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Presidente Adilson Ratund Vice-Presidente Jair de Souza Junior Reitor Marcos Fernando Ziemer Vice-Reitor e Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Valter Kuchenbecker Pró-Reitor de Administração Levi Schneider Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Erwin Francisco Tochtrop Júnior Pró-Reitor de Graduação Ricardo Willy Rieth Pró-Reitor Adjunto de Graduação Pedro Antonio González Hernández Capelão Geral Lucas André Albrecht ALETHEIA Revista de Psicologia da ULBRA Disponível on-line pelo portal PePSIC: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php Indexadores: Index-Psi Periódicos (CFP); LILACS (BIREME); IBSS; PsycINFO (APA); PePSIC; Latindex; CLASE; Redalyc Conselho Editorial Profa. Dra. Claudia Szobot Profa. Dra. Ligia Schermann Profa. Dra. Lilian Palazzo Profa. Dra. Mayte Amazzaray Editora Profa. Dra. Aline Groff Vivian Editoras desta Edição Especial Profa. Dra. Anamélia Franco (UFBA) Profa. Dra. Sheila Gonçalves Câmara (ULBRA, UFSCPA) Conselho Editorial Especial Profa. Dra. Alice Maggi Profa. Dra. Anamélia Lins e Silva Franco Profa. Dra. Cléria Maria Lobo Bittar Prof. Dr. Enrique Saforcada Prof. Dr. João Eduardo Coin-Carvalho Prof. Dr. Jorge Castellá Sarriera Prof. Dr. Lélio Moura Lourenço Profa. Dra. Maria Angela Mattar Yunes Profa. Dra. Maria de Fatima Quintal de Freitas Profa. Dra. Maria Manuela Calheiros Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva Profa. Dra. Sheila Gonçalves Câmara Prof. Dr. Telmo Mota Ronzani Profa. Dra. Verônica Morais Ximenes Conselho Científico Dr. Adolfo Pizzinato (PUCRS, Porto Alegre/RS) Dra. Ana Maria Jacó-Vilela (UERJ, Rio de Janeiro/BR) Dra. Cristina Maria Leite Queirós (Universidade do Porto/PO) Dra. Dóris Vasconcelos Salençon (Sorbonne, Paris/FR) Dr. Eduardo A. Remor (UAM, Madrid/ES) Dr. Fábio de Oliveira (USP, São Paulo/SP) Dr. Francisco Martins (UnB, Brasília/BR) Dr. Hugo Alberto Lupiañez (UDA - Mendoza/AR) Dra. Isabel Arend (UG, Bangor/UK) Dr. João Carlos Alchieri (UFRN, Natal/BR) Dr. Jorge Béria (ULBRA, Canoas/BR) Dr. José Carlos Zanelli (UFSC - Florianópolis/SC) Dra. Liliana Andolpho Magalhães Guimarães (USP, São Paulo Dr. Marcus Vinicius de Oliveira Silva (UFBA - Salvador/BA) Assitente editorial da Edição Especial Mara Cristiane von Mullen Dra. Maria Lúcia Tiellet Nunes (PUCRS, Porto Alegre/RS) Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi (CEULM, Manaus, AM) Dra. Marília Veríssimo Veronese (UNISINOS, São Leopoldo/RS) Dr. Mário Cesar Ferreira (UnB, Brasília/BR) Dr. Makilim Nunes Baptista (USF-Itatiba,SP) Dr. Pedro Gil-Monte (UV-Valência/ES) Dr. Ramón Arce (USC, Santiago de Compostela/ES) Dr. Ricardo Gorayeb (FMRP-USP, Ribeirão Preto/BR) Dra. Rita de Cássia Petrarca Teixeira (ULBRA – Gravataí/BR) Dra. Suzana Alves (Edinburgh College of Art – UK) EDITORA DA ULBRA Diretor: Astomiro Romais Coordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes Capa: Everaldo Manica Ficanha Editoração: Roseli Menzen Solicita-se permuta. We request exchange. On demande l’échange. Wir erbitten Austausch. Endereço para permuta/exchange Universidade Luterana do Brasil - ULBRA Biblioteca Martinho Lutero - Setor de Aquisição Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 5 CEP: 92425-900 - Canoas/RS - Brasil Fone: (51) 3477.9276 - E-mail: [email protected] Assistentes editoriais Claudia Correa da Rocha e Sheila Caroline Hnediuk de Melo PORTAL DE PERIÓDICOS DA ULBRA Gerência: Agostinho Iaqchan Ryokiti Homa ALETHEIA Revista de Psicologia Nº 37 - Jan./Abr. 2012 ISSN: 1981-1330 Matérias assinadas são de responsabilidade dos autores. Direitos autorais reservados. Citação parcial permitida, com referência à fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas A372 Aletheia / Universidade Luterana do Brasil. – N. 1 (jan./jun. 1995)- . – Canoas : Ed. ULBRA, 1995- . v. ; 27 cm. Semestral, jan./jun. 1995-jul./dez. 2009; quadrimestral, jan./abr. 2010 - ISSN 1413-0394 1. Psicologia – periódicos. I. Universidade Luterana do Brasil. CDU 159.9(05)

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PresidenteAdilson Ratund

Vice-PresidenteJair de Souza Junior

ReitorMarcos Fernando Ziemer

Vice-Reitore Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários

Valter Kuchenbecker

Pró-Reitor de AdministraçãoLevi Schneider

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoErwin Francisco Tochtrop Júnior

Pró-Reitor de GraduaçãoRicardo Willy Rieth

Pró-Reitor Adjunto de GraduaçãoPedro Antonio González Hernández

Capelão GeralLucas André Albrecht

ALETHEIARevista de Psicologia da ULBRA

Disponível on-line pelo portal PePSIC:http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php

Indexadores: Index-Psi Periódicos (CFP);LILACS (BIREME); IBSS; PsycINFO (APA);

PePSIC; Latindex; CLASE; Redalyc

Conselho Editorial Profa. Dra. Claudia Szobot

Profa. Dra. Ligia SchermannProfa. Dra. Lilian Palazzo

Profa. Dra. Mayte Amazzaray

Editora Profa. Dra. Aline Groff Vivian

Editoras desta Edição EspecialProfa. Dra. Anamélia Franco (UFBA)

Profa. Dra. Sheila Gonçalves Câmara (ULBRA, UFSCPA)

Conselho Editorial EspecialProfa. Dra. Alice Maggi

Profa. Dra. Anamélia Lins e Silva FrancoProfa. Dra. Cléria Maria Lobo Bittar

Prof. Dr. Enrique SaforcadaProf. Dr. João Eduardo Coin-Carvalho

Prof. Dr. Jorge Castellá Sarriera

Prof. Dr. Lélio Moura LourençoProfa. Dra. Maria Angela Mattar YunesProfa. Dra. Maria de Fatima Quintal de FreitasProfa. Dra. Maria Manuela CalheirosProfa. Dra. Rosalina Carvalho da SilvaProfa. Dra. Sheila Gonçalves CâmaraProf. Dr. Telmo Mota RonzaniProfa. Dra. Verônica Morais Ximenes

Conselho CientíficoDr. Adolfo Pizzinato (PUCRS, Porto Alegre/RS)Dra. Ana Maria Jacó-Vilela (UERJ, Rio de Janeiro/BR)Dra. Cristina Maria Leite Queirós (Universidade do Porto/PO)Dra. Dóris Vasconcelos Salençon (Sorbonne, Paris/FR)Dr. Eduardo A. Remor (UAM, Madrid/ES)Dr. Fábio de Oliveira (USP, São Paulo/SP)Dr. Francisco Martins (UnB, Brasília/BR)Dr. Hugo Alberto Lupiañez (UDA - Mendoza/AR)Dra. Isabel Arend (UG, Bangor/UK)Dr. João Carlos Alchieri (UFRN, Natal/BR)Dr. Jorge Béria (ULBRA, Canoas/BR)Dr. José Carlos Zanelli (UFSC - Florianópolis/SC)Dra. Liliana Andolpho Magalhães Guimarães (USP, São PauloDr. Marcus Vinicius de Oliveira Silva (UFBA - Salvador/BA)

Assitente editorial da Edição EspecialMara Cristiane von Mullen

Dra. Maria Lúcia Tiellet Nunes (PUCRS, Porto Alegre/RS)Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi (CEULM, Manaus, AM)Dra. Marília Veríssimo Veronese (UNISINOS, São Leopoldo/RS)Dr. Mário Cesar Ferreira (UnB, Brasília/BR)Dr. Makilim Nunes Baptista (USF-Itatiba,SP)Dr. Pedro Gil-Monte (UV-Valência/ES)Dr. Ramón Arce (USC, Santiago de Compostela/ES)Dr. Ricardo Gorayeb (FMRP-USP, Ribeirão Preto/BR)Dra. Rita de Cássia Petrarca Teixeira (ULBRA – Gravataí/BR)Dra. Suzana Alves (Edinburgh College of Art – UK)

EDITORA DA ULBRADiretor: Astomiro RomaisCoordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes Capa: Everaldo Manica FicanhaEditoração: Roseli Menzen

Solicita-se permuta. We request exchange.On demande l’échange.Wir erbitten Austausch.

Endereço para permuta/exchangeUniversidade Luterana do Brasil - ULBRABiblioteca Martinho Lutero - Setor de AquisiçãoAv. Farroupilha, 8001 - Prédio 5CEP: 92425-900 - Canoas/RS - BrasilFone: (51) 3477.9276 - E-mail: [email protected]

Assistentes editoriaisClaudia Correa da Rocha e Sheila Caroline Hnediuk de Melo

PORTAL DE PERIÓDICOS DA ULBRAGerência: Agostinho Iaqchan Ryokiti Homa

ALETHEIARevista de PsicologiaNº 37 - Jan./Abr. 2012

ISSN: 1981-1330

Matérias assinadas são de responsabilidade dos autores. Direitos autorais reservados.Citação parcial permitida, com referência à fonte.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero – ULBRA/Canoas

A372 Aletheia / Universidade Luterana do Brasil. – N. 1

(jan./jun. 1995)- . – Canoas : Ed. ULBRA, 1995- . v. ; 27 cm. Semestral, jan./jun. 1995-jul. /dez. 2009; quadrimestral, jan./abr. 2010 - ISSN 1413-0394 1. Psicologia – periódicos. I. Universidade Luterana do Brasil.

CDU 159.9(05)

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Sumário

4 Editorial

Artigos internacionais7 Salud comunitaria, gestión de salud positiva y determinantes sociales de la salud y la

enfermedad Saúde comunitária, gestão de saúde positiva e determinantes sociais da saúde e da doença Community health, positive health management and social determinants of health and disease Enrique Saforcada

23 Extravasamento trabalho-família: quando é que as condições de trabalho contribuem para práticas maternas abusivas?

Extravasation work-family: When working conditions contribute to maternal abusive practices?

Extravasación trabajo-familia: Cuando las condiciones de trabajo contribuyen a prácticas maternas abusivas?

Maria Manuela Calheiros; Maria Luísa Lima; Carla Silva

Artigos de pesquisa

42 A violência familiar como fator de risco para o bullying escolar: contexto e possibilidades de intervenção

Family violence as a risk factor for school bullying: Context and possibilities for intervention La violencia familiar como factor de riesgo para el bullying escolar: contexto y posibilidades

de intervención Lélio Moura Lourenço; Luciana Xavier Senra 57 Fortalecendo redes sociais: desafi os e possibilidade na prevenção ao uso de drogas na atenção

primária à saúde fortalecendo redes sociais Strengthening social networks: Challenges and opportunities preventing the use of drugs in

primary health care Fortalecimiento de las redes sociales: desafíos y posibilidades em la prevención del uso de

drogas em la atención primaria de salud Fernando Santana de Paiva; Pedro Henrique Antunes da Costa; Telmo Mota Ronzani

Aletheia, revista quadrimestral editada pelo curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, publica artigos originais, relacionados à Psicologia, perten-centes às seguintes categorias: artigos de pesquisa, artigos de atualização, resenhas

e comunicações. Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores, e as opiniões e julgamentos neles contidos não expressam necessariamente o pensamento dos Editores ou do Conselho Editorial.

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73 Um estudo sobre percepções de profi ssionais de um serviço de atendimento às vítimas de violência e exploração sexual

A study on the professional´s perceptions of a service for victims of violence and sexual exploitation Un estudio sobre percepciones de profesionales de un servicio de atención a víctimas de

violencia y explotación sexual Beatriz Mello de Albuquerque; Narjara Mendes Garcia; Maria Angela Mattar Yunes

91 Bem-estar pessoal de pais e fi lhos e seus valores aspirados Personal well-being of parents and children and their aspirated values Bienestar personal de padres e hijos y sus valores aspirados Jorge Castellá Sarriera; Verônica Morais Ximenes; Lívia Bedin; Anelise Lopes Rodrigues;

Fabiane Friedrich Schütz; Carme Montserrat; Caroline Lima Silva

105 Crenças básicas e bem-estar pessoal em adolescentes brasileiros World assumptions and personal well-being in Brazilian adolescents Creencias básicas y bienestar personal en adolescentes brasileños Jorge Castellá Sarriera; Eveline Favero; Ângela Carina Paradiso; Tiago Zanatta Calza

121 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas e a Psicologia Psychosocial Care Centers Alcohol and Drugs and the Psychology Centro de Atención Psicosocial Alcohol y Drogas y la Psicología Chalana Piva Larentis; Alice Maggi

133 Estilos de vida de adolescentes escolares no sul do Brasil Lifestyles of scholastic adolescents in Southern Brazil Estilos de vida de adolescentes escolares del sur de Brasil Sheila Gonçalves Câmara; Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts; Gehysa Guimarães Alves

149 Desafi os nas ações de atenção primária: estudo sobre a instalação de programa de visitas

domiciliares para mães adolescentes Challenges in primary care actions: A study on the installation of a program of home visiting

for teenage mothers Desafíos en las acciones de atención primaria: un estudio sobre la instalación de un programa

de visitas domiciliarias a madres adolescentes João Eduardo Coin-Carvalho; Fabiana Cristina Federico Esposito

162 Processos de fortalecimento em um Movimento Comunitário de Saúde Mental no Nordeste do Brasil: novos espaços para a loucura

Empowerment processes in a Community Mental Health Movement in Northeast of Brazil: New spaces for the madness

Procesos de fortalecimiento en un Movimiento Comunitario de Salud Mental en el Nordeste de Brasil: nuevos espacios para la locura

Maria Aparecida Alves Sobreira Carvalho; Verônica Morais Ximenes; Maria Lúcia Magalhães Bosi

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177 A qualidade da educação e o professor por um fi o: o cotidiano docente na ótica da psicologia social comunitária

The quality of education and the teacher about to collapse: The daily teaching experience from the perspective of social community psychology

La calidad de la educación y el profesor a punto de colapsar: el cotidiano del profesor desde la perspectiva de la psicología social comunitaria

Maria de Fatima Quintal de Freitas; Lygia Maria Portugal Oliveira

197 Treinamentos corporativos, qualidade de vida e saúde do trabalhador Corporative training, quality of life and worker health Entrenamiento corporativo, calidad de vida y salud del trabajador Fabio Scorsolini-Comin; Rosalina Carvalho da Silva; Leandro Gilio

212 Percepções, expectativas e conhecimentos sobre o parto normal: relatos de experiência de parturientes e dos profi ssionais de saúde

Perceptions, expectations and knowledge about the normal delivery: Experience reports of mothers and health professionals

Percepciones, expectativas y conocimientos sobre el parto normal: relatos de experiencia de puerperas y e de los profesionales de la salud

Bruna Cardoso Pinheiro; Cléria Maria Lobo Bittar

Relato de experiência228 O grupo Maternar... Uma experiência com mulheres gestantes e com estudantes da área de

saúde – UFBa The group Maternar... experience with pregnant women and health care students - UFBa El grupo Maternar ... Una experiencia con mujeres embarazadas y estudiantes de salud - UFBa Anamélia Lins e Silva Franco

Resenhas235 Saúde Comunitária: conhecimentos e experiências na América Latina

Anamélia Lins e Silva Franco

238 Psicologia Clínico-Comunitária Ana Luisa Teixeira de Menezes

241 Instruções aos autores

247 Instructions to authors

253 Instrucciones a los autores

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Editorial

É com grande satisfação que recebemos da revista Aletheia o convite para um número monográfi co com artigos do Grupo de Trabalho (GT) em Saúde Comunitária da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), tendo a oportunidade de interagir com os leitores e socializar nossos estudos.

O GT do qual formam parte os autores foi constituído em 2010, no XII Simpósio da ANPEPP, em Fortaleza, proveniente do GT em Psicologia Comunitária, o qual foi criado no ano 2000 no Simpósio de Serra Negra (SP). Posteriormente, com um grupo mais identifi cado no âmbito da promoção da saúde, foi criado o GT de Saúde Comunitária. Consolidou-se o mesmo em 2012, no XIV Simpósio da ANPEPP, em Belo Horizonte, com 14 membros de três países (Argentina, Brasil e Portugal), de 5 Estados do Brasil (RS-SP-MG-CE-BA), e de 12 Universidades (UBA, ISCTE, UFRGS, ULBRA, UFCSPA, UCS, FURG, USP, UNIFRA, UFC, UFBa, UFJF). O que caracteriza os membros do GT é a sua preocupação pela promoção da saúde e pelo protagonismo da comunidade nas suas relações com o sistema de Saúde, assim como o uso de conceitos, estratégias e metodologias oriundos da Psicologia Social Comunitária, com as quais os autores se identifi cam.

Os principais objetivos do GT de Saúde Comunitária são: - Reunir esforços na promoção da saúde e no desenvolvimento de pesquisas e

atividades que visem solucionar ou mitigar os problemas que afetam o bem-estar das comunidades;

- Incrementar a capacidade de pesquisa e desenvolvimento, tanto tecnológico como de recursos humanos, e as possibilidades de fortalecimento das ações que desenvolvem na atualidade ou aquelas que no futuro sejam implementadas junto com as comunidades;

- Aprofundar a construção do paradigma de Saúde Comunitária e no desenvolvimento de estratégias que fortaleçam a participação comunitária;

- Incrementar o intercâmbio entre todos os membros do GT, através do desenvolvimento de ações conjuntas e do avanço na investigação da Saúde Comunitária.

A seguir, apresentamos o presente número da revista Aletheia sobre Saúde Comunitária. Na autoria dos artigos, vamos salientar o nome dos coautores membros do GT, embora sejam elaborados junto com outros autores das suas equipes. O primeiro artigo é do professor e pioneiro da Saúde Comunitária em Argentina, o prof. Enrique Saforcada, da Universidade de Buenos Aires. Ele faz o enquadre teórico e epistemológico do novo paradigma em Saúde Comunitária, trata de sua relação com a gestão da saúde positiva e com os determinantes sociais da saúde. A cooperação com o prof. Saforcada é de longa data entre os membros do GT, e várias são as publicações conjuntas, especialmente com o autor dessas linhas, entre elas o livro Introdução à Psicologia Comunitária, da Editora Sulina. Entre os artigos internacionais, temos, também, o das professoras Manuela Calheiros e Luisa Lima, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), membros do nosso GT, trazendo a situação da mulher no trabalho e os possíveis efeitos moderadores para a construção de uma relação saudável entre trabalho-família.

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Os artigos nacionais neste número monográfi co, podemos classifi cá-los segundo seu contexto de estudo: Comunidade, Serviços de Saúde e Escola. No Contexto da Comunidade, destacamos o trabalho da profa. Verônica Ximenes, coordenadora do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM-UFC), que, com sua equipe, apresenta um relato de pesquisa-intervenção com participantes do Movimento de Saúde Mental, visando a seu fortalecimento e à conquista dos seus próprios espaços de manifestação de loucura. Já no Contexto de Serviços de Saúde, a profa. Maria Angela Mattar Yunes, coordenadora do CEP-Rua (FURG) e sua equipe fazem uma análise de um Programa Governamental chamado Sentinela, que busca garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente, destinado ao atendimento desta população vítima de violência, abuso e exploração sexual. Três outros artigos focalizam os Serviços de Saúde voltados às gestantes ou à maternidade: um da profa. Anamélia Franco, coordenadora do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde (IHAC/UFBA), relatando sua experiência no trabalho com Grupos de Gestantes; o prof. João Carvalho foca o atendimento psicossocial de mães adolescentes em Visitas Domiciliares e a profa. Cléria Bueno (UFR) nos traz a discussão do parto normal através de relatos. Outro grupo de trabalhos se localiza na temática do Álcool e Drogas, como o da profa. Alice Maggi (UCS-RS), a qual faz uma análise de um serviço do CAPS-AD. O prof. Telmo Ronzani (UFJF-MG), representante da INEBRIA na América Latina, sociedade dedicada ao estudo de Estratégias Terapêuticas Breves para o enfrentamento de Álcool e Drogas, traz a relevância das redes sociais na prevenção ao uso de drogas.

No Contexto da Saúde Escolar, destacamos cinco artigos: um deles dirigido aos docentes de ensino médio público, sobre sua saúde e sua participação, escrito pela profa. Maria de Fátima Quintal de Freitas (UFPR), referência da Psicologia Comunitária no Brasil; o artigo da profa. Sheila G. Câmara (ULBRA/UFCSPA) sobre a importância dos Estilos de Vida em escolares para a promoção da Saúde, e dois artigos do prof. Jorge C. Sarriera (UFRGS), que escreve essas linhas, focalizando o bem-estar dos adolescentes escolares através dos valores entre pais e fi lhos e as relações entre o bem-estar adolescente e suas crenças, esses últimos três estudos com grandes amostras cujos resultados orientam a intervenções psicossociais nas escolas. Também dentro do contexto escolar e atualmente um problema na saúde do escolar, o bullying, o prof. Lélio (UFJF) nos apresenta como a violência familiar pode ser um fator de maior risco para o bullying escolar.

Neste número de Aletheia constam duas resenhas de livros: uma sobre o livro Saúde Comunitária: conhecimentos e experiências em América Latina, organizado pelo autor dessas linhas, sobre conferências proferidas por relevantes professores, pesquisadores e profi ssionais da área, no IV Congresso Multidisciplinar de Saúde Comunitária do Mercosul, realizado em Gramado em 2009, e com participação intensiva dos membros do GT, sendo a resenha de autoria da colega e profa. Anamélia. A outra resenha, de autoria da profa. Ana Luisa Teixeira (UNISC-RS), Pró-reitora de Extensão Universitária, é sobre o livro Psicologia Clínico-Comunitária, de autoria do Cezar Wagner de Lima Gois (UFC), convidado do nosso GT, que introduz o tema no debate atual, uma clínica que se realiza através da dinâmica comunitária e não fora dela, como diz o autor.

Muitos desafios e muitas questões em análise. Esse é o conhecimento que desde a variedade de focos, métodos e práticas, nos seduz e nos une na construção de

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conhecimentos, que, através da pesquisa e da experiência, se traduzem nas propostas aqui apresentadas. Os membros do Grupo de Trabalho em Saúde Comunitária agradecem aos editores da revista Aletheia pelo convite e convidam os leitores a se adentrarem na área da Saúde Comunitária com esses artigos, fruto do trabalho de profi ssionais e pesquisadores que compartilham a ideia de que a saúde coletiva somente é possível quando apropriada e protagonizada pela própria comunidade.

Prof. Jorge C. Sarriera (UFRGS)Coordenador do GT de Saúde Comunitária da ANPEPP

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Aletheia 37, p.7-22, jan./abr. 2012

Salud comunitaria, gestión de salud positiva y determinantes sociales de la salud y la enfermedad

Enrique Saforcada

Resumen: En este artículo se caracterizan los paradigmas vigentes en Salud Pública, centrándose en el paradigma de salud comunitaria. Al mismo tiempo se postula que siendo este un perfil de concepciones y prácticas de reciente emergencia es necesario un proceso de construcción mancomunada con la comunidad de modo que ambos componentes, equipo profesional y comunidad, piensen y actúen en función de este paradigma para desarrollar procesos de gestión de salud positiva, validando su eficacia y eficiencia a medida que se avanza en su difusión. Luego se explicitan los componentes principales de la gestión de salud positiva para finalizar con un desarrollo integral, si bien somero, del tema de los determinantes sociales de la salud teniendo en cuenta el gran problema de la enfermedad pública.Palabras clave: salud comunitaria, gestión de salud positiva, determinantes sociales.

Saúde comunitária, gestão de saúde positiva e determinantes sociais da saúde e da doença

Resumo: Neste artigo são caracterizados os paradigmas vigentes em saúde pública, centrando-se no paradigma da saúde comunitária. Considerando-se que este é um perfil de concepções e práticas de emergência recente, é necessário um processo de construção integrado com a comunidade de maneira a que ambos os componentes, equipe profissional e comunidade, pensem e atuem em função deste paradigma a fim de desenvolver processos de gestão de saúde positiva, validando sua eficácia e eficiência na medida em que se avança em sua difusão. Em seguida, são explicitados os componentes principais da gestão de saúde positiva para finalizar com um desenvolvimento integral do tema dos determinantes sociais da saúde, tendo em conta o grande problema da doença pública.Palavras-chave: saúde comunitária, gestão de saúde positiva, determinantes sociais.

Community health, positive health management and social determinants of health and disease

Abstract: In this article, the present paradigms in Public Health are characterized, centring on the Community Health paradigm. Meanwhile, it is pointed out that being this an outline of conceptions and practice that have recently emerged, it is necessary for it to be a process of joint work with the community so that both components, professional team and community, think and behave according to this paradigm to develop processes of positive health management validating its effectiveness and efficiency as its spreading is increased. Consequently, the main components of positive health management are made explicit to conclude with an integral but brief development of the topic of social determinants of health taking into account the big problem of public disease.Keywords: community health, positive health management, social determinants.

Salud Comunitaria: ¿Ámbito de trabajo o paradigma?

Tradicionalmente se ha usado este concepto o expresión, salud comunitaria, para designar un ámbito de trabajo o aplicación de la psicología de la salud o de la

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psicología comunitaria, sobre todo de aquella que responde a la versión más habitual de la orientación norteamericana o que persiguen los objetivos más frecuentes de los proyectos de psicología comunitaria en la región rioplatense (Paraguay, sur de Brasil, Uruguay y Argentina).

También se debe mencionar que el adjetivo comunitaria se aplica hoy a orientaciones, proyectos y programas llevados adelante por profesionales provenientes de las otras ciencias de la salud basadas primordialmente en la biología como ocurre, por ejemplo en Argentina, con los programas de médicos comunitarios impulsados por el Ministerio de Salud de la Nación o en Uruguay con los programas y trabajos de odontología comunitaria desarrollados en el Programa APEX-Cerro de la Universidad de la República o la Sociedad Científi ca de Odontología Comunitaria de la Asociación Odontológica Uruguaya (AOU).

No obstante, no caben dudas que el adjetivo comunitario, aplicado a inquietudes u ocupaciones profesionales o empleado como orientador de la acción, proviene de las ciencias sociales, sobre todo de la sociología, la pedagogía y la psicología. En tal sentido, las dos fi guras más destacadas del siglo XX en nuestra región y que más aportaron en forma completa a desentrañar de la realidad cotidiana de los conglomerados sociales sus atributos comunitarios transformándolos en conceptos y teoría a la vez que en técnicas, operacionalizaciones y prácticas de terreno fueron el abogado y educador brasileño Paulo Freire con su tarea pedagógico popular mancomunada con su esposa, Elza Maia Costa de Oliveira, llevada a cabo desde fi nes de la década de los 40, y el sociólogo colombiano Orlando Fals Borda que, también junto a su esposa, la socióloga María Cristina Salazar, llevó a cabo desde fi nes de la década de los 50 múltiples trabajos con comunidades en Colombia. Fals Borda y Salazar, entre otros desarrollos, dieron origen a la investigación-acción participativa.

En todo este accionar del trabajo con comunidades desde la perspectiva de las ciencias sociales progresivamente fue tomando fuerza el constructo anglosajón de empowerment que se comenzó a traducir como empoderamiento, generando así un barbarismo idiomático que se intentó e intenta reemplazar por la expresión fortalecimiento; hoy se observa el uso de ambas expresiones, según sean los autores o autoras. En opinión de quien esto escribe es preferible sacrifi car el idioma en aras del signifi cado político y entonces la divisoria de el uso de uno u otro pasará, o pasa, por cuestiones de posicionamiento ideológico. Fortalecer no plantea problemas con el poder, pero empoderar golpea de lleno en el tema político central del poder. Coincidiendo con las posturas manifi estas de Paulo Freire, para quien el proceso educativo implicaba la toma de conciencia crítica de la realidad socioeconómica y cultural de los pobres, lo esencial estaba en acceder a instancias progresivas de un empoderamiento creciente a fi n de tomar el poder dado que sin poder nada es modifi cable y el objetivo freireano de la educación era y es, para quienes siguen sus orientaciones, modifi car la realidad político económica y sociocultural injusta a que están sometidas las poblaciones menesterosas.

Es posible que este tema central del poder –que siempre ha estado y está explícito o implícito en el trabajo con comunidades, ya sea un poder planteado a pleno o pensado como un poder embridado- cuando se lo vincula con las problemáticas

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de la salud puede generar un efecto esclarecedor, más o menos conciente, en los profesionales de las ciencias sociales que contactan con las comunidades. Esta dilucidación puede evidenciarse con la siguiente pregunta, aparentemente cándida o sin mayor sentido:¿de quién es la salud de cada persona?, ¿quién debe ser el decisor fi nal en los temas de salud?

A estas preguntas sigue otra central, si se da por sentado que ya está resguardado el derecho a la vida: ¿Cuál es el derecho humano primordial? En términos racionales no cabe duda que este derecho es a estar sano. Pero resulta que los profesionales de la salud solo están capacitados y se ocupan de la enfermedad, de lo que se deduce que las universidades que forman a estos profesionales están, de movida, violando el segundo derecho humano primordial. Algo más básico aún: la psicología clínica y la medicina se han desarrollado exclusivamente con relación a la enfermedad, no se ha construido nunca hasta ahora una teoría científi ca de la salud positiva1.

Supone, quien esto escribe, que este tipo de ideas fue emergiendo durante el quehacer de quienes desde las ciencias sociales, particularmente la psicología, trabajaban con las comunidades con relación a las problemáticas que implica el proceso de salud de sus integrantes. Entrado el siglo actual, en la región rioplatense, en diversas reuniones formales (congresos, simposios, jornadas, etc.) e informales, comenzó a perfi larse una toma de conciencia en cuanto a que, como trasfondo y soporte de los desarrollos que se venían desarrollando en el campo de la salud comunitaria, existía un verdadero paradigma bien diferenciado de los que daban soporte a gran parte de lo que se estaba y está haciendo en el campo de la Salud Pública (Saforcada, de Lellis & Mozobancyk, 2010).

Hacking (1985, p. 10), refi riéndose al concepto de paradigma, consigna lo siguiente:

Kuhn distingue dos maneras principales en que desea emplear esta palabra [paradigma]. Existe el ‘Paradigma como realización’. Esta es la forma acertada para resolver un problema que entonces sirve como modelo para futuros investigadores. Luego está el ‘paradigma como conjunto de valores compartidos’. Esto signifi ca los métodos, las normas y las generalizaciones compartidas por quienes fueron preparados para llevar adelante un trabajo que se modela a sí mismo de acuerdo con el paradigma como realización.

Las lógicas limitaciones de espacio de un escrito de la naturaleza del presente impiden abocarse a desarrollar el tema de los paradigmas en Salud Pública, pero es claramente visible que hay un paradigma, el más generalizado en Occidente, al que se puede denominar tradicional y otro surgido en Indoafroiberoamérica, entre las décadas de los 60 y 70 del siglo pasado, denominado de salud colectiva (si bien sus propulsores no lo denominan paradigma sino nueva propuesta de salud pública) y que hoy legalmente ha sido establecido como la norma en Brasil si bien todavía está en proceso de bajar de

1 Reflexione el lector o lectora que se debe agregar al sustantivo salud el adjetivo positiva para saber a ciencia cierta de qué estamos hablando dado que generalmente se dice que se habla de salud cuando se habla de enfermedad.

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este plano normativo al de la acción concreta en terreno transformando todo el sistema de salud del país pero, principalmente, el primer nivel de atención.

Kuhn (1971, pp. 51-52, 53 y 66) señala que:

Los paradigmas obtienen su ‘satus’ como tales, debido a que tienen más éxito que sus competidores para resolver unos cuantos problemas que el grupo de profesionales ha llegado a reconocer como agudos. Sin embargo, el tener más éxito no quiere decir que tenga un éxito completo en la resolución de un problema determinado o que dé resultados sufi cientemente satisfactorios con un número considerable de problemas. [...] en realidad, a los fenómenos que no encajarían dentro de los límites mencionados frecuentemente ni siquiera se los ve. [...] El trabajo bajo el paradigma no puede llevarse a cabo en ninguna otra forma y la deserción del paradigma signifi ca dejar de practicar la ciencia que se defi ne.

Si bien estas observaciones de Kuhn se aplican a la perfección en el contraste entre el paradigma tradicional y el de salud colectiva cabe la pregunta sobre el por qué de la no deserción masiva de los profesionales del primero para pasar a actuar en la perspectiva del segundo, que es francamente más efi caz y efi ciente. La respuesta es que las universidades siguen formando a los profesionales de la salud para que sean funcionales al paradigma tradicional por la simple razón de ser éste la única sustentación posible del mercado de la enfermedad.

En el paradigma de salud colectiva, que ha implicado un avance enorme con respecto al tradicional en lo que hace a efi cacia, efi ciencia y respeto a los derechos humanos, aún el poder queda en manos del equipo profesional y, en general, gerencia enfermedad. Con respecto a esto último no cabe duda que ha generado un cambio pues mientras el tradicional se centra casi totalmente en la prevención secundaria y, en cuanto a la primaria, se limita al uso de las tecnologías biológicas y algunas acciones que enfocan en el comportamiento humano pero solo ante el riesgo de epidemias, el de salud colectiva hace fuerte hincapié en la integralidad de la prevención primaria y terciaria. Desde una perspectiva más amplia podría decirse que el tradicional hace lo que la medicina y sus ciencias básicas permiten hacer, a diferencia del de salud colectiva que se sustenta en la incorporación de las ciencias sociales en la comprensión del proceso de salud y el qué hacer en salud pública. Este cambio implicó un proceso entre cuyos promotores más destacados se debe mencionar a García (1994) y sus desarrollos efectuados desde la Organización Panamericana de la Salud desde fi nes de la década de los 60 hasta la primera mitad de la década de los 80 del siglo pasado; en resumen, García fue un promotor de la medicina social.

No obstante, la base de esta orientación o paradigma radica en las concepciones preventivistas de Leavell y Clark (1965) que efectuaron sus desarrollos a partir de la historia natural de la enfermedad, que a su vez tiene sus cimientos en las teorías de la enfermedad. Estos autores no trabajaron sobre la historia natural de la salud, sobre una higiología o teoría de la salud, siendo que la condición natural de la especie humana es estar sana. Hace más de sesenta años Ryle (1948, 1988), profesor emérito de Medicina Social de la Universidad de Oxford, planteó la urgente necesidad de la formación de los médicos en higiología.

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Salvo situaciones muy excepcionales son muchas más las personas sanas que las enfermas y por esta razón todas las medicinas salvo la occidental son higienistas, su objetivo prioritario es mantener sana a la gente sana, sin dejar de atender a la enfermedad cuando esta excepcionalmente emerge y sin dejar de respetar el poder curador de la naturaleza, la vis medicatrix naturae de la medicina de la antigua Grecia.

Estos señalamientos y refl exiones llevan a situarse ante un desiderátum: se gestiona salud negativa (enfermedad) o se gestiona salud positiva. Si se gestiona enfermedad y toda la infraestructura de acción (recursos humanos, edilicios, científi cos, tecnológicos, económicos, etc.) está dispuesta para movilizarse ante lo patológico cada vez será mayor la carga de morbilidad de las sociedades. Por el contrario, si lo prioritario está destinado a proteger y promover la salud la carga de morbilidad disminuirá signifi cativamente.

Justamente, el paradigma de salud comunitaria tiene como eje la gestión de salud positiva y su componente principal, entiéndase, el poder de decisión último, es la comunidad; el componente equipo profesional se inserta en una posición participativa pero no tiene la última palabra.

Indudablemente, un proyecto o una política que esté orientado por este paradigma implicará, como primer paso, instancias de transferencia de los conocimientos científi cos y técnicos de baja complejidad a la población pero estos no serán conocimientos propios de la clínica destinada a la enfermedad sino de protección y promoción de la salud, los aportes de las ciencias básicas de la salud y las ciencias sociales, de baja complejidad, decisivos para la comprensión del desarrollo humano integral junto la protección y promoción de su condición habitual de estar sano.

Hoy es necesario un proceso de construcción mancomunada con la comunidad del paradigma de salud comunitaria de modo que ambos componentes, equipo profesional y comunidad, piensen y actúen en función de este paradigma para desarrollar los necesitados procesos de gestión de salud positiva.

La gestión de salud positiva

El concepto y la estrategia de gestión de salud positiva es mucho más amplio y abarcativo que el de promoción de la salud y el de protección de la misma. Estas dos son estrategias subsidiarias de la de gestión de salud positiva.

El vocablo gestionar, en el Diccionario de la Real Academia Española, tiene tres acepciones: 1- Llevar adelante una iniciativa o un proyecto; 2- Ocuparse de la administración, organización y funcionamiento de una empresa, actividad económica u organismo; 3- Manejar o conducir una situación problemática.

Los tres aspectos tienen presencia y son constitutivos de la gestión de salud positiva. Para dar un ejemplo concreto: en gestión de salud positiva es fundamental trabajar en la perspectiva de vincular fuerte y profundamente la salud pública con la educación de modo de asegurar que desde la más temprana edad las niñas y niños comiencen a construir un paradigma de salud centrado en la salud positiva y no en la enfermedad, al mismo tiempo que desarrollan o adquieren hábitos salutógenos. Un niño aprende a leer ya sea que se use la frase “mi mamá me ama” o que se emplee “mi mamá me enseña a lavarme las manos”; el aprendizaje de la lectura y su necesitada

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vinculación con lo afectivo-emocional será el mismo con las dos frases, las condiciones de salud futura del niño que aprendió a leer con la segunda seguramente no.

A continuación se desarrollan los aspectos y soportes más básicos de la gestión de salud positiva, comenzando por un conjunto de refl exiones e interrogantes orientadores. Si en la democracia el poder está en el pueblo, si la ética obliga a usar con efi ciencia los dineros públicos y a respetar los derechos humanos y su jerarquía, si la ciencia muestra que gran parte de la salud de los humanos depende de la subjetividad y el comportamiento, ¿cuál deberá ser la orientación del qué hacer en el campo de la salud de los conglomerados humanos?, ¿debe orientarse hacia la gestión de la enfermedad con beneplácito del mercado de la enfermedad o, por el contrario, se debe orientar hacia la gestión de salud positiva?, ¿el derecho a no enfermar no está jerárquicamente antes que el derecho a ser curado una vez enfermo?

A partir de estas consideraciones y preguntas surgen cinco ideas que confi guran el soporte lógico de la gestión de salud positiva (su formulación, a veces paradojal o extraña, solo responde a una estrategia de mnemotecnia):

1.- “Trabajar por el derecho principal”2.- “No olvidar nunca el triángulo inteligente de la salud”3.- “Usar el blanco al revés”4.- “Usar siempre el conocimiento más simple”5.- “Tomar siempre por el camino del menor esfuerzo”

Trabajar por el derecho principalLos Derechos Humanos no son un conjunto de normas todas con la misma

importancia o jerarquía, o sin orden de precedencia desde un punto de vista lógico-causal. Por ejemplo, el derecho a la vida precede a todos los otros derechos dado que conculcado este nada queda por poner en juego, salvo que el cadáver sea dignamente sepultado con presencia, por lo menos, de los deudos. Desde esta perspectiva se hace evidente que desde el punto de vista jerárquico el segundo derecho humano es al desarrollo integral temprano, no a la posterior compensación de las defi ciencias. El tercer derecho es a la salud, no a la atención del daño. El cuarto es a la atención en caso de enfermar, a no ser objeto de abandono y el quinto es a la muerte digna, a no a ser objeto de manipulaciones inhumanas lucrativas.

No olvidar nunca el triángulo inteligente de la saludSi se toma la totalidad de un conglomerado urbano determinado, supóngase el 100%

de la población de Porto Alegre en este momento, y se lo representa con un triángulo equilátero a la vez que sobre el mismo se ubica un vector de cantidad se observará que el extremo del máximo se ubica naturalmente en la base y el mínimo en el vértice superior, dado que a mayor superfi cie mayor porcentaje de personas representadas y siempre las personas sanas son muchas más que las enfermas.

Tómense ahora cinco vectores propios de los emergentes del proceso de salud: a) riesgo de muerte, b) discapacidad, c) sufrimiento, d) complejidad, e) costo de atención. Estos emergentes pueden implicar el estado de salud (tal como queda empíricamente

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defi nido por los sistemas de servicios de salud vigentes, o sea, por la percepción subjetiva de los usuarios) o estados de malestar de distinto tipo e intensidad,

Si se superponen los vectores señalados en el párrafo anterior en este triángulo de acuerdo a la situación de salud de la población según indican tanto el saber empírico de quienes llevan años de trabajo en salud pública como los estudios más trascendentes al respecto realizados durante los casi últimos cuarenta años por investigadores como Kerr White (White, Williams & Greenberg 1961; Green, Fryer, Yawn, Lanier & Dovey 2001) se podrá observar que el extremo del mínimo de cada uno de estos vectores es el que coincide con la base del triángulo (mayor cantidad de personas) y el máximo con el vértice superior (muy poca cantidad de personas). Entre las personas que padecen estos malestares algunas, las menos numéricamente, consultan a un facultativo, de entre estas que consultan alguna confi rma que está sana, otras deben someterse a un tratamiento ambulatorio y, fi nalmente, unas pocas deben ser internadas en un centro asistencial dada la gravedad o complejidad del problema que ocasiona su malestar.

En los estudios señalados este vértice involucra menos del 1% de la población. Estas investigaciones reportan información que señala que una cuarta parte de la población no sufre ningún malestar o indisposición y un cincuenta por ciento adicional siente malestares pero no concurre a ningún facultativo (para los sistemas de servicios de salud, que son sistemas pasivos pues esperan la demanda, son personas sanas o personas que se sanan espontáneamente por aquello de la vis medicatrix naturae), solo el último cuarto del total concurre a facultativos y esto no quiere decir que todas las personas que lo integran están enfermas y, si lo están, que las enfermedades sean de complejidad o gravedad tales que demanden internación. Como se señaló al comienzo de este párrafo enfermedades que por su complejidad exigen internación implica solo el 1% de la población.

Es evidente a la inteligencia humana y a una ética elemental que es mucho más razonable ocuparse del 75% sano de la población, promoviendo su salud y colaborando con el poder curador de la naturaleza, que sentarse a esperar que los malestares motiven la consulta a un centro de salud o a un facultativo para recién estar dispuestos a atenderlos. Este mandato racional y moral implica destinar una gran parte de los recursos de que se dispone a la base del triángulo y al tercio medio de su superfi cie, en lugar de hacerlo solo a su 25% superior.

Salvo casos que epidemiologicamente resultan de baja prevalencia o incidencia relativa ninguna persona se ubica directamente en el vértice superior del triángulo o zonas adyacentes. El proceso histórico de la salud de cada persona comienza en general en la base del triángulo y son circunstancias mayoritariamente evitables o atenuables las que la empujan hacia arriba. Estas fuerzas entran, en gran medida, dentro de las responsabilidades del Estado y sus poderes constitucionales que por gestionar mal a la sociedad y no respetar ni hacer respetar los derechos humanos permiten que las fuerzas ascendentes trasladen a la población sana hacia el vértice del máximo riesgo de muerte, discapacidad, sufrimiento, complejidad y, lógicamente, costo económico.

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Usar el blanco al revés Si en lugar de utilizar un triángulo se empleara un círculo para representar la

totalidad de la población de un determinado lugar en un momento dado, siguiendo con el ejemplo anterior, la población residente en la ciudad de Porto Alegre, al igual que en el caso de la representación por medio del triángulo, observaríamos que el mayor porcentaje de personas se ubican en la corona más externa y más ancha, son personas sanas o que padeciendo alguna enfermedad se curan espontáneamente.

Luego quedarían tres coronas concéntricas de las cuales la más ancha (más personas) padecen enfermedades totalmente evitables con los recursos de que hoy se dispone (conocimientos, dinero público, tecnologías, etc.). Una segunda corona de menor superfi cie involucra a las personas con enfermedades o daños a la salud evitables pero con mayor difi cultad porque requieren procesos más complejos (por ejemplo: fumadores de tabaco a los cuales hay que ayudar a que abandonen el consumo de esta sustancia patógena que genera dependencia). Finalmente, un pequeño círculo central representa el porcentaje de personas inevitablemente enfermas. Es razonable estimar que este círculo involucra un tercio del monto total de enfermedad que hoy atienden los servicios de salud de Occidente.

Es muy importante tener claro que evitabilidad no implica gavedad o sea que en la corona de la enfermedad totalmente evitable puede tener presencia una muerte por electrocución y en el círculo central de la enfermedad inevitable un resfrío.

Si hipotéticamente se tomara una población residente en un determinado lugar, supóngase que fuera Canela, en Rio Grande do Sul, y se decidiera no atender la demanda por enfermedad y se aplicaran todos los recursos de salud (humanos y económicos) solo a la población involucrada en la corona más externa para llevar adelante un programa de protección y promoción integrales de la salud, al cabo de un tiempo corto la corona de la enfermedad totalmente evitable habría desaparecido pasando su población a integrar la corona más externa y la de la enfermedad evitable con difi cultad se habría reducido de tamaño en forma muy considerable; la superfi cie del círculo central, la de la enfermedad inevitable, seguiría constante.

En esta metáfora salubrista del tirador con arco y fl echa es buen arquero el que clava su fl echa en la corona más externa, no el que la hinca en el centro del blanco.

Usar siempre el conocimiento más simpleLa universidad prepara a sus graduados para trabajar desde la posición del

conocimiento más complejo posible y de la solución de los problemas desde la perspectiva de su totalidad; es lo que puede denominarse la estrategia de máximo operante que tiene como pregunta generadora la siguiente: ¿qué es lo máximo que puedo saber para resolver la totalidad del problema? Gran parte de la inefi ciencia en el empeño por alcanzar los objetivos, cuando los universitarios trabajan en terreno, es esta estrategia con la que la academia los forma, es uno de los aspectos que aportan a la barrera psicosociocultural que se interpone entre los centros efectores de salud y las poblaciones o comunidades que demandan atención o la reciben cuando se les ofrece un programa o el desarrollo de una política pública.

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En la década de los años 60 del siglo pasado, en Chile, los médicos Vicente Silva, con relación a la obstetricia, y Juan Marconi, en el campo de la salud mental, desarrollaron una estrategia, divergente de la descripta, a partir de la siguiente pregunta: ¿qué es lo menos que debo saber para resolver una parte del problema? y la denominaron estrategia de mínimo operante.

La lógica limitación de espacio en un escrito como el presente no permite explicar en detalle esta propuesta de acción, pero sus componentes y pasos esenciales implican:

1º- Descomponer el conocimiento sobre el problema que se pretende afrontar en unidades operantes, entendiendo por tal un conocimiento acotado que permite solucionar una parte del problema. Por ejemplo, en alcoholismo saber que un tercio de los bebedores excesivos de alcohol (por día: ingerir un litro de vino o dos de cerveza o un cuarto de bebida blanca, o aún no tomando alcohol diariamente que se embriagan doce o más veces al año) en un lapso de ocho a quince años harán alcoholismo enfermedad, la cual es crónica. Indudablemente que estos mínimos operantes incluyen también conocimientos muy complejos, como son los referidos a los procesos neuropsicológicos que desencadenan el síndrome de privación. Se deben generar solo las unidades operantes imprescindibles para llevar adelante la tarea que se programe en función de los objetivos que se hayan planteado.

2º- Una vez completado el paso anterior se deben ordenar todas las unidades operantes elaboradas en un continuo que se extienda del conocimiento más simple al más complejo.

3º- Luego el continuo debe ser rotado en 90º de modo que queden las unidades más complejas en la parte superior y las más simples en la parte inferior. Las más complejas se ponen en manos de los centros o laboratorios de investigación básica, las de complejidad intermedia en manos de los profesionales que están en los servicios de atención o que forman parte del equipo profesional del programa de acción, y las unidades más simples se transfi eren a miembros legos de la comunidad capacitándolos como Agentes Primarios de Salud.

Para desarrollar esta estrategia hay que seguir los seis pasos siguientes en función de los objetivos del emprendimiento que se afronte: 1) Sectorización de la comunidad; 2) Determinación de los objetivos de salud; 3) Jerarquización y distribución de los objetivos de salud transformados en unidades operantes imprescindibles; 4) Armado del esquema de delegación con efecto multiplicador (pocos profesionales, muchos pobladoras y pobladores capacitados al efecto como Agentes Primarios de Salud); 5) Construcción del sistema de transferencia de conocimientos y delegación de responsabilidades (unidades operantes, técnicas grupales, etc.); 6) Desarrollo del emprendimiento por la misma dinámica de la comunidad (participación, empoderamiento y desarrollo comunitario que tiende a la integración de otros problemas de salud familiar y también otros problemas que hacen al bienestar comunitario).

No es posible desarrollar estos pasos en detalle en este artículo dada la extensión que exigen, pero el lector o lectora encontrará la información correspondiente en las siguientes publicaciones: Colectivo PINSAL 2011; Marconi 1971; Marconi 1973; Marconi 1974a; Marconi 1974b; Marconi 1979; Marconi & Saforcada 1974; Marconi, Díaz e Mourgues 1980.

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A modo de cierre de este subapartado se puede señalar que en la experiencia chilena el resultado de la implementación del Programa Intracomunitario de Salud Mental del Área Sur de Santiago dio por resultado los siguientes logros:

• Transferencia, de los profesionales a la comunidad y de esta a los profesionales, de conocimientos teórico-técnicos y desarrollo de destrezas.

• Desarrollo en la comunidad de capacidades de decisión y acción para la solución de problemas en forma mancomunada.

• Crecimiento vertical pasando de la prevención secundaria a la protección y promoción de la salud y la prevención primaria.

• Crecimiento por integración nosológica; en Chile el Programa comenzó en forma directiva por el problema del alcoholismo pero luego pasó a ocuparse, por demanda de la población, de las neurosis y el retardo por privación cultural (pautas de crianza que no favorecían el desarrollo cerebral normal de los niños pequeños).

• Desarrollo comunitario por adquisición de tecnologías de organización y acción resolutiva.

Tomar siempre por el camino del menor esfuerzoHay una parábola que ha sido frecuentemente usada en el pasado en salud pública,

es muy expresiva y dice así:

Un grupo de socorristas estaba a orillas de un gran río porque por sus aguas venían náufragos fl otando y ahogándose. Los socorristas entraban al río y los sacaban para reanimarlos. Cada vez venían más náufragos y los socorristas estaban muy cansados por esta tarea agotadora. Se agregaron más socorristas al grupo, pero también aumentó el número de náufragos. Los socorristas estaban ya casi sin fuerzas y no podían reanimar bien a los náufragos que lograban sacar. Cada vez más náufragos pasaban de largo y se ahogaban aguas abajo. Hasta que en un momento dado, uno de los socorristas le dijo a los otros: acompáñenme algunos de ustedes para remontar el río y ver dónde la gente se cae al agua, así ponemos protecciones y muy pocos serán los que caerán al río.

La parábola no requiere ninguna explicación; su sentido, su verdad y su lógica son invulnerables a toda crítica o soslayamiento. Hoy queda claro que esta alegoría hace referencia a los determinantes sociales del proceso de salud, que es uno de los temas que llenan más páginas de publicaciones de los organismos internacionales de salud, movilizan gran cantidad de eventos (congresos, jornadas, etc.) en el mundo y dan origen a múltiples declaraciones a voz en cuello de diferentes comunicadores sociales.

Finalmente, hay tres cuestiones importantes a tener en cuenta cuando se refl exiona y trabaja desde y en la perspectiva de la gestión de salud positiva; tres cuestiones que la atañen, son interdependientes y marcan su potencialidad:

1) Si bien todas las disciplinas que tienen por objeto al ser humano y sus condiciones de vida son construcciones analíticas, desarrollos artifi ciales, que separan lo inseparable y que alcanzan aciertos a medias porque en el proceso de la vida todo está relacionado sistémicamente, se interinfl uencia y tiene características sinérgicas. Procesos que artifi cialmente se los ve o concibe como partes independientes no son más ni menos que

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instancias directa o indirectamente vinculadas. Dicho esto, para que no se entienda mal lo que a continuación se manifi esta, es conveniente mantener separadas la prevención de la enfermedad y la promoción de la salud como si fueran cuestiones totalmente independientes. Si un gobierno local que cuenta con una secretaría de salud pública quiere poner en marcha la promoción de la salud debería crear una secretaria de promoción de la salud independiente de la anterior, es el único modo en que la gestión de salud positiva se puede llevar a cabo con plenitud, efi cacia y efi ciencia.

2) No es razonable pretender que la gestión de salud positiva se plantee como una estrategia que en nuestros países se pueda implementar a nivel nacional ni estadual o provincial. Ningún edifi cio puede comenzar a ser construido del último piso hacia abajo, solo se lo puede construir comenzando por los cimientos y luego piso a piso hacia arriba. Por múltiples aspectos implicados en esta metáfora se hace razonable pensar que lo ideal es buscar ponerla en marcha en un programa limitado a una comunidad pequeña (entre mil y cinco mil familias) y luego de mostrar su efi cacia y efi ciencia plantearla para se desarrollada en todo el ámbito de un gobierno local (municipio o alcaldía).

3) Es fundamental tener en cuenta en los enfoques de gestión de salud positiva el tema de los determinantes sociales de la salud, pero desarrollándolo en forma completa y con mirada crítica.

¿De cuáles de los determinantes sociales de la salud hablamos?

El derecho humano de las personas a no ser enfermadas por los determinantes sociales patologizantes evitables tiene más jerarquía que el correspondiente al derecho a ser atendidas cuando enferman, es el derecho humano a no padecer enfermedad pública.

Hoy es esencial tener en cuenta este concepto de Enfermedad Pública como complemento inseparable del de Salud Pública. Hay países en que los poderes del Estado, de quienes depende la salud de la sociedad, por acción o por omisión aportan muchísimo más a enfermar a los y las ciudadanas que lo que aportan a curarlos o protegerlos, con el agravante que, dada la forma que está planifi cada y gestionada la atención de la enfermedad y la prevención primaria en estos países, estas generan más enfermedad que la que curan.

Por estas razones debemos a comenzar a trabajar fuertemente al revés, de la población hacia los poderes del Estado. ¿Cómo trabajar?, simple de decir y complejo pero factible de llevar a cabo: Los profesionales y técnicos de la salud junto con la población construyendo los conocimientos necesarios para que poco a poco la sociedad vaya adoptando estilos de vida saludables y exigiendo políticamente que los poderes del Estado tomen las medidas que corresponden y diseñen las políticas necesarias en defensa del derecho humano a no enfermar.

Cuando se habla de lo social se accede a una abstracción útil para muchas consideraciones pero encubridora para otras. Lo social remite a la sociedad, pero el concepto de sociedad puede ser analíticamente descompuesto en: 1) los poderes del estado; 2) los poderes económico productivos; 3) los poderes gremiales; 4) los poderes de la gente de a pie agrupada en familias, vecindarios, comunidades, conglomerados humanos, etcétera.

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Entonces debemos hablar de los determinantes sociales que dependen de los poderes del estado, los que dependen de los poderes económico productivos, los que dependen de los poderes gremiales y los que dependen de los poderes de la gente de a pie y sus distintas formas de agrupación.

Este planteo analítico otorga mucha más claridad al concepto de determinantes sociales. Por ejemplo, la OMS/OPS casi nunca han hablado de los determinantes sociales que dependen de los poderes económico productivos: Empresas industriales, económico fi nancieras y energéticas. Cuando lo han hecho ha sido para encubrirlas (Monsanto, Tokyo Electric Power Company, etc.).

Continuando la refl exión por este camino se llegan a observar trece grandes áreas de actividades en que, directa o indirectamente, se generan o pueden generar daños a la salud, lo cual exige que los poderes del estado asuman la responsabilidad de regularlas a fi n de evitar o, por lo menos, atenuar estos daños. Al respecto hay que tener en cuenta que los poderes del estado actúan por acción o por omisión. Cuando se afi rma, por ejemplo, que un gobierno no tiene una política de salud se comete un error dado que ese gobierno tiene la política de salud de no trazar una política de salud.

En estas trece grandes áreas, cuando se genera enfermedad, es solo para que se acumule más riqueza en manos de ese 1% de los híper-ricos que tienen presencia en todos los países del mundo y de los modernos grandes delincuentes sociales, difuminados a los ojos de la sociedad, que son los gerenciadores de las corporaciones nacionales y transnacionales al tipo de Dow Chemical que a través de su subsidiaria Union Carbide generó el desastre de Bophal, en la India, el 3 de diciembre de 1984 cuando liberó a la atmósfera una inmensa cantidad de isocianato de metilo, un gas que produjo 10.000 muertos dentro de las primeras 48 horas, 25.000 fueron muriendo después, 40.000 quedaron seriamente discapacitadas y 521.000 fueron afectadas en menor medida. Los daños fueron fi brosis pulmonar, asma, enfermedad pulmonar obstructiva crónica, enfi sema, infecciones pulmonares, ceguera o problemas en la córnea y serias alteraciones genéticas transmisibles que afectan el sistema inmune. Dow Chemical donó un hospital a esta ciudad, nunca reconoció su responsabilidad y las autoridades de la India guardaron el más respetuoso silencio y pidieron la mayor prudencia hacia esta importante corporación transnacional estadounidense. Dow Chemical hoy produce en la India el insecticida Dursban 48 que está totalmente prohibido en Estados Unidos.

Pongo un ejemplo muy lejano geográfi camente para que podamos hacerlo consciente y receptarlo con facilidad, pero no olvidemos que la Dow Chemical también está en Suramérica junto a Monsanto, Cargill y un abultado conjunto de empresas nacionales e internacionales que generan una enorme carga de morbimortalidad en nuestros países.

El concepto de determinantes sociales, sobre todo como lo promueve la OMS/OPS, lleva en general a pensar en los estilos y condiciones de vida de la gente y en las responsabilidades de los gobiernos con respecto a la educación y la equidad en la atención de la enfermedad; a veces, al saneamiento ambiental (OPS, 2005; OMS, 2011).

Que los gobiernos hagan campañas para que la gente deje de fumar, en lugar de leyes para que las empresas que fabrican los cigarrillos no puedan radicarse en el

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país o por lo menos que no puedan hacer publicidad de ningún tipo, es incumplir con la sociedad. Cuando los gobiernos comienzan a prohibir que se fume en los lugares públicos en realidad están victimizando a las víctimas dado que ese mismo gobierno facilitó y facilita que esos fumadores y fumadoras hayan adquirido el hábito de fumar al permitir la fabricación y la publicidad de cigarrillos.

Por estas razones y por razones de lógica (similares a las que uno pone en juego cuando ve un caballo y un carro con su lanza y unce al animal en la lanza en vez de ponerlo atrás para que peche el carro) en lugar de admitir que el Estado se desentienda con respecto a que la gente no incorpore a su organismo substancias tóxicas; a que el espacio urbano tenga las condiciones de higiene necesarias (recolección de los residuos del hogar, cloacas, agua corriente potable, etc.); que use adecuadamente el tiempo en su alternancia de trabajo, ocio y descanso; que no esté estresada y que no viva en las condiciones propias de la pobreza, la sociedad debe exigirle a los poderes del Estado que den la mayor jerarquía a legislar en benefi cio de todo el pueblo, a gestionar la sociedad teniendo en cuenta la ley y el bienestar de sus integrantes y a hacer cumplir la leyes de modo que lo más fácil sea que la gente desarrolle hábitos y estilos de vida salutógenos y tenga asegurado el respeto a su derecho a no enfermar y a no empobrecerse cada vez más.

Que no esté permitido que por afanes de lucro haya empresas que intoxiquen a la gente, que promuevan comportamientos auto o heteroagresivos, que lleven a la gente a un uso perjudicial del tiempo de ocio o al consumismo y que tampoco las haya que empujen a conglomerados humanos, progresiva o rápidamente, a la pobreza y la exclusión como ocurre hoy con los bancos y los fondos de especulación económico-fi nanciera. Los pobres pueden ser fabricados por los sectores ricos de la sociedad solo con la anuencia de los poderes del Estado, tal como hoy está sucediendo en España, Grecia, Italia y antes ocurrió en nuestros países.

La limitación lógica del espacio impide desarrollar acá lo que hay que hablar para poner sobre la mesa en toda su magnitud el tema de la enfermedad pública, pero sí es posible señalar las trece grandes áreas de actividad empresarial, social o gubernamental que generan enfermedad evitable:

1) El espacio llamado de atención de la salud (Sistema de Servicios de Salud), si bien en él se le da relieve primordialmente a lo que es catalogado como enfermedad o que la preanuncia. La investigación de Starfi eld (2000) en Estados Unidos ubica la iatrogenia negativa como la tercera causa de muerte en Estados Unidos. La cuestión es mucho más grave dado que este informe no toma en cuenta la generación de nueva morbilidad ni el agravamiento, por causa de las prácticas terapéuticas, de las enfermedades tratadas.

2) La pobreza (que nunca es natural ni autogenerada por los mismos pobres sino que es provocada ex profeso o como consecuencia necesaria de la acumulación concentrada de riqueza), que todo gobierno está en condiciones de atenuar signifi cativamente en sus efectos más injuriantes, como son los problemas del neurodesarrollo en los primeros mil días de vida de las niñas y niños que luego se refl ejan en las altas tasas de repitencia de grado y de abandono de la escuela, en las personas que no logran trabajos estables y bien rentados, etcétera.

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3) Los alimentos, bebidas y tabaco (sustancias tóxicas agregadas en el procesamiento industrial de alimentos, defi ciente control bromatológico, envases fabricados con sustancias como el PVC –policloruro de vinilo–, comida chatarra, etc.).

4) Los ambiente habitacionales y sus servicios públicos (riesgo instalado en el hogar admitido por las reglamentaciones de habitabilidad fi jadas por el Estado, pinturas y otras substancias tóxicas permitidas, falta de suministro de agua potable, falta de cloacas, etc.).

5) Los ambientes generales que involucran a conglomerados sociales urbanos o rurales (contaminantes químicos, energéticos, minerales, etc.).

6) Los vehículos automotores de venta pública legalizada (de uso familiar y de transporte de pasajeros, animales y cargas) y el tránsito vehicular (automóviles familiares estándar que alcanzan velocidades de 230 kilómetros por hora en un país en que el máximo permitido es 130 kilómetros por hora).

7) La seguridad y el manejo de las actividades delictuales (sistemas carcelarios, políticas frente al narcotráfi co y la trata de personas, etc.).

8) Los ámbitos laborales (precariedad de la seguridad en las condiciones de trabajo, los ambientes y procedimientos insalubres, la fl uctuación de las ocupaciones, la amenaza del desempleo, etc.).

9) La oferta pública y privada permitida para el empleo del tiempo de ocio (deportes de alto riesgo, pseudo deportes de este tipo, establecimientos de juegos de azar, etc.)

10) El desarrollo tecnológico-industrial carente de previsión y los insumos empleados para la fabricación de productos (tecnología patologizante, insumos como el amianto o el PVC, etc.).

11) El marketing o mercadeo, sobre todo la publicidad descontrolada promoviendo la ingesta e inhalación de sustancias tóxicas o generando perfi les dañosos de consumo (consumismo) y dirigiendo toda su actividad a manipular (inclusive subliminalmente) a la niñez y adolescencia para convertirla en consumidores selectivos, insaciables, y en factores de presión sobre los padres para incrementar el consumo familiar

12) Los desastres artifi ciales, que son la mayoría de los que hoy acaecen. 13) La desvinculación entre las áreas gubernamentales de salud, educación,

desarrollo social y cultura que deben convergir entrelazadas sistémicamente para poder generar un desarrollo humano verdaderamente integral sumado a estilos de vida saludables en ambientes salutógenos.

Para fi nalizar viene al caso hacer dos citas de McKeown (1988, pp. 219 y 221):

En los países industrializados los principales requisitos son controlar en benefi cio de la salud un entorno que es principalmente obra del hombre y modifi car los rasgos del comportamiento para los cuales los genes están mal adaptados. [...] Sin embargo, debemos reconocer que gran parte de los conocimientos que se necesitan para mejorar rápidamente la salud ya están a nuestra disposición y lo que hace falta para alcanzar un nivel aceptable de salud en todo el mundo no son nuevos conocimientos básicos, sino más bien procedimientos efi caces de gestión y voluntad política.

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_____________________________ Recebido em julho de 2012 Aceito em outubro de 2012

Enrique Saforcada – Prof. Consulto Titular de Salud Pública y Salud Mental, Facultad de Psicología; Miembro de la Comisión de Maestría en Salud Pública; Miembro del Comité de Ética del Instituto de Investigaciones en Salud Pública – Universidad de Buenos Aires.

Endereço para contato: [email protected] ou [email protected]

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Aletheia 37, p.23-41, jan./abr. 2012

Extravasamento trabalho-família: quando é que as condições de trabalho contribuem para práticas maternas abusivas?

Maria Manuela CalheirosMaria Luísa Lima

Carla Silva

Resumo: Na análise do equilíbrio trabalho-família, tem-se salientado o efeito de extravasamento (spillover). Neste estudo, realizado por entrevista semiestruturada a uma amostra de 102 mães portuguesas (incluindo 79 sinalizadas por mau trato e negligência), abordam-se os impactos da situação profissional das mães nas práticas parentais abusivas. Os resultados sugerem, como prevíamos, que a relação da situação profissional (estatuto e horas de trabalho) com a parentalidade abusiva não é directa, mas moderada por algumas variáveis psicossociais. Encontraram-se efeitos de extravasamento negativo para o mau trato materno em condições de fracos recursos pessoais percebidos e de insatisfação laboral; o extravasamento negativo para negligência materna ocorre apenas quando há pouco controlo percebido sobre a situação de trabalho ou atribuições internas de incapacidade. Por outro lado, o efeito de extravasamento pode ser positivo quando as mães atribuem os problemas laborais a factores externos (e.g., condições de trabalho). Palavras-chave: trabalho-família, maternidade abusiva, factores de bem-estar.

Extravasation work-family: When working conditions contribute to maternal abusive practices?

Abstract: The analysis of work-family balance has highlighted the spillover effect. This study, implemented through semi-structured interviews with a sample of 102 Portuguese mothers (including 79 referred for maltreatment and neglect), addresses the impacts of the mother’s professional situation on abusive parenting practices. The results suggest, as predicted, that the relationship between the professional situation (work status and work hours) and abusive parenting is not direct, but moderated by some psychosocial variables. We have found effects of negative spillover to maternal practices of maltreatment in conditions of perceived low personal resources and dissatisfaction with work; negative spillover to maternal practices of neglect occurs only when there is little perceived control over the work situation or internal attributions of inability. Moreover, the effect of spillover can be positive when mothers attribute the problems in the work domain to external factors (e.g., working conditions).Keywords: work-family, abusive maternity; wellness factors.

Extravasación trabajo-familia: Cuando las condiciones de trabajo contribuyen a prácticas maternas abusivas?

Resumen: El análisis del equilibrio entre trabajo y familia ha subrayado el efecto de extravasación (spillover). En este estudio, mediante entrevistas semi-estructuradas con una muestra de 102 madres portuguesas (79 de ellos marcados por el maltrato y la negligencia), se abordan los impactos de la situación profesional de las madres en las prácticas parentales abusivas. Los resultados sugieren, tal como se predijo, que la relación de la situación laboral (estatuto y horas de trabajo) con las practicas maternas abusivas no es directa pero moderada por algunas variables psicosociales. Hemos encontrado efectos de extravasación negativo para el maltrato materno en de condiciones

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de escasos recursos percibidos y de insatisfacción en el trabajo; el extravasación negativo para la negligencia materna ocurre sólo cuando hay poco control percibido sobre la situación de trabajo o atribuciones internas de incapacidad. Por otra parte, el efecto de extravasación puede ser positivo cuando las madres asignan los problemas en el trabajo a factores externos (por ejemplo, las condiciones de trabajo).Palabras clave: trabajo-familia, maternidad abusiva, factores de bien.

Introdução

As tendências sociais e ideológicas actuais sugerem que os assuntos trabalho-família se estão a tornar cada vez mais importantes neste novo milénio (Grzywacz & Marks, 2000). O aumento de práticas igualitárias em termos de género e das famílias em que ambos os pais trabalham trouxe novas responsabilidades e desafi os aos pais no equilíbrio entre estas duas áreas da sua vida, com consequências na educação das crianças (Bronfenbrenner & Crouter, 1982). O emprego das mães é um veículo para obter recursos materiais e estatuto para a família, e contribui também para o seu bem-estar, para a autoestima e inserção social (Coley, Lohman, Votruba-Drzal, & Pittman, 2007), através do estímulo, auto-realização, aquisição de novas competências e relações sociais, fuga das actividades rotineiras, e compensação dos papéis familiares (Greenhaus & Powell, 2006). Por outro lado, o duplo papel de mãe e profi ssional, pelo investimento de tempo, energia e atenção ao trabalho, pode limitar o envolvimento na educação e actividades com as crianças (Matthwes, Bulger, & Barnes-Ferrel, 2010). Neste trabalho pretende-se analisar os impactos da situação laboral das mães nas suas práticas parentais, e em particular nas práticas abusivas (mau trato e negligência).

Neste domínio, duas perspectivas gerais têm sido propostas para a análise da relação do trabalho com a família. Tradicionalmente, a investigação nesta área foi dominada pela perspectiva da tensão de papéis provocada pela interface trabalho-família (i.e., confl ito trabalho-família; Barnett, 1996), postulando que as responsabilidades destes dois domínios competem pelo tempo, energia e recursos psicológicos limitados (Oomens, Geurts, & Scheepers, 2007), resultando numa variedade de consequências negativas em ambos os espaços (Parasuraman, Purohit, Godshalk, & Beutell, 1996). O pressuposto de que o stress nos papéis profi ssionais está relacionado com experiências de confl ito trabalho-família (Matthews, Bulger, & Barnes-Ferrel, 2010) baseia-se na relação tensão-deformação prevalente em inúmeros modelos de stress, como o de Lazarus e Folkman (1984). Por outro lado, a partir da hipótese de extravasamento (spillover), um corpo paralelo de investigação sugere que a participação em múltiplos papéis providencia oportunidades e recursos (e.g., suporte social, autoestima) que podem ser usados para promover um melhor funcionamento noutros domínios de vida (Greenhaus & Powell, 2006; Wayne, Musisca, & Fleeson, 2004). Aplicada à relação trabalho-família, esta hipótese sugere que os estados psicológicos (positivos ou negativos) experienciados no trabalho afectam os estados psicológicos na família (Lambert, 1990; Matias & Fontaine, 2012).

Nos estudos sobre a relação trabalho-família tem sido extensivamente analisado o impacto do estatuto profi ssional das mães e do número de horas de trabalho na qualidade e na quantidade das interacções pais-fi lhos (e.g., Zubrick, Silbum, & Vimpani, 2000).

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Fokkema (2002) verifi cou que as mães que trabalham parecem estar menos angustiadas do que as mães que apenas tomam conta das crianças, sendo a forma como estas organizam o seu tempo de trabalho que determina a disponibilidade de tempo que têm para as crianças e não o facto de trabalharem ou não (Dockery, Li & Kendall, 2009). De facto, as mães que trabalham tendem a compensar a sua ausência na interacção directa e na quantidade de tempo que passam com as crianças, no tempo que têm disponível, dedicando menos tempo ao lazer e a outras actividades não relacionadas com a criança (Coley et al., 2007).

Não obstante, estas estratégias de conciliação de papéis, as horas que as mães dedicam ao trabalho estão signifi cativamente e inversamente relacionadas com o tempo que passam com os fi lhos. Embora estudos recentes tenham sugerido que as mães que trabalham, especialmente as que trabalham mais horas, têm maior probabilidade de envolver os fi lhos entre os 6 e os 11 anos em actividades extracurriculares, compensando assim os efeitos negativos associados às longas horas de trabalho materno (Han, 2006), quando o número de horas excede o trabalho a tempo inteiro, outros efeitos negativos na família têm sido observados. Por exemplo, as mães de bebés que trabalham mais de 40 horas por semana são mais ansiosas e insatisfeitas, e têm interacções menos positivas com os fi lhos (Owen & Cox, 1988).

Na maioria dos estudos psicológicos efectuados neste domínio, existe o pressuposto de que o stress nos papéis profi ssionais está relacionado com experiências de confl ito trabalho-família (Matthews et al., 2010), no entanto, cada vez mais se considera que o impacto das situações de trabalho está dependente da atribuição de signifi cado, sendo os padrões e estratégias de actuação consequência destas avaliações. Esta atribuição de signifi cado baseia-se na avaliação dos recursos disponíveis e das exigências que lhe são feitas (Voydanoff, 2004). Uma particular atenção tem sido dada a estes processos cognitivos, e mais recentemente ao efeito que estas avaliações possam ter sobre a parentalidade (Greenberger & O`Neil, 1993; Matias & Fontaine, 2012; Repetti, 1994).

Porém, pouco se sabe ainda sobre como é que as diferentes características e recursos dos dois contextos modelam a experiência trabalho-família (Barnett, 1996) em mães com poucos recursos, sabendo-se ainda muito menos no que diz respeito a famílias maltratantes. Particularmente, há poucos estudos sobre a infl uência das variáveis do trabalho em mães cuja maternidade é abusiva.

Na literatura sobre mau trato é referido que níveis elevados de desemprego paterno estão associados à ocorrência de maus tratos às crianças (Sidebotham & Heron, 2006). Contudo, os dados em relação às mães têm sido menos claros (Gillham et al., 1998) apesar de, mais recentemente, Sidebotham e Heron (2006) terem verifi cado que o emprego materno exercia um ligeiro efeito protector em relação à probabilidade de situações de maus tratos. No entanto, Coley et al. (2007) realçaram que a passagem de mães com baixos rendimentos e que são dependentes de apoios fi nanceiros da segurança social para um sistema de emprego estável afecta o seu bem-estar e o ambiente familiar que proporcionam às crianças. De facto, advogavam que essas mães, perante a perda dos apoios, e com poucas competências ou oportunidades para adquirir e manter um emprego estável, iriam perder estabilidade fi nanceira e experienciar mais stress, prejudicando-se assim o ambiente familiar e a parentalidade. Neste sentido, é objectivo deste estudo

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testar a hipótese de extravasamento na relação entre o trabalho e a maternidade em mães abusivas e conhecer quais as características e recursos do contexto de trabalho que modelam a experiência trabalho-família.

Satisfação, recursos e atribuições causais na situação de trabalhoA investigação nesta área tem-se movido do estudo sobre a mera ocupação

para a natureza das experiências das pessoas nos seus papéis sociais (Greenberger & O`Neil, 1993). Desta forma, para além das variáveis de estatuto profi ssional e tempo dedicado aos papéis (trabalho e parentalidade), dois aspectos da qualidade do papel ganharam relevância: a satisfação com o mesmo e os recursos disponíveis. A suportar esta ideia, a revisão de literatura realizada por Hoffman (1989) mostrou que a satisfação das mães com o emprego está positivamente relacionada com a qualidade da interacção mãe-fi lho, e com os vários índices de ajustamento e capacidades da criança. Mostrou também que os recursos do trabalho são as variáveis com correlações mais fortes das consequências positivas do trabalho para a família. São também interessantes os resultados obtidos por Greenberger e Goldberg (1989) e por Silverberg e Steinberg (1990), que apontam para correlações baixas entre o envolvimento no papel profi ssional e o investimento no papel parental. Um estudo recente mostra que os indivíduos mais satisfeitos no trabalho relatam também maior facilitação trabalho-família (Boyar & Mosley, 2007). Tomados em conjunto, estes resultados sugerem que o nível de satisfação com o trabalho fora de casa é um moderador crucial dos efeitos do trabalho na parentalidade e que, em geral, as hipóteses sobre o aumento de recursos, em vez da sua escassez, em mães empregadas, têm vindo a aumentar ao longo do tempo (Greenberger & O`Neil, 1993).

O signifi cado positivo da situação de trabalho parece proporcionar protecção em relação ao confl ito trabalho-família (Byron, 2005) também através da percepção de controlo que os indivíduos têm sobre a situação. Boyar e Mosley (2007) constataram que o locus de controlo apresenta relações signifi cativas quer com o confl ito, quer com a facilitação trabalho-família. Outros trabalhos salientam que quanto mais baixa é a pressão e maior o controlo no trabalho, menor é o extravasamento negativo do trabalho para a família (e.g., Grzywacz & Marks, 2000; Oomens et al., 2007). Os indivíduos com um locus de controlo interno (i.e., que creem poder infl uenciar os seus resultados) tendem a trabalhar mais e melhor a fi m de utilizarem melhor os recursos de cada um dos domínios. Pelo contrário, baixos níveis de decisão e de controlo estão associados a menos consequências positivas do trabalho para a família.

O enquadramento descrito anteriormente sobre os processos de trabalho e stress, embora sugira diferentes caminhos de infl uência, converge em predições similares. Os resultados de autores que analisam o estatuto de trabalho por si (e.g., Goldberg & Easterbrooks, 1988; Greenberger & Goldberg, 1989) sugerem que o trabalho materno tem efeitos positivos na família e na parentalidade, sobretudo se as mães avaliarem estar satisfeitas, sentirem que têm controlo sobre a situação (Boyar & Mosley, 2007) e dispuserem de recursos para enfrentarem os problemas de relação trabalho-família (e.g., Grzywacz & Marks, 2000; Silverberg & Steinberg, 1990).

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Modelo a testarO modelo que se pretende testar neste estudo orienta-se na perspectiva

psicológica do stress e iremos analisar os factores cognitivos ao nível da avaliação de signifi cado (satisfação, recursos, atribuições) e a importância que possam ter como mecanismos explicativos das relações entre a situação profi ssional (estatuto e horas de trabalho) e a parentalidade abusiva, através da hipótese de extravasamento.

O estudo centra-se sobre as mães, uma vez que a investigação tem mostrado que apresentam níveis mais elevados de stress familiar e de carga de trabalho em casa (e.g., Fontaine et al., 2009). A maioria dos estudos que ligam o trabalho materno aos efeitos na criança tratam a variável trabalho em termos muito simples (i.e., empregados-desempregados, e trabalho em tempo parcial ou tempo inteiro) (e.g., Hoffman, 1989). Tais categorizações não diferenciam o signifi cado psicológico que o trabalho pode ter, nem as suas diferentes implicações na parentalidade foram avaliadas. Assim, e na tentativa de contribuir para colmatar estas limitações na investigação, o presente estudo visa abordar os mecanismos subjacentes aos diferentes estatutos de emprego (desemprego, domésticas ou empregadas) e à participação das mães no trabalho e na família (tempo dedicado ao trabalho) controlando variáveis socioeconómicas e educacionais da mãe. Assim, o nível socioeconómico da família e escolaridade da mãe foram introduzidos na primeira etapa de cada equação como covariáveis.

