ALEX_CALDAS -Dossiê Língua

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ENSINANDO O GÊNERO TEXTUAL E/OU DISCURSIVO CARICATURA EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA Alex Caldas Simões * RESUMO: Pretendemos discorrer em nosso artigo sobre um possível e viável encaminhamento para a questão: como ensinar gêneros textuais e/ou discursivos nos dias de hoje, onde a mídia e as novas tecnologias invadiram a vida de nossos alunos? Pretendemos, então, apresentar uma parte dos resultados do projeto extensionista Mídia Participativa: Periódico (MPP/PROEX/UFOP) que demonstrou, nesses últimos três anos, algumas respostas viáveis a essa difícil questão de pesquisa, na medida em que orientou-se para uma nova abordagem no ensino de Língua Portuguesa – baseado nos PCN´s e CBC-MG, nos referenciais teóricos sobre os Gêneros Textuais e/ou Discursivos – elaborados principalmente por Marcuschi (2002) e Charaudeau (2004) –, e nos referenciais teóricos sobre a Educomunicação – elaborados por Soares (2007) e seus seguidores. Em nossa exposição, portanto, mostraremos alguns resultados de umas das oficinas de produção de texto do projeto intitulada, “Oficina de Caricatura” – ocorrida em 2007 –, na qual teve como objeto de estudo e experimentação o ensino do gênero Caricatura em uma turma de 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual Dom Silvério, localizada na cidade de Mariana – Minas Gerais (MG). Dessas aulas, tínhamos como propósitos ensinar o gênero caricatura a partir das teorias de Gêneros e da Educomunicação. A partir das considerações acima, portanto, podemos dizer que as estratégias didático-metodológicas empregadas pelo MPP para o ensino do gênero caricatura se mostraram eficientes e, dessa forma, se constituem em um exemplo real e viável de se articular o ensino com as mídias. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de gêneros textuais e/ou discursivos; Caricatura; Mídias. ABSTRACT: We intend to discuss in our article about a possible and viable way to the question: how to teach textual genres and/or discourse today, where the media and new technology invaded the lives of our students? Want, then make a part of the results of the project extension Participatory Media: Regular (MPP / PROEX / UFOP) showed that, in these last three years, some viable answers to that difficult question of research in that it led to a new approach to the teaching of Portuguese Language – based PCN's CBC-MG in theoretical references on the Genera Textual and/or speech – produced * Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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ENSINANDO O GÊNERO TEXTUAL E/OU DISCURSIVO CARICATU RA EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA EXPERIÊNCIA

Alex Caldas Simões∗

RESUMO: Pretendemos discorrer em nosso artigo sobre um possível e viável encaminhamento

para a questão: como ensinar gêneros textuais e/ou discursivos nos dias de hoje, onde a mídia e

as novas tecnologias invadiram a vida de nossos alunos? Pretendemos, então, apresentar uma

parte dos resultados do projeto extensionista Mídia Participativa: Periódico

(MPP/PROEX/UFOP) que demonstrou, nesses últimos três anos, algumas respostas viáveis a

essa difícil questão de pesquisa, na medida em que orientou-se para uma nova abordagem no

ensino de Língua Portuguesa – baseado nos PCN´s e CBC-MG, nos referenciais teóricos sobre

os Gêneros Textuais e/ou Discursivos – elaborados principalmente por Marcuschi (2002) e

Charaudeau (2004) –, e nos referenciais teóricos sobre a Educomunicação – elaborados por

Soares (2007) e seus seguidores. Em nossa exposição, portanto, mostraremos alguns resultados

de umas das oficinas de produção de texto do projeto intitulada, “Oficina de Caricatura” –

ocorrida em 2007 –, na qual teve como objeto de estudo e experimentação o ensino do gênero

Caricatura em uma turma de 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual Dom Silvério,

localizada na cidade de Mariana – Minas Gerais (MG). Dessas aulas, tínhamos como propósitos

ensinar o gênero caricatura a partir das teorias de Gêneros e da Educomunicação. A partir das

considerações acima, portanto, podemos dizer que as estratégias didático-metodológicas

empregadas pelo MPP para o ensino do gênero caricatura se mostraram eficientes e, dessa

forma, se constituem em um exemplo real e viável de se articular o ensino com as mídias.

