Alexandre Gidaro - Dissertação de Mestrado · Gráfico 6 – Investimento em patrocínios por...
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FACULDADE CÁSPER LÍBERO
Mestrado em Comunicação
Alexandre Gidaro
Marcas e brasões Processos midiáticos e estratégias de patrocínio ao futebol
brasileiro
São Paulo 2015
ALEXANDRE GIDARO
Marcas e brasões Processos midiáticos e estratégias de patrocínio ao futebol
brasileiro
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, na linha “Processos Midiáticos: Tecnologia e Mercado”, da Faculdade Cásper Líbero, para obtenção do título de Mestre em Comunicação. Orientador: Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes.
São Paulo 2015
Gidaro, Alexandre
Marcas e brasões. Processos midiáticos e estratégias de patrocínio ao futebol brasileiro / Alexandre Gidaro. -- São Paulo, 2015. 125 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. José Eugenio de Oliveira Menezes Dissertação (mestrado) – Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação
1. Processos Midiáticos. 2. Cultura. 3. Futebol. 4. Marketing esportivo. 5. Patrocínio. 6. Ecologia da Comunicação. I. Menezes, José Eugenio de Oliveira. II. Faculdade Cásper Líbero, Programa de Mestrado em Comunicação. III. Título.
AGRADECIMENTOS
Sou imensamente grato a Deus por esta oportunidade valiosa de
desenvolver-me como ser humano, por ter tido condições de iniciar e concluir este
projeto de vida que tanto somou à compreensão de quem sou e de onde vivo.
Agradeço especialmente à minha esposa Lessandra, pelo incentivo e pela
motivação cotidiana. Pelo carinho e pela privação de tantos projetos próprios ao dar
prioridade a este meu. Pela dedicação no cuidado de nosso pequeno Arthur nos
tempos em que estive ausente. Por sua coragem, perseverança e fé, qualidades que
tanto me inspiram.
Aos meus pais, por tudo o que me fizeram e fizeram por mim. Esta
conquista acadêmica é um grande passo na caminhada que me ensinaram a trilhar,
com esforço e dignidade.
Agradeço ainda a cada um de meus familiares, minha irmã Priscila, meus
sogros, meus cunhados, e todos os meus amigos, pelo incentivo concedido em
todos os meus empreendimentos pessoais e, em especial, pelos momentos de
descontração, tão importantes para o nosso bem-estar.
Registro também o meu sincero agradecimento a todos os profissionais da
Caixa Econômica Federal, que direta ou indiretamente contribuíram para a
consecução deste projeto.
Por fim, agradeço de coração ao meu orientador e amigo José Eugenio de
Oliveira Menezes, que com muita paciência, prontidão e amor pelo que faz, acolheu
meu estudo, encorajou minhas indagações, me guiou pelo melhor caminho e
acrescentou seu valioso conhecimento. Em seu nome, agradeço também a todos os
professores da Faculdade Cásper Líbero, em especial, aqueles que tive a honra de
ser aluno e dividir opiniões, Luís Mauro Sá Martino, Simonetta Persichetti, Edilson
Cazeloto e Cláudio Novaes Pinto Coelho. Muito obrigado também a todos os
colegas de estudo que compartilharam comigo esta maravilhosa experiência.
“depois de muitos anos em que o mundo me
ofereceu tantos espetáculos, o que finalmente
eu mais sei sobre a moral e as obrigações
dos homens, devo-o ao futebol”.
(Albert Camus)
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Parceiros, patrocinadores e apoiadores da FIFA em 2014 .......................... 67
Foto 2 – Corinthians divulga patrocínio da Caixa em entrevista coletiva ................... 74
Foto 3 – Peça publicitária da Campanha Poupançudos Bons de Bola (2014) ........... 76
Foto 4 – Peça publicitária da Campanha União das Torcidas (2015) ........................ 76
Foto 5 – Invasão corintiana ao Maracanã em 1976 ................................................... 78
Foto 6 – Primeiro patrocinador na camisa do Corinthians.......................................... 79
Foto 7 – Corinthians estampa chuveiro Corona em sua camisa ................................ 80
Foto 8 – Elenco corintiano veste camisa com patrocínio da Kalunga ........................ 81
Foto 9 – Ronaldo jogando pelo Corinthians ............................................................... 82
Foto 10 – Corinthians é bicampeão mundial em 2012 ............................................... 83
Foto 11 – Primeiro gol do Corinthians com patrocínio da Caixa................................. 85
Foto 12 – Capas da Revista Placar e do Jornal Lance! destacam título mundial....... 86
Foto 13 – Anúncio da Caixa parabeniza Corinthians por conquista de título ............. 87
Foto 14 – Corinthians lança terceiro uniforme na cor azul ......................................... 88
Foto 15 – Backdrop de marcas em entrevista coletiva............................................... 89
Foto 16 – Posto da Caixa instalado no Parque São Jorge......................................... 90
Foto 17 – Anúncio promocional no site República Popular do Corinthians ................ 91
Foto 18 – Corinthians lança terceiro uniforme na cor laranja ..................................... 92
Foto 19 – Uniformes do Corinthians no jogo de vídeo game PES 2016 .................... 93
Foto 20 – Corinthians estampa Hexa em seu uniforme ............................................. 93
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Investimento em patrocínio na América do Norte por setor...................... 68
Tabela 2 – Clubes brasileiros que mais receberão com patrocínios em 2015 ........... 70
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Participação das fontes nas receitas dos clubes de futebol brasileiros ... 54
Gráfico 2 – Valores das dez maiores marcas do futebol brasileiro em 2015.............. 59
Gráfico 3 – Distribuição das maiores torcidas do Brasil em 2014 .............................. 60
Gráfico 4 – Evolução das cotas de transmissão da TV Globo ................................... 61
Gráfico 5 – Total de investimentos globais em patrocínio .......................................... 64
Gráfico 6 – Investimento em patrocínios por região................................................... 65
Gráfico 7 – Investimento em patrocínio na América do Norte por setor ..................... 66
Gráfico 8 – Investimento da Caixa nas modalidades esportivas entre 2013 e 2016 .. 73
LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
CBAT Confederação Brasileira de Atletismo
CBC Confederação Brasileira de Ciclismo
CBF Confederação Brasileira de Futebol
CBG Confederação Brasileira de Ginástica
CBLA Confederação Brasileira de Lutas Associadas
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CND Conselho Nacional de Desportos
CPB Comitê Paralímpico Brasileiro
FIFA Fédération Internationale de Football Association
FPF Federação Paulista de Futebol
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
LTV Lifetime Value
NBA National Basketball Association
NFL National Football League
NHL National Hockey League
ROI Return On Ivestiment
UEFA Union of European Football Associations
GIDARO, Alexandre. Marcas e brasões. Processos midiáticos e estratégia s de patrocínio ao futebol brasileiro. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2015.
RESUMO
Este trabalho aborda o marketing esportivo e as estratégias de patrocínio nas
relações entre corporações e clubes de futebol no Brasil. Considera essas relações
como processos midiáticos marcados pelo contexto cultural, espaços de cooperação
entre o universo dos clubes de futebol, a modalidade esportiva em que é mais
notável a presença de investimentos empresariais, e as corporações que expõem
suas marcas nos processos midiáticos, como – entre outros - a veiculação televisiva
de partidas, mediante parcerias e patrocínios. Concebe as práticas esportivas como
expressões culturais que, uma vez presentes no universo da comunicação midiática,
permitem as relações entre a participação dos torcedores e a exposição das marcas
como, por exemplo, na parceria entre o Sport Club Corinthians Paulista e a Caixa
Econômica Federal. Nesse contexto, considera como os processos de comunicação
e cultura são marcados pelos sistemas de commoditização do esporte,
espetacularização midiática e potencialização das dinâmicas de consumo. A partir
de pesquisa bibliográfica, observação das práticas de marketing esportivo e do
diálogo com estudiosos dos processos de comunicação e cultura como Jeremy
Rifkin, Naomi Klein, Karl Marx, Theodor Adorno, Guy Debord, Vicente Romano e
Vilém Flusser, propõe uma análise crítica do marketing esportivo e das estratégias
de patrocínio ao futebol brasileiro. Constata, em perspectiva crítica à lógica
capitalista, que as relações de dependência existentes entre entidades esportivas,
mídia e corporações, em vista da exposição midiática das marcas dos clubes e das
corporações, indicam que os patrocinadores, no atual contexto socioeconômico, são
fundamentais para a sobrevivência dos clubes.
Palavras-chave: Processos Midiáticos. Cultura. Futebol. Marketing esportivo.
Patrocínio. Ecologia da Comunicação.
GIDARO, Alexandre. Brands and Badges. Media processes and sponsorship strategies of the Brazilian football. 2015. 125 p. Dissertation (Master of Communication), Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2015.
ABSTRACT
This essay analyses the sports marketing and sponsorship strategies in the
relations between corporations and football clubs in Brazil. The research considers
these relations as media processes marked by cultural context, cooperation areas
between the world of football clubs, where is most notable the presence of business
investment, and corporations that expose their brands in media processes, such as -
among others - the television broadcasting of matches, through partnerships and
sponsorships. The study conceives sports practices and cultural expressions that,
once present in the media communication universe, provide relations between the
participation of the fans and the exposure of brands such as, for example, the
partnership between the Sport Club Corinthians Paulista and Caixa Econômica
Federal. In this context, it considers how processes of communication and culture are
marked by systems like sports commoditization, media spectacle and consumer
dynamics enhancement. From bibliographic search, observation of sports marketing
practices and dialogue with scholars of communication and culture processes such
as Jeremy Rifkin, Naomi Klein, Karl Marx, Theodor Adorno, Guy Debord, Vicente
Romano and Vilém Flusser, proposes a critical analysis of sports marketing and
sponsorship strategies to Brazilian football. In a critical perspective to capitalist logic,
it notes that the existing dependency relations between sport organizations, media
and corporations, for the media exposure of the brands of clubs and corporations,
indicate that the sponsors in the current socio-economic context, are crucial for the
club’s survival.
Keywords: Media processes. Culture. Football. Sports marketing. Sponsorship.
Ecology of the Communication.
SUMÁRIO
Introdução ...............................................................................................................11
1 Marketing, comunicação e estilos de vida na socie dade de consumo ..........15
1.1 O branding e a ascensão das marcas................................................................15
1.2 A trajetória do Marketing ....................................................................................19
1.3 Lifetime value e sociabilidade corporativa ..........................................................22
1.4 Comunicação e cultura a serviço do Marketing..................................................24
1.5 O estilo de vida e o campo social dos esportes .................................................27
2 O futebol e os meios de comunicação de massa no B rasil .............................32
2.1 Sobre as origens do futebol................................................................................32
2.2 A popularização do futebol no Brasil ..................................................................34
2.3 A relação entre o futebol e os meios de comunicação de massa.......................41
2.4 O futebol no campo dos negócios ......................................................................50
3 O marketing esportivo no futebol brasileiro .....................................................55
3.1 O que é marketing esportivo ..............................................................................55
3.2 O patrocínio corporativo no futebol brasileiro .....................................................62
3.3 A estratégia Caixa Econômica Federal em patrocinar clubes de futebol ...........71
3.4 O Corinthians na era das marcas.......................................................................77
3.5 O patrocínio da Caixa ao Corinthians.................................................................84
4 Torcer e consumir na sociedade do espetáculo ..............................................94
4.1 Conexões entre consumo, bens culturais e mídia..............................................94
4.2 A naturalização do consumo, as imagens e a espetacularização do futebol ...100
4.3 A importância e os reflexos dos investimentos em patrocínio no futebol .........109
Considerações Finais ..........................................................................................117
Referências ...........................................................................................................119
11
Introdução
As marcas já ocupam espaço nas paisagens urbanas, na música, na arte, no
cinema, nas escolas, nos eventos comunitários e nos esportes. Muitos críticos
apontam que o verdadeiro poder das grandes corporações multinacionais transferiu-
se. Não está mais concentrado naquilo que elas oferecem ou produzem, mas sim,
no cerne de sua identidade, na relação estabelecida entre suas marcas e as massas
consumidoras.
O que se observa nos dias de hoje é que, ao figurar entre as atividades
sociais de seus consumidores, a presença corporativa não se limita mais à esfera
das negociações, do consumo dos produtos ou da consecução dos serviços. A
presença das corporações é notável mesmo nas atividades livres das considerações
do mercado e da órbita comercial, já que passaram a demarcar território na cultura,
não como coadjuvantes, mas como incorporadoras, processadoras e
disseminadoras da cultura.
De uma forma geral, os esportes também receberam o aporte das
corporações empresariais que, na maioria dos casos, desenvolvem atividades
completamente distintas do âmbito esportivo. Dentre as diversas modalidades
esportivas existentes, o futebol talvez seja aquela em que mais é notável a presença
corporativa. Esporte que surpreende pelos números, tanto em audiência quanto em
investimentos, o futebol é considerado por muitos estudiosos um fato social de
enorme importância na cultura brasileira contemporânea, e cuja popularidade está
diretamente relacionada à sua exposição na mídia. Ao considerar a estimativa de
que o universo de torcedores de futebol no Brasil já supere a marca de 154 milhões,
tomamos consciência das proporções e relevância do tema na atualidade. A
representatividade atribuída ao futebol na sociedade em que vivemos é tamanha
que faz desta modalidade um alvo das mais diversas estratégias de marketing
esportivo, dentre elas, a publicidade e o patrocínio.
Seguindo a indicação de Santaella (2001, p. 75), de haver um caráter híbrido
da comunicação que “enquanto fenômeno comunicacional se faz presente e
interfere em vários setores da vida privada e social”, e que “enquanto área de
conhecimento ela mesma que, cada vez mais, parece situar-se na encruzilhada de
várias disciplinas e ciências já consensuais ou emergentes”, o tema ora abordado
encontra convergências na filosofia, sociologia e na teoria da administração.
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A motivação que fundamenta este estudo encontra bases na experiência
pessoal e profissional deste pesquisador. Há mais de dez anos trabalhando no setor
bancário e com mais da metade deste tempo dedicado às atividades de marketing,
observo de uma posição privilegiada, o crescente investimento das empresas deste
mercado nos esportes, em especial, naquele que carrego grande apreço, o futebol.
De acordo com Severino (2002, p. 146), “o caráter pessoal do trabalho do
pesquisador possui uma dimensão social, o que confere seu sentido político”.
Segundo o autor, esta asserção indica que o pesquisador “já deve ter pensado no
mundo, indagando-se criticamente a respeito de sua situação, bem como da
situação de seu projeto e de seu trabalho, nas tramas políticas da realidade social”.
A pesquisa em questão pretende responder à seguinte pergunta: como a
estratégia de patrocínio tem colaborado para que as marcas tenham espaço nas
experiências culturais contemporâneas e quais os impactos deste fenômeno no
futebol? Em princípio, a fixação deste problema como centro da análise ocorre de
maneira intuitiva e segue o pressuposto de que “na fase de definição do problema,
(...) as capacidades intuitivas ganham importância, pois a percepção inicial de um
problema é, o mais das vezes, pouco racional” (SANTAELLA, 2001, p. 165).
Também derivam do problema estabelecido os seguintes questionamentos:
como a comunicação se integra ao processo de commoditização do futebol? De que
maneira a mídia articula a espetacularização e potencializa as dinâmicas de
consumo no campo esportivo?
O projeto justifica-se pelo fato de que, apesar de existirem estudos sobre a
estratégia de patrocínio, seja ela voltada para o âmbito dos eventos e espetáculos,
da cultura ou do esporte, na maioria das vezes, a produção acadêmica sobre o tema
busca elucidar apenas a efetividade desta como ferramenta de marketing, na
tentativa de mitigar riscos e potencializar resultados de uma determinada empresa.
Partindo de uma perspectiva crítica sobre a sociedade de consumo, este
estudo tem o objetivo principal de analisar o fenômeno da participação corporativa
no futebol brasileiro através do marketing esportivo, considerando a mídia como
propulsora da espetacularização do esporte e a comunicação como fio condutor
desta relação.
De maneira secundária, este trabalho também tem como objetivos: identificar
o papel das marcas na sociedade moderna, mapear a trajetória do marketing na
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contemporaneidade; contextualizar a história do futebol no Brasil e no mundo,
identificando a influência do poder midiático em sua constituição como fenômeno
social; articular o debate entre as teorias críticas que cercam a produção cultural, a
espetacularização e as dinâmicas de consumo.
Norteia este trabalho a hipótese de que o futebol passou por um processo de
transformação e adequação à lógica do capital, recebendo investimentos de
marketing das corporações que, por sua vez, visam divulgar suas marcas e
estabelecer vínculos com o público consumidor.
Em tempo, a metodologia que será aplicada para consecução deste estudo
classifica-o como uma pesquisa exploratória que, segundo Gil (2002, p. 43), tem
como objetivo “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-
lo mais explícito ou a constituir hipóteses”, e ainda, “o aprimoramento de ideias ou a
descoberta de intuições”. O delineamento da pesquisa constitui-se nas análises
bibliográfica e documental que, de acordo com Gil (2002, p. 45), apesar de serem
muito semelhantes, se diferenciam pela natureza das fontes. A primeira justifica-se
pelo fato de “permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito
mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” e, para tanto, deve
ser “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de
livros e artigos”. A segunda “vale-se de materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os
objetivos da pesquisa” e será baseada, principalmente, em documentos de segunda
mão, ou seja, aqueles que “de alguma forma já foram analisados, tais como:
relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas, etc.” (GIL, 2002,
p. 44-46).
No primeiro capítulo deste trabalho buscaremos elucidar o que são as marcas
e que papel elas exercem na sociedade contemporânea, através de uma
contextualização histórica sobre as práticas de marketing. Apresentaremos também
de que maneira alguns críticos têm abordado o tema da participação das marcas no
contexto social e como a comunicação e a cultura têm se integrado a este
fenômeno. Por fim, discutiremos como os hábitos de consumo podem influenciar a
formação dos estilos de vida e de que maneira suas dinâmicas influenciam o campo
social dos esportes.
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O segundo capítulo buscará levantar traços históricos do surgimento do
futebol e de sua popularização no Brasil, demonstrando a importância da mídia e do
poder governamental para sua constituição enquanto fenômeno social e apontando
de que maneira a espetacularização e a profissionalização do esporte contribuíram
para seu deslocamento para o âmbito dos negócios, principalmente com o
surgimento da publicidade e do patrocínio às equipes desta modalidade.
O terceiro capítulo tem como objetivo descrever algumas das competências
do marketing esportivo, detalhando especificamente o patrocínio ao futebol. O
estudo tomará como exemplo a estratégia de marketing da Caixa Econômica
Federal, maior patrocinadora da modalidade em 2015, apresentando algumas das
ações adotadas pela empresa brasileira para ganhar visibilidade e gerar negócios a
partir de sua parceria com o Sport Club Corinthians Paulista, detentor da maior
torcida do estado de São Paulo e a segunda maior do Brasil.
O quarto e último capítulo integrante deste estudo pretende abordar a questão
da naturalização do consumo na sociedade do espetáculo, apoiada pela influência
da mídia e das imagens. Neste ponto, procuraremos debater a relação entre torcer e
ser consumidor de um bem cultural como o futebol, e ainda, como o aspecto
espetacular deste esporte contribui para as ações de marketing esportivo, tais como
o patrocínio, e quais os reflexos desta estratégia entre clubes e torcedores.
15
1 Marketing, comunicação e estilos de vida na socie dade de consumo
1.1 O branding e a ascensão das marcas
A participação das corporações no contexto social em que vivemos cresce em
ritmo acelerado. A cada dia, produtos e serviços que seriam inimagináveis há
décadas atrás se transformam em commodities e, ocupando cada vez mais espaço
e tempo na vida das pessoas, tornam quase que impensável a possibilidade de
descrever a existência do homem no mundo contemporâneo sem citar as dinâmicas
de consumo. Embora a participação corporativa tenha uma relação direta com a
natureza operacional de seus produtos e serviços, ou seja, para que servem ou para
quais problemas se propõem a resolver, sua representatividade na atualidade se
deve principalmente ao poder simbólico que suas marcas desempenham na
sociedade moderna.
Muitos acadêmicos das áreas da Comunicação, Administração de Empresas
e, especificamente, do Marketing procuram aplicar em seus estudos a definição de
marca proposta pela American Marketing Association que, basicamente, consiste em
um nome, termo, desenho, símbolo ou outra característica que permita a distinção
entre o produto de um vendedor dos demais produtos ofertados por outros
vendedores. Para o professor e consultor de negócios norte-americano Philip Kotler,
relacionado entre as seis pessoas mais influentes do mundo dos negócios pelo Wall
Street Jornal em 2008, uma marca é um símbolo ainda mais complexo.
Em essência, uma marca identifica a empresa ou o fabricante. Pode ser um nome, uma marca comercial, um logotipo ou outro símbolo. (...) Uma marca é essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. As melhores marcas trazem uma garantia de qualidade. (...) Se a empresa trata uma marca apenas como um nome, está totalmente equivocada. O desafio em estabelecer uma marca é desenvolver profundas associações positivas em relação a ela. Os profissionais de marketing devem decidir em que níveis ancorar a identidade da marca. Seria um erro promover somente atributos. (...) Os significados mais permanentes de uma marca são seus valores, cultura e personalidade. Eles definem a essência da marca (KOTLER, 2000, 426-427).
Esta concepção de que uma marca consiste em um conjunto de significados e
percepções tem total aderência às asserções de Batey (2010). Para o autor, um
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produto físico se torna uma marca quando é acrescido de imagens, símbolos,
percepções e sentimentos. Segundo ele, ainda que uma marca possua
desdobramentos em categorias de produtos, no seu centro existe uma alma, “uma
identidade distintiva que toca no fundo dos consumidores e transcende a
representação física em termos de forma do produto” (BATEY, 2010, p. 27).
(...) é mais correto descrever uma marca como a percepção do consumidor e sua interpretação de um agrupamento de atributos, benefícios e valores associados a ela. (...) Uma marca é um agrupamento de significados. (...) Aliás esses significados precisam ser constantemente renovados, modificados, polidos e, quando necessário, trocados. Sem um significado a marca não existe (BATEY, 2010, p. 31).
Para compreender mais a respeito da importância vital que as marcas
desempenham para as corporações nos dias de hoje, é preciso considerar também
os momentos históricos nos quais elas surgiram e depois se afirmaram.
No passado, a maioria dos produtos não tinha marca. Os produtores e intermediários vendiam seus bens em barris, em vasilhames e em caixas, sem nenhuma identificação do fornecedor. Os compradores dependiam da integridade do vendedor. Os primeiros sinais do uso de marcas foram os esforços das guildas medievais em exigir que os artesãos colocassem marcas em seus produtos a fim de proteger a si e a seus consumidores contra produtos de qualidade inferior (KOTLER, 2000, p. 429).
Com a Revolução Industrial, os produtos passaram a ser produzidos em
altíssima escala e de maneira cada vez mais uniforme, o que dificultava a sua
diferenciação num mercado extremamente competitivo. A publicidade e a propaganda
surgiram então como estratégia de divulgação dos produtos até então desconhecidos
ou não reconhecidos.
Inicialmente, na segunda metade do século XIX, a publicidade tinha como
desafio divulgar os produtos inovadores recém-criados e fabricados em grande
escala. Como aponta a jornalista canadense Naomi Klein (2002, p. 29), “a
publicidade devia informar os consumidores da existência de algumas novas
invenções, depois convencê-los de que sua vida seria melhor se usassem, por
exemplo, carros em vez de bondes, telefones em lugar de cartas e luz elétrica em
vez de lampiões a óleo”. À medida que se tornou necessária a diferenciação entre
concorrentes nos mercados de disputa acirrada, as marcas passaram a integrar o
processo de produção das mercadorias.
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Surge então o branding, o processo de gerenciamento de marcas, que tem
como objetivo principal coordenar as associações e percepções sobre a identidade
de uma empresa ou corporação, sua essência ou sentido, evocando familiaridade e
facilitando a decisão de compra do consumidor final.
O semioticista italiano Andrea Semprini é um dos maiores especialistas da
atualidade sobre o papel das marcas na pós-modernidade. Para ele, as marcas
configuram-se cada vez mais como entidades híbridas e complexas:
A marca moderna, nascida há mais ou menos cento e cinquenta anos na esfera comercial, tornou-se hoje uma marca pós-moderna, um princípio abstrato de gestão do sentido que continua a se aplicar, em primeiro lugar, ao universo do consumo, mas que se torna utilizável, com as devidas modificações, ao conjunto dos discursos sociais que circulam no espaço público (SEMPRINI, 2006, p. 20).
No início, embora as marcas comerciais também tivessem desempenhado um
papel essencial para o crescimento dos negócios, seu valor ainda era traduzido pela
qualidade dos produtos que denominavam. O que se observa é que nas últimas
décadas, o papel das marcas sofreu uma transformação que elevou sua importância
para as corporações de maneira exponencial. Através das marcas, as corporações e
as mercadorias passaram a ser dotadas de personalidade. Assim, o processo de
decisão de compra de determinada categoria de produto começou a ser influenciado
muito mais pelos atributos intangíveis das marcas do que pelos atributos tangíveis
dos produtos que representam.
No final da década de 1940 surgiu a consciência de que uma marca não era apenas um mascote, um slogan ou uma imagem impressa na etiqueta do produto da empresa; toda a empresa podia ter uma identidade de marca ou uma "consciência corporativa", como na época foi denominada esta efêmera qualidade. (...) A busca do verdadeiro significado das marcas - ou a "essência de marca", como é frequentemente chamado - gradualmente distanciou as agências dos produtos e suas características e as aproximou de um exame psicológico/antropológico de o que significam as marcas para a cultura e a vida das pessoas (KLEIN, 2002, p. 31).
Klein indica ainda que a ascensão das marcas na sociedade capitalista não
teria sido possível sem determinadas conquistas empresariais, como os incentivos
fiscais e a própria perda de força dos estados durante os períodos de crise
econômica. Com a recessão da economia americana na década de 80, surge um
novo tipo de corporação, livres de superestruturas de produção, com maior leveza e
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menos responsabilidades para operar, apoiadas pela abertura de novos mercados e
as reformas trabalhistas:
O que essas empresas produziam principalmente não eram coisas, diziam eles, mas imagens de suas marcas. Seu verdadeiro trabalho não estava na fabricação, mas no marketing. Essa fórmula, desnecessário dizer, mostrou-se imensamente lucrativa, e seu sucesso levou as empresas a uma corrida pela ausência de peso: quem possuísse menos, tivesse o menor número de empregados na folha de pagamentos e produzisse as mais poderosas imagens, em vez de produtos, ganharia a corrida (KLEIN, 2002, p. 28).
Deste movimento emanou o que hoje chamamos de brand equity, o capital ou
patrimônio de marca. Um dos pioneiros no estudo do capital de marca, o professor
norte-americano David Aacker, indica que a expressão refere-se a “um conjunto de
ativos e passivos ligados a uma marca, seu nome e seu símbolo, que se somam ou
se subtraem do valor proporcionado por um produto ou serviço para uma empresa”
(AACKER, 1998, p. 16). Segundo ele, estes ativos e passivos podem variar de
acordo com o contexto em que a marca se insere.
(...) Contudo, podem, de forma prática, ser agrupados em cinco categorias: 1) lealdade à marca; 2) conhecimento do nome; 3) qualidade percebida; 4) associações à marca em acréscimo à qualidade percebida); 5) outros ativos do proprietário da marca - patentes, trademarks, relações com os canais de distribuição etc. (AAKER, 1998, p. 16).
Entendemos então que o brand equity refere-se à variação de poder e valor
das marcas no mercado. Para uma melhor compreensão sobre a avaliação e
distinção entre marcas, utilizaremos uma versão proposta por Kotler (2000), que
para os fins deste estudo consideramos mais objetiva.
As marcas variam quanto a seu poder e valor no mercado. Em um extremo estão as marcas que não são conhecidas pela maioria dos compradores. Em seguida vêm as marcas que têm bom nível de conscientização de marca. Depois, as marcas com alto grau de aceitabilidade de marca, seguidas daquelas que possuem alto grau de preferência de marca. Por fim, existem as marcas que possuem um alto grau de fidelidade à marca (KOTLER, 2000, p. 427).
O valor das marcas é então contabilizado nos balanços patrimoniais, junto
aos ativos fixos das corporações. A partir do brand equity, as negociações entre
corporações começaram a considerar o valor abstrato das marcas e de todos os
sentidos por elas construídos durante anos de investimento em publicidade. Foi
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neste contexto que surgiram as primeiras empresas que se caracterizavam muito
mais como agentes de significados do que como fabricante de produtos:
(...) O que mudava era a ideia de o que - na publicidade e na gestão de marcas - estava sendo vendido. Segundo o velho paradigma, tudo o que o marketing vendia era um produto. De acordo com o novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro produto, a marca, e a venda de uma marca adquire um componente adicional que só pode ser descrito como espiritual. A publicidade trata de apregoar o produto. O Branding, em suas encarnações mais autênticas e avançadas, trata de transcendência corporativa (KLEIN, 2002, p. 45).
