Allison e a Centralidade Do Entendimento Na Dedução (Douglas Orben)

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A CENTRALIDADE DA ESPONTANEIDADE DO ENTENDIMENTO NA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL KANTIANA SEGUNDO HENRY E. ALLISON Douglas João Orben 1 RESUMO: A dedução transcendental das categorias é uma das partes centrais da Crítica da razão pura (1781) de Kant. Tendo sido demonstrado, via dedução metafísica, a realidade transcendental das categorias, o objetivo kantiano, então, passa a ser o de provar a aplicabilidade das categorias puras do entendimento humano à experiência sensível. Na primeira Crítica, tal prova é apresentada na Analítica dos conceitos, mais propriamente na Dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento (Cf. KrV, B 130-169). O presente trabalho pretende abordar o referido trecho, da obra kantiana, de acordo com a interpretação de Henry E. Allison. Para Allison, todas as sínteses da dedução transcendental (síntese intelectual, síntese da imaginação e síntese da apreensão) estão, igualmente, regidas pelas categorias. Neste sentido, a dedução transcendental deve (necessariamente) ser analisada tomando com ponto norteador a espontaneidade do entendimento. Assim, mesmo contendo argumentos e sínteses diferentes, a comprovação da aplicabilidade das categorias à experiência possível somente pode ser levada a cabo considerando, em todos os seus passos, a inevitável determinação de todas as sínteses pelas condições transcendentais do entendimento. Palavras-chave: Dedução Transcendental. Kant. Allison. INTRODUÇÃO A “revolução copernicana 2 , operada por Kant, tem como consequência inevitável a necessidade de novos fundamentos para o conhecimento humano. A filosofia transcendental, portanto, apresenta-se como a fonte de todos os princípios e conceitos, que submetidos à crítica, 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS (Porto Alegre) e professor do curso de Filosofia da Faculdade Palotina - FAPAS (Santa Maria). 2 A metáfora da “revolução copernicana” de Kant remete a virada epistemológica operada na Crítica da Razão Pura. Na obra, Kant comprova que toda natureza humanamente possível encontra-se, necessariamente, determinada pelas condições puras e a priori do Entendimento humano. Esta nova postura filosófica refuta a tese empirista que acreditava serem os dados empíricos o fundamento de todo conhecimento humano.

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  • A CENTRALIDADE DA ESPONTANEIDADE DO ENTENDIMENTO NA DEDUO

    TRANSCENDENTAL KANTIANA SEGUNDO HENRY E. ALLISON

    Douglas Joo Orben1

    RESUMO: A deduo transcendental das categorias uma das partes centrais da Crtica da

    razo pura (1781) de Kant. Tendo sido demonstrado, via deduo metafsica, a realidade

    transcendental das categorias, o objetivo kantiano, ento, passa a ser o de provar a aplicabilidade

    das categorias puras do entendimento humano experincia sensvel. Na primeira Crtica, tal

    prova apresentada na Analtica dos conceitos, mais propriamente na Deduo transcendental

    dos conceitos puros do entendimento (Cf. KrV, B 130-169). O presente trabalho pretende abordar

    o referido trecho, da obra kantiana, de acordo com a interpretao de Henry E. Allison. Para

    Allison, todas as snteses da deduo transcendental (sntese intelectual, sntese da imaginao e

    sntese da apreenso) esto, igualmente, regidas pelas categorias. Neste sentido, a deduo

    transcendental deve (necessariamente) ser analisada tomando com ponto norteador a

    espontaneidade do entendimento. Assim, mesmo contendo argumentos e snteses diferentes, a

    comprovao da aplicabilidade das categorias experincia possvel somente pode ser levada a

    cabo considerando, em todos os seus passos, a inevitvel determinao de todas as snteses pelas

    condies transcendentais do entendimento.

    Palavras-chave: Deduo Transcendental. Kant. Allison.

    INTRODUO

    A revoluo copernicana2, operada por Kant, tem como consequncia inevitvel a

    necessidade de novos fundamentos para o conhecimento humano. A filosofia transcendental,

    portanto, apresenta-se como a fonte de todos os princpios e conceitos, que submetidos crtica,

    1 Mestrando do Programa de Ps-graduao em Filosofia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul -

    PUC/RS (Porto Alegre) e professor do curso de Filosofia da Faculdade Palotina - FAPAS (Santa Maria). 2 A metfora da revoluo copernicana de Kant remete a virada epistemolgica operada na Crtica da Razo Pura. Na obra, Kant comprova que toda natureza humanamente possvel encontra-se, necessariamente, determinada pelas

    condies puras e a priori do Entendimento humano. Esta nova postura filosfica refuta a tese empirista que

    acreditava serem os dados empricos o fundamento de todo conhecimento humano.

  • revelaram-se de origem pura e a priori. Por se tratar do conhecimento especificamente humano,

    os conceitos e intuies so condies transcendentais, tpicas do entendimento humano, sem as

    quais nenhum conhecimento seria possvel. Estas estruturas intelectuais e sensveis, no apenas

    condicionam, seno que determinam todo o conhecimento humanamente possvel. No obstante,

    a realidade possvel manifesta-se na sntese dos predicados intelectuais (categorias) como as

    condies da Sensibilidade humana (espao e tempo).

    A sntese transcendental constitui a parte central da Analtica dos Conceitos da Crtica da

    Razo Pura, pois em sua alada encontra-se uma questo basilar: demonstrar que as categorias

    puras e a priori do Entendimento (encontradas na Deduo Metafsica) so as condies formais

    de todos os objetos, bem como da experincia em geral3. A sntese transcendental legitima a

    aplicabilidade das categorias puras experincia, assim como limita o seu mbito de validade s

    fronteiras da Sensibilidade.

    Neste sentido, a abordagem defendida por Henry Allison, pretende mostrar que a

    Deduo Transcendental fundamenta a sntese na espontaneidade do Entendimento. A

    demonstrao da validade e realidade objetiva das categorias seria, portanto, a condio e

    possibilidade da sntese e, por conseguinte, de toda realidade fenomnica. A conexo entre

    predicados intelectuais e intuio sensvel no deixa de ser um ato sinttico. Todavia, pra Allison,

    nada poderia ser sintetizado sem a espontaneidade das categorias.