PALAVRAS-CHAVE : Ensino de gêneros textuais e/ou discursivos; Caricatura; Mídias.

ABSTRACT: We intend to discuss in our article about a possible and viable way to the

question: how to teach textual genres and/or discourse today, where the media and new

technology invaded the lives of our students? Want, then make a part of the results of

the project extension Participatory Media: Regular (MPP / PROEX / UFOP) showed

that, in these last three years, some viable answers to that difficult question of research

in that it led to a new approach to the teaching of Portuguese Language – based PCN's

CBC-MG in theoretical references on the Genera Textual and/or speech – produced

∗ Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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mainly by Marcuschi (2002) and Charaudeau (2004) – and the theoretical references on the

Educomunicação – prepared by Ismar de Oliveira Soares and his followers. In our exhibition,

therefore, show some results of some of the workshops for the production of text in the project

entitled "Office of Caricature" – occurred in 2007 - in which was the object of study and

experimentation the teaching of gender caricature in a class of 2nd number of Middle School

Education Silvério Estadual Dom, located in the city of Mariana - Minas Gerais (MG). These

classes, we teach the purpose and caricature genre from the theories of gender and

Educomunicação. From the above considerations, therefore, we can say that the teaching and

methodological strategies employed by the MPP for the teaching of gender interviews were

effective and thus constitute a real and practical example to articulate the teaching with the

media.

KEYWORDS : Teaching genres textual and/or speech; Caricature; Media.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As orientações atuais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), juntamente

com as dos Conteúdos Básicos Comuns de Minas Gerais (CBC-MG), propõem que o

ensino de Língua Portuguesa seja intermediado pela exposição dos chamados gêneros

textuais, que podem ser entendidos como eventos lingüísticos constituídos sócio-

historicamente, que direcionam a prática comunicativa de produtores e de receptores,

dos mais diversos domínios discursivos, para, segundo Meurer (2000), produção de

tipos específicos de textos de qualquer natureza. Ainda podemos conceituar gêneros

textuais, de acordo com Marcuschi, como:

uma noção propositalmente vaga para se referir a textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdo, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI, 2002: 23).

Entretanto, ao considerarmos os termos gêneros textuais e gêneros discursivos,

separadamente, entendemos que os mesmos orientam ações distintas: a partir de

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teorizações relativas a marcas específicas – chamamos, então, de gêneros textuais – ou a

partir de teorizações relativas a marcas gerais – chamamos, então, de gêneros

discursivos. Dessa forma, seguindo os pressupostos de Santos (2004), acreditamos que

o conceito de gênero se tenciona entre o aspecto textual e o aspecto discursivo; sendo

assim, neste artigo utilizaremos uma conceituação mista advinda dos conceitos de

gêneros formulados por Charaudeau (2004) e Marcuschi (2002). Dessa forma,

entendemos gênero textual e/ou discursivo como uma variedade específica e estável de

texto materializado que circula socialmente em nossa vida diária e que apresenta

características sócio-comunicativas definidas através de sua finalidade e de suas

peculiaridades – restrições situacionais, discursivas, e formais – que são socialmente

compartilhadas e compreensíveis entre os sujeitos participantes de uma troca

comunicativa.

A partir deste conceito, então, é possível observar que o campo teórico dos

gêneros se constitui em um espaço aberto e elencado a inúmeras questões de pesquisa,

muitas delas ainda pouco exploradas. Refletiremos em nosso artigo, portanto, sobre a

seguinte indagação: como ensinar gêneros textuais e/ou discursivos no Ensino Básico?

A relevância deste tópico se baseia no fato de que, como é lecionado atualmente,

e de acordo com o INEP, a disciplina de Língua Portuguesa não colabora

satisfatoriamente para que o aluno consiga adequar sua linguagem aos mais diversos

ambientes em que este está inserido. O INEP, em sua última avaliação do ensino,

constatou que 42% dos estudantes de Ensino Médio estão em estágios críticos/muito

críticos de desenvolvimento de suas habilidades em Língua Portuguesa.

São estudantes com dificuldades em leitura e interpretação de textos de gêneros variados. Não são leitores competentes e estão muito aquém do esperado para o final do ensino médio. Os denominados “adequados” somam 5%. (INEP, 2004: 7).

