Alexandre de Moraes · Trata-se de mandado de segurança impetrado por Dilma Vana ... a impetrante...

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49207/2017 – ASJCIV/SAJ/PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF Relator: Ministro Alexandre de Moraes Impetrante: Dilma Vana Rousseff Impetrado: Presidente do Supremo Tribunal Federal na qualidade de Presidente do Senado Federal MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEACHMENT . RELATÓRIO. SENADO FEDERAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PRESI- DENTE DA REPÚBLICA. NÃO RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO. LEI 1.079/1950. ARTS. 10, ITEM 4, E 11. ABOLITIO CRIMINIS. TIPO PENAL GENÉRICO. INFRAÇÃO. LEI ORÇAMENTÁRIA. NORMA PENAL SUBSIDIÁRIA. MUTATIO LIBELLI. IMPU- TAÇÃO. NOVOS FATOS. ACRÉSCIMO. ART. 10, ITENS 6 E 7. PEDIDOS INSUBSISTENTES. 1 – No modelo presidencialista, é reconhecida a via do im- peachment para expurgar da chefia do Poder Executivo pessoa inidônea e descompromissada com o exercício vir- tuoso da primeira magistratura da nação. 2 – O procedimento político-jurídico do impedimento in- sere-se como instrumento de concretização da representa- ção política. A escolha de líderes governamentais, para além de ser a exteriorização de senso de confiança, suscita, de imediato, efeito consubstanciado na submissão do patri- mônio nacional e na espera de que o mandatário gerencie da forma mais competente os meios estatais, de modo a fa- zer cumprir o ordenamento jurídico previamente instalado. 3 – O primado do modelo republicano, ao deferir o poder popular a um governante, dele exige a devida prestação de contas e a conduta impoluta no trato da coisa pública, o que evidencia a presença incontestável de cláusula de res- ponsabilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser aci- Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 13/09/2017 18:54. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave E1BFE9F7.676FDED6.AE22B760.F7A5D111

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Nº 49207/2017 – ASJCIV/SAJ/PGR

Mandado de Segurança 34.371 – DFRelator: Ministro Alexandre de MoraesImpetrante: Dilma Vana RousseffImpetrado: Presidente do Supremo Tribunal Federal na

qualidade de Presidente do Senado Federal

MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEACHMENT. RELATÓRIO.SENADO FEDERAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PRESI-DENTE DA REPÚBLICA. NÃO RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO.LEI 1.079/1950. ARTS. 10, ITEM 4, E 11. ABOLITIO CRIMINIS.TIPO PENAL GENÉRICO. INFRAÇÃO. LEI ORÇAMENTÁRIA.NORMA PENAL SUBSIDIÁRIA. MUTATIO LIBELLI. IMPU-TAÇÃO. NOVOS FATOS. ACRÉSCIMO. ART. 10, ITENS 6 E 7.PEDIDOS INSUBSISTENTES.

1 – No modelo presidencialista, é reconhecida a via do im-

peachment para expurgar da chefia do Poder Executivopessoa inidônea e descompromissada com o exercício vir-tuoso da primeira magistratura da nação.

2 – O procedimento político-jurídico do impedimento in-sere-se como instrumento de concretização da representa-ção política. A escolha de líderes governamentais, paraalém de ser a exteriorização de senso de confiança, suscita,de imediato, efeito consubstanciado na submissão do patri-mônio nacional e na espera de que o mandatário gerencieda forma mais competente os meios estatais, de modo a fa-zer cumprir o ordenamento jurídico previamente instalado.

3 – O primado do modelo republicano, ao deferir o poderpopular a um governante, dele exige a devida prestação decontas e a conduta impoluta no trato da coisa pública, oque evidencia a presença incontestável de cláusula de res-ponsabilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser aci-

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onada sempre que o mandatário agir contra os interessesdo povo que o alçou a tal posição.

4 – É no espírito republicano que se sustenta a criação deespécies legislativas diferenciadas dos crimes comuns parao enquadramento de comportamentos do Presidente da Re-pública ou de seus auxiliares diretos considerados ilícitos.Dessa forma, completo estaria o círculo lógico que en-volve a premissa inicial de que o bem nacional pertence aopovo e somente ao povo; a existência de uma diretriz deampla representatividade com a consequente regra de res-ponsabilidade; um processo específico no qual são subme-tidas as falhas graves do chefe do Poder Executivo e, porfim, a listagem de condutas consideradas nocivas para anação e cuja prática leva à sua defenestração do exercíciodo cargo público. Cumpre, internamente, esse último re-quisito a Lei 1.079/1950.

5 – Sindicabilidade dos temas relacionados ao impeach-

ment pelo Poder Judiciário: destacado o formato polí-tico-jurídico de impeachment adotado no Brasil e comsupedâneo nas premissas daí decorrentes [(a) o escopo doprocesso de impeachment é político, (b) sua institucionali-zação é constitucional e legal, e (c) seu processamento éjurídico e deve submeter-se aos parâmetros constitucional-mente definidos e legalmente fixados, incidindo sobre siprincípios de direito constitucional e de direito processual,em conjunto com regras jurídicas previamente estabeleci-das], conclui-se pelo entendimento de que os atos pratica-dos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal noâmbito de procedimento de impeachment são, sim, sindi-cáveis pelo Poder Judiciário, desde que se alegue violaçãoa direitos e garantias procedimentais e formais assegura-dos pela Constituição da República e lei especial vigentes.

6 – Alegação de não ter sido recepcionado o art. 11 da Lei1.079/1950 pela Constituição Federal de 1988: a ausência

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de prescrição constitucional acerca dos crimes relaciona-dos à guarda e ao emprego dos dinheiros públicos, porcerto, não leva à conclusão de que as condutas a eles liga-das deixaram de receber a censura constitucional. A Cons-tituição Federal, embora não discorra expressamente noart. 85 de condutas ilícitas em relação ao dinheiro públicoe ao patrimônio público, não deixou o assunto sem o ne-cessário regramento. Há inúmeras passagens nos assentosconstitucionais que tratam dos bens públicos, e, em espe-cial, a criação de sistema irrestrito de fiscalização contábil,financeira e orçamentária, operacional e patrimonial daUnião. Como conclusão desse ponto, a exclusão de cláu-sula constitucional relativamente à proteção de dinheiropúblico como substrato fático a ser regulado pelo legisla-dor infraconstitucional não é causa de abolitio criminis.

7 – Alegada não recepção do item 4 do art. 10 da Lei1.079/1950: por constituir listagem de prescrições ilícitaspassíveis de serem praticadas somente por agentes políti-cos com acesso estrito aos elevados instrumentos do poderinstitucional, os crimes de responsabilidade constituemcláusulas mais abertas, tendo em vista o amplo espectro deliberdade gerencial de que goza o mandatário da Repú-blica. Diferem, portanto, dos tipos penais estrito senso, namedida em que esses se enclausuram em sistema de sub-sunção às elementares descritas na conduta tipificada emlei, enquanto os denominados crimes de responsabilidadese dirigem por uma abertura hermenêutica que se reflete nadescrição das infrações, de modo a englobar ofensas quese traduzam em dano à Administração Pública ou queconstituam burla a princípios e valores diretivos da práticaadministrativa.

8 – O tipo penal do art. 10 possui como objetividade jurí-dica a proteção à lei orçamentária e à execução orçamentá-ria, logo, prevê condutas que criminalizam a turbação dos

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mecanismos orçamentários. A amplitude desse tipo penal,longe de ser considerada inconstitucional ou violadora dedireitos processuais do agente político, é cláusula protetivalegítima, válida e apta a ser elemento de incriminação doPresidente da República.

9 – Alegada incidência de mutatio libelli: os fatos que de-ram origem à decisão pela admissibilidade da Câmara dosDeputados também inspiraram a redação do relatório vo-tado no Senado Federal, havendo duas únicas diferenças, oacréscimo de dois tipos penais inscritos nos itens 6 e 7 doart. 10 da Lei 1.079/1950. Trata-se de mera reclassificaçãojurídica dos fatos exaustivamente discutidos em ambas asCasas Legislativas e em nada acrescentados, quer seja pelaCâmara dos Deputados, quer seja pelo Senado Federal.

9 – Parecer pela denegação da ordem.

1. RELATÓRIO

1.1. Síntese dos fatos

Trata-se de mandado de segurança impetrado por Dilma Vana

Rousseff em face da Resolução 35/2016 que, nos termos do art.

52, parágrafo único, da Constituição Federal, aplicou a sanção de

perda do cargo de Presidente da República, de acordo com a sen-

tença lavrada no dia 31 de agosto de 2016, nos autos da Denúncia

1/2016, com trâmite no Senado Federal.

Relata a impetrante que, após extenuante processo político,

primeiramente na Câmara dos Deputados, que concluiu pela ad-

missibilidade do pleito de condenação por cometimento de crime

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de responsabilidade, e, em seguida, pelas inúmeras sessões deli-

berativas do Senado Federal para a instrução do processo e o jul-

gamento da ré, concluiu-se por sua efetiva participação nas

condutas proibidas da Lei 1.079/1950 e, ao final, pela condena-

ção às penas reservadas aos crimes de responsabilidade.

Contudo, a impetrante, insatisfeita com o procedimento ado-

tado pelo Senado Federal e com a inclusão de crimes arrolados

na Lei 1.079/1950 alegadamente não recepcionados pela Consti-

tuição Federal de 1988, busca, inicialmente, a suspensão do ato

coator e, após a análise do mérito, a inexorável anulação da Re-

solução 35/2016 e a cominação do dever ao Senado Federal de

rejulgamento da impetrante.

1.2. Teses da impetrante

De início, a impetrante contextualiza o modelo de impeach-

ment adotado no Brasil, de cunho marcadamente misto, com fei-

ções políticas e jurídicas, e conduz a um paralelo com o sistema

americano, de modo a perquirir quanto aos parâmetros constitu-

cionais para a destituição do chefe do Poder Executivo, sob pena

de desvirtuamento de sua finalidade maior: a correta averiguação

do cometimento de crime de responsabilidade como condição

sine qua non para o afastamento do Presidente da República. Ad-

verte ainda que o sistema presidencialista brasileiro ressente-se

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ainda das abruptas trocas de gestores públicos, sobretudo quando

o último rearranjo político estrutural da nação ocorreu há menos

de trinta anos e, no curso desse modelo de democracia, já é o se-

gundo processo de impedimento vivenciado no país.

Aduz que “se o impeachment puder ser decretado fora dos

limites jurídicos estabelecidos pela Constituição Federal, ao arre-

pio do direito de quem se encontra sob julgamento, a tendência é

de que se converta em grave elemento de desestabilização institu-

cional. Poderá se reproduzir nos estados, convertendo-se em ins-

trumento ordinário de disputa política. Considerando a redução

da arrecadação que ocorrerá em inúmeros estados, decorrência da

crise econômica e fiscal ora em curso, a tendência é que os pro-

blemas orçamentários se proliferem. Em todos os estados em que

o Governador não tiver uma maioria expressiva, haverá o risco

de desestabilização do governo. A perspectiva é de que o impea-

chment se torne epidêmico no Brasil. Ou o direito se impõe sobre

o poder, ou deixaremos de ser um estado de direito”.

Logo, “apenas a limitação do impeachment às hipóteses

constitucionais é capaz de evitar que isso ocorra. A participação do

Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, no diálogo

institucional a propósito da interpretação das cláusulas constituci-

onais sobre o impeachment é fundamental para delimitar a mol-

dura dentro da qual deverá se situar o juízo simultaneamente

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político e jurídico do Senado Federal. A simples observância das

normas procedimentais não é suficiente para garantir a juridici-

dade do julgamento do impeachment. O processo e o julgamento

podem acabar por se converter em mera cerimônia formal: um

jogo de cartas marcadas, desprovido de seriedade, em que já se

sabe de antemão o resultado”. E, “para se garantir um mínimo de

juridicidade, como determina a Constituição Federal, foram defi-

nidas as hipóteses em que o impeachment se justificaria. E nada

impede que o Judiciário, pelo menos, determine quais desses limi-

tes constitucionais permanecem em vigor e quais foram revogados

pela Constituição Federal de 1988”.

Após o breve introito, a impetrante esmiúça as razões que

motivaram a presente impetração.

De forma a embasar a nulidade da decisão coatora, cita, em

primeiro lugar, a não recepção do art. 11 da Lei 1.079/1950 pela

atual Constituição Federal, ante a discrepância com a redação do

art. 85 do texto constitucional.

O julgamento do Senado Federal, concordando com a acu-

sação de abertura ilegal de créditos suplementares sem a devida

autorização do Congresso Nacional, condenou a impetrante às

penas do citado art. 11 da Lei 1.079/1950, cuja objetividade penal

é a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos.

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A sustentar sua tese, afirma a impetrante que o art. 11 não

guarda nenhuma correspondência com o rol veiculado pelo art.

85 da Constituição Federal, cuja listagem se denota como escolha

do legislador constituinte dentre os elementos materiais que dire-

cionam a formação dos tipos penais próprios do crime de respon-

sabilidade. Valendo dizer que, fora dessa lista, o tipo legal é

eivado de inconstitucionalidade.

Acrescenta ainda, a remarcar sua posição pela não recepção,

ser a norma do art. 11 o único item que diferencia a listagem

constitucional do art. 85 da infraconstitucional do art. 4º da Lei

1.079/1950, segundo a qual:

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presi-dente da República que atentarem contra a Constituição Fe-deral, e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judici-ário e dos poderes constitucionais dos Estados;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do país;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públi-cos;

VIII – o cumprimento das decisões judiciárias (Constitui-ção, artigo 89). [O destaque não consta no original.]

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Afirma que “a guarda e o legal emprego dos dinheiros pú-

blicos” é cláusula inserida no corpo da lei pelo art. 89 da Consti-

tuição de 1946. Entretanto, as Constituições posteriores não mais

repetiram esse substrato fático para tipificá-lo como crime de res-

ponsabilidade1, tendo-o por superado, não mais vigorando atual-

mente.

A impetrante explica que a Constituição da República é o

instrumento que explicita as causas determinantes para os crimes

de responsabilidade e pelo qual o legislador ordinário deve

pautar-se para a criação dos respectivos tipos penais, não de-

vendo desbordar de seu figurino originário. Desse modo, “o le-

gislador não pode definir crimes de responsabilidade fora dos

âmbitos materiais constantes do texto constitucional”.

Assim sendo, o silêncio da presente Constituição em relação

a essa hipótese material de crime de responsabilidade, circunstân-

cia que não poderia ser negada pelo legislador ordinário ao dar

concretude ao art. 85, parágrafo único, do texto constitucional,

conduziria a uma verdadeira abolitio criminis, na medida em que

essa conduta, sob a moldura constitucional, seria atípica.

A conclusão proposta pela impetração, diante dessa pre-

missa, é a inconstitucionalidade da abertura do processo de impe-

1 Vide art. 84 da Constituição de 1967.

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achment e do afastamento presidencial com fundamento em hi-

pótese não recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Em segundo lugar, a impetrante defende a não recepção do

item 4 do art. 10 da Lei 1.079/1950, que está definido nos seguin-

tes termos:

Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orça-mentária: […]

4 – infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivoda lei orçamentária.

A autora parte da tese de que o art. 85 da Constituição Fede-

ral, dentre os possíveis comportamentos irregulares de um Presi-

dente da República, elegeu as condutas que atentassem

frontalmente contra as normas constitucionais. “Dessa dicção,

deduz-se claramente que não são quaisquer condutas, ainda que

ilegais, que podem ser classificadas como crime de responsabili-

dade, mas aquelas graves o suficiente a ponto de representarem

um atentado contra o texto constitucional”, já que, “dentre as con-

dutas capazes de violar as leis orçamentárias, há meras irregulari-

dades sanáveis, irregularidades insanáveis, ilegalidades,

inconstitucionalidades e, por fim, ‘atentados contra a Constitui-

ção’. As violações a leis orçamentárias perpetradas pelos gover-

nantes podem ser reprimidas pelos órgãos internos de controle,

pelos tribunais de contas, pelo Judiciário, pelo Legislativo. Apenas

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as violações a leis orçamentárias que configurem ‘atentado contra

a Constituição’ devem ser reprimidas pelo Senado Federal, por

meio do impeachment do Presidente da República”.

Diante dessa gradação de comportamentos, é imperioso, se-

gundo a petição inicial, que o tipo penal descrito na norma legal

contenha elementos mínimos que possam dar a mínima segu-

rança ao intérprete da lei quanto à sua aplicabilidade. Tipos pe-

nais excessivamente abrangentes, que confiram grande

discricionariedade ao julgador e não definem com a necessária

precisão as condutas materiais elementares dos crimes de respon-

sabilidade, são gravemente inconstitucionais, por violarem a le-

galidade penal e as garantias protetivas dos litigantes em

processo penal.

Na linha da petição inicial, a redação do tipo penal em foco

foi construída com termos excessivamente genéricos, o que dá ao

julgador vasto espaço interpretativo e ampla discricionariedade

para acolher ou não os termos da acusação, permitindo ao Con-

gresso, “sempre que considerar conveniente e oportuno sob o

prisma político, promover o impeachment do Presidente da Repú-

blica”. Dessa forma, “para evitar que o processo de impeachment

se converta em instrumento de usurpação de mandatos concedi-

dos ao povo, é necessário que o Senado Federal realize o julga-

mento aplicando hipóteses previamente definidas no texto legal,

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e definidas com clareza, de modo que as esferas do proibido e do

permitido possam efetivamente ser conhecidas previamente”,

uma vez que “a Constituição, enfaticamente, afastou a possibili-

dade de julgamentos simplesmente políticos”.

Busca comprovar a construção excessivamente genérica do

tipo do art. 10, item 4, da lei do impeachment a partir da promul-

gação da Lei 10.028/2000, que, ao introduzir as figuras penais

dos itens 5 a 12 do art. 10, especificou novas condutas a partir de

novos elementos descritivos do tipo.

Ademais, alega que o esmiuçamento das condutas infratoras

à lei orçamentária pela citada Lei 10.028/2000 retirou do apon-

tado item 4 qualquer sentido em existir, já que a prescrição de

condutas mais específicas e pontuais tornaria ilógica a permanên-

cia de um tipo penal tão vasto e abrangente. Ou ainda, em sentido

inverso, caso se mantivesse eficaz tal norma, nenhuma outra,

nem aquelas introduzidas pela Lei 10.028/2000, poderiam incidir

por serem consideravelmente restritivas, ante a abrangência do

alcance da norma impugnada.

Diante dessa antinomia interpretativa, a impetrante conclui

pela insubsistência do tipo penal referido. E, continua, mesmo

que prevalecente, seus termos abraçariam um sem-número de

comportamentos aptos a acionar os mecanismos do impedimento,

a ponto de enfraquecer gravemente o mandato presidencial, agra-

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var as disfunções do presidencialismo de coalizão e retirar a im-

portância do momento mais fundamental da democracia brasi-

leira: a eleição direta do Presidente da República pelo povo. Em

outras palavras, a ausência de definição inequívoca das práticas

presidenciais reprováveis equivaleria à moção de desconfiança,

segundo a impetração.

Antevê ainda, nesse ambiente de grave instabilidade polí-

tica, repercussões negativas nos estados e nos municípios, dado

que, mantida a redação do item 4 do art. 10, “o impeachment se

converterá em instrumento de política ordinária, não da política

constitucional, produzindo efeitos sistêmicos de máxima gravi-

dade no sentido da desestabilização dos governos”.

Além das inconstitucionalidades originárias, a petição ini-

cial, por fim, arrola as incongruências entre o relatório votado

pela Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Jo-

vair Arantes, que ensejou a admissibilidade da acusação contra a

impetrante, e o relatório submetido à apreciação do Senado Fede-

ral, da lavra do Senador Antonio Anastasia, que, sob a ótica da

defesa, fizeram por introduzir fatos novos à peça acusatória, im-

plicando, por conseguinte, ofensa aos princípios do devido pro-

cesso legal, do contraditório e da ampla defesa. Afirma, portanto,

a impetrante, ter havido verdadeira mutatio libelli por parte do re-

lator do processo de impedimento no Senado Federal.

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Destaca que a inserção de novos fatos se consubstancia na

alteração do tipo penal incriminador descrito no item 6 do art. 10

da lei do impeachment, cuja redação está assim disposta:

Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orça-mentária: […] 6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desa-cordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal,sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adici-onal ou com inobservância de prescrição legal; (Incluídopela Lei nº 10.028, de 2000). [Destaque acrescido].

Defende que “a descrição legal da suposta conduta da Sra.

Presidenta emprega os verbos ordenar ou autorizar a abertura de

crédito […]” e “[…] que os verbos destacados são relacionados à

ação ou omissão incidente na atividade bancária. Trata-se de

‘abertura de crédito’, ato próprio da instituição financeira: não da

União, que, segundo as imputações constantes da inicial, seria to-

madora do crédito! Quem abre o crédito é a instituição finan-

ceira. Ocorre que, de acordo com os relatórios aprovados e com a

própria instrução probatória, a União, em tese, teria tomado irre-

gularmente o crédito: hipótese da qual a impetrante se defendeu

durante o processo”.

O fato novo, portanto, seria a acusação que pesaria sobre a

impetrante de ter autorizado ou ordenado a abertura de crédito

para a própria União, o que, segundo dicção da defesa, não teria

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sido objeto, em momento algum, da instrução processual no par-

lamento. Ao revés, a acusação, em todas as oportunidades, reite-

rou as imputações ligadas à realização de operação de crédito,

sob o enfoque dos atrasos de pagamento da União à instituição fi-

nanceira federal.

Em sua ótica, insiste em que a alteração promovida no âm-

bito da Casa julgadora do mérito do impeachment não é de menor

importância, já que implicou subtração de diversas oportunidades

para a produção probatória, restando violados o art. 383 do Có-

digo de Processo Penal2 e os arts. 103 e 1414, ambos do Código

de Processo Civil em vigor, e, por via de consequência, modifi-

cou os parâmetros fáticos incluídos no relatório produzido pelo

Deputado Jovair Arantes, que circunscreveu as acusações a dois

fatos principais: a abertura de créditos sem autorização do Con-

gresso Nacional e a contratação ilegal de operações de crédito

com instituição financeira controlada pela União.

2 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnciaou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, emconsequência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Leinº 11.719, de 2008).

3 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com baseem fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportuni-dade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva deci-dir de ofício.

4 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes,sendo--lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a leiexige iniciativa da parte.