O modelo apresentado na Figura 1 orienta este estudo, que analisa os efeitos da avaliação cognitiva, mais concretamente da avaliação primária face à situação do trabalho, das atribuições e dos recursos das mães sobre a situação profi ssional, enquanto factores moderadores dos efeitos do contexto profi ssional (situação perante o trabalho – estatuto de empregada, doméstica e desempregada – e horas de trabalho) sobre a parentalidade abusiva.

Avaliação primária Atribuições Recursos

Contexto profissional

Mau TratoNegligência

Figura1 – Modelo de moderação da avaliação primária, atribuições e recursos na relação entre a situação perante o trabalho e as práticas maternas abusivas.

Com base na literatura, espera-se que os efeitos de extravasamento do contexto profi ssional (situação perante o trabalho e horas de trabalho) sejam maiores ao nível do mau trato e negligência quando as mães se avaliam mais insatisfeitas com o trabalho, com menos recursos e com menos controlo sobre a situação de trabalho.

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Método

Participantes Participaram neste estudo 102 mães de crianças que frequentam escolas públicas,

de Lisboa. Os critérios que presidiram à selecção das participantes incluíram o tipo de práticas abusivas e um conjunto de variáveis sociodemográfi cas.

O primeiro critério tomado em consideração foi o tipo de mau trato e negligência perpetrado pela mãe. Embora a totalidade da amostra constitua um grupo único no tratamento dos dados, para a selecção das participantes tivemos em consideração quatro grupos a partir das duas dimensões (mau trato e negligência) do Questionário de Avaliação do Mau Trato e da Negligencia Parental (Calheiros, 2006), como adiante se explicitará. Porque pretendemos ter uma amostra heterogénea no tipo e gravidade de mau trato e negligência (mau trato – mau trato alto e negligência baixa; negligência – negligência alta e mau trato baixo; controlo – mau trato baixo e negligência baixa) e na sua co-ocorrência (mau trato alto e negligência alta), os participantes foram incluídos nos grupos de mau trato e negligência a partir dos resultados obtidos nestas duas dimensões, tendo em consideração o primeiro e último quartil (Tabela 1). A presente investigação inclui assim, 79 mães de crianças maltratadas e negligenciadas, sinalizadas às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ’s), e 23 mães não sinalizadas, que compõem o grupo sem mau trato e negligência (grupo controlo). O grupo de famílias sem abuso foi seleccionado aleatoriamente nas mesmas escolas e turmas das crianças dos grupos de mau trato e negligência. Para tal, foi previamente elaborada uma lista de crianças controlando o nível socioeconómico das famílias e confi rmando-se que não estavam sinalizadas, com base nos processos escolares. Após esta selecção, a professora respondia ao “Questionário de Avaliação do Mau Trato e Negligência” (Calheiros, 2006).

Como pretendemos ter uma amostra homogénea do ponto de vista das variáveis sociodemográfi cas, emparelhámos as participantes nos diferentes grupos, tendo em consideração a idade da criança, a duração da situação (cronicidade do mau trato e negligência), a situação profi ssional e escolaridade da mãe e o tempo de residência.

Tabela 1 – Comparação das médias do mau trato e negligência e das variáveis controladas nos grupos.

Controlo (N=23) Mau Trato(N=21)

Negligência(N=27)

Mau Trato & Negligência(N=27)

Mau Trato*** .30 2.78 .71 2.78

Negligência*** .00 .82 2.31 2.42

Idade 8.74 9.14 9.15 9.41

Cronicidade .00 2.05 2.44 2.74

Esc. mãe** 2.52 2.50 2.12 2.04

T. residência 2.76 2.72 2.43 2.52

***p=.000; **p=.02

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Os resultados da Tabela 1 evidenciam a similaridade das variáveis nos diferentes grupos, à excepção da variável escolaridade da mãe que apresenta diferenças signifi cativas entre o grupo de mau trato e o grupo sem mau trato e negligencia e os dois restantes, sendo os níveis mais baixos nos últimos. O teste para analisar se os grupos se diferenciavam em função da situação profi ssional das mães (trabalharem ou não) (χ2 = 2.15, p= .54) não indica diferenças nos grupos. Os agregados maternos são constituídos por famílias monoparentais (N= 19, 18.6%), nucleares (N=61, 59.8%) e reconstituídas (N= 22, 21.6%). As crianças, de sexo masculino (N=59, 57.8%) e feminino (N=43; 42.2%), têm idades entre os 6 e 12 anos, sendo 30 de seis e sete anos (29.4%), 23 de oito e nove anos (22.5%) e 49 de dez, onze e doze anos (48%).

O estatuto de trabalho foi avaliado em função da situação das participantes perante o trabalho. Assim, as mães que constituíam a amostra foram distribuídas por três grupos: empregadas (n=53, 52.0%) desempregadas (n=24, 23.5%) e domésticas (n=25, 24.5%). Foi ainda avaliado o “número de horas de trabalho semanal” da mãe: não trabalha (n=48, 47.1%); trabalha 8 a 35h (n=18, 17.6%); trabalha 36 a 40h (n=20, 19.6%); trabalha mais de 42h (n=16, 15.7%).

ProcedimentoAs mães foram convocadas pelas instituições (Instituto de Reinserção Social

e CPCJ’s) no caso das participantes com sinalização, e pelas escolas no grupo não sinalizado) para participação num estudo sobre educação na grande zona de Lisboa.

Para evitar enviesamentos devidos ao questionamento de um único informante, este estudo utilizou múltiplas fontes para a recolha dos dados (mães, professores e técnicos). Os dados de avaliação do mau trato e negligência e da violência doméstica foram recolhidos pelos técnicos das instituições referidas e professores através do preenchimento do “Questionário de Avaliação do Mau Trato e Negligência” a partir dos processos individuais da criança. A recolha dos dados com as mães e as crianças foi realizada presencialmente, através da aplicação de questionários aplicados pela investigadora principal.

Os instrumentos para avaliação com as mães foram construídos em duas versões: para mães com escolaridade e sem escolaridade. A parte que corresponde aos questionários com respostas fechadas, no caso das mães sem escolaridade, era apresentada pela investigadora com o auxílio de material de apoio com as respectivas escalas de resposta.

InstrumentosMau trato e negligência. O Questionário de Avaliação do Mau Trato e Negligência

(Calheiros, 2006) é um instrumento construído para ser preenchido por técnicos ou educadores, e inclui 18 itens, cada um com quatro descritores de gravidade diferente numa escala de 0 a 4. Os itens que são assinalados como nunca tendo ocorrido, como “desconhecidos” ou suspeitos, mas não confi rmados, são cotados com zero (0). Os itens cujos descritores estejam presentes são cotados pelo nível de gravidade superior apresentado. Assim, cada item pode ser cotado numa escala de 4 pontos (0 na situação

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de todos os indicadores ausentes, 1 na situação do primeiro nível de gravidade, 2, 3, 4, consoante a gravidade dos indicadores).

No estudo de desenvolvimento e validação do questionário foi encontrada uma estrutura factorial de segunda ordem organizada em duas dimensões de parentalidade abusiva – Negligência e Mau Trato. A dimensão denominada “Negligência” é defi nida por omissões parentais como a falta de provisão em relação às necessidades básicas da criança, falta de supervisão nos cuidados de segurança física, acompanhamento e estimulação e negligência educacional em relação às áreas de acompanhamento escolar e em relação às necessidades de desenvolvimento (α= .67). A dimensão de “Mau Trato”, reúne todas as acções de violência física e mau trato psicológico em relação à criança. Os indicadores fi nais utilizados são a média dos itens que constituem cada uma das escalas.

Nível socioeconómico da família – Utilizaram-se cinco itens (escolaridade, profi ssão, rendimento, habitação e bairro de residência) para a construção de um indicador de nível socioeconómico (alfa de Cronbach=.81). Níveis elevados nesta variável correspondem a um estatuto socioeconómico alto.

Contexto profi ssional – O contexto profi ssional foi avaliado através da situação de trabalho (exerce uma profi ssão, está desempregada ou é doméstica) e do número de horas de trabalho semanal.

Satisfação com o estatuto de trabalho. Esta dimensão foi avaliada através da média de 3 itens: “satisfação geral com o estatuto de trabalho”, “satisfação geral com os efeitos do estatuto do trabalho na sua função das mães” e “satisfação geral com os recursos que disponibilizavam para enfrentar as situações que não corriam bem”, avaliadas cada uma através de uma escala de 1 (Muito insatisfeita) a 5 (Muito satisfeita) .

Recursos. A avaliação da percepção das mães acerca dos recursos disponíveis para lidarem com a sua situação profi ssional foi feita através da questão: “Até que ponto considera que tem meios para enfrentar as situações que não correm bem no seu emprego/na sua situação de desemprego/no seu trabalho doméstico?”, formulada numa escala de 1 (nenhuns) a 5 (muitíssimos).

Atribuições causais sobre a situação profi ssional. Após caracterização da situação das mães em relação ao trabalho (trabalho, desemprego e doméstica), foi formulado um conjunto de 10 questões (avaliadas numa escala de 1=nada a 5= muitíssimo) sobre as causas da insatisfação com a situação actual. Todas as questões, independentemente do tipo de situações a que se referiam, foram elaboradas com base nas dimensões de “locus” e “controlo” adaptadas à situação avaliada. A análise factorial em componentes principais resultou em dois factores com uma variância total explicada de 51.7%. O primeiro factor, cujo alpha de Cronbach (α= .75) explica 30% da variância, agrega itens que descrevem “causas internas”, como a falta de interesse, esforço e experiência . O segundo factor, com uma consistência interna (α= .71), refere-se à dimensão de “causas externas” (maneira de ser dos outros, difi culdades da tarefa, condições gerais de emprego, etc.) e explica 21.6% da variância. Os indicadores fi nais correspondem à média dos itens de cada factor.

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Resultados

Relações entre as variáveis A Tabela 2 apresenta as correlações das variáveis de trabalho e práticas maternas

com as variáveis moderadoras, as médias e os desvio-padrões das variáveis de avaliação cognitiva, atribuições e estratégias comportamentais.

Tabela 2 – Correlações, médias e desvio-padrões das principais variáveis em estudo.

1 2 3 4 5 6 7 8 9

1. Mau trato .36*** -.17 -.09 -.11 -.26** -.23* .40*** -.12

2. Negligência -.66*** -.42*** -.19 -.17 -.31*** .59*** -.05

3. Sócioeconómico .65*** .34*** .23* .37*** -.55*** .11

4. Escolaridade mãe .23* -.01 .20* -.36*** -.03

5. Horas de trabalho .51*** .41*** -.29** .40***

6. Satisfação .73*** -.25* .51***

7. Recursos -.26** .44***

8. Causas internas .13

9. Causas externas

M 2.71 2.36 21.17 3.25 2.88 2.36 2.62

DP .76 .95 23.69 1.27 1.08 .90 .88

(***) p<= 0.001; (**) p <= 0.01; (*) p<= 0.05

As médias obtidas mostram que as mães apresentam um nível médio de satisfação com a sua situação profi ssional (M=3.25), que avaliam como baixos os seus recursos disponíveis (M=2.88) e que fazem poucas atribuições tanto internas como externas à sua situação de trabalho.

O estatuto social destas mães está fortemente ligado às variáveis consideradas. Assim, podemos ver que as práticas maternas de negligência (mas não as de mau-trato) estão associadas ao nível sócio económico da amostra: são as mães menos escolarizadas e de estatuto sócio económico mais baixo que mais apresentam práticas negligentes . Por outro lado, o estatuto social está claramente associado ao signifi cado atribuído aos factores do trabalho. De facto, os resultados indicam que quanto maior é o nível socioeconómico e educacional, maior é a satisfação com a situação profi ssional e os recursos percebidos. Por sua vez, o signifi cado atribuído à situação profi ssional também tem associações importantes com esta avaliação: a atribuição interna das difi culdades na situação do trabalho está associada a menor satisfação e avaliação de recursos (r=-.25 e -.26 respectivamente), enquanto que as atribuições externas estão associadas a uma melhor avaliação destes recursos (r=.51 e .44). É ainda importante salientar que, nesta amostra, as horas de trabalho estão positivamente associadas à satisfação laboral (r=.55) e aos recursos (r=.41).

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Relativamente às questões do extravasamento trabalho-família, os dados do nosso estudo não suportam a ideia de uma associação directa entre as variáveis do contexto de trabalho e as práticas maternas. Os resultados indicam que as práticas maternas abusivas não estão associadas às variáveis de trabalho – “estatuto” (F(2,101)= .62, p=.53; F(2,101)= 3.08, p=.06, mau trato e negligência, respectivamente) e “horas de trabalho” (respectivamente, r=.11 e .19, n.s.). No entanto, o nível de satisfação com o estatuto laboral e a avaliação dos recursos apresentam um padrão de relações mais consistente com o mau trato e a negligência. De uma forma geral, os resultados parecem indicar não só que as mães desempregadas (M=1.79) e domésticas (M=3.24) avaliam a sua situação como mais negativa (F(2,101)= 41.92, p=.000) do que as mães empregadas (M=3.93), e com menos recursos e controlo (F(2,101)= 11.97, p=.000; Mempregadas=3.26, Mdesempregadas=2.08), como parecem ser estas avaliações que são determinantes das práticas maternas abusivas. De facto as correlações da tabela 2 mostram que o mau-trato e a negligência têm associações positivas com a satisfação laboral e a avaliação de recursos e principalmente com as atribuições internas aos insucessos profi ssionais.

O efeito moderador da satisfação na ligação entre o contexto de trabalho e as práticas maternas abusivas

Os resultados das análises que testam o efeito de moderação da avaliação primária são apresentados na Tabela 3. Estes resultados ilustram o impacto já referido do estatuto socioeconómico nas práticas negligentes.

Tabela 3 – Resultados das regressões das variáveis preditoras (estatuto e horas de trabalho) e da variável de moderação (satisfação com a situação profissional) na predição das práticas maternas abusivas.

Mau Trato Negligência

Variáveis β Total R2 ∆F β Total R2 ∆F

Etapa 1(covariáveis)

Classe social -.19 -.67***

Escolaridade mãe .04 .01 1.53 .02 .42 37.90***

Etapa 2

Estatuto trabalho .27* -.09

Satisfação -.42** .08 5.12** .08 .42 .45

Etapa 3

Est. trabalho. x satisfação -.39** .15 8.33** -.18 .41 .55

Etapa 1 (covariáveis)

Etapa 2

Horas de trabalho .06 .14

Satisfação -.27* .05 2.81* -.10 .42 1.09

Etapa 3

Horas trabalho x satisfação -.27* .10 6.62** .002 .42 1.00

(*) p< 0.05; (**) p<0.01; (***) p < 0.001

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Os dados revelam dois efeitos de interacção nas práticas de mau trato1. A análise de cada termo de interacção mostra que a satisfação interage com o estatuto de trabalho (F incremento (1,96) = 8.33, p= .001) e com as horas de trabalho, (F incremento (1,96) = 6.62, p= .01), e acrescentam 7% e 6%, respectivamente, da variância das práticas maternas de mau trato. As análises realizadas posteriormente com o grupo das mães insatisfeitas com a sua situação profi ssional mostram que são as mães empregadas as que mais maltratam os fi lhos ((F(2,24) =2.28, p=.132), e que o mau-trato aumenta à medida que o número de horas despendido no papel profi ssional aumenta (r(25)= .39, p=.05). No entanto, nas mães satisfeitas, não parece haver diferenças na gravidade e frequência do mau trato em função do estatuto (F(2,44)=.37, p=.68), e tempo dedicado ao trabalho (r(45)= -.10, p=.46).

As mesmas análises foram conduzidas para a predição das práticas de negligência, mas os termos de interacção não foram signifi cativos em nenhuma das equações.

Deste modo, os resultados parecem indicar que é só quando as mães estão insatisfeitas com a sua situação profi ssional que as variáveis do contexto de trabalho se associam a práticas de maus tratos.

O efeito moderador da avaliação de recursos na ligação entre o contexto de trabalho e as práticas maternas abusivas

Quando se toma a variável “avaliação de recursos” como moderadora do estatuto e horas de trabalho, observa-se unicamente um efeito de interacção nas práticas de mau trato. Os resultados apresentados na Tabela 4 mostram que a avaliação dos recursos interage com o estatuto de trabalho (F incremento (1,96)= 4.47, p= .02), e prediz 4% da variância das práticas maternas de mau trato.

1 Uma vez a correlação elevada entre a variável estatuto e horas de trabalho (r= .78) e encontrados os efeitos de interacção de cada uma destas variáveis com a satisfação, confirmámos se os resultados destas interacções (apresentados na Tabela 3) se mantinham após controlo de cada uma das interacções. Os resultados obtidos indicam que somente a interacção estatuto de trabalho e satisfação se mantêm após este controlo (F(1,97)=10.38, p=.002).2 Embora a análise de variância apenas mostre diferenças tendenciais entre os grupos de estatuto profissional diferente, a correlação encontrada entre estatuto profissional e mau trato nas situações de insatisfação, (r (25)=.41, p=.04) é indicadora de que são as mães empregadas que mais maltratam os filhos.

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Tabela 4 – Resultados das regressões das variáveis preditoras (estatuto e horas de trabalho) e da variável de moderação (avaliação de recursos) na predição das práticas maternas abusivas.

Mau Trato Negligência

Variáveis β Total R2 ∆F β Total R2 ∆F

Etapa 1(covariáveis)

Socioeconómico -.19 -.67***

Escolaridade mãe .04 .01 1.53 .02 .42 37.90***

Etapa 2

Estatuto trabalho .10 .08

Avaliação recursos -.23 .03 1.99 -.11 .42 .88

Etapa 3

Est. trabalho. x recursos -.31* .06 4.47* -.24 .42 1.03

Etapa 1 (covariáveis)

Etapa 2

Horas de trabalho -.02 .13

Avaliação recursos -.18 .02 1.59 -.12 .43 1.53

Etapa 3

Horas de trabalho x recursos

-.15 .03 2.04 -.02 .42 .05

(*) p< 0.05; (***) p < 0.001

A análise de variância realizada posteriormente a este teste indica que as mães domésticas sem recursos (F(2,33)= 2.71, p=.08), são aquelas que tendencialmente recorrem mais a este tipo de práticas (média das mães donas de casa = 2.33; média das mães empregadas = 1.96). Nas mães com recursos não existem diferenças na gravidade e frequência do mau trato em função do estatuto de trabalho (F(2,28)= .09, p=.91). Uma vez mais, as práticas de negligência não se encontram associadas a nenhum efeito de interação signifi cativo.

Deste modo, os resultados parecem indicar que é só quando as mães acham que têm poucos recursos para responder às exigências laborais que se verifi ca extravasamento das variáveis do contexto de trabalho às práticas de maus tratos.

O efeito moderador das atribuições sobre o trabalho na ligação entre o contexto de trabalho e as práticas maternas abusivas

Os resultados das análises que envolvem as atribuições das mães relativamente à sua situação de trabalho revelam efeitos principais das causas internas, que explicam 13% da variância do mau trato, quando entram na equação com o estatuto e horas de trabalho, e 8% da variância da negligência quando entram na equação com o estatuto de trabalho (Tabela 5).

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Tabela 5 – Resultados das regressões das variáveis preditoras (estatuto e horas de trabalho) e da variável de moderação (atribuições sobre a situação profissional) na predição das práticas maternas abusivas.

Mau Trato NegligênciaVariáveis β Total R2 ∆F β Total R2 ∆FEtapa 1(covariáveis)

Classe social -.19 -.67***Escolaridade mãe .04 .01 1.53 .02 .42 37.90***Etapa 2Estatuto trabalho .12 .04Causas internas .43*** .13 7.58*** .33*** .49 7.87***Etapa 3Est. trab. x Causas Internas .21 .13 1.43 -.16 .48 1.89

Etapa 1 (covariáveis)Etapa 2Estatuto trabalho .08 .04Causas externas -.13 .004 .69 .004 .44 .13Etapa 3Est. trab. x Causas Externas -.29 .02 2.17 -.51* .46 4.91*

Etapa 1 (covariáveis)Etapa 2Horas de trabalho -.02 .14Causas internas .43*** .13 7.59*** .36*** .51 9.77***Etapa 3Horas trabalho x Causas Internas .10 .13 .88 -.14+ .52 3.15+

Etapa 1 (covariáveis)Etapa 2Horas de trabalho -.06 .09Causas Externas -.09 .002 .58 -.009 .42 .57Etapa 3Horas trabalho x Causas Externas -.03 -.008 .05 -.15+ .43 3.19+

(*) p< 0.05; (**) p<0.01; (***) p < 0.001; (+) p ≥ .07≤.09

A atribuição de causas internas (falta de esforço, interesse e experiência na área profi ssional) às difi culdades laborais, aparece, tal como vimos na tabela 2, associado quer ao mau-trato como à negligência. Quer isto dizer que quanto menos investimento existe na área do trabalho, mais problemas relacionais da mãe com a criança.

Não se observa qualquer efeito de interacção destas variáveis no factor de mau trato. Pelo contrário, observam-se três efeitos de interacção na negligência. O efeito (estatuto de trabalho x causas externas) (F incremento (1,96)= 4.91, p= .029) prediz 3% da variância das práticas maternas de negligência, indicando que as mães que não atribuem externamente a sua situação profi ssional (F(2,25)= 2.84, p= .09) não apresentam diferenças na gravidade da negligência no teste post-hoc, contrastando com as mães com

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elevadas atribuições externas (F(2,20)= 11.56, p= .001) em que são as mães desempregadas (M=2.24) e domésticas (M=2.18) que mais negligenciam os fi lhos, quando comparadas com as empregadas (M=.61). Assim, o estatuto profi ssional extravasa para práticas negligentes apenas quando há atribuições externas das difi culdades laborais.

O efeito de interacção (horas de trabalho x causas externas)3 (F incremento (1,96)= 3.19, p= .07) prediz 2% da variância das práticas maternas de negligência, e indica que a negligência às crianças diminui nas famílias em que as mães estão empregadas à medida que as horas de trabalho aumentam, mas apenas quando as mães atribuem causas externas à sua situação profi ssional (r(21) = -.58, p= 006); quando isso não acontece, a relação entre horas de trabalho e negligência não assume qualquer signifi cado (r(26) = .32, p= .10). O último efeito de interacção entre horas de trabalho e causas internas, explica 2% da negligência (F incremento (1,96)= 3.15, p= .07), indicando que as mães mais envolvidas no trabalho, uma vez que atribuem a sua situação profi ssional à experiência, capacidade e esforço (atribuições internas baixas), à medida que o número de horas despendido no papel profi ssional aumenta, tornam-se mais negligentes (r(19)= .45, p= .05). Nas mães menos envolvidas na carreira profi ssional (atribuições internas elevadas de falta de esforço e experiência elevadas) não apresentam diferenças na negligência em função do tempo gasto no trabalho (r(19)= -.14, p=.56). Deste modo, os resultados indicam que o menor tempo de trabalho das mães empregadas se associa a práticas maternas negligentes, apenas quando o envolvimento com o trabalho é baixo e as mães veem a sua situação determinada por factores externos.

Resumo dos resultadosSumariando as análises de moderação que predizem mudanças nas práticas

maternas em função da sua situação de trabalho, um conjunto de resultados aparece como relevante. De uma forma geral, as variáveis relativas ao trabalho da mãe – estatuto e horas de trabalho – não parecem ser preditores directos das práticas maternas de mau trato e negligência. Contudo, os resultados relativos às variáveis de satisfação e de recursos, que predizem uma proporção de variância razoável das práticas abusivas, salientam a importância que estas têm na parentalidade, quer através dos efeitos de moderação, quer através dos efeitos directos.

Relativamente às práticas maternas de mau trato foram encontrados três efeitos de moderação: dois da satisfação com o estatuto e horas de trabalho, e um dos recursos com o estatuto, e ainda efeitos directos das atribuições internas. Estes resultados sugerem que as mães que trabalham fora de casa e dedicam mais tempo ao trabalho, quando insatisfeitas com a situação, são mais vulneráveis às práticas de mau trato. Por outro lado, são também as mães domésticas com fracos recursos, e as que investem pouco na área do trabalho que parecem ser também mais vulneráveis a este tipo de práticas.

O padrão de relações entre o trabalho das mães e as práticas negligentes é bem diferente do anterior. Não só a situação socioeconómica baixa da família parece ser um factor determinante da negligência, como após o controlo desta variável, os efeitos

3 Este efeito de interacção mantém-se tendencialmente significativo F (1,97)= 3.08, p= .08, mesmo controlando o efeito de interacção anterior.

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observados revelam que não é a satisfação das mães que explicam a relação com os fi lhos, mas sim as atribuições de controlo na resposta aos problemas. As atribuições relacionadas com um elevado interesse, esforço e experiência na área do trabalho contribuem para que, com o aumento de horas de trabalho, as mães se tornem mais negligentes. Pelo contrário, as mães que não investem na sua situação profi ssional, negligenciam menos os fi lhos à medida que o tempo dedicado ao trabalho aumenta. Por outro lado, quando se considera o estatuto de trabalho das mães que pensam que as causas da sua situação profi ssional estão fora do seu controlo, são as mães que não trabalham que são mais negligentes com os fi lhos.

Discussão

A questão que motivou as análises que acabam de se relatar foi a de saber se seria possível explicar as práticas maternas abusivas através dos contextos de trabalho da mãe, a partir de uma hipótese geral – a de extravasamento – em que as circunstâncias do sub-sistema de trabalho se transferem para o sub-sistema de relação pais-fi lhos. A literatura mostra que o estatuto económico e profi ssional e as horas de trabalho das mães são factores que interferem nos processos de parentalidade (e.g., Hoffman, 1989), pelo que importa explorar em que situações e vivências de trabalho as funções maternas se tornam mais ou menos vulneráveis. Para isso analisou-se a avaliação da satisfação e dos recursos maternos (pessoais, sociais e comunitários) disponíveis para enfrentar as questões relacionadas com o estatuto de trabalho (e.g., Greenberger & O`Neil, 1993).

De uma forma geral pode dizer-se que, se para algumas variáveis o padrão de resultados obtidos é bastante semelhante, a especifi cidade da parentalidade abusiva torna mais difícil enquadrar na literatura recenseada algumas das conclusões a que se chegou. Em primeiro lugar, e contrariamente às referências clássicas da literatura que descrevem os efeitos directos do estatuto de trabalho e do tempo dedicado ao trabalho nas interacções pais-fi lhos, os resultados indicam um processo mais complexo de relações destas variáveis com a parentalidade. Consonantes com o modelo proposto, os resultados indicam que as variáveis de trabalho materno interferem na parentalidade abusiva, mas somente em determinadas condições que variam em função da avaliação da satisfação, dos recursos e das atribuições causais maternas sobre a situação de trabalho. Quer isto dizer que as práticas abusivas estão associadas ao desemprego materno e ao número excessivo de horas de trabalho, mas não de forma directa, como sugerido pela maior parte da literatura referida (Hoffman, 1989). Por outro lado, os resultados estão largamente de acordo com as propostas mais recentes de um conjunto de autores (e.g., Barnett, 1996; Greenberger & O`Neil, 1993; Grzywacz & Marks, 2000), que têm vindo a mostrar, com populações sem risco, que os efeitos do trabalho na parentalidade estão relacionados com a satisfação, percepção de recursos e de controlo sobre a situação.

Em suma, os resultados mostram, então, que o mau trato, a par das explicações maternas de falta de capacidade, investimento e experiência, parece estar mais relacionado com o desemprego materno e o número excessivo de horas de trabalho da mãe quando estas avaliam, no primeiro caso, não ter recursos sufi cientes para

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enfrentarem os problemas, e no segundo caso, quando avaliam estar insatisfeitas com a situação profi ssional. A negligência aparece também relacionada com o desemprego materno e o número excessivo de horas de trabalho da mãe, mas, no primeiro caso, associado à falta de controlo sobre a situação para enfrentar os problemas e, no segundo caso, quando avalia como causas principais da situação o investimento e a experiência profi ssional para manter o estatuto de trabalho. Por outro lado, o tempo dedicado ao trabalho parece aumentar o investimento parental, mas apenas nas situações em que as mães não atribuem a si próprias os problemas de trabalho com que se deparam.

Enquadrados na literatura, estes resultados parecem confi rmar o papel da falta de recursos e da insatisfação com o trabalho como particularmente disruptivo nas relações mãe-fi lhos como defende Hoffman (1989), embora, o baixo nível de controlo apareça associado a resultados na negligência que parecem mais difíceis de enquadrar na literatura recenseada. Pois, enquanto Grzywacz e Marks (2000) refere que o baixo nível de controlo está associado a mais consequências negativas do trabalho na família, os resultados aqui obtidos não confi rmam este extravasamento negativo nas mães que trabalham, mas sim nas domésticas e desempregadas. De forma consistente com a mesma revisão de literatura, o autor salienta que, quanto mais baixa é a pressão e maior o controlo no trabalho, menor é o extravasamento negativo do trabalho para a família (e.g., Grzywacz & Marks, 2000).

Contudo, os nossos resultados indicam que as mães, mesmo com controlo, face a pressão elevada (horas de trabalho) aumentam a frequência e gravidade da negligência. Por sua vez, a hipótese de que os pais com baixo envolvimento no papel profi ssional estão mais investidos no papel parental, não confi rmada no estudo de Silverberg e Steinberg (1990), também não é confi rmada no nosso modelo com mães negligentes, uma vez que estas, apesar das horas de trabalho, desde que não se considerem cognitivamente envolvidas (fazem atribuições externas) parecem aumentar o investimento na parentalidade. Tomados em conjunto, estes dois últimos resultados sugerem que o nível de orientação das mães negligentes para o trabalho fora de casa pode ser um moderador crucial dos efeitos do trabalho na parentalidade, embora seja necessário distinguir os aspectos funcionais (horas de trabalho) dos aspectos motivacionais. As mães com elevado envolvimento funcional e motivacional parecem negligenciar mais os fi lhos do que as mães com um envolvimento funcional elevado, mas que não estão emocionalmente envolvidas no trabalho.

Os resultados foram obtidos num contexto cultural particular (o Português), embora haja sinais de que é um tópico de crescente interesse também no Brasil (e.g., Faria & Rachid, 2007). A investigação neste domínio tem mostrado que o stress familiar é um importante preditor do extravasamento trabalho família tanto em Portugal como no Brasil, mas que pode revestir contornos diferentes nas duas culturas (Fontaine et al., 2009), pelo que as diferenças culturais deverão ser analisadas.

O padrão de resultados que emergiu também dá suporte à perspectiva ecológica da interface trabalho-família. Consistente com os modelos ecológicos e de stress, os resultados obtidos confi rmam que factores pessoais, da situação de trabalho e da família infl uenciam o extravasamento da área profi ssional para a parentalidade.

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Implicações

Tomados em conjunto, os resultados deste estudo, embora defi nam processos mais complexos do que os observados na investigação desenvolvida com amostras de mães sem risco, sugerem que o nível de orientação, recursos e satisfação com a situação profi ssional são moderadores cruciais dos efeitos do trabalho na parentalidade e que, em geral, as hipóteses sobre os efeitos positivos do aumento de recursos, em vez da sua escassez, são uma área importante na intervenção comunitária com famílias abusivas.

O foco nas percepções das mães sobre os diferentes contextos socioecológicos, profi ssionais e familiares deve ser particularmente importante nas políticas de intervenção com a pobreza, a família e a educação, no sentido de mover as famílias do desemprego e rendimento mínimo, da dependência e dos contextos da violência, para o trabalho, a autonomia e bem-estar. Tendo como objectivo diminuir o extravasamento negativo do trabalho (desemprego/pressão do trabalho) para a família e vice-versa, e destes para a parentalidade, deverão ser pensados programas comunitários que promovam a inserção profi ssional, associados à implementação de relações sociais de suporte (em comunidades com infantários, por exemplo), com horários fl exíveis, focalizados na redução da pressão, construindo meios profi ssionais, familiares e comunitários que possam benefi ciar as mães nas diferentes esferas de vida. A disponibilidade de serviços sociais, de saúde e educativos na comunidade, assim como o suporte social informal, são cruciais quando as experiências de vida negativas passadas e presentes são tão características nestas famílias.

Referências

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Recebido em julho de 2012 Aceito em novembro de 2012

Maria Manuela Calheiros – Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS), ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.Maria Luísa Lima – Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS), ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.Carla Silva – Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS), ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

Endereço para contato: [email protected]

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A violência familiar como fator de risco para o bullying escolar: contexto e possibilidades de intervenção

Lélio Moura LourençoLuciana Xavier Senra

Resumo: A violência doméstica (VD) ou familiar afeta a população mundial prejudicando a saúde, liberdade e bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades. O bullying, um tipo de violência escolar, envolve comportamentos agressivos intencionais e repetitivos, físicos e psicológicos entre pares, visando prejuízo daquele percebido como frágil e indefeso. Pode relacionar-se às diversas experiências familiares e comunitárias. Realizou-se uma revisão de literatura com busca eletrônica pelos descritores bullying, violência doméstica e violência intrafamiliar nas bases Web of Science, Medline, PsycInfo, Dialnet e Redalyc, que tratassem da VD como fator de risco para bullying. Considerou-se autor, periódico, ano, metodologia e impactos desencadeados. Selecionaram-se 59 artigos. Os países mais produtivos foram EUA (50.85%) e Espanha (25.42%); 35.56% dos artigos apontaram a vítima de VD como vítima-agressora de bullying; e que os prejuízos e mais comuns são danos físicos, psicológicos, comportamentais e sociais para crianças e adolescentes, como apontaram 33.9% das publicações.Palavras-chave: violência doméstica ou familiar, bullying, revisão sistemática.

Family violence as a risk factor for school bullying: Context and possibilities for intervention

Abstract: Domestic violence (DV) or family violence affects the world population impairing the health, freedom and well-being of individuals, families and communities. Bullying, a kind of school violence, physical and psychological behavior involves intentional repetitive and aggressive peer, thereby causing damage to that perceived as weak and helpless. Can you relate to the different experiences of family and community. A review of the literature with keywords bullying, domestic violence and bullying intrafamilial violence with electronic search in electronic databases Web of Science, Medline, PsycInfo, and Dialnet Redalyc, which treat DV as a risk factor for bullying. It was considered the author, journal, year, the methodology and the impacts. 59 articles were selected. The most productive countries were USA (50.85%) and Spain (25.42%). 35.56% of the articles point the DV’s victim as victim-aggressor of the bullying, and that the losses are the most common physical, psychological, and behavioral and social consequences for children and adolescents, as indicated 33.9% of the publications.Keywords: domestic or family violence, bullying, systematic review.

La violencia familiar como factor de riesgo para el bullying escolar: contexto y posibilidades de intervención

La violencia doméstica (VD) o familiar afecta la populación mundial perjudicando la salud, la libertad y en bienestar de individuos, familias y comunidades. El bullying, un tipo de violencia escolar, involucra comportamientos agresivos intencionales y repetitivos, físicos y psicológicos entre pares, visando prejuicio de aquel percibido como frágil y indefenso. Tal fenómeno puede relacionarse a las diversas experiencias familiares y comunitarias. Fue realizada una revisión de la literatura con busca electrónica utilizándose los descriptores bullying, violência doméstica e

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violência intrafamiliar en las bases de datos Web of Science, Medline, PsycInfo, Dialnet y Redalyc, que tratasen de la VD como factor de risco para bullying. Como variables fueron consideradas autor, periódico, ano, metodología e impactos desencadenados. Fueron elegidos 59 artículos. Los países más productivos fueron EUA (50.85%) y España (25.42%); 35.56% de los artículos indicaron la víctima de VD como víctima-agresora de bullying; y que los prejuicios más comunes son daños físicos, psicológicos, comportamentales y sociales para niños y adolescentes, como apuntaran 33.9% de las publicaciones.Palabras clave: violencia doméstica o familiar, bullying, revisión sistemática.

Introdução

A violência é defi nida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “o intencional uso da força física ou do poder, em ameaça ou real, contra si próprio, outra pessoa, contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha probabilidade de resultar em injúria, morte, dano psicológico, privação ou prejuízos no desenvolvimento” (Krug , Dahlberg, Mercy, Zwi, Lozano , 2002, p.5). Prioridade nas ações da OMS, o fenômeno tem sido considerado um problema de saúde pública global a partir do reconhecimento das suas sérias implicações de curto e longo prazo para a saúde, para o desenvolvimento psicológico e social de indivíduos, famílias e comunidades.

O estudo da violência familiar ou doméstica cometida por membros constituintes de uma família ganhou destaque no meio acadêmico há cerca de três décadas devido às repercussões e prejuízos desencadeados às vítimas. Lourenço, Cruvinel, Almeida e Gebara (2010), Gebara (2009) e Krug et al. (2002) mencionam que mesmo havendo défi cit de dados relativos a esse problema, alguns estudos atribuem às modalidades de violência que acontecem em ambiente familiar como possíveis responsáveis pela maioria dos atos violentos que confi guram os índices de morbi-mortalidade.

Reichenheim et al. (2011), no relatório sobre violência e lesões no Brasil, corroboram os estudos citados ao afi rmarem que há carência de dados pertinentes às situações de violência doméstica-VD/familiar no Brasil e afi rmam que isso contribui signifi cativamente para o aumento das taxas de morbidade relacionada à violência. Esses autores apontam que a VD é um grave problema de saúde pública também em âmbito nacional, acometendo crianças, adolescentes e idosos com situações de violência física e psicológica.

O fenômeno da violência doméstica-VD e/ou familiar, exige dedicação à sua defi nição tanto quanto a violência de modo geral para as temáticas de intervenção em torno dessa subcategoria de violência. Dessa maneira, vale destacar que a defi nição de VD consiste em “todo ato ou omissão cometido por um membro da família em uma posição de poder, independentemente de onde ocorra, que prejudique o bem-estar físico ou a integridade psicológica, ou a liberdade e o direito ao desenvolvimento integral de outro membro da família” (Shrader & Sagot, 2000, p.10).

Senra, Almeida e Lourenço (2011) ressaltam que essa defi nição evidencia a necessidade do tema ser estudado de distintas maneiras, seja com foco social, da saúde e/ou da educação, bem como através da interrelação desses seguimentos com fi nalidade

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de intervenção. No entanto, mesmo existindo várias defi nições e compreensões do fenômeno de violência, com suas consequentes divergências de acordo com o que já foi colocado, é sabido que todas as implicações de um ato de violência colocam os seres humanos em condições de vítimas, autores e/ou testemunhas de tal ato.

A violência que ocorre no ambiente doméstico/familiar entre parceiros íntimos e contra crianças, adolescentes e idosos, tem sido signifi cativamente destacada no cenário da saúde pública brasileira. Reichenheim et al. (2011) mostram que no Brasil a VD é um grave problema de saúde pública devido as altas taxas de maus tratos infantis, em relação às crianças e aos adolescentes, sobretudo os abusos físicos e a negligência. Os números revelam que a prevalência encontrada nos últimos quinze anos quanto ao abuso físico foi considerada alta (15,7%) mesmo se comparada à países como Índia (36%), o Egito (26%) e as Filipinas (37%), pois em países da América como Chile e EUA, as prevalências no mesmo período foram, respectivamente, 4% e 4,9%.

O relatório Violência e Lesões no Brasil feito por Reichenheim et al. (2011) mostrou ainda, que as estimativas brasileiras para a violência entre parceiros íntimos também foram superiores e que propiciam graves prejuízos à saúde da mulher e das crianças e adolescentes que vivem e/ou presenciam esse contexto. As consequências vão de arranhões ao óbito expressos pelas diferentes manifestações da violência, demandando alternativas por parte dos serviços sociais e de saúde.

No que se refere à vitimização de crianças e adolescentes, sujeitos considerados mais vulneráveis por ainda estarem em desenvolvimento, Oure e Calvette (2012), Lourenço, Salgado, Amaral, Gomes e Senra (2011), O’Donnel, Moreau, Cardeml e Pollastri (2010), Whiteside-Mansell, Bradley, McKelvey e Fussell (2009), Sani (2008) e Baldry (2003) evidenciaram que aqueles expostos à violência doméstica ou familiar, pela simples presença no contexto de confl itos, apresentam sérios problemas sociais e de saúde física e mental. Dentre eles: traumas no aparelho músculo esquelético; sintomas depressivos; baixa estima por si mesmos; transtorno de stress pós-traumático; problemas de ajustamento e conduta; agressividade; e, problemas no desempenho acadêmico e escolar, e até conduta aditiva (consumo precoce de álcool e drogas ilícitas e uso de tabaco). Vale ressaltar que os efeitos dos traumas físicos citados tendem a deixar marcas visíveis na pele e no sistema musculoesquelético. De uma maneira menos tangível, esses estudos mostraram associações entre abuso infantil e transtornos psiquiátricos em geral, tais como o uso de drogas, depressão, transtornos de conduta, agressividade e comportamento transgressor na idade adulta.

No Brasil, é possível estimar que 600 mil crianças e adolescentes sejam vítimas de diversas formas de violência doméstica (VD) e/ou intrafamiliar. Independente de tais formas, o impacto é decorrente de situações diretas e/ou indiretas de violência, seja a vitimização por exposição à VD, abuso ou negligência, ou a imposição de condutas agressivas e violentas diante de outras pessoas. Sobre a exposição (ver, ouvir e conviver) à violência intrafamiliar, vale apontar que ela é tratada como uma forma de abuso psicológico que prejudica o desenvolvimento do self e da competência social da criança (Gabatz, Neves, Beuter & Padoin, 2010; Biscegli, Arroyo, Halley & Dotoli, 2008; Sani, 2008).

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Considerando as referidas características e impactos para os envolvidos no contexto de violência interpessoal, sobretudo na família, Pinheiro e Williams (2009), Antunes e Zuin (2008) e Pereira (2006) apresentam estudos relativos a outra modalidade de violência interpessoal, a violência escolar. De acordo com esses autores, ela envolve comportamentos agressivos e antissociais, incluindo danos ao patrimônio e, sobretudo, confl itos interpessoais, os quais tem sido objeto de importantes estudos nos Estados Unidos, Europa, Japão e Brasil. Essa modalidade de violência escolar em tais estudos é denominada bullying, ou seja, “agressividade entre pares de forma continuada e intencional (...) usualmente maldosa e persistente podendo durar semanas, meses ou anos e as vítimas estão normalmente em situação em que é difícil defenderem-se.” (Pereira, 2006, p.45; Olweus, 1977).

Pinheiro e Williams (2009) e Pereira (2008) ressaltam o bullying como uma das formas de violência escolar por envolver confl itos interpessoais entre colegas de maneira que um ou mais alunos intimidam e agridem física e/ou psicologicamente seus pares, repetidamente e por um determinado período de tempo. Esses atos de intimidação e agressão do bullying são identifi cados pela intencionalidade das ações de magoar e ferir outra pessoa que seja vítima e alvo de comportamento e atos agressivos, como, por exemplo, bater, empurrar, tirar dinheiro, chantagear e ameaçar, atribuir apelidos pejorativos, humilhar, chamar nomes (xingamentos), excluir, rejeitar e ignorar o colega, etc. Nas palavras de Pereira (2008, p.18), “é a intencionalidade de fazer mal e a persistência de uma prática a que a vítima é sujeita o que diferencia o ‘bullying’ de outras situações ou comportamentos agressivos”.

Bandura, Azzi e Pollydoro (2008) e Bandura, Ross e Ross (1961), afi rmam que crianças e adolescentes podem aprender por observação e através de imitação de modelos cognitivos e de condutas parentais (ou não), a agressão física e verbal pela simples repetição do que foi observado. Ao compararem grupos expostos à agressividade, a não agressividade e ao controle, os escores de imitação da agressão física e verbal eram maiores para os grupos diretamente expostos aos modelos agressivos do que para aqueles que não presenciaram um modelo agressivo, sendo ainda maiores os escores relacionados aos modelos masculinos de agressividade. Isto é, os meninos tendem a reproduzir mais facilmente um modelo de agressividade física, enquanto as meninas repetem mais facilmente um modelo de agressividade verbal, o que não é muito comum entre os meninos.

Pinheiro e Williams (2009), Antunes e Zuin (2008) e Pereira (2008; 2006) salientam a característica multifatorial do bullying. Tais fatores podem ser socioeconômicos, culturais, o temperamento do indivíduo e as infl uências de familiares, colegas e da comunidade. Além desses, sobretudo, as relações de desigualdade de poder em casa/família e na escola, a ausência de coesão, a ambivalência no envolvimento emocional com pais, irmãos e colegas, com clima emocional frio e assimétrico. As relações de desigualdade de poder na família revelam um lar com cotidiano hostil e permissivo em que há uso de violência como forma de disciplina, sem quaisquer habilidades para resolução de confl itos, o que leva as crianças e adolescentes reproduzirem tais condutas com colegas e professores.

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As formas mais comuns de ocorrência do bullying evidenciam a violência doméstica e/ou familiar como fator de risco para essa modalidade de violência escolar, que foi também estudada por Baldry (2003). Através do estudo, a autora constatou que os agressores (bullies) possuíam pais confl itantes e autoritários, o que a permitiu constatar que lares violentos são fatores de risco signifi cativos para o desenvolvimento de comportamentos antissociais e de bullying.

O presente estudo objetivou realizar uma revisão sistemática da literatura para o levantamento de artigos científi cos indexados em bases de dados que tratassem da contextualização da violência familiar ou doméstica como fator de risco para o bullying escolar, a fi m de traçar algumas possibilidades de novos estudos e intervenções frente às essas variáveis.

Especifi camente, objetivou: (a) verifi car a frequência de países, periódicos, base de dados, metodologias usadas, palavras chave e a autoria das publicações sobre a temática; (b) identifi car os papéis de atuação (expectador/observador, vítima e agressor) de crianças e adolescentes nos contextos de violência familiar ou doméstica e de envolvimento em bullying relatados nas publicações; (c) identifi car e quantifi car os tipos de impactos da violência familiar ou doméstica e do bullying ressaltados pelas publicações; e (d) discutir e avaliar as constatações enumeradas pela pesquisa, e delinear algumas possibilidades de intervenção para a temática em estudo.

Método

A revisão sistemática da literatura, realizada através de pesquisa Bibliométrica no presente estudo, foi realizada mediante uma busca eletrônica de artigos indexados em bases de dados, procurando identifi car publicações num período de oito anos que tratassem da violência familiar como fator de risco para a ocorrência de bullying escolar. Foram selecionados estudos dos últimos oito anos (2005-2012), pela necessidade de se considerar uma fonte de literatura científi ca mais atual sobre o tema.

Para análise das publicações foram utilizadas metodologias de pesquisa qualitativa e quantitativa. Essas metodologias são complementares quando se objetiva descrever e conhecer um dado fenômeno e seu contexto. No estudo qualitativo foram analisados, com processamento de dados no software Excel, os resultados identifi cados nos artigos que evidenciassem a VD como fator de risco para o bullying escolar, o papel de atuação de crianças e adolescentes nos contextos de violência doméstica e de bullying e os tipos de impactos e prejuízos desencadeados para os envolvidos. Quanto aos dados quantitativos procurou-se investigar, por meio da técnica da análise de conteúdo, a frequência de: a base de dados, autoria, países, periódicos e ano das publicações, metodologia e tipos de impactos da violência doméstica e do bullying salientados nos artigos para as crianças e adolescentes (Reveles & Takahashi, 2005).

Etapas para coleta e análise de dadosEtapa I – A coleta de dados foi pelo meio de busca eletrônica através da

associação dos descritores bullying domestic violence e bullying intrafamilial violence

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nos bancos de dados das seguintes bases: (a) Web of Science (base multidisciplinar, que agrega conteúdos das revistas de maior impacto acadêmico em diversos seguimentos acadêmicos), (b) Medline (reúne publicações das ciências da saúde em geral por compor a biblioteca virtual em saúde), (c) Dialnet (base ibérica multidisciplinar composta por revistas e jornais de universidades portuguesas e espanholas, de grande impacto na comunidade científi ca europeia), (d) Redalyc (rede de revistas científi cas da América Latina e Caribe, Portugal e Espanha), e (e) PsycInfo (reúne literatura do campo psicológico, vinculada a American Psychological Association). As referidas bases foram escolhidas para serem abarcadas publicações oriundas de diversos países com intuito de identifi car o impacto da temática em estudo em âmbito mundial. Os descritores foram utilizados no idioma inglês por serem comuns aos dicionários de termos de busca em cada uma dessas bases.

Foram selecionados os artigos do período de 2005 a 2012 (primeiro semestre), observando, autor, país, periódico, ano da publicação, metodologia de estudo e tipos de impacto da violência doméstica e do bullying para as crianças e adolescentes e seus respectivos papeis de atuação nos fenômenos mencionados. Incluíram-se as publicações que continham os referidos descritores no título e abstract. Excluíram-se livros, capítulos de livro, monografi a e teses.

Etapa II – associação dos dados identifi cados e quantifi cados quanto aos tipos de impactos da violência familiar ou doméstica e do bullying ressaltados pelas publicações para discussão e avaliação desses novos dados enumerados, visando o delineamento de algumas possibilidades de intervenção para a temática em estudo.

Resultados

De acordo com a busca realizada, foram catalogados 381 artigos e selecionados 59 no período entre 2005 e 2012 (primeiro semestre). Considerando a produção por ano, observou-se a seguinte indexação: 2005(3); 2006(3); 2007(8); 2008(7); 2009(7), 2010 (17), 2011(11) e 2012(3). No que se refere às indexações por países, os Estados Unidos (50.85%) e a Espanha (25.42%) se destacaram com o maior percentual de artigos produtivos em todo o período. O Brasil e a Finlândia, cada um, fi cou com 5.08% do total publicado e analisado. Portugal, México e Colômbia representaram individualmente 3.39%, enquanto Reino Unido e Suíça apresentaram menores percentuais de produtividade, ambos atingiram juntos 3.38% das publicações no período.

Dentre os periódicos, aqueles que apresentaram maior frequência nas publicações entre 2005 e 2012 (primeiro semestre) foram Journal of School Violence (13.56%), Aggression and Violent Behavior (6.78%), Pediatrics (6.78%) e School psychology quarterly (6.78%), sobre os quais é apresentada uma breve descrição.

O Journal of School Violence é um periódico dedicado às publicações sobre pesquisas e intervenções realizadas no ambiente escolar que visem identifi car e inibir situações de violência. Ele está indexado principalmente na PsycInfo. O Aggression and Violent Behavior é um periódico indexado nas bases Web of Science voltado

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para publicação de pesquisas e intervenções de cunho clínico sobre as temáticas de agressão e violência de modo geral. O Pediatrics é um jornal da Academia Americana de Pediatria, indexado nas bases Web of Science, Medline e PubMed e com publicações dedicadas à saúde física e psicológica de crianças e adolescentes. O School Psychology Quarterly abarca as publicações da divisão de psicologia escolar da Associação Americana de Psicologia e é direcionado para a divulgação de pesquisas empíricas cujo objetivo principal seja intervir e prevenir situações de violência e agressão em contexto escolar. Os demais periódicos evidenciaram, cada um, percentuais de 5.08% (3), 3.39%(2) e 1.69%(1) do total de artigos analisados no presente estudo, conforme pode ser verifi cado na Tabela 1.

Em relação aos autores, aqueles que mais publicaram no período em estudo foram: Arseneault, L., Finkelhor, D., Ormrod, R. e Turner, H., cada um com 5.08% (3) do total de artigos. Bowes, L., Noret, N., Poteat, V.P. e Rivers, I. foram autores que representaram, individualmente, 3.39% (1) do total de publicações analisadas. Os demais se equipararam num mesmo percentual, 1.69%, cada um com apenas uma publicação em todo o período.

No que concerne às metodologias explicitadas e descritas pelos artigos analisados, verifi cou-se a predominância das pesquisas transversais 27.12% (16) e qualitativas 22.03% (13) sobre temática. Foram também identifi cados estudos de surveys (15.25%), revisão sistemática da literatura (13.56%), longitudinais (5.08%), coorte (5.08%), correlacionais (5.08%), documentais (3.39%) e comparativos (3.39%).

Referente aos papéis de atuação de crianças e adolescentes nas situações de violência doméstica (VD) ou familiar e bullying constatou-se que em 35.59% (21) das publicações que a atuação era como vítimas-agressoras de bullying quando pelo menos presenciavam (vítima indireta) situações de violência doméstica; em 25.43% (15) eram bullies (agressores de bullying) quando vítimas diretas de VD; em 15.25% (9) dos artigos eram vítimas de bullying quando vítimas diretas e/ou indiretas de violência doméstica ou familiar; em outros 15.25% (9) eram, simultaneamente, vítimas diretas de VD e de bullying; e em 8.47% (5) eram vítimas diretas de VD e agressoras de bullying.

Em relação aos tipos de impactos da violência doméstica ou familiar e do bullying para crianças e adolescentes (Tabela 2) em 28.81% dos artigos selecionados foram verifi cados problemas sociais e de conduta que envolvem: movimentos corporais tensos, choro, comprometimento das relações interpessoais e das habilidades sociais, repetição intencional de condutas violentas e agressivas (bullying) e problemas no desempenho acadêmico e escolar. Em 23.73% possuem algum problema fi siológico relacionado a condições cardíacas, dores de cabeça, transtornos do sono e distúrbios alimentares.

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Tabela 1 – Publicações por periódicos no período entre 2005 e 2012 (primeiro semestre).

Periódico N %

Journal School of Violence 8 13,56

Aggression and Violent Behavior 4 6,78

Pediatrics 4 6,78

School psychology quarterly 4 6,78

Education Psychology Review 3 5,08

International Journal of Psychology 3 5,08

American Journal of Preventive Medicine 2 3,39

Child Abuse & Neglect 2 3,39

Child Psychiatry Human Development 2 3,39

Health & Social Care in the Community 2 3,39

International Journal Offender The Comp Criminology 2 3,39

Journal of the American Academy of child and adolescent Psychiatry 2 3,39

Journal of Urban Health 2 3,39

Nursing Clinics 2 3,39

Psychology, Public Policy 2 3,39

Revista Iberoamericana de Educación 2 3,39

Anales de Psicología 1 1,69

British journal of psychiatry 1 1,69

Child maltreatment 1 1,69

Human Resources Health 1 1,69

Human Studies 1 1,69

International journal of psychology and psychological therapy 1 1,69

Journal of applied developmental psychology 1 1,69

Journal of Centers for Diseases Control and Prevention 1 1,69

Journal Schoolar and Health 1 1,69

Psicothema 1 1,69

Psychological Medicine 1 1,69

Scandinavian Journal of Caring Sciences 1 1,69

Swiss Journal of Psychology 1 1,69

59 100

O maior percentual refere-se aos problemas psicológicos desencadeados pelo contexto de violência doméstica ou familiar vivenciados simultaneamente com o bullying

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(Tabela 2). Do total de artigos analisados, 47.46% salientam prejuízos para crianças e adolescentes que consistem em reações de evitação, baixa estima por si mesmo, medos, insegurança, ansiedade, depressão, transtorno de stress pós-traumático, ambivalência de sentimentos, percepção distorcida de si mesmo; uso de substâncias psicoativas (álcool, tabaco). Ademais, as publicações relataram, de maneira geral e em sua maioria, a ocorrência simultânea dos impactos e prejuízos e até de todos os tipos de problemas em concomitância, considerando a gravidade, seja do contexto de bullying e/ou violência doméstica ou familiar como demonstrado a Tabela 2.

Tabela 2 – Tipos de impactos da violência doméstica ou familiar e do bullying para crianças e adolescentes destacados nas publicações.

N %

Problemas psicológicos: reações de evitação, baixa estima por si mesmo, medos, inseg-urança, ansiedade, depressão, transtorno de stress pós-traumático, ambivalência de senti-mentos, percepção distorcida de si mesmo; uso de substâncias psicoativas (álcool, tabaco)

20 33,90

Problemas de condutas e sociais: movimentos corporais tensos, choro, comprometimento das relações interpessoais e das habilidades sociais, repetição intencional de condutas vio-lentas e agressivas entre pares (bullying) e problemas no desempenho acadêmico e escolar

13 22,03

Problemas fisiológicos: cardíacos, dores de cabeça, desordens alimentares e transtorno do sono 8 13,56

Problemas psicológicos, de condutas e sociais 6 10,17

Problemas fisiológicos, de condutas e sociais 5 8,47

Problemas psicológicos e fisiológicos 4 6,78

Todos os problemas 3 5,08

59 100

Esses dados evidenciaram, mais uma vez, o impacto provocado pelo fenômeno da violência em diferentes contextos e, consequentemente, em quaisquer faixas etárias, com danos para todos os envolvidos direta e/ou indiretamente, conforme é apresentado pela Organização Mundial da Saúde-OMS (Krug et al, 2002).

Discussão

A pesquisa realizada legitimou os dados constatados na literatura no que concerne a violência doméstica ou familiar enquanto fator de risco para a ocorrência de bullying na escola. Inicialmente, isso foi verifi cado pelo aumento signifi cativo aumento do número de estudos com essa temática, como revelam os dados relativos às publicações por ano no período analisado. Vale ressaltar que não se pode afi rmar que em 2012 houve um declínio dessas publicações por se tratar de uma análise que compreende apenas o primeiro semestre.

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Os dados referentes às metodologias utilizadas nos estudos explicitados nos artigos podem indicar, devido à predominância dos estudos transversais (27.12%), surveys (15.25%), qualitativos (22.03%) e de revisão de literatura (13.56%), que os dois fenômenos possuem uma associação e que requerem uma descrição e compreensão mais detalhada, específi ca e complexa já que o impacto de curto, médio e até longo prazo na vida de suas principais vítimas (crianças e adolescentes) envolve os seguimentos de saúde física e psicológica, além do social e a vivência em comunidade, conforme foi evidenciado através dos resultados da tabela 2.

Os diversos estudos analisados por essa pesquisa, embora apontassem diferentes objetivos de investigação, demonstram percentuais bastante signifi cativos e comuns entre eles, sobretudo no relato dos papéis de atuação nas situações de VD e de bullying, corroborando a VD como um fator de risco. Isto é, nos estudos de prevalência, por exemplo, vale destacar o de Bauer et al. (2006), publicado no Pediatrics, cujo N foi igual a 112 indivíduos de ambos os sexos, com idades variando de 6 a 13 anos, e o objetivo geral foi identifi car o bullying e a vitimização em crianças que foram expostas à violência por parceiros íntimos-IPV (sigla utilizada no inglês), através da utilização da Escala Tática de Confl itos Revisada-2 (CTS-2).

Os resultados alcançados pelos referidos autores demonstraram que 61% das crianças estavam em situação de bullying, 55% em situação de vitimização, e desses, 97% dos bullies (agressores) foram também vítimas de exposição à IPV. De acordo com Bauer et al (2006), mesmo que tais resultados não explicitassem relação direta com a IPV, as crianças que foram expostas a esse tipo de violência tendiam à externalização de condutas agressivas com outras crianças, o que faz da violência entre parceiros íntimos um fator de risco para situações de bullying.

Além do estudo mencionado, vale salientar também o de Rey e Ortega (2008), que estimaram a prevalência de bullying e a coexistência com outras formas de violência na Nicarágua. O estudo foi feito com amostra representativa de 2813 estudantes, sendo que 55% deles eram mulheres e 45% homens que cursavam a escola secundária. O instrumento utilizado foi o questionário de Olweus (1977) adaptado para esse país por estes autores no ano de 2003 como o Questionário sobre Convivência, Violência e Experiência de Risco-COVER.

Os dados da pesquisa de Rey e Ortega (2008) destacaram que a participação perante o bullying ocorreu de três maneiras mais evidenciadas: (a) 12.4% vítimas; (b)10.9% agressor e (c) 11.7% agressor vitimizado. Do percentual de vitimização, todos relataram situações de abuso e maus tratos por parte de outras pessoas, principalmente do contexto familiar. Em relação ao percentual de agressores também houve manifestação da violência nas diferentes modalidades, ou seja, verbal, psicológica, física e social, e principalmente maus tratos por parte dos pais. Isso aponta, mais uma vez, que violência doméstica ou familiar é um fator de risco para o bullying.

As consequências e impactos da VD e do bullying podem ser identifi cadas em diversos níveis da vida de uma criança e/ou adolescente. Constatou-se que o impacto de tal relação traz prejuízos para a vida desses indivíduos, ocasionando, muitas vezes, não apenas comprometimento da saúde psicológica e física, mas também das relações

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interpessoais e sociais na família, na escola e na comunidade (Tabela 2). Isso aponta para os fatores de risco associados a partir de dados de um estudo conduzido por Reichencheim, Dias e Moraes (2006), o qual evidenciou que a associação de outros fatores tais como idade da mulher (menor ou igual a 25 anos), homem com escolaridade inferior a 8 anos, presença de crianças menores de 5 anos no domicílio, e abuso de álcool e drogas ilícitas pelo companheiro aumentam consideravelmente o risco de ocorrência da violência física entre parceiros e entre pais e fi lhos.

Dados do Centers for Disease Control and Prevention-CDC, divulgados em abril de 2011 sobre uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com 5.807 estudantes de cento e trinta e oito escolas médias de Massachusetts, revelaram que tanto aqueles que eram abusadores e vítimas de bullying estavam mais propensos ao suicídio e a cometerem atos contra si mesmos em comparação com outros estudantes, o que corrobora os estudos de Olweus (1978, 1977), quem identifi cou e caracterizou situações e comportamentos agressivos intencionais e recorrentes entre pares no contexto escolar.

O referido estudo constatou também que tais estudantes estavam sujeitos a fatores de risco como sofrer abuso por parte de um familiar e/ou serem testemunhas de violência doméstica, e a terem prejuízos para a saúde mental com transtornos psicológicos e envolvimento com consumo de substâncias. Os resultados amostrais revelaram em números que a proporção de estudantes que recebiam maus tratos físicos de um familiar, foi de 2,9 para as vítimas de bullying, 4,4 para os agressores e 5,0 para os que eram tanto agressores como vítimas se comparados a outros estudantes. A proporção de probabilidades de ser testemunha de violência doméstica foi, respectivamente, de 2,6; 2,9 e 3,9.

Embora o contexto familiar seja compreendido como o espaço primordial de acolhimento e suporte para as crianças e adolescentes, nem sempre este cenário se apresenta dessa forma, como nos casos em que este ambiente é marcado pelo fenômeno da violência. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro e a Fundação Oswaldo Cruz (2010), a violência doméstica ou intrafamiliar está presente nas relações hierárquicas e entre gerações caracterizadas por maneiras agressivas e violentas de a família se relacionar e solucionar confl itos, bem como utilizada como estratégia de educação. Inclui, também, a falta de cuidados básicos com os fi lhos e a exposição da criança a situações violentas em casa, na escola, na comunidade ou na rua. Contudo, é importante ressaltar que uma criança ou um adolescente pode ser afetado por mais de uma modalidade de violência, especialmente, em situações crônicas e graves, mesmo porque muitas destas situações se relacionam.

O envolvimento com a violência de fi guras tão signifi cativas (familiares) para a criança, como os pais, responsáveis originalmente pelo seu acolhimento e proteção e com as quais se identifi ca, suscita diferentes reações na mesma. Ela pode assumir uma postura passiva diante dessa realidade ou ativa, buscando interferir de maneira que a situação seja interrompida. Isto acontece de acordo com a forma como a criança constrói no seu psiquismo os signifi cados e as representações sobre a experiência vivenciada, por meio de recursos próprios. Neste sentido, os estudos evidenciados pela pesquisa salientaram também que não serão todas as crianças vítimas diretas e/ou indiretas da violência doméstica e/ou intrafamiliar que responderão negativamente e/

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ou estarão necessariamente envolvidas em contextos de bullying, visto que a presença de apoio somado a fatores de proteção podem exercer um papel fundamental. Dentre estes, destacam-se: o ambiente escolar, o relacionamento com a vizinhança, o suporte advindo de demais membros familiares, entre outros (Venturini; Bazon & Biasoli-Alves, 2004).

Pinheiro e Williams (2009), Bauer, Herrenkohl e Lozano (2006) destacaram que a violência doméstica ou familiar enquanto fator de risco para a ocorrência de bullying pode ser identifi cada a partir do aumento de situações de violência escolar. De acordo com esses autores, esse tipo de violência caracteriza-se por condutas agressivas e antissociais que acontecem na escola, incluindo confl itos interpessoais, que nos últimos anos tem desencadeado ocorrências mais graves como o uso de arma de fogo e até homicídios, além de agressões a professores e demais funcionários, ou envolvimento em grupos característicos do fenômeno da violência em ambiente urbano como as denominadas gangues (ou “bondes” conforme a variabilidade dos jargões regionais).

Segundo Sani (2008), não é possível estabelecer um modelo reativo da criança à violência doméstica, ocorrendo, inclusive, reações bastante divergentes. Contudo, diversos fatores podem auxiliar na compreensão desse impacto, tais como: idade, gênero, frequência, intensidade e severidade dos confl itos, sua resolução, as formas de expressão da violência, o suporte social e comunitário. O conhecimento dessa realidade é essencial para que melhores formas de prevenção e minimização dos efeitos negativos possam ser determinadas.

Além disso, para que o impacto da VD e do bullying sobre crianças e adolescentes seja avaliado, é necessário o entendimento de que a infância e a adolescência são etapas da vida extremamente delicadas e importantes, que requerem signifi cativos investimentos afetivos e de suporte social. Os cuidados prestados pela família, por outros grupos sociais e instituições às crianças e adolescentes, infl uenciarão signifi cativamente na sua possibilidade de sobrevivência e de bem-estar. Servirão também como uma espécie de espelho de valores no qual ela vai se refl etindo e formando suas ideias sobre si mesma, sobre o outro e sobre o mundo em que vive (Deslandes, Assis & Santos, 2005).

Como possibilidades de intervenção, os estudos destacados na presente revisão de literatura enumeram: (a) a descrição e delimitação dos fenômenos e dos contextos em que eles estão presentes; (b) a participação ativa dos envolvidos (vítimas e agressores) e de sua rede de suporte afetivo para a tomada de decisões e estabelecimento de estratégias que atenuem e amenizem os impactos e prejuízos; (c) o envolvimento de profi ssionais de diversos seguimentos (saúde, educação, assistência social e jurídico) para efetivação de trabalhos interdisciplinares e com funcionamento na modalidade de rede de assistência (Voisin & Honge, 2012; Mustanoja, Luukkonen, Hakko, Rasanen, Saavala & Riala, 2011; Ali, Swahn & Sterling, 2011).

Considerações fi nais

Diante desses dados, salienta-se que estudos com metodologias quantitativas (estudos transversais e de levantamento, por exemplo) e qualitativas (estudo de casos

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clínicos ou grupos focais), são fundamentais para a continuidade de pesquisa como sugerem as análises do presente estudo, bem como para o urgente delineamento de estratégias de intervenções comunitárias, já que a violência doméstica ou familiar e o bullying são fenômenos que interferem negativamente também na convivência interpessoal e de grupos na família, na comunidade e na escola, como revelam os relatórios de violência no Brasil divulgado em 2011 e sobre bullying em 2010.

Dessa forma, quaisquer abordagens profi ssionais, preventivas ou de intervenção, devem ser efetivadas e consideradas sempre de modo interdisciplinar, acrescentando aí também a importância da intersetorialidade, para que o trabalho se confi gure como uma rede de proteção, assistência, estratégias educacionais e pedagógicas articuladas e metodologicamente defi nidas com objetivo promover bem estar e qualidade de vida a todas as crianças e adolescentes personagens da relação Bullying-Violência Doméstica.

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Recebido em agosto de 2012 Aceito em setembro de 2012

Lelio Moura Lourenço – Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Psicologia Social PUC SP; Líder do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS).Luciana Xavier Senra – Mestre em Psicologia pelo PPG PSI da Universidade Federal de Juiz de Fora; Membro do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS).

Endereço para contato: [email protected]

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Fortalecendo redes sociais: desafi os e possibilidade na prevenção ao uso de drogas na atenção primária à saúde

fortalecendo redes sociais

Fernando Santana de Paiva Pedro Henrique Antunes da Costa

Telmo Mota Ronzani

Resumo: O presente estudo procurou levantar desafios e possibilidades da incorporação das redes sociais no processo de implementação de ações preventivas ao uso de drogas na Atenção Primária à Saúde (APS). Trata-se de uma pesquisa-intervenção empregando as seguintes técnicas de coleta de dados: observação participante, grupo focal com atores comunitários e entrevistas semiestruturadas com gestores de saúde. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo. Os resultados foram agrupados em duas categorias: “Redes de Saúde e Drogas” e “Redes Sociais e Drogas”. A rede de saúde e drogas foi entendida a partir de sua desarticulação, sua função pedagógica e a concepção idealizada sobre a noção de rede. Em relação às redes sociais e drogas, observou-se uma ausência de participação e mobilização social dos sujeitos coletivos no debate em torno das ações e políticas locais. A pesquisa aponta para as ações preventivas ao uso de drogas onde o trabalho se organiza em um modelo fragmentado, sem incorporar e fortalecer as potencialidades comunitárias no que se refere ao enfrentamento dos problemas de saúde. Palavras-chave: saúde comunitária, rede social, assistência à saúde.

Strengthening social networks: Challenges and opportunities preventing the use of drugs in primary health care

Abstract: The present study sought to raise challenges and possibilities of incorporating social networks in the implementation of preventive drug use actions in Primary Health Care. This is a research-intervention using the following techniques of data collection: participant observation, focus group with community actors and semi structured interviews with health managers. To analyze the data, we used content analysis. The results were grouped into two categories: “Networks of Health and Drugs” and “Social Networks and Drugs.” The network of health and drugs was understood from its disarticulation, its pedagogical function and design of idealized network. On social networks and drugs, there was a lack of political participation of the population. The research points to preventive drug use in a place where the work is organized in a fragmented model, without incorporating and strengthening local capabilities in dealing with health problems.Keywords: community health, social network, delivery of health care.

Fortalecimiento de las redes sociales: desafíos y posibilidades em la prevención del uso de drogas em la atención primaria de salud

Resumen: El presente estudio trató de plantear desafíos y posibilidades de incorporación de las redes sociales en la implementación de acciones de prevención al uso de drogas en la Atención Primaria de Salud. Es una investigación-intervención mediante las siguientes técnicas de recopilación de datos: observación participante, grupos de enfoque con los actores de la comunidad y entrevistas semiestructuradas con los directores de salud. Para analizar los datos, se utilizó el análisis de

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contenido. Los resultados se agruparon en dos categorías: “Redes de Salud y drogas” y “Redes Sociales y Drogas”. Las redes de salud y drogas se entienden a partir de su desarticulación, su función pedagógica y el diseño de la red idealizado. En las redes sociales y drogas, hay una falta de participación política de la población. La investigación apunta la prevención del uso de drogas en un modelo donde el trabajo se organiza de forma fragmentada, sin la incorporación y el fortalecimiento de las capacidades locales para hacer frente a problemas de salud.Palabras clave: salud comunitaria, red social, prestación de atención de salud.

Introdução

O paradigma do trabalho em redes tem sido aludido como resposta a uma série de difi culdades de ordem estrutural e relacional no que se refere à concretização de ações, projetos e políticas no contexto da saúde (Lopes & Baldi, 2009). Essa perspectiva assume o pressuposto que atores sociais e instituições se organizam a partir de um conjunto de articulações, constituindo vínculos, consolidando teias de relacionamento que conformam a dinâmica da vida sociocomunitária (Montero, 2010).

A discussão em torno deste modelo tem sido amplamente realizada no cenário acadêmico e da prática em campos distintos, tais como a administração, a sociologia, a antropologia, a saúde coletiva, saúde comunitária, a psicologia social, dentre outras (Mangia & Muramoto, 2005). O esforço tem sido o de apontar a importância, limitações e possibilidades em se compreender o processo de subjetivação dos atores sociais, atrelado ao desenvolvimento de intervenções que visem fortalecer recursos objetivos e simbólicos com vistas à melhoria da qualidade de vida de diferentes contingentes populacionais. A despeito da trajetória multidisciplinar vinculada ao conceito em tela, de maneira sintética, tentaremos nos aproximar da ideia que o conceito de redes representa, privilegiando os referenciais teóricos da Psicologia Social Comunitária em consonância com as discussões operacionalizadas no campo da saúde comunitária (Freitas & Montero, 2003; Meneses, 2008; Meneses & Sarriera, 2005).

Meneses e Sarriera (2005) traçam dois focos de estudos relacionados às redes sociais. O primeiro encontra-se ocupado especialmente com o aspecto estrutural das redes, utilizando um referencial metodológico de caráter quantitativo. O segundo aborda a funcionalidade das redes sociais, geralmente utilizando-se de metodologias qualitativas, ao propor a descrição das funções da rede social e caracterizando os vínculos com que estas se entretecem. Meneses (2008) considera que as principais funções das redes sociais são propiciar: a) apoio social; b) apoio emocional; c) orientação e aconselhamento; d) conjunto de regras sociais; e) ajuda material e de serviços; f) possibilidade de estabelecimento de novas relações. Montero (2010), por sua vez, argumenta que, a partir de uma perspectiva psicossocial comunitária, as redes sociais podem ser defi nidas como um emaranhado de relações que mantém um fl uxo e refl uxo constante de informações e mediações, organizadas e estabelecidas em prol de um objetivo comum: o desenvolvimento, o fortalecimento e o alcance de metas específi cas de uma comunidade em um contexto particular.

Nesta direção, entendemos que o conceito de rede social, ainda que seja utilizado para fazer referência a distintas realidades, apresentam como ideia comum a imagem

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de pontos conectados por fi os, de modo a formar a imagem de uma teia, onde os atores sociais são participantes ativos em sua construção e fortalecimento (Freitas & Montero, 2010). Tal concepção aproxima-se do preconizado por Meneses e Sarriera (2005) que defi nem as redes sociais como “um sistema aberto em permanente construção, que se constroem individual e coletivamente. Utilizam o conjunto de relações que possuem uma pessoa e um grupo, e são fontes de reconhecimento, de sentimento de identidade, do ser, da competência, da ação”. Meneses (2008) ainda considera as redes sociais como uma construção individual e coletiva, onde os nós da rede são tecidos a partir das relações diárias entre as pessoas, sendo que tanto a estrutura como a função da rede, bem como os vínculos estabelecidos a partir de sua constituição serão caracterizados pelas relações estabelecidas entre seus componentes.

A noção de redes sociais aqui sinalizada está vinculada ao paradigma ecológico-sistêmico, que compreende o homem inserido em uma série de sistemas abertos e contínuos, compreendendo a subjetividade social como processo complexo, contextual e interativo (Sarriera, 2008). Portanto, pensar as redes sociais passa pela compreensão de processos e dinâmicas que envolvem vetores de ordem macroestrutural, como a cultura, os sistemas econômicos e político, crenças religiosas, ideologias, até os discursos e práticas cotidianas, concretizadas por sujeitos e instituições, tais como a família, a escola, as organizações do mundo do trabalho, as rede de serviços públicos, como a saúde, assistência social e segurança pública (Paiva, 2011).

Nesta direção, é importante inserirmos a noção de rede assistencial em saúde, que é entendida como um componente de uma rede social abrangente. Isto signifi ca que se compreende a rede assistencial em saúde como um sistema inscrito no conjunto de articulações sociais e por sua vez como elemento constituinte da vida sociocomunitária. Trata-se de um conjunto de atores sociais e políticos bem como instituições, que conformam uma rede estruturada e dinâmica com a fi nalidade de assegurar a gestão e planejamento de ações, serviços e políticas no âmbito da saúde, que no caso brasileiro, organiza-se a partir da regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), através de seus princípios e diretrizes (Lobato & Giovanella, 2008).

A rede assistencial em saúde está organizada sob os princípios da integralidade e da intersetorialidade. No que diz respeito à integralidade da assistência, preconiza-se um conjunto articulado e contínuo em relação ao conjunto de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, realizados em todos os níveis do sistema de saúde (Brasil, 2006). No tocante ao princípio da intersetorialidade procura-se a assegurar a articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando o desenvolvimento social, superando a exclusão social (Junqueira, Inojosa & Komatsu, 1997).

Para tanto, é necessária a superação de práticas fragmentadas correntes no âmbito das políticas públicas, que acarreta na defi ciência e até mesmo na falta de diálogo e interação entre os diferentes atores e setores que a constituem. Compreender a rede de saúde desde esta perspectiva integrada vai ao encontro do paradigma da saúde comunitária, defendido por Saforcada (2008). Segundo este autor, o principal componente deste paradigma é a comunidade, sendo as redes de assistência e, consequentemente, as equipes multidisciplinares de saúde atores coadjuvantes, que

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devem se moldar de acordo com as necessidades das próprias comunidades. Parte-se do princípio que ninguém melhor para defi nir suas prioridades e apresentar suas demandas do que a própria comunidade.

É sobre este marco teórico-metodológico que assumimos o debate em relação às ações prestadas pelos dispositivos assistenciais em saúde no que diz respeito à prevenção, promoção e reinserção social dos usuários de álcool e outras drogas em nosso país. Ou seja, temos acompanhado a constituição de uma rede assistencial voltada para o atendimento desta demanda social, tendo o envolvimento de atores sociais a partir de diferentes lugares e posições sociais, conformando um quadro peculiar no que toca aos processos de gestão e cuidado no âmbito das políticas públicas de saúde.

Atualmente, o uso e abuso de álcool e outras drogas contribuem na formatação de um novo perfi l epidemiológico no Brasil e em todo o mundo. Vivenciamos durante as últimas décadas um processo de transição epidemiológica não linear, no qual as doenças relacionadas a agentes etiológicos externos têm sido substituídas pelo aumento da prevalência de morbidades crônico-degenerativas, e, ainda, àquelas mais relacionadas às condições de vulnerabilidade social, em que inúmeros contingentes populacionais estão inseridos. Quadro este que passa a exigir novas modalidades de enfrentamento e modelos alternativos de atenção à saúde, priorizando as políticas de redução dos riscos e danos associados ao uso destas substâncias em detrimento às abordagens de cunho reducionistas e discriminatórias (Brasil, 2005; Machado & Miranda, 2007).

Recentemente, em outubro de 2005, foi homologada a Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que é composta por cinco frentes prioritárias de atuação: 1) a prevenção ao uso de drogas; 2) o tratamento, a recuperação e a reinserção social do usuário; 3) a redução dos danos sociais e à saúde causada pelo uso de substâncias; 4) a redução da oferta de drogas; 5) o apoio a estudos, pesquisas e avaliações na área (Brasil, 2005). No tocante à rede assistencial, tal política encontra-se sustentada pelos princípios de integralidade e intersetorialidade, sintonizados com o SUS, além de organizar seus processos de cuidado e planejamento de ações a partir da APS, que emerge como política de reorganização do modelo assistencial e como primeiro nível de atenção à saúde em nosso país (Brasil, 2005; Brasil, 2006).

A rede assistencial para álcool e outras drogas apresenta como elemento estratégico de articulação os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad), desde o cumprimento de suas funções na assistência direta de regulação da rede de serviços de saúde, atuando diretamente em conjunto com as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no contexto sociocomunitário, tendo como objetivo favorecer o processo de autonomização da vida dos usuários e da própria comunidade, aproximando-se do ideal da autogestão sociocomunitária (Brasil, 2004).