A transcendência corporativa a qual Klein se refere, na verdade, é um
fenômeno que se acentuou na década de 1990. Para manterem-se vivas e
competitivas, seria preciso que, cada vez mais, as corporações buscassem dotar
suas marcas de significados positivos. O que veremos à diante é que, para que isso
se tornasse possível, se faria necessário que as corporações mergulhassem de
cabeça nas experiências culturais e sociais, aproveitando-se destas para elaborar e
gerir seu projeto de concepções de marca.
1.2 A trajetória do Marketing
É importante destacar que o surgimento das marcas e do branding, na
verdade, acompanham a evolução histórica das práticas de marketing executadas
pelas corporações na sociedade capitalista. A palavra inglesa marketing deriva do
termo mercari, do latim, que significa ato de comercializar. Embora o Marketing
tenha se desenvolvido como prática inerente do campo dos negócios e,
posteriormente, do campo do conhecimento, a partir do século XX, muitos teóricos
defendem que os princípios de marketing existem desde o surgimento do comércio,
na Antiguidade. De fato, é possível que os antigos mercadores, dos sumérios aos
romanos, tivessem desenvolvido ao longo de suas práticas comerciais a habilidade
de cativar clientes, o que possibilitou, sem sombra de dúvidas, a sobrevivência do
comércio. Todavia, o Marketing como conhecemos hoje e que, por ora, tomamos
como a aplicação consciente das técnicas que buscam aumentar o desempenho das
corporações nas trocas e vendas através do incentivo ao consumo, se desenvolveu
com a consolidação das evoluções tecnológicas decorrentes da Revolução Industrial
nas sociedades modernas.
20
A evolução do marketing ao longo das décadas sempre esteve relacionada às
mutações do consumo nos diferentes períodos históricos. Sabe-se que, no princípio,
o foco das estratégias de marketing era centrado na questão da distribuição das
mercadorias, em suma, a equação entre oferta, que entendemos como capacidade de
produção, e demanda, como capacidade ou necessidade de consumo.
Até a segunda metade do século XVIII, o consumo caminhava de maneira
balanceada, com alguns momentos em que a necessidade de consumo poderia ser
superior à capacidade de produção, uma vez que os produtos eram elaborados
artesanalmente. Com o advento da Revolução Industrial e a transformação das
sociedades rurais em urbanas, esta lógica foi invertida. As organizações fabris
davam conta de produzir mercadorias em uma velocidade infinitamente superior, o
que acarretava a necessidade de escoamento destas mercadorias nos mais
diversos mercados.
A grande depressão da economia norte-americana da década de 1930 e a
Segunda Guerra Mundial também foram momentos históricos que influenciaram em
muito para o incentivo ao consumo. Ao longo da guerra, por exemplo, as
dificuldades econômicas contribuíram para o surgimento de uma geração ávida pelo
consumo. A geração do pós-guerra rapidamente absorveu os novos bens
manufaturados, produtos como automóveis e aparelhos eletrônicos de naturezas
diversas. Assim, não demorou muito para que o mercado ficasse saturado
novamente, visto que as tecnologias de produção, cuja evolução nunca fora
interrompida, já possibilitavam a fabricação de mercadorias em uma escala muito
maior do que a demanda seria capaz de consumir.
Foi neste cenário, entre as décadas de 50 e 60, que foram evidenciadas e
popularizadas algumas das técnicas de marketing que perduraram quase até o fim
do século passado. As análises tornaram-se mais abrangentes e passaram a
considerar não mais somente as questões de distribuição, mas todo o processo
envolvido desde a produção até a consecução da venda ao cliente. E é exatamente
quando os profissionais de marketing tomam consciência da importância do cliente
no processo de venda que a lógica do Marketing é transformada. Considerado o pai
das práticas de administração de empresas mais difundidas do planeta, Peter
Drucker declarou o cliente como o principal ativo da empresa e o Marketing como a
alma dos negócios:
21
(...) O marketing é tão básico que não pode ser considerado uma função separada. É o negócio, visto como um todo, visto do ponto de vista de seu resultado final, isto é, do ponto de vista do consumidor. O sucesso da empresa não é determinado pelo produtor, mas pelo consumidor (DRUCKER, 2001, p. 240).
A mudança de posição do cliente nos negócios da ponta para o centro levou a
uma transformação dos processos de produção que, graças às evoluções
tecnológicas, geraram produtos cada vez mais personalizados, concebidos a partir
das expectativas dos consumidores. É o que explica o economista norte-americano
Jeremy Rifkin, em sua obra A Era do Acesso:
A nova capacidade de customizar a produção de acordo com as necessidades de cada cliente levou as operações de negócio a começar do cliente e trabalhar no sentido inverso, chegando até o chão-de-fábrica no processo comercial. Em vez de os fornecedores produzirem produtos em massa em massa e criarem mercados para distribuí-los, os consumidores informam cada vez mais os fornecedores de suas necessidades individuais, que são, então, produzidas de acordo com suas especificações (RIFKIN, 2001, p. 87).
Preocupadas com o aumento da concorrência e uma diminuição severa na
lucratividade, as empresas investiram no relacionamento com seus clientes.
Diversos gurus do marketing começaram a considerar em suas obras a importância
do relacionamento para a sobrevivência das corporações em mercados cada vez
mais competitivos:
A proposta de valor de uma empresa é muito mais do que se posicionar em um único atributo; é uma declaração sobre a experiência resultante que os clientes obterão com a oferta e seu relacionamento com o fornecedor. A marca deverá representar uma promessa relativa à experiência total resultante que os clientes podem esperar. Se a promessa será ou não cumprida, depende da capacidade da empresa em gerir seu sistema de entrega de valor. O sistema de entrega de valor inclui todas as experiências de comunicação e canais que o cliente terá a caminho da obtenção da oferta (KOTLER, 2000, p. 59).
O marketing ganhou tanta força nas empresas que sua atividade passou a ser
tão importante quanto à própria fabricação dos bens de consumo. O que
pretendemos observar a seguir é como as corporações têm se dedicado ao
desenvolvimento do relacionamento com seus consumidores, ultrapassando os
limites do âmbito comercial e dirigindo-se a vida cotidiana das pessoas,
incorporando valores da própria cultura.
22
1.3 Lifetime value e sociabilidade corporativa
O impacto social gerado pela crescente customização na produção em massa
dos bens de consumo começou a ser percebido a partir da década de 1980. As
empresas que mais investiram em equipamentos capazes de adaptar a produção
para as necessidades do mercado puderam diferenciar suas ofertas das de seus
concorrentes e ganharam grande vantagem competitiva. Com a produção cada vez
mais personalizada, o relacionamento entre empresas e consumidores atingiu um
novo patamar. Os clientes colaborariam diretamente para a concepção dos
produtos, fazendo com que o processo de vendas de bens manufaturados se
assemelhasse a um processo de prestação de serviços.
Quando até os bens se tornam plataformas para os serviços, e estes se tornam o mecanismo primário na condução do comércio global, é fundamental estabelecer relacionamentos com os usuários finais. O marketing torna-se a estrutura central da nova economia de rede, e controlar o cliente passa a ser a meta da atividade comercial. Controlar o cliente é o estágio final em uma longa jornada comercial marcada pela luta cada vez mais intensa para se tirar tanto a propriedade quanto o controle comercial da vida econômica das massas e colocá-los nas mãos das instituições corporativas (RIFKIN, 2001, p. 83-84).
Rifkin (2001, p. 80) descreve com precisão a nova unidade de mensuração
que passa a vigorar entre as corporações, o potencial de “valor ao longo da vida”
(lifetime value – LTV) dos clientes. Tal medida se resume a uma projeção do “(...)
valor atual de todas as compras futuras, deduzido dos custos de marketing e dos
serviços ao cliente para assegurar e manter um relacionamento para a vida toda”.
(...) É possível determinar o LTV de uma pessoa com as novas tecnologias de informação e telecomunicações da economia de rede. Os laços de feedback eletrônicos e os códigos de barra permitem que as empresas recebam informações atualizadas continuamente sobre as compras dos clientes, com perfis detalhados sobre o estilo de vida dos clientes – suas opções de dieta, guarda-roupa, estado de saúde, lazer e padrão de viagem. (...) é possível usar essa massa de dados básicos sobre cada indivíduo para prever seus futuros desejos e necessidades e mapear campanhas de marketing com o objetivo de atrair clientes para relacionamentos comerciais ao longo da vida (RIFKIN, 2001, p. 81-82).
Os relacionamentos de longo prazo podem ser capazes de exercer uma
influência direta não só no poder de decisão de compra do cliente, mas também no
23
próprio conhecimento que ele tem sobre os produtos e serviços que adquire. Assim, a
tendência é que quanto mais uma determinada empresa investir no estabelecimento
de vínculos com seus clientes, menores serão as condições favoráveis que eles terão
para efetuar uma mudança em seu comportamento de consumo:
(...) No novo século, a organização do consumo torna-se tão importante quanto a organização da produção foi no século passado. A ideia é fazer a totalidade da experiência de uma pessoa depender de agentes comerciais. Embora o usuário final esteja engajado no processo, ele se torna cada vez mais dependente de intermediários que atendam a suas necessidades. Controlar o cliente significa exatamente isso – ser capaz de captar e dirigir a atenção e gerenciar os detalhes minúsculos das experiências de vida de cada pessoa. Os agentes comerciais cuidam dos clientes. (...) O cliente se torna mobilizado e envolvido em uma densa rede de relações comerciais contínuas e pode ficar totalmente dependente das forças comerciais das quais ele entende pouco e tem cada vez menos controle (RIFKIN, 2001, p. 84).
Esta inversão da estrutura de relacionamento entre consumidores e
vendedores, que coloca os clientes no centro do processo, porém tira-lhes aos
poucos quase toda sua capacidade de discernimento no âmbito comercial, também
provocou mudanças no emprego das tecnologias de informação pelas corporações.
Até então, as tecnologias de informação e comunicação eram utilizadas para
monitorar o desempenho dos produtos e volatilidade dos mercados. O que ocorreu
foi que estas tecnologias hoje se concentram nos clientes e, principalmente, no
potencial de lucratividade que cada relacionamento com o cliente poderia oferecer.
Rifkin (2001, p. 88) define estas tecnologias de informação como tecnologias-R, ou
seja, tecnologias de relacionamento:
As tecnologias-R se expandem para englobar todas as experiências de vida de uma pessoa. O poder dessas ferramentas de marketing reside na capacidade de criar um ambiente abrangente para organizar a vida pessoal e reestruturar o discurso social. Visto que elas se tornam cada vez mais um meio básico de comunicação entre as pessoas, as tecnologias-R podem ser usadas para reconfigurar as categorias fundamentais de existência social (RIFKIN, 2001, p. 89).
Desta forma, as empresas se utilizam das tecnologias-R para reunir o máximo
de informações dos clientes e, então, investem para que sejam criadas
“comunidades de interesse”, baseadas perfis de comportamento comuns. O
relacionamento com o cliente seria aproveitado ao máximo a partir do
estabelecimento de um vínculo formado dentro do contexto de comunidade.
24
Segundo Rifkin (2001, p. 90), “a chave para criar comunidades de interesse é
planejar eventos, reuniões ou outras atividades que promovam o contato dos
clientes para partilhar seus interesses comuns na marca da empresa”. Uma vez que
a empresa ocupe um papel centralizado na relação social de seus consumidores,
passa a exercer um controle ainda maior sobre seu poder de decisão. Em tese, a
concorrência somente seria capaz de romper os vínculos entre o consumidor e a
empresa, se fosse capaz de anular também o seu relacionamento social.
O que se observa então é que, ao figurar entre as atividades sociais de seus
consumidores, a presença corporativa não se limita mais ao tempo e ao espaço das
negociações, do consumo dos produtos ou da consecução dos serviços. A presença
corporativa agora divide espaço com as atividades livres das considerações do
mercado e da órbita comercial.
1.4 Comunicação e cultura a serviço do Marketing
Exploraremos agora como as corporações têm demarcado território na cultura,
não como coadjuvantes e sim como incorporadoras, processadoras e disseminadoras
da cultura. Com a criação de vínculos de relacionamento duráveis entre consumidores
e fornecedores de bens/serviços, observa-se que as corporações têm migrado sua
atenção do processo produtivo para a vida das pessoas.
As pessoas criam comunidades, desenvolvem códigos elaborados de conduta social, reproduzem significados e valores partilhados e constroem a confiança social na forma de capital social. Apenas quando a confiança social e a troca social são bem desenvolvidas é que as comunidades se engajam no comércio e nas transações comerciais. É importante frisar que a esfera comercial sempre derivou da esfera cultural e dependeu dela. É por isso que a cultura é a fonte eterna da qual normas de comportamento de aceitação geral são estabelecidas. São essas regras de conduta, por sua vez, que criam um ambiente confiável dentro do qual o comércio e as negociações ocorrem (RIFKIN, 2001, p. 10).
Na visão de Rifkin (2001), a cultura transforma-se na mercadoria em si e toda
experiência humana é relevante para os relacionamentos comerciais. Este
movimento que observamos entre as corporações, partindo do âmbito comercial
para o cultural, é ainda mais potencializado no ciberespaço, ou seja, nas redes de
comunicações eletrônicas, na internet e nos gadgets:
25
Depois de milhares de anos de existência em um âmbito semi-independente, às vezes tocado pelo mercado, mas nunca absorvido por ele, a cultura – a experiência humana compartilhada – agora está sendo arrastada para o âmbito econômico, graças ao domínio que as novas tecnologias de comunicação estão começando a ter na vida diária. Em uma economia global cada vez mais dominada por uma grade de comunicações eletrônicas comerciais e por todo tipo de produção e commodity cultural, assegurar o acesso às próprias experiências torna-se tão importante quanto foi adquirir propriedades, em uma época dominada pela produção de bens industriais (RIFKIN, 2001, p. 112).
Ao aceitar o conceito de cultura como toda a rede de significados em torno dos
seres humanos, Rifkin (2001, p. 112) declara que “as comunicações – linguagem,
arte, música, dança, textos escritos, filmes, gravações, software – são as ferramentas
que os seres humanos usam para interpretar, reproduzir, manter e transformar essas
redes de significado”. Na ótica de Rifkin, a própria comunicação torna-se o ponto
chave para este processo de mercantilização que estamos observando:
(...) As comunidades existem ao compartilhar significados comuns e formas comuns de comunicações. (...) Os antropólogos afirmam que as comunicações não podem ser divorciadas da comunidade e da cultura. Uma não pode existir sem a outra. Assim sendo, quando todas as formas de comunicação se tornam commodities, então, a cultura, a matéria das comunicações, também se torna inevitavelmente uma commodity (RIFKIN, 2001, p. 113).
Com o avanço tecnológico dos meios de comunicação, o ambiente passa a
ser reproduzido eletronicamente, tornando virtuais as percepções de realidade.
Assim, uma parte cada vez maior das experiências humanas passa a se
desenvolver em ambientes artificiais.
O progresso das novas tecnologias de comunicação eletrônicas nos levou a uma sucessão de ambientes mediados tecnologicamente, cada um dos quais sendo mais capaz de produzir a sensação “real” de formas simuladas. Isso acontece principalmente no ciberespaço. Essas novas ferramentas de comunicação poderosas destilam a essência simbólica da experiência cultural e transformam-na digitalmente em imagens de faz-de-conta que, ao serem comunicadas, parecem ainda mais vívidas e reais que os fenômenos originais e, portanto, se tornam experiência (RIFKIN, 2001, p. 138).
O Marketing então se configura como a atividade responsável por captar a
essência cultural e os valores simbólicos nas sociedades contemporâneas e os
transformá-los em commodities. Os novos produtos comercializados no mercado são
carregados de significados culturais, adquiridos através das artes e disseminados
26
pelas tecnologias de telecomunicação. A cultura popular criada a partir do
compartilhamento de valores comuns passa a ser fonte de produções culturais,
pedaços seccionados da cultura em forma de experiências de consumo. A venda de
produtos se torna uma conclusão de algo mais importante e que já se iniciou
anteriormente, a venda do estilo de vida e da experiência.
À medida que a produção cultural passa a dominar a economia, os bens adquirem cada vez mais qualidades de suporte. Eles e tornam meras plataformas ou ambientes em torno dos quais significados culturais elaborados são representados. Eles perdem sua importância material e assumem uma importância simbólica. Tornam-se menos objetos e mais ferramentas para ajudar a facilitar a realização de experiências vividas (RIFKIN, 2001, p. 141).
As estratégias de marketing utilizam-se consideravelmente de processos
comunicacionais, como a publicidade e a propaganda, para transformar e apropriar-se
dos elementos culturais e os comercializar como experiências. Uma vez que os
consumidores passam a consumir símbolos, a publicidade e a propaganda
assumem a função de intérpretes de significados culturais:
Os consumidores têm acesso à cultura e a seus vários significados em parte por meio de várias mensagens publicitárias dirigidas para eles. A propaganda informa aos consumidores sobre a cultura e os orienta sobre quais compras evocarão a conotação cultural e a experiência de vida adequadas. O capitalismo avançado, então, já não diz mais respeito à manufatura de bens ou à execução de serviços, ou mesmo à troca de informações, mas sim à criação de elaboradas produções culturais. (RIFKIN, 2001, p. 144).
Retomando a afirmação de Kotler (2000, p. 59) na qual, pelo ponto de vista de
marketing, a proposta de uma empresa deve ser focada na “experiência resultante
que os clientes obterão com a oferta e seu relacionamento com o fornecedor”, fica
claro que o papel do marketing assume uma proporção mais abrangente. As
atividades de marketing contemporâneas servem-se da comunicação e da cultura
como fonte para manutenção e expansão dos negócios em mercados cada vez mais
competitivos nas sociedades capitalistas. Este fenômeno pode ser observado
principalmente em ambientes mediados eletronicamente, ou seja, no ciberespaço –
na TV, internet e todo o tipo de entretenimento virtual.
(...) Essas empresas de mídia transnacional estão usando a nova revolução digital nas comunicações para conectar o mundo e, no processo, estão impulsionando a esfera cultural inexoravelmente para
27
a esfera comercial, onde está sendo transformada em commodity, na forma de experiências customizadas, espetáculos comerciais de massa, e entretenimento pessoal (RIFKIN, 2001, p. 7).
Na chamada “economia da experiência”, a própria vida das pessoas é
considerada um mercado em potencial. Ao passo que o “valor ao longo da vida”
(LTV) se consolida como medida de projeção de resultados, todo o momento de vida
do cliente passa a ser considerado como commodity na esfera comercial. Ao
elucidar que o capital material está sendo substituído pelo capital imaterial, humano
e intelectual na sociedade pós-moderna, o filósofo austro-francês André Gorz (1923
- 2007) aponta que, na medida em que o valor simbólico dos produtos se torna a
fonte principal de lucro, todo o capital fixo imaterial das corporações agora se
concentra na produção de consumidores. Segundo ele:
(...) Dizendo de outro modo, funciona para produzir desejos e vontades de imagens de si e dos estilos de vida que, adotados e interiorizados pelos indivíduos, transformam-nos nessa nova espécie de consumidores que "não necessitam daquilo que desejam, e não desejam aquilo de que necessitam" (GORZ, 2005, p. 48).
Este fenômeno representa uma mudança na natureza das relações sociais,
que sofrem fortemente a influência econômica. É provável que, num futuro próximo,
todas as atividades vivenciadas dentro do âmbito familiar sejam intermediadas por
terceiros, com exploração de lucro financeiro. Ao aproveitar-se das comunidades e
da cultura popular, a esfera comercial, envolvida pela dinâmica da esfera cultural, se
propõe a sintetizar todos os valores e significados e reembalá-los na forma de
mercadoria.
1.5 O estilo de vida e o campo social dos esportes
Desde a década de 1980, a noção de estilo de vida tem sido empregada para
descrever a “atitude” e a liberdade de escolha dos indivíduos perante as
mercadorias disponíveis no mercado. Para Giddens (2002, p.12) a necessidade de
escolha de um estilo de vida age na verdade como uma imposição ao indivíduo.
Na vida social moderna, a noção de estilo de vida assume um significado particular. Quanto mais a tradição perde seu domínio, e quanto mais a vida diária é reconstituída em termos do jogo dialético entre o local e o global, tanto mais os indivíduos são forçados a escolher um estilo de vida a partir da diversidade de opções.
28
Certamente existem também influências padronizadoras – particularmente na forma da criação da mercadoria, pois a produção e a distribuição capitalistas são componentes centrais das instituições da modernidade. (...) a escolha do estilo de vida é cada vez mais importante na constituição da autoidentidade a da atividade diária (GIDDENS, 2002, p.12-13).
Constantemente observado pelos profissionais de marketing, o estilo de vida
refere-se a um conjunto de ações e comportamentos que permeiam o cotidiano de
cada indivíduo e serve como “indicadores da individualidade do gosto e o senso de
estilo do proprietário/consumidor” (FEATHERSTONE, 1995, p. 119). Nesse sentido,
a expressão indica que a individualidade e a identidade são moldadas por escolhas
pessoais dentro de uma perspectiva de consumo. Cada ato de compra expressa o
gosto, os valores, a posição social e a identidade. Esta abordagem prevê também
que, em tese, o indivíduo tem totais condições de trocar de estilo de vida ao mudar
um hábito de consumo.
(...) Os novos heróis da cultura de consumo, em vez de adotarem um estilo de vida de maneira irrefletida, perante a tradição ou o hábito, transformam o estilo num projeto de vida e manifestam sua individualidade e senso de estilo na especificidade do conjunto de bens, roupas, práticas, experiências, aparências e disposições corporais destinados a compor um estilo de vida. No âmbito da cultura de consumo, o indivíduo moderno tem consciência de que se comunica não apenas por meio de suas roupas, mas também através de sua casa, mobiliários, decoração, carro e outras atividades, que serão interpretadas e classificadas em termos de presença ou falta de gosto (FEATHERSTONE, 1995, p. 123).
É importante destacar que também contribuem para esta análise as
asserções do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002), que apontou que os
estilos de vida são determinados pelos diferentes gostos socialmente adquiridos,
mediados por instâncias societárias, como a família, a escola, a mídia e o mercado.
A reflexão do autor sobre o gosto revela que as “preferências de consumo e estilo de
vida envolvem julgamentos discriminadores que identificam nosso próprio
julgamento de gosto e, ao mesmo tempo, o tornam possível de ser classificado pelos
outros” (FEATHERSTONE, 1995, p. 38). É no cerne do gosto que reside o que
Bourdieu define como habitus, um “sistema de disposições duráveis e transferíveis
que exprime sob a forma de preferências sistemáticas as necessidades objetivas
das quais ele é o produto” (BOURDIEU, 2003, p. 73). Desta forma, o gosto ou a
29
propensão por determinada experiência de consumo caracteriza um conjunto de
preferências distintivas, que dão origem ao estilo de vida.
Conforme pontuamos anteriormente, através do marketing, as corporações
têm se aproveitado das experiências culturais para servirem as marcas de seus
produtos de significados fortes e duradouros. Com a transformação dos
relacionamentos e estilos de vida em commodities, boa parte das experiências
diárias dos seres humanos é vivenciada no âmbito econômico. Mais do que
comercializar produtos e bens industriais, as estratégias de marketing praticadas
pelas corporações nos últimos anos concentram-se agora em oferecer acesso a
experiências culturais, utilizando-se das mercadorias como suporte. Este fenômeno
pode ser observado em diversos campos da estrutura social como a moda, o
turismo, os esportes, a música, as artes. Assim como nos demais campos,
atribuímos aos esportes uma importância especial ao tomarmos como ponto de
partida a análise da relevância dos estilos de vida para as dinâmicas do consumo.
Bourdieu também traçou reflexões de grande valia para a compreensão do
papel desempenhado pelos esportes em nossa sociedade. Nestas reflexões,
Bourdieu indica a possibilidade dos esportes se constituírem como um campo social,
ou seja, um espaço estruturado autônomo, onde há um senso comum e um conjunto
de leis que regulamentam as ações dos agentes envolvidos. Por sua vez, estes
agentes disputam por capitais específicos para conservar ou transformar a estrutura
do campo. Na visão de Bourdieu (1983, p. 89), os campos sociais são “espaços
estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições
nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de
seus ocupantes”.
Os campos sociais são determinados a partir da relação de desigualdade de
poder existente entre os agentes envolvidos e a distribuição de posições numa
mesma estrutura social. Tal relação de desigualdade seria responsável por agregar
aos campos uma característica de disputa pelas melhores posições, transformando-
o em campos de luta ou de forças. Assim, um campo esportivo seria caracterizado
pelas relações de poder e de forças traçadas entre todos os agentes envolvidos
neste meio.
O campo das práticas esportivas é o lugar de lutas que, entre outras coisas, disputam o monopólio de imposição da definição legítima da prática esportiva e da função legítima da atividade esportiva,
30
amadorismo contra profissionalismo, esporte-prática contra esporte-espetáculo, esporte distintivo − de elite − e esporte popular − de massa − etc.; e este campo está ele também inserido no campo das lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo, lutas que além de oporem entre si, treinadores, dirigentes, professores de ginástica e outros comerciantes de bens e serviços esportivos, opõem também os moralistas e particularmente o clero, os médicos e particularmente os higienistas, os educadores no sentido mais amplo − conselheiros conjugais, dietistas, etc. −, os árbitros da elegância e do gosto − costureiros, etc. (BOURDIEU, 1983, p. 142-143).
Ao aceitarmos que o esporte é um fenômeno de múltiplas dimensões,
diretamente relacionado a fenômenos de outra natureza, seja esta política,
econômica, cultural ou social, assim como considera Bourdieu, não poderíamos
deixar de citar que este campo social sofre a influência e a interferência de agentes
cuja atividade consiste em explorar a prática esportiva. Assim, além dos indivíduos
que fazem da prática esportiva um estilo de vida, também constituiriam um campo
esportivo os clubes e as federações, os fabricantes de artigos esportivos e toda a
indústria do esporte, a imprensa, os grandes grupos de comunicação de massa e as
entidades políticas, além das corporações que, através das mais distintas
estratégias de marketing, aproximam-se do esporte como incentivadoras,
patrocinadoras, anunciantes, etc.
Aplicando os conceitos aqui relacionados, podemos considerar que gostar de
esporte implica em consumir esporte na sociedade pós-moderna. A prática
esportiva, o fanatismo ou o simples apreço por determinada modalidade, traduz a
escolha de um estilo de vida do indivíduo e, logo, o habilita como consumidor
potencial dos mais variados bens e produtos inerentes ao campo esportivo. Quando
um sujeito se coloca no contexto em que vive como torcedor de um time futebol, por
exemplo, seja por uma imposição social ou pelo habitus familiar ou de classe, coloca
também para si a necessidade de consumir toda sorte de bens culturais
relacionados ao seu time e à sua torcida. Inclusive, suas decisões de consumo
também se ajustarão ao habitus existente nestes agentes.
Atualmente, é praticamente incalculável a quantidade de produtos disponíveis
no mercado e que possuem como mote central a prática esportiva, da camisa do
time do coração ao canal de televisão escolhido para acompanhar as partidas. O
potencial de consumo é ainda superior quando o indivíduo além de torcedor e
espectador é também praticante de uma ou mais modalidades esportivas.
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Para termos uma ideia da dimensão e da importância conquistada pela
indústria do esporte, em um estudo divulgado pela PricewaterhouseCoopers – PWC,
em outubro de 2014, somente na América do Norte, as ligas esportivas seriam
responsáveis por movimentar naquele ano cerca de US$ 60 bilhões, distribuídos
entre a venda de ingressos, direitos de transmissão, patrocínios e merchandising.
Segundo a análise, este número poderia saltar para mais de US$ 70 bilhões ainda
em 2018.
Lamentavelmente, ainda não existem estudos que permitam esse
dimensionamento do mercado esportivo brasileiro, nem mesmo de suas ligas
oficiais. O que podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, é que, assim como em
muitos outros países, o futebol ainda é nos dias de hoje o esporte mais popular e
que mais movimenta recursos no Brasil. Dados da Pesquisa Lance! IBOPE 2014
confirmam isso. Segundo o estudo, a proporção de brasileiros que declaram torcer
para algum time de futebol é de 76,6%. Se considerada a estimativa da densidade
demográfica brasileira do IBGE de 2013, que aponta para a marca de 201 milhões
de habitantes, podemos concluir que o universo de torcedores no país é de
aproximadamente 154 milhões de pessoas. Este número pode ser ainda maior se
considerássemos o número de pessoas que não torcem para nenhum clube
brasileiro, mas que acompanham a seleção brasileira ou o esporte através dos
meios de comunicação. Embora esta pesquisa tenha revelado uma retração no
número de torcedores brasileiros de 4,6 pontos percentuais, em comparação ao
mesmo estudo realizado em 2010, o universo de torcedores brasileiro é significativo
e demonstram a força e a influência do esporte no país.
Bourdieu (1983, p.137) indica que para investigar as diversas dinâmicas que
envolvem um campo esportivo, é preciso antes entender as condições históricas e
sociais que permitiram sua constituição enquanto fenômeno, considerando que a
história do esporte é relativamente autônoma e possui uma cronologia própria.
Mesmo que a história do esporte encontre convergências em momentos da história
econômica e política, ainda assim, possui suas próprias leis de evolução e suas
próprias crises. O que procuraremos elucidar a seguir são os aspectos que
permitiram a popularização do futebol na sociedade de consumo brasileira,
considerando que os estilos de vida e o gosto pelo esporte no país sofreram
influência direta da indústria cultural e da espetacularização.
