Aline Cavalcanti Abreu Dissertacao
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Transcript of Aline Cavalcanti Abreu Dissertacao
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Faculdade de Serviço Social
Aline Cavalcanti de Abreu
Habitação social e fundo público no contexto de crise do capital
Rio de Janeiro
2014
Aline Cavalcanti de Abreu
Habitação social e fundo público no contexto de crise do capital
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Trabalho e
Política Social.
Orientadora: Prof.ª Dra. Elaine Rossetti Behring
Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
___________________________ _________________________
Assinatura Data
A161h Abreu, Aline Cavalcanti de.
Habitação social e fundo público no contexto de crise do
capital/ Aline Cavalcanti de Abreu. – 2014.
115 f.
Orientador: Elaine Rossetti Behring. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Faculdade de Serviço Social.
Bibliografia.
1. Habitação popular – Aspectos sociais - Teses. 2. Política
habitacional - Teses. I. Behring, Elaine Rossetti. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III.
Título.
CDU 333.32
Aline Cavalcanti de Abreu
Habitação social e fundo público no contexto de crise do capital
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre , ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Trabalho e
Política Social.
Aprovada em 01 de agosto de 2014.
Banca Examinadora:
___________________________________________________
Prof.ª Dra. Elaine Rossetti Behring (Orientadora)
Faculdade de Serviço Social - UERJ
___________________________________________________
Prof.ª Dra. Isabel Cristina da Costa Cardoso
Faculdade de Serviço Social - UERJ
___________________________________________________
Prof. Dr. Evilásio da Silva Salvador
Universidade de Brasília
Rio de Janeiro
2014
AGRADECIMENTOS
Iniciar um processo de retorno a universidade requer não apenas vontade, mas
entendimento que a busca de conhecimento e a devida socialização deste são componentes
que provocam sentido para nós profissionais. Enfrentei muitas angústias nesse caminho que
escolhi, por ser este um tema que me instiga como sujeito político. Compreendia que esta
seria minha contribuição para a categoria de assistentes sociais envolvidas com tema e um
exercício pessoal de aproximação e apropriação de um universo teórico ainda alheio a mim.
Nesse caminho, encontrei apoios fundamentais para poder seguir adiante. Assim,
agradeço a Roberto, meu amor, amigo e companheiro que me incentivou em todas as decisões
(e indecisões) que cercaram o antes, durante e depois deste processo.
À minha orientadora, Elaine Behring, que desde a graduação acompanha meu
desenvolvimento acadêmico, incentivando a continuar os estudos.
Ao professor, Orlando Júnior pela colaboração na banca de qualificação e a
professora Isabel Cardoso por suas contribuições pertinentes e respeitosas a este trabalho.
Destaco, especialmente, a colaboração e presteza do professor Evilásio Salvador para
desvendar o “emaranhado” que é o orçamento público.
Às antigas e novas formações do Grupo de Estudo e Pesquisa do Orçamento Público
e da Seguridade Social (GOPSS/UERJ) por esses 8 anos que nos une na reflexão e na amizade
que tanto contribuiu para formação crítica que tenho hoje. Minhas camaradas Juliana Fiúza,
Taína, Silvia, Aline Miranda, Sandra Teixeira e meu camarada Wagner.
Às amizades que o Serviço Social possibilitou conquistar, na graduação e pós-
gradação, na Uerj e na Fiocruz como Raquel, Renata, Hannah, Andressa, Carolina, Mably,
Márcio, Aline Brito, Juliana Gagno, Caroline e Antonio.
E por fim, aos amigos que a militância na luta urbana trouxe para minha vida, em
especial, a amiga e conselheira Rose, com paciência, seriedade e compromisso mostra a
importância desta caminhada.
À todos, meu respeito, amizade e carinho.
RESUMO
ABREU, A. C. de. Habitação social e fundo público no contexto de crise do capital. 2014.
117 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Compreender o financiamento da habitação social requer identificar as mediações
necessárias para sua problematização crítica. Orientado pelo método marxista, o estudo utiliza
como metodologia a pesquisa bibliográfica, de documentos legais e o estudo das peças
orçamentárias. A produção do espaço no capitalismo é produto de relações sociais voltadas a
exploração e a acumulação capitalista. Por ser objeto da luta de classes, o Estado responde as
necessidades habitacionais dos trabalhadores por meio de políticas urbanas fragmentadas e
desfinanciadas, abertas as investida do mercado. A institucionalização do arcabouço legal
para a habitação, como a conquista do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social -
FNHIS não representou mudanças efetivas sobre as condições de moradia nas cidades.
Marcado pelo desfinanciamento (os recursos corresponderam a 1,3% do orçamento do
Ministério das Cidades, em 2012) e pela baixa envergadura dos programas sob sua
responsabilidade (recursos para Urbanização de Assentamentos Precários e Provisão
Habitacional ficaram em R$ 4,7 bilhões, nos anos estudados), o FNHIS é esvaziado no seu
sentido político de satisfazer as necessidades habitacionais da população. Em 2009, é criado o
Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV. Há o incremento do Estado como indutor da
macroeconomia fortalecedora da reestruturação do mercado imobiliário e das medidas para
minimizar os efeitos da crise econômica mundial, pondo em marcha o social-liberalismo.
Foram destinados R$ 16 bilhões de 2009 a 2012, com produção de 2 milhões de unidades
habitacionais pelo PMCMV. Contudo, pelo caráter privilegiador do produtor privado, o
PMCMV fez com que o mercado imobiliário continuasse a realizar a punção de parte de
fundo público no desenvolvimento de projetos que fortalecem a periferização, o bloqueio a
cidade para os trabalhadores e a redução a responsabilidade do Estado sob a política de
habitação social como direito humano.
Palavras-chave: Produção do espaço. Crise do capital. Política de habitação social. Orçamento
público.
ABSTRACT
ABREU, A. C. Social housing and public fund in the context of the capital of crisis.
2014. 117 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
To understand the financing of social housing it is required to identify the necessary
mediations for its critical questionings. Guided by the Marxist method, the study has as its
methodology the bibliographical research of legal documents and the study of budget
components. The production of space in capitalism is a product of social relations focused on
exploration and on capitalist accumulation. By being an object of class struggle, the State
responds to the workers’ housing needs through fragmented and unfinanced urban politics,
both available to the interest of the market. The institutionalization of the legal framework for
housing, like the achievement of the Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social-
FNHIS, has not shown effective changes on the housing conditions in the cities. Characterized
by the non-funding (in 2012, resources corresponded to 1.3% of the Ministry of Cities’
budget) and by the low scale of the programs under their responsibility (resources for
Urbanization of Slums and Housing Provision were R$ 4.7 billion between 2006 and 2012),
the FNHIS was withdraw from its political sense of meeting the population’s housing needs.
In 2009, the Programa Minha Casa Minha Vida - PMCVMV (“My House My Life”) was
created. There is the State’s increase as an inducer of macroeconomics of the real estate
market’s restructuring and of measures to minimize the effects of the global economic crisis,
putting in motion the social liberalism. Sixteen billion reais were invested in 2009 to 2012,
with production of two million housing units by PMCMV. However, through the privileged
character of the private producer, the PMCMV helped the housing market to continue taking
part in the public fund on the development of projects which strengthen the peripherization,
the city blocking for workers and the State’s reduction under the politic of social housing as a
human right.
Keywords: Production of space. Crisis in the capital. Social housing politic. Public budget.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Distribuição do déficit habitacional por faixa de renda........................... 48
Gráfico 2- PIB Brasil e PIB construção................................................................... 60
Gráfico 3- Execução orçamentária por função: 16 – habitação................................ 90
Gráfico 4- Execução orçamentária do Ministério das Cidades................................ 91
Gráfico 5- Execução orçamentária FNHIS............................................................... 92
Gráfico 6- Programas financiados pelo FNHIS........................................................ 93
Gráfico 7- Recursos Liquidados pelo PMCMV........................................................ 103
Gráfico 8- Contratos de unidades habitacionais financiadas pelo PMCMV............. 104
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Receitas com ITR................................................................................... 67
Tabela 2- Receitas tributárias sobre patrimônio nos municípios: IPTU e
ITBI........................................................................................................
69
Tabela 3- Financiamento habitacional com recursos do SBPE e Unidades
habitacionais construídas.......................................................................
74
Tabela 4- Financiamento habitacional com recursos do FGTS e Unidades
habitacionais construídas.......................................................................
75
Tabela 5- Gasto tributário em habitação............................................................... 77
Tabela 6- Metas de recursos para o programa habitação nos Planos
Plurianuais.............................................................................................
83
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BGU Balanço Geral da União
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Habitação
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
BGU Balanço Geral da União
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Habitação
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina
CAPMCMV Comitê de Acompanhamento do Programa Minha Casa Minha Vida
CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos
COHAB Companhia Habitacional Estadual
CGFNHIS Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
COFINS Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
FAT Fundo de Apoio ao Trabalhador
FAR Fundo de Arrendamento Residencial
FDS Fundo de Desenvolvimento Social
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FGHab Fundo Garantidor de Habitação Popular
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FUNSET Fundo Nacional de Segurança e Educação do Trânsito
GOPSS Grupo de Estudos e Pesquisa do Orçamento Público e da Seguridade
Social
HIS Habitação de Interesse Social
IAP Instituto de Aposentadoria e Pensões
IAB Instituto de Arquitetos do Brasil
IRPF Imposto de Renda Pessoa Física
IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica
IPTU Imposto Predial e Territoria Urbano
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
ITR Imposto sobre Propriedade Territorial Rural
ISS Imposto sobre Serviço
ITBI Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
LDO Lei de Direitrizes Orçamentárias
LOA Lei Orçamentária Anual
OGU Orçamento Geral da União
PT Partido dos Trabalhadores
PlanHab Plano Nacional de Habitação
PPA Plano Plurianual
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PIS Programa de Integração Social
PMCMV Programa Nacional de Habitação Urbana
PNHU Programa Nacional de Habitação Urbana
SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SFH Sistema Financeiro de Habitação
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
SPEs Sociedade de Propósitos Específicos
Trensurb Trens Urbanos de Porto Alegre
TCU Tribunal de Contas da União
UPP Unidade de Polícia Pacificadora
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 11
1 PRODUÇÃO DO ESPAÇO E QUESTÃO HABITACIONAL NO
CAPITALISMO BRASILEIRO.......................................................................
16
1.1 A renda fundiária na reprodução das relações sociais no espaço urbano...... 16
1.2 O desenvolvimento desigual urbano e a política habitacional no contexto
desenvolvimentista..............................................................................................
25
1.2.1 As transformações nas cidades, o desenvolvimento desigual urbano e as
contribuições de Engels sobre a questão da habitação..........................................
25
1.2.2 Aspectos da urbanização e da política habitacional durante a Ditadura Militar
instaurada em 1964...............................................................................................
31
1.3 A acumulação flexível e a política habitacional pós-BNH .............................. 37
2 FINANCIAMENTO DA HABITAÇÃO SOCIAL NO MARCO DA
CRISE DO CAPITAL........................................................................................
50
2.1 Crise do capital e a reestruturação do mercado imobiliário.......................... 51
2.2 A questão tributária e a base de financiamento da habitação no Brasil ...... 65
2.3
2.3.1
Orçamento público da habitação social: o Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social e o Programa Minha Casa Minha Vida ..........................
O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social: a promoção pública de
habitação social no Brasil.....................................................................................
79
84
2.3.2 O Programa Minha Casa Minha Vida: opção de desenvolvimento com
previlegiamento do produtor privado...................................................................
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 108
REFERÊNCIAS................................................................................................. 117
11
INTRODUÇÃO
O estudo sobre o fundo público que incide sobre política de habitação social no
Brasil possui sua relevância devido às características da formação social brasileira que
desenvolveu sua reforma urbana por intermédio da apropriação privada da terra com vista a
exploração e a acumulação para o capital. As cidades brasileiras neste contexto, representam a
desigualdade socioespacial a que está submetida a classe trabalhadora, onde o acesso à
moradia é marcado pela autoprodução e pela mercantilização (MARICATO, 2001).
A provisão habitacional pelo Estado destinada a camada mais baixa da classe
trabalhadora possui como forte característica a fragmentação e a baixa cobertura. No decorrer
dos anos, tivemos diversas iniciativas para contornar a questão, como a implementação
jurídico-legal do uso e ocupação do solo nos municípios brasileiros, as medidas na área de
regularização fundiária, melhorias habitacionais, urbanização de assentamentos precários e
construção habitacional, mas todas ainda desenvolvidas de maneira descontínua. Para que o
conjunto das iniciativas sobre a questão urbana tenha eficácia é necessário seu planejamento
de forma sistemática, intersetorial e sob responsabilidade do setor público para garantir acesso
a cidade e moradia adequada para a população.
A criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS tinha por
objetivo intervir nas políticas urbanas de forma a superar as dificuldades assinaladas acima.
Contudo, o arcabouço jurídico-legal conquistado pelas reivindicações dos trabalhadores
organizados não foi suficiente para conter a avalanche neoliberal e de adaptação das cidades
as investidas do capital. Após 2008, a economia mundial enfrenta uma crise estrutural o que
fez os Estados intervirem para garantir as condições de retomada das taxas de lucro. Nasce,
assim, o Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, com intuito de mobilizar a economia
e trazer incremento de capital ao mercado imobiliário.
A análise da economia política do urbano norteia este estudo, onde a
problematização e socialização de conhecimento sobre o financiamento da habitação social no
contexto de crise é importante instrumento de defesa do direito à cidade para a classe
trabalhadora e de ampliação de conhecimento para a categoria profissional dos assistentes
sociais. Ele também se destina a ofertar acervo teórico e político que colabore para o
desvendamento da realidade social à pesquisadores e profissionais envolvidos em ações no
campo da política habitacional, no que tange a gestão, planejamento e monitoramento dos
empreendimentos habitacionais e as equipes de trabalho social. Nessa perspectiva, as análises
12
produzidas pelo Serviço Social no âmbito das políticas sociais, pautadas pela Teoria Crítica e
mediadas pelo Projeto Ético-Político da profissão, colaboram para o fortalecimento da classe
trabalhadora e de suas formas de organização em movimentos sociais urbanos no
enfrentamento de um modo de produção que fragmenta a luta de classes, desmobiliza sujeitos
coletivos e cria uma cultura da crise (MOTA, 1995) que desmonta direitos sociais.
No que tange ao debate sobre espaço dentro da teoria crítica, alguns autores, dentre
eles Harvey, destacaram a pouca ênfase teórica dada ao espaço no seu interior. Para Harvey
(2005) há necessidade de criação de uma teoria da geografia histórica do capitalismo, pois
considera haver um descompasso teórico entre tempo e espaço na teoria social de forma geral
(casos de Weber, Durkheim) e também na teoria crítica (Marx e seus intérpretes e
colaboradores), onde o conceito de espaço tornou-se periférico diante a teorização do tempo e
da história. Para o autor, as relações espaciais ficam subordinadas à história, onde o espaço
passa a ser compreendido como mero impeditivo para a circulação e realização do capital e
fortemente associado a formação de Estados-nação.
As elaborações sobre renda fundiária também passaram por oscilações reflexivas no
campo da teoria crítica. Botelho (2007) relembra que a renda fundiária foi tema de estudo dos
teóricos que participaram da II Internacional devido à relação entre questão agrária e a
participação do campesinato no movimento revolucionário, havendo posteriormente um
refluxo da reflexão sobre tal conceito. A discussão ressurge entre os anos 1970 e 80, pelos
estudiosos franceses tomando a renda fundiária sob a perspectiva urbana. No Brasil, a
economia política urbana teve contribuições importantes na década de 1970 pelos estudos de
Francisco de Oliveira, Milton Santos e Lúcio Kowarick (BOTELHO, 2007, p. 36). Já os
debates sobre habitação, acompanharam as intervenções do Estado sobre a política e após o
encerramento das atividades do Banco Nacional de Habitação - BNH, em 1986, decaiu a
produção acadêmica, recorrendo-se a outras temáticas que envolviam a questão urbana.
Cotejados brevemente os argumentos que destacam a importância do constante
movimento intelectual da teoria crítica sobre a unidade tempo-espaço, descrevo a metodologia
realizada neste estudo e os limites enfrentados no desenvolvimento da pesquisa. Como fonte
teórico-metodológica, realizamos uma revisão bibliográfica subsidiada pelo materialismo
histórico e seus esforços na formação da unidade teórica do tempo-espaço. Para a pesquisa,
nos debruçamos sobre documentos legais e as peças orçamentárias (planejamento, execução e
balanços orçamentário) entre os anos de 2006 a 2012 no âmbito da União para compreender o
financiamento da habitação social a partir do Programa Minha Casa Minha Vida e dos
recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Diante as dificuldades para o
13
desenvolvimento da pesquisa, definimos como fonte de informação o Siga Brasil; os dados da
Lei Orçamentária Anual e suas execuções, e a definição da rubrica “Liquidado
(subelemento)” como base de análise.
Em relação a análise orçamentária do financiamento da habitação social, é necessário
fazer algumas ponderações. A primeira versa sobre os empecilhos no desenvolvimento da
pesquisa nas fontes de informação do orçamento público, entre elas: dificuldades de
compatibilizar os dados de diferentes fontes de informação, não havendo paridade entre elas;
houve tabelas no sistema de Informações Siga Brasil, que não abriram, dificultando acesso a
algumas informações, tais como gastos orçamentários com emendas parlamentares; e
incompatibilidade de informações entre a descrição tabela de dados e o que realmente
continha, como ausência de dados sobre restos a pagar. A artimanha econômica em que está
envolvida a rubrica Restos a Pagar tem como estratégia aumentar o gasto e garantir seu
cancelamento1, mas sem exceder os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e o contrato
social neoliberal (GOPSS, 2013, p. 3). A segunda ponderação é sobre a metodologia aplicada
à pesquisa das peças orçamentárias, em que considerando as dificuldades, definimos: como
fonte de informação o Siga Brasil; os dados da Lei Orçamentária Anual e suas execuções, e a
definição da rubrica “Liquidado (subelemento)” como base de análise. Sabemos os limites
desta fonte, pois só contabiliza os empenhos liquidados, excetuando os à liquidar, mas
optamos por ela para garantir a série histórica.
A análise dos dados orçamentários vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida
- PMCMV recebem outras ponderações. As dificuldades versam sobre a busca dos dados, que
pela multiplicidade de fontes de financiamento, geram a fragmentação dos recursos advindos
do orçamento geral da União, fundos semipúblicos como Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS e outros fundos que possuem o objetivo de transferir recursos a habitação
social, mas não estão vinculados a função habitação, como o Fundo de Desenvolvimento
Social - FDS e o Fundo de Arrendamento Residencial - FAR. Outra dificuldade é que na
legislação o Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU, subprograma do PMCMV,
está vinculado ao Ministério da Fazenda - MF e ao Ministério das Cidades - MCid, mas ao
recorrer as fontes dos órgãos há alternância entre o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão – MPOG e Ministério da Fazenda em relação a execução do PMCMV, onde foi
possível identificá-lo pela associação à informações sobre Programa de Aceleração do
Crescimento e à transferências de imóveis da União para habitação social via PMCMV. A
1 Uso da rubrica Restos a pagar cancelado como estratégia para não ultrapassar os gastos postergados ao ano
seguinte do exercício financeiro.
14
dificuldade de encontrar dados orçamentários também se refletiu na falta de informações
sobre o número de operações e contratos de unidades habitacionais para o programa, onde
poderia ser identificada a tendência de aglomeração de unidades em uma mesma operação ou
o aumento dos valores nas operações para produção de Habitação de Interesse Social - HIS.
Outra ponderação é não existir identificação do PMCMV de forma clara, onde pude
identificá-lo apenas pela pesquisa e associação de informações dos diversos órgãos, trilhando
o caminho: Função Encargos Especiais → Subfunção Outros Encargos Especiais → Programa
Outros Encargos Especiais → Projeto/ação, distribuídos em subvenções vinculadas a lei nº
11.977/2009, recursos do FAR, recursos do Fundo Garantidor de Habitação Popular - FGHab,
entre outros. Apenas em 2012, o programa foi integralmente gerido pelo MCidade por meio
do Programa Moradia Digna, previsto no Plano Plurianual - PPA 2012-2015. Dessa forma, o
que podemos perceber é que utilizaram função e subfunção geralmente relacionadas aos
encargos da dívida pública e que um programa tido como destaque na área habitacional não
possui transparências em suas informações.
Dita as ponderações e limites ao desenvolvimento da pesquisa, elenco as reflexões
que foram travadas nos capítulos 1 e 2 dessa dissertação, que buscam subsidiar o estudo sobre
o financiamento da habitação social no Brasil recente. O primeiro capítulo discute a produção
do espaço e da moradia na sociedade brasileira, e para isso se divide em três seções. A
primeira trata dos conceitos gerais de renda fundiária. A renda fundiária sendo a parte da
mais-valia que é apropriada pelos proprietários fundiários por seu monopólio da terra, outra
parte é do Estado pelos tributos e rendas advindos de sua prerrogativa de regulação sobre o
uso e ocupação do solo.
A segunda seção analisa o desenvolvimento desigual capitalista do espaço e a
formação da habitação no contexto desenvolvimentista. Para isso, inicia-se trazendo o debate
teórico sobre desenvolvimento desigual e as contribuições de Engels para a questão
habitacional. Compreende-se que a produção do espaço também é distinta entre as formações
sociais no capitalismo, tendo um país periférico como o Brasil particularidades diante do
desenvolvimento desigual e as relações com o espaço, combinando processos arcaicos e
modernos sob domínio capitalista. A teoria crítica trouxe contribuições sobre a questão da
habitação por meio dos estudos de Engels (1988), que nos trouxe a atualidade da luta contra o
reformismo e a moralização da habitação, propostas pelos burgueses, reafirmando que a luta
de classes e a expropriação da propriedade privada da terra e dos meios de produção são as
únicas propostas a serem tomadas pela classe trabalhadora. Depois, trazemos alguns
apontamentos sobre o processo de urbanização brasileira e as intervenções do Estado sobre a
15
política habitacional até o período fundo da Ditadura Militar instaurada em 1964, abarcando
os 20 anos de implementação do Banco Nacional de Habitação.
Na terceira seção, articulamos as reflexões sobre acumulação flexível, crise do
capital e fundo público e suas consequências para a questão urbana e a construção do
arcabouço jurídico-legal da política habitacional. Compreendemos que as crises cíclicas são
expressão (e não exceção) do processo de desenvolvimento capitalista, exigindo respostas que
se configuraram na acumulação flexível e na busca de novos espaços para valorização do
capital. Ao relacionar fundo público, política de habitação social e a crise do capital
confirmamos o vinculo da habitação à política econômica que se processa desde a criação do
Banco Nacional de Habitação, sendo recorrente o seu uso como medida anticíclica frente às
crises do capital. Com o acirramento da precarização das condições de vida e o
aprofundamento da segregação socioespacial nas cidades decorrentes do padrão predatório e
mercantilizado da urbanização no país, os movimentos sociais urbanos mobilizaram-se para o
reconhecimento do direito a moradia, da melhoria da política urbana e da implementação da
gestão democrática nas cidades.
No segundo (e último) capítulo, o foco da analise é compreender o processo vigente
de reestruturação do mercado imobiliário no Brasil e seu atrelamento às respostas a crise
econômica tomadas pelo Estado particularmente sobre o financiamento da política
habitacional. Entre as seções estudadas, primeiro identificamos os aspectos do processo de
centralização e concentração de capital que marca a reestruturação do mercado imobiliário no
país. Mas esse processo só é possível com a intervenção do Estado, valendo-se da carga
tributaria e do financiamento da habitação como motor para o mercado imobiliário frente à
crise do sistema que se arrasta desde 2008 no mundo. A última seção volta-se para o estudo
do orçamento público da habitação social. A demanda por intervenções sistemáticas do
Estado para a promoção de habitação social, possibilitou a criação de um Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social, composto por uma série de mecanismos institucionais, como
um fundo setorial. Contudo, com a necessidade de garantia da taxa de lucro, num ambiente de
crise do capital, a política habitacional foi direcionada a atender as exigências do
desenvolvimento econômico, sendo criado em 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida.
Novamente temos o Estado como indutor da economia, garantindo as condições de
reprodução do capital e fazendo do uso do fundo publico um motor do desenvolvimento
econômico, em detrimento da concepção da moradia como direito social e humano.
16
1 PRODUÇÃO DO ESPAÇO E QUESTÃO HABITACIONAL NO CAPITALISMO
BRASILEIRO
Neste capítulo pretendemos debater a produção do espaço e da moradia no marco
do capitalismo brasileiro. Para isso, articulamos os temas de modo a trazer o quadro geral de
conceitos e processos políticos que marcam a habitação social no Brasil. Assim, dividimos o
capítulo em três seções. A primeira seção possui como foco apreender o conceito de renda
fundiária e refletir a maneira com que a renda fundiária é apropriada pelo proprietário
fundiário e a produção do espaço como produto das relações sociais. Nas cidades, as relações
sociais capitalistas reforçam a fragmentação e a homogeneização do espaço, tornando
possível a exploração pelo capital. Na segunda seção, articulamos os processos de
desenvolvimento desigual capitalista e a produção habitacional no contexto do
desenvolvimentismo. Dessa forma, primeiro analisamos os aspectos conceituais de
desenvolvimento desigual do espaço e as contribuições da teoria crítica para a questão da
habitação, remetendo aos textos de Engels. O segundo passo foi resgatar o padrão de
urbanização brasileira e aspectos da formação da política habitacional, principalmente no
período desenvolvimentista que criou o Banco Nacional de Habitação em 1964. A última
seção deste capítulo se debruça sobre as mudanças provocadas pela reestruturação produtiva
sobre o espaço e a crise do capital. A redemocratização do país promoveu mobilizações
populares com vista a melhoria das condições de vida na cidade. A busca da organização de
um arcabouço legal trouxe esperança, mas que logo foi interrompida pela entrada passiva do
Brasil na mundialização do capital. As consequências foram “a tragédia urbana” e um déficit
habitacional que hoje representa cerca de 22,4 milhões de moradias (FJP, 2013).
1.1 A renda fundiária na reprodução das relações sociais no espaço urbano
Os homens em sociedade produzem meios de vida para atender suas necessidades. A
produção social se torna uma atividade social, onde a transformação da natureza requer a
cooperação, as relações e vínculos entre os sujeitos. A produção social envolve produzir e
reproduzir relações sociais historicamente determinadas. A produção social na sociedade
capitalista não se refere a produção material (por vezes reificada pelo capital), mas se trata de
“relações sociais entre pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias
17
econômicas” (IAMAMOTO, 2007, p. 30). As classes sociais são personificações do capital e
do trabalho assalariado, configurando a unidade de diversos, que determina a dinâmica da
vida nesta sociedade. No capitalismo, a reificação envolve reconhecer as relações sociais
entre classes sociais antagônicas como relações entre coisas, sob a forma de mercadorias,
“esvaziada de sua historicidade” (IAMAMOTO, 2007, p. 31). A mercadoria é na mesma face
valor de uso (trabalho útil concreto e que atende as necessidades sociais) e valor que se
expressa na relação de troca (quantidade de trabalho medida pelo tempo de trabalho
socialmente necessário, trabalho abstrato).
A forma mercadoria existiu em outros modos de produção, mas no capitalismo a
mercadoria se torna capital pelo monopólio dos meios de produção e de subsistência, o que
supõe o trabalhador vender por um tempo determinado sua força de trabalho para sua
reprodução e de sua família. O capital só se torna mercadoria quando se transforma no
processo produtivo mediante a incorporação de trabalho vivo, trabalho este responsável por
conservar e criar valor. O produto da produção capitalista é a mais-valia, são mercadorias que
possuem mais valor de troca, apropriação de trabalho não pago pelos capitalistas.
No capítulo VI inédito do Capital, afirma que a “produção capitalista é produção e
reprodução das relações de produção especificamente capitalista” (MARX, 1969, p. 133),
tendo como produto a mais-valia e o capital. Neste processo, o operário vende sua força de
trabalho para, em troca, garantir sua subsistência e a reprodução de sua capacidade de
trabalho. Em contrapartida, desenvolve, através do trabalho, a atividade de conservar, criar e
acrescentar valor, isto é, para que a força de trabalho se conserve (reproduza a si e sua
família) é necessário percorrer novamente o processo produtivo. Diferente da força de
trabalho, o capital não sai do processo produtivo como entrou, mas acrescido de valor que se
valorizou pelo trabalho.
O capital incorpora trabalho vivo mediante o processo de produção convertendo-se
em capital real, valor que se valoriza a si próprio. O processo de acumulação,
produz também uma massa operária crescente, única substância graças a qual pode
funcionar como capital adicional” (MARX, 1969, p. 134, grifo nosso).
A transformação de dinheiro em capital se realiza em três processos: o de compra e
venda de meios de produção e de força de trabalho; o processo de produção que envolve o
processo de trabalho e de valorização, que consome os meios de produção por meio do
trabalho vivo; e a circulação que realiza o valor do capital e da mais-valia, transformando
mercadoria em dinheiro (IAMAMOTO, 2007, p. 37). O objetivo do capitalista não é satisfazer
as necessidades sociais, mas a produção, apropriação e realização de mais-valia. Ou seja, ver
18
seu capital crescer, mediante o emprego no processo produtivo de cada vez menos força de
trabalho, por meio da intensificação e produtividade do trabalho, alargando o trabalho
excedente, não pago ao trabalhador. Assim, o ciclo do capital produz e reproduz as relações
sociais e suas contradições.
Marx considerou “modo de produção especificamente capitalista” aquele que
transforma o processo de trabalho pelo desenvolvimento das forças produtivas e do trabalho,
aumenta a escala de produção e concentra e centraliza capital e os meios de produção.
(MARX, 1969, p. 143) assinala que só na produção capitalista o valor de uso é totalmente
mediado pelo valor de troca, transformando-se em três pontos: primeiro converte a
mercadoria em forma geral de todos os produtos, segundo converte a força de trabalho em
mercadoria, e terceiro destrói a base de produção mercantil (antes dispersa, independente e
sob troca entre possuidores de mercadorias equivalentes) dando centralidade à troca entre
capital e a força de trabalho. Diante do processo de trabalho, todos os meios de trabalho
produzidos, independente de seu valor de uso no processo de produção, tornaram-se (ao
mesmo tempo) elementos do processo de valorização.
“Na subsunção real do trabalho ao capital há total transformação do processo de
trabalho destinado ao desenvolvimento de mais-valia relativa” (MARX, 1969, p. 104).
Contudo, a subsunção real do trabalho ao capital pode envolver não apenas o uso de
tecnologias para alcançar a produtividade do trabalho. Esse debate é importante para a
compreensão da produção habitacional, visto que há hegemonia no debate2 em tratá-la como
produção mercantil, entre outros elementos, por seu reduzido incremento de tecnologia na
produção.
Tratar a mistificação do capital envolve reafirmar o trabalho como produtor de mais-
valia e a distribuição desta para as frações de capitalistas, representados pela renda fundiária e
o proprietário fundiário. Botelho (2007) destaca que um dos primeiros estudos sobre renda
fundiária pela economia política clássica teve base nas formulações de David Ricardo e Adam
Smith, posteriormente objeto de crítica e inversão de análise por Marx. Os economistas
burgueses, para justificar as fontes de seus rendimentos, invocam a trindade econômica
composta pelo capital-juro, terra-renda e trabalho-salário (IAMAMOTO, 2010, p. 69). A
crítica de Marx sobre a trindade econômica se fundava na desvinculação destas fontes de
rendimento em relação ao trabalho, realmente o criador de mais-valia que é distribuída para as
frações da classe dominante sob a forma de lucro, renda e juro. Há também o reforço à
2Alguns autores que debatem o tema da produção habitacional são Topalov (1979), na França, e Ribeiro (1997) e
Cano (2010), no Brasil.
19
mistificação da aparência que move os agentes da produção para garantir legitimidade à
apropriação privada da riqueza. Marx, então expõe que as fontes de rendimentos são em
realidade:
O capital é para o capitalista perene máquina de sugar trabalho excedente; a terra é
para o proprietário eterno imã que atrai parte de mais-valia sugada pelo capital, e
finalmente o trabalho é condição e meio que se renovam sempre para adquirir, sob o
título de salário, parte do valor criado pelo trabalhador e portanto fração do produto
social determinada por essa parte de valor e que abrange os meios de subsistência
necessária (MARX, 2008, p. 1085).
Iamamoto (2010), adverte que os argumentos dos economistas clássicos sobre as
fontes de rendimentos traziam conexões que não se sustentavam, a exemplo à terra-renda que
considerava a terra como fonte de valor e que a renda da terra se dava como mercadoria numa
relação com a natureza. Iamamoto, sob o aporte dos escritos de Marx, reafirma que a terra não
tem valor por ser um elemento da natureza (um valor de uso) e que a renda da terra se dá
mediante a relação social, divergindo assim, dos economistas clássicos.
A desmistificação das fontes de rendimentos contribuiu para fugir da aparência que
apontava a propriedade fundiária e o capital como as fontes de rendimentos dos capitalistas e
os proprietários fundiários, descoladas do excedente de trabalho gerado pelo trabalhador. Os
proprietários recebem a renda não por uma faculdade inerente à terra, mas por causa do
monopólio que exercem sobre ela, cobrando um tributo que é pago pela sociedade inteira.
Esconde a relação real de produção (IAMAMOTO, 2010, p. 36).
Compreender o conceito de renda da terra (ou renda fundiária) torna-se ponto de
partida para entender a particularidade da produção do espaço nas cidades e a formação da
acumulação urbana. A produção do espaço no campo é distinta da cidade, pois no campo o
processo produtivo é passível de ser reorganizado no mesmo espaço, já nas cidades, cada
processo produtivo requer novos espaços de produção, ampliando suas dimensões, além de
ser um bem não reproduzível, necessitando, de modo geral, de novas parcelas do solo a cada
processo produtivo, nem sempre sob as mesmas condições. Contudo, para minimizar os
limites impostos pelo espaço, o capital o torna homogênio, mercantilizado e passível ser
mobilizado via financeirização, daí o uso de certificados de recebíveis, por exemplo.