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Sendo assim, como forma de sanar essa problemática, o estudo de gêneros

textuais e/ou discursivos enfatiza a necessidade de situar textos em contextos

específicos de domínios comunicativos.

Junto a essa problemática, podemos apresentar ainda mais uma que caminha junto

a esta: afinal, como ensinar gêneros textuais e/ou discursivos nos dias de hoje, onde a

mídia e as novas tecnologias estão inseridas nos espaços sociais, políticos e econômicos

dos cidadãos (alunos, professores, entre outros)?

A Educomunicação, entendida como um novo meio científico que inter-relaciona

a comunicação e a educação, acredita que a solução para a problemática acima se

desenvolverá quando a mídia se integrar à escola, postulando uma nova forma de ação-

pedagógica: ensinando “pelos meios comunicativos” – como afirma a ONG

Educomunicativa Cipó – e “para os meios comunicativos” – como postula Soares

(ECA/USP) pesquisador brasileiro expoente do campo Educomunicativo.

Soares (2007) define a Educomunicação como

um campo de ação e de intervenção social em espaços educativos que objetiva criar e manter ecossistemas comunicativos abertos e democráticos, facilitadores do pleno exercício da cidadania. (SOARES, 2007, p. 40).

O autor ainda conceitua, segundo o site do Educomradio, o termo ecossistemas

comunicativos como os espaços educativos que cuidam da saúde e do bom fluxo de

ralações entre as pessoas e os grupos humanos por meio do uso de uma ou mais

tecnologias da informação.

Pensando nisso, podemos definir o termo mídia – que no senso comum pode ser

entendido de diversas maneiras, seja como conteúdo das produções midiáticas ou como

o próprio meio de comunicação – como “o sistema dos meios de comunicação, em

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atividade, num determinado espaço geográfico e período de tempo histórico” (cf.

Alegria, 2007).

Alegria (2007) afirma, ainda, que mídia é “o ato de comunicação que se

estabelece entre sujeitos produtores de bens culturais e sujeitos consumidores de bens

culturais por mediação de uma (ou mais de uma) tecnologia da comunicação.” A mídia,

portanto, constitui-se em um agente de socialização, que, de acordo com Alegria (2007),

ao lado de instituições sócio-educativas, tais como a família e a escola, colabora para

construir valores e identidades. A mesma não deve ser vista como instrumento isolado

de ensino, uma vez que sozinha não constitui um instrumento de ensino completo.

Mídia, portanto, deixa se ser vista somente como um instrumento computacional para se

tornar todo e qualquer instrumento produzido para/e com os sujeitos consumidores de

bens culturais: lápis B2, caneta, papel, mp3, Ipod, gravador, pincel, tinta, etc.

A partir dessas demandas educativas e teóricas apresentadas acima, pretendemos

discorrer sobre um possível encaminhamento para essas difíceis questões. Dessa forma,

apresentaremos uma parte dos resultados do projeto extensionista Mídia Participativa:

Periódico (MPP – PROEX/UFOP) que demonstrou, nesses últimos três anos (2006-

2008), algumas respostas viáveis a essa intrigante questão de pesquisa, na medida em

que orientou-se para uma nova abordagem para o ensino de língua materna, baseado nas

atuais orientações legislativas dos PCN`s e dos CBC-MG, nos referenciais teóricos

sobre os gêneros textuais e/ou discursivos – elaborados principalmente por Marcuschi

(2002) e Charaudeau (2004) –, e nos referencias teóricos sobre a Educomunicação –

elaborados por Soares e seus seguidores.

De forma resumida, o MPP pretendeu desenhar uma intersecção entre a teoria de

gêneros textuais e/ou discursivos e a teoria Educomunicativa, criando estratégias

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didática-metodológicas para o ensino dos gêneros textuais e/ou discursivos para e pelas

mídias. O MPP, ao ensinar os mais diversos gêneros textuais e/ou discursivos aos

alunos – através do estabelecimento de relações complexas entre textos e contextos de

uso – objetivou que estes pudessem depreender as regularidades do gênero apresentado,

e, assim, orientar sua produção textual para escritura e reescritura de diversos gêneros

do domínio midiático (no nosso caso específico o gênero caricatura), a fim de compor

material textual para o jornal impresso anual, inter-escolar e educativo, Mídia

Participativa.

