Alice Tim Burton Pos-modero

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    Alice num Pas sem Maravilhas1Andrea Meneghel2

    Andr Luiz B. da Silva3Gabriela Ayer4

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, SP

    RESUMO

    O presente artigo baseia-se em autores que buscam refletir sobre a sociedadecontempornea, alicerada em valores que se contrapem ao modernismo. Essastransformaes se deram em todas as faces da vida em sociedade, modificaram osconceitos de tempo, espao e indivduo. Com as identidades plurais em evidncia,momentos de explorao multimiditica na cultura possibilitam fruio diferenciada e

    estimulam a busca pela completude, ainda que momentnea, to presente nosindivduos. Utilizando como suporte os conceitos da ps-modernidade dos autoresCanevacci, Bauman, Lipovetsky, Giddens e Perniola, realizou-se uma anlise do filme

    Alice no Pas das Maravilhas (2010), de Tim Burton, pontuando suas caractersticasps-modernas.

    Palavras-chave: Alice, Tim Burton, Ps-moderno.

    1. INTRODUO

    A contemporaneidade deixa para trs as fronteiras definidas claramente, as

    rotinas estveis, as hierarquias, ou seja, dilui a segurana. O que se apresenta agora

    uma condio na qual estruturas, padres, escolhas e comportamentos no conseguem

    mais ser definidos precisamente. A ps-modernidade consegue promover o

    desencaixe dos indivduos no contexto atual (Giddens,1991), pulverizando e

    privatizando os medos e as ansiedades.

    Para Bauman (2008), a formatao ps-moderna da vida social suscita uma

    condio humana na qual predominam o desapego, a versatilidade em meio incertezae a vanguarda constante de um eterno recomeo.

    1 Trabalho apresentado no DT6 Interfaces Comunicacionais, no GP Comunicao e Culturas Urbanas do XEncontro dos Grupos/ Ncleos de Pesquisas em Comunicao, evento componente do XXXIII Congresso Brasileirode Cincias da Comunicao, realizado de 02 a 06 de setembro de 2010, em Caxias do Sul, RS.2 Andrea Meneghel mestranda em Administrao pela PUC-SP, sendo bolsista pela Coordenao deAperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), e membro do Grupo de Estudos em Semitica,Comunicao, Cultura e Consumo (GESC3). Email: [email protected] Andr Luiz B. da Silva bacharel em Administrao de Empresas e mestrando em Estratgia eInovao com nfase em Marcas Sensoriais pela PUC-SP, e pesquisador junto ao GESC3. Email:

    [email protected] Ayer mestranda em Administrao pela PUC-SP, sendo bolsista pela CAPES, e membro doGESC3. Email: [email protected].

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    Canevacci (2005), antroplogo italiano, cunhou o conceito de multivduo para

    definir o homem contemporneo, que no mais indi de indivisvel, mas multi,

    complexo, fugidio, fugaz. No h mais uma nica identidade, mas identidades no plural.

    Identidade mvel e flutuante, em trnsito, passageira. Personalidades mltiplas,

    limiares, boas e ms, contraditrias, mas to familiares.

    O autor defende ainda que o plural do eu no ns, eus. Uma multiplicidade

    de eus no indivduo. Essa condio mltipla favorece a proliferao dos eus, que

    desenvolve um tipo de identidade fluida e pluralizada. uma pluralizao da

    individualidade, que o autor chama de multivduo. Significa que um sujeito tem uma

    multido de eus na prpria subjetividade, uma multiplicidade de identidades. O

    indivduo contemporneo tem a possibilidade de co-habitar, construindo novas

    identidades, flexveis e plurais (CANEVACCI, 2009). Di Nallo (1999, p. 172) j havia

    afirmado: (...) a identidade individual apresenta-se como mutvel e contraditria.

