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Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Vice-Presidente da RepúblicaJosé Alencar Gomes da Silva

Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança InstitucionalJorge Armando Felix

Secretário de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisJosé Alberto Cunha Couto

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS

Brasília2006

SEMINÁRIO

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Catalogação feita pela Biblioteca da Presidência da República

Edição: Secretaria de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisEndereço para correspondência:Praça dos Três PoderesPalácio do Planalto, 4° andar, sala 130Brasília - DF CEP 70150 - 900Telefone: (61) 3411 1374Fax: (61) 3411 1297E-mail: [email protected]

Criação e editoração eletrônica: CT Comunicação LtdaImpressão: Gráfica da Agência Brasileira de Inteligência

A presente publicação expressa a opinião dos autores dos textos e não reflete, necessariamente, a posição do Gabinete de Segurança Institucional.

Seminário: Alianças Estratégicas para o Brasil: China e Índia (Brasília : 2005). Seminário: Alianças Estratégicas para o Brasil: China e Índia. Brasília: Presidência da República; Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2006.106 p.

S471

CDD – 341.1241

1. Aliança internacional – Brasil – China. 2. Aliança internacional – Brasil – Índia. 3. Relações econômicas internacionais Brasil – China. 4. Relações econômicas internacionais Brasil – Índia. I. Título II. Presidência da República.

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IApresentação .......................................................................................................9

I IO Brasil e a Ásia: perspectivas para o século XXI

Embaixador Edmundo FujitaMinistério das Relações Exteriores.................................................................... 13

I I I Índia: padrão de desenvolvimento, inserção internacional, convergências possíveisProfessor Sebastião Velasco e Cruz Universidade Estadual de Campinas............................................................. 21

IVRelações entre Brasil e Índia como um fator decisivo para as relações internacionais do Brasil Professor Cláudio Lopes Preza JúniorUniversidade Federal d o Rio Grande do Sul.................................................... 33

VParticipação do debatedorProfessor Antonio Jorge Ramalho da RochaUniversidade de Brasília............................................................................,........45

VIUma visão brasileira da ChinaProfessor Severino Bezerra Cabral FilhoEscola Superior de Guerra............................................................................... 57

VIIChina: relações com o BrasilProfessor Wladimir Ventura Torres PomarUniversidade Cândido Mendes........................................................................67

VIIIAs relações Brasil-China na estratégia de inserção internacional da ChinaProfessor Henrique Altemani de OliveiraPontifícia Universidade Católica de São Paulo............................................. 81

IXO intercâmbio comercial Brasil-ChinaJornalista Carlos Tavares de OliveiraConfederação Nacional do Comércio........................................................ 91

Sumário

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APRESENTAÇÃO

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O Seminário Alianças Estratégicas para o Brasil: China e Índia, promovido pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais (Saei) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), ocorreu no dia 22 de junho de 2005, no Auditório do Anexo I do Palácio do Planalto, e teve como objetivo principal discutir parcerias estratégicas relevantes para o Brasil em relação à China e à Índia. O Encontro foi dividido em dois blocos: no primeiro, foram abordadas questões sobre as relações entre Brasil e Índia, e, no segundo, foram feitas exposições sobre as relações entre Brasil e China. Após as palestras do primeiro bloco, houve a participação do Professor Antonio Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, na qualidade de debatedor.

O evento contou com a participação de representantes da Presidência da República, do Congresso Nacional, Ministérios, Forças Armadas, Universidades, Confederações de Indústrias, Empresas de Consultorias, Institutos, Embaixadas, além de outros interessados no tema. Os palestrantes foram: Embaixador Edmundo Fujita, Diretor do Departamento de Ásia e Oceania do Ministério das Relações Exteriores; Professor Sebastião Velasco e Cruz, da Universidade Estadual de Campinas; Professor Cláudio Lopes Preza Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Professor Severino Bezerra Cabral Filho, da Escola Superior de Guerra; Professor Wladimir Ventura Torres Pomar, do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes; Professor Henrique Altemani de Oliveira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e o Jornalista Carlos Tavares de Oliveira, da Confederação Nacional do Comércio.

O General Jorge Armando Felix, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, proferiu as palavras de abertura do

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Seminário. Segundo ele, há consenso no Governo a respeito da importância de se discutir parcerias estratégicas e o tema não suscita discórdias em qualquer ambiente que se proponha a estudar assuntos relevantes para o Brasil.

O Continente Asiático tem se projetado para o mundo com realce e importância. A distância geográfica nada representa na inserção que os países dessa região têm buscado no mundo ocidental.

A China, país de tradições e cultura milenares, desenvolve atividades comerciais, artesanato e fabricação de seda desde os anos 700 a.C; um século antes da era cristã, já desenvolvia o comércio transcontinental através da Rota da Seda, que ligava a China ao Mar Negro; 2.500 anos antes da descoberta do Brasil, o país já utilizava escrita por ideogramas.

A história da Índia remonta aos povos neolíticos nos vales dos rios Indo e Ganges, três mil anos antes de Cristo. A cultura e a religião védica dos arianos são introduzidas a partir de 1.500 a.C. e a organização social passa a obedecer a um regime de castas, vigente até os dias atuais.

No Seminário, foram discutidas questões atuais das novas China e Índia, que conhecemos a partir dos anos 80, bem como questões sobre a possível interação do Brasil com estes atores de destaque no âmbito internacional.

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O BRASil E A ÁSiA: PERSPEcTivAS PARA O SéculO XXi

Embaixador Edmundo Fujita

Ministério das Relações Exteriores

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Atualmente, a Ásia é uma das regiões mais dinâmicas do mundo, está crescendo cada vez mais, em ritmo acelerado, e está se tornando, praticamente, a nova locomotiva mundial. Tendo em vista este contexto, é importante que o Brasil tenha, cada vez mais, parcerias estratégicas com os países asiáticos, como, por exemplo, China e Índia (que são, inegavelmente, as duas grandes forças emergentes no cenário internacional), além da Coréia do Sul e de outros países do Sudeste asiático que formam a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).

A Ásia é uma região extremamente complexa, variada, com povos, culturas, religiões e etnias distintas e com histórias milenares. Entretanto, possui uma vocação de modernidade, e até de pós-modernidade, extremamente aguçada. Cabe mencionar que o Japão é, atualmente, a segunda maior potência econômica do mundo e que se encontra em fase de maturidade.

Atualmente, o continente asiático concentra um terço do PIB (Produto Interno Bruto) mundial e, de 50% a 60% da população do planeta, ou seja, sua massa demográfica representa mais da metade da população mundial. O ritmo de crescimento da região é bem acima do ritmo registrado em outras áreas (cerca de 5,6%). A China está crescendo a um ritmo de 10%, enquanto a Índia e a Coréia a 7%. Alguns estudos afirmam que, por volta de 2050, pelo menos três países asiáticos estarão entre as grandes potências mundiais: China, Índia e Indonésia. Considerando o ritmo de desenvolvimento da região, é extremamente importante que o Brasil desenvolva alianças sólidas com esse continente e, em particular, com os países-eixo da região.

O palestrante apresentou uma rápida descrição do atual panorama político-estratégico da Ásia. Além de abordar a situação da

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China e da Índia, destacou o Japão, outro importante ator estratégico, apoiado pelos Estados Unidos. Este último país sempre foi uma potência com grandes interesses na Ásia, especialmente na Orla do Pacífico (Ásia do Leste), onde teve uma presença estratégica importante, desde a época da antiga União Soviética. Sendo assim, o que se vê, hoje, é uma importante interação entre estes quatro atores (Estados Unidos, Japão, Índia e China).

Com a crise provocada pelo 11 de setembro, entrou em cena, também, um fator estratégico adicional, que é a questão do terrorismo. O Paquistão, que antes ocupava uma posição marginal nesse cenário, passou a ter um papel importante, visto que este país foi a grande base de sustentação das forças dos Estados Unidos, bem como das forças aliadas, para o combate ao Talibã, no Afeganistão. Este fato fez com que, na equação daquela região, China e Índia também passassem a desempenhar papéis diferenciados.

A Índia que, antes da crise do terrorismo (e mesmo antes dos testes nucleares de 1997), ocupava uma posição considerada antagônica à política externa americana, passou a ser considerada importante peça estratégica para a presença norte-americana na região. Atualmente, a Índia é considerada uma das grandes parceiras estratégicas dos Estados Unidos, inclusive com uma possível contraposição ao crescente poderio chinês na área.

É sabido que a China, a Índia e o Paquistão sempre tiveram um relacionamento triangular complexo. Em se tratando da Índia, antigamente, este país era visto como sendo próximo à antiga União Soviética, fato este que levou os Estados Unidos a manterem certa distância. Atualmente, com a mudança da equação na região e com o retraimento da Rússia nesta área, a Índia passou a ter presença própria maior e mais importante.

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Há outros pontos de tensão, além do tradicional impasse entre a Índia e o Paquistão, como a questão das relações entre China e Taiwan, por exemplo, situação esta que continua ambígua. O Brasil reconhece Taiwan como parte da China e não como uma República independente. Porém, esta é uma questão interna chinesa que deve ser resolvida através de negociações. Mesmo assim, o País continua incentivando o diálogo entre os dois lados do Estreito de Taiwan.

O terceiro ponto de tensão envolve a Península Coreana, último resquício da Guerra Fria. Atualmente, há negociações entre Coréia do Norte, Coréia do Sul, Japão, China, Estados Unidos e Rússia, a fim de que seja encontrada uma solução que satisfaça às diversas partes interessadas no encaminhamento pacífico da questão. Este é um território extremamente sensível; a Península Coreana é uma área axial daquela região, localizada próximo ao Japão e ao lado da China, além de estar perto da Rússia. Esta situação faz com que qualquer conflito tenha desdobramentos, significativamente negativos, para o resto da região e, em particular, para a Coréia do Sul.

Uma grande catástrofe na Coréia do Norte resultaria em conseqüências desastrosas para a economia da Coréia do Sul. Por outro lado, uma atitude mais agressiva da parte Norte, sobretudo com o desenvolvimento de armas nucleares, poderia causar reações extremamente negativas ao Japão. Há um grande temor por parte de outros países da região, especialmente Coréia do Sul e China, de que o Japão, em uma reação, possa se tornar uma potência nuclear, o que seria igualmente complexo para a região. Desta maneira, é do interesse de todos os países daquela área o encaminhamento satisfatório da questão da Península Coreana.

No que se refere à economia, a China está crescendo rapidamente e, com a economia japonesa em relativa estagnação,

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ela se tornou, praticamente, a locomotiva da economia asiática. A Índia vem se revelando, também, importante na área econômica e poderá vir a ser a segunda ou a terceira grande economia asiática nos próximos anos. Considerando a situação descrita, o Brasil está bem posicionado, visto que possui boas relações tanto com o Japão, como com a China e a Índia.

Em se tratando do Japão, o Brasil tem relações tradicionais que datam de mais de 100 anos. Em 2008, será comemorado o Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. O Japão, nos anos 70, chegou a ser o terceiro maior investidor no País, aplicando, significativamente, na indústria de base e na área agrícola, através de grandes projetos, tais como Carajás, Tubarão, Flonibra/Cenibra etc., projetos nos quais as empresas japonesas tiveram participação marcante. O projeto mais emblemático, e do qual os japoneses têm maior orgulho, é o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), sem o qual Brasília, bem como toda a região do Planalto Central, ainda seria um grande deserto. Graças ao Prodecer, o Brasil se tornou o segundo maior produtor de soja e um grande exportador, o que transformou o cenário da agroeconomia mundial. Com a visita do Presidente Lula ao Japão e a do Primeiro-Ministro Koizumi ao Brasil, em 2004, foi reiniciado o período de dinamismo nas relações bilaterais, após uma fase de relativa paralisia devido às crises da dívida externa brasileira e da economia japonesa. No atual momento, ambos os países estão voltando a crescer, e renasce o interesse na re-dinamização das relações econômicas e comerciais bilaterais.

No que se refere à China, este país se tornou o terceiro maior mercado comprador dos produtos brasileiros. O comércio está crescendo a um ritmo exponencial. O Brasil passou de cerca de um bilhão de dólares, em 1999 e 2000, para quase sete bilhões, no ano passado e, neste ano de 2005, o valor projetado é de dez bilhões de

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dólares. É visível o processo de crescimento das relações econômicas e comerciais bilaterais, não só nas áreas de comércio e de agronegócio, mas, também, nas de indústria e de tecnologia. Os chineses estão investindo no Brasil de forma bastante conspícua e o País, por sua vez, participa de importantes iniciativas na China, com a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), a CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), e a Petrobras (Petróleo Brasileiro), dentre outras. Este tipo de relacionamento tende a se adensar, cada vez mais, e a expectativa é de que a chamada “parceria estratégica entre Brasil e China” se consolide. O marco emblemático desse relacionamento é o projeto de satélite entre os dois países – uma iniciativa sem precedentes entre países em desenvolvimento (o comum seria dois países avançados construírem este tipo de parceria). O fato de Brasil e China estarem cooperando em um projeto de tecnologia avançada, como a de satélites, evidencia as potencialidades deste relacionamento.

Sobre as relações entre Índia e Brasil, tem havido um importante crescimento do relacionamento bilateral. Embora esses países convergissem no discurso e no posicionamento em fóruns multilaterais (no antigo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – Gatt – e, atualmente, na Organização Mundial do Comércio – OMC), em termos de relacionamento direto havia muito pouco. Somente a partir dos anos 90, é que ambos os países passaram a possuir um entrosamento maior, começando pela área de fármacos e, agora, com trocas industriais e agrícolas e pesquisas conjuntas em energia, biocombustíveis, dentre outras. A parceria entre Brasil e Índia é muito importante, visto que, certamente, a Índia será uma das grandes potências neste século XXI e, da parte do Brasil (que, freqüentemente, tem sido indicado como um país emergente, com grande perspectiva de se tornar uma potência no hemisfério Ocidental) também há o interesse de criar elos com as grandes potências do hemisfério Oriental.

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Em um mundo globalizado como o de hoje, é fundamental que o Brasil possua uma visão estratégica, uma percepção muito clara dos seus interesses em relação à Ásia, que é a última grande fronteira onde o Brasil precisa se firmar, pois já está presente no Mercosul (Mercado Comum do Sul), na América do Norte, na Europa e na África. Com esta atitude, o Brasil completará o perfil não só de global trader, mas também de global actor, ou seja, será um país com presença marcante em todas as regiões do mundo.

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ÍNdiA: PAdRÃO dE dESENvOlvimENTO, iNSERÇÃO iNTERNAciONAl,

cONvERgêNciAS POSSÍvEiS.

Professor Sebastião Velasco e Cruz

Universidade Estadual de Campinas

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O palestrante iniciou sua exposição discorrendo sobre as convergências entre Brasil e Índia, convergências que se apresentam e se manifestam de forma evidente no plano diplomático, isto é, no plano das relações multilaterais. Brasil e Índia têm posicionamentos comuns nos planos das negociações comerciais como, por exemplo, na Rodada de Doha (IV Conferência Ministerial da OMC, em 2001); além disso, ambos estiveram à frente do Grupo dos 20 (G-20), com participação e ação incisivas na Conferência de Cancun (2003). Participaram juntos, ainda, da Rodada Uruguai, na década de 80, liderando o conjunto dos países que resistiram à incorporação de temas como “Serviços” e “Propriedade Intelectual” e, anteriormente, na Rodada de Tóquio (década de 70). Em 1948, na Conferência de Havana, Brasil e Índia, juntamente com Austrália e Argentina, estiveram à frente do esforço para incorporar à Carta de Havana a Agenda de Desenvolvimento, o que resultou na frustração do grande projeto desta Carta, que era a constituição de uma Organização Internacional de Comércio.

Atualmente, outra convergência em destaque na imprensa é o empenho comum de Brasil e Índia na reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), mais especificamente na ampliação do Conselho de Segurança. Em 1946, o Brasil chegou a ser cogitado como Membro Permanente desse Conselho e a Índia, que vivia os últimos momentos do seu processo de Independência, já manifestava o mesmo interesse. Dessa forma, fica claro que existem interesses comuns entre ambos os países, apesar da imensa diferença nas trajetórias históricas, nas manifestações culturais, na religião, enfim, em tudo o que os separa como países, para além da distância geográfica.