32
2 O futebol e os meios de comunicação de massa no B rasil
2.1 Sobre as origens do futebol
Diversos estudos das áreas da História, da Sociologia e da Antropologia
apontam para a existência de uma relação entre o homem e a bola desde a
antiguidade. Há indícios de que, na pré-história, o homem das cavernas já
exercitava o hábito de chutar um objeto semelhante a uma bola. Outros ainda
indicam uma prática recorrente de utilizar como bolas as cabeças dos inimigos
derrotados em batalhas nas civilizações indígenas da América Latina e na China
Antiga, há aproximadamente 2.500 a. C.
Os diversos esportes, como derivação das técnicas de preparação física para
guerras, foram cada vez mais adaptados aos tempos de paz e difundidos entre os
homens, principalmente no Oriente. O tsu-chu, como era conhecida uma espécie
violenta de futebol chinês, assemelha-se muito ao kemari japonês que, entretanto,
não apresentava sinais de violência, mas sim de confraternização entre seus
praticantes. Na Grécia Antiga, por volta de 776 a. C., praticava-se um esporte
denominado epyskiros, cuja disputa era dada por uma bola feita de bexiga de boi
envolta em uma capa de couro e que, segundo o jornalista e pesquisador Celso
Unzelte (2009, p. 12-13), seria “o parente mais próximo do futebol”.
Durante a soberania do Império Romano, o epyskiros foi adaptado para uma
variável mais agressiva, conhecida como harpastum. A modalidade romana se
aproximava do esporte moderno “na medida em que os jogadores se posicionavam
dentro do espaço de jogo, como defensores, meias de ligação e atacantes”
(PIMENTA, 1997, p. 32). Devido ao seu caráter competitivo e libertador, que ao
alcançar o povo livre incitava a indisciplina e a violência, a prática esportiva do
epyskiros/haspartum foi sancionada pelo Senado romano. Porém, existem
indicações sobre o retorno da modalidade na Idade Média. Uma delas é a de que o
jogo retornou entre bretões e normandos, instalados entre a França e a Inglaterra e
que se referiam a este como soule ou choule.
Estas palavras eram derivadas do celta e significavam sol, a bola. No início, a bola era jogada para o alto para que tomasse contato com as divindades e quando era tocado ao chão era disputado pelos dois grupos, postados em cada lado do campo. Eram grupos bastante numerosos e a luta pela posse de bola encarniçada. A meta poderia
33
ser um muro, uma árvore ou a praça de uma cidade vizinha. A disputa se dava por bosques, riachos e estradas e podia demorar dias. No século XI, o jogo passou a ser disputado em campos delimitados e com uma parede à guisa de meta. As mãos poderiam ser usadas para receber a bola, mas ela tinha que ser impulsionada com o pé. Quem conseguisse colocar a bola na meta indicada, se tornava o “dono” do Choule, ou Soule. Muito praticado pelos soldados, durante algum tempo esteve proibido pelos reis porque se considerava que era responsável por certo relaxamento da disciplina militar (KLEIN, 1996, p. 22).
Segundo Pimenta (1997, p. 32), “sabe-se que os romanos dominaram a
Bretanha. Por este fato, alguns pesquisadores afirmam que eles introduziram o ‘jogo’
na Inglaterra, que é considerada o berço do futebol moderno”. O esporte também
teria sido ressucitado pela nobreza italiana no século XIV, de maneira mais
organizada e voltada para o lazer. O chamado gioco del calcio também apresentava
duas balizas de madeira e tinha como meta fazer a bola passar por cima das traves.
O gioco del calcio, na Idade Média, era jogado por dezenas de pessoas, em cada um dos lados. Quando se queria organizar melhor a atividade, dando traços mais finos à competição, o número de atletas era limitado entre 25 e 30 nobres por equipe. Havia, portanto, uma depuração quantitativa e, ao mesmo tempo, uma seleção por classe social. O número de jogadores considerado ideal era o de 27, assim distribuídos: 15 corredores, 5 sacadores, 4 dianteiros e 3 zagueiros (MURAD, 1996, p. 90).
Existem ainda diversos outros jogos derivados que também eram praticados
na Idade Média, principalmente na Grã-Bretanha, como o hurling e o campball.
Estes jogos destacavam-se pela informalidade e pela violência que, em muitos
casos, resultava em mortes e, por este motivo, acabaram sendo proibidos pelas
autoridades da época. Entretanto, no final do século XVIII, o futebol clandestino
encontrou refúgio nas universidades e, ao ganhar os ambientes acadêmicos, foi
reformulado com regras e conduta próprias.
Nas primeiras décadas do século XIX, o número de instituições de ensino que
consideravam o futebol em seus programas educacionais havia crescido muito, o
que acabou por gerar uma necessidade de regulamentação. Após muitas reuniões
na Old Freemanson’s Tavern, um grupo de universitários de Cambridge fundou em
1863, a Football Association e definiu um código de regras básicas para o esporte,
que também considerava o limite de onze jogadores em campo, em decorrência do
espaço disponível para a prática esportiva dentro das escolas e universidades. As
34
regras organizavam melhor o futebol e inibiam a sua violência original, firmando-o
como um esporte burguês.
A popularização do esporte acontece basicamente a partir de 1870, com a
chegada da Era Industrial. O esporte que inicialmente passou a ser praticado pelos
operários no interior das fábricas inglesas como forma de lazer, logo foi apropriado
pelo sistema industrial, sendo organizado e incentivado pelas corporações,
contribuindo assim para sua profissionalização.
Na medida em que o futebol transpõe os limites da exclusividade e da vaidade física burguesa, ultrapassando os muros das escolas públicas e das universidades, rapidamente deixa de ser uma atividade amadora. O futebol profissionalizado atinge o coração das massas proletárias e o marco fundamental da popularização do jogo foi o deslocamento de uma brincadeira amadora burguesa para uma atividade lúdica proletarizada de reivindicações econômicas (PIMENTA, 1997, p. 38).
Tradicionalmente, as fábricas britânicas construiam campos para a prática de
futebol em seus arredores e assim, utilizavam do jogo como doutrina no espaço de
lazer, lançando perspectivas de igualdade social e melhoria de vida, através do
respeito advindo da habilidade física. O futebol passa a adquirir também um viés
político, desempenhando um papel dinâmico na fragilização de conflitos sociais,
apoiada pela aceitação das regras do jogo e pelo espírito da competição esportiva.
Se considerarmos que boa parte das empresas britânicas que partiram para novos
mercados em outros países europeus, ou ainda, em outros continentes, levaram
consigo esta tradição do esporte, fica evidente o potencial de proliferação deste que
é hoje o esporte que mais concentra adeptos em todo o planeta.
2.2 A popularização do futebol no Brasil
A chegada do futebol ao Brasil não é consensual entre os estudiosos do
assunto. Muitos contam que o país teria tido seu primeiro contato com o esporte a
partir da chegada dos navios ingleses e de outros países europeus, que aqui
desembarcavam trazendo consigo produtos de toda sorte, por volta de 1872. Há
registros de que a própria Princesa Isabel já teria sido responsável por promover
partidas de futebol nas dependências de suas propriedades. Também é inegável
que a instalação das primeiras fábricas inglesas no Brasil, no século XIX, teria
35
contribuído para introduzir a tradição já popularizada na Inglaterra, berço do futebol
moderno. Fato é que a maioria das produções sobre a chegada do esporte no país
remete a uma passagem muito mais romântica da história do futebol brasileiro: o
retorno de Charles Miller ao Brasil, em 1894, após uma década de estudos na
Inglaterra e seis anos após a Abolição da Escravatura. O paulistano, descendente
de escoceses e ingleses, teria retornado ao Brasil no auge de seus vinte anos,
trazendo consigo duas bolas inglesas da marca Shoot, dois jogos de uniformes e
outros aparatos, além do livro das regras convencionadas para a prática esportiva.
Excelente jogador, habilidoso no trato da bola e artilheiro implacável. Em 25 partidas oficiais de seu colégio, na Inglaterra, marcou 41 gols, uma admirável média de 1,64 gol por jogo. Foi convocado entre os melhores atletas para jogar no time do Southampton, uma espécie de seleção regional. Chegou a disputar, também, uma partida, na qual teve brilhante atuação, contra a famosa equipe do Corinthian, que, anos depois, inspirou a criação do Corinthians Paulista (MURAD, 1996, p. 95).
Charles Miller teria sido o responsável por popularizar o futebol entre a elite
da época. Segundo consta, ele organizou o que foi considerado por muitos o
primeiro jogo de futebol realizado no país, entre funcionários da São Paulo Railway e
da Companhia de Gás. Charles Miller dedicou sua vida ao futebol, atuou como
jogador e depois com árbitro e, em 1953, faleceu aos 79 anos. Embora seja
questionável que exclusivamente ele tenha trazido o futebol para o Brasil, é
inquestionável que sua atuação, como articulador e incentivador do esporte, fosse
fator de grande importância para a disseminação do esporte a partir de 1894. Pouco
a pouco, foram surgindo os primeiros clubes até que, em 1902, foi disputado o
primeiro Campeonato Paulista. Formados por membros da elite paulistana, cinco
times disputaram pelo título. O caráter elitista dos primórdios do futebol no Brasil aos
poucos foi se diluindo com a popularização do esporte entre negros e mulatos e o
surgimento de clubes populares como o Corinthians, em São Paulo, e o Vasco da
Gama, no Rio de janeiro.
Mas todo lado tem dois lados, e, paralelamente, a esta ‘história oficial’, elitista e racista, vinha sendo gestado, no seio das camadas populares, um processo subterrâneo, clandestino, de paixão, divulgação e prática futebolísticas. Driblando com engenho e arte todas as interdições, por meio da várzea, das peladas e da periferia, pretos, mulatos e brancos, pobres engendraram uma posição firme e marcante historicamente: a da apropriação e inversão do código
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vigente, isto é, a popularização e democratização do futebol. Este processo, entranhado na realidade brasileira, atravessará os anos da Belle Époque, mais ou menos no anonimato (destaque para a fundação do Corinthians, em 1910, de origem realmente popular), e verá instalada e reconhecida sua vigência, a partir da década de 20, mais precisamente, 1923, quando o Vasco da Gama foi campeão carioca – campanha extraordinária, quase invicta, perdeu somente uma partida para o Flamengo, por 3x2, no chamado ‘Jogo das Pás de Remo’, onde os robustos remadores rubro-negros agrediam com as pás de remo os torcedores vascaínos (MURAD, 1996, p. 97).
Em 1923, o Vasco da Gama venceu o campeonato estadual, jogando com um
elenco profissional, formado por jogadores mulatos, negros e pobres das classes
populares da sociedade carioca. Entretanto, as nuances elitistas e preconceituosas
do futebol brasileiro ainda se faziam presentes. Sob a justificativa de que não era
permitida a participação de jogadores profissionais no campeonato oficial, o Vasco
da Gama foi excluído da chamada Liga de Clubes Carioca. O sucesso alcançado
com o título e seu bom desempenho nas ligas paralelas, fez com que o clube
conquistasse muitos torcedores e fosse reintegrado posteriormente ao campeonato
estadual. Os jogadores emergentes das classes populares e que desempenhavam
boa atuação nos clubes da várzea recebiam propostas para atuar nos grandes
clubes e logo, migravam para fora do país, onde o esporte já era profissionalizado.
Este movimento culminou para que, dez anos após a conquista do Vasco da Gama,
as organizações esportivas brasileiras se articulassem para o profissionalismo, que
ocorreu em 1933.
Com o surgimento do profissionalismo, o capitalismo industrial, tanto na Grã-bretanha quanto no Brasil, passou a atuar nas relações sociais e o futebol penetrou nas culturas urbanas e industriais. (...) Desta forma, a administração dos clubes por negociantes e industriais gerava a possibilidade do atleta habilidoso na arte da bola, trabalhar numa indústria e receber altos salários, obter ganhos extras com os chamados ‘bichos’ e, acima de tudo, adquirir prestígio (PIMENTA, 1996, p. 40).
Com a profissionalização na década de 30 e a popularização crescente do
esporte entre as classes mais pobres, o futebol também passou a receber atenção
especial do Estado. Em 1941, época do governo de Getúlio Vargas, é publicado o
decreto de criação do Conselho Nacional de Desportos (CND), subordinado ao
Ministério da Educação e Cultura, que tinha como objetivo fomentar e fiscalizar a
prática do esportes no país. Dois anos depois, em 1943, com a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), os vínculos entre os clubes de futebol e os atletas
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profissionais também passaram a ser caracterizados e regulados como relações
trabalhistas. Além disso, o Estado ainda realizava investimentos para construção de
estádios, como o Pacaembu, no início da década de 40, e o Maracanã, no final da
mesma década, que sediou a final da Copa do Mundo de 1950. O mundial realizado
no Brasil contribuiu ainda mais para a popularização do esporte. O tom dramático da
derrota da seleção brasileira perante a equipe do Uruguai na final do campeonato,
por 2 a 1, com toda a cobertura do rádio e dos jornais, colocou o futebol na pauta
cotidiana do brasileiro.
Para a alegria dos torcedores, não demorou muito para que o futebol
brasileiro desse a volta por cima, revelando grandes craques e times. Nas duas
décadas seguintes, o Brasil conquistou três taças da Copa do Mundo (1958, 1962 e
1970). O Santos Futebol Clube também foi campeão mundial interclubes em 1962 e
1963, e projetou grandes heróis do futebol nacional, entre eles Coutinho, Pepe e
Pelé, que mais tarde seria reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional como o
atleta do século, em 1999.
A partir da década de 1960, em meio ao bom momento do esporte no país,
surgiram jargões que discriminavam o Brasil como o “país do futebol” ou a “pátria de
chuteiras”. O Estado também se utilizou da publicidade e aproveitou a boa fase para
cravar canções que se tornaram verdadeiros hinos, como “A Taça do Mundo é
Nossa”. Durante o governo militar, o futebol tornou-se um dos principais
instrumentos ideológicos do Estado e uma importante ferramenta para a
disseminação da imagem do povo brasileiro. A aproximação entre política e futebol
manteve-se ainda no governo militar do presidente Emílio Médici, iniciado em 1969.
(...) grudado no radinho de pilha, foram várias as vezes em que o presidente (Médici) se arriscara a freqüentar estádios lotados, não raro sendo anunciada sua presença pelos alto-falantes. Promovia-se assim uma importante estratégia de propaganda da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), no sentido de transformar o presidente em Torcedor Número 1 da nação, articulando os êxitos futebolísticos à imagem do Brasil-Potência que o governo se esforçava em difundir. (...) À medida que a Copa se aproximava, as possibilidades de interação futebol-poder se ampliavam (AGOSTINO, 2002, p. 158).
O alcance do futebol foi potencializado com as transmissões televisivas que
invadiram os lares brasileiros nas décadas de 1960 e 1970. A final da Copa do
Mundo de 1970 foi a primeira televisionada ao vivo no Brasil. Com a conquista do
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título pela seleção brasileira, a canção “Pra frente Brasil”, que já havia sido a
vencedora de um concurso promovido pelos patrocinadores da competição,
transformou-se em retrato do sentimento nacional progressista da época.
O país cantava: noventa milhões em ação, pra frente, Brasil do meu coração (...) Salve a seleção. Nunca se vira algo igual. Fora a primeira Copa transmitida ao vivo, e as multidões vitoriosas iam às ruas com os versinhos patrióticos que empanturravam as transmissões dos jogos. Médici abriu os jardins do palácio do Alvorada e saiu em mangas de camisa, com uma bandeira na mão e uma bola no pé. (...) Falava-se de um ‘Brasil Grande’, ‘Brasil Potência’. Distribuíam-se adesivos com a inscrição ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’. País, futebol, Copa, seleção e governo misturavam-se num grande Carnaval de junho (GASPARI, 2002, p. 207).
Com a conquista do tricampeonato mundial, surge a missão de expandir o
futebol pelo país e, com ela, é criado o Campeonato Brasileiro. No governo Médici
surge também a Loteria Esportiva, que além de fomentar o sentimento esportivo
nacional, também tinha o objetivo de repassar verbas arrecadadas para o
desenvolvimento dos clubes, dos campeonatos e da confederação. Durante toda a
década de 1970, o Campeonato Brasileiro foi utilizado como instrumento político
sofrendo toda sorte de manipulação, tanto na fórmula de participação dos times
quanto nas regras. Na edição de 1979, o campeonato contou com a participação de
96 clubes, algo impensável para os dias de hoje. Porém, no início dos anos 80, a
situação política no Brasil começou a mudar. O país clamava por democracia e não
demorou muito para que este movimento gerasse reflexos no esporte. Neste
cenário, surge em 1982 um movimento denominado Democracia Corinthiana, um
dos mais importantes momentos do esporte no Brasil.
Abertura política, fim da censura, Diretas Já. As palavras de ordem trazidas pelos ventos da redemocratização chegavam antes ao Parque São Jorge e não raro sopravam a partir de lá. Não por acaso, foi em um clássico entre Corinthians e Santos que apareceu, no meio da Fiel, uma das primeiras faixas pedindo "Anistia ampla, geral e irrestrita". Não por acaso, também, o clube antecipa-se ao País, ao inventar sua própria democracia, autodenominada corintiana (UNZELTE, 2009, p. 113).
A Democracia Corinthiana caracterizava-se como um modelo operacional
para as atividades dentro do Sport Club Corinthians Paulista, no qual todos os
envolvidos, do presidente ao roupeiro, tinham participação ativa. Os simpatizantes
reivindicavam da autogestão às Diretas já. As decisões eram tomadas
39
democraticamente e envolviam horários de treino, opção ou não pela concentração,
escalação do time, quem seria o técnico, táticas de jogo, etc. Jogadores como
Sócrates, Casagrande, Wladimir, Zé Maria, Biro Biro e Zenon, entre outros, fizeram
do movimento um marco na história do clube e na história do futebol brasileiro.
Entretanto, o movimento se diluiu com a partida de Sócrates em 1984 para a
Fiorentina e a saída de Casagrande. O país ainda enfrentava uma crise econômica
severa, os clubes brasileiros vendiam seus melhores craques ao futebol
internacional para sobreviverem, o que contribui em muito para a queda de público.
(...) A desorganização dos campeonatos e o êxodo de jogadores foram as causas mais evidentes da queda de público. É revelador notar como a publicidade em suas mais variadas formas não conseguiu manter os melhores jogadores no país. A administração esportiva baseada em um ethos amadorístico somada à crise econômica do país impediam os clubes de sobreviverem sem a venda de seus craques. (...) Eventos de massa necessitam de heróis, ídolos, mitos para fortalecer a identidade e a relação entre fãs e o acontecimento. Eles são, em última instância, referenciais para a comunidade (HELAL, 1997, p. 76).
No início dos anos 90, os endividados clubes brasileiros passam a depender de
parcerias com a iniciativa privada para manter bons elencos e cobrir prejuízos.
Surgem então propostas de transformações na gestão do esporte, principalmente com
a tentativa de criação dos clubes-empresa. Diante de um cenário financeiro
complicado, os clubes paulistas e cariocas, que possuíam as melhores parcerias com
empresas, venceram nove edições do Campeonato Brasileiro durante a década.
Em 2002, a seleção de Ronaldo e Rivaldo venceu mais uma Copa do Mundo
de Futebol e o Brasil consagrou-se o único país pentacampeão mundial. Entretanto,
o futebol brasileiro ainda sustentava uma passagem difícil, com clubes
extremamente endividados e baixa retenção de talentos, que quando surgiam,
rapidamente eram vendidos ao futebol europeu. Com cada vez menos craques
atuando no futebol nacional, a seleção brasileira fracassa nas edições de 2006,
2010 e 2014, e sofre com grande crítica do povo brasileiro. Entre os argumentos dos
torcedores, imperava o descontentamento com os jogadores chamados de sem-
pátria, que priorizavam seus contratos milionários com os clubes europeus onde
atuavam. É neste período que inicia um movimento diferenciado no futebol, que
tratava especificamente da profissionalização do corpo diretivo dos maiores clubes
do país. Com o anúncio de que o país sediaria a Copa do Mundo de 2014, muitos
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empresários mergulharam no futebol com a expectativa de que o esporte
apresentava grandes potenciais de lucros.
O ano que antecedeu a realização da Copa do Mundo da FIFA de 2014 no
Brasil foi também histórico pela realização das manifestações populares que
invadiram as ruas do país. Um movimento iniciado do protesto pelo aumento das
tarifas do transporte público em várias capitais brasileiras acabou por levantar, entre
outras indagações, o questionamento dos altos investimentos em estádios, que
deveriam atender aos padrões mundiais estabelecidos pela FIFA, e não em outros
setores como saúde e educação. De fato, o investimento público e privado na
construção de estádios foi grandioso. Dentre as várias arenas construídas,
destacou-se a Arena Corinthians, que sediou a abertura do mundial. Mesmo com as
manifestações populares, a Copa do Mundo de 2014 foi realizada no Brasil e parou
o país. Com o craque Neymar em campo, a seleção brasileira conquistou o público
aos poucos, mas caiu, inevitavelmente, diante do futebol superior da equipe da
Alemanha, que goleou o Brasil nas semifinais por 7 a 1. Mesmo com a derrota
vexatória da seleção brasileira, a Copa do Mundo de 2014 foi emocionante e
mobilizou todo o país, principalmente as cidades-sede.
O Brasil está muito orgulhoso por mais uma vez ter encenado a maior festa do futebol no mundo. Nos últimos 30 dias, o mundo esteve ligado ao Brasil, comemorando gols com muita emoção nas 12 cidades-sede e fazendo desta a Copa das Copas. Estou certa de que todos os que vieram para o Brasil, como turistas e delegações, levarão de volta memórias de nossa hospitalidade e alegria, e nós, brasileiros, também guardaremos memórias inesquecíveis (Presidente Dilma Rousseff, declaração após o encerramento da Copa do Mundo, em julho de 2014).
A Copa do Mundo de futebol desempenha um papel social de grande
importância no Brasil, destacando-se principalmente pela representação do time
pelo “povo brasileiro”, associação tão recorrente na mídia na nacional.
(...) Em uma Copa do Mundo, os participantes não são meros times de futebol, mas “seleções nacionais”, uma espécie de “encarnação simbólica” de cada nação participante do evento. Assim, uma Copa do Mundo é muito mais do que um mero torneio de futebol: ela é a chance de se colocar a própria nação em perspectiva comparada com o resto do mundo. Pelo menos no Brasil, a Copa é considerada o apogeu do mundo dos esportes, sendo-lhe dada mais importância social do que a própria Olimpíada: afinal, quem vence a Copa é, incontestavelmente, “o melhor do mundo” (GASTALDO, 2002, p. 37).
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Segundo o antropólogo Roberto da Matta (1982, p. 21), o futebol praticado no
Brasil “seria um modo específico, entre tantos outros, pelo qual a sociedade
brasileira fala, apresenta-se, revela-se, deixando-se, portanto descobrir”. Entretanto,
o autor deixa um alerta, ao afirmar que “seu papel é desviar a atenção e mistificar o
povo”. A intenção até aqui foi demonstrar através da história do futebol moderno, de
suas origens européias aos dias de hoje no Brasil, qual sua relevância para a
sociedade brasileira e como o esporte está ligado às questões político-econômicas.
2.3 A relação entre o futebol e os meios de comunic ação de massa
Para o pesquisador espanhol Vicente Romano, a comunicação tem uma
dimensão ecológica, já que cria vínculos entre os seres humanos e o ambiente onde
convivem. Em sua obra Ecología de la comunicación, o autor se propõe a investigar
os efeitos que a comunicação tecnificada tem na natureza humana, já que, para ele,
hoje temos mais aparelhos e comunicação tecnificada, e menos interação pessoal,
havendo assim uma inversão do papel socializador da comunicação. Para Romano,
os espaços públicos, como supermercados, praças, cafés, campos esportivos, são
essenciais para o desenvolvimento da competência comunicativa. Em outras
palavras, o homem necessita da vivência direta com o entorno social e natural.
Este tipo de lugar de atividades simultâneas cada vez mais parece desaparecer de cena, seja no trabalho, em público ou em casa. (...) Os desenvolvimentos tecnológicos do passado e, em particular, os do presente, estão dispostos de tal maneira que os espaços da experiência humana se definem cada vez mais de maneira mediada (ROMANO, 2004, p. 34).1
A indicação de Romano de que os espaços da experiência humana cada vez
mais de definem de maneira mediada é totalmente aplicável ao contexto atual do
futebol brasileiro. A Pesquisa Lance! IBOPE 2014 revelou a estimativa de que
apenas cerca de 10,4% dos brasileiros que acompanham o futebol profissional têm o
hábito de frequentar os estádios onde as partidas são realizadas. Dentre os motivos
que justificam essa ausência, destacam-se a falta de segurança, distância, preço
dos ingressos, falta de conforto e o horário dos jogos.
1 Tradução livre do autor, do original: Este tipo de lugares de actividad simultánea parecen desaparecer cada vez más del escenario, ya sea en el trabajo, em público, o en casa. (...) Los desarollos tecnológicos del pasado y, em particular, los del presente, están dispuestos de tal manera que los espacios de la experiencia humana se definen cada vez más de manera medial (ROMANO, 2004, p. 34).
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A noção de Ecologia da Comunicação estudada por Vicente Romano tem
total aderência à proposta de Harry Pross sobre a comunicação e o corpo, a qual
indica que “toda comunicação humana começa na mídia primária, na qual os
indivíduos se encontram cara a cara, corporalmente e imediatamente, e toda
comunicação retorna para lá” (PROSS apud BAITELLO, 2005, p. 80).
Em sua obra Investigação sobre a Mídia, publicada em 1972, Pross
classificou os diferentes meios de comunicação como primária, secundária e
terciária. Na mídia primária, o homem cria interações a partir de sua expressividade
corpórea (gestos, mímicas e movimentos). A mídia secundária seria constituída por
“aqueles meios de comunicação que transportam a mensagem ao receptor, sem que
este necessite de um aparato para captar seu significado” (PROSS apud BAITELLO,
2005, p. 81). Neste caso, estaríamos nos referindo aos impressos, livros, fotografias,
etc., que permitem ampliar o alcance de sua mensagem, no tempo e/ou no espaço
e/ou na intensidade e, com isso, aumentar as possibilidades de vínculos com um
número maior de pessoas. A mídia terciária seria aquela constituída pelos meios de
comunicação que necessitam de aparelhos que permitam codificar e decodificar as
mensagens transmitidas e recebidas. As diferentes mídias não são excludentes,
pelo contrário, são complementares e cumulativas.
Outro conceito que também traz grande contribuição para o estudo da
comunicação é o de “escalada da abstração”, explorado pelo filósofo tcheco-
brasileiro Vilém Flusser. No livro editado com o título O Universo das Imagens
Técnicas – Elogio da Superficialidade (2008), Flusser indica que a comunicação
humana sofreu uma limitação gradual, passando de um contexto tridimensional
(corpos), para outro bidimensional (imagens), em seguida, unidimensional (escrita
linear), e por fim, nulodimensional (digital). Este processo é denominado por Flusser
como a “escalada da abstração”. Em Menezes (2006, p. 74), podemos compreender
que o processo descrito por Flusser pretendia desafiar o homem a aprender a
conviver e a se comunicar nessas diversas dimensões, ao “indicar o que ganhamos
e o que perdemos no trânsito entre os diferentes processos”.
Menezes aponta que as quatro dimensões da comunicação propostas por
Flusser ainda estão bem dispostas no contexto em que vivemos. Porém, com o
frenético crescimento das tecnologias digitais precisamos reaprender a viver
sistemicamente articulados aos espaços nulodimensionais. Segundo ele:
43
É possível que as quatro formas de expressão estejam bem interligadas, alimentem-se recursivamente. Assim, não se trata de negar a importância da comunicação bidimensional do universo das imagens ou da comunicação unidimensional do linear universo da escrita, mas talvez da possibilidade de transitarmos entre os quatro processos de comunicação. (...) Considerando que na contemporaneidade, marcada pelo uso de tantos equipamentos digitais, já não podemos viver apenas na comunicação tridimensional e nem podemos nos contentar com as simples trocas de sinais da comunicação nulodimensional, podemos retomar a concepção de trânsito entre as quatro formas de comunicação (MENEZES, 2014, p. 8-9).
As reflexões do pensador brasileiro Norval Baitello Jr. também somam a este
referencial. Para Baitello (2010, p. 105), a comunicação apresenta capilaridades que
penetram o tecido cultural de maneira singular e constroem ambientes
comunicacionais, como “um tipo de irrigação cria uma lavoura ou uma
vascularização cria um corpo”, e se entrelaçam nas dimensões presencial,
alfabética, elétrica e eólica. Segundo Baitello (2010, p. 108-111), a capilaridade da
comunicação presencial estaria ligada ao corpo e aos fundamentos da sociabilidade
humana. A capilaridade alfabética seria a faceta da comunicação ligada à escrita. Já
a capilaridade elétrica constitui-se na comunicação dos meios eletrônicos, possível
através da energia. E a capilaridade eólica, aquela que permeia as casas pelas
ondas da internet sem fio, dos celulares, enfim, daquela que não tem barreiras.