Para (MARX, 2008, p. 823), a propriedade fundiária é fenômeno comum a outros
modos de produção, mas na sociedade capitalista a acumulação e a exploração é forma
específica, puramente econômica, abstraída dos aspectos políticos e sociais que a
antecederam. Tem-se a desapropriação do trabalhador das condições de produção e da
propriedade que se torna destinada à produção de lucro para o capitalista. A propriedade
20
fundiária é apropriada por sujeitos que dispõem do monopólio de “determinada porção do
globo terrestre como esfera privativa de suas vontades particulares, com exclusão de todas as
demais vontades” (MARX, 2008, p. 824). Capacitando-os ao tributo de parte do trabalho
excedente de forma progressiva, a depender da particularidade histórica do desenvolvimento
capitalista. Nesse caminho, podemos refletir que o monopólio de determinada propriedade
fundiária pode ser exercido por proprietários fundiários públicos e privados.
A renda fundiária é uma forma de mais-valia, que é produzida pela força de trabalho,
advinda do trabalho não pago, decorrente das relações sociais no processo produtivo, e esta
parte da mais-valia é destinada ao proprietário fundiário por sua apropriação privada da terra.
Assim, “é o capitalista que primeiro se apropria da mais-valia, redistribuindo uma parcela da
mesma àqueles que detêm o monopólio de um bem natural não reproduzível, pelo direito de
submetê-lo a exploração produtiva no sentido capitalista” (IAMAMOTO, 2010, p. 90), “não
importando se a renda fundiária advém da agricultura, da mina, da pesca ou do terreno para a
construção” (MARX, 2008, p. 827).
Desse modo, a renda fundiária “não é uma propriedade inerente ao solo” (BOTELHO,
2008, p. 26), mas resultado do trabalho global da sociedade, parte do valor que é canalizado
para os proprietários fundiários devido ao seu monopólio da terra, e de onde é extraída a mais-
valia dos trabalhadores apropriada pelos capitalistas.
A capitalização da renda fundiária significa o valor do solo, isto é, a renda fundiária
que proporciona, porque a terra em si não tem valor. Considera-se que o:
Dinheiro empregado na compra de terras não funciona como capital: é compra de
renda, direito de extrair a renda da sociedade no seu conjunto. É renda capitalizada,
não capital [...] No ato da venda da propriedade territorial, aquela renda é
integralmente revertida em capital. Revela-se a face do proprietário fundiário,
escondida, sob a máscara do capitalista (BOTELHO, 2008, p. 91).
Marx (2008) destaca que as melhorias promovidas pelo arrendatário (capitalista), ao
passar do tempo, são incorporadas ao solo, passando a pertencer ao proprietário deste. O juro
incorporado à terra pelo capital se acrescenta à renda fundiária, fazendo crescer a renda do
proprietário;
Vende-se o solo melhorado, o capital incorporado à terra e que nada lhe custou [...]
Ai está o enriquecimento ascendente dos proprietários das terras, do aumento
contínuo de suas rendas e do valor monetário crescente de suas propriedades com o
progresso do desenvolvimento econômico (MARX, 200, p. 829).
Botelho (2008) reafirma a crítica à mistificação das fontes de rendimentos,
identificando que a renda fundiária na cidade assume uma forma abstrata, aparece como
produto dos juros do capital investido. Marx considerava que a especulação do setor
21
imobiliário advém da renda fundiária cobrada pelo proprietário e pelo imóvel construído. Nas
cidades, o reflexo é a hierarquização dos lugares pelo preço do solo promovido pelos agentes
imobiliários. A exclusão dos não-proprietários ao acesso a terra é condição do processo da
reprodução das relações sociais no capitalismo (BOTELHO, 2007)
Em O Capital, Marx (2008), diferencia a renda fundiária em renda diferencial (sob a
forma I e II) e a renda absoluta. Cabe neste texto apontar os aspectos gerais destes conceitos.
Por renda diferencial se compreende a melhoria do solo por força da natureza monopolizada e
que promove maior produtividade ao capital aplicado, convertendo-se em lucro suplementar à
renda fundiária. Vale destacar que “a força natural não é fonte de lucro suplementar, mas base
natural dele, por ser a base natural da produtividade excepcionalmente acrescida pelo
trabalho” (MARX, 2008, p. 862) e que o direito a propriedade privada não cria valor
transformado em lucro suplementar, apenas colabora para que o proprietário fundiário se
aproprie deste. De forma simplificada, a renda diferencial corresponde a um elemento que
torna a terra mais produtiva. E continuam:
A renda diferencial decorre da produtividade diversa de aplicações iguais de capital
em terras de área igual e fertilidade desigual, de modo que a renda diferencial era
determinada pela diferença entre o rendimento do capital empregado a pior terra,
desprovida de renda, e o do capital empregado em melhor terra (MARX, 2008, p.
895).
A renda fundiária sob a forma de renda absoluta se explica quando o solo cultivado
não produzir excedente, por ser o pior solo. Nesse pior solo cultivado, o preço de produção
que regula o mercado coincide com o preço individual de produção do produto deste solo, isto
é, não há excedente sobre o preço de produção que se converta em renda fundiária, sendo a
renda igual a 0 (zero). Para superar tal fato, a propriedade fundiária (pelo monopólio que tem
sobre a terra) passa a ser a geradora da elevação do preço acima do preço de mercado,
passando, assim, a propriedade a gerar renda. Podemos dizer de outra forma, “o excedente de
valor provocado pelo proprietário fundiário pode tornar o fator determinante do preço geral de
mercado, em que a renda gera o encarecimento do produto“ (MARX, 2008, p. 1011). Embora
a propriedade possa elevar o preço de produção, essa circunstância não depende apenas dela,
mas da situação geral do mercado que demarcará até onde o preço pode se elevar. Isto é, o
proprietário sempre estará disposto a extrair renda de algo que nada contribuiu, mas para isso
“o capital precisa de certas condições para satisfazer tais desejos” (MARX, 2008, p. 1020).
Vale ressaltar, que a renda absoluta é apenas parte da mais-valia apreendida pelo proprietário
fundiário. O que a difere da renda diferencial é que esta se converte em renda pelo lucro
suplementar, enquanto a renda absoluta depende da elevação do preço, numa espécie de
22
tributo sobre o uso da terra que é sua. A renda absoluta contribui para desmistificar a
aparência de que a renda deriva do mero preço de monopólio3. Exemplo disso é dado por
Marx quando nos relata que um capitalista, ao extrair madeira de uma floresta e paga a renda
ao dono ou a retém por ser ele mesmo o dono, estaria apenas pagando a tributação de
monopólio, mas que na verdade consiste exclusivamente de capital variável.
Botelho (2008), ressalta a especificidade das formas da renda fundiária no urbano, pois
nas cidades as formas se combinam, além das transformações nas construções que podem
mudar as formas. Nas cidades, a renda se caracteriza pela “influência decisiva da localização
sobre a renda diferencial; pela exploração pelo proprietário do progresso do desenvolvimento
social para o qual nada contribui e no qual nada arrisca, e pelo predomínio do preço de
monopólio” (BOTELHO, 2008, p. 26). Marx (2008), assinala que o crescimento acelerado das
cidades promove a especulação através da renda fundiária a ser apropriada e não sobre o
imóvel construído. “Agrega-se para considerar a elevação da renda fundiária: o aumento
demográfico nas cidades; a necessidade de novas moradias para atender essa população; e a
incorporação de infraestrutura (capital fixo) na terra” (BOTELHO, 2008, p. 26).
O caráter da não reprodutividade do solo urbano deve-se a parcelas da unidade
imobiliária possuir um valor de uso complexo (equipamentos sociais, culturais, privilégio de
localização, entre outros), sendo difícil para o setor imobiliário reproduzi-lo, em escala, em
outro lugar, conforme ocorre com o solo agrícola. Além de não ser uma mercadoria como as
demais, pois não “se fabrica” solo e sim, se produz e consome dentro de uma relação social.
Por intermédio da concorrência urbana (HARVEY, 2005, p. 178), as cidades passam a
disputar entre si projetos de interesse do capital, onde aspectos que eram específicos de um
determinado lugar passam a ser reproduzidos por outras cidades. Isso não significa que o
capital está produzindo solo, mas está produzindo uma forma de se apropriar desse solo na
perspectiva de aumentar o capital. Assim, “não pode haver mais do que uma parcela de solo
exatamente na mesma localização” (HARVEY, 1980, p. 144). O Estado vem intervindo na
apropriação de renda fundiária urbana por intermédio jurídico como a outorga onerosa pelo
direito de construir, caracterizada pelo tributação sobre o potencial de construção de um
imóvel. O mercado imobiliário já identifica a outorga como instrumento que potencializa a
capacidade de construção de um determinado imóvel e que podem gerar lucros adicionais.
Botelho (2008), completa que no espaço urbano, a renda da terra toma a forma de
preço da terra (renda capitalizada). A tributação, uma forma de extração de renda fundiária,
3 O preço de monopólio deriva “apenas pelo desejo e capacidade de pagamento dos compradores, sem depender
do preço geral de produção ou do valor dos produtos” (MARX, 2008, p. 1027).
23
era exercida pelo poder público para investir na disponibilização de terreno para prestação e
concessões de serviços públicos. Engels afirma a influência do Estado na apropriação da
renda da terra por meio da disponibilização de serviços e terras. Botelho completa;
O importante agente de influência no mercado imobiliário urbano é o Estado, pois
através de suas ações e regulamentações interfere ativamente no que se refere ao
preço da terra e à sua valorização. A localização de infra-estrutura e de
equipamentos de uso coletivo sob sua responsabilidade, as leis de zoneamento, os
planos de “revitalização urbana” de certas áreas da cidade, o fornecimento de
financiamento para a compra da moradia e a produção da moradia pelo poder
público são alguns dos exemplos de como o Estado tem um papel ativo para a
formação da renda fundiária urbana ( ENGELS apud BOTELHO, 2008, p. 28).
A organização do espaço pelo Estado colabora nas disparidades territoriais e na
segregação, pois a localização de equipamentos públicos e privados também atuam no
privilegiamento espacial. Harvey (2005) destaca o importante papel do Estado na aplicação de
investimentos de longo prazo em infraestrutura física e social (estradas, portos, moradias) na
perspectiva de garantir rotatividade ao excedente de capital e de força de trabalho que tendem
a se desvalorizar, e na contenção de riscos para a lucratividade do capital nas iniciativas
econômicas. Botelho (2007) também destaca a relação do Estado e a renda fundiária na
promoção e influência no mercado imobiliário e nas ações que envolvem medidas jurídico-
legais que interferem no preço e valorização da terra.
Recentemente no Rio de Janeiro, observamos também a intervenção do Estado em
medidas de segurança pública (e sua função coercitiva) na implementação de Unidades de
Policia Pacificadora – UPP que teve reflexo sobre a valorização de determinadas áreas da
cidade.
O Estado interfere ativamente (BOTELHO, 2007, p.78) na formação, apropriação e
distribuição da renda fundiária entre as frações dos capitalistas, proprietários de terra privado
e o próprio Estado. Atua no desenvolvimento de projetos de infraestrutura física e social e na
criação de medidas jurídico-legais, normatizações e financiamento que colaboram para a
dominação capitalista no espaço urbano. Assim, o papel do Estado na renda fundiária urbana
se dá pela intervenção na estruturação de equipamento coletivo, pelas medidas de estímulo ao
mercado imobiliário com acesso a financiamento e produção de moradias e pela elaboração de
legislação urbanística, suas ações interferem no preço da terra e na sua valorização.
A propriedade fundiária possui também uma heterogeneidade dos proprietários
fundiários urbanos. Podemos identificar dois grupos de proprietários, os que se apropriam da
renda fundiária por possuir grandes propriedades públicas e privadas, como os proprietários
industriais, os grandes proprietários especuladores, os incorporadores e construtores, o capital
24
financeiro e o Estado; e os que não se apropriam da renda fundiária por utilizá-la apenas como
meio de subsistência e moradia, como os trabalhadores que possuem uma propriedade como
moradia e os pequenos proprietários que as usam para aluguel (BOTELHO, 2007, p. 70).
Mesmo diante desta diversidade de proprietários, consideramos a relação entre renda
fundiária e acumulação capitalista como centro da organização do espaço na órbita do capital.
A propriedade da terra é também condição para a reprodução das relações de produção do
capitalismo, pois ao ser concentrada numa classe, faz com que a classe trabalhadora não
possua os meios de sua reprodução.
Harvey (1980) afirma que existem perspectivas distintas entre os sujeitos que atuam
no mercado de moradia e que, mesmo diante das críticas4 remetidas a abordagem
microeconômica de uso do solo urbano, tal abordagem colaborou para a caracterização geral
desses sujeitos. Assim, há os usuários de moradia (envolvendo os usuários proprietários e os
locatários); os corretores de imóveis, intermediários nas transações no mercado de moradia;
os proprietários, que tem objetivo no valor de troca por meio de duas estratégias: a de alugar
para obter o capital investido na moradia ou via financiamento hipotecário, e alugar para
aumentar sua riqueza; Incorporadores e o setor da construção de moradias que operam na
criação de “novos valores de uso para os outros, a fim de realizar valores de troca para si
próprios” (HARVEY, 1980, p. 141) e pela competição buscam as melhores condições para
realização do lucro, sendo comum o processo de suburbanização; as instituições financeiras
que se apropriam do valor de troca por oportunizar o financiamento para criação e aquisição
de valor de uso e estão envolvidas em todo o desenvolvimento do patrimônio real; e as
instituições governamentais que podem atuar na produção de valor de uso por meio da
provisão pública de moradia ou indiretamente pelo financiamento ao setor da construção para
obter valor de troca, interferindo também na administração institucional do mercado de
moradia e na alocação de serviços (HARVEY, 1980, p. 142). Há, atualmente, o incremento
dos fundos de investimentos e dos fundos de pensão que buscam oportunidades de
acumulação de capital via aplicações financeiras na habitação. Diante da diversidade de
sujeitos, Harvey assinala que a obtenção de maior ganho, depende da qualidade de monopólio
do espaço que cada um possui.
4 Uma das críticas a abordagem da microeconomia é que esta busca a modelagem dos padrões de uso do solo
urbano, ao invés de buscar investigar o significado e o papel da renda e os processos reais que criam estes
padrões (HARVEY, 1980, p. 151).
25
1.2 O desenvolvimento desigual urbano e a política habitacional no contexto
desenvolvimentista
Nesta seção pretendemos tratar do desenvolvimento desigual capitalista do espaço e de
alguns aspectos da urbanização e da formação da política habitacional até a crise da produção
habitacional via Banco Nacional de Habitação do Governo Militar de 1964. Para isso,
iniciamos com um debate teórico do materialismo histórico sobre o desenvolvimento desigual
capitalista e as contribuições de Engels sobre a questão da habitação. Posteriormente
trataremos do processo de urbanização brasileira e as intervenções do Estado no âmbito da
política habitacional até governo ditatorial de 1964.
1.2.1 As transformações nas cidades, o desenvolvimento desigual urbano e as contribuições
de Engels sobre a questão da habitação
A estrutura das cidades sofreu transformações ao logo da história. A produção da
cidade é a produção e reprodução das relações sociais. Para melhor explicar as
transformações, Lefebvre (2008) construiu um eixo espaço-temporal sobre as cidades. Esse
eixo parte da cidade política, dominada por sacerdotes, nobres e administradores que
subordinava artesãos e operários sob um território eminentemente agrícola; na cidade
mercantil a troca comercial torna-se função urbana, os burgos disputam poder e passa haver
desequilíbrio entre urbano e campo. As cidades já vinham se desenvolvendo no papel de
acumulação de riqueza advinda do excedente da agricultura, atraído para os centros urbanos
pela usura e pelo comércio (LEFEBVRE, 2001, p. 52). Contudo, as transformações não
decorrem apenas do processo global contínuo vinculado ao ciclo de produção de mercadorias,
mas também “em função de modificações profundas no modo de produção, nas relações
“campo-cidade”, nas relações de classe e de propriedade” (LEFEBVRE, 2001, p. 58). A
cidade comercial associada ao crescimento do capital comercial antecede a cidade industrial;
e na cidade industrial, a não-cidade, ausente de realidade urbana5, explode o crescimento da
produção industrial, o capital parece varrer os obstáculos e encobrir experiências, ocorre a
5 “A realidade urbana é estilhaçada pela cidade industrial perdendo os traços que a época anterior lhe atribuía:
totalidade orgânica, sentido de pertencer, imagem enaltecedora, espaço demarcado” (LEFEBVRE, 2008, p. 23).
26
concentração urbana, o êxodo rural e a subordinação do agrário ao urbano. As cidades sob o
capitalismo aglomeram os centros de decisão e poder, organizando a exploração da sociedade
como agente ativo do processo de produção e concentração de capitais. Mas pela contradição
da própria existência da cidade industrial cria-se uma zona crítica, que põe em cheque este
processo (LEFEBVRE, 2008).
Para Lefebvre, o conceito de cidade é composto por um conjunto de elementos
como:
a projeção da sociedade sobre um lugar [...] tipos de cidade resultante da história [...]
conjunto das diferenças entre cidades [...] pluralidade no urbano de padrões de
maneira de viver a vida urbana [...] o local dos confrontos e das relações
(conflitantes) entre desejo e necessidades [...] papel histórico das cidades na
aceleração dos processos (a troca e o mercado, a acumulação dos conhecimentos e
dos capitais, a concentração desses capitais) e local das revoluções (LEFEBVRE,
2001, p. 63).
A cidade sob domínio do capital se modifica pelas relações sociais que se
desenvolvem historicamente na produção capitalista. O capitalismo instaurou sua fase
imperialista ao substituir a livre concorrência sobre a produção mercantil para o capital
monopolista via concentração de capital e de produção e domínio do capital financeiro. O
imperialismo, estágio monopolista do capitalismo, compreendeu, entre outras características,
a fusão dos grupos monopolistas bancários e industriais e a partilha mundial sob a dominação
monopolista dos territórios (LENIN, 2012, p. 124). A dominação territorial monopolista faz
uso da força e da violência para garantir seus interesses, além de acentuar as desigualdades
entre as localidades.
O desenvolvimento capitalista insere desigualmente os países no sistema global. O
debate de desenvolvimento desigual teve contribuições importantes de Trotsky (1977),
principalmente no âmbito da reflexão sobre o imperialismo e superação da concepção
histórico-etapista do processo produtivo capitalista. Trotsky (1977), parte da análise das
particularidades históricas da Rússia para elaborar seu conceito da lei de desenvolvimento
desigual e combinado. Esse conceito compreende a desigualdade como lei geral do processo
histórico, ficando os países atrasados com o papel de se desenvolver em saltos, haja vista a
observação das experiências dos ciclos históricos dos países adiantados. Esse
desenvolvimento combina as fases mais modernas com estruturas arcaicas. Contudo, não
significa que os países atrasados seguiram uma ordem de sucessão, mas ao verificar
experiências de processo produtivo, histórico e social poderão eliminar fases intermediárias
do desenvolvimento conforme suas características históricas.
27
Sob a lei de desenvolvimento desigual e combinado, os países periféricos se
configuram dentro de um sistema capitalista global, e suas particularidades se relacionam com
a totalidade do processo de produção e reprodução capitalista, evidenciando também suas
contradições. Assim, aspectos arcaicos e modernos dos países adiantados e periféricos
constroem formas particulares do capitalismo. A produção capitalista não se desenvolveu num
vácuo, mas numa combinação de passado e presente dos diversos estágios de modo de
produção. A desigualdade histórica e socioeconômica relaciona os países num sistema global,
onde “o sistema capitalista é, em grau considerável, precisamente uma função de validade
universal da lei de desenvolvimento desigual e combinado” (MANDEL, 1982, p. 14).
Mandel (1982), relembra que a estrutura do mercado capitalista se construiu sobre
estruturas não capitalistas, a partir da troca exploradora e metabólica, numa lógica intrínseca
de produção e controle na totalidade global. Em escala internacional, o capital central expande
suas fronteiras para os países periféricos, numa tentativa de converter (ou adaptar no marco
recente de reestruturação produtiva) a reprodução simples de mercadorias em novas esferas de
produção. Essa totalidade global, articula países adiantados e atrasados sob dupla maneira:
primeiro, há nos países atrasados um desmonte da produção doméstica/artesanal pela entrada
de produtos a baixo custo produzidos por indústrias do exterior; e segundo, esses países
rapidamente se especializam em produtores de matéria-prima para as indústrias dos países
adiantados. Nos países atrasados, há também um estoque de força de trabalho e terra
resultando numa acumulação capitalista com composição orgânica de capital mais baixa,
exigindo ao capitalista maior dispêndio de mão de obra e terra para produção.
As estratégias de acumulação pautadas na entrada de produtos alteraram, passando “a
dominação do capitalismo estrangeiro sobre a acumulação local de capital, submetendo o
desenvolvimento local aos interesses da burguesia nos países metropolitanos. Dá lugar a
artilharia pesada de controle de reserva de capital” (MANDEL, 1982, p. 37). As oligarquias
locais e a burguesia imperialista traçam uma aliança social e política de dominação.
Após a década de 1940, o imperialismo adquire a característica de “capitalismo
tardio”, onde a busca do superlucro torna-se a alavanca do crescimento da produção Mandel
(1985). O fortalecimento do capital financeiro e sua consequente dominação com a fusão
monopolista envolvem, entre outros processos, a concentração e monopólio da produção e de
capital, a exportação de capitais, a ação de potências imperialistas com influência global, a
busca por lucros acima da média, empréstimos públicos e a especulação com a terra por meio
da securitização e hipotecas.
28
O desenvolvimento das forças produtivas é o objetivo seguido pelo capital na
perspectiva de maximizar o tempo de rotação do capital, ao passo de, este desenvolvimento
elegeu a cidade como lócus privilegiado. A urbanização foi acompanhada pela pauperização,
onde o desenvolvimento acelerado das cidades teve efeito de agravar a pobreza, forma de
expressão da questão social. A urbanização era impulsionada pela definição de espaços que
proporcionariam maior rentabilidade ao capital (SANTOS, 2009, p. 26).
Muitos escritos no campo da teoria marxista demonstram a implicância do
desenvolvimento das forças produtivas sobre as condições de vida da classe trabalhadora,
entre elas o agravamento da moradia. Entre esses escritos, temos “A Situação das Classes
Trabalhadoras na Inglaterra” e um conjunto de artigos publicados por Engels em 1872,
intitulado “A Questão da Habitação” abordando que o advento do capitalismo
aprofundou/trouxe consequências desastrosas para as condições de vida da classe
trabalhadora, dentre elas a falta de habitações. Mas que a contradição do próprio sistema traz
também o germe para sua superação.
Retomemos, então, as contribuições contidas em “A Questão da Habitação”. Nos
artigos publicados em 1872, para o jornal do Partido Operário Social-Democrata alemão em
Leipzing, Engels volta a refletir sobre a questão da habitação, travando um debate com os
social-reformistas burgueses e a pequena-burguesia, onde afirma que a falta de habitação da
classe trabalhadora não seria resolvida no âmbito do capitalismo, muito menos através das
propostas burguesas colocadas à época.
Num dos artigos em que dialoga com as propostas de Proudhon para resolver a
questão da habitação, Engels (1988) destaca que a falta de habitação sintetiza o agravamento
de múltiplas situações como as péssimas condições das habitações, a aglomeração da
população nas cidades, os elevados preços dos aluguéis, o adensamento das habitações e até
mesmo sua ausência, atingindo a classe trabalhadora e também segmentos da pequena-
burguesia. Reafirma que para acabar com a questão é necessário eliminar a “exploração e
opressão da classe trabalhadora pela classe dominante” (ENGELS, 1988, p. 16), onde a mais-
valia produzida pela força de trabalho é dividida entre os capitalistas e os proprietários
fundiários. A expansão das cidades traz consequência para a valorização de determinados
espaços, sendo construídos edifícios que melhor atendam tais necessidades e derrubando
outros, e com isso moradias de operários são deslocadas para as regiões mais periféricas. Esse
movimento provoca a ausência de moradias para aluguel e pouco interesse da indústria da
construção na sua produção.
29
Uma das propostas de Proudhon para resolver a questão da habitação passa por
reconhecer esta como um problema exclusivamente da classe operaria, comparando o
capitalista ao proprietário fundiário. Engels discorda, relembrando que na relação entre o
proprietário fundiário e o inquilino (operário) ocorre a transferência de renda, e que embutido
no aluguel está a renda fundiária, e não a criação de valor. Proudhon propõe a regulamentação
dos títulos jurídicos a favor dos trabalhadores, mediante abatimento anual sobre os aluguéis, e
assim se aboliria a propriedade fundiária e a extração de renda fundiária e juros do capital
investido no imóvel. Engels discorda novamente, alertando que a relação social entre
capitalista e trabalhador é que gera mais-valia, depois repartida por diversas categorias de
capitalistas. Não sendo a restrição de seu acesso a uma única categoria (dos proprietários
fundiários) que colocaria o sistema capitalista em cheque. Diante as propostas de Proudhon,
(ENGELS, 1988, p. 29) expõe a sua maneira de resolver a questão da habitação: na revolução
social, suprimir a oposição entre cidade e o campo e que os imóveis das cidades para serem
utilizados de forma racional, sejam expropriados de seus atuais proprietários e ocupados pelos
trabalhadores. Tais propostas se alicerçam, a meu ver, na necessidade da função social da
propriedade urbana, no questionamento da propriedade privada da terra e da fragmentação
entre campo e cidade, elementos da divisão social e territorial do trabalho no capitalismo.
Engels (1988), na continuação de seus artigos, debate com a burguesia sobre a questão
da habitação. O autor destaca que as condições habitacionais da classe trabalhadora passam a
ser assunto de interesse da burguesia devido às epidemias e as condições sanitárias que
afetavam a população no período. As críticas de Engels se debruça sobre Sax, uns dos
ideólogos da burguesia, que em 1869 escreveu “As Condições de Habitação das Classes
Trabalhadoras e a Sua Reforma”. Tal livro, sob ideário burguês, debate as questões de
habitação e de saúde pública. Engels (1988), relatava que Sax defendia que para enfrentar as
questões sociais era necessário tornar todos os trabalhadores em capitalistas, pois isso faria
com que os trabalhadores se elevassem a classe de possuidores, providos de meios. Quanto a
falta de habitação, a resposta de Sax viria de justificativas morais, onde os capitalistas por
ignorância não oferecem moradias suficientes6. Sobre tal justificativa, Engels satiriza
afirmando que aos burgueses não interessa satisfazer as necessidades de moradia para a classe
trabalhadora, e sim garantir seus interesses privados e a especulação com a habitação dos
trabalhadores. Já a respeito dos trabalhadores, Sax propõe que criem uma higiene racional
6 “Sobre a questão da habitação por parte dos capitalistas, muitos construíram colônias operárias ou vilas
operárias ao lado das indústrias, mas ao invés de resolver o problema, o aprofundou pela expansão e
transformação das colônias sob os males da industrialização” (ENGELS, 1988, p. 50).
30
sobre as moradias e seus hábitos. Sobre este ponto, Engels alerta o sentido culpabilizador dos
trabalhadores de sua condição e a reafirmação, do velho discurso burguês, que prega a
harmonia entre as classes, desconsiderando que a falta de moradia não é obra do acaso, mas
uma “instituição necessária” (ENGELS, 1988, p. 39) numa sociedade que explora e oprime a
classe trabalhadora.
A proposta da burguesia, exposta por Sax, como solução para a falta de habitação seria
a “transferência de propriedade de habitação para os operários” (ENGELS, 1988, p. 41), pois
garantiria independência econômica, segurança financeira e força moral. Outras soluções para
a questão da habitação promovidas pela burguesia seriam o incremento da mutualidade e da
ação do Estado. A mutualidade seria a cooperativa de construção ou sociedades de construção
que se organizavam pela constituição de um fundo com recursos cotizados por seus membros,
destinados a concessão de empréstimos e poupança de crédito hipotecário. Para Engels, a
mutualidade operária possui limites, pois cobria uma parcela pequena de trabalhadores devido
as incertezas diante do seu emprego e os reduzidos salários. Já sobre a ajuda do Estado, a
burguesia possui três propostas que envolvem: legislações de construção que visem a
supressão ou melhora das situações que agravam a falta de habitação; definição de inspeção
sanitária sobre as moradias da classe trabalhadora; e o Estado deve criar condições para
construção e crédito para habitação. Engels (1988), sinaliza porém que a reduzida legislação
para a construção mais barata, não fez com que a industria construísse moradias; para a
efetivação das inspeções sanitárias foram criadas legislações que foram tensionadas pelas
condições sociais e políticas que envolviam o sistema fabril e por fim, os créditos e a
construção de moradias se configuraram de forma restrita e de pouco interesse do Estado
como solução para resolver a falta de moradia.
Engels conclui que diante da série de propostas encaminhadas pela burguesia, a que
realmente se fez efetiva é o “método Haussmann”. De origem do parisiense e bonapartista
Haussmann, previa o embelezamento, a saúde pública e a formação de trabalhadores da
construção civil, com medidas que envolviam abertura de vias largas e longas, construção de
edifícios luxuosos, alargamento de ruas para limitar mobilizações dos trabalhadores e
apassivamento da força de trabalho então empregada na construção. Diante da certeza de que
a burguesia não possui interesse de modificar a questão da habitação e demais sequelas
decorrentes da produção capitalista, Engels reforça que só será possível a sua resolução,
quando expropriada a propriedade privada da terra e dos meios de produção da classe
dominante, pondo fim a este modo de produção.
31
Dessa forma, vimos que os problemas que envolvem a questão da habitação não são
recentes, ao passo que são tencionados pelos interesses capitalista na busca da mais-valia e da
acumulação. Sob o domínio do capital, as cidades se desenvolvem de forma desigual. O
processo de urbanização da America Latina e especialmente no Brasil, que se deu desde o
período colonial, com a constituição de grandes cidades coloniais, mas foi se transformando
na conjugação do arcaico e do moderno na sua formação histórica e espacial.
1.2.2 Aspectos da urbanização e da política habitacional durante a Ditadura Militar instaurada
em 1964
Segundo Oliveira (2013), a concentração fundiária gera processos segregadores e a
urbanização brasileira é expressão latente da transformação da cidade de sede do capital
comercial à cidade autárquica, já na transição para a industrialização (OLIVEIRA, 2013, p.
54). Isso significa dizer que as cidades autárquicas reproduziram os padrões de urbanização
polarizada (pobre rede urbana e concentração de controle em poucas cidades) do período
colonial, mas acrescido de um ritmo de urbanização “superior o ritmo de industrialização”,
demandando um desenvolvimento essencialmente urbano devido a ausência de referências na
cidade quanto a divisão social do trabalho (OLIVEIRA, 20123, p. 57). A viabilização do
padrão autocrático de cidade foi garantida pelo Estado que teve papel fundamental na
regulação da relação capital e trabalho e de centralização de capitais no contexto
desenvolvimentista.
A partir da década de 1940, a urbanização se intensificou através do progressivo
crescimento da população urbana, do amadurecimento do trabalho assalariado, do
desenvolvimento institucional e político do Brasil e do incremento, ainda incipiente, da
indústria nacional (MARICATO, 2001). A reforma urbana, experimentada em terras
brasileiras, se realizava via iniciativas de saúde sanitária a fim de eliminar epidemias, de
execução de obras de embelezamento e da instituição de marcos legais, base para a
constituição de um mercado imobiliário capitalista. Assim, se “conjugaram saneamento
ambiental, embelezamento e segregação territorial”, trazendo a torna uma espécie de reforma
urbana sobre a base de um urbanismo “à moda da periferia”, como salienta Maricato.
Santos (2009), em seu artigo “Tendência da urbanização brasileira no final do século
XX” problematiza que é temerário falar sobre o futuro da urbanização e das cidades, cabendo
apontar apenas tendências da urbanização brasileira. Relembra a necessidade de debater as
tendências urbanas sob aspectos menos empiristas e mais dialéticos, pois o espaço é uma
32
instância social, “conjunto inseparável da materialidade e das ações do homem” (SANTOS,
2009, p. 130). A urbanização, para Santos, é intensificada mediante a mobilidade
populacional promovida pela divisão social do trabalho, destacando o aumento do papel das
cidades locais como centros regionais. Sobre o processo de urbanização nas cidades de médio
porte, Maricato (2001) destaca o impacto desse processo sobre os aspectos socioambientais e
o aumento da periferia, tornando extensas as regiões mais pobres. Santos (2009), aponta as
mudanças da qualidade das metrópoles regionais através da sua transformação em metrópoles
com conteúdo nacional e pela diversificação e crescimento das relações interurbanas.
Contudo, as principais metrópoles não perdem sua posição de comando, mas são
acompanhadas pela metropolização das cidades locais que se tornam centros regionais.
A urbanização colaborou para que as expressões da questão social tivessem um padrão
de segregação socioespacial. A questão social é compreendida como expressões das
desigualdades sociais que demandam a intervenção do Estado para reconhecer os direitos dos
sujeitos e as necessidades postas na cena pública. É nesse contexto que o Estado passa a
intervir na área social em decorrência do avanço da produção capitalista e das demandas de
classe, exigindo respostas através de políticas sociais que passam a ter importância na
produção e reprodução social do capitalismo. Assim, a questão social envolve a contradição
entre capital/trabalho, dispersa em resistências e conformismos.
A produção e reprodução das relações sociais no capitalismo conforma a contradição
entre capital e trabalho. Desta contradição, há um impacto sobre as condições de vida da
classe trabalhadora, que passa a exigir o reconhecimento das necessidades sociais por parte do
Estado. A intervenção do Estado sobre as diversas manifestações da questão social se
transforma em sistemas de proteção social e um conjunto de políticas sociais na perspectiva
de regulamentar demanda dos trabalhadores, sem questionar a forma de produção e
reprodução da riqueza apropriada pelo capital.