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

A defesa da impetrante também não se conforma com o

acréscimo de alegadas novas imputações delituosas, que foram re-

cepcionadas pelo relatório do Senador Antonio Anastasia a partir

da capitulação penal fornecida pelo art. 10, item 7, da Lei

1.079/1950. Nas palavras da defesa da requerente:

Os denunciantes, em sua inicial, imputaram à Impetrante apretensa “contratação” de operações de crédito vedadaspela Lei de Responsabilidade Fiscal ao longo do ano de2015. Valendo-se da opinião do Tribunal de Contas daUnião, sustentam que o suposto atraso no pagamento desubvenções devidas pela União ao Banco do Brasil, no âm-bito do Plano Safra, teria se transformado em um “contratode mútuo” ou “assemelhado”, proibido pela legislação emvigor. São estes os pretensos fatos jurídicos delituosos quegeram a imputação no caso das impropriamente denomina-das “pedaladas fiscais”. É o que se verifica na denúnciaparcialmente recebida pelo então Presidente da Câmara,Eduardo Cunha […].Ao ver dos denunciantes, o fato de ter ocorrido um supostoatraso de pagamentos das subvenções devidas no âmbito doPlano Safra, a partir do momento em que se configurou estenão adimplemento obrigacional, passou a qualificar juridi-camente o nascimento de “operação de crédito”, no ano de2015, entre a União e uma instituição bancária por ela con-trolada (Banco do Brasil). Esta “operação de crédito”,sendo vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, teriaconfigurado a hipotética prática de crime de responsabili-dade fiscal, justamente por ter sido “contraída” ao longo doprimeiro ano do mandato em curso da ora Impetrante. […]Por força do art. 86, § 4º, da Constituição Federal, e do de-cidido pelo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, a den-úncia por crime de responsabilidade apenas abarcou fatosocorridos no ano de 2015. Foi, aliás, por esta razão que ou-

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tros atrasos de pagamento de subvenções (“pedaladas fis-cais”) verificados antes do início desse ano (2015), apesarde também caracterizarem operações de crédito ao ver dosdenunciantes, não puderam integrar o objeto deste processode impeachment. Os fatos denunciados dizem respeito ex-clusivamente a supostas “operações de crédito” aperfeiçoa-das ou nascidas no ano de 2015. As alegadas operações decrédito cujo nascimento jurídico se deu em momento ante-rior ao dia 1º de janeiro de 2015, portanto, foram excluídas,em qualquer perspectiva, das acusações discutidas nestesautos.Essa conclusão foi integralmente encampada e reproduzidapelo relatório do Deputado Jovair Arantes, aprovado pelaComissão e pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A Im-petrante deveria ser responsabilizada exclusivamente pelofato de ter contraído (contratado) “operações de crédito” aolongo do ano de 2015. Foi exatamente por circunscrevereste objeto da denúncia que o relatório do Deputado JovairArantes optou por imputar à Sra. Presidenta da República,exclusivamente, a tipificação estabelecida no art. 11, item3, da Lei n. 1.079, de 1950. O relatório ignorou todas as ou-tras tipificações legais suscitadas pelos denunciantes para ocaso das denominadas “pedaladas fiscais”.No relatório aprovado pela Câmara dos Deputados, a exem-plo do ocorrido no despacho de recebimento parcial da den-úncia, não se mencionou absolutamente nada acerca desupostas operações de crédito contraídas em anos anterio-res, cujo saldo permanecia em aberto durante o ano de2015. O delito imputado foi unicamente o de “contrair”,por meio de atrasos de pagamento verificados exclusiva-mente ao longo daquele ano, estas pretensas “operações decrédito”. O corte temporal feito por este relatório foi, comose pode constatar pela sua simples leitura, o ano de 2015.[…] Portanto, nunca houve nenhuma dúvida acerca da imputa-ção dirigida contra a Sra. Presidenta da República no casodas supostas “pedaladas fiscais”. Atribuía-se a esta autori-

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dade presidencial, unicamente, o crime de responsabilidadepor ter a União “contratado” supostas operações de créditoao longo do ano de 2015, com o Banco do Brasil, tipifi-cando-se o delito nos exclusivos termos do art. 11, item 3,da Lei n. 1.079, de 1950. Esta “contratação”, observemos,teria se “aperfeiçoado”, juridicamente, no exato momentoem que teria se verificado o não pagamento, ou mesmo o“atraso” de pagamento, em repasses do Tesouro Nacionalao Banco do Brasil, no que concerne à equalização de taxasde juros relativas ao Plano Safra, atinentes unicamente aoexercício de 2015.Todavia, nas suas alegações finais, buscaram os denuncian-tes introduzir no objeto do processo novas imputações deli-tuosas. Sustentaram que seria dever da Presidente daRepública, logo no início de 2015, saldar as dívidas contra-ídas em anos anteriores. Ao não fazê-lo no início de 2015,estaria incorrendo na hipótese prevista no artigo 10, VII, daLei 1.079/50. Além de ter a União “contraído” indevida-mente empréstimos com o Banco do Brasil durante o anode 2015 (atraso no pagamento de subvenções exigidosneste ano), a Sra. Presidenta da República ainda seria res-ponsável:a) pelo fato da União não ter pago, em 2015, “operações decrédito contraídas em anos anteriores”. Isto, agora, haveriade implicar em nova tipificação da sua conduta, em face doaprovado pelos Plenários da Câmara e do Senado Federal.A imputação deveria se dar, de acordo com o sustentado,com base no delito previsto no art. 10, item 8, da Lei n.1.079/1950;b) pelo fato da União ter pago de forma ilegal as subven-ções ao Banco do Brasil (pagamento parcial), em decorrên-cia de ter procedido a uma desvinculação ilícita de recursospor meio da Medida Provisória n. 704/2015. Isto implicariatambém em conduta passível de ser tipificada com base nomesmo art. 10, item 8, da Lei n. 1.079/1950.Esses hipotéticos fatos delituosos e essa tipificação nuncasustentaram a pretensão punitiva deduzida neste processo,

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até o momento da pronúncia e do posterior julgamento.Trata-se, na verdade, de uma nova imputação dirigida con-tra a chefe do Executivo, e não de uma nova valoração jurí-dica feita a partir dos mesmos fatos. Nada obstante, foirecepcionada pelo relator, Senador Anastasia, que incluiu anova imputação em seu relatório: “Além disso, existemparcelas do montante indicado na primeira linha da tabelacujo atraso remonta na realidade a dezembro de 2008(DOC 57, p. 185). Em síntese, se por um lado falamos deatraso mínimo de seis meses, por outro é possível apontarque, no conjunto de parcelas devidas e não pagas, incluem-se algumas com prazos muito mais longos, superiores a seisanos”.Em síntese: o que vinha sendo sustentado com absoluta cla-reza na denúncia autorizada pela Câmara dos Deputados eadmitida pelo Senado Federal, era apenas a acusação deque o pretenso atraso no pagamento das subvenções doPlano Safra, devidas durante o exercício de 2015, teriadado origem a “contratação, naquele mesmo ano, de umaoperação de crédito entre a União e o Banco do Brasil”,proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Nada mais.Como, porém, o artigo 11 da Lei n. 1.079 não foi recepcio-nado pela Constituição Federal de 1988, os denunciantes,para poder sustentar a pertinência da aplicação de outropreceito legal (o artigo 10, VII, da Lei 1.079), agregaramesse fato novo. Cuida-se, também, de evidente mutatio li-

belli. […]Claro, assim, que a partir da modificação dos fatos que in-tegravam o objeto da acusação pertinente às denominadas“pedaladas fiscais”, veio a propor o Sr. Relator AntônioAnastasia também a nova tipificação (art. 10, item 7, da Lein. 1.079, de 1950). A mutatio libelli jamais poderá ter omesmo tratamento processual de uma simples emendatio

libelli, por força do princípio processual penal que exige acorrelação entre a acusação e a sentença. E esta exigêncianão se dá por mero apego à forma, em detrimento do conte-údo. Se dá por ser uma inexorável decorrência dos princí-

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pios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art.5º, LV, da Constituição Federal). Se não há alteração nosfatos que formam o objeto da acusação, a qualificação jurí-dica é livre, posto que é em relação a eles que o acusadoapresenta a sua defesa (emendatio libelli). Mas se os fatossão alterados (mutatio libelli), o acusado tem o direito deofertar sua defesa em relação a eles, apresentando a suacontrariedade e as provas que entender cabíveis.

Ao final, veicula pedido liminar para que seja determinada

“a suspensão, de imediato, dos efeitos da decisão do Senado Fe-

deral que condenou por crime de responsabilidade a Presidenta

da República, ora Impetrante, com o consequente restabeleci-

mento da situação de interinidade do Vice-Presidente da Repú-

blica, até o julgamento final do mérito do presente mandado de

segurança enquanto não transitar em julgado o presente manda-

mus”.

Quanto ao mérito, pede “a) a confirmação da ordem liminar

deferida e a anulação do ato coator, de modo que seja invalidada

a decisão do Senado Federal que condenou a Impetrante Dilma

Vana Rousseff no bojo do processo de impeachment, bem como

todos os atos posteriores dele decorrentes; b) a declaração, inci-

denter tantum, de não recepção (ilegitimidade constitucional) do

art. 10, item 4, e art. 11 da Lei nº 1.079, de 1950; c) a realização

de novo julgamento da Impetrante pelo Senado Federal, excluí-

dos dessa vez (1) os dispositivos da Lei n. 1.079/50 não recepcio-

nados pela Constituição Federal (art. 11 e art. 10, item 6); bem

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como (2) os fatos novos acrescidos posteriormente ao recebi-

mento da denúncia e à instauração do processo no Senado, a sa-

ber: (2.1) a imputação de que a Impetrante seria responsável, em

nome da União, não só por contrair empréstimos de bancos pú-

blicos, mas também por determinar aos bancos públicos a aber-

tura dos respectivos créditos ou por deixar de impedir que o

fizessem; (2.2) a imputação de que a impetrante seria responsável

por não saldar dívidas contraídas anteriormente a 2015; d) a inti-

mação da autoridade coatora para que convoque nova sessão do

Senado Federal em que será realizado novo julgamento da Impe-

trante, sanadas as inconstitucionalidades e ilegalidades aponta-

das”.

Note-se que houve a distribuição de petição avulsa que noti-

cia erro no protocolo da primeira petição inicial (datada de

1º/9/2016, às 00:40:38) e apresenta aditamento à petição inicial

(datada de 1º/9/2016, às 11:29:15).

Distribuídos os autos, o Ministro Relator, TEORI ZAVASCKI, à

falta de plausibilidade jurídica aos fundamentos apresentados na

impetração, indeferiu o pedido liminar, solicitando as informa-

ções da autoridade coatora e concedendo vista ao Procu-

rador-Geral da República.

Apresenta pedido de ingresso nos autos como amici curiae

o Deputado Federal Jean Wyllys de Matos Santos e o Partido da

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Causa Operária (PCO). O parlamentar defendeu em sua peça de

ingresso os seguintes pontos: (I) a sua legitimidade para figurar

como amigo da Corte, ante a relevância do tema e a transcendên-

cia de interesses meramente subjetivos5; (II) o reconhecimento do

STF em relação à natureza penal dos crimes de responsabilidade,

o que impõe, como nos demais tipos penais, a aplicação do prin-

cípio da taxatividade (lex certa) e o da tipicidade estrita; (III) a

possibilidade jurídica de declaração de inconstitucionalidade do

impeachment decretado sem a presença de crimes de responsabi-

lidade; (IV) a atipicidade das denominadas “pedaladas fiscais”, já

que mora obrigacional não constituiria operação de crédito e (V)

não recepção do tipo penal ligado à infração da lei orçamentária

pelo atual texto constitucional.

A agremiação partidária, por sua vez, deduziu as seguintes

teses: (I) a legitimidade e a representatividade adequada do par-

5 Argumenta que “[…] ao passo que as minorias e grupos vulneráveis têmnecessitado, e muito, da jurisdição constitucional para garantia de seusdireitos em um Estado Democrático de Direito. Provam isto os históricosjulgamentos da ADPF 132/ADI 4277 (união estável homoafetiva), ADPF187 (cotas raciais e sociais), ADPF 54 (interrupção da gravidez de fetosanencéfalos), ADI 5357 (não discriminação de pessoas com deficiêncianas mensalidades escolares) etc. Nesse sentido, um parlamentar atuantena defesa de tais grupos tem total interesse e representatividade para seopor à verdadeira quebra da legalidade constitucional perpetrada por esteprocesso de ‘impeachment’. Senão pelos demais fundamentos supra,sendo a defesa do Estado Democrático de Direito indispensável à defesade minorias e grupos vulneráveis na atualidade, um parlamentar engajadonessa pauta à toda evidência tem representatividade adequada para atuarno presente caso por esse viés”.

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tido político para participar do debate estabelecido nos presentes

autos; (II) a configuração dos crimes de responsabilidade como

inseridos no ramo do Direito Penal; (III) a não recepção dos cri-

mes de responsabilidade em razão da abolitio criminis promo-

vida pela Constituição Federal de 1988 e pela violação do

princípio da taxatividade; (IV) o equívoco do ex-Deputado Fede-

ral Eduardo Cunha quanto à recepção da denúncia; (V) a possibi-

lidade jurídica de declaração de inconstitucionalidade de

impeachment decretado sem a presença de crimes de responsabi-

lidade; (VI) a atipicidade penal das denominadas “pedaladas fis-

cais”; (VII) a não recepção do tipo penal referente à infração da lei

orçamentária e (VIII) a perda do objeto quanto à acusação de vio-

lação da lei orçamentária.

1.3. Informações da autoridade coatora

As informações da autoridade coatora, em síntese, apontam

as seguintes premissas em defesa do ato: (I) a ilegitimidade da

impetração, dado o fato de que o impeachment integra o processo

legislativo, tornando o controle judicial possível somente em si-

tuações excepcionais; (II) a ilegitimidade da apontada autoridade

coatora, Presidente do Senado Federal, uma vez que o julga-

mento foi presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Fede-

ral, tal como demonstra a jurisprudência do Supremo Tribunal

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Federal citada; (III) a inexistência de direito líquido e certo à revi-

são do julgamento senatorial; (IV) a insindicabilidade da delibera-

ção levada a efeito pelo Senado Federal em julgamento de crimes

de responsabilidade de autoria do Presidente da República, tendo

em conta o caráter de ato interna corporis; (V) a decadência do

direito à via mandamental diante do fato de que a admissão da

acusação da Câmara contendo as irregularidades apontadas na

presente peça ocorreu no dia 17 de abril e o mandamus foi ajui-

zado apenas no dia 1º de setembro de 2016, superando, assim, o

prazo legal que faculta a utilização do instrumento mandamental;

(VI) a constitucionalidade do art. 10, item 4, e do art. 11, ambos

da Lei 1.079/1950 e (VII) a inocorrência de qualquer mutatio li-

belli no âmbito do processo de impedimento.

Esses, em síntese, os fatos de interesse. Os autos vieram à

Procuradoria-Geral da República para a confecção de parecer.

2. PRELIMINAR

Preliminarmente, importa tecer alguns comentários sobre o

ingresso do Deputado Federal Jean Wyllys de Matos Santos e do

Partido da Causa Operária como amici curiae nos presentes au-

tos, com o auxílio da jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-

ral, que, a contento, já respondeu a situações semelhantes.

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Há registros acerca do descabimento dessa espécie de inter-

venção em mandado de segurança, tal como reafirmado nos se-

guintes julgados: MS 33.802, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe

5 abr. 2016; MS 29.192, Primeira Turma, Relator Ministro DIAS

TOFFOLI, DJe 9 out. 2014; SS 3.273 AgR-segundo, Tribunal

Pleno, Relatora Ministra ELLEN GRACIE (Presidente), DJe 16 abr.

2008; MS 29.129, Relator Ministro TEORI ZAVASCKI, DJe 10 abr.

2012.

O fundamento consagrado da orientação é que, nos termos

do art. 19 da Lei 1.533/1951, no procedimento revogado do man-

dado de segurança, a intervenção de terceiros limitava-se ao ins-

tituto do litisconsórcio, não sendo admitida a assistência6. Na

mesma linha, o art. 10, § 2º, da Lei 12.016/2009, atual diploma

de regência do mandado de segurança individual e coletivo,

dispõe que o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido

após o despacho da petição inicial. Argumenta-se, ademais, que a

Lei 9.868/1999 se refere apenas a processos de índole eminente-

mente objetiva, como os de controle normativo abstrato, não aos

de natureza subjetiva, como o mandado de segurança7.

6 Nesse sentido: RE 575.093, Tribunal Pleno, Relator Ministro MARCO

AURÉLIO, DJe 2 fev. 2011. 7 Já houve, contudo, decisão admitindo a intervenção de amicus curiæ em

recurso extraordinário. Nesse sentido: RE 415.454, Relator MinistroGILMAR MENDES, DJ 26 out. 2007.

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A própria descrição do verbete amicus curiae apresentada

no Glossário Jurídico8 do Supremo Tribunal Federal define-o

como modalidade de intervenção assistencial, cabível em proces-

sos de controle de constitucionalidade, reforçando-se, assim, o

entendimento perfilhado pela Corte. Confira-se:

Amicus Curiæ Descrição do Verbete: “Amigo da Corte”. Intervenção as-sistencial em processos de controle de constitucionalidadepor parte de entidades que tenham representatividade ade-quada para se manifestar nos autos sobre questão de direitopertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dosprocessos; atuam apenas como interessados na causa. Plu-ral: amici curiae (amigos da Corte).

Essa orientação deve permanecer mesmo diante do Código

de Processo Civil atualmente em vigor, que assim disciplina a in-

tervenção do amicus curiae:

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância damatéria, a especificidade do tema objeto da demanda oua repercussão social da controvérsia, poderá, por decisãoirrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou dequem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a partici-pação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade es-pecializada, com representatividade adequada, no prazode 15 (quinze) dias de sua intimação.

§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica altera-ção de competência nem autoriza a interposição de recur-

8 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533>. Acesso em: 24 abr. 2017.

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sos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e ahipótese do § 3º.§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ouadmitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar oincidente de resolução de demandas repetitivas. [Destaques

acrescidos.]

De fato, o art. 138, ao tratar da intervenção de terceiros, dis-

ciplinou a figura do amicus curiae, levando a crer que, a partir de

então, o instituto deixou de ser uma exclusividade das ações de

controle concentrado e do procedimento de edição, revisão ou

cancelamento de enunciado da súmula vinculante, da análise da

existência da repercussão geral e do julgamento do recurso espe-

cial representativo da controvérsia9. Contudo, cabe aqui a ponde-

ração de Paulo Cézar Pinheiro Carneiro:

[…] a partir da vigência do novo Código de Processo Civil,o terceiro só poderá ser admitido como amicus curiae porforça de legislação extravagante se guardar as característi-cas estabelecidas no novo CPC, como examinadas anterior-mente. Caso contrário, esse terceiro interveniente não teráessa qualidade, podendo ser enquadrado como assistente,litisconsorte ou mesmo em outra categoria de intervençãode terceiros, mas não como amicus curiae. Enfim, é umaquestão de opção legislativa que pode ou não agradar, e en-quanto não modificada deve ser observada, tal como preco-nizada no novo CPC.10

9 Art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999; art. 3º, § 2º, da Lei 11.417/2006; arts. 543-A, § 6º, 543-C, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973, respectiva-mente.

10 CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao

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Antes mesmo do novo Código de Processo Civil, a figura do

amicus curiae gozava de regulamentação na legislação pátria11,

que já prescrevia os requisitos da “relevância da matéria” e da

“representatividade dos postulantes”, e tal previsão convivia per-

feitamente com a vedação da admissibilidade do amigo da Corte

em mandados de segurança. A título de ilustração, o art. 7º, § 2º,

da Lei 9.868/1999, que regula a Ação Direta de Inconstitucionali-

dade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, dispõe que:

Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no pro-cesso de ação direta de inconstitucionalidade. […] § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e arepresentatividade dos postulantes, poderá, por despachoirrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafoanterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.[Destaque acrescido.]

Por conseguinte, o CPC não tem, per se, o condão de alterar

o entendimento predominante, no sentido de se vedar o ingresso

do amicus curiae na via mandamental.

novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016,p. 248.

11 Está disciplinado no art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, que regula a AçãoDireta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionali-dade no processo de controle de constitucionalidade; no art. 14, § 7º, daLei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais), ao tratar do inci-dente de uniformização de Jurisprudência; e no art. 3º, § 2º, da Lei11.417/2006, que regulamenta a edição, revisão e cancelamento das sú-mulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.

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É bem verdade que o rigor do entendimento jurisprudencial

que veda o ingresso de amicus curiae no mandado de segurança

já havia sido abrandado em casos de eficácia transubjetiva da

impetração, ou seja, em situação na qual a concessão da ordem

tinha o condão de obstar o processo legislativo, cujo resultado se-

ria a aprovação de lei geral e abstrata, portanto, aplicável a todos

(MS 32.033, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJe 3 jun. 2013),

ou naquela em que discutida a equivalência salarial e os reajustes

nos proventos de juízes classistas (RMS 25.841, Relator Ministro

GILMAR MENDES, DJe 14 jan. 2011).

Ainda que se reconhecesse apta a intervenção de amicus cu-

riae no mandado de segurança, não implicaria, todavia, admiti-la

em toda e qualquer situação. Seria necessário verificar, casuisti-

camente, a conveniência de tal intervenção, mediante o atendi-

mento dos requisitos processuais.

No presente caso, em que pese estar em discussão suposto

direito líquido e certo da Presidente da República, são indubitá-

veis “a relevância da matéria”, “a especificidade do tema objeto

da demanda” e “a repercussão social da controvérsia”, porquanto

a impetração trata do impeachment da Chefe do Executivo Fede-

ral. Não está demonstrada, contudo, a “representatividade ade-

quada” (adequacy of representation) dos requerentes.

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

A respeito daquele requisito no direito processual brasileiro,

leciona FREDIE DIDIER JR.:

O amicus curiae pode ser pessoa natural, pessoa jurídica ouórgão ou entidade especializado. A opção legislativa éclara: ampliar o rol de entes aptos a ser amicus curiae.Exige-se, porém, que tenha representatividade adequada

(art. 138, caput, CPC). Ou seja, o amicus curiae precisa teralgum vínculo com a questão litigiosa, de modo a quepossa contribuir para a sua solução.A adequação da representação será avaliada a partir da rela-ção entre o amicus curiae e a relação jurídica litigiosa.Uma associação científica possui representatividade ade-quada para a discussão de temas relacionados à atividadecientífica que patrocina; um antropólogo renomado podecolaborar, por exemplo, com questões relacionadas aos po-vos indígenas; uma entidade de classe pode ajudar na solu-ção de questão que diga respeito à atividade profissionalque ela representa etc.A propósito, o enunciado n. 127 do Fórum Permanente deProcessualistas Civis: “A representatividade adequada exi-gida do amicus curiae não pressupõe a concordância unâ-nime daqueles a quem representa”12.

Não se nega a relevância dos parlamentares nem dos parti-

dos políticos no sistema político brasileiro. Os deputados federais

são representantes populares, democraticamente eleitos em seus

Estados. Integram a Câmara dos Deputados, Casa Legislativa a

quem incumbe, nos termos do art. 86 da Constituição Federal, a

admissão da acusação contra o Presidente da República. Os parti-

12 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: Jus-podivm, 2015, v. 1, p. 523.

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

dos políticos, por sua vez, são entidades cuja razão de existir é

contribuir para a representatividade política do cidadão e dar voz

aos diversos estamentos da sociedade, seja por sua atuação no

conjunto dos representantes eleitos, seja por sua capacidade de

congregar vontades e interesses comuns no constante exercício

de sufrágio e da cidadania.

Ocorre que, mesmo possuindo, em decorrência das funções

exercidas, relação com a matéria em debate no writ e mesmo inte-

resse no tema em pauta, não está demonstrada a efetiva possibili-

dade de colaboração dos requerentes para o deslinde do feito,

requisito também imprescindível para a admissão do amicus cu-

riae.

O escopo precípuo da intervenção do amicus curiae consiste

“na pluralização do debate constitucional, com vistas a municiar

a Suprema Corte dos elementos informativos possíveis e necessá-

rios ou mesmo trazer novos argumentos para o deslinde da con-

trovérsia, superando, ou senão amainando, as críticas

concernentes à suposta ausência de legitimidade democrática de

suas decisões” (ADI 4.300, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe 3 set.

2013).

É relevante essa reflexão sobre a funcionalidade para o caso

concreto do possível auxílio a ser fornecido, porquanto o acata-

mento do ingresso sem um balizamento sério acabará por permi-

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

tir a transformação do presente processo judicial em procedi-

mento multitudinário, inutilizando o esforço do legislador do

CPC em permitir a influência da expertise de particulares com o

exclusivo fim de municiar o julgador de dados e informações que

efetivamente auxiliem no desempenho da função jurisdicional.

Ausente o nexo de causalidade entre as finalidades instituci-

onais dos postulantes e o objeto do mandado de segurança, deve

ser indeferido o pedido de ingresso como amicus curiae.

Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-

ral, conforme se extrai do seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE

HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE

NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DA

PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO

ACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A

RECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiçaque, embora possa deter algum interesse no desfecho dademanda, não se vincula processualmente ao resultadodo seu julgamento. É que sua participação no processoocorre e se justifica, não como defensor de interesses pró-prios, mas como agente habilitado a agregar subsídios quepossam contribuir para a qualificação da decisão a ser to-mada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no pro-cesso se dá, portanto, em benefício da jurisdição, nãoconfigurando, consequentemente, um direito subjetivoprocessual do interessado. 2. A participação do amicus

curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supre-mo Tribunal Federal possui, nos termos da disciplina legale regimental hoje vigentes, natureza predominantementeinstrutória, a ser deferida segundo juízo do Relator. A deci-

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

são que recusa pedido de habilitação de amicus curiae

não compromete qualquer direito subjetivo, nem acar-reta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência aorequerente, circunstância por si só suficiente para justi-ficar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimida-de recursal ao preterido. 3. Embargos de declaração nãoconhecidos (ADI 3460 ED, Relator Ministro TEORI

ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe 12 mar. 2015). [Destaques

acrescidos.]13

Feitas essas considerações, recomenda-se o indeferimento

de ambos os pedidos de ingresso como amici curiae.

3. MÉRITO

3.1. Delineamento do instituto do impeachment

Ultrapassada a análise sobre a admissão da intervenção anô-

mala, importa lançar olhar sobre o ato coator e o contexto em que

foi produzido no parlamento.

No modelo presidencialista, é reconhecida a via do impea-

chment para expurgar da chefia do Poder Executivo pessoa inidô-

nea e descompromissada com o exercício virtuoso da liderança

da nação. Suas raízes firmaram-se na monarquia britânica. A par-

tir daquela experiência insular é que foi acolhido pela Constitui-

ção norte-americana, conforme seu artigo II, seção 414.

13 No mesmo sentido: ADI 5022 Agr, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Tri-bunal Pleno, DJe 18 dez. 2014.

14 Artigo II, Seção 4: “O Presidente, o Vice-Presidente e todos os funcioná-rios civis dos Estados Unidos serão afastados de suas funções quando

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

No Reino Unido, o julgamento de Lorde William Latimer,

pela Casa dos Comuns, em 1376, delineou a competência do par-

lamento e a atuação de cada uma das suas casas no processo, bem

como sua natureza política15. O impeachment servia então como

meio de limitar a autoridade do rei, mediante a sindicabilidade

dos seus ministros e outros dignitários. À medida que o parla-

mentarismo se consolidava, e com ele o uso do voto de desconfi-

ança, o impeachment passou a ser considerado obsoleto em terras

britânicas, e o último caso foi julgado em 1806, ocasião em que o

parlamento britânico declarou a responsabilidade de Henry Dun-

das, 1º Visconde de Melville, por corrupção.

Em meticuloso artigo sobre o tema, MARCUS FAVER16 delineou

as reentrâncias históricas do impeachment e trouxe à luz as cir-

cunstâncias em que foram transplantadas de um sistema jurídico

para outro, até a sua adoção pelo ordenamento brasileiro:

Assim, é necessário acentuar-se que, embora originário do di-reito público inglês, são marcantes as diferenças entre o impe-

achment inglês que se alastrou por toda a Europa, e o institutoimplantado nos Estados Unidos e dali transportado para oBrasil, Argentina e toda a América Latina.

acusados e condenados por traição, suborno ou outros delitos ou crimesgraves”.

15 Disponível em: <http://www.parliament.uk/briefing-papers/SN02666.pdf>.Acesso em: 14 jun. 2016.

16 Impeachment: evolução histórica, natureza jurídica e sugestões para apli-cação. Revista de Direito Administrativo, v. 271, p. 319-343, jan./abr.2016.

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

Pelo sistema europeu, vinculado à tradição jurídica britâ-nica, além das penas de caráter político-administrativo,ocorre também aplicação de penalidades civis e criminais,razão pela qual é ele reputado por DUGUIT como um pro-cesso de natureza mista, isto é, político-penal. Como citado por PAULO BROSSARD: “STRORY já ensinava queo impeachment é um processo de natureza puramente polí-tica”. LAWRENCE, tantas vezes citado pelas maiores autorida-des, faz suas as palavras de BAYARD, no julgamento deBLOUNT: “o impeachment, sob a Constituição dos EstadosUnidos, é um processo exclusivamente político. Não visapunir delinquentes, mas proteger o Estado. Não atinge nema pessoa nem seus bens, mas simplesmente desveste a auto-ridade de sua capacidade política”. LIEBER não é menos in-cisivo ao distinguir o impeachment nos dois lados doAtlântico, dizendo que “o impeachment inglês é um julga-mento penal”, o que não ocorre nos Estados Unidos, onde oinstituto é político e não criminal. VON HOLST não diverge:“o impeachment é um processo político”. É semelhante alinguagem de TUCKER: “o impeachment é um processo polí-tico contra o acusado como membro do governo, para pro-teger o governo no presente ou futuro”. É conhecida apassagem em que BLACK sintetiza numa frase a lição que,desde o século XVIII, vem sendo repetida nos Estados Uni-dos: “é somente política a natureza deste julgamento”. Ou,como escreveu TOCQUEVILLE, num trecho que correu mundo:o fim principal do julgamento político nos Estados Unidosé retirar o poder das mãos do que fez mau uso dele, e deimpedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder nofuturo. Como se vê, é um ato administrativo ao qual se deua solenidade de uma sentença.Na Argentina, que, antes do Brasil, adotou instituições seme-lhantes às americanas, outra não é a lição dos constituciona-listas. Lá, como aqui, o impeachment tem por objeto separar aautoridade do cargo por ela ocupado, independentemente deconsiderações de ordem criminal. “O objetivo do juízo polí-tico não é o castigo da pessoa delinquente, senão a proteção

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dos interesses públicos contra o perigo ou ofensa pelo abusodo poder oficial, negligência no cumprimento do dever ouconduta incompatível com a dignidade do cargo.” (GONÇALVES

CALDERON. Derecho constitucional argentino. 3. ed. BuenosAires, 1923.)É também interessante acentuar que, política por excelên-cia, essa vertente foi perdendo, gradativamente, o seu ob-jeto, particularmente nos sistemas parlamentares,principalmente em relação aos Ministros, em face dos pro-cessos e da técnica peculiar a esse sistema, que permite adestituição dos ministros e dos ministérios por um processomuito mais rápido e eficaz, qual seja, o voto de censura.Cresce, no entanto, em contrapartida, a sua importância nossistemas presidencialistas, como fórmula jurídica adequadaà responsabilização dos agentes políticos (veja-se o voto doMin. CASTRO NUNES, in Rev. Forense n. 125, p. 151, no jul-gamento da Representação nº 96 — Supremo Tribunal Fe-deral). Como afirmou com a precisão costumeira, o Min.CÉLIO BORJA (Rev. Época, 26/10/2015) o “impeachment” éum instrumento democrático.Ganham nesse ponto importância as observações deEDUARDO DUVIVIER, Defesa do ex-Presidente WASHINGTON

LUIZ, no caso de Petrópolis 1931, p. 72 a 75, verbis:

“É interessante observar que, transpondo o Atlântico, o impe-

achment, que, como instituição política, se originara na In-glaterra do princípio da irresponsabilidade do Executivo eque, politicamente, se extinguira com o estabelecimento dasua responsabilidade, sendo substituído pelo voto de cen-sura ou desconfiança, justifica-se, na América do Norte enos países da América do Sul, que lhe seguiram o exemplo,exatamente pelo princípio da responsabilidade do Execu-tivo, como uma sanção política de certos crimes ou delitos,ou de simples falta de cumprimento de deveres funcionaisdos órgãos desse Poder; decorrendo do princípio da respon-sabilidade, o impeachment investe-se de efeito semelhanteao do voto de censura ou desconfiança, restringe-se à perda

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do cargo, acidentalmente, apenas, podendo acarretar a ina-bilitação para outro; no país de origem, ele guarda em teo-ria, pois que caiu em completo desuso, o caráter punitivodesses crimes ou delitos; no país para onde foi transplan-tado, perde esse caráter, passando a função punitiva dos cri-mes ou delitos para tribunais comuns; corresponde, pois, aovoto de censura, com maior alcance, porque pode trazer ainabilitação para outro cargo público, mas, também, comomaior garantia para o acusado, porque não basta que estecontrarie a política do Congresso, que, também não podederrubar por uma maioria ocasional, mas preciso é que eleofenda a lei e que essa ofensa seja verificada na forma ecom as garantias de um processo judicial e por um tribunal,que somente poderá condená-lo por dois terços dos seusvotos... Adotando o impeachment, como um meio de tornarefetiva a responsabilidade do Presidente, seus Ministros, eoutros funcionários, tomaram-no, da constituição inglesa,com as garantias, de natureza judicial, do seu processo ori-ginário, mas com o efeito político, muito aproximando, doseu último estado de evolução, ao voto de censura – evolu-ção que fora, certamente, o resultado ao princípio desenvol-vido, na Inglaterra, na última parte do século XVIII, daindependência do judiciário, como elemento particular-mente garantidor da liberdade civil. […]Já a Constituição do Império, de 1824, previa o processo deimpeachment, firmado e aproximado ao instituto britânico.A Lei de 15 de outubro de 1827, elaborada nos termos doart. 134 da Constituição de 25 de março, dispunha sobre aresponsabilidade dos Ministros e Secretários de Estado edos Conselheiros, sendo de natureza criminal as sançõesque o Senado tinha competência para aplicar. Seu escopo,di-lo PAULO BROSSARD, “não era apenas afastar do cargo aautoridade com ele incompatibilizada, como veio a ser noimpeachment republicano, há um tempo atingia a autori-dade e o homem, em sua liberdade e bens”.

A Constituição de 1891 se orientou pela sistemática norte-americana.

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A monarquia foi substituída pela República. A federaçãosucedeu ao Estado unitário. O sistema presidencial relegoua tradição parlamentar do Império. A pessoa do Imperador,legalmente inviolável e sagrada, deu lugar ao Presidente daRepública, legalmente responsável. O impeachment deixoude ser criminal, passando a ser de natureza política.A Constituição de 1934 estabeleceu um sistema complexode impeachment, inclusive com um tribunal especial com-posto de nove juízes, 3 senadores, 3 deputados e 3 minis-tros da Corte Suprema, que daria a decisão final.A Lei Maior de 34 pouco durou, eis que substituída pelaCarta Outorgada de 37, que previa o impedimento, mas quenão teve qualquer significado ante a dissolução do Con-gresso.A Constituição de 1946, bem como as de 67, 69 e 88, regu-lou o impeachment, vinculando-o aos chamados crimes deresponsabilidade do Presidente da República. Anote-se queem qualquer dos textos constitucionais após a redemocrati-zação, foi utilizada a palavra “impedimento” ou impeach-

ment. Todos eles mencionaram a suspensão do Presidentede suas funções, uma vez declarada procedente a acusaçãopelo voto de 2/3 da Câmara dos Deputados.

Do apanhado histórico, ainda que patente os diferentes vie-

ses políticos e jurídicos conferidos ao procedimento, extrai-se,

em primeiro lugar, a necessidade, comprovada tantas vezes pela

história, de se implantar um meio juridicamente viável para tor-

nar possível a responsabilização de chefes de Estado e de seus

auxiliares diretos.

Insere-se, por conseguinte, o procedimento político-jurídico

do impedimento como instrumento de concretização de um dos

valores mais caros ao sistema republicano, do qual é o Brasil fiel

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partidário: a representação política. Isso porque a escolha de líde-

res governamentais, para além de ser a exteriorização de um senso

de confiança ou estima, suscita, de imediato, um de seus principais

efeitos, consubstanciado na submissão do patrimônio nacional e

na espera de que o mandatário gerencie da forma mais competente

os meios estatais, de modo a fazer cumprir o ordenamento jurídico

previamente instalado.

Esse panorama não pode prescindir de fator inerente à gravi-

dade do cargo e que constitui um dos pilares do republicanismo: a

consequente responsabilização do governante pelos danos decor-

rentes ao Estado em virtude de comportamento considerado crimi-

noso17.

A conclusão a que se chega, sob o primado do modelo repu-

blicano, que defere o poder popular a um governante e dele exige

a devida prestação de contas e uma conduta impoluta no trato da

coisa pública, é a presença incontestável de cláusula de responsa-

bilidade política ínsita ao mandato eletivo, a ser acionada sempre

17 LUIZ REGIS PRADO, acerca do tema, afirma: “em oposição à monarquia, arepública exige a liberdade com a qual é dotada cada pessoa, e justa-mente esta última característica torna a responsabilidade do governante amais importante de todas, pois visa o bem comum. Ao acentuar o inte-resse comum e a conformidade à lei (juris consensu) como elementosdistintivos da república, erige-se o direito como instrumento de justiça.Assim, é antes de tudo e desde sempre a legitimação popular do poder degovernar” (Infração (crime) de responsabilidade e impeachment. Revista

de Direito Constitucional e Internacional, v. 95, p. 61-80, abr./jun. 2016).

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que o mandatário agir traiçoeiramente contra os interesses do povo

que o alçou a tal posição em simplória confiança. A derivação do

raciocínio é, portanto, no pensamento de Rui Barbosa: “A respon-

sabilidade tem por objetivo privar o réu do exercício do emprego

que exerce”18 e 19.

3.2. Compreensão contemporânea do processo deimpeachment

É no espírito republicano que se sustenta a criação de espé-

cies legislativas diferenciadas dos crimes comuns para o enqua-

dramento de comportamentos do Presidente da República ou de

seus auxiliares diretos considerados ilícitos. Dessa forma, com-

pleto estaria o círculo lógico que envolve a premissa inicial de

que o bem nacional pertence ao povo e somente ao povo, a exis-

tência de uma diretriz de ampla representatividade com a conse-

quente regra de responsabilidade, um processo específico ao qual

são submetidas as falhas graves do chefe do Poder Executivo e,

por fim, a listagem de condutas consideradas nocivas para a na-

18 Apud ALMEIDA, Agassiz de. A nação e o impeachment. Revista dos Tribu-

nais, v. 686, p. 423-434, dez. 1992.19 Não é por outro motivo que desde a Constituição de 1891, a carta inaugural

do sistema republicano brasileiro, foi construído um modelo repressivo deatos ilícitos promovidos por governantes (art. 54 da Constituição de 1891,art. 57 da Constituição de 1934, art. 85 da Constituição de 1937, art. 89 daConstituição de 1946, art. 84 da Constituição de 1967, art. 82 da Constitui-ção de 1967, com a Emenda Constitucional 1/1969, e art. 85 da Constituiçãode 1988.

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ção e cuja prática leva à sua defenestração do exercício do cargo

público. Cumpre, internamente, esse último requisito a Lei

1.079/1950.

O sistema brasileiro de impeachment, por ter suas normas

explicitadas, tanto na Constituição, como na citada Lei

1.079/1950, é, em síntese, um arquétipo garantista, no sentido em

que permite ao agente político conhecer a acusação e os fatos da

causa. O processo é direcionado de forma objetiva, de modo se-

melhante a um processo judicial, e o julgamento torna-se infenso

às subjetividades de um rito exclusivamente direcionado por an-

seios políticos, possibilitando ser controlado e fiscalizado pela

defesa do réu, na medida do que dispuser a lei.

No Brasil, como condição para a deflagração do processo po-

lítico de julgamento, adotou-se um sistema expresso de condutas

ilegais, a partir da incorporação inequívoca do princípio da legali-

dade e seus desdobramentos (lex praevia, lex scripta, lex stricta et

lex certa) no ordenamento brasileiro. Desse modo, o direito consti-

tucional brasileiro consagrou o dogma de que “não há crime sem lei

anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art.

5º, XXXIX).

Como já assinalado no Parecer 269015/2015-ASJConst/

SAJ/PGR, apresentado pela Procuradoria-Geral da República nos

autos da ADPF 378, as Constituições do Brasil, a partir da Carta de

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1891, consagraram o processo de crime de responsabilidade, do

qual resulta perda do cargo como um dos mecanismos de limitação

do poder outorgado ao chefe do Executivo: a consequência é seu

impedimento para exercício dessa função e, em geral, inabilitação

para outras.

Não obstante a tradição constitucional brasileira20 enxergasse

no impeachment um instrumento simbólico, que não assegurava

efetivamente a responsabilidade do Presidente da República, o pro-

cesso contra Fernando Collor de Mello mudou essa perspectiva e

trouxe renovado interesse ao estudo do instituto.

O entendimento atual do Supremo Tribunal Federal sobre o

desenrolar prático do impeachment está definido no já citado acór-

dão da ADPF 378, o qual detalhou os aspectos de seu rito na Câ-

mara dos Deputados e no Senado Federal, bem como a aplicação

20 Nesse sentido, PINTO, Paulo Brossard de Souza. O “impeachment”: as-pectos da responsabilidade política do Presidente da República. 3. ed.ampl. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 201; e BARBOSA, Rui. Escritos e dis-

cursos seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 1038. A propósito,opinou Brossard sobre o tema: “Incapaz de solucionar as crises instituci-onais, o ‘impeachment’, paradoxalmente, contribui para o agravamentodelas. O instituto que, pela sua rigidez, não funciona a tempo e a hora,chega a pôr em risco as instituições, e não poucas vezes elas se estilha-çam. Representadas as forças em conflito, a dinâmica dos fatos terminapor fender as linhas do instituto envelhecido e, transbordando do leitoconstitucional, a revolução passa a ser o rude sucedâneo do remédio tãominuciosa e cautelosamente disciplinado na lei. Desta realidade são teste-munho as incursões armadas que pontilham, aqui e ali, os pleitos institu-cionais”.

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subsidiária dos respectivos regimentos internos, o exercício do di-

reito de defesa e o momento do interrogatório no processo, entre

outros detalhes específicos do procedimento. O fundamental, como

se vê do caput da ementa, é o reconhecimento da legitimidade

constitucional da maior parte do rito previsto na Lei 1.079/1950 e

das regras observadas na época do impeachment de 1992:

DIREITO CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PROCESSO DE

IMPEACHMENT. DEFINIÇÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RITO

PREVISTO NA LEI Nº 1.079/1950. ADOÇÃO, COMO LINHA GERAL,DAS MESMAS REGRAS SEGUIDAS EM 1992. CABIMENTO DA AÇÃO E

CONCESSÃO PARCIAL DE MEDIDAS CAUTELARES. CONVERSÃO EM

JULGAMENTO DEFINITIVO. […] (Relator Ministro EDSON FACHIN,Relator para o acórdão Ministro ROBERTO BARROSO Pleno,unânime, DJe 1º abr. 2016).

O produto final de longo e desgastante processo gerou o ato

coator em tela, reconhecido como Resolução 35/2016 do Senado

Federal, cujo texto ficou assim fixado:

Faço saber que o Senado Federal julgou, nos termos do art.86, in fine, da Constituição Federal, e eu, Renan Calheiros,Presidente, promulgo a seguinte

RESOLUÇÃO Nº 35, DE 2016Dispõe sobre sanções no Processo de Impeachment contra aPresidente da República, Dilma Vana Rousseff, e dá outrasprovidências.O Senado Federal resolve:Art. 1º É julgada procedente a denúncia por crimes de res-ponsabilidade, previstos nos art. 85, inciso VI, e art. 167,

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inciso V, da Constituição Federal, art. 10, itens 4, 6 e 7, eart. 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.Art. 2º Em consequência do disposto no artigo anterior, éimposta à Senhora Dilma Vana Rousseff, nos termos do art.52, parágrafo único, da Constituição Federal, a sanção deperda do cargo de Presidente da República, sem prejuízodas demais sanções judiciais cabíveis, nos termos da sen-tença lavrada nos autos da Denúncia nº 1, de 2016, quepassa a fazer parte desta Resolução.Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publi-cação.

Senado Federal, em 31 de agosto de 2016.SENADOR RENAN CALHEIROS

Presidente do Senado Federal

Segue-se ao documento o teor da sentença, prolatada em

formato de decisão judiciária, constando relatório, fundamenta-

ção e dispositivo:

SENTENÇA

I – Relatório

No dia 02 de dezembro de 2015, a Presidência da Câmarados Deputados recebeu e autuou a Denúncia por Crime deResponsabilidade (DCR) nº 1, de 2015, oferecida por Mi-guel Reale Júnior, Hélio Pereira Bicudo e Janaína Concei-ção Paschoal, subscrita pelo Advogado Flávio HenriqueCosta Pereira contra a Excelentíssima Senhora Presidenteda República, Dilma Vana Rousseff, atribuindo-lhe a prá-tica, em tese, dos crimes de responsabilidade tipificados noart. 85, V, VI e VII, da Constituição Federal, e art. 4º, V eVI, art. 9º, itens 3 e 7, art. 10, itens 6 a 9 e art. 11, item 3,todos da Lei 1.079/1950.Na sequência, em 11 de abril de 2016, a Comissão Especialdestinada a apresentar parecer sobre a matéria na Câmara

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dos Deputados opinou pela “admissibilidade da acusação ea consequente autorização para a instauração, pelo SenadoFederal, do processo de crime de responsabilidade”.Em sessão deliberativa extraordinária realizada em 17 deabril de 2016, o Plenário da Câmara dos Deputados “autori-zou a abertura de processo contra a Presidente da Repú-blica, por crime de responsabilidade”, mediante votofavorável de 367 (trezentos e sessenta e sete) de seus mem-bros, “em virtude da abertura de créditos suplementares porDecreto Presidencial, sem a autorização do Congresso Na-cional (Constituição Federal, art. 85, IV, e art. 167, V; e Leinº 1.079, de 1950, art. 10, item 4, e art. 11, item 2), e dacontratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de1950, art. 11, item 3)”.Ato contínuo, em 19 de abril de 2016, a matéria foi lida noPlenário do Senado Federal, cumprindo registrar que a Co-missão Especial do Processo de Impeachment foi regular-mente eleita em 25 de abril de 2016 para o processamentoda DEN nº 1/2016.Instalada no dia subsequente, havendo sido escolhido o Se-nador Raimundo Lira como Presidente e designado comorelator o Senador Antonio Anastasia, a referida Comissãopassou a examinar os termos da acusação: em 28 de abrilde 2016, a Comissão Especial ouviu os denunciantes Mi-guel Reale Júnior e Janaina Paschoal. No dia seguinte, oDr. José Eduardo Martins Cardozo, o Ministro de Estado daFazenda, Nelson Barbosa, e a então Ministra da Agriculturae Pecuária, Kátia Abreu foram ouvidos. Finalmente, em 2 e3 de maio de 2016, procedeu-se à oitiva dos especialistasindicados pela acusação e pela defesa.No dia 6 de maio de 2016, a Comissão Especial aprovouparecer preliminar pela admissibilidade do processo, queveio a ser aprovado pelo Plenário do Senado Federal nasessão do dia 11 de maio de 2016, por 55 (cinquenta ecinco) votos, admitindo o processamento da denúncia nestaCasa e determinando a abertura de prazo para que a acu-

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sada respondesse à imputação, com o que teve início a fasede instrução.No dia 12 de maio, a acusada foi citada, suspensa de suasfunções – por força do que dispõe o art. 86, § 1º, II, daConstituição Federal (CF) – e o processo formalmente ins-taurado.No mesmo dia, assumi a Presidência do Senado Federal,para os fins de que trata o art. 52, parágrafo único, da Cons-tituição Federal.A denunciada apresentou, em 1º de junho de 2016, defesaescrita, arrolou testemunhas e requereu a produção de pro-vas.No dia 2 de junho, a Comissão Especial do Processo de Im-

peachment deliberou sobre os requerimentos de produçãode provas dos denunciantes, da denunciada e dos Senado-res.Consecutivamente, em 6 de junho, a Comissão Especial es-tabeleceu o cronograma dos trabalhos para a fase de instru-ção.Ao todo, entre os dias 08 e 29 de junho de 2016, foram ouvi-das 2 (duas) testemunhas indicadas pela acusação, 36 (trintae seis) testemunhas e 2 (dois) informantes arrolados pela de-fesa, sem prejuízo da oitiva de 4 (quatro) testemunhas do ju-ízo.Ainda durante a fase instrutória, foi constituída uma Junta Pe-ricial, composta por 3 (três) servidores efetivos do Senado Fe-deral, a qual apresentou laudo, respondeu a quesitosoferecidos pelos denunciantes, pela denunciada e pelos Sena-dores e submeteu-se a esclarecimentos.Paralelamente, foram apresentados laudos elaborados pelosassistentes técnicos da acusação e da defesa e, finalmente,realizada a oitiva do perito coordenador da junta e dos as-sistentes técnicos.No dia 6 de julho, data marcada para o interrogatório daPresidente da República, houve a leitura de depoimento es-crito por seu advogado.