Em relação às redes sociais, a PNAD preconiza que a prevenção ao uso de álcool e outras drogas deve ocorrer através da articulação entre os diferentes segmentos da sociedade e dispositivos governamentais, com a construção e/ou fortalecimento de redes sociais visando à melhoria das condições de vida e promoção geral da saúde. Além disso, traça como diretriz para a prevenção ao uso de álcool e outras drogas o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar e multiprofi ssional, através da participação de todos os atores sociais envolvidos no processo (Brasil, 2005). Isto se justifi ca, pois, embora a atenção

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para álcool e outras drogas seja tarefa de uma rede articulada de serviços, é crucial que ocorra o fortalecimento dos recursos comunitários a fi m de se constituir um cenário de real inclusão dos usuários (Bezerra & Dimenstein, 2008).

Portanto, ações desintegradas, formuladas e realizadas setorialmente por atores políticos, sem cooperação sistemática dos diversos atores que compõem a sociedade civil não conseguem atingir em sua totalidade as diferentes realidades em que estão inseridos os diversos atores que compõe a rede assistencial bem como as redes sociais mais amplas (Junqueira et al., 1997). Nesta perspectiva Lopes e Baldi (2009) consideram que para compreendermos os efeitos que uma estrutura em redes pode produzir, é necessário um entendimento prévio dos aspectos articuladores, relacionais dos grupos e instituições envolvidos que constituem e são constituintes destas redes. Nesta direção é imprescindível que as redes sociais sejam analisadas desde seus contextos sociais e históricos, avaliando quais os efeitos políticos e os impactos na vida dos diversos atores sociais que a compõe, e, sobretudo, quais são as demandas sociais emergentes assim como seus impactos na estruturação das redes assistenciais de saúde.

Frente ao exposto, o objetivo do presente artigo foi avaliar as articulações entre os diferentes atores e instituições inseridos na rede de saúde, buscando compreender os desafi os e possibilidades de incorporação das redes sociocomunitárias no processo de implementação de ações de prevenção ao uso de drogas no âmbito da APS.

Método

O presente estudo se trata de uma pesquisa-intervenção de natureza qualitativa, sendo um recorte do projeto Disseminação de Práticas de Prevenção ao Uso de Drogas na Assistência Municipal. A duração total do estudo foi de nove meses, correspondendo ao período de março a dezembro de 2010.

LocalO município escolhido está situado no sudeste brasileiro. Por se tratar de um

município de pequeno/médio porte, a rede assistencial de saúde local é organizada de forma horizontal, com uma maior proximidade entre gestores, profi ssionais e usuários dos serviços se comparados a municípios de grande porte.

No município, os serviços de saúde mental e, consequentemente, álcool e outras drogas, seguem um protocolo de avaliação através do acolhimento, avaliação, referência e contrarreferência dos pacientes que procuram os serviços da APS. Todo o paciente para se inserir na rede assistencial de saúde mental do município deve ser avaliado inicialmente através das ESF, exceto pacientes atendidos pelo serviço de urgências psiquiátricas.

DesenvolvimentoO projeto foi iniciado através do contato realizado junto aos gestores da secretaria

municipal de saúde para a obtenção de autorização e colaboração em seu desenvolvimento. Essa pactuação envolveu a elaboração, em conjunto, das estratégias e formas em que a implementação do projeto ocorreria no município, respeitando as características locais.

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Posteriormente, iniciou-se um trabalho de mapeamento através de reconhecimento e coleta de informações acerca das características locais como: rede de serviços do setor saúde, serviços para álcool e outras drogas e sua dinâmica de funcionamento, informações sobre a participação da sociedade civil no processo de defi nição, planejamento, implantação e avaliação dos serviços, articulação com outros setores (assistência social e educação), dentre outras. Para isso, os pesquisadores realizaram durante dois meses visitas às equipes de ESF, e às suas áreas de abrangência. Durante este período, participamos das reuniões mensais da Coordenação de APS realizada com os gerentes das unidades (enfermeiros), bem como da reunião do Conselho Municipal de Saúde (CMS).

A partir da realização desse diagnóstico inicial, levantaram-se possíveis pontos facilitadores e difi cultadores concernentes às redes sociais e assistenciais voltadas para a intervenção sobre o uso e abuso de álcool e outras drogas.

Coleta dos dadosAs estratégias de coleta de dados utilizadas foram: entrevistas semiestruturadas

com o secretário municipal de saúde e a coordenadora municipal de atenção primária; grupo focal com atores chave do município (líderes comunitários e agentes comunitários de saúde), identifi cados durante o trabalho de campo; e a observação participante.

Os atores-chave foram convidados a participar do grupo focal devido a sua atuação destacada perante as comunidades, caracterizando-se como importantes nós nas redes sociais comunitárias. O roteiro abordava questões referentes à existência de propostas de trabalhos para álcool e drogas e o nível de participação da população (lideranças comunitárias/organizações sociais/instituições locais) na construção e implementação de políticas públicas de saúde, além de questões referentes à disposição e dinâmica de funcionamento da rede assistencial e à relação entre os atores da sociedade civil e política.

As entrevistas semiestruturadas, realizadas com o secretário municipal de saúde e a coordenadora da atenção primária municipal, foram realizadas antes e após a implementação do projeto. O roteiro de tais entrevistas abordava questões pertinentes à concepção dos mesmos sobre a rede municipal de saúde e sua dinâmica de funcionamento, ao papel de gestor desempenhado por ambos, a relação com os profi ssionais de saúde e a população, dentre outras. Sobre a observação participante, os dados coletados foram registrados em diários de campo, sendo discutidos periodicamente entre os pesquisadores envolvidos.

Análises dos dadosOs dados provenientes das entrevistas e grupo focal foram gravados em mídias

eletrônicas e transcritos. Para a análise, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo do tipo temática e estrutural (Bardin, 2009). Para isso foi empregado o Atlas.ti v.7.0, um software construído como forma de auxílio na análise de dados qualitativos.

Aspectos éticosO projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Federal de Juiz de Fora, processo nº 0419/06. Todos os participantes consentiram sobre

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a realização da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A realização das entrevistas e do grupo focal foi efetuada em horário de trabalho e conforme as possibilidades dos participantes.

Resultados e discussão

MapeamentoNo município, em relação à rede de serviços de saúde, existem 177

estabelecimentos cadastrados no sistema de armazenamento de dados do SUS, sendo 147 da iniciativa privada e 30 de responsabilidade do poder público municipal, organizados na rede assistencial do SUS (DATASUS, 2010). Na APS são vinte e uma equipes de ESF distribuídas na zona urbana e uma ESF localizada na zona rural, além de uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde Família (NASF), responsável pelo matriciamento e organização do fl uxo de pacientes. Esse núcleo é composto por profi ssionais da psicologia, fi sioterapia, nutrição, educação física, assistência social e medicina (ginecologista). Em 2009, 76,5% da população era coberta pela ESF, sendo a média mensal de visitas domiciliares por família de 0,09 (DATASUS, 2010).

Através do mapeamento e coleta de informações com os profi ssionais da ESF e população, constatou-se que, em média, cerca de 850 famílias são atendidas por cada equipe de ESF. A média de profi ssionais por equipe de ESF foi de 9,73, variando de sete a doze profi ssionais por equipe. Quatro equipes de ESF não possuíam Auxiliar de Consultório Dentário (ACD), uma equipe encontrava-se sem enfermeiro, uma sem dentista e uma sem auxiliar de enfermagem. Nenhuma das equipes de ESF encontrava-se sem médico ou Agente Comunitário de Saúde, sendo a média de ACS por equipe de 5,17. A composição mais comumente encontrada entre as ESF era: seis ACS, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, um dentista, um ACD e um médico, sendo encontrada em seis das vinte e uma equipes estudadas.

As maiores demandas da população junto às equipes da ESF eram de consultas médicas e odontológicas, aferições de pressão, requisição de medicamentos, realização de curativos e vacinas. Também foi relatado e percebido um aumento no fl uxo de pacientes nos postos de saúde durante os horários de consulta médica e dentária. Dentro dessa demanda, os pacientes hipertensos e diabéticos são os grupos de pessoas que requerem um maior número de acompanhamentos.

Além dessas práticas, eram realizadas pelos profi ssionais da ESF ações como: grupos de puericultura; grupos de saúde da mulher e de gestantes (com realização de pré-natais, preventivos, atendimento ginecológico e aconselhamento); grupos para diabéticos; hipertensos; e palestras de cunho educativo e preventivo (no próprio posto e em escolas) sobre diversos temas, como educação sexual, drogas, dengue etc. Segundo a gestão municipal de APS e os profi ssionais de saúde, a realização de tais atividades vai de acordo com o levantamento de necessidades das comunidades feito pelas equipes de ESF.

A existência do NASF é relatada pelos profi ssionais como uma forma de auxílio, sendo principalmente os serviços de psicologia e fi sioterapia bastante requisitados

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pela população. A realização de ações educativas, como palestras, também são citadas como atividades realizadas pelo NASF. Entretanto, o papel de matriciamento do fl uxo de pacientes fi ca a cargo dos profi ssionais das equipes de ESF. Cabe ressaltar, que nem todas as equipes de ESF são cobertas pelo núcleo.

Na rede de atenção ao usuário de álcool e outras drogas, o município dispõe de um Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad) que atendia às cidades vizinhas também. Entre os grupos de autoajuda, eram cadastrados na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) quatro grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) e dois grupos de Narcóticos Anônimos (NA). Na rede particular havia uma clínica de repouso (OBID, 2010). Entretanto, durante o trabalho de mapeamento foram detectadas duas comunidades terapêuticas. Além disso, existia no município o Conselho Municipal de Políticas para Álcool e Drogas, que, no entanto, encontrava-se desativado.

Acerca das redes sociais do município, deparou-se com um quadro onde metade dos bairros abrangidos pelas equipes de ESF estudadas não possuíam associação de moradores, ou estas se encontravam desativadas. Ainda existiam casos de associações de moradores sem representatividade perante suas comunidades e de pessoas que percebiam e se utilizavam de tal espaço como uma forma de promoção política. Nos bairros onde existiam associações de moradores percebeu-se, no entanto, uma aproximação muito grande destas com as equipes de ESF. Diversas ações em parceria eram realizadas, indo desde a realização de palestras e eventos festivos para as comunidades até o cadastramento para programas assistenciais do governo e distribuição dos alimentos para as crianças abaixo do peso.

As entidades que exerciam maior infl uência na mobilização popular e possuíam maior inserção na comunidade eram aquelas que realizavam algum tipo de trabalho assistencialista, principalmente as relacionadas a algum tipo de grupo religioso. Os maiores exemplos foram a pastoral da criança, pautando suas atuações no combate à desnutrição infantil e a atuação de diferentes instituições religiosas na realização de variadas ações, como doação de donativos à população carente, doação de sangue, serviços de aferição de pressão e glicemia, palestras e grupos educativos sobre álcool e outras drogas, DST´s, gravidez na adolescência etc. O restante dos trabalhos era realizado através de trabalhos voluntários por parte da população.

As redes sociais no município para álcool e drogas fi cavam em grande parte limitadas a trabalhos voluntários de atores e entidades comunitárias, grupos de autoajuda e instituições religiosas. A natureza dessas ações, em sua maioria, era de cunho assistencialista e/ou voltada para o tratamento da dependência.

Análise das entrevistas e grupo focal

Os resultados referentes ao processo de observação participante ao longo do projeto e às entrevistas e grupo focal foram agrupados em duas categorias centrais: Redes de Saúde e Drogas e Redes Sociais e Drogas.

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Redes de saúde e drogasCom relação à estruturação da rede de saúde do município, encontrou-se um quadro

de desarticulação entre os diferentes níveis de atenção (primário, secundário e terciário). A rede de saúde local não concretiza os ideais de integralidade e intersetorialidade apregoados pelo discurso sanitarista, relegando-os a uma retórica incrustada no cenário das práticas de saúde. Os sujeitos e instituições que conformam a rede assistencial em saúde não implementam suas ações através da integração entre diferentes setores, inscritos na teia de relações que constitui a rede, e tampouco tem conseguido realizar uma articulação entre a própria rede de saúde. As razões para isto podem estar relacionadas ao ineditismo que tais concepções denotam como fi ca evidenciado no discurso de um ator estatal:

(...) a gente tentou implementar isso juntamente com a secretaria de educação que tem participado dos fóruns com a gente também, a secretaria de meio ambiente e a secretaria de ação social. Porém o envolvimento destas demais secretarias é uma coisa que a gente começou também é uma coisa muito nova, porque até então cada um estava trabalhando separadamente (...).

A despeito de não alcançar esta organização em rede, um aspecto importante observado nos processos da pesquisa-intervenção foram as concepções dos atores sociais e políticos em relação à função exercida pela rede de saúde na promoção do bem estar populacional. Ela emerge nos discursos dos sujeitos sociais com a missão de desempenhar um papel pedagógico junto à sociedade em relação a uma série de temáticas tidas como pertinentes ao âmbito da saúde. Neste sentido, a rede de saúde passa a ocupar a posição de um ator imprescindível e responsável por mudanças na vida comunitária, haja vista os parcos recursos sociais percebidos na própria comunidade, vista como apática e repleta de problemas estruturais.

Um dos aspectos em que as ações da rede de saúde tem se ocupado é a busca pelo rompimento com o modelo biomédico que baliza as concepções de saúde/doença da população, e, portanto, criam difi culdades para a implantação de um modelo de atenção à saúde organizado através da APS, como explicitado por um dos atores entrevistados: “Isso a população custou a entender né, porque na verdade eles queriam tratar mais com especialista. Mas na verdade, a porta de entrada que era o PSF, esse paciente não buscava esse atendimento”.

Outro ponto que contribui para compreendermos a posição ocupada pela rede de saúde no cenário local, diz respeito à noção de rede embebida por um idealismo, que reproduz o discurso da necessidade de um trabalho em rede, coletivo e articulado. Discurso este que se aproxima de um messianismo por parte de quem atua e pesquisa o cenário das políticas públicas, haja vista sua capacidade técnica, experiência e destreza para a formulação de estratégias que caminhem nesta direção:

(...) através da voz dos profi ssionais, da voz da experiência, da prática, vocês trouxeram essa questão da das redes e eu acho que as coisas só funcionam em redes não adianta cada um trabalhar do seu... né do seu lado do seu jeito.

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Não se questiona aqui o porquê do trabalho em rede, pelo contrário, este é tomado como uma assertiva pronta, como antídoto para os problemas da gestão em saúde. Este aspecto vale ser tensionado, uma vez que ao defendermos, sem problematização, um determinando modo de ação, permanecemos reféns de um saber fazer idealizado, sem conexão com a realidade material na qual estamos inseridos. Portanto, é fundamental que se faça uma refl exão sobre que trabalho em rede queremos? Como é trabalhar em rede? Porque adotar este e não outro modelo de análise e intervenção?

Em suma, podemos sintetizar nosso entendimento sobre a rede de saúde através de três pontos fundamentais: 1º) desarticulação da rede; 2º) função pedagógica e 3º) concepção idealizada de rede. A partir deste cenário é que podemos compreender os resultados concernentes ao processo de implementação de ações de prevenção ao uso de drogas.

Devido ao crescente uso de álcool e outras drogas, explicitada nas demandas oriundas de gestores, profi ssionais e população, percebemos a gestão de saúde municipal bastante solícita e parceira, no que diz respeito à organização e realização das etapas do projeto. Além disso, foram articuladas parcerias com um grupo de trabalho sobre álcool e outras drogas composto por gestores de diversos setores e um fórum intersetorial de saúde mental, onde as práticas relacionadas à saúde mental realizadas no município eram apresentadas e discutidas entre usuários e profi ssionais da rede em encontros quinzenais. Entretanto, apesar do esforço, como sinalizado anteriormente a rede de serviços se organizava de forma desintegrada e desarticulada. As noções de trabalho intersetorial e integral baseavam-se apenas na junção de diferentes setores para a realização de ações com caráter pontual. Foi notória a falta do envolvimento da sociedade civil no planejamento e realização das ações para álcool e outras drogas, sendo esta posicionada como mera receptora de ações e políticas públicas.

Podemos perceber como um dos problemas centrais no estrangulamento da rede de atenção para usuários de álcool e outras drogas, a incapacidade do CAPSad em suprir a demanda de usuários encaminhados e de sua interlocução com a APS. Foram relatados de forma recorrente problemas na referência e contrarreferência de pacientes a este dispositivo assistencial. Entretanto, mesmo o CAPSad não conseguindo administrar o fl uxo de pacientes e assegurar o matriciamento da rede assistencial, ele foi observado através de uma ótica positiva pelos profi ssionais de saúde e gestores, em detrimento da época em que não existia. Ademais, como refl exo da rede assistencial do município, os serviços para álcool e outras drogas atuavam de maneira isolada, com difi culdades de articulação.

No tocante à rede de saúde, apesar das difi culdades destacadas, foram observados alguns pontos facilitadores para a disseminação das práticas preventivas, como: o envolvimento e a participação dos profi ssionais do CAPSad; a participação dos profi ssionais do NASF e, principalmente o trabalho desenvolvido pelas psicólogas no auxílio terapêutico aos dependentes e suas famílias; a organização do serviço na APS pelas enfermeiras, através de salas de espera e estratégias educativas em escolas; a aplicação dos instrumentos de rastreio pelos ACS; o envolvimento, também, dos auxiliares de enfermagem, enfermeiros, auxiliares de consultório dentário e dentistas, ressaltando a importância do trabalho multiprofi ssional e integrado.

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Isso indica a importância do envolvimento de diferentes categorias profi ssionais e suas maneiras de analisar e abordar o tema álcool e outras drogas. A articulação entre os demais dispositivos da rede assistencial deve-se pautar, principalmente, através do trabalho multiprofi ssional integrado, tendo em vista a inserção destes profi ssionais, principalmente os ACS, nas comunidades (Nunes, Trad, Almeida, Homem & Melo, 2002). Tal fator, aliado à compreensão de que o componente principal das ações da saúde deve ser a comunidade, transforma-se no horizonte a ser percorrido quando se objetivam resultados mais efetivos das políticas públicas para álcool e outras drogas (Saforcada, 2008).

Consideramos que as ações, programas e políticas nesta área não devem ser prioridade de um único setor, devendo estar organizados através da articulação entre as políticas de caráter estruturante, como a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, bem como a habitação e geração de emprego e renda (Mota, 2011). Compreendemos que se trata de um problema multifacetado e, portanto, atravessado por inúmeros determinantes sociais, o que justifi ca a adoção de estratégias coletivas para sua análise e intervenção, que tenham como fi m a eliminação das desigualdades e iniquidades sociais.

Redes sociais e drogasComo descrito anteriormente, durante o processo de mapeamento, observou-se

no contexto pesquisado uma ausência de participação política da população no que diz respeito à análise de suas necessidades e proposição de ações, o que foi evidenciado tanto por gestores e profi ssionais como pela própria população. Neste sentido, a conformação da rede assistencial em saúde não contempla a participação e articulação com as redes sociais. Por conseguinte, a participação comunitária no âmbito da saúde é inexistente vinda das percepções dos diferentes atores entrevistados:

(...) infelizmente a participação da população não, eu vejo assim a população participa nos grupos, nos grupos que são feitos nos, nos, em cada PSF. Então assim de forma descentralizada, os grupos são organizados e a população participa ali na proposta do que é pra eles, né.

A partir disso, podemos perceber que as redes sociais não são parte constituinte da rede de cuidados em saúde, uma vez que a participação e mobilização social não são asseguradas, tampouco percebidas como relevantes para os processos de cuidado. Isto refl ete a centralidade das tomadas de decisões no saber da equipe de saúde, além do poder de decisão atrelado ao ator estatal. Indubitavelmente, considera-se que este quadro se mostra fruto de um processo socio-histórico, no qual a tomada de decisões tem sido de responsabilidade exclusiva da gestão. Além disso, caracteriza-se como uma via de mão-dupla onde não somente a posição da gestão, mas também a falta de conscientização e mobilização da população para a uma maior participação política contribuem para a manutenção do status quo.

Os nós que compõe as redes sociais são considerados ativos a partir da concretização dos conselhos gestores de políticas públicas. Trata-se de arranjos de cunho democrático que foram institucionalizados no contexto brasileiro desde a constituição de 88. No

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entanto, a despeito do caráter participatório e democrático de tais arenas, pensar a participação social apenas e/ou exclusivamente por tais mecanismos pode sinalizar certo engessamento e mesmo uma burocratização da participação e mobilização da sociedade civil na análise de suas necessidades e proposição de ações. Falas como “se o Secretário falou tá falado”, foram repetidas, mostrando uma carência de signifi cado dos próprios conselheiros sobre o seu papel. Isso pode indicar que a agenda de saúde é defi nida de fato pela secretaria de saúde e a ação do conselho é restrita quanto a decisões efetivas sobre as políticas de saúde. Quadro que temos encontrado em outras realidades sociopolíticas pesquisadas (Stralen, 2011).

Com relação ao uso de álcool e outras drogas, as redes sociais são vistas com informações distorcidas e com parcos recursos para o enfrentamento desta questão. Portanto, a rede de saúde, através de seus diferentes atores e instituições termina por assumir a função pedagógica conforme sinalizado anteriormente:

Essa é a verdade, porque eu acho que não tem mesmo né, uma informação, acho que é uma questão de cultura mesmo. A gente tem buscado uma mobilização, informar a população né, [...] os meios de comunicação direcionando o que a gente tem feito, o que o município tem feito dentro da sua rede de assistência a esse... à saúde mental, porque aí quando eu falo saúde mental tá vinculado a esses jovens que estão né==álcool e drogas==porque o álcool e drogas é direcionado, tá relacionado dentro da saúde mental, então a gente têm procurado, a gente ainda sente muita difi culdade né. A população, ela né, geralmente não tem esse envolvimento. É, geralmente ela tem sim, só os apontamentos né, a discriminação.

Predomina uma perspectiva de pouca participação e envolvimento das redes sociais em detrimento a questões de ordem cultural, que estruturam discursos e práticas discriminatórias. Neste sentido a temática “álcool e outras drogas” pode ser difícil de ser administrada junto à população em razão de seus posicionamentos estigmatizantes (Silveira, 2010). O papel da rede assistencial de saúde passa a ser o de ofertar informações e propagandear o que tem realizado, sendo os atores inscritos nas redes sociais vistos como meros receptores destas iniciativas. Neste sentido, os atores sociais são compreendidos como despreparados para assumir a posição de protagonistas e autogestores de suas vidas. Consequentemente as redes sociais são percebidas como inexistentes e/ou incapazes de concretização.

O uso de álcool e outras drogas ainda é percebido no contexto das redes sociais desde diferentes determinantes sociais e familiares, tendo a população uma concepção envolvida por preconceitos e estigmas em relação aos usuários (Silveira, 2010). Aqui, a política pública é vista como solução para este problema, leia-se, corrigir os maus comportamentos dos diferentes sujeitos inseridos nas redes sociais. O problema observado não se deve tanto a este papel fundamental dos atores inseridos na rede assistencial de saúde, mas sim ao total descrédito atribuído à população para pensar e enfrentar este problema, que diz respeito tanto a ela quanto aos gestores e profi ssionais inseridos nas políticas públicas de saúde.

De acordo com os atores sociais inseridos nas redes sociocomunitárias, as drogas surgem no discurso social atreladas à “conjuntura familiar” e a necessidade de mulheres

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(mães) serem orientadas para serem mais capazes de orientar seus fi lhos, e, portanto, estarem mais próximas em seus processos de desenvolvimento. Nesta perspectiva, as mulheres são colocadas como responsáveis pelo processo de cuidado e monitoramento da prole a fi m de prevenir a adoção deste comportamento prejudicial à saúde. Ou seja, a mulher (mãe) é tida como a responsável por este processo (Paiva, 2009).

Além disso, devido a incursão em campo, foi possível observar que nas regiões marcadas por um cenário de acentuada vulnerabilidade social, com episódios de violência, falta de saneamento básico, falta de lazer paras as crianças e adolescentes, quadros de pobreza etc., o nível de difi culdade para a consolidação de um trabalho que envolva as redes sociais é maior, uma vez que a população está imersa em um contexto socioeconômico nos quais suas necessidades básicas de vida não são asseguradas, tendo assim prioridades consideradas mais urgentes em detrimento à questão das drogas. E isto favorece a representação social de profi ssionais e gestores sobre a população, que passa a ser objetivada como um conjunto de atores sociais com pouca capacidade de ter consciência de si e do mundo no qual vivem, cabendo então aos gestores e profi ssionais o papel de protagonistas no processo de organização e prestação de serviços no âmbito da saúde.

Contudo, algumas ações realizadas em parceria entre as equipes de saúde e as comunidades durante o projeto, como a realização de práticas educacionais e preventivas em escolas bem como a implementação de grupos de discussão com a população dentro dos postos da ESF indicam tentativas de se pensar a temática de álcool e outras drogas de forma mais ampla, visando consolidar a autonomia comunitária de acordo com suas realidades e potencialidade.

Considerações fi nais

Devido ao explicitado anteriormente, consideramos importante iniciativas de pesquisa-intervenção como esta aqui apresentada por compreenderem a discussão em torno das redes considerando a sua dimensão como estrutura de governo – dispositivos administrativos/redes assistenciais –, ao mesmo tempo em que buscam analisar sua confi guração em meio à teia formada pelas redes sociais, que nos leva a compreender a maneira como os diferentes atores sociais e instituições se constituem e são constituídos a partir do processo de articulação em redes. A pesquisa aponta para as ações de prevenção ao uso de álcool drogas em um contexto no qual integralidade e intersetorialidade ainda não foram de fato consolidadas. Esta difi culdade repercute na integração das redes sociais existentes, uma vez que o trabalho ainda se organiza através de um modelo fragmentado e calcado no saber técnico, sem incorporar e fortalecer as potencialidades locais para o enfrentamento dos problemas de saúde existentes.

No que tange as redes sociais, o seu fortalecimento pode vir a ser uma forma das comunidades se organizarem, buscando melhorias em suas condições de vida. A ação em redes pode favorecer a concretização da autogestão comunitária, criando espaços e condições para a resolução dos diversos problemas sociais existentes e que necessitam ser enfrentados (Mangia & Muramoto, 2005; Rodrigues, Carvalho & Ximenes, 2011). Cumpre sinalizar que isto não implica em um afastamento e tampouco a diminuição da

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responsabilidade estatal na oferta e garantia de direitos humanos e sociais fundamentais, mas pelo contrário, implica em um realinhamento das responsabilidades que incide no planejamento das ações, programas e políticas públicas.

Nesta perspectiva, reiteramos que a participação, envolvimento e mobilização social devem ser encarados como mecanismos permanentes de inovação e construção de sociedades democráticas, onde os programas e ações em saúde sejam planejados e executados com e não para a população. Movimento que requer uma práxis dialógica entre Estado e sociedade civil, no qual se assegure o compartilhamento de responsabilidades na proposição de ações, análise de necessidades locais e garantia de políticas que representem de fato as diversas vozes sociais (Briceño-Leon, 1998).

Para tanto, consideramos fundamental repensarmos acerca dos pressupostos que orientam as práticas no âmbito da saúde. Conforme discute Saforcada (2008), é necessário ressignifi carmos a práxis profi ssional em direção ao paradigma da saúde comunitária. Isto signifi car nos afastarmos do modus operandi tradicional desenvolvido pela saúde pública, bem como as estratégias defendidas pela saúde coletiva, que, apesar de haver representado um grande avanço, ainda se encontra limitada pelo pressuposto de que é a equipe de saúde (profi ssionais/gestores) o principal componente de seus programas de ação, e não a comunidade. Portanto, devolver o poder de decisão às populações em matéria de saúde constitui-se em uma forma de contribuir para a real democratização de nossas sociedades e, por conseguinte, no fi m do neocolonialismo.

Finalmente, no que toca à perspectiva do trabalho em rede, consideramos essencial operarmos contínuos questionamentos acerca de esta ter se tornado a resposta para uma panaceia de problemas, sem que se efetue um importante exercício refl exivo a respeito. Ao propor este caminho de análise e intervenção não se deseja deslegitimar tal perspectiva de ação, mas, ao contrário, potencializá-la. Isto, pois acreditamos que ao se realizar um trabalho de análise mais acurado sobre como estão organizadas e articuladas às redes assistenciais e sociais no contexto socio-histórico no qual estamos inseridos, é possível tomarmos mais consciência das vicissitudes e recursos objetivos e simbólicos com os quais podemos contar e/ou devemos fortalecer, potencializar e mesmo lutarmos Neste sentido, contribuiremos indubitavelmente para o fortalecimento das redes sociocomunitárias, em prol de sua autonomia e emancipação.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em setembro de 2012

Fernando Santana de Paiva – Doutorando em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Machado Sobrinho. Pesquisador do Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (CREPEIA) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pedro Henrique Antunes da Costa – Graduando em Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Telmo Mota Ronzani – Pós-Doutor em Álcool e Drogas pela University of Connecticut Health Center e Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UFJF.

Endereço para contato: [email protected]

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Um estudo sobre percepções de profi ssionais de um serviço de atendimento às vítimas de violência e exploração sexual

Beatriz Mello de AlbuquerqueNarjara Mendes Garcia

Maria Angela Mattar Yunes

Resumo: O presente artigo apresenta um estudo de caso sobre um serviço público que atende crianças, adolescentes e famílias vítimas de violência, abuso e exploração sexual. O objetivo foi compreender as percepções dos profissionais para esboçar uma análise das práticas sociais e relacionais da equipe para com os usuários. A pesquisa seguiu o modelo qualitativo, tendo como base a Inserção Ecológica no contexto pesquisado e entrevistas semiestruturadas com três técnicos: coordenador, psicólogo e assistente social. A análise evidenciou a satisfação dos técnicos com os atendimentos e suas crenças na eficácia dos resultados baseadas na diversidade de metodologias e flexibilidade de abordagens desenvolvidas: formação de grupos e/ou atendimentos individuais. Os profissionais revelaram-se otimistas e consideram que os casos de reincidência após a alta do atendimento é baixo, pois a maioria das famílias se vincula com confiança ao serviço. Palavras-chave: serviços sociais, violência sexual, profissionais sociais.

A study on the professional´s perceptions of a service for victims of violence and sexual exploitation

Abstract: The present article presents a study about a public service for children, adolescents and families who are victims of violence, abuse and sexual exploitation. The aim was to understand the professional´s perceptions in order to draft an analysis of the social and relational team practices with the service´s users. The research followed the qualitative method based on the Ecological Engagement in the context and semi-structured interviews with three professionals: coordinator. psychologist and social worker. The analysis showed the professional’s satisfaction with the treatment and their beliefs in the efficacy of the results based on the diversity of methodologies and flexibility of approaches developed: groups or individual treatment. The professionals showed optimism considering the low return number of cases after ending the treatment as the majority of families is linked with trust to the Service. Keywords: social services, sexual violence, social profissionals.

Un estudio sobre percepciones de profesionales de un servicio de atención a víctimas de violencia y explotación sexual

Resumen: El presente artículo presenta un estudio de caso sobre un servicio público para niños, adolescentes y familias victimas de violencia, abuso y explotación sexual. El objetivo fue comprender las percepciones de los profesionales para dibujar un análisis de las prácticas sociales y relacionales del equipo con sus usuarios. La investigación siguió el modelo cualitativo teniendo como premisa la inserción ecológica en el contexto investigado y entrevistas semi-estructuradas con tres técnicos: coordinador, psicólogo y trabajador social. El análisis evidenció la satisfacción de los técnicos con los atendimientos y sus creencias a cerca de la eficacia de los resultados en función de la diversidad de metodologías y flexibilidad de abordajes desarrolladas: formación

Aletheia 37, p.73-90, jan./abr. 2012

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de grupos y/o atendimientos individuales. Los profesionales demostraron estar optimistas y consideran que los casos de reincidencia después del alta de atendimiento son bajos, una vez que la mayoría de las familias vinculase con confianza al servicio. Palabras-clave: servicios sociales, violencia sexual, profesionales sociales.

Introdução

Estudar os serviços de proteção e atendimento às crianças e adolescentes que viveram situações de violências e que, por isso, se encontram em situação de risco social é um imperativo, senão um dever dos cientistas sociais e da saúde pública. Os órgãos de denúncia, tais quais: o Disque 100, os Conselhos Tutelares, as Delegacias de Polícia, e outros que compõe a rede de proteção da infância e juventude, são frequentemente referidos nos noticiários nacionais e muitas vezes anunciam as difi culdades destes segmentos em lidar com as diferentes expressões de violência. Diante desta realidade, é pertinente questionar a efi cácia de alguns mecanismos públicos e governamentais dos serviços de enfrentamento à violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Esta proposta de pesquisa visou a investigar como se desenvolve um dos serviços da rede de proteção que presta especifi camente o atendimento/tratamento às crianças/adolescentes e famílias vitimizadas num município do interior do Rio Grande do Sul. A investigação foi feita a partir de um estudo de caso do local do serviço, enfatizando-se as percepções dos técnicos responsáveis e a análise das práticas de atendimento exercidas por esta equipe de profi ssionais sociais.

Ao início do estudo pode-se constatar a vasta bibliografi a sobre o tema, tanto na área da Psicologia, como na área da Saúde. Há muitas produções científi cas a respeito de violência em suas diferentes modalidades (Bonamigo, 2008; Minayo, 1994; Prado & Pereira 2008, entre outros). Diversas pesquisas descrevem as consequências e o perfi l dos agressores e das vítimas (Habigzang, Koller, Azevedo & Machado, 2005; Santos & Dell`Aglio, 2010; Bérgamo & Bazon, 2011) assim como as implicações no desenvolvimento de crianças e adolescentes dentre outros aspectos (Habigzang, Azevedo, Koller & Machado, 2005; Prado, Pereira, 2008; De Antoni, Yunes, Habigzang & Koller, 2011). Em contrapartida, pode-se constatar uma escassez de trabalhos que abordem e avaliem os serviços sociais de atendimento às vítimas destes episódios. A complexidade do fenômeno da violência por si só justifi ca a eminente necessidade de elaboração de investigações acerca do funcionamento dos órgãos e serviços que compõe a rede de apoio às vítimas de violência sexual.

A violência sexual contra crianças e adolescentes passou a ter maior visibilidade no Brasil na última década do século passado, período em que esta problemática foi incluída na agenda da sociedade civil como questão relacionada à luta nacional e internacional pelos direitos humanos de crianças e de adolescentes. Estes eram preconizados na Constituição Federal Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. (Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, 2002).

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De acordo com os documentos acima mencionados, este período foi marcado por um forte processo de articulação, mobilização e por experiências consolidadas que fortaleceram a Sociedade Civil para assumir a denúncia como forma de enfrentamento à violência sexual. Isso signifi cou um marco histórico na luta dos direitos da criança e do adolescente. O relatório da CPI de 1993 sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil também provocou a conscientização e mobilização de importantes setores do executivo, legislativo, judiciário, da mídia e de organismos internacionais. Vale destacar esse papel histórico da sociedade civil (Movimentos/Fóruns/ONGs/Conselhos) como protagonista da mobilização social na luta pela inclusão da violência sexual contra crianças e adolescentes na agenda pública brasileira. Internacionalmente algumas agências como Unicef, Unifem, Visão Mundial, Ecpat, NGO – Focal Point, IIN-OEA, pautaram a temática da violência sexual no contexto dos Direitos Humanos, estimulando os governos, apoiando técnica e fi nanceiramente as iniciativas da sociedade civil e monitorando os avanços conquistados.

Na sequência destes acontecimentos, foi realizado em 2000 na cidade de Natal/Rio Grande do Norte um evento específi co para discussões sobre esta temática. A partir do referido encontro, constatou-se que embora algumas medidas tenham sido adotadas, estas não foram capazes de controlar o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes e nem responsabilizar os culpados, mesmo havendo reconhecimento da gravidade desta situação por parte do governo brasileiro. Assim, conscientes da responsabilidade frente a este problema e compreendendo que há um conjunto de atores e forças no país para fazer valer os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, os participantes da discussão do Plano Nacional assumiram o compromisso para o desenvolvimento de ações que assegurassem o fi m da violência contra crianças e adolescentes. Além disso, a responsabilização/tratamento de violadores, a prevenção, a mobilização da sociedade civil e o protagonismo infanto-juvenil foram enfatizados. No mesmo ano, o Governo Federal elaborou o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, com o objetivo de estabelecer um estado de direito para a proteção integral de crianças e adolescentes em situação de violência sexual. O referido Plano foi apresentado e deliberado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes – CONANDA, na assembleia ordinária de 12/07/2000, constituindo-se em diretriz nacional no âmbito das políticas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Trata-se, portanto, de um documento legitimado e de referência para as políticas públicas nos níveis federal, estadual e municipal. (Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, 2002).

No ano de 2001, foi implantado o Programa Sentinela, dentro do âmbito da Política da Assistência Social. Este programa era uma prioridade estabelecida pelo governo para cumprir o Plano Nacional e foi implantado no âmbito da Política de Assistência Social, coordenado pela Secretaria de Estado da Assistência Social. Este programa tinha como critério de priorização, as capitais e as regiões metropolitanas inseridas no Programa de Segurança Pública: cidades com grandes entroncamentos

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rodoviários, polos turísticos, polos industriais, zonas de garimpo, áreas portuárias ou localidades que, com registros, comprovassem as situações de violências contra crianças e adolescentes. Em todos estes munícípios deveriam estar implantados os Conselhos Tutelares. O programa destinava-se, portanto, a cumprir as linhas de ações das políticas de atendimento estabelecidas no artigo 86, do ECA, através da integração operacional e das diretrizes do atendimento estabelecido que davam guarda às atribuições dos Conselhos Tutelares. Em 2004, o Sentinela deixou de ser “programa”, passando a ser “serviço de ação continuada”, superando assim, qualquer possibilidade de extinção. Passou a se chamar Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Antigo Programa Sentinela).

Em 2005, este Serviço foi inserido no Sistema Único de Assistência Social/SUAS como Serviço de Proteção Social Especial de Média Complexidade. Atualmente em âmbito nacional, é coordenado pelo MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, através da Secretaria Nacional de Assistência Social/SNAS. Este segmento oferece um conjunto de procedimentos técnicos e especializados para o atendimento e proteção imediata às crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual, bem como aos seus familiares.

Atualmente, este Serviço é desenvolvido no âmbito do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Portanto, o “locus” de execução do Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes é o CREAS. No entanto, o município pode efetuar a descentralização do serviço, caso haja na rede socioassistencial, entidades que realizem este tipo de atendimento. Este poderá ser implantado com abrangência local ou regional, de acordo com o porte, nível de gestão e demanda dos municípios, além do grau de incidência e complexidade das situações de risco e violação de direito. O CREAS de abrangência local pode ser implantado em municípios habilitados em gestão inicial, básica e plena. Já o de abrangência regional é implantado nas seguintes situações: a) Nos casos em que a demanda do município não justifi car a disponibilização no seu âmbito de serviços continuados, no nível de proteção social especial de média complexidade, ou, b) Nos casos em que o município, devido ao seu porte ou nível de gestão, não tenha condições de gestão individual de um serviço em seu território. (Histórico disponibilizado pela coordenação Estadual do Serviço Sentinela/RS). O município do interior do Rio Grande do Sul pesquisado neste artigo foi um dos pioneiros na implantação deste Serviço por se tratar de uma cidade portuária, o que ocorreu no ano de 2002.

Dentre as metas do Serviço destaca-se: proporcionar condições para o fortalecimento da autoestima das vítimas e superação da situação de violação de direitos e reparação da violência vivida (Relatório CREAS, 2008). Ademais, almeja contribuir para a proteção, defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, buscando: identifi car o fenômeno de riscos decorrentes; prevenir o agravamento da situação; promover a interrupção do ciclo de violência; contribuir para a devida responsabilização dos autores da agressão ou exploração e a potencialização da autonomia e o resgate da dignidade.

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O Serviço em questão trabalha com três modalidades distintas de violência: a violência doméstica ou “intrafamiliar”, o abuso e a exploração sexual. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) determina a obrigatoriedade da notifi cação de casos suspeitos ou confi rmados de maus tratos em crianças e adolescentes. Entretanto, a subnotifi cação da violência é ainda uma realidade em nosso país, havendo muita difi culdade de identifi cação da violência sexual. Esta situação pode ser compreendida devido ao despreparo dos profi ssionais da rede de atendimento nas diferentes áreas de atuação: seja na saúde, na educação ou na área jurídica (Silveira & Yunes, 2010; Yunes, Garcia & Abuquerque, 2007). Esta lacuna no atendimento às vítimas é decorrente de uma lacuna nos currículos de graduação, uma vez que estão sendo desconsideradas as questões referentes à violência sexual (Gonçalves & Ferreira, 2002; Santos, 2011). Este fato resulta no desconhecimento de informações básicas para o diagnóstico da situação de violência em questão. Nesse sentido Amazarray e Koller (1998) afi rmam que o trabalho em rede tem apresentado atendimentos por vezes desarticulados, fragmentados e metodologicamente difusos.

O panorama geral sobre o tema apontou para a necessidade de investigar o serviço e a atuação dos profi ssionais no que se refere às suas crenças e percepções sobre o atendimento realizado às vítimas de violência e aos seus familiares. Neste trabalho, crenças foram defi nidas como as formas de enxergar e expressar o mundo vivido, pois estas infl uenciam o que vemos ou o que não vemos, assim como o que fazemos a partir de nossas percepções (Wright, Watson & Bell, 1996). Na sequência estão explicitadas as estratégias metodológicas para o desenvolvimento deste estudo.

Método

Este estudo de cunho qualitativo teve como base a “Inserção Ecológica” (Cecconello & Koller, 2003; Prati, Couto, Moura, Poletto & Koller, 2008) que se defi ne por ser uma metodologia de pesquisa que se realiza em ambientes naturais. A revisão atualizada indica que seu objetivo é “avaliar os processos de interação das pessoas com o contexto no qual estão se desenvolvendo em um determinado período de tempo” (Prati, Couto, Moura, Poletto & Koller, 2008, p.161). Tal método tem seus fundamentos na Teoria dos Sistemas Ecológicos (Bronfenbrenner & Morris, 1998) que prioriza a análise da interação de quatro núcleos: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. Neste modelo teórico, o Processo se refere às interações entre a pessoa e o ambiente no qual ela convive. No estudo de caso em questão o foco estará nos técnicos do serviço e sua convivência diária entre si e com as famílias, crianças e adolescentes usuárias do serviço. Entre estas pessoas se desenvolvem relações que são denominadas de processos proximais e considerados os motores primários para o desenvolvimento segundo o modelo bioecológico (Bronfenbrenner & Morris, 1998). Quanto à Pessoa será levado em consideração, tanto as características determinadas biopsicologicamente, quanto aquelas construídas na interação com o ambiente. Para a realização desta pesquisa foram considerados os técnicos e as famílias entrevistadas, enquanto pessoas em desenvolvimento, com características, percepções e interações específi cas.

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A análise do Contexto, segundo Bronfenbrenner (1979/1996), buscará compreender a interação dos quatro níveis sistêmicos: microssistema, mesossistema, exossistema e o macrossistema. O microssistema é o sistema ecológico mais próximo e compreende um conjunto de relações entre a pessoa em desenvolvimento e seu ambiente mais imediato, como por exemplo, a família, a escola e a igreja, nos quais a pessoa realiza diversas atividades e assume diferentes papéis, estabelecendo interações pessoais e simbólicas múltiplas. Neste trabalho o microssistema estudado, será a sede do Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes da cidade do interior do Rio Grande do Sul. O mesossistema refere-se ao conjunto de relações entre dois ou mais microssistemas dos quais a pessoa em desenvolvimento participa de maneira ativa: as relações família-escola ou escola-igreja. Quando a criança sai de um microssistema conhecido, como a família, para integrar um novo microssistema, como a escola, ou a igreja, ocorre um fenômeno de movimento no espaço ecológico, ou seja, uma “transição ecológica”. As transições ecológicas ocorrem ao longo do ciclo vital e são fundamentais para crianças e adolescentes. Neste caso, é particularmente signifi cativo analisar a transição do ambiente familiar para o referido Serviço, já que este ambiente foi criado para ajudar a superar ou amenizar o sofrimento decorrente das mais diversas situações de violência que vitimizaram crianças, adolescentes e suas famílias.

O potencial de desenvolvimento dos ambientes que compõem um mesossistema é otimizado se a transição inicial da pessoa no novo ambiente se der na companhia de uma pessoa pertencente ao ambiente anterior, por exemplo, no assunto em questão, se um cuidador/responsável acompanhar a criança/adolescente (Bronfenbrenner, 1979/1996), neste caso, ao CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social. Nessa perspectiva, Bronfenbrenner considera ainda que a capacidade desenvolvimental dos mesossistemas aumenta pelo número de inter-relações entre um contexto e outro, principalmente se estas relações se derem com pessoas que já estabeleceram díades primárias, ou seja, relações que já não dependem da presença física das pessoas para continuarem a existir. Uma terceira força de infl uência no desenvolvimento são os exossistemas. Estes compreendem aquelas estruturas sociais formais e informais que, embora não contenham a pessoa em desenvolvimento, infl uenciam e delimitam o que acontece nos ambientes mais próximos: a família extensa, as condições e as experiências de trabalho dos adultos e da família, as amizades, a vizinhança do bairro em geral. O macrossistema inclui os valores culturais, as crenças, as situações e acontecimentos históricos que defi nem a comunidade, na qual, os outros três sistemas estão inseridos, podendo portanto, afetá-los: os estereótipos, os preconceitos de determinadas sociedades, períodos de graves situações econômicas dos países e a globalização entre outros componentes culturais. Diante do exposto, o modelo biecológico se constitui em um suporte metodológico apropriado para a realização de pesquisas sobre aspectos psicoeducacionais e de desenvolvimento-no-contexto.

O quarto componente do modelo bioecológico é o Tempo. Este permite examinar as infl uências sobre o desenvolvimento humano, as mudanças e continuidades que

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acontecem ao longo da vida. Nessa perpectiva, a relação a ser investigada entre o Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e as famílias, representa o que na linguagem ecológica de Bronfenbrenner, é um estudo de mesossistema, ou seja, a análise de dois microssistemas de grande infl uência na vida das crianças e dos adolescentes, neste caso específi co, vítimas de diferentes modalidades de violência sexual.

Para este estudo foram entrevistados dois técnicos do Serviço: um psicólogo e um assistente social, que relataram o processo de atendimento aos usuários. Também foi realizado contato com a coordenadora do mesmo, que descreveu a proposta, os objetivos e o histórico no serviço no município investigado.

O critério de escolha destes técnicos foi o fato destes serem concursados, para que os mesmos pudessem se sentir mais a vontade para falar sobre seu trabalho. A assistente social trabalha no Serviço há aproximadamente dois anos e possui duas especializações: uma em Atenção Psicossocial e outra sobre Programa Saúde da Família – PSF. A psicóloga está neste Serviço há sete anos, não tem especialização na área, mas possui um curso de perícia na área da violência física e psicológica. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento livre e esclarecido elaborado de acordo com os artigos da resolução CFP no 16/2000.

De acordo com o pressuposto da inserção ecológica, para se efetuar o estabelecimento de processos proximais deve haver uma base relativamente regular de interações por períodos de tempo. Assim, foram realizadas 17 visitas ao Centro de Atendimento: 7 (sete) foram realizadas em horário integral (manhã e tarde) e 10 (dez) em horários alternados. Estas foram parte do processo de inserção da pesquisadora no contexto pesquisado. As visitas possibilitaram a observação sistemática da dinâmica do serviço e de alguns aspectos das interações dos trabalhadores sociais e as famílias atendidas. As dinâmicas observadas foram: as interações na sala de espera durante os atendimentos, 3 (três) visitas às residências, participação em reuniões em grupo com as famílias e os contatos de comunicação do serviço com o Conselho Tutelar. Para registro foi utilizado o diário de campo cujas anotações eram sobre as percepções e vivências no ambiente pesquisado, além de detalhes observacionais não contemplados pelas entrevistas. Este instrumento de registro contribui para a identifi cação de processos presentes em conversas informais, descrição do ambiente e outras situações que foram observadas durante a inserção ecológica do pesquisador.

Os técnicos do Serviço foram entrevistados a partir de um guia de perguntas semiestruturado. No início de cada contato, os objetivos da pesquisa foram apresentados pela pesquisadora, ou seja, de contribuir para a implementação do atendimento no Serviço. Foi reiterada a importância da participação para o desenvolvimento da pesquisa e a elaboração de estratégias para melhorar a qualidade do Serviço oferecido à comunidade. Para tanto, o roteiro elaborado para a entrevista buscou identifi car os seguintes pontos na percepção dos técnicos: riscos mais frequentes aos quais as vítimas estão submetidas, características da vítima e do agressor, características do ambiente em que residem as famílias, das práticas parentais nas famílias, tipo de

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relação que estabelecem com a comunidade em que estão inseridas e por fi m, como percebem o seu papel no Serviço prospectando o resultado de seu trabalho. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e analisadas seguindo os passos da grounded-theory.

A grounded-theory foi cogitada, neste caso, por oferecer condições de descobertas de uma teoria a partir dos dados coletados (Charmaz, 2009). Esta metodologia de análise permite ao pesquisador a possibilidade de organizar uma grande quantidade de dados qualitativos, obtidos a partir dos relatos, proporcionando a descoberta de códigos, categorias e subcategorias que emergem a partir das análises. Embora não exista uma tradução literal da expressão grounded-theory para o português, esta é uma forma de análise conhecida como “teoria fundamentada nos dados”. O objetivo do pesquisador ao utilizar esta metodologia de análise é compreender uma determinada situação e entender o conteúdo subliminar de ações, percepções, crenças, atitudes e comportamentos. O processo de ler e reler, escrever e reescrever, ouvir r re-ouvir as gravações das entrevistas realizadas com os técnicos e com as famílias propicia a descoberta dos códigos, a eleição de subcategorias e categorias e o encontro se suas inter-relações. O detalhamento será apresentado na seção resultados. O rigor dos procedimentos desta forma de análise possibilita uma certa “descontaminação” das ideias teóricas e hipóteses previamente elaboradas para a realização do seu estudo.

Resultados

A seguir serão apresentadas as categorias extraídas a partir das narrativas e perspectivas dos profi ssionais entrevistados na seguinte sequência: (a) dinâmica de funcionamento do serviço; (b) as famílias atendidas no Serviço; (c) difi culdades no cotidiano do trabalho no Serviço.

Dinâmica de funcionamento do ServiçoOs relatos dos três técnicos entrevistados foi consistente e as observações

realizadas evidenciam os processos do fl uxo de funcionamento da rede apoio social às crianças e adolescentes vítimas de violência, bem alguns aspectos do atendimento do serviço investigado (Figura 1). Segundo os entrevistados, as pessoas são encaminhadas ao Serviço através de órgãos como: Conselho Tutelar, Ministério Público, Delegacias de Polícia, Juizado da Infância e da Adolescência, hospitais e recepcionadas por um assistente social. Este momento é defi nido como “abertura de caso” ou “acolhimento”, termo utilizado pelos três técnicos. Na acolhida, é realizada a anamnese social da família, para a elaboração do diagnóstico e de um possível plano de ação, no qual, são levadas em consideração as vulnerabilidades e potencialidades das famílias. “Quais as necessidades, vulnerabilidades e potencialidades da família? Em cima das vulnerabilidades a gente vai montar nosso plano de ação” (Assistente Social).

Constatada a necessidade de tratamento no Serviço, o responsável é encaminhado ao psicólogo, que também realiza uma bateria de questionamentos, mas agora com

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outro enfoque. “A primeira entrevista com a psicóloga, também é com o cuidador ou a pessoa responsável para fazer a anamnese psicológica e depois é que vão marcar com a criança” (Assistente Social). Somente após estas entrevistas com os responsáveis é que o psicólogo passa a atender a pessoa vítimizada sistematicamente. Vale destacar que a criança ou o adolescente neste processo é atendido apenas pelo psicólogo. Segundo a coordenadora e a assistente social, esta é uma forma de proteção instituída no Serviço, com intuito de poupá-los de verbalizar várias vezes a situação ocorrida a diferentes técnicos. “Toda criança e adolescente que chega ao Serviço de avaliação e tratamento já falou pra muita gente (Assistente Social)”. Estas crianças e adolescentes são incluídos nos grupos psicoterapêuticos, onde são utilizadas diferentes técnicas que permitem que o profi ssional identifi que as situações de violência da qual a criança/adolescente foi vítima, sem que esta precise relatar verbalmente a situação ocorrida.

No que tange às metodologias de acolhimento e organização do espaço de atendimento às crianças ou aos adolescentes, constata-se a utilização de diferentes atividades lúdicas e o cuidado no uso de uma linguagem mais acessível que possibilite expressões de forma criativa e espontânea dos sentimentos, medos e inseguranças. “Às vezes, elas desenham tal e qual, outras no brinquedo ela coloca o boneco em cima do outro e consegue te mostrar a situação de abuso” (Psicóloga). Já os cuidadores são convocados a participarem de reuniões em grupo sob a coordenação de um assistente social. Nestas reuniões são transmitidas orientações a respeito da educação dos fi lhos, as fases de desenvolvimento da criança e do adolescente e estratégias de como lidar com o problema que estão enfrentando, buscando assim colaborar para que haja o entendimento e a superação da violência vivenciada e a troca de experiências e angústias entre cuidadores. “Eu acho que o grande barato, talvez o ganho mesmo do grupo é essa troca entre elas.[...]” (Assistente Social).

No decorrer do processo de acompanhamento, as técnicas entrevistadas ressaltam que a assistente social faz a visita domiciliar, com intuito de ver in loco a realidade desta família. “A gente tá fazendo no mínimo duas visitas no decorrer da criança aqui. Uma na avaliação e outra no tratamento”. (Assistente Social). Uma das práticas do Serviço é a realização sistemática de reuniões envolvendo toda a equipe técnica, ou seja, entre a coordenadora, os psicólogos e os assistentes sociais. O objetivo das mesmas é a troca de informações a respeito dos casos novos, sugestões de abordagens, dúvidas, relatos dos casos em andamento ou demais difi culdades que possam estar enfrentando. “A reunião é quarta-feira de manhã. Tu leva para a equipe técnica, já apresenta ali e já troca umas ideias . Já se pensa em algumas intervenções” (Assistente Social).

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As famílias das vítimas são encaminhadas ao Serviço através de órgãos como:

Conselho Tutelar, Ministério Público, Delegacia de Polícia, Juizado da Infância e da Adolescência, hospital, escolas...

No Serviço, as famílias são recebidas por um assitente social, para avaliação/diagnóstico do caso

Há casos em que não se detecta necessidade

de tratamento

Diagnosticada a necessidade de tratamento

São acionados diferentes serviços sociais

É enviado um relatório para o órgão que fez o

encaminhamento

O responsável é convocadoa participar dos grupos

de cuidadores

Um responsável é encaminhado ao psicólogo

para anamnese familiar

São realizadas pelo menos duas visitas domiciliares

A criança/adolescente é encaminhado a um psicólogo e a um grupo psicoterapêutico

Alta do tratamento após avaliação e consenso dos

técnicos do serviço

Figura 1 – Descrição da dinâmica de atendimento/tratamento.

Os técnicos entrevistados demonstraram satisfação com o resultado de seu trabalho. “Nós temos tido bons resultados. A gente tem tido poucos retornos depois da alta, poucos tiveram reincidência.” A psicóloga atribui o sucesso do trabalho realizado a dois fatores: primeiro ao trabalho em grupos de cuidadores, “[...] esse avanço que a gente teve foi o trabalho em grupo. À medida que eles trocam, têm a possibilidade de ver que a dor deles também é a dor do outro e podem dividir. Psicologicamente conseguem evoluir relativamente bem”, e em segundo lugar, atribui o sucesso ao vínculo da família com o serviço e sua responsabilidade com o tratamento da vítima. “Não adianta a criança vir e a família não vir” (Psicóloga). Azevedo e Guerra (1994) estão de acordo

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com este elemento e sugerem que a vítima e a família devem ser encaminhadas a um tratamento compulsório na comunidade com duração de no mínimo dois anos.

A assistente social entrevistada também percebe o resultado positivo do seu trabalho, no relato das mudanças de conduta parental das cuidadoras durante as reuniões de grupo quando afi rma que “algumas estão conseguindo fazer diferente” referindo-se às novas posturas com relação à educação dos fi lhos. A profi ssional do serviço social afi rmou que: “o resultado pra mim é o comprometimento da família, tu vai medindo, a caminhada dessas famílias junto da instituição, adesão ao tratamento”. Acrescenta ainda que: “Compreendo que a família tá num processo de transformação, tá se construindo”. Referindo-se a família que “nunca teve acesso nunca teve aquele modelo, nunca foi cuidada”. De forma geral, suas falas evidenciam a relevância do vínculo familiar para o tratamento efetivo das vítimas e das famílias e a visão processual das técnicas sobre o tratamento, sublinhando que nos grupos de cuidadores são discutidas questões referentes ao cuidado, educação, violência e outros temas detectados por estes técnicos.

Características das famílias atendidas no ServiçoA partir das narrativas constatou-se uma variedade de adjetivos que caracterizam

as percepções dos técnicos sobre as famílias usuárias do Serviço. Segundo estas profi ssionais a maioria das famílias atendidas pelo Serviço é de baixa renda. Mas reconhecem que a violência está presente em todas as classes sociais. Segundo a assistente social, as residências das famílias não apresentam condições de extrema pobreza. No entanto se destacam pelo elevado número de fi lhos que possuem. Por este motivo precisam dividir o mesmo cômodo pra dormir, fato este que ocasiona a falta de privacidade das pessoas e segundo a técnica, pode estimular de maneira precoce a sexualidade das crianças. Talvez este seja um paradoxo na fala da profi ssional, que apesar de reiterar a violência sexual como fenômeno “democrático”, acentua pontos característicos de moradia das classes pobres como possíveis estímulos de situações abusivas.

A assistente social relatou que muitas famílias atendidas no Serviço apresentam grande demanda, pois “são pessoas carentes e abandonadas socialmente.” Apontou também que, de modo geral, a família contemporânea vive um momento de muita fragilidade. Atribui esta condição ao ingresso da mulher no mercado de trabalho, e à falta de serviços públicos destinados ao cuidado dos fi lhos destas trabalhadoras. Muitas mães não têm com quem contar para cuidar e orientar seus fi lhos a respeito de valores, hábitos e atitudes, no período em que elas estão trabalhando. Por este motivo, a assistente social entrevistada percebe que muitas crianças fi cam totalmente desamparadas durante o período de expediente de trabalho da mãe. Justifi ca desta forma, a fragilidade das relações familiares. Estas situações de vulnerabilidade, as quais estão submetidas estas crianças e adolescentes, ocorrem muitas vezes por falta de uma fi gura de proteção. Para a técnica, estes fatos denunciam que a família necessita cada vez mais dos serviços sociais. Outra característica percebida nas famílias é a presença da violência no seu cotidiano, especialmente no trato com os fi lhos. Quanto ao perfi l das

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mães, a assistente social relatou que muitas apresentam baixa autoestima e se mostram dependentes e pouco assertivas. Afi rmou ainda a importância de investigar a questão da transgeracionalidade das situações de abuso e violência, já que muitas das mães das vítimas também sofreram de violência sexual.

Quanto à relação das famílias com a comunidade, as profi ssionais apontam que as interações das famílias com outros contextos, são restritas às fi guras dos vizinhos, que desempenham papel fundamental na condição de necessidade de auxílio mútuo. Nestas relações se estabelece um vínculo quase familiar, de cuidado e até de suporte fi nanceiro (Yunes, 2001). As técnicas revelam que no que se refere ao conhecimento das potencialidades do bairro em que residem, as famílias sabem muito pouco. Este desconhecimento nos remete ao fato de que as famílias de um modo geral, não são sabedoras dos serviços e políticas sociais às quais têm direito e, por este motivo, não usufruem nem sabem reivindicá-los (Yunes, Garcia & Albuquerque, 2007) A psicóloga entrevistada também observa que as famílias têm como característica o isolamento da comunidade em que estão inseridas. Esse isolamento favorece a perpetuação do segredo nos casos de abuso sexual (Furniss, 1993; Pietro & Yunes, 2008). Nestas famílias, o homem exerce extrema autoridade sobre os fi lhos ou enteados e a mulher é subjugada a este sistema (Sarti, 1996) e essa submissão e dependência da mulher para com seu marido ou companheiro pode interferir na relação que esta mãe estabelece com seus fi lhos bem como no seu autoconceito.

A partir do atendimento que realizam e das informações que obtém no contato direto com as famílias das vítimas de violência, as profi ssionais apontam e identifi cam as causas da violência familiar na sua visão. A análise das entrevistas evidenciou que são múltiplas as causas da violência segundo as percepções das técnicas entrevistadas. Segundo elas, estas famílias estão expostas a muitos fatores de risco microssistêmicos, ou seja, são referidas várias situações que podem ocasionar violência familiar. As mais citadas são: vulnerabilidades individuais, mudança/transformação de papéis e funções na família contemporânea, práticas educativas autoritárias ou violentas, uso de drogas ou álcool e a transgeracionalidade da violência. Estes fatores de risco que emergem internamente na história da dinâmica do grupo familiar, as profi ssionais julgam como fragilidade das relações familiares. Segundo a assistente social a fragilidade nos grupos familiares é vinculada ao fato de que as crianças “não têm afeto e atenção”, fatores que segundo ela favorecem as situações de negligência e descuido: “a maioria dos acidentes é dentro de casa, são acidentes domésticos”.

No que tange aos fatores de riscos macrossistêmicos e à vulnerabilidade social, as duas profi ssionais apontaram a baixa renda e a pobreza sócioeconômica como importantes variáveis de risco. A psicóloga salientou na entrevista que estes não são fatores únicos, pois uma série destes fatores geram outros riscos, denotando mais uma vez a perspectiva processual e sistêmica na maneira de elaborar conceitos. No que se refere às causas da violência, a assistente social apresentou uma percepção ampla e atualizada do tema. Ressalta em primeiro plano, a dimensão macrossistêmica, apontando várias causas, dentre elas: questões sociais, onde há um grande contingente de famílias carentes “tanto de habitação, educação, falhas que o sistema não tá ofertando,

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desemprego...”. Tal elaboração nos remete ao conceito de violência estrutural de Minayo (1994).

Outro fator de risco macrossistêmico sublinhado por estes agentes sociais é que com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a escassez de serviços públicos destinados ao cuidado dos fi lhos destes trabalhadores, pode acarretar em inúmeros problemas familiares de proteção às crianças e adolescentes, com desgaste mais específi co para a fi gura materna. As profi ssionais denotam ciência de que as difi culdades enfrentadas pela mulher contemporânea podem fi car ainda mais complicadas, nos casos de separação conjugal e monoparentalidade feminina, pois é fato que a grande maioria de casamentos quando se desfazem, deixam para a mulher a maior carga de cuidado e responsabilidade com os fi lhos, o que é consistente com a literatura sobre o tema (Carter & Mc Goldrick, 2008; Yunes, Mendes & Albuquerque, 2007).

No que se refere às práticas parentais, a assistente social relatou que a questão do cuidado e da educação das crianças e adolescentes ainda é muito restrita à fi gura da mulher. As mães/cuidadoras aceitam este fato com naturalidade, e justifi cam o mesmo devido ao trabalho do marido/companheiro (Sarti, 1996). O discurso da assistente social revelou que ainda é muito forte a relação de poder exercida por quem cumpre o papel de provedor, evidenciando o desequilíbrio de poder nas relações familiares, fato exaustivamente demonstrado no clássico trabalho antropológico de Sarti (1996) na periferia de São Paulo e que ao que parece, não mudou muito durante estes anos e parece valer para famílias de baixa renda de diferentes regiões do Brasil. A profi ssional entrevistada apontou também que há casos em que os responsáveis não se comprometem, nem defi nem questões de educação e cuidado dos fi lhos, vivendo numa constante situação de delegar a outra pessoa estas questões. “Ela espera do marido, o marido espera dela, que passa pra vó, que mora junto”. Certamente esta atitude de falta de compromisso com a educação dos fi lhos e de delegar ao outro estas questões, sem que ninguém realmente se comprometa, pode trazer consequências prejudiciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

A psicóloga referiu-se ainda a famílias que não respeitam as fronteiras transgeracionais. Muitos pais desrespeitam as etapas de desenvolvimento de seus fi lhos e exigem que estes desempenhem tarefas para os quais não estão muitas vezes física, psicológica e cognitivamente preparados. Isso não deixa de ser uma modalidade de violência que mereceria especial atenção. Apontou ainda a questão da transgeracionalidade como um fator de risco, afi rmando que há casos em que os pais foram vítimas de situação de negligência, de violência física ou sexual, e que poderão reproduzir junto aos fi lhos, o que do ponto de vista científi co ainda é assunto polêmico na literatura (Carter & McGoldrick, 2008).

Difi culdades apontadas pelos agentes sociaisOs trabalhadores sociais entrevistados relataram as difi culdades enfrentadas no

desenvolvimento das ações e no atendimento à população foco. A assistente social referiu-se basicamente à difi culdade de estabelecer um efetivo trabalho em rede com os demais órgãos de assistência social, uma vez que para suprir as demandas específi cas da

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população atendida, necessitam de outros serviços de suporte. Como explica a seguir: “Tu faz um belo laudo, cheio de referenciais teóricos, bota teu carimbo, assinas. Precisa de avaliação neurológica, psicológica e psiquiátrica dos pais e acompanhamento. Se essa rede não vai dar, não vai conseguir comportar, não vai acolher. Nem sempre se consegue”. A esse respeito Faleiros e Costa (1998) apontam que as políticas públicas brasileiras caracterizam-se pela pouca articulação e fragmentação entre as redes de proteção e combate à violência sexual. A profi ssional apontou também o despreparo profi ssional das pessoas que atuam na rede social: “Tu vê pessoas, profi ssionais que trabalham na área da assistência social que se dizem pertencem a uma rede e que não conhecem as políticas que implementam essa rede”. Expressou a difi culdade de estabelecer um diálogo com outros serviços: “[...] eu sei o que é essa angústia de tu queres buscar mais informações a respeito dessa família. Às vezes, tu não és recebido, às vezes tu não consegues. Relatou ainda problemas internos do Serviço que poderiam ser sanados pelo órgão Executivo municipal, uma vez que este Serviço esta inserido na Secretaria da Assistência Social do Município.

Outro aspecto identifi cado foi a ausência de uma pedagoga no Serviço, o que resulta numa lacuna no atendimento em termos da avaliação do desenvolvimento escolar destas crianças e adolescentes. Embora outros técnicos estejam buscando suprir esta defi ciência, este fato resulta em atrasos ou sobrecarga dos demais técnicos que não têm formação adequada para o desenvolvimento deste trabalho. “A questão da distribuição das escolas, fi ca pro técnico que tá mais liberado.” Outro complicador é o fato de haver profi ssionais contratados, referindo-se ao problema da instabilidade dos técnicos no Serviço. Sobre esta questão expressou que: “em termos de projetos...sonhos que eu teria pro nosso Serviço, é poder ter uma equipe completa, todos nomeados sem ter contratados”. Afi rmou que esta situação “Pro Serviço isso tem um impacto muito grande”. A assistente social refere-se à lacuna que a saída de um técnico provoca na equipe, seja por demissão ou pela não renovação do contrato e o impacto no atendimento ao usuário.

Discussão

O estudo realizado numa cidade do interior do RS possibilitou constatar que o Serviço pesquisado está cumprindo com seus objetivos, contribuindo para a promoção, defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Esta constatação foi possível através da análise das práticas de atendimento/tratamento oferecidas aos usuários no município investigado, das observações realizadas e das categorias que emergiram nas entrevistas das profi ssionais. No entanto, o estudo realizado com os profi ssionais apontou ainda a necessidade de suprir a demanda de melhoria da estrutura de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência e, assim, promover a articulação mais efetiva entre os serviços da rede de apoio social, como conselhos tutelares, escolas, unidades de saúde, promotoria de Justiça, Juizado da Infância e da Adolescência, Secretaria da Assistência Social, dentre outros. Tal trabalho em rede de colaboração é requerido para fazer o encaminhamento das vítimas aos serviços, seja para regulamentar o afastamento e punição do agressor ou para fornecer

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certidões e outros documentos que por ventura as famílias não possuam, dentre outras demandas (Pietro & Yunes, 2012).

A concepção de rede de colaboração e sua importância para a efi cácia dos serviços de saúde à comunidade estão claramente expressas nos conceitos da teoria ecológica de Bronfenbrenner (1979/1996), no que se refere às formas de comunicação e consequentes inter-relações microssistêmicas. Tais relações podem formar mesossistemas de risco ou proteção. No caso do Serviço pesquisado, os técnicos se mostraram alertas e protetivos, pois logo após a constatação da situação de violência, pedem o afastamento do agressor junto ao Ministério Público e procuram atuar em rede para evitar que a criança ou adolescente seja re-vitimizado por ser retirado da família e da comunidade em que vive em casos de inserção em casa de acolhimento.

Os técnicos entrevistados afi rmaram ainda que, embora não tenham estatísticas numéricas, percebem que é baixo o índice de reincidências após a alta do tratamento no Serviço. Pode-se constatar que os resultados favoráveis são fruto de múltiplos fatores, como: o trabalho comprometido da equipe técnica para com os usuários evidenciado por demonstrações de interesse e satisfação em trabalhar com os solicitantes; preocupação dos profi ssionais em manter uma formação acadêmica específi ca, com participação ativa em cursos de especialização direcionados à área de atuação de violência sexual; participação em avaliações sistemáticas acerca do funcionamento da equipe técnica; participação em reuniões semanais envolvendo toda equipe para a discussão dos casos mais “delicados” e apresentação de novos casos; desenvolvimento de um trabalho comunicativo entre as equipes multidisciplinares de outros serviços, o que permite um olhar mais abrangente dos casos em andamento; a busca constante de novas estratégias e de abordagens que promovam o maior envolvimento dos usuários no tratamento (evidenciado pela satisfação dos usuários participantes nos grupos de cuidadores e das crianças/adolescentes nos grupos psicoterápicos) e a norma interna de obrigatoriedade da participação de pelo menos um responsável/cuidador adulto no tratamento da criança ou do adolescente.

Uma prática de atendimento valorizada pelos profi ssionais foi a construção de um espaço destinado à troca de experiências entre os responsáveis das famílias vitimizadas que integravam os grupos de cuidadores. Nessa perspectiva, poder-se-ia dizer que o potencial de desenvolvimento humano é otimizado através de relações proximais que ocorrem entre pessoas que provém de ambientes de convívio com características similares e que tenham papéis e vivências próximas. Segundo considerações dos entrevistados, o resultado mais importante é a ajuda mútua e os indícios de reciprocidade possibilitada pelos conteúdos que são discutidos em grupo e “amenizados” em suas consequências a partir da catarse grupal. Por último, é preciso destacar o respeito, o cuidado e a relação de empatia da equipe técnica para com os usuários e entre os próprios usuários. Vale ressaltar que estes elementos de análise emergiram das entrevistas, das observações da rotina do Serviço e dos diálogos informais realizados pela pesquisadora com os profi ssionais durante o período de inserção.

No que se refere às relações e interações dos técnicos com as famílias usuárias deste Serviço, pode-se afi rmar que as relações profi ssionais são pautadas pelos princípios do respeito, alteridade, e crenças otimistas no desenvolvimento das pessoas

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em situações de sofrimento (Yunes, 2007; Siqueira, Betts, Dell`Aglio, 2006). Apesar dos resultados positivos do Serviço, com relação à superação da situação de violência e os baixos índices de reincidência, há ainda algumas sugestões que na percepção dos técnicos poderiam melhorar a qualidade do Serviço oferecido à comunidade. Os técnicos salientaram a necessidade da incorporação de um profi ssional da área da educação e sugerem que todos os profi ssionais sejam funcionários concursados para maior estabilidade do próprio Serviço e de sua fi losofi a de atendimento. É fato que as mudanças provocadas por trocas constantes de funcionários nos serviços públicos de saúde e educação, ocasionam ruptura nos tratamentos, provocam lacunas de tempo em processos burocráticos e podem ocasionar quebra de relações já estabelecidas entre o usuário e o novo técnico, exigindo pra isto, período de adaptação e algumas vezes, o recomeço do “zero”.

O estudo realizado identifi cou necessidades na implementação das seguintes ações ao Serviço: o desenvolvimento de um trabalho específi co para as mães/cuidadoras que também foram vítimas de abuso sexual durante a infância ou a adolescência; a disponibilidade de inclusão de um profi ssional da área jurídica para assessorar os casos em andamento; e a efetivação de um trabalho em rede mais amplo e articulado, uma vez que muitas famílias que são encaminhadas apresentam uma demanda que extrapola as atribuições do Serviço em questão. Portanto, as ações e intervenções devem ser de caráter ecológico-sistêmico e não individuais.

Conclui-se que apesar das adversidades estruturais do Serviço pesquisado, o mesmo está cumprindo o seu papel do ponto de vista humano e relacional, já que vem colaborando para minimizar os danos psicológicos dos envolvidos na complexa situação de violência sexual. As práticas de intervenção parecem atingir os objetivos de apoiar a superação do sofrimento com o fortalecimento e empoderamento das famílias, tanto individual como socialmente.

Portanto, um serviço como este, que se dispõe a atender vítimas de violência é mais uma conquista das políticas públicas brasileiras que visa a garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes a um atendimento especializado e protetivo, e por isso deve valorizar, proteger e acompanhar os profi ssionais que nele atuam, pois os resultados dependerão da qualidade das relações micro, meso, exo e macrossistêmicas.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em agosto de 2012

Beatriz Mello de Albuquerque – Pedagoga, Especialista e Mestre em Educação Ambiental. Professora da Rede Pública Municipal.Narjara Mendes Garcia – Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação Ambiental. Professora Assistente do Instituto de Educação na Universidade Federal do Rio Grande.Maria Angela Mattar Yunes – Psicóloga, Doutora em Educação: Psicologia da Educação, Professora no Mestrado em Educação do Centro Universitário La Salle, Unilasalle/Canoas. Professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da FURG, Rio Grande, RS.

Endereço para contato: [email protected]

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Bem-estar pessoal de pais e fi lhos e seus valores aspirados

Jorge Castellá SarrieraVerônica Morais Ximenes

Lívia BedinAnelise Lopes Rodrigues

Fabiane Friedrich SchützCarme Montserrat

Caroline Lima Silva

Resumo: O bem-estar pessoal de adolescentes é um tema de crescente interesse na literatura científica, especialmente quando se considera a escassez de artigos que considerem o ponto de vista dos adolescentes. Este estudo busca analisar relações entre bem-estar pessoal de pais e filhos e seus valores aspirados. A amostra compõe-se de 543 adolescentes de 12 a 16 anos, de ambos os sexos, e seus pais ou responsáveis. Utilizam-se os instrumentos Personal Well-Being Index (PWI) para medir níveis de bem-estar, e Aspiration Index para identificar valores aspirados. Obteve-se uma função discriminante entre pais e filhos agrupando significativamente as variáveis de bem-estar pessoal discriminando a favor dos filhos, e as variáveis de valores de caráter abstrato e humanista discriminando a favor dos pais, sem apresentar diferenças entre os de valores materiais e de habilidades e conhecimentos. Os resultados contribuem para a discussão sobre a transmissão de valores e do bem-estar em contexto familiar. Palavras-chave: valores, bem-estar subjetivo, adolescentes.

Personal well-being of parents and children and their aspirated valuesAbstract: The personal well-being of adolescents is a subject of growing interest in the scientific literature, especially considering the scarcity of articles that consider adolescent’s points of view. This study aims to analyze the relationships between personal well-being of parents and children and their aspirated values. The sample consists of 543 adolescents aged 12 to 16 years, of both sexes, and their parents or guardians. The Personal Well-Being Index (PWI) is used to measure personal well-being, while the Aspiration Index is used to measure aspired values of both groups. A discriminant function was obtained between parents and children gathering the personal well-being variables significantly towards children, and gathering the variables of humanistic values discriminate in favor of parents, without differentiating material values, skill and knowledge’s values. These results contribute to the discussion on the transmission of values and well-being in the family context. Keywords: values, subjective well-being, adolescence.

Bienestar personal de padres e hijos y sus valores aspiradosResumen: El bienestar personal de los adolescentes constituye un tema de creciente interés en la literatura científica, sobre todo cuando se tiene en cuenta el reducido número de artículos que tiene consideran el punto de vista de los adolescentes. Este estudio busca analizar relaciones entre el bienestar personal de padres y hijos y sus valores aspirados.La muestra se compone de 543 adolescentes escolarizados de ambos sexos, con edades comprendidas entre 12 y 16 años y sus padres de ambos sexos entre 27 y 70 años. Se utiliza la escala de Personal

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Well-Being Index (PWI) para medir los niveles de bienestar, y el Aspiration Index para identificar los valores aspirados por ambos grupos. Se obtuvo una función discriminante entre padres e hijos reuniendo significativamente las variables de bienestar personal a favor de los hijos y las variables de valores de carácter abstracto y humanista a favor de los padres, sin diferenciar los valores materiales, las habilidades y el conocimiento. Los resultados contribuyen a la discusión sobre la transmisión de valores y el bienestar en el contexto familiar.Palabras clave: valores, bienestar subjetivo, adolescentes.

Introdução

Muitos estudos sobre bem-estar pessoal têm sido conduzidos com população adulta enquanto poucos tiveram como foco crianças e adolescentes (Casas, 2010; Casas et al. 2012; Veenhoven, 2009). As publicações que consideram a satisfação dessa população quanto aos diferentes aspectos de suas vidas e seus valores são escassas. Além disso, raramente crianças e adolescentes podem participar como informantes, considerando-se supostos problemas de credibilidade. Entretanto, estudos com população adolescente reforçam a confi abilidade das respostas dos adolescentes (Casas & Bello, 2012). Profi ssionais de diferentes âmbitos (acadêmicos, profi ssionais, políticos) afi rmam, cada vez mais, que as opiniões e avaliações de crianças e adolescentes devem ser levadas em conta, tanto na concepção de políticas e programas que promovam o bem-estar durante sua infância como também na vida adulta.

Bem-estar é um termo que possui múltiplos signifi cados, para o qual não existe uma defi nição consensual (González, 2006). A felicidade e a satisfação com a vida são alguns dos principais aspectos que compõe o bem-estar subjetivo (Diener, Scollon & Lucas, 2003). Assim, a avaliação de diferentes níveis de bem-estar ao longo da vida, mantém seu foco em aspectos positivos, não se limitando à identifi cação de patologias (Diener, Suh & Oisihi, 1997).

Já em pesquisas realizadas na Austrália e Espanha (Casas, 2010; Cummins & Lau, 2005), a expressão bem-estar pessoal tem sido a mais adotada. Essa se refere a sentir-se globalmente bem ao longo do ciclo vital. O bem-estar tem sido objeto de interesse em diversas investigações que buscam identifi car quais variáveis fazem com que os indivíduos avaliem sua vida como globalmente satisfatória (Casas, 2010; Veenhoven, 2009). Benatuil (2003), em seus estudos sobre bem-estar realizados com população latino-americana, aponta a utilização de instrumentos de avaliação baseados em uma concepção unidimensional de bem-estar.