Para Behring e Boschetti (2006), o surgimento7 da política social foi marcadamente
relacionado da capacidade interventiva da classe trabalhadora. Seu desenvolvimento foi
“gradual e diferenciado” entre os países, conforme a situação organizativa dos trabalhadores,
as condições e o grau de desenvolvimento das forças produtivas e a disputa no âmbito do
Estado (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 64). As políticas sociais configuram-se como
intervenção do Estado sobre a demanda de reprodução da força de trabalho no enfrentamento
as expressões da questão social, ao passo que colaboram para a redução do ônus ao capital,
7 Sobre os fundamentos e a história da política social ver Behring e Boschetti (2006) na referência bibliográfica
deste texto.
33
abrindo possibilidades de acumulação diante das contrarreformas que privatizam a proteção
social. Contudo, o fundamento para as políticas sociais se encontra nas relações sociais de
exploração e expropriação do capital sobre o trabalho.
As contradições que envolvem as políticas sociais, se apresentam também no processo
de desenvolvimento da política habitacional, sendo marcado por inúmeras mudanças
institucionais, organizativas e financeiras. Desde o surgimento da política habitacional, a
fragmentação, a descontinuidade e as pífias ações são perceptíveis, nas medidas tomadas
pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAP’s dos trabalhadores inseridos no mercado
formal de empregos à promoção pública organizada com ênfase no produtor privado no
Programa Minha Casa Minha Vida de 2009. Contudo, a habitação tomada como elemento de
intervenção pública, planejada e centralizada só teve inicio em 1964 através do Banco
Nacional de Habitação. Vale ressaltar que o caminho percorrido para a institucionalização da
política habitacional brasileira foi alvo de inúmeros estudos, cabendo apenas a este sinalizar
os precursores do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e do Programa Minha
Casa Minha Vida.
Iniciativas no campo da habitação foram gestadas no Brasil desde a década de 1920,
tendo no âmbito dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, a partir dos anos 1937, as
primeiras iniciativas institucionais para o enfrentamento de crise de moradia e da ampliação
das periferias nas cidades (TROMPOWSKY, 2004, p. 3). Os IAP’s promoveram os primeiros
ensaios a estruturação do mercado imobiliário brasileiro, com recursos advindos dos próprios
IAP’s. Já em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular, concretamente o primeiro órgão
federal que trabalhava especificamente com a habitação e que tinha como perspectiva a
descentralização dos recursos dos Institutos, concentrando-os em um único órgão capaz de
ampliar a cobertura de moradia a população.
A intervenção do Estado sobre o território acompanhava medidas que incentivavam a
industrialização e o modelo de substituição de importação, característicos do período
desenvolvimentista, entre as décadas de 1940 a 1970. Na década de 1950, a indústria nacional
entrou numa nova fase diante a divisão internacional do trabalho, tendo um processo
produtivo que envolvia a produção de bens duráveis, mas também parte de bens de produção.
Desenvolviam-se novas mudanças no modo de vida da população através da constituição de
um mercado consumidor, mas convivia-se com a precariedade nas condições de moradia e de
urbanização na periferia das cidades. Neste período, o país observa a mudança do perfil
demográfico da população, que caminha do rural para o urbano, buscando as cidades
dinamizadoras de poder econômico.
34
O período desenvolvimentista recebeu forte influência da Comissão Econômica para
a América Latina - CEPAL, que orientava o pensamento latinoamericano e as questões do
desenvolvimento, visto que os Estados latinos emergiam no cenário econômico internacional
acompanhado de disparidades sociais em seus territórios. A CEPAL passa atuar para além de
mero reprodutor da teoria do desenvolvimento e captura as especificidades latinas para a
construção do desenvolvimentismo.
O desenvolvimentismo, promovido pela CEPAL, reconhecia o Estado como indutor
da política econômica via industrialização, fortalecendo assim a ideologia da burguesia
industrial latino-america para ampliação dos espaços para exportação; colabora para a
construção de uma aliança entre os trabalhadores industriais e a classe média assalariada;
propõe uma nova relação centro-periferia; e redimensiona os interesses em disputa, sufocando
e não efetivando as reformas de base (MARINI, 2010, p. 110). A proposta nacional-
desenvolvimentista compreendia a superação do subdesenvolvimento por meio da
industrialização, tendo a substituição de importação como forma de reduzir a dependência
internacional (CARCANHOLO, 2010, p.120). Apesar da CEPAL não concordar com o
modelo primário-exportador, pois acreditava numa nova relação entre centro-periferia, o tema
da reforma agrária não entrava em pauta, na perspectiva de não se acirrar o conflito
intercapitalista. No Brasil, este conflito também era permeado por pontos de convergência,
onde latifundiários se transformaram em industriais.
Para Gonçalves (2012), o projeto do nacional-desenvolvimentismo tinha o foco no
trinômio “industrialização com substituição de importações, intervencionismo estatal e
nacionalismo” (GONÇALVES, 2012, p. 651). A indústria substitutiva de importação na
experiência latina tinha forte relação com o capital estrangeiro sob intervenção estatal,
configurando uma desnacionalização da indústria. Os dados mostram que no final do período
desenvolvimentista, a participação do capital estrangeiro na indústria do Brasil correspondia a
30% (GONÇALVES, 2012, p. 653).
O ambiente político, social e econômico que antecedeu o Golpe Militar de 1964, tinha
nas reformas de base, entre elas a reforma urbana, a união de um conjunto de demandas
sociais advindas da classe trabalhadora. No seminário da Reforma Urbana promovido pelo
Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB foi elaborada uma proposta de agenda para a questão
urbana que envolvia a politização do tema e a institucionalização da política habitacional.
Contudo, com a emergência da Ditadura, a demanda da habitação foi apropriada como um
mero instrumento de política econômica.
35
As orientações desenvolvimentistas sobre a política habitacional, pós-golpe de 1964,
se processavam num quadro de condições precárias de habitabilidade nas cidades, de busca de
legitimidade e necessidade de arrefecer as demandas populares por reformas de base, entre
elas a reforma urbana, e num contexto econômico de inflação e que demandava estímulo ao
produtor privado, como ocorreu com outras políticas sociais, haja vista a saúde.
O Banco Nacional de Habitação integrado ao Sistema Financeiro de Habitação mudou
o padrão de produção de moradia nas cidades, com ênfase nas produções verticais e na
consolidação do mercado imobiliário privado O objetivo do programa era a aquisição de
moradia em detrimento de outras formas, como o aluguel. Por esse objetivo, o BNH chegou a
produzir 2,4 milhões de moradias, atendendo em sua maior parte as camadas médias. O
mercado imobiliário intervinha na produção de moradia, na apropriação de recursos públicos
via acesso a financiamento e na regulação de terra urbana (MARICATO, 2001, p. 44).
O Sistema Financeiro de Habitação financiava investimentos no processo produtivo
habitacional via captação de recursos por poupança privada (compulsória ou não) que eram
“remuneradas a baixas taxas de juros, mas garantidas pelo governo federal contra a inflação e
falências dos agentes financeiros” (CARDOSO.; ARAGAO, 2013, p. 18). A base de
financiamento do SFH se dava sobre duas fontes (submetidas a regulação pública): o Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e o Sistema de Poupança e Empréstimos - SBPE.
Os recursos do FGTS eram destinados à produção de habitação popular e aos investimentos
em saneamento ambiental, já os recursos do SBPE tinham origem da caderneta de poupança
administrada pelo sistema bancário (públicos e privados) eram destinados a financiamento
habitacional para as camadas médias da classe trabalhadora. O FGTS surge como estratégia
de dinamizar a economia, rompendo com a estabilidade do emprego e compensada pela
poupança obrigatória aos trabalhadores. A forma de financiamento via FGTS, operada pelo
BNH envolvia os agentes executores que eram as Companhias Habitacionais Estaduais -
COHAB’s, que repassava o financiamento (não subsidiado e escalonado) ao consumidor.
Cardoso e Aragão (2013), relembram que o modelo8 proposto pelo Sistema Financeiro
Habitacional, desde 1966, orienta ainda hoje a política habitacional, tendo seus recursos em
constante disputa.
8 O modelo de financiamento habitacional criado pelo Sistema Financeiro de Habitação permanece vigente na
política habitacional, pois atua “com a criação de instrumentos de captação de poupança privada, remuneração
a baixas taxas de juros, mas garantidas pelo governo federal contra inflação e contra a possível falência dos
agentes financeiros”(CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 18). Assim, mantém como pilar de financiamento,
recursos vindos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE).
36
Mesmo sendo responsáveis por diversas mudanças na cidade que variaram da questão
fundiária até a estrutura da produção habitacional, as intervenções do Banco Nacional de
Habitação não conseguiram superar obstáculos importantes na forma de se produzir e
consumir espaço nas cidades brasileiras, como o restrito acesso a terra, a função social da
propriedade, a regularização fundiária, a prevalência da especulação imobiliária e a
manutenção dos vazios urbanos. Depois de 22 anos de produção habitacional que beneficiou o
mercado imobiliário e de construção com a produção de conjuntos habitacionais localizados
“nas franjas” da cidade e com baixa infraestrutura, o BNH foi extinto em 1986, passando sua
estrutura financeira à Caixa Econômica Federal, e apenas9 em 2003 sua estrutura institucional
e administrativa ao Ministério das Cidades.
Em meados de 1970, a enxurrada desenvolvimentista, caminha para estagnação e
crise, pois não consegue responder as contradições que acompanham a industrialização, a
dificuldade de realização da produção e da acumulação, fruto da lógica industrial pautada na
economia exportadora. A conformação da industrialização se deu sobre baixos salários,
longas jornadas de trabalho e intensificação do ritmo do trabalho (MARINI, 2010, p. 113),
acentuando as condições precárias em que vivia a população.
Carcanholo (2010), declara que as teses clássicas da Comissão Econômica para a
America Latina, por mais controversas que viessem a ser, combatiam o conservadorismo e a
ortodoxia econômica. Esse pensamento sofreu alterações nos anos 1990, inserindo o
pensamento ortodoxo e configurando-se uma Nova Cepal. O pensamento contemporâneo da
Cepal envolve defesas de enquadramento dos países latinos à fase neoliberal, propõe a
superação do subdesenvolvimento e incentiva as “reformas” neoliberais, em específico dos
processos de abertura comercial e financeira, se adaptando as orientações advindas do
Consenso de Washington.
9 A lista dos diversos órgãos que lidaram com a política habitacional após a extinção do BNH encontra-se no
artigo de Cardoso e Aragão (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 17), nota nº1. Demonstra o nível de instabilidade
e fragmentação que se encontrava a referida política.
37
1.3 A acumulação flexível e a política habitacional pós- BNH
Desde a década 70, o sistema capitalista vem enfrentando constantes crises globais,
com intervalos cada vez menores. Diversas saídas foram propostas, haja vista as medidas da
reestruturação produtiva e “reformas” dos Estados nos países centrais. Nos países latino-
americanos, ditaduras e iniciativas desenvolvimentistas ainda orientavam a sociedade
econômica, política e socialmente naquele momento.
Há busca de soluções financeiras para as tendências de crise do capital, onde “deve-se
observar os aspectos financeiros da organização do capitalista e o papel do crédito”
(HARVEY, 1992, p. 184). O capital vê no espaço a possibilidade de estabilização do regime,
por isso busca a produção e consumo de novos espaços para prosseguir a exploração da força
de trabalho, criar novos locais para a exportação dos excedentes e o crescimento do comércio
e dos investimentos. A organização das cidades volta-se a atender as necessidades da
produção, como intervenções em infraestrutura para viabilizar a circulação e consumo das
mercadorias massificadas, o incremento na construção civil para produção de unidades
habitacionais e a periferização da classe trabalhadora (BOTELHO, 2008, p. 49).
Se a busca de novos nichos de consumo é estratégia para garantir a valorização do
excedente de capital e da força de trabalho, Harvey (2005) questiona se o capitalismo busca
no ajuste espacial a medida para conter suas contradições. Sobre o tema, conclui que nos
ajustes espaciais, os conflitos geopolíticos estruturam-se como combustível, ao passo que são
tomados pelo capitalismo como estratégias para combater as crises cíclicas do sistema.
A produção da organização espacial é perpassada pela necessidade de mobilidade do
capital e da força de trabalho, no intuito de superar barreiras e transformar o trabalho
excedente em lucro dentro do tempo de rotação socialmente necessário10
. Para isso, Harvey
(2005) destaca a necessidade de criação de infraestrutura espacial e fixa (como instituições
públicas, jurídicas, e financeiras) para que a mobilidade geográfica do capital seja assegurada,
mesmo num sistema dominado pelo crédito e pela informação. A mobilidade do capital
também depende de serviços físicos e sociais e de infraestrutura fixa (geralmente produzida
pelo Estado) tendo em vista que se mobilizem de forma rápida e um ambiente favorável de
10
Conceitua o tempo de rotação socialmente necessário como o “tempo médio necessário para girar certa
quantidade de capital em relação à taxa media de lucro sob condições normais de produção e circulação [...] A
competição entre capitalistas gera pressões para acelerar o tempo de rotação mediante mudanças tecnológicas e
organizacionais” (HARVEY, 2005, p. 134). O conceito de rotação do capital, também é tratado neste estudo a
partir das reflexões de Behring (2012).
38
produção. Há um duplo dilema que envolve a mobilidade da força de trabalho, por um lado o
capital necessita de mão-de-obra livre e adaptável a inconstante circulação do capital, por
outro busca mão-de-obra em abundancia e estável em um lugar. Na mesma perspectiva se
encontram os trabalhadores, ficam e se organizam ou buscam locais melhores para sua
reprodução. Essa mobilidade geográfica do trabalho e do capital é cercada de tensão, e
dependerá da condição da luta de classe existente. “A capacidade de dominar o espaço
implica na produção de espaço” (HARVEY, 2005, p. 147), para isso é necessário a
organização de infraestrutura física e social fixa, segura, em grande quantidade e de certa
qualidade.
A crise do capital da década de 1970 deu origem a um padrão de acumulação flexível
para combater a crise e garantir a legitimidade, apoiada na flexibilização, na preponderância
do mercado financeiro e na “racionalização, reestruturação e intensificação no controle do
trabalho, mudanças tecnológicas e busca de novos mercados” (HARVEY, 1992, p. 181).
Ganha força um sistema de produção flexibilizado, composto por processos como a economia
de aglomeração (concentração espacial de conexões interempresas sob um novo mercado de
trabalho) e a complementação pela tendência à migração setorial do capital. Esses processos
são possíveis pelas novas iniciativas tomadas pelos locais para atrair capital e pela ampliação
da dominação do capital transnacional. Botelho (2008), ressalta que a internacionalização
aprofundou o desenvolvimento desigual do capitalismo e a apropriação privada da riqueza
produzida, não rompendo com a concentração em determinados locais.
As mudanças também atingiram os padrões de desenvolvimento desigual entre setores
e regiões geográficas. Diante das transformações na estrutura do mercado de trabalho e na
própria organização industrial, antigas formas de trabalho reviveram e floresceram,
adicionando valor num sistema produtivo desigual e flexibilizado. Mandel (1982) sinalizava
que na mudança para a fase monopolista, a tendência do capitalismo era suprimir a produção
de mercadoria simples, mas na fase da acumulação flexível, essa forma de produção é
renascida e adaptada ao sistema produtivo com ênfase no trabalho feminino, doméstico e
familiar.
Sob influência do capital financeiro, as condições de produção do espaço devem ser
dinamizadas. Botelho (2008), analisa que o capitalista tratou de reverter a propriedade
fundiária e a renda fundiária a favor da acumulação capitalista. Uma medida foi a
39
metamorfose de capitalista e proprietário da terra no mesmo sujeito11
(Botelho, 2008;
Iamamoto, 2010), e a incorporação da renda fundiária ao mercado financeiro por meio da
transformação da propriedade da terra em títulos comercializáveis, alienáveis e hipotecas. A
entrada da renda fundiária no mercado financeiro provoca uma imagem fictícia de que a terra
é um bem financeiro;
e seus títulos de propriedade são vistos, segundo os que os transacionam como um
capital fictício, pois significam um direito sobre utilidades futuras sobre o uso da
terra, um direito à apropriação de uma fração da mais-valia gerada por um trabalho
futuro. Assim, a terra e o ambiente construído podem formar parte do capital fixo, o
que não os impede de circular como valor. A propriedade fundiária e a renda é o
direito que o proprietário tem de extrair a mais-valia global tornam-se, assim,
elementos constituintes da acumulação capitalista, seja através da especulação e
incorporação imobiliária, seja através da circulação da renda capitalizada no
mercado financeiro (hipotecas e títulos imobiliários) (BOTELHO, 2008, p. 29).
O Fundo de Investimentos Imobiliários lançado no governo de Fernando Henrique
Cardoso foi uma tentativa de articular o mercado imobiliário com o mercado de capitais. O
FII conseguia reunir diversas fontes de recursos sem fragmentar a propriedade garantindo
maior liquidez aos investimentos. Nesse contexto também foi criado o Sistema Financeiro
Imobiliário que buscava a estruturação de um mercado hipotecário e de securitização nos
moldes americanos, no Brasil. O mercado imobiliário exigia a desregulamentação do setor e a
primazia do mercado para que o SFI lograsse êxito. Contudo, Fix (2011) aponta a contradição
do SFI. Se o Sistema Financeiro Imobiliário se apresentava como a melhor alternativa para a
política habitacional, com a captação de capitais e diversificação da base de financiamento,
fez exatamente o contrario, capturando recursos do SBPE e FGTS, buscou acesso a crédito
subvencionado e concentração de recursos, excetuando a habitação social do processo.
A financeirização do mercado imobiliário caminha para a oferta de ações na bolsa de
valores, expansão geográfica das empresas e diversificação construtiva e de segmentos. Mas
alguns elementos não se desenvolveram conforme os padrões planejados, como a oferta de
crédito ao consumidor desenvolvido por meio de um mercado de securitização de
empréstimos imobiliários, mesmo contando com a redução de requisitos para aprovação do
mutuário, e os empecilhos referentes à propriedade fundiária.
A abertura de ações na bolsa de valores para empresas do mercado imobiliário
acelerou o processo em curso que relaciona o setor ao mercado financeiro na busca de lucro e
liquidez de capital. Diante algumas dificuldades ainda encontradas no mercado brasileiro para
11
Martins (1983) ressalta que a união na mesma figura do proprietário de terras e do capitalista não elimina a
contradição entre capital e terra.Ver em MARTINS, J.S. Os camponeses e a política no Brasil – As lutas sociais
no campo e o seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1983.
40
que se desenvolva um sistema de securitização imobiliário análogo ao americano, o mercado
imobiliário segue na pulsão do fundo público para sua manutenção.
Behring (2012), ao debater a rotação do capital, demonstra que o fundo público se
torna imprescindível para a reprodução ampliada do capital, principalmente constatando que o
processo de rotação não ocorre sem turbulências, sendo a crise expressão latente deste
processo. Na interface da rotação e da crise, está o fundo público para garantir a manutenção
da taxa de acumulação, por vezes utilizando-se de políticas sociais como medida anticíclica.
A rotação do capital envolve a reprodução ampliada do capital, tendo como partida o
ciclo do capital, onde a produção e reprodução transformam mercadorias em capital-dinheiro,
mas com foco central na produção de mais-valia, advinda da produtividade do trabalho
apropriada pelo capital e necessária à acumulação.
Como o ciclo do capital é composto por processos contínuos de produção e circulação,
a tomada de medidas intermediárias para que a rotação seja efetiva, conta com a intervenção
do Estado via dívida pública e oferta de crédito. A rotação do capital envolve a necessária
busca pela valorização do capital e o incessante retorno ao processo global de produção para
que o novo ciclo se reinicie. A rotação do capital não depende apenas da vontade do
capitalista para que aconteça, ela interage com fatores diversos e movimentos desiguais e
combinados que interferem neste processo. A busca pela valorização do capital adiantado e
pela mais-valia produzida pelo trabalho é processada no terreno histórico, considerando o
desenvolvimento desigual das forças produtivas, da produtividade do trabalho, do domínio
espacial pelo capital e da apropriação da mais-valia pela renda, juro e lucro.
Mas o ciclo do capital não é linear, ele é correntemente atingido por crises. É diante as
crises que surge a necessidade de criar condições espaciais para o desenvolvimento do capital.
A estratégia de mudança da governança das cidades tem por objetivo gerar um consenso
mundial de enfrentamento à crise por meio de iniciativas que estimulem uma postura
empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico. Assim, há uma transição da
abordagem administrativa para uma governança de abordagem empreendedora, isto é, a
configuração de um administrativismo urbano para um empreendedorismo de governança
urbana Harvey (2005). O empreendedorismo reúne ações de iniciativa dos governos locais e
centrais de estímulo à eficiência, competitividade e rentabilidade dos setores produtivos,
como estratégia para enfrentar as mudanças provocadas pela reestruturação produtiva e
tecnológica (HARVEY, 2005, p. 165).
Existem diversos motivos para a intervenção dos governos sobre a governança das
cidades, mas há um consenso geral de que:
41
As mudanças tem a ver com as dificuldades enfrentadas pelas economias capitalistas
a partir da recessão de 1973. A desindustrialização, o desemprego [...] austeridade
fiscal [...] e ascensão do neoconservadorismo trazem a tona a percepção de que
governos urbanos de diferentes matizes tomaram iniciativas parecidas para enfrentar
o problema (HARVEY, 2005, p. 166).
Neste processo, os governos locais têm tido relevância para atrair investimentos de
multinacionais e mercado financeiro, possibilitando maximizar lucros e criar ambientes
competitivos e rentáveis ao capital. Este processo possui dinâmicas distintas, pois as diversas
regiões têm desenvolvimento desigual e estruturas legais distintas, além de aspectos
hegemônicos do capital continuarem vigorando, como o controle da força de trabalho,
reprodução das relações de classe e circulação do capital.
A partir deste quadro é possível traçar os aspectos gerais que caracterizam o
empreendedorismo urbano, segundo a contribuição de Harvey (2005). O primeiro aspecto é a
ênfase na parceria público-privada através de uma associação entre classes dominantes locais
e governos locais, com o objetivo de atrair investimentos externos. Exemplos são os projetos
de revitalização de área centrais, obras de infraestrutura de impacto e remoções de
trabalhadores de áreas valorizadas. O segundo aspecto é o caráter de risco e especulativo das
iniciativas empreendedoras. A parceria do setor público com o mercado privado coloca aos
governos locais a posição de assumir os riscos das iniciativas. Assim, o que difere as duas
formas de governança é que: no administrativismo urbano as ações eram planejadas e
coordenadas com forte intervenção pública, o que significava lucro garantido para o setor
privado, então protegido e avesso a risco de perda de lucratividade. Já no empreendedorismo
urbano, os riscos são assumidos pelo setor público diante processos flexibilizados de
acumulação pelo capital e com o foco da ação na economia política do lugar ao invés de
intervir no território.
Atrelada ao empreendedorismo urbano, a concorrência interurbana (HARVEY, 2005)
mostra-se como uma chave para pensar o processo de reestruturação flexível do capital nas
cidades. Isso porque as cidades passam a competir entre si sobre a implementação de projetos
específicos. Há exemplos de revitalização de áreas portuárias e centrais, investimento em
megaempreendimentos, construção de zonas comerciais como shopping centers, patrocínio
para sediar grandes eventos esportivos, entre outros. Esses tipos de projetos possuem limites
visíveis (por suas características efêmera e reproduzível) e pouca capacidade de modificar a
história destas cidades, onde a busca da competitividade gera uma realidade de
empobrecimento e deterioração urbana para a população. Tal competição motiva a formação
42
de padrões similares de desenvolvimento, passando aquele projeto a não ser mais único, mas a
repetição de um modelo de desenvolvimento do capitalismo. O processo também faz acionar
mecanismos de controle externo, auxiliando no disciplinamento destas cidades. No Brasil
temos exemplos nos megaeventos esportivos e megaempreendimentos promovidos nos
últimos anos nas principais cidades, e que tem provocado impactos devastadores sobre o
espaço em que são implementados, além de serem escoadouros ilimitados de recursos
públicos, com pouca participação e controle democrático.
No bojo da concorrência urbana, os locais buscam criar mecanismos de atração do
capital, oferecendo condições vantajosas para sua permanência e articulando as coalizões
locais para a produção de inovações para se manterem na disputa. A “missão da governança
urbana é atrair fluxos de produção, financeiro e de consumo de alta mobilidade e flexibilidade
para seu espaço”, num ambiente global de ”instabilidade e volatilidade econômica”
(HARVEY, 2005, p. 178). A produção de uma ideologia dominante onde a cidade deve ser
adaptável as mudanças recentes, cria uma busca por identidade local, muitas vezes
escondendo as condições sociais precárias em que vive sua população. As políticas públicas
tornam-se focalizadas e desfinanciadas e o fundo publico segue destinado a atender a
“empreitada de risco” do capital. No âmbito da habitação de interesse social, observamos o
incremento do mercado para atender esta demanda, devidamente subsidiado pelo Estado,
conforme destacou o estudo de Shimbo (2011).
As iniciativas no âmbito do empreendedorismo urbano são mobilizadas pela
intervenção do Estado, que define medidas anticíclicas para garantir as condições gerais de
produção como estratégia de combater a queda da taxa de lucro e os períodos (cada vez mais
recorrentes) de instabilidade advindos da crise do capital. O Estado, por meio de suas funções
reguladora e alocativa, intervém de maneira incisiva na produção do espaço e na
mundialização do capital. A definição de espaços para instalação de investimentos
transnacionais aprofundou o desenvolvimento desigual do espaço urbano, sendo o fundo
público instrumento financiador da proteção social aos trabalhadores e de incremento de
acumulação ao capitalista.
O fundo público e sua relação com a acumulação do capital e a reprodução da força de
trabalho foram estruturantes para o capital. As medidas adotadas para a expansão do capital
possuem reflexo na arrecadação do fundo público e sua aplicação, sendo “o pressuposto do
financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da
reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos
sociais” (OLIVEIRA, 1988, p. 8).
43
Sobre instabilidades e interferências a que estão sujeitas a rotação do capital, o Estado
possui o papel de minimizar e/ou evitar o impacto dessas sobre o processo global, servindo de
“sistema conexo” através de investimento em infraestrutura, na oferta de crédito e
financiamento, na criação de legislações e benefícios fiscais e tributários, na definição da
forma de ocupação e uso do solo de uma determinada região. Essas são algumas das
iniciativas do Estado para otimizar o tempo de produção e circulação das mercadorias e na
redução de barreiras espaciais ao desenvolvimento do capital, Behring (2012).
Behring (2012) destaca a importância do crédito para o processo de rotação do capital.
Na política habitacional, o crédito configura-se como elemento constitutivo, acompanhado do
fator terra e da força de trabalho. O mercado imobiliário depende do crédito para a produção e
circulação da habitação, tendo seu ciclo produtivo um longo período para se realizar. Se
pensarmos que a moradia demora anos para se depreciar, também sabemos a valorização (na
maioria dos casos) a que está submetida, via investimentos do Estado e do mercado numa
região, pelo monopólio diferencial da terra, benefícios legais e financeiros, aumentando a
renda fundiária a ser apropriada pelo proprietário fundiário. O crédito “se constitui em capital
adicional a ser mobilizado” no processo produtivo e “eleva a capacidade funcional do capital
adiantado na produção e em funcionamento” (BEHRING, 2012, p. 165).
Se o crédito é elemento estruturador para o processo de rotação do capital, em
períodos de crise, ele colabora para a generalização da crise de superprodução. É nestes
períodos que o Estado intervém, pondo a disposição dos capitalistas parcela do fundo público
para a retomada de taxa de lucro e para a contenção dos riscos. O fundo público é
caracterizado por mobilizar em si “recursos compulsório e desigualmente extraídos dos
trabalhadores e das corporações, penalizam em geral os primeiros (trabalhadores)”
(BEHRING, 2012, p. 176).
A presença do fundo público na reprodução da força de trabalho e nos gastos sociais
públicos é estruturante para o capitalismo contemporâneo, pois o Estado ao financiar esse
processo com o emprego de políticas sociais gera a expulsão dos custos internos da produção,
socializando os gastos dos capitalistas com a sociedade, além do fundo público financiar a
acumulação do capital sob diversas maneiras, vão desde subsídios para o desenvolvimento de
tecnologias ao endividamento público decorrente da valorização do capital gerada com
aumento de juros, privatizações, etc. Harvey (2005) destaca o emprego do fundo público no
processo de valorização do excedente de capital e de trabalho via instalação de infraestruturas
físicas e sociais.
44
O Estado, ao intervir em políticas sociais, participa no processo de rotação do capital
mediante investimentos na produção e na obtenção de dívida pública via empréstimos
aplicáveis em determinada política social. Sobre os empréstimos, desde a extinção do Banco
Nacional de Habitação, a política urbana brasileira sofreu com a redução na destinação de
recursos públicos, contando apenas com recursos dos fundos como Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço e o Sistema de Poupança e Empréstimos, esses também tendo seu montante
de recursos reduzido devido a crise econômica e o desemprego. Nesse quadro, o Estado
recorreu a empréstimos internacionais com organismos multilaterais como Banco Mundial e
Fundo Monetário Internacional para aplicar em determinados programas da política urbana,
principalmente de urbanização de assentamentos precários, o que aprofundou a instabilidade
política, a fragmentação de ações e baixa cobertura das iniciativas, além das intervenções das
agências sobre o alcance e metas dos programas que eram então por eles financiados.
O fundo público representa o mecanismo que o Estado possui de retenção de recursos
para garantir as condições gerais de produção e de reprodução do capital, mas também da
força de trabalho via proteção social. Os recursos que o compõe advém “da extração de
recursos da sociedade na forma de impostos, contribuições e taxas, da mais-valia socialmente
produzida [...] é parte do trabalho excedente que se transformou em lucro, juro e renda da
terra, sendo apropriado pelo Estado” (SALVADOR, 2012, p. 126). Isto é, o fundo público é
formado por parte do trabalho necessário e do trabalho excedente que é apropriado pelo
Estado para desempenhar suas funções. Behring, sinaliza que o fundo público é:
tencionado pela contradição entre a socialização da produção e apropriação privada
do produto do trabalho social, atua realizando uma punção de parcela de mais-valia
socialmente produzida para sustentar, num processo dialético, a reprodução da força
de trabalho e do capital, socializando custos da produção e agilizando os processos
de realização da mais-valia, base da taxa de lucro (BEHRING, 2008, p. 55).
Toda essa maquinaria de conformação do fundo público deixa evidente que o mercado
necessita que o Estado garanta as condições gerais de produção, e não apenas corrigindo suas
falhas. As relações sociais no interior da luta de classes é que forjaram o processo de
apropriação e destinação de parte do fundo público. Assim, é a configuração da luta de classe
que possibilita dizer sobre o caráter regressivo ou progressivo do fundo público em cada
formação social.
O fundo público está em disputa pelo capital, como estratégia de manutenção das taxas
de lucro e acumulação. Para isso, Salvador (2012), destaca algumas formas para a reprodução
do capital como, 1) investimentos públicos que concedem “subsídios, desoneração tributária,
incentivos fiscais, redução da base tributária” (SALVADOR, 2012, p. 126). No setor da
45
política de habitação observamos estratégias legais de viabilização de empréstimos e
financiamentos ao mercado imobiliário. 2) o Estado colabora como fonte de reprodução da
força de trabalho reduzindo o ônus do capital; 3) investimentos em infraestrutura física e
social (estradas, vias, desenvolvimento de pesquisa, oferta de terrenos públicos e/ou isenção
tributaria para instalação de indústrias, etc); 4) transferência de recursos para pagamento e
amortização da dívida pública.
Fix (2011) assinala um ajuste urbano no processo que segue a crise econômica que
atinge o Brasil no fim dos anos de 1970, acabando com o dito “milagre econômico” do
período ditatorial. O esgotamento do setor da construção civil, voltado a edificação,
acompanhou a queda do nível de contratações operadas pelo Sistema de Financiamento
Imobiliário. Diante da carência de recursos públicos para investimentos em habitação, com
corte de cerca de 90% na fonte de recursos (FIX, 2011, p. 114), o setor da construção passou a
operar financiamento habitacional diretamente com o consumidor. O ajuste urbano está entre
as investidas do capital para retomar a taxa de lucro.
O reflexo do ajuste urbano sobre as cidades se expressa também pela “tragédia
urbana” (MARICATO, 2001, p. 22). Há diversos fenômenos que envolve a “tragédia urbana”
como o predomínio da pobreza urbana, a concentração da população em locais mais inóspitos
e sem infraestruturas, como morros, beiras de rios, alagados, planícies, o crescimento da
violência. A tragédia urbana tem origem no modo secular com que a sociedade brasileira lida
com expropriação da terra e da exploração do trabalho, sob as formas do trabalho informal e
do formal, da privatização da terra, do crescimento urbano e do problema da moradia.
Essa tragédia urbana foi aprofundada pelas mudanças com vistas a mundialização e a
liberalização econômica e financeira, acirrando o processo de precarização das condições de
vida e de acesso aos bens e serviços essenciais à manutenção da força de trabalho. No Estado,
principalmente os situados na periferia do capital, são forjados mecanismos de viabilização a
acumulação do capital, requerendo contrarreformas privatizantes do fundo público, Alencar e
Granemann (2009).
Na perspectiva de romper com o centralismo institucional, financeiro e político
presente, no âmbito federal, durante o Governo Militar, os movimentos sociais reivindicavam
maior participação popular e percepção das diferenças regionais e das demandas locais. O
Movimento de Reforma Urbana, fruto das mobilizações da classe trabalhadora pela reforma
urbana, ganhou materialidade pela composição do Fórum Nacional da Reforma Urbana, que
se mobilizou para que a moradia fosse definida como direito social pelo Estado. Esse caminho
representou também uma série de medidas no plano jurídico-legal, como a conformação do
46
capítulo da Política Urbana na Constituição Federal - CF - 1988, o Estatuto das Cidades,
Planos Diretores, inclusão da moradia no capítulo 6º dos direitos sociais da CF - 1988, entre
outras.