Para compreender esta convergência é preciso mencionar que o Brasil e a Índia fazem parte de uma categoria de países que aparecem

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na literatura como “grandes países da periferia do capitalismo” ou “grandes países semiperiféricos”. Esta condição comum faz com que ambos, apesar das diferenças já mencionadas, enfrentem desafios similares que se desdobram em duas faces: a face problemática, relativa às questões que se interpelam e se interrogam e, por outro lado, a face das possibilidades contidas no desafio. Brasil e Índia, pela posição que ocupam no sistema internacional, são induzidos a se colocarem de forma análoga, em um conjunto de temas, independentemente da falta de interação entre eles.

Dentre os pontos convergentes, destaca-se a questão dos padrões de desenvolvimento. Na segunda metade do século XX, Índia e Brasil passaram por um profundo processo de transformação econômica. São países que avançaram mais do que a maioria, ou como poucos, no processo de implantação de sistemas industriais complexos. Ambos os países realizaram isso por meio de uma ação propositada e dirigida a partir do Estado, que protegeu este sistema produtivo através de barreiras tarifárias e não-tarifárias. Além disso, o Estado estimulou a atividade econômica por meio de linhas preferenciais de créditos, dirigidas a setores selecionados, e implantou, ainda, segmentos importantes na indústria através de empresas públicas, explorando estes setores pela forma de monopólios estatais. Cabe, portanto, afirmar que Índia e Brasil são casos bastante famosos de Estados desenvolvimentistas.

O Professor Sebastião Velasco assinalou, ainda, algumas diferenças que, sob esse pano de fundo comum, correspondem às divergências observadas nas trajetórias de ambos os países. Em primeiro lugar, cabe mencionar que o desenvolvimento, a política econômica e a política desenvolvimentista, na Índia, são marcados por um esforço autoconsciente, continuado e sistemático de planejamento que não possui similar no mundo, considerando os países externos ao

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antigo Bloco Socialista. O planejamento, na Índia, não foi como no Brasil, isto é, intermitente e parcial, antes, era constitutivo do projeto de construção nacional, formulado na primeira metade do século (principalmente entre 1930 e meados dos anos 40) pela liderança do Movimento Nacional indiano, que envolveu intelectuais e políticos, como Gandhi e Nehru, além da elite intelectual e empresarial indiana.

A idéia era a de que o Estado deveria, conscientemente, transformar a economia, o que ocorreu por meio de um projeto implementado em 1944, mas que iria se materializar, somente, em 1956, com o segundo Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento (atualmente, a Índia está no 10° Plano Qüinqüenal). No final dos anos 60, houve uma interrupção, porém a centralidade do planejamento econômico indiano é um elemento que distingue esse país.

O segundo ponto divergente a ser mencionado diz respeito à prioridade, precocemente, atribuída à indústria pesada na Índia. Brasil e Índia cresceram à base de substituição de importação; a Índia, entretanto, apresenta certa peculiaridade. A transformação da indústria na Índia foi delegada a arquitetos como Nehru e Mahalanobis; este último, o grande pai do planejamento indiano. A meta não era realizar uma substituição fácil ou difícil, a implantação dos setores básicos, a indústria pesada, bens de capital etc. Influenciados e informados pelo êxito da planificação soviética, eles se dispuseram, desde o princípio, a implantar, como condição para o tipo de desenvolvimento industrial que pretendiam, a indústria pesada. Além disso, devido à escassez de recursos, tencionavam limitar o crescimento da indústria leve, produtora de bens de consumo duráveis e não-duráveis.

Esta última questão está relacionada a um terceiro elemento discordante, responsável pela particularização da trajetória indiana,

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que é a decisão de estimular e proteger a indústria artesanal, caseira. A ênfase na preservação e no fomento desse setor está diretamente relacionada a características estruturais da economia. Houve época em que mais de 80% da população viviam nos campos e se alternavam no desenvolvimento de duas atividades sazonais, a agricultura e a indústria artesanal, que o imperativo político (através de uma das alas do Movimento Nacional indiano) desejava transformar em âncora da nova sociedade que buscava criar. É sabido que Gandhi (um dos responsáveis pela reconstrução nacional indiana) possuía uma atitude profundamente hostil à idéia da indústria capitalista.

A idéia de preservar a pequena indústria, e, com isto, os empregos e a dignidade da maior parte da população que vivia nos campos, foi um imperativo, permanentemente, acentuado nos documentos de política econômica indiana que se traduziram em “políticas curiosas” para aqueles que têm contato com a Índia. Um exemplo dessa “política curiosa” é a instituição de reserva de mercado. No final dos anos 80, mais de 800 gêneros industriais eram reservados à pequena indústria, ou seja, havia barreiras institucionais à expansão da indústria capitalista nestes setores.

A quarta particularidade que merece ser destacada é o papel limitado atribuído ao capital estrangeiro no desenvolvimento indiano. Na política econômica indiana de 1940 a 1948, na primeira resolução de política industrial, o capital estrangeiro foi tratado de formas diferentes, ora com desconfiança, de forma restritiva, ora de maneira mais simpática. Entretanto, o que prevaleceu foi a presença de dispositivos que buscavam, efetivamente, limitar o espaço do capital das empresas estrangeiras, entronizando o capital indiano como empresa pública, de um lado, e como capital privado nacional nas posições de liderança, de outro.

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Este conjunto de políticas se consolidou de forma mais plena, no final dos anos 60 e começo dos anos 70, por meio de legislações importantes como a Lei de Patentes indiana, que limitava, fortemente, as rendas das multinacionais, e a lei que impunha, inclusive às empresas internacionais já em operação no país, a diluição do seu controle acionário, permitindo-lhes um teto de 40% de participação.

Trata-se, portanto, de uma economia que, neste particular, possui um padrão muito diferente do padrão industrial brasileiro. E isto se deve ao fato de a Índia, durante todo este período, ter sido um pólo relativamente fraco de atração de capital estrangeiro. O fluxo de investimento direto para a Índia foi sempre muito baixo, durante todo o século e, mesmo agora, quando as reformas econômicas já estão bastante avançadas e vêm sendo praticadas desde o início dos anos 90.

Ainda no que se refere à economia indiana, cabe apontar três pontos principais: o primeiro deles está relacionado ao final dos anos 80, quando a Índia aparecia, entre todos os países e todas as economias fora do Bloco Socialista, como a mais insulada, autárquica e introvertida. A economia indiana não viveu os pesadelos que a sabedoria econômica convencional ameaça a todos que escapam, ou “fogem da cartilha”, embora não tenha deixado de conhecer problemas importantes no plano econômico, os quais alimentavam, desde o final dos anos 60, um forte debate entre os economistas indianos a respeito do caminho a ser seguido.

Desde a sua Independência, a Índia manteve uma trajetória de crescimento baixa (sobretudo se comparada à dos países asiáticos), mas que não passou pelas oscilações bruscas que conhecemos na América Latina, e, particularmente no Brasil da década de 80.

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Também não conheceu recessões profundas. No entanto, com as reformas liberais da década de 90, proporcionou a sua economia um rápido crescimento, que já vinha se configurando desde a década de 80.

O segundo ponto a ser salientado a respeito da economia indiana é que, felizmente, este país não possui a experiência da hiperinflação que se tornou um fardo para o Brasil. Apesar dos desequilíbrios, ela conseguiu manter sob controle seu processo inflacionário.

Em terceiro lugar, cabe mencionar que a economia indiana escapou das grandes crises financeiras internacionais, enquanto o Brasil e a América Latina viviam a experiência amarga da recessão e do desemprego dos anos 80. Além disso, a Índia também passou, praticamente incólume, pelo vendaval que, no final dos anos 90, atingiu a Tailândia, a Indonésia, a Coréia, a Rússia e o Brasil. A economia indiana não conheceu estas crises por uma razão singela: apesar da globalização e de ser, hoje, uma economia muito mais integrada aos fluxos de comércio e de investimento do que foi no passado, ela não apostou na dívida externa como fator propulsor do seu desenvolvimento.

Em se tratando da inserção internacional, as diferenças da Índia em relação ao Brasil são evidentes, basta olhar o mapa e levar em conta, por exemplo, o trauma da divisão, visto que o Paquistão não existia e a Índia era homogênea. A idéia em voga, até o fim, na liderança do Movimento Nacional indiano, era a de que o país fosse um Estado unificado. Entretanto, não foi dessa maneira que o processo ocorreu e este divórcio de comunidades que conviviam sob o Império inglês e, anteriormente, sob o Império Mogul, resultou em um conflito que se traduziu em conflito bélico (1965 e 1971) e que, até hoje, é atualizado, permanentemente, por rusgas e movimentos

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terroristas. Outra particularidade da Índia, no âmbito internacional, é que, a partir dos anos 60, ela e a China passaram por um período de tensas relações e chegaram, também, ao conflito militar.

Após pequena contextualização a respeito da Índia, o palestrante apresentou algumas observações de caráter mais geral para reflexão acerca desse país. A primeira delas é a vocação universalista da política externa indiana. Desde o primeiro momento, quando o país ainda lutava para não se desintegrar, a liderança indiana interpelava o mundo, ou seja, se posicionava a respeito das grandes questões da humanidade.

A segunda observação diz respeito ao imperativo da autonomia nacional. Após ter lutado mais de cem anos pela Independência, a idéia de subordinar-se ao ditame desta ou daquela grande potência não fazia sentido para os líderes do Estado Nacional em formação. Uma das expressões desta atitude é a política consistente de não-alinhamento, que foi o grande vetor da política externa indiana nas décadas de 50 e 60 (a Índia foi o país fundador do Movimento dos Países Não-Alinhados). Outra manifestação indiana relevante foi a denúncia que fez, juntamente com o Brasil, desde o início, contra o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que seria discriminatório.

O palestrante sugeriu alguns pontos para discussão como, por exemplo, a existência de uma relação entre o grau de autonomia que a Índia se permitiu e conseguiu sustentar no plano das relações internacionais, de um lado e, de outro, as características do desenvolvimento indiano, no passado, bem como as observadas no processo de reforma pelo qual sua economia passou na década de 90, quando houve a idéia de redirecionar e diminuir o intervencionismo estatal, abrir maior espaço ao setor privado e ceder a liderança do processo de desenvolvimento ao setor privado e nacional,

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incorporando, também, a empresa estrangeira. Apesar desta realidade, elemento comum às reformas

econômicas observadas em todo o mundo, a Índia apresenta algumas características distintas e muito interessantes como, por exemplo, o fato de o processo de reforma, ao contrário do que aconteceu no Brasil, na Argentina e no México, não ter sido alicerçado em uma crise econômica e nacional profunda.

Em 1991, a Índia viveu um momento de problemas cambiais. O país estava crescendo e havia um déficit público muito elevado. Nessa época, esse problema se traduziu em uma crise diferente da que conhecemos no Brasil e nos países vizinhos, já que foi relativamente suave, superada, rapidamente, dois ou três anos depois. Um diferencial indiano é que não houve recessão, pois, mesmo no momento de crise, o crescimento foi retomado a taxas muito elevadas. Este fato possui uma implicação, já que o processo de reforma na Índia foi muito mais suave do que pudemos observar na Argentina, por exemplo. A idéia do Big Bang, de um pacote de medidas que em pouco tempo redesenha o perfil da economia, não aconteceu na Índia.

Outro ponto pertinente para discussão seria o fato de a Índia não ter privatizado ou de haver privatizado muito pouco. Uma característica comum ao Brasil e à Índia é a forte presença estatal. Vale salientar que o setor estatal, na Índia, é muito maior do que qualquer coisa que tenhamos assistido, ou mesmo pensado, no Brasil, em qualquer momento de nossa história. Na Índia, até o comércio varejista foi, em grande medida, estatizado. O país possui um grande problema no que se refere à alimentação e, por isso, possui mecanismos públicos que garantem o acesso ao alimento por grande parte da população.

A Índia não liquidou as barreiras que reservavam segmentos de atividade industrial à pequena indústria. No final dos anos 80, o

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país possuía 800 segmentos industriais de exploração exclusiva de pequenas e micro empresas. Este número caiu para 500. Até hoje, em plena globalização, este país, que é uma das “meninas dos olhos” dos analistas econômicos de Wall Street, ou de qualquer lugar do mundo, ainda mantém o que, para os analistas, é uma excrescência.

Um terceiro ponto discutível refere-se ao fato de a Índia não ter mergulhado na liberalização financeira como outros países; por este motivo, passou pelas crises de maneira, relativamente, tranqüila. O país sempre possuiu um sistema muito estrito de controle de capital e, apesar das medidas de liberalização, este sistema ainda se mantém.

O palestrante concluiu sua apresentação voltando ao Brasil e fazendo um paralelo entre os dois países, visto que, a despeito das diferenças, ambos compartilham algumas características. Quando vistas comparativamente, as reformas econômicas, no Brasil, também são demoradas, diferenciadas e parciais. Basta pensar nessa outra excrescência, do ponto de vista da sabedoria econômica convencional, que são as instituições públicas, de crédito, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, que têm e continuam tendo papel tão decisivo na economia do País. Outro elemento comum entre os dois países é que, também no Brasil, o vetor autonomia sempre foi um elemento importante na conduta externa.

Considerando as semelhanças entre Brasil e Índia apontadas acima, podemos afirmar que estamos diante de diferenças de graus, visto que, enquanto na Índia houve, desde sempre, um consenso nacional significativo em torno da idéia de que o país precisava se afirmar no plano internacional como um Estado independente, autônomo e voltado a transformar-se em grande potência, no Brasil, por outro lado, este vetor, que nunca deixou de existir, sempre foi contestado por forças externas que pensaram o País diferentemente e de forma muito menor.

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RElAÇõES ENTRE BRASil E ÍNdiA cOmO um fATOR dEciSivO PARA AS RElAÇõES

iNTERNAciONAiS dO BRASil

Professor Cláudio Lopes Preza Júnior

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Em sua palestra, o Professor Cláudio Lopes focalizou as relações bilaterais entre Brasil e Índia. Inicialmente, tratou de aspectos teóricos gerais e, em seguida, apresentou uma análise da situação entre os dois países, uma avaliação da capacidade nacional, os cenários possíveis e apresentou uma conclusão a respeito do tema.

Em se tratando dos aspectos teóricos gerais, o palestrante tratou das implicações acerca da diplomacia bilateral entre Brasil e Índia e suas principais decorrências nas relações internacionais do Brasil. A esse respeito, coube a discussão sobre o papel que a Índia passou a desempenhar; este seria um fator decisivo, a partir do qual, as relações internacionais do Brasil puderam criar novas oportunidades, bem como alternativas nas relações comerciais e estratégicas quanto aos principais centros de poder do cenário internacional.

Este fato pode ser encarado sob duas perspectivas: tanto a partir da magnitude dos países envolvidos e seus potenciais de cooperação, quanto das suas condições de competidores, como aspirantes a países centrais. De certa forma, o Brasil, a Índia e a China têm claras pretensões de serem atores de grande magnitude, com a mesma influência e com a mesma capacidade de alterar os rumos, do ponto de vista positivo do cenário externo. Índia e Brasil estão pleiteando uma vaga no Conselho de Segurança da ONU; entretanto, não conseguem esta inserção, já que dois atores, Japão e Alemanha, com grande influência econômica, já pertencem ao mainstream econômico internacional.

O palestrante, citando o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, afirmou que Brasil e Índia situam-se em uma categoria especial, a dos “grandes países periféricos” que, à revelia de suas intenções, enfrentam as estruturas hegemônicas de poder. Trata-se, portanto, de uma questão macroestrutural, na qual se observa

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como o Brasil e a Índia podem coordenar suas políticas externas na tentativa de superar estas estruturas de poder, como as grandes irmãs do Sistema Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). A questão macroestrutural mostra-se pertinente, na medida em que trata da maneira como os países semiperiféricos podem coordenar ou não suas políticas externas para enfrentar as estruturas hegemônicas. Compreende-se por “países periféricos” aqueles não desenvolvidos, de grande população e de grande território contínuo, não inóspito e razoavelmente passível de exploração econômica.

Quanto às estruturas hegemônicas de poder, estas dizem respeito às condições impostas pelos detentores do status quo aos países periféricos e cujo objetivo é preservar e ampliar seu poder econômico, tecnológico, político, militar e ideológico.

Brasil e Índia são países que constituem uma semiperiferia do sistema internacional, isto é, possuem problemas comuns, tanto de países subdesenvolvidos, quanto de países já industrializados. Neste contexto, nem o Brasil, nem a Índia podem dar-se ao luxo de adotar premissas revolucionárias como referencial para suas relações internacionais. Como salienta Giovanni Arrighi, “A premissa revolucionária relaciona-se nem tanto com ideologia, mas com o comportamento das nações face às normas impostas pelas estruturas hegemônicas. Por este motivo, a Alemanha nazista, ao desafiar o Tratado de Versalhes e a Sociedade das Nações, teria adotado a premissa revolucionária nas suas relações internacionais”.

