filosofia ou pela Cincia. Isso se aplica como umaluva para o Direito26.

    O livro que apresento ao leitor tem, portanto, muito a inovar tanto na teoria jur-dica brasileira quanto no debate internacional sobre a natureza do pensamento jurdico

    25 Raz, Joseph.Ethics in the Public Domain, cit., pp. 195-209.26 Neste livro, p. 237.

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    Mphistophls: [] arrtez-vous aux mots! et vous arriverez alors par laroute la plus sre au temple de la certitude.

    Lcolier: Cependant un mot doit toujours contenir une ide.

    Mphistophls: Fort bien ! mais il ne faut pas trop sen inquiter, car, o lesides manquent, un mot peut tre substitu propos ; on peut avec des mots

    discuter fort convenablement, avec des mots btir un systme [...]. (Goethe,Faust, scne du cabinet dtude, trad. G. de Nerval).

    Muitos colegas preferem no um mtodo construtivo-colaborativo mas o mtodocrtico-dialtico e avaliam o trabalho dos outros a partir de uma nica posio: a sua pr-pria. Ao contrrio, tal como Neil MacCormick, um ps-positivista, para fazer a resenhade uma obra ou apresent-la, tento primeiro colocar-me na posio de quem escreveua obra. E claro que levo muito tempo, ao tentar compreender assim uma obra, paradescobrir se estou ou no de acordo com ela.

    Quatro pequenas notas de rodap levaram os autores de Alm do positivismo jur-dico, no segundo captulo, a um belo dilogo acadmico com Dimitri Dimoulis (e a um

    debate, de modo mais indireto, com Noel Struchiner) e, no terceiro e ltimo captulo,a retomar e melhor esclarecer a concepo ps-positivista de Direito que adotam. Olivro de Dimitri Dimoulis (2006) j tinha levado um dos autores, na sua dissertao demestrado, a explicitar melhor o que entendia por positivismo jurdico e por uma abor-dagem ps-positivista do direito (ver Duarte, 2012). Agora, os dois autores retomam, noprimeiro captulo, o que j tinham dito antes e tentam expor mais detalhadamente o queentendem por positivismo jurdico e por positivismo. Insistem que consideram o positi-vismo como paradigma epistemolgico e que o sentido que deram a esse termo tem sidomal compreendido por seus leitores e crticos. No se tratava, portanto, de caricaturar asorigens do positivismo jurdico. Mas fazem uma autocrtica (que se estende na forma de

    APRESENTAO

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    uma objeo a Dimoulis): no tinham dado importncia nos seus trabalhos anteriores, eprincipalmente em Duarte (2012), para a prpria posio de MacCormick e sua guinadaps-positivista, e por isso tinham optado por cont-lo sem maiores questionamentos

    entre os positivistas jurdicos contemporneos.Como o prprio ttulo e um rpido olhar sobre o sumrio j mostram, a obra

    contribui para o debate acadmico sobre duas das mais importantes teorias do direitocontemporneas. Os Professores lvaro Ricardo de Souza Cruz e Bernardo Augusto Fer-reira Duarte desenvolvem, de maneira clara e bastante didtica, a verso que defendemdo ps-positivismo, por eles denominada de crtico-deliberativa, indicando suas tesessobre a legitimidade e a aplicao do direito.

    No sei quais sero os caminhos que os autores seguiro de agora em diante, masespero ter o prazer de poder parar num cruzamento e conversar um pouco sobre as con-tribuies do ps-positivismo para melhor entender, hoje, direito, democracia e justiapartindo do pluralismo tico e social.

    Belo Horizonte, 03 de maro de 2013

    THERESA CALVET DE MAGALHESProfessora aposentada da UFMG (FAFICH- Departamento de Filosofia)

    Professora do Curso de Ps-Graduao em Direito da UNIPAC em Juiz de Fora (MG)