All out um caso de sinergia entre a mobilização virtual e a mobilização urbanav2

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ COMUNICAÇÃO, CULTURA E ARTE ALL OUT: UM CASO DE SINERGIA ENTRE MOBILIZAÇÃO VIRTUAL E MOBILIZAÇÃO URBANA CAMILLA MARTINS Curitiba 2012

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Por Camilla Martins

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ COMUNICAÇÃO, CULTURA E ARTE

ALL OUT: UM CASO DE SINERGIA ENTRE MOBILIZAÇÃO VIRTUAL E MOBILIZAÇÃO URBANA

CAMILLA MARTINS

Curitiba 2012

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All Out: um caso de sinergia entre a mobilização virtual e a mobilização urbana Resumo: A internet e as redes sociais vem transformando radicalmente a sociedade, principalmente no que diz respeito às relações de poder, aos processos de comunicação, de democracia e comunidade. Assuntos polêmicos como aborto, preconceito, política e homossexualidade não estão mais restritos à decisões governamentais e são discutidos amplamente na rede. O espaço virtual tornou-se uma nova versão do espaço público, onde as pessoas se reúnem para protestar em prol de uma causa. Este artigo pretende colocar em discussão a forma como essas mobilizações se organizam através da internet e das redes sociais, usando como exemplo o caso da ONG All Out – que se utiliza principalmente das novas mídias e tecnologias na defesa e garantia da liberdade e dos direitos LGBTT no mundo todo, e qual o impacto efetivo que elas alcançam. Estamos em maio de 2012, em meio ao boom da tecnologia, modernidade, contemporaneidade, era da informação, era da conexão e a Folha de São Paulo traz a seguinte notícia: “Rússia estabelece primeira condenação por lei anti-homossexual”. Para algumas pessoas isso pode soar até absurdo, para aqueles mais tradicionais e extremistas isso pode ser um precedente. Usando da ironia e do bom humor, a situação “russa” na Rússia nessa área não é novidade. A homossexualidade foi considerada crime no país até 1993 e doença mental até 1999. As tentativas de se organizar manifestações de Orgulho Gay, como as que acontecem no mundo todo, vem sendo proibidas desde 2006. Essa proibição física às manifestações não impede que haja reação por parte da população, o sociólogo Manuel Castells fala que “onde quer que haja poder, haverá resistência a ele” (Castells, 2011) e a falta de um espaço público juntamente com o acesso à internet, o boom das redes sociais e da tecnologia, leva esse sentimento de protesto para a esfera virtual. Nota-se que atualmente alguns governos não acompanham a dinâmica desse novo molde de sociedade, imposto pelo advento da tecnologia e da internet. O antropólogo argentino Canclini fala que no mundo globalizado, a cidade não se constitui apenas pelo que acontece em seu território, mas também através de um multiculturalismo democrático. A população pode não tomar as ruas, mas pode tomar a web. Essa nova dinâmica é discutida pelo doutor em Sociologia e estudioso André Lemos:

A multidão, de repente, tornou-se visível, e instalou-se nos lugares preferentes da sociedade. Antes, se existia, passava inadvertida, ocupava o fundo do cenário social; agora adiantou-se até às gambiarras, ela é o personagem principal. Já não há protagonistas: só há o coro. (Ortega y Gasset apud Lemos, 2005, p. 13)

A tendência é a diminuição do poder e do significado do governo e do estado, como aponta Trivinho

[...] como se o Estado moderno e a política instituída pertencessem a época essencialmente distinta da democracia cibercultural, como se no conjunto, o imaginário político instituído, na totalidade de seus

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recursos disponíveis de inteligência estratégica e retaguarda organizativa e operacional, não seguisse o mesmo calendário do modus operanti digital (Trivinho, 2006: 91)