As palavras de Arrighi são pertinentes pelo fato de mostrarem que países do porte, da estrutura e da inserção do Brasil, da Índia e da África do Sul necessitam adotar políticas internas que lhes possibilitem adentrar o sistema, sem adotar a premissa revolucionária

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capaz de criar uma ruptura de dimensões semelhantes às da Segunda Guerra Mundial. Brasil e Índia, bem como os grandes “países-baleia”, necessitam coordenar suas políticas externas, fugindo, assim, da premissa da revolução no sentido de quebrar a estrutura; ao contrário, é preciso implementá-la.

Esses dois países não podem se dar ao luxo, ainda, de se comportarem como excluídos e, adotando tal premissa revolucionária, tão pouco devem aceitar as normas impostas pelas estruturas hegemônicas. Padecem da contradição de, simultaneamente, terem de competir entre si por capitais, tecnologias e mercados, e, por outro lado, apoiarem-se mutuamente com objetivo de mudar as regras de um jogo que, como está, não lhes reserva grande papel. Se não coordenarem suas forças, certamente não conseguirão impor as mudanças que lhes são necessárias, no sentido de aproveitar as janelas de oportunidades e de desenvolvimento. Dessa maneira, juntos e por dentro do sistema, Brasil e Índia tendem a modificar as normas vigentes, a fim de, ao menos, assegurarem sua própria sobrevivência.

Considerando as relações bilaterais Brasil-Índia, cabe destacar a questão de como o Brasil coordenará sua política externa e as cooperações estratégicas, pois o País possui campos de cooperação na área de biotecnologia, de fármacos, de tecnologia espacial e cooperação no sentido de alterar as estruturas internacionais, o Conselho de Segurança das Nações Unidas etc. Mas, ao mesmo tempo, na medida em que existe um acordo preferencial entre Mercosul e Índia, com redução de tarifas e aumento dos fluxos de comércio, no futuro, é provável que haja áreas de atrito entre ambos. Sendo assim, é necessário pensar, desde já, em como coordenar estas possíveis dificuldades. Um exemplo desse cenário a ser evidenciado é o de que a Índia, atualmente, é um dos maiores produtores mundiais de

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software e o Brasil, aumentando sua produção, poderá, futuramente, tornar-se seu concorrente na disputa por mercado.

Paralelo a esta situação, há o fato de a Índia se afigurar como um mercado potencial para produtos brasileiros devido ao tamanho e às potencialidades de sua população. Sendo assim, haverá sempre uma “via de mão dupla”. Futuramente, teremos áreas de crescentes cooperações, entretanto, poderemos ter, também, áreas de crescentes atritos.

Na coordenação de políticas internacionais, Brasil e Índia tentaram realizar, juntos, durante a década de 80, o Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e o G-10 (Grupo dos Países em Desenvolvimento) que pretendiam defender os interesses econômicos e comerciais desses países, mas que não lograram maiores êxitos, pois se transformaram em G-2, composto por Brasil e Índia, sendo que, no final da década de 80, o Brasil sofreu um refluxo, ainda no Governo Sarney, e a Índia ficou sozinha neste projeto.

Logo após, o palestrante apresentou uma análise da situação de Brasil e Índia, considerando três aspectos: a situação nacional, a internacional e os planos nacionais. No que diz respeito à situação nacional, devem ser consideradas as vontades dos atores internos, que inclui setores da indústria microeletrônica, como eletrônicos de consumo e semicondutores; setor de telecomunicações aeroespacial; indústria farmacêutica; biotecnologia; tecnologia ligada à infra-estrutura, como energia ou, no caso dos combustíveis gerados a partir de plantas, como o álcool; e transporte. Este último, dificilmente, é discutido; entretanto, se, futuramente, as relações econômicas entre Brasil e Índia se adensarem, a questão de transporte passa a ser fundamental, desde o transporte marítimo, até os vôos para a Índia, que são muito longos, em pouco número e com poucas linhas aéreas.

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No futuro, precisaremos de rotas que liguem Brasil, África do Sul e Índia de uma maneira mais eficaz.

No que tange à informática, por exemplo, entra também o papel do software, além da liberação de serviços e das compras de governo, que é pouco discutido, mas, em um futuro acordo comercial entre Índia, Brasil e África do Sul, existe a possibilidade de um forte entrelaçamento entre as economias que propicie a concorrência em compras públicas.

A situação nacional passa pela análise destes grupos internos industriais e comerciais de cada um dos atores. A atual gestão, desde 2004, com a visita do Presidente Lula à Índia, tenta efetivar, realmente, as relações bilaterais, câmaras de comércio e subcomitês. Sendo assim, a situação nacional se apresenta como a questão mais densa, no sentido de ser necessário identificar os pontos de atritos e os pontos de convergência.

Em se tratando da situação internacional, esta é uma questão com características geoestratégicas, pois são examinados eventuais parceiros ou rivais da realização do plano proposto. Neste caso, inserem-se tanto os condicionantes, quanto os empecilhos que determinam as relações bilaterais em perspectiva contraditória já aludida, ou seja, fruto da condição de cooperação e competição mantida entre os dois países, com ênfase na atuação de terceiros e situações padrão como, por exemplo, as posições dos Estados Unidos, da Rússia e da China com respeito ao relacionamento bilateral entre Brasil e Índia, bem como a cooperação em fóruns internacionais, como o Gatt (OMC, a partir de 1994) no qual Brasil e Índia procuram coordenar esforços sem, no entanto, obterem maiores êxitos.

A partir da situação nacional e da internacional, pode-se pensar na análise dos planos nacionais de cada um dos dois países, os quais

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dimensionam o próprio escopo da diplomacia bilateral. Nesta fase, entra a análise acerca dos rumos ou da atuação do Governo brasileiro nas áreas onde já se opera a cooperação com a Índia.

Na análise dos planos nacionais, em particular do plano do Governo brasileiro, faz-se necessário catalogar todos os dados para, assim, efetuar a relação bilateral. Caso não seja este o procedimento, não se conseguirá efetivar, de forma concreta, projetos que podem ser fundamentais para países como Índia, África do Sul e Brasil. Alguns teóricos falam sobre uma futura “pentarquia”, ou de um “pentágono mundial”, composto pelos Estados Unidos, a União Européia (que seria liderada pela Alemanha ou pela França); por países da região Ásia-Pacífico, liderados pelo Japão e seu entorno; e mais dois países, China e Rússia. Dada esta “pentarquia”, os países que ficaram de fora comporiam uma alternativa, a IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Haveria uma ligação entre o Atlântico Sul e o Índico, promovendo uma aliança paralela e criando oportunidades para estas economias de grande porte.

A partir do estudo da situação, têm-se elementos necessários para dar seguimento à análise destes atores, passando por um maior aprofundamento da avaliação da capacidade nacional dos mesmos. Esta capacidade nacional deve ser considerada em três dimensões fundamentais: as necessidades básicas, os óbices e a capacidade nacional. Em se tratando da avaliação das necessidades básicas – que inclui a sustentabilidade, o processo econômico e a própria cadeia produtiva – e os seus impactos – positivos ou negativos – nas relações bilaterais face ao interesse nacional e à realização dos objetivos do Governo brasileiro (afirmados no plano interno ou externo), devem ser considerados o desenvolvimento sustentável e a participação no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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Em se tratando da análise dos planos do Brasil no que tange aos óbices, são consideradas as dificuldades resultantes da ação de atores internos ou externos – da situação internacional – que expressam tendências à maior ou menor cooperação, ou, em contrapartida, ao maior ou menor potencial de conflito. Integram este quesito desde aspectos envolvendo a balança comercial até as ações de terceiros países que incidem sobre as relações bilaterais.

Por fim, no que diz respeito à capacidade nacional, esta inclui as estimativas sobre as atuais capacidades do país. No caso do Brasil, temos telecomunicações relativamente avançadas, produzimos fibras óticas, possuímos a capacidade de produzir e avançamos na tecnologia de lançamento de satélites (embora, neste ponto, a Índia esteja à frente do Brasil).

Qual seria a relação dessas conquistas, por exemplo, com as opções em torno das relações com a Índia?

Cabe ressaltar que o consenso interno da Índia em torno de sua industrialização foi muito maior do que no Brasil, no sentido de que os indianos conseguiram patamares de avanço tecnológico na indústria genuinamente nacional, em setores de high technology, enquanto o Brasil ainda possui algumas falhas. Este seria, portanto, um ponto de cooperação. Paralelo a esta questão, há que se pensar na viabilidade desta parceria, na medida em que se poderia estar criando futuros problemas de competição.

O palestrante apresentou alguns dados referentes às relações entre Brasil e Índia. Segundo ele, embora seja consideravelmente alto, o potencial das relações comerciais entre esses países, a efetividade destas relações ainda é muito baixa. Os dados apresentados são de 2002, da Secretaria da Receita Federal, relativos às exportações brasileiras segundo os principais países de destino. Embora a posição

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da Índia, como parceira comercial do País, tenha melhorado, ainda está muito aquém do que pode, efetivamente, vir a ser, visto que a Índia ocupa apenas o 19º lugar dentre os países que são destinos das exportações brasileiras.

Dentre os principais produtos de exportação brasileira para a Índia, em 2002, 75% do comércio brasileiro estão em dois grupos principais: o grupo 27 (combustíveis, óleos e ceras minerais) e o grupo 15 (gorduras, óleos e ceras de origem mineral/vegetal). Isso significa que há a necessidade de progredir nas relações com a Índia.

Quanto às principais mercadorias da pauta de importação brasileira originária da Índia, em 2002, estas também se acumularam em poucos grupos: 27 (combustíveis, óleos e ceras minerais), 29 (produtos químicos e orgânicos) e 30 (produtos farmacêuticos). Estes dados mostram, portanto, que há um potencial de crescimento das importações em outros ramos; mostram, ainda, que a pauta está concentrada, apesar de poder ser mais diversificada e, na medida em que isso ocorrer, há a possibilidade de aumentar o seu volume.

O palestrante apresentou cenários possíveis que surgem como possibilidades de aproximação da realidade, feitos com base no acervo acumulado, inicialmente. Os cenários se referem a uma mesma realidade que pode ser enfocada sob três pontos de vista diferentes: um positivo, um negativo e um intermediário. No primeiro, o positivo, que seria o “cenário alfa”, Brasil e Índia conseguem coordenar seus esforços nas questões de política internacional, no Conselho de Segurança da ONU; coordenar um novo grupo, no contexto das rodadas da OMC, bem como coordenar seus interesses de política internacional; e, por fim, integrar a troca de tecnologia e aumentar as pautas de exportação e importação.

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No que se refere à possibilidade negativa – o “cenário delta” –, todas estas tentativas são fracassadas, a pauta não aumenta, as áreas de atrito surgem e o sistema de integração é bloqueado.

Por fim, a possibilidade intermediária seria o “cenário beta”, que pretende se aproximar da realidade mais provável. Ela surge do confronto entre a perspectiva otimista (alfa) e a pessimista (delta), ajustando as intercorrências em um módulo intermediário. Por isso, os cenários servem como subsídio, pois se trata da materialização do esforço prospectivo para tomada de decisões em torno dos ajustes e do contorno dos óbices, visando minimizar os custos e maximizar os ganhos para o projeto nacional.

O palestrante encerra sua fala, apresentando uma conclusão acerca das relações entre Brasil e Índia. Afirma que ambos necessitam aprofundar os estudos recíprocos sobre as condições que conduzem à concretização de uma parceria estratégica, a fim de que seja possível adiantar possíveis impasses neste processo, o qual se pode afigurar como uma importante alternativa para as políticas externas do Brasil e da Índia. Ao mesmo tempo, este sistema de integração pode ser ampliado, inclusive para parcerias com outros atores importantes e em condições similares de atuação no cenário internacional como, por exemplo, a África do Sul. No futuro, pode ser estabelecida uma parceria que coordene as potencialidades e interesses destes atores, com o aprofundamento de um cenário que leve à perfectibilização de uma aliança IBAS, a qual, também, poderá servir de ponte para uma estratégia de coordenação contra as potências emergentes como, por exemplo, a República Popular da China.

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PARTiciPAÇÃO dO dEBATEdOR

Professor Antonio Jorge Ramalho da Rocha

Universidade de Brasília

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Após as palestras que compunham o primeiro bloco, teve início a sessão de debates, com a participação do Professor Antonio Jorge Ramalho da Rocha no papel de debatedor.

Segundo o Professor Antonio Jorge, o Professor Cláudio Lopes, em sua exposição, se ateve à relação entre Brasil e Índia e trouxe alguns dados importantes para apresentar a análise das relações entre os dois países. Há um descompasso muito grande, como anunciado pelo Embaixador Fujita, entre discurso e realidade no que tange à relação entre os dois países. Os dados mais recentes do comércio entre Brasil e Índia apontam para a manutenção dessa corrente comercial; entretanto, desde o ano passado, tem havido um aumento bastante significativo. As exportações brasileiras para a Índia, nos primeiros quatro meses do corrente ano, ficaram em 1,1%, em relação a 0,3% do mesmo período do ano passado. As importações, por sua vez, ficaram em 1,6% este ano, contra 0,7% do ano passado. Porém, cabe ressaltar que tudo isso está bastante concentrado, pois 70% das exportações brasileiras para a Índia, são de, apenas, quatro produtos, enquanto 42% das importações do Brasil são de um único item. Ao menos no plano do comércio, ainda não se pode falar em parceria estratégica.

De acordo com o debatedor, os dois palestrantes, Professor Sebastião Velasco e Professor Cláudio Lopes, partiram de uma perspectiva de apresentação para um auditório que não era tão familiarizado com a Índia. É difícil saber, segundo ele, se uma pessoa é familiarizada com esse país, visto que se trata de uma região extremamente complexa, que possui 17 idiomas oficiais e tem problemas de fronteira com, praticamente, todos os seus vizinhos; um país onde, apesar de proibido, desde a Independência, em algumas regiões do interior ainda é tradição queimar mulheres com os corpos dos seus maridos quando estes morrem; lugar onde, freqüentemente,

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são lidas nos jornais notícias de confrontos por questões étnicas e religiosas, que resultam na morte de centenas de pessoas e de tantas outras vítimas feridas. Além disso, a Índia é um país onde um sistema de castas ainda funciona e comanda, em grande medida, processos políticos. Trata-se, portanto, de um país complexo e, se o compararmos com o Brasil, percebemos que a situação brasileira é, significativamente, mais palatável e mais fácil de lidar.

Ainda segundo o Professor Antonio Jorge, os dois palestrantes tiveram o mesmo enfoque: ambos partiram de uma visão da influência do sistema internacional sobre a inserção mundial de cada um dos dois países. Esta visão os caracteriza como grandes países de uma periferia, ou talvez de uma semiperiferia. Trata-se, portanto, de uma visão semiperiférica das relações internacionais, explicitada pelos dois expositores. Entretanto, esta constitui uma análise de ações externas que, por um lado, privilegia apenas a influência de processos econômicos sobre a conformação política e, por outro, a inserção internacional desses países. Por serem grandes países periféricos, esses dois “países-baleia” são percebidos por diferentes agentes do contexto internacional e presume-se que eles sofram o mesmo tipo de pressão e estejam diante de desafios da mesma natureza. E, justamente, por compartilharem semelhanças, necessitam coordenar políticas que visem mudar as regras de um jogo internacional que lhes desfavorece.

As apresentações iluminam determinados aspectos da realidade internacional. Omitem, porém, um conjunto de outros pontos, como, por exemplo, as características e os processos políticos internos de cada um destes países.

A Índia é uma nação que, de acordo com o debatedor, funciona, milagrosamente, como democracia. Mesmo considerando a complexidade desse conceito, de um modo ou de outro, as diferenças

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entre grupos na Índia, assim como no Brasil, felizmente, se resolvem com base nas instituições que lá existem, e as pessoas se sentem representadas nestes espaços. Entretanto, há que se destacar que estas grandes democracias enfrentam problemas políticos internos distintos e os processos são desenhados de uma maneira que, talvez, as distancie mais do que as aproxime.

A análise do argumento em comum, de países semiperiféricos, semelhantes e que tenderão a coordenar políticas para mudar as “regras do jogo” – deve considerar, ao menos, três aspectos: não há, propriamente, um questionamento a estas “regras”, para utilizar uma metáfora futebolística, antes, há uma inconformidade com o seu “lugar no campeonato”; as pessoas não estão preocupadas com o fato de que a fila se faz desta maneira, antes, preocupam-se com o lugar que ocupam nela. Logo, ao se falar em mudança, não se quer dizer, propriamente, mudar as regras do jogo, mas mudar a sua posição naquele campeonato.