Tendo em vista a proposta de somar a perspectiva dos adolescentes a de outros atores – tais como pais, professores, psicólogos – é possível que se obtenham ganhos de pesquisa em termos de riqueza e compreensão do fenômeno, possibilitando a problematização de alguns clichês contraditórios ancorados na perspectiva adulta. É neste sentido que os seguintes questionamentos são propostos: Quais são os valores que crianças e adolescentes aspiram? Esses valores são compatíveis com os de seus pais? Qual é a sua relação com o bem-estar pessoal dos adolescentes?

Os valores podem ser relacionados ao bem-estar na medida em que servem como guias para diferentes escolhas que o sujeito fará ao longo de sua vida. O estudo dos valores

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humanos é considerado ainda um tema complexo. Considerando a expressiva quantidade de trabalhos empíricos relacionados a essa temática, evidencia-se ainda uma escassez em termos de sistemas teóricos consistentes, a fi m de que haja uma melhor incorporação dos resultados (Gouveia, 2003). No princípio da década de 80, Rokeach (1981) defi niu valores como sendo uma espécie de padrão ou medida, cuja principal função seria servir de guia para as ações e atitudes e formas de estabelecer comparações, avaliações e justifi cativas tanto de si próprio quanto dos outros.

Aproximadamente 10 anos mais tarde, Schwartz (1994) defi niu valores como critérios ou metas que transcendem situações específi cas, ordenados por importância e representam objetivos humanos básicos. Para o autor, os valores humanos básicos são identifi cados em dez tipos de valores motivacionais: poder, realização, hedonismo, estimulação, autodeterminação, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança. Esses são universais porque atendem as necessidades biológicas, sociais e socioinstitucionais concernentes à sobrevivência e ao bem-estar dos grupos, consideradas requisitos da existência humana.

Nesse sentido, os valores estão presentes em diferentes culturas. Eles possuem componentes motivacionais, cognitivos, afetivos, culturais e comportamentais e estão organizados em um sistema ordenado ao longo de um continuum de importância, podendo infl uenciar as atitudes e ações de outras pessoas (Schwartz, 2005).

Os valores ou orientações valorativas sustentam-se em crenças duradouras, constituídas de acordo com o contexto social ou cultural no qual o sujeito está inserido. Portanto, podem determinar o modo como o sujeito se comporta, seja no âmbito pessoal ou social. Acredita-se na possibilidade de transmissão/infl uência dos valores aspirados dos pais para os seus fi lhos adolescentes, o que pode fundamentar suas escolhas, aspirações e atitudes perante a vida, e por consequência, infl uenciar em seu bem-estar.

Entretanto, ressalta-se que os valores não devem ser entendidos simplesmente como palavras que devem ser ensinadas pelos pais a seus fi lhos, uma vez que compreendem um sistema de ideias e conceitos de caráter latente, responsáveis por orientar as pessoas a viver em sociedade (Gouveia, 2003). A família, espaço de socialização primária, exerce infl uência signifi cativa na formação do indivíduo, sendo que as práticas parentais de socialização interferem tanto positivamente quanto negativamente na construção dos valores dos adolescentes (Moraes, Camino C., Costa, Camino L. & Cruz, 2007). Assim, as interações no território familiar são compreendidas como um elo de conciliação entre as dimensões pessoais e coletivas, uma vez que os valores que permeiam as relações familiares podem ser elementos que constituem os membros dessa família (Féres-Carneiro, Henriques & Jablonski, 2011).

Tanto as práticas parentais, quanto o comportamento geral dos pais em relação a seus fi lhos são infl uenciados por um sistema de valores e crenças compartilhados pelos pais em relação ao desenvolvimento de seus fi lhos (Biasoli-Alves, 2000). Esse sistema de crenças corresponde a um conjunto de ideias implícitas em julgamentos, decisões e escolhas tomadas pelos pais, podendo constituir-se num quadro de referencia interno capaz de sustentar o comportamento cotidiano dos pais em relação a seus fi lhos.

Casas, Buixarrais, Figuer e González (2004) aprofundam a temática de qualidade de vida de jovens a partir dos fatores de autoestima, apoio social percebido, percepção

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de controle e valores, relacionando-os com a satisfação vital, e também analisam a concordância e discrepância entre percepções de fi lhos e pais. O objetivo foi comparar os valores aspirados dos adolescentes com os valores aspirados pelos pais acerca de seus fi lhos, assim como o bem-estar pessoal de ambos. Os resultados mostraram que a maior discrepância incidiu sobre os valores: “conhecimento sobre os computadores”, “dinheiro”, “poder” e “conhecimento do mundo”.

Em estudo realizado por Casas e Bello (2012) com uma amostra de 5.934 adolescentes espanhóis, de ambos os sexos, em sua maioria com 12 anos de idade, foram encontrados resultados que contrariam o estereótipo de que os adolescentes importam-se apenas com bens materiais. A amabilidade e a personalidade foram elencadas, tanto entre os meninos quanto entre as meninas, como as qualidades que mais aspiram ser apreciados no futuro; os valores poder e dinheiro obtiveram pontuações médias globais muito mais baixas. Ademais, os níveis mais elevados de bem-estar subjetivo foram observados entre aqueles que atribuíram mais importância a valores como simpatia, amabilidade, relações pessoais e solidariedade, e os menores entre os que dão mais importância aos valores materialistas como dinheiro, poder e imagem. A partir da literatura apresentada, este estudo tem como objetivo diferenciar adolescentes de seus pais quanto ao nível de bem-estar e valores por eles aspirados. A contribuição deste está em apresentar dados empíricos de uma amostra de adolescentes brasileiros, da região Sul do País, aprofundando o tema dos valores aspirados e do bem-estar como foco de desenvolvimento nessa etapa vital.

Método

ParticipantesEsta investigação consta de 1.086 participantes, sendo 543 adolescentes, e seus

respectivos pais. Cabe ressaltar que a amostra total de adolescentes que responderam ao questionário foi de 1.588. Entretanto, houve retorno de apenas 543 questionários de pais, e, portanto, a amostra fi nal utilizada é de 543 adolescentes e seus pais.

Destes, 25,6% eram da capital do Estado do Rio Grande do Sul, e os demais de três cidades do interior: Santa Cruz do Sul (32,4%), Rio Grande (17,9%), Santa Maria (24,1%). As escolas participantes foram sorteadas a partir da lista fornecida pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul e contatadas posteriormente. Foram sorteados alunos das turmas da sétima e oitava séries do ensino fundamental e primeiro e segundo ano do ensino médio.

Dos adolescentes, 31,7% são meninos e 68,3% meninas. A diferença de frequência do sexo se dá, pois o retorno dos termos de consentimento das meninas foi mais alto. Os participantes de escolas particulares compuseram 60% da amostra, enquanto os de escolas públicas corresponderam a 40%. As idades dos alunos variaram de 12 a 16 anos, com a média de 14,07 (DP = 1,30).

Com relação aos pais, 22,2% eram homens e 77,8% mulheres. As idades variaram de 27 a 70 anos, com média de 43,84 (DP = 6,56). Destes, 69,4% eram mães, 20,3% pais, 8,1% mães e pais juntos e 2,2% outros membros da família. A classe social mencionada

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pela maioria dos pais/responsáveis foi a classe média, com 91,5%, sendo que destes 78,7% trabalhavam e 21,3% não.

InstrumentosUtilizou-se um instrumento para avaliar o bem-estar pessoal dos adolescentes

e um para identifi car os valores aspirados pelos adolescentes e seus pais. Esses estão descritos a seguir.

Personal Well Being Index (PWI, Cummins, Eckersley, Pallant, Van Vugt, & Misajon, 2003) é composto de sete itens e avalia a média de satisfação com diferentes âmbitos da vida através de uma escala Likert original de sete pontos. Para este estudo, a escala foi traduzida e adaptada à realidade dos adolescentes brasileiros por meio de validação semântica e backtranslation (Casas et al., 2012). A escala é medida por 11 pontos que variam de zero (totalmente insatisfeito) a dez (totalmente satisfeito). Os participantes responderam sobre o quanto estão satisfeitos com a sua saúde, com o seu nível de vida, com as coisas que tem obtido na vida, com a sensação de segurança, com os grupos aos quais pertencem, com a segurança a respeito do futuro e com as relações com outras pessoas. Com essa amostra, a consistência interna (Alpha de Cronbach) do PWI foi de 0,78. Cummins (1998) apresenta alphas entre 0,70 e 0,80 em pesquisas realizadas com a população australiana.

A Escala de Valores Aspirados foi desenvolvida por Kasser e Ryan (Aspiration Index, 1996) para verifi car as aspirações pessoais, que são divididas em extrínsecas, como riqueza, fama e imagem; e intrínsecas, como relacionamentos signifi cativos, crescimento pessoal e contribuição na comunidade. A escala apresenta Alpha de Cronbach de 0,76 (Kasser & Ryan, 1996). Nessa amostra, o alpha foi de 0,88. Para este estudo, foi utilizada uma escala Likert de 11 pontos, com 21 itens, na qual o participante determina qual a intensidade em que ele gostaria de ser valorizado por cada item variando de zero (nada) até dez (muitíssimo), projetando para um momento futuro, no qual tivesse 21 anos de idade. A escala foi traduzida e adaptada para adolescentes brasileiros, seguindo as orientações de adaptação transcultural de Beaton, Bombardier, Guillemin e Ferraz (2000).

O método utilizado para verifi car os valores aspirados pelos adolescentes foi semelhante ao proposto por Casas et al. (2004) o qual consistiu na seguinte questão: “Imagine que você já tem 21 anos: naquele momento, com que intensidade você gostaria que as outras pessoas valorizassem alguns aspectos seus?”. O questionário dos pais continha os mesmos valores dos questionários dos adolescentes, com a seguinte questão: “Imagine que seu fi lho tenha 21 anos. Naquele momento, com que intensidade você gostaria que as outras pessoas apreciassem certas características do seu fi lho?”, também variando de 0 a 10.

Procedimentos de coleta de dados e aspectos éticosO projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia/UFRGS,

sob o protocolo nº 066/2008. Os procedimentos previstos obedeceram aos Critérios de Ética na Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

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As escolas sorteadas foram contatadas a fi m de obter autorização para a realização da coleta de dados entre seus alunos. Em seguida, a equipe de pesquisadores entregou os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para que os alunos levassem para casa e pedissem a autorização de seus pais ou responsáveis para a participação de ambos. Combinou-se com a direção da escola um horário para entrar nas turmas. A aplicação durou aproximadamente 45 minutos, sendo realizada pela equipe de pesquisadores apenas com os alunos que devolveram os Termos de Consentimento assinados por eles e por seus pais. Os alunos tiveram plena liberdade de se recusar a preencher o questionário. Durante a coleta de dados dos alunos, foram distribuídos os questionários para serem entregues aos pais, sendo combinado que deveriam ser devolvidos, no máximo, em uma semana à direção escola.

Procedimentos para análise de dadosFoi realizada Análise Discriminante (AD), tendo em vista verifi car quais variáveis

da escala de bem-estar e valores aspirados diferenciam os grupos de adolescente e seus pais. A AD busca diferenciar os determinados grupos investigados através de diversas variáveis, onde as diferenças são maximizadas. Portanto, essa análise foi utilizada, pois objetiva-se diferenciar os adolescentes de seus pais com relação aos valores aspirados e ao bem-estar de ambos.

Resultados

Primeiramente, são apresentadas as médias, desvios padrão e dados de comparação dos itens da escala de bem-estar dos adolescentes e de seus pais, bem como as diferenças entre os valores aspirados pelos fi lhos e os valores que seus pais aspiram para eles. Além destes dados, também são apresentadas as variáveis que, individualmente, tem capacidade para discriminar os grupos de pais e fi lhos através da signifi cância, utilizando-se o método Wilks. Os itens que mais contribuem para a variabilidade total são os que irão discriminar os grupos, se forem signifi cativos (Tabela 1).

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Tabela 1 – Dados dos descritivos do bem-estar e dos valores aspirados pelos adolescentes e seus pais.

AdolescentesMédia (dp)

PaisMédia (dp)

λ de Wilks F

Iten

s da

Esc

ala

de B

em-e

star

Satisfação com a saúde 8,52 (1,44) 7,61 (2,26) 0,948 F(1,941)=51,776**

Satisfação com o nível de vida 8,41 (1,54) 7,06 (2,24) 0,898 F(1,941)=106,52**

Satisfação com as coisas que tem conseguido na vida 8,11 (1,69) 7,71 (1,97) 0,992 F(1,941)=8,0580*

Satisfação com o quanto se sente seguro/a 7,58 (1,98) 6,64 (2,34) 0,966 F(1,941)=32,906**

Satisfação com os grupos dos quais faz parte 8,77 (1,65) 7,46 (1,96) 0,896 F(1,941)=109,61**

Satisfação com a segurança a respeito do futuro 7,83 (1,89) 6,41 (2,42) 0,916 F(1,941)=85,749**

Satisfação com as relações com as outras pessoas 8,44 (1,70) 7,72 (1,73) 0,958 F(1,941)=41,143**

Iten

s a E

scal

a de

Val

ores

Asp

irad

os Hum

anitá

rios e

Rel

açõe

s Int

erpe

ssoa

is

Valor dado a tua riqueza espiritual 8,02 (2,31) 9,13 (1,47) 0,914 F(1,941)=88,332**

Valor dado a tua humanidade 8,71 (1,57) 9,37 (1,04) 0,925 F(1,941)=76,429**

Valor dado a tua alegria de viver 9,19 (1,29) 9,44 (0,95) 0,987 F(1,941)=12,463**

Valor dado a tua família 8,99 (1,69) 9,2 (1,26) 0,993 F(1,941)=6,172*

Valor dado ao teu sentido de vida 8,69 (1,47) 9,05 (1,23) 0,975 F(1,941)=24,302**

Valor dado a tua solidariedade 8,75 (1,56) 9,19 (1,23) 0,969 F(1,941)=30,301**

Valor dado a tuas habilidades com as pessoas 8,85 (1,46) 9,04 (1,20) 0,992 F(1,941)=07,70**

Valor a tua amabilidade 8,76 (1,71) 9,20 (1,17) 0,977 F(1,941)=21,885**

Pers

onal

idad

e

Valor dado ao teu senso de humor 8,85 (1,72) 8,56 (1,73) 0,995 F(1,941)=4,789*

Valor dado a tua tolerância 7,80 (2,07) 8,51 (1,78) 0,965 F(1,941)=33,666**

Valor dado ao teu otimismo 8,76 (1,44) 9,06 (1,31) 0,985 F(1,941)=14,611**

Valor dado a tua simpatia 9,06 (1,27) 9,05 (1,41) 1,000 F(1,941)=0,027

Valor dado a tua personalidade 9,30 (1,19) 9,38 (1,07) 0,997 F(1,941)=2,385

Hab

ilida

des e

C

onhe

cim

ento

s

Valor dado a tua inteligência 8,74 (1,41) 8,88 (1,21) 0,997 F(1,941)=3,049

Valor dado a tuas habilidades técnicas (práticas) 8,63 (1,51) 8,63 (1,45) 1,000 F(1,941)=0,399

Valor dado a tua competência profissional 9,31 (1,18) 9,26 (1,16) 1,000 F(1,941)=0,119

Valor dado a tua força de vontade 9,18 (1,42) 9,19 (1,29) 0,999 F(1,941)=0,661

Valor dado a tua coerência 8,1 (1,97) 8,73 (1,60) 0,968 F(1,941)=31,339**

Mat

eria

is Valor dado ao teu dinheiro 5,95 (3,37) 6,14 (3,12) 0,999 F(1,941)=1,090

Valor dado a teu poder 6,18 (3,26) 6,21 (2,29) 1,000 F(1,941)=0,020

Valor dado a tua imagem 8,26 (2,27) 8,22 (2,10) 1,000 F(1,941)=0,150

* p < 0,05; ** p < 0,001

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Com relação ao bem-estar pessoal, cabe destacar que os itens “satisfação com o quanto se sente seguro” e a “satisfação com a segurança a respeito do futuro” foram aqueles com pior avaliação por parte de pais e fi lhos. Em termos gerais, observou-se uma diferença nos níveis de satisfação sobre o bem-estar pessoal, signifi cativa a favor dos fi lhos.

No que tange aos itens da escala de valores, percebe-se o equilíbrio entre as médias dos valores aspirados pelos fi lhos adolescentes com os valores que os pais aspiram para seus fi lhos para a competência profi ssional (Madolesc = 9,31/ Mpais = 9,26), personalidade (Madolesc = 9,30 / Mpais = 9,38), força de vontade (Madolesc = 9,18/ Mpais = 9,19) e simpatia (Madolesc = 9,06 / Mpais = 9,05).

As diferenças entre as médias dos valores apresentadas entre pais e fi lhos, assinalam diferenças para riqueza espiritual (Madolesc = 8,02 / Mpais = 9,13), tolerância (Madolesc = 7,80 / Mpais = 8,51), humanidade (Madolesc = 8,71 / Mpais = 9,37), coerência (Madolesc = 8,10 / Mpais = 8,73), amabilidade (Madolesc = 8,76 / Mpais = 9,20), solidariedade (Madolesc = 8,75 / Mpais = 9,19), sentido de vida (Madolesc = 8,69 / Mpais = 9,05), otimismo (Madolesc = 8,76 / Mpais = 9,06), senso de humor (Madolesc = 8,85 / Mpais = 8,56), alegria de viver (Madolesc = 9,19 / Mpais = 9,44), família (Madolesc = 8,99 / Mpais = 9,20) e habilidades com as pessoas (Madolesc = 8,85 / Mpais = 9,04).

Os valores inteligência, personalidade, competência profi ssional, imagem, força de vontade, simpatia e habilidades técnicas não apresentaram diferenças signifi cativas (p > 0,05), constituindo, portanto, variáveis que não diferenciam bem as aspirações entre os dois grupos, sendo dinheiro e poder os valores que apresentam a média mais baixa em ambos os grupos.

Observa-se, fi nalmente que os pais conferem maior importância aos valores do que ao bem-estar pessoal, sendo que dentre os valores são os de cunho existencial ou humanístico e alguns de personalidade (tolerância, otimismo e senso de humor). Já as dimensões materiais e de habilidades e conhecimentos não apresentam diferenças entre valores aspirados de pais e fi lhos.

Para verifi car em que medida essas diferenças evidenciam um perfi l discriminante das variáveis, realizou-se uma análise discriminante, considerando como variáveis independentes os itens das escalas de bem-estar pessoal e valores, e como variável dependente os dois grupos – pais e fi lhos.

Percebe-se que a função obtida na análise entre pais e fi lhos, por ser única, explica 100% da variabilidade entre os dois grupos. A função discriminante é signifi cativa (χ2(28) = 415,85, p < 0,001) e apresenta uma correlação canônica discriminante de 0,601.

Pode-se observar um λ de Wilks de 0,639, equivalente a uma variância explicada pela função discriminante de 36,1%. Com relação à classifi cação, a função obtida classifi ca corretamente 78% dos participantes em seus respectivos grupos, sendo um índice aceitável de classifi cação preditiva através do perfi l da função obtida (Tabela 2).

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Tabela 2 – Classificação dos grupos: perfil discriminante preditor de ser pai ou filho.

Preditor Pai Preditor Filho Total

Original Pai 356 (77,1%) 106 (22,9%) 462

Original Filho 101 (21,0%) 380 (79,0%) 481

78,0% dos casos originais agrupados foram corretamente classificados

As variáveis signifi cativas e mais relevantes na capacidade discriminativa entre os pais e fi lhos estão ordenadas por tamanho absoluto de correlação na matriz estrutural, tendo como ponto de corte 0,20 (Tabela 3).

Tabela 3 – Matriz estrutural da função canônica discriminante: Correlações entre variáveis discriminantes e função discriminante estandardizada.

Função 1

Satisfação com os grupos dos quais faz parte 0,454

Satisfação com o nível de vida 0,447

Valor dado a tua riqueza espiritual -0,407

Satisfação com a segurança a respeito do futuro 0,401

Valor dado a tua humanidade -0,379

Satisfação com a saúde 0,312

Satisfação com as relações com as outras pessoas 0,278

Valor dado a tua tolerância -0,251

Satisfação com o quanto se sente seguro/a 0,249

Valor dado a tua coerência -0,243

Valor dado a tua solidariedade -0,238

Valor dado ao teu sentido de vida -0,214

Valor a tua amabilidade -0,203

O grupo dos pais apresentou valor de centroide de -0,767, enquanto o grupo dos fi lhos apresentou o valor de 0,737. Estes valores indicam que os grupos estão bem afastados pelo perfi l obtido, podendo ser discriminados pelas variáveis apresentadas, sendo que o sinal das correlações obtidas indica a direção favorável a um grupo ou outro.

Pode-se observar que os valores que mais discriminam pais de fi lhos, a favor destes últimos, estão associados ao bem-estar pessoal (grupos, nível de vida, segurança com o futuro, saúde, outras pessoas e sentir-se seguro). Já os itens que mais discriminam a favor dos pais são os valores aspirados (riqueza espiritual, humanidade, tolerância, coerência, solidariedade, sentido de vida e amabilidade) (Tabela 3).

As variáveis que expressam valores de nível mais abstrato são as que apresentam a maior distância entre pais e fi lhos. São elas: riqueza espiritual (-0,407), humanidade (-0,379), tolerância (-0,251), coerência (-0,243), solidariedade (-0,238), sentido vital (-0,379) e amabilidade (-0,203).

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Discussão

Os âmbitos que melhor diferenciam os adolescentes de seus pais, em termos de bem-estar pessoal são o relacionamento, o nível de vida, a segurança e a saúde. Esses resultados estão em consonância com o que outros autores descrevem como uma tendência na diminuição da avaliação sobre o bem-estar à medida que a idade dos participantes aumenta. Casas et al (2012) apontaram uma signifi cativa e constante diminuição do item único de satisfação global com a vida entre os 12 e os 15 anos de idade. Outra pesquisa apresenta uma avaliação decrescente da satisfação global com a vida na mesma faixa etária, bem como a satisfação com outros âmbitos da vida (Baltatescu & Cummins, 2006).

Com relação ao bem-estar de pais e fi lhos, correlações signifi cativas foram encontradas, apesar de baixas (Casas et al.,2008). Os autores defendem que os resultados mostram relações pouco claras e muito abaixo do esperado entre o bem-estar subjetivo de pais e seus fi lhos, indicando a necessidade de desenvolver outras formas para verifi car estas relações. Da mesma forma, os adolescentes da presente investigação apresentaram médias de bem-estar pessoal mais altas que a de seus pais.

Tais resultados podem demonstrar a maturidade que os pais apresentam em relação aos fi lhos, em virtude de seu próprio período de desenvolvimento dentro do ciclo vital. Leonardo (2001) afi rma que, durante a adolescência, o contato com diversas realidades tais como família, amigos, escola e outras instituições, constitui-se como fundamental para a formação de juízos de valor adultos. Assim, na adolescência, há uma desvalorização dos valores antigos e uma busca por novos valores.

Para Moraes et al. (2007), as crianças e os jovens começam a reconhecer seus interesses a partir da participação em diferentes grupos, contribuindo para a constituição de sua identidade social. Esse fato repercute na divergência de valores e normas aspirados pelos pais em relação a seus fi lhos. Tal divergência pode relacionar-se com o fato de a adolescência ser caracterizada por uma série de questionamentos dos valores e crenças com relação ao contexto familiar (Stengel, 2011), em especial no que diz respeito a valores que não são enfatizados pela sociedade capitalista. Bobowik et al. (2011) corroboram esse resultado quando afi rmam que o valor “poder” dos pais é um dos preditores dos valores dos fi lhos. Os resultados encontrados por Casas et al. (2004) indicaram que os adolescentes espanhóis tiveram uma alta discrepância em comparação aos valores aspirados por seus pais nos itens: “conhecimento sobre computadores”, “dinheiro”, “poder” e “conhecimento do mundo”. Diferentemente, na presente amostra, os itens “dinheiro” e “poder” não apresentaram discrepâncias entre pais e fi lhos, sendo os itens valorados com menores médias, o que pode representar diferenças culturais entre os adolescentes brasileiros e espanhóis.

Entretanto, em estudo mais recente, “personalidade” e “amabilidade” foram os aspectos mais valorizados na Espanha por meninos e meninas de 12 anos (M = 9,36) além de serem os valores pelos quais gostariam de ser apreciados com 21 anos. No outro extremo, se encontram os valores poder e dinheiro, com médias globais muito baixas (M = 6,15 e M = 6,52). Ademais, os adolescentes que demonstram, signifi cativamente, maior bem-estar subjetivo foram aqueles que destacaram aspirar valores mais relacionais (Casas & Bello, 2012).

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A família é um espaço de socialização (Moraes et al., 2007; Féres-Carneiro, Henriques & Jablonski, 2011), e os valores, como guia de padrões de ações (Rokeach, 1981), contribuem como elementos que auxiliam no conhecimento das relações pais e fi lhos, sendo ordenados por sua importância (Schwartz, 1994). Ao analisar os valores aspirados por pais e fi lhos (Tabela 1), encontra-se que as menores médias foram atribuídas aos valores poder e dinheiro para ambos.

As médias baixas atribuídas a esses dois valores materiais podem relacionar-se por parte dos pais com a visão de dependência fi nanceira que os seus fi lhos ainda terão com a idade de 21 anos e por parte dos fi lhos por se encontrarem, no momento atual da sua vida, dependendo fi nanceiramente de seus pais. Segundo Stengel (2011) em famílias hierarquizadas, pode-se inferir que as relações estão pautadas na dependência fi nanceira dos fi lhos em relação aos pais, o que possibilita uma forma de controle. A autoridade e o poder dos pais estão relacionados com as formas de negociação que fazem com seus fi lhos a partir da questão fi nanceira. Desse modo, na medida em que os pais mantêm uma relação de dependência fi nanceira até os 21 anos de idade, mantém-se a continuidade de sua autoridade. Para Camino C., Camino L. e Moraes (2003) o controle parental também está presente nas relações pais e fi lhos.

A baixa importância dos valores “dinheiro” e “poder” pode estar relacionada aos projetos de vida que os pais fazem para os seus fi lhos, e que os próprios fi lhos podem ter no que diz respeito à formação continuada, oportunidade que muitos pais não tiveram quando eram jovens. Stengel e Tozo (2010) ressaltam que os pais transmitem ambição a seus fi lhos para que tenham uma vida com status diferente da que possuem. Nesse caso, ocorre um adiamento da autonomia fi nanceira dos fi lhos devido a difi culdades em conciliar a carga horária de trabalho com a educacional (Biasoli-Alves, 2000, Porto & Tamayo, 2006).

A priorização dos valores humanistas por parte dos pais pode ser atribuída as suas diferentes experiências e vivências características do mundo adulto. Lança (2005) salienta que a diversidade de estilos de vida propicia aos indivíduos a adesão a um conjunto de valores que estariam de acordo com determinadas circunstancias da sua vida, dos grupos aos quais pertencem, da conjuntura politica, situação sócio profi ssional, etc. Assim, compreende-se que os valores não possuem caráter estático, mas sim, dinâmico, podendo ser alterados com o passar do tempo.

Finalmente, cabe destacar que a amostra de adolescentes e de pais de nosso estudo apresenta mais mulheres do que homens. Não sabemos até que ponto tal aspecto introduz um viés nos resultados, já que as diferenças de gênero acerca do bem-estar subjetivo infantil têm provocado intenso debate na literatura cientifi ca a partir de resultados contraditórios apresentados por diferentes estudos, questão esta que deve ser tratada com maior profundidade no futuro.

Considerações fi nais

Evidenciaram-se diferenças signifi cativas do bem-estar de pais e fi lhos. A importância que os pais atribuem aos valores humanitários sobrepõe-se a importância atribuída pelos fi lhos, sinalizando mudanças entre gerações devido ao fato de a

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adolescência ser um período de transição no qual há infl uência das transformações culturais. Por outro lado, os valores relacionados às capacidades profi ssionais foram valorizados tanto pelos pais como pelos adolescentes.

Os valores “dinheiro” e “poder” também não apresentaram diferenças signifi cativas entre pais e fi lhos. Logo, percebe-se que o controle parental nas relações entre pais e fi lhos pode permanecer presente ao longo da vida, envolvendo a dependência fi nanceira, que pode repercutir nas relações de poder e na continuidade da educação formal dos jovens.

Quanto às limitações, sinaliza-se o fato de utilizar um instrumento que mede os valores desejados para o futuro pelos adolescentes e valores que os pais almejam para seus fi lhos, constituindo-se em uma medida de previsão. Além disso, destaca-se a difi culdade de coletar dados dos pais, tendo em vista a baixa taxa de retorno dos questionários.

Em termos de sugestões para investigações futuras, entende-se que a adoção de delineamento longitudinal poderá auxiliar na compreensão aprofundada das relações entre os valores aspirados por adolescentes e seus pais. Dessa forma, será possível comparar os dados dos adolescentes quando atingirem 21 anos. Por outro lado, seria desejável complementar este mesmo tema a partir de um enfoque mais qualitativo, por exemplo, com a utilização de grupos focais com adolescentes e progenitores, de modo a aprofundar a compreensão dos resultados.

Conhecer os níveis de bem-estar dos adolescentes em distintos âmbitos da vida bem como os valores por eles aspirados é fundamental para a formulação de políticas e programas dirigidos a essa população, de modo a melhor adequá-los a suas necessidades específi cas – e não somente as necessidades que os adultos pensam que eles têm. É subsidio importante também para professores, educadores de tempo livre, psicólogos e políticos no que tange as recomendações da Convenção sobre os Direitos da Criança pela promoção do bem-estar, protagonismo e participação social da juventude. A investigação deve, portanto, seguir contribuindo a esse cenário.

Referências

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Recebido em julho de 2012 Aceito em outubro de 2012

Jorge Castellá Sarriera – Psicólogo, Doutor em Psicología Social pela Universidad Autónoma de Madrid (Espanha). Professor do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Verônica Morais Ximenes – Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidad de Barcelona (Espanha) e Professora da Universidade Federal do Ceará, Brasil.Lívia Bedin – Psicóloga, Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Anelise Lopes Rodrigues – Psicóloga, Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Fabiane Friedrich Schütz – Psicóloga, Mestranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Carme Montserrat – Dra., Professora do Institut de Recerca sobre Qualitat de Vida, Universitat de Girona, Espanha.Caroline Lima Silva – Psicóloga, Mestranda em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Endereço para contato: [email protected]

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Crenças básicas e bem-estar pessoal em adolescentes brasileiros

Jorge Castellá SarrieraEveline Favero

Ângela Carina ParadisoTiago Zanatta Calza

Resumo: As crenças fazem parte de um sistema conceitual que se forma na infância e é refinado e estabelecido ao longo da vida. O presente estudo investiga associações entre crenças básicas e bem-estar pessoal em 1.588 adolescentes brasileiros, meninos e meninas com idade entre 12-16 anos (M= 14,13; DP=1,26). Utilizou-se um questionário contendo 16 itens da World Assumption Scale (WAS) como medida de crenças e o Personal Well-Being Index (PWI-7) para avaliar bem-estar. A WAS apresentou alfa de Cronbach de 0,72 e, o PWI-7 de 0,81. As crenças explicam 30% do bem-estar, considerando os itens que versam sobre autovalor, sorte pessoal, autocontrole, bondade das pessoas, justiça e acaso dos acontecimentos. Verifica-se a necessidade de reavaliar os itens da WAS e discute-se a importância de promover ambientes saudáveis e práticas educativas que promovam o desenvolvimento de crenças positivas e fortaleçam o bem-estar adolescente.Palavras-chave: Crenças Básicas, Adolescentes, Bem-Estar Pessoal.

World assumptions and personal well-being in Brazilian adolescentsAbstract: The world assumptions are part of a conceptual system developed during childhood which is refined and established throughout life. The present study investigates associations between world assumptions and personal well-being within 1.588 Brazilian adolescents, boys and girls, with ages between 12-16 years (M=14,13; DP=1,26). It was applied a questionnaire containing 16 items from World Assumptions Scale (WAS) as measure of beliefs and the Personal Well-Being Index (PWI-7) to evaluate well-being. The WAS had a Cronbach’s alpha of 0,72 and the PWI-7, 0,81. The beliefs explain 30% of well-being, considering eigenvalue, self-control, kindness, justice and randomness items. It’s noticeable the necessity to reevaluate the WAS items as well as the importance of promoting healthy environments and educational practices that stimulate the development of positive beliefs and strengthen the adolescent’s well-being. Keywords: World Assumptions; Adolescents; Personal Well-being

Creencias básicas y bienestar personal en adolescentes brasileñosResumen: El estudio investiga las relaciones entre creencias básica y bienestar personal en 1588 adolescentes brasileños de ambos sexos, con edades entre 12-16 años (M=14,13, SD=1,26). Se utilizó como instrumento un cuestionario que contiene la World Assumption Scale (WAS), para medir las creencias (versión con 16 ítems) y el Personal Well-Being Index (PWI-7), para evaluar el bienestar. Un análisis de regresión lineal múltiple mostró que el 30% de bienestar de los adolescentes se explica a través de las creencias básicas. Las creencias que predicen el bienestar están relacionadas al autovalor, a la suerte personal, al autocontrol, a la benevolencia de las personas, a la justicia y a la creencia de que las cosas no suceden por casualidad. Por lo tanto, se discute la importancia de la promoción de ambientes saludables que favorezcan el desarrollo de las creencias positivas en la adolescencia, especialmente aquellas relativas al valor y estima personal. Palabras clave: Creencias básicas; Adolescentes; Bienestar personal

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Introdução

As crenças básicas têm recebido grande atenção na área de psicologia do trauma (Kaler et al., 2008) e, especialmente, em estudos com populações adultas (Arnoso et al., 2011; Elklit, Shevlin, Solomon, & Dekel, 2007; Harris & Valentiner, 2002; Jeavons & Godber, 2005; Magwaza, 1999; Mikkelsen & Einarsen, 2002). No entanto, são poucos os estudos sobre este construto na população em geral e ainda mais raros quando o objetivo é relacioná-lo com bem-estar na adolescência (Bègue & Muller, 2006; Calhoun & Cann, 1994; Franklin, Janoff-Bulman, & Roberts, 1990).

O conceito de crenças básicas deriva da teoria dos pressupostos fundamentais (Assumptive World Theory), que postula haver um sistema conceitual desenvolvido ao longo do tempo, o qual nos fornece expectativas sobre o mundo e sobre nós mesmos (Janoff-Bulman, 1992). Esse sistema é representado por pressupostos gerais que refl etem e guiam nossas interações no mundo, sendo as crenças básicas um parâmetro que orienta diariamente nossos pensamentos e comportamentos, conforme explica Jannoff-Bulman. A autora afi rma que a estrutura mental que sustenta o sistema de crenças seria formada na infância por meio das experiências precoces, refi nada e estabelecida ao longo da vida.

O sistema de pressupostos fundamentais tende a ser positivo e, consequentemente, gera emoções também positivas, tendo implicações sobre a nossa motivação na medida em que favorece o envolvimento em comportamentos proativos (Janoff-Bulman, 1992). A teoria propõe três dimensões para as crenças básicas. A primeira delas, denominada Benevolência do Mundo, estaria relacionada às crenças na bondade do mundo e das pessoas, as quais seriam basicamente boas e agradáveis. A segunda, Signifi cação do Mundo, abarca as crenças a respeito da distribuição dos acontecimentos bons e ruins. Três aspectos guiariam a nossa compreensão sobre esses acontecimentos: justiça (recebemos aquilo que merecemos), controlabilidade (os acontecimentos são determinados pelos nossos comportamentos) e aleatoriedade (os acontecimentos negativos são uma questão de puro acaso). A terceira dimensão é denominada Autovalor e também inclui três aspectos centrais: autovalor (a percepção das pessoas de que são boas e decentes), autocontrole (as pessoas se autoavaliam como precavidas e capazes de controlar as consequências dos seus comportamentos) e sorte (percepção das pessoas de que são afortunadas, têm sorte) (Janoff-Bulmann, 1992).

Diversos pesquisadores consideram que eventos negativos possam ter impacto sobre as crenças causando mudanças signifi cativas neste sistema conceitual (Attin, 2002; Elklit et al. 2007; Janoff-Bulman, 1992; Magwaza, 1999; Parkes, 1991). No entanto, pesquisas realizadas com vítimas de eventos considerados traumáticos quando comparadas com não vítimas nem sempre sustentam estes resultados (Kaler et al., 2008). Por exemplo, se por um lado Mcgeorge (1995) encontrou crenças similares quando comparou esses dois grupos, por outro lado Owens e Chard (2001) apontam que vítimas e não vítimas diferem signifi cativamente em suas crenças no que diz respeito às dimensões autovalor e benevolência do mundo. Sobre este aspecto, Kaler et al. (2008) justifi cam que diferentes estudos podem ter falhado em apontar diferenças entre esses dois grupos pelas seguintes razões: problemas com a teoria

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dos pressupostos fundamentais, teste inapropriado da teoria ou problemas com o instrumento utilizado, a World Assumptions Scale (WAS).

Quanto aos estudos que relacionam crenças e bem-estar a tendência é que eles também utilizem grupos comparativos tendo como referência a ausência de um fator de estresse como, por exemplo, o divórcio dos pais (Franklin et al., 1990) ou o diagnóstico de câncer de mama (Tomich & Helgeson, 2002). Em nenhum deles são encontrados resultados que sustentam mudanças signifi cativas nas crenças dos grupos com algum fator de estresse, sendo que Franklin et al. (1990) não encontraram diferenças entre as crenças do grupo de fi lhos de pais divorciados em relação ao grupo de fi lhos de pais não divorciados. Do mesmo modo, Tomich e Helgeson (2002) verifi caram que as crenças sobre controle pessoal parecem ser fundamentais para a qualidade de vida tanto de mulheres com diagnóstico de câncer de mama quanto de mulheres sem este diagnóstico.

Feist, Bodner, Jacobs, Miles e Tan (1995) compararam, a partir de pesquisa longitudinal, dois modelos estruturais de bem-estar subjetivo (Top-Down e Bottom-Up) a fi m de verifi car em qual deles os dados das variáveis saúde física, crenças básicas, aborrecimentos diários e pensamento construtivo melhor se ajustavam. No modelo Top-Down estas variáveis funcionariam como causa do bem-estar enquanto que no modelo Bottom-up elas seriam consequência deste último. O bem-estar foi medido pelas escalas Purpose in Life, Environmental Mastery e Self-Acceptance. No que diz respeito às crenças básicas, apenas as dimensões benevolência do mundo e autovalor entraram no modelo. Os resultados mostraram que ambos os modelos possuem boa adequação aos dados e os autores sugerem um modelo bidirecional de causalidade para o Bem-estar.

Os resultados encontrados por Feist et al. (1995) tem sido corroborados por estudos mais recentes, como o de Smedema, Catalano e Ebener (2010), o qual mostrou que sentimentos de autovalor estão positivamente associados com bem-estar subjetivo. Kaler et al. (2008), num estudo com adultos jovens (18-21 anos) também encontraram correlações signifi cativas entre as subescalas de benevolência do mundo e autovalor (medidas pela WAS) e o bem-estar subjetivo (medido por afeto positivo, otimismo, satisfação com a vida e autoestima).

Dentre os estudos que investigaram as crenças básicas com amostra de adolescentes e adultos jovens, Calhoun e Cann (1994) avaliaram as crenças que estudantes de graduação norte-americanos têm a respeito de seu mundo pessoal e do mundo em geral. Os autores verifi caram se esses pressupostos diferem entre estudantes de graduação oriundos de um grupo majoritário (European Americans) em relação a um grupo minoritário (African Americans, Asian Americans e Hispanic Americans). Comparado ao grupo minoritário, os resultados revelaram que os participantes do grupo majoritário acreditam mais na sorte pessoal e na benevolência do mundo e das pessoas e percebem o seu mundo como mais justo do que o mundo em geral. No entanto, o grupo minoritário tem uma alta percepção de valor pessoal em relação ao grupo majoritário.

Em outro estudo Bègue e Muller (2006) investigaram os efeitos protetivos da crença de que o mundo pessoal é justo e da crença de que o mundo é justo para as

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outras pessoas em relação à tendência de atribuição de hostilidade. Eles utilizaram uma amostra de 379 adolescentes com idades entre 10 e 16 anos e verifi caram que a crença de que o mundo pessoal é justo funciona como protetora frente às experiências negativas e estressantes. Os autores apontam que esta crença contribui para a minimização da percepção de injustiça e está associada com confi ança interpessoal.

No que se refere à relação entre crenças básicas e gênero não são muitos os estudos que abordam esta questão. Franklin et al., (1990), por exemplo, verifi caram que estudantes universitárias mostraram-se mais prováveis do que seus colegas do sexo masculino a acreditar no acaso, enquanto os homens acreditavam mais no controle e na justiça do que as mulheres. Por outro lado, o estudo de Calhoun e Cann (1994) não revelou diferenças signifi cativas nas crenças básicas quando comparou homens e mulheres.

Diante destas considerações este artigo tem por objetivo verifi car se as crenças básicas estão associadas com o bem-estar dos adolescentes e se existem diferenças quando comparados meninos e meninas. Através da realização deste estudo espera-se contribuir com conhecimentos sobre o papel das crenças básicas na percepção do bem-estar pessoal de adolescentes da população geral, considerando que a maioria dos estudos sobre crenças têm sido realizados com população adulta. O estudo adquire relevância na compreensão de como as crenças podem infl uenciar as atitudes dos adolescentes diante dos acontecimentos diários, bem como a percepção desses sobre a sua satisfação com diferentes domínios da vida, tais como: saúde, nível de vida, as coisas conquistadas na vida, segurança, a satisfação com os grupos de pessoas dos quais fazem parte, expectativa de futuro e relações interpessoais.

Método

Participantes Participaram desse estudo 1.588 estudantes (548 meninos e 1.040 meninas)

provenientes de cinco cidades do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, sendo elas a capital do Estado, Porto Alegre, e outras quatro cidades do interior similares entre elas em tamanho (Santa Maria, Passo Fundo, Rio Grande e Santa Cruz do Sul). A idade dos participantes variou entre 12 e 16 anos (M= 14,13; DP= 1,26). A seleção dos participantes foi feita através de amostragem estratifi cada. Partindo de uma lista obtida através da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul foram escolhidas aleatoriamente, através de sorteio, 16 escolas das cidades do interior e 16 da capital, sendo metade de ensino público e a outra metade de ensino privado. A Tabela 1 descreve as características da amostra em termos de sexo, ano escolar e tipo de escola.

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Tabela 1 – Sexo, ano escolar e tipo de escola dos participantes.

Variáveis (n= 1588)

Gênero Masculino 548 (34,5) Feminino 1040 (65,5)

Ano Escolar Sétima sériea (12-13 anos) 441 (27,8) Oitava sériea (13-14 anos) 445 (28,0)

Primeiro anob (14-15 anos) 395 (24,9)

Segundo anob (15-16 anos) 307 (19,3)

Tipo de Escola

Pública 868 (54,7)

Privada 720 (45,3)

Nota. Entre parênteses percentual relativo ao número total de participantes ª Ensino Fundamentalb Ensino Médio

InstrumentosWorld Assumptions Scale (WAS). A WAS foi elaborada por Ronnie Janoff-

Bulman e originalmente consiste de 32 itens medidos por escala Likert de seis pontos (de 1=discordo plenamente até 6=concordo plenamente). Janoff-Bulman (1992) propôs avaliar as crenças básicas através de oito dimensões primárias – cada uma delas composta por quatro itens – as quais podem ser agrupadas em três dimensões secundárias. Sendo assim, as crenças na benevolência do mundo e na benevolência das pessoas compõem a dimensão Benevolência do Mundo; as crenças na justiça, controle e acaso dos acontecimentos formam a dimensão Signifi cação do Mundo; as crenças no autovalor, autocontrole e sorte compõem a dimensão Autovalor (Eklit et al., 2007; Kaler et al., 2008). Janoff-Bulman originalmente encontrou coefi ciente de consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,74 para a dimensão Benevolência do Mundo, 0,82 para a dimensão Signifi cação do Mundo e 0,77 para a dimensão Autovalor. Embora, a WAS tenha sido elaborada para avaliar as crenças em situações traumáticas, o objetivo do instrumento não é o de avaliar o trauma em si, de modo que se optou por usar esta escala numa amostra de adolescentes da população em geral.

No presente estudo foram utilizados 16 dos 32 itens da escala original, sendo selecionados dois itens de cada dimensão primária, tendo como referência para seleção das variáveis o estudo de Eklit et al. (2007) e Kaler et al. (2008). A opção por utilizar metade dos itens da WAS deve-se ao fato de que este instrumento foi incluído em um questionário composto por outras escalas, investigando variados aspectos relacionados ao bem-estar na adolescência. O questionário foi padronizado para uso em diferentes países e a opção por escalas reduzidas mostrou-se vantajosa, quando considerada a viabilidade do estudo.

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Os itens selecionados da dimensão Benevolência do Mundo foram: “Se observar o mundo atentamente, verá que está cheio de bondade” e “No mundo acontecem muito mais coisas boas que ruins” (relativos à crença na benevolência do mundo); “As pessoas são basicamente boas e agradáveis” e “As pessoas não se preocupam com o que acontece aos demais” (relativos à crença na benevolência das pessoas). Os itens selecionados da dimensão Signifi cação do Mundo foram: “A desgraça é menos provável entre as pessoas honradas” e “Geralmente as pessoas obtêm aquilo que merecem” (relativos à crença de justiça); “Através de nossas ações pode-se prevenir as coisas ruins que podem acontecer” e “As desgraças das pessoas são causadas pelos seus próprios erros” (relativos à crença de percepção de controle dos acontecimentos); “A vida está cheia de incertezas distribuídas ao acaso” e “Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas” (relativos à crença na aleatoriedade dos acontecimentos). Os itens selecionados da dimensão Autovalor foram: “Estou satisfeito/a com a boa pessoa que sou” e “Tenho uma baixa opinião de mim mesmo” (relativos à crença no autovalor); “Geralmente procuro obter o melhor para mim” e “Quase sempre realizo um esforço para prevenir as coisas ruins que podem me acontecer” (relativos à crença de autocontrole); “Tenho mais sorte do que o resto das pessoas” e “No fundo sou uma pessoa com sorte, afortunada” (relativos à crença na sorte pessoal).

Os participantes foram orientados a assinalar a opção que mais se aproximasse de sua opinião geral sobre a sentença correspondente ao item, tendo sido usada uma escala de 11 pontos (de 0=nunca até 10 = sempre). A utilização de uma escala de medida de 11 pontos fundamenta-se na ideia de que aspectos relacionados ao bem-estar podem ser mais bem avaliados por escalas com mais opções de pontos (Cummins & Gullone, 2000). Além disso, essa escala de pontuação é a mesma utilizada no sistema de avaliação escolar brasileiro, e por isso não parece oferecer difi culdades de resposta aos participantes.

Personal Well-being Index (PWI). O PWI (Cummins, Eckersley, Pallant, Van Vugt, & Misajon, 2003) avalia a satisfação das pessoas com aspectos gerais da sua vida e é apontado pelos seus autores como um instrumento potencialmente válido, confi ável e sensível para monitorar o bem-estar. O PWI consta de sete itens que avaliam através de uma escala Likert de sete pontos a satisfação com os seguintes domínios da vida: saúde, o nível de vida, as coisas que se tem conquistado na vida, segurança, grupos de pessoas dos quais se faz parte, segurança em relação ao futuro e relações com as outras pessoas. Neste estudo os participantes foram orientados a informar até que ponto sentiam-se satisfeitos com esses aspectos através de uma escala de 11 pontos etiquetada apenas nos extremos (de 0=totalmente insatisfeito até 10= totalmente satisfeito). O PWI apresenta coefi cientes de consistência interna entre entre 0,70 e 0,80 em pesquisas realizadas com a população australiana (Cummins, 1998).

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Procedimentos de coleta de dados e aspectos éticosO estudo atendeu aos procedimentos éticos conforme resolução 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde para pesquisa com seres humanos (Conselho Nacional de Saúde, 1996). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob o número 066/2008. Pesquisadores treinados explicaram aos alunos os objetivos da investigação e entregaram aos interessados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que seus pais/responsáveis tomassem conhecimento do estudo e autorizassem a sua participação. Somente responderam ao questionário aqueles alunos que aceitaram participar livremente e que trouxeram o TCLE assinado pelos seus pais e/ou responsáveis. Os instrumentos foram aplicados em sala de aula ou em espaço designado pela escola, no mesmo turno de estudo dos participantes.

Procedimentos de análise de dadosInicialmente foi realizada análise de componentes principais dos 16 itens retirados

da WAS. Após, foi realizada análise de regressão linear múltipla, método Stepwise, a fi m de verifi car as relações de predição das crenças básicas sobre o bem-estar pessoal.

Resultados

Os dados foram analisados utilizando-se o software Statistical Package for Social Sciences (v.17). Primeiramente, a análise de confi abilidade (Reliability Analysis) calculada para os 16 itens da WAS encontrou Alfa de Cronbach de 0,69 para a amostra de adolescentes. Procedeu-se então a análise de componentes principais, método Varimax, com os 16 itens da escala, com o objetivo de verifi car se, para esta amostra, os itens se agrupariam em fatores correspondentes às três dimensões secundárias propostas por Janoff-Bulman (1992) (Benevolência do Mundo, Signifi cação do Mundo e Autovalor). Numa primeira inspeção da matriz de componentes, verifi cou-se que o item “Tenho uma baixa opinião sobre mim mesmo” não contribuiu para nenhum dos fatores, sendo por isso excluído da análise. A análise de confi abilidade (Reliability Analysis) foi novamente calculada para os 15 itens da escala tendo sido encontrado Alfa de Cronbach de 0,72.

Uma nova análise de componentes principais com os 15 itens restantes da WAS foi conduzida, buscando-se novamente a solução para três fatores. A matriz de dados mostrou-se adequada para proceder à análise fatorial, conforme aponta o índice de Kaiser-Meyer-Olkin (0,773) e o teste de esfericidade de Bartlett (χ²=3442,784; p<0,001). A variância explicada acumulada foi de 42,33%. A distribuição dos itens por fator e seu respectivo coefi ciente de consistência interna são apresentados na Tabela 2.

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Tabela 2 – Cargas fatoriais para análise fatorial exploratória com rotação Varimax da World Assumptions Scale (WAS) – versão com 15 itens.

Composição dos Fatores 1 2 3

Se observar o mundo atentamente, verá que está cheio de bondade 0,76

As pessoas são basicamente boas e agradáveis 0,68

No mundo acontecem muito mais coisas boas que ruins 0,66

No fundo sou uma pessoa com sorte, afortunada 0,62

Tenho mais sorte do que o resto das pessoas 0,60

A vida está cheia de incertezas distribuídas ao acaso 0,65

Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas

0,60

As pessoas não se preocupam com o que acontece aos demais 0,56

As desgraças das pessoas são causadas pelos seus próprios erros 0,55 -0,40

A desgraça é menos provável entre as pessoas honradas 0,39

Geralmente procuro obter o melhor para mim -0,73

Quase sempre realizo um esforço para prevenir as coisas ruins que podem me acontecer

-0,69

Estou satisfeito/a com a boa pessoa que sou 0,46 -0,58

Através de nossas ações podem-se prevenir as coisas ruins que podem acontecer

0,36 -0,56

Geralmente as pessoas obtêm aquilo que merecem 0,37 -0,50

Alfa de Cronbach 0,71 0,48 0,62

Variância Explicada (%) 22,31 11,30 8,72

Variância Explicada Acumulada (%) 22,31 33,60 42,33

Conforme mostra a Tabela 2, os coefi cientes de consistência interna (alfa de Cronbach) dos fatores 1 e 3 estão no limite inferior de aceitabilidade, o qual se situa entre 0,60 e 0,70 (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005), enquanto o coefi ciente do fator 2 está abaixo desse valor mínimo. Além disso, os itens não se agruparam nas três dimensões previstas (Benevolência, Signifi cação do Mundo e Autovalor) por Janoff-Bulman (1992). Desse modo, optou-se por conduzir análises de regressão linear utilizando-se os 15 itens da WAS como variáveis independentes, ao invés dos fatores, pois os itens da escala têm se mostrado úteis em pesquisas que tratam da avaliação cognitiva das crenças (Arnoso, 2011; Cal Calhoun & Cann, 1994; Harries & Valentiner, 2002; Kaler et al., 2008; Mikkelsen & Einarsen, 2002; Magwaza, 1999; Smedema et al., 2010; Tomich & Helgeson, 2002). Inicialmente utilizou-se para estas análises a amostra geral, posteriormente a amostra foi separada por sexo,

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a fi m de identifi car possíveis diferenças dos preditores do bem-estar pessoal entre meninos e meninas.

Em relação ao PWI-7, o coefi ciente de consistência interna foi de 0,81, tendo os sete itens carregado em um único fator. Usando esse mesmo instrumento, Casas et al. (2011) encontraram coefi ciente de consistência interna de 0,81 para uma amostra de adolescentes espanhóis e 0,78 para adolescentes chilenos.

A análise de regressão linear múltipla, método Stepwise, apresentou o valor Durbin-Watson de 1,97, o que indica um bom ajuste residual do modelo. Verifi cou-se que seis dos 15 itens da WAS são preditores de bem-estar (Tabela 3). O coefi ciente ajustado de variância explicada de R2 0,303 indica que estas variáveis explicam 30% do bem-estar pessoal dos adolescentes da amostra geral. De acordo com os resultados apresentados, três itens da dimensão secundária Autovalor contribuem para o bem-estar pessoal dos adolescentes, seguido de um item da dimensão Benevolência do Mundo e de dois itens da dimensão Signifi cação do Mundo. Em relação ao último item a entrar no modelo de regressão (“Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas”) observa-se que a associação entre essa crença e o bem-estar é negativa. Dessa forma, interpreta-se que acreditar que os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas é preditor de menor nível de bem-estar. Inversamente, não acreditar (ou acreditar menos) na aleatoriedade da distribuição dos acontecimentos negativos entre as pessoas é preditor de maior nível de bem-estar.

Tabela 3 – Análise de Regressão Linear por itens da versão com 15 itens da escala World Assumtions Scale.

Modelo Coef. Não P. Coef. P. IC 95% para β

Β Erro Padrão Beta T Sig. Menor

ValorMaior Valor

(Constante) 47,83 1,59 30 0,001* 44,7 50,96

Estou satisfeito/a com a boa pessoa que sou

1,81 0,16 0,29 11 0,001* 1,48 2,13

No fundo sou uma pessoa com sorte, afortunada

0,7 0,11 0,16 6,5 0,001* 0,49 0,92

Geralmente procuro obter o melhor para mim

0,91 0,17 0,14 5,3 0,001* 0,57 1,25

As pessoas são basicamente boas e agradáveis

0,65 0,13 0,13 5,1 0,001* 0,4 0,89

Geralmente as pessoas obtêm aquilo que merecem

0,5 0,11 0,11 4,7 0,001* 0,29 0,71

Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pes-soas

-0,21 0,09 -0,05 -2,3 0,025 -0,39 -0,03

Nota. Variável Dependente: Personal Well-being Index (PWI)IC = Intervalo de Confiança*p<0,001

No que diz respeito às diferenças entre sexos, a análise de regressão linear múltipla apontou que as cinco variáveis de maior peso como preditoras de bem-estar,

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tanto para meninos quanto para meninas, correspondem aos resultados das análises para a amostra geral. Somente o sexto e último item a entrar no modelo apresentou diferenças entre meninos e meninas. Para os meninos, no lugar de “Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas” (p=0,02; Beta=-0,05) encontrado na amostra geral, entrou como preditor de bem-estar o item “Quase sempre faço um esforço para prevenir as coisas ruins que podem me acontecer” (p=0,029; Beta=0,09). Para as meninas a sexta variável a predizer bem-estar foi o item “A vida está cheia de incertezas distribuídas ao acaso” (p=0,05; Beta=-0,06). Desse modo, menores crenças no acaso para explicar os acontecimentos contribuem para o bem-estar das meninas, assim como a crença no autocontrole apresentou impacto estatisticamente signifi cativo para o bem-estar dos meninos.

Discussão

Este estudo teve por objetivo verifi car se as crenças básicas estão associadas ao bem-estar dos adolescentes e se existem diferenças quando comparados meninos e meninas. De acordo com os resultados encontrados as crenças que predizem bem-estar na amostra de adolescentes englobam as três grandes dimensões das crenças básicas (Benevolência do Mundo, Signifi cação do Mundo e Autovalor), conforme proposto por Janoff-Bulman (1992). As crenças que mais contribuem para o bem-estar dos adolescentes são “Estou satisfeito/a com a boa pessoa que me considero ser”, seguida de “No fundo sou uma pessoa com sorte e afortunada” e “Geralmente procuro obter o melhor para mim”. Este resultado aponta relação positiva entre a crença no valor pessoal e os níveis de bem-estar dos adolescentes, corroborando os achados de outros estudos como o de Smedema et al. (2010) e de Kaler et. al (2008), que apontaram que crenças de autovalor positivo estão associados ao bem-estar subjetivo.

Do ponto de vista das práticas educativas e da intervenção junto a adolescentes, estes resultados reforçam a importância de que pais, educadores e profi ssionais estimulem os adolescentes a desenvolver uma percepção positiva sobre si mesmos, apoiando-os no desenvolvimento da autonomia e competência pessoal, a fi m de promover melhores níveis de bem-estar. A crença no controle pessoal sobre os acontecimentos pode incentivar o exercício de práticas de protagonismo juvenil (Costa, 2000), as quais se referem às ideias e comportamentos que promovem tanto o desenvolvimento pessoal quanto o coletivo. Tais práticas implicam que os adolescentes atuem no contexto onde vivem por meio de ações proativas, o que favorece a manutenção das crenças no valor pessoal. Além disso, crenças no autovalor podem contribuir para que os adolescentes tenham comportamentos orientados a maximizar resultados de sucesso em suas vidas (Janoff-Bulman, 1992), o que também incide sobre a percepção positiva de bem-estar.

Ainda em relação ao autovalor, a crença que se refere à sorte (“No fundo sou uma pessoa com sorte, afortunada”), demonstra a tendência de nos avaliarmos como tendo mais sorte do que a maioria das pessoas que fazem parte do nosso mundo (Calhoun & Cann, 1994; Janoff-Bulman, 1992). Janoff-Bulman, quando descreveu

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essa dimensão primária das crenças básicas afi rmou que nós acreditamos que a sorte prevalece sobre os infortúnios e somos otimistas em nossa visão de mundo quando utilizamos como referência nosso ambiente social e pessoal. Ela observou ainda que estudantes universitários subestimam a probabilidade de que eventos negativos possam lhes acontecer e superestimam os eventos positivos, fenômeno que Weinstein e Lachendro (1982) chamaram de “otimismo irrealístico”. Tomich e Helgeson (2002) também encontraram relação entre a crença na sorte pessoal e afeto positivo, ou seja, um indicador de bem-estar subjetivo. Embora se encontre referência ao otimismo irrealístico como característica da adolescência, Jannof-Bulman (1992) afi rmou que o sistema de crenças tende a ser positivo, o que, consequentemente, gera também emoções positivas, o que mantém viva a motivação para interagir com o mundo.

Em relação à crença no autocontrole (“Geralmente procuro obter o melhor para mim”), Janoff-Bulman (1992) argumentou que a ilusão de autocontrole é adaptativa e que além das emoções positivas que derivam dela, esta crença pode aumentar a motivação para explorar o mundo e iniciar novos comportamentos, o que pode ser positivo para os adolescentes. Desse modo, salienta-se a importância das intervenções psicossociais que têm como objetivo fortalecer o autocontrole e a assertividade nos adolescentes. Tomich e Helgeson (2002) também encontraram que as crenças no controle pessoal são preditoras de qualidade de vida numa amostra de mulheres com ou sem diagnóstico de câncer de mama, ou seja, não são as crenças de controle sobre as causas da doença, mas a maestria sobre a vida em seus diferentes domínios que apresentam relação com o bem-estar.

O item “As pessoas são basicamente boas e agradáveis” refere-se à crença na benevolência das pessoas. De acordo com Jeavons e Godber (2005), acreditar na benevolência do mundo e das pessoas nos protege do estresse e da ansiedade da vida diária, o que pode contribuir indiretamente para a promoção do bem-estar. Outros estudos encontraram relações entre crenças de benevolência e afeto positivo (Tomich & Helgeson, 2002) além de benevolência e bem-estar subjetivo (Feist et al., 1995; Mcgeorge, 1995). Uma vez que a estrutura mental que sustenta o sistema de crenças começa a ser formada desde a infância e perdura ao longo da vida (Janoff-Bulman, 1992), a qualidade das relações que os adolescentes estabelecem com pessoas signifi cativas como pais, pares, professores e outros pode ser considerada como importante para o bem-estar dos adolescentes, porque interfere na formação do seu sistema de crenças.

O item que se refere à crença na justiça do mundo (“Geralmente as pessoas obtêm aquilo que merecem”), o qual faz parte da dimensão Signifi cação do Mundo, também resulta como preditor de bem-estar na adolescência. As pessoas teriam necessidade de viver em um contexto previsível e coerente, o qual lhes permita planejar o futuro e sentir-se a salvo de injustiças e, assim, evitar as incertezas com relação ao mundo em que vivem (Barreiro e Castorina, 2005). Para Janoff-Bulman (1992) nós temos a tendência de fazermos uma avaliação seletiva dos eventos, os quais nos levam a acreditarmos que certos acontecimentos “fazem sentido” e, então, interpretamos nosso mundo como imbuído de signifi cado. Em geral tentamos encontrar uma razão para os

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eventos que consideramos negativos e acreditamos que temos controle sobre certos acontecimentos através do nosso comportamento. De acordo com a autora, quando isso não é possível, nos sentimos como vítimas de infortúnios ou do comportamento ruim das outras pessoas. Considerando essas ideias, Bègue e Muller (2006) desenvolveram estudos cujos resultados apontam que as pessoas que acreditam em um mundo justo também apresentam maiores níveis de satisfação vital e autoestima, dentre outros aspectos relacionadas ao bem-estar.

Por fi m, o item “Os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas” também aparece como preditor do bem-estar, mas no sentido inverso, ou seja, quanto maior a crença de que a distribuição dos acontecimentos negativos entre as pessoas é fruto do acaso menor o nível de bem-estar dos adolescentes. Acreditar que os acontecimentos negativos são distribuídos ao acaso entre as pessoas faz com que nós nos sintamos profundamente ameaçados pela possibilidade de que eventos negativos aconteçam conosco (Lerner, 1980), o que justifi ca porque as crenças no autocontrole e na sorte apresentam relações positivas com o bem-estar e as crenças no acaso apresentam relações negativas.

Em relação à comparação dos preditores de bem-estar por sexo, os resultados desse estudo mostram que a infl uência das crenças básicas sobre o bem-estar dos adolescentes não parecem ter relação com o fato de ser menino ou menina. Mesmo que o último item do modelo de regressão tenha apresentado diferenças entre sexos, a variável contribui muito pouco para explicar o bem-estar. Ressalta-se a necessidade de estudos longitudinais para compreender se estas diferenças se mantêm ou se modifi cam com a idade e assim verifi car se as crenças contribuem de maneira diferente para o bem-estar quando comparados meninas e meninas.

Considerações fi nais

De modo geral, o estudo sobre crenças básicas possui relevância porque tanto a construção de crenças positivas como a modifi cação cognitiva das mesmas podem se refl etir sobre as atitudes, a saúde e o bem-estar psicológico das pessoas (Foa, Ehlers, Clark, Tolin, & Orsillo, 1999). Mesmo que as crenças, na maioria das vezes, possam não corresponder exatamente à realidade, crenças na justiça do mundo, na bondade das pessoas, no controle sobre os eventos e na sorte estão relacionadas a sentimentos positivos (Janoff-Bulman, 1992) e, consequentemente, incidem positivamente sobre o bem-estar pessoal.

O estudo apresenta limitações, uma vez que o instrumento utilizado não foi capaz de reproduzir as dimensões secundárias das crenças básicas propostas por Janoff-Bulman (1992) através dos 16 itens retirados da WAS original. Por um lado, reconhece-se que a redução dos itens da escala original possa ter prejudicado o seu funcionamento. Por outro lado, a literatura na área, especialmente estudos mais recentes sobre as propriedades psicométricas da WAS, como os conduzidos por Elklit et al. (2007) e Kaler et al. (2008), apontaram que a escala apresenta problemas para

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comprovar a validade e confi ança de algumas de suas subescalas, os quais apresentam índices razoáveis, mas não plenamente satisfatórios. Os autores desses estudos propõem que o conteúdo dos itens seja revisado e o seu número por subescalas seja ampliado, ressaltando que problemas com o funcionamento do instrumento não necessariamente indicam problemas com a teoria.

Uma outra justifi cativa para os índices de consistência interna insatisfatórios na WAS pode estar na interpretação dos itens por parte dos adolescentes. As sentenças do instrumento estão construídas de modo a requerer um certo nível de abstração cognitiva, habilidade que ainda não está plenamente consolidada na adolescência. Um exemplo de sentença que requer abstração é “A vida está cheia de incertezas distribuídas ao acaso”. Desse modo, a apresentação dos itens necessita ser revisada e adaptada para esta faixa etária, sendo uma sugestão pertinente para novos estudos com a escala. Além disso, estudos futuros precisam considerar a utilização da escala em sua versão completa, na tentativa de investigar suas propriedades psicométricas e assim aperfeiçoar o instrumento para uso no contexto brasileiro, tanto com adolescentes quanto com adultos. No entanto, mesmo que o instrumento apresente limitações, não se pode deixar de ressaltar que a teoria das crenças básicas e a própria WAS têm sido úteis para avaliar as crenças há quase duas décadas.

Cabe ainda considerar a necessidade de realizar estudos longitudinais que avaliem as crenças durante a transição da adolescência para a idade adulta, a fi m de analisar se ocorrem mudanças nesse sistema conceitual ao longo do ciclo vital. Nesse sentido, as crenças relacionadas ao controle e ao acaso dos acontecimentos, variáveis que mostraram diferenças na predição do bem-estar de meninos e meninas, necessitam ser mais bem investigadas.

Por fi m, tendo constatado que as crenças básicas têm uma importante relação com o bem-estar, este estudo destaca a importância da promoção da saúde psicológica e da qualidade de vida dos adolescentes, oferecendo subsídios para a criação de ambientes que favoreçam o desenvolvimento do autovalor, da visão positiva sobre si mesmos, sobre o mundo e as pessoas. Ressalta-se ainda a importância da crença na justiça e no autocontrole sobre os acontecimentos de sua própria vida para o bem-estar pessoal na adolescência. Espera-se estar contribuindo para a discussão sobre o bem-estar pessoal no contexto brasileiro, indicando que aspectos ainda pouco considerados, como as crenças básicas, podem ser úteis na compreensão deste construto.

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_____________________________ Recebido em julho de 2012 Aceito em outubro de 2012

Jorge Castellá Sarriera – Psicólogo, Doutor em Psicología Social pela Universidad Autónoma de Madrid (Espanha). Professor do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.Eveline Fávero – Psicóloga. Pós-doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Ângela Carina Paradiso – Psicóloga. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Tiago Zanatta Calza. Psicólogo – Mestrando em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Endereço para contato: [email protected]

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Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas e a Psicologia

Chalana Piva Larentis Alice Maggi

Resumo: Verifica-se atualmente grande quantidade de pessoas envolvidas de alguma forma com o uso prejudicial de álcool e outras drogas, o que representa um desafio para a saúde pública e para os profissionais. Este artigo tem como objetivo investigar a organização dos Centros de Atenção Psicossociais Álcool e Drogas – CAPS ad – no estado do RS, no que se refere às práticas e/ou intervenções psicológicas. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de caráter descritivo e exploratório, com a análise dos seguintes temas: histórico da implantação dos CAPS e CAPS ad no RS; rede de atendimento; orientações e políticas de trabalho; indicações de atividades e intervenções dos psicólogos; formação acadêmica e profissional em Psicologia. Foram pesquisadas bases de dados como BVS-PSI e Google Acadêmico, no período de 2001 a 2010 e dados disponíveis de sites de domínio público. Os resultados indicaram que os profissionais psicólogos têm desenvolvido suas atividades parcialmente conforme recomendação do Ministério da Saúde já que encontram limitações para ampliá-las e registrá-las. Os resultados também apontam para a escassez de registros dos próprios CAPS ad como um todo. Portanto, o estudo permitiu evidenciar potencialidades dos serviços e também lacunas que viabilizam a qualificação dos mesmos e também futuros estudos com abordagens teóricas e técnicas diferentes.Palavras-chave: Saúde mental, caps ad, Psicologia.

Psychosocial Care Centers Alcohol and Drugs and the PsychologyAbstract: There is currently a great number of people involved in some way with the harmful use of alcohol and other drugs, which poses a challenge to public health and for the professionals. This article aims to investigate the organization of the Psychosocial Care Centers Alcohol and Drugs – CAPS ad – in the state of RS, with regard to practices and / or psychological interventions. This is a bibliographical and descriptive and exploratory analysis with the following themes: historical deployment of CAPS and CAPS ad in RS; service network; guidelines and policies of work; indications of activities and interventions of psychologists; academic and professional training in psychology. Databases were searched as BVS-PSI and Google Scholar, in the period 2001 to 2010 and data from sites in the public domain. The results of this study allow us to show more clearly how psychologists have developed in part their activities in such services as recommended by Ministry of Health, but finding barriers both in achieving larger activities, when the difficulty in maintaining records of same. The results also point to the issue of difficulty with records of CAPS ad as a whole. So, the construction of this study highlights the potential of services and also loopholes that enable future studies with different theoretical and techniques approaches.Keywords: Mental health, caps ad, Psychology.

Centro de Atención Psicosocial Alcohol y Drogas y la PsicologíaResumen: Actualmente existe un gran número de personas involucradas de alguna manera con el uso nocivo del alcohol y otras drogas, lo que plantea un reto para la salud pública y para los profesionales. Este artículo tiene como objetivo investigar la organización de los Centros de

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Atención Psicosocial Alcohol y Drogas – CAPS ad – en el estado de RS, en lo que respecta a las prácticas y / o intervenciones psicológicas. Se trata de un análisis bibliográfico y descriptivo y exploratorio con los siguientes temas: el despliegue histórico de CAPS y CAPS ad en RS; red de servicios; directrices y políticas de empleo; las indicaciones de las actividades e intervenciones de los psicólogos; formación académica y profesional en psicología. Se realizaron búsquedas en bases de datos como la BVS-PSI y Google Académico, en el período 2001 a 2010 y los datos de los sitios de dominio público. Los resultados permiten mostrar más claramente cómo psicólogos han desarrollado sus actividades en dichos servicios según lo recomendado por el Ministerio de Salud, pero encontrán obstáculos en el logro de mayores actividades, cuando la dificultad de mantener registros de la misma. Los resultados también apuntan a la cuestión de la dificultad con registros del propio CAPS ad. Con esto, la construcción de este estudio ponen de relieve el potencial de servicios y también lacunas que permiten estudios futuros con diferentes técnicas y enfoques teóricos.Palabras clave: Salud mental, caps ad, Psicología.

Introdução

Drogas psicotrópicas são quaisquer substâncias que alteram de alguma forma o sistema nervoso, modifi cando afetos, comportamentos, sentimentos, e dividem-se em drogas estimulantes, depressoras e perturbadoras do sistema nervoso central (CEBRID, 2007). A experiência em estágios curriculares, a vivência profi ssional e estudos nos mostram que a temática do uso abusivo de substâncias psicotrópicas e da dependência química está cada vez mais presente em nossa sociedade atual. Estima-se que 10% da população dos centros urbanos brasileiros fazem uso abusivo de drogas psicotrópicas (Brasil, 2004c).

Além disso, dados da Organização Mundial da Saúde – OMS (em Tribunal de Contas da União, 2005) apontam que 6% da população geral apresenta transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Esses índices podem ser considerados signifi cativos e que implicam em questões sociais, econômicas, judiciárias, psicológicas e econômicas. Segundo Baltieri (2001), o grande crescimento do consumo de drogas no mundo deve-se ao contexto pós-moderno marcado por diversas mudanças em valores e costumes, sendo que essa situação e todas as suas repercussões físicas, sociais, biológicas e psicológicas no indivíduo e na família, constitui-se num grave e desafi ante problema de saúde pública.

No Brasil, durante a década de 1970, com o intuito de desconstruir os manicômios, os trabalhadores em saúde mental iniciaram um intenso movimento social ao denunciar a situação precária dos hospitais psiquiátricos. No fi nal da década de 1980, começaram a se fortalecer serviços substitutivos nos moldes de Centros de Atenção Psicossocial – CAPS – com o objetivo de oferecer aos usuários um tratamento mais humanizado. No entanto, somente a partir de abril de 2001, quando foi aprovada e sancionada a Lei da Saúde Mental ou Lei Paulo Delgado, é que se dá a desinstitucionalização e consolidação dos CAPS (Galvanese & Nascimento, 2009; Ministério da Saúde, 2004; Silva, 2004).

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Os CAPS são instituições destinadas a acolher pacientes com transtornos mentais, estimular sua integração cultural, social e familiar, apoiar suas iniciativas por busca de autonomia e oferecer atendimento médico e psicológico. Devem funcionar como articuladores estratégicos da rede de atenção à saúde mental, promovendo vida comunitária e autonomia dos usuários (Ministério da Saúde, n.d.).

Em março de 2002, foram criados os CAPS ad (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) que são serviços de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, devendo oferecendo atendimento diário, intensivo, semi-intensivo ou não intensivo. Esses serviços, conforme preconiza o Ministério da Saúde, devem contar com planejamento terapêutico individualizado de evolução contínua, possibilitando intervenções precoces, além de apoio de práticas de atenção comunitária e de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Vale ressaltar que a multidisciplinaridade nesses serviços é de fundamental importância para que os atendimentos possam ser mais humanizados, visando a liberdade e autonomia das pessoas e não a reprodução de discursos (Alverga & Dimenstein, 2006; Ministério da Saúde, 2003, 2004, 2005).

Com isso, este artigo tem como objetivo investigar a organização dos Centros de Atenção Psicossociais Álcool e Drogas – CAPS ad – no estado do RS, no que se refere às práticas e/ou intervenções psicológicas.

Método

Trata-se de uma pesquisa com delineamento qualitativo, caráter descritivo e exploratório. Foram utilizadas como fontes dados disponíveis nos sites do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde, das Secretarias Municipais da Saúde e de artigos compreendidos no período de 2001 a 2010, pesquisados na BVS-PSI e Google Acadêmico, através de descritores em saúde como CAPS, CAPS ad, tratamento psicológico, álcool e drogas, dentre outras combinações de palavras pesquisadas nas categorias “Psicologia e Psiquiatria” e “Saúde Pública”.

A pesquisa com base documental (Laville e Dionne, 1999) também é descrita por Montero (2006), Menegon (2004) e Spink (1998) e, por isso, constituiu-se numa possibilidade metodológica para atender aos objetivos do presente estudo. Os procedimentos utilizados têm por base a proposta de Minayo (2004), na qual a análise de conteúdo temática é desdobrada em três fases, que consistem na pré-análise, exploração e tratamento dos materiais e resultados obtidos.

Para este estudo, num primeiro momento foram reunidos, em uma pasta eletrônica, todos os materiais encontrados que tratavam do assunto de interesse, assim sendo possível defi nir os temas de pesquisa, sintetizados a seguir.

- Histórico da implantação dos CAPS e CAPS ad no RS: Breve resgate histórico dos registros de cuidados psiquiátricos no estado do RS;

- Rede de atendimento dos CAPS ad: Apresentação quantitativa da rede de atendimentos a partir dos registros dos materiais analisados;

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- Orientações e políticas de trabalho: Análise das orientações e políticas ministeriais relacionadas aos trabalhos realizados pelas equipes nos CAPS ad;

- Indicações de atividades e intervenções dos psicólogos: Apresentação e análise das práticas desenvolvidas e relatadas pelos psicólogos atuantes nos CAPS ad, com especial interesse às desenvolvidas nos serviços do estado do RS;

- Formação acadêmica e profi ssional em Psicologia: Refl exão sobre a formação acadêmica e profi ssional em Psicologia para a atuação na rede pública de atendimento em saúde mental.

Após uma leitura fl utuante, alguns materiais foram considerados mais relevantes para a análise dos temas e foram passados para uma segunda pasta eletrônica, denominada “artigos_focais”. Com uma leitura mais atenciosa dos materiais, foram construídas fi chas de leitura eletrônicas contendo os aspectos mais relevantes de cada material, e a criação de uma terceira pasta eletrônica denominada “materiais usados”.

Os dados foram analisados com o uso da análise de conteúdo, modalidade temática. Segundo Minayo (2004), fazer análise temática consiste em descobrir “núcleos de sentido” que compõem uma comunicação cuja presença e/ou frequência de aparição pode ter signifi cados para o objeto analítico.

Apresentação e discussão dos resultados

O primeiro tema a ser abordado é um breve resgate histórico da implantação dos CAPS e CAPS ad no estado do RS, conforme Tabela 1.

Tabela 1 – Histórico da Implantação dos CAPS e CAPS ad no RS.

Data Acontecimento

1884 Inauguração do Hospital Psiquiátrico São Pedro

1960 – 1970 Surgem ambulatórios para atendimento em Saúde Mental

1988 São Lourenço do Sul – CAPS

1989 Casa de Saúde Mental – Novo Hamburgo

1991 Fórum Gaúcho de Saúde Mental

1992 Aprovação da Legislação da Reforma Psiquiátrica

2002 Portarias que regulamentam os CAPS

2003 Primeiras experiências com CAPS ad – Novo Hamburgo

2004 CAPS ad Pelotas e Porto Alegre

Nota: Construída por Chalana Larentis, 2010 com base nas bibliografias pesquisadas.

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As lutas pela reforma psiquiátrica brasileira ganharam força no RS a partir 1991, quando foi fundado o “Fórum Gaúcho de Saúde Mental” (FGSM), com o intuito de discutir a implantação da reforma psiquiátrica. Essa iniciativa teve grande infl uência para que o RS se tornasse o primeiro estado brasileiro a aprovar a legislação da reforma psiquiátrica, com a lei nº 9.716, de 1992, na qual fi cou determinada a diminuição progressiva dos leitos em hospitais psiquiátricos, com substituição por uma rede de atenção integral à saúde mental. No âmbito desta rede integrada surgem os CAPS como principais serviços, sendo o de São Lourenço do Sul o primeiro do sul do Brasil e do RS (Ministério da Saúde, 2004a; Tomasi et al., 2008).

Nos materiais estudados há vários relatos das experiências dos serviços substitutivos pioneiros no Brasil, os CAPS em São Paulo e os NAPS em Santos, sendo escassos, no entanto, relatos históricos das primeiras experiências com CAPS no RS. Essa possível falta de registros verifi cada pode signifi car uma perda importante de partes da história da saúde mental do RS.