    1. VALIDADE OBJETIVA E REALIDADE OBJETIVA: A SNTESE NA

    INTERPRETAO DE ALLISON

    A interpretao e defesa do idealismo transcendental kantiano por Allison, no que

    concerne Deduo Transcendental, pretende demonstrar a conexo entre as condies sensveis

    e intelectuais do conhecimento humano4, fundamentando-se na espontaneidade do Entendimento

    humano. A tese que todo contedo sensvel, independente da natureza, deve sujeitar-se s

    categorias,5 de tal forma que a sntese transcendental encontra-se atrelada, inevitavelmente, as

    categorias puras e a priori do Entendimento.

    3 Cf. Hffe, 1986, p. 91. 4 Cf. Allison, 1992, p. 217. 5 La tesis es que todo contenido sensible, cualquiera que sea su naturaleza, debe sujetarse a las categoras [...] (Allison, 1992, p. 218).

  • Para tanto, a abordagem de Allison defende que a Deduo Transcendental contempla

    duas teses distintas acerca das categorias, e que cada uma delas opera com uma diferente

    concepo de objeto. O autor escreve: O essencial de minha interpretao pode resumir-se da

    seguinte maneira: a primeira parte da deduo se refere validade objetiva (objective Gltigkeit)

    das categorias, enquanto que a segunda parte se refere a sua realidade objetiva (objective

    Realitt). 6 (Allison, 1992, p. 220).

    Nesta concepo, a validade objetiva das categorias condio de possibilidade para a

    verdade ou falsidade dos juzos. Afirmar a validade objetiva das categorias equivale a dizer que

    elas fundamentam, possibilitam e legitimam a validade da sntese judicativa7. Em outros termos,

    a validade objetiva acompanha os preceitos da lgica geral8 enquanto condies da verdade ou

    falsidade de todos os juzos possveis.

    A validade objetiva aborda o objeto em sentido amplo, o qual contempla todo e qualquer

    juzo sintetizado pelas categorias. Segundo Allison, o termo utilizado por Kant para designar este

    sentido de objeto em geral Objekt9. O objeto (Objekt) da validade objetiva das categorias

    uma condio necessria para a sntese transcendental dos objetos reais (Gegenstand) 10, pois ela

    funda a possibilidade da experincia em geral.

    Porm, a condio geral da validade objetiva no implica na totalidade da sntese

    transcendental. Esta, por estabelecer a ligao entre conceitos e dados empricos, deve

    6 Lo esencial de mi interpretacin puede resumirse en la siguiente frmula: la primera parte de la se refiere a la validez objetiva (objective Gltigkeit) delas categoras, mientras que la segunda parte se refiere a su

    realidad objetiva (objective Realitt). (Allison, 1992, p. 220). 7 Cf. Allison, 1992, p. 220. 8 Dentro do sistema lgico kantiano a lgica geral divide-se em lgica geral pura e aplicada. A lgica geral pura

    compreende as regras formais e a priori do Entendimento puro, ou seja, ela refere-se s normas bsicas do

    pensamento a priori; segundo Kant, a mesma contm as regras absolutamente necessrias do pensamento, e ocupa-se portanto destes, independentemente da diversidade dos objetos a que possa dirigir-se (Kant, 1985, p. 89). Neste

    mesmo sentido, Kant salienta que uma lgica geral, mais pura, ocupa-se, pois, de princpios puros a priori e um cnone do entendimento e da razo, mas s com referencia ao que h de formal no seu uso, seja qual for o contedo

    (emprico ou transcendental) (Kant, 1985, p. 90). De outro modo, a lgica geral aplicada entendida por Kant como um conhecimento psicolgica baseado em dados empricos, pelo que no se pode atribuir-lhe um valor

    transcendental, mas apenas uma aplicabilidade geral, uma vez que, mesmo considerando dados empricos, ela no

    distingue os objetos determinados. Segundo Kant, uma lgica geral aplicada, quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condies empricas subjetivas que a psicologia nos ensina. Tem, pois, princpios empricos,

    embora seja, na verdade, geral na medida em que ocupa-se do uso do entendimento sem distino dos objetos (Kant, 1985, p. 90). Para maior compreenso acerca destes conceitos: Cf: Kant, 1992, p. 36. 9 Cf. Allison, 1992, p. 221. 10 Segundo Allison, se por um lado Kant usa o termo Objekt como sendo uma condio geral da verdade ou falsidade do objeto, por outro lado o termo Gegenstand representa o objeto da realidade objetiva, ou seja, objeto (Gegenstand) expressa o sentido real do objeto, pelo que, o mesmo, deve necessariamente estar ligado a uma

    experincia possvel.

  • determinar, alm da verdade formal, a condio real do objeto existente (Gegenstand). Com

    efeito, em consonncia com a validade objetiva das categorias, Allison afirma a noo de

    realidade objetiva como sendo a determinante da sntese transcendental, pois afirmar que um

    conceito tem realidade objetiva equivale a afirmar que se refere ou aplicado a um objeto real.11

    (Allison, 1992, p. 221).

    A realidade objetiva (Gegenstand) das categorias corrobora a tese kantiana que afirma a

    aplicabilidade das categorias s formas puras da Sensibilidade humana12, de tal forma que, como

    expressa o ttulo do 20: todas as intuies sensveis esto submetidas s categorias, como s

    condies pelas quais unicamente o diverso daquelas intuies se pode reunir numa conscincia

    (Kant, 1985, p.142). Em outras palavras, as condies intelectuais (categorias) se aplicam,

    necessariamente, aos dados da Sensibilidade humana, so elas que determinam e possibilitam a

    experincia, entendida aqui como conhecimento emprico de objetos13 (Gegenstand).

    1.1. Validade objetiva das categorias

    O objetivo basilar de Allison, em sua interpretao da Deduo Transcendental das

    categorias, considerar o Entendimento humano como a faculdade regente de toda e qualquer

    sntese14 ou combinao de elementos do conhecimento15. Entretanto, o princpio da sntese

    transcendental tem como ponto de partida a capacidade de o sujeito representar algo

    conscientemente, ou seja, reconhecer que algo seja representado para mim. Segundo Kant, este

    princpio da unidade transcendental da apercepo16 condio inevitvel para todo pensamento

    possvel; pois, sem ele, nada poderia ser representado pelo sujeito pensante. Em termos

    kantianos:

    11 Afirmar que un concepto tiene realidad objetiva equivale a afirmar que se refiere o es aplicable a un objeto real. (Allison, 1992, p. 221). 12 Cf. Kant, 1985, 22, 23 e 24. 13 Cf. Allison, 1992, p. 223. 14 Considerando o Entendimento como a fonte da sntese, Kant escreve: A ligao (conjunctio) de um diverso em geral no pode nunca advir-nos dos sentidos e, por consequncia, tambm no pode estar, simultaneamente, contida

    na forma pura da intuio sensvel, porque um acto da espontaneidade da faculdade de representao; e j que

    temos de dar a esta ltima o nome de entendimento, para a distinguir da sensibilidade, toda a ligao, acompanhada

    ou no de conscincia, quer seja ligao do diverso da intuio ou de vrios conceitos, quer, no primeiro caso, seja

    uma intuio sensvel ou no sensvel, um ato do entendimento a que aplicaremos o nome genrico de sntese. (Kant, 1985, p. 129-130). 15 Cf. Allison, 1992, p. 224. 16 Kant descreve demoradamente este princpio no 18 da primeira Crtica. Cf. Kant, 1985, p. 139.