Mesmo diante desse cenário, o governo russo aprovou a lei que proíbe a propaganda homossexual na cidade de São Petersburgo. De acordo com a legislação qualquer manifestação de homossexualidade, bissexualidade, lesbianismo ou transexualidade poderá ser penalizada com multas e até prisão. E o rigor da lei não se restringe à manifestações de afeto entre gays e lésbicas, mas também à produção de literatura, música, artes plásticas e qualquer outro viés artístico que tenha conotação homossexual ou que defenda seus direitos. A reportagem da Folha de São Paulo, citada no início do texto, conta o caso de Nikolai Alexev, condenado a uma multa de 5.000 rublos, o que equivale a cerca de 170 dólares, por ter participado de uma manifestação contra a decisão do governo. Outro caso foi o do advogado Sergey Kondrashov, preso e taxado de ativista por segurar um cartaz em apoio a uma amiga com a seguinte mensagem “Uma querida amiga da família é lésbica. Minha esposa e eu a amamos e a respeitamos. E sua família é exatamente igual a nossa”. O AI-5 vivido aqui no Brasil nos tempos da ditadura militar parece muito mais justo se comparado à isso, não é mesmo? Pelo menos, a população toda era perseguida e não somente um grupo. A situação vivida por Sergey tomou proporções internacionais com a atuação da ONG All Out, que organizou um manifesto virtual para a coleta de assinaturas que devem ser levadas ao primeiro ministro russo, Vladmir Putin. As assinaturas online já passam da marca de 70 mil, em menos de um mês. Seria possível alcançar esse mesmo número, nesse mesmo tempo, colhendo assinaturas uma a uma, de casa em casa? Além dos casos acima, três integrantes da banda punk russa Pussy Riot foram presas. A carta aberta do governo informa que elas foram presas “por conduta desordeira e hooliganismo”. Essa condenação pode chegar a sete anos de prisão. Outro caso envolve a cantora Madonna. Quem entende um pouco de cultura pop e conhece o histórico da popstar ficou chocado ao saber que ativistas de uma ONG GLBT russa estão lutando para que o show da nova turnê dela, previsto para agosto, não aconteça. Por que será que ativistas LGBTT seriam contra a apresentação da cantora, que sempre discursou a favor da minoria, da liberdade sexual, da igualdade de direitos, ajudou na quebra de tabus e preconceitos, tornando-se um ícone gay? Lendo as matérias sobre o caso, é muito plausível e inteligente o pedido dos ativistas, na verdade, eles começaram uma campanha para que nenhum artista se apresente na cidade como forma de protesto à lei. Além desse pilar, a campanha também faz um apelo aos turistas, pedindo para que eles deixem de visitar o país. Temos que concordar que essa forma de protesto talvez seja muito mais eficiente, pois afeta também economicamente a cidade, já que shows desse porte e turistas movimentam milhões. Aqui há também um espaço para discutir como o poder influencia na produção e no consumo de cultura, trazendo para a realidade brasileira, se a lei se aplicasse aqui talvez não fossem conhecidos grandes nomes da literatura contemporânea, como Caio Fernando Abreu; da música, como Ney Matogrosso ou Cazuza; entre outros. Mas a reflexão a que esse artigo se propõe é outra.

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All Out: sinergia entre a mobilização virtual e a mobilização urbana O caso da organização não governamental All Out é bastante interessante nesse âmbito. Na verdade, ela é uma campanha global com mais de meio milhão de participantes de 190 países, dedicada à igualdade LGBTT, cujo diferencial é justamente ser online. Usando de meios como blogs, Facebook, Twitter, Youtube, e-mail, entre outros, a All Out vem conseguindo importantes resultados. Pode ser caracterizada pelo termo “smart mob”, criado por H. Rheingold (2002) para explicar os novos meios de viralização em consequência das novas tecnologias como celulares, pages, wireless, blogs, redes sociais, etc. Para ele as smart mobs:

“consist of people who are able to act in concert even if they don’t know each other. The people who make up smart mobs cooperate in ways never before possible because the carry devices that possess both communication and computing capabilities” (Rheingold apud Lemos. 2005, p.12)

Há muitas críticas em relação aos protestos feitos nas redes sociais, principalmente no que se refere ao comodismo. Publicar sua opinião em algum site ou assinar uma petição online realmente muda alguma coisa, traz visibilidade? Ou ainda é preciso ir para as ruas? Castells talvez nos dê uma resposta:

Durante anos, minhas observações dos movimentos sociais mostram que essa autonomia comunicativa tem sido aproveitada, para organizar e ampliar a mobilização. A partir dessa indignaçnao organiza-se um debate. Desse momento em diante, as iniciativas de rede, do ciberespaço, passam ao espaço urbano, e se organiza uma interação entre o espaço urbano e o da rede virtual. Ela organiza, mobiliza, gera uma dinâmica que modifica instantaneamente as relações de poder na sociedade, e começa a influenciar o mais importante: as mentalidades das pessoas. (Castells, 2011)

Como resume o André Lemos “A era da conexão parece estar colocando em sinergia espaço virtual, espaço urbano e mobilidade” (Lemos, 1997, p.14). A opinião de Castilho também converge com a de Castells e de Lemos:

“a facilidade de comunicação interpessoal, por meio de dispositivos eletrônicos, leva as pessoas a compartilhar cada vez mais as suas frustrações políticas, criando condições para o surgimento de explosões de descontentamento que fogem inteiramente aos padrões políticos convencionais, o que tem deixado as autoridades desnorteadas. (Castilho apud Santos, 2011).