No contexto de ampliação da participação popular, os municípios ganharam destaque
no processo de descentralização, particularmente das políticas sociais, tendo que intervir de
forma mais sistemática sobre a questão urbana através de programas de urbanização de
assentamentos precários, de regularização fundiária e promoção de habitação. Num quadro de
redução e/ou extinção das Companhias Habitacionais Estaduais, os municípios tiveram a
possibilidade de experimentar novas iniciativas, mas na maioria havia baixa capacidade
administrativo-financeira, o que fazia prevalecer projetos fragmentados e de baixa cobertura.
As críticas à descentralização das políticas sociais destacam a desconcentração que permeou o
processo, isto é, houve o repasse de responsabilidades da execução dos serviços sociais,
excluindo a autonomia financeira dos agentes municipais12
e a ênfase no terceiro setor13
com
intervenção das organizações da sociedade civil na execução das ações, algumas delas
recorrendo a recurso público como forma de financiamento. Na política de habitação, algumas
dessas organizações atuaram no âmbito da assistência técnica à projetos habitacionais e na
organização de cooperativas voltadas a autoconstrução e mutirões.
No âmbito do financiamento, os recursos advinham de repasses intergovernamentais e
de empréstimos firmados com organismos financeiros internacionais e provocaram o
enquadramento dos projetos aos interesses desses organismos, o endividamento público e a
redução de acesso a moradia (MARICATO, 2001, p. 100). As agências multilaterais passaram
a intervir na promoção de empréstimos para os projetos de moradia, a exemplo do Habitar
Brasil dos anos 1990, resultado da contratação de empréstimos junto ao Banco Interamericano
de Desenvolvimento - BID. Seguindo as premissas de acordos internacionais, os empréstimos
efetuados eram acompanhados de condicionalidades voltadas principalmente à reformas e
ajustes fiscais.
O Estado é tomado como regulador e promotor da primazia do mercado na condução
da economia. Os elementos que compõe o programa de ajuste neoliberal são a estabilização
macroeconômica (redução da inflação), reformas estruturais e abertura comercial e financeira,
12
No tópico que trata do fundo público e a carga tributaria contido nesta dissertação, é possível perceber a
concentração de 60% dos recursos vindos de impostos e contribuições no âmbito do governo federal (BEHRING,
2008).
13
Sobre o debate o processo de refilantropização das políticas sociais, especificamente de assistência social e a
relação com o orçamento público, ver Abreu (2009).
47
e crescimento econômico associado a distribuição de renda nos países periféricos. Reforça-se
a perspectiva de adaptação as reformas, gerenciando as consequências da abertura comercial e
financeira através de programas que fomentam a equidade social (CARCANHOLO, 2010, p.
138). No Brasil, a opção econômica diante ao processo de liberalização foi a emissão de
títulos da divida e elevação dos juros, o que provocava o endividamento público contribuindo
para uma verdadeira interdição do Estado, especialmente de suas funções de garantir a
reprodução social da força de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). A reconfiguração
das políticas sociais com ênfase na focalização e a privatização tornaram as condições de vida
da classe trabalhadora numa verdadeira batalha pela sobrevivência.
No campo da habitação, houve fragmentação e a escassez de políticas que intervissem
sobre as necessidades habitacionais. A crise do Plano Collor atingiu o SBPE e o FGTS,
reduzindo o acesso a financiamento por essas fontes. A proposta do governo para atender a
necessidade habitacional era criar as condições para que as empresas promovessem os
projetos. Algumas das estratégias foram o autofinanciamento das empresas imobiliárias;
crescimento do segmento de alto padrão e diversificação de atividades. Destaco, que as
orientações para a agenda neoliberal não se reduziram a política habitacional, numa
conjuntura de crise do capital que exigia intervenção do Estado mediante “reformas” e
direcionamento de fundo público na busca de retomada das taxas de lucro.
Outros projetos entraram em curso, já no Plano Real, que foram o Programa Pró-
moradia e Carta de Crédito, voltados a estimular o mercado de imóveis usados. O Programa
de Arrendamento Familiar era destinado a produção de habitação social com prioridade as
áreas infraestruturadas (FIX, 2001). Fortemente tensionada pela política macroeconômica que
visava a contenção de gastos públicos e as medidas de ajustes, a política habitacional foi
gradativamente sendo direcionada para a promoção via setor privado, com programas
focalizados direcionados a habitação social.
Destacamos que entre os anos de 1986, pós-extinção do Banco Nacional de Habitação,
até a criação do Ministério das Cidades, a política urbana sofreu com a fragmentação das
ações, o desfinanciamento para a promoção pública de moradia e a presença do setor da
construção civil pressionando para a condução hegemônica da política. Esse processo
interferiu na forma que a questão urbana se expressa no cotidiano de luta de classes nas
cidades.
No âmbito da cidade, a questão urbana, como expressão da questão social, pode ser
identificada diante das necessidades habitacionais a que estão expostas a classe trabalhadora e
auxilia para caracterizar os limites ao exercício do direito a cidade. Cardoso (2011) elenca
48
uma série de conceitos que giram em torno do fenômeno das necessidades habitacionais no
Brasil, com ênfase nas precariedades habitacionais e déficit habitacional qualitativo e
quantitativo. Para Cardoso (2011), há diferença entre necessidade habitacional (trata a
situação do déficit e da inadequação) e a precariedade (refere-se a assentamentos, isto é, áreas
de ocupação irregular e com carência de infraestrutura e acessibilidade).
Atualmente (2010) existe a estimativa de um déficit habitacional de 6,9 milhões de
moradias, o que representou um aumento de 25% em comparação com a última pesquisa de
2008, sendo 84% em área urbana (FJP, 2013). A pesquisa também identificou que o país tem
hoje um montante de 6 milhões de domicílios vagos, sendo 77% em área urbana. Vale
destacar, que o dado corresponde ao déficit, não sendo somados os dados de demanda
demográfica.
Vejamos o quadro abaixo.
Gráfico 1- Distribuição do déficit habitacional por faixa de renda.
Fonte: Fundação João Pinheiro (2013). Produção própria.
Entre os componentes do déficit habitacional, a pesquisa mostrou que 70% destes são
compostos pela coabitação familiar e pelo gasto excessivo com aluguel. Os domicílios
precários corresponderam a 20% do déficit. Classificando conforme a faixa de renda,
identificamos que 67% do déficit habitacional encontra-se nas rendas até 3 salários mínimos,
isto é, as famílias de menor renda são as que possuem maior necessidades de habitação social.
Se ampliarmos a análise para as rendas de até 5 salários mínimos, o percentual sobe para
81,5% de déficit habitacional no Brasil. Se compararmos os dados da pesquisa de 2008, houve
uma redução percentual de 96% para 81% do déficit nas rendas de até 5 salários mínimos,
mas um aumento quantitativo de 5,313 milhões para quase 5,623 milhões de moradia.
Percebemos também o aumento do déficit sobre a renda familiar superior a 5 salários
mínimos, que chega a 1,276 milhões de moradias, maior que 2008 que apontava 187 mil
unidades habitacionais.
49
Quanto à inadequação dos domicílios, os dados apontam para um montante de 15,5
milhões de habitações, um aumento de 40% se comparado a pesquisa de 2008, com maior
reflexo sobre a ausência de infraestrutura (86%) (FJP, 2013). Dessa forma, se considerarmos
de forma ampliada o déficit habitacional, este passaria de 22,4 milhões de moradias com
impacto direto sobre as classes populares de renda até 3 salários mínimos.
O padrão de segregação e desigualdade socioespacial a que está submetida a classe
trabalhadora é diverso no país e envolve moradias em situação precária, referentes a
infraestrutura, irregularidades fundiárias e até mesmo sua ausência. Uma das alternativas de
moradia da classe trabalhadora, de forma espontânea ou organizada, são as ocupações
informais do solo urbano. Esse mecanismo mesmo sendo ilegal, possui uma
institucionalidade: “é funcional para a economia (barateamento da força de trabalho) e
também para o mercado imobiliário privado, e é ainda funcional para a orientação dos
investimentos públicos dirigidos pela lógica da extração concentrada e privatista da renda
fundiária” (MARICATO, 2001, p. 82). A informalidade fundiária serve para garantir
privilégios e especulações com a terra, tendo nas práticas patrimonialistas limites a efetivação
das reformas de base, como a agrária e a urbana no Brasil e demais países da América Latina.
Nas políticas de planejamento urbano prevalece um padrão de cidade que atende apenas aos
interesses de uma minoria, ficando a classe trabalhadora alijada de seu direito por uma
moradia adequada. A cidade segrega espacialmente o trabalhador de sua fonte de
sobrevivência, o trabalho; impõe opções habitacionais em áreas periféricas para a população
pobre e estimula por omissão e oportunismo a constituição de situações irregulares de
moradia.
O problema da moradia caminha com a falta de alternativas que a população possui
para a efetivação de seu direito de morar. As formas capitalistas de apropriação da terra via
especulação e expropriação são a contraface da falta de alternativas habitacionais. A moradia
em áreas de risco ambiental, periféricas, sem infraestruturas e informais tornam-se as
alternativas de moradia de parte da classe trabalhadora.
As necessidades habitacionais também se defrontam com a persistência de vazios
urbanos em áreas infraestruturadas, lembrando que temos um estoque de 6 milhões domicílios
vazios. Como produto da apropriação privada do solo que colabora com a especulação
imobiliária, os vazios urbanos ou subutilizados trazem consequências para a cidade como o
descumprimento da função social da propriedade, subutilização da infraestrutura investida,
dificuldade de mobilidade urbana e problemas ambientais e sanitários.
50
Rolnik (2010), traz alguns elementos que constrangem a concretização de moradia
adequada em área bem localizada, tais como denomina “moradias sem cidade”, o que diz
respeito as condições precárias a que estão submetidas parte das moradias dos trabalhadores;
os vazios urbanos em áreas consolidadas que inviabilizam a função social da propriedade e
estimulam a especulação imobiliária; a produção pública de habitação social em áreas
periféricas que segrega ainda mais o espaço urbano brasileiro; a lógica de esvaziamento das
áreas centrais dos centros urbanos; modelo tradicional de produção das cidades sob a lógica
de um planejamento urbano pautado pela irregularidade urbanística e fundiária por fim, a
dificuldade de implementação de instrumentos legais de política urbana.
Entre os elementos destacados, apenas um (ao meu ver) merece ressalva, o que diz
respeito a subutilização das áreas centrais dos centros urbanos. Este é um aspecto que marcou
as grandes metrópoles brasileiras, mas com a reestruturação do mercado imobiliário e os
incentivos do Estado ao setor, notamos projetos de revitalização em áreas centrais em diversas
cidades do país. Harvey (2005) destaca que a produção de uma ideologia dominante onde a
cidade deve ser adaptável as mudanças recentes cria uma busca por identidade local, muitas
vezes escondendo as condições sociais precárias em que vive sua população. As políticas
públicas tornam-se focalizadas e desfinanciadas, o fundo público segue destinado a atender a
“empreitada de risco” do capital.
2 FINANCIAMENTO DA HABITAÇÃO SOCIAL NO MARCO DA CRISE DO
CAPITAL
Nesta seção pretendemos discutir o lugar da política de habitação social implementada
desde 2006 no Brasil e o seu financiamento, considerando a condições atuais de
desenvolvimento capitalista em crise, que elege o espaço como instrumento de captação de
mais-valia. Para tanto, se analisa a reestruturação do mercado imobiliário no bojo do
desenvolvimento geográfico desigual e a busca de novos nichos para acumulação do capital a
partir da produção do espaço; e se analisa o financiamento da habitação social no Brasil a
partir do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e do Programa Minha Casa Minha
Vida. Assim, o estudo se debruça na busca de uma proposta de Sistema em que o Estado é o
indutor da promoção habitacional, ao passo que a crise econômica de 2008 e os ideais do
51
social-liberalismo enfatizam a produção habitacional por meio do privilegiamento do produtor
privado.
2.1 Crise do capital e a reestruturação do mercado imobiliário
A crise do capital tem sua origem no processo histórico de metamorfose do capital,
“especialmente ligada ao papel do dinheiro como meio de troca e como medida de valor, em
momentos distintos no tempo. A mercadoria pode mudar de valor em função de seu
equivalente monetário, o que não permitirá ao seu possuidor honrar seus compromissos”
(BEHRING, 2012). A superprodução está no centro das crises recorrentes no capitalismo,
sendo um argumento ideológico e errôneo tentar travar uma relação direta entre quem possui
e quem produz a mercadoria, pois não é a necessidade que movimenta o sistema, e sim a
busca pela mais-valia. A superprodução representa a maneira ilimitada com que o capitalista
produz mercadorias, sem a correspondente demanda solvente, movido irracionalmente pela
dinâmica da taxa de lucro.
A superacumulação é a expressão da superprodução devido ao excesso de liquidez do
capital, causando o excesso de capital na forma dinheiro. A superprodução leva a paralisia do
processo de rotação do capital e repercute mundialmente devido as formas monetárias que
movimentam o ciclo do capital, engendrando o caráter cíclico da crise do capital (MARX
apud BEHRING, 2012, p. 170). Assim, o sistema capitalista não atravessa os ciclos de
acumulação sem contradição, sendo recorrentes as crises do sistema que não se configuram
apenas como um movimento esporádico e abrupto, mas conformam a própria lógica de
produção e reprodução capitalista.
A crise do capital é estrutural ao sistema, sendo o Estado cada vez mais chamado a
minimizar os efeitos desse processo. Mandel (1982) aponta as principais funções do Estado,
como “criar condições gerais de produção que não podem ser criadas pelas atividades
particulares da classe dominante”; de conter as ameaças que questionam o modo de produção
capitalista por meio do uso da força legal-institucional repressiva; e contribuir na criação de
estratégias de integrar e manter a classe trabalhadora dentro da lógica capitalista, aceitando as
ideologias dominantes (função de hegemonia).
Pensar as estratégias anticíclicas criadas para combater e amenizar os principais efeitos
das crises do sistema capitalista envolve atribuir ao Estado a “função de administração das
52
crises com políticas anticíclicas, isto é, o estabelecimento de políticas voltadas para evitar as
crises, proporcionando garantias econômicas aos processos de valorização e acumulação”
(MANDEL apud IAMAMOTO, 2010, p. 121). A política anticíclica também deve vir
acompanhada de uma estratégia de “ofensiva ideológica” sobre os trabalhadores, no sentido
de criar um ambiente de legitimidade para as iniciativas tomadas.
As experiências recentes de medidas anticíclicas tomadas pelo governo brasileiro
ocorrem também no âmbito do desenvolvimento urbano, particularmente sobre a produção
habitacional. Com o advento, em 2005, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
(composto por um plano, fundo, órgão gestor e conselho), a promoção da habitação social
ficaria sob responsabilidade do Estado e ao mercado caberia a produção para os demais
segmentos. Contudo, a partir de 2007, ocorreu um redirecionamento nas funções do Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS em termos de suas ações para atender as
novas exigências da política macroeconômica do governo Lula. Neste ano, é lançado o
Programa de Aceleração do Crescimento - PAC que surge como uma fórmula para o
crescimento econômico sob a perspectiva neoliberal14
. Fechando o ciclo de medidas
anticíclicas foi criado, em 2009, o Programa Minha Casa Minha Vida, voltado ao estímulo a
construção civil e ao mercado imobiliário.
Devemos encarar as medidas anticíclicas não apenas como respostas do Estado à crise
do capital, mas produção do espaço, como produto social das relações sociais no modo de
produção capitalista, que produz e organiza o espaço (e o tempo) sob relações sociais
determinadas historicamente. A intervenção do Estado sobre o espaço expressa as relações
sociais contraditórias e aponta as determinações e projetos que hegemonizam a sociedade, ao
passo que o espaço situa-se historicamente como produto social ativo, e não apenas uma
paisagem vazia a ser preenchida de coisas, natureza submissa ou instrumento passível de
manipulação. A reflexão sobre o espaço não pode se afirmar como um inventário do que há
no espaço, quantas moradias a serem produzidas, a infraestrutura, as indústrias, mas o
conhecimento das relações sociais que produzem este espaço. Assim, o Estado ao promover
medidas anticíclicas, que tomam o espaço como objeto de sua intervenção, exprime a maneira
pela qual as relações sociais produzem e reproduzem o espaço nesta sociedade. A classe
dominante gere o espaço, apropriando-se e usufruindo deste, enquanto os trabalhadores o
14
Há diversas interpretações sobre o novo-desenvolvimentismo no campo da teoria crítica (CASTELO, 2010;
GONÇALVES 2012, CARCANHOLO, 2010). Contudo, a meu ver, esse processo é composto
impreterivelmente de forte apelo ideológico, o que possibilita o desenvolvimento de reformas e adaptações ao
sistema sem grandes constrangimentos. Filgueiras e Gonçalves (2007) conceituam de modelo liberal periférico
a atual situação brasileira no mercado mundial, caracterização que nos parece correta.
53
fazem, produzem o espaço (LEFEBVRE, 2006, p. 47). O Estado ao definir medida anticíclica
sobre o urbano, como “agente facilitador dos fluxos de capital para a produção do ambiente
construído” (COSTA, 2003, p. 10), expressa também sua dimensão política, seu caráter de
classe, pondo em movimento suas funções na criação das condições gerais de produção
capitalista.
A importância em compreender o espaço como produto das relações sociais foi
enfatizada por Lefebvre (2006) na obra A produção do espaço. Correndo o risco de ser
simplista, sintetizo que a tese central sobre o conceito de produção do espaço para Lefebvre
tenta retomar o espaço na sua multiplicidade, nas suas diferenças, contra a tendência a
homogeneização, mecanização e fragmentação dele. O espaço como produto das relações
sociais de produção e reprodução do modo de produção capitalista, numa relação de
continuidade e superação no processo histórico. O espaço como produto e produtor entra nas
relações de produção, nas forças produtivas e na reprodução de maneira dialética
(LEFEBVRE, 2006, p. 5). O espaço, tal quanto o tempo, se insere na estrutura e na
superestrutura, ele intervém e modifica o modo de produção, exprimindo a história do espaço.
Não numa relação direta entre modo de produção e espaço, mas permeado de contradições. A
constituição de uma determinada política de habitação, por exemplo, expressa a luta de classe
que se trava no espaço e a capacidade diferencial de seu confronto. O espaço produzido no
capitalismo torna-se instrumento da classe dominante, que o hegemoniza e o controla, mas
como produto das relações sociais, conteúdo dialético, “escapa parcialmente aos que dele se
servem” (LEFEBVRE, 2006, p. 31), trazendo a tona as especificidades do espaço e criando
possibilidades de sua subversão.
O mecanismo encontrado, pelo governo brasileiro, para conter os efeitos da crise do
capital foi investir no setor de construção civil, mantendo iniciativas na área de infraestrutura
e a expansão do crédito pelos bancos públicos para o setor. Segundo Cardoso e Aragão
(2011), as mudanças a partir de 2009 provocaram uma clara indução da política habitacional
ao crescimento econômico. Essa indução se sustentava sob o argumento de que a construção
civil possui efeito multiplicador na economia, movimentando setores de insumos e
equipamentos, emprego de mão-de-obra de baixa qualificação, manutenção da renda e
estimulo ao consumo. Contudo, se ao setor da construção civil foi atribuído, o dito, “efeito
multiplicador”, este se estende as suas mazelas, como a elevação do preço da terra e dos
imóveis, periferização dos empreendimentos de habitação social, mercado de trabalho com
baixos salários e precários direitos trabalhistas, aumento do preço dos insumos que repercute
sobre a autoprodução. Diante das contradições elencadas, cabe relembrar que o
54
desenvolvimento capitalista é, necessária e irredutivelmente, produção exponenciada de
riqueza e produção reiterada de pobreza, NETTO (2007) e que os interesses capitalistas não se
movimentam pela necessidade humana, mas pela busca de mais-valia.
Podemos perceber a repercussão dos ditos “efeitos multiplicadores” da construção
civil a partir de dados produzidos pelo Dieese (2013), principalmente sobre os aspectos da
produção de materiais de construção e do número de empregos do setor. Houve o crescimento
da produção de matérias primas que possui reflexo sobre a produção habitacional via setor da
construção civil, mas também impacta a autoprodução de moradias da classe trabalhadora,
que recorre a esta forma de moradia pelas dificuldades e baixa cobertura da habitação social.
Sobre o mercado de trabalho, a maioria dos empregados está nas empresas de pequeno porte,
o que corresponde a 45% do setor e tem baixa cobertura de direitos trabalhistas, tais como
taxa de 64% de informalidade (sem carteira assinada ou trabalhador por conta própria); baixa
escolaridade; extensas jornadas de trabalho; baixa cobertura previdenciária; media salarial de
até 3 salários mínimos (62% dos trabalhadores) e taxa de rotatividade de 127%,
principalmente no subgrupo de Construção de edifícios (DIEESE, 2013). A pesquisa também
aponta o aumento no número de greves promovidas pelos trabalhadores do setor,
principalmente no subgrupo de Construção de Infraestrutura, que reivindicavam melhores
condições e relações de trabalho.
As necessidades habitacionais que demandam a intervenção do Estado junto a
população são relegadas a atender as necessidades de acumulação do mercado imobiliário.
Aprofunda-se a questão urbana que aflige a classe trabalhadora e que fragmenta ainda mais as
cidades brasileiras. Em seu texto, A Justiça social e a Cidade, Harvey afirma que o solo e as
coisas que nele estão construídas são tidas como mercadoria no capitalismo, contendo assim
valor de uso e valor de troca. Mas essas mercadorias são distintas das demais mercadorias
produzidas, por conterem as seguintes características: são fixadas no solo e garantem o
privilegio de monopólio pela localização; o espaço é um bem imprescindível aos sujeitos, mas
restrito ao seu consumo; pouca variação de possuidores por ser fixado ao solo mesmo em uso
contínuo; caráter permanente traz oportunidade de acumular riqueza a seu possuidor; uso
constante e troca sazonal; usos diferentes do solo e das benfeitorias gerando valores de uso
distintos para cada usuário (HARVEY, 1980, p. 135).
As teorias contemporâneas de uso do solo urbano tratam de maneira distinta e isolada
o valor de uso e de troca, ou o “sistema de sustentação de vida” e o “sistema de mercado de
troca”, do solo urbano. A importância de uma teoria adequada de uso do solo requer tratar de
forma dialética o valor de uso e de troca do solo urbano, num processo social da sociedade
55
capitalista (HARVEY, 1980, p. 137-139). Para a análise das relações sociais que produzem o
espaço, torna-se pertinente compreendê-la no âmbito da economia política, a exemplo da
análise da política de habitação social, que não se situaria no binômio atender necessidades
sociais versus atender acumulação do mercado, mas na contradição e dialética que a envolve
na luta de classes.
O espaço é dominado pelas frações de capitalistas que disputam para acumulação e
monopólio. O capitalismo monopolista possui como característica a concentração e a
centralização de capitais. Netto (2009) qualifica que a finalidade do capitalismo monopolista é
aumentar os lucros por meio do controle dos mercados, tornando latente a contradição entre
socialização da produção envolvendo o conjunto das atividades econômicas em escala
mundial, NETTO e BRAZ (2007) e apropriação privada da riqueza que é produzida pelo
excedente de trabalho e apropriada pelos proprietários dos meios de produção. Para que seus
capitais se valorizem, é necessária a intervenção do Estado, com sua refuncionalização, que
garanta o esperado superlucro dos monopólios.
O movimento de concentração e centralização é mobilizado pela busca capitalista pelo
superlucro e pela produção de mais-valia, além da existência da competitividade entre eles.
Uma vantagem nesta disputa pode ser alcançada pelo incremento de tecnologia ao processo
produtivo, isto é, poupa-se força de trabalho com o uso de capital constante elevando a
composição orgânica do capital. Essa vantagem condiciona a formação de capitais, num
movimento de concentração. A concentração de capitais implica uma tendência de que “cada
vez mais capital é necessário para produzir mais mais-valia” (NETTO.; BRAZ, 2007, p. 130),
fazendo com que grandes capitais concentrem maior massa de capital.
A centralização de capital é outro fenômeno que acompanha a dinâmica de
acumulação do capital, processo este que engloba o aumento de capital via a introdução de
tecnologias e concentração de capitais, mas também amplia-se pela união de capitalistas.
Forma-se o aumento de capitais pela fusão de capitais já existentes e capitalistas individuais,
reunidos sob o grande capitalista, sendo comum a formação de monopólios. Netto e Braz
(2007) afirmam que conforme o movimento de concentração e centralização avança sobre a
produção capitalista, a concorrência intercapitalista se acirra, envolvendo um número menor,
mas de grandes e poderosos possuidores de capital.
No âmbito da política habitacional, a concentração e a centralização de capitais se
apresentam de forma a confirmar o processo descrito acima. Mesmo diante da crise, a
produção habitacional e de outros segmentos produtivos como shopping e infraestrutura,
mantiveram o ritmo. Cardoso e Aragão (2011) apontam que a partir de 2004, o capital
56
imobiliário passa por uma reestruturação, principalmente com a entrada no mercado
financeiro, com a oferta de ações em Bolsa de Valores, promovendo a captação de recursos
via mercado de capitais e possibilitando a diversificação construtiva e de mercados. A
reestruturação do setor também foi estimulada por medidas promovidas pelo Estado no que
tange a revisão da carga tributária, segurança jurídica e diversificação de acesso a recursos
públicos.
O processo de centralização de capitais no capitalismo monopolista possui forte
dinâmica com o mercado financeiro e é neste viés que o mercado imobiliário brasileiro vem
se fortalecendo. A possibilidade de captação de recursos advindos de fundo público e do
mercado de ações trouxe novo dinamismo, com o crescimento da massa de capitais do
mercado imobiliário e sua entrada no mercado financeiro. A entrada das empresas da
construção civil no mercado financeiro “proporcionou recursos para investimentos em novos
empreendimentos e para aquisição de outras empresas menores, localizadas em outros estados
ou especializadas em nichos de mercado” (SHIMBO, 2011, p. 45).
A definição de setor imobiliário é partilhada por Botelho como o: “conjunto de
atividades que envolvem os subsetores de materiais de construção, de construção de edifícios
e obras de engenharia civil, bem como aqueles ligados ao terciário, tal como atividades
imobiliárias e predial” (BOTELHO, 2007, p. 25). No âmbito da construção civil, o subsetor
que trata da produção habitacional (entre outras) está ligado ao grupo - Construção de
Edifícios e Obras de Engenharia civil. Ao buscar o espaço como lócus de valorização de
capital, o capital imobiliário é atraído pelo espaço na busca a realização da mais-valia
apropriada da força de trabalho. Mas essa valorização possui limites de absorção e realização
do capital imobiliário, gerando crise.
A financeirização da habitação no Brasil, conforme ocorreu com os países centrais,
possui alguns limites, mas que não impossibilitaram que o processo ganhasse impulsos
importantes. O Sistema de Financiamento Imobiliário, criado ainda no Governo de Fernando
Henrique Cardoso, veio a operar de forma mais sistemática no Governo Lula. Tinha o intuito
de criar um sistema de securitização de hipotecas, emissão de Certificados de Recebíveis
Imobiliários e Fundos Imobiliários. A financeirização também foi estimulada pelo incremento
de ações das empresas do mercado imobiliário e construção civil na Bolsa de Valores, o que
gerou um montante de recursos correntes no setor e que potencializou a centralização de
capitais. Quando se trata de financeirização na habitação, consideramos os processos que
mobilizam o setor, particularmente na habitação social, onde é questionada sua interação com
o mercado financeiro. Os limites à efetivação da financeirização, tal como os modelos
57
internacionais do mercado imobiliário versam sobre a questão fundiária, pois a reforma
urbana experimentada em terras brasileiras priorizava a formação de latifúndios, a segregação
socioespacial e a informalidade no acesso a terra pelas classes populares. Para que o espaço se
constitua como uma mercadoria, é necessário tornar o bem imóvel em um bem móvel
mediante título de propriedade que seja passível de troca e que garanta assim a extração de
renda fundiária (BOTELHO, 2007, p.24). Daí que, a construção de um mercado de hipotecas,
passíveis de tornarem-se ações no mercado financeiro, possui fragilidade, pois há baixa
concretude de vínculo entre solo urbano e benfeitoria construída em parcela de terras nas
cidades.
Contudo, tal obstáculo fez com que o mercado imobiliário recorresse a boa e velha
função do Estado na disponibilização de fundo público para as empreitadas de risco do
capital. A financeirização, como estratégia de acumulação capitalista, tem a produção do
espaço como uma das condições de sua realização (BOTELHO, 2007, p. 23). As alterações
jurídico-legais e o acesso ao fundo público orientados pelo Estado, criaram o ambiente para
que o mercado imobiliário investisse no mercado financeiro. Nesse contexto, a habitação
social entra na ciranda financeira, por ser lucrativa pela rentabilidade dos investimentos, pela
produção em escala, pela redução dos custos (SHIMBO, 2011) e principalmente pelo fluxo
continuo e garantido de recursos públicos para a produção do empreendimento. O capital
alcança as condições necessárias para transmitir os recursos captados ao mercado financeiro.
Assim, no processo de rotação do capital, os recursos extraídos do fundo público tornam-se
capital imobiliário a ser lançado no mercado financeiro como se a ele pertencessem.
Destacamos que a relação direta entre fundo público do Estado e mercado imobiliário é
transferência de renda. Contudo, indiretamente, pelas aplicações do mercado imobiliário,
torna-se capital financeiro. Pelo processo de centralização de capitais no mercado imobiliário,
a financeirização da habitação social torna-se uma tendência possível tanto pelo acesso ao
crédito quanto por sua operacionalização por agências financeiras, pois o capital portador de
juros retorna à produção de habitação social.
A reestruturação do mercado imobiliário promoveu a expansão e participação das
empresas de construção (englobando infraestrutura, insumos, produção habitacional e
empreendimentos comerciais), na economia do país. Nesse processo foram identificadas 31
empresas (entre as maiores por setor) em 2010, representando um aumento de 121% em
relação a 2006 (CARDOSO; ARAGÃO, 2011, p. 93). Este aumento significa um quantitativo
de empresas que ampliaram sua esfera de mercado com diversificação de atividades e de
região. Há um movimento de centralização de capitais, com a junção de pequenas e médias
58
empresas que atuam em escala local com empresas de maior porte. Esse processo foi
fortalecido pelo Estado mediante a elaboração de legislações de incentivo ao setor e
facilidades de acesso ao fundo público via empréstimos e financiamento por agências
financeiras públicas como Caixa Econômica Federal e pelos recursos do Orçamento Geral da
União.
Tratar de financiamento na política habitacional não é um tema recente, pois o acesso
a habitação de mercado é mediada pelo acesso a crédito e empréstimos imobiliário, uso de
fundos garantidores e poupanças. Já a habitação social tem suas fontes de recursos
basicamente de fundo público via orçamento geral ou empréstimos internacionais a programas
específicos. O mercado imobiliário recorre, com frequência, ao financiamento público para
garantir seus empreendimentos. O aspecto novo deste processo são as maiores facilidades de
acesso aos recursos públicos e crédito imobiliário, principalmente com bancos públicos.
Sobre a tendência de financeirização da habitação social compartilhamos da reflexão
de Mota (2007) para a compreensão de que a acumulação capitalista elegeu as políticas
sociais como lócus de intervenção atravessado pela lógica das finanças. Mota assinala que o
processo da reestruturação produtiva foi o estopim para alavancagem do capital na busca de
novos nichos de mercado para realização do capital, sendo a política social campo passível de
exploração capitalista marcado pelas finanças. No estágio atual do desenvolvimento
capitalista, o padrão de proteção social vigente é questionado pelo capital no sentido de não
mais se constituir como mediação para elevação da extração de mais-valia, e as lutas sociais
estão limitadas no questionamento a propriedade privada. Abre-se, então, caminho para a
superação da proteção social com vista a serviços privatizados, reduzindo-se, assim, os
direitos do trabalho. Assim, o que antes se mostrava como necessário para a reprodução da
força de trabalho, agora é posto em xeque e reorientado para atender, no marco das
contrarreformas do Estado, a acumulação capitalista no bojo da financeirização. O estímulo a
oferta de serviços sociais pelo setor privado mediado por instituições financeiras e seus
instrumentos “passa a validar a vida na esfera da monetarização” (MOTA, 2007, p. 58). Dessa
forma, a autora sinaliza que o setor privado não opera políticas sociais, mais serviços sociais,
pois o que se tem é a privatização do fundo público e o desmonte do caráter coletivo e
universal dos direitos sociais.
Mota (2007), analisa que a contrareforma do Estado sobre as políticas sociais no
sentido de seu enquadramento as novas diretrizes econômicas em jogo, possuiu como sujeito
político as agencias e organismos internacionais. A orientação era ampliar as fronteiras para
expansão do capital mediante a “urgência de novas mercadorias, negócios e espaços para
59
realização do superlucro” [...] convertendo as políticas sociais, entre elas a habitação, em
serviços–mercadoria” (MOTA, 2007, p. 60). Os pilares que orientaram a proteção social
seriam a mercantilização com oferta do serviço pela iniciativa privada e a monetarização com
benefícios operados por agências bancário-financeiras. A proteção social orientada pela
mercantilização é promovida pelo mercado e as políticas sociais são “valorizadas segundo o
rentismo das finanças, que hierarquiza em bolsa de valores as empresas prestadoras [...] dos
serviços mais lucrativos” (MOTA, 2007, p. 64). A tendência de financeirização da habitação
social se opera justamente pelo processo descrito por Mota, no que tange a promoção
habitacional operada pelo mercado imobiliário que é oferta de ações na bolsa de valores, se
utilizando de fundo público para dinamizar a rotação do capital na ciranda financeira.