  • O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representaes; se assim

    no fosse, algo se representaria em mim, que no poderia, de modo algum, ser

    pensado, que o mesmo dizer, que a representao ou seria impossvel ou pelo

    menos nada seria para mim. A representao que pode ser dada antes de

    qualquer pensamento chama-se intuio. Portanto, todo o diverso da intuio

    possui uma relao necessria ao eu penso, no mesmo sujeito em que esse

    diverso se encontra (Kant, 1985, p. 131).

    Ora, se o princpio da unidade transcendental da apercepo a condio geral de toda

    representao (eu penso),17 nele no se tem ainda a determinao do objeto (Gegenstand)

    enquanto experincia emprica; seno que apenas a necessria condio de toda e qualquer

    representao (Objekt) humanamente possvel. Este princpio somente prescreve a necessidade de

    que o eu penso acompanhe todas as representaes, porquanto, do contrrio, no seria possvel

    conhecer objeto (Gegenstand) algum. Neste caso, faltaria a condio geral (validade objetiva)

    deste objeto (Objekt), sem a qual nada pode ser representado por um sujeito pensante.

    Segundo Allison, o passo seguinte de Kant mostrar que este pensamento (eu penso)

    singular e complexo de toda representao objetivamente possvel (Objekt), requer um sujeito

    logicamente simples18. Sem este sujeito, a multiplicidade de representaes (eu penso), que torna

    possvel a conscincia de todo e qualquer objeto (Objekt), no teria identidade alguma. Assim,

    somente por meio de um sujeito logicamente simples, torna-se possvel relacionar a

    multiplicidade de representaes do eu penso (unidade transcendental da apercepo) como um

    e mesmo sujeito idntico19.

    O eu da apercepo transcendental, que deve acompanhar todas as representaes, no

    pode distribuir-se numa multiplicidade de sujeitos pensantes, pelo que seria este disperso e sem

    identidade alguma20. Consequentemente, necessrio um sujeito logicamente simples que acolha

    todas as representaes (eu penso) em uma identidade da apercepo21. Para Allison, que acredita

    17 Cf. Allison, 1992, p. 225. 18 Cf. Allison,1992, p. 225. 19 Para Allison, o sujeito simples determina a diversidade de representaes em uma unidade idntica, de tal forma

    que, graas unificao empreendida transcendentalmente por ele, possvel a identidade de pensamento: es este captar la multiplicidad como unidad lo que requiere de un : sin tal sujeto tendramos

    meramente la multiplicidad de elementos y no la concepcin de su unidad. Pero s el concepto de su unidad, i. e., sin

    el pensamiento de la totalidad, no tendramos el concepto en cuestin. En otras palabras: el rechazo del acarrea un rechazo de las condiciones de identidad del pensamiento. (Allison, 1992, p. 226). 20 Cf. Allison, 1992, p. 226. 21 Assim como Kant expressou no segundo paralogismo: Que o eu da apercepo e, por conseguinte, o eu em todo pensamento seja algo de singular, que no se possa decompor numa pluralidade de sujeitos e que designa, por

    conseguinte, um sujeito logicamente simples, eis o que j se encontra no conceito de pensamento. (Kant, 1985, p. 335).

  • ser a identidade da apercepo um ponto fundamental para a Deduo Transcendental, a tese

    kantiana22, acerca deste princpio, resume-se no seguinte:

    Uma vez que um pensamento complexo singular requer um sujeito pensante

    logicamente singular, conclui-se que: 1) o deve ser

    numericamente idntico, de tal modo que possa ser agregado reflexivamente a

    cada uma das representaes componentes tomadas individualmente, e 2) deve

    (necessariamente) ser possvel para este sujeito pensante conhecer a identidade

    numrica do . [...] Em outras palavras, se as representaes A, B e C

    so pensadas conjuntamente em uma conscincia singular, o que necessrio

    para constituir um pensamento singular complexo, ento o Eu que pensa A deve

    ser idntico ao Eu que pensa B, etc. 23 (Allison, 1992, p. 227).

    A despeito da insistncia kantiana na analiticidade do princpio da necessria identidade

    da apercepo, o autor da Crtica da Razo Pura sustenta que este princpio no estril. Com

    efeito, a partir da identidade da apercepo, pode-se derivar a necessidade de uma sntese da

    multiplicidade intuda24. A unidade analtica da identidade da apercepo pressupe uma

    determinada unidade sinttica, pois, somente por meio desta, torna-se possvel estabelecer a

    relao entre a apercepo transcendental e os dados da intuio humana25.

    Segundo Allison, a unidade transcendental da apercepo, por ser um princpio

    analtico26, s poder representar um contedo determinado mediante uma sntese.

    22 Segundo Kant, a identidade da apercepo uma condio inevitvel para o conhecimento, pois ela afirma a

    necessidade da unidade sinttica da apercepo, sem a qual nenhum conhecimento humanamente possvel. Em

    termos kantianos: Esta ltima proposio , [...] analtica, embora faa da unidade sinttica a condio de todo o pensamento; com efeito, apenas afirma que todas as minhas representaes, em qualquer intuio dada, tm de

    obedecer condio pela qual, enquanto minhas representaes, somente posso atribu-las ao eu idntico e, portanto,

    como ligadas sinteticamente numa apercepo, abrang-las pela experincia geral eu penso. (Kant, 1985, p.138). 23 En tanto que un pensamiento complejo singular requiere lgicamente un sujeto pensante singular, se sigue que: 1) el debe de lo ser numricamente idntico de modo tal que puede ser agregado reflexivamente a cada

    una de las representaciones componentes tomadas individualmente, y 2) debe (necesariamente) ser posible para este

    sujeto pensante conocer la identidad numrica del, yo pienso>. [...] En otras palabras: si las representaciones A, B y

    C son pensadas conjuntamente en una conciencia singular complejo, entonces el Yo que piensa A debe ser idntico

    al Yo que piensa B, etc. (Allison, 1992, p. 227). 24 Cf. Allison, 1992, p. 229. 25 Esta condio sinttica inevitvel para o conhecimento humanamente possvel, uma vez que o intelecto humano

    no intuitivo, mas sim discursivo; estando, assim, dependente do dado (emprico) de uma intuio sensvel.