Assim, em nossa exposição, apresentaremos os resultados de uma das oficinas de

produção de texto do projeto intitulada “Oficina de Caricatura” – ocorrida em 2007 – ,

na qual teve como objeto de estudo e experimentação o gênero caricatura em uma turma

de 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual Dom Silvério, localizada na cidade de

Mariana – Minas Gerais (MG). Dessas aulas, portanto, evidenciaremos como ensinar o

gênero caricatura a partir das teorias de gêneros textuais e/ou discursivos e da teoria

Educomunicativa.

PASSO 1 – ESCOLHENDO EXEMPLARES DO GENÊRO CARICATURA PARA O ENSINO

Para o desenvolvimento da oficina de produção de textos “Oficina de Caricatura”,

foi necessário criarmos uma metodologia de ensino própria, uma vez que os PCN´s e os

CBC-MG não indicam claramente uma forma de se trabalhar com os gêneros textuais

e/ou discursivos. Selecionamos o gênero caricatura para as oficinas de produção de

texto, pois, como indicam os PCN´s (1998), o gênero constitue-se: em um texto real,

presente no dia-a-dia do aluno; que caracteriza os usos públicos da linguagem; e que

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privilegia interlocutores desconhecidos e as interações à distância por meio da

modalidade escrita, verbal e não verbal. Para escolha das caricaturas da oficina,

escolhemos o livro Caricaturas e Caricaturados, do artista Mario Mendez, um dos mais

importantes caricaturistas das décadas de 1950 e 1960, e alguns exemplares de

caricatura do site Fabricarica de idealização de Renato Monteiro Stegun, Luiz Gustavo

Paffaro e Paulo Branco.

Com estes materiais em mãos, nos bastou escolher a personalidade que

apresentaríamos nas aulas. Para isso, observamos, por meio de uma pesquisa de opinião

escrita, quais eram os interesses dos alunos, suas temáticas prediletas de leitura, o que

costumavam fazer nas horas vagas, o que assistiam na televisão, etc. Escutamos ainda,

por meio de uma dinâmica – chamada por nós de “dinâmica do palitinho” –, na qual os

alunos tinham que se apresentar até o apagar de um palito de fósforos – um resumo da

vida do aluno até o presente momento, sua idade, sonhos, afinidades, entre outros.

Compreendemos, como indica os PCN (1998) e o próprio MPP, que antes de se iniciar

qualquer atividade de produção de textos é necessário conhecer a turma que se

envolverá na produção textual. Saber quem são e onde estão, nos levou, então, a

descobrir suas potencialidades artísticas e criativas, o que facilitou o nosso futuro

trabalho; conhecemos de imediato quem gostava de desenhar ou escrever. Descobrimos

também, por meio de um questionário escrito, chamado por nós de Pesquisa de opinião:

gêneros, que tipo de conhecimentos os alunos que participaram do projeto possuíam em

relação ao gênero caricatura. Descobrimos, após a aplicação dessa pesquisa quais eram

as competências dos alunos em relação ao gênero que trabalharíamos: medimos se os

mesmos sabiam conceituá-los, identificá-los, produzi-los, e analisá-los. Medir tais

competências nos indicou quais eram os atuais conhecimentos dos alunos quanto ao

gênero abordado. Tal atividade se fez necessária, pois, segundo os PCN (1998) e

indicações do MPP, levantar as necessidades, dificuldades e facilidades dos alunos, nos

mostra quais conteúdos disciplinares e discursivos devem ser trabalhados e quais não. A

partir dos resultados da pesquisa de opinião e da pesquisa de opinião: gêneros

desenvolvemos todos os planos de aula da oficina de caricatura.

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PASSO 2 – ENSINANDO O GÊNEROS CARICATURA

Baseados nas orientações pedagógicas de Bentes (s.d.) quanto à maneira de se

trabalhar com os gêneros textuais e/ou discursivos, apresentamos aos alunos quatro

exemplares de gênero caricatura, assim nomeados: 1- texto introdutório , que continha

as características gerais e principais do gênero caricatura – apresentamos a caricatura do

Gilberto Gil (Fig.1); 2- texto de apoio, que abordava uma outra forma de apresentação

do gênero caricatura – apresentamos um exemplar de caricatura que retratava o Getúlio

Vargas (Fig. 1); e 3- texto principal, que analisava as especificidades do gênero

caricatura através da comparação entre dois (ou três) exemplares de um mesmo gênero

– no caso utilizamos as de Carlos Drummond de Andrade (Fig. 3), de Fafá de Belém

(Fig. 3) e de Jorge Amado (Fig. 2).