    O bombardeio constante de estmulos e informaes a que os indivduos so

    submetidos somado s multiplicidades inerentes esse ser contraditrio, mutvel e to

    contemporneo, resultam na busca de si em si mesmo. Muitas vezes esse contexto

    implica em sensao de inadequao, de deslocamento, de inconformidade com seu

    espao e tempo. a origem da crise de identidade do ser que, de to mltiplo, perdeu-se

    em si mesmo e luta para buscar-se.

    Tamanha incerteza, contradio e multiplicidade muitas vezes levam alguns

    estados to severos de questionamento, sensao de inadequao e perda em si mesmo,

    que tornam-se depressivos, criam medos e insegurana. Porm, estes conflitos no

    seguem uma ordem cronolgica, no fazem sentido facilmente e surgem de maneira

    aleatria e confusa.

    Esses medos so ainda mais aterradores por serem to difceis decompreender; porm mais aterradores ainda pelo sentimento deimpotncia que provocam. No tendo conseguido entender suas origense sua lgica (se que seguem alguma lgica), tambm estamos noescuro e na incerteza quando se trata de tomar precaues para nofalar em evitar ou enfrentar os perigos que eles sinalizam.Simplesmente faltam ferramentas e habilidades. (BAUMAN, 2008,p.31)

    O principal aspecto a ser ressaltado que o homem contemporneo no vive

    imerso em certezas, padres e modelos, mas sim no seu extremo oposto. Sua busca

    por si em si mesmo, com suas ambiguidades e em sua histria de vida. A busca de sua

    completude, ainda que momentnea, o impulsiona para o consumo fantico das

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    religies, do trabalho excessivo dos workaholics, das superficiais relaes interpessoais

    e, de fato, do consumismo exacerbado. Porm, o resultado final esperado o encontro

    com sua felicidade para atingir sua mxima plenitude. Felicidade que para Lipovetsky

    tornou-se praticamente uma obrigao:

    Assim o direito a felicidade transformou-se em imperativo de euforia,criando vergonha ou mal-estar naqueles que dela se sentem excludos. hora que reina a felicidade desptica, os indivduos no so maisapenas infelizes, sentem a culpabilidade de no se sentir bem.(LIPOVETSKY, 2007, p.337)

    Neste contexto depressivo, de medo e insegurana, o indivduo busca de alguma

    forma desenvolver ferramentas para suprir sua impotncia perante a realidade ou

    simplesmente tenta ameniz-las. Sendo uma das alternativas, a construo do mundo

    carregadas de relaes fetichistas.

    Fetiche, no dicionrio Aurlio, o objeto animado ou inanimado, ao qual se

    atribui poder sobrenatural e se presta culto (FERREIRA, 2004). Podemos inferir que

    sobrenatural para objetos inanimados seja ser animado. Conceito criado por Canevacci

    (2008), bodycorpse um enxerto de corpo vivo em corpo morto. Est no fetiche o poder

    de tornar vivo algo inerte. Fetiche material-imaterial, orgnico no inorgnico,

    coisificao do corpo, corporificao da coisa. De acordo com Perniola (2005, p. 68)

    Qualquer coisa pode se tornar um fetiche, uma palavra ou uma cor; a partir domomento em que deixa de ser o objeto idntico a si mesmo da percepo de um sujeito

    e se libera de toda ligao com o outro.

    Aplicados ao mundo animal, considerado fetichismo dar caractersticas

    humanas a uma coelho, como lhe colocar roupas e lhe prover conscincia de tempo. Ou

    qualquer outro animal poder se comunicar com os humanos atravs da linguagem

    verbal. o fetichismo expresso pelo animismo to presente na infncia.

    So tambm manifestaes fetichistas as modificaes corporais executadas dasmais diversas formas. Tatuagens, piercings e prteses fazem parte deste universo de

    coisificao do corpo.

    Considerando a relevncia e atualidade do assunto, a proposta desta pesquisa

    entender os modelos contemporneos como meio de linguagem no filme Alice no Pas

    das Maravilhas, dirigido por Tim Burton e produzido pela Disney, lanado em maro

    de 2010. A pesquisa bibliogrfica foi a fonte, utilizada para levantar a produo

    intelectual dos temas que permeiam os conceitos da ps-modernidade e do mundo

    contemporneo, possibilitando uma viso atual e abrangente dos mesmos.