    Portanto, o princpio da unidade sinttica no , contudo, princpio para todo o entendimento possvel em geral, mas s para aquele cuja apercepo pura na representao: eu sou, nada proporciona ainda de diverso. Um entendimento

    que, tomando conscincia de si mesmo, fornecesse ao mesmo tempo o diverso da intuio, um entendimento,

    mediante cuja representao existissem simultaneamente os objetos dessa representao, no teria necessidade de um

    ato particular de sntese do diverso para a unidade da conscincia, como disso carece o entendimento humano, que s

    pensa, no intui. (Kant, 1985, p. 138). 26 Segundo Allison, esta unidad analtica es considerada en abstraccin de todo contenido. (Allison, 1992, p. 234). No obstante, mesmo a apercepo sendo necessria a toda representao, o contedo a ser representado s dado

    na sntese com as formas humanas de intuir.

  • S porque posso ligar numa conscincia um diverso de representaes dadas,

    posso obter por mim prprio a representao da identidade da conscincia

    nestas representaes; isto , a unidade analtica da apercepo s possvel sob

    o pressuposto de qualquer unidade sinttica (Kant, 1985, p. 133).

    Esta unidade sinttica um ato da espontaneidade do Entendimento. Nela, a pluralidade

    dada em uma intuio sensvel torna-se acessvel ao intelecto discursivo (humano). Destarte, a

    ligao (conjunctio) de um diverso em geral no pode nunca advir-nos dos sentidos e, por

    consequncia, tambm no pode estar, simultaneamente, contida na forma pura da intuio

    sensvel. Com efeito, a sntese s pode ser um acto da espontaneidade da faculdade de

    representao (Kant, 1985, p. 129-130).

    Se a unidade da apercepo uma condio analtica, (formal e sem contedo

    determinado) que, portanto, pressupe uma sntese guiada pela espontaneidade do Entendimento,

    a apercepo transcendental encontra-se, inevitavelmente, atrelada ao Entendimento e vice-versa.

    Somente mediante tal conexo, pois, tornar-se- possvel a representao da validade objetiva dos

    objetos no sentido geral (Objekt)27.

    Esta tese, segundo Allison, proporciona a base para a conexo explcita entre a

    apercepo e categorias definidas como funes lgicas dos juzos 28 (Allison, 1992, p. 235).

    Todavia, como inicialmente a finalidade kantiana demonstrar a conexo29 entre a unidade da

    apercepo e a representao de um objeto30 (Objekt), a validade objetiva das categorias deve

    necessariamente determinar a diversidade de uma intuio dada31, pois, tal ato sinttico

    condio de possibilidade para pensar todo e qualquer objeto.

    Somente mediante a unificao do diverso da intuio pelo Entendimento, ser possvel

    representar objetos na unidade transcendental da apercepo, isto porque, o eu penso sempre

    necessita representar algo diverso. Segundo Allison, o argumento crucial, utilizado por Kant, que

    corrobora a validade objetiva das categorias, encontra-se na seguinte passagem do 17 da Crtica

    da Razo Pura:

    27 Cf. Allison, 1992, p. 235. 28 proporciona la base para la conexin explicita entre la apercepcin y las categoras definidas como las funciones lgicas del juicio (Allison, 1992, p. 235). 29 Conexo esta estabelecida pela sntese do Entendimento (validade objetiva). A partir da, compreende-se por que a

    unidade analtica da apercepo pressupe a sntese do Entendimento. 30 Primeiramente, a conexo da apercepo com um objeto geral (Objekt) e, posteriormente, com um possvel objeto

    real (Gegenstand). 31 Cf. Allison, 1992, p.235.

  • O entendimento, falando em geral, a faculdade dos conhecimentos. Estes

    consistem na relao determinada de representaes dadas a um objeto. O

    objeto, porm, a quilo em cujo conceito est reunido o diverso de uma intuio

    dada. Mas toda a reunio de representaes exige a unidade de conscincia na

    respectiva sntese. Por consequncia, a unidade de conscincia o que por si s

    constitui a relao das representaes a um objeto, a sua validade objetiva

    portanto, aquilo que as converte em conhecimentos, e sobre ela assenta,

    consequentemente, a prpria possibilidade do entendimento (Kant, 1985, p.

    136).

    Dentro desta perceptiva, dada a necessria conexo entre apercepo e Entendimento,

    surge a inevitvel questo: de acordo com a validade objetiva, de que modo o Entendimento

    sintetiza os dados da intuio de um possvel objeto? Como consequncia imediata desta, surge

    outra de igual importncia: o que Kant entende por objeto (Objekt) e qual sua importncia para a

    sntese transcendental? A validade objetiva das categorias abalizar as condies das possveis

    respostas.

    O Entendimento, cuja funo essencialmente sinttica, unifica a diversidade intuda em

    um conceito objetivamente vlido32, isto , num conceito geral de um objeto possvel. O conceito

    de objeto em geral (Objekt) articula-se a partir das conexes estabelecidas inerentes aos

    Elementos Transcendentais do conhecimento humano33, pelo que a validade objetiva das

    categorias, em relao ao objeto geral (Objekt), no determina a realidade emprica (Gegenstand)

    do mesmo.

    De acordo com Allison, a tese bsica [...] que o ato de conceber, conhecer, entender ou

    julgar [...] um objeto = X consiste na unificao do diverso da intuio de X mediante um

    conceito 34 (Allison, 1992, p. 236), ou seja, um objeto geral (Objekt) condicionado pela validade

    objetiva das categorias, o que ainda no considera a natureza determinada empiricamente do

    objeto real (Gegenstand)35. Todavia, dentro da totalidade da Deduo Transcendental kantiana, a

    prova da validade objetiva das categorias cumpre um primeiro e importante papel, a saber:

    32 Cf. Allison, 1992, p. 236. 33 Ou seja, a sntese entre as formas puras da Sensibilidade e as condies intelectuais do conhecimento humano. 34 la tesis bsica [...] es que el acto de concebir, conocer, entender o juzgar [...] un objeto = X consiste en la unificacin de lo diverso de la intuicin de X mediante un concepto. (Allison, 1992, p. 236). 35 Cf. Allison, 1992, p. 236.