Segundo Baitello, é na capilaridade presencial da comunicação que surgem os
vínculos, que por sua vez, possibilitam a criação de ambientes comunicacionais. Em
suas palavras:
Comunicar é criar ambientes de vínculos. Nos ambientes de vínculos já não somos indivíduos, somos um nó apoiado por outros nós e entrecruzados. Construir um ambiente e situar-se nele reduz a fragilidade de estar só. E, para os entrelaçamentos, somente corpos podem ser pontos de germinação dos ambientes. Corpos narrativizam tais entrelaçamentos que geram ambientes, e os ambientes são os pressupostos para a continuidade, para a sustentabilidade, para a sobrevida do corpo nos outros corpos e nos corpos-outros (BAITELLO, 2008, p. 100).
Ao estudarmos o fenômeno do futebol na sociedade brasileira e os diversos
agentes que caracterizam este campo social, consideramos que a comunicação é
algo que perpassa as diversas dimensões da prática esportiva, desde o local físico
onde as partidas são realizadas, até os lares onde estas podem ser assistidas,
graças à transmissão televisiva. O processo comunicacional de uma partida de
44
futebol inicia-se na vivência presencial, possível pelas dinâmicas que envolvem os
corpos de jogadores e torcedores, e percorre a passagem da esfera tridimensional,
onde as partidas de futebol acontecem, para a esfera nulodimensional, onde as
mesmas partidas se transformam em produtos midiáticos que permeiam milhões de
lares, e de que maneira tal capilaridade comunicacional penetra o tecido cultural.
Para efeitos deste estudo, atribuímos aos meios de comunicação de massa e
seus produtos midiáticos uma importância especial. Na língua portuguesa, o termo
mídia provém da pronúncia inglesa da palavra media, derivada do plural de medium,
em latim, que significa “meio”. Nos países de língua inglesa, utiliza-se o termo mass
media para referir-se aos meios de comunicação de massa, enquanto que, no Brasil,
aplica-se apenas o termo mídia. Para Silverstone (2002, p. 12-13), a mídia é “uma
dimensão essencial de nossa experiência contemporânea” e devemos estudá-la como
dimensão social, cultural, política e econômica do mundo moderno. Segundo ele:
Devemos pensar na mídia como um processo, um processo de mediação. Para tanto, é necessário perceber que a mídia se estende para além do ponto de contato entre os textos midiáticos e seus leitores ou espectadores. É necessário considerar que ela envolve os produtores e consumidores de mídia numa atividade mais ou menos contínua de engajamento e desengajamento com significados que têm sua fonte ou seu foco em textos mediados, mas que dilatam a experiência e são avaliados à sua luz numa infinidade de maneiras (SILVERSTONE, 2002, p. 33).
Esta perspectiva sobre a mídia proposta por Silverstone, que relata o
envolvimento de produtores e consumidores de mídia, denota bem a relação
estabelecida entre os meios de comunicação de massa e o futebol, praticamente
durante toda a história do esporte moderno. O documentário História do Futebol, de
2005, evidencia que foi a partir de 1878, que surgiram as primeiras seções
esportivas nos periódicos europeus. Outros meios como o rádio e o cinema também
ganhavam popularidade ao retratar as partidas da época. Em 1910, as salas de
teatro e cinema européias também inseriam em sua programação a exibição de
imagens de partidas de futebol. Assim, muitos empresários perceberam que na
espetacularização do esporte residia um grande negócio. Um exemplo disto, é que a
primeira final da Copa Football Association, de 1923 em Wembley, teve a venda de
seus direitos de transmissão para produtoras de cinema. É fato então que a
crescente popularização do futebol no mundo teve relação direta com o
envolvimento e a evolução tecnológica dos meios de comunicação.
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No Brasil não poderia ser diferente. Não é por acaso que alguns dos estádios
mais importantes do país tenham sido batizados em homenagem a profissionais da
área da Comunicação. É o caso, por exemplo, do Estádio Municipal Paulo Machado
de Carvalho, o Pacaembu, em São Paulo, e o Estádio Jornalista Mário Filho, o
Maracanã, no Rio de Janeiro.
Paulo Machado de Carvalho foi um dos principais empresários da
comunicação no Brasil, fundador da Rádio Record e da Associação das Emissoras
de São Paulo. Também foi dirigente esportivo do São Paulo Futebol Clube e chefe
da delegação brasileira nas Copas do Mundo de 1958 e 1962.
Mário Rodrigues Filho foi um dos pioneiros da imprensa esportiva no Brasil.
Irmão do consagrado cronista Nélson Rodrigues, Mário Filho foi também o fundador
daquele que é considerado por muitos o primeiro jornal totalmente dedicado ao
esporte do Brasil, o Mundo Sportivo. Em 1931, o jornalista passa a integrar a equipe
editorial do Jornal O Globo, de Roberto Marinho, e, no final da década de 1940,
destaca-se como principal articulador da opinião pública para a construção de um
estádio municipal no bairro do Maracanã, para a realização da Copa do Mundo de
1950. Mário Filho também contribuiu para a literatura esportiva com obras que se
tornaram referência nacional, em especial, o livro O Negro no Futebol Brasileiro, de
1947. O destaque dado por Mário Filho ao futebol em suas coberturas jornalísticas,
contibuíram em muito para a disseminação da modalidade esportiva na sociedade
carioca. Em sua obra, o jornalista descreve como o esporte, incialmente elitista,
ganhava popularidade entre as classes mais desfavorecidas:
O futebol se vulgarizava, se alastrava como uma praga. Qualquer moleque, qualquer preto podia jogar futebol. No meio das ruas, nos terrenos baldios, onde se atira lixo, nos capinzais. Bastava arrumar uma bola de meia, de borracha, de couro. E fabricar um gol, com duas maletas de colégio, dois paletós bem dobrados, dois paralelepípedos, dois pedaços de pau (FILHO, 2003, p.50).
Embora alguns veículos tradicionais como os jornais impressos tivessem muita
relevância na cobertura esportiva, era através do rádio que as camadas populares,
principalmente a parcela não-alfabetizada da população, tomavam conhecimento
sobre as notícias e as partidas de futebol. Assim, o rádio se transformou no grande
disseminador do esporte entre os meios de comunicação. Enquanto o rádio ainda era
o principal veículo de comunicação que retratava o futebol no Brasil, a televisão já
46
ganhava espaço na Europa. Em 1936, por exemplo, o jogo entre Alemanha e Itália,
em Berlim, foi um verdadeiro marco para a televisão européia. A televisão só chegou
ao Brasil em 1950 e a primeira transmissão televisiva de uma partida de futebol no
Brasil foi realizada em 1955, pela TV Record, que exibiu o jogo entre Santos e
Plameiras, na Vila Belmiro. A primeira transmissão ao vivo de uma Copa do Mundo de
Futebol pela televisão para o Brasil aconteceu em 1970. Para muitos especialistas,
este foi o evento que mais contribuiu para a explosão do futebol no Brasil.
Nos dias de hoje já é possível acompanhar mais de uma partida de futebol ao
mesmo tempo, através da grande diversidade de canais dedicados ao tema na TV, de
programas no rádio e de sites específicos na internet, sem contar os numerosos
aplicativos para celulares e tablets que permitem visualizar os melhores lances, as
tabelas e o calendário dos mais diversos campeonatos espalhados pelo planeta.
Ainda que haja tal variedade de opções para o acompanhamento da modalidade
esportiva mais difundida do mundo, os meios de comunicação de massa, ou a mídia,
de uma maneira simplificada, desempenham um papel central na difusão do futebol
como bem cultural. Segundo Gastaldo (2009, p. 362), “a mídia atende a uma
“demanda social” pré-existente pelo futebol no Brasil, criando um circuito de produção
e consumo no qual se inserem cada um dos produtos midiáticos, como a cobertura
dos jogos, cadernos especiais nos jornais e revistas”. Os índices de audiência
auferidos na veiculação de cada um destes produtos midiáticos agem como
termômetro da lucratividade da mídia, seja em oferecer sua programação ao público,
ou em vender audiência aos anunciantes interessados neste público. Em outras
palavras, a mídia produz bens culturais, mas o produto a ser vendido é o público
atraído por estes bens, o que chamamos de audiência (GASTALDO, 2009, p. 355).
Podemos tomar como exemplo disto, a cobertura dos jogos do Brasil na Copa
do Mundo, que é considerada fenômeno de audiência desde as primeiras
transmissões internacionais via rádio, na década de 1930. A cada edição do
campeonato mundial, novos recordes são quebrados em quase todos os
continentes. Conforme números divulgados pela FIFA, somente a final da Copa do
Mundo no Brasil em 2014 foi vista por mais de 1 bilhão de pessoas no mundo,
batendo todos os recordes de um evento internacional da história. O récorde de
audiência culmina, na maioria dos casos, em novos récordes de captação de
recursos de patrocínio, venda de direitos de transmissão, merchandising, etc.
47
Entendemos então que a audiência é uma representação simbólica que
permite relacionar a produção e o consumo dos produtos da mídia. Tal concepção
tem total aderência ao conceito de “indústria cultural”, formulado em 1947 por
Theodor Adorno e Max Horkheimer, dois dos principais pesquisadores que atuaram
pela chamada Escola de Frankfurt. Em sua obra Dialética do Esclarecimento, os
autores questionaram principalmente a disseminação da cultura na forma
padronizada de produtos culturais, possibilitada pelo desenvolvimento dos meios de
comunicação de massa, e suas consequências para as relações entre cultura e
sociedade capitalista.
Em nossos esboços tratava-se do problema da cultura de massa. Abandonamos essa última expressão para substituí-la por ‘indústria cultural’, a fim de excluir de antemão a interpretação que agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular. Ora, dessa arte a indústria cultural se distingue radicalmente. (...) Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo. (...) Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. (...) Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto (ADORNO, 1977, p. 287-288).
Para Adorno e Horkheimer, uma cultura de massas genuína seria aquela
proveniente das próprias massas, emergente de maneira espontânea e natural, ao
contrário dos bens culturais, concebidos para atender às necessidades do mercado
e que, por fim, acabam servindo como instrumentos de dominação social.
O surgimento do conceito de indústria cultural não pode ser compreendido de modo separado da realidade vivida por Adorno e Horkheimer. Durante as décadas de 1930 e 1940 viveram nos EUA, país bastante adiantado no grau de monopolização da sua economia, onde os conglomerados empresariais predominavam também na área comunicacional. O caráter sistêmico da indústria cultural é uma das consequências da capacidade de penetração dos grandes grupos econômicos na organização da vida cotidiana (COELHO, 2014, p. 90).
48
A crítica desenvolvida pelos pensadores alemães destaca-se ao apontar
aspectos da racionalização técnica aplicada a todos os componentes sociais, em
especial, sobre a cultura e os bens simbólicos. Adorno e Horkheimer indicam que a
manipulação dos bens simbólicos para a disseminação coletiva, a chamada “cultura
de massa”, acarreta a padronização do pensamento humano e a alienação, criando
um mecanismo predatório da própria cultura. Em Dialética do Esclarecimento, os
autores também comentam os reflexos da cultura de massa nos esportes:
As equipes esportivas modernas, cuja cooperação está regulada de tal sorte que nenhum membro tenha dúvidas sobre o papel e para cada um haja um suplente a postos, encontram seu modelo exato nos teams sexuais de Juliette, onde nenhum instante fica ocioso, nenhuma abertura do corpo é desdenhada, nenhuma função permanece inativa. No esporte, assim como em todos os ramos da cultura de massas, reina uma atividade intensa e funcional, de modo que só o espectador perfeitamente iniciado pode compreender a diferença das combinações, o sentido das peripécias, determinado pelas regras arbitrariamente estabelecidas (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 87).
Sob esta concepção, é possível afirmar que os produtos veiculados pela
mídia utilizam de representações que ressaltam determinados significados e ocultam
outros, reverberando para a sociedade uma definição de realidade própria e
controlada. Como agente que exerce influência direta no futebol, a mídia ocupa uma
posição privilegiada entre os dominantes do campo social, valendo-se
principalmente do que Bourdieu conceitua como poder simbólico. Este poder é
constituído através da valoração relacional entre os agentes em tensão de um
determinado campo. Segundo Bourdieu (1989, p. 14), o poder simbólico só se
exerce se for reconhecido, trata-se de “um poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito
específico de mobilização”. No caso do campo social em que se insere o futebol, é
notável que o capital que apodera a mídia em suas relações de tensão concentra-se
na exposição que os meios de comunicação oferecem, atrelada ao volume de
recursos envolvidos entre publicidade e direitos de transmissão.
O poder exercido pela mídia no campo esportivo também pode ser
identificado pela influência discursiva que seus produtos culturais estabelecem sobre
os indivíduos, muitas vezes, de maneira silenciosa. Para o filósofo francês Michel
49
Foucault (1926 - 1984), o poder é o alicerce do processo de construção dos sujeitos
e das subjetividades:
(..) o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu (FOUCAULT, 2001, p. 183-184).
As nuances do poder estão expressas em cada uma das estruturas do que
podemos chamar de campo social do futebol. Neste campo, a mídia, como indústria
cultural de bens simbólicos, atua articulando e administrando as tensões existentes
e buscando sua hegemonia. É importante destacar a maneira como o poder
simbólico perpassa e constitui os agentes do campo, efetivando discursos e
subjetividades que, embora não se constituam como leis, influenciam de maneira
efetiva a manutenção da ideologia dominante. O discurso midiático contribui,
sensivelmente, para a socialização de valores e idéias dominantes, diminuindo a
força simbólica dos valores que se contrapõem ou se apresentam de forma
alternativa.
Um dos exemplos do futebol nacional que caracteriza esta afirmação
concentra-se nos dias e horários em que são disputadas as partidas. Sabe-se que o
horário dos jogos realizados no meio da semana, geralmente às quartas-feiras, é
ajustado para se iniciar por volta das dez horas da noite, uma decisão que favorece
diretamente a grade de programação da televisão. As transmissões destes jogos
sempre se iniciam após o término da “sagrada” novela das oito. Por se tratar de um
dia útil no meio da semana, este horário prejudica muito o torcedor que tem o hábito
de ir ao estádio. Mas a média de público que frequenta os estádios e gera receitas
de bilheteria aos clubes não é sequer comparável à audiência que as transmissões
televisivas atingem. Segundo a Pesquisa Lance! IBOPE 2014, cerca de 35% dos
entrevistados declararam que o horário atual das partidas é adequado, contra 47%
que apontam que os jogos deveriam ser realizados mais cedo. Mesmo com a
superioridade numérica, não há indícios de que haverá qualquer mudança, o que
evidencia o poder exercido pela mídia sobre os espectadores do futebol.
Considerada a importância social do futebol para os brasileiros, existe a
apropriação deste fenômeno pela mídia que, utilizando-se de todos os meios de que
dispõe, colabora para construir uma impressão de realidade que mitifica o esporte. A
50
mídia enuncia e interpreta a história do esporte, dá destaques positivos e negativos
a equipes, jogadores, treinadores e árbitros, enfim, constrói discursivamente
subjetividades ou identidades para os atores do mundo da bola. Entendemos então
que existe uma relação de dependência entre futebol e mídia, visto que a
popularidade do futebol depende da cobertura da mídia, e, por outro lado, a mídia
também depende da existência da prática organizada do futebol e o retrata de
maneira espetacular, pois considera que este, por se tratar de uma paixão nacional,
é garantia de altos níveis de audiência e retorno financeiro.
2.4 O futebol no campo dos negócios
Ao analisar a trajetória histórica do futebol, associada às diversas
transformações sociais e econômicas da modernidade, é válido afirmar que o
esporte há muito deixou de caracterizar-se como mero jogo ou atividade lúdica.
Publicada em 1938, a obra Homo Ludens, do historiador neerlandês Johan Huizinga
(1872 – 1945), caracteriza os jogos da seguinte maneira:
atividade livre, (...) ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. (...) é uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material com a qual não se pode obter nenhum lucro e praticada dentro dos limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras (HUIZINGA, 1996, p.16).
Em princípio, as dinâmicas do futebol se expandiram da simples disputa pela
bola para outras muito mais complexas, como as relações que envolvem jogadores,
clubes e torcedores. O próprio jornalista Mário Filho conta como a prática do futebol,
ainda nos primórdios de sua popularização pelo Brasil, deixou de ser uma prática
desinteressada de lucro, independente da natureza deste lucro.
O tempo do futebol divertimento para o jogador passara. O jogador não ia para o campo para se divertir, quem ia para o campo se divertir era o torcedor (...). Se o time perdia, o torcedor ficava de ‘cabeça inchada’. Para não ficar de ‘cabeça inchada’ exigia mais do jogador (MÁRIO FILHO, 2003, p. 112).
A transformação do esporte em espetáculo para o público foi, sem dúvidas, o
fato que mais contribuiu para que o jogo, como atividade livre, fosse ganhando cada
vez mais contornos próprios da lógica comercial. Embora este fenômeno tenha
51
recebido grande influência dos primeiros empresários e investidores, que viram uma
oportunidade de negócio na espetacularização do esporte, não se pode descartar a
própria natureza espetacular do futebol e as dramatizações decorrentes de suas
narrativas históricas. Em 1917, os clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo
começaram a cobrar ingressos dos seus espectadores. O dinheiro obtido era usado
para cobrir custos de equipamentos como bolas, uniformes, chuteiras, etc. Até
então, o custo desses equipamentos era coberto por doações voluntárias de sócios.
A quebra dessa tradição abriu caminho para os primeiros passos em direção à
profissionalização, que revolucionou o esporte por completo.
A espetacularização do futebol também propiciou outras vantagens no campo
dos negócios. Mesmo durante as primeiras décadas do esporte no Brasil, as
transmissões das partidas via rádio eram acompanhadas por milhões de pessoas e,
com isso, atraíam grandes investimentos de publicidade neste meio de
comunicação. Com o tempo, este modelo de negócios passou também a contemplar
o que é conhecido hoje como direitos de transmissão, nada mais do que a venda da
exclusividade de cobertura dos eventos esportivos aos meios de comunicação,
principalmente para as emissoras de televisão, e que representa uma parcela
significativa da renda das organizações esportivas.
Outro fato extremamente importante para a contextualização do futebol como
atividade comercial foi o início da participação corporativa no esporte através da
publicidade. É notável a quantidade de placas publicitárias que dividem o cenário
com os jogadores e a torcida na final da Copa do Mundo de 1970, travada entre
Brasil e Itália. Esta mesma observação se repete nas finais dos campeonatos
alemão, inglês e italiano na temporada que se encerrou em 1970. No Brasil, a
invasão das placas de publicidade nos estádios ganha força em 1975.
Poucos anos depois, os clubes brasileiros ainda embarcavam na crise
econômica do país e sofriam sérias dificuldades financeiras. O patrocínio aos clubes
através da publicidade nas camisas de seus jogadores, que já era permitido pela
FIFA desde 1972, chega ao futebol brasileiro. Quando uma portaria do Conselho
Nacional dos Desportos (CND) autorizou que os clubes de futebol estampassem
publicidade em suas camisas, o clube mineiro Democrata de Sete Lagoas foi o
primeiro a aderir legalmente à novidade, em julho de 1982. O patrocínio foi da
empresa mineira de material esportivo Equipe no valor de Cr$ 500 mil (equivalente
52
hoje a cerca de R$ 19 mil), pago em uniformes, bolas, chuteiras e tênis. Logo em
seguida, foi a vez do Ceará, que fez um acordo com a Associação Cearense de
Cadernetas de Poupança.
No início, estes contratos de patrocínio eram pontuais e ocorriam nas finais
de campeonato, visto que nem todas as partidas eram televisionadas na época.
Assim, muitas empresas demoraram a ver vantagem no negócio. Lógica que
rapidamente se inverteu com a consolidação dos direitos de transmissão das
partidas de futebol como fonte de renda essencial para a manutenção do esporte.
Em 1987, os direitos de transmissão televisivos da Copa União, organizada pelo
Clube dos 13, foram vendidos à Rede Globo por US$ 3,4 milhões. Dez anos depois,
a negociação já envolvia valores de US$ 50 milhões, divididos entre Rede Globo e
Rede Bandeirantes para a cobertura das edições de 1998 e 1999 do Campeonato
Brasileiro. Em 2009, houve a licitação histórica dos direitos de transmissão do
mesmo campeonato, com a participação das principais redes de televisão do país e
que terminou com a vitória da Rede Globo, arrematando a exclusividade de
transmissão para o triênio subsequente por R$ 1,4 bilhão.
A publicidade no rádio já era uma estratégia difundida entre as empresas
anunciantes. Quando as emissoras de televisão passaram a transmitir os
campeonatos nacionais e estaduais, acrescentaram a vantagem da visibilidade ao
negócio do futebol, tornando muito mais atrativos o patrocínio aos clubes e a
publicidade nos estádios.
Mais um fato relevante para esta abordagem concentra-se nos aspectos
legais que envolvem as dinâmicas do futebol no Brasil. A Lei nº. 6.354 de 1976
instituiu o passe no Brasil. O texto da Lei revela que o passe era "a importância
devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do
contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes".
Em outras palavras, o passe era uma uma espécie de indenização estipulada pelo
clube que revelou ou investiu na formação do jogador. Em 1993, surgiu a Lei nº
8.672, popularmente conhecida como Lei Zico, acompanhando o processo de
abertura política do país. A lei regulamentava as novas formas comerciais no futebol;
redefinia o repasse das verbas arrecadadas com as Loterias e instituia mecanismos
fiscalizadores que direcionavam para que os clubes efetuassem uma gestão
financeira mais apurada. Embora não tenha alcançado êxito na extinção do passe,
53
devido a pressão exercida pelos clubes de futebol, a lei indicou caminhos para a
modenização do esporte, estendendo incentivos à participação privada, idealizando
assim o futebol-empresa e o marketing esportivo como forma moderna de
empreendorismo esportivo. Uma evidência disso foi a parceria de sucesso selada
entre o Palmeiras e a Parmalat, que comentaremos mais adiante.
Cinco anos depois, foi decretada a Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé,
que revisitava a legislação anterior e determinava o fim do passe nos clubes de
futebol do Brasil. A Lei Pelé instituiu o direito do consumidor nos esportes e
disciplinou a prestação de contas por dirigentes de clubes e determinou a
obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas. Uma parte considerável
das imposições da Lei Pelé também foi alterada em 2000, pelo que se convencionou
como Lei Maguito Vilela. Ainda assim, as mudanças no panorama legal do futebol
brasileiro acarretaram em uma diminuição severa no potencial de lucro financeiro
dos clubes sobre os atletas e abriram as portas para a entrada de grande
quantidade de empresários no futebol. Uma prova disso é que, segundo a CBF, em
1999, um ano após a instituição da Lei Pelé, o número de jogadores que se
transferiram do Brasil para o exterior foi de 658, quase cinco vezes superior à marca
atingida dez anos antes, em 1989.
O que nos interessa demonstrar aqui é a importância que o telespectador tem
desepenhado nas receitas dos clubes. Poderíamos supor que a principal fonte de
renda dos clubes advém do lucro sobre a exploração da prática esportiva, como as
receitas sobre a venda de ingressos, venda de jogadores, clube social ou outras
fontes. Entretanto, é crescente a relevância das verbas provenientes da venda de
direitos de transmissão, de patrocínio e de publicidade. Um estudo publicado
anualmente pela consultoria brasileira BDO, uma das mais respeitadas do segmento
esportivo, revelou que, em 2011, a soma da média destas duas fontes de renda foi
superior a 54% da receita dos 24 maiores ou mais representativos clubes brasileiros.
Embora o comparativo abaixo demonstre uma leve queda deste percentual
nos dois últimos anos, ainda assim, a representatividade destas receitas é superior a
todas as outras fontes de lucro dos clubes brasileiros. Outra observação pertinente é
a de que não houve, em nenhum dos últimos seis anos, qualquer fonte de renda que
superasse o montante arrecadado pelos clubes com a venda de cotas de televisão.
Mais um indicador importante consiste no fato de que em apenas dois dos últimos
54
seis anos (2009 e 2013) a segunda maior fonte de renda dos clubes foi a
transferência de atletas e não as verbas arrecadadas com patrocínios e publicidade.
Gráfico 1 - Participação das fontes nas receitas dos clubes de futebol brasileiros
Concluímos então este capítulo levantando algumas indicações. A primeira
delas é que o aumento da cobertura dos meios de comunicação sobre os eventos do
futebol impactou diretamente no aumento da audiência do esporte, gerando um
cenário extremamente positivo para que as empresas invistam em marketing
esportivo. A segunda indicação é a de que quanto mais profissionalizada for a
gestão dos clubes, maiores serão as possibilidades para que o futebol se caracterize
como negócio, favorecendo também o estabelecimento de estratégias de marketing
esportivo, inclusive, como parcerias e modelos de co-gestão. Por fim, registramos a
observação de que hoje o futebol se caracteriza como produto midiático,
extremamente dependente dos veículos de comunicação de massa, que além de
gerar receitas, atendem à demanda dos torcedores de poltrona e geram visibilidade,
possibilitando aos clubes negociarem sua exposição com anunciantes e
patrocinadores.
55
3 O marketing esportivo no futebol brasileiro
3.1 O que é marketing esportivo
Quando falamos de marketing esportivo hoje, há de ser feita uma
diferenciação que permita uma melhor compreensão sobre o tema. A noção de
marketing esportivo pode ser concebida através de dois enfoques diferentes. A
primeira delas consiste na aplicação das já difundidas técnicas de marketing para
alavancagem das vendas de um determinado produto ou marca esportiva, como
uma bola ou um tênis, por exemplo. A abordagem de Pitts e Stotlar (2002) se
enquadra neste enfoque:
Marketing esportivo é o processo de elaborar e implementar atividades de produção, formação de preço, promoção e distribuição de um produto esportivo para satisfazer as necessidades ou desejos de consumidores e realizar os objetivos da empresa (PITTS; STOTLAR, 2002, p. 90).
A partir deste enfoque, todo o processo de marketing deve ser incorporado ao
negócio esportivo. O plano de marketing de determinado produto ou serviço
esportivo deve considerar a missão da empresa, as análises de macro e
microambiente, pesquisa de marketing e avaliação de dados, a segmentação e a
orientação do composto de marketing (produto, preço, praça e promoção (PITTS;
STOTLAR, 2002).
Existe, entretanto, uma segunda abordagem que, basicamente, associa a
noção de marketing esportivo à uma estratégia de promoção de produtos e marcas
através do esporte.
O marketing esportivo está incluído na categoria do que denominamos marketing promocional. Este tipo de marketing privilegia a busca de novos espaços de merchandising, favorecendo a veiculação do nome, produto e marca dos patrocinadores, a baixo custo ou a custo zero. (MELO NETO, 1995, p. 153).
Embora esta concepção se faça parecer muito mais simples, na realidade, foi
através desta ótica que diversas modalidades esportivas foram transformadas, em
especial, o futebol. Como vimos anteriormente, a evolução dos meios de
comunicação de massa propiciou uma cobertura cada vez maior dos eventos
56
esportivos. Com o surgimento das redes de televisão no Brasil e o início da
transmissão dos jogos de futebol, posteriormente, em tempo real, surge também a
vantagem da visibilidade para os anunciantes. As empresas começaram enxergar a
oportunidade de aproximar suas marcas e seus produtos dos milhões de brasileiros
apaixonados por seus clubes.
No início da década de 1970, as primeiras estratégias que se disseminaram
pelo país tinham como foco investir em publicidade a um custo inferior ao dos
anúncios publicitários comercializados diretamente pelas emissoras de televisão. As
primeiras estratégias notáveis foram a chegada das placas de publicidade e o
patrocínio nas camisas das equipes ou clubes. Até meados da década de 1980,
quando a programação esportiva das redes de televisão ainda não oferecia a
cobertura integral dos campeonatos estaduais e do nacional, este tipo de veiculação
publicitária ou patrocínio era muito pontual. Ocorria principalmente nos jogos
importantes onde era certa a cobertura televisiva e a alta repercussão nos veículos
de mídia impressa, como nas finais de campeonato ou amistosos internacionais.
Hoje, entretanto, a realidade do marketing esportivo no Brasil é
completamente diferente. No atual cenário, as empresas não só aparecem como
anunciantes promovendo produtos em espetáculos esportivos, mas também,
participam efetivamente dos eventos, como parceiras e incentivadoras. Ao invés de
se preocuparem somente com a percepção de seus anúncios nos estádios ou nas
camisas dos times, as empresas que investem em marketing esportivo hoje estão
atentas e dedicadas a envolver os consumidores de esporte na totalidade de suas
experiências, gerando ganhos de imagem e incremento de vendas.
O marketing esportivo, ao associar a imagem do atleta, do clube e do esporte em geral à marca, produto e nome da empresa patrocinadora, torna-se um elemento decisivo na estratégia de valorização, divulgação e, se necessário, rejuvenescimento da marca/produto. Ao assim proceder, o esporte contribui para preservar o que há de mais importante para qualquer empresa nos dias atuais: a sua imagem (MELO NETO, 1995, p. 26).