Ainda sobre as apresentações dos palestrantes, o argumento de semiperiferia é, de certa maneira, um non sequitur. Alguns países, como a Coréia, os Tigres Asiáticos em geral e, futuramente, a China, conseguiram alterar suas posições neste jogo sem, necessariamente, se associarem a outros países semelhantes. Do ponto de vista indiano, o que existe é uma postura, significativamente, mais pragmática, no sentido de afirmar que existem conjuntos de interesses convergentes. Em alguns dos fóruns multilaterais, bem como em algumas das áreas comerciais, os indianos observam que seu conjunto de interesses tem uma intersecção com o conjunto de interesses brasileiros, cabendo, portanto, realizar alianças ad hoc.

O debatedor afirmou possuir uma postura cética em relação ao entusiasmo com que se fala de iniciativas como a Iniciativa IBAS

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(Índia-Brasil-África do Sul). Ele acredita que elas devam existir e prosperar, entretanto, não constituem uma aliança estratégica. Continua-se falando e acentuando um descompasso que existe entre o discurso e a realidade do Brasil e da Índia, quando existe uma alternativa que seria mais pragmática, no sentido de mostrar em que medida interessa uma aproximação maior do Brasil com este país.

O que vem acontecendo nos últimos anos são avaliações circunstanciais de convergências de interesses, isto é, subconjuntos nos quais há interesses compartilhados e, como pano de fundo, existe um discurso de uma aliança estratégica, que não existe, pois, se analisarmos os dados comerciais, a cooperação entre os governos é consideravelmente recente, cautelosa e apenas representa o sinalizador de um desejo de maior aproximação. Embora a possibilidade de uma aliança estratégica deva ser estudada, cabe ressaltar que, atualmente, não há esta aliança, há apenas envolvimentos entre Brasil e Índia e não, propriamente, um compromisso, diferentemente da relação entre Estados Unidos e Grã Bretanha, por exemplo.

O Professor Antonio Jorge concluiu sua participação afirmando haver uma grande necessidade de se desenvolver capital humano, capaz de compreender as diferenças entre estes países e, assim, produzir insumos, tanto para as decisões do governo, quanto de investimentos dos agentes privados. Ainda de acordo com o debatedor, não se sabe se a tendência é de uma maior aproximação ou de uma perpetuação desta relação de envolvimentos, permeada por um discurso diplomático, mais entusiástico da parte do Brasil que da Índia. O que tem ocorrido é um crescimento da Índia, do ponto de vista econômico, de uma maneira mais dinâmica que do Brasil; as tensões internas aqui estão se acentuando, ao passo que, lá, estão diminuindo. O contexto estratégico regional apresenta-se como um elemento fundamental para entender se haverá ou não um

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grau maior de liberdade por parte destes países para se aproximarem um do outro.

Um último aspecto que merece ser destacado diz respeito ao fato de a Índia enxergar sua relação com o Brasil sob a perspectiva de longo prazo. Os indianos tiveram condições de manter essa perspectiva no desenvolvimento de sua economia, visto que o modo como lidam com o tempo é distinto (eles pensam em termos de geração). A Índia se vê como um país hábil, com uma cultura complexa, uma massa capaz de receber culturas distintas e absorvê-las sem misturá-las, ao passo que o Brasil se vê como uma espécie de melting-pot. Sendo assim, o nosso País tem muito mais pressa em realizar esta parceria, ao passo que os indianos têm mais paciência para esperar a evolução dos acontecimentos e analisar, pragmaticamente, em que medida lhes interessará ir além desses envolvimentos referidos anteriormente.

Participação da Plenária

Dando seguimento às discussões, o Ministro José Carlos de Araújo Leitão, Coordenador de Estudos da Saei e mediador do Seminário, iniciou a discussão, dirigindo duas perguntas aos Professores Sebastião Velasco e Cláudio Lopes, respectivamente. Na primeira pergunta, o Ministro levantou a questão de a economia autárquica e os movimentos econômicos ou socioeconômicos, na Índia, terem impedido este país de ser uma potência emergente neste início de século XXI, visto que essa economia serviu de escudo para afastar os pesadelos econômicos na década de 80 e, em seguida, nos anos 90, para caracterizar o país pela não-privatização, ao contrário de outros (como o Brasil, por exemplo).

A segunda pergunta, dirigida ao Professor Cláudio Lopes, dizia respeito às previsíveis áreas de atrito, mais precisamente, quais seriam

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elas e quais seriam, também, os produtos brasileiros que atribuem à Índia o status de mercado potencial para consumi-los.

O Professor Sebastião Velasco iniciou a resposta, retomando a fala do debatedor, Professor Antonio Jorge, e afirmou que, efetivamente, o que há entre Brasil e Índia, Brasil e China e outros países são convergências ad hoc, que não devem ser confundidas com o tipo de laço que há entre Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo. Em se tratando das relações do Brasil com os países em questão, o que há é um total acordo, o que não exclui o fato de o Brasil ter, com esses países, convergências tópicas raras, ao passo que, com outros, há convergências tópicas mais freqüentes, como é o caso da relação entre Brasil e Índia.

No que diz respeito à questão da economia autárquica, apesar da Índia ter vivido, durante muito tempo, taxas de crescimento inferiores, frustrantes para os próprios indianos e para os dirigentes de sua política econômica, o país passou por uma transformação, aproximando-se mais da Coréia que do Brasil. Não foi um desenvolvimento nacional com capacidade de geração interna de tecnologia superior a do Brasil, mas um sistema de certos escudos, os quais permitiram que a Índia não sofresse os impactos brutais das crises financeiras internacionais, como ocorreu com o Brasil.

Um fato que deve ser destacado é que, na situação vivida pela Índia, o mais importante não é o que foi feito ou não, mas o que houve, no passado, e continua havendo: o exercício permanente de seleção daquilo que convinha ou não aos seus interesses nacionais. Em se tratando de políticas de reforma na Índia, cabe dizer que a mudança econômica indiana não é uma questão que venha de fora, ao contrário, os discursos das reformas econômicas no mundo são, significativamente, influenciados pela crítica que os economistas indianos fizeram ao planejamento do seu país, sobretudo o dos anos 60. E, neste ponto, há uma divergência entre

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Índia e Brasil, pois ignoramos nossos economistas genuínos, pensadores independentes, enquanto que a Índia foi, e continua sendo, sementeira de inteligência econômica para o mundo.

Havia uma crítica à experiência do planejamento indiano, porém esta crítica, posteriormente, se traduziu nas reformas econômicas que, embora tenham começado nos anos 80, foram efetivamente implementadas somente a partir dos anos 90. São reformas que têm o sabor indiano, ou seja, o que não ocorreu na Índia foi a incorporação à crítica de um pacote universal. Cabe ressaltar que não há uma economia global, antes, economia global é o resultado emergente das ações e dos processos que acontecem nas cadeias produtivas dos países. Desse modo, o que temos em algumas regiões, e não em outras, é a adesão ao que vem, como receita, aviada por instituições que se encontram nos centros nevrálgicos do sistema internacional que, embora seja um sistema econômico, é também um sistema de poder.

O Professor Cláudio Lopes iniciou fazendo um breve comentário sobre as questões debatidas pelo Professor Antonio Jorge. Ele afirmou concordar que, do ponto de vista de um maior incremento de relações econômicas, o pragmatismo é o que, realmente, leva aos maiores sucessos, como foi o caso do Mercosul, por exemplo, nos seus primeiros momentos. Entretanto, o Professor Cláudio Lopes afirmou discordar da opinião do debatedor sobre a questão da clivagem de centro e periferia, pois o futuro das relações internacionais seria, certamente, superar essa dicotomia. Evidentemente, este é um ideal kantiano, mas que persiste. Há uma série de condicionantes que caracterizam países que têm posições centrais e periféricas, dentro desta grande periferia. Existem países que encontraram caminhos, como o Chile ou a Coréia, por exemplo. Ressaltou que, talvez, esta não fosse a melhor comparação com países do porte de Brasil, Índia ou África do Sul, pois, talvez, estes países não pudessem seguir o caminho do Chile.

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Em se tratando do sucesso econômico indiano, certamente, parte dele está ligado a uma concepção mais azeitada de Estado regulador. O palestrante enfatizou que centro e periferia parecem, ainda, uma clivagem analítica que permite pensar que países como Brasil e Índia precisam de uma parceria estratégica. Além disso, reiterou o fato de não haver parceria estratégica semelhante a que há entre Reino Unido e Estados Unidos.

Respondendo à pergunta feita por José Carlos de Araújo, segundo o Professor Cláudio Lopes, as principais áreas de atrito, no futuro, podem ser as de softwares e fármacos, dentre outras. Entretanto, dado o progresso das economias chinesa e indiana, é possível que, posteriormente, Brasil e Índia possam sofrer os mesmos desgastes que, atualmente, China e Brasil sofrem, principalmente na classificação dos produtos de consumo, de bens duráveis ou não-duráveis, pois, na medida em que a economia chinesa tende, cada vez mais, a se sofisticar, a economia indiana poderia, principalmente devido às reformas da década de 90, implementar suas indústrias de bens de consumo, o que poderá gerar atritos entre Brasil e Índia, como os que são relativamente normais entre Brasil e China, atualmente.

Dando continuidade à sessão de perguntas, o Senhor Jairo de Macedo Queiroz Neto, da Secretaria da Receita Federal, perguntou ao Professor Sebastião Velasco até que ponto o modelo de desenvolvimento econômico indiano é, de fato, eficiente, haja vista o enorme preço da degradação ambiental, como na China, e outros aspectos sociais. Ele levantou a possibilidade de o modelo brasileiro ser mais eficiente, já que, tanto em questões sociais como ambientais, verifica-se maior desenvolvimento em termos de índices socioeconômicos.

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Segundo o Professor Sebastião Velasco, é difícil fazer este tipo de comparação. Neste caso, o que deve ser considerado é que, em relação à preservação ambiental, a situação do Brasil não é tão boa.

A Senhora Analice Barreto Aquino, estudante da Uneb (União Educacional de Brasília), indagou ao Professor Cláudio Lopes acerca do que está sendo feito no sentido de implementação do comércio entre Brasil e Índia, no setor têxtil, e quais são as vantagens e desvantagens deste tipo de negócio.

De acordo com o Professor Cláudio Lopes, a Câmara de Comércio Brasil-Índia tem feito muitos estudos sobre este tema. Entretanto, trata-se de uma futura área de atrito, pois seria este um dos bens de consumo não-duráveis.

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umA viSÃO BRASilEiRA dA chiNA

Professor Severino Bezerra Cabral Filho

Escola Superior de Guerra

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Inicialmente, o palestrante teceu comentários acerca da relevância da parceria entre Brasil e China, e chamou atenção para a importância do diálogo com um país do outro lado do mundo, de cultura e história tão diferentes da brasileira, mas que compartilha conosco desafios comuns. Segundo ele, esta é uma oportunidade não só de o Brasil pensar no outro país, mas, também, pensar nele próprio, na sua realidade e situação no mundo. Além do comentário, o Professor Severino Cabral fez uma breve exposição da história da relação entre Brasil e China.

Em se tratando das relações sino-brasileiras, é pertinente fazermos referência aos últimos 30 anos, deixando claro que esse laços, no sentido macro-histórico, do Brasil com a China, não se limitam a este período de três décadas de relações políticas e diplomáticas.

Na verdade, pode-se afirmar que a história do Brasil, desde o princípio, está relacionada com a China (episódio das navegações portuguesas e do Descobrimento do Brasil). E, desde os primeiros séculos da fundação da nacionalidade brasileira, o País possui intenso contato cultural com o mundo asiático, como provam vários elementos da nossa cultura.

O marco firmado há 30 anos deve ser considerado quando se trata de traçar um perfil da relação do Brasil com a China e estabelecer algumas linhas de ação para o futuro. Para tanto, é interessante examinarmos, primeiramente, o contexto em que se deu o estabelecimento de relações entre esses dois países.

Em 1949, quando a República Popular da China foi proclamada, o Brasil, como todos os aliados ocidentais dos Estados Unidos, não reconheceu o Governo e, portanto, o estabelecimento daquela República. Após 20 anos, os norte-americanos refletiram sobre o erro

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cometido e, em 1971, a China entrou para o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Em 1972, a viagem de Nixon à China abriu, para o Ocidente, o diálogo com aquele país. O Brasil, porém, já havia feito uma primeira incursão nos anos 60, quando o Vice-Presidente João Goulart realizou uma famosa viagem ao país, juntamente com o Governador Franco Montoro, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Evandro Lins e Silva, e o Chanceler Araújo de Castro (um dos mais notáveis nomes da diplomacia brasileira). Esta delegação foi recebida pelos dois grandes líderes da China, Mao Tse-Tung e Chu En-Lai, dando-se, assim, os primeiros passos para o estabelecimento de um diálogo comercial e econômico entre os dois países, o que, infelizmente, foi interrompido em 1964 (devido à instauração da Ditadura Militar brasileira).

Em 1974, acontecia a Guerra Fria. O mundo estava dividido em dois pólos (o socialista e o capitalista) liderados pelas duas superpotências mundiais que detinham um grande arsenal nuclear e que se ameaçavam, mutuamente, e ao mundo, de extermínio. Dentro desses dois blocos que se opunham – não só por rivalidades econômicas e políticas, mas também por antagonismos ideológicos profundos - havia o Brasil, cujo governo militar possuía ideologia anticomunista e, do outro lado do mundo, a República Popular da China, vermelha, governada pelo Presidente Mao Tse-Tung e que exaltava o seu fervor comunista, a ponto de denunciar a União Soviética como revisionista.

Brasil e China se encontravam, portanto, em posições diametralmente opostas. Neste mesmo ano, entretanto, estes dois extremos se encontraram de uma maneira extraordinária. Todos que viveram na época se lembram da famosa capa do jornal Opinião que trazia o Chanceler brasileiro Azeredo da Silveira brindando, com o

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Chefe da Delegação chinesa, o estabelecimento de relações entre os dois países. Este notável acontecimento não foi produto do acaso, mas de uma iniciativa premeditada por parte do Brasil.

Neste mesmo ano de 1974, deu-se a reversão do estremecimento de 1964. Em pleno governo militar, o Presidente General Geisel e o seu Chanceler Azeredo da Silveira retomaram a linha política do Governo brasileiro do início dos anos 60. Sob a fórmula do pragmatismo responsável, retomou-se grande parte do conteúdo das idéias forjadas nos anos 50, por tendências importantes que determinaram, e determinam ainda, a ação política do Brasil no mundo: a busca da independência e da defesa dos seus grandes interesses, que são os interesses de uma nação continental e de grande dimensão. Assim, o Brasil não poderia se limitar a ser uma pequena província do hemisfério Ocidental, o País possui grandes interesses no diálogo com todas as potências do mundo e entrevê a China como uma potência de problemáticas semelhantes.

Nesse histórico encontro do Chanceler Azeredo da Silveira, ele proferiu as seguintes palavras: “Nossos governos têm enfoques distintos para a condução dos seus respectivos estilos nacionais. Ambos consideram, no entanto, que é um direito inalienável de cada povo, o de escolher o seu próprio destino. O que é fundamental sim é que, nas suas relações internacionais, os governos estejam dispostos a, efetivamente, respeitar esse direito. O Brasil e a República Popular da China convergem nesse propósito, fundamos nosso relacionamento nos princípios do respeito mútuo à soberania e de não-intervenção nos assuntos internos do outro país. Esses são os alicerces da nossa amizade”.

As palavras do Embaixador Azeredo da Silveira, Ministro das Relações Exteriores do Governo Geisel e um dos grandes nomes

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da diplomacia brasileira, foram respondidas, do lado chinês, com palavras também significativas, proferidas pelo Chefe da Delegação, Chen Chien: “Não é mera coincidência que assim seja; constitui o comércio também veículo para o entendimento entre as nações. Estamos certos que esse também será o caso entre as nossas nações. Mas, vimos com satisfação que temos pontos comuns em vários aspectos. A China e o Brasil, como países em vias de desenvolvimento, defrontam-se com a mesma tarefa de salvaguardar a independência e a soberania nacionais, desenvolver a economia nacional e lutar contra a política de força das superpotências”.

Nas palavras de ambos, está o significativo enlace político entre esses dois grandes Estados do mundo em desenvolvimento. Ambos pretendiam defender a sua soberania, autonomia e independência face à política de força das grandes potências. Este era, concretamente, o objetivo da China Popular, assim como o do Brasil, do milagre econômico, do momento em que o Brasil crescia 10% ao ano.