Foram implantados de abril a dezembro de 2002, 42 CAPS ad em 14 estados brasileiros. No RS, os primeiros registros de experiências de CAPS ad foram encontrados, no Informativo de Saúde Mental no SUS (2004b), datando do ano de 2003 em Novo Hamburgo e 2004 nos municípios de Pelotas e Porto Alegre (Ministério da Saúde, 2003).

A rede de atendimento dos CAPS ad no RS em 2008, dados pesquisados e utilizados neste trabalho, estava organizada com um total de 15. Os municípios identifi cados com CAPS ad, pelas fontes pesquisadas são: Porto Alegre, Novo Hamburgo, Pelotas, Caxias do Sul, Nova Palma, Santa Maria, Alegrete, Alvorada, São Borja, Jaraguá do Sul, Augusto Pestana, Gravataí, Passo Fundo e Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul, 2008).

Segundo Consoli, Hirdes e Costa (2009), o estado apresenta diferenças regionais signifi cativas quanto à estruturação dos serviços. Constatam que a metade sul do estado protagonizou experiências inéditas em saúde mental, enquanto a metade norte apresenta difi culdades e carências na estruturação e inserção de serviços em saúde mental. Um exemplo disso é que o município de Pelotas, situado no sul do estado, está dentre os municípios brasileiros que estão respondendo mais satisfatoriamente à substituição do modelo hospitalocêntrico pela rede substitutiva (Ministério da Saúde, 2005).

O terceiro tema abordado corresponde às orientações e políticas de trabalho instituídas pelo Ministério da Saúde para as equipes de trabalho dos CAPS. Os dados obtidos estão sintetizados na Tabela 2.

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Tabela 2 – Orientações e políticas de trabalho para as equipes: objetivos e atividades.

Objetivos 1. Atendimento diário aos usuários dos serviços;2. Redução de danos;3. Cuidados personalizados;4. Atendimento nas modalidades intensiva, semi-intensiva e não intensiva;5. Condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial;6. Cuidados aos familiares dos usuários dos serviços;7. Promover, mediante diversas ações a reinserção social dos usuários, utilizando recursos intersetoriais, com estratégias conjuntas para o enfrentamento dos problemas;8. Trabalhar os fatores de proteção para o uso e dependência de substâncias psicoativas, bus-cando minimizar a influência dos fatores de risco;9. Trabalhar a diminuição do estigma e preconceito relativos ao uso de substâncias psicoati-vas, mediante atividades de cunho preventivo/educativo;10. Monitorizar a saúde mental na comunidade;11. Promover cuidados comunitários.

Atividades 1. Atendimento Individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação);2. Atendimento em Grupos;3. Oficinas Terapêuticas;4. Visitas Domiciliares;5. Perspectiva Individualizada;6. Prevenção.

Nota: Construída por Chalana Larentis, 2010 com base nas bibliografias pesquisadas.

“A rede de atenção à saúde mental (...) caracteriza-se por ser essencialmente pública, de base municipal e com um controle social fi scalizador e gestor no processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica” (Ministério da Saúde, 2005, p. 25). Entende-se que as políticas e diretrizes dos CAPS ad são instituídas a nível federal e de forma geral aos profi ssionais que compõem as equipes, ou seja, não há mudanças signifi cativas das políticas e diretrizes de cada estado e/ou município, da mesma forma que não há orientações específi cas para o trabalho de cada profi ssional do serviço. Tudo deve ser adequado ao perfi l populacional de cada município e da equipe de cada serviço, desde que seja seguida a lógica preconizada pela reforma psiquiátrica.

Os conceitos de territorialidade – que abrange não somente a área geográfi ca, mas também as pessoas que ali habitam, com seus confl itos, interesses, amigos, família e de municipalização dos serviços (os municípios é que devem ser os principais responsáveis pela saúde da população) –, são importantes por serem conceitos que apontam para o fato de que as diretrizes gerais de trabalho devem ser adaptadas, pelos profi ssionais, para a realidade de cada local, situação e usuário, a fi m de atingir o objetivo maior que é de oferecer cuidado integral aos usuários dos serviços.

Até mesmo a formação das equipes desses serviços deve seguir as diretrizes estipuladas, mas não são estanques. As diretrizes indicam que as equipes dos CAPS ad devem conter no mínimo 13 profi ssionais, alguns com designação da especialidade como médicos, e outros não como psicólogos, em que é necessário nível superior ou nível técnico, fi cando a decisão de quais profi ssionais serão integrados à equipe a critério de cada município (Ministério da Saúde, 2005). Os profi ssionais da Psicologia, portanto, embora estejam presentes em todas as equipes dos materiais estudados, não possuem um lugar garantido pelas diretrizes.

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A Tabela 3 sintetiza as indicações dos psicólogos quanto às atividades e intervenções que desenvolvem nos CAPS ad, identifi cadas no estudo dos artigos incluídos nesse estudo.

Tabela 3 – Indicações dos psicólogos: atividades e intervenções.

Atividades AcolhimentoGrupo de famíliaGrupo de adolescentesGrupo terapêutico com alcoolistasGrupo terapêutico com drogadictosGrupo recreativoOficinas terapêuticasGrupo antitabagismoAtendimento individual (psicoterapia)Visita domiciliarGrupo de motivaçãoGrupo de psicoterapiaGrupo de prevenção de recaídaGrupo de relaxamentoGrupo de orientação em saúdeGrupo de reencontroGrupo psicopedagógicoGrupo de promoção de abstinênciaGrupo de mulheres

Intervenções Atendimentos clínicosGrupos terapêuticosAvaliação psicológica

Nota: Construída por Chalana Larentis, 2010 com base nas bibliografias pesquisadas.

A Tabela 4, por sua vez, condensa as indicações dos psicólogos quanto às abordagens e instrumentos utilizados.

Tabela 4 – Indicações dos psicólogos: abordagens e instrumentos.

Abordagens Psicanálise (lacaniana, freudiana)Cognitivo-comportamentalHistórico culturalPerspectiva da psicopatologiaGrupo operativoPsicossocial

Instrumentos Escuta clínicaTestes psicológicosBrinquedos em geralMateriais escolaresJogos didáticos

Mielke, Kantorski, Jardim e Olschowsky (2009) ressaltam que a realização de atendimentos tanto individuais quanto grupais, preconizados na legislação em saúde

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mental, faz com que esses serviços atendam às orientações legais com relação aos atendimentos oferecidos. Dessa forma, entende-se que as práticas dos psicólogos nesses serviços também estão atendendo às orientações legais, uma vez que relatam os atendimentos individuais e grupais como principais práticas desenvolvidas, além do “suporte social às famílias de usuários” (Figueiredo & Rodrigues, 2004, p. 177).

No entanto, Souza et al. (2007) salientam que a maior parte das ações na área de saúde mental álcool e drogas recomendadas pelo Ministério da Saúde e pela OMS fazem referência às intervenções na comunidade. Contudo, o que observam é uma continuidade do modelo biomédico, ressaltando que os CAPS ad, no período estudado, não estavam desenvolvendo efetivamente as visitas domiciliares ou outras intervenções comunitárias.

O que fi ca evidente nos materiais analisados é que a prática predominante dos profi ssionais psicólogos nestes serviços é a psicoterapia individual, seguida dos grupos terapêuticos. Figueiredo e Rodrigues (2004) descrevem a realização de psicoterapia nos moldes da clínica tradicional. Este fato pode ser entendido de acordo com a orientação de Dimenstein (2001) quando ressalta que o modelo clínico da psicoterapia individual ainda é a forma de trabalho predominante entre os profi ssionais. Figueiredo e Rodrigues (2004) salientam que as práticas psicológicas visando promover a reinserção dos usuários encontram-se pouco desenvolvidas. Com isso, entende-se que a psicoterapia tem sido a prática mais comum dos psicólogos mesmo que também se envolvam com atividades preventivas e comunitárias, em escala reduzida.

O quinto tema a ser analisado é referente à formação acadêmica e profi ssional em Psicologia. Estudos como o de Figueiredo e Rodrigues (2004) apontam que o modelo de atuação privilegiado na graduação em Psicologia é o da clínica tradicional, o que refl ete nas atuações desses profi ssionais nos serviços. Para Dimenstein (2001) os cursos de graduação tenderam para a formação de profi ssionais com modelos de atuação limitados para o setor da saúde e responsáveis pelas difi culdades dos profi ssionais para lidar com as demandas, instituições e adaptação às dinâmicas condições de perfi l profi ssional exigidas pelo SUS.

Como possibilidade para explicar essas difi culdades, deve ser lembrado que a graduação tem que abranger atuações prováveis dos psicólogos, devendo adequar os conhecimentos adquiridos às particularidades dos serviços, utilizando de sua capacidade criativa e reconhecendo as particularidades de fatores regionais e culturais de cada espaço, uma vez que interferem para a proposta das atividades nos CAPS ad. Santos e Duarte (2009) reforçam essa ideia ao pontuarem que o psicólogo atua com as demandas que cada caso requer, dependendo da necessidade percebida.

Segundo Menegon e Coêlho (2006), uma maneira de enfrentar o desafi o da formação é fortalecendo “redes interdisciplinares e intradisciplinares na saúde e nas ciências sociais” (p.162), produzindo e desenvolvendo conhecimentos para a atuação do psicólogo na rede de saúde pública. Ressaltam a necessidade da compreensão dos processos coletivos implicados na saúde-doença, ampliando e fortalecendo os saberes e fazeres da psicologia: social e da saúde.

Entende-se, também, que a busca por formação complementar se torna fundamental para que os profi ssionais psicólogos desenvolvam suas atividades de forma mais efi caz,

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ampla e de acordo com a preconização da reforma psiquiátrica. No entanto, Figueiredo e Rodrigues (2004) salientam que na formação complementar os profi ssionais optam por áreas caracterizadas pelo modelo clínico. Essa circunstância foi apontada por um psicólogo entrevistado em tal estudo, o que acarreta pouca expressividade de práticas voltadas para a promoção da reinserção social dos usuários.

Além disso, Dimenstein (2001) enfatiza que a prática dos profi ssionais psicólogos deve ser mais questionada dentro da própria categoria profi ssional para a sua adequação e efetividade social. A mesma autora aponta também para a necessidade de os psicólogos incorporarem uma nova concepção de sua prática profi ssional, “associada ao processo de cidadanização, de construção de sujeitos com capacidade de ação e de proposição” (p.62), rompendo com o “corporativismo, as práticas isoladas e a identidade profi ssional hegemônica vinculada à do psicoterapeuta” (p. 62).

A abordagem psicossocial compreende a articulação entre o que está no social e o que faz parte do psíquico, concebendo o sujeito em suas múltiplas dimensões. Dessa forma, o campo das intervenções psicossociais deve direcionar-se para a potencialização das capacidades existentes no sujeito, visando a sua autonomia, a superação das difi culdades vividas e a reinvenção e fortalecimento de caminhos possíveis (Alves & Francisco, 2009). Para Campos, citado por Alves e Francisco, (2009) as ações psicológicas em que a realidade socioeconômica e as condições de vida dos sujeitos não estão articuladas, não são ações que reconhecem a condição de autonomia dos usuários como protagonistas de sua história.

Refl etir sobre essas ideias é fundamental para a formação acadêmica e profi ssional para atuação dos profi ssionais psicólogos na rede pública de saúde mental, juntamente com as demais equipes que compõem esses serviços substitutivos, uma vez que todas as atividades desenvolvidas são ações de uma clínica ampliada e dependem do engajamento de todos os profi ssionais atuantes. Além disso, o permanente diálogo entre os diversos campos do saber e entre os profi ssionais que compõem as redes de saúde é que os serviços podem se desenvolver plenamente no âmbito da desinstitucionalização, compreendida como ações voltadas para a superação da condição de exclusão que, historicamente estigmatiza essas pessoas, e como ações que considerem os usuários em suas experiências cotidianas (Alves & Francisco, 2009; Dimenstein, 2001; Figueiredo & Rodrigues, 2004).

Considerações fi nais

A implantação dos CAPS representa um avanço nos tratamentos destinados às pessoas portadoras de transtornos mentais, e a regulamentação dos serviços destinados aos usuários de álcool e outras drogas representa um início para quebrar com paradigmas relacionados à fi gura dos dependentes químicos, muito associada à criminalidade e justiça. No entanto, entende-se, também, que a rede substitutiva dos CAPS possui limitações, não estando ainda totalmente fi rmada, até mesmo por serem bastante recentes.

Torna-se fundamental, portanto, a realização de estudos avaliativos desses serviços, com o uso de pesquisas de campo, que podem colaborar com o levantamento de necessidades e implantação de mudanças importantes. Além disso, sobre os CAPS ad

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existe pouco material disponível, ou seja, trata-se de uma literatura que pode ser muito mais explorada por estudantes e profi ssionais da área da Psicologia.

Da mesma forma que acontece com a literatura referente aos CAPS ad, são raros os materiais publicados sobre a atuação dos psicólogos nesses serviços. Isso não signifi ca que os psicólogos não estejam realizando atividades importantes, mas representa mais uma necessidade de estudo, viabilizando maior conhecimento sobre as intervenções realizadas, já que se pode pensar que muitos profi ssionais preferem realizar suas atividades, sem registrá-las e publicá-las. Fazer contato direto com profi ssionais psicólogos atuantes nesses serviços seria um tipo de abordagem viável para investigações complementares.

Analisando pelo viés histórico, também se recomenda o estímulo aos registros sistemáticos referentes a experiências e práticas dos profi ssionais em saúde mental no estado independente dos CAPS, para que não se percam informações ao longo dos anos. Esse aspecto é percebido simultaneamente como uma lacuna e uma possibilidade para o desenvolvimento de futuros estudos.

Referências

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Recebido em julho de 2012 Aceito em novembro de 2012

Chalana Piva Larentis – Psicóloga. Especialista em Psicologia Clínica em formação. Universidade de Caxias do Sul. Alice Maggi – Psicóloga. Doutora. Universidade de Caxias do Sul.

Endereço para contato: [email protected] ou [email protected]

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Estilos de vida de adolescentes escolares no sul do Brasil1

Sheila Gonçalves CâmaraDenise Rangel Ganzo de Castro Aerts

Gehysa Guimarães Alves

Resumo: Este estudo enfoca os estilos de vida de adolescentes escolares a fim de identificar tanto as práticas protetivas quanto as arriscadas entre grupos de adolescentes. O estudo transversal contou com uma amostra de 1210 adolescentes escolares de nono ano do ensino fundamental de 66 escolas públicas estaduais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Os instrumentos foram inquérito de dados sociodemográficos e o questionário de comportamentos de saúde entre escolares. A análise de cluster permitiu agrupar os sujeitos segundo seus atributos e a análise discriminante serviu para identificar a combinação de variáveis capazes de explicar as diferenças entre os grupos identificados. Os resultados revelaram três grupos, sendo dois de meninas e um de meninos. Os primeiro perfil diferenciou meninos e meninas, tendo os meninos um perfil mais saudável, enquanto as meninas apresentaram mais sintomas físicos e psicológicos. O segundo perfil diferenciou os adolescentes com maior atividade social, indicativo de um perfil mais saudável, daqueles menos proativos. Os resultados revelam a necessidade de intervenções promotoras da saúde ou preventivas que considerem diferenças de gênero, bem como de grupos adolescentes com suas especificidades.Palavras-chave: Adolescência, estilos de vida, sexo, saúde adolescente.

Lifestyles of scholastic adolescents in Southern BrazilAbstract: This study focuses on the lifestyles of adolescent students in order to identify both protective and risky practices among adolescent groups. The cross-sectional study involved a sample of 1210 adolescents from ninth year of elementary studies of 66 public schools in the metropolitan area of Porto Alegre, RS. The instruments were a sociodemographic questionnaire and the Health Behaviors among Scholarship children. The cluster analysis grouped the subjects according to their attributes, and the discriminant analysis was used to identify the combination of variables that could explain the differences between the groups identified. The results revealed three groups, two of girls and one of boys. The first profile differed boys and girls, having the boys a more healthful profile, whereas girls presented more physical and psychological symptoms. The second profile differentiated adolescents with greater social activity, indicative of a healthier profile from that least proactive. The results show the need for health promoting or preventive interventions that could be able to consider gender differences, as well as groups of teenagers with their specificities.Keywords: Adolescence, lifestyles, sex, adolescent´s health.

Estilos de vida de adolescentes escolares del sur de BrasilResumen: Este estudio enfoca los estilos de vida de adolescentes escolares a fin de identificar tanto las practicas protectoras cuanto las arriesgadas entre grupos de adolescentes. El estudio transversal conto con una amuestra de 1210 adolescentes escolares de noveno año de la enseñanza básica de 66 escuelas públicas estaduales de la región metropolitana de Porto Alegre, RS. Los instrumentos fueron un cuestionario de datos socio demográficos y el cuestionario de

Aletheia 37, p.133-148, jan./abr. 2012

1 Apoio: CNPq.

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comportamientos de salud entre escolares. El análisis de cluster permitió agrupar los participantes conforme sus atributos, y el análisis discriminante fue para identificar la combinación de variables capaces de explicar las diferencias entre los grupos identificados. Los resultados revelaron tres grupos: dos de niñas e uno de niños. El primero perfil diferencio niños y niñas, teniendo los niños un perfil más saludable, mientras las niñas presentaron más síntomas físicos y psicológicos. El segundo perfil diferenció los adolescentes con mayor actividad social, indicativa de un perfil más saludable, de aquellos menos proactivos. Los resultados revelan la necesidad de intervenciones promotoras de la salud o preventivas que consideren diferencias de género así como de grupos de adolescentes con sus especificidades.Palabras clave: Adolescencia, estilos de vida, sexo, salud del adolescente.

Introdução

A adolescência constitui-se em um período crucial para as estratégias de promoção da saúde, posto que é um período de grandes modifi cações na vida dos indivíduos. Embora esse período seja considerado um dos mais saudáveis do desenvolvimento humano, as taxas de mortalidade por acidentes ou envolvimento em situações que acarretem risco à própria saúde são signifi cativas (OPAS, 2001). É nessa etapa que a aquisição de estilos de vida voltados para a saúde pode consolidar-se de maneira defi nitiva no decorrer do ciclo vital do indivíduo (Heaven, 1996). Da mesma forma, como a adolescência consiste em um período de aprendizagens e experimentação, no qual são fortes as pressões contextuais para o início de práticas pouco saudáveis, os padrões comportamentais voltados para estas práticas podem tornar-se estilos difíceis de modifi car posteriormente (Sarafi no, 1994; Heaven, 1996).

A adoção de comportamentos vai depender do resultado das interações do jovem com suas circunstâncias peculiares de vida. Como os padrões culturais são uma construção social, faz-se necessário considerar que as escolhas dos jovens são infl uenciadas pelo ambiente no qual vivem. Isto é, um ambiente mais saudável proporcionará um estilo de vida com mais qualidade. Em contrapartida, quando as propriedades do ambiente são adversas, determinam estilos de vida menos saudáveis (Balaguer, Castillo & Pastor, 2002). Nesses contextos são desenvolvidos padrões comportamentais, os quais dizem respeito a formas recorrentes de comportamento que se executam de maneira estruturada, tornando-se hábitos quando constituem a forma preferencial de responder a diferentes situações (Rodríguez Marín & García, 1995).

Na confl uência entre padrões culturais, hábitos e estilos de vida é preciso considerar a integralidade do contexto de vida adolescente em processos inerentes aos contextos sociais (históricos, políticos e econômicos) nos quais estão imersos. Assim, pensar a saúde do adolescente implica em refl etir sobre os diversos modos de viver a adolescência e a vida (Ferreira, Alvinir, Teixeira & Veloso, 2007).

A imagem corporal e a satisfação com o corpo representam aspectos apontados como importantes preditores da percepção de saúde na adolescência (Haraldstad, Christophersen, Eide, Nativg & Helseth, 2011; Simões, Matos & Batista-Foguet, 2008). Tanto meninas quanto meninos preocupam-se com a imagem corporal. No entanto, para as meninas esta é uma marca que as identifi ca, exigindo corpos cada vez mais magros, enquanto meninos, por sua vez, tendem a desejar corpos mais fortes e atléticos. Estudo realizado com 402

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escolares de Florianópolis/SC apontou que a insatisfação da imagem corporal é mais comum no sexo feminino (Pereira, Graup, Lopes, Borgatto & Daronco, 2009).

Neste sentido, o presente estudo visou identifi car os adolescentes por grupos em função de suas características nas variáveis relacionadas à imagem corporal, atividade física, alimentação, sintomas físicos e psicológicos, consumo de drogas legais e ilegais, tempo livre, escola, comunicação com familiares e amigos, e percepção de saúde e felicidade. A partir dessa identifi cação, buscou-se apontar as variáveis que apresentavam maior capacidade discriminante para diferenciar os grupos.

Método

AmostraEstudo de base escolar, com corte transversal, realizado com escolares do nono

ano do ensino fundamental, matriculados na rede pública estadual de municípios da região metropolitana de Porto Alegre/RS (RMPA) em 2009 e 2010. A faixa etária foi fi xada entre 12 e 19 anos, considerando a idade mínima neste nível de ensino e os critérios da OMS para a defi nição da etapa da adolescência (WHO, 1995).

A população foi identifi cada a partir dos dados disponibilizados pela Secretaria de Educação e Cultura/RS em 2009 (N=17.107 alunos matriculados). A amostra inicial foi calculada para representar a população total de escolares. Para o cálculo do tamanho da amostra considerou-se uma prevalência para qualquer desfecho de 50%, um erro máximo tolerado de +3,5% e um nível de signifi cância de 5%. Além disso, para corrigir um possível viés de delineamento, uma vez que este foi um estudo transversal, ampliou-se o tamanho da amostra em 50%. Com isso, o tamanho da amostra com poder de representar o universo de escolares foi de 1125 sujeitos. Para tanto, foram sorteadas aleatoriamente 66 escolas da região metropolitana de Porto Alegre, resultando em 1244 escolares selecionados. Destes, 24 foram excluídos por não haverem preenchido o mínimo de 90% do instrumento de pesquisa, estando a amostra fi nal composta por 1210 alunos, que representam 7% da população.

Instrumentos Como instrumentos foram utilizados: inquérito de dados sociodemográfi cos (sexo,

idade, raça/cor autorreferida, peso e altura autoinformados, e escolaridade dos pais); e, Comportamentos de Saúde entre Escolares, desenvolvido pela OMS para estudar os estilos de vida dos adolescentes em diferentes países (Wold, 1995). Deste instrumento, foram utilizados os blocos referentes a: imagem corporal, atividade física, alimentação, sintomas físicos e psicológicos, consumo de drogas legais e ilegais, tempo livre, escola, comunicação com familiares e amigos, e percepção de saúde e felicidade.

Procedimentos de coleta de dadosApós a autorização das escolas sorteadas, a coleta de dados foi realizada de

forma grupal em salas de aula por bolsistas de iniciação científi ca e acadêmicos de

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psicologia treinados para a atividade. O tempo médio de aplicação foi de 30 minutos. Os participantes responderam ao instrumento de pesquisa mediante assentimento dos estudantes e autorização dos responsáveis (assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), no caso dos menores de 18 anos.

A aplicação inicial dos instrumentos foi acordada previamente com cada escola. Foram combinados três retornos semanais para captar os alunos faltantes no dia das coletas anteriores. Foram consideradas perdas os alunos matriculados que não estavam frequentando as classes e aqueles faltantes no momento da coleta de dados nos quatro encontros, bem como os menores de idade que não haviam trazido assinado pelos responsáveis o TCLE. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de afi liação dos autores (protocolo: 2008-495H).

Procedimentos de análise dos dadosPara a descrição da amostra foi realizada uma análise univariada. A análise de

cluster (Hierárquica e K-Médias) permitiu agrupar os sujeitos segundo seus atributos em grupos e a análise discriminante serviu para identifi car a combinação de variáveis capazes de explicar o máximo de diferenças nos perfi s de escores médios entre os grupos identifi cados na análise de Cluster (Pardo-Merino & Ruiz-Díaz, 2002).

Resultados

A distribuição dos participantes por características sociodemográfi cas revelou que um maior contingente (39,8%) estudava na cidade de Porto Alegre. No eixo norte, contemplando os municípios de Canoas, Nova Santa Rita, Sapucaia, Esteio e Campo Bom, a amostra representou 38,8%. No eixo leste, representado pelos municípios de Cachoeirinha, Alvorada e Gravataí a 13,5% e, no eixo leste, representado apenas pelo município de Guaíba, a amostra correspondeu a 7,9%.

Quanto ao sexo, 51,4% dos participantes eram do sexo masculino. Houve maior concentração de estudantes com 14 anos (50,2%), com uma média de 14,4 anos (DP=± 1,09 anos), sendo esta a idade esperada para o nono ano do ensino fundamental. Em relação à cor da pele autorreferida, 74,4% consideraram-se brancos. Quanto ao estado nutricional, a partir dos dados de peso e altura informados pelos jovens, verifi ca-se que a maioria (66,1%) é eutrófi ca, 22,5% apresentam baixo peso e 11,4% sobrepeso/obesidade.

A escolaridade de pai e mãe foi equivalente, na seguinte ordem: sem estudos ou ensino fundamental incompleto (30,8% dos pais e 30,6% das mães), ensino médio completo (31,1% dos pais e 30,7% das mães), ensino fundamental completo ou médio incompleto (23,3% dos pais e 24,7% das mães) e curso superior (14,8% dos pais e 14,0% das mães).

A análise de cluster revelou que a melhor confi guração do modelo, através do Dendograma, era a de três conglomerados. O método K-Médias permitiu verifi car a distância euclidiana entre as médias ou centroides dos três clusters em cada variável (Tabela 1).

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Tabela 1 – Centroides dos três clusters identificados na amostra de adolescentes escolares da RMPA. (Porto Alegre, 2009-2010) (n=1210).

Variáveis na análise Cluster I (n= 297) Cluster II (n= 580) Cluster III (n=333)

Município/Região 1,61 1,61 1,57

Sexo 1 2 1

Idade 1,29 1,27 1,30

Raça/cor 1,23 1,26 1,28

Níveis índice de massa corporal 1,89 1,90 1,94

Nível de estudos do pai 4 4 4

Nível de estudos da mãe 4 4 4

Situações de embriaguez 0 0 0

Satisfação com o corpo 2 3 2

Avaliação do peso em comparação 3 3 3

Hábitos alimentares em comparação 3 3 3

O quanto acredita estar saudável 3 3 3

Sentimento de felicidade 3 3 3

Sentimento de solidão 1 1 2

Dor de cabeça 2 2 3

Dor de estômago 1 1 2

Dor nas costas 2 2 3

Dificuldades para dormir 2 1 3

Sentir-se deprimido(a) 1 1 3

Sentir-se irritado(a) 2 2 4

Sentir-se nervoso(a) 2 2 4

Gostar da escola 3 3 3

Rendimento escolar em comparação 3 3 3

Ter um bom amigo 1 1 1

Facilidade novos amigos 3 3 3

Como ocupar o tempo em tarde livre 2 3 2

Uso de tabaco 1,29 1,21 1,45

Consumo de álcool 1,69 1,67 1,84

Uso de maconha 1,09 1,07 1,13

Prática de atividade física 1,70 4,62 3,42

Prática de esporte 1,86 4,55 3,50

Comunicação com o pai 2,38 2,76 2,23

Comunicação com a mãe 2,87 3,11 2,83

Comunicação com amigos 3,28 3,28 3,25

Frequência encontro amigos fora da escola 2,18 2,80 2,46

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O agrupamento dos participantes em cada aglomerado apresentou distribuição desigual em relação ao sexo (tabela 2) e diferentes características em termos de satisfação com o corpo, felicidade, solidão, sintomatologia (tabela 3); e rendimento, comunicação com pai e mãe, ocupação do tempo, hábitos alimentares, atividade física e prática de esportes (tabela 4).

Tabela 2 – Dados sociodemográficos dos adolescentes escolares da RMPA. Porcentagens e médias das variáveis inseridas na análise de cluster. (Porto Alegre, 2009-2010) (n=1210).

Variáveis Cluster I (n= 297) Cluster II (n= 580) Cluster III (n=333)

% M(DP) % M(DP) % M(DP)

Município/RegiãoPorto AlegreRegião metropolitana de Porto Alegre

38,761,3

39,061,0

42,657,4

SexoFemininoMasculino

61,338,7

30,969,1

68,231,8

Idade 12-1415-19

71,029,0

72,627,4

70,030,0

Raça/corBrancoNão branco

77,422,6

74,325,7

71,828,2

Níveis índice de massa corporalBaixo pesoPeso normalSobrepeso/obesidade

23,965,310,8

1,9(0,6)22,466,910,7

1,9(0,6)21,365,513,2

1,9(0,6)

Nível de estudos do paiSem estudos/EFI*EFC**EMC***Curso superior

38,420,528,612,5

3,6(1,5)28,124,733,114,1

3,9(1,5)28,823,429,718,0

3,9(1,5)

Nível de estudos da mãeSem estudos/EFIEFCEMCCurso superior

36,325,927,610,1

3,6(1,5)33,025,033,414,8

4,0(1,5)40,223,128,815,9

3,8(1,5)

* EFI= Ensino fundamental incompleto; **EFC= Ensino fundamental completo; ***EMC= Ensino médio completo

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Aletheia 37, jan./abr. 2012 139

Tabela 3 – Aspectos individuais relacionados a saúde dos escolares. Porcentagens e médias das variáveis inseridas na análise de cluster. (Porto Alegre, 2009-2010) (n=1210).

Aspectos individuais Cluster I(n= 297)

Cluster II(n= 580)

Cluster III (n=333)

% M(DP) % M(DP) % M(DP)

Satisfação com o corpoNada/poucoMais ou menosBastante/muito

20,941,437,7

2,2(1,0)8,737,155,2

2,7(0,9)30,641,228,2

2,0(1,1)

Avaliação do peso em comparaçãoMagro/aNem magro/a nem gordo/aGordo/a

27,657,215,1

2,8(0,8)26,362,611,0

2,8(0,7)24,650,524,9

3,0(0,9)

O quanto acredita estar saudávelNada/pouco saudávelBastante/muito saudável

28,371,7

2,8(0,6)19,580,5

3,0(0,7)45,654,4

2,6(0,8)

Sentimento de felicidadeNada/pouco felizBastante/muito feliz

7,492,6

3,3(0,6)4,395,7

3,4(0,6)27,672,4

2,9(0,7)

Sentimento de solidãoNãoSim

20,979,1

1,3(0,9)36,263,8

0,9(0,8)9,091,0

1,9(1,1)

Dor de cabeçaNãoSim

66,733,3

1,7(1,2)65,334,7

1,7(1,1)18,381,7

3,4(1,4)

Dor de estômagoNãoSim

71,428,6

1,4(0,8)74,026,0

1,4(0,8)42,357,7

2,3(1,4)

Dor nas costasNãoSim

63,636,4

1,8(1,2)63,636,4

1,7(1,1)21,678,4

3,3(1,5)

Dificuldades para dormirNãoSim

75,824,2

1,5(1,1)75,524,5

1,5(1,0)32,167,9

3,0(1,6)

Sentir-se deprimido(a)NãoSim

74,425,6

1,4(0,9)81,918,1

1,2(0,6)27,372,7

3,0(1,5)

Sentir-se irritado(a)NãoSim

31,069,0

2,5(1,3)38,361,7

2,2(1,2)3,996,1

4,1(1,0)

Sentir-se nervoso(a) NãoSim

44,855,2

2,2(1,3)50,249,8

1,9(1,1)8,191,9

3,9(1,2)

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Aletheia 37, jan./abr. 2012140

Tabela 4 – Aspectos relacionais e estilos de vida dos escolares. Porcentagens e médias das variáveis inseridas na análise de cluster. (Porto Alegre, 2009-2010) (n=1210).

Aspectos relacionais e estilos de vida Cluster I (n= 297)

Cluster II (n= 580)

Cluster III (n=333)

% M(DP) % M(DP) % M(DP)Gostar da escolaNãoSim

27,672,4

2,9(0,8)26,074,0

2,9(0,7)37,063,0

2,7(0,8)

Rendimento escolar em comparaçãoAbaixo da médiaMédioBom

2,738,758,6

2,8(0,8)2,927,469,7

2,9(0,7)4,533,362,1

2,8(0,8)

Comunicação com o paiDifícilFácil

54,245,8

2,4(1,0)37,562,5

2,7(0,9)61,338,7

2,2(1,0)

Comunicação com a mãeDifícilFácil

31,368,7

2,9(1,0)21,878,2

3,1(0,9)34,066,0

2,8(1,0)

Ter um bom amigoNãoSim

7,492,6

5,095,0

7,892,2

Facilidade novos amigosDifícilFácil

21,978,1

2,9(0,7)9,290,8

3,2(0,6)26,773,3

2,9(0,8)

Comunicação com amigosDifícilFácil

14,185,9

3,3(0,8)15,984,1

3,3(0,9)17,182,9

3,2(0,9)

Frequência encontro com amigos fora da escolaUma vez por semana ou menosMais de uma vez por semana

39,061,0

2,2(1,2)17,982,1

2,8(1,1)31,568,5

2,4(1,3)

Como ocupar o tempo em tarde livreNãoSim

10,889,2

2,4(0,7)2,497,6

2,6(0,5)9,390,7

2,4(0,6)

Uso de tabacoNãoSim

85,514,5

1,3(0,8)87,212,8

1,2(0,6)78,421,6

1,4(1,0)

Consumo de álcoolNãoSim

36,064,0

1,7(0,6)37,462,6

1,7(0,6)26,773,3

1,8(0,7)

Situações de embriaguezNãoSim

77,822,2

0,2(0,6)75,524,5

0,3(1,5)70,929,1

0,5(0,9)

Uso de maconhaNãoSim

96,63,4

1,1(0,6)97,12,9

1,2(0,5)95,24,8

1,1(0,7)

Hábitos alimentares em comparaçãoMenos saudáveisIgualMais saudáveis

16,853,529,6

3,2(0,8)8,149,342,6

3,5(0,9)18,745,335,1

3,2(1,0)

Prática de atividade físicaNãoSim

65,035,0

1,7(1,1)1,298,8

4,6(1,0)22,277,8

3,4(1,6)

Prática de esporteNãoSim

56,243,8

1,9(1,1)1,298,8

4,5(1,0)18,082,0

3,5(1,5)

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O aglomerado 1 (n=297) é composto por meninas que se consideram brancas, com menor índice de massa corporal e que estão relativamente satisfeitas com seu corpo. Elas têm menor sentimento de solidão e apresentam menos sintomas físicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas) e psicológicos (sentir-se deprimidas, irritadas e nervosas). No que tange a difi culdades para dormir elas apresentam uma posição média e, quanto aos relacionamentos, elas apresentam um nível médio de facilidade/difi culdade de falar com pai e mãe e menor frequência de encontro com amigos fora da escola. Em relação ao estilo de vida, o consumo de álcool e tabaco é médio e a prática de atividade física e esportes é inferior aos demais grupos.

O aglomerado 2 (n=580) é formado por meninos, brancos, com índice médio de massa corporal, mas que estão mais satisfeitos com o seu corpo. Eles também apresentam pouco sentimento de solidão e menos sintomas físicos e psicológicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas, difi culdades para dormir, sentir-se deprimidos, irritados e nervosos). Este é o grupo que tem mais opções sobre como ocupar seu tempo livre, maior frequência de contato com amigos fora da escola e melhor comunicação com pai e mãe. Apresentam o menor consumo de álcool e tabaco e a maior prática de atividade física e exercícios.

O aglomerado 3 (n=333) agrupou meninas, cujo grupo apresenta mais participantes que se consideram como não brancas, com maiores índices de massa corporal e que estão menos satisfeitas com seu corpo. Elas apresentam maior sentimento de solidão e mais sintomas físicos (dor de cabeça, de estômago, nas costas) e psicológicos (difi culdades para dormir, sentir-se deprimidas, irritadas e nervosas). As opções para ocupar o tempo livre são mais restritas. Elas apresentam média frequência de encontro com amigos fora da escola e pior comunicação com pai e mãe. Quanto a estilos de vida, essas meninas apresentam maior consumo de tabaco e álcool e média prática de atividade física e exercícios.

A investigação das variáveis que contribuíram para a diferenciação dos três clusters mostrou duas funções discriminantes. A primeira explicou 60,5% da variância e, de acordo com os centroides dos grupos, discrimina melhor os aglomerados 2 (-1,146) e 3 (2,151), sendo que o de número 1 (-0,174) está mais próximo do 2. Já a segunda função, explicou 39,5%, discriminando o aglomerado 1 (-1,951) do 2 (0,705) e 3 (0,513), que estão bastante próximos. O autovalor das duas funções foram, respectivamente, 1,915 e 1,248 e o l de Wilks foi de 0,153 na função 1 e 0,445 na função 2. Tais valores indicam que há pouca sobreposição entre os grupos. O valor transformado de l na função (X2=2251,29), associado a 40 graus de liberdade, e o valor de l na função 2 (970,20), associado a 19 graus de liberdade, apresentam p≤0,001. Na tabela 5, encontram-se as variáveis mais relevantes na capacidade diferenciadora das funções discriminantes.

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Aletheia 37, jan./abr. 2012142

Tabela 5 – Variáveis que entraram na Função Discriminante entre os clusters conforme sua contribuição dis-criminativa na matriz estrutural nas duas funções identificadas entre adolescentes escolares da RMPA. (Porto Alegre, 2009-2010) (n=1210).

Variáveis discriminantes Função

1 2

Sentir-se deprimido(a) 0,541(*)

Sentir-se nervoso(a) 0,537(*)

Sentir-se irritado(a) 0,493(*)

Dor de cabeça 0,428(*)Dificuldades para dormir 0,385(*)Dor nas costas 0,377(*)

Sentimento de solidão 0,329(*)Dor de estômago 0,269(*)Sexo -0,232(*)

Satisfação com o corpo -0,210(*)

Comunicação com o pai -0,159(*)Prática de atividade física 0,809(*)Prática de esporte 0,772(*)

Frequência de encontro com amigos fora da escola 0,167(*)

Como ocupar o tempo em tarde livre 0,118(*)

A função 1 discriminante está composta por 11 variáveis com ponto de corte superior a 0,10. As variáveis referentes a sintomas psicológicos: sentir-se deprimido(a) (0,541), sentir-se nervoso(a) (0,537), sentir-se irritado(a) (0,493) e difi culdades para dormir (0,385), sentimento de solidão (=,329) e sintomas físicos de dor de cabeça (0,428), dor nas costas (0,377) e dor de estômago (0,269) são aspectos mais presentes entre as participantes do aglomerado 3. Já no sexo masculino (-0,232), a maior satisfação com o corpo (-0,210) e a maior facilidade de comunicação com o pai (-0,159) caracterizam o aglomerado 2.

A função 2 está composta por quatro variáveis. A maior prática de atividade física (0,809), maior prática de esportes (0,772), maior frequência de encontro com amigos fora da escola (0,167) e maior possibilidades de ocupação do tempo livre (0,118) são aspectos mais presentes no grupo 2, discriminando-o do grupo 1. Ressalta-se, nesta função, a proximidade entre os aglomerados 2 e 3, revelando uma maior similaridade entre estes grupos na discriminação com o grupo 1.

Discussão

Os adolescentes participantes do estudo são predominantemente de área urbana, com idade média adequada ao seu nível de escolaridade. Em sua maioria, consideram-se brancos e a maior parte de seus pais tem escolaridade igual ou inferior a que eles tinham no momento da coleta. Esses adolescentes, por estarem inseridos no contexto escolar, contam com um fator adicional de proteção que deve ser considerado na avaliação dos resultados (Gallo & Williams, 2008).

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A análise de cluster revelou três grupos de jovens, sendo que as meninas dividiram-se em dois grupos. O aglomerado 1, de meninas, apresenta um perfi l mais saudável em comparação com o outro grupo de meninas (aglomerado 3), ainda que ambos os grupos de meninas apresentem um perfi l menos saudável que o grupo dos meninos (aglomerado 2). Este resultado é concordante com um estudo sobre a percepção de saúde de adolescentes, o qual encontrou uma percepção mais negativa entre as meninas (Strelhow, Bueno & Câmara, 2010). Nesse sentido, pode-se dizer que a percepção corresponde efetivamente a estilos de vida menos saudáveis. Galárraga, Aguilá e Rajmil (2009) também encontraram diferença entre os sexos quanto à percepção de saúde e de qualidade de vida, sendo que as meninas percebem-se com pior saúde. Outros estudos relacionados à percepção de bem-estar pessoal entre meninos e meninas revelam diferenças signifi cativas para uma percepção mais negativa nas meninas. Em estudo de Sarriera, Bedin, Abs, Rodrigues e Paradiso (2012), com 1588 escolares do Estado do Rio Grande do Sul, com idade entre 12 e 16 anos (M=14,15; DP1,26), encontrou-se que apenas aos 12 anos as médias das meninas são superiores às médias dos meninos na percepção de bem-estar pessoal (Personal Wellbeing Index – PWI, Cummins, 1998), apresentando diferença signifi cativa (t=2,068; df=591,34; p=0,039), com médias de PWI de 82,58 para meninos e 80,85 para as meninas. Isso, de certa forma, refl ete-se nos dados acerca da avaliação dos adolescentes quanto à sua alimentação. Os meninos consideram sua alimentação mais saudável em comparação com seus pares, enquanto as meninas tem uma avaliação menos positiva.

A avaliação subjetiva de saúde, a satisfação com a imagem corporal e a percepção de felicidade são mais positivas entre os meninos, indicando que os três construtos seguem um padrão. Em estudo realizado com estudantes portugueses, a contribuição do gênero explicou apenas 3% da variância de bem-estar. No entanto, foi verifi cada associação entre autoestima e bem-estar subjetivo (satisfação com a vida). De acordo com os autores, a autoestima corresponde a uma avaliação do sujeito sobre si, enquanto a satisfação com a vida representa uma avaliação da vida em geral. Essa relação foi interpretada como resultante do fato de ambos os construtos terem em comum um componente valorativo e emocional: gostar de si ou da vida que se tem. Nesse sentido, a relação entre autoestima e bem-estar subjetivo abre espaço para que se possa falar de níveis de felicidade, os quais podem ser considerados como mediadores das dimensões psicológicas relacionadas com objetivos, motivações, autonomia e autorrealização (Ryff, 1989; Delle Fave, Brdar, Freire, Vella-Brodrick & Wissing, 2011).

O modo como o indivíduo utiliza seu tempo livre varia conforme o contexto social, cultural, econômico, ideológico e físico no qual está inserido, incluindo fatores psicológicos individuais do adolescente (Sarriera, Paradiso, Mousquer, Marques, Hermel, Coelho, 2007). Na adolescência, grande parte do tempo livre é ocupada na companhia de pares (Garcia-Castro & Perez Sanchez, 2010). Embora muitas atividades sejam compartilhadas com a família, é fora de casa que se estabelecem relações interpessoais mais aprofundadas, seja com pares ou outros adultos (Bueno, Strelhow & Câmara, 2010). A família, no entanto, segue tendo um papel de referência para o adolescente, assim como o contexto escolar (Klosinski, 2006; Lila, Buelga & Musitu, 2009).

Nesse sentido, é preciso contextualizar o sentimento de solidão experienciado pelos jovens. No presente estudo, os meninos são os que apresentaram menor sentimento

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de solidão, o que se soma aos aspectos relacionais e estilos de vida como gostar da escola, percepção mais positiva de seu rendimento escolar, facilidade para fazer novos amigos e frequência de encontro com amigos e comunicação com pai, mãe e amigos. O contexto relacional avaliado contemplou essas dimensões da vida adolescente nas quais os meninos apresentaram dados mais positivos, seguidos pelas meninas do aglomerado 1. O sentimento de solidão, na adolescência, está ligado a esferas bem específi cas de sua vida. A literatura aponta que pessoas com mais amigos, com maior qualidade em suas relações e mais interações sociais apresentam maior satisfação com a vida (González Carrasco, 2006).

No que diz respeito à mediação psicológica entre suporte social e saúde, há consenso entre vários pesquisadores, seja pela diminuição dos efeitos negativos de eventos estressores ou pelos mecanismos desenvolvidos no contexto familiar que permitem ao indivíduo a busca pelo suporte social (González Carrasco, 2006). Estudo realizado com 3185 crianças e adolescentes de Portugal, com idades entre 10 e 16 anos, encontrou que as meninas apresentavam médias signifi cativamente superiores em atividades ligadas ao suporte social em comparação aos meninos. Para os autores, as meninas têm maior satisfação em desenvolverem atividades com a família e mais facilidade para falar de sua intimidade, enquanto os meninos falam pouco de si próprios e são mais seletivos na escolha de pessoas com quem conversar sobre temas pessoais (Gaspar, Ribeiro, Leal & Matos, 2008). Diferente desse, o presente estudo verifi cou que ambos os grupos de meninas, em comparação o de meninos, apresentam maior sentimento de solidão, gostam menos da escola, consideram seu rendimento menor, têm menos facilidade para falar com os pais e para fazer novos amigos.

Os fatores mais importantes na diferenciação entre os dois grupos de meninas e o grupo de meninos dizem respeito a sintomas físicos e psicológicos e consumo de tabaco, álcool e maconha, nos quais as meninas do aglomerado 1 passaram a ter maior proximidade com o aglomerado 2 dos meninos e ambos diferenciaram-se do aglomerado 3, de meninas. A frequência de meninas do grupo 3 que apresentou dor de cabeça, de estômago, nas costas, difi culdades para dormir, sentimento de depressão, irritação e nervosismo foi bem mais elevada que os dois outros grupos. O mesmo ocorreu com o consumo de tabaco, álcool e maconha, além de mais situações de embriaguez. Nesse sentido, o perfi l do aglomerado 3 permite identifi car um grupo de meninas com estilo de vida muito pouco saudável, o que se refl ete nitidamente nos aspectos individuais, psicossomáticos e psicológicos, bem como nos aspectos relacionais e de uso de substâncias.

Esse resultado sugere que as meninas do conglomerado 3 têm vivido um contexto perceptivo e relacional bastante negativo, o que se soma a uma menor percepção de saúde e felicidade, mais sintomas físicos e psicológicos e um estilo de vida mais voltado ao uso de substâncias. Assemelham aos meninos (que correspondem ao grupo mais saudável) no que tange à prática de atividade física e esportes. Nesse aspecto, os aglomerados 2 e 3 diferenciam-se bastante do aglomerado 1. Quanto à diferença entre meninos e meninas, estudo com 960 adolescentes de Pelotas, RS identifi cou uma prevalência de sedentarismo de 22,2% para os meninos e 54,5% para as meninas. Foi identifi cada a infl uência de fatores biológicos, comportamentais e culturais na determinação do sedentarismo (Oehlschlaeger, Pinheiro, Horta, Gelatti & San’Tana, 2004).

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Em estudo qualitativo sobre tempo livre entre adolescentes de ensino médio na Argentina, os autores identifi caram que sempre havia um contingente de jovens “não adaptados” ou que “não se encaixavam” no conceito hegemônico sobre o que representava ser um estudante de ensino médio. Esses jovens eram denominados “estranhos” ou “nerds”, termos que têm uma conotação pejorativa entre adolescentes. No entanto, os pesquisadores verifi caram que os jovens assim classifi cados não buscavam aceitação pelos pares, parecendo não ser importante a opinião dos demais sobre eles. Eram jovens, habitualmente, identifi cados com algumas tribos juvenis (Camarotti, Di Leo & Kornblit, 2007). Não é possível afi rmar que esse seja o caso das meninas do aglomerado 3, uma vez que tanto meninas quanto meninos podem identifi car-se ou serem classifi cados como desviantes, segundo o padrão normativo entre os pares.

Ao serem avaliadas quais, dentre as variáveis em estudo, melhor diferenciam os três grupos, identifi cam-se dois perfi s que discriminavam sempre os meninos das meninas. A adolescência, como uma etapa do ciclo vital, apresenta suas peculiaridades e, entre elas, está o processo de organização identitária, o qual é extremamente angustiante e acarreta uma profusão de sentimentos para ambos os sexos (Contreras Romeroe et al, 2009). No caso das meninas, no entanto, estes se apresentam como sintomas psicológicos (depressão, nervosismo, irritação) ou psicossomáticos, como é o caso de dor de cabeça, nas costas, no estômago e difi culdade para dormir. São sintomas que estão presentes em qualquer etapa do ciclo vital, mas na adolescência, podem fazer parte de uma experiência feminina (Campagna, 2005).

A satisfação com o corpo entre as meninas tende, também, a ser menor (Contreras et al, 2009). Esse tem sido um fenômeno recorrente nos estudos sobre imagem corporal (Langoni, Aerts, Alves & Câmara, 2012; Pereira et al, 2009) e os resultados indicam uma maior preocupação com a aparência física entre as meninas. Ou seja, a socialização de gênero ainda se faz presente, com as meninas incorporando em sua identidade uma ideia de corpo de beleza ideal (Pereira et al, 2009). A comunicação com a fi gura paterna também pode ser derivada dessa socialização, uma vez que as meninas sofrem maior controle familiar e, possivelmente, têm maior difi culdade de conversar com o pai sobre seus interesses (Guimarães, Hochgraf, Brasiliano & Ingberman, 2009). Os meninos, por sua vez, são incentivados a um estilo de vida mais livre e menos regulamentador, o que abarca a prática de atividade física e esportiva, o uso de tempo livre e a socialização com os amigos (Contreras Romero et al, 2009; Traverso-Yépez & Pinheiro, 2005).

Os dois perfi s encontrados diferem por seu caráter internalizante (função 1) e externalizante (função 2). Os aspectos voltados para sensações do indivíduo, incluindo sintomas psicológicos e físicos, bem como a preocupação com o corpo, são os aspectos que diferenciam os jovens com percepção de estilo de vida mais e menos saudável. Na função 2 verifi cam-se aspectos voltados para as relações com pares, diversão e atividade esportiva, o que contribui na diferenciação de gênero, uma vez que as meninas do grupo 3 apresentam características externalizantes similares às do grupo de meninos.

Nesse sentido, os resultados indicam que é necessária uma maior atenção à saúde das meninas adolescentes, especialmente por estas apresentarem sintomas menos identifi cáveis de mal estar psicológico, os quais são voltados para comportamentos e percepções mais negativas de si mesmas. Além disso, é preciso considerar que

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as meninas apresentam um perfi l menos homogêneo que os meninos em termos de estilos de vida e saúde. Assim, as intervenções também precisam ser direcionadas às particularidades de cada grupo.

É importante ter cautela acerca dos resultados encontrados, uma vez que o presente estudo limita-se a adolescentes da região metropolitana de Porto Alegre, a qual tem características mais urbanas que rurais, acarretando, portanto, em aspectos de uma vida citadina. São jovens inseridos no sistema escolar, o que representa um importante fator de proteção. Nesse sentido, outros estudos são necessários para compreender as diferenças entre meninos e meninas em termos de estilos de vida promotores de saúde ou de risco, uma vez que o sexo apresentou-se como uma variável fundamental nos perfi s encontrados.

Referências

Balaguer, I., Castillo, I., & Pastor, Y. (2002). Los estilos de vida relacionados con la salud en la adolescencia temprana (pp. 5-26). Em I. Balaguer (Ed.), Estilos de vida en la adolescencia. Valencia: Promolibro.

Bueno, C. O., Strelhow, M. R. W., & Câmara, S. G. (2010). Inserção em grupos formais e qualidade de vida entre adolescentes. Psico-USF, 15(3), 311-320.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em outubro de 2012

Sheila Gonçalves Câmara – Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil). Professora do Departamento de Psicologia (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).Denise Rangel Ganzo de Castro Aerts – Médica. Doutora em Clínica Médica, área de concentração em Epidemiologia. Professora do Curso de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil).Gehysa Guimarães Alves – Socióloga. Doutora em Educação. Professora do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Universidade Luterana do Brasil).

Endereço para contato: [email protected]

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Desafi os nas ações de atenção primária: estudo sobre a instalação de programa de visitas domiciliares

para mães adolescentes

João Eduardo Coin-CarvalhoFabiana Cristina Federico Esposito

Resumo: A Estratégia Saúde da Família (ESF) busca se confirmar como intervenção emancipadora e transformadora dos sujeitos, consideradas a preocupação com o acolhimento e a especificidade da atenção, como no caso mães adolescentes. O objetivo deste trabalho foi estudar as condições para a implantação de um programa de visitadoras domiciliares para adolescentes puérperas em parceria com ESF. O trabalho teve como participantes 84 moradores e 15 profissionais de saúde, ao longo de 51 encontros e reuniões. Os resultados revelam mulheres e funcionários que se acusam mutuamente de “invasores”, confrontando duas perspectivas em relação ao lugar da ação de saúde: a “UBS”, marcada pelo controle técnico-institucional, e o “Posto”, patrimônio da comunidade. Concluímos que a formação especifica de profissionais e estudos sobre as histórias das relações entre a comunidade e os serviços públicos são pontos de partida que profissionais e comunidade possam se reconhecer como parceiros das ações de saúde.Palavras-chave: estratégia saúde da família, visitas domiciliares, maternidade adolescente.

Challenges in primary care actions: A study on the installation of a program of home visiting for teenage mothers

Abstract: The Family Health Strategy intends to be a liberating and transforming action for social subjects, dealing with clients’ reception and specific attention, as in the case of teenage mothers. The aim of this work was to study the conditions for conducting a home visiting program for adolescent mothers in partnership with a FHS team. The study participants were 84 residents and 15 health professionals, over 51 meetings and gatherings. The results reveal that women and health professionals accuse each other of “invaders”, comparing two approaches in relation to the place of a health action: the “Unidade Basica de Saude”, within a technical and institutional remark, and the “Posto”, a community heritage. We conclude that specific professional training must join studies about the history of relationships between community and public health services are a starting point to conduct professionals and community residents as partners of health actions.Keywords: family healthcare strategy, home visiting, adolescent motherhood.

Desafíos en las acciones de atención primaria: un estudio sobre la instalación de un programa de visitas domiciliarias a madres adolescentesResumen: La Estrategia Salud de la Familia busca una acción liberadora de los sujetos sociales, considerando la preocupación por la acogida y la especificidad de la atención, como en el caso de adolescentes madres. El objetivo de esta investigación fue estudiar las condiciones para la aplicación de un programa de visitas domiciliarias para adolescentes puérperas, en colaboración con equipo ESF. Los participantes del estudio fueran 84 moradoras y 15 profesionales de salud, durante 51 encuentros. Los resultados revelan que las mujeres y los empleados se acusan mutuamente de “invasores”, construyendo lugares para la acción sanitaria: la “UBS”, marcada

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por el control técnico, y el “Posto”, patrimonio de la comunidad. Así, entendemos la importancia de unirse la formación profesional específica y lo estudio de las historias de relaciones entre la comunidad y los servicios públicos como punto de partida para que los profesionales y la comunidad pueden ser socios de las acciones de salud.Palabras clave: estrategia salud de la familia, visita domiciliaria, maternidad adolescente.

Introdução

As intervenções em saúde em sua dimensão coletiva consideram a assistência à saúde como uma interferência consciente pelo conjunto dos profi ssionais de saúde no processo saúde-doença de uma dada coletividade, objetivando o desenvolvimento de uma consciência crítica por parte dos usuários, para que estes se tornem sujeitos de suas próprias transformações. Essa consciência crítica é possível na medida em que são expostas as contradições da realidade, considerando também os pontos de vulnerabilidade e os momentos e formas de intervenção. A concepção teórica do Programa Saúde da Família (PSF) traz as potencialidades para se transformar em uma proposta de intervenção em saúde que busca essa atuação emancipadora e transformadora dos sujeitos e, ao optar pela instituição do acolhimento como um processo de trabalho nas Unidades de Saúde da Família, incrementa essa potencialidade inicial. (Francolli & Zoboli, 2004).

Dependendo da adesão dos gestores estaduais e municipais de saúde, o Programa vem se expandindo desde 1994 e, embora mostre resultados muito positivos nos indicadores de saúde e qualidade de vida das populações atendidas, exige que ainda se faça um grande esforço para sua implantação efetiva num maior número de municípios brasileiros. Avaliações realizadas e a percepção advinda do acompanhamento rotineiro do PSF indicam três grandes grupos de problemas para a sua implementação: os relacionados à difi culdade de substituir o modelo e a rede tradicional de atenção à saúde; os aspectos relacionados à inserção e desenvolvimento de recursos humanos; e o monitoramento efetivo do processo e resultados do PSF, incluindo os instrumentos e estratégias de sua avaliação. Ainda outro grupo de problemas está relacionado com a garantia da integralidade, considerada na dimensão da integração aos demais níveis de complexidade da rede de serviços de saúde. Difi culdades verifi cadas na implementação do PSF em municípios de pequeno e médio porte são potencialmente agravadas nas grandes cidades e metrópoles, considerando-se a existência de altos índices de exclusão do acesso aos serviços de saúde, agravos de saúde característicos dos grandes centros, oferta consolidada de uma rede assistencial desarticulada e mal distribuída, predominância de modalidade tradicional de atendimento à demanda e de programas verticalizados sem estabelecimento de vínculos com a comunidade do entorno (Brasil, 2005). Junte-se a isto as condições e contradições no fi nanciamento, e o distanciamento dos princípios políticos norteadores da Reforma Sanitária em benefício de uma perspectiva expansionista e tecnicista (Cohn, 2009).

Pesquisas têm mostrado o desejo de meninos e meninas de também serem pais e mães (Carvalho, 2007). Apesar da literatura historicamente ter construído a gravidez e a maternidade na adolescência como um problema de saúde pública,

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diversos trabalhos têm indicado como a gravidez/maternidade adolescente não produz apenas um problema na vida da adolescente, mas é, muitas vezes, motor para a melhora de vida, com investimentos nos estudos e no trabalho (Geronimus, 2003). As vantagens da maternidade são identifi cadas na melhora da qualidade de vida, como preenchendo um vazio, dando razão para viver, aumentando o sentimento de autoconfi ança e construindo a sensação de pertencer de fato a uma família (Hoga, 2008). Na gravidez/maternidade várias adolescentes afi rmam e demonstram um importante amadurecimento e a saída da vida de criança para encontrar-se mulher. A satisfação com a maternidade também está associada à rede de relações que a adolescente detém neste período e que inclui companheiro e familiares (Hoga, 2008). Os ganhos ou compensações que podem acompanhar a maternidade na adolescência fi cam ameaçados em função das mudanças psicossociais encontradas nesta nova condição e que, via de regra, não são apoiadas entre pares, pelos pais/mães ou pelos serviços de saúde, no mais, pouco equipados para atenderem a esta clientela (Ferrari, Thomson e Melchior, 2008).

O atendimento às mães adolescentes passa por questões fundamentais, como no reconhecimento da importância do trabalho conjunto entre profi ssionais de saúde e famílias no entendimento; na função ativa da família no processo; nas demandas específi cas dos adolescentes associadas à gravidez; na promoção do empoderamento das mulheres (Hoga, 2008). Outra questão é a da necessidade de se trabalhar com os jovens, interdisciplinarmente, e dentro de suas próprias condições. De fato, o trabalho com adolescentes de populações de baixa renda atendidas pelos serviços públicos de saúde (SUS/PSF) indica que há ainda há muito a ser construído de específi co e apropriado, especialmente em relação ao pós-parto, demandando ação que incorpore as perspectivas dos próprios adolescentes e seus saberes (Ferrari, Thomson e Melchior, 2008).

A Visita Domiciliar tem se tornado um modelo popular de atendimento de saúde a famílias vulneráveis. Sujeitos a críticas pela suscetibilidade às características dos visitadores (Haynes-Lawrence, 2008), estes programas têm objetivos mais restritos e buscam populações-alvo específi cas (Tandon, Mercer, Saylor e Duggan, 2008). No atendimento a mães adolescentes e pobres, por exemplo, este recurso tem contribuído para incrementar o cuidado com a criança, diminuir casos de negligência e abuso, e ainda diminuir gravidezes subsequentes e problemas com drogas. Utilizando voluntários, estes Programas, embora tradicionais, ainda não têm sido sufi cientemente avaliados quanto à sua efetividade (Barnet, Liu, Devoe, Alperovitz-Bichell e Duggan, 2007). Trabalhos sobre as visitas domiciliares durante o puerpério devem ser entendidos entre aqueles que buscam recursos teórico-metodológicos para ações de Promoção de Saúde. A centralidade da promoção na ação de saúde pública está associada, entre outros temas, à busca de responsabilidade compartilhada entre indivíduos, comunidade, grupos, profi ssionais da saúde, instituições que prestam serviços de saúde e governos. Isto exige a abertura e a manutenção de canais de contato entre estas diferentes instâncias, respeitadas as condições culturais, tradições e backgrounds de todos os indivíduos e grupos envolvidos nestas ações. Solicita também um esforço para a educação e a formação técnica, fi losófi ca e política, aqui, de todos

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os profi ssionais da área de saúde, da gestão e do campo, que devem estar preparados para alcançar metas que incluam, no caso brasileiro, o compromisso com o Sistema Único de Saúde (SUS), o encontro com a diferença e o reconhecimento de todos, usuários, gestores e profi ssionais, como pessoas numa perspectiva integral (Buss, 2000). A importância das visitas domiciliares como ações de promoção de saúde na vida de crianças e jovens pode ser verifi cada em trabalhos recentes que mostram como efeitos de longa duração de visitas domiciliares diferenças signifi cativas para jovens de grupos vulneráveis que receberam visitas domiciliares, em relação à frequência ao pré-natal ou no envolvimento com a criminalidade (Eckenrode et al., 2010).

O objetivo deste trabalho foi estudar as condições para a implantação de um programa de visitadoras domiciliares voluntárias junto a uma população de mães adolescentes no período do puerpério, moradoras de uma comunidade de baixa renda da Zona Norte da Cidade de São Paulo, em parceria com Unidade Básica de Saúde da Família da região.

O trabalho é oportunidade para discutir as condições para a entrada efetiva do psicólogo nos serviços de saúde pública, especialmente no que diz respeito à Atenção Primária e à Promoção de Saúde, junto a equipes de PSF, considerando as condições institucionais e históricas dos serviços para ações interdisciplinares e o uso do conhecimento disponível dentro da própria comunidade.

Métodos e procedimentos

O trabalho, realizado entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2010, teve como participantes moradores da Vila Nova Tietê, uma das vilas do Complexo da Funerária que se utiliza da Unidade Básica de Saúde – UBS Parque Novo Mundo I e profi ssionais de saúde do equipamento. Participaram da pesquisa 79 mulheres que estiveram nas Rodas de Conversa na UBS, 5 mulheres, lideranças da comunidade, e 15 profi ssionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Os encontros com as equipes de campo e administrativas aconteceram sempre dentro da UBS, convocadas pelas respectivas chefi as normalmente durante as reuniões de rotina das equipes. Os encontros com os moradores aconteceram dentro da comunidade, na igreja católica do bairro, na associação de moradores ou nas casas de moradores, sempre a convite dos pesquisadores. As Rodas de Saúde, grupos abertos e de participação espontânea, aconteceram semanalmente, com duração de três horas, entre outubro de 2009 e junho de 2010, na antessala da consulta pré-natal (PN). As interessadas eram convidadas a participar de uma “conversa com psicólogos”, apresentado o primeiro nome, idade e tempo gestacional. Todos os encontros, reuniões e Rodas com profi ssionais e moradores foram registrados e submetidos à análise de conteúdo, considerando as condições simbólicas e imaginárias que marcam instituição e comunidade (Castoriadis, 1986). O trabalho teve autorização formal da Gerência da UBS (PMSP – SPDM), da Organização Social (OS) responsável pela UBS e da Supervisão de Saúde Vila Maria-Vila Guilherme, tendo aprovação do Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde – CEP/SMS (CAAE: 0160.0.162.000-09) e foi conduzido por um psicólogo e uma estudante de psicologia, bolsista de iniciação científi ca (PIBIC).

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O Centro de Saúde do Parque Novo Mundo foi fundado em setembro de 1984. Em maio de 1985 foi instituído como UBS. O Programa Saúde da Família (PSF) teve início na comunidade em 2000. Atualmente há 5 equipes PSF constituídas pela formação mínima: um medico, um enfermeira, duas auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde na proporção de um para cada 150 famílias. Em novembro de 2009 a população de abrangência da UBS era de 33.400 moradores, enquanto a população cadastrada perfazia 20.677 moradores. As reuniões com as gestantes/mães participantes da pesquisa (a Roda de Mulheres) aconteceram na própria UBS.

Resultados e discussão

Ao longo da pesquisa foram realizados e registrados 9 encontros com a comunidade, 12 reuniões e encontros como os dirigentes gerenciais e técnicos da UBS/PMSP, 9 reuniões e encontros com os profi ssionais da UBS e 21 encontros com gestantes e mães da comunidade. A partir de outubro de 2009, após a aprovação do CEP/SMS foi reiniciado um dos procedimentos de atenção e acompanhamento da comunidade que veio sendo desenvolvido na comunidade nos dois anos anteriores, a Roda de Mulheres (Carvalho et al., 2008). Os registros destes encontros e reuniões foram organizados de acordo com dois grandes conjuntos que pretenderam oferecer um entendimento das condições de instalação do programa de visitadoras a partir de dois polos que se apresentaram ao longo dos encontros: as mulheres, usuários da comunidade que foram ouvidas nas Rodas, e os funcionários administrativo-gerenciais e técnicos. Neste embate, surgem duas perspectivas em relação ao lugar da ação de saúde: a “UBS”, marcada pela burocracia e pelo controle técnico-institucional, e o “Posto”, patrimônio da comunidade reivindicado como território de acolhimento. A apresentação destas duas perspectivas vai sendo atravessada pelos relacionamentos entre os diferentes atores institucionais, pela história da UBS/Posto e pela nossa presença como ferramentas de análise destas condições.

A história da investigação: parcerias, possibilidades, embates e resistências

Desde o primeiro contato, as reuniões e discussões com a equipe da UBS e gestores já sugeriam que a implantação do serviço não seria fácil, exigindo cuidado e atenção às reivindicações e condições da parceria. De fato, esta condição inicial rendeu um semestre de intensas negociações entre o pesquisador, a UBS (gerência e profi ssionais), a Supervisão de Saúde e a Organização Social, entidade sem fi ns lucrativos responsável pelo gerenciamento do serviço, que culminaram com a liberação para submeter o trabalho para o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde (CEPSMS) apenas no fi nal de junho de 2009.

O contato com os profi ssionais da UBS só então pode ser retomado visando à realização da pesquisa, tratando diretamente com os “principais” protagonistas: população e profi ssionais. Nestes contatos foi possível confi rmar a importância do trabalho com as puérperas e, mais especialmente, com as mães adolescentes. A comunidade se mostrou surpreendentemente solidaria com a proposta de trabalho

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com voluntarias, reforçando um entendimento de que esta estratégia de promoção comunitária de saúde pode mesmo ser efi ciente Ao mesmo tempo, convivemos com uma desconfi ança insistente na instituição por parte da equipe de profi ssionais, que nos tomaram como “invasores” de um terreno que já possuía proprietários.

As mulheres nas Rodas: demanda por falar o que não pode ser tratado

As Rodas de Mulheres ofereceram a oportunidade de, literalmente, fi carmos no meio do caminho, sendo vistos por usuários e trabalhadores da UBS. Como estratégia de aproximação da equipe de pesquisadores, o contato com as gestantes e acompanhantes permitiu também nos familiarizarmos com as demandas e as rotinas das equipes e nos aproximarmos dos usuários. Chamou a atenção a franqueza com a qual apareceram nestes encontros referências sobre os modelos de pai, mãe e de grávida, quase sempre implícitas, por exemplo, em questões sobre a amamentação ser ou não sufi ciente, as demandas de atenção e cuidado, ou sobre a alimentação da grávida: A. (25a), por exemplo, acha que a amamentação materna não é tão importante, “no Norte mamam direto leite de vaca e não morrem” (sic). Foi notável a condição de isolamento das mulheres que afi rmavam não ter com quem conversar, especialmente agora durante a gravidez. N. (18a), inteligente, falante, cheia de potencialidades, contava como conversava com o cachorro e com o tomateiro (a planta) quando o marido não estava em casa. E acrescentava que o marido, quando em casa, pedia que ela “não falasse durante o fi lme na TV” (sic).

As mulheres grávidas da comunidade mal se conhecem mesmo morando na mesma rua. Surpreendente é que, mesmo quando se conhecem, quase não trocam experiências sobre esta condição e muitas acabam descobrindo as grávidas da vizinhança nas consultas de pré-natal, o que sugere a gravidez como experiência privada que se ajusta bem ao aconchego e sossego do lar. Pode-se pensar que fi car em casa é também mais seguro em função da violência presente na comunidade, ou que, simplesmente, não é adequado sair de casa para visitar vizinhas e vice-versa. Amigas de muitos anos, duas delas só se visitaram em casa uma única vez neste período. Já o modelo de sociabilidade dos homens, segundo elas, é bastante diferente, o que elas chamam de “rueiro”. Eles não estão nas casas uns dos outros, mas têm espaços de convivência comum, como os bares e os jogos de futebol. Lá todos se encontram, todos os homens se conhecem.

Estas observações são importantes para se considerar a importância de espaços de encontro e sociabilidade entre as mulheres da comunidade, que ainda são raros, e que dizem das difi culdades que a implantação de programas de visitação encontram. Rodas de Mulheres fora do espaço do pré-natal ganham importância estratégica em meio a uma cultura patriarcal que pretende o modelo de Maria, a mulher em casa, mãe, controlada (DeSouza, Baldwin e Da Rosa, 2000).

A restrição ao movimento e à sociabilidade também se dá em relação ao trato de temas específi cos. Segundo as falas das gestantes acompanhadas nas Rodas, a proporção de abortos se aproxima dos números da literatura (Cecatti, Guerra, Souza & Menezes, 2010), reforçando o entendimento da gravidade desta questão entre as mulheres da

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comunidade. A gravidade deste quadro, considerada a diferença entre o que de fato acontece e o que é relatado, num contexto de ação de saúde pautado pela contagem documentada e que tem propositalmente desconsiderado o que signifi ca o aborto para a mulher, como ela o entende e o pratica, indica uma ação frágil e defi ciente no trato das questões ligadas ao planejamento familiar (Menezes & Aquino, 2009). Assim, não é possível estudar e entender a dinâmica pessoal e social envolvida na prática do aborto sem considerar as condições de desigualdade e exclusão social nas quais vivem as mulheres brasileiras, especialmente as mais jovens. Inclua-se aqui, além disso, a ditadura de gênero a qual estão submetidas. O trabalho com grupos na comunidade busca criar estratégias para ampliação das vozes – dos discursos – presentes na comunidade (mulheres, adolescentes, homens jovens, velhos – faixa etária e gênero) e o próprio discurso da comunidade. Para isso, é necessário combater a hegemonia do discurso masculino patriarcal e opressor e instituir espaços de encontro das diferenças. Diferentes situações enfrentadas durante as Rodas indicam que as grávidas poderiam ter tido alguma atenção em função do que passaram – fosse pelo médico, pela equipe do PSF, pelo psicólogo do posto, num grupo de atenção à gravidez/parto/puerpério ou – quem sabe? – por um grupo de voluntários que visitaria estas mulheres em casa a partir de indicação ou pedido, como pretendíamos implantar. As mulheres poderiam ser acompanhadas por estes dispositivos grupais e comunitários dos quais estamos tratando nesta pesquisa. Aqui, amigas, familiares ou os próprios médicos poderiam fazer a indicação destes serviços.

Finalmente, um elemento importante nesta investigação, diretamente ligado à justifi cativa do projeto, foi a insistência das mulheres quanto a afi rmarem que estão mais sensíveis, nervosas, preocupadas. Mas quando perguntamos se tratam isto com os médicos/enfermeiros dizem que não. Por quê? Não há tempo? Não se sentem à vontade? Não há disponibilidade do profi ssional? Como entender isto tendo em vista que nas Rodas tratam de temas difíceis, fazem perguntas e confi ssões, tudo isto bem no meio do corredor? A culpa e o estigma que elas carregam (pobres e grávidas) parecem impedir esta maior interação com a equipe de saúde. E fora dali, na porta do consultório, no meio do corredor, elas dizem: “os médicos não têm tempo de conversar sobre outras coisas” (F., 28a). O que se fala fora da sala do médico/enfermeira, sem maior esforço dos psicólogos, é diferente. Queixas, difi culdades e medos parecem não entrar nos consultórios, mas podem, literalmente, ser ouvidos nos corredores por quem quiser ouvir. Some-se a isto a referência à demora para começar o PN e a necessidade de “convocação”, feita pelo ACS. Ainda que esta situação deva ser melhor investigada, pode confi rmar a falta de confi ança e reconhecimento do trabalho realizado na UBS: a comunidade vai desconfi ando de sua competência para tratar das questões mais delicadas, ser mais atencioso e acolhedor com estas mulheres. Neste sentido, o trabalho que estamos considerando poderia ter esta função de mediação entre profi ssionais de saúde e comunidade, empoderamento desta e reasseguramento daqueles, levando-os a ocupar uma posição de respeito e autoridade (de saúde) na comunidade. A resposta a esta pergunta poderia auxiliar a compreender o lugar da UBS junto à comunidade e as condições para implantar um programa de Mulheres Visitadoras.

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Os invasores: refl exos da história desta instituição

O resultado do contato com as mulheres através das Rodas, conduzido ao longo de oito meses, foi bastante esclarecedor quanto às possibilidades, implicações e vantagens que um programa de visitação específi co para as gestantes, especialmente as adolescentes, poderia oferecer. Ainda assim, sua realização em parceria com a UBS se mostrou, neste momento inaplicável. Como entender isto?

A direção da UBS ofereceu inicialmente suporte e apoio para o trabalho, embora a posição da gerente neste momento fosse frágil, dado o histórico de confl itos com a comunidade e mesmo com os funcionários da UBS. A apresentação inicial para as equipes teve apoio entusiasmado dos médicos, algum desconforto por parte das enfermeiras e desconfi ança do lado dos agentes comunitários, o que exigiu atenção especial no contato com estes trabalhadores no sentido de garantir que não pretendíamos interferir nas suas rotinas, que o trabalho que viríamos a desenvolver não substituiria suas práticas e responsabilidades e que qualquer ação realizada junto aos moradores demandaria necessariamente a parceria e participação destes trabalhadores.

A equipe do Núcleo de Apoio ao Saúde da Família (NASF) também mostrou interesse sobre o que pretendíamos fazer, mas a história de sua entrada na UBS propiciou elementos que podem ajudar a esclarecer nosso próprio lugar ali. Depois de um ano de trabalho na comunidade, a ainda pouca inserção da equipe mostrava uma relação confl ituosa com os ACS, que negociavam seu valor/importância mediando o contato com a comunidade. Esta situação impedia que os técnicos se aproximassem de fato do território, conhecendo os líderes e se articulando para realizar e/ou orientar o trabalho de saúde. A equipe escapava do confronto montando serviços para as franjas da região de abrangência da UBS, procurando estabelecer seus próprios caminhos para as lideranças e demandas da comunidade, procurando literalmente penetrar no território, como numa invasão, aqui tanto espacial como simbólica.

A ideia de uma invasão aqui tem história. O “Posto da comunidade”, resultado de mobilização dos moradores, foi, durante a instalação do PSF, gradualmente ocupado por diferentes profi ssionais que vieram requerer seu “quinhão”. Os primeiros funcionários a chegar foram os ACS (agosto de 1999). Depois as enfermeiras e os médicos (dezembro de 1999). Segundo os relatos dos moradores, também os funcionários do posto (que já funcionava desde 1984) já àquela época reagiram a esta chegada (“invasores”). Ainda hoje escutamos que a comunidade gosta do Posto, “ele é da comunidade” (N., moradora), mas não necessariamente das equipes/funcionários, proporcionando um entendimento que confunde a ação de saúde com o prédio. Se o Posto não é só o prédio, vale pensar que esta representação por parte da população também é uma construção sustentada pelas próprias difi culdades que o estado tem para instalar o SUS da Reforma Sanitária, para escapar do modelo tradicional e hospitalocêntrico e contrapor a mera presença do equipamento público (o acesso) à participação social. (Cohn, 2009). Palavras-chave na história do Posto: desconfi ança e invasão.

A desconfi ança da comunidade em relação aos “funcionários invasores” pode ser percebida também nas queixas que recaem sobre as ACS que, via de regra, (há exceções) são acusadas de se bandear para o outro lado e fi cam assim contaminadas por esta presença

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estrangeira: “Até a S. está assim. Ela mudou.” (L., moradora). As razões oferecidas pelos moradores e que explicam esta passagem (para se qualifi car socialmente; para manter o emprego; para ganhar a simpatia e o reconhecimento de médicos, enfermeiras, da gerência) mostram como os próprios moradores podem ocupar o lugar de invasores neste cenário.

Os primeiros tempos da história de instalação do Posto compreendem uma relação muito diferente daquela que atualmente sustenta o trabalho de saúde aqui. Segundo os moradores, ações que fazem uma enorme falta hoje, como um grupo que conversava sobre drogas, violência e sexualidade, já foram desempenhadas por funcionários do Posto. O que aconteceu ali? A história de atenção e cuidado com a comunidade foi literalmente apagada.

Neste contexto, a presença do ACS, morador e profi ssional de saúde, poderia ser a possibilidade de ultrapassagem deste lugar marcado pela alcunha de “invasor”, na medida em que recuperasse a posse do Posto. O caminho necessário é o da preparação técnica e social destes profi ssionais. No entanto, as queixas e histórias de discriminação dos moradores da comunidade pelos profi ssionais de saúde, inclusive os ACS, são extensas e frequentes, sem que isto seja tratado, ao que tudo indica, na formação dos funcionários. De fato, desde a própria estrutura de cargos pode-se verifi car a difi culdade para transformar esta condição do ACS. Sua possibilidade de progressão profi ssional é muito reduzida, incentivando que o ACS almeje um cargo administrativo, isto é, deixar de ser ACS, o que o afasta da demanda de melhor preparo para esta primeira função que é vista quase sempre como “provisória”, marcando sua precarização e diminuindo o valor específi co e essencial da sua inserção na comunidade (Schmidt & Neves, 2010).

Desta forma, a ação de saúde produzida pela UBS vai ser entendida fora do contexto da saúde: os funcionários não podem ser parceiros nem cuidadores, mas submetem-se a prestar um serviço que não os agrada, que não tem o apelo da ação de saúde, atenção e cuidado. É apenas trabalho, e trabalho pesado, insalubre. Isto produz sofrimento nos próprios funcionários. A situação é paradoxal. A condição de exclusão e de pária da comunidade, que produz e sustenta humilhação e sofrimento social é ela própria produtora e sustentadora de sofrimento entre os funcionários, o que mantém sua ação de saúde como obrigação, ação descompromissada e sem cuidado: o resultado é o sofrimento da comunidade. Mecanismo perverso de sustentação de sofrimento, fruto de ação que não nasce com os atores envolvidos ali, mas é resultado de um enredo produzido historicamente, de uma cultura que nasce em outro tempo mas que se atualiza aqui na instituição na medida em que ela é esvaziada de história e afastada da clientela. Agora, enquanto sofrimento, ela está nos corpos (Das, 1997).