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    2. O UNIVERSO SOTURNO DE TIM BURTON

    O cineasta americano Tim Burton que ganhou retrospectiva no Museu de Arte

    Moderna (MoMA), em Nova York, considerado o mais gtico dos cineastas atuais.

    Influenciado pelo expressionismo alemo, suas imagens foram ficando mais autorais

    sofisticadas e estranhssimas, com nfase em figuras cadavricas.

    Burton excntrico e criativo, mas pode ser considerado diretor de um estilo s.

    A tradio esttica do cineasta, com clima onrico, cores ora vivas, ora empalidecidas

    por filtros, e uma aparncia levemente bizarra marcada em todas as suas produes,

    mas nem por isso cai na mesmice. A cada obra, seus filmes se renovam, com elementos

    novos, suas tcnicas evoluem e a capacidade para retratar o macabro, o sombrio e o

    fantasmagrico de forma genuna e perspicaz permanece. Caractersticas que

    permeariam por toda sua obra so: o clima gtico, personagens atormentados ou

    fascinados pelo mundo do terror, em uma esttica soturna e muito bem trabalhada.

    famoso por filmes escuros e bizarros, mas tambm sabe divertir como em A

    Grande Aventura de Pee-weee Os Fantasmas se Divertem. J foi mestre em emocionar

    com Peixe Grande e Suas Histriase fazer com que o pblico crie empatia at mesmo

    com uma caveira emA Noiva Cadverou com uma aberrao comoEdward Mos-de-

    Tesoura. tambm responsvel por deixar personagens clssicos mais bizarros,

    sombrios e esquisitos como nas releituras de A Fantstica Fbrica de Chocolates e

    Alice no Pas das Maravilhas.

    Como produtor ou diretor, Tim Burton fez algumas das animaes mais

    comentadas de todos os tempos, que podem ser vistos por crianas, mas so to

    sombrios e mostram mundos to bizarros que encantam os adultos. O recado

    apresentado numa linguagem clara o suficiente para os pequenos e, para os maiores,

    vem embalado no estranho charme visual e narrativo.

    Ele no um cineasta infantil, apesar de manter bom trnsito nesse universo.Burton sabe que as crianas no querem s historinhas bonitinhas. O livro O Triste Fim

    do Pequeno Menino Ostra e Outras Histrias, apesar de ser classificado como infantil,

    tem personagens como O Menino de Pregos nos Olhos.

    O que acontece ento quando a excentricidade deste diretor encontra o nonsense

    do escritor ingls Lewis Carroll de Alice no Pas das Maravilhas, tendo a avanada

    tecnologia e o grado oramento dos Estdios Disney?

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    3. ALICE NO PAS DAS MARAVILHAS

    A primeira publicao, original em ingls, do clssico infantil de Lewis Carroll

    intitulado Aventuras de Alice no Pas das Maravilhas, foi em 1865. Foi um cone da

    literatura vitoriana e manifesto em favor do nonsense promulgado em uma era que se

    inebriara do racionalismo.

    Em Aventuras de Alice no Pas das Maravilhas (1865), a protagonista segue o

    apressado Coelho Branco, cai em sua toca e vai parar num mundo fantstico onde

    encontra grande parte dos personagens mais marcantes de Carroll, como o Gato de

    Cheshire, o Chapeleiro Maluco, a Lebre de Maro, a Lagarta e a Rainha de Copas.

    Carroll relaciona os smbolos das cartas de baralho com sua funo na sociedade

    real. As cartas de paus no ingls so sinnimo de porrete, por isso viram soldados. As

    de ouros so membros da corte. E, seguindo esta lgica, a rainha de corao a

    incorporao da paixo desgovernada.