  • comprovar a necessria conexo entre a unidade transcendental da apercepo36 e as categorias

    puras e a priori do Entendimento humano.

    Por tratar-se de uma conexo puramente intelectual, que no alcanou ainda as formas da

    intuio sensvel, neste estgio, a deduo possui um objeto geral (Objekt), pois a sntese das

    categorias s opera mediante o dado diverso da intuio. Contudo, este objeto (Objekt) uma

    condio geral, que no determina o objeto (Gegenstand) real. Acerca da objetividade articulada

    entre apercepo e Entendimento, Allison expressa-se da seguinte forma:

    A partir do princpio da apercepo, segue-se que impossvel a unidade da

    conscincia prescindindo da unidade sinttica das representaes, e que esta

    unidade sinttica s pode realizar-se ao unir estas representaes num conceito.

    Deste modo, (por definio) tal unidade sinttica objetiva, assim a

    representao de um objeto uma condio necessria para a unidade da

    conscincia37 (Allison, 1992, p. 237).

    Esta concepo ampla de objeto (Objekt) caracterizada por uma condio judicativa da

    verdade ou falsidade lgica do mesmo38. Se todo juzo possui um objeto, mesmo que este tenha

    um sentido puramente lgico, logo, a unidade da apercepo possui, via sntese do Entendimento,

    validade objetiva39. Ela torna-se o fundamento da representao de um objeto (Objekt) em

    sentido lgico ou judicativo, ou seja, a condio necessria para a representao dos objetos em

    geral40.

    Portanto, de acordo com a tese que prova a validade objetiva das categorias, ficou

    comprovado que: dada a natureza discursiva do intelecto humano, que nada intui e apenas pensa,

    inevitvel reconhecer a existncia de determinadas categorias que, por seu modo sinttico,

    possibilitam conceitualizar a diversidade de uma dada intuio.

    36 Eu penso: princpio analtico que condio de possibilidade para conscincia de toda e qualquer representao,

    sem o qual nada poderia ser representado pelo sujeito, pois, neste caso, faltaria a conscincia de que determinada

    representao minha representao. 37 [...] a partir del princpio de la apercepo se sigue que la unidad de la conciencia es imposible prescindiendo de la unidad sinttica de las representaciones, y ya que esta unidad sinttica solo puede realizarse al unir estas

    representaciones bajo un concepto, y ya que (por definicin) tal unidad sinttica se considera como un objeto, se

    sigue que la representacin de un objeto es una condicin necesaria para la unidad de la conciencia. (Allison, 1992, p. 237). 38 Cf. Allison, 1992, p.237. 39 Neste sentido, a explicao de Allison concludente: Vemos primeramente que la unidad sinttica es una condicin del entendimiento [...] y, por lo tanto, de la representacin de un Objekt. Por consiguiente, el acto de

    entender se identifica con el juicio. De esto se sigue que la diversidad debe conformarse segn las funciones lgicas

    del juicio si ha de ser conceptualizado o llevado a la unidad objetiva de la conciencia. Si aceptamos los resultados de

    la , se sigue tambin que esta diversidad se halla sujeta necesariamente a las categoras. (Allison, 1992, p. 239). 40 Cf. Allison, 1992, p. 239.

  • Se a inteno kantiana, na Deduo Transcendental, estabelecer uma conexo entre as

    condies intelectuais e sensveis do conhecimento humano41, ento, a partir da prova da validade

    objetiva das categorias, para levar a cabo esta finalidade, resta afirmar a sua realidade objetiva.

    Ora, a validade objetiva demonstrou a necessidade das categorias em relao a todo e

    qualquer contedo emprico, independente de sua natureza intuitiva. No obstante, para

    completar a deduo, necessrio comprovar a aplicabilidade das categorias, no de acordo com

    qualquer intuio, mas sim conforme a forma e condio da intuio sensvel (humana).

    1.2. Realidade objetiva das categorias

    A segunda parte da Deduo Transcendental pretende completar a conexo da unidade

    sinttica das categorias, para alm do diverso intudo em geral, sintetizando-as com o diverso

    particular da intuio sensvel. Provando a aplicabilidade das categorias diversidade sensvel da

    intuio humana, Kant fundamenta a sua revoluo copernicana ao comprovar que toda

    natureza humanamente possvel encontra-se, necessariamente, determinada pelas condies puras

    e a priori do Entendimento.

    Entendendo as categorias como regras puras que determinam a priori as leis naturais, bem

    como dos objetos (Gegenstand) reais, clarifica-se a interpretao de Allison que pretende provar

    a realidade objetiva das categorias42, pois, como o prprio comentador salienta, o objetivo central

    da segunda parte da deduo :

    [...] provar que as categorias possibilitam a natureza. Uma vez que, por natureza

    se entende aqui a totalidade dos fenmenos ou objetos de uma experincia

    possvel [...], isso, equivale em realidade demonstrao de que as categorias

    possibilitam a experincia 43 (Allison, 1992, p. 254).

    Para tanto, a comprovao da realidade objetiva das categorias implica demonstrar a

    relao entre as categorias e o modo especfico da sensibilidade humana, o que foi

    desconsiderado na primeira parte da deduo. 44 (Allison, 1992, p. 254). Se tal sntese for

    41 Cf. Allison, 1992, p. 218. 42 Cf. Allison, 1992, p. 220-221. 43 [...] es poner de manifiesto que las categoras hacen posible la naturaleza. En tanto que por naturaleza se entiende aqu la totalidad de los fenmenos u objetos de posible experiencia [...], equivale en realidad a demostrar que las

    categoras hacen posible la experiencia. (Allison, 1992, p. 254). 44 [...] implica demostrar la relacin entre las categoras y el modo especficamente humano de sensibilidad del cual se hizo abstraccin en la primera parte de la . (Allison, 1992, p. 254).

  • corroborada, a Deduo Transcendental kantiana fundamentar-se- nas condies intelectuais do

    Entendimento humano, de tal forma que, a partir de sua lgica transcendental, determinar-se-

    toda possvel realidade.

    Deste modo, a sntese transcendental deve, inicialmente, comprovar, pela maneira como

    dada na sensibilidade a intuio emprica, que a unidade desta intuio apenas a que a

    categoria [...] prescreve ao diverso de uma intuio dada em geral. (Kant, 1985, p. 144). Ou seja,

    inicialmente, a inteno de Kant mostrar que a unidade sinttica da apercepo prescreve a

    unidade, no apenas para uma intuio geral (validade objetiva), seno que, igualmente, para os

    dados sensveis de uma intuio especificamente humana.