(MENDEZ, 1986: 94-95) (Fig. 1)

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(MENDEZ, 1986: 109- 91) (Fig.2)

Por se tratar de imagens significativas, procuramos apresentar o gênero caricatura

evidenciando o porquê de seus traços exagerados ou diminuídos; afinal, por que esse

tipo de distorção ocorreu? Esta distorção, como podemos notar, pode ser entendida por

meio de uma análise comunicativa e não por meio de uma análise lingüística. Há um

fator externo ao texto que impõe ao gênero caricatura certas distorções. Afinal, porque

toda caricatura do Ronaldinho Fenômeno (jogador de futebol – 2009 Corinthians), por

exemplo, aparece com os dentes grandes? Este exagero, bastante recorrente nas

(MENDEZ, 1986: 67) (Fig. 3)

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caricaturas, é quase que como uma convenção social na retratação desta personalidade,

ou seja, para ser caricatura do Ronaldinho Fenômeno deve-se apresentar seu traço

comum e socialmente compartilhado (os dentes).

Podemos notar que uma das características fundamentais desse gênero, como

afirmam alguns ilustradores, é retratar uma personalidade sem ridicularizá-la – é retratar

em poucos traços o máximo da personalidade da pessoa, seja por meio de gestos,

vestimentas, frases características, manias, objetos pessoais, lugares preferidos,

comidas, parentes, entre outros. Sendo assim, ao mostrarmos algumas caricaturas aos

alunos perguntamos: quem é essa personalidade? (não mostramos o nome da

personalidade e apresentamos somente a imagem). Notamos que algumas

personalidades foram reconhecidas facilmente. Isso porque o traço de seu desenho

estava bem definido e próximo de um retrato, ainda que distorcido, do artista ou

político.

Gilberto Gil foi identificado sem dificuldade, mesmo tendo sido desenhado há

muitos anos atrás. Sua imagem foi reconhecida, pois ele, ainda hoje, ocupa na mídia e

na cultura brasileira um papel de destaque. Por ser uma personalidade muito conhecida,

sua caricatura não necessitou de maiores elementos indicadores de personalidade.

Charaudeau (2004) diria que este fato indicaria uma restrição situacional – ou seja, em

relação ao gênero textual caricatura, quanto menos se conhece a personalidade, maiores

serão as especificações de sua personalidade, podendo, até mesmo, evidenciar uma

restrição formal (uma personalidade não tão famosa ou recém famosa, por exemplo,

poderia necessitar da explicitação materializada de seu nome).

Ao mostrarmos a caricatura de Getúlio Vargas, observamos que alguns alunos não

identificaram seu nome. Esta caricatura foi realizada sem indicações de personalidade

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(objetos, manias, etc.). Há somente uma indicação, o ano 1946. Nesta data, muitos

alunos nem haviam nascido. Como, então, eles o identificaram? Ao pensarmos sobre

essa pergunta indicamos mais uma restrição da teoria semiolingüística: a restrição

discursiva, ou seja, aqui a questão temporal foi fundamental para a identificação da

personalidade. Entendemos, portanto, que uma caricatura, muitas vezes, pode retratar

uma celebridade por meio da lembrança de um grande feito desta personalidade no

passado (próximo ou distante) – no caso de Getúlio Vargas, o ano de 1946 faz menção

ao seu mandato como presidente do Brasil.

Na caricatura de Jorge Amado, notamos que os alunos ficaram em dúvida quanto

à identidade desta personalidade. Já prevendo essa falta de referências compartilhadas

sobre Jorge Amado, Mendez apresentou outros elementos caracterizadores de Jorge: o

local em que nasceu e viveu, representada pelos coqueiros e pela alegria e verão

constante estampada na camisa florida do escritor (Salvador – Bahia); suas criações

literárias, uma mulher que utiliza um colar escrito Gabriela; e suas iniciais (J.A). Estes

elementos, portanto, fizeram a caricatura ser de Jorge Amado e não de outro velhinho

simpático como o Papai Noel.