    Chapeleiros do sculo XIX sofriam de envenenamento por mercrio. A cola, que

    continha alto teor da substncia, os deixava como loucos. Por isso Carroll personificou

    o Chapeleiro Maluco, uma figura antiptica e muito hostil a Alice.

    EmAtravs do Espelho e o que Alice Encontrou por L (1872), ela passa a um

    universo onde quase tudo acontece ao contrrio. Movimentando-se como a pea de um

    jogo de xadrez, ela precisa atravessar a histria para tornar-se rainha. Alice conhece a

    Rainha Vermelha , Tweedle Dee e Tweedle Dum, Humpty Dumpty e a Rainha Branca.

    Talvez por ser to metdico ao seguir os passos do jogo, este segundo livro parece

    menos espontneo e envolvente que seu antecessor.

    Em uma poca em que os livros infantis eram moralizantes, Carroll ousou

    apresentar uma fantasia que ridicularizava a compostura exigida s crianas. O livro

    exalta a esperteza que os adultos tantas vezes tomam por insolncia.

    Embora os jogos de palavras e as aluses histricas e literrias dos dois livros deAlice s possam ser plenamente apreciados por adultos, uma literatura fascinante para

    as crianas. Poucos escritores compreenderam to profundamente a inadequao que

    elas sentem diante das regras implacveis dos adultos, das quais elas se valem para fugir

    com suas frteis mentes para fantsticos mundos imaginrios, dar vida a objetos e

    personalidade a animais.

    Mas o mundo para o qual Alice vai um universo bizarro, povoado por criaturas

    esquisitas que vivem aprisionados em paradoxos lgicos e argumentos circulares.Assombros, de fato, o que a menina encontra. Ao entrar na toca de um coelho

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    apressado e falante, Alice vai parar em um mundo parecido com o que ela acredita ser o

    ideal, cuja lgica nada se parece com a lgica do mundo real. Um mundo onde os

    animais podem falar, tudo muito colorido, repleto de magia e encantamento. No

    entanto, coisas estranhas podem lhe acontecer: como em um delrio de febre, Alice

    estica ao comer certas comidas como bolos e cogumelos e encolhe com uma bebida que

    a cada gole muda seu sabor; quase afoga-se em suas prprias lgrimas; conversa com

    pssaros, diversos animais, flores de variados tipos, maanetas e um sem fim de coisas

    que, somente no mundo de Alice, podem com ela conversar. Sem falar na filosfica

    conversa com a lagarta azul que fuma narguil e nas orientaes de um gato misterioso

    cujo sorriso fixo continua pairando no ar mesmo depois que o animal se vai.

    Alice vivencia estranhas experincias como participar de um ch da tarde com

    um chapeleiro maluco e uma lebre esquizofrnica, buscar o caminho de volta para casa

    em meio a uma floresta repleta de estranhos animais que confundem-se com objetos,

    como aves com cabea de urubu e corpo de guarda-chuva e testemunhar em um

    julgamento sobre em roubo de tortas na corte da geniosa Rainha de Copas, que tem

    cartas de baralho como soldados, e cuja ordem mais freqente o jargo cortem-lhe a

    cabea!.

    Tudo muito curioso, mas no propriamente maravilhoso: todos esses

    personagens tentam provocar, hostilizar ou ridicularizar Alice. Ou seja, a menina no

    consegue ficar vontade nem no mundo criado por sua imaginao (j que no desfecho

    esclarece-se que tudo era sonho).

    O livro foi transposto para o cinema pela primeira vez em 1903, num curta-

    metragem em preto e branco e mudo, feito no Reino Unido. A segunda verso, rodada

    em 1951, ficou famosa mundialmente, se tornando um desenho animado clssico da

    Disney. As duas histrias protagonizadas pela garota curiosa foram misturadas tanto na

    primeira produo, quanto no atual filme dirigido por Tim Burton, gerando certaconfuso. Mas em ambas o nonsense o elemento que causa maior fascnio.