    Num segundo momento, o argumento kantiano procura firmar, por meio da sntese

    categorial, a possibilidade de estabelecer, a partir do Entendimento puro, as leis que determinam

    a priori a natureza fenomnica. Neste sentido, Kant expressa a finalidade e o dever desta basilar

    parte da deduo:

    Dever agora explicar-se a possibilidade de conhecer a priori, mediante

    categorias, os objetos que s podem oferecer-se aos nossos sentidos, no

    segundo a forma da sua intuio, mas segundo as leis da sua ligao e, por

    conseguinte, a possibilidade de prescrever, de certo modo, a lei natureza e

    mesmo de conferir possibilidade a esta (Kant, 1985, p. 161).

    A partir da validade objetiva das categorias, deduziu-se a sntese de uma intuio geral,

    condicionando, assim, um objeto (Objekt) lgico, ligado validade judicativa. Dado o objeto da

    primeira parte da deduo, inevitvel a questo: como comprovar que as mesmas categorias da

    validade objetiva (Objekt), podem, igualmente, (mediante semelhante ato sinttico) determinar o

    diverso de uma intuio sensvel? Ou, em uma hiptese mais ousada ainda, em que condies as

    categorias puras do Entendimento podem condicionar, de modo a priori, as leis da natureza

    emprica?

    Nestes termos, para levar a cabo a Deduo Transcendental, no basta conectar os

    elementos transcendentais do conhecimento humano aos dados empricos. A virada

    copernicana de Kant, portanto s ser vlida se a deduo ratificar que as condies intelectuais

    do conhecimento humano so as prprias condies de possibilidade de toda e qualquer natureza

    conhecida.

  • Para tanto, a partir da j analisada sntese intelectual45, Kant, com a clara finalidade de

    deduzir as condies transcendentais at os dados empricos, estabelece outras duas snteses, a

    saber, a sntese da imaginao e a sntese da apreenso. Todavia, mesmo sendo snteses distintas,

    todas esto determinadas pelas categorias e, igualmente, interconectadas por um nico princpio

    sinttico do Entendimento.

    1.3. Sntese da imaginao

    Segundo Allison, se a inteno de Kant for confirmada, a sntese da imaginao deve

    mostrar, primeiramente, que a determinao das formas puras da intuio humana (intuio

    espao-temporal) um ato sinttico possibilitado pela imaginao. Em segundo lugar, ela deve

    provar que a sntese da imaginao, assim como a sntese intelectual (sntese da apercepo), est

    regida pelas categorias do Entendimento46. Deste modo, via sntese da imaginao, Kant ligaria

    as condies intelectuais do conhecimento humano com os necessrios dados da intuio

    sensvel, pois sem intuies nada pode ser conhecido pelo intelecto humano.

    A primeira parte da demonstrao supracitada evidente e de fcil compreenso, j que,

    Kant, oportunamente, caracteriza a imaginao como: a faculdade de representar um objeto,

    mesmo sem a presena deste na intuio (Kant, 1985, p. 151). Ora, se toda intuio a

    representao de um determinado dado espao-temporal, esta frao determinada s poder ser

    representada de acordo com uma unidade, ou seja, toda frao temporal representada como

    parte de um tempo nico47, pelo qual possvel determinar todas as partes de acordo com esta

    unidade.

    Para Kant, uma vez que a imaginao tem o poder de representar algo mesmo sem a

    presena imediata do representado, ela, igualmente, a condio para a representao da

    necessria unidade das formas puras da intuio sensvel. Isto porque a mesma capaz de

    representar diversas intuies como partes da unidade. A imaginao possibilita representar

    45 A sntese intelectual comprovou a validade objetiva das categorias. Segundo Allison, esta sntese manifesta-se na

    atividade do juzo mediante o qual uma pluralidade dada de representaes submetida unidade objetiva da apercepo. Actividad del juicio mediante la cual una pluralidad dada de representaciones es sometida a la unidad objetiva de la apercepcin (Allison, 1992, p. 255-256). 46 Cf. Allison, 1992, p. 256. 47 Cf. Allison, 1992, p. 256.

  • intuies no presentes (passadas e futuras) de acordo com a unidade dos elementos da Esttica

    Transcendental. Allison defende esta tese com o seguinte argumento48:

    A fim de representar uma poro particular de tempo, e a mim mesmo como

    sujeito desta atividade durante este tempo, devo ser capaz de representar o

    tempo passado e o futuro. Em outras palavras, devo ser capaz de representar

    tempos que no so e, em ultima instncia, o tempo nico do

    qual so partes todos os tempos determinados. Isto o que a imaginao torna

    possvel. 49 (Allison, 1992, p. 256).

    A sntese da imaginao condio de possibilidade para a representao determinada

    das formas puras da intuio sensvel. Em outros termos, a faculdade da imaginao condiciona

    ambas as formas de intuio sensvel: tanto o espao quanto o tempo. A sntese da imaginao

    uma condio necessria para toda e qualquer representao possvel, pois, sem ela, a intuio

    sensvel no poderia ser unificada, nem, muito menos, categorizada50.

    Contudo, dada a centralidade da faculdade do Entendimento, no basta mostrar que a

    sntese da imaginao responsvel pela unificao das intuies humanas. Para que a

    imaginao cumpra seu papel na Deduo Transcendental, imprescindvel submet-la

    jurisdio das categorias do Entendimento. Porquanto, ao mostrar que a sntese da imaginao

    regida pelas categorias, Kant comprovaria a ligao entre as leis a priori do Entendimento puro e

    o modo particular da Sensibilidade humana51.