Um caso de grande representatividade, tanto no meio empresarial quanto no
meio esportivo, foi a parceria de sucesso firmada entre a multinacional italiana
Parmalat e o Palmeiras, no início dos anos 1990, época em que o futebol brasileiro
passava por grandes transformações, marcada pela profissionalização da gestão do
esporte e pela aproximação com a iniciativa privada. A associação entre o clube e a
57
empresa não se resumia em um contrato de patrocínio, tratava-se de um modelo de
co-gestão, no qual a Parmalat participava diretamente das decisões do
departamento de futebol do Palmeiras e possuía, inclusive, direitos integrais sobre o
passe de determinados jogadores. Conforme indica Melo Neto:
(...) A empresa investiu US$ 10 milhões na montagem da equipe de futebol do clube, e o Palmeiras, que ficou dezessete anos sem ganhar um campeonato, rapidamente começou a acumular títulos. A estratégia de investimento foi muito além de um simples patrocínio: a empresa criou em sua alta administração uma Diretoria de Esportes, e, a partir dela, comandou todas as ações do clube, através de um sistema de co-gestão. (...) Em 1993, a América do Sul representava 24% do faturamento do grupo. Em 1994, este total subiu para 31%. O Brasil, mais especificamente, atingiu o índice de 85% dos negócios da Parmalat no continente (MELO NETO, 1995, p. 68).
Com o investimento da Parmalat durante os oito anos de parceria (1992 –
2000), o clube paulista encerrou um longo período de jejum e conquistou 24 títulos,
dentre eles, dois campeonatos brasileiros e uma taça Libertadores da América. O
caso Parmalat/Palmeiras chegou a ser relacionado pela FIFA entre os dez maiores
casos de sucesso do marketing esportivo no futebol e revolucionou a maneira como
as empresas consideravam a estratégia em seu planejamento.
Outro caso citado por Melo Neto (1995) que também merece destaque foi a
campanha publicitária da cerveja Brahma, durante a Copa do Mundo da FIFA de
1994. Segundo o autor, até então, aquela havia sido a maior e mais criativa
campanha de publicidade realizada por uma empresa brasileira utilizando o esporte
como mote.
Através de anúncios veiculados na TV, os jogadores apareciam na telinha, levantando o dedo indicador, o símbolo da Nº. 1 - tema da campanha. Durante a Copa, a torcida Nº. 1 deu um show à parte. A Brahma lançou um farto material promocional, com destaque para as camisetas, que se tornaram o maior sucesso da moda. (...) O jingle que embalou os jogos da Copa, criado pela agência Fischer & Justus, foi ouvido e cantado nos principais centros de comemoração do país (MELO NETO, 1995, p. 69).
O exemplo da campanha publicitária da Brahma ilustra bem como os
negócios do marketing esportivo deixaram de figurar apenas nas placas de
publicidade dos estádios e no patrocínio estampado nas camisas dos clubes. Mais
de vinte anos após a Copa de 1994, a Brahma continua a investir com pioneirismo
na associação de sua marca ao futebol. Um exemplo disto é o Movimento por um
58
Futebol Melhor, criado em janeiro de 2013 por executivos da Anheuser-Busch InBev,
empresa que controla a Brahma, com o objetivo de valorizar a relação com o sócio-
torcedor dos 63 clubes participantes. Estima-se que, desde o lançamento do
Movimento, os sócios-torcedores tenham recebido mais de R$ 60 milhões em
descontos nos produtos e serviços oferecidos pelas 11 empresas parceiras, dentre
elas, as gigantes Ambev, Unilever, Pepsico, Shell e TIM. Segundo dados divulgados
à imprensa, a campanha já teria gerado cerca de R$ 360 milhões de negócios aos
clubes participantes.
Na realidade, o fenômeno do aumento da participação corporativa no esporte
é simultâneo a tomada de consciência das entidades esportivas sobre o fato de que
é preciso zelar pelo valor de sua marca ou nome, seja de um clube, atleta, federação
ou comitê para assim receber investimentos e gerar negócios. Os três clubes que
lideram o ranking de maior receita no futebol mundial em 2015, segundo a divisão de
esportes da consultoria internacional Deloitte, a saber, Real Madrid (549,5 milhões
de euros), Manchester United (518 milhões de euros) e Bayern Munich (487,5
milhões de euros), também são aqueles que lideram a lista de marcas mais valiosas
do futebol, com uma leve vantagem do Manchester United e do Bayern Munich
sobre o Real Madrid, conforme aponta o levantamento da consultoria BrandFinance.
Os clubes de futebol despertaram para esta nova realidade: a força de suas marcas. Suas principais estratégias de marketing, antes voltada apenas para a venda de jogadores, títulos de sócios e direitos de transmissão dos jogos, estão atualmente centradas na busca da valorização e comercialização de suas marcas. Tal fato explica o aumento expressivo dos valores dos contratos de patrocínio, merchandising, licenciamento, franquia e venda de imagem. (...) Tornou-se comum entre os nossos clubes, em especial aqueles que constituem o primeiro nível do futebol brasileiro, a contratação de empresas de marketing e de comunicação, no sentido de que estas possam preservar e aumentar o valor de suas marcas no mercado, bem como identificar novas oportunidades de comercialização (MELO NETO, 1995, p. 198).
Mesmo com cifras bem menores, se comparadas à realidade européia, os
clubes da elite do futebol brasileiro acompanham esta tendência mundial de
valorização das marcas esportivas. Segundo indica o levantamento da
BrandFinance, clubes brasileiros como Corinthians, São Paulo, Santos, Flamengo e
Internacional passaram a figurar na lista das 50 marcas mais valiosas do futebol
mundial a partir de 2012. Em 2013, o Corinthians chegou a ocupar a 19ª posição
59
entre as principais marcas do futebol mundial. Em 2015, apenas as marcas de São
Paulo (43ª posição) e Corinthians (48ª posição) figuraram na listagem.
Partindo de um ponto de vista mais focado no futebol brasileiro, um estudo
similar da consultoria BDO aponta resultados um pouco diferentes, com o Flamengo
ocupando a primeira posição entre as dez marcas mais valiosas em 2015. O estudo
leva em consideração atributos como patrocínios, direitos de TV, potencial de
consumo da torcida, bilheteria e dados socioeconômicos do mercado em que as
equipes atuam.
Gráfico 2 – Valores das dez maiores marcas do futebol brasileiro em 2015
De fato, o volume de torcedores e a exposição dos clubes na mídia são os
fatores que mais colaboram para a consolidação de suas marcas. Não por acaso, os
quatro times lideram o ranking de marcas mais valiosas do futebol brasileiro também
mantém as mesmas posições no ranking das maiores torcidas do Brasil, publicado
pela Pesquisa Lance! IBOPE 2014. Segundo o estudo, o Flamengo manteria a
primeira posição, com 32,5 milhões de torcedores, seguido de Corinthians, com 27,3
milhões, São Paulo, com 13,6 milhões, e o Palmeiras, com 10,6 milhões.
60
Gráfico 3 – Distribuição das maiores torcidas do Brasil em 2014
A Pesquisa Lance! IBOPE 2014 também indica que, entre os quatro líderes do
ranking, apenas o Corinthians obteve crescimento em sua torcida, cerca de 0,2% em
comparação com a mesma pesquisa, realizada em 2010. O aumento de tamanho de
uma torcida depende da combinação de diversos fatores, entre eles, a formação de
equipes competitivas, a incidência de sua participação em torneios internacionais e,
principalmente, o êxito e a consagração em campeonatos importantes ou inéditos.
Nos últimos cinco anos, o clube paulista vivenciou três das maiores conquistas de sua
história, a saber, o pentacampeonato brasileiro em 2011, a campanha invicta na Copa
Libertadores da América em 2012 e o Mundial de Clubes da FIFA. Com a combinação
destes fatores, cresce a exposição do clube em destaque nos meios de comunicação,
alimentando a paixão dos torcedores fiéis e estimulando o surgimento de novos
torcedores emergentes da massa que compõe a audiência.
A audiência é o fator fundamental que determina a distribuição de cotas de
transmissão televisiva dos jogos do futebol. No Brasil, o assunto gera grande
polêmica, inclusive na esfera governamental. Diversos interlocutores envolvidos com
o meio esportivo alegam que a distribuição privilegia os clubes dos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro. A TV Globo é o veículo que mais explora a cobertura do
61
futebol nacional e, obviamente, considera a audiência obtida na exibição das
partidas de cada clube, o que reflete diretamente na negociação dos valores das
cotas de transmissão.
Gráfico 4 – Evolução das cotas de transmissão da TV Globo.
Embora haja divergências nas posições apresentadas entre os diferentes
rankings, estudos desta natureza revelam a importância das marcas como ativo
financeiro para os clubes espalhados por todo o mundo e apontam para um cenário
em que quanto mais profissionalizada e competente é a gestão destas marcas,
maiores serão as possibilidades de receita.
Como vimos anteriormente, constituem as receitas de um clube de futebol as
arrecadações com a venda de ingressos, a transferência de jogadores, a exploração
da sede social do clube, o licenciamento de suas marcas para produtos associados
e, principalmente, a venda dos direitos de transmissão e os contratos de patrocínio.
A seguir, estudaremos de maneira mais detalhada a relevância dos contratos de
patrocínio para os times de futebol e como se contitui esta estratégia que se vale do
prestígio dos clubes e de sua exposição na mídia para divulgar produtos e marcas,
e, mais recentemente, construir relacionamentos e vínculos.
62
3.2 O patrocínio corporativo no futebol brasileiro
É muito comum que o termo patrocínio seja aplicado como sinômino de
mecenato, que se refere, num sentido amplo, ao ato de incentivar as mais diversas
produções culturais a partir da transferência de recursos financeiros. Embora sejam
práticas muito similares, patrocínio e mecenato possuem características processuais
distintas e que merecem diferenciação.
Embora o mecenato seja conceituado por muitos autores como benfeitoria
anônima ou doação desinteressada de rertorno, é possível indicar traços históricos
de que a prática era aplicada de maneira estratégica, com o objetivo de ganho de
reputação, principalmente, no âmbito político.
Na Roma Antiga, o apoio às manifestações culturais já era considerado
uma peça fundamental para a manutenção e promoção da imagem dos
governantes e das instituições de governo. Grande político daquela época, Caio
Cílnio Mecenas (74 - 8 a.C.) foi conselheiro de Otávio, o sobrinho-neto e sucessor
de Júlio César. Segundo Rubim (1998, p. 142), com o objetivo de glorificar o
regime do imperador romano, Mecenas apoiou a produção de diversos
pensadores e artistas da época, dentre eles, Horácio e Virgílio, suprindo-os com
bens materiais e proteção política. A estratégia ficou conhecida como mecenato e
tornou-se prática comum também no período renascentista, que buscava inspiração
na Antiguidade grega e romana, e vivenciava um momento de pujança econômica
com o surgimento da burguesia. Grandes personalidades das artes e do
pensamento filosófico, como Leonardo Da Vinci, Michelangelo, William
Shakespeare, teriam sido beneficiados pela prática do mecenato.
O mecenato, em sua história, realizou-se através das mais variadas instituições e personalidades: a Igreja Católica, os reis, a aristocracia e a burguesia ascendente (basta lembrar no período do Renascimento grandes famílias italianas como os Doria de Gênova, os Borghese de Roma e os Médicis de Florença ou pouco depois os “déspotas esclarecidos”), os Estados nacionais e os empresários, como os norte-americanos da virada do século XX: os Rockfeller, os Ford, os Getty, os Carnegie etc. (RUBIM, 1998, p. 142).
Conforme aponta Rubim, a estratégia de acumular prestígio através do
custeio da produção cultural se estendeu até o século XX, com forte
expressividade nos Estados Unidos. Além de adquirir diversificadas coleções
63
artísticas, os empresários norte-americanos efetuavam doações a bibliotecas e
instituições de ensino, agregando a seus empreendimentos comerciais
confiabilidade e aceitação.
Logicamente, esta análise não se propõe a apontar que toda benfeitoria,
doação ou incentivo ocorre com base nos interesses políticos, sociais ou econômicos.
O que percebemos é que não há coerência em classificar o mecenato como uma
atitude desinteressada, tampouco anônima, e em apontar estes fatores como aqueles
que o diferenciam do que é patrocínio.
É possível que o aspecto que mais contribua para esta diferenciação esteja
concentrado no viés comercial da prática de incentivo ou financiamento. Em hipótese
alguma, o patrocínio pode ser considerado como doação ou benfeitoria. A prática
estabelece obrigações justamente contratadas entre proponentes e patrocinadores,
com contrapartidas claras que defendem uma perspectiva de retorno comercial à
instituição investidora. Na visão de Aaker (2000, p. 215), o patrocínio também não
pode ser confundido com a propaganda. Para o autor, trata-se de uma ferramenta de
construção de marca diferenciada e que necessita ser gerenciada apropriadamente.
O patrocínio oferece vantagens únicas para a construção de marca. Enquanto a propaganda é invasiva e claramente uma mensagem paga tentando persuadir e modificar as atitudes, um patrocínio pode tornar-se parte da vida das pessoas. A propaganda é boa em comunicar os atributos funcionais, embora a maioria das marcas fortes vá além disso para oferecer benefícios emocionais e de auto-expressão para ter uma personalidade e para diferenciá-la quanto a atributos intangíveis. O patrocínio pode ser muito eficaz para estender as marcas além dos atributos tangíveis porque desenvolvem associações que acrescentam profundidade, riqueza e um sentimento contemporâneo em relação à marca e ao seu relacionamento com clientes (AAKER, 2000, p. 215-216).
O patrocínio configura-se como uma estratégia corporativa de caráter
promocional, integrada à política de marketing das empresas. Segundo Melo Neto
(2000, p. 14), a estratégia visa agregar valor a imagem corporativa a partir do
investimento promocional na cultura, no esporte, na ecologia ou outra área social.
É uma ação de marketing que, ao dar suporte às demais ações do composto promocional, contribui para o alcance dos objetivos estratégicos de marketing da empresa, em especial, no que se refere à imagem corporativa, promoção da marca, posicionamento do produto, promoção de vendas e comunicação com clientes, fornecedores, distribuidores e demais parceiros (MELO NETO, 2000, p. 14).
64
Para termos uma ideia de como a estratégia de patrocínio ganhou força nos
últimos 25 anos, podemos considerar o valor total de investimento realizado pelas
empresas em todo o mundo. Estima-se que no início da década de 90, os
investimentos globais em patrocínios atingiam aproximadamente US$ 7 bilhões.
Dados da agência de pesquisa norte-americana International Events Group
Sponsorship Report – IEG revelam uma projeção de que o mercado mundial aplicará
cerca de US$ 57,5 bilhões em 2015 na estratégia, atingindo uma média de
crescimento de aproximadamente 4% nos últimos cinco anos.
Gráfico 5 – Total de investimentos globais em patrocínio.
Segundo a projeção da IEG sobre os investimentos em patrocínio em 2015, a
maior parte dos recursos seria investida na América do Norte, com 37,2%. Os
mercados europeu e asiático também têm grande representatividade neste cenário,
com 26,6% e 24,3%, respectivamente. Embora os investimentos na América Central
e na América do Sul representem uma parcela menor do montante global, cerca de
7,4%, sua relevância também deve ser considerada, visto que os investimentos na
região são superiores à soma dos recursos aplicados em todos os demais países. A
IEG prevê que sejam aplicados cerca de US$ 4,3 bilhões na região em 2015,
registrando um aumento de 4,8% em relação ao ano anterior.
65
Gráfico 6 – Investimento em patrocínios por região.
A consultoria IEG também traça um mapa sobre as principais empresas
patrocinadoras e os setores que mais recebem investimentos na América do Norte,
região onde a estratégia é mais significativa e que pode representar a realidade das
demais localidades. Dentre as multinacionais sediadas nos Estados Unidos,
destacam-se a PepsiCo, Anheuser-Busch Inbev, Coca-Cola e Nike, todas com
investimentos superiores a US$ 250 milhões em 2014. O ramo dos esportes é o que
mais receberá investimentos em 2015, cerca de US$ 15 bilhões, o que representa
70% da aplicação total na região. Segundo Melo Neto (2000, p.16), boa parte das
despesas com promoção e eventos das entidades esportivas são cobertas pelos
investimentos das empresas patrocinadoras. Para o autor, a tendência é a de que o
mesmo ocorra cada vez mais com projetos culturais e sociais.
A empresa patrocinadora é o grande investidor do esporte, e em pouco tempo deverá assumir este papel na cultura e no social, superando o Estado. É dela que vêm os recursos financeiros para custear as despesas de promoção e realização de eventos esportivos, culturais e sociais, preparação de atletas, formação e manutenção de equipes, grupos musicais, de dança, teatro e desenvolvimento dos talentos nestes setores (MELO NETO, 2000, p. 16).
66
Segundo a IEG, além dos esportes, os setores que mais receberiam
investimentos seriam o do entretenimento e das ações ligadas às causas sociais,
com US$ 2,13 bilhões e US$ 1,92 bilhão, respectivamente. O patrocínio às artes
ocuparia a quarta posição em volume de investimentos, com US$ 938 milhões,
seguido dos investimentos em feiras anuais e projetos de associações de classe,
com volumes de investimentos muito similares.
Gráfico 7 – Investimento em patrocínio na América do Norte por setor
A grande disparidade percebida no volume de recursos aplicados nos
esportes em relação aos demais setores também é reflexo desenvolvimento
contínuo das práticas de marketing esportivo adotadas pelas corporações, atentas
para a vasta gama de oportunidades de interação junto ao público consumidor que o
esporte-espetáculo oferece.
No patrocínio esportivo, a empresa objetiva potencializar a sua marca. As maiores motivações para o investimento no esporte são o seu forte apelo junto à mídia, o vasto mercado constituído pelos torcedores, praticantes e admiradores das diversas modalidades esportivas e a sua segmentação (MELO NETO, 2000, p. 25).
O que observamos agora é que, principalmente nos Estados Unidos, o foco
das estratégias de patrocínio adotadas pelas corporações deixa de estar
67
concentrado na visibilidade possibilitada pela exposição midiática e dá lugar ao
potencial de negócios agregado pela familiaridade de suas marcas. Os
investimentos nos esportes não se resumem mais à exposição de logomarcas nos
uniformes ou em publicidade nas arenas desportivas, mas sim, em diversas ações e
parcerias que convergem para o objetivo central de cercar e se fazer presente nas
experiências diárias dos consumidores. Um exemplo que demonstra bem este fato
está nas três principais ligas norte-americanas de esportes (NFL, NBA e NHL), cuja
receita com patrocínios chega a superar US$ 2,2 bilhões, mesmo sem a exposição
de logomarcas nos uniformes das equipes.
Há alguns anos, as entidades federativas do futebol, em especial a FIFA e a
UEFA, também já estabelecem parcerias com as corporações com foco no potencial
de negócios. Somente com a Copa do Mundo de 2014, a FIFA arrecadou US$ 1,4
bilhão através de 22 empresas, divididas em três níveis de parceria, os “Parceiros da
Fifa”, os “Patrocinadores da Copa do Mundo da FIFA” e os “Apoiadores Nacionais”.
Com esta política de comercialização de cotas de patrocínio estabelecida desde
2006, a FIFA oferece aos seus parceiros oportunidades de negócios e visibilidade
nacional, regional ou mundial.
Foto 1 – Parceiros, patrocinadores e apoiadores da FIFA em 2014.
Organizadora de outros dois dos principais eventos do futebol mundial, a
Europa Cup e Champions League, a UEFA também estabelece parcerias avançadas
com patrocinadores e apoiadores e é apontada por muitos especialistas como a
entidade esportiva que mais arrecada recursos de patrocínio, embora a UEFA não
divulgue o valor dos contratos assinados.
68
Estima-se que, somente com a Euro 2012, a UEFA tenha arrecadado mais de
US$ 1,6 bilhão, através de 16 patrocinadores. Em cifras proporcionais, os clubes do
futebol europeu também são referência na captação de receitas de patrocínio.
Basicamente, os contratos de patrocínio a clubes de futebol mais relevantes são
aqueles que oferecem como contrapartida a exposição da logomarca do
patrocinador na camisa do clube. Na maioria dos grandes clubes do futebol mundial,
dividem espaço na camisa a marca patrocinadora do kit esportivo (Nike, Adidas,
Puma, Joma, Kappa, Umbro, etc.) e outra marca de empresa ou entidade parceira,
dos mais diversos ramos de atuação.
O quadro abaixo foi elaborado levando em consideração os seis clubes com os
maiores contratos de patrocínio vigentes na Europa, dos quais três seriam da
Inglaterra, dois da Espanha e um da Alemanha. Parte da disparidade entre os valores
apresentados se deve ao fato de que os dois líderes do ranking já renegociaram o
valor de seus contratos em 2015. Em geral, os contratos de patrocínio para
fornecedores de materiais esportivos na Europa têm vigência de dez anos. Em média,
contratos com patrocinadores máster têm vigência entre quatro a cinco anos.
Tabela 1 – Investimento em patrocínio na América do Norte por setor
Os recursos investidos na estratégia de patrocínios ao futebol também têm
grande representatividade na América Latina. A IEG estima que, somente na região,
tenham sido investidos cerca de US$ 1,1 bilhão em 2014, registrando um
69
crescimento de 11% em relação ao ano anterior. Parte deste incremento é também
justificada pela realização da Copa do Mundo no Brasil que atraiu muitas empresas
interessadas em aumentar sua participação no mercado ou globalizar suas marcas.
Em 2014, os líderes de investimento na estratégia de patrocínios na América Latina
foram a Coca-Cola, com 33%, a Anheuser-Busch Inbev, com 26%, a PepsiCo, com
18%, a Adidas, com 15%, e a Nike, com 13%.
No futebol brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol – CBF,
responsável pela comercialização das cotas de patrocínio à Seleção Brasileira de
Futebol, é a entidade que mais obtém receitas com patrocínios. Estima-se que a
CBF tenha recebido cerca de R$ 324,5 milhões em 2014, ano da Copa do Mundo no
país, de 14 empresas, dentre elas, Nike, Itaú, Vivo, Anheuser-Busch Inbev e Sadia.
O atual valor arrecadado pela CBF com contratos de patrocínio muito próximo do
dobro do que o contratado pela entidade há cinco anos. Segundo dados divulgados
pela consultoria BDO, a CBF arrecadou R$ 164,9 milhões com contratos de
patrocínio em 2009.
É importante registrar que a participação corporativa na Copa do Mundo de
2014 não se limitou apenas aos contratos de parcerias com as seleções nacionais.
Muitos jogadores possuem contratos de patrocínio firmados diretamente com as
empresas investidoras. Apenas na seleção brasileira, cerca de dez integrantes da
delegação, entre eles o técnico Luiz Felipe Scolari, representaram individualmente
35 diferentes marcas. Somente o jogador Neymar, camisa 10 da seleção e craque
do Barcelona, representou 14 empresas.
Mesmo com o aumento do investimento em patrocínios na América Latina, os
clubes de futebol locais ainda estão consolidando suas plataformas de marketing, o
que faz com que haja grande divergência no volume de recursos aplicados no
futebol latino-americano em relação ao futebol europeu. Apenas com os contratos de
fornecimento de material esportivo e de patrocínio máster, o Manchester United
chega a faturar mais de oito vezes do que o Flamengo, clube que mais arrecada
valores no Brasil, somando todos os seus patrocinadores.
O quadro a seguir tem o objetivo de elencar os clubes brasileiros que
apresentam as maiores receitas através de contratos de patrocínio. O valor total
considera a soma entre contratos com empresas fornecedoras de materiais
esportivos, patrocinadores máster e demais patrocinadores. É importante frisar que
70
muitos destes valores são estimados, principalmente aqueles referentes aos
menores contratos, uma vez que boa parte dos clubes e empresas patrocinadoras
não revela de maneira transparente o montante captado ou investido na estratégia
de patrocínios.
Tabela 2 – Clubes brasileiros que mais receberão com patrocínios em 2015
Diferentemente do que ocorre na Europa, no futebol brasileiro os contratos de
patrocínio dificilmente são duradouros. Na maioria dos casos, os contratos são
renegociados anualmente, com ocorrências de intervalos onde os acertos
contratuais não se desenvolvem e, assim, é recorrente que os clubes passem
períodos sem um patrocinador principal em seu uniforme. É o caso de São Paulo e
Santos, os dois clubes paulistas passaram boa parte da temporada de 2015 sem
patrocínio máster e, por este motivo, tiveram de explorar contratações pontuais para
partidas com maior audiência. Já o Flamengo teve de adequar seu planejamento
com a receita para alinhar-se à estratégia de investimento de seu patrocinador, a
Caixa Econômica Federal. O clube carioca tem parceria com o banco desde 2013 e
já chegou a receber do banco R$ 25 milhões, pelo período de um ano. Atualmente, o
71
contrato de patrocínio ao Flamengo é firmado no valor de R$ 16 milhões, com
duração de sete meses e expiração ao final da temporada 2015, período em que o
banco retomará suas negociações com todos os clubes a quem patrocina.
O grande destaque deste ranking está no volume de recursos arrecadados
pelo Palmeiras em 2015. Após um período de instabilidade política, o alviverde
paulista inaugurou um novo estádio e têm investido em uma reformulação do elenco,
tudo com o apoio da iniciativa privada. Atualmente o Palmeiras recebe R$ 23
milhões para estampar a logomarca da Crefisa em seu uniforme. Através de uma
parceria com a financeira e a Faculdade das Américas, ambas controladas pelo
casal de empresários Leila Pereira e José Roberto Lamacchia, o Palmeiras também
recebeu o aporte do jogador Lucas Barrios, em uma negociação próxima de R$ 20
milhões. O grupo ainda teria reformado academia de futebol do Palmeiras, com valor
estimado de R$ 8 milhões.
Na terceira posição encontra-se o Corinthians, clube que possui o maior
contrato de patrocínio máster vigente, também selado com a Caixa Econômica
Federal. O banco estatal patrocina três clubes entre os dez que mais arrecadam
com patrocínio máster no Brasil. A participação de empresas do segmento financeiro
na temporada de 2015 do Campeonato Brasileiro é expressiva. Além de Caixa e
Crefisa, o Banrisul é patrocinador oficial de Grêmio e Internacional, a maior
rivalidade do estado do Rio Grande do Sul. Completam a lista de maiores
patrocinadores entre as equipes da elite do campeonato as empresas Vitton 44,
proprietária da marca Guaravitta, e a multinacional das telecomunicações TIM.
3.3 A estratégia Caixa Econômica Federal em patroci nar clubes de futebol
A Caixa Econômica Federal é uma instituição financeira do Governo Federal
que completou 154 anos de existência em 12 de janeiro de 2015. Desde sua origem, o
banco marcou forte presença na sociedade brasileira. Ainda no século XIX, a
poupança da Caixa recebia depósitos de escravos que guardavam suas economias
para que, tempos depois, eles próprios pudessem comprar suas cartas de alforria. No
século XX, a Caixa tornou-se a referência nacional como o banco financiador da casa
própria. Hoje, além de manter uma posição consolidada no mercado de crédito
imobiliário e captação de recursos de poupança, a Caixa também é parceira
72
estratégica do Estado brasileiro na implantação de políticas públicas, tais como o
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, o Programa Minha Casa Minha
Vida, ou ainda, o pagamento dos benefícios sociais federais à população de baixa
renda. O banco brasileiro possui atualmente mais de 100 mil empregados e está
presente em todo o território nacional por meio de sua rede atendimento, com mais de
3,4 mil agências, 13,2 mil unidades lotéricas e 15,9 mil correspondentes bancários.
A palavra “CAIXA” é o elemento principal da logomarca que representa a
empresa, resultado de pesquisas que a indicavam como a forma popular pela qual a
instituição é conhecida pelo público. O design da marca visa a transmitir conceitos
de solidez e segurança. Segundo relatório elaborado pela Brand Finance em
parceria com a revista The Banker, a marca da Caixa ocupa a 50ª posição no
ranking mundial que elenca as mais valiosas do mundo no segmento bancário e
ocupa a quarta posição no mercado brasileiro. Dados da consultoria britânica
avaliam a marca em cerca de US$ 5,1 bilhões. Na ordem de classificação, o
Bradesco é o primeiro colocado entre os bancos da América Latina, na 15ª
colocação no ranking mundial, com valor de marca de US$ 12,4 bilhões. O Itaú
mantém o 23º lugar, com marca avaliada em US$ 9 bilhões, e o Banco do Brasil
sustenta a 41ª colocação, com sua marca avaliada em US$ 6,5 bilhões.
O marco histórico do início da relação entre o banco e os esportes ocorreu
em 1970, com a criação da Loteria Esportiva, que destinava 10% da arrecadação
total de cada concurso para o futebol brasileiro. Outro produto lotérico que relaciona
o banco federal aos esportes é a Timemania, criada pelo Governo Federal por meio
da Lei n 11.345/06. A loteria tem conscursos que relacionam apostas em números e
em times de futebol, chamados de Times do Coração. Do total arrecadado, 22% são
repassados aos clubes participantes e os valores são destinados à quitação de suas
dívidas com a Uniao.
Nas últimas décadas, o planejamento estratégico do banco passou a
contemplar outras ações de marketing esportivo, independentes da destinação de
recursos arrecadados através das Loterias. Diversas modalidades esportivas de
destaque no cenário nacional e internacional passaram a contar com o apoio da
Caixa, dentre elas, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), o Comitê
Paralímpico Brasileiro (CPB), a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), a
Confederação Brasileira de Lutas Associadas (CBLA) e a Confederação Brasileira
73
de Ciclismo (CBC). Juntas, as confederações receberão da Caixa cerca de R$ 273,2
milhões, distribuídos durante o quadiênio de 2013 a 2016, com desfecho na
realização das Olímpiadas de 2016, no Rio de Janeiro.