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Por fim, em 7 de julho, foi aberto prazo sucessivo para asalegações finais escritas da acusação e da defesa, recebidas,respectivamente, nos dias 12 e 28 de julho de 2016.Sobreveio, então, o parecer do Relator, com proposta de“emendatio libelli” para os fatos descritos na denúnciacomo “realização de operações de crédito com instituiçãofinanceira controlada pela União (pedaladas fiscais)” sub-sumindo-os ao disposto no art. 10, itens 6 e 7, da Lei nº1.079/50, mantida, no mais, a definição jurídica original-mente proposta para a imputação remanescente.Inobstante [sic] a apresentação de voto em separado da Se-nadora Vanessa Grazziotin e outros Senadores, tal relatóriofoi discutido e aprovado pela Comissão Especial, na datade 02 de agosto.Na sequência, em 09 de agosto, sob a minha presidência, oSenado Federal, como órgão judiciário, em sessão plenária,aprovou o referido parecer e pronunciou a acusada pelaprática, em tese, dos crimes de responsabilidade a ela impu-tados.No dia seguinte, foi oferecido libelo acusatório, com res-pectivo rol de testemunhas, imputando à Presidente da Re-pública, em síntese, a abertura de créditos suplementaressem a autorização do Congresso Nacional e a realização deoperações de crédito com instituição financeira controladapela União.Na contrariedade ao libelo, a defesa refutou as imputações,arguindo, em suma, que não houve a abertura de crédito su-plementar sem autorização legislativa e que o atraso no pa-gamento de subvenções a banco oficial para a agriculturanão pode ser tido como operação de crédito com instituiçãofinanceira.Durante a fase de julgamento, iniciada em 25 de agostopassado próximo, após resolver 18 (dezoito) questões deordem, foram colhidos os depoimentos de 1 (um) infor-mante e 1 (uma) testemunha de acusação, bem como de 3(três) testemunhas e 2 (dois) informantes arrolados pela de-

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fesa. Em seguida, após o pronunciamento da acusada, rea-lizou-se o seu interrogatório, ocasião em que, por cerca de11 (onze) horas e 35 (trinta e cinco) minutos, respondeu àsperguntas de 48 (quarenta e oito) Senadores, da acusação eda defesa, sem limitação de tempo, inclusive no tocante àsua fala inicial.Ao final, foram realizados os debates orais entre as partes,bem como a discussão da matéria pelas Senhoras e pelosSenhores Senadores, oportunidade em que 63 (sessenta etrês) parlamentares fizeram uso da Tribuna por até 10 (dez)minutos cada.O presente processo contém, até o momento, 72 volumes ecerca de 27.000 páginas.Esse é o relatório, em cumprimento ao que estabelece o art.67 da Lei nº 1.079/50.

II – Fundamentação

Segundo a acusação, a Presidente da República cometeu oscrimes de responsabilidade em virtude da tomada de em-préstimos junto à instituição financeira controlada pelaUnião, bem como pela abertura de créditos suplementaressem autorização do Congresso Nacional.Alegou-se que “a tomada de empréstimos vedados de insti-tuições financeiras públicas, sem a respectiva contabiliza-ção […] impossibilitou que a população tivesse exatadimensão da real situação econômica e financeira do país”(fl. 1 do Libelo Acusatório).Sustentou-se, nessa linha, que “o Banco Central e o Te-souro Nacional não contabilizavam os débitos”, enquanto“as instituições financeiras lançavam os créditos, deixandoevidente a relação de mútuo havida e a vontade deliberadado Governo Central de esconder os fatos” (fls. 5 e 6 do Li-belo Acusatório).Assim,

“conforme inicialmente estimado pelo TCU, as operaçõesde crédito contestadas teriam permitido que, em 2014, a dí-

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vida pública federal fosse subdimensionada em R$ 40,2 bi-lhões e o resultado primário superestimado em R$ 7,1 bi-lhões.[…]Em 2015 esse passivo continuou a crescer e atingiu R$ 58,7bilhões em novembro. Depois disso, quando não mais ca-biam recursos contra a decisão do TCU pela ilegalidade dasoperações, a União procedeu, em dezembro, ao equaciona-mento dos valores em atraso, outrora postergados” (fls. 44e 45 do Parecer 726/2016 do Senador Antonio Anastasia).

Quanto à “edição de decretos, abrindo crédito suplementar,sem a devida autorização do Congresso Nacional”, argu-menta-se que isso resultou “em afronta à constitucional se-paração dos poderes” (fl. 1 do Libelo Acusatório).Isso porque tais “amparada em metas fiscais constantes uni-camente de projetos de lei, a Presidente da República edi-tou, tanto em 2014 como em 2015, decretos de abertura decréditos suplementares que ampliaram despesas autorizadaspela lei orçamentária. De acordo com o TCU, esses atos fo-ram editados sem lastro fiscal, ou seja, de modo incompatí-vel com a obtenção da meta em vigor no momento da suaedição” (fl. 51 do Parecer 726/2016 do Senador AntonioAnastasia).

III – Dispositivo

O Senado Federal entendeu que a Senhora Presidente daRepública DILMA VANA ROUSSEFF cometeu os crimes de res-ponsabilidade consistentes em contratar operações de cré-dito com instituição financeira controlada pela União eeditar decretos de crédito suplementar sem autorização doCongresso Nacional, previstos nos art. 85, inciso VI, e art.167, inciso V, da Constituição Federal, bem como no art.10, itens 4, 6 e 7, e art. 11, itens 2 e 3, da Lei nº 1.079, de10 de abril de 1950, por 61 votos, havendo sido registrados20 votos contrários e nenhuma abstenção, ficando assim a

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acusada condenada à perda do cargo de Presidente da Re-pública Federativa do Brasil.Em votação subsequente, o Senado Federal decidiu afastara pena de inabilitação para o exercício de cargo público, emvirtude de não se haver obtido nesta votação 2/3 dos votosconstitucionalmente previstos, tendo-se verificado 42 votosfavoráveis à aplicação da pena, 36 contrários e três absten-ções.Esta sentença, lavrada nos autos do processo, constará deresolução do Senado Federal, será assinada por mim e pe-los Senadores que funcionaram como juízes, transcrita naAta da sessão e, dentro desta, publicada no Diário Oficialda União, no Diário do Congresso Nacional (art. 35 da Leinº 1.079/50) e no Diário do Senado Federal.Tal decisão encerra formalmente o processo de impeach-

ment instaurado contra a Presidente da República no Se-nado Federal no dia 12 de maio de 2016.Façam-se as comunicações ao Excelentíssimo Senhor Pre-sidente da República em exercício, aos Excelentíssimos Se-nhores Presidentes da Câmara dos Deputados, do SenadoFederal e à Excelentíssima Senhora Vice-Presidente do Su-premo Tribunal Federal.

Brasília, 31 de agosto de 2016.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

Presidente do Supremo Tribunal Federale do Processo de Impeachment

Presentes na Sessão os 81 Senhores Senadores.

Diante do quadro, a impetrante elabora impugnação de pre-

missas que serviram para o julgamento final do impedimento, em

legítimo exercício de controle do processo decisório do juiz natu-

ral competente para avaliar e julgar os crimes de responsabili-

dade de Presidente da República.

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Desse modo, necessária é a análise detida e pontual de cada

questão suscitada pela defesa.

Antes de adentrar nos questionamentos de mérito da impe-

tração, urge discutir, preliminarmente, a sindicabilidade dos te-

mas relacionados ao impeachment ao conhecimento do Poder

Judiciário, já estabelecendo o necessário contraponto com o prin-

cípio da separação dos Poderes e da soberania do Parlamento

para o desate do processo de impeachment do Presidente da Re-

pública.

Pela semelhança e afinidade, esse tema acaba por se confun-

dir com a resolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal

em relação às questões ligadas ao processo legislativo, que, em

diversas oportunidades, deixou claro o posicionamento de que

haveria, nesses casos, a impossibilidade de intervenção judicial

em procedimentos externados pela independência legislativa.

O modus escolhido pelas Casas Legislativas para elaborar

seus projetos normativos, produto de uma escolha política, não

deve sofrer a interferência do Judiciário, devendo esse exercer

uma autocontenção indispensável à composição de forças legisla-

tivas e à conveniência do ato de legislar. Esse é, repita-se, enten-

dimento da Corte Suprema, o que pode ser observado em

inúmeros julgados de sua lavra, como faz exemplo o abaixo

transcrito:

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MANDADO DE SEGURANÇA – PRETENDIDA SUSTENTAÇÃO ORAL NO

JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL – INADMISSIBILIDADE –CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO REGIMENTAL (RISTF, ART.131, § 2º ) – IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DA MESA DO CONGRESSO

NACIONAL QUE APROVOU A NOMEAÇÃO DOS INTEGRANTES DO

CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – ALEGADA INOBSERVÂNCIA

DO RITO PROCEDIMENTAL EM SUA COMPOSIÇÃO – PRETENSÃO DOS

IMPETRANTES, ENTRE OS QUAIS DIVERSAS ENTIDADES DE DIREITO

PRIVADO, AO CONTROLE JURISDICIONAL DO “ITER” FORMATIVO

CONCERNENTE A REFERIDO ÓRGÃO COLEGIADO – LEGITIMIDADE ATIVA,PARA ESSE EFEITO, APENAS DOS CONGRESSISTAS – DELIBERAÇÃO DE

NATUREZA “INTERNA CORPORIS” – NÃO CONFIGURAÇÃO, EM

REFERIDO CONTEXTO, DA COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO –HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO DE MANDADO DE

SEGURANÇA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Não se revela admissívelmandado de segurança, sob pena de ofensa ao postuladonuclear da separação de poderes (CF, art. 2º), quando impe-trado com o objetivo de questionar divergências “internacorporis” e de suscitar discussões de natureza regimental:apreciação vedada ao Poder Judiciário, por tratar-se de te-mas que devem ser resolvidos na esfera de atuação do pró-prio Congresso Nacional (ou das Casas que o integram). –A submissão das questões de índole regimental ao poder desupervisão jurisdicional dos Tribunais implicaria, em úl-tima análise, caso admitida, a inaceitável nulificação dopróprio Poder Legislativo, especialmente em matérias emque não se verifica evidência de que o comportamento im-pugnado tenha efetivamente vulnerado o texto da Constitui-ção da República. Precedentes. (MS 33705 AgR, RelatorMin. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe-056 de 28 mar.2016.)

A Procuradoria-Geral da República tem entendimento simi-

lar, o qual já foi expresso em diversas oportunidades, perfeita-

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mente representado pelo Parecer 6317/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR,

cuja ementa transcreve-se abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO LEGISLATIVO. TRAMITAÇÃO DE

PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.PARLAMENTAR. QUESTÃO DE NATUREZA INTERNA CORPORIS.INSINDICABILIDADE. 1 – Têm os parlamentares legitimidade ativa para impetra-ção de mandado de segurança em defesa do devido pro-cesso legislativo constitucional, conforme remansosajurisprudência dessa Suprema Corte.2 – Estão os atos parlamentares sujeitos ao judicial review,desde que o controle jurisdicional não invada matéria in-

terna corporis do Poder Legislativo.3 – Parecer pelo não conhecimento do mandado de segu-rança.

Contudo, essas questões não podem ser tratadas tout court

sob uma mesma tábua de valores.

A uma, porque antes de consubstanciar processo político de

afastamento de mandatários de primeiro escalão da República,

evidenciando sua clara feição institucional, discute-se a existên-

cia de direitos subjetivos e prerrogativas do mandatário em ques-

tão, transformando-o em processo de interesses e posições

subjetivas, arejado pelo imprescindível contraditório das teses e

provas coligidas nos autos. A duas, não se trata de processo legis-

lativo, em sua acepção técnico-jurídica, mas de um julgamento

que se submete à jurisdição da instância legislativa, tendo em

vista a conveniência de ali poder se exercitar, em sua plena liber-

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dade, um juízo político sobre condutas reputadas ilícitas em uma

pauta de regras jurídicas previamente definidas e conhecidas pe-

las partes. Esses aspectos já definem uma pertinente diferença

daquelas infensas à intervenção da jurisdição constitucional em

face da oposição da cláusula da separação dos Poderes da Repú-

blica.

Esse tema foi trazido à baila pela Procuradoria-Geral da Re-

pública, no parecer ofertado no Mandado de Segurança 34.130,

por ocasião da aprovação pela Câmara dos Deputados do parecer

pela admissibilidade da apuração de crime de responsabilidade

da impetrante. Esse posicionamento ficou consignado nos se-

guintes termos:

Reiteradamente, a Suprema Corte afirma que o Poder Judici-ário pode, sem ofensa ao princípio da separação dos poderes,realizar controle dos atos parlamentares, desde que se li-mite a verificar a compatibilidade desses em face das dis-posições constitucionais e não invada a seara dainterpretação e aplicação das normas regimentais, matériainterna corporis e, por conseguinte, insuscetível de aprecia-ção jurisdicional. Nesse sentido, veja-se recente jurispru-dência:

“CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE

SEGURANÇA. SESSÃO CONJUNTA DO CONGRESSO NACIONAL.VOTAÇÃO DOS VETOS DA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ALEGAÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE ACORDO PARA VOTAÇÃO EM DETERMINADA DATA

DE VETOS COM DESTAQUE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS FATOS

DA CAUSA. TRANSCRIÇÃO DOS DEBATES INDICA FORMAÇÃO DE AJUSTE

PARA QUE DETERMINADO VETO COM DESTAQUE FOSSE VOTADO

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NAQUELA MESMA SESSÃO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE TEMPO PARA QUE

OS PARLAMENTARES QUE ESTAVAM NAS DEPENDÊNCIAS DO CONGRESSO

NACIONAL, MAS FORA DO PLENÁRIO, PUDESSEM VOTAR O VETO EM

DISCUSSÃO. QUESTÃO INTERNA CORPORIS, INSUSCETÍVEL DE

APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. CONFIGURAÇÃO. AGRAVO

REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (MS 34.040, RelatorMinistro TEORI ZAVASCKI, Pleno, unânime, DJe 1º abr. 2016).

“MANDADO DE SEGURANÇA – PRETENDIDA SUSTENTAÇÃO ORAL NO

JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL – INADMISSIBILIDADE –CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO REGIMENTAL (RISTF, ART.131, § 2º ) – IMPETRAÇÃO CONTRA ATO DA MESA DO CONGRESSO

NACIONAL QUE APROVOU A NOMEAÇÃO DOS INTEGRANTES DO

CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – ALEGADA INOBSERVÂNCIA

DO RITO PROCEDIMENTAL EM SUA COMPOSIÇÃO – PRETENSÃO DOS

IMPETRANTES, ENTRE OS QUAIS DIVERSAS ENTIDADES DE DIREITO

PRIVADO, AO CONTROLE JURISDICIONAL DO ‘ITER’ FORMATIVO

CONCERNENTE A REFERIDO ÓRGÃO COLEGIADO – LEGITIMIDADE ATIVA,PARA ESSE EFEITO, APENAS DOS CONGRESSISTAS – DELIBERAÇÃO DE

NATUREZA ‘INTERNA CORPORIS’ – NÃO CONFIGURAÇÃO, EM REFERIDO

CONTEXTO, DA COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO – HIPÓTESE DE

INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA –PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO DE

AGRAVO IMPROVIDO. – Não se revela admissível mandado desegurança, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da se-paração de poderes (CF, art. 2º), quando impetrado com oobjetivo de questionar divergências ‘interna corporis’ e desuscitar discussões de natureza regimental: apreciação ve-dada ao Poder Judiciário, por tratar-se de temas que devemser resolvidos na esfera de atuação do próprio CongressoNacional (ou das Casas que o integram). – A submissão dasquestões de índole regimental ao poder de supervisão juris-dicional dos Tribunais implicaria, em última análise, casoadmitida, a inaceitável nulificação do próprio Poder Legis-lativo, especialmente em matérias em que não se verificaevidência de que o comportamento impugnado tenha efeti-vamente vulnerado o texto da Constituição da República.

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Precedentes” (MS 33.705, Relator Ministro CELSO DE

MELLO, Pleno, unânime, DJe 29 mar. 2016).

O argumento atinente à matéria interna corporis ganha suateleologia neste sentido: trata-se de reconhecimento, ante adivisão funcional e as distintas capacidades institucionaisdos poderes componentes da República, da existência deespaço jurídico-político próprio das Casas Legislativascomo representantes da vontade popular, que, contudo, nãopode ser arbitrário, na medida em que essa outorga de man-dato se faz nos moldes constitucionais e legais.Em visão contemporânea do fenômeno jurídico, em que sereconhece o papel criativo da hermenêutica, também exer-cido pelos demais poderes mediante edição de atos legais einfralegais, há limitações, cujo grau de intensidade é para-lelo às molduras a que esteja circunscrito o agente emissordo ato. Inexiste ato público absolutamente livre no EstadoConstitucional e Democrático: todos os atores, ainda quepossuam espaços de escolhas, detêm-nos como de-veres-poderes de escolha, a serem ajustados a partir da lei-tura do interesse público e social retratado naquelecontexto. Chega-se a falar na inexistência de atos interna

corporis como critério excludente da jurisdição.Cabe aqui a lição esclarecedora do Ministro SEPÚLVEDA

PERTENCE, magistrado que sempre teve restrição à teoria dosatos interna corporis, a respeito da apreciação pelo Judiciá-rio de todo o ato violador da Constituição ou de Leis:

“Tenho manifestado certa restrição ao chamado critério dosatos interna corporis como excludentes da jurisdição dostribunais no sistema brasileiro. O que me parece fundamen-tal é indagar se, com base, pouco importa, em norma cons-titucional, em norma legal ou em norma regimental, há, emtese, lesão ou ameaça a um direito subjetivo do autor-impe-trante, se se cuida de mandado de segurança; e, se existiresse direito, pouco se me dá que ele se funde em norma re-gimental: provocado, o Tribunal terá de decidir a respeito.

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

O problema é a existência ou não, em tese, de direito subje-tivo: se existir, a Constituição garante o acesso à jurisdição.Não vislumbro, no caso, essa existência, em tese, de di-reito. Direito subjetivo do cidadão se esgota aí, no direitode petição dirigido a um poder do Estado, delatando supos-tas faltas de um parlamentar. Mas o delator não tem direitosprocessuais neste processo disciplinar interno da Câmarados Deputados e, muito menos, o direito processual a quenão se assegure, de imediato, a audiência do parlamentardenunciado e que, em consequência, evidenciado, ao juízodo órgão competente da Casa Legislativa, a manifesta im-procedência da delação, delibere a Mesa pelo seu arquiva-mento” (Voto no MS 34.356-2, Relator Ministro CARLOS

VELLOSO, Plenário, julgamento em 13.2.2003, disponível em:<http://goo.gl/ 6TdPLh >).

Definir se ato do Presidente da Câmara dos Deputados épassível de crivo pela Corte Suprema passa, primeiramente,por clarificar o espaço que é constitucional e legalmenteconferido para sua prática e, na sequência, verificar sehouve sua extrapolação. Não se trata, em absoluto, de pre-tender que a Suprema Corte substitua o Presidente da CasaLegislativa na atribuição de conduzir a primeira fase doprocesso de impeachment e exercer o juízo de delibaçãosobre o recebimento da denúncia, nem o mandado de segu-rança deduz tal pedido.A Constituição da República de 1988 outorgou à Câmarados Deputados juízo político de admissibilidade da denún-cia por crime de responsabilidade. Caso aprovada por doisterços dos deputados federais (arts. 51, I, e 86, caput), seráencaminhada ao Senado, ao qual cabe instaurar o procedi-mento, conduzir fase instrutória e realizar julgamento.Na regulamentação do processo de julgamento dos crimesde responsabilidade presentes na Lei 1.079/1950, já decla-rada parcialmente recepcionada pela Corte Suprema em rei-teradas ocasiões, assim se dispõe no que ora interessa:

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

“Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presi-dente da República ou Ministro de Estado, por crime deresponsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. […].Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com afirma reconhecida deve ser acompanhada dos documentosque a comprovem, ou da declaração de impossibilidade deapresentá-los, com a indicação do local onde possam serencontrados; nos crimes de que haja prova testemunhal, adenúncia deverá conter o rol das testemunhas, em númerode cinco no mínimo. […].Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente dasessão seguinte e despachada a uma comissão especialeleita, da qual participem, observada a respectiva propor-ção, representantes de todos os partidos para opinar sobre amesma”.

Também é relevante a previsão do art. 38 do mesmo di-ploma, ao determinar aplicação subsidiária dos regimentosinternos das Casas Legislativas e do Código de ProcessoPenal (CPP).Além da definição dos espaços decisórios das Casas Legisla-tivas e da existência de um momento de recebimento da den-úncia, nada mais elucidou o legislador ordinário quanto aotema. A partir de tal ponto, duas atividades hermenêuticas tor-nam--se relevantes: o exercício de poderes regulamentares pelosmembros da Câmara dos Deputados, jungidos ao quadro le-galmente conformado; e a tarefa de complementação, emtermos axiológicos e lacunares, no caso concreto, na apreci-ação das denúncias que venham a surgir, a ser realizadacom base no Regimento e no Código de Processo Penal.Não se pode exigir do legislador processual penal ordinárioolhar completo sobre fenômeno que, embora propínquo, édistinto do processo-crime comum, isto é, não é possívelaplicação linear do CPP, como não o é de outros dispositi-

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PGR Mandado de Segurança 34.371 – DF

vos do regimento interno estranhos à regulamentação doprocessamento dos crimes de responsabilidade.Passando ao exame dos referidos elementos complementa-res, tem-se que o Regimento cuida da questão no art. 218:

“Art. 218. É permitido a qualquer cidadão denunciar à Câ-mara dos Deputados o Presidente da República, o Vice-Pre-sidente da República ou Ministro de Estado por crime deresponsabilidade.§ 1º A denúncia, assinada pelo denunciante e com firma re-conhecida, deverá ser acompanhada de documentos que acomprovem ou da declaração de impossibilidade de apre-sentá-los, com indicação do local onde possam ser encon-trados, bem como, se for o caso, do rol das testemunhas,em número de cinco, no mínimo.§ 2º Recebida a denúncia pelo Presidente, verificada a exis-tência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior, serálida no expediente da sessão seguinte e despachada à Co-missão Especial eleita, da qual participem, observada a res-pectiva proporção, representantes de todos os Partidos.§ 3º Do despacho do Presidente que indeferir o recebi-mento da denúncia, caberá recurso ao Plenário.§ 4º Do recebimento da denúncia será notificado o denunci-ado para manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões.[...]”.