Transcorrido o acontecimento de 1974, quando se dá o reconhecimento e o estabelecimento das relações entre os dois Estados, muitos fatos marcaram o mundo posteriormente. Após esse ano, ocorreu, na própria China, depois da morte do Presidente Mao Tse-Tung, o começo de um extraordinário processo de reforma e de abertura, organizado, liderado e coordenado por seu arquiteto geral Deng Xiao Ping, que mudou a face do país e, em parte, a do mundo, tal o ímpeto deste desenvolvimento.

Em se tratando do Brasil, após 1974, houve o fim do ciclo militar e a restauração do regime democrático com as presidências de José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, Luiz Inácio Lula da Silva. No processo internacional, houve modificações importantes como,

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por exemplo, a instauração do Pós-Guerra Fria, um período de descongelamento e de relativa estabilidade; houve, ainda, grandes fricções e estourou uma grave crise quando os Estados Unidos da América foram surpreendidos com atentados terroristas de grandes proporções em seu território.

No que diz respeito à relação Brasil-China, após 1974, houve um adensamento, um crescimento dessas relações. Em 1984, ocorreu a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro à China, ainda dentro do ciclo militar – o General Figueiredo. O tema da conversa entre o líder chinês e o General brasileiro foi salvaguardar a soberania e a independência de ambas as nações, sendo este um tema permanente e recorrente de interesse mútuo.

Em 1988, o então Presidente José Sarney visitou a China, ocasião em que foram estabelecidos vários acordos, dentre eles, um (fundamental) que possibilitou à China e ao Brasil construírem, em conjunto, um satélite de sensoriamento dos recursos naturais da terra e, com este acordo, quebrar o monopólio dos países industrializados.

Nesse mesmo ano, Deng Xiao Ping recebeu o então Primeiro-Ministro da Índia, Ragiv Gandhi. Na conversa com este último, Deng Xiao Ping declarou que: “O verdadeiro século da Ásia-Pacífico, ou da Ásia, só existirá quando a China, a Índia e os demais países vizinhos tiverem se desenvolvido. De igual modo, não haverá nenhum século da América Latina sem o desenvolvimento do Brasil. Por isso, devemos focalizar o problema do desenvolvimento, elevando-o à altura de toda a humanidade e observá-lo e resolvê-lo partindo desta altura. Somente desta maneira adquirir-se-á a consciência de que o problema do desenvolvimento é de responsabilidade tanto dos países em desenvolvimento como dos países desenvolvidos”.

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Nos anos que se seguiram, a China vivenciou o desaparecimento da antiga liderança: Deng Xiao Ping faleceu e Jiang Zemin, que representa uma liderança mais jovem, assumiu o poder e estabeleceu, juntamente com o Brasil, a retomada do antigo processo.

Diante da situação descrita, é possível observar que, nos anos 80, o desenvolvimento das relações entre Brasil, Índia e China se demarcava de maneira especial. Estes três grandes países já compreendiam, na visão de longo prazo, que o momento de maturidade plena de suas economias nacionais construídas, bem como do seu processo impetuoso de desenvolvimento, significaria, no futuro, uma mudança de qualidade e de quantidade no sistema internacional. Grande parte das iniciativas do sistema internacional parte da Europa e, por vezes, de um pequeno arquipélago europeu chamado Reino Unido (atualmente, um gigante que fez surgir o rebento da projeção inglesa na América, os Estados Unidos, grande potência e o centro do sistema mundial).

Quando, no seu processo histórico de unificação e de desenvolvimento, a África também tiver um sistema de economia nacional altamente desenvolvido, ela se acercará desse sistema e terá realmente mudado. A partir daí, poderemos falar de uma mundialização e em um outro mundo possível, quando estas sociedades amadurecerem tal projeto. Este fato está na base do pensamento de algumas lideranças, não só chinesa e indiana, mas brasileira também. É, portanto, fundamental conseguir resgatar a idéia.

No Brasil, houve uma concepção de desenvolvimento extremamente avançada e um acelerado processo de crescimento industrial, pois o país foi capaz de construir, em um prazo de 30 anos, uma grande economia apoiada na indústria. Entre os anos de

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1950 e 1960, o País se transformou de uma grande fazenda de café em um país industrializado, capaz de produzir desde um avião até a bomba atômica (época do “milagre brasileiro”).

Atualmente, o extraordinário desafio que se coloca para o Brasil é a Amazônia. Temos de conquistá-la para a civilização brasileira. Esta é uma tarefa hercúlea. Os chineses, também, possuem algo semelhante, uma zona desértica que limita o país com a Ásia Central. É preciso que eles desenvolvam esta área para tornar menos vulneráveis suas fronteiras extremas do Oeste. A Índia também tem agido de forma semelhante. Sendo assim, todos os desafios observados nos três grandes países do Sul do mundo (Brasil, China e Índia) confluem para uma ação comum, do ponto de vista dos seus interesses.

Em comemoração aos 30 anos das palavras do Embaixador Ministro Azeredo da Silveira, ocorreu uma visita do Presidente Lula à China e, em seguida, veio ao Brasil o Presidente Hu Jintao. Além disso, houve, também, uma comemoração no Rio de Janeiro, onde foi realizado um seminário em homenagem a estes 30 anos, ocasião em que esteve presente o Embaixador da China Jiang Yuande, que declarou: “Por um imperativo geoestratégico, perante o atual cenário internacional, torna-se imprescindível enriquecer e aprofundar o conteúdo da parceria estratégica sino-brasileira, aumentando os intercâmbios e as cooperações bilaterais em todas as áreas e em todos os níveis, criando, assim, benefícios, objetivando o bem comum de ambos os povos”.

As palavras do Embaixador chinês, 30 anos depois, fecham o ciclo das extraordinárias palavras do Embaixador Chanceler Azeredo da Silveira. Estes são os alicerces da amizade sino-brasileira: “Nós pensamos juntos e definimos, juntos, as condições para buscar os

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nossos destinos nacionais”, palavras do Senhor Embaixador Azeredo da Silveira, completadas pela visão grandiosa do Embaixador chinês, em benefício do bem comum de ambos os povos.

O palestrante concluiu sua apresentação, fazendo algumas considerações. Segundo ele, o marco das relações do Brasil com a China é que ambos pensam juntos o mesmo combate, referente à mudança no sistema internacional que privilegia determinados países em detrimento de outros. Estabeleceu-se uma mudança na forma de relacionamento que atenderá aos interesses de todos. Não se trata de eliminar a competição, visto que competição, até certo ponto, é saudável. O Brasil tem condição de produzir coisas importantes e os chineses e indianos também; o Brasil deve trocar os setores em que estes podem avançar, com preços e realizações melhores; deve ganhar o mercado deles e eles, provavelmente, farão o mesmo em relação a nós. A competição não é o problema, antes, o problema é que o sistema internacional, não só econômico, mas político e estratégico, seja condizente com as necessidades do Brasil nas áreas de segurança e defesa. Este último ponto diz respeito ao País não ser ameaçado na sua soberania, integridade, independência e busca pelo desenvolvimento.

Por último, o palestrante chamou atenção para a importância de os centros de estudos universitários abrirem linhas de investigação sobre aquela região do mundo e formarem futuros pesquisadores, os quais estarão destinados a aumentar a capacidade do Brasil de dialogar e adensar suas relações com o outro lado do planeta.

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chiNA: RElAÇõES cOm O BRASil

Professor Wladimir Ventura Torres Pomar

Universidade Cândido Mendes

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O palestrante iniciou sua exposição destacando a importância da Ásia no cenário mundial. Ele abordou alguns aspectos da relação entre Brasil e China, focalizando o problema do desconhecimento mútuo, empecilho para que seja consolidada uma parceria estratégica de grande envergadura entre os dois países. Ele destacou, também, a trajetória recente da China.

Inicialmente, o Professor Wladimir Pomar apresentou dados de dois momentos muito importantes na China recente, o primeiro é o de 1978, quando as lideranças chinesas iniciaram o processo de elaboração de um grande programa de reformas, que ainda hoje estão em curso, e o segundo é o de 2003, o ano em que se têm estatísticas consolidadas.

O primeiro ponto trata da população chinesa, que vinha crescendo num ritmo acelerado e, posteriormente, foi sendo reduzido. Hoje a população chinesa concentra mais de um bilhão e 300 milhões de habitantes.

Outros pontos destacados na trajetória recente do país são: o aço, cuja produção, em 1978, era de 32 milhões de toneladas e saltou para 222 milhões, em 2003; o cimento, com uma produção de 65 milhões de toneladas, também em 1978, cresceu para 863 milhões, em 2003; a produção de automóveis, que em 1978 era de 149.000 unidades, em 2005, totalizou 2.3 milhões de unidades; a produção de televisão em cores, que era de 3,8 milhões e, em 2003, foi de 65 milhões de unidades por ano; os telefones que, praticamente, não eram produzidos na China em 1978, atualmente, atinge o número de 2 milhões por ano; e, por fim, a produção de microcomputadores, que também não existia em 1978, atualmente, chega a 32 milhões anuais. Estes dados evidenciam o impressionante salto dado pelos chineses.

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Em se tratando do comércio de mercadorias, China, Índia e Brasil seguem uma trajetória de crescimento, relativamente, idêntica. A China, porém, se encontra em posição mais avançada; ela dobra suas reservas externas a cada dois ou três anos; as exportações são acompanhadas, de perto, pelas importações (geralmente, com saldo positivo).

Em 1976, com a morte de Mao Tse-Tung, a China atravessa a fase final da Revolução Cultural. Logo depois, ocorre um processo de discussão que dá como finalizada essa Revolução. A sociedade chinesa sai desta fase bastante dilacerada pelas disputas internas; o Estado chinês estava fraturado, e o Partido Comunista, que dirigia todo o processo revolucionário de construção da China, também estava fragmentado.

Com o objetivo de solucionar estes problemas, os chineses entraram em um processo de dois anos de discussão interna bastante intenso, no qual fizeram uma reavaliação histórica de todos os acontecimentos que ocorreram no país e tomaram uma série de medidas para reformas futuras.

Neste período, na área econômica, a China possuía uma estrutura rígida de propriedade no campo, com as comunas populares, as brigadas de produção e os grupos de trabalho. Tratava-se de um sistema militarizado no campo, em que todos trabalhavam coletivamente, comiam da mesma comida e discutiam política; o processo produtivo também estava relacionado a este ambiente de militarização. Nas cidades, empresas coletivas eram semi-estatais, cooperativas com um sistema de direção estatizante. Enfim, o mercado era monopolizado pelas estatais; assim como o planejamento econômico (macro e micro) se encontrava bastante centralizado. Este foi um período de escassez de bens de consumo: a produtividade era muito baixa; havia a intenção

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de manter o pleno emprego, e os próprios chineses reconhecem que, naquele período, a diretiva era três pessoas para cada trabalho, o que provocava uma baixa de produtividade intensa. Entretanto, a inflação também era baixa. E cabe destacar que este processo também contribuiu de forma decisiva, pois, com a escassez de bens, pleno emprego e inflação baixa, o que ocorreu foi uma enorme poupança acumulada durante esses 30 anos, e, nem mesmo os economistas chineses possuíam uma visão exata de qual era o seu volume real.

No âmbito social, a China havia feito avanços importantes e, praticamente, garantido alimentação, roupa, moradia e emprego para o conjunto da sua população; as endemias haviam sido erradicadas; houve, também, uma considerável redução do analfabetismo neste período, pois, em 1949, quando da vitória da Revolução Chinesa, 95% da população eram analfabetos e este número foi reduzido para 15% no final dos anos 70; havia, aproximadamente, 700 milhões de pobres e 400 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza.

Durante o período que vai de 1950 até 1976, é possível fazer um reducionismo de que o que estava em jogo era estabelecer a igualdade de propriedade para gerar riqueza e desenvolver as forças produtivas, ou, ao contrário, desenvolver as forças produtivas e gerar riqueza, como condição para estabelecer a igualdade de propriedade. A disputa em torno desta questão permeia toda a história, que vai de 1950 até 1978, quando se dá a discussão interna que se propõe avaliar toda a experiência histórica.

Se analisarmos o Modelo Chinês de Industrialização Rápida, Cooperativização Agrícola, Reajustamento das Cem Flores, Grande Salto Adiante, Primeiro Plano das Quatro Modernizações e a Revolução Cultural, verificamos que todas estas questões envolveram disputa ideológica, política e prática.

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O esgotamento da Revolução Cultural permitiu reavaliar estas experiências, entre 1977 e 1978, e a conclusão a que eles chegaram é de que era preciso realizar o que chamavam de uma nova Grande Marcha, ou seja, uma retirada estratégica, tomando o desenvolvimento econômico e social, portanto, o desenvolvimento das forças produtivas, como centro das atividades do país.

Esta reavaliação possuiu diversas implicações. Primeiramente, do ponto de vista ideológico, era necessário abrir as mentes e permitir que as críticas viessem à luz. Em segundo lugar, tomar a prática como critério da verdade, com base em toda a experiência anterior do processo de Revolução e de Guerra Civil; era a linha ideológica e filosófica do trabalho que o Partido Comunista realizava para conhecer a realidade chinesa e executar as transformações necessárias.

Do ponto de vista político, foram tomadas decisões importantes, como acabar com a vitaliciedade. Estabeleceu-se um procedimento de rodízio no poder e, atualmente, o Presidente e o Primeiro-Ministro possuem, no máximo, dois mandatos. Foi defendido, também, que era necessário aprofundar a democracia interna, principalmente no Partido Comunista, pois, sem que os comunistas instituíssem um processo democrático de discussão, eles não conseguiriam criar, na sociedade, um sistema democrático.

Em se tratando da política internacional e econômica, houve uma abertura acentuada para o exterior. Em primeiro lugar, a paz foi colocada como condição para um projeto de desenvolvimento e, neste sentido, a diplomacia chinesa tem estado muito ativa, embora discreta. Os chineses continuam seguros no chamado Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. Adotaram a idéia de que é possível ter um país e, ao mesmo tempo, dois sistemas, atitude interessante do ponto de vista da recuperação pacífica da soberania sobre Hong Kong,

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Macau e Taiwan. Esta atitude tem por base a existência de uma só China, com a possibilidade de que essas três cidades, voltando ao seio da Nação chinesa, mantenham o sistema capitalista por mais 50 anos, paralelamente ao sistema socialista. No caso de Hong Kong e Macau, a situação está resolvida, ao passo que, em Taiwan, o processo continua em curso.

Além disso, os chineses criaram as Zonas Econômicas Especiais (ZEE), semelhantes à Zona Franca de Manaus (Suframa), no Brasil. No caso das zonas econômicas chinesas, para se investir, era necessário, primeiramente, trazer novas e altas tecnologias; em segundo lugar, fazer uma joint venture com empresas chinesas; e, em terceiro lugar, produzir para o mercado externo, ou seja, entrar no mercado internacional e internalizar as tecnologias, como forma de preparação para abrir, cada vez mais, o país à competição internacional.

Ainda sob o ponto de vista econômico, houve uma série de ajustes, a começar pela agricultura. Houve a elevação dos preços dos produtos agrícolas pagos aos camponeses; foi estabelecido um contrato de responsabilidade, através do qual os camponeses podiam produzir determinada quantidade, que era comprada pelo Estado por preços pré-estabelecidos e, a partir dessa cota, todo o excedente poderia ser vendido no mercado. Esta ação reanimou o mercado rural e permitiu à China dar um salto no processo de reforma econômica. As principais reformas nas zonas rurais foram feitas entre o período de 1980 e 1984 e, somente a partir de 1984, quando os resultados das reformas da agricultura se mostraram promissores, é que as reformas urbanas foram iniciadas.

Do ponto de vista da estratégia da reforma, há alguns aspectos que devem ser destacados, pois se assemelham aos da Índia. O primeiro deles é a “terapia passo a passo”: os chineses fazem uma

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experimentação, que pode durar de um a dois anos, de todos os produtos novos que eles desejam colocar em prática e o produto só é generalizado após os resultados desta experiência. O segundo aspecto a ser destacado é a “implantação progressiva sem choque”: eles evitam o processo de choque, por ser danoso para a estabilidade econômica, social e política do país. Por fim, eles introduzem a economia de mercado.

O planejamento continuou, porém, como planejamento macro. Eles fazem a regulação dos desvios do mercado, com controle de preços da cesta básica; o controle de determinados preços que são fundamentais para a alimentação da população; reajuste paulatino de preços e salários, em uma perspectiva de alcançar os padrões internacionais em longo prazo; e redistribuição de renda, a fim de que sejam evitadas as polarizações sociais e econômicas.