Gráfico 8 – Investimento da Caixa nas modalidades esportivas entre 2013 e 2016.
Além dos repasses ao CPB e às confederações, a Caixa também investe
anualmente cerca de R$ 50 milhões em corridas de rua e projetos sociais com foco
no atletismo, como o Circuito de Corridas da CAIXA, Circuito CAIXA de
Maratoninhas, Circuito das Estações Adidas, Circuito Qualidade CAIXA - Nordeste,
Track&Field Run Series, Maratona Internacional de São Paulo, Maratona
Internacional do Rio de Janeiro, Meia Maratona Internacional de São Paulo e Meia
Maratona Internacional de Brasília.
Somente no ano de 2014, a Caixa investiu cerca de R$ 236 milhões em ações
voltadas para o esporte. Estima-se que mais da metade deste montante tenha sido
destinada ao futebol brasileiro. Atualmente, o banco é o maior patrocinador da
modalidade no país, desconsiderando os aportes das empresas fornecedoras de
materiais esportivos. Além dos clubes com quem mantém parceria, a Caixa também já
realizou ações de patrocínio à Copa do Nordeste, o Campeonato Goiano, o
Campeonato Baiano, o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, o Torneio
Internacional de Futebol Feminino, à Copa Verde e à Série B do Campeonato Brasileiro.
74
A estratégia do banco de patrocinar a clubes de futebol foi elaborada como
suporte ao plano estratégico da empresa e teve início no segundo semestre de
2012, com o patrocínio a três clubes: Avaí, Atlético-PR e Figueirense. Com foco nos
resultados de visibilidade e ganho de imagem, a empresa expandiu sua estratégia,
assinando com o Corinthians um contrato de patrocínio no valor de R$ 30 milhões,
selado em 20 de novembro de 2012.
Foto 2 – Corinthians divulga patrocínio da Caixa em entrevista coletiva.
O patrocínio do banco federal ao clube paulista teve alta repercussão na
imprensa e gerou grande polêmica, chegando a ser, inclusive, suspenso por
determinação judicial. Em meio a diversas acusações de que o repasse de verbas
federais a clubes de futebol, altamente endividados com a União, era descabido e se
caracterizava como favorecimento político, a Caixa se defendeu alegando que todas
as contratações ocorriam dentro da legalidade e que visavam a ganhos
mercadológicos e institucionais, num segmento altamente explorado por sua
concorrência.
De fato, historicamente, os concorrentes diretos da Caixa investem
expressivamente nos esportes. O Itaú lidera as ações com a seleção brasileira e a
Copa do Mundo de Futebol da FIFA. O Bradesco é patrocinador oficial das
Olimpíadas 2016. O banco Santander também já realizou ações de patrocínio à
75
tradicional Copa Libertadores da América e ao atacante Neymar. O Banco do Brasil
investe fortemente no vôlei e outros esportes de bom posicionamento estratégico
como o tênis e o automobilismo.
Além de combater às ações da concorrência e disputar share of mind no
mercado bancário, a estratégia da Caixa busca também o rejuvenescimento de sua
marca, transmitindo ao público dinamismo e agilidade. O objetivo da estratégia era
centrado no retorno de investimento através da exposição de sua marca na mídia.
Naturalmente, o passo seguinte do banco foi a contratação de mais um gigante do
futebol brasileiro, o Flamengo. Em maio de 2013, o banco assinou contrato com o
clube carioca no valor de R$ 25 milhões. Assim, a Caixa teve sua marca exibida na
camisa dos dois clubes detentores das maiores torcidas do país e líderes de
audiência nas transmissões televisivas.
Mais do que a exposição de sua marca nos uniformes das equipes, os
contratos de patrocínio buscavam criar oportunidades de ativação com clientes,
prevendo a distribuição de camisas oficiais para ações de relacionamento, ingressos
e camarotes nas arenas, além da publicidade padronizada dos eventos esportivos,
como backdrops de entrevistas, placas nos campos de futebol. As parcerias também
serviriam como plataforma para criação de novos negócios a serem explorados pelo
banco, como a criação de cartões de crédito temáticos.
No total, a Caixa chegou a ser patrocinadora de 16 clubes brasileiros, a
saber: Corinthians (SP), Flamengo e Vasco da Gama (RJ), Atlético Paranaense,
Coritiba e Paraná (PR), Avaí, Figueirense e Chapecoense (SC), Vitória (BA), Sport
(PE), ASA de Arapiraca e CRB (AL), Atlético Goianiense (GO), América de Natal e
ABC (RN). De acordo com o relatório de administração publicado no site da
instituição, somente em 2013, ano auge da implantação da estratégia de patrocínios
ao futebol, o banco investiu cerca de R$ 110 milhões no futebol, distribuídos entre
clubes e campeonatos.
A presença marcante da Caixa no futebol brasileiro, associada ao mote da
Copa do Mundo de 2014 no Brasil, motivou o alinhamento de campanhas
publicitárias já existentes, como a premiada Poupançudos da Caixa, voltada para o
público infantil. Em 2014, o banco lançou a campanha Poupançudos Bons de Bola,
que apresentava os mascotes batizados pelo público vestindo a camisa de sete dos
clubes patrocinados pelo banco.
76
Foto 3 – Peça publicitária da Campanha Poupançudos Bons de Bola (2014).
No mesmo período, a Caixa veiculou outra campanha publicitária que obteve
grande repercussão. Baseada na história de um garoto que ganhava camisas dos
times patrocinados pelo banco e as juntava para compor um só uniforme, a
campanha tinha o objetivo de fortalecer o sentimento nacional e o apoio à seleção
brasileira na Copa do Mundo. Em 2015, sob o mesmo mote e nova roupagem, o
banco lançou a campanha Camisa da Paz, que incentiva a união das torcidas pela
paz no futebol.
Foto 4 – Peça publicitária da Campanha União das Torcidas (2015).
77
Do ponto de vista estratégico, ao associar sua marca a de grandes clubes do
futebol brasileiro, a Caixa não só se beneficia do alto grau de exposição na mídia
que as parcerias proporcionam, mas também do afeto e da proximidade que o
clubes possuem com um tipo de consumidor altamente fiel, apaixonado por suas
marcas, os torcedores.
Flamengo e Corinthians representam muito mais do que simples clubes de futebol. (...) Aquelas empresas que vinculam suas marcas a tais clubes ganham popularidade e maior penetração nos numerosos segmentos populares. Isto lhes garante maior poder de venda e maior divulgação junto à mídia, além de inserir em suas marcas um forte apelo popular. Em tais aspectos é que reside o valor das marcas Flamengo e Corinthians e de todos os demais clubes de futebol, em especial os clubes de massa (MELO NETO, 1995, p. 197).
A seguir, traçaremos uma contextualização sobre a história do Corinthians, a
representatividade de sua torcida e como tem ocorrido as relações de parceria com
seus patrocinadores. Em sequência, destacaremos alguns aspectos do patrocínio da
CAIXA ao clube, apresentando algumas das estratégias utilizadas pelo banco
federal para ganhar visibilidade e gerar negócios a partir da aproximação com a
maior torcida do estado de São Paulo e a segunda maior do Brasil. A escolha da
parceria entre a Caixa e o clube paulista, entre as diversas opções, se deve a
critérios de acessibilidade e representatividade.
3.4 O Corinthians na era das marcas
No dia 1º de setembro de 1910, à luz de um lampião na esquina das ruas
José Paulino e Cônego Martins, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, foi fundado
por um seleto grupo de operários o Sport Club Corinthians Paulista.
(...) cinco operários entusiasmados com as exibições dos ingleses do Corinthian Team no Brasil fundam o Sport Club Corinthians Paulista, um time que em seus primeiros dez anos de vida saltará da várzea para o futebol oficial, transformando-se definitivamente em um fenômeno social brasileiro (UNZELTE, 2009, p. 11).
Não demorou muito para que o Corinthians ganhasse popularidade nos
campeonatos de várzea e fosse convidado para integrar à Liga Paulista, fato ocorrido
em 1913. Um ano depois, o time viria a conquistar seu primeiro campeonato oficial.
Com os triunfos, o Corinthians ganhou popularidade. Emergente de uma localidade
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que concentrava grandes comunidades de imigrantes e parte da massa operária do
centro paulistano, o Corinthians se destacava da realidade elitista do futebol brasileiro
na época. As origens do clube validavam sua aceitação pelas camadas mais
humildes. E foi assim que o Corinthians se transformou no Time do Povo.
Fatos relevantes indicam que sua popularidade cresceu de maneira
exponencial, mesmo em períodos complicados, como entre os anos de 1954 e 1977,
época em que sua torcida sofreu com o maior jejum de títulos expressivos da
história do clube. Foi neste período que surgiu a principal torcida organizada e
uniformizada do Corinthians, a Gaviões da Fiel, fundada em 1969 por um grupo de
jovens apaixonados pelo clube e que tinham em comum a vontade de interferir na
política do clube. Embora não haja dados auditados sobre a dimensão atual dos
Gaviões da Fiel, estima-se que a organização possua cerca de 100 mil associados.
A popularidade do Corinthians neste período também pode ser expressa pelo
grande público que acompanhou o time nos estádios. Em 5 de dezembro de 1976,
durante as semifinais do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense, no Rio de
Janeiro, o Corinthians chegou a contar com cerca de 50 mil torcedores em pleno
Maracanã, episódio histórico que é conhecido como a Invasão Corintiana. No total,
mais 146 mil pagantes assistiram ao empate por 1 a 1 no tempo regulamentar e a
vitória alvinegra nos pênaltis.
Foto 5 – Invasão corintiana ao Maracanã em 1976 (Fonte: O Globo).
79
Em 1977, o clube conseguiu atrair mais de 138 mil pessoas para uma das
finais do Campeonato Paulista, quebrando o jejum de quase 23 anos sem vencer o
estadual. Décadas depois e mesmo com o rebaixamento do Corinthians para a Série
B do Campeonato Brasileiro, em 2007, o clube ainda sustentou boa média de
público nos estádios. Em 2012, ano da conquista do bicampeonato Mundial de
Clubes da FIFA, estima-se que cerca de 20 mil torcedores corintianos foram a
Yokohama, no Japão, para assistir a final disputada contra o Chelsea, da Inglaterra.
Aos seus 105 anos, o Corinthians sustenta a incrível marca de 27,3 milhões
de torcedores, segundo a Pesquisa Lance! IBOPE 2014, com a segunda maior
torcida do país e uma das maiores do mundo. Apesar de sua magnitude, o clube
paulista hoje enfrenta o desafio de equilibrar receitas e reduzir o endividamento,
mantendo-se competitivo no cenário nacional e internacional.
A captação de recursos através de contratos de patrocínios é, sem dúvida,
uma das principais fontes de receita do clube. Este tipo de receita começou a ser
explorada pelo clube em 1982, através de um acordo para estampar a marca
Bombril na camisa do clube, exclusivamente para a final do Campeonato Paulista
daquele ano, contra o São Paulo. Na época, somente era permitida a exibição da
marca do patrocinador na parte de trás do uniforme.
Foto 6 – Primeiro patrocinador na camisa do Corinthians (Fonte: Placar).
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A primeira marca a figurar na parte frontal da camisa do Corinthians foi a da
empresa Cofap, em 1983. No ano seguinte, foram patrocinadoras do alvinegro as
marcas Citizen, Bic e Corona. O patrocínio da Corona ao Corinthians foi marcante,
pois, para viabilizar a permanência do ídolo Sócrates na equipe, o clube paulista
teve de estampar em sua camisa a imagem de um chuveiro, principal produto da
patrocinadora.
Foto 7 – Corinthians estampa chuveiro Corona em sua camisa (Fonte: Placar).
Em 1985 surgiu a parceria mais duradoura da história do clube. A rede de
papelarias paulista Kalunga foi patrocinadora da equipe até 1994. Durante os nove
anos de patrocínio o clube conquistou o principal título de sua história até então, o
primeiro Campeonato Brasileiro, em 1990. Dentre os heróis do elenco corintiano
daquele ano, o jogador Neto, carinhosamente apelidado como o Xodó da Fiel, ficou
imortalizado na história do clube, vestindo a camisa do time que estampava a
logomarca da Kalunga. Embora alguns críticos apontem a estratégia da Kalunga
como um erro de marketing, por se tratar de uma empresa de atuação regional
patrocinando um clube com grande projeção nacional, ainda assim, a empresa
ganhou ficou altamente conhecida na cidade de São Paulo, principalmente entre a
massa de torcedores corintianos.
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Foto 8 – Elenco corintiano veste camisa com patrocínio da Kalunga (Fonte: Placar).
De 1995 a 1996, a equipe foi patrocinada pela marca de tintas Suvinil e, em
boa fase, conquistou sua primeira Copa do Brasil. Nos dois anos seguintes, o
Corinthians fechou acordo com o banco Excel Econômico, motivado pela euforia da
profissionalização da gestão do esporte da época. A contratação previa a exposição
da marca da empresa nos uniformes e a parceria na contratação de jogadores e
outros investimento. Com o fim do acordo em 1998 e mesmo com certa dificuldade
para negociar novas parcerias, o Corinthians chegou às finais do Campeonato
Brasileiro e consagrou-se campeão sobre a equipe do Cruzeiro, com a marca DDD
Embratel estampada em sua camisa de maneira pontual. Este foi o início de um dos
períodos mais vitoriosos da história do Corinthians.
Em 1999, o clube repetiu o feito do ano anterior e conquistou novamente o
título do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, o Corinthians consagrou-se como
o primeiro time campeão do Mundial de Clubes da FIFA, realizado no Rio de
Janeiro. Nestas duas últimas temporadas o alvinegro contou com o patrocínio da
empresa brasileira de laticínios Batavo. Logo após a conquista do mundial, o clube
anunciou sua nova patrocinadora, a Pepsi. A parceria com a multinacional durou até
2004. Neste período o título mais expressivo conquistado pelo clube foi a sua
segunda Copa do Brasil, em 2002.
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Outra multinacional substituiu a Pepsi em 2005. Com a marca da sul-coreana
Samsung em sua camisa, o Corinthians conquistou o tetracampeonato brasileiro no
primeiro ano de parceria. Com a queda do time para a segunda divisão da
competição, em 2007, os valores das negociações foram afetados e o clube paulista
passou a ser patrocinado pela empresa Medial Saúde. Sem dúvida, a determinação
do clube para voltar para a divisão de elite do campeonato e o apoio recebido de sua
torcida geraram grande ganho de imagem à empresa patrocinadora, principalmente
com a conquista do título da Série B do Campeonato Brasileiro.
Em 2009, além do retorno triunfante para série A, o Corinthians anunciou
também a contratação de um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro,
Ronaldo. A chegada do ídolo nacional ao Brasil atraiu diversos investimentos em
parcerias. Além de grande jogador, Ronaldo também era um reforço importante para
o time no campo dos negócios. Com a expectativa de elevar a receita do Corinthians
em 30%, com cerca de R$ 30 milhões em patrocínios, a estratégia corintiana
consistia em repassar ao jogador 30% dos valores obtidos com patrocínio no peito e
nas mangas da camisa alvinegra, e 80% dos valores obtidos com patrocínio no
calção e no meião corintiano, além do salário fixo de R$ 400 mil. Empresas como
Ford, Vivo, Locaweb, Batavo, Panamericano e, principalmente, a Hypermarcas
foram os parceiros do Corinthians nesta época. A principal conquista corintiana com
Ronaldo no elenco foi o memorável tricampeonato da Copa do Brasil, em 2009.
Foto 9 – Ronaldo jogando pelo Corinthians (Fonte: Lancenet).
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Classificado para a Copa Libertadores da América do ano seguinte, o clube
lançou uma edição especial de sua camisa que levava a logomarca da Neo Química
Genéricos e Bozzano, empresas do grupo Hypermarcas. Mesmo com a
aposentadoria de Ronaldo, anunciada no início de 2011, o Corinthians conquistou o
pentacampeonato brasileiro naquele ano e o patrocínio da Neo Química se estendeu
até meados de 2012, durante a fase de grupos da Copa Libertadores da América.
Com o fim do contrato de patrocínio máster, o clube negociou parcerias pontuais
para a fase eliminatória do campeonato e acertou com Bozzano, Fisk, Marabraz,
Jontex, Magazine Luiza, Bombril e Iveco.
Com a conquista da tão sonhada Copa Libertadores da América, em 2012, de
maneira invicta e incontestável sobre o Boca Juniors, da Argentina, o Corinthians
ganhou seu passaporte para o grande desafio da Copa do Mundo de Clubes da
FIFA, que aconteceria em dezembro daquele ano, no Japão. A imprensa nacional
destacava a qualidade do elenco corintiano e a torcida estava eufórica. Poucos dias
antes da viagem ao Oriente, o Corinthians e a Caixa Econômica Federal anunciaram
o acordo de patrocínio até o fim do ano, no valor de R$ 1 milhão. O clube foi um dos
primeiros a receber o patrocínio do banco e, pouco menos de um mês após a
contratação, o alvinegro conquistaria, pela segunda vez, o título mundial.
Foto 10 – Corinthians é bicampeão mundial em 2012 (Fonte: Placar).
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3.5 O patrocínio da Caixa ao Corinthians
Na visão de Aaker (2000, p. 55), “para ser eficaz, uma identidade de marca
precisa ressoar com clientes, diferenciar a marca de seus concorrentes e
representar aquilo que a organização pode fazer, e fará, ao longo do tempo. De
acordo com Semprini (2006, p. 124), o público reconhece a identidade de uma
empresa pelo fato destas transmitirem “de forma rápida, condensada e simplificada
a grande variedade de significados e nuances das manifestações da marca”.
Apesar de ser uma forma abstrata e instável, a marca pode e deve ser também algo simples e facilmente reconhecível. Esta simplicidade é, sem dúvida, um imperativo para a marca quando ela se relaciona com o seu público e com a concorrência. Para os clientes, uma marca é simples e clara, o projeto e as promessas que ela propõe são imediatamente decodificados e entendidos e as manifestações que ela gera são facilmente reconhecidas e conferidas. Em resumo, uma marca de sucesso é uma marca que soube administrar a complexidade para atingir uma simplicidade de segundo nível, uma essencialidade que é uma espécie de destilado puro da complexidade que a alimenta. Podemos chamar esta versão condensada e “purificada” da marca de sua identidade (SEMPRINI, 2006, p. 123).
Além da necessidade de oferecer produtos e serviços vantajosos em um
mercado altamente competitivo, as grandes empresas do segmento bancário
brasileiro também disputam entre si pelo melhor posicionamento de suas marcas na
mente dos consumidores. Dentre as diversas estratégias de promoção disponíveis,
estas empresas utilizam-se fortemente da estratégia de patrocínio nas suas mais
variadas possibilidades, seja no apoio à cultura, ao social ou aos esportes. Este tipo
de investimento é altamente eficaz para a construção de uma identidade sólida,
formada por valores intangíveis.
É este valor intangível o foco principal das ações de patrocínio. As empresas patrocinadoras buscam preservar, aumentar e consolidar o conjunto de valores e atributos, que dão intangibilidade à sua marca e dela fazem o principal diferencial em relação aos seus concorrentes. O consumidor é cada vez mais influenciado pelos valores intangíveis da marca do que pelos atributos tangíveis do produto ou do serviço (MELO NETO, 2000, p. 30).
É importante destacar que não se pode mais considerar o patrocínio
corporativo como uma ferramenta unicamente centrada nos ganhos de visibilidade,
ou seja, no seu aspecto promocional. Cada vez mais, as empresas têm se utilizado
85
desta estratégia como base para a construção de plataformas que integram
publicidade e relações públicas para gerar negócios. É comum, especialmente entre
empresas norte-americanas, que o investimento em ações de patrocínio seja
acompanhado de aportes em publicidade e relações públicas, em proporções iguais
ou até quatro vezes superiores.
O patrocínio da Caixa ao Corinthians nos últimos anos traduz muito bem esta
tendência. Como vimos anteriormente, a estratégia da Caixa de patrocinar diversos
clubes brasileiros alinha-se ao objetivo de posicionar sua marca entre as principais
do país no segmento bancário. Ao investir nos esportes, a empresa busca transmitir
valores intangíveis que constroem a identidade de sua marca, como jovialidade,
dinamismo, agilidade, competitividade, patriotismo, poder, engajamento
sociocultural, entre outros. O primeiro jogo do Corinthians com o patrocínio da Caixa
estampado em sua camisa ocorreu em São Paulo, num empate por 1 a 1 no clássico
contra o Santos pela 37ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2012. O primeiro gol
da história da parceria foi marcado de cabeça pelo zagueiro Wallace. Este foi o
primeiro contato da torcida com a empresa patrocinadora, após o anúncio da
contratação dias antes.
Foto 11 – Primeiro gol do Corinthians com patrocínio da Caixa (Fonte: Portal IG).
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Na semana seguinte, o Corinthians enfrentaria o São Paulo pela última
rodada do campeonato e em sequência viajaria para o Japão para disputar o
Mundial de Clubes da FIFA. Aproveitando a euforia do momento e o grande apoio da
torcida, o departamento de marketing do clube preparou dois vídeos motivacionais
para a equipe que disputaria o campeonato histórico. Ambos reuniam depoimentos
de familiares dos jogadores e torcedores apaixonados, intercalados com imagens
dos jogadores no ambiente de treinos, devidamente uniformizados. Os vídeos
tiveram grande repercussão na internet e a marca da Caixa foi ganhando mais
familiaridade entre os torcedores. A conquista do Mundial foi destaque na capa de
dos principais periódicos e portais esportivos de todo mundo, a maioria deles
apresentava a imagem do atacante Guerrero comemorando o gol do título ou a do
capitão Alessandro levantando a taça de campeão. A logomarca do patrocinador
teve altíssima visibilidade.
Foto 12 – Capas da Revista Placar e do Jornal Lance! destacam título mundial.
Aproveitando-se do bom momento do clube e da oportunidade de consagrar-
se como a principal patrocinadora do time em um das conquistas mais importantes
de sua história, a Caixa veiculou um anúncio publicitário em diversos jornais do país.
Sob o título “Orgulho estampado no peito”, a peça trazia ainda o seguinte texto:
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“Parabéns Corinthians, pelo bicampeonato mundial de clubes. Uma homenagem da
Caixa, patrocinadora oficial do Corinthians, com muito orgulho”.
Foto 13 – Anúncio da Caixa parabeniza Corinthians por conquista de título.
Além do anúncio impresso que parabenizava o clube, o banco também
viabilizou a produção de um filme publicitário que retratava a alegria da torcida com
a conquista do mundial. Com o tema “O mundo é preto e branco”, o anúncio criado
pela agência Nova/sb relacionava a Caixa como o banco da torcida corintiana e foi
veiculado em diversos canais televisivos. O filme trazia a seguinte narração:
Um astronauta disse que a Terra era azul, não é mais. Agora ela é preta e branca. O mundo é preto e branco. Esse mundo que dizem que vai acabar. Pode acabar! O juiz já apitou o fim do jogo. E ao mesmo tempo, o começo da festa. Olha só a alegria do povo desse mundo. Esse povo tem um time. Esse povo tem um banco. Parabéns pelo bicampeonato mundial. Caixa. Patrocinadora Oficial do Corinthians.
O primeiro passo da Caixa em direção ao potencial de novos negócios foi o
lançamento de um cartão especial para torcedores do Corinthians. Com a chamada
“Carregue o Timão no coração e no bolso também”, o cartão Caixa Mastercard
Epidemia Corinthiana era inspirado na campanha do clube para a conquista do
Mundial de Clubes e tinha tiragem limitada de 10 mil unidades. Além de funcionar
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como uma espécie de identificação como torcedor do clube, o cartão oferecia
vantagens como descontos e promoções, programa de pontos e serviços de viagem.
Em março de 2013, o Corinthians publicou em seu canal do Youtube um
vídeo protagonizado pelo atacante chinês Zizao. Tratava-se de uma paródia de um
filme publicitário da Caixa, que apresentava um garoto aprendendo a ler através de
placas de sinalização dos pontos de atendimento do banco, ao passear pelas ruas
de carro com a família. Na versão corintiana, os jogadores passeavam pelo campo
com um carro apropriado e Zizao lia o nome dos patrocinadores e anunciantes. Ao
final do vídeo, o jogador Emerson exclamava “Gente, o Zizao tá lendo!”, substituindo
o nome do personagem original Dudu pelo do atacante. O vídeo teve alta
repercussão e já tem mais de 3,7 milhões de visualizações no canal.
Em julho do mesmo ano, o Corinthians lançou um terceiro uniforme para os
jogos da temporada. Ao invés do preto e do branco, a nova camisa se apresentava
na cor azul e foi inspirada num modelo utilizado pelo time quando este representou a
seleção brasileira contra o Arsenal, em Londres. A camisa azul contava com a
inscrição “És do Brasil o clube mais brasileiro: 16 de novembro de 1965”,
relembrando um trecho do hino do clube e a data do confronto. Apesar da
justificativa da homenagem e da proximidade da Copa do Mundo que seria realizada
no Brasil no ano seguinte, coincidência ou não, a nova camisa valorizava uma das
cores base de toda a identidade de marca da Caixa, maior patrocinadora do clube.
Foto 14 – Corinthians lança terceiro uniforme na cor azul (Fonte: Globo Esporte).
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É importante ressaltar que a estampa da logomarca na camisa do clube não é
a única fonte de ganho de visibilidade. De uma maneira geral, os clubes procuram
criar ferramentas para potencializar a exposição de seus patrocinadores, por
exemplo, espalhando placas publicitárias nos locais de treino, nos uniformes de
treino e roupas casuais utilizadas pelos atletas durante a participação em entrevistas
ou em programas esportivos da televisão, nos diversos ambientes de seu clube
esportivo e sede social, bem como, nos painéis que caracterizam o plano de fundo
das entrevistas coletivas. Além disso, as empresas patrocinadoras procuram
potencializar seus investimentos anunciando nos intervalos e durante a própria
transmissão televisa das partidas dos clubes que apoiam.
Foto 15 – Backdrop de marcas em entrevista coletiva (Fonte: Torcedores.com).
Como o patrocínio da Caixa ao clube paulista buscava benefícios além da
visibilidade, como a efetivação de negócios, o banco federal adotou diversas
estratégias para conquistar novos clientes. Meses após a contratação do patrocínio,
a Caixa direcionou ao Parque São Jorge, sede do Corinthians na zona leste de São
Paulo, o seu prestigiado Caminhão-Agência, uma agência bancária móvel. Pouco
tempo depois chegaram os caixas eletrônicos e, em seguida, veio a instalação
definitiva de um Posto de Atendimento Bancário, voltado para o público da região,
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funcionários e visitantes do próprio clube. Estas instalações davam suporte a uma
das contrapartidas ajustadas no contrato de patrocínio, a centralização dos negócios
bancários do Corinthians com a Caixa.
Foto 16 – Posto da Caixa instalado no Parque São Jorge (Arquivo pessoal).
O contrato de patrocínio da Caixa ao Corinthians também prevê a cessão de
camisas oficiais e ingressos para as partidas em que o Corinthians fosse o time
mandante de jogo. Com isso, a Caixa poderia premiar clientes e criar oportunidades
de novos negócios em um abiente extremamente favorável. Os clientes convidados
pelo banco teriam acesso ao setor especial de cadeiras numeradas, tanto no
Pacaembu quanto na nova Arena Corinthians, em Itaquera.
Outra parceria importante selada entre o Corinthians e a Caixa concentra-se
na adaptação do projeto República Popular do Corinthians, lançado oficialmente
pelo clube em 2010. Originalmente, o projeto inicial havia sido elaborado em
parceria com a Nike e consistia na criação de uma plataforma online de
relacionamento entre torcedores, sob o mote de que o time paulista possuía uma
nação de torcedores, maior do que a população de vários países.
Ao se cadastrar no programa, o torcedor receberia documentos fictícios como
certidão de nascimento, carteira de identidade, placa de maternidade, passaporte e
moeda. Os cidadãos poderiam inclusive eleger governadores e o presidente da
91
República Popular. Em 2014, houve uma completa reformulação do projeto, que
passou a funcionar de maneira mais integrada com outro programa do clube, o Fiel
Torcedor, que viabiliza a venda de ingressos aos mais de cem mil torcedores
cadastrados.
Na atual República Popular do Corinthians, os torcedores optam por um plano
de pagamento entre quatro opções disponíveis e recebem um cartão pré-pago ou de
crédito, emitido pela Caixa. Ao utilizar os Cartões Caixa Corinthians, os torcedores
acumulam pontos, os chamados corinthios, que podem ser trocados por prêmios
exclusivos no portal da República Popular.
Foto 17 – Anúncio promocional no site República Popular do Corinthians.
Também é parte do portfólio de produtos resultantes da parceria um título de
capitalização, denominado CaixaCap Corinthians. Através do pagamento de
parcelas de trinta reais ou mais, os torcedores concorrem a prêmios mensais de R$
300 mil e de um sorteio de R$ 750 mil no último mês de vigência do título. O título
tem contratação exclusiva pelo site da República Popular do Corinthians e o
comprador ainda ganha 3,7 mil corinthios para trocar por prêmios no portal.