Percebe-se, aqui, a construção de interessantes contrapon-tos, considerada a legislação ordinária. Com o fim de con-ferir a maior amplitude à defesa dos valores tutelados peloprocesso de impedimento presidencial, legitimaram-se to-dos os cidadãos à denúncia. A própria Lei 1.079, no art. 19,previra recebimento da denúncia, atribuído pelo regimentointerno ao Presidente da Casa Legislativa.De outro lado, prevenindo-se contra abusos, o mesmo regi-mento traz, além da possibilidade de manifestação do de-nunciado, mecanismo de controle interno dos atos dopresidente: o recurso ao Plenário. Tal previsão preserva a

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capacidade decisória da Casa, como reflexo de dissensossociais, mesmo quando haja divergências quanto à plausibi-lidade das denúncias.Há assim, como pacificamente reconhecido pela jurispru-dência da Corte Suprema, atribuição delibatória do Presi-dente da Câmara dos Deputados em processos de naturezapolítica contra Chefe do Poder Executivo. Nesse sentido,por exemplo, é a decisão no Mandado de Segurança20.941, cuja ementa segue parcialmente transcrita:

“[…] Competência do Presidente da Câmara dos Deputa-dos, no processo do impeachment, para o exame liminar daidoneidade da denúncia popular, que não se reduz à verifi-cação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de de-nunciantes e denunciados, mas se pode estender, segundoos votos vencedores, à rejeição imediata da acusação paten-temente inepta ou despida de justa causa, sujeitando-se aocontrole do plenário da Casa, mediante recurso, não inter-posto no caso. [...]” (MS 20.941, Tribunal Pleno, RelatorMinistro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 31 ago. 1992)

De igual modo, essa foi a conclusão do Mandado de Segu-rança 30.672-AgR, da relatoria do Ministro RICARDO

LEWANDOWSKI:

“AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA.CONSTITUCIONAL. IMPEACHMENT. MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. MESA DO SENADO FEDERAL.COMPETÊNCIA. I – Na linha da jurisprudência firmada peloPlenário desta Corte, a competência do Presidente da Câ-mara dos Deputados e da Mesa do Senado Federal para re-cebimento, ou não, de denúncia no processo deimpeachment não se restringe a uma admissão meramenteburocrática, cabendo-lhes, inclusive, a faculdade de rejeitá-la, de plano, acaso entendam ser patentemente inepta oudespida de justa causa. II – Previsão que guarda consonân-cia com as disposições previstas tanto nos Regimentos In-ternos de ambas as Casas Legislativas, quanto na Lei

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1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e re-gula o respectivo processo de julgamento. III – O direito aser amparado pela via mandamental diz respeito à ob-servância do regular processamento legal da denúncia. IV –Questões referentes à sua conveniência ou ao seu méritonão competem ao Poder Judiciário, sob pena de substi-tuir-se ao Legislativo na análise eminentemente política queenvolvem essas controvérsias. V – Agravo regimental despro-vido” (MS 30.672, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,Tribunal Pleno, DJe 17 out. 2011).

O fato de a própria Constituição haver atribuído ao crimede responsabilidade presidencial juízo especial, exercidopor órgãos de natureza política, implica, por si, a necessi-dade de cautela na intervenção quanto às questões lá surgi-das. Tal quadro é reforçado pela citada previsão demecanismos de controle interno, de que, no caso, não setem registro de acionamento. Cumpre ao Judiciário autoli-mitar-se preservando o espaço de autonomia da Casa Legis-lativa, que assume o ato como seu, desde que nenhum dosseus membros exerça a faculdade de questioná-lo.Isso não significa imunidade absoluta do ato. Mesmo diantedo beneplácito tácito dos demais membros da Casa Legisla-tiva, o Judiciário ainda pode intervir diante de parâmetrosobjetivos que permitam identificar excesso ou desvio depoder no exercício do dever-poder delibatório pelo Presi-dente da Câmara dos Deputados. Encontra-se aqui o sentido a ser dado ao crivo de justacausa do Presidente: trata-se não da transposição absolutada apreciação judicial típica do crime comum, calcada nospreceitos técnicos do Código Penal e que, transportada a ór-gão jurídico-político, resultaria em nada mais do que um ar-remedo de justiciabilidade. Antes de exame deobjetividade, isonomia e clareza, que deixem evidentes aspremissas consideradas para afirmar a presença ou ausênciados requisitos mínimos de densidade fática aptos a ensejara deflagração do processo de apuração de responsabilida-des.

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É de se repetir, o impeachment é um processo político, ins-taurado, instruído e julgado por políticos, mas que deve ob-servar, como em todo procedimento, o princípio do due

process of law (MS 21.623, Relator Ministro CARLOS

VELLOSO, DJ 28 maio 1993).São essas as estreitas balizas que autorizam a apreciação doato impugnado pelo Judiciário.

Esse tema foi objeto também de detida análise procedida

por FÁBIO MEDINA OSÓRIO21 que, destacando o formato polí-

tico-jurídico de impeachment adotado no Brasil, e lançando mão

das premissas daí decorrentes [(a) o objetivo do processo de im-

peachment é político, (b) sua institucionalização é constitucional

e legal, e (c) seu processamento é jurídico e deve submeter-se aos

parâmetros constitucionalmente definidos e legalmente fixados,

incidindo sobre si princípios de direito constitucional e de direito

processual, em conjunto com regras jurídicas previamente esta-

belecidas], conclui “[…] que a melhor doutrina, em conjunto

com jurisprudência mansa do Supremo Tribunal Federal, consoli-

dou entendimento de que os atos praticados pela Câmara dos De-

putados e pelo Senado Federal no âmbito de procedimento de

impeachment são, sim, sindicáveis pelo Poder Judiciário, desde

que se alegue violação a direitos e garantias procedimentais e

21 OSÓRIO, Fábio Medina. Crimes de responsabilidade da Presidente da Repú-blica. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos /2016 /4/art20160411-07.pdf >. Acesso em: 24 abr. 2017.

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formais assegurados pela Constituição da República e lei especial

vigentes”.

Também ostenta esse posicionamento JOSÉ ADÉRCIO LEITE

SAMPAIO, em capítulo de sua obra que discorre sobre a jurisdição

constitucional e a divisão dos poderes, no qual atesta ser “admis-

sível o controle judicial da regularidade do processo de impeach-

ment contra o Presidente da República, tendo por objeto

alegações de cerceamento de defesa, desrespeito ao devido pro-

cesso legal, de lesão ou ameaça de outros direitos constitucionais

ou legais, bem como sobre matéria de competência de órgão do

Congresso Nacional para prática de ato impugnado, todavia não

pode haver alteração da decisão tomada seja em juízo de admissi-

bilidade proferido pela Câmara, seja no curso do processo e jul-

gamento pelo Senado Federal.

Vale dizer, o Supremo Tribunal Federal não pode discutir o

mérito das deliberações tomadas, desde a autorização prévia para

a instauração do processo até a sua decisão final, em função da

sua natureza predominantemente política. O Tribunal do Impea-

chment é o órgão soberano nessa questão, não se abrindo espaço

para qualquer recurso, nem para rescisória [...]”22.

22 SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição

constitucional. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 530-531.

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Postos esses antecedentes doutrinários e analisadas, panora-

micamente, as questões suscitadas no presente mandado de segu-

rança, conclui-se ser viável e recomendável o conhecimento das

teses lá expostas pelo Supremo Tribunal Federal.

3.3. Análise tópica das alegações da impetrante

Na ordem acentuada na petição inicial, o primeiro argu-

mento irrompe na não recepção do art. 11 da Lei 1.079/1950 pela

Constituição Federal de 1988, à falta de específica previsão cons-

titucional acerca dos crimes contra a guarda e o legal emprego

dos dinheiros públicos e a dissonância entre a listagem de ilícitos

do art. 4º da lei do impeachment e do art. 85 do texto constitucio-

nal.

À toda evidência, há uma lacuna textual. Do que não resulta

a conclusão defendida pela impetrante. E há dois motivos funda-

mentais para a discordância – o primeiro de índole literal e o se-

gundo, hermenêutico.

O citado art. 85 preceitua que “são crimes de responsabili-

dade os atos do Presidente da República que atentem contra a

Constituição […]”. Há uma cláusula generalizante que a defesa

da impetrada olvidou reconhecer, crendo que somente os incisos

do artigo tivessem o condão de prescrever e exaurir todas as hi-

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póteses fáticas sobre as quais incidiriam os tipos penais alocados

na competente lei ordinária prevista no parágrafo único do artigo.

Em acréscimo, há registro na doutrina de que a aludida enu-

meração é meramente exemplificativa, “pois o Presidente poderá

ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição

Federal”23, desde que tipificado em lei ordinária.

Por outro lado, a ausência de prescrição constitucional

acerca dos crimes relacionados à guarda e ao emprego dos di-

nheiros públicos, por certo, não leva à conclusão de que as con-

dutas a eles ligadas deixaram de receber a censura constitucional,

uma vez que o texto constitucional não pode ser lido de modo

fragmentado, fazendo pouco de uma concretização unitária dos

valores inscritos na Constituição24.

23 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 24. ed. 2. tir. SãoPaulo: Malheiros, 2014, p. 169.

24 Na lapidar lição sobre interpretação jurídica, o Ministro EROS GRAU, emseu voto nos autos da ADPF 101, cujo cerne remontava à ilegal importa-ção de pneus usados, afirmou: “Acompanho o voto entendendo, contudo,ser outra a fundamentação da afirmação de inconstitucionalidade das in-terpretações judiciais que autorizaram a importação de pneus. Isso, de umlado, porque recuso a utilização da ponderação entre princípios para a de-cisão da questão de que se cuida nestes autos. De outro, porque, talcomo me parece, essa decisão há de ser definida desde a interpreta-ção da totalidade constitucional, do todo que a Constituição é. Desseúltimo aspecto tenho tratado, reiteradamente, em textos acadêmicos.Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normati-vos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo ― marcado, na dic-ção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas”. [Destaque

acrescido.]

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Nesse sentido, a Constituição não se comporta como um

conjunto de normas individualizadas, cada qual disciplinando um

aspecto particular da vida pública e privada do cidadão, senão

como uma unidade orgânica de princípios e normas, fundada em

uma principiologia hermenêutica própria, que contempla sua uni-

dade e indivisibilidade.

Conforme magistério de DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR, essa parti-

cularidade do texto constitucional tem lugar e razão de ser no

pressuposto teórico da inexistência de hierarquia normativa ou

formal entre suas normas, já que decorrem da mesma fonte e têm

o mesmo fundamento de validade: o poder constituinte originá-

rio25. O autor segue em menção a importante julgado do STF que

reafirmou as bases teóricas do ilustrado princípio, cuja ementa

aqui se reproduz para conferência:

Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º doartigo 45 da Constituição Federal. − A tese de que há hie-rarquia entre normas constitucionais originárias dando azoà declaração de inconstitucionalidade de umas em face deoutras e incompossível com o sistema de Constituição rígi-da. − Na atual Carta Magna “compete ao Supremo TribunalFederal, precipuamente, a guarda da Constituição” (artigo102, “caput”), o que implica dizer que essa jurisdição lhe éatribuída para impedir que se desrespeite a Constituiçãocomo um todo, e não para, com relação a ela, exercer o pa-pel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de veri-

25 CUNHA JR., Dirley da. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev., ampl. eatualiz. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 227.

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ficar se este teria, ou não, violado os princípios de direitosuprapositivo que ele próprio havia incluído no texto damesma Constituição. − Por outro lado, as cláusulas pétreasnão podem ser invocadas para sustentação da tese da in-constitucionalidade de normas constitucionais inferiores emface de normas constitucionais superiores, porquanto aConstituição as prevê apenas como limites ao Poder Cons-tituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição ela-borada pelo Poder Constituinte originário, e não comoabarcando normas cuja observância se impôs ao próprioPoder Constituinte originário com relação a outras que nãosejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto,possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibi-lidade jurídica do pedido. (ADI 815, Relator Min. MOREIRA

ALVES, Tribunal Pleno, DJ de 10 maio 1996)

Essa harmonia constitucional não pode sofrer a interferência

de interpretações distorcidas, a partir de regras específicas e apa-

rentemente disciplinadoras de todo o caso concreto em análise.

A Constituição Federal, embora não discorra expressamente

no art. 85 sobre condutas ilícitas em relação ao dinheiro público e

ao patrimônio público, não deixou o assunto sem o necessário re-

gramento. Há inúmeras passagens nos assentos constitucionais

que tratam dos bens públicos, mas uma em especial, a criação de

um sistema irrestrito de fiscalização contábil, financeira e orça-

mentária, operacional e patrimonial da União, por si só, já se

mostra emblemática e indica que nem o dinheiro público e tam-

pouco a forma de dispêndio foram esquecidos pelo constituinte

originário.

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O constituinte brasileiro foi além e consolidou como um dos

deveres irrenunciáveis do Parlamento a fiscalização quantitativa

e qualitativa na aplicação de recursos financeiros e de pessoal.

Vale dizer, se é o Poder Executivo o responsável pela aplicação e

gestão de todos os recursos advindos da arrecadação tributária e

não tributária e organizados na peça orçamentária, é o Poder Le-

gislativo o centro de toda a conferência de atos oriundos dos de-

mais órgãos componentes da União, a partir de distintas

checagens metodológicas: contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial.

E para o desempenho dessa função constitucional, o consti-

tuinte de 1988, na senda das Constituições pretéritas, chancelou o

poder fiscalizatório do Legislativo e deferiu as tecnicalidades

próprias da função, no âmbito da União, ao respectivo Tribunal

de Contas. A essencialidade dessa Instituição – surgida nos albo-

res da República com o Decreto 966-A, de 7 de novembro de

1890, editado pelo Governo Provisório sob a inspiração de Rui

Barbosa – foi uma vez mais acentuada com a inclusão, no rol dos

princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da pres-

tação de contas da administração pública, direta e indireta (CF,

art. 34, VII, d).

A atuação do Tribunal de Contas, por isso mesmo, assume

importância fundamental no campo do controle externo. Como

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natural decorrência do fortalecimento de sua ação institucional,

os Tribunais de Contas tornaram-se instrumentos de inquestioná-

vel relevância na defesa dos postulados essenciais que informam

a própria organização da Administração Pública e o comporta-

mento de seus agentes, com especial ênfase para os princípios da

moralidade administrativa, da impessoalidade e da legalidade.

Nesse contexto, o regime de controle externo, institucionalizado

pelo ordenamento constitucional, propicia, em função da própria

competência fiscalizadora outorgada aos Tribunais de Contas, o

exercício, por esses órgãos estatais, de todos os poderes – explíci-

tos ou implícitos – que se revelem inerentes e necessários à plena

consecução dos fins que lhes foram cometidos. Cabe ter presente,

neste ponto, a advertência feita por PONTES DE MIRANDA (Comen-

tários à Constituição de 1967: com a Emenda n. 1 de 1969,

3. ed., Forense, 1987, t. 3, p. 258), que, ao analisar o poder de

controle outorgado ao Tribunal de Contas, enfatiza: “Todo ato,

quer do Poder Executivo, quer do Poder Legislativo, ou do Poder

Judiciário, de que resulte despesa, tem de ser conferido com as

leis, para que se verifique se alguma das suas cláusulas viola re-

gra de direito cogente” (excerto de decisão do Min. CELSO DE

MELLO nos autos da Suspensão de Segurança 1308).

Reconhecendo a relevância da esfera do controle finalístico

do gasto público, RICARDO LOBO TORRES identifica os valores ínsi-

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tos à esfera do cidadão, construídos historicamente por diversas

sociedades e devidamente apropriados pela Constituição Federal

de 1988, e a legitimidade dos trabalhos desenvolvidos por um ór-

gão de controle de contas:

A Constituição Financeira, que abrange as normas sobre ocrédito público e o orçamento (arts. 163-169) e sobre a fis-calização contábil, financeira e orçamentária (arts. 70-75), éum subsistema elaborado em estrita consonância com osavanços do constitucionalismo de nações mais desenvolvi-das e plenamente ajustado à modernidade.Tais observações valem inclusive para as normas sobre oTribunal de Contas. As Constituições da Alemanha (1949,reformulada em 1967 e 1969), da Itália (1947) e da Espa-nha (1978) já haviam trazido inúmeros aperfeiçoamentosno campo do controle de contas. Na década de 80 foram in-troduzidas modificações substanciais nas legislações de vá-rios países (Suécia, Inglaterra, Suíça, Estados Unidos,Canadá) e ainda continua, em outros, a discussão sobre anecessidade de reforma. A perspectiva oferecida pelo di-reito comparado torna-se, pois, relevante para o exame donovo papel da Corte de Contas.No texto de 1988 surge a novidade do controle da “legali-dade, economicidade e legitimidade”. As Constituições an-teriores se referiam, apenas incidentalmente, ao controle dalegalidade. Agora o Tribunal de Contas estende a sua açãotambém à economicidade e à legitimidade. É ler o art. 70:

“A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operaci-onal e patrimonial da União e das entidades da administra-ção direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,economicidade, aplicação das subvenções e renúncias dereceitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediantecontrole externo, e pelo sistema de controle interno de cadaPoder”.

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O dispositivo encontrou uma primeira inspiração no art.114 da Constituição de Bonn:

“2. O Tribunal Federal de Contas, cujos membros possuema independência judicial, controlará as contas assim como aeconomicidade e a legalidade da gestão orçamentária e eco-nômica”.

Aproxima-se, também, da Constituição da Itália:

“Art. 100 – O Tribunal de Contas (Corte dei Conti) exerceo controle preventivo quanto à legitimidade dos atos doGoverno, como também sobre a exatidão do balanço do Es-tado”.

Tem ponto de contato, igualmente, com o art. 31 da Consti-tuição da Espanha:

“2. El gasto público realizará una asignación equitativa delos recursos públicos, y su programación y ejecución res-ponderán a los criterios de eficiencia y economia”.

A norma do art. 70 da Constituição Federal/88 distingueentre a fiscalização formal (legalidade) e a material(economicidade), sintetizadas no controle da moralidade(legitimidade), isto é, estabelece o controle externo sobrea validade formal, a eficácia e o fundamento da execu-ção orçamentária. Mas o controle da legalidade não seexaure na fiscalização formal, senão que se consubstan-cia no próprio controle das garantias normativas ou dasegurança dos direitos fundamentais; o da economici-dade tem sobretudo o objetivo de garantir a justiça e odireito fundamental à igualdade dos cidadãos; o da legi-timidade entende com a própria fundamentação éticada atividade financeira. De modo que o estudo sobre opapel institucional do Tribunal de Contas deve se iniciarnecessariamente pelo exame do relacionamento entre as

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finanças públicas e os direitos fundamentais26. [Desta-

que acrescido.]

Portanto, diante da minudência e da importância que o texto

constitucional concedeu ao controle de gastos públicos em seus

diversos níveis, não se mostra razoável considerar esse um as-

pecto de menor importância no contexto constitucional atual.

A partir dessas considerações, também não se mostra possí-

vel aceitar uma interpretação da Constituição destituída de sua

unidade textual, valorativo-principiológica ou finalística, rele-

gando apenas o art. 85 de seu texto a fonte originária, incontras-

tável e única de todos os nascedouros fáticos relativos às

previsões de crime de responsabilidade. Trata-se de leitura mini-

mizante e que subtrai força e relevância do texto da Constituição,

retrocedendo em relação ao aprendizado construído por décadas

e fruto da concepção de Constituição como diretriz fundadora do

Estado de Direito e ordenadora das normas infraconstitucionais e

daquilo que é público e privado. Neste sentido a doutrina do Mi-

nistro LUÍS ROBERTO BARROSO:

Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional noBrasil passou da desimportância ao apogeu em menos deuma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem dehaver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas

26 TORRES, Ricardo Lobo. A legitimidade democrática e o tribunal de contas.Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 4, p. 185-198,jul./set. 1993.

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e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avan-ços. O surgimento de um sentimento constitucional no Paísé algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimentoainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela LeiMaior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um gran-de progresso. Superamos a crônica indiferença que, histori-camente, se manteve em relação à Constituição27.

E adiante:

A ideia de constitucionalização do Direito aqui exploradaestá associada a um efeito expansivo das normas constituci-onais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, comforça normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, osfins públicos e os comportamentos contemplados nos prin-cípios e regras da Constituição passam a condicionar a vali-dade e o sentido de todas as normas do direito infraconsti-tucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercutesobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamentenas suas relações com os particulares. Porém, mais originalainda: repercute, também, nas relações entre particulares28.

Como conclusão desse ponto, a exclusão de cláusula consti-

tucional relativamente à proteção de dinheiro público como subs-

trato fático a ser regulado pelo legislador infraconstitucional não

é causa de abolitio criminis. A um primeiro argumento, já desen-

27 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do

direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponívelem: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acessoem: 18 abr. 2017, fl. 4.

28 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do

direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponívelem: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>.Acesso em: 18 abr. 2017, fl. 16.

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volvido alhures, a unidade da Constituição não permite uma lei-

tura particularizada de um artigo ou de uma seção de seu texto,

mas sim de todo o complexo de regras e princípios que integram

a obra do constituinte. A um segundo argumento, a causa de ex-

clusão dos efeitos penais só poderia vigorar, no presente caso, na

hipótese de haver disposição constitucional expressa no sentido

de que a malversação de fundos públicos não ensejariam mais a

responsabilização política do mandatário e a completa revogação

das disposições atinentes à fiscalização e à vontade constitucio-

nal de proteger os recursos públicos de condutas perdulárias ou

irresponsáveis, não subsistindo, nesse contexto, a indispensável

justa causa para o processamento e a condenação do agente polí-

tico.

Não é demais lembrar que a abolitio criminis demanda, para

a sua verificação, a supressão formal, relativamente aos elemen-

tos normativos e textuais incriminadores (revogação do tipo pe-

nal), e a supressão do conteúdo criminoso, o que confere

convicção ao intérprete de que a intenção do legislador é não

mais considerar criminoso o fato em destaque, evidenciada pela

inexistência de qualquer indício de incriminação no ordenamento

jurídico-penal.

O caso em comento, por outro lado, na medida em que não é

possível atestar a revogação da conduta ilícita, traduzida pela dis-

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posição do supracitado art. 11, e nem a eliminação total da nor-

matividade ligada ao controle das finanças públicas e dos gastos

públicos, o único resultado possível é o reconhecimento da conti-

nuidade normativo-típica desse crime de responsabilidade29.

Ainda a esse respeito, o saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI,

por ocasião de seu pronunciamento sobre o pedido de medida li-

29 A posição do Supremo Tribunal Federal é consentânea com os conceitosaqui formulados: PENAL. CRIME TIPIFICADO NO ART. 12, § 2º , INCISO III, DA LEI

6.368/76 (CONTRIBUIÇÃO PARA O TRÁFICO, COMO “FOGUETEIRO”). REVOGAÇÃO DA

LEI 6.368/76 PELA LEI 11.343/06. ABOLITIO CRIMINIS. INEXISTÊNCIA.CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 37 DA LEI

REVOGADORA. LEX MITIOR. RETROAÇÃO. ART. 5º , INC. XL, DA CF. 1. A condutado “fogueteiro do tráfico”, antes tipificada no art. 12, § 2º, da Lei6.368/76, encontra correspondente no art. 37 da Lei que a revogou, a Lei11.343/06, não cabendo falar em abolitio criminis. 2. O informante, nasistemática anterior, era penalmente responsável como coautor ou partí-cipe do crime para o qual colaborava, em sintonia com a teoria monísticado art. 29 do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para ocrime incide nas penas a este cominadas, na medida de suaculpabilidade”. 3. A nova Lei de Entorpecentes abandonou a teoria mo-nística, ao tipificar no art. 37, como autônoma, a conduta do colaborador,aludindo ao informante (o “fogueteiro”, sem dúvida, é informante), e co-minou, em seu preceito secundário, pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos de re-clusão, e o pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa,que é inferior à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/76, expressando amens lege que a conduta a ser punida mais severamente é a do verdadeirotraficante, e não as periféricas. 4. A revogação da lei penal não implica,necessariamente, descriminalização de condutas. Necessária se faz aobservância ao princípio da continuidade normativo-típica, a impora manutenção de condenações dos que infringiram tipos penais da leirevogada quando há, como in casu, correspondência na lei revoga-dora. 5. Reconhecida a dupla tipicidade, é imperioso que se faça a dosi-metria da pena tendo como parâmetro o quantum cominadoabstratamente no preceito secundário do art. 37 da Lei 11.343/06, de 2(dois) a 6 (seis) anos de reclusão, lex mitior retroativa por força do art. 5º,XL, da Constituição Federal, e não a pena in abstrato cominada no art.