Os chineses utilizam, como estratégia de modernização, a atração de investimentos estrangeiros (o que, até 1978, na China, era inimaginável); as empresas estatais e o câmbio são mantidos como instrumentos de política industrial; a regulação monetária é feita com o fim de evitar os problemas inflacionários; eles usam os processos de déficits orçamentários controlados, na medida em que este déficit crie um processo produtivo que compense pequenos déficits orçamentários; estão sendo quebrados, progressivamente, mas também de forma paulatina, todos os monopólios. Atualmente, é possível encontrar três, ou quatro, ou até cinco grandes empresas estatais em um determinado ramo, na China; por exemplo, há três grandes empresas na área de petróleo, várias grandes empresas na área de energia. O Governo tem contratos, também, de responsabilidade com as estatais, caso obtenham lucro, elas podem redistribuí-lo para os seus funcionários e empregados; mas, se tiver prejuízo, empregados e funcionários precisam assumir responsabilidades pelos mesmos.

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Por último, ainda uma estratégia de modernização, há a igualdade legal entre todos os tipos de empresas em lugar de privilégios para as estatais.

A mola mestra de todo o processo das reformas são as chamadas Quatro Modernizações – Indústria, Agricultura, Defesa, Ciência e Tecnologia – propostas pelo Primeiro-Ministro Chou En-Lai, em 1964.

As áreas de ponta deste processo são: Ciência e Tecnologia, Educação, Indústria espacial e aeronáutica, Microeletrônica, Nanotecnologia, Informática, Novos materiais, Telecomunicações e Biotecnologia (todas se encontram no mesmo padrão de desenvolvimento de ponta dos países desenvolvidos).

Do ponto de vista sócio-político, o palestrante destacou estratégias de estabilidade política e social desenvolvidas pela China como, por exemplo, o não abandono de tecnologias tradicionais, mas, ao contrário, sua manutenção em empresas que empregam número intensivo de mão-de-obra.

Outra estratégia de estabilidade política e social desenvolvida pelos chineses é o acentuado apoio à agricultura familiar, principalmente, porque os camponeses sempre foram o grande motivo de mudanças dinásticas em toda a história chinesa e, por isso, recebem atenção do ponto de vista econômico, social e político.

Constitui, ainda, uma estratégia de estabilidade política e social chinesa a industrialização das zonas rurais, onde o processo industrial é levado de forma diferenciada para permitir que estas regiões se urbanizem, paulatinamente. Atualmente, existem milhares de empresas industriais nas zonas rurais chinesas; são pequenas, médias e, algumas, grandes empresas rurais, que empregam mais de 130 milhões de trabalhadores. Comparando este número com o

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número de trabalhadores na indústria urbana (cerca de 180 milhões), verifica-se que este processo é bastante interessante e evita, de certo modo, o inchaço das grandes cidades.

Os chineses também dispensam atenção redobrada ao mercado de trabalho. Eles procuram manter a taxa de desemprego sob controle, girando em torno de 4%. Possuem, ainda, uma política de realocação e financiamento dos excedentes de trabalho, procurando fazer com que retomem ou criem pequenas empresas. Estão estabelecendo, progressivamente, o seguro-desemprego universal, que também está associado à atividades sociais e comunitárias.

Por fim, é, ainda, estratégia de estabilidade política e social desenvolvida pela China uma preocupação constante com a elevação das rendas mais baixas, além de uma política chamada de “enriquecimento em ondas”, na qual ocorre um processo onde os que enriquecem primeiro devem ajudar os outros a enriquecer. Teoricamente, esta ação é bonita e fácil, porém, do ponto de vista prático, ela apresenta problemas relativos a sua real efetivação.

Quanto à situação política da China, atualmente, há uma grande unidade em todo o país em torno do projeto de modernização. É um programa de mais de 50 anos de perspectiva e, dos projetos existentes, este é um dos poucos que alcançaram mais de 20 anos de aplicação, apesar de pequenos desvios de rota.

Ainda referente à situação política, a rotatividade nos órgãos de poder continua sendo feita de forma, relativamente, suave. Além disso, o Partido Comunista tem, hoje, uma legitimidade reassegurada na China. Outro aspecto referente à área política é o fato de estarem ampliando os instrumentos de participação democrática, seja introduzindo eleições secretas, em nível de aldeia, de povoado, até o nível de distritos, seja através de um processo de consultoria popular,

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que é levada a efeito pelo Conselho Consultivo Político do Povo Chinês (Ccppc).

No que diz respeito à situação econômica da China, em 2004, houve uma estrutura de múltipla propriedade no campo, com economia familiar rural, além de cooperativas, empresas privadas rurais, empresas coletivas rurais, fazendas coletivas e empresas mistas. Houve também uma estrutura de múltiplas propriedades nas cidades, com cerca de 150 mil empresas estatais. Além disso, muitas empresas coletivas foram mantidas – talvez, percentualmente, seja o maior número, cerca de 40% das empresas chinesas. As empresas individuais e privadas, tanto chinesas quanto estrangeiras, cresceram consideravelmente e podem representar, atualmente, mais de 20% das empresas chinesas. Além destas, há muitas empresas mistas, pois é possível unir estatais a empresas estrangeiras.

Ainda com respeito à situação econômica chinesa, cabe mencionar que o mercado interno é pujante, com taxas de poupança e de investimentos relativamente altas, cerca de 40% e 30% do PIB, respectivamente. Os chineses mantêm certa estabilidade econômica há algum tempo. Entre os anos de 1996 e 2003, a inflação ficou em 1%; o débito externo também é muito baixo, representa 40% das exportações e 14% do PIB. Além disso, eles mantêm macro-políticas anticíclicas como algo permanente. Atualmente, há um grande estímulo ao consumo e ao turismo doméstico. Eles optam pela utilização da taxa de juros baixa, que foi de 5,76% no início de 2005. Utilizam, também, como instrumento de macro-política, o controle acentuado sobre novos projetos.

A China é um player mundial. Nos anos 80, houve um aumento nas exportações de 5,7%; nos anos 90, o aumento foi de 12,4%; já, de 2000 a 2003, o crescimento chegou a 20,3%. Atualmente, a

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participação mundial da China na exportação subiu de 1,5% para 5,8%, e o país já possui um significativo padrão exportador dinâmico e diversificado.

Em 1990, 90% dos produtos chineses ainda eram primários ou de baixa tecnologia e apenas 5% de alta tecnologia. Em 2002, 50% continuam primários e de baixa tecnologia, mas os de alta tecnologia já atingiam 30%, e, segundo cálculos do Banco Mundial, 60% das mercadorias chinesas já atendem à dinâmica demanda mundial. Do ponto de vista de importação de mercadorias, a China também cresceu, de 1,5% para 4,8% na participação global.

Quanto à situação social, atualmente, os bens básicos não se restringem a aparelhos eletrônicos, turismo e educação. Há uma desigualdade social positiva, pois eles ainda possuem, reconhecidamente, 26 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, 500 milhões de pobres – eram 700 milhões, em 1978 –, além de 500 milhões de pessoas pertencentes à classe média baixa – era zero em 1978 – e possuem de 250 a 300 milhões na classe média alta – que também era zero, em 1978.

Em se tratando das relações entre Brasil e China, o que se destaca é o problema da ameaça das exportações chinesas. Houve um aumento substancial dos produtos sofisticados, como máquinas e tecnologias, além de vantagens competitivas como: salários nominais baixos; organização de clusters; baixos custos de insumos e transportes; e redução das tarifas de exportação, etc.

No que se refere às exportações chinesas, o país possui um alto grau de concorrência com o Brasil em artigos de uso cotidiano, têxteis, confecções e em tecnologias. Entretanto, a China possui um baixo grau de concorrência com o Brasil nos bens de capital e tecnologias, matérias-primas agrícolas e minerais.

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Há possibilidades de exportações brasileiras para a China em relação a minérios, commoditites agrícolas, alimentos, turismo e nichos tecnológicos de máquinas e equipamentos. Embora as oportunidades de exportações para a China sejam muitas, ainda faltam estratégias adequadas dos exportadores brasileiros para atingir o mercado chinês.

O país tem participado, significativamente, da atração de investimentos. Em 2003, foram aplicados US$ 63 bilhões em investimento direto no país, mas a Ásia continua sendo a principal fonte. Neste aspecto, a China ainda não é uma concorrente do Brasil, cujas principais fontes são Estados Unidos e União Européia.

A China também entrou na exportação de capitais. Em 2004, foram mais de US$ 20 bilhões, sendo que os principais destinos foram Ásia e África, mas ela tem apresentado um crescente interesse em investir na América Latina e no Brasil.

O palestrante finalizou sua exposição, apresentando algumas sugestões no que diz respeito à relação entre Brasil e China. Segundo ele, primeiramente, é importante darmos um tratamento adequado à China como competidora. Para isso, é necessário não confundir competição comercial com competição política, nem, tão pouco, confundir competição comercial localizada com competição global, mas tratar as disputas comerciais através do diálogo e da compreensão mútua.

Em segundo lugar, devemos levar em conta que a competitividade chinesa avança muito rapidamente, e o Brasil também precisará elevar a sua. Neste aspecto, a vantagem do baixo salário da China é transitória, e está sendo compensada por mecanismos de estabilidade social e será superada pela produtividade. A China tem investido, pesadamente, em educação, ciência e tecnologia, línguas estrangeiras,

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reciclagem técnica e profissional da força de trabalho e inovação tecnológica.

Devemos, ainda, aproveitar as oportunidades do mercado chinês, com atenção prioritária à atração de investimentos diretos chineses em infra-estrutura e unidades produtivas industriais e agrícolas. Neste ponto, os chineses têm condições de colaborar com o Brasil, entretanto, é necessário que o País conheça os seus propósitos e detalhe seus projetos. Necessita saber, ainda, negociar com base na reciprocidade e no benefício mútuo, além de precisar negociar, também, acordos de pagamento em exportações. Além disso, o Brasil deve diversificar as exportações e elevar a agregação do valor do produto com o objetivo de atingir o mercado chinês.

Outra sugestão para melhorar a relação sino-brasileira é a ampliação da cooperação técnica por meio de acordos e convênios entre universidades e centro de pesquisas científica e tecnológica, sendo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) parâmetro para toda cooperação técnica brasileira. Além disso, podemos, ainda, estimular o intercâmbio de estudantes brasileiros para a China e vice-versa.

Por fim, devemos manter e ampliar a cooperação no campo político e internacional, tendo por base o multilateralismo. Brasil e China podem enfrentar as diferenças e a competição e continuar lutando para estabelecer uma parceria estratégica.

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AS RElAÇõES BRASil-chiNA NA ESTRATégiA dE iNSERÇÃO iNTERNAciONAl dA chiNA

Professor Henrique Altemani de Oliveira

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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O Professor Henrique Altemani iniciou sua fala retomando um ponto da palestra do Professor Wladimir Pomar, referente ao desconhecimento mútuo que há entre Brasil e China. De acordo com o palestrante, o Brasil não conhece a China e vice-versa. Sendo assim, se estivermos pensando e querendo raciocinar sobre qualquer idéia de uma aproximação, de uma parceria mais aprofundada, a questão básica inicial é chegarmos a um processo de minimização deste não saber, deste não conhecer como é o outro, como ele age, quais são as suas perspectivas, os seus interesses etc.

A apresentação foi dividida em três partes: na primeira delas, o palestrante abordou a questão da segurança, em termos de política externa, pois todo o processo de inserção chinesa está baseado na perspectiva de segurança, proteção e soberania.

Na segunda parte, ele trabalhou a idéia da estabilidade, que está diretamente associada à questão da segurança. Essa estabilidade, hoje, está adquirindo uma autoprioridade no decurso da inserção internacional chinesa e, também, no próprio processo deste país em reavaliar os seus modos internos de desenvolvimento, de forma a garantir a idéia da segurança e de sobrevivência deste Estado. Em se tratando de estabilidade, há dois aspectos a serem trabalhados. A inserção da China despertou interesses, é muito atrativa, todo mundo acabou percebendo; porém, a idéia é que, hoje, há uma percepção diferenciada do que é essa inserção chinesa, que pode ou não estar prejudicando determinados tipos de interesses e que representa, claramente, uma ameaça, não mais da China exportadora de revolução, mas da China que ocupa espaços e desloca concorrentes. Inserida na idéia de estabilidade, está a pressão que há, atualmente, em afirmar que se tem de mudar o câmbio, a relação da moeda chinesa com o dólar, e que, a partir desta mudança, tudo se resolverá.

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Por fim, na terceira parte da apresentação, ele discutiu a questão da parceria estratégica entre Brasil e China. Esta parceria deve ser pensada sob três perspectivas: no campo político-estratégico ou político-diplomático, no da cooperação tecnológica ou cooperação técnica, e no da cooperação no campo econômico-comercial.

Em se tratando da questão da segurança, deve-se retomar a visão de que todo processo chinês ou, principalmente, toda a estratégia de inserção internacional da China está voltada, exatamente, a garantir a permanência deste Estado. Embora pareça óbvio, para a China, isto possui grande importância, no sentido de que a identidade chinesa ainda se ressente do que ela vai chamar de “séculos de humilhação”, a idéia de que foi uma vítima histórica, objeto de manipulação dos grandes poderes. Trata-se, portanto, muito mais, de uma tentativa de manutenção de uma estratégia, de garantir, exatamente, como eles chamaram, uma relativa autonomia em relação ao sistema internacional, mantendo sua soberania e promovendo seus interesses.

No que se refere à estabilidade, o tema segurança pode ser visto sob diferentes variáveis. No plano histórico, primeiramente, é importante ter claro que a China é um Estado relativamente novo, que surgiu em dezembro de 1911 e, em seguida, se envolveu em uma guerra civil, interrompida pela presença japonesa em seu território. Uma vez o Japão expulso, a China continua com sua guerra civil, resultando, em 1949, na formação da República Popular da China.

A partir dessa data, é que começam a sobressair as questões de segurança para o Estado chinês. Há, entretanto, diferentes estratégias relacionadas ao tema, sendo que a primeira delas é a aproximação com a União Soviética. A China buscou uma parceria com os soviéticos, porém, não necessariamente, uma parceria derivada somente de

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aspectos ideológicos, mas, sim, de uma parceria voltada para repensar um processo de desenvolvimento chinês. Entretanto, a aproximação sino-soviética foi rompida em menos de 10 anos, a partir de 1958, principalmente, com a retirada dos técnicos da cooperação.

Surgem, então, algumas tentativas para se garantir a sustentabilidade econômica da China, por meio de diferentes planos, em especial o “Grande Salto Adiante” e a Revolução Cultural. A partir de 1978, houve a entrada do grande projeto de reformas voltado para a segurança. É importante, entretanto, fazer a ressalva de que, anterior ao processo de modernizações e, principalmente, a partir de 1972, com o Presidente Mao Tse-Tung, a China começa a trabalhar com a “Teoria dos Três Mundos”, que foi apresentada, em 1974, por Deng Xiao Ping, em uma reunião na Assembléia Geral da ONU. A teoria se refere à questão de a China evitar vinculações fortes, tanto do lado soviético quanto do norte-americano e, principalmente, usar a estratégia de uma inserção internacional via uma parceria com os países não desenvolvidos, o que é fundamental.

As possíveis relações entre Brasil e China apresentam coincidências de interesses, ou de estratégias similares nas suas perspectivas de inserção internacional, embora sejam Estados diferentes.

Ainda em se tratando do processo de modernização, o que deve ser considerado é que a China era um Estado novo. Somente a partir de 1980, ela começa a dar os primeiros passos no comércio e na economia internacional. Neste período, foi importante o trabalho político de costurar as diferentes tendências internas dentro da China e de procurar apoio ao processo de inserção internacional.

Outro ponto a ser destacado é que, em geral, não se menciona a realidade federativa, a importância do papel e da autonomia que

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os governos provinciais têm, e, daí, a necessidade de se costurar, internamente, a busca por este apoio.

Entre os anos de 1989 e 1992, com os acontecimentos ocorridos na Praça da Paz Celestial, ocorre a diminuição da oposição dos setores radicais do Partido Comunista chinês ao processo de inserção. É um processo novo que se intensifica após 1992, a partir de quando a China começa a ser percebida e aceita, internacionalmente, e passa a ter, de fato, uma forte presença. Este processo, entretanto, só atingirá a maturidade a partir de 2002.