Fafá de Belém foi retratada por meio de traços fisionômicos específicos, como o

sorriso e o tamanho dos seios, e, portanto, foi identificada facilmente pelos alunos.

Ainda assim, por ser menos conhecida do grande público – pelo menos para aquela

geração –, Fafá recebeu de Mendez outras marcações de personalidade como o cenário

de um jardim – remetendo, portanto, a sua interpretação na música “Jardins proibidos”,

muito famosa na época – e as borboletas – remetendo, portanto, a sua constante alegria.

Na caricatura de Carlos Drummond de Andrade notamos algo semelhante, pois só

adivinharam a personalidade os alunos que conheciam o artista (sua obra e/ou

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biografia). Muitos elementos, então, foram colocados na caricatura para facilitar esta

identificação, mas todos necessitavam de informações sobre o artista que não eram

compartilhadas popularmente. Mendez evidenciou, então, nesta caricatura 4 elementos:

o perfil esguio do autor, as pedras no meio do caminho de seu poema, a sua habilidade

musical, e os sabiás de seu poema.

Quando analisamos as caricaturas de Mendez em conjunto podemos perceber, por

meio de uma análise dos aspectos discursivos, restrições situacionais e formais, que:

(i) os parceiros da troca comunicativa se referem a um desenhista (Ilustrador –

que apresenta uma personalidade ao público) e a um leitor (cidadão

interessado em se distrair por meio de desenhos engraçados);

(ii) a hierarquia dos parceiros na situação de comunicação se refere a um

profissional da comunicação, identificado socialmente como caricaturista na

função de retratista; e a um leitor que está na posição de aceitar/acreditar nas

imagens que lhe são apresentadas.

Após evidenciarmos estas nuanças do gênero caricatura, pedimos, portanto, que

os alunos se dividissem em duplas e caricaturizassem a pessoa ao seu lado – como

material de apoio apresentamos aos alunos mais algumas caricaturas de personalidades

da TV em uma folha de papel (Fig. 4, Fig.5 e Fig. 6) – as caricaturas foram retiradas do

site Fabricarica.

1) Daniela Cicarelli – 3° Concurso online Fabricarica (abr./mai. 2005):

(Caricaturistas: Figuer Maia, Gilber, Giba – respectivamente) (Fig. 4)

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2) Vesgo e Sílvio (Ceará) – 4° Concurso online Fabricarica (jul./ago. 2005):

(Caricaturistas: Rodrigo Habib, Zuba, Paulo Sulu – respectivamente) (Fig. 5)

3) Serginho Groisman – 9° Concurso online Fabricarica (set./out. 2006):

(Caricaturistas: Nando Freitas, Lipe Paiva, Calu – respectivamente) (Fig. 6)

Com isso, podemos perceber que os alunos, mesmo sem habilidades artísticas de

desenho, começaram a produzir com acerto o gênero caricatura, mostrando, dessa

forma, que, na configuração deste gênero, o traço de desenho não é essencial. Os

exemplos distribuídos nas foto-cópias (Fig.4, Fig. 5 e Fig. 6) indicam isso; uma vez que

outras características do gênero caricatura foram evidenciadas, além do traço artístico.

Para demonstrar que este gênero pode ser produzido com facilidade,

apresentamos ainda naquela aula, enquanto os alunos faziam suas produções, uma

caricatura do monitor da oficina (Fig. 7) e 3 esboços simples de desenhos para aqueles

que ainda estivessem com grandes dificuldades em começar a produção do gênero.

Dessa forma, os alunos produziram suas próprias caricaturas que, posteriormente, foram

publicadas no Jornal Mídia Participativa (n° 2 – 2008).

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(Caricaturista: Alex Caldas – auto-retrato) (Fig. 7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com esta oficina de caricatura, observamos que os alunos secundaristas

entenderam, como afirma Pinheiro (2002: 273), que “um gênero tende a configurar-se

como uma instituição que incorpora e reflete a sociedade em que ocorre, regulando as

ações de produtores e receptores”. Os alunos/escritores/desenhistas, a partir das aulas da

oficina de caricatura, acabaram percebendo a caricatura como um gênero que pertence a

uma instituição social específica dentro da sociedade. Perceberam a formação discursiva

do gênero e assim viram, segundo Pinheiro (2005), “o que pode e o que não pode ser

dito” em um determinado gênero situado em um momento histórico específico.