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minar formulado pela impetrante, destacou as incongruências ar-

gumentativas da defesa:

6. É a partir dessas premissas que serão apreciadas as ale-gações da inicial. E, a despeito da eloquência com que fo-ram formuladas, não desfrutam elas de plausibilidadenecessária ao deferimento da medida cautelar requerida.Alega-se, primeiramente, que o ato coator não poderia tercondenado a impetrante nas infrações cominadas pelo ar-tigo 11 da Lei 1.079/50, porque estariam eles a serviço daproteção de um bem jurídico específico – “a guarda e o le-gal emprego dos dinheiros públicos” – os quais, ao contrá-rio do que sucedia nas Constituições anteriores, nãoapareceram nos incisos correspondentes ao art. 85 daCF/88, o que equivaleria a uma espécie de abolitio crimi-

nis. Sem qualquer desapreço pelas opiniões doutrináriasque endossam ponto de vista semelhante, essa assimetria deredação não é suficiente para resultar num juízo automáticode não recepção das infrações enunciadas pelo art. 11 daLei 1.079/50 pela CF/88. Em primeiro lugar porque o roldiscernido nos incisos do art. 85 da CF, em que estão lista-dos os bens jurídicos tutelados pela previsão de crimes deresponsabilidade, não vigora de forma taxativa, já que opróprio caput do dispositivo indica que eles seriam “especi-almente” protegidos, mas não exclusivamente, conclusãocomungada por parte significativa da doutrina (STRECK, Le-nio L. Comentário ao artigo 85. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio

12 da Lei 6.368/76, de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão. 6. Ordemdenegada nos termos em que requerida, mas concedida, de ofício, paradeterminar ao juízo da execução que proceda à nova dosimetria, tendocomo baliza a pena abstratamente cominada no art. 37 da Lei 11.343/06,observando-se os consectários da execução decorrentes da pena redimen-sionada, como progressão de regime, livramento condicional etc. (HC106.155, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão Min. LUIZ FUX,Primeira Turma, DJe-218 de 16 nov. 2011).

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(Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva; Almedina, 2014, p. 1287; MORAES, Alexandre. Di-

reito constitucional. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 512;BRINDEIRO, Geraldo. Comentário aos arts. 85 e 86. In:BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura.Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Ja-neiro: Forense, p. 1181). E não parece que a ConstituiçãoFederal tenha sido negligente em tutelar a aplicação dos re-cursos do erário quando ela mesmo incorpora uma analíticadisciplina a respeito da gestão responsável das finanças pú-blicas (arts. 164 a 167).Aliás, a proteção constitucional a esse interesse público re-sultou na promulgação da Lei 10.028/00, que, entre outrasdisposições, determinou fossem acrescidos ao art. 10 da Lei1.079/50 os itens 5 a 12, que passaram a prever crimes deresponsabilidade absolutamente semelhantes àqueles queconstam do art. 11 do mesmo diploma, como se pode con-ferir do cotejo entre ambos os dispositivos:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orça-mentária: […]5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida con-solidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o mon-tante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limitemáximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei nº10.028, de 2000)6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordocom os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fun-damento na lei orçamentária ou na de crédito adicional oucom inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Leinº 10.028, de 2000)7) deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, ocancelamento, a amortização ou a constituição de reservapara anular os efeitos de operação de crédito realizada cominobservância de limite, condição ou montante estabelecidoem lei; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)”.

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“Art. 11. São crimes contra a guarda e o legal emprego dosdinheiros públicos:

1 – ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem ob-servância das prescrições legais relativas às mesmas;2 – abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formali-dades legais;3 – contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices,ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;4 – alienar imóveis nacionais ou empenhar rendas públicassem autorização legal;5 – negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas,bem como a conservação do patrimônio nacional.”

Não fosse isso o bastante, cumpre ter presente que o bemjurídico protegido pelo art. 85, VI − “a lei orçamentária” −,não constitui figurino inflexível a ponto de excluir do seuâmbito de proteção dispositivos que sejam pertinentes àaplicação dos recursos públicos, que nada mais é do que aexecução do orçamento. O preceito não pode ser lido comviés excessivamente reducionista, como se buscasse unica-mente o cuidado com documento único, a lei orçamentáriaanual, mas como disciplina genérica de programação dosgastos públicos. Nesse sentido, é evidente que condutascomo “ordenar despesas […] sem observância das prescri-ções legais” (item 1 do art. 11); “abrir crédito sem funda-mento em lei ou formalidades legais” (item 2); “contrairempréstimo […] sem autorização legal” (item 3); “alienarimóveis […] sem autorização legal” (item 4), todos do art.11 da Lei 1.079/50, particularizam condutas inevitavel-mente atentatórias ao orçamento público, que nada mais édo que pressuposto formal de autorização de gastos públi-cos. Há, portanto, um conjunto de fatores que militam nosentido da recepção do art. 11 da Lei 1.079/50 pela Consti-tuição Federal de 1988.

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Acresce-se a isso o fato de que, a despeito de ser aquela

uma decisão voltada para analisar a existência dos requisitos exi-

gidos para o deferimento de medida liminar, não é possível dei-

xar de reconhecer, nas escolhas dos fundamentos, a inexistência

de reservas do Ministro Relator em repudiar esse questionamento

da impetrada. O Ministro bem expôs a incompetência da pre-

missa da defesa para sustentar a antijuridicidade da imputação

política.

A conclusão inarredável, portanto, é o descabimento da in-

constitucionalidade do art. 11 da Lei 1.079/1950 deduzida pela

impetrante.

Não prospera também a alegação de não recepção do item 4

do art. 10 do mesmo diploma normativo, ao argumento de que o

texto da Lei 1.079/1950 mostra-se exageradamente genérico e ti-

pifica como crime de responsabilidade, em atentado ao mandato

presidencial e ao equilíbrio político da nação, pequenas infrações

à lei orçamentária destituídas de maior gravidade.

Por constituírem uma listagem de prescrições ilícitas passí-

veis de serem praticadas somente por agentes políticos com privi-

legiado acesso aos instrumentos típicos do poder institucional,

como, por exemplo, acesso ao comando das Forças Armadas,

acesso aos meios predefinidos de alteração da ordem normativa

e, especificamente, das normas orçamentárias, acesso a informa-

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ções sensíveis para o gerenciamento da nação, entre outras fran-

quias oriundas da direção de um país, os crimes de responsabili-

dade acabam se constituindo em cláusulas mais abertas, tendo em

vista o amplo espectro de liberdade gerencial de que goza o man-

datário da República.

Diferem, portanto, dos tipos penais, na medida em que esses

se enclausuram em um sistema estrito de subsunção às elementa-

res descritas na conduta tipificada em lei, enquanto os denomina-

dos crimes de responsabilidade estão mais afetados à disciplina

dos atos de improbidade administrativa, tamanha a afinidade que

guardam entre si30, que se dirigem por uma hermenêutica mais

aberta e uma abertura descritiva das infrações, de modo a englo-

bar ofensas que se traduzam em dano à Administração Pública ou

que constituam burla a princípios e valores diretivos da prática

administrativa.

Sem olvidar que em recente decisão, e dada a proximidade

dos regimes de responsabilidade e o de improbidade, o STF se

posicionou pela aplicação simultânea a agente político:

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL – IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA – AGENTE POLÍTICO – COMPORTAMENTO

ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE

30 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria geral da improbidade administrativa.2. ed. rev., atualiz. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.168.

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GOVERNADOR DE ESTADO – POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO

TANTO AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE

“IMPEACHMENT” (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR

DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA

NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) – EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO

MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO – EXCLUSÃO DO REGIME

FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) –PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A AUTORA

OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO –LEGITIMIDADE, CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE

ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 –DOUTRINA – PRECEDENTES – REGIME DE PLENA

RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS

AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO

DA IDEIA REPUBLICANA – O RESPEITO À MORALIDADE

ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS

GOVERNAMENTAIS – PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA,TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO

DOS AGENTES PÚBLICOS – DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO

CAUTELAR – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO – PARECER DA

PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO –RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO (AC 3585 AgR,Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe-211 de24 out. 2014). [Destaques acrescidos.]

A diferenciação explica-se pela finalidade encontrada em

cada um dos ramos do Direito. Isso porque, ao Direito Penal

compete a função de reprimir e castigar o réu por uma conduta

identificada com todas as elementares de um tipo penal (circuns-

tância ligada a vetores constitucionais, como legalidade estrita,

segurança jurídica, individualização da pena e interpretação res-

tritiva do tipo penal como fator de limitação do sancionamento

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estatal). Haverá, destarte, uma sanção penal geral que, em regra,

corresponde à pena de prisão. O direito penal, nessa linha de raci-

ocínio, não tem por objetivo reintegrar o tecido normativo já vio-

lado, mas repreender o ofensor e reparar a ordem social a partir

do isolamento do condenado do convício social.

A sanção derivada da improbidade administrativa, con-

quanto tenha repercussão na vida pessoal e patrimonial do ofen-

sor, tem por objetivo proteger as rotinas da administração pública

de servidor ou agente que se mostra nocivo ao seu bom anda-

mento, quer seja por práticas de enriquecimento ilícito, quer seja

por atos que causem prejuízo ao erário ou que atentem contra os

princípios basilares da Administração Pública31 e 32.

31 Segundo OSÓRIO (2010, p. 195): “Qualquer que seja o conceito de sançõesadministrativas, nele subsiste uma concepção de direito administrativo,concepção consciente ou inconscientemente abraçada pela doutrina. Nãoestamos negando a importância da dimensão processual do direito admi-nistrativo sancionador, na medida em que não raro constitui instrumentode formalização de infrações e de sanções para o amparo de quaisquer es-pécies de bens jurídicos, desde a perspectiva da atuação administrativa,adentrando esferas tuteladas diretamente por outros ramos jurídicos, taiscomo o direito ambiental, o direito da concorrência ou o direito dos con-sumidores, entre tantos outros. Tão somente, repita-se, queremos am-pliar o conceito, englobando também a perspectiva material dodireito administrativo sancionador, que é um instrumento específicopara tutelar os ilícitos tipicamente administrativos, aqueles que de-vem ser castigados pela Administração Pública ou pelo Poder Judici-ário, não importa, mas que têm como figurante no polo passivo daagressão a Administração Pública”. [Destaque acrescido.]

32 “O descumprimento do dever de probidade pode gerar prejuízos irrever-síveis às pessoas, físicas ou jurídicas, que se situam em determinada áreade atuação estatal. Pode-se destruir todo um patrimônio moral, com refle-

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Nesse sentido, a viabilização de um regramento sancionador

que permita a preservação da prática administrativa, tendo em

conta a amplitude de práticas virtualmente danosas, importa na

construção de estruturas normativas mais alargadas e na elabora-

ção de uma hermenêutica mais condizente com a necessidade de

um controle a ser realizado por condutas inespecíficas ou não re-

dutíveis a fórmulas legais diretas.

Ao explicar a funcionalidade diversificada dos dispositivos

gerais e casuísticos da Lei 8.429/1992, aplicável de igual forma

ao quanto discutido sobre os crimes de responsabilidade, FÁBIO

MEDINA OSÓRIO detalha:

Cabe recordar que algumas características centrais da her-menêutica relativa à LGIA, no tocante à aplicabilidade deseus tipos sancionadores, passam pela compreensão acercado universo axiológico e metodológico que domina o direitopúblico punitivo, em concreto o direito administrativo sanci-onador, incluindo o direito penal. Tal constatação implica re-conhecer não apenas a funcionalidade geral das regras eprincípios jurídicos, como também dos postulados normati-vos aplicativos e dos valores superiores do ordenamento ju-rídico.

xos objetivos e subjetivos de enorme significado. É possível, não apenasno manejo indevido da LGIA [Lei Geral de Improbidade Administrativa],mas no manejo arbitrário das normas punitivas, arrebentar boas reputa-ções ou aniquilar espaços de trabalho e de identidade social de pessoas,pela sonegação prepotente de direitos fundamentais. Daí o nascimentonão apenas da pretensão punitiva em várias direções, para fins de castigaragentes públicos ineptos e incapazes de exercerem seus misteres fiscali-zadores, mas de pretensões ressarcitórias” (OSÓRIO, 2010, p. 200).

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Convém também registrar que as normas tipificatóriasda improbidade constituem ferramentas de controle damá gestão pública, desenhando suporte para incidênciade regras punitivas. Nesse aspecto, a LGIA radicaliza aobuscar a valorização do direito judicial, valendo-se determos indeterminados e de outros instrumentos simila-res em abundância. Não se pode criticar tal postura sobo argumento da necessária legalidade e tipicidade le-gais, pois até mesmo no direito penal, se tomarmoscomo referência o direito comparado, assim como oBrasil, vale-se de técnicas para cobrir comportamentosnão previstos especificamente nas normas repressoras.Todavia, convém não confundir a funcionalidade daLGIA como Código Geral e central do sistema de res-ponsabilidade por atos ímprobos, a partir do papel re-gulatório do art. 37, § 4º, da CF, com a funcionalidadedos termos jurídicos indeterminados no sistema penal.Recobra utilidade, aqui, a ideia de metodologia jurídica,abordada na primeira parte deste trabalho, no sentido deorientar os movimentos dos intérpretes, a partir de baliza-mentos contemporâneos, racionais, razoáveis, comprometi-dos com os cânones da justificação formal e material dasdecisões, num ambiente notoriamente pós-positivista. Semembargo, não deixa de ser especialmente importante frisara funcionalidade global dos postulados da proporcionali-dade, racionalidade e segurança jurídica, tanto na com-preensão do alcance dos tipos sancionadores, quanto nadefinição das sanções correspondentes e da metodologiapertinente. E vale realçar a importância ímpar, nem semprelembrada, do Poder Legislativo competente, na intermedia-ção cabível entre a LGIA e a conduta proibida no caso con-creto. Afinal, as conexões entre o papel discricionário doLegislador e o princípio democrático são evidentes.Diga-se que, para todos os efeitos, os tribunais pátriostêm reconhecido uma funcionalidade cada vez mais am-pla à proporcionalidade, inclusive e muito especial-mente na dosimetria das sanções, sem que isto

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signifique balanço invariável a favor dos direitos dosacusados, porque também a extensão e ampliação do al-cance de termos indeterminados, na concretização de ti-pos sancionadores, pode ocorrer a partir do postuladoda proporcionalidade. Trata-se de postulado que, emconjugação com a racionalidade, a legalidade, e a segu-rança jurídica, integra a base argumentativa do intér-prete no manejo de todo e qualquer tipo sancionadorprevisto na LGIA.De igual modo, forçoso destacar que a segurança jurídicatem sido encarada como postulado normativo geral, dadoque permeia a aplicação de todos os dispositivos sanciona-tórios, direcionando as soluções em busca de valores liga-dos a esse ideário político. Não se pode duvidar do fato deque será a segurança jurídica alcançada a partir de uma me-todologia comprometida com a consistência, a fundamenta-ção, a visibilidade das razões, a coerência e a unidade dosposicionamentos em face dos mesmos paradigmas sufraga-dos pelo sistema punitivo. Resulta desse panorama a buscaincessante de uma série de valores, regras e princípios co-nectados à segurança jurídica […].Com tais ponderações preambulares, e fixadas as pre-missas do discurso que resulta necessário na fundamen-tação de imputações lançadas contra ímprobos, há quese sublinhar que, em sua típica estrutura, a improbi-dade administrativa – no marco do Código Geral, mastambém fora de seus domínios – aparece recortada porproibições gerais e pontuais, ambas ostentando vaguezasemântica. […]33 e 34 (Destaques acrescidos.)

A comprovar a tese da largueza interpretativa dos dispositi-

vos da lei de improbidade e, por consequência, dos constantes na

33 OSÓRIO, 2010, p. 215-217.34 Em igual sentido: OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancio-

nador. 4. ed. rev., atualiz. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,2011, p. 217-234.

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lei dos crimes de responsabilidade, FÁBIO MEDINA OSÓRIO, alu-

dindo à estrutura normativa dos incisos descritivos de atos de im-

probidade administrativa e à violação às suas proibições, leciona:

Deve-se dizer que a violação das proibições dos incisos é in-terceptada mais diretamente do que a violação do caput, tra-duzindo um grau maior de possibilidade de que a condutatransgressora venha a ser censurada, de tal modo que proibi-ções concretas se incorporam à LGIA como espécies de inci-sos. Note-se que o inciso espelha um detalhamentonormativo da própria LGIA, na medida em que as cláusulasmais específicas são aquelas que maior operacionalidade os-tentam na vida de relações, maior grau de decidibilidade ede incidência direta apresentam.Uma conduta que se encaixe diretamente em algum dos in-cisos se valora de modo mais severo pelo legislador, cujademocrática decisão terá que ser respeitada. Os incisos,tanto quanto o caput, recebem contribuições de legislaçõessetoriais, consistindo em normas sancionadoras em branco,repletas de termos jurídicos indeterminados, porém maisconcentradas e especializadas do que o caput dos dispositi-vos preambulares de cada bloco. A densidade dos incisos émaior que a do caput, obviamente. […]35

Na linha proposta pelas informações da Advocacia do Se-

nado Federal e no que se propõe a presente manifestação ministe-

rial, o Ministro Relator, ao indeferir o pedido de medida liminar,

assim se pronunciou no particular:

A tese seguinte questiona a recepção, pela ordem constitu-cional vigente, da norma preconizada pelo item 4 do art. 10da Lei 1.079/50, que considera crime de responsabilidade a

35 OSÓRIO, 2010, p. 221-222.

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conduta de “infringir, patentemente, e de qualquer modo,dispositivo da lei orçamentária”, sob o argumento de queela seria excessivamente abrangente, possibilitando a puni-ção de infrações menores, incapazes de configurar atenta-dos contra a Constituição. O raciocínio desenvolvido nesseparticular também é insubsistente. A tipificação de crimesde responsabilidade não está submetida aos mesmos rigoresencontrados no domínio do direito penal. Desde que o nú-cleo central do tipo permita a imputação subjetiva de umadeterminada conduta infracional, admite-se que os “tipos deresponsabilidade” trabalhem com elementos descritivosmais abertos, incluindo o recurso a condutas equiparadas.A função dos tipos enunciados pela Lei 1.079/50 está justa-mente em viabilizar a aferição objetiva do nexo de perten-cimento entre a conduta do agente político e os valoresprotegidos pelos incisos do art. 85 da CF. Trata-se de cons-trução semelhante à que se verifica no campo da tipicidadede improbidade administrativa de que trata a Lei 8.429/92,cujas infrações conjuminam uma realidade delitiva ambi-destra, pertinente não apenas ao descumprimento de um de-ver funcional exigível dos agentes públicos, mas tambémcontrastante de um contexto de moralidade pública especi-almente protegido pelo ordenamento. Reproduzo, pela se-melhança com a questão aqui debatida, o que, a propósitodesse diploma normativo, registrei em sede doutrinária:

“Na tipificação dos ilícitos, a Lei utilizou a técnica de des-crição do núcleo central do tipo, seguida de especificaçõesexemplificativas de condutas nele enquadráveis. O rol ex-pressamente não exaustivo de condutas especificadas demodo algum compromete o princípio da tipicidade: o tipoestá suficientemente descrito no caput de cada um dos dis-positivos tipificadores (arts. 9º, 10 e 11 da Lei). Assim, em-bora esteja aberta a possibilidade de existirem outrascondutas além das descritas nos vários incisos de cada umdaqueles dispositivos, a tipicidade, em qualquer caso,supõe necessariamente a adequação da conduta ao núcleocentral do tipo, previsto no caput. A norma, sob esse as-

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pecto, não dá margem a qualquer interpretação ampliativado tipo, nem permite juízos discricionários a respeito damatéria. Embora a Lei se utilize, em certos casos, de con-ceitos abertos, cujo conteúdo indeterminado carece depreenchimento valorativo, tal técnica não é incompatívelcom o princípio da tipicidade. O próprio Código Penallança mão de termos semelhantes. Não se pode dizer que aLei 8.429/92, sob esse aspecto, se tenha valido de técnicadiferente da utilizada, por exemplo, na tipificação do esteli-onato: ‘Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, emprejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudu-lento’ (CP, art. 171). O mesmo se pode dizer em relação aoscrimes praticados por funcionários públicos contra a Admi-nistração, como, por exemplo, o de concussão (‘Exigir,para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda quefora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela,vantagem indevida’ − CP, art. 316) e o de corrupção passiva(‘Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou in-diretamente, ainda que fora da função ou antes de as-sumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitarpromessa de tal vantagem’ − CP, art. 317). A margem de in-determinação desses tipos penais não é diferente da utili-zada pela Lei de Improbidade Administrativa.A necessária vinculação do ilícito ao princípio da tipicidadeestrita permite uma definição bem objetiva e pragmática doato de improbidade administrativa, para efeito da Lei8.429/92: considera-se como tal qualquer conduta enqua-drável no núcleo central dos tipos descritos nos arts. 9º, 10e 11 da referida Lei, de que são exemplo as especificadasem seus diversos incisos” (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo

coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de di-reitos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 102-103).Essa compreensão reforça o sentido da configuração holís-tica da tipificação dos crimes de responsabilidade. A espe-cificação verbal das condutas vedadas pela lei especial queprevê os crimes de responsabilidade deve ser tal que per-

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mita a previsibilidade ao agente político, mas não prescindeda demonstração das graves repercussões do fato delituosopara a higidez dos valores fundamentais abrigados pelo sis-tema constitucional. No caso do processo de impeachment

em exame, as condutas supostamente violadoras da lei or-çamentária atribuídas à impetrante foram suficientementeindividualizadas no processo, na forma da abertura de cré-ditos suplementares mediante quatro Decretos não numera-dos editados em 2015, em valores que perfazem totalsuperior a 57 bilhões de reais. Além de vedada pelo art. 10,item 4, da Lei 1.079/50, tal prática também encontra obje-ção incisiva no art. 167, V, da própria Constituição, queproíbe ‘a abertura de crédito suplementar ou especial semprévia autorização legislativa e sem indicação dos recursoscorrespondentes’.Não concorre, também no ponto, a plausibilidade necessá-ria à concessão da cautelar. Até porque, mesmo que se pu-desse atribuir relevância ao argumento deinconstitucionalidade do tipo previsto no art. 10, item 4, daLei 1.079/50, isso não seria suficiente para determinar aconcessão da cautelar, uma vez que a condenação da impe-trante está amparada na configuração de outros delitos.

Por fim, importa salientar que o tipo penal do art. 10 possui

como objetividade jurídica a proteção à lei orçamentária e à exe-

cução orçamentária, logo, prevê condutas que criminalizam a tur-

bação dos mecanismos orçamentários.

Até o advento da Lei 10.028/2000, esse artigo só estabelecia

quatro modalidades de crime de responsabilidade relacionadas à

ofensa à lei orçamentária e ao seu rito. Dado o pouco detalha-

mento legislativo dessas condutas, o legislador de 1950 criou um

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tipo penal reconhecidamente subsidiário, de forma a buscar am-

pliar a cobertura jurídica a ser dada ao tema.

A referida Lei 10.028/2000, ao criar mais oito tipos penais,

certamente pela complexidade que o sistema orçamentário brasi-

leiro acabou assumindo após décadas de vigor da lei dos crimes

de responsabilidade, apenas reforçou a necessidade de existir um

tipo penal mais amplo, menos específico do que os demais inscri-

tos no art. 10 para buscar coibir excessos e proteger o regime or-

çamentário anual brasileiro de abusos e desmandos do

mandatário da República, sobretudo quando reside no rol de fun-

ções do Presidente da República graves responsabilidades relati-

vas à criação da peça orçamentária e a manutenção de sua

integridade e de sua execução em todo o período de sua vigência.