Por ser tratar o mercado imobiliário, de um setor complexo e que envolve diversos
segmentos, utilizarei estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos - DIEESE (2013) focado no segmento do setor da construção civil segundo
a Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e que divide-o em três
subgrupos: Construção de Edifícios (produção habitacional e comercial); Construção de
Infraestrutura e Serviços Especializados para a Construção. Percebemos que as atividades de
construção civil não são homogêneas, aglutinando em seu interior empresas de porte pequeno
e com abrangência local às grandes incorporadoras vinculadas a capital financeiro
(BOTELHO, 2007). Para os fins deste estudo, me deterei no subgrupo Construção de
Edificações por intervir na produção de habitações.
No Brasil, foram registrados formalmente até 2011 cerca de 195 mil empresas que
atuam na atividade de construção civil com faturamento anual de R$ 180 bilhões (DIEESE,
2013, p.7). Entre estas que atuam na Construção de Edifícios, há o predomínio de empresas de
pequeno porte, enquanto na Construção Infraestrutura atuam as empresas incorporadoras e
multinacionais. Segundo Cardoso (2011), a reestruturação do mercado imobiliário possibilitou
a junção de empresas com abrangência em diversificado segmento, com cobertura regional
distinta e de portes variáveis, monopolizado por grandes empresas do setor vinculadas ao
mercado financeiro.
O desempenho do setor da construção na economia do país correspondeu a 5,7% do
PIB em 2012 (DIEESE, 2013), impulsionado por investimentos na cadeia produtiva em torno
de R$ 349 bilhões. Em, 2010, o PIB da Construção representou 11,6% de crescimento, o
maior em 24 anos e superior ao crescimento percentual do PIB do país. Os programas
governamentais, como Programa de Aceleração do Crescimento e Programa Minha Casa
Minha Vida, tiveram participação neste desempenho do setor, no ensejo de minimizar os
60
efeitos da crise, com iniciativas para dinamizar a economia. Os dados abaixo dão concretude
ao processo de reestruturação do mercado imobiliário, que desde 2004 vem ocorrendo e
demonstram o crescimento do setor em relação a períodos anteriores e ao PIB do país.
Gráfico 2
PIB Brasil e PIB Construção
Fonte: DIEESE (2013) – gráfico elaborado pelo próprio.
Em relação ao desempenho do Programa Minha Casa Minha Vida para o setor de
construção, o ano de 2012 contou com o incremento de 1 milhão de unidades habitacionais e
um volume de contratações via Caixa Econômica Federal de R$ 107 bilhões. Houve também
o incremento de produção de materiais de construção em torno de 7,4% (R$ 55 bi), devido a
redução da carga tributaria (como Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI) e facilidades
de acesso a crédito imobiliário (DIEESE, 2013, p. 8). A mobilização de recursos via bancos
públicos e a redução da carga tributaria representam aspectos do processo de reestruturação
do setor.
Segundo o IBGE (2011), as obras e serviços executados pela empresa de construção
lideraram a receita do setor, correspondendo a R$ 268 bi (92%), entre esses, a receita bruta da
Construção de edifícios representou R$ 114 bilhões (39%) das receitas. Cerca de 50% dessas
receitas estão concentradas nas empresas de maior porte, mesmo sendo nestas em menor
número no setor da construção de edifícios. Se considerarmos o processo de centralização que
vem ocorrendo no mercado imobiliário, o percentual aumenta para 74,3% de recursos
concentrados nas empresas de médio e grande porte, que possuem mais acesso a
61
financiamentos e maior escala de produção. O grau de concentração e monopólio das 12
maiores empresas do subgrupo de Construção de Edifícios corresponde a 11,5% do mercado.
(IBGE, 2011, p. 30).
A produção habitacional vem ganhando novos arranjos devido a reestruturação do
mercado imobiliário. A necessidade de junção de empresas de pequeno porte e grandes
empresas da construção civil motivou a criação de Sociedades de Propósitos Específicos -
SPEs, que surgem como estratégia de investidores na parceria entre construtoras e
incorporadoras para viabilização de empreendimentos imobiliários. Esse tipo de instituição,
predominantemente sociedade anônima, possibilita a diminuição do risco dos investidores
pela facilidade de acesso a renuncias tributarias e a constituição de Fundos Imobiliários
(CARDOSO; ARAGÃO, 2011, p. 95). Algumas dessas SPE estão localizadas no estado do
Rio de Janeiro e atuaram em contratos do Programa Minha Casa Minha Vida registrados até
maio de 2011, entre elas: Emcamp S/A que possui o maior número de produção de unidades
habitacionais de interesse social no estado; MRV Engenharia e Participações S/A, maior
produtora de unidades habitacionais para as faixas de renda de 3 a 6 salários mínimos; CHL
S/A e Construtora Tenda S/A subsidiária da Gafisa S/A que mais produziram para as faixas de
renda de 10 salários mínimos. A Odebrecht - Bairro Novo Empreendimentos Imobiliários
S/A, a Novolar S/A subsidiária da Targa Engenharia Ltda e a Direcional Engenharia S/A
formam as demais empresas que produziram habitação social no Rio de Janeiro. A maioria
das empresas listadas acima teve uma produção diversificada, atendendo públicos das
diversas faixas de renda e possuem capital aberto na Bolsa de Valores, uma clara
financeirização da produção habitacional (CARDOSO; ARAGÃO, 2011, p. 98), não estando
a habitação social fora deste processo.
Destacamos entre as maiores empresas de capital aberto, aquelas que atuam no setor
da construção civil, participando de consórcios e parcerias público-privadas em grandes
empreendimentos de infraestrutura física e social e financiadas com recursos públicos de
bancos, como Caixa Econômica Federal e Bando Nacional do Desenvolvimento Econômico e
Social - BNDES. A campanha “Quem são os proprietários do Brasil” (2013) desenvolvida em
parceria do Instituto Mais Democracia e a Cooperativa EITA, identificou no ranking das
empresas com maior rede de poder e capital acumulado do país a Construtora Norberto
Odebrecht, Construtora Andrade Gutierrez S/A e Cyrela S/A. No processo de reestruturação
do mercado imobiliário, identificamos outras empresas de destaque, como Camargo Correia,
OAS, Queiroz Galvão e Carvalho Hosken que participam ativamente de obras públicas e
fazem parte da cadeia produtiva de instituições estrangeiras necessitando emissão de remessas
62
a sua matriz. A título de exemplo, as construtoras Carvalho Hosken e Norberto Odebrecht
fazem parte do Consórcio para construção do Parque Olímpico no Rio de Janeiro e
pressionam para despejar um conjunto de famílias de uma comunidade ao lado do
empreendimento, acirrando ainda mais a valorização fundiária e a segregação socioespacial.
Os caminhos do mercado imobiliário promovem as empresas da construção civil na
definição de todo o ciclo produtivo, envolvendo a “incorporação, construção e a
comercialização de unidades habitacionais, abrangendo funções anteriormente atribuídas a
diversos agentes da promoção imobiliária (proprietário de terras, incorporador, construtor e
vendedor)” (SHIMBO, 2011). Para caracterizar o processo de crescimento e rentabilidade
dessas empresas, Shimbo15
elenca quatro fatores que são 1) diversificação do financiamento
direto com a construtora, com bancos públicos e bancos comerciais. Contudo, o processo de
reestruturação do setor imobiliário, provocou mudanças nas modalidades de financiamento,
ganhando centralidade os financiamentos operados por bancos públicos (particularmente
Caixa Econômica Federal) que corresponderam a 78% das transações; 2) captação de recursos
financeiros provenientes de oferta pública de ações das empresas para incorporação e
construção, decorrendo a “mobilidade de capital financeiro” da valorização dos bens
construídos e da garantia do acesso ao financiamento ofertado pelo Estado; 3) padronização
dos empreendimentos orientados para redução de custos do processo produtivo e dos riscos ao
capital; por fim 4) conformação de um sistema de controle e de informação com incremento
de tecnologia de controle da força de trabalho e das matérias primas.
A concentração de capitais envolve a implementação de mecanismos que consigam
aumentar o volume de capitais, particularmente com a utilização de tecnologias poupadoras
de força de trabalho. Contudo, no setor de construção civil para a produção habitacional,
constata-se o reduzido uso de tecnologias. Há no setor o incremento no processo produtivo
mediante a gestão e controle do trabalho e de matéria-prima com o desenvolvimento de
sistemas de informação, racionalização de insumos e controle da força de trabalho. Assim, a
implementação de tecnologias associadas a diversas formas de organização do trabalho,
entrelaçam processos arcaicos e modernos configurando a flexibilização (SHIMBO, 2011;
CARDOSO; ARAGÃO, 2011). Conforme ressalta Marx, o que caracteriza o modo de
produção capitalista não é o que se produz, mas em que condições e sob quais relações
15
Shimbo (2011) desenvolve um estudo de caso sobre uma empresa que atua na construção civil e que teve um
aumento de capital mediante os novos processos em curso. Acredito que as condições que estão disponíveis
para a reestruturação do mercado imobiliário possam ser alcançadas pelas demais empresas do ramo, sendo a
estudada um exemplar deste processo.
63
sociais. Então, podemos ter um processo produtivo atrasado, convivendo com relações de
exploração tipicamente capitalistas.
A produção capitalista do espaço envolve na sua dinâmica produtiva alguns limites
para a realização do lucro, entre eles o acesso a terra. Na produção de habitação social
produzida pelo mercado, o lucro abarca o valor da terra, o custo dos projetos e de produção
(CARDOSO; ARAGÃO, 2011, p. 99). Na estrutura de investimentos de ativos imobilizados
pelas empresas da construção, destaca-se o incremento em investimentos para aquisição de
terrenos e edificações, já que entre os anos de 2007 e 2011 houve crescimento, chegando a
24% do total de investimentos. Dessa forma, os ativos imobilizados pelo setor de construção
que destinava 46% de seus investimentos para maquinas e equipamentos, em 2011, a
aquisição de terrenos e edificações cresceu de 18% para 24% dos investimentos (IBGE,
2011). Demonstra-se o maior interesse do mercado imobiliário em reter solo urbano para
acumulação de capital e que os incentivos e programas promovidos pelo Estado com vistas a
maior modernização do setor com o emprego de tecnologias e maquinas terá que adaptar-se a
esse interesse crescente por terras pelo setor de construção.
Corroborando para análise acerca da maior atratividade por terras pelo setor da
construção, Shimbo (2011) destaca a busca pela aquisição de terrenos que oferecessem maior
lucratividade aos investidores do setor. Nessa dinâmica, a disputa por solo urbano fez com
que o estoque de terras pelo mercado crescesse exponencialmente. A autora exemplifica a
experiência de uma empresa que possuía em 2006 um estoque de terra de R$1,5 bilhões com
capacidade construtiva para 11.700 unidades habitacionais, e que em 2007 passou a R$ 10
bilhões com capacidade construtiva de 107 mil unidades habitacionais. O investimento de
ativos imobiliários para aquisição de terrenos correspondeu a 35% dos recursos captados pela
empresa. Assim, os incentivos públicos por meio de legislações, recursos públicos e
programas governamentais e a dinâmica financeira com a oferta de ações possibilitou a
acumulação de capital apropriado pelo setor e aprofundou as condições de moradia perversas
identificadas nas cidades.
Observamos que grande parcela dos empreendimentos habitacionais destinados aos
trabalhadores das classes populares são construídos nas periferias das cidades, com baixa
infraestrutura social e mobilidade urbana. Esses empreendimentos garantem o lucro das
empresas, mas requerem um gasto de fundo público na expansão dos equipamentos e
serviços. A produção de habitação social pelo mercado acompanha a dinâmica territorial e
econômica onde o empreendimento se localiza, envolvendo as possibilidades de lucro para o
produtor, isto é, a busca por terras mais baratas envolve a disputa pela apropriação, por parte
64
do capitalista produtivo, do maior montante de mais-valia que iria para o capitalista fundiário.
Assim, as necessidades habitacionais não coincidem com as perspectivas do mercado.
O Estado, por sua vez, possui mecanismos legais que definem o uso e ocupação do
solo, tais como a outorga onerosa, IPTU progressivo, Planos diretores, entre outros. Mas
diante à luta de classe na arena urbana, pouco se avançou para implementação e efetividade
desses mecanismos. Compreender a moradia como direito, requer exigir a intervenção do
Estado na promoção de programas habitacionais destinados a segmentos populares e que
priorize a moradia adequada.
O redesenho da produção privada de habitação social fortalece a concentração e a
centralização das empresas (as maiores absorvem as menores por essas possuírem experiência
local e habilidades produtivas), possibilitando a formação de monopólios estruturados no
mercado financeiro. Segundo Cardoso e Aragão (2011), há uma “tendência a concentração do
mercado de habitação de interesse social em poucas empresas do ramo” (CARDOSO.;
ARAGÃO, 2011, p. 103). A produção do espaço sob o aspecto da centralização desenhou o
urbano conforme as possibilidades de acumulação de capital, tencionando ainda mais os
processos políticos e acentuando a contradição do sistema. O crescimento e a acumulação do
capital só são possíveis mediante a intervenção sistemática do Estado na garantia de um fluxo
de recursos constante e de contenção dos riscos.
A mundialização do capital envolve a articulação das grandes empresas capitalistas
transnacionais no mercado financeiro. Há o suporte das instituições financeiras que operam o
capital que rende juros e que são apoiadas na dívida pública e no mercado de ações das
empresas, tendo o capital financeiro no comando da acumulação, Iamamoto (2010).
Aprofundam-se os processos de exploração e expropriação dos trabalhadores, os verdadeiros
produtores de riqueza, pois o capital financeiro absorve a riqueza criada pelo capital produtivo
e pelos trabalhadores. Vemos que não é apenas uma opção dos capitalistas em agir no capital
financeiro especulativo, ao invés do produtivo, mas “um modo de estruturação da economia
mundial” (IAMAMOTO, 2010, p. 108).
A inserção dos países periféricos na nova dinâmica mundial reforça as marcas
históricas que os acompanham, radicalizando o desenvolvimento desigual e combinado que
estrutura as relações entre os países, regiões e localidades. A mundialização do capital tem a
tendência de homogeneizar os ciclos do capital e do domínio ideológico, desconsiderando as
particularidades históricas de cada país e suas desigualdades, reforçando antagonismos entre
polos concentradores de riqueza e de pobreza. Na perspectiva de garantir o superlucro e as
taxas de crescimento, o capital busca novos nichos de acumulação, impulsionando o
65
deslocamento espacial de capitais, sua mobilidade geográfica, mediante a produção de novos
espaços para a exploração capitalista (MANDEL, 1985).
2.2 A questão tributária e a base de financiamento da habitação no Brasil
Tratar sobre a questão tributaria requer compreender a maneira pela qual o Estado
brasileiro vem extraindo recursos da sociedade e quais as bases de seu financiamento. O
sistema tributário brasileiro se caracteriza pela regressividade, tendo os trabalhadores que
arcar com o aporte de recursos destinado ao fundo público, construído sobre uma distribuição
desigual, que onera os trabalhadores e poupa as altas rendas. Nas cidades, os tributos são
apropriados pelo Estado como parte da renda fundiária urbana, Engels (1988), que na
contemporaneidade tende a beneficiar o capital e evitar riscos aos seus investimentos.
Salvador (2012) destaca três aspectos que impactam o sistema tributário sobre as
políticas sociais brasileiras: a contradição e disputa que permeia o fundo público; a carga
tributária16
que incide sobre as políticas sociais e a base de financiamento de algumas
políticas sociais. Cabe destacar a importância que estudiosos do tema (SALVADOR, 2012;
BEHRING, 2008, 2010, 2012; OLIVEIRA, 2009, entre outros) dão a problematização do
fundo público e de sua expressão, o orçamento público, como instrumento político de análise
das prioridades e da disputa de interesses no âmbito dos recursos alocados pelo Estado, não se
reduzindo a mero instrumento técnico como muitos supõem.
O caráter regressivo do fundo público brasileiro possui ênfase na arrecadação de
recursos via impostos indiretos e de seus reflexos sobre a base de financiamento e de gastos
das políticas sociais (SALVADOR, 2012). A carga tributária brasileira é a expressão da
desigualdade social e da concentração de renda e riqueza que temos em nosso país, extraindo
recursos no montante de 37% do PIB em 2012 (AFONSO; CASTRO, 2013). O fundo
público, fortemente financiado por recursos advindos de impostos indiretos que recaem sobre
o consumo, tende a onerar a renda dos trabalhadores em detrimento do patrimônio e da renda
da classe dominante.
16
A carga tributaria “é um indicador que expressa a relação entre o volume de recursos, que o Estado extrai da
sociedade sob a forma de impostos, taxas e contribuições para financiar as atividades que se encontra sob sua
responsabilidade, e o Produto Interno Bruto (PIB)” (SALVADOR, 2010, p. 208) .
66
Se tomarmos a distribuição entre os entes federativos, percebemos a concentração de
recursos no governo federal, que mesmo depois de mudanças na base de cálculo e das
transferências intergovernamentais, concentra cerca de 60% dos recursos, restando aos
municípios pouco mais de 4%. Os municípios contam como fonte de recursos com o Imposto
sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI), vinculados ao patrimônio imobiliário, isso porque, sobre os municípios recai a
prerrogativa de zelar pelo uso e ocupação do solo urbano. Mas se considerarmos alguns
aspectos tais como, a baixa capacidade de taxação da propriedade da terra no país,
correspondendo a apenas 4% dos recursos (BEHRING, 2008, p.50); predomínio da
ilegalidade do solo; baixa capacidade administrativo-financeira da maioria dos municípios e
poucas fontes de recursos próprios, constatamos que a conformação da carga tributária do país
desenha um pacto federativo extremamente frágil, restando a maioria dos 5.564 municípios
17 a
dependência das transferências intergovernamentais, tais como Fundo de Participação dos
Municípios, que não rompe com o perfil concentrador de riqueza no país.
Nesse contexto de pífia tributação da propriedade privada da terra, o mercado
imobiliário recebeu alguns incentivos legais e tributários. Segundo Salvador (2010), houve
ainda alterações na legislação que beneficiaram o mercado financeiro, possibilitando
diferenciação no tratamento tributário com redução da alíquota de imposto de renda de 20%
para 15% das aplicações financeiras desse segmento na bolsa de valores.
Salvador (2012) destaca as mudanças em curso que tentam alterar o sistema tributário
do país, como a PEC 233/08, mas que em essência não alteram o caráter perverso e ainda
possibilitam as desvinculações de contribuições e fontes exclusivas de recursos de políticas
sociais. A proposta de “reforma” não propõe mudanças em busca de um sistema tributário
progressivo voltado a justiça tributária sobre o patrimônio e a renda (SALVADOR, 2010;
204). Diante do potencial de arrecadação que os tributos patrimoniais poderiam ter, não há
interesse reformar o sistema tributário para garantir a justiça fiscal desses tributos (AFONSO;
CASTRO, 2013).
A participação na carga tributaria de recursos oriundos de tributações sobre o
patrimônio imobiliário correspondem a 3,5% (ou 1,06% do PIB), já as tributações que
incidem sobre o trabalho e consumo correspondem a 67,4% em 2012 (AFONSO; CASTRO,
2013). Esses impostos sobre o patrimônio imobiliário são o Imposto sobre Propriedade
Territorial Rural - ITR, o Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU e o Imposto sobre
Transmissão de Bens Imóveis - ITBI. Para nenhum desses tributos é obrigatório seu uso em
políticas urbanas, pois os impostos são pagamentos compulsórios sem a necessária
67
contrapartida. Esses são tributos diretos, arrecadados pelo Estado sob a forma de impostos
diretos do contribuinte, mas por sua baixa arrecadação e maior incidência sobre as menores
propriedades fundiárias e renda, o seu caráter regressivo fica evidente.
O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural é a única tributação sobre patrimônio
imobiliário recolhido anualmente pela União, por meio de Declaração remetida a Receita
Federal. É um tributo que incide sobre as propriedades fora do perímetro urbano dos
municípios e a distinção de alíquota depende do total da área (em hectares) e do grau de
utilização, que varia de 0,03 a 20%17
. A tributação da renda fundiária de pessoa física/jurídica
não está submetida a mesma tabela e correções do Imposto de Renda, ficando a renda do
trabalho com a maior incidência de tributação.
Tabela 1
Receitas com ITR.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Ano ITR Part. Total%
2006 535 0,09%
2007 581 0,08%
2008 685 0,09%
2009 623 0,10%
2010 678 0,09%
2011 736 0,09%
2012 761 0,09%
Fonte: Secretaria da Receita Federal.
Elaboração própria.
Na tabela acima, é possível perceber a baixa tributação que a propriedade rural possui
em nosso país. O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural obteve uma arrecadação de R$
4,6 bilhões entre os anos de 2006 a 2012. A variação de receita deste imposto ficou em torno
de 0,09% dos recursos arrecadados pela União por meio da Receita Federal18
. Diante da
desigualdade social e da concentração fundiária, o ITR possui um poder de arrecadação
ínfimo e está sujeito a alterações legais que contemplam com a desoneração as propriedades
fundiárias rurais, impactando o potencial de reforma agrária no país.
Outras fontes de tributação sobre propriedade fundiária, mas agora nas cidades, são o
IPTU e o ITBI. Ambas as tributações são de responsabilidade dos municípios. Afonso; Castro
17
Consulta das alíquotas do Imposto Territorial Rural, pelo endereço eletrônico
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/itr/2006/ITR2006ManualPreenchimentoDITR.pdf>. Acesso em
17 fev. 2014.
68
(2013) destacam que o Brasil é um dos poucos países da America Latina em que a
responsabilidade tributária e administrativa do solo urbano fica a cargo dos municípios e não
do governo federal, o que traz limites para a melhoria de desempenho do tributo.
O Imposto Predial e Territorial Urbano possui sua base de cálculo pelo valor venal do
imóvel que corresponde ao valor do terreno e da edificação, associado a localização do imóvel
(onde incidiria a progressividade do tributo). As alíquotas são definidas por cada município,
mas alguns estudiosos supõem 1% para propriedades com edificações, e 2% ou 3% para
aquelas sem elas. O IPTU foi instituído pela Constituição Federal de 1988 na perspectiva de
garantir justiça fiscal e estimular a função social da propriedade do solo urbano nas cidades
brasileiras. Segundo Salvador (2010), a progressividade dessa tributação não se efetivou,
tendo os trabalhadores que arcarem com uma parcela maior de sua renda para quitar o
pagamento do IPTU, pois nem sempre o preço do imóvel é proporcional à renda de seu
proprietário. A baixa receita deste imposto também está associada ao perfil ilegal do solo nas
cidades, como aponta Maricato (2011). A questão fundiária nos municípios é um nó para a
administração pública, com ausência de registros e regularização do uso e da ocupação do
solo, realidade que estimula a baixa função social da propriedade e a disseminação de vazios
urbanos, deixando para a classe trabalhadora o acesso precário e incerto à terra nas cidades. O
Estatuto das Cidades possibilita aos municípios a aplicação de IPTU progressivo aos
proprietários que não submeterem a propriedade uma função social, afim de coibir a
especulação imobiliária (CARVALHO.; ROSSBACH, 2010).
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis é uma tributação que incide sobre
transações de transferência de propriedades urbanas e rurais por ato oneroso. A alíquota é
definida por cada município, geralmente corresponde de 2% a 3% do valor do imóvel. É um
tributo vinculado as transações econômicas da propriedade, devendo o imóvel estar
legalmente registrado, diferentemente do IPTU que gera receita patrimonial aos municípios
sob imóveis nem sempre regularizados (AFONSO.; ARAÚJO.; NÓBREGA, 2013).
69
Seguindo a tendência que domina a carga tributária sobre propriedade fundiária,
percebemos a baixa tributação sobre o solo urbano nas cidades brasileiras. A arrecadação
advinda do IPTU representou em média 5,4% dos recursos arrecadados pelos municípios.
Mesmo com aumento dos valores arrecadados entre 2006 a 2012, onde dobrou o montante de
recursos de R$ 14,8 bilhões para R$ 20,7 bilhões, em termos comparativos ao montante de
receita dos municípios, 2012 com 5,34%, obteve um percentual menor do que 2006, de
6,33%. Se tratarmos do ITBI, houve aumento de recursos arrecadados, de R$ 3,2 bilhões para
R$ 7,8 bilhões, e do percentual em relação a receita dos municípios entre os anos estudados,
mas o montante de recursos advindos desta tributação continua ínfimo, cerca de 2% da receita
total dos municípios em 2012. Considerando a nova dinâmica do mercado imobiliário, o
aumento de volume nas transações financeiras (e financeirizadas), o aumento da produção e
do consumo do espaço pelo setor da construção civil, a renda fundiária apropriada pelo Estado
por meio da tributação do solo urbano, continua muito baixa, representando em média, os dois
tributos, 7,4% da receita arrecadada. Vale relembrar que o IPTU é uma das fontes de
arrecadação pelos municípios brasileiros, ao lado do Imposto sobre Serviço - ISS.
Diante os dados apresentados, percebemos que a carga tributária que incide sobre a
propriedade fundiária urbana e rural é fortalecida por uma lógica de tributação em que
predomina a regressividade e o ínfimo repasse de recursos ao fundo público. O padrão de
acumulação e concentração fundiária aprofunda a segregação socioespacial e a desigualdade
social no Brasil, o que inviabiliza/dificulta o acesso a terra urbanizada como forma necessária
19
Sistema da Receita Federal. Realizada pesquisa dos anos de 2006 a 2012. Resultado da arrecadação 2006,
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/ResultadoArrec/default.htm#>, acesso em 10 jun.
2014
Tabela 2
Receitas tributárias sobre patrimônio nos municípios: IPTU e ITBI.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Ano IPTU Part.total% ITBI Part. total%
2006 14.854 6,33% 3.272 1,39%
2007 16.700 5,62% 4.441 1,50%
2008 17.059 5,13% 5.224 1,57%
2009 17.479 5,36% 5.022 1,54%
2010 20.148 5,20% 6.725 1,74%
2011 20.352 5,30% 7.461 1,94%
2012 20.786 5,34% 7.888 2,03%
Fonte: Consolidação Contas Públicas – Municípios, STN19
.
Elaboração própria.
70
a reprodução da força de trabalho, restando moradias periféricas, precárias, adensadas e de
alto custo aos trabalhadores.
O relatório publicado pela Relatoria Especial das Organizações das Nações Unidas
Rolnik, (2012), destaca que o modelo predominante para a política de moradia no mundo é o
financiamento como meio para fomentar a propriedade da moradia. A relatoria sugere a
mudança para o modelo da moradia adequada na perspectiva dos direitos humanos. Desde
1970, a maioria dos países optou em promover o mercado imobiliário e a propriedade privada,
privatizar os programas de moradias sociais e desregulamentar o mercado de financiamento
de moradias. O acesso ao crédito e ao financiamento imobiliário é onde se centra a crítica da
relatoria, pois o acesso a moradia requer promoção pública a segmentos pobres da população
e a desmistificação da propriedade privada como única forma de posse da moradia.
O relatório elenca três modalidades de financiamento de moradia: mercado
hipotecário, as subvenções destinadas a demanda e o microfinanciamento de moradia. Nos
países latinos, e no Brasil em particular, há a predominância da subvenção a moradia como
estratégia de acesso. Destaca-se que essas modalidades de financiamento são dinamizadas
pelo mercado, cabendo ao Estado ser o facilitador, apoiando o mercado, minimizando os
riscos e garantindo as condições legais para que os trâmites ao financiamento ocorram entre
compradores e mercado imobiliário.
Segundo Rolnik, “a subvenção destinada a demanda é compreendida como “meio para
ampliar o mercado de moradia formal promovido pelo setor privado, mobilizando recursos
públicos para os possíveis compradores, com o objetivo de reduzir a intervenção
governamental” (ROLNIK, 2012, p. 12, tradução própria). O que justificaria este programa é
a possibilidade de famílias pobres em financiar suas moradias no mercado formal com seus
salários, crédito imobiliário inicial, empréstimo subvencionado pelo governo e renúncias
fiscais. Contudo, este tipo de financiamento possui alguns entraves, principalmente pela falta
de planejamento urbano pelo Estado e pelo aumento de recursos disponibilizados as
subvenções ao mercado imobiliário, provocando o crescimento do preço da moradia e da
terra, dificultando o acesso as famílias pobres, a periferização dos empreendimentos e a
precarização das condições de vida da população atingida. Outros problemas são o caráter
seletivo e os complexos critérios de elegibilidade para acesso aos programas, dificuldades em
arcar com as prestações e o baixo empréstimo para financiar a moradia, tomado pela
população pobre.
Propor moradia adequada na perspectiva dos direitos humanos requer pensar a
promoção da habitabilidade da moradia, da sua localização, do acesso a infraestrutura e
71
serviços, segurança da posse (ou regularização fundiária), a não discriminação no acesso. Os
programas de subvenção a moradia da população pobre, fez surgir “o problema da população
com moradia” (ROLNIK, 2012, p. 17). Essas questões trazidas pela relatoria especial, no que
tange a mercantilização da moradia é a principal forma de acesso a política habitacional que
temos no país. Para isso, temos a disponibilização de recursos de diferentes fontes.
A carga tributária sobre o patrimônio advinda de tributos como ITR, IPTU e o ITBI
não são fontes diretas de recursos para as políticas urbanas, como sinalizado anteriormente.
Para viabilizar o financiamento da habitação, por exemplo, são requisitadas outras fontes de
recursos, tais como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo - SBPE, as emendas parlamentares e os recursos alocados nos fundos
via orçamento geral, entre outras.
O Estado possui papel de destaque na conformação de infraestrutura física e social nas
cidades. Lojkine (1979) ao debater o papel do Estado na urbanização capitalista, afirma que as
cidades não são fenômenos autônomos às leis do desenvolvimento capitalista, não se pode
dissociá-las das medidas tomadas pelo capital para socializar as condições gerais de produção,
cuja urbanização é componente essencial, ao passo que concentra a propriedade fundiária e de
produção. O capital subordina o financiamento público em equipamentos coletivos aos
imperativos monopolistas, permitindo que os agentes imobiliários20
se apropriem de parte da
renda fundiária urbana promovida pela melhoria do solo.
Os padrões de desenvolvimento da proteção social e de reformas operadas nos países
centrais não se efetivaram em nosso país, devido a várias condições históricas. Ainda hoje,
revindicamos o óbvio como as reformas agrária e urbana, que permanecem como pauta de
lutas nas agendas dos movimentos sociais do campo e da cidade. A subordinação aos
interesses do capitalismo central faz com que a sociedade brasileira mantenha os elementos de
hierarquização do espaço social, onde a verticalização das relações sociais permeia todos os
aspectos dessa sociedade Chauí (2001). As desigualdades econômicas, sociais e políticas entre
as classes reforçaram historicamente as relações de subserviência e de favor.
Sobre o clientelismo na política urbana, Maricato (2011) destaca o papel das emendas
parlamentares21
na definição de recursos, que entre 2003 e 2005 correspondiam a 50% do
20
Dados disponíveis no sítio eletrônico do Tesouro Nacional no Consolidado no relatório de Consolidação das
Contas Públicas de 2000 a 2012. Agradeço ao profº Evilásio Salvador pelo auxilio a pesquisa desses dados
disponíveis:<https://www.tesouro.fazenda.gov.br/pt/contabilidade-publica/principais-publicacoes/relatorios>,
acesso em 24 fev. 2014. 21
O agente social que exerce a função de proprietário fundiário nas cidades é o “agente e construtor imobiliário,
que compra, vende, equipa o terreno urbano e aluga os locais comerciais aos agentes capitalistas” (LOJKINE,
1979, p. 85).
72
orçamento destinado ao Ministério das Cidades. Além do caráter disperso e fragmentado das
emendas parlamentares, a autora aponta os obstáculos que elas trazem ao planejamento
urbano. O mercado imobiliário, por envolver atividades que impactam a economia e a política
nacional, tem seus interesses expressados no jogo político, e por meio das emendas
parlamentares, que destinam recursos para obras de infraestrutura física e social, tem-se uma
de suas fontes de influência e financiamento.
O Estado, ao intervir em políticas sociais, participa no processo de rotação do capital
mediante investimentos na produção e na obtenção de dívida pública via empréstimos
aplicáveis em determinada política social.
Desde a criação do Banco Nacional e Habitação, em 1966, o modelo de financiamento
habitacional no Brasil possui, como pilar, dois instrumentos que são os recursos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos, ambos
regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH, Cardoso (2013). Os recursos captados
pelo SFH teriam que destinar recursos para a política habitacional, conformando um “modelo,
que continua em vigor, de criação de instrumentos de captação de poupanças privadas
(voluntárias ou compulsórias), remuneradas a baixas taxas de juros, as garantidas pelo
governo federal contra a inflação e contra a possível falência os agentes financeiros”
(CARDOSO, 2013, p. 18).
O FGTS22
possui como agente operador a Caixa Econômica Federal gestor de
aplicações o Ministério das Cidades (criado em 2003), e controlador o Conselho Curador do
Fundo, tendo na execução da política urbana por meio da habitação social, saneamento e
infraestrutura urbana, o componente de suas ações. O SBPE possui como fonte de recursos a
caderneta de poupança administrada por bancos públicos e privados e o público-alvo é a
produção habitacional para classe média. Com a extinção do Banco Nacional de Habitação
BNH em 1986, a política urbana sofreu com a redução na destinação de recursos públicos,
contando apenas com os recursos do FGTS e do SBPE que sofreram com inúmeras mudanças
legais, particularmente para adaptá-lo a realidade macroeconômica e as exigências do capital.
Mas também diante das crises econômicas e do desemprego, essas duas fontes de recursos,
sensíveis a tais situações, passando por diversas oscilações no volume de recursos e produção
habitacional desde 1987.
22
Visto o quantitativo de emendas parlamentares propostas e aprovadas no Congresso desde 2006 que atingiria o
setor da construção civil, a diversidade de objetos e restrita transparência dos dados, nós optamos a priorizar
a análise da base de financiamento da habitação via recursos de fundo público, deduzidas as emendas
parlamentares.