O saber do ACS, porque não há dúvida que ele como membro da comunidade também tem algo a ensinar, não é só sobre a violência da comunidade, que entra como moeda de troca assim que chegam novos visitantes/invasores. Há este saber que é um patrimônio: “aqui é minha área, aqui eu sei lidar como violência. Aqui eu sei... e você precisa de mim”. Exagerar isto é, desta forma, dar valor para a função do ACS; mas de tal maneira que não vai se encontrar sua efetiva função como mediador da ação de saúde. O potencial de trabalho do ACS fi ca comprometido em relação àquele que pode ser alcançado por este profi ssional. A presença dos ACS na equipe do PSF não

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alcança a autonomia criativa que poderia ser modelo para ações de atenção domiciliar e ele assume a função de um subprofi ssional nas equipes, alimentado com pouco conhecimento e formação técnica. Convocado a ser meramente um instrumento da ação de saúde curativa tradicional, ele vai entender o usuário não como parceiro mas muitas vezes como um “obstáculo” à ação de saúde corretiva e salvadora, vendo a oposição e o confronto da população como ação subversiva e destruidora. Neste momento, é a população que ocupa o lugar do invasor.

Assim, como se pôde ver no período da pesquisa, a solução para o confronto não poderia ser outra senão a força policial ou institucional – de desqualifi cação dos saberes, da comunidade e dos moradores vistos como seus representantes: ao menos duas vezes, as reivindicações da comunidade feitas na porta da UBS foram acompanhadas da convocação da Polícia Militar.

As difi culdades para a preparação da ação voluntária, proposta que incluiria necessariamente a participação das ACS (algo visto inicialmente com interesse pela própria direção da OS), dão o tom da falta de importância para este quesito, especialmente quando se percebe que não há, de fato, espaços para tratar sistematicamente de questões de formação técnica e muito menos das condições de relacionamento com a comunidade, requisitos necessários para ação de saúde (São Paulo, 2008). Tomando as difi culdades no contato com a equipe da UBS é possível perceber como este relacionamento exige disponibilidade, convida para o enfrentamento, enreda o projeto, numa armadilha em que nos colocamos, mesmo não sendo funcionários, a serviço da burocracia e dos limites enfrentados pelos próprios funcionários. Neste sentido, a comunidade é gradualmente posta em segundo plano, não é o alvo prioritário da ação, fi ca a reboque do que se puder oferecer a ela. É possível vê-la assim como um “empecilho”, pois o trato com as questões institucionais, os confl itos entre diferentes profi ssionais, o difícil gerenciamento do serviço público por entidade de “excelência técnica”, mas estranha à cultura e à realidade do serviço público, exige disponibilidade e esforço que colocam os usuários, sintomaticamente numa inversão de posições, como estrangeiros à instituição. Eles, usuários, neste caso também, são os invasores.

Nossa presença ali não foi sufi cientemente desafi adora para provocar mudanças, tensionar a instituição. Mas sufi ciente para incomodar e demandar o controle sobre nossas ações. Assim, nós também viemos participar desta dinâmica – a do confronto de saberes e funções (quem está autorizado a fazer o que?) que ganha força na própria história da UBS, uma história de “invasões”. A solução deste confronto não é simples e direta e não pode evitar a negociação entre as posições que os diferentes atores ocupam neste cenário – o gerente da UBS, o médico, os funcionários, a comunidade, os líderes, as mães, os maridos – assim também com outros elementos que atravessam estas relações, como a miséria e o sofrimento social, a humilhação e a história.

Depois de avaliar a própria viabilidade das visitadoras, consideramos a possibilidade do treinamento ser “em campo”, junto com um psicólogo. A solução que encontramos a partir do que foi discutido acima foi a realização do trabalho piloto de visitação pelos próprios pesquisadores. Este movimento deve ser entendido dentro da situação paradoxal de termos cerceada a possibilidade de trabalho com a equipe ao mesmo tempo em que somos solicitados pela própria equipe para a realização

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de visitas, o que se repete várias vezes durante a pesquisa. A oferta de acompanhar as mães adolescentes é vista, ao que parece, como possibilidade de dar conta de questões que não são tratadas nos atendimentos e mesmo nas visitas das ACS, mas que são importantes para a atenção que deve ser dada a esta população. A demanda pelo atendimento “especializado”, neste caso, do psicólogo, denuncia a falta de especialização técnica das ACS e do apoio matricial que deveria ser dado pela equipe do NASF. Esta passagem de pesquisador para “funcionário informal” da Unidade pode ser entendida dentro da lógica da nossa incorporação na Unidade, quando deixamos de ser “visita” para sermos profi ssionais dentro do serviço – com todas as consequências que esta inserção institucional implica. Quando isto acontece, nossa presença passa a outros patamares da desconfi ança pelos próprios profi ssionais, embora pareça ser a senha para se poder realizar qualquer ação junto à comunidade com o aval da Unidade. Uma lógica denunciada pelo reconhecimento que recebemos em outras circunstâncias, percebido pelos profi ssionais sobre o trabalho que temos desempenhado junto à Unidade e à comunidade. A aproximação do serviço, do campo, se é uma exigência para este trabalho, parece ser também sua danação, quando se passa de funcionário a invasor.

Conclusões

A entrada neste cenário como mais um ator, mesmo no caso específi co da atenção no puerpério, exige conhecer a história do serviço, a história das relações entre o Posto e a comunidade e as histórias dos próprios moradores. Demanda também tratar de saberes e tecnologias. Sejamos nós, sejam os profi ssionais de saúde do PSF envolvidos nesta transferência, a negociação nem pode deixar de ser realizada nem pode deixar de fora os aspectos sociais, culturais-comunitários e subjetivos envolvidos no confronto de saberes. As difi culdades na introdução de novos serviços, na participação na integração efetiva posto-comunidade, posição que sustentou nossa estratégia desde o início, revelaram menos da oportunidade e importância do trabalho com gestantes e mães e mais das barreiras quanto a essa aproximação entre trabalhadores e comunidade, UBS e Posto.

Neste sentido, compreendemos que a implantação de quaisquer serviços demandam ações em duas frentes distintas e em paralelo. Numa delas, a participação na formação de profi ssionais para a especifi cidade das ações. Na outra, estudos sobre as práticas de saúde e relações entre a comunidade e os serviços públicos, suas dimensões simbólicas e imaginárias, como ponto de partida para a proposição e a sustentação dos serviços. A convergência destes dois movimentos se dará na medida em que profi ssionais e comunidade possam se encontrar e se reconhecer como parceiros para ações de saúde.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em dezembro de 2012

João Eduardo Coin-Carvalho – Doutor em Psicologia, Professor e Pesquisador do Curso de Psicologia da Universidade Paulista (São Paulo). Fabiana Cristina Federico Esposito – Psicóloga, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina Translacional da Universidade Federal de São Paulo.

Endereço para contato: [email protected]

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Processos de fortalecimento em um Movimento Comunitário de Saúde Mental no Nordeste do Brasil: novos espaços para a

loucura

Maria Aparecida Alves Sobreira CarvalhoVerônica Morais Ximenes

Maria Lúcia Magalhães Bosi

Resumo: Este artigo focaliza a construção de novos espaços para a loucura no processo de fortalecimento de pessoas que transitaram do papel de usuárias de um serviço de saúde mental para o lugar de cuidadores. Realizamos um estudo de caso no Movimento de Saúde Mental Comunitário do Bom Jardim (Fortaleza/Ceará/Brasil). Foram realizadas entrevistas mediadas pela autofotografia e grupo focal. Os resultados apontam que a participação nas atividades do Movimento favorece o fortalecimento, ocorrendo o resgate do valor pessoal e poder pessoal com mudança das crenças sobre si mesmo, sobre o mundo. A categoria fortalecimento mostrou-se importante na avaliação dos serviços de saúde mental. Os participantes referem terem desenvolvido a coragem para reinventar práticas no cotidiano de sua existência. A experiência ecológica também é reconhecida como dimensão de fortalecimento por conduzir a uma maior conexão consigo, com o outro e com a natureza. Palavras-chave: Psicologia Comunitária, Fortalecimento, Saúde Mental.

Empowerment processes in a Community Mental Health Movement in Northeast of Brazil: New spaces for the madness

Abstract: This article focuses on the construction of new spaces for the madness in the process of empowering people who changing their role in mental health services from the position of patients to citizens. For this it has been conducted a case studying in a Community Mental Health Movement in Bom Jardim, Fortaleza, Ceará, Brazil. Interviews were conducted mediated by the auto and focus groups. The results indicate that participation in the activities of the Movement favors strengthening, resulting in the rescue of personal identity and personal power, and changing beliefs about themselves and about the world. Thus this theoretical category cam be an important tool for the evaluation of mental health services. Participants reported having developed the courage to overlap obstacles trying to reinvent practices in their daily existence. The ecologic experience is also recognized as a dimension of empowerment aspect of leading in connection with the others and with the nature. Keywords: Community Psychology, Empowerment, Mental Health.

Procesos de fortalecimiento en un Movimiento Comunitario de Salud Mental en el Nordeste de Brasil: nuevos espacios para la locura

Resumen: Este artículo focaliza la construcción de nuevos espacios para la locura en el proceso de fortalecimiento de personas que ocuparon el papel de usuarias de un servicio de salud mental para posteriormente se tornaren cuidadoras. Fue realizado un estudio de caso en el Movimiento de Salud Mental Comunitario del Bom Jardim (Fortaleza/Ceará/Brasil). Fueron realizadas entrevistas mediadas por la auto fotografía y grupo focal. Los resultados apuntan que la participación en las actividades del Movimiento favorece el fortalecimiento, ocurriendo el rescate del valor personal

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y el poder personal con cambio de las creencias sobre sí mismo, sobre el mundo. La categoría fortalecimiento se mostró importante en la evaluación de los servicios de salud mental. Los participantes refieren haber desarrollado el coraje para reinventar prácticas en el cotidiano de su existencia. La experiencia ecológica también es reconocida como dimensión de fortalecimiento por conducir a una mayor conexión consigo mismo, con el otro y con la naturaleza. Palabras-clave: Psicología Comunitaria, Fortalecimiento, Salud Mental.

Introdução

Este artigo analisa o processo de fortalecimento de pessoas que passaram da condição de usuários em um serviço de saúde mental para a de cuidadores, inaugurando uma prática inovadora ao superar o papel social de louco e estigmatização dele decorrente. Deriva de um estudo que buscou compreender as transformações ocorridas nas pessoas com experiência de adoecimento, reconhecendo as mudanças de caráter individual (sentimentos, sensações, ideias e percepções) e as coletivas (possibilidade de participar e infl uir nos espaços coletivos).

Dando visibilidade aos sentidos de fortalecimento, confrontamos, na problematização que embasa esta pesquisa, o silêncio instaurado pela psiquiatria, destituindo o louco do seu poder existencial atestando sua desrazão, sua incapacidade para o trabalho e revestindo-o de periculosidade. Esse processo de isolamento e de segregação do diferente, instaurado desde o século XVIII, atualiza-se na presença de novos estereótipos e formas de aprisionamento nos serviços de saúde mental e na vida cotidiana por meio dos “desejos de manicômio”, que são desejos de dominar, subjugar, classifi car, hierarquizar e controlar (Machado & Lavrador, 2001).

Desta forma, os sentidos de fortalecimento que apresentamos neste artigo, são concebidos como rotas de fuga utilizadas pelas pessoas em experiência de adoecimento diante de situações de tensão, dor e medo. São ações micropolíticas essenciais para a saúde, pois permitem estranhar o papel de doente, de submissão ao tratamento e a lógica da tutela, tão presentes nos serviços de saúde mental.

O conceito de fortalecimento que guia este estudo ressoa fortemente no campo da psicologia comunitária (Góis 1993, 2008; Montero, 2003; Martin-Baró, 1998), trazendo aportes para se pensar possibilidades de produção coletiva da saúde mental por reconhecer a capacidade dos indivíduos se implicarem e modifi carem seus contextos, em uma política de saúde mental integrada à comunidade, capaz de produzir impactos reais na cultura e na qualidade da atenção à saúde mental. Segundo Góis (2005, p.51), a Psicologia Comunitária é defi nida como “uma área da Psicologia Social da Libertação voltada para a compreensão da atividade comunitária como atividade social signifi cativa (consciente) própria do modo de vida (objetivo e subjetivo) da comunidade e que abarca seu sistema de relações e representações”. Essa concepção permite-nos tratar mais integralmente a relação entre as práticas comunitárias e o desenvolvimento da saúde mental, reconhecendo a saúde como ação potencializadora do indivíduo e de sua comunidade.

O conceito de fortalecimento aproxima-se dos termos empowerment e empoderamento, confl uindo para uma linha que favorece o desenvolvimento das

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pessoas a partir da participação, do fomento às potencialidades, buscando superar abordagens assistencialistas. Estes conceitos são fundamentais na conformação do campo da saúde mental e coletiva, encontrados em diferentes perspectivas, bem como em diferentes projetos de saúde, sendo comum o uso do termo empowerment ou de empoderamento nos estudos de saúde e saúde mental (Almeida, Dimenstein & Severo, 2010; Carvalho, 2004; Carvalho & Gastaldo, 2008; Figueiró & Dimenstein, 2010; Vasconcelos, 2003, 2009).

O conceito de empowerment nasce na década de 1970, no ideário da Promoção da Saúde, como um conjunto de intervenções que enfatizam a responsabilidade individual desresponsabilizando o estado em uma política neoliberal. Esta perspectiva denominada empowerment psicológico segue uma fi losofi a individualista que tende a ignorar a infl uência dos fatores sociais e estruturais, centralizando as estratégias de promoção à saúde no fortalecimento da autoestima e na capacidade de adaptação ao meio (Carvalho, 2004; Carvalho & Gastaldo, 2008). Esta concepção de base behaviorista sofreu duras críticas na década de 1980 pelos movimentos sociais, sendo superada pela Nova Promoção à Saúde que preconiza a centralidade das condições de vida para a saúde dos indivíduos, em interface com a justiça social, a equidade, a educação, o saneamento, a paz, a habitação e os salários apropriados. Esta nova perspectiva foi denominada empowerment comunitário, tendo dentre as suas referências os estudos de psicologia comunitária de Julian Rapport e da pedagogia da libertação de Paulo Freire (Carvalho, 2004).

Apesar de o termo empowerment estar presente em abordagens antiopressivas de vários campos do saber, Stotz e Araújo (2004) nos alertam que na tradição anglo-saxônica do liberalismo civil e religioso a palavra empower tem como tradução os verbos transitivos autorizar, habilitar ou permitir. A utilização desse conceito sugere a ideia de que o poder é algo vindo de fora do indivíduo ou de sua comunidade ou que exista alguém capaz de autorizar ou dotar de poder outrem, servindo como instrumento de maior controle por parte de alguns grupos e/ou instituições, os quais condicionariam a distribuição de poder aos interesses de seus grupos corporativos. O termo empowerment tem sido traduzido pelos neologismos de apoderamiento (espanhol) e empoderamento (português, espanhol), sem registro no dicionário entre nós.

Neste artigo decidimos utilizar a categoria fortalecimento para retomar um conceito que surge na América Latina, possuindo maior proximidade com a nossa realidade histórica e por superar a confusão que indica o uso do prefi xo em (em powerment, em poderar), discutido anteriormente. O conceito fortalecimento emerge na América Latina no fi nal de 1970, quando se discutia que o investimento em políticas sociais centralizava-se nas instituições e esquecia as pessoas, devendo reconhecer as lutas históricas das comunidades e seus elementos culturais. Para Montero (2003), o fortalecimento é defi nido como:

O processo mediante o qual os membros de uma comunidade desenvolvem conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica, para chegar à transformação de

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seu entorno segundo suas necessidades e aspirações, transformando-se ao mesmo tempo a si mesmos. (p.72, tradução nossa1)

O fortalecimento é um processo individual e psicológico que se constitui na experiência grupal em um contexto socio-histórico. Realiza-se em ações conjuntas e solidárias entre os membros de uma comunidade que compartilham objetivos e expectativas, enfrentando os mesmos problemas. Outro aspecto que queremos destacar é a inexistência de um fortalecimento individual e outro comunitário, pois o desenvolvimento de uma competência pessoal necessita da expressão em um contexto social em função de um coletivo específi co.

Método

Dentre os diversos enfoques existentes de pesquisa qualitativa, percorremos uma perspectiva crítica defi nida por Bosi e Mercado (2007) como a vertente que busca desvelar o sentido da experiência humana em suas dimensões simbólicas compreendidas em seu contexto material e social. O estudo foi realizado no Movimento de Saúde Mental Comunitário do Bom Jardim2, Organização Não Governamental (ONG) que realiza, desde 1996, ações que integram a saúde mental, a arte, a cultura, a educação e a profi ssionalização no bairro do Bom Jardim em Fortaleza, Ceará. Este bairro está localizado no sudoeste da capital e conta com uma população estimada de 220 mil habitantes que enfrentam problemas como falta de moradia, emprego, segurança, educação, transporte e saúde, caracterizados por precariedade na infraestrutura e por uma grande demanda de serviços que propiciem melhores condições de vida à população, que se encontra em situações de risco e de vulnerabilidade social.

O Movimento de Saúde Mental Comunitário iniciou com os moradores do bairro Bom Jardim, lideranças das Comunidades Eclesiais de Base e missionários combonianos3, realizando uma formação em Terapia Comunitária no modelo do Projeto quatro varas4. Além das atividades terapêuticas o Movimento de Saúde Mental Comunitário desenvolve cursos e formações em Massoterapia, Arte-terapia, Biodança, Horta Comunitária e cultivo de plantas medicinais, dentre outros.

1 El proceso mediante el cual los miembros de uma comunidad desarollan conjuntamente capacidades y recursos para controlar su situación de vida, actuando de manera comprometida, consciente y crítica, para lograr la transformación de su entorno según sus necesidades yaspiraciones, transfórmandose al mismo tiempo a si mismos (Montero, 2003. p.72).2 Site do Movimento de Saúde Mental Comunitário do Bom Jardim (MSMCBJ): www.msmcbj.org.br 3 Os combonianos fazem parte de uma ordem religiosa da Igreja Católica, os missionários combonianos do Coração de Jesus, fundada em 1867 por Daniel Comboni. Os padres combonianos atuam no Nordeste em 13 comunidades, com cerca de 50 padres de diversas nacionalidades. Trabalham preferencialmente com os mais pobres, abandonados na fé e na dimensão social, em localidades do interior e periferias de grandes cidades (Texto retirado do site do MSMCBJ: www.msmcbj.org.br).4 O Projeto quatro varas nasceu de um movimento social iniciado em 1985, por posses de terras, na favela do Pirambu, em Fortaleza-CE. As sessões de Terapia Comunitária tiveram início em 1987, sendo institucionalizadas por Adalberto Barreto em 1988, através de um Projeto de Extensão do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará. Logo em seguida o projeto é vinculado a uma Organização Não Governamental (ONG), o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitário (Barreto, 2008).

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Da experiência de ser cuidado nas atividades terapêuticas e participação nas formações, várias pessoas ingressaram em ações voluntárias assumindo a facilitação ou cofacilitação dos grupos de terapia comunitária, autoestima, reforço de Matemática, massoterapia e horta comunitária. Das pessoas que passaram do papel de usuários do Movimento para o de cuidadores, selecionamos nesta pesquisa oito pessoas de acordo com os critérios: entrada no Movimento como usuário, com diagnóstico de transtorno mental; mais de um ano de participação nas atividades do serviço e ter assumido a coordenação de alguma atividade de cuidado. Realizamos uma sessão de grupo focal (GF) e duas pessoas foram selecionadas para entrevista (E) mediada pela autofotografi a. O critério para participação na entrevista foi ter falado menos no grupo focal e apresentar um diagnóstico de maior comprometimento dos vínculos sociais referindo sintomas como alucinações auditivas, ideias de suicídio, medo de interagir com as pessoas e consequente isolamento social.

No método autofotográfi co foi solicitado que cada sujeito produzisse fotografi as, em máquina fotográfi ca disponibilizada pelo pesquisador, de modo a que pudessem descrever as mudanças ocorridas em sua vida após a entrada no Movimento. Na entrevista, o sujeito utilizou as fotos como mediação da sua palavra ao ter a oportunidade de selecionar previamente fatos de sua vida.

O material discursivo foi transcrito e organizado em uma rede interpretativa utilizando a compreensão proporcionada pela hermenêutica crítica (Bosi & Mercado, 2007). O nome dos sujeitos que são referidos neste artigo são fi ctícios, escolhidos pelos participantes da pesquisa e as fotos omitidas para resguardar a privacidade dos entrevistados. A pesquisa respeitou os aspectos éticos, tendo como base a Resolução no 196/96 e foi aprovada pela coordenação do serviço pesquisado e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, protocolo COMPE No. 103/10.

Análise e discussão do processo de fortalecimento em saúde mental

Para a compreensão do processo de fortalecimento das pessoas que passaram pela experiência de adoecimento, adotamos cinco categorias analíticas: Valor e Poder pessoal; Capacidade de refl etir e agir sobre a realidade; Sentimento de comunidade; Negociação do uso da medicação e Experiência ecológica. As três primeiras categorias são utilizadas por Montero (2003) nos estudos de psicologia comunitária. A negociação do uso da medicação e a Experiência ecológica foram incorporadas nesse trabalho a partir da interpretação do material discursivo, como novas categorias surgidas da experiência de adoecimento dos sujeitos desta pesquisa.

Valor pessoal e poder pessoalAs pessoas chegam ao Movimento de Saúde Mental Comunitário com uma sensação

intensa de fragilidade, desesperança, enfocando histórias de perda e dor. Emerge um processo de destituição do próprio valor, de restrição aos espaços de fala e nas relações sociais. A existência de sintomas identifi cados na consulta médica como psiquiátricos, discrimina socialmente o louco, o diferente, aquele que sente coisas estranhas, o que toma remédio controlado, o sem razão. Na acolhida do Movimento de Saúde Mental

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Comunitário puderam compartilhar espaços de escuta e afetividade: “Chegou (em minha casa) e me deu um abraço, foi um abraço assim bem acolhedor, como se dissesse “eu te vejo como gente”, mesmo eu pobre, morando aqui” (Inaê, GF). Desta acolhida surgem novas interações e representações capazes de desenvolver o valor e poder pessoal.

Valor pessoal e Poder pessoal são conceitos utilizados por Rogers (1989) como impulsos inatos para o desenvolvimento que abrem possibilidade de transformação das relações de opressão, pois quando as pessoas confi am em si mesmas são capazes de estimular a força do outro. Estes conceitos foram sistematizados por Góis (1993) quando analisou as possibilidades de superação do sujeito diante de situações de opressão da consciência, dos afetos e do próprio corpo quando expostos a uma rede ideológica voltada para o aniquilamento do oprimido. Para Góis (1993), o Valor pessoal é um sentimento de valor intrínseco que se manifesta quando a pessoa entra em contato com o seu núcleo de vida, uma tendência natural para a realização, sentindo-se capaz de viver, de gostar de si mesmo, acreditar na sua capacidade de conviver e de trabalhar. O Poder pessoal é a capacidade de infl uir na construção de relações saudáveis com os outros e com a realidade, a potência com que se vive a cada momento, buscando o crescimento de si e do outro, e a transformação da realidade (Góis, 1993).

No desenvolvimento do Valor pessoal, há uma tendência de superação da visão fatalista da realidade, dimensão de extrema importância no âmbito da saúde mental. O termo fatalismo descrito por Martín-Baró (1998) provém do latim fatum, que signifi ca que seu destino é inevitável e que nada resta ao ser humano a não ser acatar seu fi m, já prescrito. Para este autor as ideias mais comuns da atitude fatalista é que a vida está pré-defi nida por Deus e sua ação não pode mudar o destino, desenvolvendo sentimentos de resignação frente ao próprio destino, aceitação do sofrimento, sem deixar-se afetar pelos sucessos da vida. Para Martin-Baró (1998, p.97) “o fatalismo constitui um valioso instrumento ideológico para as classes dominantes. A aceitação ideológica do fatalismo supõe uma aceitação prática da ordem social opressiva”.

A superação do fatalismo se dá no âmbito da mudança das ideias e na crença de que é capaz de agir, de mudar a sua história: “Antes de chegar neste grupo eu não tinha muitos sonhos. Eu não sonhava em ter uma família, um dia terminar os estudos e fazer uma faculdade. Agora eu sonho com isso né, acho que talvez é essa uma diferença que fez” (Jarbas, E). Esta superação exige empenho e trabalho árduo; no excerto acima, o entrevistado fala do cansaço de passar o dia trabalhando e ir para a escola à noite para fazer o ensino médio, mas diz que continuar é uma conquista. Fortalece o sentido de valor pessoal ao superar o poder massifi cante da realidade, retomando a alegria de viver que para Sawaia (2009) é a base da liberdade que desbloqueia as forças reprimidas da subjetividade, superando as paixões tristes que anulam a potencia de vida, destruindo as relações que sustentam a servidão.

Capacidade de refl etir e agir sobre a realidade Quando uma pessoa é capaz de observar as difi culdades que enfrentou e organizar

formas de superação, podendo reconstruir-se a cada desafi o, ocorre o desenvolvimento da capacidade de relacionar a refl exão com a ação e vice-versa, traduzindo em atitudes

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produtivas as ideias e produzindo novas ideias a partir das ações realizadas. Para que este aspecto do fortalecimento seja desenvolvido é necessária a participação em grupos pautados na escuta, diálogo problematizador, estabelecimento de vínculos afetivos e cooperação. Encontros capazes de gerar mudanças pessoais e coletivas se aproximam do conceito de conscientização, que para Freire (1983) é um processo em que as pessoas se encontram para “desvelar” a realidade em uma relação dialógica, onde se solidariza o refl etir e o agir dos sujeitos endereçados ao mundo, superando o ato de depositar ideias de um sujeito no outro ou da simples troca de ideias.

A existência de uma relação dialógica, segundo Freire (1983), implica um processo onde as emoções ocupam papel signifi cativo, onde a amorosidade torna-se elemento imprescindível para que supere o técnico e se estabeleça como um ato político e social, que conduza a profundas implicações e supere a alienação ao destituir o ser humano de seus afetos. O desenvolvimento deste diálogo problematizador e amoroso favorece o desenvolvimento da autonomia e libertação de cada sujeito, potencializando o rompimento do círculo de relações autoritárias na produção do cuidado, desenvolvendo projetos terapêuticos que não percam a dimensão ética.

A participação em grupos capaz de gerar fortalecimento é entendida como conceito também psicológico e não somente sociológico ou político, com total infl uência na promoção da saúde mental em uma comunidade e no desenvolvimento da consciência dos indivíduos (Góis, 2008; Montero, 2003). O ato de participar implica, portanto, a transformação na maneira de o sujeito refl etir sobre a realidade, reconhecendo-se capaz de apropriar-se desta e recriá-la. A possibilidade de tomar parte nas decisões, estabelecer compromissos com os outros é vivenciada no Movimento de Saúde Mental Comunitário nas atividades voluntárias, como referido anteriormente, sendo esta vivência identifi cada como um fator importante no fortalecimento: “Ser uma pessoa útil. Não era só aquela pessoa que precisava de medicamento, precisava de consulta, precisava de acolhimento, mas por outro lado eu dava também alguma coisa, o que eu tinha” (Jarbas, E). O voluntariado que é fruto de uma escolha, capaz de facilitar aprendizados por meio de atividades plenas de sentido que respondem às necessidades subjetivas dos sujeitos e da própria comunidade.

Margarida fala desta dimensão solidária, quando as pessoas que foram ajudadas no Movimento aprenderam novas tecnologias de cuidado, são chamadas a se preocupar com outros que estão fora do bairro: “Porque a gente fi ca muito no próprio sentido da minha vida, da vida de quem tá mais próximo, a gente não expande mesmo. Eu acho que o desafi o do Movimento é desbravar mais horizontes” (Margarida, GF). No processo de conscientização, a participação é um chamado a um compromisso comunitário, indo além das questões psicológicas e subjetivas por reconhecer a necessidade de cuidar de si e do outro em uma dimensão social e ecológica, sendo capaz de transformar a si mesmo e se implicar no mundo. Paulo, outro entrevistado, refere que nunca deixou de escutar vozes que o depreciam em um processo de alucinação auditiva característico da esquizofrenia. Mesmo com a recorrência do sintoma, agora em menor intensidade, demonstra forte sentido de fortalecimento ao relatar o desenvolvimento do papel de professor no reforço de Matemática: “a gente ensinando a gente aprende, né, não é só se doar” (Paulo, E). Neste voluntariado é reconhecido como uma pessoa que

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disponibiliza seus conhecimentos para ajudar às crianças da comunidade, superando o lugar do doente com sintomas em remissão.

Demo (2001) discute outra perspectiva do voluntariado ao lembrar que há uma tradição do Estado brasileiro de brincar de solidariedade por meio de políticas sociais dirigidas ao assistencialismo e que não redistribuem renda, incentivando um voluntariado quando o pleno emprego é inviável na lógica capitalista. Este autor critica este voluntariado assistencialista por desresponsabilizar o Estado de suas obrigações de viabilizar condições de emprego e sustentabilidade. Diferente desta visão utilitarista, o voluntariado no Movimento de Saúde Mental Comunitário é uma estratégia utilizada para aumentar o acesso das pessoas às atividades e fazer circular o cuidado, um dos pilares de sua organização. Bosi e cols. (2011) lembram que uma das características dessa circularidade é a valorização da experiência de ser cuidado para transformar-se em cuidador. Este voluntariado, também, é um espaço profi ssionalização e mudança do lugar social do louco. Margarida (GF) relata a preocupação do Movimento de Saúde Mental Comunitário com a passagem do voluntariado para a atividade remunerada em virtude da necessidade fi nanceira das pessoas, uma vez que a situação de pobreza do bairro é algo real.

Sentimento de comunidade Outro aspecto do fortalecimento é um sentimento de apego à comunidade em que a

pessoa percebe-se segura neste espaço, incluída, capaz de comprometer-se pessoalmente com as lutas comunitárias. O sentimento psicológico de comunidade dilui o sentimento de alienação, anomia, isolamento e solidão ao satisfazer as necessidades de intimidade, diversidade, pertença e utilidade. Segundo McMillan e Chavis (1986) o sentimento de comunidade “é um sentimento de pertença que os membros possuem, de que os membros se preocupam uns com os outros e com o grupo, em uma fé partilhada de que as necessidades dos membros serão satisfeitas através do compromisso de permanecerem juntos” (p.9, tradução nossa).

O sentimento de comunidade é formado por quatro dimensões: Estatuto de Membro – relaciona-se com o sentimento de pertença em um relacionamento pessoal; Ligações Emocionais Compartilhadas – compromisso e crença de que os membros partilharam a história, lugares comuns, tempo juntos, e experiências similares; Infl uência – sentimento de importância do grupo para os seus membros e Integração e Satisfação de Necessidades – o sentimento de que as necessidades dos membros serão satisfeitas pelos recursos recebidos pelo seu estatuto de membro no grupo (Mcmillan & Chavis, 1986).

Para Elvas e Moniz (2010), o sentimento de comunidade contribui para o baixo índice de doenças mentais e de suicídios, sendo capaz de desencadear aumento do bem-estar, qualidade e satisfação de vida, sentido de justiça e capital social, menor solidão e isolamento. Na dimensão coletiva ocorre maior colaboração, mobilização e participação em torno da mudança social, constituindo uma identidade comunitária expressa em ações e palavras carregadas no afeto, impregnadas das individualidades e ao mesmo tempo de um caráter psicossocial (Montero, 2003). Este sentimento de compromisso com a comunidade é apontado por Carina como um objetivo de sua participação “eu vim para o Movimento (Movimento de Saúde Mental Comunitário) com uma missão de ajudar as pessoas, um

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caminho dentro do bairro, a partir das difi culdades do nosso bairro, como que a gente pode realmente melhorar” (Carina, GF). Na realização do trabalho comunitário Margarida lembra a importância de refl etir sobre os aspectos de sua individualidade como espaço de potencialização do trabalho social “participei do grupo da autoestima, a gente trabalhava muito a questão pessoal, também a comunidade, trabalhava questões do masculino e feminino, como é isso na sua vida. Foi me despertando pra outras questões que ás vezes a gente deixa esquecido no trabalho comunitário, ser mulher” (Margarida, GF).

O aparecimento do sentimento de comunidade retoma a dimensão ética do fortalecimento, quando Góis (2008) afi rma que o ser livre signifi ca sermos todos livres, sermos povos livres, assumindo um processo de construção e recriação permanente da identidade, rompendo com os valores antivida. Somente na relação amorosa o indivíduo deseja ser ator, superando a posição de conformidade e acomodação, deixando de ser um elemento de funcionamento do sistema social e se torna criador de si mesmo e produtor da sociedade. Suzana relata: “à medida que eu fui melhorando eu fui ensinar aos meninos matemática, na aldeia Pitaguary”(Suzana, GF).

Na circularidade do cuidado, dar, receber, retribuir, amplia-se a noção de comunidade “o Movimento ele cresce aqui dentro, mas ele cresce fora assim quando outras pessoas vem aprender na formação e torna-se multiplicadores nos seus espaços, propaga a ideia de acolhimento. Por exemplo, eu recebi, eu voltei pra colaborar e nem todos fazem isso, e uma vez o padre Rino disse que é assim, uns voltam pra colaborar e outros vão colaborar em outros espaços” (Suzana, GF). O sentimento de comunidade tido como espaço territorial então se alarga pela construção de um novo ethos, que para Boff (2001) signifi ca “a toca do animal ou casa humana, vale dizer, aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e fazer o nosso habitat. Temos que reconstruir a casa comum- a Terra- para que nela todos possam caber” (p.27).

Nesta casa comum, há vivência dos confl itos, no reconhecimento da saúde como equilíbrio oscilante, da dor como parte da vida e de uma rede de encontros. Encontros permeados de vínculos solidários, com intensa expressão das emoções e afetividade que buscam conduzir a autonomia dos sujeitos. O sentimento de comunidade, de fazer parte, de construir vínculos, evidencia a intrínseca relação entre o cuidado de si e do mundo, desenvolvendo a capacidade de assumir compromisso com a superação da miséria e da alienação do outro.

Negociação do uso da medicação O processo de fortalecimento abre horizontes existenciais com profundas

implicações na forma de compreender a vida, na expressão das emoções e na sensibilidade ao incorporar uma atitude ética defi nida por Carvalho, Bosi e Freire (2008), como disponibilidade pessoal onde cada profi ssional permite ser afetado por outra via não teórica e de não isenção. Nesta abertura para a realidade existencial do outro foi destacada a negociação do uso da medicação em uma relação de responsabilidade compartilhada, como quarto aspecto do fortalecimento.

Jarbas fala da convivência diária com a angústia, tristeza e medo quando passou dois anos sem sair de casa: “comecei indo pra Terapia Comunitária com um amigo, tinha muito medo de ir sozinho, de que uma coisa muito ruim me acontecesse. Só depois de

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um tempo é que tive coragem de ir só” (Jarbas, E). A dose adequada da medicação foi então capaz de ajudá-lo a enfrentar seus medos.

A relação com os medicamentos é complexa ao favorecer a superação de sintomas que geram muita dor, mas podem também desenvolver uma dependência psicológica. Este processo não pode ser superado pela imposição médica, mas negociado. Suzana fala como é difícil este processo: “já recebi alta, o padre Rino disse que eu estou curada, já sinalizou pra tirar a medicação total, porque já tá muito pequena a dose. Eu que pedi pra não tirar agora, porque eu ainda não me sinto segura” (Suzana, GF).

O serviço de saúde mental ao reconhecer as necessidades existenciais da pessoa em sofrimento, seu projeto de vida, medos e limitações, favorece um processo de fortalecimento capaz de gerar autonomia em uma relação de responsabilidade compartilhada. O uso da medicação para Flor de Lótus tem um sentido diferente, lembrando várias situações de sofrimento: “ele (o psiquiatra) já me ofereceu remédio várias vezes e eu disse: eu não quero remédio, eu prefi ro chá. Eu tinha um medo muito grande de me viciar em remédio né, na minha família tem vícios de várias coisas” (Flor de Lótus, GF). Para Rotelli (2001, p.91) os serviços de saúde mental devem favorecer a experimentação de novas oportunidades e possibilidades, em que o objetivo seja “não da cura, mas da emancipação; não se trata de reparação, mas de reprodução social das pessoas; outros diriam, o processo de singularização e ressingularização”. Um serviço que possa sair da caricatura do papel do louco, capaz de criar novas oportunidades e possibilidades para pessoa por meio de laboratórios e não ambulatórios, lugares em que se produz cultura, trabalho, intercâmbio e relações entre artistas, artesãos, pessoas doentes ou não (Rotelli, 2001).

O cuidado que facilita a emancipação pressupõe a existência de uma relação dialógica, em que a pessoa em sofrimento não seja um mero depositário de informações e orientações realizadas pelos profi ssionais de saúde. Todos são desafi ados a superar as situações de opressão, onde opressor e o oprimido encontram-se desumanizados e coisifi cados numa relação onde o Ter se sobrepõe ao Ser humano.

Barrio, Perron e Ouellette (2008) afi rmam a importância da farmacologia para a desinstitucionalização quando os serviços de saúde mental reconhecem o direito ao consentimento livre e esclarecido para as pessoas que usam medicação, garantindo o acompanhamento necessário para sua suspensão de forma segura. Para Rauter e Peixoto (2009) os usuários de serviços de saúde têm pouca ingerência sobre os tratamentos que recebem ou rotinas a que são submetidos, pois são vistos como um organismo biológico onde um especialista busca aplicar a medicação adequada para corrigir seu transtorno. A prescrição da medicação funciona, desta forma, como poderoso dispositivo de controle contemporâneo.

Suzana fala do uso da medicação “quando eu cheguei pra ser atendida eu tava a todo instante praticamente tirando a minha vida, mas a partir do momento que eu comecei a me estabilizar um pouco, não foi desconsiderado que eu tinha acabado de terminar uma graduação, não fui empurrada de diazepan e amytril” (Suzana, GF). Para superar ações de prescrição, medicalização e normatização da dor, os serviços de saúde mental necessitam acompanhar as pessoas em seus diferentes contextos de relações, reconhecendo os recursos institucionais e comunitários presentes no território e nas pessoas. Lembramos que o uso da medicação não conduz a uma ausência total de

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angústia e sofrimento, onde o limite é dado pelo próprio indivíduo, não podendo haver controle ou regulação do Outro.

É fundamental perceber a beleza da impermanência do humano, reconhecendo a saúde como equilíbrio oscilante, onde a negociação do uso da medicação está inserida na busca não só da remissão de sintomas, mas na experimentação de novas oportunidades e possibilidades de autonomia, produzindo relações de reciprocidade e intenso confronto com a reprodução, rigidez e institucionalização. Dentre as relações de contratualidade, foi ressaltado o poder de negociar o uso da medicação como capaz de inserir o sujeito que adoece em uma relação de troca que supera o valor negativo previamente atribuído ao indivíduo dentro do campo social, favorecendo uma clínica que se distancia da supremacia da economia de mercado.

Experiência ecológica A experiência ecológica foi referida como aspecto do fortalecimento por

redimensionar as crenças religiosas, ampliando o olhar para o transcendente em uma nova compreensão do adoecimento, dos medos e incertezas da vida. Adotamos o conceito de ecologia apresentado por Bosi e cols. (2011) como as relações recíprocas estabelecidas entre os seres humanos e seu meio social, econômico e cultural, valorizando a conexão com a vida por meio de um homem relacional, ecológico e cósmico. Baseado na visão de ecologia profunda de Arne Naess, a dimensão ecológica é considerada inovadora para subsidiar as práticas e modelos de avaliação em saúde mental (Bosi e cols., 2011).

A religiosidade, como os sentimentos de pertença à comunidade, estão associados a níveis mais baixos de depressão, índices mais elevados de esperança e bem-estar, o que também pode explicar a correlação positiva com a qualidade de vida em geral (Rocha & Fleck, 2011). O reconhecimento das práticas religiosas e da espiritualidade tem sido negligenciado nos serviços de saúde, quando os profi ssionais negam a diversidade espiritual ou mesmo religiosa, produzindo interpretações superfi ciais deste universo cultural baseadas em suas próprias crenças e nas produções culturais dominantes. Concordamos com Nunes (2009) quando afi rma que as infl uências culturais negadas ou desvalorizadas têm pertencimento de classe, etnia ou gênero, deixando à margem todo um universo de compreensões produzido a partir do lugar social no qual os grupos e pessoas se inscrevem.

A experiência ecológica referida como dimensão do fortalecimento são experiências que ajudam a enriquecer o cotidiano, que conduzem a uma conexão com a dimensão espiritual, com a natureza e os seres vivos no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência. Jarbas relata esta experiência no cuidado da horta comunitária: “cuidar da horta, aquilo lá para mim foi um encontro comigo mesmo. Como meus pais foram agricultores, pra mim foi maravilhoso, tá mexendo com a terra. Acho que foi uma força a mais pra recuperação” (Jarbas, E). Para Flor de Lótus, foi a oportunidade de conviver com os bichos: “na casa de aprendizagem tinha toda a bicharada. Outra coisa que minha mãe não deixava a gente fazer, bicho não deveria entrar dentro de casa, e quando então a gente pegava, apanhava. Lá no Movimento eu recebi todo esse carinho dos bichos” (Flor de Lótus, GF).

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A experiência religiosa também pode se aliar a dor, quando Jarbas relata: “meus pais eram evangélicos, então eles traziam aquela coisa muito rígida, aquela coisa do pecado, aquela coisa do castigo. Eu acho que psicologicamente me trouxe algumas feridas e com os grupos eu descobri que isto são ponto de vista, só a vista de um ponto só” (Jarbas, E). Para Boff (2001), existem experiências transcendentes negativas, são pseudotranscendencias que diminuem a humanização do ser, provocando um endeusamento e fetichização do cotidiano, como as experiências provocadas pelas drogas, o universo do marketing, do show bizz ou experiências religiosas que evocam mudanças efêmeras, deixando o cotidiano triste e opaco. A verdadeira transcendência ajuda a enriquecer e assumir o cotidiano, ampliando a liberdade e energia para enfrentar os desafi os diários (Boff, 2001).

A experiência de transcendência se confi gura uma estratégia de cuidado em saúde mental por lidar com as dimensões pouco conscientes do ser em que se assentam os valores, motivações e sentidos humanos da existência, capazes de operar transformações existenciais que “permitem auscultar dimensões radicais do humano, as quais a maioria das pessoas resiste a enfrentar, abrindo portas para uma sabedoria pessoal mais profunda, e para formas específi cas de conhecimento, de competência e poder” (Vasconcelos, 2003, p.305).

Em um mito originado na tradição ioruba (com origem na Nigéria) e afro-brasileira, Vasconcelos (2003) descreve as transformações ocorridas pela experiência de adoecimento. A fi gura de Omulu é representada por um homem que tem o corpo coberto de palha para ocultar diversas chagas que foram provocadas por inúmeras doenças e confl itos com a mãe. Ele é rejeitado por sua família e pelos moradores da aldeia indo se refugiar na fl oresta à procura de seu próprio caminho. Ao lidar com as próprias dores e doenças é transformado em curador. Volta às aldeias que antes o expulsavam carregando seus apetrechos de cura, vários tipos de águas, remédios e poções (atós), para realizar curas e rituais de proteção. Voltou à própria casa, podendo curar os seus pais.

O mito do curador ferido fala de uma dor intensa e solitária capaz de modifi car relações de desprezo e exclusão para relações de cura e cuidado. Suzana fala deste aprendizado “Quando eu vejo assim uma pessoa, por exemplo, com tentativa de suicídio, eu olho pra aquela pessoa com uma compaixão que muitas vezes eu não fui olhada né, porque eu entendo que aquela pessoa tem uma dor tão grande que naquele momento ela não tá suportando e que ela precisa de ajuda, ao invés de julgamento, de condenação” (Susana, GF). Flor de Lótus sofreu uma série de confl itos e abusos na infância que passou muito tempo para reconhecer. Hoje fala em como aprendeu a tomar posição, da capacidade de cuidar do outro de forma sensível e empática “Você chega no ônibus, por exemplo, você sente à distância quando uma pessoa tá passando por uma necessidade, você conversa, você passa a mão. Alguma coisa acontece na sua vida diária porque você aprendeu aqui no dia a dia” (Flor de Lótus, GF).

A transformação das feridas em poder de cura não é natural, se confi gurando como um processo de cuidado da alma, de ocupar-se consigo. Para Foucault (2006), o cuidado de si representa o momento do despertar, em que os olhos se abrem para alcançar a luz, um movimento de permanente inquietude no sentido da existência. A epiméleia heautoû (cuidado de si) designa precisamente “o conjunto das condições de espiritualidade, o

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conjunto das transformações de si que constituem a condição necessária para que se possa ter acesso à verdade” (Foucault, 2006, p.21). Ocupar-se consigo, cuidar das próprias feridas, é um caminho apresentado pelos sujeitos desta pesquisa como propiciador de fortalecimento, como experiência que conduz a uma vivência ecológica que fomenta o que Sawaia (2009) descreve como a felicidade ético-política que é sentida quando se ultrapassa a prática do individualismo e do corporativismo para abrir-se à humanidade na conquista da cidadania e da emancipação de si e do outro.

Considerações fi nais

Artigos recentes destacam a difi culdade dos serviços de saúde mental em realizar práticas de cuidado que produzam saúde e autonomia das pessoas, pouco estimulando a organização mais independente dos usuários e familiares, uma vez que tal espaço é ainda liderado, em sua grande maioria, pelos técnicos dos serviços (Almeida, Dimenstein & Severo, 2010; Figueiró & Dimenstein, 2010; Vasconcelos, 2009). As situações de exclusão representam para Sawaia (2009) uma ameaça à existência, cerceando a experiência, a mobilidade, produzindo intenso sofrimento, bloqueando o poder do corpo de afetar e ser afetado.

Enfocando os sentidos de fortalecimento de homens e mulheres que passaram pela experiência de sofrimento reconhecemos a potência de sujeitos, o que lhes faz escapar do interdito manicomial. No resgate do valor pessoal e do poder pessoal ocorrem mudanças nas crenças sobre si mesmo, sobre o mundo, experimentando a coragem de fazer diferente, superando atitudes fatalistas que promovem a passividade, acomodação e desqualifi cação. Ao apresentar um sentimento de comunidade a pessoa percebe-se mais segura, reconhecendo espaços de trocas, de solidariedades, materializados principalmente por meio de atividades voluntárias. Nas atividades do Movimento de Saúde Mental Comunitário analisado, vimos que usuários são reconhecidos como pessoas, com identidade na comunidade e não como pacientes. Inaugura-se desta forma, um novo espaço social para a loucura, superando relações de tutela e de segregação.

Foi evidenciado como importante para o fortalecimento, a negociação do uso da medicação, reconhecendo a pessoa que sofre como sujeito do tratamento, em sua capacidade de compreender seu diagnóstico e negociar as formas de tratamento. Outro aspecto foi a experiência ecológica como ampliação da conexão consigo, com o outro e a vida, onde o desenvolvimento pessoal é mediado pela profunda implicação com o Outro, a comunidade e a natureza.

Nos vários aspectos do fortalecimento que surgiram das histórias aqui retratadas de dor e superação de pessoas que passaram pela situação de adoecimento, reconhecemos o conceito de fortalecimento, surgido na práxis da psicologia comunitária, como fundamental no enriquecimento do campo da saúde mental. Desse modo, não existe sujeito fora de um sentido de comunidade, onde os processos de fortalecimento não se engessam em teorias ou em atividades de cuidado, mas reivindicam o respeito ao território existencial como suporte à expressão da dor, da insatisfação, da possibilidade de ser e desejar coisas diferentes, de rompimento com uma ideologia de submissão e de resignação na compreensão do modo de vida de sua comunidade e de si mesmo.

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Recebido em agosto 2012 Aceito em setembro 2012

Maria Aparecida Alves Sobreira Carvalho – Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), psicóloga, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – Campus Sousa. Verônica Morais Ximenes – Psicóloga, Doutora em Psicologia (Universidade de Barcelona), Professora Associado da Graduação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bolsista produtividade CNPq.Maria Lúcia Magalhães Bosi – Professora Titular – Departamento de Saúde Comunitária. Coordenadora do Laboratório de Avaliação e Pesquisa Qualitativa em Saúde (LAPQS). Universidade Federal do Ceará.

Endereço para contato: [email protected]

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A qualidade da educação e o professor por um fi o: o cotidiano docente na ótica da psicologia social comunitária1

Maria de Fatima Quintal de FreitasLygia Maria Portugal Oliveira

Resumo: Sob a ótica da Psicologia Social Comunitária, propõe-se uma análise sobre armadilhas/dimensões psicossociais que afetam as relações interpessoais dos docentes, com subprodutos negativos à prática e rede escolar-comunitária. Realizou-se uma pesquisa exploratória, aplicando questionários semiestruturados a 219 docentes de 33 escolas municipais de Curitiba. O eixo temático da pesquisa dirige-se à Educação, Formação e Vida Cotidiana do(a) Professor(a). A análise quantitativa e qualitativa (com análise de conteúdo) gerou categorias a posteriori, em torno de: caracterização geral, ingresso e prática; dificuldades enfrentadas e alternativas de resolução; dificuldades percebidas na comunidade escolar; perspectivas/planos de futuro. A condição docente é pouco valorizada, e há baixo envolvimento coletivo e dificuldades para participação escolar solidária. Encontraram-se paradoxos/desafios vividos pelos professores: fragilidade de redes de solidariedade no cotidiano; posturas fatalistas diante da vida e do trabalho; trabalho docente vivido como uma prática solitária no espaço público e que acontece no limite da exaustão psicossocial. Palavras-chave: Prática docente e psicologia social comunitária, vida cotidiana e educação comunitária, cotidiano docente e comunidade.

The quality of education and the teacher about to collapse: The daily teaching experience from the perspective of social community psychology

Abstract: From the perspective of Social Community Psychology, an analysis of traps / psychosocial dimensions that affect interpersonal relationships of teachers with negative byproducts practice and school-community network is proposed. We performed an exploratory research, using semi-structured questionnaires to 219 teachers from 33 municipal schools in Curitiba. The main theme of the research is directed to Education, Training and the Teacher`s Daily Life. The quantitative and qualitative analysis (with content analysis) later on generated categories of: general characterization, admission and practice; difficulties faced and resolution alternatives; difficulties perceived in the school community; prospects / future plans. The teacher`s condition is undervalued, and there is little involvement and collective solidarity and difficulties for solidary school participation. Paradoxes / challenges faced by teachers were met: fragility of daily solidarity network; fatalistic attitudes toward life and work, teaching work experienced as a solo practice in public space and that happens in the limit of psychosocial exhaustion.Keywords: Educational Practice and Social Community Psychology, Everyday Life and Community Education, Educational Everyday and community.

1 CNPq e CAPES.

Aletheia 37, p.177-196, jan./abr. 2012

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La calidad de la educación y el profesor a punto de colapsar: el cotidiano del profesor desde la perspectiva de la psicología social comunitaria

Resumen: Desde la perspectiva de la Psicología Social Comunitaria, se propone un análisis de las trampas/dimensiones psicosociales que afectan a las relaciones interpersonales de los docentes produciendo subproductos negativos para la práctica y red de la escuela y comunidad. Se realizó una investigación exploratoria, utilizando cuestionarios semiestructurados a 219 docentes de 33 escuelas de la alcaldía de Curitiba. El tema principal de la investigación se dirige a la Educación, Formación y la Vida Cotidiana del (la) profesor (a). El análisis cuantitativo y cualitativo (análisis de contenido) generó categorías acerca de: caracterización general, entrada y práctica docente, dificultades vividas y soluciones, dificultades percibidas en la comunidad escolar; perspectivas /planes futuros. La condición de los docentes está infravalorado, y hay poca participación y solidaridad colectiva y hay dificultades para la participación en la escuela de manera solidaria. Se conocieron paradojas/retos que enfrentan los docentes: fragilidad de las redes de solidaridad en su cotidiano, actitudes fatalistas delante de la vida y del trabajo, el trabajo docente se experimenta como una práctica vivida en solitario en el espacio público y que ocurre en el límite de agotamiento psicológico. Palabras clave: Práctica Docente y Psicología Social Comunitaria, Vida cotidiana y Educación Comunitaria, Cotidiano Docente y Comunidad.

Introdução

Ao refl etir sobre a escola e o processo educativo dentro do paradigma das relações de produção, no tipo de sociedade capitalista em que vivemos, Guzzo (2005) refere-se à mercantilização e coisifi cação da vida humana, que se expressam também no contexto educacional. Guzzo (2005) bem revela este sutil e cruel processo ao afi rmar que “viver o cotidiano da escola tem sido viver o desalento de um processo adaptativo e domesticador em relação ao mundo” (p.19). Inúmeras também são as difi culdades que afetam, de forma signifi cativa, o cotidiano do professor, tanto em sua vida particular quanto laboral, principalmente aquele das escolas públicas que trabalha em condições e infraestrutura precárias, além de viver, nas interações humanas, relações de competição e individualismo, típicas da natureza desta sociedade. O censo escolar de 2011 mostra que pouco mais de 15,5% dos alunos da educação básica (7.918.677 de alunos de um total de 50.972.619 matriculados) frequentam escolas privadas, sendo que esse percentual aumentou, aproximadamente, meio por cento a cada ano, desde 2007. Nesse ano, em 2007, no total geral das matrículas da educação básica, havia 2.056.309 de alunos a mais do que as matrículas em 2011, o que torna essa presença na rede privada, hoje, ainda mais signifi cativa (Mandelli, 2012). Assim, poder-se-ia dizer que o número de escolas públicas, proporcionalmente, é menor do que o das privadas, visto que aquelas atendem a um contingente maior de estudantes em sala de aula do que as particulares (Mandelli, 2012; Oliveira, 2007; Penteado & Guzzo, 2010). Esta é uma das difi culdades que os professores de escolas públicas enfrentam, além do alto índice de sofrimento mental, estresse e burnout presentes, em especial, para os professores com mais tempo de magistério (Souza & Leite, 2011); assim como os problemas de saúde física, como os ligados à voz (Servilha & Ruela,

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2010; Souza, 2011; Luchesi, 2009) e os cuidados físicos dependentes das condições de trabalho (Araújo & Carvalho, 2009; Cardoso et al., 2011; Fernandes & Rocha, 2009; Gasparini, Barreto & Assunção 2005).

Vários são os estudos, pesquisas e levantamentos que têm sido realizados, desde fi ns dos anos 90, tendo o foco dirigido ao aprimoramento e melhoria da educação, buscando garantir uma melhor formação e condições mais dignas e saudáveis aos atores sociais envolvidos (Abramovay, 2005; Gasparini, Barreto & Assunção ,2006; Marriel, Assis, Avanci & Oliveira, 2006). Embora tenham também aumentado as instâncias governamentais, programas e propostas ligados ao desenvolvimento de conhecimentos e práticas neste campo, isso não signifi ca necessariamente que os aspectos centrais dessa relação ensino-aprendizagem tenham melhorado e recebido o devido valor e proteção. Assim é que, por exemplo, na maioria dos programas públicos no campo da educação, há sempre uma ênfase, claramente colocada, para a melhoria dos índices, dos resultados de aprendizagem e aprovação, do número de vagas para entrada no sistema educacional, do contingente de recursos e bolsas destinados aos jovens, tendo na maioria o foco na formação, educação, preparação e profi ssionalização do estudante, e vários outros itens nessa direção.

Contudo, a fi gura do professor não tem recebido a mesma prioridade na destinação dos recursos ou nas propostas de aprimoramento e formação. Em vários casos, ele é colocado como o “protagonista” desse processo educacional, mas numa perspectiva de quase ser o principal responsável pelos resultados, criando-se assim várias tensões e dilemas vividos pelos professores em seu cotidiano (Freitas, 2003; Guzzo, 2005). Isto, em parte, tem contribuído para que os professores “sintam-se perdidos. Eles perderam algumas referências fundamentais sobre seu trabalho, sobre as relações com este e sobre sua vida” (Freitas, 2003, p.144). Várias são as explicações sobre o quadro de insucessos e desafi os na realidade educacional, entre as quais muitas localizam o professor como responsável, pois “não teria competências”, ou “não teria se capacitado”, ou “não ́ soube´ como lidar com essas situações” de adversidade. Mesmo que, de fato, o professor possa não ter sido capacitado e nem aprendido em como lidar com essas situações, esta condição não pode, por si só, signifi car a reifi cação dessa responsabilidade. Isto porque faltam – para uma análise justa e voltada à totalidade histórica dos determinantes dessa situação – aspectos estruturais que devem ser considerados para a análise e compreensão da precarização do trabalho docente, que também produz impactos nas dimensões subjetivas da vida cotidiana desses professores. Mesmo que sólidos e extensos investimentos sejam feitos na direção de “melhorar e capacitar” os profi ssionais da educação, também não é isto que, por si só, seria sufi ciente para desvendar o que se passa nos meandros dos processos psicossociais vividos pelo professor em seu cotidiano, muitas vezes de modo solitário, silencioso e desalentador e que afeta não só seu trabalho e sua vida, como também, as perspectivas e projetos educacionais nesse campo.

Este trabalho pretende reunir informações obtidas através de uma pesquisa de campo exploratória, realizada na região metropolitana de Curitiba, ao trazer as vozes, sonhos, desafi os, problemas e possibilidades percebidas no cotidiano, pelos professores

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de educação básica de 33 escolas municipais. Tem-se como objetivo caracterizar o trabalho docente, na ótica dos professores, identifi cando os efeitos psicossociais em sua vida cotidiana e as infl uências sobre os planos e sonhos para o futuro. Busca-se fazer uma refl exão sobre os aspectos importantes para a formação e capacitação de futuros agentes comunitários, dentro e fora da escola, na ótica desses docentes e à luz da psicologia social comunitária.

Método

Esta pesquisa foi realizada, dando continuidade à proposta de implementar ações comunitárias no contexto educacional, que vinha sendo desenvolvida em projetos anteriores, ligados ao NUPCES (Núcleo de Psicologia Comunitária, Educação e Saúde/CNPq-PPGE/UFPR) buscando envolver diferentes atores sociais (professores, estudantes e comunidade), preparando-os para a realização do diagnóstico de necessidades e construção de redes colaborativas em seus entornos educacionais e comunitários.

Em uma primeira aproximação, foi feito o levantamento de vários aspectos e necessidades junto ao grupo de professores. A linha temática central localizou-se no eixo “vida cotidiana: estratégias de resistência e de desistência dos docentes”, o que gerou investigações e a participação em atividades de formação a pedido da Secretaria de Educação e do Sindicato dos Professores. Ambos têm buscado aportes para compreender o que se passa com os docentes, em seu dia a dia, sob a ótica dos processos psicossociais com vistas a uma melhoria na participação escolar e comunitária. Já existiam vários contatos e trabalhos grupais anteriores, que vinham sendo realizados junto ao Sindicato de Professores e aos professores-representantes de cada escola ligada ao sindicato. Durante ano e meio, regularmente, realizaram-se reuniões mensais, em que eram feitas discussões sobre problemáticas vividas pelos docentes em seu cotidiano de trabalho, buscando-se a constituição de grupos de trabalho que fossem dirigidos a essas problemáticas em cada escola participante. Como resultado disto, após um levantamento de informações e diagnóstico psicossocial feito junto aos professores-representantes que participavam dessas reuniões regulares, o próprio grupo de docentes, juntamente com a diretoria do sindicato e a nossa equipe de trabalho de intervenção, defi niu que um primeiro passo seria a realização de uma pesquisa para conhecermos sobre os docentes e sua vida. Esta deveria ter a maior abrangência possível, atingir cada escola e permitir que os professores pudessem expressar, de modo seguro e sigiloso, seus posicionamentos e visões a respeito de seu cotidiano de trabalho e sua vida, captando as diferentes necessidades e problemas, assim como os anseios e projetos para o futuro pessoal e profi ssional como educadores e cidadãos.

Isto gerou um instrumento de coleta de informações, sob o formato de questionário que foi denominado, à época, de ”Professor: sua vida, seu trabalho, seu futuro”. Este questionário, composto de 17 questões abertas e fechadas, estruturou-se, com a ajuda dos docentes-representantes, em torno de três eixos temáticos: “conhecendo os docentes da rede municipal” (dados de caracterização sociofamiliar-

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escolar); “ingresso e participação no magistério e cotidiano docente” e “planos e perspectivas de futuro”. As respostas foram categorizadas e submetidas a uma análise de conteúdo, criando-se categorias a posteriori, dentro dos eixos temáticos.

Desafi os e difi culdades no campo da pesquisaParte dos dados aqui apresentados originou-se de uma proposta de intervenção

coletiva, em que a construção e os temas-guias do instrumento de coleta foram discutidos e elaborados em conjunto (direção do sindicato, representantes dos docentes e a nossa equipe). Anteriormente a esta coleta, já existia um trabalho que realizávamos junto aos professores-representantes que tinham assento no sindicato e com a direção dessa entidade, através de reuniões mensais em que as problemáticas e difi culdades dos docentes apareciam, de maneira recorrente, ligadas às dimensões subjetivas e psicossociais.

Assim, foi-se identifi cando, ao longo desse período, um tema central relacionado à vida docente, surgindo discussões sobre as estratégias de resistência e de desistência que os docentes encontravam em sua vida cotidiana, cujo conteúdo discutimos, nas intervenções e palestras solicitadas pela Secretaria de Educação. Isso produziu algum impacto e expectativa nos professores quanto à necessidade de adquirirem conhecimentos sobre o que se passava com eles, do ponto de vista psicossocial (como os desânimos, sofrimentos, fatalismos, descrenças em possibilidades de melhoria, entre outros), em seus trabalhos e vidas, para que pudessem encontrar alternativas de enfrentamento, individual e coletivo.

Dessa forma, após a confecção e aplicação do questionário-piloto, tendo o apoio e autorização do sindicado e dos docentes-representantes, buscou-se um contato com as direções das escolas. Mesmo tendo a mediação dos professores-representantes, foi um trabalho demorado e cheio de desencontros em termos de tentar coadunar as disponibilidades, assim como os interesses das direções e coordenações pedagógicas em saber do que se tratava, com receios de estarem sendo avaliados externamente. Dos 35 docentes-representantes que participavam com regularidade das reuniões mensais no sindicato, obteve-se por parte de 33 a concordância em intermediar o nosso contato em suas escolas. Assim, estas 33 escolas integrantes da rede (de um total de 167 instituições) tinham em seu conjunto 987 professores ligados à educação básica, que receberam os questionários, entregues ou em reuniões e visitas que realizamos em cada escola, ou através do próprio representante. Cada questionário constituía um conjunto de 17 itens, organizados de modo a ser rápida e objetiva a resposta, com exceção das questões abertas, relativas aos planos de futuro e dimensões mais pessoais. Com todos houve um contato e informação cuidadosa sobre a fi nalidade da pesquisa, assim como a garantia de sigilo e anonimato, além da leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) (em consonância à resolução 196/96/MS, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do setor de ciências da saúde, em 2009). O questionário deveria ser, então, depositado em outra urna lacrada, colocada à parte da urna, também lacrada, destinada à recolha dos TCLE assinados. A existência dos contatos e trabalho anteriores, junto aos professores-representantes, contribuiu para que fôssemos recebidas nas escolas e que fosse construída uma relação de confi ança, mediada pelo aval e conhecimento destes

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docentes. Isso colaborou para que conseguíssemos um retorno dos 219 questionários (de 987 entregues) que foram considerados válidos. Houve casos de escolas, em que as urnas recolhidas apresentavam poucos questionários no seu interior (ao todo, oito foram considerados inválidos) ou mesmo tinham questionários com a maior parte das respostas em branco, que se referiam a docentes que atuavam na escola não mais na função de conduzir as salas de aula, mas sim em trabalhos administrativos.

Ao fi nal, os 219 questionários respondidos pelos docentes representaram 22% do total entregue. Em cada escola, com a permissão da direção, colocamos uma urna que foi publicamente lacrada por nós, para que os professores pudessem depositar de modo sigiloso e seguro suas respostas, e as duas urnas (a dos termos de consentimento e a dos questionários respondidos) só poderiam ser retiradas por alguém de nossa equipe, a fi m de garantir o sigilo e segurança dos docentes, evitando qualquer tipo de pressão ou possível represália. Mesmo com estes cuidados, verifi cou-se haver uma não devolução de questionários em 88% e, em muitas situações, foi-nos relatada uma “certa insegurança e receio em participar, embora quisessem muito” (sic). Houve inclusive o recebimento de alguns questionários (quatro, de escolas diferentes) que nos foram entregues, anonimamente, três meses depois, colocados no escaninho da coordenadora deste projeto, na universidade. Embora seja um fato isolado e de abrangência restrita, apresenta forte signifi cado se considerarmos que, a sua chegada às nossas mãos, implicou um esforço e envolvimento desses professores, desde a busca e localização da nossa lotação institucional específi ca, até um interesse em que tais informações nos fossem dadas, para o conjunto do trabalho. Os dados destes questionários agregaram-se depois ao conjunto de respostas dos outros docentes.

Resultados

Alguns aspectos contribuem para uma reflexão sobre as dificuldades de participação e obtenção de dados para a realização de pesquisas em cenários, cujas relações interpessoais são delicadas e sensíveis às pressões hierárquicas e de poder. Estas são infl uências que muitas vezes colaboram para que os dados obtidos possam sofrer interferências que, se não forem consideradas quando do processo de coleta das informações, podem trazer percepções parciais e compreensões analíticas nem sempre próximas à realidade concreta.

Observou-se ao longo destas práticas de intervenção, desde as diretamente realizadas no sindicado dos docentes, uma difi culdade em aumentar o número de professores participantes nas reuniões mensais e debates, em parte explicada pelos medos de serem “vistos como contrários às normas da secretaria ou da direção” (sic). Alguns inclusive relatavam que nem sempre conseguiam vir às reuniões, também em parte porque muitas vezes tinham de cobrir colegas que haviam faltado naquele dia em suas escolas. Nesta ocasião também, o sindicato estava reunindo informações sobre as condições frágeis de saúde dos professores, cujos pedidos de afastamento por causa de doença vinham aumentando. Várias, também, eram as reclamações relativas às difi culdades de ascensão na carreira de magistério, devido a fatores pouco claros.

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Além disto, podem-se também indicar mais dois aspectos que permitiriam explicar as difi culdades para uma participação maior em responder aos questionários. Um deles relaciona-se à ideia de que a pesquisa poderia ter uma fi nalidade de avaliação pessoal dos docentes e/ou escola, visão esta que tem sido observada em várias investigações realizadas no campo da educação e ciências humanas, em que os docentes expressam uma concepção equivocada de que “podem estar sendo avaliados pela universidade”, mesmo quando esclarecidos dos objetivos das pesquisas a serem realizadas. O outro aspecto estaria ligado ao fato de que as escolas, de maneira geral, têm sido procuradas por um grande número de pesquisadores e seus estudantes para a realização de trabalhos de investigação (monografi as, dissertações de mestrado e/ou teses de doutorado, e outros), utilizando uma variedade de instrumentos de coleta de dados nem sempre muito explicados e “confortáveis” às pessoas. Isso, em muitos casos, pode gerar uma saturação e uma certa desconfi ança em relação ao que será feito com os resultados, em especial quando não há um retorno dos pesquisadores para os participantes da pesquisa sobre os achados e conclusões obtidas.

Conhecendo os docentes e seu ingresso no magistérioComo esperado na rede da educação básica, a maioria dos docentes é do sexo

feminino. Encontramos 214 mulheres para apenas 5 homens, com idade entre 24 e 61 anos sendo que mais de três quartos deles situam-se em duas faixas etárias predominantes: dos 24 aos 35 anos (com 85 professores-38,8%) e dos 36 aos 47 anos (com 87 professores – 39,7%). Ainda 31 docentes situam-se entre os 48 e 55 anos, representando uma proximidade com a aposentadoria, visto que se dedicam à profi ssão há mais de duas décadas.

Considerando-se apenas os que foram informaram de modo preciso (209) seu estado civil, houve uma maioria de casados (130- 62,2%) para 37,7% (79 docentes) que se encontram, provavelmente, sozinhos em alguma condição similar (solteiros, divorciados ou viúvos). Mesmo trabalhando e vivendo na capital do estado, os docentes praticamente se equilibram quanto à sua origem: uma maioria (112- 51,6%) é originária de fora da capital sendo que 38,2% (83 docentes) são do interior desse estado, e 48,4% (105) nasceram na capital. Em termos de moradia, observa-se que a grande maioria (179 docentes) vive em casa própria e os demais se dividem, equitativamente, entre morar de aluguel ou em casa de parentes. A contribuição para a renda familiar predomina (172 docentes – 78,5%) em um a dois trabalhadores, vivendo em casas em que moram de 3 a 6 pessoas (168 – 76,7%).

Em relação à sua formação para a docência, a maioria (195–89,04%) fez magistério no ensino médio, concentrando-se (146 deles) em escolas públicas. Quase a mesma proporção observa-se em relação a terem feito (210-95,9%) algum curso superior, com predomínio para a pedagogia (100-47,2%), magistério superior (31-14,7%) e letras (22-10,4%). Os cursos de educação física, artes e ciências sociais aparecem equiparados, tendo sido feitos por nove (4,3%) docentes cada um. Com o mesmo índice de escolha (quatro -1,9%), aparecem os cursos de psicologia, jornalismo, biologia, história e fi losofi a. Ainda foram cursadas as seguintes carreiras por apenas um docente: geografi a, matemática, desenho industrial, economia, serviço social, direito e fonoaudiologia.

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Observa-se que algumas destas carreiras cursadas não estão diretamente relacionadas ao exercício da docência na educação básica, podendo indicar que estes professores talvez não tenham conseguido colocação profi ssional quando se formaram, ou que já atuavam no magistério e lhes foi mais vantajoso e motivador continuar na docência do que iniciar-se na nova carreira.

Como indicado na Tabela 1, a maioria (169) dos docentes informou já ter realizado algum tipo de curso de especialização ou capacitação, concentrando-se nas áreas da Educação e das Psicologias, com ênfase nos temas relativos à sala de aula (metodologias, técnicas e didática, e gestão do trabalho pedagógico) e aos processos de ensino (desde defi ciências até processos de aprendizagem).

Tabela 1 – Cursos de especialização e capacitação frequentados pelos professores.

Área Temas F %

Educação – Metodologiade Educação

Ed. Infantil – Magistério – EJA –Alfabetização – Gestão e Organização do Trabalho Pedagógi-co – Didática e Técnicas Educacionais – Metodologias Ensino – Processos Aprendizagem e Ensino

67 39,7

Psicopedagogia – Psi-cologias

Pedagogia Terapêutica – Psicomotricidade Relacional –Psico-drama – Neuropsicologia 37 21,9

EducaçãoEspecial

Inclusão – Deficiências (Mental, Visual, Auditiva) – Inter-venção 26 15,4

Área deHumanas

Artes, Geografia, História, Turismo, Direitos Humanos, Ed. Ambiental e Educ. Física 23 13,6

Outros Letras e Línguas, Exatas, Administração Pública,Informática 16 9,5

Total 169 100

Em termos de expectativa futura para seu aprimoramento profi ssional, todos os professores indicaram algum tipo de capacitação que desejam fazer, havendo casos de mais de uma indicação por docente. Interessante verifi carmos que predomina a expectativa em fazer cursos no campo das psicologias (43) e da pós-graduação stricto sensu (40) nessa área, fi cando o campo da Educação e Educação Especial como terceira (30) área procurada para cursos futuros. Parece haver uma crença de que cursos voltados para a compreensão do individuo e de suas formas de desenvolvimento e aprendizagem poderiam trazer benefícios, inclusive para a prática de magistério que eles têm. Isso aparece também nas escolhas que fazem em termos de cursos de mestrado e doutorado que pretendem fazer.

Observa-se na Tabela 2, que as razões indicadas para terem se tornado docentes concentram-se em aspectos vocacionais, altruístas (de quererem melhorar o mundo e a humanidade), pessoais e de condições externas/objetivas.

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Tabela 2 – Razões indicadas para o ingresso no magistério.

Motivos para o Ingresso 1ª Razão 2ª Razão

Vocação/Gosto 98 44

Melhorar o Mundo – Contribuir 84 70

Prazer em Ensinar – Transmitir Conhecimentos 56 45

Crescimento Individual 26 32

Influência de outros 39 35

Trabalho meio período 15 23

Segurança de emprego 13 27

Os aspectos externos indicados referiram-se ao fato de terem buscado essa profi ssão pela infl uência e modelo de amigos e parentes, por ser um trabalho que permite atuar somente por meio período, e pela segurança ao ser um trabalho de vínculo público. Estes motivos mantêm-se presentes seja como primeira ou segunda razão atribuída.

Ao serem perguntados a respeito dos problemas e difi culdades que enfrentam em seu cotidiano profi ssional, os professores apontaram sete grupos de difi culdades que se expressaram e em relação às condições: alunos, saúde, colegas, relacionamento, família dos alunos, execução e recursos do trabalho (Vide Tabela 3). Cada grupo de difi culdades refere-se a vários aspectos, reunidos em categorias a posteriori a partir das respostas dadas às perguntas abertas, que permitem conhecer os obstáculos que os professores enfrentam em seu dia a dia. Há um signifi cativo predomínio de difi culdades relacionadas aos alunos (534 problemas apontados) e suas famílias (370 problemas).

Tabela 3 – Grupos de sete problemas e dificuldades enfrentadas pelos professores.

Problemas Dificuldades Têm Problemas

Não Têm Problemas

NãoRespondeu

Problemas (Freq.) Problemas em Relação a:

534 Alunos 197 4 18

343 Saúde no Trabalho 148 27 44

323 Colegas 141 36 42

182 Relacionamento na Escola 94 57 68

370 Família de Alunos 178 14 27

287 Execução do Trabalho 146 32 41

167 Recursos para o Trabalho 112 68 30

O grupo de difi culdades relacionadas a recursos e materiais no trabalho foi o que teve a frequência maior de professores (68) que informou não enfrentar tais obstáculos. Em sentido oposto, poucos (4) foram os que disseram não enfrentar problemas relacionados aos alunos. Por sua vez as difi culdades ligadas a “relacionamento na escola” tiveram respostas na categoria “não respondeu” superiores a “não têm problemas” neste item.

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Mesmo que a quantidade de problemas indicados em relação a este aspecto tenha sido o menor de todos (94), isto nos faz pensar nos receios que muitos docentes têm em se expressarem de maneira objetiva, de tal modo que isso poderia revelar algum tipo de tensão ou confl ito nas relações profi ssionais, colocando-os em posições frágeis nas relações hierárquicas e de poder, por isso talvez muitos preferem “não responder”.

As difi culdades e/ou problemas enfrentados em relação aos alunos foram indicadas quanto a três dimensões: a) problemas na relação alunos e sua família; b) ao próprio comportamento e desempenho dos alunos, e c) problemas da escola/comunidade que afetam os alunos (Vide Figura 1). Este é o grupo de problemas com maior indicação (534), destacando-se aqueles relacionados ao comportamento e desempenho (387). Neste subgrupo, os professores apontam principalmente a falta, por parte dos alunos, de atitudes e interações adequadas e com bom controle emocional e afetivo diante de contrariedades ou adversidades, muito mais do que os problemas relativos ao processo de aprendizagem e aquisição de conhecimento (62).

– Ausência dos pais – Desinteresse: 54– Falta de Modelo/Referência: 13– Desestrutura familiar/Concorrência das mídias/TIC: 10

– Falta de disciplina e ‘boas’ maneiras: 155– Rebeldia/agressividade; desobediência/desatenção: 136– Falta de conhecimentos/pré-requisitos de aprendizagem/conteúdos básicos: 62– Baixa “inteligência” emocional-afetiva: 34

– Fatores socioeconômicos: 22– Falta de condições favoráveis de ensino: 20– Falta de condições pedagógicas adequadas: 20– Sistema educacional vigente: 8

Na relação alunos e suas famílias: (77 indicações)

Comportamento e desempenho dos alunos: (387 indicações)

Problemas da escola/comunidade que afetam os alunos: (70 indicações)

Figura 1 – Problemas ou dificuldades enfrentadas em relação aos alunos, indicadas por 197 professores.

Os problemas relativos à Escola/Comunidade, que os professores consideram afetar mais os alunos, derivam de: fatores socioeconômicos (pobreza, falta de condições materiais, de higiene e alimentação; drogas e álcool;); falta de condições favoráveis de ensino (excesso alunos em sala, falta de material/pessoal); falta de condições pedagógicas (apoio e comprometimento político-pedagógico, autonomia escolar, acompanhamento especializado); sistema educacional vigente (ciclos e critérios para aprovação).

Conforme se observa na Figura 2, quanto à saúde no trabalho, os professores indicaram problemas que foram agrupados em duas subcategorias: uma relativa à saúde física e emocional, e, outra, ligada à saúde afetada pelas condições de trabalho. Na primeira, foram apontados problemas e difi culdades ligadas a: aspectos psicossociais e SN (sistema nervoso) (desânimo, ansiedade, depressão, esgotamento emocional); dores na coluna e musculares; comprometimentos nos órgãos do sentido (voz-garganta, audição, visão); alergias e enxaquecas. Na segunda subcategoria – saúde ligada às condições de

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trabalho – foram indicados problemas ligados a: excesso de horas trabalhadas e falta de pessoal (que geram estresse e sobrecarga física); condições precárias e insalubres (ambiente insalubre, problemas com médicos, espaços precários, doenças infecto-contagiosas no ambiente); falta de tempo (sem lazer e sem descanso); e “clima” social negativo (muitas reclamações, desconfi anças, baixo comprometimento dos funcionários e professores).

– Aspectos Psicossociais e SN: 116– Dores Corpo/Coluna/Musculares: 45– Voz, Audição, Visão: 43– Alergias e enxaquecas: 21

– Excesso de horas e pouco pessoal: 38– Condições insalubres: 54– Sem lazer/tempo: 15– “Clima” social negativo: 11

Quanto à Saúde Física e Emocional: (225 indicações)

Quanto à Saúde ligada às Condições de Trabalho: (118 indicações)

Figura 2 – Problemas e dificuldades ligadas á saúde no trabalho, indicadas por 148 professores.

As difi culdades e/ou problemas enfrentados pelos professores em relação aos seus colegas de trabalho (vide Figura 3) foram reunidas em quatro subcategorias: desunião e desrespeito (enfatizando as competições desleais, individualismo, baixa solidariedade, falta de ética e responsabilidade, incompreensões e injustiças nas interações); desinteresse e insatisfação (lamúrias e desânimos, baixo envolvimento e compromisso com situações escolares); ciúmes/inveja e fofocas (falta de aceitação às várias, disputas pessoais e discórdias, “muita convivência de mesmo “gênero” (sic)); e estresse físico-emocional (decorrente das doenças e afastamentos dos colegas que produz sobrecarga e acúmulo de aulas com substituição dos que estão em exercício).

Desunião e Desrespeito: 235 indicaçõesDesinteresse e Insatisfação dos colegas: 42 indicaçõesCiúmes/Inveja e Fofocas: 41 indicaçõesEstresse Físico-Emocional provocado pelos colegas: 5

Figura 3 – Problemas e dificuldades em relação aos colegas de trabalho, indicadas por 141 professores.