    4. ALICE NUM PAS SEM MARAVILHAS DE TIM BURTON

    Tudo inicia-se com Alice, uma jovem de 19 anos, mergulhada em uma

    sociedade extremamente moralista e com valores fragilizados evidenciados em vrios

    momentos: as irms gmeas que, escondidas da me, nadam nuas no lago Havershim, a

    traio presente no casamento de sua irm e sua tia Imogene que aguarda seu casamento

    com um prncipe que nunca apareceu e provavelmente no existe. Essas fragilidades

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    tambm so representadas pelo problema digestivo de Hamish, que denota valores

    postulados de forma extrema, devido s questes morais, porm rejeitados.

    A idia de mudana de valores est representada pela Lagarta Azul, que sobe no

    ombro de Hamish no momento que o mesmo est ajoelhado para pedir Alice em

    casamento, mas o mesmo sente nojo e medo da Lagarta Azul e tenta expuls-la

    agressivamente de seus ombros, mas impedido por Alice que a pega com cuidado.

    Hamish, enojado, comenta: Melhor lavar suas mos, deixando clara sua repulsa.

    O coelho sempre atrasado e com pressa e as representaes do relgio, com o

    tempo, com o momento e o instante reforam a intensidade dos momentos pontuais. O

    tempo pontuado (Bauman,2008), no qual Alice poderia escolher casar-se ou continuar a

    busca por seus ideais e realizaes.

    Alice persegue o coelho e acaba despencando violentamente em um buraco

    resultando em uma queda vertiginosa, onde objetos como livros, crnios e xcaras vem

    em seu encontro, alm de quase ser esmagada por um

    piano, que pra perto de seu rosto antes de atingi-la,

    sugerindo a entrada em um mundo nada cordial ou

    amigvel. A queda na toca do coelho uma alegoria

    muito comum s tormentas de algum que busca por

    algo que nem mesmo sabe o que , repleto de angstias

    e questionamentos, segue confrontando-se com tudo o

    que encontra em seu caminho, sem saber ao certo onde vai chegar. Quem sabe como

    ser o fundo do poo?

    Sempre questionada sobre sua identidade, Alice levada at Lagarta Absolem,

    que aparece envelhecida, com status de sbio e por muitas vezes agressiva (chega a

    referir-se a Alice como menina burra). Quase como alter ego da protagonista,

    apresenta suas dvidas no incio e percorre toda sua busca de identidade. No momentoem que Alice faz um retiro para tomada de deciso, a lagarta comea a tecer seu casulo

    para ganhar foras para a grande transformao e, ao final, vira uma borboleta. a

    utilizao da mais comum das metforas de transformao de todos os tempos.

    Para criar o visual sombrio do mundo que agora Subterrneo e no mais

    Maravilhoso, Burton se inspirou numa fotografia da Segunda Guerra Mundial. Tudo

    bastante catico. Isso determinou o ambiente como um lugar deprimido e com uma

    gama de cores, por vezes, desbotadas. No entanto, pode-se observar a mudana dasnuances de cores na presena de Alice em seus diversos momentos: quando se mostra

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    decidida, segura de seus atos, as cores de seu entorno, das roupas e at mesmo das

    personagens tornam-se mais intensas; quando Alice est em conflito, amedrontada ou

    insegura as cores tornam-se plidas.

    As roupas de Alice so ponto de destaque na produo. Alguns vestidos utilizam

    detalhes como fitas ou rendas, so evoassantes, fluidos, acompanhando seus

    movimentos. Quase todos os figurinos de Alice tm predominncia do azul, mas nunca

    em tons vibrantes. No poderia haver melhor cor, uma vez que o azul a cor de maior

    preferncia entre as pessoas, a cor que nos remete a simpatia, a fantasia, a harmonia, ao

    infinito. Uma cor feminina, perfeita para uma herona. (HELLER, 2004)

    A utilizao da cor azul para os figurinos de Alice tambm funciona muito bem

    quando se considera a relao de oposio entre sua personagem e a da Rainha

    Vermelha. De acordo com Heller (2004) azul e vermelho so cores psicologicamente

    contrrias, o azul associa-se espiritualidade enquanto o vermelho associa-se paixo,

    tambm representam sentimentos opostos como quente e frio, masculino e feminino,

    corporal e espiritual.