Quando se pensa em um Estado socialista, um Estado como novo experimento, que suscitou uma série de preocupações e representou outras tantas ameaças, anteriormente, deve-se pensar acerca da questão de até que ponto o mundo, realmente, aceita o processo de desenvolvimento e de inserção chinesa. Havia, neste período, ou durante muito tempo, uma questão que não era oficialmente colocada – até quando se permitiria à China crescer –, considerando a questão da segurança, visto que a China apresenta não só uma enorme dependência do setor externo, mas, também, uma grande fragilidade no que este setor reconhece como sendo fundamento básico para a maior inserção de um Estado. E isto porque, nos anos 90, todos os outros Estados tiveram de abrir o mercado, se democratizar e se voltar para questões dos direitos humanos e questões ambientais, enquanto a China parecia não estar plenamente voltada para tais pontos.

A visão chinesa era de que o seu processo de inserção e de crescimento estaria, fortemente, vinculado ao que é o mundo e os ditames do sistema internacional. A China possui autonomia para ditar ou manter o seu processo. Evidentemente que, talvez, já neste século, o raciocínio não mais esteja dentro da perspectiva de até

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quando vão deixá-la crescer, pois já há uma interdependência, uma forte interação da presença da China no mundo.

A preocupação chinesa com a estabilidade é notória. O seu crescimento e o reflexo que tem na sua relação com o mundo podem gerar ou ampliar problemas internos. É evidente que a China, assim como todo o mundo, tem um crescimento de desigualdades. Cabe ressaltar a existência de uma preocupação com relação à estabilidade que, atualmente, não é só econômica, mas está, também, relacionada ao social e ao regional ou, principalmente, à idéia de que há um processo que precisa ser mantido, do ponto de vista chinês, o que sempre caracterizou o seu próprio processo, que é a idéia de se buscar uma segurança para mudanças ou para aprofundamento de mudanças.

A China deixa explícita a preocupação com as mudanças, e, em se tratando de segurança, ela não pretende seguir o exemplo da América Latina, isto é, precisa dosar o seu desenvolvimento, de maneira a evitar o crescimento desta desigualdade, seja de distribuição de renda, seja entre regiões. Para tanto, ela necessita, também, ter tempo hábil para pôr em prática este processo. Conseqüentemente, na prática, este método parece consideravelmente complexo.

No que diz respeito ao campo, compreendido como o setor pioneiro das reformas chinesas, já em processo de “descoletivização”, e à idéia da base familiar, a China, atualmente, presencia o surgimento de uma nova classe de cidadãos rurais, que não têm terra nem emprego, e de um modelo de desenvolvimento econômico que estava fundamentado na pressuposição de que a posse da terra compensaria a falta de seguro social para a população rural. Não se trata de um paralelo, pois a idéia do seguro social na

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China é, também, recente, não apresenta o peso que teve nos antigos países do Leste Europeu, nem, tão pouco, o peso que tem no Estado brasileiro. Cabe destacar que uma das vantagens do crescimento econômico chinês é a idéia de que, quando iniciado o processo, não existe um passivo social, nem econômico, direcionado a garantias de seguro, pois tudo isso estava parcialmente alocado em setores industriais estatais (a grande imensidão do campo não contava com o seguro social).

A questão do superaquecimento da economia, nos últimos anos, teve o efeito de mostrar o problema com maior eficiência, de levantar a necessidade de equilíbrio do crescimento com os outros objetivos sociais.

Ainda no que se refere à estabilidade, outra questão que tem se mostrado prioritária, que afeta o processo de inserção e está relacionada com a relação entre China e Brasil, é a associação entre diplomacia e recursos básicos, ou relações internacionais e a oferta, o acesso a matérias-primas. Certamente, uma questão a ser analisada é a da estabilidade do processo e a necessidade da garantia da manutenção contínua do fornecimento de produtos à China.

Uma outra preocupação chinesa é a necessidade de manutenção de fontes seguras e contínuas de abastecimento, em especial, o petróleo. Além disso, a questão energética adquire um conteúdo, por excelência, dentro desse processo e apresenta algumas similaridades com o Brasil, mais especificamente com a idéia de que o petróleo é a fonte de dependência que se tenta superar.

Diante do exposto acima, é possível concluir que, dentre os principais objetivos da viagem de Hu Jintao ao Brasil, em

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novembro de 2004, estava a formação de acordos de cooperação nos diferentes campos, mas, principalmente, acordos com alguns dos principais fornecedores de recursos para a China.

Houve um superaquecimento da economia e a China se apresenta voraz na busca de produtos, em especial, de produtos primários, materiais industriais, máquinas e equipamentos. O país se torna, portanto, grande comprador de diversos tipos de mercadorias. Entretanto, a situação vigente, em 2002, não, está, necessariamente, se processando hoje. Primeiramente, pelo fato de que, atualmente, há uma capacidade de fornecimento para a China maior do que a demanda. Em segundo lugar, nos setores onde a China era grande compradora, hoje, ela atua como fornecedora (como é o caso do aço, por exemplo). A China compra muito aço, mas compra os minérios e também produz. Atualmente, ela vem diminuindo a importação de aço e já se apresenta como concorrente. Com outros produtos também está ocorrendo o mesmo, sendo que alguns afetam, inclusive, o Brasil, como petróleo, óleo, minérios e agricultura. A demanda chinesa não diminui, entretanto, e sua produção doméstica está se ampliando.

Há um grande projeto chinês, ainda não concluído, referente à transformação deste país em um grande produtor de soja não-transgênica, visto que, graças à tecnologia, ele teria capacidade de produzir grandes quantidades de soja.

Retomando a questão da estabilidade, atualmente, se o cliente chinês for um concorrente, ele passa por um crescimento de tensões e de conflitos comerciais entre China e outros Estados, ou regiões, além de um crescimento de pressões sobre o câmbio.

O palestrante concluiu afirmando que a relação entre Brasil e China sempre foi caracterizada por uma parceria forte no campo

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político-estratégico, isto é, ambos os Estados têm consciência de suas vulnerabilidades, fragilidades, da limitação de recursos que possuem e, conseqüentemente, procuram trabalhar, em conjunto, na geração de regras ou normas que minimizem os constrangimentos externos ou ampliem as possibilidades desses Estados.

Outro ponto a ser discutido diz respeito ao fato de, dentro desta parceria, haver algo que desponta no sentido de minimizar os constrangimentos externos, a tentativa ampliada de não nos restringirmos à cooperação científica e tecnológica, à área espacial, mas que isso atinja, exatamente, outros tipos de setores.

Por fim, o terceiro aspecto relevante seria algo relativo à cooperação econômica comercial. Trata-se de um campo que, talvez, não deva ser incluído como parceria, mas onde o Brasil pode buscar complementaridades e, neste sentido, é possível afirmar que, Brasil e China são dois Estados que, antes de tudo, prezam seus interesses. As relações brasileiras se estabelecem em função de interesses comuns, os quais estão mais concentrados nos campos político-diplomático, científico e tecnológico, do que, necessariamente, na relação de compra e venda de produtos.

No sentido de minimizar problemas que estão surgindo e que são chamados de questões de estabilidade que afetam a segurança do Estado chinês como um todo, pode-se, igualmente, pensar em propiciar um tipo de parceria também comercial. Entretanto, precisa ser uma parceria política, considerando mais a ação do Estado do que, necessariamente, a ação de empresários, ou a idéia de que os empresários têm de estar dentro deste processo em conjunto, através de uma sociedade público-privada, dentro de uma parceria político-diplomática ou estratégica maior.

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O iNTERcâmBiO cOmERciAl BRASil-chiNA

Jornalista Carlos Tavares de Oliveira

Confederação Nacional do Comércio

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O palestrante iniciou sua fala afirmando que China, Índia e Brasil, juntos, possuem quase metade da população mundial (cerca de dois bilhões e quinhentos milhões de pessoas). Na economia moderna e globalizada, este dado representa consumidores, fato que está, paralelamente, relacionado ao comércio internacional. Atualmente, a China é a segunda potência comercial, superou a Alemanha e o Japão, apesar de não se computar Hong Kong, que, hoje, é uma região administrativa da China. Sendo assim, todo este volume representou um trilhão e quinhentos bilhões de dólares, em 2004, contra um trilhão e oitocentos milhões de dólares dos Estados Unidos, o que significa que a China está se aproximando desse país e, possivelmente, dentro de dois anos o ultrapassará, no que diz respeito ao comércio internacional, considerando, ainda, sua densidade populacional.

O objetivo da palestra, segundo Carlos Tavares, era esclarecer os aspectos pouco conhecidos da China. Ele fez, rapidamente, uma exposição sobre os antecedentes das relações sino-brasileiras. Segundo o palestrante, ele, como jornalista, começou a se interessar pela China em 1971. Neste período, o Brasil estava sob comando do Regime Militar, de maneira que era proibido falar sobre a China, pois o Regime havia cortado relações com aquele país. Por outro lado, os americanos, apesar de serem os grandes adversários dos chineses, divulgavam a economia e as invenções daquele país.

Ainda em 1971, em uma publicação oficial do Governo norte-americano, a revista Business America, havia um trabalho sobre a economia chinesa. O palestrante decidiu traduzir a reportagem e fazer outro trabalho a partir dos dados apresentados. O objetivo era publicar a reportagem na revista Comércio e Mercados, em setembro de 1971. Entretanto, a dificuldade que se colocava era a censura dos militares à imprensa. Para driblar a censura e publicar a reportagem, o palestrante divulgou o trabalho como uma tradução do relatório

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oficial do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, embora a tradução feita por ele estivesse permeada de opiniões pessoais acerca do comércio exterior da China Popular.

Neste período, Horácio Coimbra, empresário paulista do ramo de café, foi a uma feira de Cantão, em Hong Kong, divulgar o café brasileiro. Pode-se dizer que esta exposição foi um marco na história da relação Brasil e China. Voltando de Cantão, o empresário elaborou um relatório oficial sobre o tema.

O palestrante comentou o fato de os Estados Unidos divulgarem a China, por exemplo, por meio de um relatório, de 1994, no qual os Estados Unidos criam os 10 países emergentes e, em primeiro lugar, apontam a China, seguida pelo Brasil. Neste relatório, os Estados Unidos reconhecem que a China seria a maior economia do mundo no início do século XXI, e que os ultrapassaria, inclusive, em conhecimentos técnicos e em vários assuntos relacionados à iniciativa do comércio.

É importante mencionar a afirmação feita por Deng Xiao Ping quando teve a genialidade de fazer a abertura para a economia de mercado. Ele afirmou que de nada adianta abrir a economia e o contrato de responsabilidade na agricultura se o povo não estiver consciente desse processo. A decisão de abrir para a economia foi aprovada pela Assembléia do Povo, em Pequim, em 1979. Deng Xiao Ping defendia que, primeiro, se deve cuidar da educação, pois educação é básica para a abertura da economia e o povo precisa compreender o que é exportação, o que justifica os investimentos estrangeiros, porquê se deve fazer o produto certo, porquê se deve exportar e porquê a exportação gera emprego.

Partindo desta concepção da importância da educação, Deng Xiao Ping fez uma grande campanha de alfabetização e, atualmente,

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o analfabetismo, praticamente, não existe na China, o percentual é mínimo, de cerca de 5%. Em 2004, a China foi o país que possuía mais pessoas formadas e o número de crianças na escola era de quase 99%.

A partir da campanha promovida por Deng Xiao Ping, o povo começou a compreender as vantagens da exportação, do comércio internacional e das divisas. Porém, infelizmente, no Brasil, apenas os técnicos têm este conhecimento, enquanto que a população, em geral, desconhece estas questões. Assim como se deu na China, o Brasil precisa, imediatamente, promover uma campanha de educação para que, assim, as pessoas compreendam as situações enfrentadas pelo país.

Em se tratando da relação comercial sino-brasileira, um grande salto ocorreu quando o Presidente Lula assumiu o Governo. As exportações para a China aumentaram 70% em 2003; já em 2004, houve um aumento de 20%. Comparando os números de 2004 e 2003, observa-se que houve um intercâmbio de US$ 9 bilhões entre os dois países; em 1979, esse intercâmbio era de US$ 300 milhões.

Naquele mesmo ano, o Brasil exportava mais que a China (US$ 12 bilhões), enquanto a China exportava apenas US$ 9 bilhões. Porém, a situação se inverteu: em 2004, as exportações da China chegaram a US$ 595 bilhões, e o Brasil, por sua vez, exportou apenas US$ 95 bilhões. A enorme diferença que há entre os valores das exportações chinesas e brasileiras é fruto do investimento em educação na China.

Outro importante aspecto da relação sino-brasileira é a questão do aço. A China importava aço, enquanto Brasil o produzia. Em 2004, entretanto, a China chegou a uma produção de 250 milhões de toneladas de aço e a previsão é que chegue a 350 milhões de toneladas

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este ano. A China é, sem dúvida, a primeira colocada em produção de aço, ao passo que o Brasil ocupa o quarto ou quinto lugar.

Em 1994, a China entrou para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e houve o acordo de que acabariam as tarifas contra as exportações chinesas. De fato, passados dez anos, em 2004, acabaram as cotas. Entretanto, o problema encontrado foi com o lucro dos empresários, pois a China aumentou as exportações de tecido e de confecções, o que estava prejudicando grupos de empresários de São Paulo e de Minas Gerais.

Porém, um levantamento dos quatro primeiros meses do ano feito pelo palestrante, mostrou que as multinacionais transferiram as suas exportações da Argentina, dos Estados Unidos e da Europa para a China. Logo, os produtos chineses não prejudicaram em nada a indústria brasileira. Aumentaram as exportações de confecções da China, ao passo que caíram em outros países – na Argentina, por exemplo, caíram 40%, os Estados Unidos perderam mais de 20% e a Europa perdeu 20 ou 30% – o que não prejudicou a indústria nacional.

Os protestos dos empresários brasileiros em relação às exportações da China tinham o intuito de criar a salvaguarda, a restrição à importação. A salvaguarda, porém, gera um problema político entre os países. A Europa criou a ameaça de salvaguarda e os Estados Unidos também, mas de acordo com o novo regulamento da Organização Mundial do Comércio, a salvaguarda somente poderá acontecer com uma estipulação de anti-dumping no país de origem.

Cabe um esclarecimento acerca do que vem a ser o anti-dumping. Trata-se do preço do mercado interno, isto é, não se pode exportar por um preço inferior ao do mercado interno (com a China, ocorre o contrário, ela está exportando por preço maior).

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Ainda a respeito da questão da salvaguarda às exportações de produtos chineses (pretendida pelo Governo brasileiro, como pelos Estados Unidos e a Europa), o presidente da Organização Mundial do Comércio afirmou que não passará na Organização. Sobre o assunto, o Embaixador chinês no Brasil afirmou que o Governo chinês está aberto ao diálogo. Recentemente, a China fechou um acordo com a Índia e, somente em 2005, o comércio entre China e Índia aumentou 50%, enquanto que a exportação do Brasil para a China, no primeiro semestre do mesmo ano, foi zero (está estagnada porque os chineses estão aguardando o resultado da salvaguarda, que se tornou uma questão política).

Participação da Plenária

A seção de debates foi iniciada com uma pergunta feita pelo mediador do Seminário, o Ministro José Carlos de Araújo Leitão, e dirigida ao Professor Henrique Altemani. Segundo o mediador, foram vistos muitos aspectos positivos do crescimento social e do desenvolvimento econômico da China. A partir do que é divulgado pela comunidade internacional, que a China não ganhará nota máxima em preservação do meio ambiente, nem em proteção dos direitos humanos, poderia se afirmar que, em médio prazo, os aspectos mencionados acima poderiam comprometer a inserção internacional da China como potência emergente?

De acordo com o Professor Henrique Altemani, além dos problemas mencionados pelo mediador, há ainda a questão da democracia. A resposta da China ainda está pautada no que é mais importante para sua segurança. Primeiramente, deve-se garantir a estabilidade, a sobrevivência da população e oferecer condições

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mínimas de sobrevivência para a mesma. Conseqüentemente, questões como meio-ambiente, democracia e direitos humanos estão subordinados às perspectivas iniciais.

Em segundo lugar, a China parte do princípio de que, se há pressões internacionais às quais ela tem de se adaptar, que esta adaptação seja feita por meio de um processo de cooperação e criação de condições mais factíveis para que possa controlá-las. Para a China, o meio-ambiente, por exemplo, é um produto e, para controlá-lo, é necessário comprar e transferir tecnologia, o que somente será feito quando houver condições e dinheiro que o permitam. Inicialmente, o que é prioritário é a acomodação da população. Esta maneira de pensar da China poderia, sim, prejudicá-la no processo de inserção internacional.