73
Durante toda a década de 1990, foram criadas iniciativas com visto a retomar o
financiamento habitacional no país. O Estado recorreu a empréstimos internacionais com
organismos multilaterais, como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, para aplicar
em determinados programas da política urbana, principalmente de urbanização de
assentamentos precários. Essa medida aprofundou a instabilidade política, a fragmentação de
ações e baixa cobertura das iniciativas, além das intervenções das agências sobre o alcance e
metas dos programas que eram então por eles financiados.
Outras iniciativas foram a viabilização de Carta de Crédito, de recursos alocados no
Programa de Arrendamento Residencial - PAR e de instrumentos de autofinanciamento
habitacional promovidos pelas empresas da construção civil. Cardoso (2013) destaca que a
crise do financiamento habitacional trouxe a possibilidade de consolidação de empresas da
construção civil por meio da diversificação de segmentos, aprimoramento de gestão do
trabalho e de matéria-prima, germinando um padrão produtivo útil na fase de reestruturação
do mercado imobiliário.
No ano de 2003 foi criado o Ministério das Cidades, que pretendia centralizar
programas e recursos para o desenvolvimento urbano. A estrutura para financiamento
habitacional contaria com o Sistema Nacional de Mercado, destinado a produção habitacional
para as camadas de renda média e financiado com recursos do FGTS e SBPE. A promoção
pública de moradia ficaria a cargo do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social,
financiado com recursos do orçamento geral e outras fontes não onerosas. Maricato (2011;
65) cita o conjunto de fundos que também financiam a habitação e além do FGTS e SBPE,
temos o Fundo de Arrendamento Residencial, o Fundo de Desenvolvimento Social, o Fundo
de Apoio ao Trabalhador - FAT e os recursos alocados no orçamento geral da união - OGU.
Do período inicial de criação do Ministério das Cidades ao lançamento do Programa
Minha Casa Minha Vida, algumas alterações foram percebidas no que tange ao financiamento
habitacional, particularmente sobre os dois programas sobre os quais esta pesquisa se debruça.
A primeira refere-se ao Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social que, tensionado
pelas crises econômicas, teve seu foco de intervenção direcionado a promoção de
infraestrutura urbana, particularmente as promovidas no âmbito do Programa de Aceleração
do Crescimento. Outra foi o dinamismo dado ao Programa Minha Casa Minha Vida para a
produção habitacional, contando com uma série de fontes de recursos, não dependendo de
uma só fonte, como o FNHIS. Mais o maior destaque foram os incentivos promovidos ao
mercado imobiliário.
74
Segundo Maricato (2011), os investimentos em habitação, no período de 2003 a 2009,
foram de R$68 bilhões e incluíam diversas ações, desde requalificação habitacional até
produção e contava com múltiplas fontes de financiamento. Dados do DIEESE (2012, p. 9)
informam que os financiamentos imobiliários com recursos do FGTS e do SBPE, em 2012,
significaram R$ 121 bilhões e contratação de 1 milhão de unidades habitacionais. Ao analisar
os investimentos com recursos do FGTS, exposto pelo DIEESE, percebemos que houve uma
queda de 10% das operações de contratos, e a elevação no número de unidades habitacionais e
do valor das contratações, isto é, menores contratações, mas em contrapartida temos
financiamentos mais caros e concentração de unidades habitacionais num mesmo
empreendimento. Mesma tendência tem tido o financiamento habitacional com recursos do
SBPE, com queda de 8,05% no montante de unidades habitacionais e encarecimento dos
contratos.
Na tabela abaixo, destacamos o volume de recursos e de unidades habitacionais
financiadas pelo SBPE entre os anos de 2006 a 2012.
Tabela 3
Financiamento habitacional pelo SBPE e Unidades habitacionais construídas.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Ano SBPE
Unidades Habitacionais
(mil)
Valor unitário das
UH mil (R$)
2006 14.561 114 128
2007 28.213 196 144
2008 43.800 300 146
2009 44.602 303 147
2010 72.387 421 172
2011 97.501 492 198
2012 93.060 453 205
R$ total 394.123 2279 60,84%
Fonte: Banco de Dados - CBIC (2013).
Elaboração própria.
Notamos que houve um aumento substancial no volume de recursos destinados ao
financiamento habitacional, que em 2006 girava em torno de R$ 14,5 bilhões e em 2012
passou a R$ 93,0 bilhões. Em valores totais, foram financiados R$ 394,1 bilhões com recursos
do SBPE. Em relação a produção e aquisição de unidades habitacionais, houve aumento no
número de unidades, mas seguindo a tendência de valorização imobiliária, ou seja, o
financiamento por UH ficou mais caro cerca de 60%.
75
Sobre o financiamento habitacional com recursos do FGTS, destacamos as
contratações com recursos do fundo para habitação e em programas de habitação popular.
Entre as áreas de contratação, houve oscilações entre habitação popular, fundo de
arrendamento residencial e operações especiais – habitação. Por programas de habitação
popular é considerado as cartas de crédito23
individuais e de associações, apoio à produção24
,
pró-moradia25
e pró-cotista26
.
Com base no financiamento habitacional com recursos do FGTS, elencamos os valores
e quantitativo de unidades habitacionais no período de 2006 a 2012.
Tabela 4
Financiamento habitacional pelo FGTS e Unidades habitacionais construídas.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Ano FGTS
Unidades
Habitacionais (mil)
Em mil
(R$) UH
2006 10.886 408 27
2007 10.573 333 32
2008 15.400 285 54
2009 20.764 396 52
2010 35.666 666 54
2011 41.755 550 76
2012 40.461 515 79
R$ total 175.505 3153 194,45%
Fonte: Banco de Dados - CBIC (2013).
Elaboração própria.
Os dados nos demonstram a elevação do montante de recursos para o financiamento
habitacional para diversos programas. Em 2006, eram R$ 10,8 bilhões e em 2012, foram R$
40,4 bilhões. Em relação o quantitativo de unidades habitacionais, a partir de 2010, houve
aumento. Em termos comparativos, o FGTS segue a tendência do financiamento habitacional
do SBPE, onde há o aumento do valor unitário das unidades habitacionais de forma
substancial para atender os interesses do mercado imobiliário em expansão. Se somarmos de
2006 a 2012 o montante de recursos disponibilizados para habitação por esses dois
instrumentos de captação, alcançaremos R$ 569,6 bilhões e o financiamento de 5.432.000
unidades habitacionais.
23
A Legislação que dispõe sobre o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço é a Lei 8.036 de 11 de maio de 1990.
76
Entre os programas vinculados à habitação popular que possuem o objetivo de
produção habitacional e urbanização de assentamento precário à população mais atingida pelo
déficit habitacional (até 5 salários mínimos e correspondente a 90% do déficit), identificamos
os Programas de Apoio à Produção e o Programa Pró-Moradia. Entre os anos de 2006 a 2012,
a urbanização de assentamentos precários teve R$ 4,2 bilhões (3,3%) de recursos, atingindo
47.694 (1,5%) unidades habitacionais, mas com queda de participação nos recursos, chegando
a 2012 a 1%. Já a produção habitacional vem crescendo na destinação de recursos do FGTS,
onde em 2006 possuía 1% e em 2012 está com 53%. Foram alocados R$ 57,5 bilhões (33%),
correspondendo a 997.099 (18,3%) unidades habitacionais, com destaque para a produção
após os anos 2010. Se em 2006 eram produzidas 1.500 UH, em 2010 o número chegou a 359
mil.
O financiamento habitacional também é acompanhado por desonerações fiscais. Essas
desonerações atingem o setor da construção civil. Recorrendo aos relatórios de sobre gastos
tributários da Receita Federal do Brasil27
, identificamos como se desenvolvem as
desonerações sobre a habitação. Por gasto tributário, consideram-se “gastos indiretos do
governo realizado por intermédio do sistema tributário, visando atender objetivos econômicos
e sociais” (RFB, 2011, p. 13).
Segundo Salvador, “esses gastos tributários são operacionalizados por meio do fundo
público e implicam na redução da base de incidência de tributos sobre a renda do capital e
24
As cartas de crédito financiadas com recursos do FGTS se dividem em associativa COHAB, associativa
entidade e individuais. Entre as modalidades temos a produção de unidades habitacionais; complementação de
demanda; produção de lotes urbanizados; compra material de construção, aquisição, ampliação, construção de
terreno/imóvel e compra de imóvel novo e usado (Banco de Dados – CBIC, 2013).
25
O Programa de Apoio à Produção de Habitações tem por “objetivo destinar recursos financeiros para a
produção de empreendimentos habitacionais ou para reabilitação de imóveis urbanos, voltados à população-alvo
do FGTS, por intermédio de financiamentos concedidos a pessoas jurídicas do ramo da construção civil”.
Disponível em: <http://www.fgts.gov.br/programa_apoio_habitacao.asp>. Acesso em 20fev. 2014.
26
O Programa Pró-Moradia “visa oferecer acesso à moradia adequada à população em situação de
vulnerabilidade social e com rendimento familiar mensal preponderantemente de até R$ 1.395,00”. Disponívem
em:<http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/assistencia_tecnica/produtos/financiamento/pro_morad
ia/index.asp>. Acesso em 20 fev.2014)
26
O Programa Pró-Cotista tem por objetivo “destinar recursos financeiros para a concessão de financiamentos de
imóveis residenciais situados em áreas urbanas, exclusivamente para trabalhador titular de conta vinculada do
FGTS, observadas as condições do Sistema Financeiro da Habitação - SFH e de utilização do FGTS para a
aquisição de moradia própria”. Disponível em: <http://www.fgts.gov.br/procotista.asp>. Acesso em 20 fev. 2014.
27
A Receita Federal disponibiliza uma série de relatórios que dispõem sobre renúncias fiscais e desonerações.
RFB. Demonstrativo de Gastos Tributários, Estimativa Base Efetiva : 2008. Brasília: Ministério da Fazenda,
2011; RFB. Demonstrativo de Gastos Tributários, Estimativa Base Efetiva : 2010. Brasília: Ministério da
Fazenda, 2013. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Arrecadacao/RenunciaFiscal/default.htm>.
Acesso em 27 fev. 2014.
77
viabilizam o financiamento integral ou parcial dos meios de produção, facilitando a
reprodução do capital” (SALVADOR apud SALVADOR; TEIXEIRA, 2012, p.3). Os dados
apontam que os gastos tributários em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) corresponderam
a 3,10% entre os anos de 2006 a 2012, representando cerca de R$ 146 bilhões apenas em
2012.
Segue informações na tabela abaixo.
Tabela 5
Gasto tributário em habitação.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Ano Função Habitação PMCMV
2006 2.117 -
2007 4.218 -
2008 5.914 -
2009 5.159 16
2010 6.191 384
2011 7.325 528
2012 7.521 624
R$ 38.445 1552
Fonte: Informações de Renúncia da Receita Federal.
Elaboração própria.
Os gastos tributários relacionados a habitação, obtiveram uma média de 5% em
relação ao montante total das desonerações. Observando a função orçamentária habitação,
destacamos que, entre os anos de 2006 a 2012, contava com as seguintes modalidades de
gastos: Operações de crédito com fins habitacionais, associação de poupança e empréstimo,
cumulatividade do Programa de Integração Social - PIS e a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social - COFINS para construção Civil e caderneta de
Poupança do Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF. A partir do ano de 2009, foi incluída a
modalidade Minha Casa Minha Vida, mas para fins deste estudo, suprimi este item do cálculo
total da função para que fossem visualizadas suas renúncias de forma mais destacada. No ano
de 2006, os gastos foram de R$ 2,1 bilhão, e em 2012, os valores aumentaram para R$ 7,5
bilhões, representando cerca de 257% de aumento e um acumulo de R$ 38 bilhões em
desonerações. Este aumento de desoneração foi fortemente influenciado pela modalidade de
gasto de cumulatividade de PIS-COFINS a construção civil, com clara relação as medidas que
beneficiam o mercado imobiliário.
Já os gastos tributários destinados ao Programa Minha Casa Minha Vida envolviam,
entre os anos de 2009 a 2012, os seguintes tributos: imposto de renda e provimentos de
78
qualquer natureza para pessoa jurídica - IRPJ; Contribuição Social para Pis-Pasep;
Contribuição Social sobre Lucro Liquido – CSLL e Contribuição para Financiamento para
Seguridade Social – COFINS. Os gastos tributários em 2009 eram de R$ 16 milhões,
chegando a 2012 a R$ 624 milhões, representando um aumento de 3.800%. Cabe destacar o
aumento vertiginoso das desonerações, que além de reduzir os possíveis investimentos na
habitação, atingiram o orçamento da Seguridade Social, como a CSLL e o COFINS, somando
em renúncias R$ 40 bilhões.
Os dados acima se relacionam com os incentivos ao mercado imobiliário que foram
conduzidos pelo governo para garantir o processo de reestruturação do setor. Entre as medidas
estavam a ampliação da oferta de crédito habitacional com recursos do FGTS, devido as
mudanças legais para reduzir custos de financiamento habitacional, com subsídio direto a
pessoa física de menor renda; o saque de recursos em intervalos de 4 anos para aquisição ou
amortização de dívida habitacional e flexibilização de regras para acesso aos recursos do
fundo (CARDOSO, 2013, 2011). Outra medida foi a aprovação da medida provisória
252/2004 que viabilizou a renúncia fiscal ao setor por meio de isenção do imposto de renda na
alienação de imóveis residenciais, Cardoso (2011) para aquisição de outro imóvel e a redução
do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI sobre material de construção (DIEESE,
2012). O Governo Federal pressionou os bancos privados a investirem 65% dos recursos
arrecadados do SBPE em produção habitacional, e em contraparida os bancos obtiveram um
aporte jurídico que lhes dava maior segurança para investir no setor. Algumas das medidas
possibilitavam a retomada do imóvel diante do não pagamento, e pagamento compulsório do
mutuário mediante seu questionamento do rejuste das prestações Maricato (2011). Houve
também a desoneração da folha de pagamento como estratégia para reduzir os custos
previdenciários, em que se atribuiu uma quota de 1% a 2% sobre o faturamento como forma
de substituir a contribuição previdenciária patronal. Segundo (DIEESE, 2012, p.20), essa
medida implicará numa renúncia de R$ 25 bilhões até 2014. Outras medidas envolvem a
desoneração energia da elétrica do setor; a redução da taxa de juros para a aquisição de bens
de capital e a viabilização de concessões para infraestrutura e malhas viárias.
Outra medida relacionada às desonerações ao mercado imobiliário envolve a renúncia
de 100% dos tributos federais as empresas da construção civil que possuam contratos para a
execução de obras vinculadas aos megaeventos esportivos no Brasil. Relembrando que essas
empresas estão envolvidas em outras obras de infraestrutura, recebendo recursos do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES através de parcerias público-
privadas. Elas também lideram a reestruturação do mercado imobiliário e as aplicações em
79
ações na Bolsa de Valores. Entre as empresas estão a Construtora Norberto Odebrecht,
Camargo Correia S.A, Grupo OAS, Grupo Andrade Gutierrez S.A, Grupo Queiroz Galvão e a
Carvalho Hosken S.A.
Segundo Salvador e Teixeira (2012), os dados orçamentários referentes ao
financiamento das políticas sociais possuem restrito sistema de informações, dificultando o
controle democrático. O caráter regressivo da base de financiamento das políticas sociais e as
inúmeras medidas de desonerações tributárias fazem que o estudo do orçamento público se
centre na execução orçamentária. Considerando os tributos patrimoniais, os dados relativos a
emendas parlamentares e as desonerações tributárias concedidas ao capital, percebemos a
fragmentação dos dados, a incompatibilidade de valores e a ausência de dados para que seja
possível o acompanhamento da base de financiamento das políticas sociais e, paralelamente,
seu controle democrático.
A definição de iniciativas para a desoneração tributaria está fortemente relacionada a
medidas econômicas tomadas pelo Estado para beneficiar o capital. É sob deste mítico
“caráter econômico” das desonerações, que estas iniciativas não são submetidas ao controle
democrático sobre a decisão de quais setores serão beneficiados com tais renúncias. Assim,
sob alegações tecnicistas e econômicas, “subverte-se a democracia em busca de negar a
socialização da política e exacerbar a concentração de poder do Estado e do capital”
(SALVADOR; TEIXEIRA, 2012, p.11).
2.3 O orçamento público da habitação social: o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse social e o Programa Minha Casa Minha Vida no contexto da crise do capital
A década de 1990 marcou a entrada do Brasil na adoção de uma política
macroeconômica de viés neoliberal, orientada aos ajustes e a estabilização econômica. Nesse
contexto, as reformas estruturantes, ou contrarreformas do Estado, Behring (2003) são tidas
como inevitáveis, no contexto de reestruturação produtiva e mundialização. A estabilização
econômica, estratégia econômica e política de combate a inflação, teve suporte de agencias
financeiras internacionais no papel de renegociar a dívida pública e a viabilização de acordos
para efetivação dos empréstimos. A alta taxa de juros beneficiava o capital financeiro e
rentista e agravava o endividamento público, exigindo a tomada de percentuais de superávit
primário cada vez maiores (BEHING, 2003, p. 160). O Estado, por meio de “reformas” e
80
ajustes, possibilita incentivos de liberalização e desregulamentação comercial e privatizações
para assegurar a competitividade e manter a credibilidade externa e interna (IAMAMOTO,
2008).
O reflexo da contrarreforma do Estado foi o alargamento das desigualdades sociais e a
concentração de renda. A restrição de investimentos em políticas sociais e a focalização dos
programas, a escalada do desemprego e a flexibilização/precarização dos contratos de
trabalho. As iniciativas no campo do progresso tecnológico caminham ao lado de medidas de
restrição de direitos sociais e trabalhistas, atribuindo maior esforço aos países periféricos no
que tange a transferência de excedentes de valor e a criação condições favoráveis ao capital
financeiro (MOTTA; AMARAL; PERUZZO, 2012).
No contexto de restrição de direitos sociais, o orçamento público expressa de forma
contundente as estratégias da classe dominante para a apropriação do fundo público com vista
ao fortalecimento do capital. Sobre o planejamento orçamentário, a Constituição Federal de
1988 elegeu um conjunto de instrumentos no campo das finanças públicas na perspectiva de
recuperar a função de planejador do Estado na articulação de plano e orçamento, a unificação
orçamentária e o resgate da ação do legislativo sobre matéria orçamentária Salvador (2010).
Entre as peças orçamentárias estão o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes
Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA. Além dessas, há o Balanço Geral
da União - BGU e o relatório do Tribunal de Contas da União – TCU que são instrumentos
que informam a prestação de contas e propõem recomendações à execução orçamentária.
Assim o ciclo orçamentário é comporto por instrumentos de planejamento das finanças
públicas no âmbito das receitas e despesas alocadas no orçamento público, composto pelo
Plano Plurianual, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pela Lei Orçamentária Anual,
Salvador (2010)
O Plano Plurianual (PPA) se define como um plano de governo, contendo estratégias e
diretrizes gerais a serem executadas nos 4 anos de gestão. Analisaremos os PPA’s 2004-2007,
2008-2011 e 2012-2015, por envolverem os anos de pesquisa, de 2006 a 2012, e as
orientações gerais dos governos sob a gestão do Partido dos Trabalhadores - PT, com foco nas
medidas que atingem a política de habitação.
No estudo feito pelo GOPSS28
(2013, p. 2), foi analisada a política social por meio dos
Planos Plurianuais dos últimos 10 anos. Segundo este estudo, a política econômica
28
Grupo de Estudo e Pesquisa do Orçamento Público e da Seguridade Social, grupo de pesquisa no âmbito da
Faculdade de Serviço Social da UERJ e que vem analisando a economia política brasileira, com ênfase no estudo
sobre fundo público e as políticas sociais, particularmente a seguridade social.
81
desenvolvida a partir dos anos 2000 se alicerça sobre o tripé superávit primário, cambio
flutuante e metas inflacionárias. Diante da crise econômica de 2008, o Estado brasileiro
utilizou os gastos públicos para impulsionar os investimentos na economia voltados ao
incentivo do consumo de massa, do gasto público com infraestrutura e estímulo ao crédito,
como o Programa Minha Casa Minha Vida, são alguns dos exemplos. Mesmo remetendo a
medidas anticíclicas para estimular os investimentos e o consumo, não tem tido o êxito em
ternos de crescimento, com taxas abaixo dos demais países emergentes.
Entre os Planos Plurianuais 2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015 há linhas gerais que
os relacionam, que envolvem o crescimento econômico, estabilidade econômica e consumo de
massa, amparado pela justiça social e a redução da pobreza. No entanto, a política
macroeconômica centrada na estabilidade e nos ajustes fiscais impactam as políticas sociais
tornando-as focalizadas (GOPSS, 2013, p. 5). Teve destaque nos PPA’s o papel da
participação social na contribuição para “traçar um rumo estratégico para o planejamento”,
com forte discurso da justiça social como alavanca para o crescimento, este construído por
meio de consensos sociais e articulado com projetos internacionais. Há o chamamento da
classe trabalhadora brasileira para contribuir para o crescimento econômico, assumindo os
riscos deste com perda de direitos, enquanto o capital e os governos de plantão deliberam o
destino da economia e os reais beneficiários dos investimentos em curso.
Nos PPA’s estudados há destaque aos investimentos em infraestrutura econômica e
social, financiada com recursos dos bancos públicos e de incentivos ao setor privado. No
decorrer do planejamento do governo e sua adequação as medidas voltadas ao crescimento
econômico, a habitação, paulatinamente, vem sendo encarada como programa do âmbito da
infraestrutura e não de agenda social, onde constava as demais políticas sociais.
No PPA 2004-2007, os programas do megaobjetivo I “inclusão social e redução das
desigualdades” envolviam as políticas de seguridade social, habitação entre outras. O plano
elencou também 16 metas prioritárias, sendo para a habitação, a meta de reduzir o déficit
habitacional em 25% por meio de financiamento ou apoio a produção de 1,2 milhões de
moradia e a regularização fundiária de 750 mil famílias pobres.
O PPA 2008-2011 se desenvolve em meio a crise econômica mundial, o que
influencia a tomada de medidas anticíclicas pelo Estado, tendo o Programa de Aceleração do
Crescimento destaque nesse plano. Estavam previstos investimentos em logística, energia e
infraestrutura social e urbana no montante de R$ 500 bilhões. A infraestrutura social urbana
corresponderia a R$ 170 bilhões dos recursos. Para a habitação, o PAC previa R$ 56 bilhões,
financiados pelo orçamento fiscal e da seguridade social (R$ 10 bilhões), pelo FGTS e Fundo
82
de Amparo ao Trabalhador - FAT (R$ 36,5 bilhões) e pela contrapartida de estados e
municípios (R$ 9,3 bilhões). Esses investimentos beneficiariam 3,9 milhões de pessoas em
programas de melhoria e produção de moradia e a urbanização de assentamentos precários
(BRASIL, 2007, p. 26). O PPA propunha o estímulo ao crédito habitacional e ao crédito para
investimentos em infraestrutura por meio de medidas como:
a) a concessão pela União de crédito à Caixa Econômica Federal (CEF) para
aplicação em saneamento e habitação (R$ 5,2 bilhões);
b) a ampliação do limite de crédito do setor público para investimentos em
saneamento ambiental e habitação (R$ 7 bilhões);
c) a criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do FGTS
(R$ 5 bilhões);
d) a elevação da liquidez do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) (BRASIL,
2007, p. 30).
A estrutura do PPA 2008-2011 está dividida em dimensão estratégica e dimensão
tático-operacional. Entre os 10 objetivos do governo, não consta nenhum relacionado a
política habitacional, limitando-se a citar como objetivo “a implementação de uma
infraestrutura eficiente e integradora do território nacional” que contaria com 41 programas,
representando 13% do total de programas (BRASIL, 2007). A alocação dos recursos foi
repartida em grandes setores, ficando a habitação incluída no setor de infraestrutura social e as
demais políticas sociais no setor da área social. Os grandes setores de infraestrutura
econômica, infraestrutura social e administração somaram 30% dos recursos (BRASIL, 2007,
p. 52). O PPA elencou também 19 metas prioritárias do governo, cabendo a habitação a meta
de construção e melhoria de moradia e urbanização de assentamentos precários para 3,9
milhões de pessoas.
A estrutura do PPA 2012-2015 segue o seu antecessor, dividido em dimensão
estratégica e dimensão tático-operacional. No âmbito da dimensão estratégica, são elencados
11 macrodesafios que orientarão as políticas públicas, entre eles o de infraestrutura que
pretende “expandir a infraestrutura produtiva, urbana e social de qualidade, garantindo a
integração do território nacional e do país com a America Latina” (BRASIL, 2011, p. 77).
Neste PPA, a definição de recursos a serem investidos seria planejada não mais sobre a
descrição de programa finalísticos, mas conforme 4 grandes áreas temáticas: a Social, a de
Infraestrutura, a Desenvolvimento produtivo e ambiental e Especiais. Os programas de
planejamento urbano e de habitação foram fragmentados entre as áreas temáticas. As Políticas
Sociais ficaram responsáveis pelo Planejamento Urbano, que envolve a regularização
83
fundiária e a implementação de instrumentos de gestão como os planos diretores. Já nas
Políticas de Infraestrutura ficaram o programa de Moradia Digna, Saneamento e Mobilidade
Urbana, que tinha como meta, na área da moradia, a melhoria e produção de unidades
habitacionais sociais, urbanização de assentamentos precários e ampliação de crédito
imobiliário via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. A área de Infraestrutura contou
com R$1.194 trilhões (26%) dos recursos alocados e a área de Política Social ficou com 56%.
Os programas de habitação nos Planos Plurianuais ficaram relacionados aos
programas finalísticos29
ou aos Programas Temáticos e apresentavam o montante de recursos
a serem investidos na habitação (bem como nas demais políticas públicas) e o recurso total
direcionado ao conjunto dos programas para o período.
Tabela 6
Metas de recursos para o programa Habitação nos Planos Plurianuais.
Em valores correntes.
PPA
Habitação
(em milhões) part.total%
Programas finalísticos/área
temática (Em bilhões) part.total%
2004/2007 21 1,2% 1609 90,2%
2008/2011 76 2,2% 2892 82,0%
2012/2015 389 7,2% 4530 83,6%
Fonte: Brasil (2003,2007 e 2011).
Elaboração própria
Percebemos na tabela acima, o crescimento de alocação de recursos no programa de
habitação, que no PPA de 2004-2007 correspondia a 1,2% dos recursos alocados para os
programas finalísticos. No PPA 2012-2015, o montante chegou a 7,2% para habitação. Outro
destaque foi o aumento dos recursos direcionados a programa de apoio as políticas públicas,
destinados a gestão e administração dos serviços ao Estado, que no último PPA representou
cerca de 16,4% dos recursos totais. Esses dados demonstram o direcionamento da política
habitacional para o crescimento econômico e o esforço em centralizar recursos de diferentes
fontes para sua efetivação, ao passo que a “reforma” do Estado e as sucessivas privatizações
não “enxugaram” a máquina pública, como preconizado, demandando mais recursos
destinados a gestão. No PPA 2004-2007, o megaobjetivo I concentrava R$ 1trilhões (56,8%)
do total de recursos. A habitação representava cerca 1,2% dos recursos do montante de 90%
29
Os Programas Finalísticos são definidos no PPA como aqueles em que: “a) sua implementação são ofertados
bens e serviços diretamente à sociedade e são gerados resultados passíveis de aferição por indicadores”
(BRASIL, 2007, p. 50).
84
para os programas finalísticos. Já no setor da construção civil, programa do megaobjetivo II,
foi alocado R$ 189 bilhões (10,6% do total dos recursos) para infraestrutura econômica. No
PPA 2008-2011, a infraestrutura social envolveu R$ 113,8 bi, havendo destaque a produção
de habitação urbana (cerca de 67% do programa) e de saneamento básico (19%). Contudo,
R$90 bi foram oriundos de recursos não orçamentários como parcerias, agências de crédito e
fundos, como Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço (FGTS) (BRASIL, 2007, p. 54). No PPA 2012-2015, os recursos destinados ao
Programa Moradia Digna representaram R$389 bilhões, isto é, 32% dos recursos totais
destinados a área temática de infraestrutura social e abarcam o Programa Minha Casa Minha
Vida. Para habitação, há estimativa de construção de 2 milhões de moradias; e para a
mobilidade urbana, o Programa de Transportes ficará com 9,8% dos recursos, basicamente
destinados a mobilidade urbana para os grandes eventos esportivos que ocorrerão no país até
2016.
2.3.1 O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social: a promoção pública de habitação
social no Brasil
A historia do acesso a moradia por segmentos da classe trabalhadora no Brasil, sempre
esteve relacionada à autoprodução, à mercantilização e à ocupação ilegal do solo, sendo
poucas as iniciativas no âmbito da promoção pública com efeito contínuo e de relativa
cobertura para atender demandas por habitação social adequada. Maricato (2001) destaca que
a falta de alternativa habitacional impôs a forma de estar na cidade por segmentos dos
trabalhadores, e alerta que enquanto esta for a alternativa para a maior parte da população, o
Estado e o mercado não alterarão suas formas de intervenção, orientada a especulação, a
mercantilização e a política habitacional focalizada e fragmentada.
Diante deste fato, destacamos a importância da institucionalização de um sistema30
organizado em nível nacional e disposto a criar alternativas habitacionais, distintas daquelas
30
Em que pese as críticas sobre a criação de sistemas para a organização de algumas políticas sociais,
principalmente, as que envolve a falta de critérios que contemplem a diversidade regional, a diminuição de
autonomia dos entres federados em relação os indicadores e regras de adesão e centralização das decisões
sobre o sistema a União. Considero um avanço em termos institucionais a constituição desses sistemas na
perspectiva de reduzir, mesmo que ainda periférica, a fragmentação e o paralelismo de ações em
determinadas políticas, além de instituir instrumentos para a organização da política social como planos,
padrão de financiamento, órgão gestor e conselho.
85
hegemônicas no país. Ao tratar a moradia31
como direito e que seu acesso deve ser objeto de
intervenção pública centralizada, a proposta de um sistema demonstra que é possível a
promoção pública habitacional adequada a classe trabalhadora, cumprindo a função social da
propriedade urbana e voltada aos interesses da coletividade, intervenção essencial num
ambiente de contrarreformas e crise do capital.
Após a extinção do BNH, observa-se uma lacuna no âmbito da política habitacional
que começa em 1986 até a criação do Ministério das Cidades em 2003. Durante o período,
houve diversas mudanças institucionais, demonstrando o quadro de instabilidade que passava
a política habitacional, a fragmentação de ações e a redução da capacidade de financiamento
do Estado. Entre as iniciativas, houve a criação da Carta de Crédito em 1997, que tinha como
foco o acesso a crédito individual para compra de imóveis usados. Contando com recursos do
FGTS e do SBPE, o financiamento era negociado diretamente entre consumidor e vendedor,
diferente do que ocorria no BNH, em que o intermediário era a COHAB. A Carta de Crédito
possibilitou, num momento de recessão da produção habitacional, o aquecimento do mercado
imobiliário de usados. Foi seguida pelo Programa Pró-Moradia que financiava a promoção
habitacional em municípios, e pelo Programa de Arrendamento Residencial que contava com
fontes de recursos mistas, vindas do orçamento federal e de fundos onerosos, para a produção
habitacional, consolidando o setor da construção civil. Desses, seguem outras iniciativas até a
criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social.
Compreendendo a política habitacional voltada a atender as demandas por habitação
social no Brasil, constituiu-se um novo quadro político e institucional reivindicado pela classe
trabalhadora, por meio dos movimentos sociais urbanos e organizações vinculadas ao
Movimento de Reforma Urbana. Essas diversas entidades se envolveram no projeto de lei de
iniciativa popular (PL 2.710/92), onde foram recolhidas cerca de 1 milhão de assinaturas em
todo o país, na busca de possibilidades de garantia do direito à moradia para a população mais
afetada pelas necessidades habitacionais, oriundas das expressões da questão urbana.
Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, órgão gestor responsável por garantir a
centralidade das ações, recursos e controle social no âmbito política urbana. Sua organização
institucional envolvia 4 secretarias: Habitação, Mobilidade Urbana e Transporte, Saneamento
e Projetos Urbanos (voltado ao planejamento urbano e a regularização fundiária). No decorrer
de 2003, a Secretaria Nacional de Habitação recolheu contribuições e propostas advindas da
31
Cabe lembrar que a moradia foi reconhecida como direito social e incluída no artigo 6º da Constituição
Federal por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000.
86
1ª Conferencia Nacional das Cidades (2003) para a configuração de um sistema nacional de
habitação que contasse com uma estrutura de co-responsabilidade entre os entes federativos,
gestão democrática, fundo de recursos e a planos com diretrizes e metas. A configuração
desse sistema contou com a resistência do mercado imobiliário, e outros sujeitos, que
disputam recursos e poder sobre a política urbana (CARDOSO; ARAGÃO, 2013).
Cerca de 13 anos depois do projeto de iniciativa popular, foi criado o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS através da lei nº11.124/2005. Tal
legislação dispunha sobre o sistema, criava o Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social e seu respectivo conselho gestor. Assim, o SNHIS seria organizado através um plano, o
Plano Nacional de Habitação - PlanHab; um fundo, o Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social – FNHIS; um conselho, o Conselho Gestor do Fundo de Nacional de
Habitação de Interesse Social - CGFNHIS; e um órgão gestor, o Ministério das Cidades.