    Burton tambm cria uma dualidade entre as cores vermelho e branco, num jogo

    dialtico entre bem e mal no universo da ao poltica, presente nos discursos de

    Nicolau Maquiavel, cada lado representado por um rainha e um lutador. Obviamente,

    Alice dever ser a guerreira do bem. Nos livros originais, porm, no h viles nem

    mocinhos, e as duas supostas rainhas rivais at tomam ch juntas.

    J no filme, a Rainha de Copas mantm sua personalidade desvairada autocrata,

    mas chamada de Rainha Vermelha, uma personagem diferente da primeira, que est

    narrada emAtravs do Espelho. Seja como for, esta Rainha incorpora o que precisa ser

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    combatido pela herona, e, portanto sofre

    uma caracterizao ridicularizada: sua

    cabea duas vezes maior que o normal.

    O que faz com que as personagens

    insubordinveis a apelidem de

    Cabeuda.

    A utilizao de hiprbole tambm

    marcante no filme. A corte utiliza

    prteses para aumentar partes de sua

    anatomia, num falseamento para confortar a Rainha deformada. a higienizao do

    defeito atravs da coisificao do prprio corpo, fazendo uma forte marcao fetichista.

    A segunda verso da Disney para a fbula de Carroll leva uma das narrativas

    mais influentes da cultura pop ao horizonte tecnolgico. No caminho, porm, abandona

    algumas de suas maravilhas. A primeira verso, recheada de msicas alegres com moral

    e histrias divertidas entoadas por suas personagens, foi transformada em uma verso

    com trilha sonora instrumental, com algumas msicas com vozes formando um coral

    sombrio como que vindas do subterrneo, evocando sensaes que passam pela

    aventura, encantamento, mistrio, angstia, ansiedade e inquietao.

    Toda a produo apresenta-se psicologizada, desde o Chapeleiro Maluco que

    relembra os tempos vividos harmoniozamente naquele mundo, passando pela histria de

    divergncias e preferncias familiares entre as rainhas, mas especialmente com a

    personagem principal, que agora tem uma famlia, uma memria paterna que lhe atribui

    certas caractersticas de personalidade, problemas e debates familiares acerca de seu

    futuro, amigos da famlia e um possvel noivo. a historicidade, a museografia exigida

    pela ps-modernidade to marcada pela humanizao de todas as coisas.

    (LIPOVETSKY, 2005)A lente de Burton transcendeu a obra de Carroll como numa viagem lisrgica,

    fundindo dois livros num s filme. Mas a histria sai de vez do seu curso original e vira

    uma fantasia medieval com batalhas, espadas e armaduras em torno de uma protagonista

    incumbida de uma misso messinica. Aqui fica marcada uma outra analogia: a

    personagem que passa todo o filme em busca de seu auto-conhecimento finalmente

    encontra-se em si mesma, fortalecida e segura, toma conscincia de que seu papel

    naquele mundo o de trazer de volta a ordem e fazer o bem prevalecer sobre o mal.Agora ela est pronta para enfrentar o Jaguadarte, o guerreiro mostruoso do mal.

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    Embora alinhado com tendncias ps-modernas to marcadas pela humanizao,

    fetichizao e higienizao, Burton no abandona a marca sombria e macabra de suas

    produes. Os cenrios sombrios, as cores biliares, a maquiagem carregada em cores

    escuras da bondosa Rainha Branca e seus ingredientes macabros utilizados em poes

    mgicas, os animais surreais e violentos, o rio de cabeas decaptadas por ordem da

    Rainha Vermelha que circunda seu castelo, a batalha final e letal so todos bons

    exemplos de que seu estilo macabro e mrbido foi mantido.