Já em relação aos problemas e difi culdades existentes nos relacionamentos dentro da escola (vide Figura 4), os professores indicaram os 182 aspectos distribuídos nas seguintes categorias: falta de valores e ética (individualismo, baixo compromisso, desrespeito, competição desleal); falta de espírito de equipe (falta de união e cooperação, partidarismo/facções, baixa colaboração); falta de tempo/interesse e comunicação (poucas oportunidades criadas para compartilhar atividades, falta de perspectivas no trabalho, problemas de comunicação/diálogo); défi cits nos planos pedagógicos (falta de professores, de planejamento metodológico, gerando estress); e abuso de poder.

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Falta de valores e ética: 71 indicaçõesFalta de tempo/interesse e diálogo entre colegas: 38 indicaçõesDéficits dos planejamentos pedagógicos: 19 indicaçõesAbuso de poder e hierarquia: 2 indicações

Figura 4 – Problemas e dificuldades existentes nos relacionamentos dentro da escola, indicadas por 94 professores.

Como quinto grupo de difi culdades e problemas, apontado por 178 professores, relativo à família dos alunos, e refl etindo nos comportamentos destes, foram agrupados nas seguintes categorias: falta de acompanhamento escolar (com 118 indicações – ausência de: diálogo e comunicação, tempo para conversas, de apoio/incentivo, interesse); falta de compromisso e limites dos pais (com 85 indicações – expressada em baixo compromisso com as atividades escolares, pouca responsabilidade diante dos prazos e pouca disciplina e limites no âmbito familiar); negligência e abandono (com 60 indicações – permissivos, esquecem crianças na escola, negligentes); desvalorização /desrespeito dos professores (com 43 indicações – desrespeito, colocam alunos contra docentes, responsabilizam professores por tudo, sem ética); famílias desestruturadas (com 38 indicações – famílias instáveis, com drogas e violência); problemas econômico-culturais (com 26 indicações – pobreza, falta de higiene, alimentação, valores e cuidados básicos de sobrevivência).

Os professores indicaram 287 dificuldades que interferem na execução/ desenvolvimento do seu trabalho na escola, referentes ao sexto grupo de obstáculos vivenciados (vide Figura 5).

Condições Físico-Estruturais Deficitárias: 84Más Condições Físico-Emocionais: 53Excessivas Exigências Humanas/laborais: 44Julgamentos Negativos: 35Problemas com Alunos: 39Dificuldades com Secretarias: 32

Figura 5 – Problemas e dificuldades que interferem na execução e desenvolvimento do trabalho docente, indicadas por 146 professores.

Esses obstáculos foram agrupados nas seguintes categorias: condições físico-estruturais defi citárias (falta de materiais básicos, pouco/ruim espaço físico, excesso de alunos, tecnologia defi ciente); condições físico-emocionais (cansaço, ansiedade, estresse, falta de apoio e valorização); exigências humanas e laborais (falta de professores e tempo, baixos salários, capacitação exigida); julgamentos (opiniões negativas, críticas, cobranças); problemas com alunos (relacionamento, interação e desrespeito); difi culdades com secretarias(fi losofi as de ensino, burocracia).

Quanto às difi culdades e problemas ligados aos recursos necessários para o seu trabalho (vide Figura 6), os professores apontaram 167 aspectos que se referem a: falta de materiais e infraestrutura (escassez de materiais, equipamentos, verba, espaço); problemas de uso/zelo dos materiais (acesso difícil, demora na aquisição, falta de

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cuidado no manuseio, equipamento estragado, roubo de equipamento); falta de apoio (falta de auxiliares, de tempo e apoio pedagógico), utilização dos próprios recursos (uso de equipamentos pessoais, trabalha com o que existe).

Falta de Materiais e infraestrutura: 109Mau Uso e Pouco Zelo dos Materiais/Equipamentos: 36Falta de Apoio Logístico e Pedagógico para o trabalho: 10Utilização dos Próprios Equipamentos (pessoais) na escola: 12

Figura 6 – Problemas e dificuldades relacionadas aos recursos necessários para o trabalho docente, indicadas por 112 professores.

E o futuro?Os planos profi ssionais (250 indicações) de futuro dos docentes situam-se em

cinco categorias: realizar estudos para se aprimorar e/ou ter ascensão profi ssional; buscar trabalho em outra área; continuar trabalhando como professor; atingir reconhecimento e valorização profi ssional; aposentadoria (Figura 7). Da totalidade de 219 docentes, 26 deles não indicaram nenhum projeto ou plano profi ssional para o futuro.

Estudar: 151 indicaçõesCursar Mestrado/Pós-Graduação: 93Outra Graduação: 19Curso de aperfeiçoamento/Aprimoramento: 39Trabalhar em outra área: 36Continuar como professor(a): 15Ser reconhecido(a)/realizar-se: 40Aposentar-se: 8

Figura 7 – Projetos profissionais para o futuro indicados pelos professores.

Com relação aos sonhos, o relato dos docentes distribui-se desde indicar aspectos pessoais como uma melhoria de função e trabalho, até um desalento e certo desespero por sair, como fruto da desvalorização que a profi ssão docente tem tido, passando por desejos relacionados a condições objetivas e razoáveis de trabalho ou alguns desejos ´românticos´ com a profi ssão.

Algumas verbalizações, fornecidas pelos docentes nas respostas às perguntas abertas no questionário, ilustram isso:

“Gostaria de ter salário mais decente e fi dedigno ao que tenho trabalhado” (professora, 45anos), “Quem sabe, abrir uma pré-escola” (professora, 27 anos) “... realizar um projeto com crianças em minha chácara. Vai se chamar “xxx”, meio ambiente e educação” (professora, 41anos) “Conseguir ensinar alunos que tenham menos problemas disciplinares. O meu sonho é ser um professor que orienta e ensina usando as tecnologias do momento: computador em sala de aula” (professor, 31 anos) “…ajudar a ter uma sociedade mais participativa, educada e responsável pelos seus atos. Liberdade, respeito e paz’” (professora, 59 anos)

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“Que os alunos da escola pública tenham mesma qualidade de ensino da escola particular. Sou uma idealista sonhadora” (professora, 60 anos)“…queria ter turmas menores” (professor, 35 anos) “Passar para pedagoga” (professora, 33 anos) “Meus sonhos no magistério foram morrendo aos poucos devido à forma como os profi ssionais vêm sendo tratados pela sociedade de uma maneira geral” (professora, 45 anos) “Deixar de ser professora o mais rápido possível! Urgência! Nunca mais mesmo, quero cogitar em ser professora!” (professora, 29 anos) “Um dia trabalhar com alunos mais envolvidos, interessados, respeitadores e em um ambiente harmônico (bonito)” (professora, 37 anos)

Os projetos pessoais (256 indicações) que os docentes têm para si próprios situam-se em quatro categorias: âmbito familiar (desde constituir família até dar segurança); segurança material-fi nanceira (de bens, moradia e aposentadoria); saúde (cuidados e qualidade de vida); e realizar outros cursos (como hobby). (Vide Figura 8).

ÂMBITO FAMILIAR (132 indicações): Construir Família: 35 Estar/Viajar com Família-lazer: 74 Garantir Estudos/Formação aos Filhos: 23

SEGURANÇA MATERIAL-FINANCEIRA: (80 indicações) Garantia de Moradia Própria: 63 Segurança de Aposentadoria: 17

SAÚDE: (32 indicações) Cuidados de Saúde no Cotidiano: 20 Melhorar Qualidade de Vida: 12 REALIZAR OUTROS CURSOS: 12 indicações

Figura 8 – Projetos Pessoais para o futuro indicados pelos professores.

Discussão

Professores por um fi o…?Neste momento, podemos iniciar algumas reflexões sobre as dimensões

psicossociais que se expressam no cotidiano da vida dos professores. Depreende-se que esta profi ssão, também, é vista pelos próprios professores como estando imbuída de “características humanitárias, altruístas”, parecendo depender muito mais da dedicação e do gosto ou vocação que têm por ela, de tal modo que isto lhes daria força e coragem para enfrentar o dia a dia. Isso em parte pode dar um certo caráter sacerdotal à profi ssão, podendo contribuir para desfocar outros aspectos que são importantes para a construção de uma prática profi ssional e seu sucesso, e com isso gerar processos de naturalização que podem contribuir para posturas fatalistas e pouco coletivas em uma perspectiva comunitária. Estes são exemplos daquilo que, no campo da psicologia social comunitária e da psicologia social da libertação, tem sido chamado de processo

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de naturalização da vida cotidiana (Alfaro, 2012; Freitas, 2008, 2012; Montero, 2003; Montero & Serrano-Garcia, 2011; Martín-Baró, 1989).

Considerando-se as falas dos docentes, em relação aos vários aspectos, poder-se-ia dizer que, mesmo antes dos desafi os relacionados a como fazer seus alunos aprenderem, interpõem-se, no seu cotidiano, problemas anteriores que estão na base das relações e interações humanas, cuja condição básica seria necessária para qualquer aprendizagem. Ou seja, as difi culdades que enfrentam quanto aos comportamentos e posturas “inadequadas” e “inadmissíveis” de seus estudantes revelam um importante entrave em seu cotidiano. Esse entrave contribui, muitas vezes, para (re)criar formas de desalento e descrença no “fazer docente” – como um fazer psicossocial fatalista (Martín-Baró, 1987, 1989) – cujo refl exo, lamentavelmente, abre a porta para formas de adoecimento psicossocial na vida desses profi ssionais. Novamente, nos deparamos com condições facilitadoras para que se reinstaure, assim, um perverso círculo vicioso entre: essa vida docente que “se naturaliza” (como uma sequência de sacrifícios e paradoxos, necessários de serem vividos), as concepções fatalistas que fornecem algum parâmetro de referência (de que nada poderá mudar, restando um certo “acostumar-se” com esse “caminho”), a crença na imutabilidade histórica (visto que a vida dos professores “é assim em todos os lugares”), e o deparar-se com dilemas e paradoxos cotidianos (percebidos nos avanços de aprendizagem em seus alunos “apesar de tudo”, e no envolvimento afetivo-emocional com sua práxis cotidiana “que justifi caria o sacrifi car-se”) (Freitas, 2008, 2012; Montero, 2003;Martín-Baró, 1987, 1989) .

Os problemas que afetam a saúde dos professores e são derivados, especifi camente dos aspectos psicossociais e dos refl exos no sistema nervoso (116 indicações), têm grande importância que quase se equiparam aos problemas ligados às condições objetivas de trabalho. Isto poderia signifi car mais uma vez que algumas difi culdades, (como a falta de condições estruturais e objetivas) para o desenvolvimento do trabalho docente, não chegam a se constituir em entraves sérios e impeditivos, visto que para os professores as condições de dimensão subjetiva e psicossocial têm uma maior signifi cação. Isto aponta para a necessidade de uma análise histórico-dialética, que identifi que as contradições histórico-sociais que se refl etem na vida das pessoas, se pretendemos obter subsídios para pensar em propostas de intervenção comunitária (Montero, 2003). Uma consideração a fazer é a de que não estamos, aqui, defendendo uma precariedade nas condições de trabalho dos professores, já que estes conseguem fazer “verdadeiros milagres” para atingirem seus objetivos. Pretende-se sim, destacar este lado da força e da criatividade do trabalho cotidiano dos docentes, que inúmeras vezes atingem seus resultados mesmo diante de grandes adversidades. Como bem sabemos, há décadas esta profi ssão constitui-se em um grande baluarte de resistências e de enfrentamentos na vida cotidiana (Freitas, 2003, 2007; Guzzo, 2005; Penteado & Guzzo, 2010). Outra consideração refere-se ao fato de que as dimensões psicossociais, que atravessam a vida dos docentes, são aspectos relevantes que deveriam ser enfocados seja na formação desses profi ssionais, seja no planejamento e implementação de políticas públicas, que poderiam reverter em novas formas de planejamento das condições cotidianas de trabalho. Isso poderia contribuir para que as formas de superação e

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resistência às adversidades não fi cassem dependendo, quase exclusivamente, das ações e posições dos professores, como numa atitude individual, solitária e corajosa (Freitas, 2003, 2007; Montero, 2007).

Os professores referem-se a vários problemas (em relação aos colegas ou a outros problemas, de modo geral) que emergem das interações, nem sempre produtivas e saudáveis, havendo situações de uma certa “ animosidade” não declarada, já que relatam não haver confi ança, união e nem cuidados éticos no trato interpessoal. Parece haver uma situação paradoxal, visto que seria compreensível se os professores estivessem inseguros em seu emprego, de tal modo que teriam de disputar por espaços e por sobrevivência. No entanto, como é um emprego público isto não acontece e não há um risco forte de perda de emprego. Entretanto, outras dimensões das relações de trabalho emergem e parecem acirrar-se nas interações professor-professor e professor-condições da escola, que se expressam em situações como:

a) a falta de docentes (decorrente de um quadro escasso, professores que vão adoecendo e/ou vão se intimidando com as inseguras condições de trabalho diário e depois licenciam-se ou pedem remanejamentos de escola) acaba pressionando aqueles que permanecem no exercício das suas atividades;

b) existe pouca participação em grupo e/ou sindical dirigida a interesses coletivos ou da categoria;

c) o excesso de tarefas e trabalho traz um subproduto “interessante” para a não união e estabelecimento de parcerias e solidariedades que revertam para todos, já que os docentes ou estão exaustos ou têm de deslocar-se rapidamente para a outra escola, na 2ª ou 3ª jornada de trabalho, portanto pouco tempo há para discussões coletivas;

d) a insegurança, as ameaças fora e dentro da sala de aula, o não envolvimento das famílias e ainda a cobrança por indicadores de “excelência” educacional colocam de novo o docente na condição vulnerável.

Considerações fi nais

Todos estes aspectos, numa interação intensa e cotidiana, podem fazer com que qualquer personagem, participante desta dinâmica, transforme-se em potencial disputa por alguns parcos benefícios, como horários e aulas melhores, salas e espaços de trabalho, horários-atividade e reuniões de colegiado, e aproveitamento escolar das turmas como se isso, por si só, indicasse a (in)efi ciência e (in)competência do professor. Cria-se, assim, uma armadilha psicossocial muito perversa que fragiliza as relações interpessoais e legitima um trabalho a ser feito, na maioria das vezes de modo solitário e no limite da exaustão psicológica, social e laboral. Some-se a isto, ainda, o fato de que tais condições favorecem e fortalecem a criação de explicações naturalizantes e fatalistas para as difi culdades e insucessos, criando círculos viciosos de visões desalentadoras quanto à possível mudança e melhoria em sua vida e trabalho. Como já mencionado, deparamo-nos com um importante entrave à realização de trabalhos de intervenção comunitária no contexto educacional. (Freitas, 2007, 2008, 2012; Montero, 2003; Martín-Baró, 1987, 1989; Rebellato, 2009). Isso vai aparecer, por exemplo, quando os professores (e outros também) não só não acreditam ser possível mudar, como também colaboram para

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reforçar visões fatalistas junto aos alunos e colegas. Agrava-se a situação – aumentando a distancia para a realização de projetos e propostas coletivas e comunitárias – quando o individualismo e egoísmo são fortalecidos e valorizados por posturas “que deram certo”, já que “cada um cuidou do que é seu sozinho”. Confi gura-se, assim, o desafi o aos trabalhos comunitários: como romper com este círculo de fatalismo-descrença no comunitário? E como fazer com que as pessoas (e professores) acreditem em um projeto coletivo e comunitário de formação cidadã e mais digna no cotidiano?

Mesmo havendo a indicação de uma série de problemas relativos à família dos alunos, com fortes impactos na vida destes – como pais negligentes, pais que desrespeitam os professores, ausência no acompanhamento e apoio aos fi lhos, etc. – e que podem tornar o trabalho dos professores mais árduo ainda, estes profi ssionais não deixam de manifestar uma grande preocupação com a vida de seus alunos, com as condições nas quais vivem e como isso tudo afeta o seu desenvolvimento e aprendizagem na escola. Mesmo podendo parecer uma situação por demais delicada e difícil, a persistência dos docentes nesta preocupação parece apontar para uma crença de que algo deve e pode ser feito. Novamente emergem considerações sobre a importância de serem agregados conhecimentos e práticas oriundas do campo dos processos psicossociais, durante a formação destes professores, para que possam instrumentalizar-se com algumas estratégias de intervenção e participação comunitária. Esta poderia ser uma contribuição, ao menos para se evitar explicações legitimadoras e fatalistas, assim como encontrar alternativas para ações grupais pró-ativas dentro da escola guiadas por uma proposta coletiva e comunitária.

Quando avaliamos as diferentes difi culdades enfrentadas pelos docentes, pode-se dizer que o tornar-se professor, na prática diária, apresenta-se muito difícil ao terem de lidar com várias condições contrárias e adversas, muitas das quais não são de sua responsabilidade e atribuição. Estas condições concentram-se em aspectos físicos e estruturais que em nada ajudam a atuar como professor, ou seja, o espaço físico é ruim e precário, há um excesso de alunos em sala, e faltam equipamentos ou não funcionam, e a tecnologia é defi ciente. Portanto, o ser professor acaba, em grande medida, restringindo-se ao “aparato” físico-corpóreo-cerebral do próprio professor, que ainda solapado pelas pressões de ordem psicológica (como as fofocas, julgamentos, críticas e cobranças, entre outros) vê-se sempre como numa linha de front, onde a cada dia novas e desafi adoras experiências podem se confi gurar. Ele(a) sustenta-se, então, no seu cotidiano e a cada dia…por um fi o! Apesar disso, continuam a buscar alternativas, mesmo que possam ser pontuais e baseadas em recursos individuais e próprios. Todavia, destacar o aspecto positivo disto não pode servir para criar conformismos e nem para aceitar esta precarização das condições de trabalho e de vida. Talvez a possibilidade de construção de projetos comunitários a partir de dentro da escola possa ser uma possibilidade de mudança em longo prazo. Para isso, necessário se faz o envolvimento de todas as instâncias educacionais e pedagógicas nessa construção.

Olhando o futuro que os docentes projetam para si, parecem ser planos imediatos (dirigidos para a realização de estudos) ligados a alguma capacitação e aprimoramento. Isto talvez esteja ligado ao fato de que eles acreditam em si próprios e em suas ações no cotidiano escolar, como fatores essenciais para a resolução dos problemas que vivem. E, nesse sentido, o fato de poderem estudar e se aprimorar contribuiria para encontrar

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estratégias de enfrentamento dessas difi culdades, gerando soluções que reverteriam de modo positivo para a sua prática profi ssional como docentes. Embora a continuidade na profi ssão, como docentes, tenha aparecido pouco, superando apenas a opção de se aposentar, percebe-se que os professores ainda colocam dentro de seus planos profi ssionais, mesmo que de modo indireto, alternativas ligadas ao trabalho e à prática docente ( como aprimorar-se dentro da temática da educação). Isto revela, assim, um forte envolvimento com seu trabalho, independentemente dos sucessos e fracassos, e dos sentimentos de satisfação ou de desalento que possam ter em seu trabalho. Outra razão para desejarem estudar mais no futuro poderia estar na direção de aumentar as chances de melhoria salarial, seja dentro do campo da educação e ensino em que se encontram, seja em outro, caso se mudem para outra área.

Estes aspectos foram nos indicando os dilemas e paradoxos que os professores vivem em seus cotidianos, ora percebendo dimensões positivas que chegam a lhes dar mais alento para o trabalho, ora identifi cando aspectos difíceis, dolorosos e até aversivos a ponto de quase se “desesperarem” e desejarem sair, mudar ou se afastar. Ao mesmo tempo, mesmo em situações dolorosas, parece haver uma constante que se refere ao fato de estarem buscando, de modo contínuo, meios e recursos para “fazerem os alunos aprenderem” (sic) e melhorarem suas vidas. Muitas vezes, mesmo estando “por um fi o”, em suas vidas e seus trabalhos, chegando próximos a sentimentos de desistência, de desalento, de descrença, ainda assim acreditam e buscam outras formas, mesmo que pequenas, de resolução e melhoria. Parece, então, que este “fi o” pode ser de aço! Entretanto, se assim for, isto de modo algum, pode ser utilizado para justifi car e legitimar formas de precarização e de aceitação de situações indignas e injustas, vividas no cotidiano das pessoas. Ao contrário! (Martín-Baró, 1987; Freitas, 2008; Rebelatto, 2009).

Buscou-se, aqui, dar voz a estes docentes e, ao fazer isto, foi possível refl etir sobre os impactos na vida cotidiana destes profi ssionais, empregando-se alguns aportes da psicologia social comunitária visando desnudar os processos de naturalização que podem enfraquecer a construção de redes comunitárias e processos de mudança no dia a dia. Nesse sentido, a discussão sobre o cotidiano docente, tomando-o como ponto de partida, buscou tornar visíveis caminhos para possíveis projetos de participação comunitária dentro do contexto educacional, baseados em redes de relações mais solidárias e humanas na própria escola (Freitas, 2007, Martin-Baró, 1987, 1989). Com isto, talvez seja possível subsidiar formas de romper com o “processo adaptativo e domesticador presente nas relações” (Guzzo, 2005) cotidianas, que tanto têm contribuído para esta condição de mal-estar e sofrimento docente.

Referências

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Recebido em agosto de 2012 Aceito em setembro de 2012

Maria de Fatima Quintal de Freitas – Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre e Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP e Pós-Doutora em Psicologia Comunitária pelo ISPA-Lisboa e Universidade do Porto, Portugal. Lygia Maria Portugal Oliveira – Professora do curso de Psicologia da Faculdade de Administração, Ciências Educação e Letras (FACEL). Mestre em Educação pela UFPR.

Endereço para contato: [email protected]

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Treinamentos corporativos, qualidade de vida e saúde do trabalhador1

Fabio Scorsolini-CominRosalina Carvalho da Silva

Leandro Gilio

Resumo: O objetivo deste estudo foi investigar a qualidade de vida de alunos de dois cursos de pós-graduação na modalidade a distância, funcionários de uma instituição bancária do setor público. Trata-se de um estudo exploratório e transversal, com método misto. Os 245 participantes responderam a um instrumento semiestruturado, por meio do qual se observou que os alunos, apesar da dedicação diária apregoada pelo curso, viram neste uma possibilidade de apropriação de conhecimentos e possibilidade de desenvolvimento profissional. Alguns relataram que o ritmo do curso, aliado ao trabalho diário, foi um fator de sobrecarga, o que interferiu na diminuição da qualidade de vida no período do curso e diminuiu o rendimento e o aproveitamento nos estudos. Destaca-se a necessidade de que os cursos a distância possam se ajustar às necessidades de trabalho dos alunos, na medida em que a dupla jornada é uma realidade cada vez mais presente no contexto brasileiro. Palavras-chave: Qualidade de vida, educação, saúde do trabalhador.

Corporative training, quality of life and worker healthAbstract: The aim of this study was to investigate the quality of life among students of two courses of e-learning postgraduate distance, employees of a public sector bank. This is an exploratory and cross-sectional study, with quantitative and qualitative method. The 245 participants answered a semi structured instrument, by which it was observed that students, despite the daily devotion preached by the course, saw it as a possibility of appropriation of knowledge and opportunity for professional development. Some reported that the pace of the course, coupled with daily work, was an overload factor, which interfered with decreased quality of life as well as them performance and harnessing of the studies. It is noteworthy the necessity of the courses of e-learning postgraduate distance in being adjusted to the students working necessities, considering the double journey as a even more present reality in Brazilian context. Keywords: Quality of life, education, occupational health.

Entrenamiento corporativo, calidad de vida y salud del trabajadorResumen: El objetivo de este estudio fue investigar la calidad de vida de alumnos de dos cursos de pos-grado a distancia, funcionarios de una institución bancaria pública. Tratase de un estudio exploratorio y transversal, con metodología mixta. Los 245 participantes respondieron a un instrumento semiestructurado, por lo cual fue posible observar que los alumnos, aunque tengan dedicación diaria incentivada por el curso, vieron en ese una posibilidad de desarrollo profesional.

1 Nota. Uma versão preliminar deste estudo foi divulgada no capítulo de livro: Scorsolini-Comin, F.; Ruwer, L. M. E. Considerações sobre o impacto de um treinamento a distância na qualidade de vida percebida por funcionários do setor bancário, pp. 319-328. In: Lourenço, E. Â. S. et al. (Orgs.). (2010) Trabalho, saúde e serviço social. Curitiba: CRV/Franca: UNESP/São Paulo: FAPESP.

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Algunos de ellos manifiestan que el ritmo del curso, junto con su trabajo cotidiano, fue un factor de sobrecarga. Eso contribuyó para la disminución de su calidad de vida en el periodo del curso así como de su rendimiento académico y provecho en los estudios. Destacase la necesidad de que los cursos a distancia puedan ajustarse a las necesidades de trabajo de los alumnos, considerandose que la jornada dupla es una realidad cada vez más presente en el contexto brasileño. Palabras clave: Calidad de vida, educación, salud del trabajador

Introdução

A qualidade de vida e o bem-estar psicológico são dimensões que vêm sendo discutidas em diferentes áreas do conhecimento ao longo dos anos. Na Psicologia, por exemplo, predominam tradições que ora se concentram nos aspectos objetivos e observáveis do comportamento (como condições de vida e trabalho), ora se detêm nos aspectos subjetivos, como a percepção que a pessoa tem sobre a sua satisfação com as condições de vida. Desde a década de 1970, tem havido um movimento crescente em torno da compreensão do que é, de fato, a qualidade de vida, notadamente no campo da saúde. No entanto, os diferentes modos de conceituá-la têm gerado um processo complexo que envolve as dimensões biológica, psíquica, social, cultural e ambiental (Costa, Rossi, Lopes & Cioffi , 2008; Fleck et al., 2000, Vasques-Menezes & Soratto, 2000).

Segundo Penteado e Pereira (2007), a qualidade de vida tem sido apontada como uma categoria analítica central para promover abordagens integradoras e interdisciplinares, decorrente de uma construção subjetiva, multidimensional, composta por elementos positivos e negativos. Desse modo, ainda segundo essas autoras, amplia-se o espectro de análise dos processos envolvidos na perspectiva da ecologia humana e da investigação das conexões entre as múltiplas dimensões da relação entre saúde e trabalho. As principais produções científi cas acerca da qualidade de vida ainda são provenientes do campo da saúde (Costa et al., 2008; Prudente, Barbosa & Porto, 2010; Fávero-Nunes & Santos, 2010), sendo que tem crescido o número de investigações que correlacionam essa noção ao mundo do trabalho, especifi camente no campo da saúde do trabalhador (Glina, Rocha, Batista & Mendonça, 2001; Rocha & Felli, 2004).

Segundo as defi nições de Minayo, Hartz e Buss (2000), a qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Para esses autores, a noção pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar. A noção de qualidade de vida abrange muitos signifi cados, que refl etem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, sendo, portanto, uma construção social com a marca da relatividade cultural (Rocha & Felli, 2004; Minayo, Hartz & Buss, 2000).

Para Buss (2000), a saúde e a qualidade de vida podem ser promovidas proporcionando-se adequadas condições de vida, boas condições de trabalho, educação, cultura física e formas de lazer e descanso. No entanto, a oferta de tais condições não garante que as pessoas tenham, de fato, qualidade de vida. No exemplo tratado no presente artigo, estamos tratando de pessoas com adequadas condições de vida, com trabalho,

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família, relações interpessoais consideradas satisfatórias e que têm acesso à educação. E neste caso, o que seria qualidade de vida?

É nesse sentido que, aproximando a discussão da área do trabalho, a qualidade de vida no trabalho é referida, em muitos estudos, como o maior determinante da qualidade de vida (Haddad, 2000). A psicodinâmica do trabalho enfatiza a centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores, analisando os aspectos dessa atividade que podem favorecer a saúde ou a doença. Dejours (1986) acentua o papel da organização do trabalho no que tange aos efeitos negativos ou positivos que aquela possa exercer sobre o funcionamento psíquico e à vida mental do trabalhador.

Nesse sentido, as organizações têm investido em programas de educação corporativa não apenas como vantagem competitiva, mas também como uma política de gestão que tem como um de seus focos o desenvolvimento de seus colaboradores (Manfredi, 1999). É nesse contexto que começam a surgir programas de treinamento, notadamente na modalidade a distância, como forma de proporcionar treinamentos com o mesmo padrão de qualidade e com a mesma entrega de conteúdo para pessoas dispersas geografi camente (Mcbrien, Jones & Cheng, 2009; Scorsolini-Comin, Inocente & Matias, 2009; West & Jones, 2007). Ainda que a educação a distância (EAD) possa fl exibilizar o acesso ao conhecimento e à formação, há diferentes modelos de treinamento que exigem maior ou menor dedicação por parte de seus participantes (Zerbini & Abbad, 2009).

Assim, em um contexto organizacional onde avança a promoção desse tipo de treinamento, torna-se relevante compreender de que modo os alunos desses programas têm conjugado as dimensões do trabalho, dos estudos, da saúde e do lazer (Inocente, Scorsolini-Comin & Matias, 2009). A partir desta contextualização, o objetivo deste estudo foi investigar a qualidade de vida em alunos de cursos de pós-graduação in company, na modalidade a distância, todos os funcionários de uma instituição bancária do setor público.

Método

O estudo desenvolvido possui caráter exploratório e transversal, e foi desenvolvido considerando aspectos quantitativos e qualitativos (método misto) de coleta, análise e interpretação dos dados. Foram pesquisados e analisados os dados de dois cursos de especialização, com carga horária de 400 horas, ambos na modalidade a distância e ofertados a 1.089 funcionários de uma instituição fi nanceira (in company).

O modelo dos cursos analisados neste estudo contava com uma sequência programada de atividades, uma a cada dia da semana (exceto aos fi nais de semana). Todas as atividades desenvolvidas a distância eram pontuadas com nota (a depender da participação e da qualidade da mesma) e frequência. Desse modo, a cada dia o aluno deveria desenvolver uma atividade diferente, como participar de fórum de discussão, responder a questionários, realizar provas, ler o material didático escrito, entre outras ações. A quase totalidade das atividades era realizada no ambiente virtual de aprendizagem, uma plataforma organizada segundo as especifi cações do método do curso.

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InstrumentosForam utilizados os dados de um questionário semiestruturado de avaliação de

satisfação (Inocente, Scorsolini-Comin & Matias, 2009), disponibilizado em ambiente virtual por cerca de um mês após a fi nalização dos cursos (disponibilizado, desta forma, ao total do universo pesquisado, ou seja, 1.089 alunos). Foi feita uma mensagem de sensibilização e solicitação de resposta ao questionário, a qual foi postada no ambiente virtual de aprendizagem. Este questionário teve o objetivo de avaliar os cursos oferecidos em suas diversas dimensões, abrangendo a maioria de suas extensões e especifi cidades.

A construção do questionário abrangeu todos os aspectos dos cursos (materiais, aulas, tutoria, professores presenciais, monitoria a distância, método, interatividades, ambiente virtual de aprendizagem e suas ferramentas, aprendizagem na modalidade a distância e qualidade de vida durante a realização dos cursos). O questionário foi composto por perguntas abertas e fechadas. Nas perguntas de múltipla escolha, os respondentes deveriam atribuir notas de 1 a 5 acerca da sua satisfação com o quesito, sendo 1 a nota mais baixa e 5 a mais alta (maior satisfação).

Neste estudo, contemplaremos especifi camente as questões relacionadas à qualidade de vida (sete itens fechados e sete itens dissertativos). Por se tratar de um estudo exploratório, o questionário utilizado ainda não passou por tratamento estatístico para validação, o que será conduzido futuramente. Todos os dados estão disponíveis em um banco de dados armazenado pelas instituições ofertantes do programa.

ParticipantesCom relação ao perfi l dos sujeitos pesquisados (N = 1.089), tem-se que a maioria

é do sexo masculino (66% homens e 34% mulheres), possui de 41 a 45 anos (21% está na faixa de 41 a 45 anos; 19% de 36 a 40 anos; 17% de 46 a 50 anos; 16% de 31 a 35 anos; 15% com mais de 50 anos; e 12% de 25 a 30 anos de idade), é casada (70% casados e 30% solteiros) e não possui fi lhos (36% não possuem fi lhos; 29% possuem dois fi lhos; 19% possuem um fi lho; 13% possuem três fi lhos e apenas 3% possuem mais que três fi lhos). Em relação à distribuição geográfi ca desses alunos, a maioria é da região sudeste do Brasil (74% são do sudeste; 12% da região norte; 8% do sul; e 6% do nordeste).

Em termos de formação desses alunos durante a graduação, as áreas de maior destaque são: Administração, Contabilidade, Direito e Economia (24% são graduados em Administração; 14% em Contabilidade; 13% em Direito; 8% em Economia; 6% em Engenharia; 5% em Computação e Informática; 30% em outros cursos diversos). Destes, responderam voluntariamente ao questionário de avaliação 245 alunos (22,49% do universo pesquisado). Todos os respondentes eram funcionários de um único banco, com agências espalhadas por todo o território nacional.

A análise dos dados foi de caráter quantitativo e qualitativo. Foi quantitativa em relação à tabulação das respostas às perguntas fechadas da pesquisa, por meio de programa estatístico SPSS versão 17.0. Assim, foi possível a construção de gráfi cos para subsidiar a discussão acerca dos dados obtidos. Em relação à análise qualitativa,

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a mesma se deu a partir da pergunta dissertativa. As respostas e comentários foram agrupados por meio de categorias, seguindo as orientações de Minayo (1999). A pesquisa qualitativa se preocupa com o nível de realidade que não pode ser quantifi cado, ou seja, ela trabalha com o universo de signifi cados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (Minayo, 1999). Nesta pesquisa qualitativa, o pesquisador está preocupado com as marcas discursivas contidas no relato com o qual o indivíduo busca se apropriar de suas experiências (Inocente, Scorsolini-Comin & Matias, 2009).

Resultados e discussão

A fi m de organizar a apresentação e a discussão dos resultados, foram construídas categorias a partir dos relatos dos respondentes: (a) Permanência da qualidade de vida; (b) Qualidade de vida como conceito integrado; (c) Família e qualidade de vida; (d) O treinamento como algo nocivo à qualidade de vida; (e) Qualidade de vida e educação a distância; (f) Modelos presenciais e a distância; (g) Saúde e qualidade de vida; (h) Relacionamentos interpessoais em comunidades virtuais; (i) Educação como possibilitadora da qualidade de vida; (j) Melhorias na qualidade de vida.

Permanência da qualidade de vidaEm termos das percepções sobre a qualidade de vida durante a realização do curso,

alguns alunos destacaram que não houve alterações, trazendo a normalização desse aspecto, como podemos observar nos trechos das falas dos participantes, a seguir:

(a) Não mudou praticamente nada. Manteve-se estável, tirando problemas pessoais, não sofrendo nenhuma alteração brusca.(b) Apenas algumas atividades foram prejudicadas. Talvez pelo fato de ter facilidade em aprender, não tenha havido tanta interferência em minha vida pessoal. E a interferência que houve não chegou a prejudicar a qualidade de vida.

Para esses participantes, podemos notar que houve uma adequação de suas rotinas em termos do curso e do trabalho regular. Assim, com a adoção de rotinas de trabalho e estudo, aliada a uma maior ou menor facilidade com o aprendizado, eles acabam tendo uma visão neutra acerca desse processo, com pouco impacto sobre a vida profi ssional e pessoal.

Qualidade de vida como conceito integradoEm termos dessa adequação das horas dedicadas ao trabalho em banco e aos

estudos, alguns alunos consideraram a separação entre esses ambientes, pensando na qualidade de vida como algo complexo e que não separa o indivíduo de sua atuação e de suas dimensões constitutivas. Essa noção de integralidade e de multidimensionalidade é contemplada nos seguintes discursos:

(a) Como a gente tem uma rotina exaustiva no banco, fazer este curso foi uma prova de fogo, pois para fazer bem feito tive que sacrifi car muitas horas que

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normalmente destinaria a passeios, lazer, etc. Mas valeu a pena, adorei o curso, aprendi muito. (b) Nós que trabalhamos nas agências de varejo, que estamos no front offi ce cotidianamente, geralmente já temos uma qualidade de vida prejudicada pelas exigências de nosso trabalho diário. O esforço necessário para acompanhar esse curso, a meu ver, prejudicou sensivelmente minha qualidade de vida nesse período. Confesso que, apesar de todas as vantagens que obtive nesse período, estou aliviado em saber que terei um pouquinho mais de tempo para minha família e para mim mesmo e, pasmem, para o meu trabalho.

No excerto anterior, o participante destacou que o trabalho em agência, por si só, já prejudica a qualidade de vida em termos das horas de dedicação ao emprego, que acaba extrapolando oito horas diárias, bem como pelo escopo do serviço prestado, com forte carga de estresse. Sendo assim, o estudo também diário (em média duas horas) necessita ser incorporado à jornada de trabalho, o que exacerba o impacto na qualidade de vida. As horas de lazer dos alunos acabam sendo, deste modo, comprometida, pelo menos em termos das atividades realizadas durante a semana. Essa rotina, sem muita possibilidade de negociação, uma vez que o banco não libera seus funcionários para a realização das atividades do curso, acaba sendo incorporada como a sua jornada (agora constituída por, no mínimo, oito horas de trabalho mais duas de estudo).

Família e qualidade de vidaNas noções que buscam delimitar o conceito de qualidade de vida e bem-estar,

frequentemente as experiências familiares são destacadas como importantes no sentido de oferecer conforto emocional às pessoas. Nessa perspectiva, a vida em família pode contribuir para que os trabalhadores possam ter uma diversidade de experiências prazerosas, minimizando, por exemplo, efeitos do estresse e da competição associados ao trabalho. A vivência familiar, a partir dos relatos dos alunos, acaba tendo que se adequar a essa exigência de estudo e trabalho diários, como destacado na fala a seguir:

(a) Seria impossível dizer que o curso não afetou a vida dos envolvidos. A rotina foi modifi cada, entretanto, não existem muitas alternativas para o indivíduo que trabalha e precisa estudar. Apesar dessas alterações e mudanças, minha família teve a compreensão adequada, foi preciso deixar algumas atividades de lado por esse tempo, mas nada que tenha tornado a vida insuportável ou tenha trazido problemas.

A partir desse comentário, podemos compreender que a família acaba ocupando um lugar inferior, sendo priorizados o trabalho (primeiro lugar) e os estudos (segundo lugar). Isso refl ete as exigências colocadas pelo próprio contratante do curso de especialização (o empregador), na medida em que é o aluno que deve arcar com as despesas do curso, caso não consiga concluí-lo seja reprovado na maior parte das disciplinas. Esse aspecto, isolado, já faz com que os alunos se dediquem aos estudos,

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uma vez que o valor integral do curso é considerado elevado. Desse modo, as concessões em família acabam sendo ainda mais expressivas, haja vista que o meio familiar torna-se o depositário dessa tensão no ambiente de trabalho e de educação, sendo mais permissiva a essas exigências.

O treinamento como algo nocivo à qualidade de vidaOutros discursos sobre a interferência do curso na qualidade de vida colocam a

experiência do treinamento (ou do curso de especialização a distância) como sendo nociva, prejudicial ao desenvolvimento e à satisfação no trabalho. Alguns desses discursos nessa direção foram destacados abaixo:

(a) Foram muitas noites que fi quei fazendo os exercícios e provas do curso, também tive muitas horas a menos de sono por conta da elaboração do trabalho de conclusão de curso, sem dúvida meu tempo diminuiu durante a realização do curso, os encontros nos sábados também foram sentidos pela minha família, mas sem algum sacrifício não há evolução, acredito que o tempo empregado no curso será revertido de outras formas para mim.(b) Fiquei muito estressada, portanto, sem qualidade de vida.(...) A pior fase da minha vida, notadamente após todo o esforço despendido ter sido jogado no lixo com a não qualifi cação do TACC.

Pelo que pode ser observado nesses relatos, o curso também foi percebido como prejudicial à qualidade de vida, segundo alguns participantes, uma vez que se tratava de uma formação com elevado nível de exigência. No Brasil, na década de 2000 ocorreu uma grande expansão da educação a distância, notadamente em instituições de ensino privadas. Com o aumento da oferta de cursos (de graduação e de pós-graduação), houve também a diminuição das mensalidades, tornando a educação a distância mais atrativa, motivo que possibilitou a sua utilização também no cenário corporativo. Nesse movimento de expansão, a qualidade desses cursos não foi priorizada em boa parte das iniciativas, consideradas inferiores em relação à educação presencial tradicional. Nessa perspectiva, os cursos a distância passaram a ser identifi cados como mais “fl exíveis” e como mais “fáceis” e “simples”, o que nem sempre corresponde à realidade. Um exemplo disso é o curso aqui analisado, que seguiu uma estrutura considerada rígida e com forte exigência, fato que contribuiu para que muitos alunos relatassem uma diminuição da qualidade de vida no período de realização do curso.

Qualidade de vida e educação a distânciaDevido ao método de aprendizagem adotado pelo curso, os alunos desenvolviam

atividades diárias e de caráter obrigatório. A maioria dos cursos realizados na modalidade a distância no Brasil apresenta grande fl exibilidade em termos de horários e de dedicação, mas isso não signifi ca, necessariamente, um incremento à aprendizagem (Inocente, Scorsolini-Comin & Matias, 2009). Paira no imaginário popular que os cursos a distância são menos complexos, sem muitas cobranças e com total fl exibilidade. Ainda que os cursos nessa modalidade diminuam ou mesmo rompam com a distância,

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isso não signifi ca que os cursos sejam mais simples ou que não exijam a dedicação dos alunos. Nesse sentido, no início, o curso gerou expectativas de que fosse mais fl exível, o que provocou muitas reações negativas nos alunos. No entanto, ao participarem do processo seletivo para ingresso na especialização, os alunos conheceram as regras do curso e as atividades que deveriam ser realizadas diariamente.

Alguns alunos trouxeram características específi cas do curso na modalidade a distância e que interferiram tanto no aproveitamento do treinamento como na própria percepção da qualidade de vida, como podemos observar a seguir.

(a) Dado o volume de atividades concomitantes – realização do trabalho de conclusão do curso juntamente com as matérias do curso, além da colocação do tema de Metodologia de Pesquisa no meio do curo – eu e meu grupo sentimo-nos prejudicados, no que desaconselharíamos a realização dos cursos a distância, que tenham este pressuposto.(b) A difi culdade é exatamente ter que entrar todo dia para fazer o curso, as matérias poderiam ser acumulativas e poder fazer em outros dias. Caso deixasse de fazer algum exercício durante um dia de semana, o mesmo teria que ser feito durante o fi nal de semana.

Na primeira fala, o aluno destaca a realização de diferentes atividades ao mesmo tempo como sendo um fator de sobrecarga no curso. De fato, a realização do trabalho de conclusão de curso, que exigia o envolvimento do aluno em um estágio prático para a coleta de dados, acabou por sobrecarregar muitos dos funcionários, uma vez que a coleta ocorria concomitantemente ao trabalho e à integralização dos créditos das disciplinas. Pela fala do participante, ele destaca que não aconselharia que outras pessoas realizassem um curso a distância a exemplo do que ele fez. O que é preciso destacar, nesse sentido, é que existem diferentes metodologias para o trabalho em educação a distância, sendo o curso analisado apenas a corporifi cação de um dos modelos possíveis. O curso, desse modo, poderia ter desenvolvido recursos para que essa atividade fosse incorporada às já realizadas nas disciplinas, aliviando a carga horária.

Modelos presenciais e a distânciaEm função desse modelo de curso a distância, alguns alunos destacaram a

necessidade de maior liberdade para poderem organizar as suas atividades, adequando-se em termos de carga horária e tipologia das atividades (mais teóricas, mais práticas, de refl exão, de verifi cação de aprendizagem, entre outras), como vemos a seguir. A comparação com o modelo de especialização na modalidade presencial (com aulas quinzenais ao fi m de semana, em período integral) também é trazida nas falas dos participantes:

(a) Insatisfatória. Gostaria de sugerir maior liberdade na execução das tarefas recorrentes, pois não é todo dia que o aluno tem oportunidade para acessar o ambiente, mas como em cursos de especialização presenciais, poder-se-ia dispensar um dia inteiro para aprendizado.

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(b) Com o hábito de acompanhar as atividades diárias, o curso interferiu pouco na minha rotina de vida. Foi uma opção minha fazer o curso e já tinha experiência anterior de um presencial que exigiu bastante, mas foi igualmente gratifi cante. A parte mais difícil, e sacrifi cada, foi a que envolveu as últimas etapas da conclusão do trabalho de conclusão de curso. Foi onde senti alteração signifi cativa, foi a mais cansativa e desgastante. E pesou muito o fato de ter que se concentrar no trabalho, e não se descuidar das disciplinas em andamento.

Saúde e qualidade de vidaUtilizando o instrumento de atribuição de notas aos diferentes aspectos do curso,

no que tange à realização de atividades físicas e esportivas, 17,82% atribuíram nota 1, 15,84% nota 2, 26,73% nota 3, 24,75% nota 4 e 11,88% nota 5. Pode-se dizer que, neste aspecto, boa parte dos alunos manteve as suas atividades esportivas mesmo com o curso de especialização. Outro aspecto que aparece nos relatos dos participantes é o fato de muitos deles pararam ou diminuíram a frequência de suas atividades físicas diárias, embora não vejam nisso um fator relacionado à diminuição da qualidade de vida, mas um movimento necessário na busca por qualifi cação profi ssional, como observado a seguir:

(a) Parei de fazer atividades físicas (caminhadas diárias) e também tive que abrir mão de muitas atividades de lazer nos fi nais de semana, férias, descanso com a família, encontro com amigos). Não acho isso bom, mas sabia que teria que me dedicar seriamente aos estudos quando iniciei. Além disso, estaria gastando muito mais tempo e me estressando muito mais se os encontros fossem presenciais.

Deve-se destacar, como fonte complementar, que pelo perfi l dos alunos, tais práticas (encontros e provas presenciais) são realizadas aos fi nais de semana, a cada dois meses (não há atividades regulares do curso aos fi nais de semana), o que pode ter contribuído para a obtenção de tais resultados, uma vez que a maior carga de dedicação ao curso é durante a semana.

Em relação à interferência da realização do curso nas horas de sono dos alunos e na consequente qualidade de vida, 34,65% dos respondentes atribuíram uma nota 3, seguidos por 21,78% com nota 4. Juntos, esses alunos correspondem a cerca de 56% dos respondentes. Aqui, algumas hipóteses podem ser lançadas. A maioria dos alunos acessava o curso no período noturno, ou seja, depois do dia de trabalho. Assim, o estudo noturno mediado pelo computador pode ter interferido negativamente nas horas de sono dos alunos. Pela tendência das respostas, pode-se supor uma associação entre este estudo noturno e com uso do computador e as horas de sono dos alunos.

Devido aos compromissos profi ssionais e rotinas de trabalho, diversos alunos relataram na pergunta aberta que chegavam a acessar o site inclusive de madrugada para entregar alguma atividade, uma vez que cada aula (atividade diária) se encerrava às duas horas da manhã (prazo limite para envio de atividades/participação nas ferramentas de interação).

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As interferências físicas no ciclo de sono e vigília em decorrência do curso foram salientadas por alguns alunos, como podemos observar a seguir:

(a) Tive que dormir menos. Parei com minha natação e com meu curso de inglês. O curso exigiu dedicação completa. Não tivemos apoio dos administradores para pelo menos usufruir das duas horas de direito, para dedicação ao estudo.

Em relação à alteração dos hábitos alimentares em termos de quantidade e qualidade em decorrência do curso, 37,62% atribuíram nota 1, ou seja, não houve alterações signifi cativa nos hábitos alimentares em função do curso. Outros 19,8% atribuíram nota 4 e 11,88% nota 5, o que pode revelar a necessidade de que ainda se investigue melhor a questão, uma vez que as alterações mencionadas pelos participantes nem sempre podem ser associadas diretamente ao curso. Para fazermos tal afi rmação são necessários outros delineamentos metodológicos que fogem ao escopo do presente estudo. Deve-se destacar que a qualidade de vida concebe a pessoa enquanto uma realidade sistêmica, ou seja, ela não é infl uenciada ou composta apenas pelo seu trabalho ou pelo estudo. Uma alteração grave nos hábitos alimentares é referida por uma das participantes, a seguir:

(a) Engordei nove quilos durante o curso, pois compensava minha ansiedade em passar bom tempo na frente do micro “comendo”, e muito! O que contribuiu para amenizar foi saber que o tempo de duração do curso era relativamente curto. Não tive qualidade de vida durante esse período. As atividades diárias consumiam todo o tempo disponível (após as 18 horas).

Relacionamentos interpessoais em comunidades virtuaisUma característica marcante dos cursos na modalidade a distância é a formação

de comunidades de relacionamento, como o Orkut® e o Facebook®. Nesses cursos na modalidade a distância, formam-se turmas, sendo que os alunos interagem por meio de fóruns, chats e, presencialmente, na realização de provas. Nesse sentido, em relação à ampliação da rede de amigos a partir da realização do curso, a maioria (34,65%) atribuiu uma nota 5. Outros 31,68%, nota 4, e apenas 5,94% nota 1. Isso revela que o curso coloca em interação pessoas de diferentes cidades e regiões e que são aproximadas em função do estudo, mas também a partir das ferramentas de interação disponíveis em meio virtual, haja vista que é um curso na modalidade a distância.

Assim, em muitas das atividades diárias, os alunos entram em contato uns com os outros por meio de ferramentas de interação, o que possivelmente contribui para a ampliação da rede de amigos. Embora os alunos se encontrem fi sicamente apenas nos encontros presenciais (cerca de oito encontros em um período de 18 meses), a interação virtual acaba por aproximar realidades e romper distâncias, favorecendo a aproximação dos alunos, as trocas de conhecimentos e de experiências, o que pode ser compreendido como algo positivo para a qualidade de vida.

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Educação como possibilitadora da qualidade de vidaEm termos da avaliação geral da qualidade de vida durante a realização do

treinamento, é sabido que todos os participantes trabalham em agências bancárias e possuem uma rotina extenuante de trabalho. Ou seja, para a realização do curso foi necessária uma conciliação de horários por parte do aluno, o que não implica apenas em regulações ligadas à vida familiar e de trabalho, mas também a questões de saúde e de lazer.

Nesse sentido, muitos alunos se mostram satisfeitos com a sua qualidade de vida durante o período em que se desenvolveu o MBA, afi rmando que o curso pouco alterou negativamente tal situação. Tais respostas foram agrupadas sob a categoria “Satisfatória” (39,84%), ou seja, a maioria dos respondentes. Houve registros que mostram que a qualidade de vida durante o curso “Poderia ser melhor” (20,33%), em função de uma maior regulação de horários e de diminuição de carga horária e nível de exigência do curso. Outros atestaram que a qualidade de vida piorou em comparação com antes do início do curso, ou seja, tiveram uma avaliação como “Insatisfatória” (21,14%). E, por fi m, alguns alunos se autoavaliariam “Prejudicados” (21,14%) nesta questão.

Nesse sentido, alguns alunos destacaram uma interferência positiva da realização do curso na qualidade de vida geral, uma vez que os novos conhecimentos possibilitaram maior negociação interna acerca da divisão de horas dedicadas ao trabalho, ao estudo, ao lazer e à família. Como destacado nas opiniões abaixo, o estudo possibilitou uma seletividade nas diversas atividades do dia a dia. Aqui podemos estabelecer um paralelo com a variável educação, uma vez que ela está diretamente ligada à qualidade de vida em diferentes populações (Penteado & Pereira, 2007).

(a) Na minha opinião, a aquisição de conhecimentos interfere positivamente na qualidade de vida. O conhecimento faz com que o ser humano torne-se mais seletivo em suas escolhas.

(b) Melhorou minha qualidade de vida. Pude perceber a possibilidade de unir diversos temas e ponderar algumas decisões, inclusive no campo pessoal. Passei a realizar exercício diário, durante a leitura das apostilas e das aulas a distância. Bicicleta ergométrica. Achei fantástico e obtive ótimos resultados.

Embora o banco estimule que seus funcionários participem de cursos e treinamentos por meio de incentivos e bolsas de estudo, a opção por um curso de MBA, como aqui analisado, é do próprio funcionário. Sendo assim, ele tem a possibilidade de se planejar em termos da realização do mesmo, conhecendo os requisitos para o curso inclusive em termos de volume de atividades e de dedicação diária. A possibilidade de estudar (em muitos casos, de voltar a estudar depois de muitos anos) é percebida por alguns alunos não apenas como um incremento da qualidade de vida, mas também como algo que promove a autoestima, na medida em que possibilita novos conhecimentos, novas leituras de mundo e a adoção de

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práticas mais salutares e adaptativas tanto no trabalho como na vida em geral, como trazido a seguir:

(a) Considerando que a realização do curso foi opção minha, penso que as horas disponibilizadas para a realização das atividades, que envolveram sacrifício de alguma coisa, valeram a pena.(b) O conhecimento sempre contribui para melhora de nossa qualidade de vida, sempre apuramos mais o nosso modo de ver a vida, quando estamos em constante aprimoramento quebrando paradigmas e transpondo barreiras. O curso melhorou minha autoestima.

Melhorias na qualidade de vidaRessignifi cando os percalços na realização do curso, alguns alunos destacaram

que a experiência de superação proporcionou a possibilidade de incremento à formação e também em termos da vida em família, como podemos ver a seguir:

(a) Como comentei anteriormente, aconteceu tudo de uma vez só. Soube que estava grávida quando da matrícula do curso e já tinha um bebê de um ano. Foi complicado. Trabalhar o dia todo, longe de casa, atender trabalho, casa, marido e depois dois fi lhos bebês de uma vez... Foi osso duro de roer. Pensei em desistir, mas acho que apesar de tudo, das difi culdades, das horas de sono perdidas, dos nervosos, das recuperações e do atraso no TACC, acredito que vou conseguir e que valeu a pena. Agora espero a oportunidade de um mestrado.

Esta participante nos conta a respeito de um curso que ocorreu em sua vida em um momento no qual ela acabara de se tornar mãe, tendo que negociar e conciliar não apenas as suas atividades de trabalho, de estudo e de lazer, mas também de maior dedicação à sua família. Assim, o curso foi “gerado” juntamente com o seu fi lho, fazendo com que ela ressignifi casse essa árdua experiência como algo positivo em sua vida, lançando o desejo, inclusive, de prosseguir os seus estudos com a realização de um mestrado. Sendo assim, o curso de especialização, ainda que exija negociação e uma complexa readequação de rotinas e de prioridades, acaba sendo um indicador de dinamismo intelectual e promotor de desenvolvimento para alguns dos alunos.

Ainda em termos dessa ressignifi cação da experiência do MBA, os alunos destacam a oportunidade como sendo um forte incremento à formação pessoal e profi ssional. O ato de estudar, muitas vezes visto como dissociado da prática de trabalho, é percebido como um prazer, funcionando como uma pausa na rotina de trabalho e como um investimento na carreira e no desenvolvimento dos participantes, como observado nas falas a seguir. Nesse sentido, a experiência é percebida como recompensadora, como promotora de bem-estar e de satisfação:

(a) Minha qualidade de vida não vem sendo das melhores. Acho que o curso contribuiu para ajudar a melhorá-la, por meio dos amigos e da interatividade. É um momento em que nos sentimos parte de uma elite intelectual e interagimos com pessoas de muita capacidade. Tenho verdadeira admiração por todos os meus colegas de curso.

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(b) Foram muitas noites e muitos fi nais de semana dedicados ao curso. Para mim, no entanto, voltar a estudar é um prazer. Voltei a me sentir uma pessoa mais viva, mais feliz. As horas dedicadas ao estudo tiveram sua recompensa.

Pelos comentários destacados, pode-se perceber que os alunos, apesar da dedicação diária apregoada pelo curso, viram neste uma possibilidade de apropriação de conhecimentos e possibilidade de desenvolvimento profi ssional. Desse modo, mesmo que a realização do curso tenha interferido na qualidade de vida, os alunos destacaram que o mesmo foi positivo e que os ganhos superaram os possíveis decréscimos em termos de qualidade de vida. Neste sentido, é importante que se destaque que os alunos, ao realizar o curso, tiveram que optar por estudar nos períodos que anteriormente eram dedicados ao lazer e à família.

Por esses e outros relatos, pode-se notar certa prevalência de opiniões que colocam a necessidade de que as pessoas se adéquem às exigências e às necessidades de incrementos em formação e em termos profi ssionais, resguardando a saúde para outros domínios, não sendo esta encarada como uma prioridade e condição sine qua non para uma série de outras atividades, inclusive as profi ssionais e as de formação. Outro aspecto a ser considerado, ainda, é que os alunos destacaram que as horas diárias de lazer passaram a ser preenchidas pela realização do curso, o que, inevitavelmente, interferiu na qualidade de vida e na dinâmica familiar dos mesmos, o que coloca a necessidade de que a carga horária diária seja repensada pedagogicamente para futuras iniciativas com públicos em regime de trabalho integral.

Considerações fi nais

Como observado no contexto de um treinamento realizado na modalidade a distância, o conceito de qualidade de vida deve estar continuamente atrelado às mudanças que temos observado e promovido no mundo do trabalho em sua interseção com a saúde e a educação. A relatividade da noção deve ser dimensionada dentro de seu contexto histórico e cultural, permitindo uma abordagem da realidade mais condizente e situada. Como observamos nos relatos dos alunos, a realização de um curso de especialização por meio da educação a distância desmistifi cou a ideia de que o programa fosse mais fl exível ou de menor complexidade, aviltando a necessidade de que esses participantes sejam atendidos em suas necessidades de maior fl exibilidade de tempo para a realização de atividades, bem como de maior apoio (além do incentivo fi nanceiro) da organização contratante (no caso, o banco) no sentido de liberar os alunos-colaboradores para atividades de campo ou de fl exibilizar suas horas diárias de trabalho em dados momentos do curso ou do treinamento.

Deste modo, a noção de qualidade de vida transita em um campo semântico polissêmico que está aberto para ser reconstruído, recolocado e redefi nido a partir de novas leituras de mundo, de trabalho, de saúde e de educação possíveis. Pelos dados aqui trazidos, deve-se destacar que a realização de um curso de especialização com dedicação diária, além das horas de trabalho, possui uma repercussão particular na vida dos alunos, o que não deve ser visto apenas em relação ao que os alunos devam fazer para se ajustar

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em termos de suas rotinas e interesses, mas em termos do que podem ganhar, do que é acrescido e modifi cado em termos de conhecimentos, expectativas e possibilidades. Assim, mais do que trazer uma noção de impactos, deve-se pensar em uma intervenção que destaque as possibilidades adaptativas juntamente com o treinamento.

Pelos dados aqui descritos, deve-se compreender que a qualidade de vida deve abarcar o ser humano enquanto uma realidade que não deve ser decomposta em trabalho, profi ssão, estudo, família e cultura, mas um todo complexo. Assim, os profi ssionais que atuam na área de saúde do trabalhador devem estar preparados para lidar com esta complexidade e dispostos para repensar o modo como as diversas atividades podem ser conjugadas e problematizadas enquanto partes constituintes e igualmente defi nidoras da identidade de cada aluno, de cada profi ssional e cada ser humano.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em novembro de 2012

Fabio Scorsolini-Comin – Psicólogo, Mestre e doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo – USP. Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM.Rosalina Carvalho da Silva – Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade de São Paulo – USP. Professora da Universidade de Franca – UNIFRAN.Leandro Gilio – Acadêmico de Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo – USP.

Endereço para contato: [email protected]

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Percepções, expectativas e conhecimentos sobre o parto normal: relatos de experiência de parturientes

e dos profi ssionais de saúde

Bruna Cardoso PinheiroCléria Maria Lobo Bittar

Resumo: O presente estudo objetivou conhecer as percepções, as expectativas e os conhecimentos de puérperas em relação à experiência do parto normal, assim como os procedimentos utilizados pelos profissionais da saúde para a humanização do parto. Foram entrevistadas 31 puérperas que passaram pela parturição normal, na maternidade de um Hospital Público do município de Franca. Foi aplicado ainda um questionário a 20 profissionais de saúde que atuavam no centro obstétrico da referida maternidade. O método de análise dos dados seguiu as diretrizes da Análise do Discurso. A experiência da parturição foi percebida pela maioria das mulheres como extremamente dolorosa e sofrida, compensada, no entanto, pela atenção, apoio e carinho recebidos de alguns profissionais e acompanhantes, que contribuíram para uma visão satisfatória do parto normal. Entre os profissionais evidenciou-se dificuldade em conceituar sobre a temática da humanização do parto. Constatou-se a importância de enfocar, sobretudo o aspecto relacional, base para uma verdadeira prática humanizada.Palavras-chave: humanização, parto normal, promoção de saúde.

Perceptions, expectations and knowledge about the normal delivery: Experience reports of mothers and health professionals

Abstract: This study investigated the perceptions, expectations and knowledge of puerperal in regarding the experience of natural childbirth, as well as the procedures used by health professionals for the humanizing delivery. We interviewed 31 puerperal who gave birth by vaginal delivery in a public hospital in Franca. A questionnaire was also applied to 20 health professionals who worked in the obstetric ward of that hospital. The method of data analysis followed the guidelines of Analysis of Discourse. The experience of childbirth was perceived by most women as extremely painful and distressful, offset, however, by the attention, support and affection received from some professionals and caregivers who contributed to a satisfactory view of natural childbirth. Among the professionals was evident the difficulty in conceptualizing about humanizing delivery. It was noted the importance of focus, especially the relational aspect, basis for a truly humane practice.Keywords: humanizing, natural childbirth, health promotion.

Percepciones, expectativas y conocimientos sobre el parto normal: relatos de experiencia de puerperas y e de los profesionales de la salud

Resumen: El presente estudio objetivó conocer las percepciones, expectativas y conocimientos de puérperas em relación a la experiencia del parto normal así como los procedimientos utilizados por los profesionales de salud para la humanización del parto. Fueron entrevistadas 31 puérperas que pasaron por la parturición normal en la maternidad de um hospital publico del município de Franca, SP. Asimismo fue aplicado un cuestionario a 20 profesionales de salud que actuaban em el centro obstectrico de la referida maternidad. El método de análisis de datos siguió las directrizes

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del analisis de discurso. La experiencia de parturición fue percebida por la mayoria de las mujeres como extremamente dolorosa y sufrida, compensada, sin embargo, por la atención, apoyo y cariño recebidos por algunos profesionales y acompañantes que contribuyeron para una visión satisfactória del parto normal. Entre los profesionales se evidenció dificultad em conceptuar la temática de la humanización del parto. Fue constatada la importancia de enfocar sobretodo el aspecto relacional para una verdadera practica humanizada.Palabras clave: humanización, parto normal, promoción de la salud.

Introdução

Que as pessoas grávidas sejam assistidas com humanidade, atenção e carinho. Que sejam vistas em suas individualidades e não colocadas no anonimato das estatísticas e da produção de consultas em massa.

(Maria Tereza Maldonado)

A gravidez e o parto são eventos biopsicossociais, que compõem um processo de transição do status de mulher para o de mãe e são permeados por valores culturais, sociais, emocionais e afetivos (Domingues, Santos & Leal, 2004).

Por muito tempo a arte de partejar foi considerada uma atividade eminentemente feminina, realizada, tradicionalmente, por parteiras, que, através de uma cultura feminina sobre o parto resgatavam sua individualidade e exercitavam alianças de gênero (Wolff & Waldow, 2008).

A incorporação da prática obstétrica pelos médicos, que teve início nos séculos XVII e XVIII, na Europa, foi afastando, aos poucos, as parteiras do cenário do nascimento (Wolff & Waldow, 2008). Com a chegada do século XX, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial ocorreu um grande avanço e desenvolvimento de novos conhecimentos e tecnologias no campo da medicina, que contribuíram signifi cativamente para a diminuição da mortalidade materna e infantil (Moraes, Godoi & Fonseca, 2006).

Essa série de avanços colaborou com a passagem do parto de evento familiar para rotina hospitalar. Os médicos e seus instrumentos entraram em cena e a comunidade de mulheres que, tradicionalmente, desenvolviam a arte de partejar foram marginalizadas, tornando o parto um ato privativo dos médicos (Wolff & Waldow, 2008).

A institucionalização do parto substituiu o saber-poder feminino, orientado pela intuição e pela experiência cotidiana, pelo saber-poder-fazer masculino, guiado pela técnica, pela tecnologia e pela medicalização da sociedade (Wolff & Waldow, 2008).

De acordo com Moraes et al. (2006, p. 14), o parto hospitalar “[...] colocou a mulher como objeto, e não como sujeito da ação durante o processo de nascimento, no qual as ações e rotinas de trabalho são mais importantes que a mãe e seu fi lho e suas ligações afetivas”.

Desse modo, se por um lado a institucionalização do parto signifi cou um grande avanço no que se refere à saúde da mulher, reduzindo as taxas de morbimortalidade materna e perinatal, por outro deixou as mulheres submissas e vulneráveis ao modelo biomédico, expondo as parturientes a procedimentos intervencionistas, invasivos e, muitas vezes, desnecessários, que diminuem sua autonomia e participação no processo (Schmalfuss, Oliveira, Bonilha & Pedro, 2010).

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O modelo de atenção ao parto que predomina ainda hoje é, essencialmente, médico e tecnológico, onde a gravidez é tratada como um evento médico isolado e o parto cercado de risco potencial (Domingues et al. 2004).

No entanto, o uso irracional de tecnologia no parto levou a um paradoxo, pois é justamente ele que impede a redução da mortalidade materna e perinatal em diversos países (Diniz, 2005), além de contribuir com uma fragmentação da assistência à mulher (Dias & Domingues, 2005).

Levando todos estes aspectos em consideração, foi criado um movimento internacional de humanização do parto, visando priorizar o uso de tecnologia apropriada, a qualidade da interação entre parturiente e seus cuidadores, assim como desincorporar as tecnologias danosas (Diniz, 2005).

A expressão “humanização do parto” tem sido utilizada pelo Ministério da Saúde, desde o fi nal da década de 1990, como forma de se referir a uma série de políticas públicas promovidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), pelo Banco Mundial, com o apoio de diversos atores sociais, como ONGs e entidades profi ssionais (Hotimsky & Schraiber, 2005).

No Brasil, um grande passo na luta pela humanização do parto foi dada com a criação do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), instituído pela portaria nº 569, de 01/06/2000, do Ministério da Saúde (Griboski & Guilhem, 2006).

O PHPN tem como foco principal o resgate da dignidade durante o processo parturitivo, bem como a transformação da assistência durante a gestação, parto e puerpério, priorizando o parto vaginal, a não medicalização do parto e a redução de intervenções cirúrgicas desnecessárias, tornando assim, o momento do parto um processo mais ativo por parte da mulher (Griboski & Guilhem, 2006).

O movimento pela humanização do parto propõe mudanças no atendimento ao parto hospitalar, que incluem:

[...] incentivo ao parto vaginal, ao aleitamento materno no pós-parto imediato, ao alojamento conjunto (mãe e recém-nascido), à presença do pai ou outra/o acompanhante no processo do parto, à atuação de enfermeiras obstétricas na atenção ao partos normais e, também a inclusão de parteiras leigas no sistema de saúde [...]. Recomenda, também, a modifi cação de rotinas hospitalares consideradas como desnecessárias e geradoras de risco, custos adicionais e excessivamente intervencionistas no que tange ao parto, como episiotomia (corte realizado no períneo da mulher, para facilitar a saída do bebê), aminiotomia (ruptura provocada da bolsa que contém o líquido amniótico), enema (lavagem intestinal) e tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) e, particularmente, parto cirúrgico tipo fórceps ou cesáreas. (Priszkulnik & Maia, 2009, p. 81)

O conceito de atenção humanizada é amplo e possui sentidos variados. Ele envolve um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes voltados para a promoção do parto e do nascimento saudáveis e que priorizam o uso de procedimentos comprovadamente benéfi cos para a mulher e o bebê, evitando intervenções desnecessárias, de forma a preservar a privacidade e autonomia da mulher (Brasil, 2001).

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Estas mudanças, além do aspecto humanitário e da melhoria da qualidade assistencial representam uma redução de custos, como a economia em medicações analgésicas e nos gastos relativos aos atos anestésicos, incluindo honorários médicos, materiais e medicamentos específi cos, além da economia em materiais de consumo (Priszkulnik & Maia, 2009).

Como ressaltam Priszkulnik e Maia (2009) humanizar é verbo pessoal e intransferível, é multiplicável e contagiante. Para a realização do parto humanizado não são necessárias grandes transformações na estrutura hospitalar. O maior obstáculo para sua concretização é a mudança de paradigmas na assistência obstétrica.

O presente estudo tem como objetivos conhecer a percepção de puérperas, sobre a experiência do parto normal, buscando-se, também, saber qual o tipo de informação que elas dispunham sobre a parturição, puerpério e sobre seu direito de ter acompanhante no parto; e conhecer quais os procedimentos que os profi ssionais da área da obstetrícia – médicos obstetras, anestesistas, enfermeiros(as) e técnicos em enfermagem realizam para a humanização do parto normal, e o que entendem sobre humanização à assistência no parto.

Método

Participaram desta pesquisa 31 puérperas, entre 16 e 40 anos, que passaram pela parturição normal, sendo 12 primíparas e 19 multíparas e 20 profi ssionais de saúde (9 médicos obstetras; 2 anestesistas; 4 enfermeiros e 5 técnicos de enfermagem).

As participantes foram entrevistadas, e constatou-se que a maioria era casada (18) ou viviam em união estável (13) e tinham Ensino Médio Completo (17). As atividades profi ssionais desempenhadas pelas participantes foram variadas: do lar (11); indústria calçadista (6); estudante (4); vendedora (2); auxiliar de limpeza (2); manicure (1); designer (1). Quatro entrevistadas estavam desempregadas.

A maioria das crianças nascidas, no período em que foi realizada a pesquisa, foi do sexo masculino (59%). A média de fi lhos nascidos por participante foi de 2,7.

Entre os médicos (obstetras e anestesistas), o tempo de experiência na obstetrícia variou de um à 21 anos. Entre os profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos em enfermagem), o tempo de experiência variou de 7 meses à 15 anos. A maioria dos profi ssionais sempre trabalhou nessa área (8 médicos e 6 profi ssionais de enfermagem).

Segundo a percepção dos médicos (obstetras), eles acreditam realizar, em média, 15,5 partos por semana, sendo destes 7,6 partos normais. Na mesma linha de raciocínio, os enfermeiros disseram assistir, em média, 45 partos normais por semana. A média de partos realizados ao mês, neste hospital é de 400, sendo 196 partos normais.

O estudo foi realizado entre os meses de novembro de 2010 a abril de 2011, com 31 mulheres que tiveram parto normal, numa maternidade de um Hospital Público do município de Franca. Neste mesmo período, aplicou-se um questionário estruturado aos profi ssionais de saúde que trabalhavam no centro obstétrico do hospital onde foi desenvolvida a pesquisa, (médicos obstetras, anestesistas, enfermeiros e técnicos em enfermagem).

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Sabendo que a vivência da parturição é única para cada mulher, independentemente do número de partos que tenha vivenciado, este trabalho foi proposto, no intuito de resgatar a percepção delas em relação à experiência do parto normal, buscando saber o que efetivamente elas vivenciaram. Para isso, foram abordadas como temáticas na entrevista semiestruturada com as puérperas: a experiência de parto normal; os tipos de orientação profi ssional recebidas, incluindo orientações durante a gestação, para saber lidar com a dor e o desconforto e sobre o direito de ter um acompanhante no parto; o uso de tratamentos alternativos para alívio da dor.

O questionário aplicado aos profi ssionais de saúde consistiu de um instrumento mais estruturado, sendo incluídas questões sobre o uso, vantagens e inconveniências da analgesia do parto normal; o que se entende por humanização e parto humanizado; quais procedimentos o profi ssional comumente adota para tornar o parto um momento menos desconfortável para a parturiente; o conhecimento do profi ssional a respeito do Programa Nacional de Humanização de Parto; e os aspectos que julga necessários para garantir um parto humanizado.

Os aspectos éticos relativos à pesquisa com seres humanos atenderam às diretrizes da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca, recebendo aprovação (protocolo nº 0722/10) e também ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital onde foi desenvolvida a pesquisa, sendo aprovado sob o protocolo nº 094/2010.

As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo realizada a entrevista após este procedimento. Para garantir o sigilo das participantes, foi utilizado somente suas iniciais e o nome do Hospital onde foi realizado o estudo não foi identifi cado. Ressaltamos que na transcrição das entrevistas mantivemos a fala original das participantes, e por escolha nossa, evitamos a repetição da partícula sic, para indicar incorreção da fala.

Os profi ssionais que responderam ao questionário o depositaram em uma urna, sem identifi cação. Portanto, ao respondê-lo estavam anuindo em seus termos, não havendo a necessidade do TCLE para este grupo.

O método de análise das entrevistas e questionários seguiu as diretrizes da Análise do Discurso, que posiciona a relação entre participante e pesquisador numa horizontalidade, dando a este último um destaque na possibilidade de participar não como ‘ouvinte’ apenas, mas como agente na construção de uma articulação entre a linguagem e a sociedade, entendendo que é impossível romper a linguagem do social (Rocha & Deusdará, 2005).

As falas das participantes foram categorizadas por núcleos de sentido, trabalhando-se com “recortes discursivos”, onde se representam linguagem e situação. Neste modelo, a linguagem é estudada não apenas enquanto forma linguística, mas também enquanto forma material da ideologia, considerando que o conhecimento produz relações de força e de poder (Caregnato, 2006).

Nesse sentido, os elementos básicos da análise qualitativa são ideias e as palavras que visam à descoberta, descrição, compreensão e interpretação partilhada. O pesquisador participa do processo e o todo é mais que as partes, identifi cando o que os sujeitos têm a dizer sobre determinado assunto (Turato, 2003).

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Como o questionário aplicado aos profi ssionais de saúde incluía alguns resultados quantitativos, optou-ser por apresentá-los de forma gráfi ca. O mesmo procedimento não foi adotado com as puérperas, pois o instrumento utilizado com estas participantes foi de caráter predominantemente qualitativo, baseado em recortes discursivos e na elaboração de categorias de sentido. Ressaltamos que as falas foram transcritas da maneira que foram pronunciadas, guardando-se a originalidade das mesmas.

Resultados e discussão

O parto normal sob o olhar das parturientesA experiência da parturição, para a grande maioria das mulheres entrevistadas

confi gurou-se como uma vivência marcada pela dor, pelo medo da dor e pelo sofrimento, havendo grande referência à intensidade da dor, caracterizada como uma dor “insuportável”, “inexplicável”, “horrível” e “anormal”, como é possível observar no depoimento:

Anormal (...). A dor é imensa, muito dolorosa, porque só quem teve mesmo pra te noção dela, bem dolorosa. Pra te fala que não tem nem sentimento, é só dor que você sente, sabia, só dor, o único sentimento que tem na hora é muita dor. (J.L.O., 24 anos, primípara)

No discurso das mulheres, a dor e o sofrimento aparecem como aspectos inevitáveis e inerentes ao parto normal, que se confi gura como uma experiência desconhecida e imprevisível.

A percepção dolorosa tem sido uma constante nos relatos das mulheres, conforme apontado por Barros (2011). Esta percepção se refl ete na intensidade da dor, na comparação realizada com partos anteriores e em uma atitude pré-concebida sobre a dor do parto.

Embora grande parte das mulheres entrevistadas tenha dado ênfase ao aspecto doloroso do parto vaginal, consideraram a experiência do parto normal como satisfatória, apesar da dor, que é “esquecida” após o nascimento do bebê: “(...)vale a pena, o bebê é a coisa mais linda. Depois passa, pode repeti de novo o normal (risadas)” (J.L.O., 24 anos, primípara).

No entanto, para algumas das participantes, a experiência do parto normal foi considerada traumática e elas referiram um desejo de não passar novamente por este processo ou de não ter mais fi lhos:

Olha parece que, assim, agora no momento eu to com trauma. To assim, vô te falá, se falá assim pra mim ‘se que te outro?’ Não! Nunca! Deus me livre! Né, eu não quero. Porque eu to com trauma, até agora. (K.R.B.F., 28 anos, primípara)

A parturição pode ser vivida como uma experiência prazerosa ou traumática, sendo que esta vivência é infl uenciada pelo grau de maturidade da mulher, pelas experiências pessoais e familiares anteriores, assim como pela assistência recebida durante o pré-natal e o parto (Nascimento, Progianti, Novoa, Oliveira & Vargens, 2010).

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Outro fator que deve ser considerado como determinante na forma como a parturição é vivida é a idade da mulher. Em função da limitação de espaço, não foi considerado o fator idade entre as participantes, apenas as similiaridades entre suas falas, aspecto que reconhecemos como uma limitação deste estudo.

É importante considerar também que uma experiência negativa ou traumática de parto normal parece ser determinante na escolha de parto por cesariana (Barros, 2011). Além disso, é importante considerar que a dor do parto é em grande medida iatrogênica, ou seja, amplifi cada por rotinas como a imobilização, o uso abusivo de ocitócitos, a episiotomia e episiorrafi a, a rotura artifi cial de membranas, entre outros (Diniz, 2005).

Todos estes procedimentos, em muitos casos desnecessários e desaconselhados acabam por aumentar a intensidade do processo doloroso, contribuindo para a cristalização de uma concepção do parto normal como um processo imensamente dolente e da ideia de que parir é sofrer.

Informações e orientações recebidas pelas parturientes

No momento do trabalho de parto e no parto, as puérperas receberam orientações de médicos, incluindo obstetras, ginecologistas e pediatras, de enfermeiros, e de estagiários. As orientações, na sala de pré-parto foram, principalmente, sobre a amamentação, os cuidados com o bebê, sobre técnicas de respiração, sobre exames realizados. Na sala de parto, as orientações foram mais no sentido de acalmar, tranquilizar e incentivar as parturientes, além de orientações sobre as posições que deveriam ser adotadas e como deveria ser feita a “força” para facilitar o processo de parto. No pós-parto imediato, as mulheres foram instruídas sobre os cuidados puerperais e os cuidados com o recém-nascido.

Como é possível observar, as orientações recebidas pelas parturientes, durante o trabalho de parto e o parto restringem o papel da mulher a fazer força, fi car na posição correta, mantendo sempre a calma, de forma a ajudar os profi ssionais na realização do parto. Dessa forma, colocam a parturiente em uma posição de passividade e submissão.

No estudo realizado por Silveira, Camargo e Crepaldi (2010), os autores constaram que, na visão dos profi ssionais de saúde, o papel da mulher estava restrito a fazer força e ajudá-los no parto, cabendo a eles orientar as parturientes sobre o momento correto de fazer a força, e dizer o que e como fazer durante o processo de parto.

Frente a este jogo desigual de poder, a mulher é destituída de seu poder decisório, havendo uma restrição da expressão de sua vontade e liberdade (Griboski & Guilhem, 2006), inclusive na escolha da melhor posição no momento do parto.