O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social possui como público-alvo a
“população de menor renda” (BRASIL, 2005: art.2). Seus objetivos versam sobre a
viabilização de terra urbanizada e habitação digna e sustentável, a implementação de
programas de subsídio e investimentos para habitação e a articulação institucional dos
programas de habitação desenvolvidos por diferentes órgãos. Sob responsabilidade do
SNHIS, haveria a centralização de todos os programas e projetos para a habitação de interesse
social. Os princípios do Sistema envolvem a intersetorialidade no âmbito do desenvolvimento
urbano, ambiental e social; a defesa do direito a moradia digna e da função social da
propriedade da terra e a instituição do controle democrático sobre a política urbana. Já as
diretrizes do Sistema são a priorização de habitação social pelos entes federativos; o
aproveitamento de terra urbanizada e dotada de infraestrutura para os programas de HIS; a
sustentabilidade econômica, financeira e social dos programas; o incentivo a regularização
fundiária; o incentivo e incorporação de tecnologia à produção habitacional e à suas formas
alternativas; adoção de mecanismos avaliativos e de informações e o estabelecimento de cotas
a deficientes, idosos e famílias chefia por mulheres nos programas de HIS (BRASIL, 2005:
art.4).
Percebemos que o Sistema possui como seu público-alvo a população de menor renda.
Contudo, o termo é bastante genérico, pois não qualifica a quem se destina a cobertura dos
programas, além de reduzir a pobreza a um indicador monetário, desconsiderando seus
componentes multidimensionais e históricos Abreu (2012). Destaca priorização de alguns
segmentos como mulheres, idosos e deficientes nos programas de habitação social,
considerando os limites e dificuldades de acesso desta população a política. Cabe ressaltar que
87
a priorização desses segmentos populacionais e a indefinição do público-alvo não devem
justificar a implementação de programas focalizados e seletivos.
A fragmentação, a baixa cobertura e os poucos recursos dificultavam o acesso aos
programas de HIS. Para isso, o Sistema traz um elemento inovador para o contexto da política
habitacional que é a centralização administrativo-financeira para tais programas. Junto com a
defesa da moradia como direito humano, a função social da propriedade da terra e o controle
democrático, o Sistema instaura novas possibilidades para a habitação social no país e traz
para a responsabilidade do Estado a promoção de moradia para os segmentos pauperizados da
classe trabalhadora.
Na promoção habitacional pública, o Estado seria o promotor e idealizador do projeto,
considerando as diretrizes do SNHIS e o princípio da intersetorialidade, do controle
democrático e do planejamento urbano regional, direcionado pelo déficit habitacional.
Pautado pela co-responsabilidade e articulação institucional, os municípios e estados
que queiram se integrar ao sistema, devem assinar um termo de adesão e cumprir um conjunto
de medidas, como a implementação de planos locais; conselhos gestores e fundos. A
assinatura do termo de adesão é condição para o repasse de recursos ao Fundo e a
possibilidade de realização de consórcios (SNH, 2007). Assim sendo, a organização
institucional seria descentralizada e co-financiada nos três níveis de governo, alterando apenas
o órgão gestor, adaptado a realidade local.
Para o financiamento do SNHIS, os recursos viriam, basicamente, do Fundo Nacional
de Habitação de Interesse Social – FNHIS, do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, a depender da deliberação dos seus
respectivos conselhos gestores.
Após 1 ano da criação do SNHIS, foi regulamentado o Decreto nº5.796 de 6 de junho
de 2006 que dispõe sobre o Fundo Nacional de Habitação de Interesse social - FNHIS. Nele
abre-se a possibilidade mudanças na forma de alocação de recursos públicos para a promoção
de habitação social. O FNHIS corresponde ao mecanismo de centralização e gerenciamento
de recursos para a execução de programas de habitação social no âmbito do SNHIS. Os
recursos alocados no fundo são aplicados de maneira descentralizada e os contratos firmados
no âmbito do FNHIS devem conter contrapartidas entre os entes federativos. O financiamento
de ações de HIS contemplaria iniciativas no âmbito da;
I – aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, locação social e
arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e rurais;
II – produção de lotes urbanizados para fins habitacionais;
III – urbanização, produção de equipamentos comunitários, regularização fundiária e
urbanística de áreas caracterizadas de interesse social;
88
IV – implantação de saneamento básico, infraestrutura e equipamentos urbanos,
complementares aos programas habitacionais de interesse social;
V – aquisição de materiais para construção, ampliação e reforma de moradias;
VI – recuperação ou produção de imóveis em áreas encortiçadas ou deterioradas,
centrais ou periféricas, para fins habitacionais de interesse social;
VII – outros programas e intervenções na forma aprovada pelo Conselho Gestor do
FNHIS. (BRASIL, 2006; art.3º)
Notamos que os programas operados com recursos do FNHIS atuam sobre demandas
de política urbana, não apenas habitacional. Assim, o financiamento abarca o acesso a
moradia, mas também outros aspectos, como localização, acesso a infraestrutura e segurança
da posse. Considerando a moradia adequada na perspectiva dos direitos humanos, Rolnik
(2012) aponta que é necessário criar alternativas de acesso a moradia, para além do
financiamento com vista a propriedade privada da terra, e que o Estado possui papel
fundamental na oferta de habitação para os segmentos populares. Há que garantir o controle
democrático sobre os programas habitacionais e o atendimento das demandas de segmentos
específicos da sociedade.
A gestão política e administrativa do FNHIS cabe ao órgão gestor, que é o Ministério
das Cidades, e ao Conselho Gestor. Ao Ministério das Cidades cabe elaborar e controlar a
execução orçamentária; expedir atos normativos para alocação de recursos e acompanhar e
avaliar os recursos aplicados do FNHIS (BRASIL, 2006: art.4ª). Por seu caráter deliberativo,
cabe ao Conselho Gestor do FNHIS estabelecer diretrizes e critérios para alocação dos
recursos; aprovar o orçamento elaborado pelo Ministério das Cidades e deliberar sobre as
contas, entre outras (BRASIL, 2006: art.5º). A operação físico-financeira do Fundo é de
responsabilidade da Caixa Econômica Federal - CEF, que atuando como instituição
depositária dos recursos, controla e presta contas da execução dos recursos, basicamente.
Contudo, os movimentos sociais de moradia vêm denunciando a burocratização nos
procedimentos pela Caixa Econômica Federal, relacionados aos projetos de habitação
apresentados pelas entidades populares (Ministério das Cidades, 2013, p. 4). Por se tratar de
um banco, mesmo que público, a CEF opera com interesses na relação custo-benefício,
aplicando normas próprias, o que implica, por exemplo, numa série de atrasos na aprovação
de documentações, reprogramações de atividades/orçamentária, exigências técnicas
desproporcionais as fases dos projetos; atrasos nas vistorias, seletividade de beneficiários,
entre outros. Assim, a Caixa Econômica Federal possui forte influência sobre a definição dos
projetos e nos caminhos dados a política habitacional, tanto que Gilberto Occhi, atual ministro
das Cidades, deixou o cargo de vice-presidente de governo da Caixa Econômica Federal para
ocupar o cargo de ministro nesse período de transições ministeriais. Essa mudança, também
89
foi influenciada por indicações políticas do Partido Progressista - PP, que domina a pasta
desde a saída de Olívio Dutra (PT), em julho de 2005.
Quanto ao financiamento do FNHIS, suas fontes de recursos são obtidas por meio do
Orçamento Geral da União, alocados na função habitação; recursos disponibilizados pelo
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS; absorção de outros fundos ou programas
pelo FNHIS; recursos de empréstimos externos e internos para programas de habitação;
contribuições e doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidades e organismos de cooperação
nacionais ou internacionais e receitas de operações realizadas com recursos próprios
(BRASIL, 2006; art.2º). Os recursos para a política habitacional encontram-se no âmbito do
orçamento fiscal e o FNHIS, em seu decreto de regulamentação, não possuiu vinculação com
nenhuma contribuição social ou percentual mínimo32
do orçamento geral. Por ser um fundo de
natureza contábil33
(BRASIL, 2006; art.7ª), está sujeito as oscilações de alocações
orçamentárias e à disputa de recursos com outras políticas no âmbito do orçamento público.
32
Está sendo desenvolvida a campanha “Moradia Digna: Uma Prioridade Nacional”, promovida por entidades
patronais e de movimentos sociais urbanos. A campanha busca a aprovação da PEC 285-A/2008 que garante
percentual de 2% do orçamento da União e 1% dos estados e municípios a serem alocados no FNHIS para
desenvolvimento de ações para eliminar o déficit habitacional no país.
33
Salvador e Teixeira (2014) diferenciam três formas de organização dos fundos especiais que são o fundo de
gestão democrática, o fundo de gestão especial (ao qual os autores enquadram o FNHIS) e o fundo de
natureza contábil (ao qual a legislação enquadra o FNHIS). Ver: SALVADOR, Evilásio e TEIXEIRA, Sandra
Oliveira. Orçamento e Políticas Sociais: Metodologia de Análise na Perspectiva Crítica.Revista de Políticas
Sociais (UFMA), Vol.18, n.1, Janeiro a Junho de 2014.
90
A figura abaixo expõe o quantitativo de recursos com a dotação inicial e liquidados na
função Habitação (código 16).
Gráfico3
Execução Orçamentária por Função:16 – Habitação.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Fonte: Siga Brasil. Execução de despesas LOA (2006 a 2012).
Elaboração própria.
Em termos percentuais, a função habitação obtinha, em média, uma alocação de 0,07%
dos recursos orçamentários. Contudo, desde 2009, tem tido uma queda sensível, chegando a
2012 com um percentual de 0,007 do orçamento total. No ano de 2006, a função habitação
possuiu a maior alocação de recursos, com R$ 1,8 bilhões. Os recursos liquidados na função
habitação corresponderam a R$ 6,6 bilhões, entre 2006 a 2012. Tais valores demonstram a
discrepância da meta de recursos para habitação exposta nos PPA’s, e o montante alocado
realmente na função. Somente no período do PPA 2008-2011, a previsão era de R$ 76
bilhões, e na função habitação os recursos não passaram de R$ 3,7 bilhões para os quatro
anos. Os recursos para os programas habitacionais foram redirecionados e estão vinculados a
outra função que é de encargos especiais (código 28), onde ficam alocados os recursos do
Programa Minha Casa Minha Vida. As subfunções típicas da habitação são aquelas referentes
a infraestrutura urbana (código 451) e a habitação urbana (código 482).
Na figura abaixo, disponibilizamos os dados relativos ao montante de recursos
previsto e liquidado no órgão gestor da política habitacional, que é o Ministério das Cidades
(código 56000).
91
Gráfico 4
Execução Orçamentária do Ministério das Cidades.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Fonte: Siga Brasil. Execução de despesas LOA (2006 a 2012).
Elaboração própria.
O Ministério das Cidades nos anos que seguem a 2009 viu seus recursos subirem,
tanto em termos percentuais quanto numéricos, ficando em torno de R$14 bilhões (1% do
orçamento total). Contudo, em 2012 os valores baixaram para apenas R$ 5,2 bilhões, isto é,
21% dos recursos previstos e 0,2% do orçamento total. O MCidades fica responsável pela
gestão de diversas políticas sociais, entre elas a de saneamento e mobilidade urbana.
Retomando o que foi proposto, por exemplo, pelo PPA 2008-2011, estava previsto para
infraestrutura social urbana um montante de recursos de R$ 170 milhões, que pelo que
podemos perceber, não foram alocados no órgão, com possibilidade de ter composto os
recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre as unidades orçamentárias
do Ministério estão a Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, Fundo Nacional de
Segurança e Educação do Trânsito – FUNSET, a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre
– Trensurb e o FNHIS, além da Unidade Orçamentária Ministério das Cidades, que junto da
CBTU, concentra boa parte dos recursos do órgão.
Vejamos, então, como foram alocados os recursos na Unidade Orçamentária - Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS (código 56902) vinculado ao Ministério
das Cidades.
92
Gráfico 5
Execução Orçamentária FNHIS.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Fonte: Siga Brasil. Execução de despesas LOA (2006 a 2012).
Elaboração própria.
O perfil de participação dos recursos destinados ao FNHIS no interior do MCidades é
de grande queda, onde em 2006 representou 27,5% dos recursos alocados no órgão, e em
2010, o menor percentual, de 1,3%. O FNHIS fechou o ano de 2012 com R$ 151 milhões,
cerca de 2,8% do orçamento total do Mcidades. Entre os anos de 2007 e 2008 foram alocados
recursos em Operações Oficiais de Crédito que ficariam sob supervisão do FNHIS no
montante de R$ 545 milhões, isto é, 33% dos recursos liquidados para os mesmos dois anos
do fundo. Além da baixa representatividade dos recursos do FNHIS, temos também a perda
de recursos liquidados em relação a dotação inicial, que no ano de 2009 teve maior percentual
liquidado, cerca de 81% do previsto, e 2012, a pior, com apenas 14% do previsto.
Relacionando os recursos alocados no FNHIS e os alocados na função habitação, temos uma
relação próxima dos valores, isto é, as despesas com a função habitação advêm dos recursos
do FNHIS, em sua maior parte, exemplo são os recursos dos anos de 2011 e 2012 serem o
mesmo valor. Esse dado significa uma associação entre o fundo e a função, algo pouco
presente entre as políticas sociais, mas também aponta a tendência de desfinanciamento da
habitação pautada por princípios do SNHIS, especialmente após o ano de 2010.
Os projetos desenvolvidos no âmbito do FNHIS contemplam atividades,
principalmente, de urbanização de assentamentos precários e produção habitacional a fundo
perdido. Contudo, percebemos algumas mudanças na definição de recursos para os projetos.
93
Gráfico 6
Programas financiados pelo FNHIS.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Fonte: Câmara dos Deputados - Orçamento Brasil: Fiscalize, 2006 a 2010. (1) Dados de 2006 a 2009, em
recursos empenhados. (2) Dados 2010, em recursos liquidados. (3) Dados 2011 e 2012, fonte Balanço
Geral da União - BGU, 2012.
Elaboração própria.
Percebemos que, entre os anos de 2007 a 2009, os recursos destinados a esses projetos
vinham aumentando, com destaque a urbanização. Mas após o ano de 2010, houve uma queda
brutal dos recursos, chegando a R$ 6 milhões para urbanização. Assim, entre os anos
estudados, o projeto de urbanização de assentamentos precários teve R$ 3,1 bilhões, e
produção habitacional, R$ 1,6 bilhões. Esses dados demonstram a pouca influência dos
recursos do Orçamento Geral via FNHIS para tais projetos, havendo a prevalência dos
repasses oriundos do FGTS, como já exposto, que para a produção habitacional de HIS
destinou R$ 57 bilhões no mesmo período, por exemplo.
Os dados orçamentários apresentados sobre a função habitação, o Ministério das
Cidades e o FNHIS demonstram que o planejamento e execução da política habitacional,
particularmente, de habitação social não está sendo desenvolvido a partir de princípios que
envolvem o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. O desfinanciamento e a
fragmentação das ações para outros órgãos desconsideram o controle democrático e o
planejamento via Plano de Habitação, onde o Estado é posto na promoção da política. Esta
política constituiu-se como avanço na garantia do direito a cidade a classe trabalhadora, mas
enfrenta muitos limites para sua concretização. Algumas das reorientações da política
habitacional, como medida anticíclica, por exemplo, foram tensionadas pelo contexto
histórico de crise econômica que atingiu o mundo em 2008/2009 e que exigiu a intervenção
94
do Estado na condução e garantia das condições gerais de produção capitalista e promoveu o
reforço ao mercado como promotor desta. Como assiná-la Iasi34
(2012), os direitos de
cidadania são frutos da luta de classe, e em momentos de recuo da organização dos
trabalhadores, esses direitos podem ser reduzidos e questionados pela classe dominante.
Em o Enigma do Capital, Harvey (2011) apresenta aspectos da crise econômica
mundial e sua relação com o urbano. Os empréstimos subprime americanos foram
reconhecidos, nesse contexto, como causadores da crise, por meio da desregulamentação e
financeirização do sistema de securitização de hipotecas. Houve a ampliação do acesso a
empréstimos hipotecários pela população, os bancos apostaram no aumento de tributos ao
consumidor e na partilha de hipotecas de alto risco ao seu conjunto, criando a ilusão de seu
desaparecimento, isto é, as instituições financeiras controlavam a demanda e a oferta por
habitação, fazendo o preço dos imóveis dispararem e das ações na bolsa de valores também.
Contudo, a falta de liquidez dos investimentos, o excesso de crédito, o excedente de trabalho e
capacidade produtiva orientaram a crise e levaram a falência e a fusões de grandes bancos.
Duas grandes instituições de securitização a Fannie Mae e a Freddie Mac foram
nacionalizadas, mas foram garantidos os interesses dos possuidores de títulos, entre eles os
chineses. O mercado financeiro precisou da intervenção do Estado para reduzir as perdas
econômicas, que respondeu com o emprego de R$ 700 bilhões de dólares (HARVEY, 2011,
p. 12).
A crise econômica, em “efeito cascata”, atingiu países da União Europeia, da Ásia e da
America Latina. Mas pelo desenvolvimento geográfico desigual do capital, os efeitos da crise
foram diferenciados entre os países, a depender do grau de influência do crédito na economia
de cada um. A produção do espaço e a urbanização são mercadorias no capitalismo, por
absorver o excedente de capital e de trabalho e por depender da presença do crédito e do
endividamento como dinamizador do processo de desenvolvimento urbano, criando também
as condições para o surgimento de crises. O impacto desta nos países periféricos significou o
aumento da desigualdade social e da concentração de riqueza. A reestruturação urbana atinge
milhares de trabalhadores pelo mundo, como na valorização imobiliária das favelas carioca,
no despejo de comunidades em áreas com potencial especulativo e a perda de moradias nos
EUA que pode atingir até 6 milhões de pessoas, causando um “Katrina
34
Participação na mesa com presença de Silene Freire, Marcelo Badaró e Miguel Serna no IV Seminário
Internacional de Diretos Humanos, Violência e Pobreza promovido pelo PROEALC nos dias 21 a 23 de
novembro de 2012.
95
Financeiro”(HARVEY, 2011, p. 9). Para Harvey (2011), a resposta à crise será a continuidade
da centralização de capital e de poder da classe dominante.
A resposta à crise econômica no Brasil começou a se desenhar na política habitacional
a partir de 2007, onde ocorreu o redirecionamento das funções dos recursos alocados no
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social em termos de suas ações para atender as
novas exigências da política macroeconômica do governo Lula. Neste ano, é lançado o
Programa de Aceleração do Crescimento. O PAC surge como uma fórmula para o
crescimento econômico sob uma política macroeconômica neoliberal orientada por
organismos multilaterais, com juros reais ainda muito elevados e alta carga tributária, para
poder gerar superávits nas contas públicas e assim pagar a rolagem da dívida, que só faz
aumentar GOPSS (2007). O vínculo na relação entre política social e crise econômica é
possível devida que as crises cíclicas de superacumulação e subconsumo, provenientes dos
processos de produção e reprodução das relações capitalistas influenciam a conformação das
políticas sociais como medidas anticíclicas (BEHRING, 2002, p. 165), além de demonstrar o
interesse do capital na produção do espaço.
Entre as diretrizes do PAC, está a desoneração tributária, principalmente de impostos
que formam a base de financiamento da Seguridade Social como PIS, COFINS e CSLL, num
montante de R$19,7 bilhões; somando-os aos demais tributos chega o montante de
desoneração de R$ 130 bilhões entre os anos de 2007 a 2010 (ALBUGUERQUE;
SALVADOR, 2011). Há intervenção na política de ajuste fiscal, com arrocho salarial do
funcionalismo público e da classe trabalhadora pelo novo modelo de reajuste do salário
mínimo, na elevação da taxa de juros em 12% para 2007 e na financeirização da economia
“com quase 50% do PIB sendo fruto de operações de crédito e financiamentos” (GOPSS,
2007).
O PAC também desenvolve ações nas diversas áreas de política pública como
saneamento, saúde, segurança pública, infraestrutura e habitação. Contudo, algumas das
fontes de recursos utilizados para viabilizar o PAC vêm do FGTS, FAT e alocações do
Orçamento Geral da União totalizando R$ 52 bilhões (Ministério das Cidades, 2008). Vale
sinalizar que algumas dessas fontes constituem base de financiamento do SNHIS, mas o PAC
não está submetido as diretrizes e princípios do sistema, tendo uma organização institucional
paralela. Dessa forma, o PAC disputa recursos junto ao SNHIS, mas sob viés da
implementação das diretrizes das instituições financeiras internacionais, tendo em perspectiva
o déficit nominal zero interligado às contra-reformas, que resultarão em cortes e na
precarização das políticas sociais públicas” (GOPSS, 2007).
96
2.3.2 O Programa Minha Casa Minha Vida: opção de crescimento com privilegiamento do
produtor privado
A crise econômica, que atingiu desigualmente os países, significou o
redirecionamento dos princípios da política habitacional que se configurava no Brasil. Esses
princípios que envolviam a garantia do direito a moradia - não apenas como direito a
propriedade privada da terra, mas relacionada a função social numa perspectiva coletiva -,
passaram a ser tensionados pelos sujeitos que disputam na arena política a produção do
espaço. A resposta a crise enraizada sob os princípios neoliberais, veio na forma do novo-
desenvolvimentismo, tendo o Estado como indutor da política econômica e articulador do
apelo ideológico com vista ao crescimento, lançando assim, o Programa Minha Casa, Minha
Vida. Sob os argumentos de resposta as demandas sociais e enfrentamento a expressão da
questão social urbana, como o déficit habitacional, o PMCMV fortaleceu o setor da
construção civil, a mercantilização do direito social a moradia e as ações paralelas ao
SNHIS.
As condições atuais de urbanização a partir da política habitacional e sua interface
com o desenvolvimento capitalista num país periférico, como o Brasil, envolve um processo
de acumulação do capital utilizando a habitação como elemento anticíclico a crise. Na
perspectiva de criar mecanismos que rompam com a queda na taxa de acumulação, o Estado
no capitalismo recorre a suas funções para promover o resgate do sistema, acionando
reformas, investimentos, regulação, balanceando coerção com legitimação para manter o
domínio do capital.
A política de habitação segue em sua contradição de resposta as necessidades de
reprodução do trabalhador e de mecanismo de redução dos ônus do capital, mas também
acentua outra função que é a priorização do produtor privado e a mercantilização da moradia.
Em tempos de capital fetiche, onde crescem os espaços de expansão e concentração do
capital, a ideologia dominante passa a apregoar o crescimento econômico com equidade social
num país como o Brasil, com um grande fosso de desigualdade social.
O debate vigente sobre o novo-desenvolvimentismo toma a cena dos noticiários e
dos discursos do governo, com traço fortemente ideológico de um suposto desenvolvimento
econômico com distribuição de renda. Concordamos com a análise de Mota, Amaral e
97
Peruzzo (2012) que consideram que o novo desenvolvimentismo promove um processo de
repolitização regressiva da política, pois sob a defesa de uma economia nacional, se alicerça
políticas sociais compensatórias, consentimento de classe e o fortalecimento da inserção
passiva do país no mercado mundial. É nesse cenário que o novo desenvolvimentismo se
relaciona com a habitação social, regulamentada no turbilhão da crise do sistema.
A estratégia de adaptação às investidas do capital orienta as ações dos governos,
provocando uma entrada passiva dos países periféricos no mercado mundial. Contudo, o que
vem se configurando como novo-desenvolvimentismo propõe uma perspectiva de
desenvolvimento econômico com equidade social, isto é, delinear um projeto nacional de
crescimento econômico combinado com uma melhoria substancial nos padrões distributivos
do país, Castelo (2010). Este “desenvolvimento econômico” busca fortalecer os ativos
privados direcionando-os ao mercado produtivo, através de incentivos do Estado. Para tal, se
recorre a “blindagem da economia” para o controle de fluxo externo de capital, sem romper
com as orientações dos organismos multilaterais. Castelo (2010), analisa que recorrer a tal
investida requer a tomada de outros mecanismos como: “fixação de taxa de cambio, redução
taxa de juros, acumulo de reservas internacionais, ampliação do crédito bancário e uma
política fiscal expansionista” (CASTELO, 2010, p. 196).
Segundo Motta, Amaral e Peruzzo (2012), as medidas de enfrentamento a pobreza
pautadas no investimento em instrumentos técnicos de seletividade e focalização nas classes
mais pobres são tidas como eficientes e eficazes no custo-benefício e no gasto público pelos
organismos internacionais. O fortalecimento de uma ideologia da classe dominante baseado
na busca de ações menos deletérias a população, cria um consenso sobre as promessas do
novo-desenvolvimentismo, sendo recorrente a conclamação pelo empreendedorismo, da
solidariedade comunitária e do consumo. Por meio de argumentos antineoliberais e anti-
imperialista se defende um desenvolvimento econômico, calcado em políticas sociais
compensatórias de combate a pobreza, não enfrentando as raízes da desigualdade e da
concentração de riqueza.
Há diversas interpretações do novo-desenvolvimentismo no campo a teoria crítica
(CASTELO, 2010; GONÇALVES, 2012; CARCANHOLO, 2010). Para Filgueiras e
Gonçalves (2007), o modelo liberal periférico possui três conjuntos de características:
“liberalização, privatização e desregulamentação; subordinação e vulnerabilidade externa
estrutural; e dominância do capital financeiro” (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p. 96).
Assim, o modelo é liberal pela natureza das “reformas” que enfatizam a privatização, a
liberalização econômica e a desregulamentação do mercado de trabalho. E periférico pelas
98
características da política econômica e realização da doutrina liberal num país periférico
como Brasil.
Para Castelo (2010), há três pontos que merecem destaque na crítica ao novo-
desenvolvimentismo: a) função do Estado; b) dinâmica intercapitalista; e c) integração de
aspectos sociais ao modelo de desenvolvimento. O Estado é compreendido na sua
complementaridade ao mercado, como um agente autônomo e despossuído de vínculo de
classe, articulando os sujeitos envolvidos na economia de base produtiva. Sabemos que o
Estado é a única instituição que possui o monopólio da força, da tributação e da regulação.
Segundo Marx, Gonçalves (2012), o Estado possui a função de criar as condições para a
acumulação e reprodução do capital, gestão de crises, além de intervir na legitimação e
dominação. Sobre a dinâmica intercapitalista, Castelo (2010) critica a dualidade criada sobre
o setor produtivo e o setor financeiro pelos teóricos do novo-desenvolvimentismo. A
concentração de capitais e a fusão entre setores econômicos torna-se crescente a relação
interburguesa via financeirização da economia no neoliberalismo. Por fim, a situação dos
aspectos sociais no desenvolvimento econômico marcado por políticas compensatórias para
legitimar processo de reformas e restrição de direitos.
Gonçalves (2012) aponta algumas críticas ao novo-desenvolvimentismo recorrendo
aos seus próprios argumentos. Se o que qualificava o desenvolvimentismo era a
industrialização, a substituição de importações e a intervenção do Estado, o processo em
curso traz a desindustrialização e dessubstituição de importação motivada pela liberalização
comercial e pela predominância de empresas estrangeiras no núcleo central da economia
nacional. Há também uma crescente vulnerabilidade externa estrutural. Gonçalves (2012)
também destaca outros pontos contraditórios como a superestimação da política
macroeconômica, a negligência estrutural (com a estrutura produtiva), base tributaria
regressiva e a primazia da ideologia dominante de consenso de classe, tornando-se um
liberalismo enrustido.
A política habitacional neste contexto é tomada como mecanismo de contenção de
crise, onde o direito é apropriado para incentivar a indústria da construção civil e a
valorização da terra urbana. Sob o argumento do potencial da indústria da construção para a
criação de postos de trabalho, o fundo público é destinado a beneficiar a burguesia do ramo,
subsidiando a produção de novas localizações para a expansão do mercado imobiliário (FIX
apud MARICATO, 2011), enquanto os trabalhadores para terem direito a moradia recorrem
ao mercado e a moradias precárias nas periferias da cidade.
99
O contexto histórico que precede a criação do Programa Minha Casa Minha Vida é
marcado pela abertura de capital do mercado imobiliário, trazendo maior exposição do setor
as mudanças internacionais, o que em 2008, provocou a dificuldade do setor em cumprir os
acordos financeiros. O setor da construção civil passa a pressionar o Estado para que este
impulsionasse a construção de moradias. A parceria entre o Estado e 11 empresas da
construção civil garantiu a continuidade do patamar de acumulação de capital no setor,
diretamente negociada com a Presidência da República e a Casa Civil (MARICATO, 2011).
O PMCMV compreende a política habitacional como produção de moradias, reduzindo a
importância dos seus componentes urbanos e de sociabilidade. Para os empresários do setor, a
valorização imobiliária é a consequência (positiva) do desenvolvimento.
Segundo Andrade (2011), o PMCMV possui clara associação do setor da construção e
do Estado que, sob os efeitos da crise econômica e do período eleitoral, precisava de medidas
eficazes para garantir a estabilidade econômica e cerca legitimidade política. Assim, “as
empresas da construção civil, seriam as grandes promotoras e executoras do programa e
contariam com incentivos concedidos pelo poder público, ao mesmo tempo em que estariam
libertas de uma gestão participativa”, como no SNHIS. (ANDRADE apud CARDOSO, 2013,
p. 43).
Nessa conjuntura, o governo lança o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV
mediante a lei nº 11.977 de 7 de julho de 2009 que dispõe sobre o Programa e a regularização
fundiária em assentamentos urbanos, popularmente chamada de PMCMV I e a Lei nº 12.424
de 16 de julho de 2011 que altera a lei anterior, chamado de PMCMV II. O intuito do governo
sobre o programa era impactar a indústria da construção civil e estimular o desenvolvimento
econômico. Para esta análise, me debruçarei sobre a Lei nº 11.977 que cria o programa, pois a
maioria dos anos estudados (2009,2010 e 2011) é regida por ela. Cabe destacar que o que
difere as alterações do PMCMV 2 são a “melhoria do padrão construtivo das unidades
habitacionais, que permite o uso misto (residencial e comercial) e o estimulo a utilização de
soluções energéticas sustentáveis” (CARDOSO, 2013, p. 43).
O PMCMV “tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição
de novas unidades habitacionais, requalificação de imóveis urbanos, produção ou reforma de
habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e
cinquenta reais)” (BRASIL, 2009; art. 1º). O Programa está dividido em faixas de renda que
são: faixa 1, até R$ 1.600; Faixa 2, até R$ 3.275 e Faixa 3, até R$ 5.000. As prioridades na
definição dos beneficiários são, além da renda, famílias que residam em áreas de
risco/insalubres ou foram desabrigadas; famílias chefiadas por mulher e famílias que possuam
100
entre seus membros pessoas com deficiência (BRASIL, 2009; art. 3º). O Programa assegura
nos empreendimentos as “condições de acessibilidade nas áreas de uso comum; a
disponibilidade de unidades habitacionais que preze pela acessibilidade; a sustentabilidade
das construções e o uso de novas tecnologias construtivas” (BRASIL, 200; art. 73º). Aspectos
sobre a questão fundiária foram tratadas na legislação do Programa que envolvia a destinação
de terra pública para a implementação dos projetos de HIS, a desoneração fiscal e a aplicação
de instrumentos do Estatuto das Cidades, pelos municípios, sobre os vazios urbanos.
Dentro do PMCMV foram criados dois subprogramas que envolvem o Programa
Nacional de Habitação Urbana – PNHU e o Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR.
Para este trabalho, vamos nos debruçar sobre o PNHU. O subprograma tem por objetivo a
produção e requalificação de imóveis urbanos e define que a localização dos
empreendimentos contemple a malha urbana, que possua infraestrutura básica e equipamentos
sociais, ou promessa de que sejam instalados (BRASIL, 2009; art.5ºA). A gestão do PNHU
será realizada pelo Ministério das Cidades e Ministério da Fazenda. A gestão das operações
dos recursos de subvenção ficará sob responsabilidade da Caixa Econômica Federal.
Para a habitação social referente a faixa de renda 1, o PNHU propõe a subvenção
econômica sobre os 120 meses de financiamento e o pagamento de prestação que corresponde
a 5% da renda familiar, mas fica vedado o repassar do imóvel antes da quitação das parcelas,
além da suspensão da subvenção econômica em caso de antecipação de parcelas. O
beneficiário desta faixa, também não pode requerer outro imóvel em tais condições. Na
legislação, cabe ao Poder Executivo a regulamentação do PNHU, definindo “a fixação de suas
diretrizes e condições gerais; valores e limites máximos de subvenção; estabelecimento de
critérios adicionais para a subvenção e estabelecimentos das condições operacionais para
pagamento e subvenção” (BRASIL, 2009; art.8º). A expectativa do PMCMV é a produção de
2,4 milhões de moradias até dezembro de 2014. Para a habitação social, foram destinadas 220
mil unidades habitacionais produzidas através de concessão de subversões econômicas, mas o
volume de contratação de unidades vem aumentando. As demais faixas de renda contaram
com financiamento a juros diferenciados.
A disponibilização orçamentária e financeira do programa envolve a subvenção no
financiamento habitacional para pessoa física e concessão de subvenção de tributos para
financiamento em infraestrutura em projetos de habitação popular via BNDES (BRASIL,
2009; art.2º). Os recursos que constituem a base de financiamento do Programa Minha Casa
Minha Vida são os recursos vindos do Orçamento Fiscal - OGU, o Fundo de Arrendamento
Residencial – FAR, o Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, o Fundo Garantidor da
101
Habitação Popular – FGHab, e também poderá receber recursos do FGTS. Em termos
orçamentários, os recursos propostos para o Programa envolvem um montante de R$ 71,7
bilhões até 2014. Para as operações realizadas com recursos do FDS e FAR, estas ficam
condicionadas a reverter recursos, na forma de prestações, pelos beneficiários. Essas
prestações só não ocorrerão em casos de urbanização de assentamentos precários que exijam
remanejamento de famílias. Já o FGHab abarca a quitação de prestações em caso de
falecimento ou invalidez do beneficiário e cobertura de dano físico ao imóvel.