    Os ingredientes usados pela Rainha Branca demonstram tambm que mesmo

    sendo meiga, bondosa, gentil e carismtica, apresenta um lado sombrio, talvez malfico,

    j que ningum completamente bom. A dualidade das cores, como preto e branco, so

    expressos no reino da Rainha Branca, tanto a cor das suas unhas e batom, como dentro

    do palcio nas decoraes nos quadrados claros e escuros, remetendo ao tabuleiro de

    xadrez. Para Heller (2004) a cor branca representa a soma de todas as cores no prisma e

    o preto puro a ausncia total de cores. Assim, a Rainha Branca tambm apresenta um

    lado impuro.

    Aps ser colocada frente a frente consigo mesma, Alice entra no momento que

    precisa decidir deixar a Alice antiga morrer, para que a transformao da nova Alice

    possa nascer. Assim, todo o momento da transformao realizado atravs da batalha

    no tabuleiro, onde cada Rainha deve enviar seus campees para a guerra. Aps a longa e

    dura batalha, finalmente Alice mata seus medos e anseios, personificados no Jaguadarte.

    e pode retornar ao seu mundo real com as respostas para seus questionamentos.

    CONSIDERAES FINAIS

    Tanto na verso do desenho produzido pela Disney quanto no filme de Tim

    Burton, Alice no Pas das Maravilhas demonstra o deslocamento do tempo, espao,

    linguagem e lgica. Alice busca constantemente o significado dos signos para obter umaorientao no Mundo das Maravilhas. Mas, nesta nova verso com a direo de Tim

    Burton, o filme apresenta mais caractersticas ps-modernas.

    A imaginao visual de Burton, sua maior assinatura, atinge um pico febril neste

    filme. Cada cena uma exploso de formas e cores. A linguagem visual hiperblica e

    altamente fetichizada, como pode-se verificar nos cenrios e at mesmo na expresso

    corporal dos personagens, marca a idia de mundo mstico, fantasioso e mgico. Os

    efeitos em 3D, utilizados de maneira intensa, atribuem ainda maior veracidade e

    potencializam a noo de fantstico atribuida ao mundo de Alice.

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    No to prxima de um mundo de maravilhas quanto a garotinha perspicaz de

    vestido impecvel, mas muito mais contempornea, a Alice de Tim Burton agora uma

    jovem angustiada com as presses de seu tempo e indignada com as exigncias de um

    futuro pr-determinado, formatado, definido desde sempre. Embora temporalmente

    distante da contemporneidade, Alice apresenta-se como um multivduo, insegura sobre

    as direes de sua prpria vida e ansiosa por desafios. Seus valores esto desconectados

    de seu tempo e representam a busca do self num claro retrato do multivduo

    contemporneo.

    Outro trao claro da personalidade contempornea da jovem Alice o desejo de

    uma vida guiada por suas vontades e aspiraes, personalizando sua trajetria em busca

    da completude, no culto espontaneidade e libertao dos papis.

    Embora inicialmente a clssica histria de Alice no Pas das Maravilhasesteja

    inserida em um universo infantil, os recursos e tcnicas do cinema contemporneo

    somados s caractersticas do diretor Tim Burton, construiram uma obra com

    caractersticas ps-modernas, A nova verso apresenta narrativa psicologizada,

    questionamentos contemporneos, multivduo, descolamento do tempo e espao,

    esttica hiperblica, fetichismo, seduo, entre outros aspectos ps-modernos, conforme

    anlise realizada nesta pesquisa.

    REFERNCIAS

    BAUMAN, Zygmunt. O medo lquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

    __________________. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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  • 7/25/2019 Alice Tim Burton Pos-modero

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    Produo: Walt Disney Pictures, Roth Films, The Zanuck Company, Team Todd, TimBurton Productions

    Roteiro: Linda Woolverton (Lewis Carroll)Intrpretes: Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway.

    Estados Unidos: Disney, 2010. Longa-metragem (108 min), son., color.