Logo, a amplitude desse tipo penal, longe de ser conside-

rada inconstitucional ou violadora de direitos processuais do

agente político, é cláusula protetiva legítima, válida e apta a ser

elemento de incriminação do Presidente da República.

Outro ponto relevante da impugnação da impetrante trata da

reclassificação jurídica da conduta imputada à impetrante no to-

cante à contratação ilegal de operações de crédito, vulgarmente

conhecidas como “pedaladas fiscais”.

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Aduz a defesa da requerente que o relatório do Senador An-

tonio Anastasia, submetido ao plenário do Senado Federal, incor-

pora ao julgamento fatos até então alheios ao relatório aprovado

pela Câmara dos Deputados, que admitiu a denúncia por crime de

responsabilidade, conduzindo, por conseguinte, a uma mutatio li-

belli da qual a impetrante não teve oportunidade de se defender

apropriadamente.

Infrutífero é esse ponto da irresignação.

Quanto ao tema, o relatório apresentado pelo Deputado Jovair

Arantes apontou as condutas ilícitas em relação aos fatos descritos

na denúncia sob a forma dos seguintes tópicos: (I) operações com a

Caixa Econômica Federal – Caixa para pagamento de benefícios

sociais (Bolsa-Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial);

(II) adiantamentos concedidos pelo FGTS ao Ministério das Cida-

des no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV);

(III) repasses não realizados ao Banco do Brasil referentes a equali-

zação de taxas de juros relativas ao Plano Safra, inclusive em 2015;

(IV) utilização de recursos do BNDES no âmbito do Programa de

Sustentação do Investimento (PSI) e (V) pagamento de dívidas pelo

FGTS sem a devida autorização em Lei Orçamentária Anual ou em

Lei de Créditos Adicionais, caracterizando a execução de despesa

sem dotação orçamentária.

Acrescenta que

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[…] o ponto central da Denúncia a ser analisado neste tópi-co reside em verificar se as transações financeiras com oBanco do Brasil enquadram-se no conceito legal de opera-ção de crédito típica ou assemelhada estabelecido pelo art.29, III, da LRF, do que poderá resultar na tipificação ou nãoem crime de responsabilidade fiscal, assim como verificarse há indícios de autoria da Denunciada dos atos apontadoscomo ilegais.

Considerou, de início, que

as atribuições dos bancos públicos podem ser divididas emdois grupos. De um lado, tais entidades atuam como instituições finan-ceiras privadas, isto é, captam dinheiro do público em gerale, assim, reúnem recursos para oferecer crédito a produto-res e consumidores, em condições livremente pactuadas.De outro lado, os bancos públicos federais atuam comoagentes financeiros da União, hipótese em que prestam ser-viços de execução de programas de governo. Neste caso,não deve haver intermediação financeira: as políticas públi-cas são custeadas com recursos de origem fiscal, comoocorre com o Programa Minha Casa Minha Vida e o FGTS,tendo como agente operador a Caixa Econômica Federal, ea equalização de taxas de juros em operações de crédito ru-ral no Plano Safra, tendo como operador o Banco do Brasil.Ao contratarem bancos públicos como agentes financeiros,a Administração Pública e seus dirigentes valem-se da es-trutura já montada daquelas instituições financeiras, de suacapilaridade e expertise no trato com recursos financeiros,para obter ganhos de escala, ou seja, para tocar programassem precisar constituir novas entidades, contratar pessoal,adquirir imóveis, etc. Embora os dois tipos de atribuições acima identificadaspossam ser realizadas pela mesma pessoa jurídica, a legis-lação determina a sua separação.

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Com efeito, se (I) a execução de programas governamentaisé custeada com recursos fiscais; (II) o contrato entre aUnião e os bancos é de prestação de serviço; e (III) um enteda Federação não pode tomar crédito junto a instituição fi-nanceira estatal por si controlada (art. 36 da LRF), então, osrecursos captados pelos bancos públicos, via depósito ououtros instrumentos financeiros, não podem ser utilizadospara quitar despesas atinentes a políticas públicas, sob penade as verbas orçamentárias inicialmente indicadas para ocusteio dos projetos do governo serem irregularmente subs-tituídas por recursos privados. Nesse caso, a instituição fi-nanceira estatal seria uma intermediária entre osdepositantes e seu controlador. É dizer, em vez de empres-tar a seus clientes o dinheiro captado em mercado, a insti-tuição financeira estatal direcionaria tais recursos para aUnião, que passaria a ser devedor do banco público, assu-mindo a obrigação de restituir determinado valor nominal,somado à remuneração pelo uso do dinheiro […].

Conclui-se então que

quando captam dinheiro em mercado, as instituições finan-ceiras estatais estão em exercício de atividade de intermedi-ação financeira, típica dos bancos privados. Já quando setrata de programas de governo, não há intermediação finan-ceira, mas simples prestação de serviços. Se os recursoscaptados dos clientes bancários forem usados para a quita-ção de despesas com políticas públicas, as duas atividades,de intermediação financeira e de prestação de serviços paraa União, seriam conjugadas. O resultado dessa reunião seriao uso de recursos de origem privada – depósitos bancários,por exemplo – em programas que deveriam depender, ex-clusivamente, do orçamento público.

A denúncia que deflagrou o processo de impeachment sub-

metido à apreciação da Câmara dos Deputados, como órgão de

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admissibilidade, e ao Senado Federal, como julgador natural do

crime de responsabilidade, informou, em termos quantitativos,

que a dívida do Tesouro Nacional com o Banco do Brasil, refe-

rente à equalização de juros e taxas da safra agrícola, finalizou no

patamar de dez bilhões e novecentos milhões de reais em dezem-

bro de 2014, ao que se somou a quantia de dois bilhões e meio de

reais até o mês de junho de 2015, resultando no débito de treze

bilhões e quatrocentos milhões de reais, utilizados exclusiva-

mente do patrimônio da instituição financeira.

O Acórdão 2.461/2015, da relatoria do Ministro Augusto

Nardes e extraído dos autos do processo 005.335/2015-9, em que

o Tribunal de Contas da União emitiu parecer, traz a seguinte in-

formação em alusão à movimentação financeira entre a União e o

banco estatal em 2014:

18. É certo que nem toda dívida relaciona-se a uma opera-ção de crédito. Contudo, as dívidas do Tesouro com os ban-cos oficiais, destacadas na fiscalização do Tribunal,possuem todas as características de empréstimo, como apermanência por longo prazo e a incidência de encargos.Afinal, representam a assunção, pelos bancos, de compro-missos de terceiro (a União), quando eles deveriam, em vezde custear a despesa pública, canalizar seus recursos paratransações com o setor privado normalmente previstas nassuas carteiras de negócios, que lhes renderiam juros. Ouseja, os bancos estão tendo que cortar parte das suas dispo-nibilidades para empréstimos tradicionais, a fim de poderemprestar para o Tesouro.

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19. A situação assemelha-se muito com a figura do “adian-tamento a depositantes”, quando o correntista estoura seusaldo de depósitos e o banco acaba arcando com o gasto emexcesso, para futura cobrança.20. Seja por contrato de prestação de serviços, seja porforça de normas, os pagamentos de despesas da União pormeio de bancos deveriam ocorrer mediante o depósitooportuno dos valores na conta específica, tal como um cor-rentista.21. Quando o Tesouro atrasa o depósito, os bancos oficiaistêm lhe adiantado os pagamentos ou permanecido com asdiferenças, nos casos de equalização de juros.22. É o próprio Banco Central que define o “adiantamentoa depositantes” como operação de crédito, como se podeverificar na sua Circular 1273/1987, que instituiu o PlanoContábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional –COSIF, cujo Capítulo “Normas Básicas – 1”, “Seção Opera-ções de Crédito – 6”, assim diz da “1 Classificação dasOperações de Crédito”:

“2 – As operações de crédito distribuem-se segundo as se-guintes modalidades:a) empréstimos – são as operações realizadas sem destina-ção específica ou vínculo à comprovação da aplicação dosrecursos. São exemplos os empréstimos para capital degiro, os empréstimos pessoais e os adiantamentos a deposi-tantes; […]”.

23. Não me parece duvidoso, por conseguinte, consideraras dívidas do Tesouro junto aos bancos oficiais como ope-rações de crédito.Está caracterizado, pois, o fato de que a aludida movimen-tação financeira (atrasos sistemáticos no repasse de recur-sos do Tesouro Nacional às instituições financeiras estatais,que acabam por arcar com o pagamento de despesas de res-ponsabilidade da União) tem natureza jurídica de operaçãode crédito, independentemente do nomen juris que porven-

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tura lhe tenha sido atribuída, o qual obviamente não tem ocondão de modificar a sua essência.

Destaque-se ainda que, na forma do relatório do Deputado

Jovair Arantes, “os atrasos de pagamentos relativos a esse mesmo

evento, ou seja, à equalização de taxas de juros da safra agrícola,

no exercício de 2014, já haviam sido classificados pelo TCU

como omissão de passivos da União das estatísticas da dívida pú-

blica, a teor do Parecer Prévio relativo às contas presidenciais de

2014”.

Diante do quadro, conclui o relatório da admissibilidade que

o atraso ou a postergação nos pagamentos das subvençõeseconômicas devidas ao Banco do Brasil, no exercício de2015, tem natureza e características praticamente idênticasaos atrasos verificados no pagamento das subvenções aoBNDES e ao FGTS. Isso porque, embora a prática tenha sedado em exercícios financeiros diferentes, e para atender aprogramas de governo distintos, seguem o mesmo modus

operandi: atrasar, de forma sistemática, o ressarcimento dosaltíssimos valores devidos a título de equalização de taxasde juros à instituição federal que atuou como agente finan-ceiro do governo – nesse caso, o Banco do Brasil. […] Umexame minimamente atento dessa prática revela, com muitaclareza, que ela ultrapassa, em muito, o plano da mera“prestação de serviços”, como alega a Denunciada. A dinâ-mica dos fluxos financeiros, a sua reiteração e os exorbitan-tes valores a descoberto do Tesouro com o Banco do Brasil,nesse caso, evidenciam que a União, sob o comando da De-nunciada, transformou em regra o que deveria ser absoluta-mente excepcional: durante meses a fio, usou recursos dopróprio Banco do Brasil, e não do Tesouro, para bancar asações de governo. […] Diante disso, é possível, em tese,

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afirmar que se está diante de uma autêntica operação decrédito, embora disfarçada sob o manto de “prestação deserviço”, sobejamente porque, no caso em tela, o Banco doBrasil não agiu apenas como agente financeiro ou executordo Plano Safra. Atuou, isto sim, como intermediário finan-ceiro, provendo os recursos necessários à sua implementa-ção. Nessa linha, portanto, os fatos e atos denunciadospoderiam, em tese, tipificar o crime de responsabilidadeprevisto no art. 11, item 3, da Lei nº 1.079, de 1950 […].

A contextualização fática constante do relatório do Senador

Antonio Anastasia, para os fins da aplicação do art. 36 da Lei de

Responsabilidade Fiscal36, cita que as instituições financeiras

controladas, segundo o Tribunal de Contas da União, foram o

Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

Detalha ainda o relatório que “comum a todos esses casos,

na realidade, é o fato de que, ao postergar o pagamento de despe-

sas de sua responsabilidade, valendo-se de recursos de institui-

ções financeiras controladas e do FGTS, a União deixou de

contabilizar o correspondente aumento da sua dívida pública

oriunda de valores devidos e não pagos, bem como a respectiva

despesa primária associada a esse aumento da dívida. Tal prática

teria permitido, de acordo com o TCU, que se evidenciassem, ar-

tificialmente, resultados fiscais mais favoráveis para União […]”.

36 Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeiraestatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiáriodo empréstimo.

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Em momento mais adiantado da peça apresentada e apro-

vada pelo plenário do Senado Federal, o Senador Antonio Anas-

tasia faz uma correlação histórica do art. 36 da LRF, no qual

sustenta que a vedação dessa norma estava vinculada à degenera-

ção administrativo-financeira dos estados federados, que se utili-

zavam de recursos dos respectivos bancos para a sua

manutenção, logo, empréstimos eram celebrados com governos

estaduais sem uma ponderada avaliação do riscos financeiros.

Essa situação, acrescenta, “levou a uma crise financeira gravís-

sima de muitos dos governos e seus respectivos bancos, o que

obrigou a União a instituir o Programa de Incentivo à Redução

do Setor Público Estadual na Atividade Bancária – PROES”, resul-

tando na privatização, extinção ou desligamento do mercado fi-

nanceiro de 41 das 64 instituições envolvidas, a um elevado custo

fiscal.

Da mesma forma, acontece no âmbito do denominado Plano

Safra, que “consiste de um conjunto de medidas de apoio ao setor

rural brasileiro”, com o objetivo de “tornar disponíveis emprésti-

mos destinados à atividade agropecuária com juros mais baixos

do que os de mercado […]”. A mecânica desse modelo, explica o

relatório, é a seguinte: “as instituições financeiras (principal-

mente o BB) captam dinheiro nas suas atividades comerciais nor-

mais pagando aos seus depositantes as taxas de juros vigentes no

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mercado. Os recursos são emprestados aos agricultores a taxas

inferiores, e a diferença entre os juros que o banco paga e o que

recebe representa o subsídio concedido no crédito. Essa diferença

é ressarcida ao banco pela União, na forma de equalização das ta-

xas de juros […]”.

Contudo, “de acordo com a acusação, o atraso no paga-

mento desses valores se inclui no contexto das chamadas ‘pedala-

das fiscais’ e devem ser considerados como operações de crédito

ilegais, vedadas pelo art. 36 da LRF”.

O ponto crucial, impugnado no presente mandamus, diz res-

peito à escolha de novos fatos, não incluídos na autorização dada

pela Câmara dos Deputados. E, nesse particular, importa conside-

rar a manifestação do próprio Senador Antonio Anastasia, verbis:

Feita a instrução preliminar, averiguamos que a classifi-cação jurídica proposta pela Câmara dos Deputados semostra incompleta. Os fatos também são enquadráveisem outros dois dispositivos da Lei nº 1.079, de 1950:itens 6 e 7 do art. 10. Ambos estão diretamente relacio-nados aos arts. 33 e 36 da LRF. Tais dispositivos cons-tam da DEN nº 1, de 2016, mas não foram incluídos novoto do Parecer da Comissão Especial da Câmara dosDeputados. As alegações finais da acusação trouxeramnova proposta de classificação típica que também me-rece reparos (DOC 169).Propomos, portanto, uma emendatio libelli, procedimentoprevisto nos arts. 383 e 418 do CPP, quando o juiz, semmodificar a exposição do fato contida na denúncia e, nopresente caso, no parecer aprovado pela Câmara dos Depu-

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tados, lhe atribui definição jurídica diversa. Não há, con-tudo, efeitos na sanção, uma vez que esta é única, indepen-dentemente da quantidade de dispositivos em que ascondutas são enquadráveis. Ao impeachment, por ser umainstituição de direito constitucional, é inaplicável o princí-pio do direito penal comum de graduação da pena pela gra-vidade do delito.Portanto, são estas as condutas típicas, previstas como cri-mes de responsabilidade na Lei nº 1.079, de 1950, pelasquais a Presidente da República deve ser julgada pelo Ple-nário do Senado Federal: […] b) Pela realização de opera-ções de crédito com instituição financeira controlada pelaUnião (“pedaladas fiscais”): Art. 10, item 6: ordenar ou au-torizar a abertura de crédito com inobservância de prescri-ção legal (omissão imprópria dolosa); […]37. [Destaques

nossos.]

De todo o panorama, não se vislumbram as falhas apontadas

pela impetrante. Os fatos que deram origem à decisão pela ad-

missibilidade da Câmara dos Deputados também inspiraram a re-

dação do relatório votado no Senado Federal, havendo duas

únicas diferenças, o acréscimo de dois tipos penais inscritos nos

itens 6 e 7 do art. 10 da Lei 1.079/50.

37 O dispositivo do voto mereceu a seguinte redação: “Em face do exposto, ovoto é pela procedência da acusação e prosseguimento do processo, e, comfundamento nos arts. 51 e 53 da Lei nº 1.079, de 1950, e no art. 413 doCPP, pela pronúncia da denunciada, Dilma Vana Rousseff, como incursa,pela abertura de créditos suplementares sem a autorização do CongressoNacional, no art. 85, inciso VI, da Constituição Federal e no art. 10, item 4,e art. 11, item 2, da Lei nº 1.079, de 1950, e pela realização de operaçõesde crédito com instituição financeira controlada pela União, no art. 85, in-cisos VI e VII, da Constituição Federal, no art. 10, itens 6 e 7, e no art. 11,item 3, da Lei nº 1.079, de 1950, a fim de que seja julgada pelo Senado Fe-deral, como determina o art. 86 da Constituição Federal”.

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Trata-se, sem nenhuma dúvida, de mera reclassificação jurí-

dica dos fatos exaustivamente discutidos em ambas as Casas Le-

gislativas e em nada acrescentados, quer seja pela Câmara dos

Deputados, quer seja pelo Senado Federal.

Ademais, não há questionamentos acerca da competência

para o Senado Federal proceder a essa alteração, uma vez que de-

tém, por mandamento constitucional38, a competência para o jul-

gamento do Presidente da República por crime de

responsabilidade. De outro lado, não está impedido de alterar a

tipificação procedida pela Câmara dos Deputados, pois essa ape-

nas autoriza a instauração de processo, delimitando os fatos que

se submeterão ao juízo dos senadores da República.

A alegação da impetrante de que haveria mutatio libelli não

procede, à vista de que, por fundamento legal39, o julgador deve-

ria “entender cabível nova definição jurídica do fato”, ou seja, fa-

tos rigorosamente novos, que sustentassem uma nova acusação e

38 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar oPresidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade,bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exér-cito e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles[...]

39 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova defi-nição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos deelemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, oMinistério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5(cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo emcrime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feitooralmente.

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fossem debatidos em um novo contraditório de argumentos e pro-

vas, a partir do aditamento da denúncia.

Embora a alteração propriamente dita do conteúdo da sen-

tença do Senado Federal ou do ato coator não seja o pleito da im-

petrante, uma brevíssima incursão no silogismo condenatório

afasta quaisquer possíveis questionamentos.

A impetrante alega que os únicos fatos que ensejariam seu

julgamento seriam (I) a abertura de créditos suplementares sem au-

torização do Congresso Nacional e (II) a contratação ilegal de ope-

rações de crédito com instituição financeira controlada pela União.

Ocorre que a denominada “contratação ilegal de operações de

crédito” trata de um complexo de condutas atribuídas à ex-mandatá-

ria.

Primeiramente, a de mais fácil visualização, incorre a impe-

trante no tipo designado no art. 11 item 3 da lei de crimes de res-

ponsabilidade40, em relação ao qual não houve irresignação

específica.

Os itens 6 e 7 do art. 10 da Lei 1.079/1950 correspondem a

condutas que possuem nítida complementariedade e evidente in-

cidência no caso concreto, mas foram olvidados pelo relatório

40 Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públi-cos: […] 3 - Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ouefetuar operação de crédito sem autorização legal;

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votado na Câmara dos Deputados. Ambos os tipos penais estão

intimamente ligados à conduta de deixar de quitar continuamente

os débitos relativamente a programas sociais mantidos pela

União com a instituição financeira responsável (Banco do

Brasil), criando uma evidente operação de crédito, nos termos da

Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 3641 combinado com art. 29,

III42). Como se observa, as condutas estão intrinsecamente conec-

tadas: deixa-se de pagar os débitos pendentes, criando, em conse-

quência, operação de crédito, que, por sua vez, deixa de ser paga.

Cria-se com isso um volume absurdamente alto de débitos e um

grave risco para as finanças de todo um país.

À toda evidência, verificam-se da narrativa os mesmos fatos

que embasaram o relatório de admissibilidade da Câmara dos De-

putados, havendo, na alteração da moldura jurídica dos fatos, ir-

retorquível emendatio libelli, tal qual reconhecido pelo Senador

Anastasia nas conclusões de sua peça.

41 Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeiraestatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiáriodo empréstimo.

42 Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguin-tes definições: […] III - operação de crédito: compromisso financeiro as-sumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite detítulo, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valoresprovenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercan-til e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativosfinanceiros; [...]

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Diante desse desfecho, não se poderia deixar de afirmar,

conquanto premissa reconhecida de longa data na doutrina e na

jurisprudência penais, que o réu, em processo penal, defende-se

da imputação de fatos determinados e não das capitulações efetu-

adas pelos órgãos de acusação. E, por consequência direta, a

eventual alteração da capitulação, considerada mera calibragem

para aplicação da sanção, não requer novo contraditório ou

mesmo dilação probatória específica, segundo o art. 383 do Có-

digo de Processo Penal43.

Acerca do tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-

deral, há décadas, não varia:

1. PENAL. ACÓRDÃO QUE CONDENA OS RÉUS POR CRIME CAPITULADO

DIFERENTEMENTE NA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 2. O RÉU DEFENDE-SE DO FATO QUE

LHE É IMPUTADO NA DENÚNCIA OU QUEIXA E NÃO DA

CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA FEITA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, OU

PELO QUERELANTE. 3. HABEAS CORPUS INDEFERIDO (HC 61.617,Relator Min. ALFREDO BUZAID, Primeira Turma, DJ 4 mai.1984). [Destaque acrescido.]

Habeas corpus – Impedimento de juiz federal – Atuação deseu cônjuge no processo na condição de representante doMinistério Público – CPP, art. 252, inciso I – Alegada inob-servância dos princípios que regem a mutatio libelli – hipó-tese de mera emendatio libelli – Suposta inversão na ordemde apresentação das alegações finais – Inocorrência (CPP,

43 Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnciaou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, emconsequência, tenha de aplicar pena mais grave.

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art. 565) – Ordem denegada. – A norma inscrita no artigo252 do Código de Processo Penal contém rol taxativo de si-tuações excepcionais, cuja concretização atua como verda-deiro obstáculo ao exercício, pelo magistrado, de seu poderjurisdicional. Os atos praticados pelo juiz, nesse contextonormativo, não são apenas nulos. Mais do que isso, re-velam-se juridicamente inexistentes. Inocorre, porém, situa-ção de impedimento quando o magistrado federal limita-sea declarar nulos, por incompetência absoluta do órgão judi-ciário, todos os atos do procedimento penal instaurado pe-rante a justiça local, em que atuou, na condição derepresentante do Ministério Público, o seu próprio cônjuge.Com a invalidação dos atos processuais, a partir do recebi-mento da denúncia, desfez-se qualquer possível eficácia in-compatibilizadora da atuação formal da promotora dejustiça – que sequer subscrevera a peça acusatória –, poistornou-se nenhuma a repercussão processual de sua partici-pação no processo-crime em que veio a oficiar, superveni-entemente, o magistrado federal. – A nova classificaçãojurídica dada aos fatos relatados de modo expresso na den-úncia, inobstante a errônea qualificação penal por ela atri-buída aos eventos delituosos, não tem o condão deprejudicar a condução da defesa técnica do réu, desde quepresentes, naquela peça processual, os elementos constituti-vos do próprio tipo descrito nos preceitos referidos no atosentencial. Defende-se o réu do fato delituoso narrado nadenúncia, e não da classificação jurídico-penal delaconstante. A regra do artigo 384 do Código de ProcessoPenal só teria pertinência e aplicabilidade se a nova qualifi-cação jurídica dada aos fatos descritos na peca acusatóriado Ministério Público dependesse, para sua configuração,de circunstância elementar não contida, explícita ou impli-citamente, na denúncia. – Inocorre situação configuradorade nulidade processual, por cerceamento de defesa, quandoo próprio acusado, antecipando-se voluntariamente ao de-curso do tríduo legal que então fluía para o Ministério Pú-blico, oferece, desde logo, as suas alegações finais. O

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alegado descumprimento do art. 500 do Código de Pro-cesso Penal, nesse contexto, é somente imputável à própriadefesa que lhe deu causa (CPP, art. 565) (HC 67.997, Rela-tor Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ 21 set. 1990).[Destaque acrescido.]