    Todavia, a despeito da obviedade da primeira parte da sntese imaginativa, a

    argumentao kantiana nesta segunda parte encontra-se carregada de dificuldades. Segundo

    Allison, inerente tese que pretende mostrar que a sntese da imaginao regida pelas

    categorias, apresenta-se a inevitvel questo: O que, afinal de contas, a atividade da imaginao

    tem a ver com as funes lgicas dos juzos? 52 (Allison, 1992, p. 258). Ou seja, como mostrar

    48 O argumento vale, igualmente, para a intuio espacial, j que, para representar uma parte determinada de espao

    (o exemplo utilizado aqui a representao de uma linha) deve-se pressupor um espao nico, no qual todas as

    partes espaciais so unificadas e condicionadas. Tal unificao possibilitada pela imaginao, uma vez que a

    mesma permite ligar uma infinidade de fraes espaciais em um espao nico. 49 a fin de representar la porcin particular de tiempo, y a m mismo como ocupado en esa actividad durante ese tiempo, debo ser capaz de representar el tiempo pasado y el futuro. En otras palabras, debo ser capaz de representar

    tiempos que no son y, en ltima instancia, el tiempo nico del cual son partes todos los tiempos

    determinados. Esto es lo que la imaginacin me permite hacer. (Allison, 1992, p. 256). 50 Cf. Allison, 1992, p. 257. 51 Cf. Allison, 1992, p. 258. 52 Por qu, a fin de cuentas, la actividad de la imaginacin tiene que ver con las funciones lgicas del juicio? (Allison, 1992, p. 258).

  • que as categorias, anteriormente deduzidas da forma lgica dos juzos, podem determinar,

    igualmente, a sntese da imaginao?

    Segundo Allison, Kant, infelizmente, no justifica a submisso da sntese da imaginao

    s categorias. Nesta passagem, o filsofo, ao invs de apresentar um argumento, simplesmente

    afirma de modo dogmtico que a sntese da imaginao uma expresso da espontaneidade do

    entendimento 53 (Allison, 1992, p. 258). Na Crtica da Razo Pura, esta tese apresentada

    partindo da espontaneidade do Entendimento, a qual na sntese transcendental:

    Pode determinar a priori o sentido, quanto forma, de acordo com a unidade da

    apercepo; portanto uma faculdade de determinar a priori a sensibilidade; e

    sua sntese das intuies, de conformidade com as categorias, tem de ser a

    sntese transcendental da imaginao, que um efeito do entendimento sobre a

    sensibilidade e que a primeira aplicao do entendimento [...] a objetos da

    intuio possvel para ns. (Kant, 1985, p. 151-152).

    Se, conforme a tese da validade objetiva, a unidade transcendental da apercepo

    pressupe a sntese do Entendimento, ento, ao determinar que a unificao das formas puras da

    Sensibilidade humana est necessariamente de acordo com a unidade da apercepo, conclui-se

    que a unidade da intuio encontra-se, igualmente, de acordo e regida pelas regras das

    categorias54. Considerando o que j foi analisado, esta tese confirma-se como consequncia

    inevitvel da unidade transcendental da apercepo, a qual pressupe a sntese do Entendimento.

    Segundo Allisom, mesmo no sendo possvel passar da unidade analtica da apercepo

    para a unidade do tempo na sntese da imaginao, perfeitamente aceitvel fazer o processo

    contrrio, ou seja, passar da unidade do tempo unidade da apercepo55. Deste modo, provar-se-

    ia a submisso da sntese da imaginao apercepo e, consequentemente, s categorias.

    Para realizar isto necessitamos unicamente combinar o resultado da primeira

    metade da (sntese intelectual da apercepo) com a doutrina

    segundo a qual a unidade ou determinao do tempo produzida pela sntese

    transcendental da imaginao (sntese da imaginao). A questo aqui

    simplesmente que, suposto o argumento da primeira parte da ,

    segue-se que o produto da sntese transcendental da imaginao deve estar de

    acordo com as condies da unidade da apercepo e, com efeito, de acordo com

    53 En lugar de proporcionar un argumento, simplemente afirma de modo dogmtico que la sintiese de la imaginacin es una expresin de la espontaneidad del pensamiento (Allison, 1992, p. 258). 54 Cf. Allison, 1992, p. 258. 55 Cf. Allison, 1992, p. 259.

  • a sntese das categorias do entendimento. 56 (Allison, 1992, p. 259). (Itlicos

    meus)

    Portanto, uma vez que na primeira parte da Deduo Transcendental a unidade da

    apercepo foi condicionada pela sntese das categorias, conclui-se que a sntese transcendental

    da imaginao, a qual unifica as formas da intuio humana, deve, igualmente, submeter-se

    sntese categorial57. Somente deste modo a diversidade de intuies pode reunir-se na unidade

    das formas puras da intuio humana.

    A sntese da imaginao no apenas estabeleceu a imprescindvel ligao entre categorias

    e formas puras da Sensibilidade humana, seno que condicionou todo e qualquer dado sensvel s

    leis a priori das categorias. Assim, compreende-se a tese kantiana segundo a qual: a sntese

    transcendental da imaginao, [...] um efeito do entendimento sobre a sensibilidade (Kant,

    1985, p. 152), ou seja, as categorias puras do Entendimento condicionam a priori toda e qualquer

    intuio (tanto pura quanto emprica) humanamente possvel.

    Ao vincular as categorias puras e a priori do Entendimento com as formas puras da

    Sensibilidade humana, Kant fundamenta dois aspectos imprescindveis para a compreenso da

    sua filosofia crtica, a saber: primeiro, a comprovao que a unidade das formas puras da

    intuio, produzida pela sntese da imaginao, encontra-se regida pelas categorias. Por

    conseguinte, evidencia-se a possibilidade de conhecimentos sintticos a priori,58 os quais so

    basilares para a totalidade do projeto crtico kantiano.

    Porm, mesmo tendo sido comprovada, via sntese imaginativa, a ligao entre intuies

    puras e categorias, isto no basta para levar a cabo a sntese transcendental, pois, no presente

    estgio da deduo, no se tem ainda o objeto (Gegenstand) real. Para cumprir a tarefa da

    Deduo Transcendental, Kant dever vincular as categorias com uma intuio emprica, ou seja,

    uma intuio do objeto real (Gegenstand). S deste modo a realidade objetiva das categorias ser

    comprovada. Para tal fim, Kant afirma a sntese da apreenso como passo cabal da deduo.

    56 Para realizar esto necesitamos nicamente combinar el resultado de la primera mitad de la con la doctrina segn la cual la unificacin o determinacin del tiempo es producida por la sntesis trascendental de la

    imaginacin. La cuestin aqu es simplemente que, supuesto el argumento de la primera parte de la ,

    se sigue que el producto de la sntesis trascendental de la imaginacin debe estar de acuerdo con las condiciones de

    la unidad de la apercepcin. (Allison, 1992, p. 259). 57 Cf. Allison, 1992, p. 259. 58 As categorias, ao determinar as formas puras da intuio, articulam conhecimentos sintticos (intuio e conceito)

    de forma totalmente a priori, ou seja, conhecimento sinttico, contudo, possibilitado to-semente a partir dos

    Elementos Transcendentais a priori.