Finalmente, é importante destacar que existem diversas ações que não
integram o rol de contrapartidas estabelecidas no contrato de patrocínio, mas que,
de alguma forma, acabam beneficiando a empresa patrocinadora. Ações de
iniciativa própria do clube, mesmo que pareçam despropositadas de favorecimento,
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podem gerar oportunidades de ganho de imagem às marcas parceiras. É o caso, por
exemplo, do novo terceiro uniforme lançado pelo clube na comemoração de seu
aniversário, em 2015. Inspirado nos campos de terra em que jogavam as categorias
de base do Corinthians, o “Terrão”, a nova camisa se apresenta na cor laranja. O
fato repete mais uma vez o uso de uma das cores pela qual a patrocinadora Caixa é
reconhecida.
Foto 18 – Corinthians lança terceiro uniforme na cor laranja (Foto: Divulgação Nike).
Além de vestirem as equipes oficiais e de serem comercializados como
artigos esportivos para torcedores, os uniformes dos grandes clubes de futebol
também têm a sua imagem licenciada para utilização em outras mídias ou
plataformas de interação como jogos de vídeo game, celulares, tablets, sites da
internet, etc. Na maioria dos casos, a marca dos patrocinadores também é
beneficiada com estes acordos de licenciamento licenciamento. É o caso por
exemplo do jogo PES 2016, desenvolvido para o console Xbox, da Microsoft, que
que também possibilita que o jogador escolha diversos clubes brasileiros, dentre
eles, o Corinthians. O jogo apresenta a equipe com jogadores e uniformes atuais,
como demonstra a figura a seguir.
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Foto 19 – Uniformes do Corinthians no jogo de vídeo game PES 2016.
Para aproximar o patrocinador de seu público alvo e aumentar o recall de sua
marca, o clube desenvolve estratégias que valorizem o apoio da empresa. Durante o
primeiro tempo do último jogo do Campeonato Brasileiro de 2015, ocasião em que o
Corinthians se consagrou hexacampeão, o elenco vestiu uma camisa que trazia a
palavra “Hexa”, em substituição à marca da Caixa, grafada na mesma tipografia e
como o elemento síntese, o “X”, pelos quais o banco também se identifica.
Foto 20 – Corinthians estampa Hexa em seu uniforme (Foto: Agência Corinthians).
94
4 Torcer e consumir na sociedade do espetáculo
4.1 Conexões entre consumo, bens culturais e mídia
Karl Marx (1818 -1883) viveu no início da Era Industrial e foi o fundador da
doutrina comunista moderna. As teorias de Marx sobre a sociedade, a economia e a
política até hoje influenciam os estudos sobre os modos de consumo e os estilos de
vida na sociedade capitalista. Para ele, as mercadorias desempenham um papel
central para compreensão deste modelo econômico:
A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma “imensa coleção de mercadorias” e a mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação começa, portanto, com a análise da mercadoria. A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção (MARX, 1996, p. 165).
Marx descreve que deriva da existência das mercadorias uma propriedade
que ele denomina de fetichismo. Em sua análise, quando os produtos do trabalho
humano se transformam em mercadorias, ocorre uma negação da relação social do
trabalho e se considera apenas a relação material existente entre produtos.
Porém, a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos de trabalho, na qual ele se representa, não têm que ver absolutamente nada com sua natureza física e com as relações materiais que daí se originam. Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. (...) Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias (MARX, 1996, p. 198-199).
O que Marx indica é que a mercadoria omite a relação do produto com o
trabalho humano, tornando visível apenas a relação entre as coisas, como uma
abstração capaz de determinar inclusive o seu próprio valor. Embora o valor de uma
mercadoria seja determinado pelo tempo de trabalho socialmente empregado em
sua produção e pelo seu valor de uso, o fetichismo da mercadoria proporciona que a
95
variável financeira impere sobre o processo de troca, de maneira que ainda que os
consumidores tenham conhecimento sobre a proveniência das mercadorias, não
conseguem enxergar a relação social existente entre os indivíduos e seus trabalhos.
Assim, somente a análise dos preços das mercadorias levou à determinação da grandeza do valor, somente a expressão monetária comum das mercadorias levou à fixação de seu caráter de valor. É exatamente essa forma acabada — a forma dinheiro — do mundo das mercadorias que objetivamente vela, em vez de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, portanto, as relações sociais entre os produtores privados (MARX, 1996, p. 201).
Para Marx indica ainda que a produção não somente é responsável pela
criação do objeto para o consumo, mas também todo o processo de consumo da
mercadoria é determinado por ela. Segundo o autor, a produção é quem cria o
consumidor.
Mas não é somente o objeto que a produção cria para o consumo. Ela também dá ao consumo sua determinabilidade, seu caráter, seu fim. Assim como o consumo deu ao produto seu fim como produto, a produção dá o fim do consumo. Primeiro, o objeto não é um objeto em geral, mas um objeto determinado que deve ser consumido de um modo determinado, por sua vez mediado pela própria produção. Fome é fome, mas a fome que se sacia com carne cozida, comida com garfo e faca, é uma fome diversa da fome que devora carne crua com mão, unha e dente. Por essa razão, não é somente o objeto do consumo que é produzido pela produção, mas também o modo do consumo, não apenas objetiva, mas também subjetivamente. A produção cria, portanto, os consumidores (MARX, 2011, p. 65-66).
A obra de Marx também foi a principal fonte de inspiração para boa parte dos
pensadores da Escola de Frankfurt, dentre eles, Adorno e Horkheimer. Quando os
dois críticos alemães publicaram a primeira edição de Dialética do Esclarecimento, na
década de 1940, já se fazia presente o discurso de que as empresas criam produtos
para satisfazer às necessidades de seus clientes, e estes, por sua vez, é que eram os
senhores da sociedade de consumo. Adorno e Horkheimer também indicavam que a
publicidade se constituiria como o principal instrumento de disseminação ideológica da
sociedade capitalista, sugerindo que através dela prevaleceria a abordagem
econômica da ideologia dominante. O conceito de indústria cultural descreve um
fenômeno social que acompanha o desenvolvimento da lógica capitalista e sua
atualidade pode ser justificada na observação do direcionamento crescente das
comunicações e da cultura para o âmbito mercadológico.
96
Na sociedade concorrencial a publicidade tinha por função orientar o comprador pelo mercado, ela facilitava a escolha e possibilitava ao fornecedor desconhecido e mais produtivo colocar sua mercadoria. Não apenas não custava tempo de trabalho, mas também economizava-o. Hoje, quando o mercado livre vai acabando, os donos dos sistema se entrincheiram nela. Ela consolida os grilhões que encadeiam os consumidores às grandes corporações. Só quem pode pagar continuamente as taxas exorbitantes cobradas pelas agências de publicidade, pelo rádio sobretudo, isto é, quem já faz parte do sistema ou é cooptado com base nas decisões do capital bancário e industrial, pode entrar como vendedor no pseudomercado. Os custos de publicidade, que acabam por retornar aos bolsos das corporações, poupam as dificuldades de eliminar pela concorrência os intrusos indesejáveis. Esses custos garantem que os detentores do poder de decisão ficarão entre si; aliás, como ocorre nas resoluções dos conselhos econômicos que controlam, no Estado totalitário, a criação e a gestão das empresas. A publicidade é hoje em dia um princípio negativo, um dispositivo de bloqueio: tudo aquilo que não traga seu sinete é economicamente suspeito (HORKHEIMER; ADORNO; 1985, p. 151-152).
Herbert Marcuse foi outro importante teórico da escola de Frankfurt que
desenvolveu estudos sobre o consumo de massa e a alienação, ainda mais
acelerados no pós-Segunda Guerra. A crítica de Marcuse baseia-se na
argumentação de que a grande velocidade de produção cria a necessidade de um
rápido escoamento do consumo, assim, é preciso que o homem se adeque à lógica
industrial. As necessidades humanas são manipuladas transformando-se de
necessidades sociais em falsas necessidades individuais.
As criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo a sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela (a sociedade) produziu (MARCUSE, 1968, p. 31).
Marcuse classifica o homem como um fruto de necessidades pré-
determinadas, destinado a consumir desenfreadamente, motivado pela ilusão de
liberdade e igualdade através do consumo. A alienação e a naturalização do
consumo na cultura de massa seriam as responsáveis por suprir a produção
capitalista com a criação de novos mercados e a formação de seus consumidores.
Ao revisitar as teorias propostas por estes autores, fica evidente que o
consumo é tomado como um momento determinado pelo processo de produção. A
indústria cultural submete todo o contexto social à lógica da mercadoria e à ideologia
dominante, utilizando-se da publicidade e da propaganda como ferramentas para a
97
construção de associações vinculadas aos elementos naturais da cultura original.
Entretanto, existem correntes acadêmicas que indicam que a teoria crítica do
consumo, isoladamente, não tenha condições de solucionar totalmente algumas das
indagações contemporâneas sobre o tema, como por exemplo, as crescentes
interatividades e complexidade das operações envolvidas no consumo das
mercadorias na modernidade.
Featherstone (1995, p. 31) argumenta que a cultura de consumo tem como
base a “expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma
vasta acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e
consumo”. Para o autor, as pessoas classificam umas às outras através dos bens de
consumo e “usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer
distinções sociais” (FEATHERSTONE, 1995, p. 31).
A oferta constante de novas mercadorias, objetos de desejo e da moda, ou a usurpação dos bens marcadores pelos grupos de baixo, produz um efeito de perseguição infinita, segundo o qual os de cima serão obrigados a investir em novos bens (de informação) a fim de restabelecer a distância social original (FEATHERSTONE, 1995, p. 38).
O destaque para a obra de Featherstone (1995) neste estudo se deve à sua
competência em relacionar a produção acadêmica de importantes pensadores
críticos da sociedade, como os críticos frankfurtianos aqui citados, sem limitar-se
apenas à perspectiva da manipulação ou ao seu oposto. Em suas palavras:
A preocupação com o estilo de vida, com a estilização da vida, sugere que as práticas de consumo, o planejamento, a compra e a exibição dos bens e experiências de consumo na vida cotidiana não podem ser compreendidos simplesmente mediante concepções de valor de troca e cálculo racional instrumental. As dimensões instrumental e expressiva não deveriam ser vistas como polaridades excludentes; antes, é possível imaginar que a cultura de consumo põe ambas em confronto numa balança (FEATHERSTONE, 1995, p. 123).
O autor sugere que, embora o componente da determinação esteja presente na
sociedade de consumo, ainda assim, o consumidor tem a oportunidade exercer um
papel ativo no processo de consumo, através do planejamento do seu estilo de vida, e
que este por sua vez é o agente de comunicação entre os indivíduos. Featherstone
resume o que então significaria uma “cultura de consumo”, a partir de duas
perspectivas:
98
Usar a expressão “cultura de consumo” significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea. Isso envolve um foco duplo: em primeiro lugar, na dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como “comunicadores”, não apenas como utilidades; em segundo lugar, na economia dos bens culturais; os princípios de mercado – oferta, demanda, acumulação de capital, competição e monopolização – que operam “dentro” da esfera dos estilos de vida, bens culturais e mercadorias (FEATHERSTONE, 1995, p. 120).
Esta abordagem também encontra convergências nos estudos do antropólogo
latino-americano Nestor G. Canclini, que argumenta que a experiência de consumo
também desempenha um caráter existencial de pertencimento, vinculado a uma
cultura coletiva, apontando para uma perspectiva de cidadania nas relações de
troca. Para Canclini (2010, p. 53), o consumo “é o conjunto de processos
socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”.
(...) os que estudam o consumo como lugar de diferenciação e distinção entre as classes e os grupos, tem chamado a atenção para os aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora. Existe uma lógica na construção dos signos de status e nas maneiras de comunicá-los. (...) nas sociedades contemporâneas, boa parte da racionalidade das relações sociais se constrói, mais do que na luta pelos meios de produção, da disputa pela apropriação dos meios de distinção simbólica. (...) O esforço das organizações em revestir de sentido as marcas pode ser infinito; entretanto, ele pode ser completamente em vão se os significados imbuídos à mercadoria não corresponderem à expectativa do consumidor tanto de uso quanto da diferenciação que aquele produto ou serviço pode trazer (CANCLINI, 2010, p. 56).
Trilhando um caminho de observação similar a este, Semprini (2006, p. 61)
indica que “alguns aspectos fundadores da cultura pós-moderna parecem
estabelecer um vínculo particularmente forte com as lógicas de consumo”. Segundo
ele, o consumo foi projetado para o centro das dinâmicas econômicas e sociais,
entretanto, “os verdadeiros motores do consumo estão fora e se localizam
precisamente na capacidade dos indivíduos de situarem seus próprios atos de
consumo em um projeto social que tenha sentido para eles” (SEMPRINI, 2006, p.
53). Em sua argumentação, o autor defende que o poder de decisão sobre o
consumo é desempenhado pelos indivíduos ao projetarem seus estilos de vida.
99
Lembremos, de qualquer maneira, que o universo do consumo, e principalmente as marcas que o habitam, representa um papel importante na produção de mundos possíveis e que os indivíduos podem, eventualmente, decidir se apropriar destes mundos. A partir de um esquema análogo ao de outros lugares de produção imaginária (a literatura, a arte, o cinema), o consumo e as marcas apropriam-se de territórios, desenvolvem temas, constroem relatos atraentes, dotados de sentido para os indivíduos (SEMPRINI, 2006, p. 69).
Também é preciso considerar que a mídia desempenha um papel de grande
importância social neste contexto, dada sua capacidade de disseminar crenças e
valores ajustados às práticas de consumo, através dos produtos culturais e da
publicidade.
Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome (...) Mas, nesse consumo, em sua trivialidade cotidiana, construímos nossos próprios significados, negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo. Sou o que compro, não mais o que eu faço ou, de fato, penso (SILVERSTONE, 2002, pp. 150-151).
Para Kellner (2001), a cultura da mídia e o consumo caminham
paralelamente. Segundo ele, “a cultura veiculada pela mídia fornece o material que
cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades
tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global”
(KELLNER, 2001, p. 9).
Em geral, não é um sistema de doutrinação ideológica rígida que induz à concordância com as sociedades capitalistas existentes, mas sim os prazeres propiciados pela mídia e pelo consumo (...) usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. (...) A cultura da mídia e do consumo atuam de mãos dadas no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajustados aos valores, às instituições, às crenças e às práticas vigentes (KELLNER, 2001, p.12).
A intenção de relacionar as teorias destes autores baseia-se em buscar
esclarecer a importância e complexidade da relação entre cultura e consumo na
sociedade capitalista e como esta integração tem agido como organizadora das
relações sociais. Observamos então que o futebol moderno, assim como boa parte
das modalidades existentes no campo dos esportes, ao deslocar-se no sentido da
profissionalização e da espetacularização, transformou sua essência lúdica em
mercadoria de entretenimento e seu público torcedor em consumidor.
100
De acordo com a Lei 10.671/03, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do
Torcedor, “torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer
entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada
modalidade esportiva”. É interessante que, do ponto de vista comercial, a mesma
definição pode ser aplicada ao que chamamos de consumidor de produtos
esportivos. Ao tratarmos o torcedor como consumidor, consideramos que este está
sujeito à alienação pelos produtos da cultura da mídia, mas que, embora possa ser
altamente influenciado pelo discurso dominante da mídia, ainda assim, tem certa
liberdade e autonomia para traçar suas preferências dentro de um sistema
previamente determinado.
Podemos tomar como exemplo disto o fato de que os brasileiros são
altamente influenciados pela mídia e pelo Estado para que gostem de futebol,
entretanto, há a possibilidade de existirem simpatizantes de outros esportes. Ainda
que haja uma implicação social, as pessoas podem simplesmente deixar de
acompanhar a agenda esportiva. É claro que o modo espetacular em que se
apresentam os produtos esportivos dificulta em muito este tipo de decisão, mas não
se pode deixar de considerar tal possibilidade.
4.2 A naturalização do consumo, as imagens e a espe tacularização do futebol
Para melhor compreendermos o contexto em que se inserem o alinhamento
do futebol à lógica comercial e a transformação do torcedor em consumidor,
destacaremos a importância da espetacularização e das imagens no sistema
capitalista.
Considerado um pós-marxista, o filósofo francês Jean Baudrillard também
direcionou grande parte de sua produção aos estudos sobre a sociedade de
consumo. Ainda que algumas de suas concepções caminhem em direção oposta ao
que pensavam os críticos da sociedade industrial, suas teorias são fundamentais
para o estudo do desenvolvimento do capitalismo ao longo do século XX. Baudrillard
(1995) diferencia-se destes autores principalmente por conceber que o capitalismo
agora não mais se preocupa com produção de mercadorias, mas sim, com a
produção de sistemas de signos e imagens.
101
Tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objetos deixam totalmente de estar em conexão com qualquer função ou necessidade definida, precisamente porque respondem a outra coisa diferente, seja ela a lógica social, seja a lógica do desejo, as quais servem de campo móvel e inconsciente de significação (BAUDRILLARD, 1995, p. 11).
Para o autor, a alienação social se dá pela naturalização do consumo, que
domina o homem através do viés do bem-estar e do conforto ao consumir, “não é a
lógica da satisfação (a que prevalece), mas a lógica da produção e da manipulação
dos significantes sociais” (BAUDRILLARD, 1995, p. 59). O consumismo atribui ao
homem liberdade de escolha, sem que este perceba que há um “condicionamento
de diferenciação e de obediência a um código” (BAUDRILLARD, 1995, p. 60).
É o seguinte o princípio da análise: nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal, quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior (BAUDRILLARD, 1995, p. 60).
Neste processo de diferenciação social, o consumo pode ser compreendido
também como um processo de comunicação, que se determina por um código e por
uma linguagem da mercadoria, em outras palavras, “uma lógica do consumo, que
aponta para os modos socialmente estruturados de usar bens para demarcar
relações sociais” (FEATHERSTONE, 1995, p. 35). Baudrillard foi um dos pioneiros a
destacar o universo simbólico do consumo e o papel dos produtos como
estruturantes de signos sociais. Segundo Featherstone (1995, p. 33), a maior
contribuição de sua teoria “é apoiar-se na semiologia para argumentar que o
consumo supõe a manipulação ativa de signos”.
A relevância das imagens no contexto social moderno também foi debatida
por diversos outros autores do eixo crítico da sociedade. Em sua obra Crítica da
Estética da Mercadoria, publicada em 1971, o filósofo alemão Wolfgang F. Haug
destacou a publicidade, as marcas e as embalagens, como fatores determinantes
para o desenvolvimento do capitalismo no século XX. Haug indica que “um meio para
se obter uma posição quase monopolista é compor uma mercadoria como artigo de
marca. Para isso, empregam-se todos os meios estéticos possíveis” (HAUG, 1997, p.
37). A partir da manipulação das formas de comunicação envolvidas na apresentação
das mercadorias, ou seja, os meios estéticos, visuais e linguísticos, as marcas
102
passaram a expressar-se através dos sentidos da experiência humana e, em muitos
casos, ocuparam o lugar desta experiência:
Existem espécies de mercadorias para as quais as pessoas não dispõem mais do conceito de valor de uso nas atuais sociedades capitalistas. Em seu lugar surgiu a marca protegida por lei, e, quando muito, no manual de instruções ou na descrição da composição – que aliás só são fornecidos quando a lei obriga – persiste ainda uma sombra do significado do conceito de valor de uso desaparecido. Essa é a razão essencial para a diminuição radical do conhecimento prático que a população possui sobre as mercadorias nas sociedades capitalista-monopolista (HAUG, 1997, p. 37).
A concorrência entre as corporações passa a ser disputada no plano das
imagens. “Agora, uma imagem concorre com outra imagem – com investimentos que
chegam a bilhões” (HAUG, 1997, p. 43). Para o autor, este deslocamento
desempenhou um papel histórico e decisivo para a sociedade capitalista moderna:
A inovação estética como portadora da função de reavivar a procura torna-se uma instância de poder e de consequências antropológicas, isto é, ela modifica continuamente a espécie humana em sua organização sensível: em sua organização concreta e em sua vida material, como também no tocante à percepção, à estruturação e à satisfação das necessidades (HAUG, 1997, p. 57).
Um outro importante autor a debater o tema foi o escritor e militante político
francês Guy Debord que, em 1967, definiu o conceito de “sociedade do espetáculo”
como um conjunto de relações sociais mediadas pelas imagens. De acordo com o
autor, é impossível a separação entre essas relações sociais e as relações de
produção e consumo de mercadorias:
Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada. É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. É afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha (DEBORD, 1997, p. 14-15).
Embora o espetáculo não seja uma exclusividade deste modelo econômico, é
no capitalismo que ele se desenvolve como organizador de uma sociedade, dada a
relação direta que o sistema estabeleceu, ao longo de seu curso, entre produção,
espetacularização e consumo de mercadorias. A noção de fetichismo elaborada por
103
Marx, e debatida por Haug como renovação estética, também é abordada por
Debord, a partir da espetacularização através das imagens. Debord (1997, p. 25)
afirma que “o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna
imagem”. O fetichismo da mercadoria se realiza na sociedade do espetáculo a partir
da valorização da imagem:
O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas supra-sensíveis embora sensíveis”, se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se fez reconhecer como o sensível por excelência (DEBORD,1997, p. 28).
Não é preciso grande esforço para observar que boa parte da vida social
contemporânea, senão toda, foi engolida pelas imagens. Segundo Debord (1997, p.
30), “o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida
social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver
nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo”. O poder do espetáculo está
presente na política, na religião e nas próprias relações humanas:
As imagens que se destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum, no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral como um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação (...) O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens (DEBORD, 1997, p. 13-14).
Duas décadas após o movimento político francês de maio de 68, que
pretendia revolucionar a sociedade capitalista a partir da sensibilização de
estudantes e operários para a retomada do controle de suas vidas, Debord apontou
que a sociedade do espetáculo havia ganhado força. O capitalismo superou
fronteiras e as corporações passaram a intermediar ainda mais as relações sociais
através da imagem e do espetáculo.
O capitalismo contemporâneo é e não é o mesmo da época de Marx, a sociedade conservou-se como uma sociedade capitalista , mas foi transformada pela mudança no processo de produção e consumo de imagens. O acúmulo de capital desdobrou-se lógica e historicamente no acúmulo de imagens (espetáculos) (COELHO, 2014, p. 37).
O processo entrevisto por Debord, na França, e por Haug, na Alemanha,
também foi observado no Brasil, pelo filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser (1920 –
104
1991), que dedicou boa parte de seus escritos filosóficos ao estudo da imagem e da
tecnologia. Em um artigo publicado em 1972 pela Revista Comentário, Vilém Flusser
discorre sobre a contradição implícita na expressão “sociedade de consumo”. Flusser
(1972, p. 35) argumenta que “desde o paleolítico até a Segunda Guerra Mundial, os
bens produzidos nunca conseguiram suprir a avidez da demanda, e eram, portanto,
consumidos praticamente todos”. A capacidade humana de consumir era infinitamente
maior do que a de produzir bens e isso levou a um modelo cultural que, segundo
Flusser (1972, p. 36), “devora a natureza (produzindo bens), excreta a natureza
(consumindo bens), e que cresce apesar da natureza (poupando)”. No entanto,
argumentação de Flusser atesta que este modelo cultural já não seria mais aplicável
no contexto pós-Guerra. Para ele:
(...) a geração atual não é mais capaz de consumir uma parte considerável dos produtos (materiais e ideais), que sobre ela se precipitam. Este segundo fato representa o verdadeiro problema do consumo, de modo que uma expressão mais adequada à captação da situação seria: sociedade impotente para o consumo (FLUSSER, 1972, p. 35).
Publicada no Brasil em 2007, a obra O mundo Codificado, reúne diversos
ensaios escritos por Vilém Flusser a partir de 1973, um ano após sua transferência do
país para a Europa, e que tratam sobre a comunicação e o design, relacionando as
novas tecnologias da época e a produção das imagens técnicas, aquelas produzidas
através do emprego da tecnologia. Para compreender a maneira como Flusser
concebe os impactos das imagens técnicas na sociedade é preciso, antes, considerar
sua reflexão sobre o que é a comunicação humana.
A comunicação humana é um processo artificial. Baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos. (...) O caráter artificial da comunicação humana (o fato de que o homem se comunica com outros homens por meio de artifícios) nem sempre é totalmente consciente. Após aprendermos um código, tendemos a esquecer a sua artificialidade: depois que se aprende o código dos gestos, pode-se esquecer que o anuir com a cabeça significa apenas aquele “sim” que se serve desse código. Os códigos (e os símbolos que os constituem) tornam-se uma espécie de segunda natureza, e o mundo codificado e cheio de significados em que vivemos (o mundo dos fenômenos significativos, tais como o anuir com a cabeça, a sinalização de trânsito e os móveis) nos faz esquecer o mundo da “primeira natureza”. E esse é, em ultima análise, o objetivo do mundo codificado que nos circunda: que esqueçamos que ele consiste num tecido artificial que esconde uma natureza sem significado, sem
105
sentido, por ele representada. O objetivo da comunicação humana é nos fazer esquecer desse contexto insignificante em que nos encontramos - completamente sozinhos e “incomunicáveis” -, ou seja, é nos fazer esquecer desse mundo em que ocupamos uma cela solitária e em que somos condenados à morte – o mundo da “natureza” (FLUSSER, 2007, p. 89-90).
Com uma influência direta da semiótica, Flusser (2007, p. 113) classifica os
símbolos como “coisas que têm sido convencionalmente designadas como
representativas de outras” e “as coisas que os símbolos representam são o seu
significado”. Dando sequência a seu raciocínio, um código seria um sistema de símbolos,
cujo objetivo seria possibilitar a comunicação entre os homens (FLUSSER, 2007, p. 131).
Como os símbolos que substituem (“significam”) outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mutuamente por meio dos códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O homem é um animal “alienado” (verfremdet), e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em códigos, caso queira transpor o abismo que há entre ele e o “mundo”. Ele precisa “mediar” (vermitteln), precisa dar um sentido ao “mundo”. (FLUSSER, 2007, p. 131).
A partir desta reflexão sobre o que é comunicação é que o autor passa a
questionar sobre como os vários símbolos do universo ficcional se relacionam com
seus significados e, consequentemente, sobre o papel das imagens e dos meios. Para
Flusser (2007, p. 152), “uma imagem é, entre outras coisas, uma mensagem: ela tem
um emissor e procura por um receptor”. A crítica de Flusser sobre a artificialidade
imagética no contexto da modernidade é conduzida no sentido de que, ao possuir
condições tecnológicas de reprodutibilidade em qualidade, escala e velocidade
infinitamente superior, as imagens técnicas adquirem a capacidade de privar o homem
da vivência real do mundo e assim, submetê-lo a uma condição de alienação.
Para a cultura de massa, o problema é que quanto mais tecnicamente perfeitas vão se tornando as imagens, tanto mais ricas elas ficam e melhor se deixam substituir pelos fatos que em sua origem deveriam representar. Em consequência, os fatos deixam de ser necessários, as imagens passam a sustentar por si mesmas e perdem o seu sentido original. As imagens não precisam mais se adequar à experiência imediata do mundo, e essa experiência é abandonada (FLUSSER, 2007, p. 116).
A alienação do homem em função das imagens somente se torna possível
graças ao desenvolvimento dos meios de comunicação e, em especial, da relação
106
entre os homens e os aparelhos que, segundo Flusser (2007, p. 40), “só podem
funcionar conjuntamente: o homem em função do aparelho, o aparelho em função do
homem”. Uma vez que o homem só pode querer aquilo que o as aparelhos são
capazes de fazer, torna-se um funcionário da tecnologia, cada vez mais ligado a ela,
dado que sua presença não se limita mais ao espaço produtivo inerente ao trabalho
nas fábricas, se estende também aos espaços privados das residências. Os aparelhos
levam cada vez mais imagens ao espaço privado, consumindo boa parte do tempo
livre das pessoas.
O funcionário pós-industrial (homem e mulher) e seus filhos deixam-se alcançar pelas imagens das telas eletrônicas. Como o assim chamado “tempo livre” (ou seja, o tempo aparentemente sem função) se torna cada vez mais amplo, então esse alcance adquire dimensões cada vez maiores e comprova ser efetivo em termos funcionais. O funcionário aparentemente fora de sua função (por exemplo, o executivo que se acomoda numa cadeira muito confortável e acaba se tornando um objeto) é programado pelas imagens para funcionar como produtor e consumidor de coisas e de opiniões de determinado tipo. E com isso as imagens são programadas de forma a reduzir ao mínimo toda a crítica por parte do receptor. Esse objetivo é alcançado por diversos métodos, como, por exemplo, a inflação de imagens, que impossibilita qualquer escolha, ou então a aceleração da sequência de imagens. Não é factível para o receptor interromper a transmissão simplesmente desligando o aparelho e passar, assim, da condição de objeto à condição de sujeito. Para isso ele teria que desistir de sua função e segregar-se socialmente (FLUSSER, 2007, p. 156-157).
Não se sabe ao certo se houve ou não o contato de Flusser com as obras de
Haug e Debord. Independente disso, o que podemos afirmar é que os três autores
observaram um mesmo objeto, com convergências e divergências nas análises. Assim
como Haug, Flusser também verificou o quanto a participação das imagens obteve
significativo aumento no cotidiano das pessoas, embora por um ângulo diferenciado.