A partir de todo esse processo, os alunos, portanto, otimizaram a sua leitura de

imagens e de textos do gênero em questão, pois de acordo com Pinheiro

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quem conhece as especificidades e regularidades constitutivas de um gênero [no nosso caso o gênero caricatura] pode, com muito mais propriedade, lançar mão de estratégias e táticas para criar, movimentar e transformar o espaço aberto, permeável de todo texto ou gênero. (PINHEIRO, 2002: 284).

Segundo Charaudeau (2004), podemos afirmar que ao ensinar o gênero caricatura,

ou qualquer outro gênero textual e/ou discursivo para os alunos do Ensino Médio,

estamos desarticulando a idéia de que os gêneros que misturam imagem e texto só são

pertinentes para a alfabetização de alunos da pré-escola e Ensino Fundamental, e

afirmando a existência dos gêneros icônico-verbais e não-verbais, caracterizando-os e

especificando-os, e, com isso, entendendo que toda e qualquer produção linguageira

(ex: produção de caricatura) está submetida a restrições – discursivas, formais e

situacionais. Não se pode escrever/desenhar qualquer coisa em uma caricatura, há uma

função a cumprir, uma configuração estabelecida por convenções sociais e uma série de

estruturas sociais em volta que impedem certas construções nesse gênero. Ter noção

desses conteúdos possibilitou aos alunos entender e adequar sua linguagem às mais

diversas situações. Dessa forma, então, entendemos que o ensino de gêneros, em

especial o gênero caricatura, se mostrou pertinente e produtivo para o ensino, uma vez

que este pode contemplar a atual perspectiva dos estudos da linguagem e das mídias.

Recebido em maio de 2009

Aprovado em julho de 2009

REFERÊNCIAS

ALEGRIA, João. Oficina Escola, Mídia e Educação. Oferecida de 23 a 28 de Julho de 2007 no festival de inverno Mariana Ouro Preto Chico Rei e a cultura Afro- brasileira.

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BENTES, Anna Christina. Gênero e ensino: algumas reflexões sobre a produção de materiais didáticos para a educação de jovens e adultos. In: KARWOSKI, Acir Mário; e BRITTO, G. K. S. (Org). Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da Vitória: Kaygangue, s/d, p. 95-122. CBC – Conteúdos Básicos Comuns. Governo de Minas Gerais. SEE-MG, 2005. CHARAUDEAU, Patrick. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. In: In: MACHADO, I.L.; MELLO, R. (org.). Gêneros: Reflexões em Análise do Discurso. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2004. p. 13-41. INEP. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 3. série do ensino médio. Brasília: DF, Janeiro de 2004. MARCUSCHI, Luis Antônio. Gêneros textuais e ensino. Editora Lucerna: Rio de Janeiro, 2002. p. 19-36. MENDEZ, Mario. Caricaturas e Caricaturados. [S.I]: Editora, Tecnoprint S. A, 1986. MEURER, José. Luiz. (no prelo). O conhecimento de gêneros textuais e a formação do profissional de linguagem. In: M. B. Fortkamp e L. M. Tomich (org). Aspectos da linguagem aplicada. São Paulo: Mercado das Letras, 2000. p. 144-66. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Ministério da Educação – MEC, 1998. PINHEIRO, Najara Ferrari. A noção de gênero para análise de textos midiáticos. In: MEURER, J. L; MOTTA-ROTH (org). Gêneros textuais e prática discursiva: subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2002. cap. 12. p. 259-290. SANTOS, João Bôsco Cabral. O gênero textual como manifestação discursiva. In: MACHADO, I.L.; MELLO, R. (orgs.). Gêneros: Categorias de Análise do Discurso. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2004. p. 327-338. SOARES, Ismar de Oliveira. Ecossistemas comunicativos. Disponível em <www.usp.br/educomradio>. Acesso em: 2 Out. 2007. SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação, didática e razão de ser. In: Revista Educação. Ano 11, n° 123, Julho 2007. p.40-41. < http://www.cipo.org.br/ > < http://www.fabricarica.com.br>