Destacamos, de forma geral, alguns pontos críticos do PMCMV que serão
aprofundados a seguir. No Programa permanece a definição do público-alvo atrelado a renda,
não sendo consideradas as condições de pobreza dos trabalhadores. Mesmo sob esta
definição, a faixa 1, que cobriria a população de até 3 salários mínimos, o valor de referencia
é menor que esse patamar, reduzindo a cobertura do programa para esta população. O foco na
produção habitacional, descolada de outras políticas urbanas, reduz o escopo do programa a
indicadores meramente quantitativos, além de não ficar claro como será o monitoramento dos
municípios que produzirem empreendimentos que não contemplam infraestrutura e
equipamentos sociais. A produção de habitação social abarcaria apenas 11% da produção total
do programa, mesmo diante um déficit habitacional de 90% nesta faixa de renda. Fica
evidente o distanciamento do Programa em relação as diretrizes e princípios do Plano
Nacional de Habitação, controle democrático e demais instrumentos de planejamento. Sobre a
base de financiamento, o PMCMV se alicerça em recursos onerosos35
, com baixa participação
de fonte a fundo perdido e a ênfase na participação do mercado imobiliário na execução de
financiamento habitacional com recursos do fundo público. Compreende, assim, o
beneficiário do Programa como mutuário, não como sujeito de direito e medidas, como a
implementação de fundo garantidor, para combater a inadimplência.
Realizadas essas ponderações, partiremos para a análise orçamentária do Programa
Minha Casa Minha Vida, a partir das fontes de informação e relatórios da Controladoria Geral
da União/Balanço Geral da União.
Segundo relatórios do Balando Geral da União, a criação do Programa Minha Casa
Minha Vida é tida como a estratégia necessária para dinamizar dois vetores: desenvolver um
modelo nacional de subsídio que permitisse ampliar a concessão de crédito e viabilizar
moradia adequada para as camadas médias e baixas da população; e dinamizar as operações
35
Considera-se recursos onerosos aqueles que exigem retorno (pagamento) e estão vinculados a operações de
crédito ou financiamentos, exemplo os recursos do FGTS.
102
imobiliárias do setor privado com vista a atender as camadas baixas da população (BRASIL,
2009 p. 9).
Já o relatório de 2010, elenca o conjunto de ações vinculadas a subfunção Outros
Encargos Especiais estando as ações do PMCMV entre elas, Transferência ao Fundo de
Arrendamento Residencial – FAR (ação 00AF), Subvenção Econômica Destinada a
Implementação de Projetos de Interesse Social em Áreas Urbanas (ação 00CW), Subvenção
Econômica Destinada a Implementação de Projetos de Interesse Social em Áreas Rurais (ação
00CX), Subvenção Econômica Destinada à Habitação de Interesse Social em Cidades com
Menos de 50.000 habitantes (ação 0E64) e Transferência ao Fundo de Desenvolvimento
Social – FDS (ação 00CY) (BGU, 2010, p. 14). Percebemos que nenhuma das funções
recebem o nome do programa de forma explícita. Estima-se que entre os anos de 2009 a 2010,
o Programa fez contratos envolvendo 1 milhão de moradias, entre elas 483 mil foram
destinadas a faixa 1 – habitação social. Esses contratos correspondem a R$ 56 bilhões,
advindos da Caixa Econômica Federal e do Sistema Financeiro de Habitação (BGU, 2010, p.
15).
Finalmente, o relatório de 2012 articula as ações desenvolvidas no âmbito do
Programa de Aceleração do Crescimento que envolvem a produção habitacional via PMCMV
e de Urbanização de Assentamento Precário. Em relação a execução dos recursos, o relatório
assinala que a diferença entre os valores empenhados e liquidados na habitação se refere a
forma de operacionalização dos recursos, pois muitos dos projetos não se encerram no próprio
exercício. Relembra que o PMCMV 2 teve por objetivo ampliar a produção habitacional com
meta de contratação de 2,4 milhões de moradias até 2014, voltada principalmente para a faixa
1. Houve algumas alterações no Programa relacionadas a alterações de parâmetros de
financiamento para habitação popular e para concessão de subsídio, ocorrendo aumento no
teto do valor dos imóveis (de R$ 170 mil para R$ 190 mil), no valor de subsidio (de R$ 23 mil
para R$ 25 mil) e na redução nas taxas de juros para a faixa 2, que foi para 5% e faixa 3, que
foi para 7,16% (BRASIL, 2012, p. 2). O relatório encerra informando que o PMCMV possui
um Comitê de Acompanhado - CAPMCMV com representantes do Ministério do
Planejamento, da Fazenda e da Casa Civil para monitorar a evolução dos empreendimentos no
país. Percebemos que este Comitê não dialoga com o Conselho das Cidades e nem possui
participação popular, configurando-se como um instrumento meramente operativo, pois as
decisões dos projetos são tomadas pelos promotores privados do empreendimento.
Vejamos o montante de recursos liquidados destinado ao PMCMV e financiados com
fontes da OGU, FAR, FDS para o período de 2009 a 2012.
103
Gráfico 7
Recursos Liquidados para PMCMV.
Em milhões (R$), deflacionados pelo IGP-DI, a preços de 2013.
Fonte: CGU, BGU (2009 a 2012).
Elaboração própria.
Percebemos que os recursos liquidados para o PMCMV variam. Em 2009, ano de
lançamento e ainda sob os efeitos da crise econômica, o programa contou com R$ 2,7 bilhões,
mas no ano seguinte houve uma queda de 47% dos recursos. Em 2011, o programa contou
com o maior montante alocado até então, cerca de R$ 9,1 bilhões. Já em 2012, os recursos
retornaram ao patamar do ano de lançamento, com montante de R$ 2,7 bilhões. Considerando
ser arriscado definir uma média de alocação de recursos para o Programa, de forma geral, ela
gira em torno de R$ 2,3 bilhões. O total de recursos investidos no programa soma R$ 16
bilhões (2009 a 2012). Também destacamos que na figura acima não consta o montante de
recursos que advém do FGTS e do SPBE, restringindo-se apenas aos recursos que constam no
gasto executados pelo orçamento público. Sobre o FGTS, apenas no ano de 2009 é sinalizado
gasto com o PMCMV no montante de R$ 3,3 bilhões, nos demais anos os gastos com o
Programa não são sinalizados nas tabelas disponíveis (CBIC). Outro aspecto importante
corresponde ao montante de recursos alocados para o PMCMV, pois há discrepâncias das
informações expostas pelos relatórios de gestão e os dados orçamentários disponíveis. Alguns
desses dados apontam a quantia de R$ 56 bilhões entre os anos de 2009 e 2010, mas as peças
orçamentárias indicam apenas R$ 4,1 bilhões, recursos muito abaixo do divulgado nos
relatórios de gestão, cujo conteúdo não discrimina as fontes de recursos.
Quanto ao montante de recursos alocados e que repercutem na efetivação de contratos
de unidades habitacionais paras as faixas de renda definidas pelo PMCMV, temos a seguinte
distribuição.
104
Gráfico 8
Contratos de unidades habitacionais financiadas pelo PMCMV, em mil.
Fonte: CGU. BGU, 2009 a 2012. Elaboração própria.
Os dados disponibilizados sobre o PMCMV afirmam que foram contratadas 2.072
milhões de moradias. A maior parte dos contratos para a produção de Unidades Habitacionais
foram destinados a faixa de renda 2, que corresponde aquelas famílias que recebem até R$
3.275,00. Para as famílias da faixa 1, foram destinadas 978 mil unidades habitacionais, isto é,
47% das unidades foram para atender as famílias mais atingidas pelo déficit habitacional.
Contudo, o que poderíamos interpretar como uma melhoria nos indicadores de moradia,
paralelamente, traz preocupação diante da presença marcante do mercado imobiliário na
produção de habitação social e da pouca informação quanto a execução dos contratos.
Aspecto recorrente nos relatórios de gestão dos órgãos governamentais é a afirmação
do Programa Minha Casa Minha Vida como resposta econômica e política para enfrentar a
crise econômica. Para Cardoso e Aragão (2011), os efeitos do Programa sobre o mercado
imobiliário foram o fortalecimento da credibilidade das ações das empresas de construção
civil negociadas no mercado financeiro e o estimulo ao mercado de terra, com impacto nos
preços e na disponibilização fundiária. Tiveram reflexos ainda no aumento no mercado de
insumos à construção civil e na oferta de mão-de-obra.
No ambiente de crise, o mercado imobiliário situado no Brasil, mas globalizado pelas
finanças, é protagonista do aumento do preço da terra e da especulação, acompanhado de
despejos e remoções em várias cidades brasileiras, particularmente naquelas situadas no eixo
dos megaeventos e megaempreendimentos. Bastos (2012) situa o Brasil neste fluxo de capital
em busca de oportunidades de remuneração dos investimentos e de novos mercados, tomando
a urbanização e a produção habitacional o impulso para o desenvolvimento (desigual)
capitalista.
105
Com forte presença das empresas de construção civil, o programa teve o intuito de
dinamizar a economia no período da crise, como política anticíclica. O PMCMV é
desvinculado do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e não possui nenhum
indicativo quanto a possibilidade de regulamentação junto ao Sistema e a respectiva
competência sobre a política de habitação. O que se sabe, é que há uma priorização do
Governo de instituir o PMCMV como agente da produção de habitação, ficando o FNHIS
com a responsabilidade nas intervenções urbanas, isto é, numa posição subsidiária tanto
financeira quanto interventiva sobre a política habitacional.
Nas análises36
já produzidas sobre o PMCMV, identificou-se que o programa é
alicerçado pela ênfase na promoção da moradia centrada no produtor privado, pela
periferização dos empreendimentos, pela implementação de grandes conjuntos padronizados;
pelo incentivo ao programa de crédito ao produtor e ao consumidor com caráter de
mercantilização da moradia e pela ausência de relação com SNHIS.
Segundo Shimbo (2011), a produção habitacional do PMCMV tem vínculo direto com
o mercado e essa relação gera impacto sobre o padrão dos projetos e sua localização, cabendo
ao Estado a intervenção em termos de aprovação dos projetos, regulamentação urbanística e o
financiamento (subsídios e crédito). Nessa perspectiva, o Estado tem um papel cada vez mais
residual na provisão, mas essencial na criação de condições para conter riscos e viabilizar os
interesses do mercado imobiliário.
Em seus estudos, Cardoso e Aragão (2013) elencam 8 pontos críticos do PMCMV.
Além dos já citados acima, os autores acrescentam a desarticulação com a política urbana, a
ausência de instrumentos de política fundiária e a desigualdade na distribuição dos recursos.
Para os problemas fundiários a implicação se dá sobre as relações entre os entes federativos,
pois a regulamentação para o uso e ocupação do solo urbano é de responsabilidade dos
municípios, já o financiamento é geralmente realizado por repasses federais. A ausência de
instrumentos de política fundiária gera pressão sobre o preço da terra, fazendo com que “os
novos empreendimentos se viabilizem a partir da dinâmica do mercado, buscando as terras
mais baratas, que são aquelas mais distantes das centralidades urbanas e com maior
precariedade de infraestrutura” (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 47).
A política habitacional envolve a propriedade privada da terra no seu papel
preponderante na sociedade capitalista brasileira, como se viu em momentos anteriores deste
estudo. A utilização do solo e sua apropriação tornaram-se instrumento de concentração
36
Trabalhos produzidos por Aragão (2011), Araújo (2011) e Cardoso (2013) e INCT Observatório de
Metrópoles.
106
fundiária pela classe dominante, compondo um elemento para a exploração e acumulação
capitalista. Tomando os instrumentos jurídicos (alguns ainda não regulamentados) que versam
sobre a propriedade fundiária estes são frutos da luta de classe que acompanha os conflitos
fundiários. A construção jurídica dentro de um país capitalista periférico marcado pela
desigualdade entre classes e pela concentração fundiária mostra-se vigoroso instrumento de
repressão e bloqueador da cidade para os pobres (GASPAR, 2009).
Outro elemento importante de crítica ao PMCMV é o processo de privilegiamento do
produtor privado na política de habitação. Utilizando-se da estrutura administrativa e
operacional adquirida pela Caixa Econômica pós-BNH, o mercado imobiliário conquistou as
condições para viabilizar os projetos pleiteados. Rompe-se, assim, com a primazia,
principalmente municipal, na provisão habitacional, isto é, o pacote não contempla a
promoção estatal, que deve seguir pleiteando recursos através das linhas existentes, com
fundos menores, mais concorridos, e restrições de modalidades de acesso e de níveis de
endividamento FIX e ARANTE (2009). Para Bastos (2012), a Caixa Econômica, como agente
operador do PMCMV, possibilita criar as condições necessárias para dinamizar o setor da
construção civil. Por meio da liberação de crédito imobiliário para a produção, se adianta a
realização do capital e se assume o financiamento de habitação social. Assim posto, o
mercado imobiliário recebe fluxo permanente de fundo público e os libera para “investimento
privado nos fluxos de capital excedente” (BASTOS, 2012, p. 66).
Segundo Aragão (2011), a estrutura de financiamento ao setor da construção civil é
impulsionada pelo acesso a recursos públicos, mas esses recursos possuem um teto. Para o
setor garantir seus lucros, recorre a duas medidas: a de rebaixar os custos da produção e de
buscar terras em preços menores. Sobre a primeira medida, a estratégia é recorrer à
padronização do empreendimento e ao controle da força de trabalho, sem necessariamente
intervir no incremento de tecnologia. A medida tomada sobre a busca de terra urbana mais
barata, foi reforçada pela construção de empreendimentos adensados e distantes das áreas
centrais, com impacto também sobre a periferização.
A periferização das moradias populares é impulsionada pela valorização imobiliária de
parcelas da cidade, fazendo que os trabalhadores sigam para as regiões mais distantes das
cidades, ausente de infraestrutura e condições de moradia adequadas. O direito a moradia é
indissociável do direito a cidade, tendo a política habitacional que definir áreas adequadas
para a produção de habitação social.
O modelo atual de desenvolvimento urbano segue bloqueando as cidades aos pobres,
pois se alicerça num padrão de acesso a moradia com vista à propriedade privada da terra. Em
107
detrimento ao direito a moradia e a função social da propriedade da terra, a especulação e a
desorganização do espaço urbano seguem sendo a regra sob o domínio do capital, Rolnik
(2008).
Nesse contexto o déficit habitacional, um dos argumentos para criação do Programa
Minha Casa Minha Vida, aumentou em comparação aos anos anteriores a implementação do
programa, chegando a cerca de 6,490 milhões de moradia (FJP, 2010). Se em 2008 o déficit
habitacional era de 5,5 milhões, mesmo com a produção de 2 milhões de moradias, o déficit
fez aumentar, isto é, ao invés de reduzir o déficit habitacional, o PMCMV fez o inverso.
Orientado por interesses privados do setor da construção, a valorização imobiliária atingiu o
aumento nos preços dos alugueis, na pressão e nos despejos de comunidades situadas em
áreas de interesse do capital.
Os princípios do social-liberalismo que tentam trazer para as medidas de
desenvolvimento do capital aspectos de equidade social, reforçam um padrão de política
habitacional alicerçada sobre o caráter pulverizado e mercantilizado da oferta.
Compreendemos que a construção de moradias para os segmentos mais pobres da população,
ainda que não transforme sua condição social, lhes possibilita uma melhoria de vida. Para
isso, o Estado deve ter um papel fundamental na garantia dos interesses públicos, sendo
necessário ser ele o promotor da política. Se no decorrer da constituição do Programa Minha
Casa Minha Vida, os interesses do mercado imobiliário foram resguardados e estimulados, no
marco da construção da cidade, a produção habitacional não pode ser encarada como a
produção das demais mercadorias. Produzir moradias é produzir espaço dentro de
determinadas relações sociais. Remetendo a Rolnik (2009) “casas empilhadas não fazem uma
cidade, não constituem um tecido urbano”. Isto é, tratar a habitação social como estratégia de
alavancar os ganhos do mercado imobiliário, gera cidades descoladas das necessidades dos
trabalhadores e acirra as contradições de classe.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender a habitação social é necessário analisar as relações sociais que
constroem o espaço no capitalismo. A renda fundiária é constituinte dessas relações, pois
exprime a apropriação de parte da mais-valia extraída da força de trabalho e destinada ao
proprietário fundiário por este possuir o monopólio da propriedade da terra. A renda fundiária
não advém do solo, mas das relações sociais de exploração que extraem mais-valia da força
de trabalho. No urbano, o solo é hierarquizado conforme a localização, os investimentos em
infraestrutura e a exploração do progresso pelo proprietário fundiário. Nesse contexto, o
Estado tem papel decisivo na formação, apropriação e distribuição da renda fundiária entre as
diversas frações de capitalistas, entre eles o fundiário, por meio de medidas jurídicas, de
financiamento, infraestrutura, sendo também o Estado, um apropriador da renda fundiária via
tributos. Em contrapartida, a classe trabalhadora desprovida dos meios de produção e da terra
é sujeitada a segregação e a periferização.
Na fase de emergência da industrialização do país, as medidas de proteção social
passaram a ser assumidas pelo Estado, onde sob o desenvolvimentismo a habitação assume o
caráter de política social atrelada ao desenvolvimento do mercado imobiliário. O Banco
Nacional de Habitação - BNH foi responsável, durante 20 anos, pela produção habitacional,
sendo utilizado para o estímulo econômico e como legitimador das ações do Regime Golpista
de 1964. Os efeitos territoriais do BNH – mesmo diante da produção de 2,4 milhões de
moradias Maricato (2001), aprofundaram as desigualdades e as precárias condições de vida
nas cidades, gerando restrito acesso ao financiamento habitacional para as camadas mais
baixas da classe trabalhadora, periferização dos conjuntos construídos, estímulo a especulação
imobiliária e a não alteração do padrão concentrador do solo urbano.
Contudo, a crise econômica dos anos 1970, fez que a espiral desenvolvimentista
entrasse em franco declínio, tornando evidente o caminho desigual e segregador da
urbanização brasileira. Para Lefebvre (2008), o crescimento econômico e o desenvolvimento
social são processos distintos, onde a ideologia liberal acreditava que se poderia produzir
mercadorias e satisfazer as necessidades “materiais e espirituais” sob a ótica do crescimento
de forma infindável, mas as consequências foram o “mal-estar urbano e a destruição da
natureza e de seus recursos” que “paralisam o desenvolvimento social”. (LEFEBVRE, 2008,
p. 151).
109
A crise econômica inaugura um novo padrão de acumulação baseado na acumulação
flexível, cujas “reformas” do Estado, a reestruturação produtiva, e a busca de espaços para
valorização de excedente de capital e intensificação da tecnologia, encontram-se sob domínio
da financeirização. No Brasil, os reflexos deste processo sobre a política de habitação se
deram pela tentativa de se organizar um mercado imobiliário articulado ao mercado de
capitais, porém, o sistema de securitização imobiliária, análogo ao mercado americano, não se
desenvolveu no ritmo esperado, levando o mercado imobiliário a depender da punção de
fundo público para sua manutenção.
Sob a ótica da acumulação flexível, as cidades passam a competir entre si com vista a
atrair capital e investimentos, tendo os governos papel decisivo na minimização dos riscos ao
capital e no estímulo a parcerias público-privadas, configurando-se o que Harvey (2005)
chamou de empreendedorismo urbano. Vivenciamos recentemente diversos projetos que
adotam tal diretriz, como os projetos de revitalização de áreas centrais e portuárias,
implementação de grandes empreendimentos produtivos via parceria público-privada e
concessões – COMPERJ37
(RJ), Belo Monte38
(PA) – e os megaeventos esportivos – COPA
2014 e Olimpíada 2016. Tais empreendimentos representam uma verdadeira sangria de
recursos públicos para atender os interesses de acumulação do capital e o seu descompasso
em garantir as necessidades básicas dos trabalhadores.
O horizonte de resistência dos trabalhadores organizados nas cidades, desde meados
da década de 1970, era confrontar a centralização política, financeira e institucional do
Estado, exigindo maior participação popular, desenvolvimento urbano, a combate a
especulação imobiliária e a melhoria das condições de vida nas cidades. Essa organização se
dava em torno do Movimento de Reforma Urbana
Contudo, a luta de classe nas cidades expressa a política que domina as relações
sociais no espaço, onde o conflito urbano entre capitalista, proprietário fundiário, Estado e
usuários Lefebvre (2008), depende da correlação de forças de cada um desses sujeitos na
arena política. Ao passo que o capitalismo fragmenta e recorta o espaço, ele o produz
mediante a reprodução das relações sociais. O espaço é político, estratégico e ideológico por
37
O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) está sendo construído no município de Itaboraí, no
estado do Rio de Janeiro, concebido como polo de abastecimento de petróleo. Está entre as obras de maior
relevância do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
38
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte está sendo construída no Rio Xingu no estado do Pará. Objeto de parceria
público-privada, fundo de pensão e investimentos de empresas autoprodutoras movimentará R$ 63 bilhões. Bem
como o COMPERJ, Belo Monte está entre as obras de maior relevância do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
110
ser um produto social. Lefebvre (2008) afirma que a produção do espaço não é similar a
produção de outras mercadorias, mas há relação entre a produção de mercadorias e do espaço,
pois ambos são apropriados e explorados pelo capital.
Desde o período de redemocratização do país, os movimentos sociais urbanos tentam
encampar um conjunto de legislações que melhor atendam as necessidades sociais dos
trabalhadores na cidade. Contudo, o mercado imobiliário, contando com os incentivos do
Estado, vem garantindo suas taxas de lucro. As medidas adotadas desde 2004 demonstram a
primazia dos interesses do produtor privado na condução da política habitacional no país,
alheias as legislações que prezam pela função social da propriedade, pela gestão democrática
e pela moradia como direito social, como mostra a análise realizada especialmente na seção 3
deste estudo.
A necessidade de manutenção das taxas de lucro e a crise mundial que assola a
economia desde 2008, fizeram com que o crescimento econômico e o incentivo a
infraestrutura física e social fossem prioridades do governo de “coalizão” petista. A função do
Estado diante a crise é garantir as condições gerais de produção, reprimir as possíveis
ameaças ao sistema e promover a legitimação junto aos trabalhadores. As medidas anticíclicas
são respostas do Estado a crise do capital e ação de produção do espaço determinada pelas
relações sociais capitalistas. O Estado ao definir medida anticíclica sobre o urbano, como
“agente facilitador dos fluxos de capital para a produção do ambiente construído” (COSTA,
2003, p. 10), expressa também sua dimensão política e seu caráter de classe.
O processo de centralização e concentração de capitais do mercado imobiliário
brasileiro é marcado por sua reestruturação, a partir do Governo Lula. Nela foi mobilizado um
conjunto de medidas que afirmava a sua entrada no mercado financeiro, possibilitando
captação de capitais e a diversificação construtiva e de segmento. Cardoso e Aragão (2011)
destacam as ações do Estado na promoção da reestruturação do setor, como iniciativas de
vantagens tributárias, segurança jurídico-legal e diversificação de financiamento público.
O atual desenho da provisão de habitação social pelo mercado imobiliário possui como
algumas das características a periferização, a escassez de infraestrutura, a disputa desigual de
acesso ao solo construído entre as classes, a valorização imobiliária, consolidação do
financiamento da moradia com vista a propriedade privada e não como direito humano e a
desresponsabilização do Estado na promoção de habitação social, dados os pífios
investimentos como se procurou demonstrar. A produção do espaço fica destinada a
acumulação e aos interesses do capital, acirrando, ainda mais, as contradições na cidade.
111
A questão fundiária, pedra angular de todos os projetos habitacionais implantados no
país até agora, permanece concentrada e pouco tributada, beneficiando os grandes
proprietários fundiários urbanos. Afonso e Castro (2013) citam que a participação do
patrimônio imobiliário na carga tributaria brasileira é de 1,06% do PIB em 2012. Tributos
como IPTU, ITBI e ITR podem ser considerados regressivos, pois possuem baixa
arrecadação, a maior incidência sobre as pequenas propriedades e não estão vinculados ao
financiamento de nenhuma política urbana. Exemplo do poder de arrecadação do IPTU é que
ele corresponde, em média, a apenas 5,3% da receita dos municípios. O padrão concentração
fundiária aprofunda a segregação socioespacial no Brasil, o que dificulta o acesso a terra
urbanizada como forma necessária a reprodução da força de trabalho, restando moradias
periféricas, precárias, adensadas e de alto custo aos trabalhadores.
As maiores fontes de financiamento habitacional no país desde o regime militar são o
FGTS e o SBPE. Essas fontes de financiamento representaram um volume de contratações de
R$ 569,6 bilhões (CBIC, 2013), produzindo cerca de 5,4 milhões de moradias entre os anos
de 2006 a 2012. Contudo, esses investimentos foram objeto de valorização imobiliária e
adensamento dos empreendimentos. A relação dessas fontes de financiamento com a
habitação social se dá pelo financiamento de 36% de projetos de produção habitacional e 20%
da urbanização de assentamentos precários.
Entre as medidas de incentivo a reestruturação do setor da construção estão as
desonerações fiscais de R$ 40 bilhões para a função habitação e para o Programa Minha Casa
Minha Vida entre os anos de 2006 a 2012 (RFB, 2011), excluído o montante de renúncias
com a redução da contribuição previdência patronal de cerca de R$ 25 bilhões (DIEESE,
2012). Cabe destacar, que as renúncias tributárias concedidas atingem, frontalmente, o
orçamento da Seguridade Social por meio de tributos como CSLL e o COFINS.
O orçamento público é composto com um conjunto de peças orçamentárias, entre
elas o Plano Plurianual. Foram estudados os três PPA’s de 2004 a 2015, que elencavam como
meta de recursos para habitação um montante de R$ 486 bilhões, um média de 5% do
montante total destinado aos programas finalísticos/área temática. Contudo, observamos nas
peças orçamentárias que a habitação vem sendo fragmentada dentro do planejamento
governamental, primeiro descolada da área social e depois dentro da área de infraestrutura
fragmentada em relação às outras políticas urbanas, reafirmando a moradia como instrumento
anticíclico de política econômica e objeto de pouco interesse político para assegurar a
intersetorialidade nas políticas urbanas.
112
Em meio à confusão (intencional) quanto ao lugar da habitação, foi instituído o
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e em seu bojo o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social. Portando um conjunto de princípios, tais como a
intersetorialidade no âmbito do desenvolvimento urbano, ambiental e social; a defesa do
direito a moradia digna e da função social da propriedade da terra e a instituição do controle
democrático sobre a política urbana, além de um Fundo que possibilitasse a centralização e
gerenciamento dos recursos, constatamos que o SNHIS enfrenta dificuldades para sua
concretização. Alguma delas são o paralelismo e a fragmentação das ações, a não aplicação de
orientações expressas nos planos e nas decisões dos conselhos, baixa alocação de recursos no
FNHIS e a orientação para atendimento dos interesses do mercado imobiliário que elegeu a
habitação social como nicho de mercado, reforçando a sua mercantilização.
Referente às análises orçamentárias, identificamos que o desfinanciamento
acompanha a função habitação, pois se em 2006 eram liquidados R$ 1,8 bilhão, em 2012 o
volume de recursos foi reduzidos a R$ 151 milhões, correspondendo a 0,007% do Orçamento
Geral da União, o que demonstra a discrepância da meta de recursos para habitação exposta
nos PPA’s, e o montante liquidado realmente na função habitação. Já no Ministério das
Cidades, o montante de recursos que vinha crescendo, cerca de 1% do OGU, fechou o ano de
2012 com 0,2% do Orçamento Geral da União.
Analisando os recursos liquidados na Unidade Orçamentária FNHIS podemos
perceber o desfinanciamento do fundo, que em 2006 representou 27,5% dos recursos alocados
no órgão, e em 2010, o menor percentual, de 1,3%. Além dos poucos recursos mobilizados, o
FNHIS também possui corte substancial entre os recursos alocados e os liquidados, retendo
apenas 14% dos recursos previstos para 2012. Relacionando os recursos alocados no FNHIS
e na função habitação, constatamos que as despesas com a função habitação advêm dos
recursos do FNHIS, em sua maior parte. Esse dado significa uma associação entre o fundo e a
função, algo pouco presente entre as políticas sociais, mas também aponta a tendência de
desfinanciamento da habitação pautada por princípios do SNHIS, especialmente após o ano de
2010. O FNHIS possui nos programas de urbanização de assentamento precário e de produção
habitacional sua maior intervenção. A destinação orçamentária para o projeto de urbanização
de assentamentos precários foi de R$ 3,1 bilhões, e a produção habitacional de R$ 1,6 bilhões
nos anos estudados. Esses dados demonstram a pouca influência dos recursos do FNHIS para
tais projetos, havendo a prevalência dos repasses oriundos do FGTS, por exemplo o FGTS
destinou R$ 48 bilhões, no mesmo período, a produção de habitação social.
113
Em meio ao processo de afirmação do FNHIS como estratégia de acesso a moradia
adequada para a classe trabalhadora nas cidades, a crise econômica foi decisiva para a
redefinição e até mesmo questionamento do SNHIS como instrumento para esse fim. A
resposta a crise enraizada sob os princípios neoliberais, veio na forma do “novo-
desenvolvimentismo”, tendo o Estado como indutor da política econômica e articulador do
apelo ideológico com vista ao crescimento, lançando assim, o Programa Minha Casa, Minha
Vida. Sob os argumentos de resposta as demandas sociais e enfrentamento a expressão da
questão social urbana, como o déficit habitacional, o PMCMV fortaleceu o setor da
construção civil, a mercantilização do direito social à moradia e as ações paralelas ao
SNHIS.
Considero o Programa Minha Casa Minha Vida como uma das expressões mais
marcantes do projeto político que acompanha o “novo-desenvolvimentismo”. Ao atrelar a
satisfação de necessidades sociais por meio de medidas de crescimento econômico, o Estado
atende os interesses do mercado imobiliário, causa o apassivamento dos movimentos sociais
urbanos e desqualifica o SNHIS como mecanismo de acesso a moradia, apresentando o
PMCMV-Entidade como opção de financiamento para as organizações populares. Tomada
pela reestruturação do mercado imobiliário, a habitação, sob este programa, perde seu
componente de sociabilidade e de direito humano, sendo reduzida a mera produção
habitacional. Mas como produção de espaço reforça as relações sociais fragmentárias e de
exploração presentes na sociedade capitalista.
Calcula-se que foram investidos R$ 16 bilhões entre os anos de 2009 a 2012 através
dos recursos do Orçamento Geral. Relatórios do Balanço Geral da União apontam um
investimento de R$56 bilhões ao PMCMV advindos da Caixa Econômica e do Sistema
Financeiro de Habitação, mas não discriminados. Os recursos financiaram 2.072 milhões de
unidades habitacionais, sendo 47% para atender a faixa 1, que compreende as famílias mais
atingidas pelo déficit habitacional. O PMCMV é desvinculado do Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social e não possui nenhum indicativo quanto a possibilidade de
regulamentação junto ao Sistema e a respectiva competência sobre a política de habitação,
chegando a disputar fontes de financiamento do FNHIS.
Outras críticas que envolvem o PMCMV são a sua influência na periferização dos
projetos para a classe trabalhadora, a padronização e a baixa qualidade arquitetônica dos
projetos, mercantilização da moradia, estímulo a valorização imobiliária, apropriação de terras
urbanizadas e baixa influência na definição dos projetos pelo poder público municipal. Todas
114
essas características afirmam o privilegiamento do produtor privado na condução do
Programa Minha Casa Minha Vida.
No bojo do “novo-desenvolvimentismo”, os princípios do social-liberalismo tentam
trazer para as medidas de desenvolvimento do capital aspectos de equidade social, mas
acabam por reforçar um padrão de política habitacional alicerçada sobre o caráter pulverizado
e mercantilizado da oferta. É sobre o privilegiamento do produtor privado que se alicerça a
oferta habitacional no Programa Minha Casa Minha Vida. Retomando as contribuições de
Engels (1988), na sociedade capitalista a crise da habitação não é um acaso, mas uma
instituição, e ressalta, que mesmo que fossem construídas moradias suficientes para satisfazer
as necessidades, ela só colaboraria para dissimular o problema e obscurece a necessidade de
superação da oposição entre campo e cidade.
Chegamos as considerações finais com a intenção de ter contribuído para o estudo da
economia política do urbano e para a maior materialidade de aspectos da política de habitação
social de promoção estatal, tais como seu desfinanciamento e mercantilização. Contudo,
muito ainda necessita ser desvendado, esclarecido e reivindicado pelos sujeitos
comprometidos com o direito à cidade e a moradia adequada. Há debates que necessitam ser
alimentados na perspectiva de ampliar o conhecimento sobre a realidade urbana no interior da
teoria crítica. Exemplo disto é identificar os elementos que unificam o mercado imobiliário ao
financeiro no que tange a habitação e habitação social, a participação dos fundos de pensão
nas aplicações financeiras habitacionais, a intervenção da Caixa Econômica Federal sobre os
programas de habitação e as disputas com o Ministério das Cidades na condução das políticas
urbanas, e na pesquisa do orçamento público o papel dos fundos contábeis e sua captura pelo
capital. São inúmeras ainda as oportunidades de pesquisa, mas a luta pela reforma urbana
permanece central.
Assim, a agenda da Reforma Urbana permanece atual, mesmo diante uma sociedade
que se orienta para a satisfação da acumulação capitalista. A reforma urbana é necessária, não
como instrumento de adaptação à “política do possível”, mas como o direito a moradia
envolvendo a defesa do direito humano de viver de forma adequada, solidária e com respeito
a cultura e a história dos sujeitos, e a função social da propriedade buscando a gestão coletiva
do espaço pela supressão da propriedade privada do solo, onde “a socialização, ou seja, que o
povo (classe trabalhadora) como um todo, transgredindo as relações de propriedade, ocupe o
espaço social e dele se aproprie Lefebvre (2008). A reforma urbana é utopia dialética de
identificar as contradições do sistema e enfrentar o bloqueio da cidade aos trabalhadores. Se
realmente pretendemos aglutinar forças para enfrentar a barbárie imposta pelo capitalismo a
115
classe trabalhadora, devemos resgatar a agenda da reforma urbana que devem ser retomadas
na perspectiva do questionamento a propriedade privada do solo e da exploração do trabalho,
e construir alternativa rumo ao socialismo.
116
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