No caso dos direitos LGBTT e da All Out essa situação pode ser comprovada em números. Uma análise na página do Facebook da ONG referente ao mês de abril de 2012 mostra que os fãs são muito mais engajados que em outras páginas. A média é que 10% dos fãs de uma fanpage sejam engajados, ou seja, comentem, curtam e compartilhem o conteúdo. No caso da All Out, esse percentual sobe para 18%. Em abril, a página teve 2.467 interações – curtir,

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compartilhamentos e comentários. Estima-se que cada usuário do Facebook tenha cerca de 250 amigos, portanto o conteúdo da All Out poderá ter atingido 616.750 pessoas. Esse número supera a quantidade de habitantes da cidades mais populosa da Uganda, país onde o projeto de lei que penalizaria com morte o homossexualismo foi abandonado devido à pressão internacional levantada pela All Out. Foram 500 mil pessoas ao redor do mundo protestando.

Nas outras redes, a atuação da organização não é diferentes. O canal All Out no Youtube tem aproximadamente 1 milhão de visualizações e os vídeos acumulam mais de mil compartilhamentos no Twitter. No microblog, a ONG conta com 6.420 seguidores e recebe, em média, 480 menções por mês. Utilizando um calculo parecido com o do Facebook, se cada usuário do Twitter tiver 200 seguidores, as mensagens podem atingir 96.000 pessoas por mês.

As manifestações não ficam apenas na web, em diferentes lugares do mundo, como Nova Iorque, Nova Jérsei, São Paulo, Rio de Janeiro, Estocolmo, Londres, entre outras, houve protestos em prol das campanhas desenvolvidas pela ONG. Em Nova Jérsei, os protestos conseguiram evitar a deportação de um dos membros de um casal gay para a Venezuela. Esses resultados condizem muito com o que Castells fala sobre a mudança na mentalidade das pessoas e também com o que Medina fala sobre sair do virtual para o real:

“As redes sociais podem ser utilizadas para levar as pessoas às ruas, para mobilizar a população em torno de causas, para potencializar a repercussão de suas causas, junto às mídias tradicionais, e antes mesmo disso, para forma opinião” (Martins, 2011)

A internet e as redes sociais proporcionam um encontro muito importante, como estuda Castells, as pessoas descobrem que não estão sozinhas e se unindo elas ficam mais fortes.

“A partir do momento em que surge uma dinâmica espontânea de organização em rede, na internet, nas ruas e nas relações interpessoais – a partir daí, a dinâmica muda. Quando as pessoas já não estão sozinhas, quando sabem que estão juntas, produz-se a mudança mais importante nas mentes. Perde-se o medo de dizer e de fazer” (Castells, 2011)

Dia mundial de ação contra a lei anti-homossexualismo na Russia O entendimento das mudanças provocadas pelos protestos e pelas mobilizações iniciados a partir da internet pode não ser muito claro nesse momento. É algo que ainda está sendo analisado e devemos ter um estudo mais completo daqui a alguns anos. Por agora, é fato que as redes sociais afetam e influenciam decisões e incitam discussões antes não muito pautadas pelo governo ou pela imprensa. Como no relato do The New York Times apresentado pelo Observatório da Imprensa:

Antigamente os regimes autoritários podiam ocultar os acontecimentos em seus países simplesmente cortando as linhas

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telefônicas de longa distância e restringindo alguns estrangeiros. Mas, no século 21, as câmeras de celulares, as contas no Twitter e toda a parafernália da internet mudaram o antigo cálculo de quanto poder os governos realmente têm para sequestrar seus países dos olhares do mundo e dificultar para sua própria população reunir-se, discordar e rebelar-se.

Embora seja proibida qualquer manifestação gay na Rússia, no dia 28 de fevereiro de 2012, pessoas de cidades como Estocolmo, Paris, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Hamburgo, entre outras, foram às ruas apoiar a população gay russa contra a lei. O vídeo da campanha no Youtube tem praticamente meio milhão de visualizações. A hashtag #LGBT no Twitter tem 100 mil menções por mês; o termo Homofobia Não aparece pelo menos 727 vezes no mês, o Gay Rights 2.375 vezes. Como fala Castells, a mentalidade das pessoas começa a mudar e isso, meus caros, já é uma grande vitória.

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Canal do Youtube da All Out. Disponível em <  http://www.youtube.com/user/AllOutorg>. Acesso em 11 de maio.2012. Perfil no Twitter da All Out. Disponível em <www.twitter.com/allout>. Acesso em 07 de maio.2012.