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL MILITAR E PENAL MILITAR.DENÚNCIA. CRIMES DE ABANDONO DE POSTO E DE ORGANIZAÇÃO DE

GRUPO PARA A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA. NULIDADE PROCESSUAL.INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA.ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE.1. O princípio da congruência ou correlação no processopenal estabelece a necessidade de correspondência entre aexposição dos fatos narrados pela acusação e a sentença.Por isso, o réu se defende dos fatos, e não da classifica-ção jurídica da conduta a ele imputada. 2. O direito pro-cessual penal militar, mais rigoroso que o direito processualcomum, exige que a proposta de nova capitulação jurídicada conduta imputada ao acusado seja expressamente formu-lada pelo Ministério Público em alegações escritas, nos ter-mos do art. 437, “a”, do CPPM (HC 71.023/PA, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 06.5.1994). 3. Este Su-premo Tribunal Federal já assentou que “Defendendo-se oacusado dos fatos narrados na denúncia, descabe cogitar deprejuízo pela circunstância de haver ocorrido por parte doMinistério Público, possível enquadramento legal errôneo”(RHC 74.359/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma, DJ13.6.1997). 4. Inexistente no curso da ação penal militarqualquer alteração da narrativa dos fatos imputados aosréus ou a inobservância do art. 437, “a”, do CPPM. 5. Ma-nifesta, na hipótese, a prescrição da pretensão punitiva esta-tal em relação ao paciente Iuri Andrade de Lima, nostermos do art. 125, § 1º, do Código Penal Militar. 6. Ordemde habeas corpus concedida parcialmente tão somente paradeclarar extinta a punibilidade de Iuri Andrade de Limapela prescrição da pretensão punitiva estatal com relação aocrime do art. 150 do Código Penal Militar (HC 119.264,

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Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe-108 de 4jun. 2014). [Destaque acrescido.]

Inquérito. Requisitos de validade da denúncia. Descriçãofática consistente. Material probatório que impede o reco-nhecimento da atipicidade da conduta. Denúncia recebida.1. O exame da admissibilidade da denúncia se limita à exis-tência de substrato probatório mínimo e à validade formalda inicial acusatória. 2. A acusada se defende dos fatosdescritos pela acusação e não propriamente da classifi-cação jurídica dos fatos. Precedentes. 3. Não é inepta adenúncia que, ao descrever fato certo e determinado, per-mite à acusada o exercício da ampla defesa. Precedentes. 4.O fato de a acusada não ser funcionária pública não impedeque seja denunciada pela prática de peculato, se, conscientedos atos praticados pelos supostos autores do crime, é be-neficiada pela apropriação ou pelo desvio. 5. Na hipótesede que se trata, a denunciada, antes mesmo do episódio re-tratado no vídeo aportado aos autos (recebimento de valo-res em espécie), conscientemente, aderiu às ações dosdemais agentes, contribuindo, portanto, para a produção doresultado lesivo, de modo a configurar a sua condição departícipe no delito funcional praticado pelo funcionário pú-blico. 6. O acolhimento das alegações da defesa redundariana caracterização do recebimento, em proveito próprio epara o fim de obter proveito ilícito, de coisa sabidamenteproduto de crime (art. 180, § 6º, do Código Penal), nãosendo possível rejeitar a denúncia por suposta atipicidadedas condutas. 7. Denúncia recebida (Inq 3113, Relator Min.ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe-025 de 5 fev.2015). [Destaque acrescido.]

Direito Penal e Processual Penal. Inquérito. Crime de res-ponsabilidade dos Prefeitos. 1. O exame da admissibilidadeda denúncia se limita à existência de substrato probatóriomínimo e à validade formal da inicial acusatória. 2. O acu-sado se defende dos fatos descritos na denúncia e não desua classificação jurídica. Precedentes. 3. Não é inepta a

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denúncia que, ao descrever fato certo e determinado, permi-te ao acusado o exercício da ampla defesa. Precedentes. 4.Denúncia recebida (Inq 4093, Relator Min. ROBERTO

BARROSO, Primeira Turma, DJe-101 de 17 maio 2016).[Destaque acrescido.]

Em homenagem à concretização dos princípios do contradi-

tório e da irrestrita defesa do acusado, a doutrina, aqui represen-

tada pelo trio de autores, ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO

MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES44, reco-

menda que, mesmo na superveniência de emendatio libelli, os

réus tivessem a oportunidade de se pronunciar nos autos, sobre-

tudo no caso de agravamento da pena a partir da reclassificação

jurídica dos fatos submetidos a julgamento. No entanto, mesmo

nesse caso, a prévia oitiva da impetrada torna-se dispensável,

porquanto a pena atribuída aos crimes de responsabilidade, tanto

pela dicção da Constituição Federal (art. 52, parágrafo único),

quando da Lei 1.079/1950 (art. 2º), é fixa45, não obstante a tipifi-

cação penal recair em uma ou mais condutas praticadas pela ex-

mandatária.

44 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES,Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed. rev., atualiz. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 208.

45 Já que o objetivo da sanção no crime de responsabilidade, diversamenteda seara penal, é o afastamento do agente político do respectivo cargo e,temporariamente, da vida política da nação, de modo a evitar a perpetua-ção de abusos e práticas condenáveis. Nesse sentido: SILVA, José Afonsoda. Da perda do mandato de Presidente da República. Revista dos Tribu-

nais, v. 925, p. 127-144, nov. 2012.

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Logo, não constituiu equívoco a adoção de nova definição

jurídica para os fatos já analisados. Trata-se de mera emendatio

libelli legitimamente adotada pelo julgador natural do Presidente

da República.

Ademais, quanto ao mérito da referida reclassificação, a de-

fesa da impetrante, impropriamente, anuncia que o ato de “aber-

tura de crédito” só poderia ser praticado pela instituição

financeira, já que só ela poderia conceder o crédito, enquanto à

União caberia o lugar de tomadora desse crédito.

É visível a impropriedade do argumento, pela simplória razão

de que a instituição financeira ou o dirigente que faz suas vezes

não poderia responder por crime de responsabilidade da Lei

1.079/1950, já que os legitimados passivos estão devidamente ar-

rolados em seu art. 2º46 e se constituem de agentes políticos de pri-

meira grandeza nos escalões da República.

Se não bastasse isso, a pessoa que “autoriza a abertura de cré-

dito” não corresponde ao representante bancário, mas ao responsá-

vel pela tomadora (União) que deixou de adimplir os débitos no

46 Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tenta-dos, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cincoanos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo SenadoFederal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros deEstado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra oProcurador--Geral da República.

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prazo previamente estipulado e permitiu que o patrimônio da insti-

tuição financeira fosse aplicado no pagamento de dívida pública,

convertendo a negociação, da qual o banco participaria inicialmente

apenas como gestora das movimentações financeiras, em verda-

deira e irrefutável operação de crédito, na linha dos supracitados

dispositivos da LRF.

Portanto, insubsistente a alegação de que, com a inclusão do

tipo penal inscrito no art. 10, item 6, da Lei 1.079/1950, à ex-

mandatária fosse atribuído o dever de garante da instituição fi-

nanceira em relação à suposta abertura de crédito e não mais

como garante somente da operação de crédito da qual foi toma-

dora a União.

A condenação da impetrante está calcada nos constantes e

crescentes atrasos nos ajustes de contas (equalização dos juros)

com a instituição financeira participante da engenharia de distri-

buição de crédito rural e, para tal comprovação, importa trazer à

lume as considerações do relatório do Senador Antonio Anastasia

acerca da linha de defesa da impetrante sobre a curiosa forma de

ressarcimento dessas operações e evidencia o descompromisso

com as respectivas recomposições com os bancos estatais:

d) “Para a contabilidade do banco, em regime de competên-cia, os saldos a serem repassados pela União são apurados

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no momento da concessão da subvenção. Isto não significaque esses valores devam ser pagos imediatamente.”e) “A necessidade de lapso de tempo entre o momento dacontratação do crédito rural junto à instituição financeira eo efetivo pagamento de subvenção à instituição financeiradecorre do tempo necessário para a verificação e fiscaliza-ção do emprego adequado do programa.”De fato, o cálculo do valor a ser recebido pelo BB é feitocom base na apuração de cada subvenção concedida pelobanco ao mutuário. Em decorrência das obrigações contá-beis a que se sujeita o BB, deve ser feito o registro em seuativo no momento em que se caracteriza a expectativa dodireito de receber a subvenção apurada. Essa é a lógica do“regime de competência”.Por sua vez, a União registra o débito em função dos valoresinformados pelo banco, mas não no mesmo momento emque o BB apura seus créditos junto à União. O registro dospassivos devidos ocorre a cada semestre, pois a exigibilidadeé semestral, conforme a regulamentação do Plano Safra. Re-gistre-se, no entanto, que a contabilização das obrigaçõespor parte da União não foi realizada no que se refere aoexercício de 2015 e anteriores, conforme evidencia a mani-festação da própria Secretaria do Tesouro Nacional (DOC132, p. 4, item ix).Trato agora de um dos pontos cruciais da instrução: confi-gurada formalmente a obrigação, quando e em que condi-ções caberia à União pagá-la?De plano, afirmar que o pagamento não pode dar-se “ime-diatamente”, cabendo providências administrativas de liqui-dação da despesa, é pouco mais que uma platitude. É claroque todos os cuidados de resguardo da despesa pública têmde ser adotados para o pagamento, em conformidade comos arts. 62 e 63 da Lei nº 4.320, de 1964. Não é disso quese trata. Do ponto de vista do credor, a Portaria 315/2014fixava em seu art. 4º um prazo razoável de vinte dias paraapresentação pelo banco dos documentos e informações dehabilitação ao crédito, conforme o laudo pericial (DOC

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144, p. 214). A partir daí, um prazo igualmente razoávelpara as conferências internas que se façam necessárias peloTesouro pode ser perfeitamente concebido (embora as ale-gações de defesa mencionem apenas, genericamente, “ele-vado tempo”, sem trazer aos autos qualquer elemento nosentido de justificar objetivamente algum prazo concretoverificado no caso sob exame).Por outro lado, cabe registrar que o próprio Executivoforneceu os parâmetros de razoabilidade ao editar aPortaria nº 419, de 26 de junho de 2015, do Ministérioda Fazenda, que definiu em seu art. 3º, caput e § 1º, que:(I) o banco operador continuaria a enviar as informa-ções a seu cargo em vinte dias após o fim do período deapuração; e (II) a STN verificaria a conformidade dasequalizações até o último dia do mês do envio dessas in-formações. Ou seja, o próprio Executivo definiu que sãonecessários trinta dias no total para a cabal verificaçãoda legitimidade do pagamento.E, uma vez liquidada a despesa, quando deve ser paga?A simples ausência de um prazo expresso para a quita-ção do débito não sustenta a alegação de que o paga-mento possa ser postergado indefinidamente. Éinconcebível, em nossa ordem jurídica, considerar que aUnião tenha por princípio ignorar obrigações legal-mente assumidas, ou cumpri-las de forma discricioná-ria, seja quem for a respectiva contraparte. Não existeno direito brasileiro crédito destituído de prazo parapagamento. Nessa hipótese absurda, não teria o credorqualquer meio de exigir o pagamento, pois a dívida ja-mais se tornaria exigível. Seu pagamento seria, por-tanto, apenas uma obrigação moral, mas não jurídica.No âmbito do direito público, a anomalia seria aindamaior, tendo em vista que não é facultado ao agente pú-blico pagar uma obrigação que não seja legalmente de-vida. Se não houvesse prazo para pagamento dassubvenções, o Tesouro Nacional estaria impedido defazê-lo.

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Na ausência de um prazo peremptório fixado explicita-mente pela legislação de finanças públicas, deve-se buscaros critérios mais gerais do ordenamento jurídico para des-crever a conduta esperada do gestor público. Em caráter ge-ral, e ao contrário do que afirma a defesa, o Código Civilestabelece em seu art. 331 a regra do pagamento imediatoda obrigação ao ser exigida pelo credor, quando não forajustada época para o pagamento e inexistir disposição le-gal em contrário, como bem aponta o laudo pericial (DOC144, p. 50).Se as providências de liquidação forem consideradas –como devem ser – condicionantes à exigibilidade, o se-guinte art. 332 do Código estabelece que as obrigaçõescondicionais cumprem-se na data do implemento da condi-ção – ou seja, tão logo ultimado o reconhecimento da obri-gação.A esse respeito, a defesa não expressou objetivamentequal a norma jurídica que sustenta ser aplicável aocaso, o que se faria necessário, tendo em vista que, con-forme informação do próprio BB, os pagamentos reali-zados ao longo do período de 2015 contemplaramdespesas em atraso que remontam a 2008 (DOC 57, p.185).Por outro lado, o próprio Poder Executivo deixou claroo seu entendimento, quando, por meio do art. 3º do De-creto nº 8.535, de 01/10/2015, estimou razoável exigir opagamento dos débitos da União junto a instituições fi-nanceiras relativos a “contrato de prestação de serviçoscom instituições financeiras, no interesse da execução depolíticas públicas”, em não mais do que cinco dias úteis.Essas constatações, aliás, já foram ressaltadas no laudopericial (DOC 144, p. 169-180, quesitos 63, 66 e 68, res-pectivamente).Em síntese, a manifestação do próprio Executivo per-mite avaliar que um prazo razoável para o pagamentoda subvenção econômica devida ao final de cada semes-tre não deve exceder quarenta dias, aproximadamente

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(trinta dias corridos mais cinco dias úteis), contadosdesde o primeiro dia do semestre seguinte ao período aque se refere a apuração. Qualquer justificativa de con-duta baseada na necessidade de mais prazos de trata-mento da informação ou outra providênciaadministrativa teria de aduzir elementos fáticos excepci-onais e concretos que impusessem um tal adiamento – oque não consta de nenhuma das manifestações da de-fesa, seus assistentes técnicos ou testemunhas.Por fim, em face do argumento da defesa de que a dataem que o valor é devido não se confunde com a data emque o pagamento deve ser realizado, que nunca teriasido fixada, cabe registrar que, se essa interpretaçãofosse verdadeira, estaríamos diante de indiscutível ope-ração de crédito, posto que o financiamento da políticapública pela instituição financeira faria parte da pró-pria estrutura da relação entre as partes, e não decorre-ria do atraso no pagamento dos valores devidos, comoafirma a acusação. Além disso, passivos acumulados aolongo dos anos deveriam ter sido reconhecidos comocontingentes e informados no Anexo de Riscos Fiscaisdas LDOs do período. [Destaques acrescidos.]

Ainda sob outro viés, agora da alegação de ocorrência de

mutatio libelli relacionada à readequação dos fatos amplamente

descritos e divulgados nos autos ao tipo penal do art. 10, item 7,

da Lei 1.079/1950, consideram-se aproveitáveis todos os funda-

mentos já expostos no ponto anterior, no qual se reputou insub-

sistente a impugnação do art. 10, item 6, da lei dos crimes de

responsabilidade, cujo articulado demonstra que a defesa da im-

petrante enxerga aqui a mesma falha já alegada no item anterior.

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Especificamente quanto ao item 7, também não se mostram

procedentes as alegações fornecidas pela ex-mandatária de que

não foi obedecido o corte temporal, já estabelecido no relatório

submetido à apreciação da Câmara dos Deputados, de que a in-

vestigação sobre o atraso de pagamento do Tesouro Nacional ao

Banco do Brasil, em relação à equalização das taxas de juros re-

lativas ao Plano Safra, estaria circunscrita ao exercício de 2015.

A impetração afirma que os denunciantes incorporaram fa-

tos novos nas alegações finais, afirmando ser “dever da Presi-

dente da República, logo no início de 2015, saldar dívidas

contraídas em anos anteriores e, ao não fazê-lo, estaria incor-

rendo na hipótese prevista no art. 10, VII, da Lei 1.079/50” e

acrescenta ainda que o Senador Antonio Anastasia também faz

referência a fatos anteriores ao limite temporal determinado pela

instância da admissibilidade, razão por que, no entendimento da

impetrante, novos fatos se apresentaram no curso da instrução e a

superveniência da mutatio libelli deveria gerar uma nova denún-

cia e uma nova instrução processual.

Também não procedem tais alegações.

Sabe-se ser a denúncia a peça na qual os fatos incriminado-

res estão narrados e, para permitir a produção de uma defesa útil,

o órgão acusador deve cumprir a ordem do art. 41 do Código de

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Processo Penal47. E mesmo em um processo tingido fortemente

por um juízo político, essa exigência não pode ser dispensada,

sob pena de sacar do acusado o seu direito de conhecer os fatos

contra ele apontados e de concatenar possíveis teses defensivas a

seu favor.

A mera leitura da denúncia já contradiz o quanto afirmado

na impetração, na medida em que há inúmeras passagens onde há

expressa referência às operações bancárias ilegais ocorridas antes

do ano de 2015. Colhem-se os seguintes excertos:

[…] Sobre essa operação, ao receber a representação ofere-cida pelo Ministério Público junto ao TCU, assim entendeua Corte de Contas:“23. No caso das despesas referentes ao bolsa-família, aoseguro-desemprego e ao abono salarial, verificou-se que, aolongo de 2013 e dos sete primeiros meses de 2014 (jan. ajul./2014), abrangidos na fiscalização, a Caixa EconômicaFederal utilizou recursos próprios para o pagamento dosbenefícios de responsabilidade da União. […]27. Desse modo, do montante de R$ 7,8 bilhões despendi-dos com subsídios concedidos no programa entre 2009 e2014, apenas R$ 1,6 bilhão foi repassado pela União aoFGTS, conforme atestam dados encaminhados pela CAIXA.Ou seja, dos R$ 7,8 bilhões que deveriam ter sido pagosaos mutuários, apenas R$ 1,6 foi desembolsado pela União,sendo que o restante, no montante de R$ 6,2 bilhões, foipago com recursos do FGTS, a título de adiantamento. […]

47 Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso,com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclareci-mentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e,quando necessário, o rol das testemunhas.

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29. Quanto ao pagamento das despesas correspondentes àsubvenção econômica de equalização de taxa de juros noâmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI),que era feito semestralmente, os atrasos começaram no 2ºsemestre de 2010, sendo que, a partir de então, até o 1º se-mestre de 2014, não houve mais nenhum repasse da Uniãoao BNDES atinente a tal dispêndio.30. Em 10 de abril de 2012, quando o saldo a pagar devidopela União montava a R$ 6,7 bilhões, foi editada a Portaria122/2012, prorrogando por 24 meses o prazo para paga-mento das dívidas. A tabela 15 do relatório precedente mos-tra que, sem a postergação estabelecida na mencionadaportaria, em junho de 2014, o saldo a pagar com a equaliza-ção da taxa de juros montaria a R$ 19,6 bilhões. […]O aumento da dívida do Tesouro Nacional com o Banco doBrasil, referente a benefício cujo pagamento é de responsa-bilidade da União, consubstancia continuidade do ilegal fi-nanciamento do Governo Federal, não podendo adenunciada alegar que desconhecia a irregularidade dianteda notoriedade dos fatos desde o ano de 2014, com o iníciodo processo TC 021.643/2014 no TCU. […]”

Além das supramencionadas, há, por óbvio, referências rela-

tivamente ao ano de 2015:

[…] No caso deste programa, há prova inquestionável daspedaladas fiscais no ano de 2015, através das demonstra-ções contábeis do Banco do Brasil do 1º trimestre de 2015,em que consta a evolução dos valores devidos pelo TesouroNacional a tal instituição financeira em aproximadamente20% (vinte por cento) do montante devido em dezembro de2014. É que no 4º balanço trimestral de 2014 a dívida sobesta rubrica era de R$ 10,9 bilhões, passando para R$ 12,7bilhões em 31 de março de 2015. […]Não bastasse, com a divulgação das demonstrações contá-beis do Banco do Brasil do primeiro semestre de 2015,

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chega-se à prova de que as ilegalidades do Governo Federalem relação ao Plano Safra se estenderam até junho de 2015,pois o valor devido ao Tesouro Nacional por equalização dataxa de juros pelo Plano Safra alcança a cifra de R$ 13,4 bi-lhões.Ou seja, apenas com o Banco do Brasil, graças a um únicoprograma, as pedaladas fiscais no ano de 2015 foram demais de R$ 3 bilhões […]Merece destaque, ainda, que os ilegais empréstimos havi-dos no ano de 2015, em razão da equalização de juros doPlano Safra, deixam ainda mais patente a conduta delituosada denunciada. Caberia à Presidente Dilma Rousseff, comosuperior hierárquica do Governo Federal, agir para que essailegalidade fosse cessada, o que não fez. Valendo recordarque fora alertada por várias autoridades, ainda no curso de2014 e também em 2015. […]

Em seu relatório, informa o Senador Antonio Anastasia:

“No que se refere a esse conjunto fático, a instrução também

abordou fatos anteriores a 2015 e operações de crédito realizadas

com outras instituições públicas federais. No Parecer pela admis-

sibilidade da denúncia, votado por esta Comissão no dia 6 de

maio e pelo Plenário do Senado Federal em 12 de maio, constava

expressamente que os julgadores deveriam analisar o fato em to-

das as suas circunstâncias, para sua correta compreensão, mo-

mento em que foi feita análise preliminar das operações de

crédito mantidas com outras instituições públicas e anteriores a

2015 [...]”.

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E remata: “é importante esclarecer – e assim novamente o

fez esta Relatoria no dia 6 de julho à Comissão – que as opera-

ções semelhantes ou idênticas realizadas com outras instituições

públicas e em outros períodos temporais compõem, tecnica-

mente, o quadro de circunstâncias dos crimes narrados na denún-

cia. Circunstâncias, conforme pacificamente consta da doutrina,

são fatos que, acompanhando, seguindo ou precedendo o fato

principal, têm efeitos na aplicação da pena e/ou na configuração

e significação do fato principal. O Código de Processo Penal

exige a análise de todas as circunstâncias, as quais devem constar

da sentença do juiz (arts. 386, 387 etc.). Em razão disso, esta Co-

missão e o Plenário do Senado Federal acataram as análises preli-

minares trazidas pelo Relatório de Admissibilidade da denúncia.

[…]”

De todo modo, a fundamentação aplicada ao relatório votado

pelo Senado Federal busca centrar-se, quanto ao tópico das opera-

ções ilegais com as instituições financeiras (“pedaladas fiscais”),

àquelas acatadas pelo relatório do Deputado Jovair Arantes. A men-

ção das mesmas práticas e sua ocorrência em anos anteriores serve

apenas como reforço argumentativo e probatório, de maneira a

transmitir a ideia de gravidade dos atos governamentais e o grau de

descompromisso da ex-mandatária com as finanças públicas da

União.

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4. CONCLUSÃO

Como ressaltado pelo saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI, na

decisão pela qual indeferiu a liminar pleiteada, a instrução do

presente mandado de segurança, pela juntada da documentação

que compôs o processo de impeachment da impetrante, revela

que houve ampla instrução do processo, observado o contraditó-

rio e a legítima defesa. Contudo a impetrante não logrou conven-

cer a maioria necessária do colegiado julgador, o Senado Federal.

Do veredicto quanto aos aspectos de mérito do impeach-

ment não cabe nem substituição nem revisão do que foi julgado

pelo Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, a Suprema Corte não

pode chamar para si o próprio julgamento do impeachment presi-

dencial. O que redundaria em franca violação do art. 2º da Cons-

tituição Federal.

Ante o exposto, o parecer da Procuradoria-Geral da Repú-

blica é pela denegação da ordem.

Brasília (DF), 12 de setembro de 2017.

Rodrigo Janot Monteiro de BarrosProcurador-Geral da República

JCCR/UASJ

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