Dando continuidade à seção de debates, o Senhor Rafael Magno, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, perguntou ao Professor Henrique Altemani e ao Jornalista Carlos Tavares se não seria uma boa alternativa para a China o investimento em cultivo de soja - uma das matérias-primas da bioenergia – já que a questão energética é tão problemática. Ainda relacionada à questão de energia, o Senhor Rafael Magno questionou a existência ou não de alguma iniciativa entre Brasil e China visando estabelecer parcerias para o desenvolvimento desta energia, pois se sabe que o Brasil possui a tecnologia para sua produção.

Respondendo à pergunta do Senhor Rafael Magno, o Jornalista Carlos Tavares afirmou que a China já resolveu o problema de energia, graças à autorização que foi dada, recentemente, para a criação de 30 usinas nucleares. Além disso, este país ainda conta com o aproveitamento de óleos vegetais. Conta, também, com um sistema muito interessante de aproveitamento de água do mar – atualmente,

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os chineses têm 400 mil hectares de aproveitamento de água do mar na irrigação, economizando, assim, energia diretamente dos rios.

Ainda no que se refere à energia, a China não enfrentará problemas, visto que possui grandes reservas de petróleo, muitas no deserto, e, atualmente, sua produção não está aumentando, ao contrário, aquele país está reservando petróleo em imensos tanques subterrâneos cimentados. Com isso, além de se preparar para o futuro, a China incentiva a exportação, porque troca seus produtos com outros países por petróleo.

Este é um princípio que deveria ser seguido pelo Brasil, visto que o país possuía déficit com todos os países para os quais fornecia petróleo, como era o caso de Argentina, Venezuela, Nigéria e alguns países árabes. China e Japão, por exemplo, trocam a mercadoria entre si, em uma operação chamada barter trade – um tipo de comércio no qual bens e serviços são trocados por outros sem que haja dinheiro envolvido na transação.

O Japão não explora petróleo, embora esteja próximo ao mar, mas exporta produtos e equipamentos para a Arábia Saudita e para países que possuem petróleo, como a Indonésia e o Kuwait, em troca desse produto. A estratégia do Japão para garantir a troca de equipamentos por petróleo é diferenciar seus equipamentos dos de outros países. Dessa maneira, Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes, por exemplo, não podem trocar a parceria com o Japão, pois teriam de mudar toda sua estrutura de produção.

Em se tratando do Brasil, deveria ser tomada esta medida de troca de produtos com os países com os quais possui déficit. A China também aderiu à estratégia de escambo, e está trocando petróleo por produtos, de maneira que não precisa explorar o petróleo existente em seu território e, por isso, pode armazená-lo. Hoje, o Brasil exporta

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petróleo para a China, mas antigamente, importava, pois a China é a quinta maior produtora desse produto.

Também respondendo à pergunta acima, o Professor Henrique Altemani complementou afirmando que, em termos da relação entre Brasil e China, talvez haja a possibilidade de um aprofundamento, de uma cooperação em termos de desenvolvimento de álcool (etanol); além de uma parceria na produção do biodiesel, que já é um investimento do Brasil. Esta parceria poderia atender à perspectiva de diminuição da poluição e proteção do meio ambiente chinês.

Sobre a produção de biodiesel, o Professor Wladimir Pomar informou que a China possui um programa de etanol, a partir do milho e, atualmente, ela, que é o terceiro maior produtor de cana, tem demonstrado interesse na tecnologia brasileira de produção do etanol, a partir da cana. Este é, portanto, um campo extremamente vasto, visto que este produto, derivado do milho, é muito caro e tem um balanço energético muito baixo.

Além disso, a China acaba de tomar uma importante medida ao unificar toda a política energética em torno de um escritório de energia, ligado diretamente ao Primeiro-Ministro, e com dois Vice-Primeiro-Ministros na coordenação, para tratar da política energética em longo prazo. A prioridade desta medida será reforçar a tecnologia do carvão, visto que, 73% da energia chinesa é produzida a partir dele. A proposta é melhorar a tecnologia de utilização do carvão em produção de energia.

Outra pergunta dirigida aos palestrantes foi elaborada pelo Doutor João César de Freitas Pinheiro, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério de Minas e Energia. Segundo ele, o minério de ferro chinês tem qualidade inferior ao do Brasil e da Austrália. Sobre a cadeia produtiva do aço, ele perguntou

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acerca da estratégia que poderia ser adotada na mistura do minério de ferro brasileiro com o minério chinês e se caberiam ressarcimentos ambientais extrafronteiras com a China e recuperação de impactos ambientais dentro da cadeia produtiva, onde cada país assuma percentuais justos.

O Doutor Severino Cabral afirmou que o biodiesel é uma oportunidade extraordinária. O Brasil tem as condições mais favoráveis no mundo para ter uma política para produção em larga escala desse produto e os chineses já estão trabalhando com esta perspectiva.

Em se tratando da indústria do aço no Brasil, os chineses são os grandes compradores do minério de ferro brasileiro e a Companhia Vale do Rio Doce é a empresa exportadora. Nesta área, a Austrália é um concorrente e possui a vantagem de estar próximo à China, mas, embora o Brasil esteja distante, tem condições de competir. Isso porque a Vale do Rio Doce é uma das maiores empresas do mundo; tem uma capacidade extraordinária de fazer diminuir os custos e colocar o seu produto em toda parte. Está em curso uma parceria entre a Vale e uma grande empresa chinesa e foi firmado um convênio que visa a construção de siderúrgicas e a exploração do Porto de Itaquí, no Maranhão. Há um projeto para facilitar o escoamento da soja brasileira para exportação e para a ligação da siderurgia da Vale com a empresa chinesa.

O palestrante chamou a atenção para o fato de que existem diversos projetos em curso e há uma vontade extraordinária de que todos eles dêem certo. Entretanto, é necessário que o Brasil aumente o ritmo das parcerias. Os chineses, nos últimos 20 ou 30 anos, à mercê de uma série de políticas, tomaram um rumo de crescimento acelerado, com um ritmo que é o maior da economia mundial, e estão trabalhando para que este ritmo

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se mantenha por décadas à frente. O Brasil também possuía este ritmo de crescimento, mas, infelizmente, perdeu-o por uma série de razões. Entretanto, deve retomá-lo, a fim de dar uma resposta positiva a estes desafios e fazer avançar as parcerias extraordinárias que se abrem.

Há 10 anos, os americanos já haviam projetado, e, mais recentemente, o escritório da Goldman Sachs fez um relatório afirmando que, em 2050, além de Estados Unidos e Japão, Brasil, China e Rússia serão as maiores economias do mundo.

Em se tratando do Brasil, esta projeção somente se confirmará se o País recuperar o ritmo de crescimento através de uma maior unidade de concepção e de planejamento estratégico.

O Jornalista Carlos Tavares acrescentou que o setor siderúrgico, no Brasil, é o que melhor está organizado no IBS, pois conta com 12 siderurgias e já possui parcerias com a China. O Grupo Gerdau, com uma usina em Minas Gerais e outra no Norte, confirmou parcerias com uma siderúrgica chinesa, e a Vale do Rio Doce está montando uma grande siderúrgica para aproveitamento do minério brasileiro. O minério chinês, além de ser fraco, está mal localizado, o que dificulta a extração. De forma que é importante a aproximação entre Brasil e China na área de minério e de siderurgia.

O Senhor Felipe Costa Vieira, estudante de Direito da Unip (Universidade Paulista), dirigiu uma pergunta ao Professor Severino Cabral. Perguntou acerca da incoerência da política externa brasileira com a China, vista, pelo Governo, como mais que um simples parceiro comercial, já que a legislação interna brasileira concede grande importância aos direitos humanos e ao meio ambiente e tendo em vista as denúncias de violações destes pela China.

O Professor Severino Cabral, respondendo à pergunta acima, afirmou que o tema “direitos humanos” está em pauta desde o final da

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Guerra Fria, quando acabou a chamada “disputa entre vermelhos e azuis”. Entrou na pauta, imediatamente, na doutrina de segurança americana às novas ameaças, o terrorismo e, sobretudo, a questão do meio ambiente e dos direitos humanos, que era posto como um elemento chave do código do bom uso internacional dos países.

O tema direitos humanos entrou no sistema de pressão internacional nos anos 70, a partir de uma avaliação, muito inteligente, de Zbigniew Brzezinski, ao escrever um artigo de enorme precisão, visto ser ele um grande conhecedor da Europa do Leste. Neste período, os Estados Unidos estavam numa situação um tanto crítica, de muito baixa estima, as suas universidades eram contrárias ao Governo, a sociedade acabara de presenciar a renúncia de Nixon, a Guerra do Vietnã ainda fazia estragos na sociedade americana e o Congresso estava coibindo e limitando as ações do Governo americano.

Neste contexto, o Senhor Brzezinski, em seu artigo denominado “Capitalismo num só país”, questionava sobre os motivos que levaram aliados e sócios dos Estados Unidos a se posicionarem contra os norte-americanos, apesar da posição favorável ao livre comércio. Segundo ele, esta situação era resultado da má política dos Estados Unidos de focalizar a questão do comércio e da livre iniciativa em detrimento da questão ideológica, que, enquanto isso, era muito bem manejada pela União Soviética.

Neste momento, Henry Kissinger era Secretário de Estado do Governo norte-americano e negociava com o Bloco Socialista uma reserva de mercado para a questão de direitos humanos. No entanto, os soviéticos, na ânsia de legalizar as novas fronteiras do pós-guerra, deixaram de lado esta questão. A partir de então, os soviéticos perderam para os Estados Unidos a posição de defensores dos direitos humanos, e a União Soviética passou a sofrer oposições dos países do leste europeu.

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Assim, o tema dos direitos humanos se tornou um instrumento de intervenção nos países, suprimindo o direito de soberania, o que ficou claro na questão de Kosovo. Madeleine Albright, uma vez, afirmou ter acabado a era da soberania nacional, que seria substituída pela dos direitos humanos, que estaria acima do conceito de soberania.

Por exemplo, ao término da Guerra Fria, quando o sistema mudou, houve a manifestação na Praça de Tiananmen. Em resposta, a China fechou-se economicamente e o Grupo dos Sete (G-7), liderado pelos Estados Unidos, fez sanções político-econômicas contra ela por causa da repressão ocorrida na praça.

A resposta da China era, na verdade, uma resposta de soberania, pois ela não podia admitir que sua situação interna fosse decidida em Washington, Paris ou Londres. Era a mesma questão discutida pelo representante chinês quando veio ao Brasil, em 1974, e aceitou os termos da conversa com o Chanceler Azeredo da Silveira (soberania, independência e não interferência nos assuntos internos).

Quanto à questão ambiental, esta foi inserida na doutrina de segurança nacional norte-americana em 1970, ano em que o Governo Nixon fixou o Dia da Terra. Em 1972, a Conferência Internacional do Meio Ambiente, ocorrida na Finlândia, tratou do modelo de limites para o crescimento, formulado em Roma, em 1968; a segunda Conferência ocorreu no Rio de Janeiro e tratou do tema “Não ao desenvolvimento”.

Em 1971, a China foi admitida na ONU e em 1972 esta questão foi discutida por todos os seus membros. Esta foi uma das primeiras vezes em que a China votou ao lado do Brasil, que liderou as posições naquela Conferência. Esta aliança deu início a uma convergência estratégica, antes do estabelecimento de relações entre os dois países.

Os chineses possuem um conceito específico para a questão dos direitos humanos, pois acreditam que os defendem na medida em que

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tiram milhões de pessoas do analfabetismo, da miséria e da fome e dão condições de vida e prosperidade à população.

O Brasil possui outra visão sobre esta questão, relacionada à idéia de que a prosperidade e o desenvolvimento nacional estão voltados para o chamado “bem comum da sociedade e do indivíduo”, isto é, uma harmonia de interesses e de convergências entre todos os seguimentos do grupo social de uma nação.

Devemos pensar estas questões sob a ótica da realidade dos nossos países. Para a China, por exemplo, Direitos Humanos significa um caminho de desenvolvimento harmonioso e próspero para toda a sua população. Se esta idéia vai contra algumas concepções do Ocidente a respeito do tema, os chineses não confrontam, mas negociam, por não admitirem interferências em seus assuntos internos.

O Brasil é um país ocidental cristão, inserido em outra cultura, por isso, devemos considerar, também, as nossas especificidades, pois somos um país sul-americano, possuímos uma pauta de interesses próprios como nação e como sociedade e temos uma área de atuação pessoal. O Brasil possui uma visão diferente, em se tratando da questão ambiental e dos direitos humanos. O que é patrimônio do país não deve ser gerido nem administrado por uma concepção externa a ele.

Dando continuidade ao debate, o Senhor Renato Neves de Carvalho, estudante de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), perguntou acerca de quais produtos seriam mais interessantes para o comércio entre Brasil e China.

De acordo com o Professor Wladimir Pomar, o produto mais interessante, hoje, é o capital, a atração de investimentos chineses, principalmente na infra-estrutura e nos processos produtivos. Um

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exemplo é um acordo na área de minério, na qual Brasil e China têm um conjunto extenso de negociações comerciais, pois aquele exporta minério para a China, enquanto que esta exporta coque, por ter ela a vantagem de seu carvão ser melhor que o do Brasil. Há, portanto, um bilateralismo muito interessante. Por outro lado, o Brasil tem muitas minerações, as quais possuem o sinterfeed (pó de minério de ferro com alto teor de minério), mas não possui processo para industrialização deste produto. O que pode ser feito para minimizar o problema é convidar os chineses para investir nesta área e, assim, produzir os pipages e adquirir maior valor agregado, por exemplo.

A pergunta feita por Marcondes de Araújo, do Ministério de Ciência e Tecnologia, e dirigida ao Professor Henrique Altemani, discorria acerca de como o Governo chinês está combatendo o desequilíbrio regional, provocado pelas diferenças nos índices de crescimento.

Segundo o Professor Henrique Altemani, a idéia de atacar o desequilíbrio entre regiões, é característica do desenvolvimento chinês, é algo gradual e que, ao longo do tempo, vem agregando diferentes regiões. O processo de abertura da economia chinesa é muito recente.

Um segundo ponto a ser destacado é a ampliação do número de Zonas Econômicas Especiais. Trata-se da abertura de zonas voltadas à apreensão e obtenção de capacidade tecnológica e vinculação com universidades, isto é, produzir, de fato, celeiros de desenvolvimento tecnológico. Evidentemente, isto leva ao fato de que as zonas mais interioranas ou mais distantes da costa sejam estudadas posteriormente. São também as regiões às quais estão destinadas as perspectivas de fornecer alimentos à China, mesmo não sendo auto-suficientes, mas a idéia é de voltar a essa produção. É uma região de grande importância, no sentido da manutenção das

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populações radicadas nos seus lugares de origem e, principalmente, fora das cidades, evitando, assim, o inchaço urbano.

Não há, claramente, a intenção de uma abertura total e indiscriminada. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio define e estabelece esta abertura, principalmente, a da agricultura do mercado chinês. A preocupação chinesa é a de manter, ainda que minimamente, rendimento para a população, caso haja, de fato, esta abertura.

Por fim, a última pergunta, que encerrou a seção de debates, foi elaborada por Huseyin Miranda, da Companhia Elétrica do São Francisco (Chesf). Segundo ele, os bancos centrais dos países asiáticos detêm, atualmente, cerca de um trilhão de dólares em reservas. Em vista deste fato, ele perguntou se este elevado estoque de divisas não constitui fator de estabilidade ao sistema financeiro nacional e para a China.

De acordo com o Professor Wladimir Pomar, é comum afirmar que os bancos chineses estão quebrados. Há um passivo, relativamente pobre, de aproximadamente US$ 600 bilhões. Mas, atualmente, ela possui mais de US$ 1 trilhão em reserva de poupança popular, depositado em bancos. Além disso, a China está realizando um processo de reformas no sistema financeiro, a fim de reforçá-lo, torná-lo mais moderno e ágil. Este valor, somado aos US$ 600 bilhões de reservas internacionais, indica que há um conjunto de condições impedindo graves problemas financeiros na China.

O Ministro José Carlos de Araújo Leitão finalizou o Seminário Alianças Estratégicas para o Brasil: China e Índia discorrendo acerca da grande satisfação de organizar um evento como este, com elevado grau de aceitação temática. Agradeceu a todos os participantes e afirmou que o evento permitiu trazer para mais perto de nós duas realidades, aparentemente tão longínquas, mas que possuem pontos convergentes com nossa realidade.

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