(...) tem a posição que você tem que fi cá, tem o jeitim de fi cá pra não machucá a cabecinha do nenê, pra não machucá o corpinho do nenê, eles falam pra gente qual é a posição, não é do jeito que a gente que não, não tem nem como, porque senão a gente pode machucá a criança. (A. P. J.H.G., 33 anos, multípara)

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A Organização Mundial da Saúde (OMS, 1996), no seu guia de Assistência ao Parto Normal recomenda que as mulheres tenham liberdade para escolher a posição que mais lhes agrade, tanto no primeiro como no segundo estágio do parto, evitando, preferencialmente, longos períodos em decúbito dorsal. Os profi ssionais, por sua vez devem estimulá-las a experimentar a posição que lhes seja mais confortável, apoiando suas escolhas, o que exige treinamento na realização de partos em outras posições, além da supina, de forma a não inibir a escolha de posições.

Grande parte das entrevistadas destacaram a atenção, o apoio e o carinho recebidos pelos profi ssionais, tanto no pré-natal, como no trabalho de parto e parto como um fator essencial da assistência recebida, tendo infl uência, inclusive, sobre sua satisfação com o parto.

Todos eles uma super atenção, sabe (...) eles me ajudaram bastante, foi muito importante pra mim, porque, assim, se eles não tivesse me orientado, eu não teria conseguido, porque esgota a gente muito, sabe, e ela fi ca ali dando força e vai, vai, não só no profi ssional, mas no humano também, no emocional. Foi muito importante elas tando ali pra me ajudar. (L.L.C., 21 anos, primípara)

A atenção dada pelos profi ssionais às parturientes é um aspecto fundamental do atendimento humanizado e se estabelece a nível técnico, humanizador, intuitivo e relacional (Barros, 2011).

É preciso, contudo, diferenciar que existem dois aspectos de atenção prestada à mulher em relação à gravidez/parto/puerpério: a do tipo informativa, que se caracteriza por orientações dadas em relação à gestação, aos cuidados com o físico, a alimentação, o repouso, o ganho de peso, etc, e em relação ao parto em si, como agir, como respirar e manter a tranquilidade, como ser ativa e colaborar com o processo em si. Também são dadas orientações em relação aos cuidados com o bebê, sobretudo no que diz respeito à amamentação e aos primeiros cuidados.

Mas há um nível de atenção dispensada às mulheres que dizem respeito ao momento da parturição em si, e que torna esta vivência tão mais ou menos ‘humanizada’. Diz menos respeito à informação em si, mas presta-se ao tipo de atenção que se estabelece pelo vínculo emocional criado entre parturiente e o profi ssional, além do vínculo que se estabelece com o próprio processo de parturição em si mesmo.

O papel do profi ssional que assiste à esta mulher é, além de fornecer as orientações em geral tais como saber lidar com a dor e com o desconforto e fazer adequadamente os exercícios respiratórios; estimulá-la a fazer uso do banho de chuveiro, à deambulação, a praticar exercícios de agachar e levantar e exercícios com a bola, aplicar-lhe massagem, enfi m, fazer uso de quaisquer recursos para tornar o processo em si menos doloroso e fazer com que a mulher fi que mais relaxada e colaborativa.

Dessa forma, é possível reconhecer na “atenção” recebida pelas parturientes e que foi considerada como um diferencial na experiência da parturição, dois aspectos fundamentais da humanização: o acolhimento e o vínculo.

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O acolhimento se constrói com base na ética, no respeito à diversidade e na tolerância aos diferentes, com base em uma escuta clínica solidária, comprometida com a construção da cidadania. O acolhimento se dá no encontro entre profi ssional e usuário, onde o primeiro tenta identifi car as necessidades do segundo e através de uma relação negociada se constrói o vínculo (Schimith & Lima, 2004).

O vínculo entre profi ssional e usuário estimula a autonomia e a cidadania. A sua construção depende do reconhecimento do usuário enquanto sujeito, que fala, julga e deseja. Tanto o acolhimento quanto o vínculo ampliam a efi cácia das ações de saúde e aumentam a autonomia e participação dos usuários nos serviços prestados (Schimith, Lima, 2004).

Além das orientações em geral, algumas mulheres foram submetidas ao uso de técnicas não farmacológicas para alívio da dor ou de tratamentos alternativos, que foram percebidos como positivo pelas parturientes, que destacaram que embora estes métodos não tirem a dor, a aliviam, amenizam e confortam.

(...) ajuda a gente a senti a dor, mas de um modo diferente (...) A gente sente a dor, mas no momento que você tá agachado ela é menos, ameniza, sabe, sentá em cima de uma bola também, lá debaixo do chuveiro, com água quente também ajudo bastante (...) (L.L.C., 21 anos, primípara)

Segundo Barros (2011) algumas estratégias não farmacológicas podem ser empregadas para aliviar a dor e o sofrimento do trabalho de parto. Essas técnicas partem de uma concepção do parto enquanto um evento fi siológico e respeitam sua natureza, preservando a integridade corporal e psíquica das mulheres. Outros benefícios das técnicas não farmacológicas são o conforto e a autonomia proporcionados às mulheres, além de incentivarem estas a reconhecerem suas sensações corporais, contribuindo para maior controle e liberdade no uso de seus movimentos.

Embora tenham sido oferecidas algumas técnicas não farmacológicas de alívio da dor, não houve um padrão no uso destes procedimentos, sendo que algumas mulheres receberam uma combinação dessas técnicas ou apenas uma delas e outras não receberam nenhuma, gerando um sentimento de desassistência e desamparo na parturiente: (...) eles não fala nada, a gente tem que se virá sozinha, mesmo (A.V.C., 30 anos, multípara).

Além disso, o número de mulheres que não recebeu nenhuma forma de orientação para alívio da dor e do desconforto, ou que foram orientadas apenas parcialmente foi consideravelmente alto (14 mulheres).

Durante o trabalho de parto, a grande maioria recebeu soro com ocitocina, anestesia local e algumas foram submetidas ao procedimento de episiotomia. Nenhuma das mulheres recebeu analgesia no parto normal.

Nos hospitais públicos a analgesia de parto, como meio de aliviar a dor, de uma forma geral, não é oferecida, apesar de o procedimento ser pago pelo SUS. Além da grande demanda que difi culta a realização, o valor do procedimento pago é muito baixo levando ao desinteresse do anestesiologista (Leite Filho, 2006).

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A presença do acompanhante familiarA quase totalidade das puérperas foram orientadas sobre o direito de ter um

acompanhante no momento do parto, sendo que algumas fi caram sabendo sobre esse direito no momento da internação. Quatorze puérperas tiveram acompanhante e quinze não tiveram. A grande maioria das mulheres que teve um acompanhante familiar considerou esta experiência positiva, destacando os aspectos de conforto, apoio, segurança e tranquilidade que ter uma pessoa próxima traz.

Vários estudos internacionais relacionam a satisfação das mulheres com a assistência recebida durante o parto à presença de um acompanhante, prática esta reconhecida pela OMS como benéfi ca para a atenção aos partos de baixo risco, além de proporcionar conforto físico e suporte emocional à parturiente (Domingues et al., 2004).

Como destaca Carvalho (2003), é fundamental respeitar o desejo da mulher de ter um acompanhante ou não, pois o parto ocorre em seu corpo e a decisão deve ser sua. No caso do acompanhante ser o pai da criança, o direito deste participar deve se negociado entre o casal.

É fundamental que seja feito um melhor planejamento da participação do acompanhante no momento do parto, tanto no sentido de possibilitar a presença deste, como de orientar e fornecer recursos para que este participe efetiva e ativamente do momento do parto.

O parto normal sob o olhar dos profi ssionais

Assim como é importante avaliar as demandas das mulheres em relação à humanização é fundamental analisar o discurso dos profi ssionais de saúde, para ver como se coaduna com a proposta de humanização.

A maioria dos médicos obstetras e anestesistas (9 profi ssionais) considera a analgesia de parto normal desejável do ponto de vista médico. Entre os profi ssionais da enfermagem (enfermeiros e técnicos em enfermagem) este índice foi menor, sendo que apenas um profi ssional considera o procedimento desejável, quatro não o consideram desejável e quatro não souberam opinar.

Os médicos apontaram como principais inconveniências da analgesia de parto normal: uso de fórceps (4 profi ssionais); período expulsivo prolongado (3); falta de colaboração materna (2); sofrimento fetal e aumento dos partos operatórios (2). A maioria dos profi ssionais de enfermagem (6) não reconhece nenhuma inconveniência na analgesia de parto normal.

Os profi ssionais atribuem a pouca utilização da analgesia de parto normal nos hospitais à falta de adesão dos serviços e profi ssionais (6 profi ssionais), à carência de anestesistas (5), ao custo (4) e às indicações controversas do procedimento (3). Dois profi ssionais consideraram que a baixa utilização do procedimento se deve a difi culdade de entendimento pela mãe e à falta de colaboração materna.

Investigou-se também entre os profi ssionais, as vantagens da analgesia de parto normal, sendo apontadas, principalmente, o alívio da dor (4 médicos e 9 profi ssionais

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da enfermagem) e a maior satisfação e conforto da paciente (5 médicos e 1 profi ssional da enfermagem), como é possível observar na fi gura a seguir:

Figura 1 – Vantagens da analgesia do parto normal.

Cerca de onze médicos e nove profi ssionais da enfermagem consideram a analgesia de parto normal uma forma de humanizar o parto. Os profi ssionais apontaram como motivos: o alívio da dor (5 médicos e 4 profi ssionais de enfermagem); a maior satisfação da parturiente (3 médicos); a diminuição da ansiedade (3 médicos e 3 profi ssionais da enfermagem) e a diminuição do parto cesariana (2 profi ssionais da enfermagem).

A maioria dos médicos entende a humanização como alívio da dor (3 profi ssionais), e como assistência voltada à pessoa e suas necessidades (apoio emocional) (3 profi ssionais). Também consideram que a humanização signifi ca maior proximidade entre equipe e paciente (2) e tornar o procedimento do parto mais familiar, através da presença de acompanhantes (2). Os profi ssionais da enfermagem deram maior ênfase aos aspectos biopsicossociais que devem ser atendidos (4 profi ssionais). Também enfatizaram o apoio emocional (2) e à proximidade entre equipe e paciente (2). Observe os resultados na fi gura seguinte:

Figura 2 – Humanização na visão dos profissionais de saúde.

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Embora os profi ssionais tenham citado alguns procedimentos que podem ser adotados para uma assistência mais humanizada, não mencionaram o que entendem por humanização, o que seria uma assistência humanizada ou quais seriam as implicações desta para sua prática.

A humanização representa um ideal livre e inclusivo da manifestação dos sujeitos na organização das práticas sociais, incluindo a atenção à saúde, pautadas na compreensão mútua e na construção de seus valores e verdades (Brasil, 2002).

Para o Ministério da Saúde (Brasil, 2002), a humanização implica receber com dignidade a mulher, seus familiares e o recém-nascido, exercendo uma atitude ética e solidária, de forma a criar um ambiente acolhedor e instituir rotinas hospitalares que rompam com o modelo tradicional.

Grande parte dos médicos (10) e profi ssionais da enfermagem (9) relacionam o parto humanizado à presença de acompanhante familiar e ao atendimento às necessidades físicas e emocionais da parturiente. Os profi ssionais da enfermagem (4) também destacaram o contato precoce mãe-bebê como um aspecto importante da humanização do parto, como é apontado na fi gura abaixo:

Figura 3 – Parto humanizado na visão dos profissionais de saúde.

Embora estes sejam elementos importantes, outros aspectos fundamentais como a realização de procedimentos comprovadamentee benéfi cos, a redução de medidas intervencionistas e o respeito à privacidade e autonomia da parturiente, defendidos no PHPN não foram citados (Brasil, 2002).

A humanização do parto envolve a promoção de uma assistência de qualidade, através do alívio da dor, do conforto físico e emocional, mas também da liberdade para a mulher escolher como deseja ter o bebê, respeitando sua autonomia, sua individualidade e seu poder de decisão e de troca com o profi ssional (Brasil, 2002).

Além disso, as ações levantadas pelos profi ssionais, visando à humanização do parto referem-se somente ao momento do parto ou pós-parto imediato. Pouca ênfase foi dada à importância do pré-natal.

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É importante ressaltar que a humanização do parto não se restringe a um momento específi co, não se inicia no Centro Obstétrico, mas envolve todo um processo, que tem início no pré-natal, com o aconselhamento e explicação do processo gravídico-puerperal, levando em consideração as necessidades da mulher na admissão e no parto.

Os principais procedimentos utilizados pelos médicos para diminuir o desconforto da parturiente são: presença de acompanhante (7 médicos); apoio emocional (4); e fornecimento de orientações (4). Os profi ssionais da enfermagem adotam, principalmente, o apoio emocional (6), o uso de técnicas não farmacológicas (banho, massagem, exercícios na bola, deambulação) (5) e o fornecimento de orientações (4) para diminuição do desconforto da parturiente. Apenas um médico e um profi ssional da enfermagem destacaram o respeito à privacidade e autonomia da parturiente como forma de reduzir seu desconforto.

A existência de uma hierarquia nas relações entre profi ssionais e as mulheres atua como uma barreira à humanização. O profi ssional é o detentor do saber e da técnica e, mesmo quando a mulher participa do parto, sua participação é vista apenas como uma colaboração ao profi ssional (Griboski & Guilhem, 2006). Da mesma forma, certas técnicas ou procedimentos voltados para a humanização do parto são vistos como positivas na medida em que facilitam o trabalho do profi ssional de saúde no ambiente hospitalar.

Declararam conhecer o Programa Nacional de Humanização do Parto 8 profi ssionais da enfermagem e 5 médicos.. É signifi cativo o número de médicos que não conhecem o Programa de Humanização do Parto, considerando-se que eles são os agentes diretamente envolvidos com a cena do parto.

Mabuchi e Fustinoni (2008) destacam a carência de contato com a temática da humanização do parto em todos os cursos que envolvem o cuidado à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal, o que acaba contribuindo para despersonalizar e desumanizar a assistência oferecida.

Nos cursos de formação em medicina é dada primazia ao desempenho técnico científi co, sendo a dimensão intersubjetiva relegada ao segundo plano. Desse modo, os aspectos da assistência humanizada fi cam sujeitos às prioridades dos serviços e às preferências e treinamento dos profi ssionais (Hotimsky & Schraiber, 2005).

Por fugir do escopo deste trabalho não se investigou o que os profi ssionais pensam a respeito do PNHP, aspecto relevante a ser pesquisado em estudos futuros, no intuito de se conhecer melhor qual a opinião dos profi ssionais a respeito do programa e de que forma o que é descrito no mesmo se coaduna com a prática.

Os médicos apontaram como fatores necessários à humanização do parto: a capacitação dos profi ssionais de saúde e gestores (3), a reestruturação do espaço físico da maternidade (2) e o incentivo fi nanceiro dos órgãos governamentais (2). Cinco médicos não responderam a esta questão. Os profi ssionais da enfermagem consideraram que os principais fatores necessários à humanização do parto são a capacitação de profi ssionais da saúde e gestores (5), a contratação de mais profi ssionais (4) e a reestruturação do espaço físico da maternidade (2). Pouca ênfase foi dada à

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questão das políticas educacionais e aos fatores mais relacionais, como o respeito à vontade da parturiente, como é possível obsertvar na fi gura a seguir:

Figura 4 – Fatores necessários à humanização do parto.

Para Dias (2006) a humanização depende mais de fatores pessoais, como disponibilidade, sensibilidade e qualifi cação e de fatores coletivos, como o trabalho em equipe e o compromisso do grupo de profi ssionais do que das condições materiais ou administrativas. É fundamental mudar não só a estrutura física e as rotinas dos hospitais, mas principalmente modifi car o paradigma que embasa as ações dos profi ssionais, segundo o qual a performance clínica é mais importante do que a pessoa que está sendo cuidada.

Considerações fi nais

A humanização do parto está se tornando uma tendência atualmente. Porém, na prática ainda predomina um modelo de atenção ao parto, essencialmente centrado na fi gura do médico, o que contribui com a manutenção de uma cultura de subordinação e dominação, que reduz a mulher a simples objeto da passagem do bebê.

Nesse sentido, a atenção, a sensibilidade e o cuidado dos profi ssionais são elementos essenciais para garantir uma parturição segura e prazerosa, assim como deixar a mulher mais confortável para tomar decisões a respeito do seu parto.

Além do suporte emocional é importante oferecer subsídios para que a mulher vivencie este momento de maneira menos dolorosa e sofrida, como as práticas preconizadas pela PNH – massagem, banhos, deambulação e todo o tipo de situação que possa trazer alívio e tranquilidade.

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Embora a maioria dos adeptos da humanização do parto normal, não vejam com bons olhos a analgesia por considerá-la um processo intervencionista, e um ato médico, quando o que se busca é recuperar o protagonismo da mulher, e não do profi ssional da medicina. É necessário destacar que, a prática da analgesia, embora assegurada legalmente ainda está distante da realidade de muitos hospitais, como percebido nesta pesquisa.

Em que pese a diferença dos dois posicionamentos – um contra e outro a favor do uso da analgesia no parto normal, é inconteste sua garantia legal, independentemente do que se propaga a favor ou contra sua utilização, é fato que este recurso previsto em lei não é respeitado, mais uma situação de violência contra as mulheres, uma vez que sequer lhes cabe o direito de decidirem se desejam ou não, uma vez que nem lhes cabe este tipo de orientação de seus direitos.

O desenvolvimento de práticas educativas durante o pré-natal e nos grupos de gestantes também é um aspecto fundamental para aumentar o nível de informação das parturientes a respeito do seu parto e de seus direitos sexuais e reprodutivos, fornecendo-lhe instrumentos para assumir uma postura mais ativa e autônoma.

No entanto, a simples substituição da cesariana por um parto normal intervencionista, não levará, por si só à humanização do parto. É fundamental uma mudança de paradigma, que conte com a participação de todos os agentes envolvidos na assistência ao parto, não apenas no sentido técnico, mas, sobretudo relacional e ético, base para uma verdadeira prática humanizada.

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_____________________________ Recebido em agosto de 2012 Aceito em setembro de 2012

Bruna Cardoso Pinheiro – Graduada em Psicologia. Pós-graduanda em Especialização em Saúde Pública, Universidade de Franca, Franca – SP.Cléria Maria Lobo Bittar – Docente do Curso de Psicologia e do Mestrado e Doutorado em Promoção de Saúde da Universidade de Franca, Franca – SP.

Endereço para contato: [email protected]

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O grupo Maternar... Uma experiência com mulheres gestantes e com estudantes da área de saúde – UFBa

Anamélia Lins e Silva Franco

Resumo: O grupo Maternar é uma experiência de atividade curricular em comunidade (ACC) que visa desenvolver atividades em saúde materno-infantil e tem tido como principal campo de atuação a Maternidade Climério de Oliveira, maternidade-escola da UFBA. A cada semestre estudantes, uma monitora, residentes, técnicos e professores têm organizado grupos de gestantes e estúdio fotográfico. Pretende-se com esse texto apresentar a experiência considerando principalmente o envolvimento das gestantes e das estudantes. Considera-se que a atividade está em aperfeiçoamento e preenche um espaço de escuta-informação e elaboração para todos os envolvidos.Palavras-chave: grupo de gestantes, atividade interdisciplinar em saúde, educação em saúde

The group Maternar ... experience with pregnant women and health care students – UFBa

Abstract: The Maternar group is an experiment in community curricular activity (CCA) which aims to develop activities in maternal and child health and has had as its main field of activity of Motherhood Climério Oliveira, maternity hospital of the university. Each semester students, a monitor, residents, technicians and teachers have organized groups of pregnant women and photographic studio. The intention of this text to present the experience especially considering the involvement of pregnant women and students. It is considered that the activity is improving and fills a space for listening, information and preparation for all involved.Keywords: group of pregnant women, interdisciplinary activity in health, health education.

El grupo Maternar ... Una experiencia con mujeres embarazadas y estudiantes de salud – UFBa

Resumen: El grupo Maternar es un experimento en la actividad comunitaria curricular (CCA), que tiene como objetivo desarrollar actividades en materia de salud materna e infantil y ha tenido como su principal campo de actividad de la Maternidad Climério Oliveira, hospital de maternidad de la universidad. Cada semestre los estudiantes, un monitor, residentes, técnicos y profesores han organizado grupos de mujeres embarazadas y un estudio fotográfico. La intención de este texto es presentar la experiencia sobre todo teniendo en cuenta la participación de las mujeres embarazadas y los estudiantes. Se considera que la actividad está mejorando y llena un espacio para la escucha, la información y la preparación para todos los implicados.Palabras clave: Grupo de mujeres embarazadas, la actividad interdisciplinaria en salud, educación para la salud.

Aletheia 37, p.228-234, jan./abr. 2012

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Introdução

Atividades educativas com gestantesA maternidade é um fenômeno vivido contemporaneamente com marcas

eminentemente modernas como a industrialização, a urbanização e consequentes mudanças na família e nas relações de gênero. Sendo assim, reafi rmamos nossa compreensão da maternidade e, especialmente, da gravidez como um fenômeno social, marcado pelas desigualdades sociais, raciais/étnicas e pela questão de gênero que lhe é subjacente (Scavone, 2001). A compreensão da dimensão biológica da natureza humana sofreu fortes mudanças a partir dos avanços tecnológicos, que infl uenciaram tanto a anticoncepção como a concepção voluntária e repercutiram nas vivências psicológicas.

Esse cenário tem infl uenciado a concepção de gravidez, objeto de trabalho de profi ssionais de saúde. Sabe-se que a gravidez, em si, é um sinal de saúde da mulher que gera, entretanto as tecnologias possibilitaram conhecer mais e assim observar a linha tênue entre os processos considerados normais e patológicos ao longo do ciclo gravídico-puerperal. Desse modo, sendo a gravidez um estado saudável, o pré-natal constitui um procedimento de atenção primária no qual os profi ssionais de saúde estão aptos para acompanhar o processo fi siológico, promover a saúde e prevenir possíveis manifestações patológicas. Somente em casos especiais, nos quais sejam observados quadros patológicos, como hipertensão e diabetes serão necessárias ações profi ssionais especializadas.

A gravidez é um período de 38-42 semanas, aparentemente longo, comparado com outras espécies, entretanto muito curto diante das repercussões biológicas, sociais e psicológicas que a mulher e aqueles que a rodeiam vivenciam com o nascimento de uma criança, inclusive porque ao nascer o ser humano encontra-se em condição de total dependência, o que se intitula prematuridade inerente à espécie humana (Maldonado, 1997; Lordelo e Bichara, 2009).

Diante de tal cenário, cabe aos profi ssionais de saúde desenvolver ações que proporcionem às mulheres e famílias prepararem-se para o parto e as mudanças relacionadas ao nascimento. Estas atividades em geral são grupos de gestantes. Trata-se de uma ação típica da atenção primária em saúde, por exemplo, implantada em Cuba como Círculos de Grávidas (Calatayud, 2011).

Encontram-se disponíveis na literatura relatos de diversas experiências de grupos de gestantes, ações de promoção-educação em saúde. Um exemplo apresentado por Delfi no, Patrício, Martins e Silvério (2004) argumenta que ao longo dos anos a assistência à gestante tem sido exclusivamente vinculada à consulta médica individual:

“As ações de saúde não propiciam um acolhimento às ansiedades, às queixas e temores associados culturalmente à gestação (...) a gestação é conduzida de modo intervencionista. Tornando a assistência e as atividades educativas fragmentadas, sem que a realidade da mulher gestante seja tratada na sua individualidade e integralidade”. (p. 1058)

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A partir de uma discussão nessa perspectiva, os autores relatam a realização de um estudo no qual dez gestantes se reuniram em seis ofi cinas, quando foi desenvolvido um trabalho dialógico e ao término destas ocorreu uma visita domiciliar. Os temas das ofi cinas foram escolhidos pelas próprias gestantes e estas foram delineadas de acordo com o referencial do Cuidado Holístico-Ecológico. Através das ofi cinas os dados foram levantados a partir da observação participante e das entrevistas realizadas na visita domiciliar. Os resultados do estudo possibilitam afi rmar que a atividade repercutiu na ampliação do conceito de saúde e de cidadania e esta ampliação foi partilhada para além do grupo e de suas famílias tendo sido objeto nos encontros das diversas redes nas quais as gestantes encontram-se inseridas.

Um segundo exemplo trata-se do trabalho desenvolvido por Falcone, Mäder, Nascimento, Santos e Nóbrega (2005), cujo trabalho de um grupo multiprofi ssional buscou diagnosticar transtornos afetivos não psicóticos em gestantes, bem como realizar uma intervenção grupal com objetivo psicoprofi lático e avaliar as alterações após a intervenção. A intervenção consistiu em dez encontros semanais com um total de 103 gestantes, entre adolescentes (32) e adultas (71). Foram abordados temas relacionados ao vínculo entre as mulheres-mães e o nenê, à gestação e ao recém-nascido e dúvidas trazidas pelas gestantes. Os grupos psicoprofi láticos tinham duração de duas horas e estas eram divididas em 40 minutos para trabalho em torno do vinculo com relaxamento, automassagem, aprendizagem de técnica de massagem para o bebê, cantigas de ninar e dinâmicas para trabalhar as relações com o bebê, os sentimentos e a função do pai. Após esse trabalho foram discutidos temas diversos por aproximadamente uma hora e ao fi nal eram dedicados 20 minutos para tirar dúvidas.

Antes e depois deste programa de encontros foram aplicados o Self Report Questionaire e o Beck Depression Inventory. Foram observados transtornos afetivos em 45(43,7%) das gestantes antes da gestação e após em 23 (22,3%). Estes resultados possibilitaram constatar que a intervenção teve impacto estatisticamente signifi cante (p=0,001) no que diz respeito aos transtornos afetivos. Com relação à presença de depressão, antes da intervenção 21(20,4%) gestantes apresentavam depressão, e após, 13 (12,6%), embora estas não sejam diferenças estatisticamente signifi cantes (p=0,133).

Assim, torna-se importante realizar intervenções no contexto da gestação, como o que será apresentado no presente relato de experiência.

Contexto da intervenção

O grupo MaternarAs origens do Grupo Maternar estão relacionadas ao trabalho da autora como

psicóloga e supervisora de estágio curricular na Maternidade Climério de Oliveira, maternidade-escola da Universidade Federal da Bahia (MCO). Entre as atividades desenvolvidas fazia parte da rotina grupos de sala de espera com gestantes e familiares (Franco, Rodrigues & Silveira, 2008). A partir de 2011 foi iniciada a Atividade Curricular em Comunidade (ACC) na qual participam 14 estudantes de graduação, um monitor

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e a professora coordenadora. A ACC é um componente curricular de natureza prática-extensionista.

A ACC tem como requisito ser uma atividade interdisciplinar e para favorecer este propósito conta-se com estudantes de pelo menos cinco cursos de graduação e o apoio de um monitor que recebe bolsa para desempenho das atividades. O trabalho desenvolvido pelo grupo Maternar conta principalmente com a participação de estudantes da área de saúde, entretanto já participaram estudantes do Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades, Artes e de Psicologia.

Método

As atividades do Maternar são orientadas por princípios da educação popular em saúde. Para início das atividades com as gestantes os estudantes participam de vários encontros nos quais se discute suas concepções de saúde, gravidez, família, parto, maternidade. Além disso, são assistidos e debatidos vários vídeos-documentários e apresentados pequenos seminários. Trata-se assim de um breve programa de formação dos estudantes para os encontros.

Ao longo dos semestres foram desenvolvidos alguns princípios para o trabalho do grupo: i) a gravidez é um fenômeno biológico, psicológico e social; ii) valorização da gestante; iii) não educação e não ensino; iv) não consumismo; v) diálogo. Esses princípios são complementares. Espera-se que o trabalho seja orientado por uma compreensão interdisciplinar na qual o biológico, mais conhecido e valorizado, seja somado às dimensões psicológica e social. Apesar de estarmos em ambiente acadêmico o conhecimento, a experiência e a verdade de cada mulher devem ser reconhecidas e valorizadas e assim não se desenvolve a atividade para ensinar, para reafi rmar a superioridade do saber técnico-científi co e sim para dialogar, trocar e construir. Por fi m, a sociedade contemporânea capitalista tem a gravidez e o nascimento como um período favorável ao consumo. Associa-se o consumo a provas de amor da mãe e dos familiares, garantias de felicidade, saúde e prosperidade para o nenê que vai nascer. Buscamos estar vigilantes para não reproduzir esses modelos.

Processo de intervenção

Desenvolvimento dos grupos O grupo Maternar fundamenta-se nos princípios da educação popular em saúde e

para isso desenvolve atividades com o objetivo principal de troca de saberes e experiências entre todos os presentes-participantes e assim busca valorizar a dimensão dialógica e fortalecer a autonomia das mulheres.

As ações vêm se aperfeiçoando a cada semestre. Inicialmente, as atividades eram desenvolvidas somente entre os integrantes do Grupo e as gestantes, que eram convidadas para um encontro e após este era incentivada a participação nos seguintes, sendo cada encontro independente, não havendo ideia de sequência de conteúdos.

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No último semestre foram desenvolvidos encontros com as gestantes com a participação dos integrantes do ACC e de profi ssionais de saúde da MCO. A participação das gestantes se deu em três encontros ocorridos em três meses consecutivos. Esta composição buscou garantir encontros suficientes para tratar diversos temas e a possibilidade de acompanhar a gravidez por mais tempo. Entretanto, não se propôs sequência preestabelecida. O que orienta o grupo é a partilha das mulheres-gestantes e suas buscas.

Os temas foram identifi cados em entrevistas realizadas com as gestantes na sala de espera do pré-natal. Os temas propostos foram: mudanças associadas à gravidez; alimentação, nutrição e aleitamento materno; cuidados pessoais e com o nenê, sexualidade; direitos da mulher e da família com o nascimento de um fi lho.

Cada encontro tem duração aproximada de duas horas e meia e é programado especifi camente. Em geral ocorrem vários momentos como: i) apresentação-entrosamento-aquecimento, quando acontece, por exemplo, uma dinâmica de apresentação-aquecimento, alongamento individual e em duplas; ii) o tema proposto para aquele dia usando estratégias como caixa de perguntas, exposição-participada com um profi ssional, exibição de vídeo seguido de debate, vídeos que podem ser educativos ou comerciais; iii) o lanche, quando se experimenta e valoriza novamente o convívio, os vínculos entre os participantes e as orientações nutricionais discutidas no grupo e nas consultas especializadas; iv) avaliação da atividade pelas gestantes e pelos presentes, quando se utilizou um pequeno instrumento impresso no qual estão imagens que tratam “do que gostei”, “do que não gostei” e “do que desejo” ou se fez uma avaliação espontânea oralmente. As avaliações das gestantes têm sido positivas, confi rmando a pertinência da iniciativa e, às vezes, pedindo mais tempo para abordagem dos temas ou maior número de encontros.

O estúdio fotográfi coMensalmente gestantes são convidadas a participar de um Estúdio Fotográfi co.

Nesse encontro a “sala de aula” onde ocorrem os grupos é adaptada com panos brancos para a formação do estúdio. As próprias gestantes levam seu vestuário e o grupo de estudantes partilha outras peças, bijuterias, maquiagem e objetos para composição do cenário. As fotos são feitas pelas estudantes, reveladas e doadas para as mulheres e suas famílias.

A experiência do Estúdio é um momento lúdico que conquista grande participação das gestantes, das estudantes e de familiares como maridos, mães, fi lhos. Várias mulheres relatam que gostariam de ter feito fotos como aquelas, que buscaram orçamento e os custos impossibilitaram o projeto. Observamos que algumas gestantes chegam tímidas precisando de palavras de incentivo e que, ao longo da sessão de fotos, conquistam outro humor, revelam feminilidade e erotismo.

Diferente da experiência dos grupos entre as gestantes no qual são partilhados conteúdos pessoais e técnicos, no estúdio há partilhas, interações, mas há uma experiência individual-singular. Observa-se frequentemente a mudança de humor e de postura das mulheres gestantes que ao chegarem para o Estúdio estão inibidas e ao fi nal demonstram muita satisfação.

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Os estudantes como participantes – seus depoimentos Como já foi dito anteriormente o grupo Maternar é uma Atividade Curricular em

Comunidade na qual a Maternidade Climério de Oliveira (UFBA) é o campo de atuação. O projeto da atividade, com pressupostos da Educação Popular em Saúde, do Método Paulo Freire, busca garantir uma experiência de partilha, diálogo entre os saberes e as experiências dos participantes. A condição da maioria dos estudantes universitários que até então não engravidaram, não tem fi lhos, ao entrar em contato com os temas e as mulheres-gestantes sofrem mudanças em seus conhecimentos, suas opiniões. Para favorecer a compreensão das repercussões da experiência dos estudantes no grupo Maternar utilizaremos trechos de seus relatórios como sínteses ilustrativas.

“a minha satisfação maior nesse ACC foi poder aprender tanto sobre e com as grávidas. Para a minha formação, tanto profi ssional quanto pessoal, essa atividade terá um peso enorme (...) Essa experiência possibilita um crescimento de todos aqueles que participaram dela, pois tudo que você aprende de verdade com o outro é para levar para a vida toda, e eu nunca esquecerei ambas gestantes que me marcaram... os benefícios trazidos por esta experiência não atingem somente as grávidas, mas também a nós estudantes. Além do esclarecimento de dúvidas e angústias e a elevação da autoestima das futuras mães, nós ganhamos um conhecimento único através da troca de experiências”. (Margarida, 2011)

“Esse ACC foi uma prática valiosa para a minha vida acadêmica, que me trouxe várias dúvidas, medo de como abordar alguns temas, curiosidade e ansiedade, me tirou do lugar comum, confortável da cadeira acadêmica, onde me posiciono apenas de um ângulo para estudar esse ou aquele assunto, mas quando sou trazida para essa forma de interação minha visão amplia e consigo perceber nuances importantes de cada contexto”. (Grande Flora, 2011)

“Penso que a ACC repercutiu na vida não só das gestantes que frequentam os encontros, mas também na vida das pessoas próximas. E isso se deve à equipe multidisciplinar que ela comporta (...) O resultado das atividades é muito positivo, isso se comprova com a visita das ex-gestantes que já haviam participado das atividades anteriores. Elas, algumas vezes, visitaram o grupo e relatavam a experiência vivenciada, com muito entusiasmo e sentimento de agradecimento... a ACC é um espaço que dá a possibilidade de construção, produção e compartilhamento de conhecimentos, sobretudo de reinventar uma nova forma de se conceber a gestação e de valorização da mulher e da criança”. (Angélica, 2012)

“Em todos os encontros senti que naquele espaço as gestantes podiam ser elas mesmas, sem julgamento, sem críticas, sem negativismo. Tentei seguir os princípios do ACC principalmente, ´não educação e não ensino´, pois acredito na troca de aprendizado. Elas puderam falar de sentimentos únicos e talvez secretos, puderam tirar dúvidas com as profi ssionais de Nutrição, Enfermagem, Serviço Social, onde suas presenças foram imprescindíveis. Acredito que as atividades prestadas por essa ACC foram de imensa valia tanto pelas gestantes quando para as integrantes do grupo”. (Mimo do céu, 2012)

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Dessa forma, percebeu-se que a atividade também propiciou aos estudantes a possibilidade de refl etir sobre as práticas de um profi ssional da saúde junto à comunidade. Além disso, usando as palavras de Delfi no (2004, p. 1064) “o grupo revelou-se como um recurso para as suas participantes, constituindo-se num espaço para compartilhar experiências, sentimentos e afetos e socialização de saberes técnico-científico e popular”.

Considerações fi nais

Como em uma gravidez o ACC do Grupo Maternar está em desenvolvimento a cada semestre e, assim, busca proporcionar um espaço para as gestantes, os familiares, os técnicos e os estudantes. Um espaço em que a construção possibilita a participação, a busca de fortalecimento da autonomia. Para os estudantes estar no serviço de saúde tem sido uma aproximação ao real e a noção da complexidade e das possibilidades de atuação profi ssional. As experiências disponíveis na literatura são tomadas como contrapontos para a análise e o planejamento do trabalho no contexto que vivemos.

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_____________________________

Recebido em julho de 2012 Aceito em dezembro de 2012

Anamélia Lins e Silva Franco. Doutora em Saúde Pública. Profa. do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde – Instituto de Humanidade, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Universidade Federal da Bahia

Endereço para contato: [email protected]

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Saúde Comunitária: conhecimentos e experiências na América Latina

Anamélia Lins e Silva Franco

O livro Saúde Comunitária: Conhecimentos e Experiências na América Latina, organizado por Jorge Castellá Sarriera e com a participação de vinte coautores de diversos países como Argentina, Brasil, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela, é, em primeiro lugar, um registro das conferências proferidas no IV Congresso Multidisciplinar de Saúde Comunitária do Mercosul ocorrido em Gramado (RS) em Outubro de 2009. A Introdução, de autoria de Jorge Sarriera e Enrique Saforcada, historia todos os encontros de Saúde Comunitária do Mercosul, o que vem a demonstrar a construção desse movimento no qual participam profi ssionais e estudantes do campo da Saúde.

O livro é composto por 11 capítulos. O primeiro, de autoria de Francisco Morales Catalayud, é intitulado: “A psicologia e a promoção da saúde. Do que necessitamos, o que temos e o que podemos fazer”. Ele apresenta um breve histórico entre os projetos de prevenção e os de promoção, distingue o papel da comunicação para o exercício da promoção em saúde, como também o lugar diferenciado da psicologia, e propõe a elaboração de ações comuns para enfrentamento de problemas globais.

O capítulo seguinte, “Mudança organizacional para o bem-estar da comunidade”, é um relato de atividades em curso na Universidade de Miami, especialmente o projeto SPEC – sigla relacionada aos termos da língua inglesa strengths, prevention, empowerment e change. A autoria deste capítulo conta com a participação de sete profi ssionais, entre eles Ora e Isaac Prilleltensky. Os autores destacam que organizações sociais têm, em geral, trabalhado em uma perspectiva paliativa, e propõem que seja desenvolvido um trabalho transformador. Também apresentam os pressupostos, os passos e os exemplos do trabalho realizado em algumas organizações.

O capítulo três, de autoria de Maritza Monteiro, foi intitulado “Uma psicologia clínica-comunitária construída a partir da comunidade: práxis latino-americana”. A profa. Maritza apresenta um histórico das ações clínicas na comunidade, o processo de desospitalização até o que vem chamar de “A experiência do nosso tempo”. A Psicologia Clínica Comunitária que tem como objeto de interesse a compreensão e a intervenção do vínculo-relação pessoa-comunidade, compreensão que conta com conceitos-chave, os conceitos de apoio social e rede. Por fi m, apresenta o relato de uma intervenção em várias zonas de baixa renda de Caracas e o trabalho com famílias vitimadas pela violência urbana.

O livro, como um todo, aproxima as semelhanças presentes na realidade latino-americana e possibilidades comuns de ação da saúde comunitária. No capítulo quatro, a vida da população caraquenha faz uma ponte com a vida da população brasileira, especialmente o relato dos estudos e ações coordenadas pela Profa. Silvia Koller, uma das autoras do capítulo quatro junto com Débora Dalbosco Dell’Aglio. As autoras retomam a realidade da psicologia brasileira, apresentam o CEP-RUA (Centro de Estudos

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Psicológicos) e o NEPA (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Adolescência) vinculados ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS. Os trabalhos realizados são destinados à população em situação de vulnerabilidade pessoal e social, e têm a Psicologia Positiva e a Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano como suas bases teóricas. Essa trajetória tem propiciado a formação de “psicólogos ecológicos”.

O quinto capítulo relata um trabalho em desenvolvimento na Universidade da República em Montevidéu, Uruguai. Esse capítulo, de autoria da Profa. Susana R. Macció, foi intitulado “A construção da saúde segundo a perspectiva da relação universidade-comunidade. A fi gura do ‘operador de bairro’, como articuladora das atividades”. Trata-se de um trabalho de extensão no qual se busca a promoção de hábitos de vida saudáveis. Este trabalho possibilita a inserção de estudantes em uma prática alternativa aos modelos hegemônicos de saúde e de aprendizagem.

Em seguida, o capítulo “Políticas públicas, qualidade de vida e saúde”, de autoria da Profa. Graciela Tomon, faz uma apresentação crítica do conceito de qualidade de vida justifi cando os diversos modos que este é empregado e acrescenta considerações em torno do debate sobre políticas de saúde, desde aspectos considerados pela Organização Mundial da Saúde, e por fi m apresenta um estudo quantitativo e outro qualitativo que analisam a realidade à luz do referido conceito.

O capítulo de autoria de Martin de Lellis é intitulado “Saúde Mental Comunitária ou o Mental na Saúde Comunitária? Alternativas de Política Pública. A Crítica do Papel do Profi ssional”. O autor retoma as origens da psicologia comunitária e analisa as pretensões de trabalho que buscavam superar modelos que se centravam em práticas individuais e descontextualizadas, com ênfase na necessidade de reformas.

O enfoque do capítulo oito se centra no debate da psicologia na atenção primária a partir da experiência pioneira de Cuba. O Prof. Francisco Morales Calatayud retoma a história cubana e apresenta as condições que resultaram no modelo atual, pressupostos e algumas experiências.

O capítulo nove se distingue dos anteriores por relatar uma experiência em torno da Saúde Ambiental ocorrida na Argentina. Os autores, Oscar Alberto Fariña, Beatriz Mendoza e Walter Capote, apresentam as condições e a situação de saúde de uma área industrial nas proximidades de Buenos Aires, e a partir de vários diagnósticos descrevem as decisões tomadas para atender à situação de saúde da população e relatam resultados obtidos a partir de processos psicodiagnósticos com crianças.

Os últimos dois capítulos do livro apresentam semelhanças. O Prof. Enrique Saforcada refl ete sobre as condições de ampliação do trabalho em saúde comunitária na Argentina e o Prof. Jorge Sarriera faz o mesmo com relação ao Brasil. A realidade Argentina é marcada por uma condição profi ssional que propicia o desenvolvimento das ações em psicologia comunitária e em saúde comunitária. Há algumas décadas profi ssionais trabalham em comunidades, mas expressam difi culdades para a articulação dos arcabouços teóricos, que subsidiaram suas formações, na sua maioria fundamentadas na teoria psicanalítica e na prática comunitária.

A análise do Prof. Jorge considera que o Brasil, desde os grupos de conscientização de Paulo Freire (década de 60), vem construindo uma realidade favorável, apesar de várias interrupções e distanciamentos. O fato da compreensão da saúde enquanto um direito

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constitucional, o crescimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o fortalecimento da democracia repercutem favoravelmente para a implementação de ações comunitárias. São identifi cados quatro desafi os: i) melhora das condições de vida da população; ii) melhora na qualidade e avaliação de programas de projetos; iii) fortalecimento das redes comunitárias; iv) a ética na intervenção e pesquisa em Saúde.

Por fi m, as últimas palavras do Prof. Saforcada são signifi cativas para consolidação da saúde comunitária como em discussão no Mercosul: “a comunidade é o componente e o ator principal de qualquer projeto de ação que se desenvolva enquadrado neste paradigma (da saúde comunitária) e a equipe profi ssional ocupa um papel complementar de colaboração ou participativo, mas entendendo que o poder de decisão está na comunidade (2011, p. 243)”.

Sarriera, J. C. (org.). (2011). Saúde Comunitária: Conhecimentos e experiências na America Latina. Porto Alegre: Sulina.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em agosto de 2012

Anamélia Lins e Silva Franco – Doutora em Saúde Pública, Professora do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, Instituto de Humanidade, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Universidade Federal da Bahia.

Endereço para contato: [email protected]

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Psicologia Clínico-Comunitária

Ana Luisa Teixeira de Menezes

A busca de articular o conhecimento da saúde com os sujeitos comunitários, tendo como base o direito à vida, o meio ambiente, o amor, a crítica à propriedade privada e as diferenças entre as classes sociais, revela a profundidade com que esta produção merece ser lida, enquanto uma contribuição para a Educação e a Psicologia. Uma percepção que instiga um debate sobre os sentidos e os desafi os do desenvolvimento de um pensamento e de uma prática clínica permeados por uma visão biocêntrica e sociopsicológica que integra a dimensão coletiva e singular, dentro de um processo histórico de construção de uma Psicologia Clínico-Comunitária.

Uma das questões centrais do livro é o fortalecimento dos sujeitos históricos em seu processo de superação e transcendência, em seu percurso de construção de saúde ativa, na responsabilidade por uma convivência transformadora. A saúde é desenhada, enquanto um processo histórico e cultural como prevenção e promoção, nas experiências comunitárias, na discussão sobre o papel do psicólogo nos Programas de Saúde da Família, na implantação de Centros de Atendimento Psicossocial, na Estratégia de Ação da Família e na Saúde Mental.

Essa publicação contribui de uma forma consistente com a prática e com a teorização para uma Psicologia Clínico-Comunitária, que desenvolve o processo terapêutico baseado nos potenciais da identidade humana. Esta proposta vem sendo elaborada pelo autor e outros atores sociais desde a década de sessenta, num momento histórico em que houve uma emergência dos grupos terapêuticos e quando os grupos de encontros de Carl Rogers representaram uma proposta signifi cativa para os trabalhos da psicologia clínica.

Pode-se considerar que o contexto vivido de repressão social e moral, dos movimentos de educação popular, da música popular brasileira, dos hippies, dos trabalhadores e outros mobilizava as pessoas para uma busca de transformação social, uma sede de crítica e uma esperança de que os movimentos dos grupos que emergiam, poderiam ser uma saída para a desordem social e de relações em que se vivia. No entanto, observou-se um declínio que atravessou a década de 70, através do qual os grupos terapêuticos foram sendo criticados como uma proposta superfi cial que não trazia resultados efi cazes, sendo vistos como práticas nas quais poucos profi ssionais tinham uma formação mais consistente, tanto do ponto de vista teórico como operacional e com um estigma de que grupo era um trabalho mais para os pobres que não dispunham de recursos para pagar um tratamento individual.

Fica evidente que a proposta Clínico-Comunitária descrita nasceu na práxis da Psicologia Comunitária do Ceará que se construiu dentro do processo da derrubada da Ditadura e da participação popular. Esse movimento fez avançar as discussões e práticas no meio acadêmico através de disciplinas de psicologia comunitária na Universidade Federal do Ceará, bem como projetos de extensão realizados a partir

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do Núcleo de Psicologia Comunitária e enraizados nos movimentos sociais urbanos e rurais. Os marcos teóricos que fudamentaram a Psicologia Comunitária no Ceará foram a psicologia histórico-cultural de Vygotsky, Leontiev e Luria, a educação libertadora de Paulo Freire, a psicologia da libertação de Martin Baró, a biodança de Rolando Toro e a abordagem humanista de Carl Rogers.

Todo esse movimento provocou, na psicologia, como também na educação, uma refl exão sobre novas possibilidades para a ciência e para a clínica, de pensar a relação entre sujeito, grupo e sociedade. Essa discussão é renovada com a leitura desta obra, sem criar dicotomias entre o individual e o grupal, anunciando um alargamento conceitual que, juntamente com propostas metodológicas, produz um pensar epistemológico na direção de um caminho que integra singularidade, grupos e comunidade. E provoca uma discussão para e com a psicologia, sobre a concepção de uma clínica enraizada no movimento, dialógica no sentido freireano, problematizando de forma positiva as noções de participação, consciência e mudança.

É uma abordagem que relaciona diretamente a identidade à comunidade, ou seja, a compreensão de que, ao fortalecer as condições de existência comum, as identidades emergem mais inteiras, mais saudáveis. Nessa perspectiva, mudam os direcionamentos de energias e de olhares sobre a doença, mudam-se as escutas e, necessariamente, os espaços por onde se movimentam as práticas clínicas, a percepção de quem são os atores e, por consequência, onde e com quem devemos trabalhar nossa formação.

Cezar Góis consegue fazer uma recriação, juntamente com Carl Rogers, Paulo Freire, Rolando Toro e outros, sobre a importância dos grupos e da comunidade, refl etindo uma psicologia clínica a partir de categorias teóricas consistentes como: identidade, vivência biocêntrica, corporeidade vivida e arte-identidade. O autor sintetiza, com ousadia e comprometimento, um percurso, um modo de atuar de forma clínica e comunitária na atenção primária e na rede social básica, numa visão integrada às políticas públicas, ao terceiro setor e às atividades comunitárias.

Esta obra apresenta uma proposta metodológica que, entranhada com o modo de vida do ser pobre, nos ensina a viver com esta cultura, a partir de um conviver biocêntrico, psicológico e comunitário, tornando-nos mais capazes para lidar existencial e metodologicamente com o sofrimento e com a potência vital. As teorizações e metodologias propostas são fruto de perguntas que nunca calaram na vida do autor: como diminuir o sofrimento e aumentar a potência do povo empobrecido? Onde nos inspiramos? Quem procuramos para pensar juntos? A quem devemos escutar? Com quem necessitamos compartilhar um mundo novo?

A visão biocêntrica, na qual a vida é percebida como o centro do universo, permeia essa publicação que, reconhecendo o poder pessoal, propõe também a transcendência do humano. A visão da saúde, a noção de participação e de mobilização desenvolvidas evocam a identifi cação com uma cosmovisão que pensa a relação com a natureza como uma condição de saúde.

Ao longo dos capítulos, fi ca claro que a percepção de Clínico-Comunitária desenvolvida no livro implica uma noção complexa, viva, não linear e construída socialmente, que necessita ser ressignifi cada na história vivida do encontro com o ser saudável. Nesse enfoque, a saúde é considerada possível quando o ser humano

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reconhece a existência de outros seres vivos e a relevância de perceber-se como um ser que vive em comunidade, na relação consigo e com a natureza, com toda a diversidade que representa a vida.

Góis, C. W. de L. (2012). Psicologia Clínico-Comunitária. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil.

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Recebido em julho de 2012 Aceito em agosto de 2012

Ana Luisa Teixeira de Menezes – Psicóloga (UFC). Mestre em Psicologia (PUCRS). Doutora em Educação (UFRGS). Pró-reitora de extensão e relações comunitárias da Universidade de Santa Cruz do Sul e professora do departamento de Psicologia e do Mestrado em Educação da UNISC.

Endereço para contato: [email protected]

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Instruções aos autores

Política editorial

A Aletheia é uma revista quadrimestral editada pelo curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil destinada à publicação de trabalhos de pesquisadores envolvidos em estudos produzidos na área da Psicologia ou ciências afi ns. Serão aceitos somente trabalhos não publicados que se enquadrem nas categorias de relato de pesquisa, artigos de revisão ou atualização, relatos de experiência profi ssional, comunicações breves e resenhas.

Relatos de pesquisa: investigação baseada em dados empíricos, utilizando metodologia e análise científi ca.

Artigos de revisão/atualização: revisões sistemáticas e atuais sobre temas relevantes para a linha editorial da revista.

Relatos de experiência profi ssional: estudos de caso contendo discussão de implicações conceituais ou terapêuticas; descrição de procedimentos ou estratégias de intervenção de interesse para a atuação profi ssional dos psicólogos.

Comunicações breves: relatos breves de experiências profissionais ou comunicações preliminares de resultados de pesquisa.

Resenhas: revisão crítica de livros recém-publicados, orientando o leitor quanto a suas características e seus usos potenciais.

Aspectos éticos: todos os artigos envolvendo pesquisa com seres humanos devem declarar que os sujeitos do estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de pesquisa. No caso de pesquisa com animais, os autores devem atestar que o estudo foi realizado de acordo com as recomendações éticas para esse tipo de pesquisa. Os autores também são solicitados a declarar, na seção “Método”, que o protocolo da pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do local de origem do projeto.

Confl itos de interesse: os autores devem declarar todos os possíveis confl itos de interesse (profi ssionais, fi nanceiros, benefícios diretos ou indiretos), se for o caso. A falha em declarar confl itos de interesse pode levar à recusa ou cancelamento da publicação.

Normas editoriais

1. Serão aceitos somente trabalhos inéditos.

2. O artigo passará pela apreciação dos Editores.

3. Após a avaliação inicial, os Editores encaminharão os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial, que poderá fazer uso de consultores ad hoc de reconhecida competência na área de conhecimento. A Comissão Editorial e os consultores ad hoc analisam o manuscrito, sugerem modifi cações e recomendam ou não a sua publicação.

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4. Os artigos poderão receber: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulações; c) recusa integral. Em qualquer dessas situações, o autor será devidamente comunicado. Os originais, em nenhuma das possibilidades, serão devolvidos.

5. O(s) autor(es) do artigo receberá(ão) cópia dos pareceres dos consultores e será(ão) informado(s) sobre as modifi cações a serem realizadas.

6. No encaminhamento da versão modifi cada do seu manuscrito (no prazo máximo de 15 dias após o recebimento da notifi cação), os autores deverão incluir uma carta ao Editor esclarecendo as alterações feitas e aquelas que não julgaram pertinentes e a justifi cativa. No texto, as modifi cações feitas deverão estar destacadas com a ferramenta Word “pincel amarelo”. O encaminhamento com as modifi cações realizadas pode ser realizado via e-mail ([email protected]).

7. Os Editores reservam-se o direito de fazer pequenas alterações no texto dos artigos.

8. A decisão fi nal sobre a publicação de um manuscrito sempre será do Editor Responsável e Conselho Editorial que fará uma avaliação do texto original, das sugestões indicadas pelos consultores e as modifi cações encaminhadas pelo autor.

9. Os artigos poderão ser escritos em outra língua além do português (espanhol e inglês).

10. Independentemente do número de autores, serão oferecidos dois exemplares por trabalho publicado. O arquivo eletrônico com a publicação em PDF será disponibilizado no site www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. As opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es), e sua aceitação não signifi ca que a revista Aletheia ou o curso de Psicologia da ULBRA lhe dão apoio.

12. A matéria editada pela Aletheia poderá ser impressa total ou parcialmente, desde que obtida a permissão do Editor Responsável. Os direitos autorais obtidos pela publicação do artigo não serão repassados para o autor do artigo.

Apresentação dos manuscritos

1) Os artigos inéditos deverão ser encaminhados em disquete ou CD e uma via impressa, digitada em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12 e paginada desde a folha de rosto personalizada. A folha deverá ser A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). A revista adota as normas do Manual de Publicação da American Psychological Association - APA (4ª edição, 2001).

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2) O número máximo de laudas deve atender a seguinte orientação: relatos de pesquisa (25 laudas); artigos de revisão/atualização (20 laudas); relatos de experiência profi ssional (15 laudas), comunicações breves (5 laudas) e resenhas (máximo de 5 laudas).

3) Encaminhamento: toda correspondência deve ser encaminhada à revista Aletheia, aos cuidados do Editor Responsável.

4) Todo manuscrito encaminhado à revista deverá ser acompanhado de uma carta de autorização, assinada por todos os autores, onde deve constar:

a) a intenção de submissão do trabalho à publicação; b) a autorização para reformulação da linguagem, se necessário; c) a transferência de direitos autorais para a revista Aletheia.

5) O artigo deve conter: a) folha de rosto identifi cada: título do artigo em língua portuguesa; nome dos

autores; formação, titulação e afi liação institucional dos autores; resumo em português de 10 a 12 linhas; palavras-chave, no máximo 3; título do artigo em língua inglesa; abstract compatível com o texto do Resumo; key-words; endereço para correspondência, incluindo CEP, telefone e e-mail.

b) folha de rosto não identifi cada: título do artigo em língua portuguesa; resumo em português, de 10 a 12 linhas, 3 palavras-chave, título do artigo em língua inglesa, resumo (Abstract) em inglês, compatível com o texto do Resumo; key-words.

c) corpo do texto. d) sugere-se que os artigos referentes a relatos de pesquisa apresentem a seguinte

seqüência: Título; Introdução; Método (população/amostra, instrumentos, Procedimentos de coleta e Análise de dados – incluir nessa seção afi rmação de aprovação do estudo em Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde); Resultados; Discussão, Referências (títulos em letra minúscula e em seções separadas). Usar as denominações tabelas e fi guras (não usar a expressão quadros e gráfi cos). Colocar tabelas e fi guras incorporadas ao texto. Tabelas: incluindo título e notas de acordo com normas da APA. Formato Word – ‘Simples 1’. Na publicação impressa, a tabela não poderá exceder 11,5 cm de largura x 17,5 cm de comprimento. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para assegurar qualidade de reprodução, as fi guras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografi a (resolução mínima de 300 dpi). A versão publicada não poderá exceder a largura de 11,5 cm para fi guras. Anexos: apenas quando contiverem informação original importante, ou destaque indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.

6) Trabalhos com documentação incompleta ou não atendendo às normas adotadas pela revista (APA, 4ª edição) não serão avaliados.

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Normas para citações

- As notas não bibliográfi cas deverão ser colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota.

- As citações dos autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA (4ª edição).

- No caso da citação integral de um texto: deve ser delimitada por aspas, e a citação do autor seguida do ano e do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio em itálico e sem aspas, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. A fonte será a mesma utilizada no restante do texto (Times New Roman, 12).

• Citação de um autor: autor, sobrenome em letra minúscula, seguida pelo ano da publicação. Exemplo: Rodrigues (2000).

• Citações de dois autores: cite os dois autores sempre que forem referidos no texto. Exemplo: (Carvalho & Santos, 2000) – quando os sobrenomes forem citados entre parênteses, devem estar ligados por &. Quando forem citados fora de parênteses, devem ser ligados pela letra e.

• Citação de três a cinco autores: citar todos os autores na primeira referência, seguidos da data do artigo entre parênteses. A partir da segunda referência, utilize o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. Exemplo: Silva, Foguel, Martins e Pires (2000), a partir da segunda referência, Silva e cols. (2000).

• Artigo de seis ou mais autores: cite apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. (ANO). Na seção referências, todos os autores deverão ser citados.

• Citação de obras antigas, clássicas e reeditadas: citar a data da publicação original, seguida da data da edição consultada. Exemplo: (Kant 1871/1980).

• Autores com a mesma idéia: seguir a ordem alfabética de seus sobrenomes e não a ordem cronológica. Exemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

• Publicações diferentes com a mesma data: acrescentar letras minúsculas, após o ano de publicação. Exemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.

• Citação cuja idéia é extraída de outra ou citação indireta: utilizar a expressão citado por. Ex: Lopes, citado por Martins (2000),...

Na seção Referências, incluir apenas a fonte consultada (Martins). • Transcrição literal de um texto ou citação direta: sobrenome do autor, data, página.

Exemplo: (Carvalho, 2000, p.45) ou Carvalho (2000, p.45).

Normas para referências

As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo. Sua disposição deve ser em ordem alfabética do último sobrenome do autor e em minúsculo.

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Livro Mendes, A. P. (1998). A família com fi lhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas. Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.

Porto Alegre: Artes Médicas.

Capítulo de livro Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P. Papp

(Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed.

Artigo de periódico científi co Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafi os para a formação e atuação profi ssionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121.

Artigos em meios eletrônicos Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública”

ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível: <http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000.

Artigo de revista científi ca no prelo Albuquerque, P. (no prelo). Trabalho e gênero. Aletheia. Trabalho apresentado em evento científi co com resumo em anais Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade

Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científi cas. XXV Reunião Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP.

Tese ou dissertação publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-

escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Tese ou dissertação não-publicada Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-

escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado não publicada. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Obra antiga e reeditada em data muito posterior Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre:

Universal. (Original publicado em 1950).

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Autoria institucional American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).Washington:

Autor.

Endereço para envio de artigos Universidade Luterana do Brasil Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil CEP: 92425-900

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Instructions to authors

Editorial policy

Aletheia is a three-times yearly journal edited by the Psychology Program of the Lutheran University of Brazil, which purpose is to publish papers in Psychology and related sciences. Only unpublished papers will be accepted into these categories: original articles, review/update articles, professional experiences reports, brief communications and book reviews.

Original articles: empirical research reports with scientifi c methodology.Review articles/ Update articles: systematic and update reviews about relevant

themes according with editorial policy. Professional experiences reports: case reports with discussion of its conceptual or

therapeutic implications; description of intervention procedures or strategies of psychology practitioners’ interest.

Brief communications: brief reports of professional experiences or preliminary communications of original character.

Book review: critical review of recently published books that may be of interest to psychology.

Ethical aspects: All the articles involving research with human subjects must state that individuals included in these studies gave a Written Informed Consent, according to the national and international ethical regulations. In case of research with animals, authors must confi rm that the study was done in accordance with the ethical care standards for the animals involved in the research. The authors are also requested to state in the “Methods” section that the research protocol was previously approved by a Research Ethics Board.

Disclosures: The authors are requested to disclose all possible kinds of confl ict of interest (professionals, fi nancials, direct or indirect benefi ts), if the case. The failure to disclose properly can lead to publication refusal or cancellation.

Editorial rules

1. Only unpublished articles will be accepted.

2. The articles will be evaluated by the Editors.

3. After initial evaluation, the Editors will send the submitted papers to the Editorial Board, which will be helped, whenever necessary, by ad hoc consultants of recognized expertise in the knowledge area. The Editorial Board and ad hoc consultants will analyze the manuscript, suggest modifi cations, and recommend or not its publication.

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4. The papers may be: a) fully accepted; b) accepted with modifi cations; c) fully refused. In any of the situations the author will be properly communicated. The originals will not be returned in any case.

5. The authors will received a copy of the consultants’ analysis and will be informed about recommended modifi cations.

6. When the modifi ed version of the manuscript is sent (this may happen up to 15 days after receiving the notifi cation), the authors must include a letter to the Editors, elucidating the changes that have been made and justifying the ones they did not judge relevant to make. All modifi cations must be highlighted with Word’s tool “yellow brush”. The modifi ed version of the article may be sent by e-mail ([email protected]).

7. The Editors have the right to make small modifi cations in the text.

8. The fi nal decision of publication of a manuscript will always be of the Editor and of the editorial board in charge. They will take into consideration the original text, the consultant’s recommendations and the modifi ed version of the article.

9. Articles may be submitted in other languages besides Portuguese (Spanish and English)

10. Regardless the number of authors, two copies of the journal per published article will be offered. The electronic version of the printed article (PDF fi le) can be accessed in Aletheia homepage www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. The opinions emitted in the articles are full responsibility of author(s), and its acceptance does not mean that Aletheia supports it.

12. Total or partial reproduction can be made only after permission of the Editor. Aletheia owns the copyrights and will not transfer them to authors.

Preparation of manuscripts

1) The unpublished articles must be sent in diskettes or CD and also one printed copy, typed in double space, Times New Roman letter, size 12, numbered since the title page. The sheet must be A4, with inferior and superior margins of 2,5 cm, and right and left margins of 3 cm. The journal follows the rules of Manual of Publication of American Psychological Association - APA (5th edition, 2001).

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2) The maximum number of pages should be as follow: Original articles (25 pages); Review articles/Uptade articles (20 pages); Professional experiences reports (15 pages); Brief communications (5 pages); Book review (5 pages).

3) Submissions: All correspondence should be addressed to Aletheia in behalf of the Editor in charge.

4) Every manuscript sent to the Journal must be accompanied by an authorization letter, signed by all of the authors, stating:

a) The intention of submission the article to publication; b) Authorization for modifi cation of language if necessary;c) Transference of copyrights for Aletheia Journal.

5) The manuscript should contain:a) Title page: article title in Portuguese ; authors’ name; authors’ essential title and

institutional affi liation; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words; Correspondence address, including Zip Code, telephone and e-mail.

b) Non identifi ed title page: article title in Portuguese; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key words;

* If article was not written in Portuguese, it must contain the same information in its original language.

c) Body of the text. d) Original articles may have the following sequence: Title, Introduction,

Method (population/sample; instruments; procedures; and data analysis. In this section the study approval in a Ethics Research Committee should be stated), Results, Discussion, Conclusion or Final Considerations, References (in small letters and in separate section). Use the denomination “table” and “fi gure” (and not graphs or other terms). Place tables and fi gures embedded in the text. Tables: including title and notes in accordance with APA’s standards . Word format - ‘Simple 1’. In the printed version the table may not exceed 11.5 cm wide x 17.5 cm in length. The length of the table should not exceed 55 lines, including title and footer(s). To ensure quality, the reproduction of pictures containing drawings should have photograph quality (minimum resolution of 300 dpi). The printed version can not exceed 11.5 cm width for pictures. Appendixes: only when they contain new and important information, or are essential to highlight and make more understandable any section of the paper. The use of appendixes should be avoided.

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6) Papers with incomplete documentation or that do not attend the norms adopted by Aletheia (APA, 4th edition) will not be appraised.

Citations norms

- The non bibliographical notes must be put in the lower margin of pages, arranged by Arabic numerals that must appear immediately after the segment of text to which the note refers to.

- The authors’ citations must be done in agreement with norms of APA (4th edition).- In the case of full citation of a text: it must be delimited by quotation mark and the

author’s citation followed by the year and number of page mentioned. A literal citation with 40 or more words must be presented in proper block and in italic without quotation mark, starting a new line, with pullback of 5 spaces of margin, in the same position of a new paragraph. The letter will be the same used in the remaining of text (Times New Roman, 12).

• Citation of an author: author, last name in small letter, followed by the year of publication. Example: Rodrigues (2000).

• Citation of two authors: cite both authors always that they are referred in the text. Example: (Carvalho & Santos, 2000) – when the last names are cited between parentheses: they must be connected by &. When they are cited outside the parenthesis they must be connected by the letter e.

• Citation from three to fi ve authors: cite all the authors in the fi rst reference, followed by the date of article between parentheses. Starting from the second reference, use the last name of the fi rst author, followed by e cols. Example: Silva, Foguel, Martins and Pires (2000), starting from the second reference, Silva and cols. (2000).

• Article of six or more authors: cite just the last name of the fi rst author, followed by e cols (YEAR). In the references all the authors must be cited.

• Citation of old, classic and reedited works: cite the date of original publication, followed by the date of edition consulted. Example: (Kant 1871/1980).

• Authors with the same idea: follow the alphabetical order of their last names and not the chronological order. Example: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

Different publications with the same date: Increase capital letter, after the year of publication. Example: Carvalho (1997, 2000a, 2000b, 2000c).

• Citation whose idea is extracted from other or indirect citation: Use the expression cited by. Ex: Lopes, cited by Martins (2000),...

In the Bibliographical References, include just the source consulted (Martins). • Literal transcription of a text or direct citation: last name of author, date, page.

Example: (Carvalho, 2000, p.45) or Carvalho (2000, p.45).

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References norms

The bibliographical references must be presented at the end of article. Its disposition must be in alphabetical order of the last name of author in small letter.

BookMendes, A.P. (1998). A família com fi lhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas.Silva, P.L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.

Porto Alegre: Artes Médicas.

Chapter of bookScharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertility and late pregnancy. Em P. Papp

(Org.), Couples in danger,, new guideline for therapists (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed.

Article of scientifi c journalDimenstein, M. (1998). The psychologist in the Basic Units of Health:Challenges for the formation and professional performance. Studies of Psychology,

3(1), 95-121.Articles in electronic meansPaim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Collective Health: a “new public health”

or open fi eld for new paradigms? Magazine of Public Health, 32 (4) Available: <http://www.scielo.br> Accessed: 02/11/2000.

Article of scientifi c journal in pressAlbuquerque, P. (no prelo). Gender and work. Aletheia.Work presented in congressSilva, O. & Dias, M. (1999). Unemployment and its repercussions in the family.

Em Annals of XX Meeting of Social Psychology, pp. 128-137, Gramado, RS.Thesis or published dissertationSilva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.

Master dissertation or doctorate thesis. Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS

Thesis or non-published dissertationSilva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.

Master dissertation non-published or doctorate thesis (non-published). Program of Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS

Old work reedited in posterior dateSegal, A. (2001). Some aspects of analysis of a schizophrenic person. Porto Alegre:

Universal. (Original published in 1950)

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Institutional AuthorshipAmerican Psychological Association (1994). Publication manual (4th edition).

Washington: AuthorAddress for submissions Universidade Luterana do BrasilCurso de PsicologiaRevista AletheiaAv. Farroupilha, 8001 – Bairro São JoséCEP: 92425-900Sala 121 - Prédio 01 Canoas – RS – Brasil

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Instrucciones a los autores

Política editorial

Aletheia es una revista quadrimestral editada por el Curso de Psicología de la Universidad Luterana de Brasil, destinada a la publicación de trabajos de investigadores, implicados en estudios producidos en el área de la Psicología o ciencias afi nes. Serán aceptados solamente trabajos no publicados que se encuadren en las categorías de relato de investigación, artículo de revisión o actualización, relatos experiencia profesional, comunicaciones breves y reseñas.

Relatos de investigación: investigación basada en datos empíricos, utilizando metodología y análisis científi ca.

Artículos de revisión/actualización: revisiones sistemáticas y actuales sobre temas relevantes para la línea editorial de la revista.

Relatos de experiencia profesional: estudios de caso, contiendo discusión de implicaciones conceptuales o terapéuticas; descripción de procedimientos o estrategias de intervención de interés para la actuación profesional de la psicología.

Comunicaciones breves: relatos breves de experiencias profesionales o comunicaciones preliminares de resultados de investigación.

Reseñas: revisión crítica de libros recién publicados, orientando el lector cuanto a sus características y usos potenciales.

Aspectos éticos: Todos los artículos implicando investigación con seres humanos deben declarar que los participantes del estudio fi rmaron algún Término de Consentimiento Libre y Esclarecido, de acuerdo con las directrices brasileñas e internacionales de investigación. En el caso de investigación con animales los autores deben atestar que el estudio ha sido realizado de acuerdo con las recomendaciones éticas para este tipo de investigación. Los autores también son solicitados a declarar, en la sección “Método”, que el protocolo de la investigación ha sido previamente aprobado por algún Comité de Ética en Investigación del local de origen del proyecto.

Confl ictos de interés: los autores deben declarar todos los posibles confl ictos de interés (profesionales, fi nancieros, benefi cios directos o indirectos), si es el caso. El fallo en declarar confl ictos de interés puede llevar a la recusa o cancelación de la publicación.

Normas editoriales

1. Serán aceptados solamente trabajos inéditos.

2. El artículo pasará por la apreciación de los Editores.

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3. Seguido de una evaluación inicial, los Editores enviarán para apreciación del Consejo Editorial, que podrá hacer uso de consultores ad hoc de reconocida competencia en el área de conocimiento. La Comisión Editorial y los Consultores ad hoc analizan el artículo, sugieren modifi caciones y recomiendan o no su publicación.

4. Los artículos podrán recibir: a) aceptación integral; b) aceptación con reformulaciones; c) recusa integral. En cualquier de estas situaciones el autor será debidamente comunicado. Los originales, en ninguna de las posibilidades, serán devueltos.

5. El autor del artículo recibirá copia de los pareceres de los consultores. Será informado sobre las modifi caciones que necesiten ser realizadas.

6. En el envío de la versión modifi cada del artículo (en el límite máximo de 15 días después del recibimiento de la notifi cación), los autores deberán incluir una carta al Editor, esclareciendo las alteraciones hechas y aquellas que no juzgaran pertinentes y la justifi cativa. En el texto, las modifi caciones hechas deberán estar destacadas con la herramienta Word “pincel amarillo”. El envío del archivo con las modifi caciones realizadas puede ser realizado por e-mail ([email protected]).

7. Los Editores se reservan el derecho de hacer pequeñas alteraciones en el texto de los artículos.

8. La decisión fi nal sobre la publicación de un manuscrito siempre será del Editor Responsable y del Consejo Editorial, que hará una evaluación del texto original, de las sugerencias indicadas por los consultores y las modifi caciones enviadas por el autor.

9. Los artículos podrán ser escritos en otra lengua además del portugués (español e inglés).

10. Independientemente del número de autores, serán ofrecidos dos ejemplares por trabajo publicado. El archivo electrónico con la publicación en PDF estará disponible en el site www.ulbra.br/psicologia/aletheia.

11. Las opiniones emitidas en los artículos son de entera responsabilidad de los autores, su aceptación no signifi ca que la Revista Aletheia o el Curso de Psicología de la ULBRA le soportan.

12. La materia editada por la Aletheia podrá ser impresa total o parcialmente, des de que obtenida la autorización del Editor Responsable. Los derechos autorales obtenidos por la publicación del artículo no serán repasados para el autor del artículo.

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Presentación de los originales

1) Los artículos inéditos deberán ser enviados en disquete o CD y una vía impresa, digitada en espacio doble, fuente Times New Roman, tamaño 12 y paginado desde la hoja de rostro personalizada. La hoja deberá ser A4, con formatación de márgenes superior e inferior (mínimo de 2,5 cm), izquierda y derecha (mínimo de 3 cm). La revista adopta las normas del Manual de Publicación de la American Psychological Association - APA (4ª edición, 2001).

2) El número máximo de laudas debe atender a la siguiente orientación: Relatos de investigación (25 laudas); Artículos de revisión/actualización (20 laudas); Relatos de experiencia profesional (15 laudas), Comunicaciones breves (5 laudas) y Reseñas de libros (máximo de 5 laudas).

3) Dirección: Toda correspondencia debe ser dirigida a la Revista Aletheia, a la atención del Editor Responsable.

4) Todo manuscrito dirigido a la Revista deberá acompañar una carta de autorización, fi rmada por todos los autores, donde deberá constar:

a) la intención de sumisión del trabajo a la publicación; b) la autorización para reformulación del lenguaje, si necesario; c) la transferencia de derechos autorales para la Revista Aletheia.

5) El artículo debe contener: a) Hoja de portada identifi cada: título del artículo en lengua portuguesa; nombre

de los autores; formación, titulación y afi liación institucional de los autores; resumen en portugués de 10 a 12 líneas; palabras-clave, en el máximo de 3; título del artículo en lengua inglesa; abstract compatible con el texto del resumen; keywords; dirección para correspondencia, incluyendo CEP, teléfono y e-mail.

b) Hoja de portada no identifi cada: título del artículo en lengua portuguesa o castellana; resumen en portugués o castellano, de 10 a 12 líneas, 3 palabras-clave, título del artículo en lengua inglesa, resumen (abstract) en inglés, compatible con el texto del Resumen en lengua original; keywords.

c) Cuerpo del texto. d) Sugiérase que los artículos referentes a Relatos de Investigación presenten la

siguiente secuencia: Título; Introducción; Método (populación/muestra, instrumentos, procedimientos de recogida y análisis de los datos, (incluir en esta sección afi rmación de aprobación del estudio en Comité de Ética en Investigación de acuerdo con la Resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud – Ministerio de Salud o declaración de haber atendido a los criterios de dicha resolución); Resultados; Discusión, Referencias (títulos en letra minúscula y en secciones separadas). Utilizar las denominaciones tablas y fi guras (no utilizar la expresión cuadros y gráfi cas). Dejar las tablas y fi guras

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incorporadas al texto. Tablas: incluyendo título y notas de acuerdo con las normas de la APA. Formato Word – ‘Sencillo 1’. En la publicación impresa la tabla no podrá exceder 11,5 cm de ancho x 17,5 cm de largo. El largo de la tabla no debe pasar de 55 líneas, incluyendo título y notas al pié. Para garantizar cualidad de reproducción, las fi guras que contengan dibujos deberán ser dirigidas en cualidad para fotografía (resolución mínima de 300 dpi). La versión publicada no podrá ultrapasar el ancho de 11,5 cm para fi guras. Anexos: solo cuando tengan información original importante, o destaque indispensable para la comprensión de alguna sección del trabajo. Recomendase evitar anexos.

6) Trabajos con documentación incompleta o no atendiendo las normas adoptadas por la revista (APA, 4ª edición) no serán evaluados.

Normas para citaciones

- Las notas no bibliográfi cas deberán ser puestas al pié de las páginas, ordenadas por números arábicos que deberán fi gurar inmediatamente después del segmento de texto al cual se refi ere a la nota.

- Las citaciones de los autores deberán ser hechas de acuerdo con las normas de la APA (4ª edición).

- En el caso de la cita integral de un texto: debe ser delimitada por comillas y la citación del autor, seguida del año y del número de la página citada. Una cita literal con 40 o más palabras debe ser presentada en bloque propio y en cursiva y sin comillas, empezando en nueva línea, con una retirada de espacio de 5 espacios del margen, en la misma posición de un nuevo párrafo. La fuente será la misma utilizada en el restante del texto (Times New Roman, 12).

• Citación de un autor: autor, apellido en letra minúscula, seguida por el año de publicación. Ejemplo: Rodrigues (2000).

• Citaciones de dos autores: cite los dos autores siempre que sean referidos en el texto. Ejemplo: (Carvalho & Santos, 2000) - cuando los apellidos sean citados entre paréntesis: deben estar separados por &. Cuando sean citados fuera del paréntesis deben ser vinculados pela letra e, en publicaciones en portugués y por la letra y para publicaciones en castellano.

• Citación de tres a cinco autores: citar todos los autores en la primera referencia, seguidos de la fecha del artículo entre paréntesis. A partir de la segunda referencia, utilice el apellido del primero autor, seguido de y cols. Ejemplo: Silva, Foguel, Martins y Pires (2000), a partir de la segunda referencia: Silva y cols. (2000)

• Artículo de seis o más autores: cite solamente el apellido del primero autor, seguido de y cols. (AÑO). En la sección Referencias, todos los autores deberán ser citados.

• Citación de obras antiguas, clásicas y reeditadas: citar la fecha de la publicación original, seguida de la fecha de la edición consultada. Ejemplo: (Kant 1871/1980).

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• Autores con la misma idea: seguir el orden alfabético de sus apellidos y no el orden cronológico. Ejemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).

• Publicaciones distintas con la misma fecha: Añadir letras minúsculas, luego el año de publicación. Ejemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.

• Citación cuya idea es extraída de otra o citación indirecta: Utilizar la expresión citado por. Ej.: Lopes, citado por Martins (2000),...

En la sección Referencias, añadir solamente la fuente consultada (Martins). • Transcripción literal de un texto o citación directa: apellido del autor, fecha,

página. Ejemplo: (Carvalho, 2000, p.45) o Carvalho (2000, p.45).

Normas para referencias

Las referencias bibliográfi cas deberán ser presentadas en el fi nal del artículo. Su disposición debe ser en orden alfabético del último apellido del autor (cuando presente más de uno) y en minúscula. En el caso de autores hispánicos, se puede utilizar la normativa de la APA, y presentar los dos apellidos a la vez, separados por un guión. Ej.: Martínez-Cruz.

Libro Mendes, A. P. (1998). A família com fi lhos adultos. Porto Alegre: Artes

Médicas. Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento

familiar. Porto Alegre: Artes Médicas.

Capítulo de libro Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P.

Papp (Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre: Artmed.

Artículo de publicación periódica científi ca

Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafi os para a formação e atuação profi ssionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121.

Artículos en medios electrónicos

Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível: <http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000.

Artículo de revista científi ca en prensa

Albuquerque, P. (en prensa). Trabalho e gênero. Aletheia.

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Trabajo presentado en evento científi co con resumen en anales

Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científi cas. XXV Reunião Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP.

Tesis o monografía publicada

Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Tesis o monografía no-publicada

Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-escolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Obra antigua y reeditada en fecha muy posterior

Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre: Universal. (Original publicado em 1950).

Autoría institucional

American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.). Washington:Autor

Dirección para el envío de artículos

Universidade Luterana do Brasil

Curso de Psicologia Revista Aletheia Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José Sala 121 - Prédio 01 Canoas/RS – Brasil CEP: 92425-900 E-mail: [email protected]