Sua obra também apresenta apontamentos similares aos de Debord (1997, p. 33), os
quais indicavam que “o consumidor real torna-se um consumidor de ilusões”.
Observamos então que, no atual contexto, uma das tarefas do marketing
moderno transformou-se em captar os significados e valores simbólicos oriundos
da cultura popular e utilizar da comunicação para convertê-los em atributos das
mercadorias. Os novos produtos comercializados no mercado são carregados de
símbolos e significados culturais, transmitidos através das imagens. De acordo
com Semprini (2006, p. 46), para as marcas, recorrer à comunicação é uma
107
necessidade vital, “uma marca sem comunicação está condenada à
inexpressividade e ao anonimato”.
A comunicação permite a uma marca impôr-se, apresentar e valorizar seu posicionamento, suas linhas de produtos. Ela serve ainda para dirigir de forma precisa e pertinente a seu público-alvo, para tecer um vínculo emocional e de confiança. Em todos estes papéis, a comunicação não se encontra nunca no ponto de origem, ela é uma acompanhante, uma instância que intervém a posteriori, uma vez que a marca já se instalou, quando os produtos são lançados, quando a fantasia tradicional do marketing mix se expandiu. Em um contexto do tipo pós-moderno, ao contrário, a comunicação ocupa um papel muito mais importante e fundador. Seu papel não é só aquele de lubrificar o espaço social, mas de constituí-lo e permitir sua existência (SEMPRINI, 2006, p. 79).
Com o avanço das tecnologias de comunicação, a publicidade se configurou
como instrumento estratégico para a consolidação das marcas e das práticas de
consumo na sociedade moderna. Em sua obra O Imaterial, Gorz (2005) também
debate este tema:
A publicidade onipresente das grandes firmas exerce uma tomada total do espaço público, alimenta a imaginação com suas narrativas e suas criaturas fantásticas, forma o gosto e fornece normas estéticas. (...) O nome de marca, depois de se servir de obras célebres para se vestir ridiculamente do signo da excelência, assume-se em seguida como sendo ele mesmo o símbolo e o critério da excelência. E excelente tudo aquilo em que a marca afixa seu logotipo; este servirá para promover a venda de não importa o quê. É a mania que faz o valor do produto, não o inverso (GORZ, 2005, p. 51).
Para Hoff (2014, p. 265), a comunicação publicitária desempenhou um
importante papel na midiatização e na naturalização do consumo na sociedade
brasileira. De acordo com a autora:
No caso da publicidade, destacamos sua capilaridade discursiva, capaz de engendrar no tecido sociocultural brasileiro valores e práticas de consumo, construindo inicialmente - nas primeiras décadas do século XX - a familiaridade da população com as mercadorias e a dimensão afetivo-utilitária de marcas que acompanharam as transformações do Brasil de sociedade agrária à sociedade de consumo. É certo que o discurso publicitário não é o único dos discursos do consumo a auxiliar na promoção das culturas do consumo no Brasil, entretanto sua participação é bastante expressiva (HOFF, 2014, p. 267).
A inflação das identidades de marca, gerada pelo forte investimento das
corporações em publicidade, proporcionou condições para que estas pudessem
108
extrapolar os limites da cultura. Como já havia observado Debord (1997, p. 126), “a
cultura tornada integralmente mercadoria deve também se tornar a mercadoria
vedete da sociedade espetacular”. A construção estética da reputação das marcas
deriva da espetacularização, da naturalização do consumo e da commoditização dos
produtos culturais na sociedade capitalista.
A naturalização da indústria cultural é a naturalização da linguagem publicitária. (...) com a total transformação da cultura e dos processos comunicacionais em mercadorias, a cultura e a comunicação passaram a ser dominadas pela linguagem criada para a venda das mercadorias, a publicidade. Se as identidades sociais são construídas com base no consumo, com a segmentação das identidades acompanhando a segmentação dos produtos, é por intermédio da linguagem publicitária que se dá a construção de identidades (COELHO, 2014, p. 103).
Como pudemos verificar anteriormente, a história do futebol brasileiro tem
relação direta com a história do Brasil, refletindo os momentos político-econômicos
do país desde sua chegada. Ao estudar o futebol brasileiro encontramos reflexos
das diferenças sociais, do racismo, do militarismo, da redemocratização, da criação
de uma identidade nacional e da constituição de uma sociedade de consumo.
Segundo Pimenta (1997, p. 55), o futebol estabeleceu-se e adaptou-se ao
longo das transformações do sistema econômico, “criando à sua volta uma indústria
sólida que vai desde a difusão das ‘escolinhas’ (de futebol) – passando pela
incursão da mulher ao jogo de bola – até a venda de marcas, famosas ou não,
utilizando a imagem dos jogadores e dos clubes”. O processo de commoditização do
esporte desenvolveu-se severamente nas últimas décadas, com o surgimento de
novas práticas de marketing, como a estratégia de patrocínios.
As ações de marketing esportivo que visam a promoção de produtos e marcas,
como o patrocínio a times de futebol, aproveitam-se da natureza espetacular do esporte
e do ambiente da diversão e do entretenimento para conferir valor às identidades
corporativas. Para Melo Neto (2000, p. 78), “como a atividade esportiva se desenvolve
num clima de muita emoção, espontaneidade e alegria, o patrocinador deve tirar
proveito desses fatores para melhor posicionar-se diante do consumidor”. Este tipo de
estratégia empresarial se vale do fato de que “a emoção do espetáculo é transferida,
inconscientemente, para a mente do espectador e do torcedor. E o que fica é a
associação da marca e do produto com os ingredientes emocionais do esporte” (MELO
NETO, 1995, p. 29). De acordo com o autor:
109
O esporte é um produto que vende e ajuda a vender. Esta duplicidade de atributos o distingue de todos os demais produtos e lhe confere um inestimável valor de agregação de uma série de outros atributos às marcas que dele se utilizam para se promoverem. (...) Um esporte sem qualidade não atrai seu público, porque seu calendário de eventos é mal organizado, suas equipes e atletas não produzem bons espetáculos e, consequentemente, sua imagem é prejudicada. Com isso, cai a sua popularidade, o que o afasta da mídia, das empresas investidoras e do seu público. Neste caso, a tríade do sucesso do marketing esportivo - esporte como produto, investimento das empresas e apoio da mídia - não se realiza (MELO NETO, 1995, p. 92).
No princípio, o futebol atendia aos anseios populares por entretenimento e
distinção social. Com o advento da profissionalização, o futebol acompanhou a
evolução o capitalismo, transformando-se em espetáculo e integrando-se às
dinâmicas do consumo, principalmente após a década de 1970. Verificamos então
que a presença das marcas no futebol ocorre de maneira compactuada, ou seja, o
esporte se adequou à lógica capitalista e se preparou para transformar a experiência
esportiva em espetáculo, gerando rendimento para todos os agentes do campo
esportivo. No Brasil e em todo o mundo, os clubes de futebol tornaram-se empresas
cuja principal mercadoria é o entretenimento, fruto da espetacularização do jogo.
Brasões e marcas confundem-se num ambiente onde esporte e negócios parecem
ser uma só coisa.
4.3 A importância e os reflexos dos investimentos e m patrocínio no futebol
Segundo Batey (2010, p. 31), “uma marca é um agrupamento de
significados”. O conceito de marca está portanto diretamente relacionado à essência
de uma corporação, ao sentido de sua existência no mundo do ponto de vista dos
consumidores. Semprini (2006, p. 56) nos indica que a presença das marcas é uma
necessidade real na sociedade moderna, dada a grande complexidade da oferta e a
velocidade do lançamento de novos produtos e de novas tecnologias. Todavia, o
autor aponta para a existência de sinais de desgaste nesta relação social,
proporcionados pela invasão, assédio e onipresença das marcas, que vão além dos
espaços comerciais.
(...) a marca pós-moderna aparece então cada vez mais como uma entidade hibrida e complexa. Variável econômica bem concreta e já
110
inscrita nos balanços das empresas, realidade industrial associada a produtos bem concretos, ser semiótico permeado de comunicação, dispositivo de formalização e de valorização de sentido, a marca se torna hoje também um objeto sociológico em todo o lugar. Sua onipresença no espaço público, sua capacidade para marcar o simbólico e o imaginário coletivos, sua propensão para movimentar a opinião pública e chamar a atenção da mídia, suas funções de intermediário ou de bandeira coletiva deslocam a marca da única esfera do consumo e a projetam no próprio cerne dos comportamentos sociais, das lógicas de trocas, dos mecanismos de construção de identidade dos indivíduos e dos grupos (SEMPRINI, 2006, p. 322).
Acompanhando um movimento global de transformações sociais no pós-
Segunda Guerra, marcado pelo enfraquecimento do Estado como incentivador das
práticas culturais e uma grande retomada da influência corporativa, a estratégia de
patrocínio passou a ser incorporada pelas empresas, que buscavam aproveitar todas
as oportunidades disponíveis para que suas marcas se tornassem visíveis e
reconhecidas. Na visão de Klein (2002, p. 52), para que o valor das marcas se
tornasse tão ou mais importante do que as mercadorias que designavam, se fazia
necessária uma verdadeira invasão sobre a cultura:
(...) Em meados dos anos 90, empresas como a Nike, a Polo e a Tommy Hilfiger estavam prontas para levar a marca ao patamar seguinte: não mais simplesmente conferir sua marca a seus produtos, mas também à cultura externa - ao patrocinar eventos culturais, elas podiam sair pelo mundo e utilizar vários deles como postos avançados. Para essas empresas, o Branding não era apenas uma questão de agregar valor ao produto. Tratava-se de cobiçosamente infiltrar ideias e iconografia culturais que suas marcas podiam refletir ao projetar essas ideias e imagens na cultura como "extensões" de suas marcas. A cultura, em outras palavras, agregaria valor a suas marcas (KLEIN, 2002, p. 52-53).
As corporações utilizam-se do branding e a estratégia de patrocínios para que
seus produtos se integrem à cultura e sejam cultura, com seus conceitos, atitudes e
valores. Segundo Klein (2002, p. 54), o “projeto de transformação da cultura em
pouco menos que um conjunto de extensões de marca” foi tão bem-sucedido que os
limites entre os patrocinadores corporativos e a cultura patrocinada desapareceram
completamente. Entretanto, pode-se argumentar que devem existir caminhos para
uma atuação corporativa que fomente as manifestações culturais dependentes de
investimento, projetos valiosos que não sairiam do papel sem o apoio corporativo.
Nos relatos de Klein (2002, p. 62) surge uma indicação do que pode haver um
suposto equilíbrio na cultura mediada pelas marcas:
111
O Branding torna-se problemático - como em muitos casos que já discutimos - quando a balança pende drasticamente em favor da marca patrocinadora, despojando a cultura que a recebe de seu valor inerente e tratando-a como pouco mais que um instrumento de promoção. É possível, entretanto, que se desenvolva um relacionamento mais equilibrado - em que patrocinador e patrocinado conservem seu poder e em que limites claros sejam traçados e protegidos (KLEIN, 2002, p. 62).
Em Rifkin (2001, p. 10) também fica registrada a indicação de que encontrar
um equilíbrio entre as esferas cultural e econômica talvez seja um dos mais
importantes desafios para as próximas gerações:
(...) Os recursos culturais correm o risco de sofrer a exploração excessiva e a redução nas mãos do comércio, assim como ocorreu com os recursos naturais na Era Industrial. Encontrar um meio sustentável de preservar e incentivar a diversidade cultural que seja vital para a civilização em uma economia de rede global cada vez mais baseada no acesso pago a experiências culturais transformadas em commodities é uma das tarefas políticas fundamentais no novo século (RIFKIN, 2001, p. 10).
Há indícios no futebol de que é possível que a participação corporativa no
esporte ocorra de maneira equilibrada. Tomemos por exemplo o caso do Barcelona
e do Athletic Bilbao, dois dos clubes espanhóis mais prestigiados no futebol mundial.
Até seus 108 anos de história, o Barcelona nunca havia estampado em sua camisa
uma logomarca diferente de seu brasão e daquela que representa a empresa
fornecedora de materiais esportivos. A partir de 2006, a logomarca da Unicef
também passou a estar presente na camisa do clube, sem pagar nenhum centavo.
Pelo contrário, o Barcelona ainda repassava US$ 2 milhões anuais para a entidade.
Isso não quer dizer que os negócios do clube não fossem lucrativos ou que este não
obtivesse receita com patrocínios. Apenas demonstra que a estratégia do Barcelona
era a de oferecer oportunidades de negócios aos seus patrocinadores, sem que se
fizesse necessário o loteamento de espaços de sua tradicional camisa azul-grená.
Hoje, o Barcelona está entre os clubes que mais arrecadam com contratos de
patrocínios. Foi preciso se alinhar às práticas de seus concorrentes para manter-se
competitivo e lucrativo. O mesmo se aplica à história do Athletic Bilbao, que somente
aos seus 110 anos de existência passou a estampar uma logomarca de patrocinador
em seu unforme, graças a um contrato milionário com a empresa petrolífera
Petronor.
112
Mesmo com a mudança histórica, ainda prevalecem nos uniformes destas
equipes duas ou três marcas, além de seu brasão, entre tantos outros
patrocinadores que o clube possui relacionamento. O mesmo ocorre com boa parte
dos grandes clubes europeus. Por possuírem uma quantidade significativa de
parcerias, a maioria procura criar oportunidades de negócios como ações
específicas para sócio-torcedores, centros de hospitalidade nos estádios, programas
de vantagens e produtos licenciados, deixando a publicidade nas camisas apenas
para o patrocinador máster e para a fornecedora de materiais esportivos. Esta
exclusividade de espaço nas camisas valoriza ainda mais a publicidade do
investimento aplicado pela iniciativa privada no clube, aumentando o potencial de
reconhecimento e familiaridade por parte dos torcedores. A tendência é que quanto
mais duradoura e positiva for a associação entre marcas e brasões, maior também
será o recall entre a torcida.
No Brasil, existe um paradoxo quanto a isso. Apesar de terem marcas
valiosas e grandes massas de torcedores, os clubes brasileiros negociam contratos
de curtíssima duração, transformam seus uniformes em painéis de anúncios e
acabam arrecadando muito abaixo da realidade européia. Isso ocorre por não
oferecerem condições vantajosas aos patrocinadores e oportunidades reais de
negócios aos parceiros, em suma, por estarem focados apenas na projeção de
visibilidade a ser obtida pelas marcas ao ocuparem determinado espaço em uma
camisa, calção ou meião. De acordo com Aacker (2000), o congestionamento de
marcas é um motivo que exerce grande influência para que as empresas optem por
não investir na estratégia de patrocínios.
Às vezes, ligar uma marca a um patrocínio é difícil porque simplesmente há muito congestionamento, muitos patrocinadores e muitos logotipos. O congestionamento e seu papel ao interferir no vínculo e nas exposições devem constituir uma consideração na avaliação do patrocínio (AAKER, 2000, p. 234).
Esta situação é ainda mais delicada para os clubes de menor porte que, por
não estarem entre a elite do futebol cujas partidas são televisionadas, não oferecem
ganho de visibilidade e, portanto, têm sérios desafios para sanar a ausência da
importante fonte de receitas com patrocínios e parcerias. É o caso, por exemplo, do
Democrata de Sete Lagoas, de Minas Gerais. Fundado em 1914, o clube ostenta o
fato histórico de ter sido o primeiro a aderir legalmente à autorização dada pelo
113
Conselho Nacional dos Desportos (CND) para estampar a marca de patrocinadores
nos uniformes, em 1982. A empresa mineira de material esportivo Equipe teria pago
a quantia equivalente a R$ 19 mil, em uniformes, bolas e chuteiras. Hoje, disputando
a Série B do futebol mineiro, o clube tem sérias dificuldades financeiras.
Caso similar vive a Associação Portuguesa de Desportos, tradicional clube da
capital paulista. Com o seu rebaixamento para Série C do Campeonato Brasileiro em
2014, o clube perdeu verbas significativas provenientes dos direitos de transmissão
e agora procura equacionar uma dívida de cerca de R$ 150 milhões que acarretou
inclusive na penhora de seu estádio, o Canindé. Com baixíssima visibilidade na
mídia, a Portuguesa implanta agora um projeto desenvolvido pelo economista Luis
Paulo Rosenberg, ex-vice presidente de marketing do Corinthians, para tentar cobrir
parte do prejuízo com a receita de patrocínios.
Normalmente, um time usa o mesmo patrocinador para todos os seus
jogadores, mas para driblar a crise financeira, a Portuguesa deu início a uma ação
inovadora e conseguiu a autorização da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e
da Federação Paulista de Futebol (FPF) para estampar diferentes marcas de
patrocinadores nos uniformes de cada atleta. Através de acordo firmado com o
Sindicato das Padarias de São Paulo, o Sindipan, a Portuguesa já fechou parceria
com 13 padarias da cidade e pretende aumentar para 40 o número de
patrocinadores. Além desta estratégia, o clube estuda o lançamento de produtos
licenciados para serem comercializados nas padarias paulistas, com o mote “Somos
todos Lusa!”. A estratégia do clube é a de se reaproximar da colônia portuguesa em
São Paulo e ganhar o apoio dos torcedores de outros times.
Estes exemplos indicam que o patrocínio corporativo ao futebol se apresenta
como solução necessária para a sobrevivência ou a potencialização de resultados
financeiros de clubes e empresas imersos em mercados altamente competitivos,
próprios da sociedade capitalista contemporânea. Do ponto de vista dos clubes, não
possuir uma marca patrocinadora ao lado de seu brasão pode se traduzir em
dificuldades financeiras, com reflexos diretos em questões administrativas, como
pagamento de dívidas, folhas de pagamento e a manutenção de equipes fortes. Ao
passo que explorar com profissionalismo as receitas com patrocínios pode garantir
um futuro próspero, tanto no meio esportivo, quanto no meio dos negócios.
114
Por outro lado, do ponto de vista das corporações, investir nesta estratégia
configura-se como decisão necessária para que suas marcas acompanhem ao
movimento global em direção à experiência de vida dos consumidores, e assim,
conquistem espaços cada vez maiores em seus hábitos de consumo. Por ser
considerado um tipo de investimento, o patrocínio corporativo requer retorno, seja
ele, mercadológico ou institucional, e para isso, pressupõe-se que seja precedido de
estudos, ou seja, pesquisas que projetem resultados.
É regra no mundo dos negócios que qualquer ação de marketing deve ser precedida de pesquisa. O patrocínio é um tipo de ação de marketing, que requer investimento e, portanto, exige retorno. Assim, qualquer ação de patrocínio que se pretende eficaz, proporcionando um alto retorno de imagem e de vendas para seus investidores, e eficiente, através, através de uma relação custo-benefício, não deve prescindir de uma ação prévia de pesquisa (MELO NETO, 2000, p. 168).
Existem hoje diversas empresas de consultoria no mercado especializadas no
estudo dos retorno sobre o investimento em ações de marketing, como o patrocínio.
Entre as métricas mais avançadas existentes, destacam-se o cálculo do ROI (Return
On Ivestiment), que em síntese reflete o acréscimo nos resultados de faturamento
frente ao investimento em determinado projeto; o neuromarketing, uso das
tecnologias para mensurar o impacto de uma ação no subconsciente do consumidor;
o monitoramento de mídia, substituto das técnicas de clipagem que considera o
tempo e a qualidade da exposição das marcas nos meios de comunicação de massa
projetando o retorno publicitário; e por fim, a tradicional pesquisa de mercado. Estas
duas últimas práticas ainda são as mais adotadas no mercado brasileiro.
O cálculo do retorno publicitário é feito geralmente através de clippings eletrônicos e de mídia impressa. No entanto, a transformação dos espaços obtidos gratuitamente na mídia é de difícil conversão em valores pecuniários. Quanto ao retorno de imagem, somente uma pesquisa de opinião junto aos consumidores pode apresentar alguns dados conclusivos (MELO NETO, 1995, p. 30).
Como boa parte das empresas brasileiras não divulgam o resultado de
pesquisas encomendadas ou produzidas internamente para auferir resultados com
patrocínios, utilizaremos dados de pesquisadas publicadas recentemente no país
para ilustrarmos um pouco sobre a efetividade das ações de patrocínio no futebol,
qual o grau de percepção do público a presença corporativa no esporte e de que
maneira esta estratégia tem influenciado os hábitos de consumo.
115
Informações divulgadas pelo IBOPE Repucom, instituto especialista em
pesquisa de marketing esportivo e patrocínio, revelam que um levantamento
realizado mapeou as formas de publicidade utilizadas pelos anunciantes durante
todos os jogos do Campeonato Brasileiro da série A de 2014 para indicar quais
foram as mais efetivas dentro do ambiente dos jogos.
A pesquisa fornece o retorno de exposição das marcas em todos os jogos e
noticiários da TV, além dos meios impresso e online, e identifica quantas vezes a
marca aparece, a duração e o valor da exposição, além da qualidade da visibilidade,
por meio de reconhecimento automático das marcas durante as transmissões. Os
resultados do estudo demostram que a inserção da marca do patrocinador na frente
e nas mangas da camisa das equipes possuem a maior visibilidade dentre as
demais exposições publicitárias que envolvem uma partida de futebol. Em média, foi
verificada nestas modalidades a exibição das marcas por mais de sete minutos por
partida. As placas de publicidade estáticas ficam expostas por 715 segundos, em
média. Já os tapetes posicionados ao lado de cada um dos gols acumulam 277
segundos de exposição média durante os jogos televisionados.
Além dos resultados de visibilidade, o instituto também divulgou que o
patrocínio esportivo é um fator decisivo para consumidores na hora de suas
compras. Segundo o estudo, dentre 1.000 internautas entrevistados, cerca de 45%
escolheriam uma marca que apóia atletas ou times em detrimento daquelas que não
possuem nenhuma relação com o mundo esportivo. Além disso, 56% compraram
produtos esportivos oficiais no último ano.
Outra fonte de dados relevante é a Pesquisa Lance! IBOPE 2014. A
publicação indicou a relevante informação de que mais da metade dos 4.470
entrevistados em todo o Brasil, 56,5%, não souberam citar sequer uma marca
parceira de seu clube do coração. O fato mais interessante deste resultado é que a
entrevista não considerava apenas patrocinadores do ano vigente, portanto, os
torcedores poderiam citar qualquer patrocinador da história de seu clube, inclusive a
marca fornecedora de materiais esportivos. As torcidas que apresentaram menor
índice de lembrança de patrocinadores foram as de São Paulo e Santos, com 66,1%
cada, seguidas de Flamengo, com 58,9%, Corinthians, com 57,9%, e Vasco, com
57,3%.
116
Dentre os torcedores que souberam indicar algum patrocinador de seu time,
tiveram melhores índices as parcerias entre Atlético-MG e BMG, Fluminense e
Unimed, Internacional e Banrisul, Grêmio e Banrisul, e Cruzeiro e BMG, todas com
mais 30% entre as parcerias citadas. Entre os dois líderes brasileiros no ranking de
maiores torcidas, as parcerias mais lembradas foram Corinthians e Caixa Econômica
Federal, com 18,8%, e Flamengo e Adidas, com 14,2%.
Embora os baixos índices de recordação possam levar à conclusão de que o
patrocínio a clubes de futebol não é uma boa ferramenta para aumentar o recall de
marca, na realidade, eles apontam que quanto mais o projeto de marketing for
integrado às atividades do clube, quanto maior a sua duração, quanto maior a sua
exposição e quanto melhores os resultados do time no período da contratação,
maior também será o retorno de recall sobre a estratégia.
Prova disso é que as parcerias líderes de recall são também as que tinham
maior tempo de duração até a data pesquisa (Atlético-MG e BMG, com quase cinco
anos de contrato, e Fluminense e Unimed, com 15 anos de contrato). Soma-se a
isso o fato de que, na época em que a pesquisa foi realizada o Atlético-MG
consagrava-se campeão da Copa do Brasil e, portanto, sua exposição na mídia e o
acompanhamento dos torcedores estavam em alta. Outra prova desta indicação é
visível nas torcidas de São Paulo e Palmeiras, passaram bons períodos sem um
patrocinador máster definido. Ainda assim, a parceria com a empresa LG, encerrada
em 2010, foi a mais lembrada entre os são-paulinos, e a parceria com a Parmalat,
encerrada há quase 15 anos, foi a segunda mais lembrada entre os palmeirenses.
O fato de as marcas continuarem apresentando índices de lembrança mesmo
sem estar patrocinando time algum, em certos casos com resultados ainda
superiores àquelas que possuem contratos vigentes, demonstra que relações
duradouras, apoiadas de ações de ativação consistentes, são capazes de estabeler
vínculos e agregar valores e significados às marcas, influenciando inclusive os
hábitos de consumo entre torcedores.
117
Considerações Finais
As marcas ganharam grande importância nas últimas décadas. Através
delas, as empresas podem expressar uma série de atributos intangíveis que
compoem sua identidade corporativa e influenciam diretamente na decisão de
compra dos consumidores. Numa tentativa de explorar cada vez mais o
relacionamento com seus clientes, as empresas aplicam estratégias de marketing
para garantir a participação de suas marcas em ambientes livres das considerações
do mercado, como por exemplo, nas artes, na música e nos esportes.
Este estudo procurou demonstrar que a relevância obtida pelas marcas na
sociedade contemporânea deriva do atual estágio de desenvolvimento das
estratégias de marketing que, integradas às dinâmicas do consumo e aos
fenômenos comunicacionais, buscam estabelecer vínculos de relacionamentos
duradouros com seus clientes, direcionando todo o processo produtivo de
mercadorias para as vivências pessoais.
Desta forma, a cultura torna-se fonte de significados que recebem o
tratamento técnico do marketing e conferem forma e valor aos produtos. Assim, sob
o forte apelo da mídia e da linguagem publicitária, as pessoas projetam seus estilos
de vida através das experiências de consumo.
Como vimos, o futebol é um fenômeno de múltiplas dimensões, que se insere
nas esferas cultural, econômica, social e política. Sua caracterização como um
campo social envolve a disputa entre diversos agentes, como os torcedores, as
entidades esportivas, a mídia e as corporações. Comunicação e consumo funcionam
como válvulas que determinam a intensidade e a lógica das relações dentro deste
campo. Portanto, o futebol dos dias de hoje demonstra estar plenamente integrado à
lógica do capital, enquanto bem cultural e fruto da sociedade do espetáculo.
Ao tomar os rumos da profissionalização e da espetacularização, o futebol
transformou-se em um negócio do entretenimento, assim como outras modalidades
como o basquete e o vôlei também o fizeram. Este processo foi ainda mais
acentuado com o suporte da mídia, principalmente com a evolução dos meios de
comunicação, que hoje proporcionam a cobertura integral e em tempo real da
agenda do futebol.
Demonstramos aqui também a importância desempenhada pelo torcedor,
enquanto telespectador e consumidor. Ele é a variável de troca que sustenta e dá
118
sentido a todas as interações e disputas dentro do campo social. Ao projetar seu
estilo de vida, ao apreciar o futebol e ao optar por ser corintiano, palmeirense,
flamenguista ou vascaíno, o torcedor também decide por criar vínculos e por uma
distinção social, opta por uma experiência de consumo que envolve transações
implícitas e explícitas. Ele tem consciência de que paga por seu ingresso, por sua
camisa oficial, sua chuteira, sua cerveja e sua TV a cabo. O que talvez a grande
massa não perceba é que a sua audiência é o principal motor do futebol, no Brasil e
no mundo. É graças à audiência que os clubes recebem a parcela mais significativa
de seus orçamentos que são as receitas com direitos de transmissão.
A audiência determina a exposição do clube na mídia e, portanto, sua
exibição para os milhões de telespectadores fanáticos, e assim, determina também
as transações pautadas nos ganhos de visibilidade e de imagem que tanto
interessam às marcas, como a publicidade e o patrocínio, para os quais a própria
audiência é o alvo. O futebol é sem dúvidas um produto cultural e midiático que
desperta atenção das corporações que investem em marketing esportivo, dada sua
capacidade de gerar altos ganhos de visibilidade para suas marcas e oportunidades
exclusivas para estabelecer relacionamentos e vínculos com clientes.
Neste contexto, a intenção deste trabalho foi a de destacar a estratégia de
patrocínio ao futebol, demonstrando a relevância dos investimentos e algumas das
práticas aplicadas nas relações entre clubes e empresas no Brasil, como por
exemplo, na parceria entre o Corinthians e a Caixa Econômica Federal. O estudo
mostrou que a estratégia tem como objetivo agregar valor à imagem corporativa
através do investimento promocional no esporte e beneficiar-se da intensidade do
relacionamento entre clubes e torcedores para gerar negócios.
Através da articulação crítica sobre o consumo, a publicidade e as imagens
na sociedade do espetáculo, buscou-se elucidar a caracterização do futebol como
produto cultural, sua adequação à lógica capitalista e sua abertura para a
participação corporativa. Por fim, pudemos perceber a relação de dependência
existente entre as entidades esportivas, a mídia e as corporações, e como a
exposição midiática é importante para a captação de recursos de patrocínio que, por
sua vez, também são imprescindíveis para a sobrevivência dos clubes. Esta
indicação nos mostrou que a presença das marcas patrocinadoras é também uma
necessidade real para a manutenção do futebol profissional como conhecemos.
119
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