  • 1.4. Sntese da Apreenso

    Segundo Allison59, a sntese da apreenso, por ser responsvel pela realidade objetiva

    (Gegenstand) das categorias, deve estabelecer a vinculao entre as condies intelectuais do

    Entendimento e os dados empricos das formas puras da Sensibilidade. A finalidade do

    argumento mostrar que a sntese da apreenso (sntese emprica que trabalha com objetos

    (Gegenstand) reais), do mesmo modo que a sntese transcendental da imaginao, encontra-se

    regida pelas categorias60. Assim, completa-se a revoluo copernicana de Kant ao vincular toda

    a realidade possvel s leis intelectuais do Entendimento humano.

    Para Allison, inicialmente, necessrio acentuar que a sntese da apreenso s pode ser

    compreendida de acordo com as formas puras da intuio sensvel. Em outras palavras, a sntese

    da apreenso deve conformar-se com a intuio espao-temporal, como sendo a condio de toda

    e qualquer representao emprica, pois, fora da intuio espao-temporal, nada de emprico pode

    ser intudo. Consequentemente, qualquer fator necessrio para a representao espao-temporal,

    ser, igualmente, condio imprescindvel para a sntese da apreenso, uma vez que aquela

    condio de possibilidade para a representao desta61.

    Nas representaes do espao e do tempo temos formas a priori da intuio

    sensvel, tanto da externa como da interna, e a sntese da apreenso do diverso

    do fenmeno tem que ser conforme a essas representaes, porque s pode

    efectuar-se de harmonia com essas formas (Kant, 1985, p. 162).

    Subsequente ao supracitado trecho da Crtica da Razo Pura, Kant agrega s formas

    puras da intuio um aspecto decisivo para a completude da sntese da apreenso. Nestes termos,

    o espao e o tempo no so apenas formas puras da intuio sensvel, seno que intuies formais

    que compreendem um diverso emprico.62 A sntese da apreenso, por condicionar um objeto real

    (Gegenstand), deve necessariamente unificar intuies que contenham um diverso emprico, pelo

    que s deste modo a realidade objetiva das categorias pode ser completamente alcanada.

    Pressupondo a intuio espao-temporal, tanto como forma pura da intuio bem como

    intuies formais, Kant estabelece [...] que as condies da unidade da representao do espao

    59 Ao examinar a sntese da apreenso, Allison divide a tese kantiana em cinco passos. No presente trabalho,

    contemplar-se-o todos os cinco passos, porm no se usar a mesma estrutura de exposio. 60 Cf. Allison, 1992, p. 261. 61 Cf. Allison, 1992, p. 262. 62 Cf. Kant, 1985, p. 162.

  • e do tempo so tambm condies da apreenso de qualquer coisa no espao e no tempo 63

    (Allison, 1992, p. 263). Ora, tendo em vista este argumento, se a unidade das representaes das

    formas puras da intuio (espao e tempo), como foi analisado anteriormente, um produto da

    sntese transcendental da imaginao, esta mesma sntese serve, igualmente, como condio para

    a sntese da apreenso64, pois ela encontra-se determinada pelas mesmas condies da sntese

    transcendental da imaginao.

    Na interpretao de Allison, a partir da conexo entre sntese da imaginao e sntese da

    apreenso, Kant encontra o fundamento para firmar o passo central da sntese da apreenso, a

    saber, a tese que vincula a sntese da apreenso s categorias65. No entanto, Kant no oferece um

    argumento que justifique tal conexo. O filsofo alemo to-somente afirma que a unidade

    necessria da apreenso um efeito deduzido pela unidade sinttica da apercepo. Tendo em

    vista esta conexo, Kant prova logicamente que a unidade da apreenso, assim com a unidade da

    apercepo, encontra-se regida pelas categorias. 66

    Ora, se a sntese transcendental da imaginao encontra-se condicionada pelas categorias,

    ento a sntese da apreenso tambm deve ser governada pelas condies intelectuais do

    Entendimento, pois, como ficou explicitado anteriormente, a sntese da apreenso est sujeita s

    condies da sntese da imaginao67. Logo, estando esta condicionada pelas categorias, aquela,

    igualmente, estar.

    CONCLUSO

    Ao provar a realidade objetiva das categorias (Gegenstand), Kant completa a Deduo

    Transcendental mostrando, assim, que toda realidade humanamente possvel encontra-se,

    necessariamente, determinada pelas condies intelectuais do Entendimento. A sntese

    transcendental, que deve ser compreendida como sntese categorial, a condio de possibilidade

    de todo e qualquer objeto, pois toda unificao (neste conjunto esto contidas a unidade da

    63 Establece [...] que las condiciones de la unidad de las representaciones de espacio y tiempo son tambin condiciones de la representacin de cualquier cosa en espacio y tiempo. (Allison, 1992, p. 263). 64 Cf. Allison, 1992, p 263. 65 Cf. Allison, 1992, p. 263. 66 Cf. Allison, 1992, p. 264. 67 Cf. Allison, 1992, p. 264.

  • apercepo, a sntese da imaginao e a sntese da apreenso) encontra-se condicionada pela

    sntese das categorias.

    Por conseguinte, toda a sntese, pela qual se torna possvel a prpria percepo,

    est submetida s categorias; e como a experincia um conhecimento mediante

    percepes ligadas entre si, as categorias so condies da possibilidade da

    experincia e tm pois tambm validade a priori em relao a todos os objetos

    da experincia (Kant, 1985, p. 163-164).

    Portanto, segundo a abordagem de Allison, tanto a validade quanto a realidade objetiva

    das categorias confirmam a tese que vincula toda e qualquer sntese s regras a priori do

    Entendimento. Nesta interpretao, a Deduo Transcendental pretende mostrar que todas as

    snteses (sntese intelectual, sntese da imaginao e sntese da apreenso) esto, necessariamente,

    regidas pelas categorias68. Ao provar a aplicabilidade das categorias puras e a priori do

    Entendimento natureza emprica, a Deduo Transcendental kantiana levada acabo,

    evidenciando, portanto que toda e qualquer lei ou objeto humanamente possvel encontra-se,

    necessariamente, submetido s condies intelectuais do conhecimento humano.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALLISON, Henry E. El idealismo trascendental de Kant: una interpretacin y defensa. Prlogo e

    traduo de Dulce Mara Granja Castro. Barcelona: Anthropos; Mxico: Universidad Autnoma

    Metropolitana Iztapalapa, 1992.

    HEIDEGGER, Martin. Que uma coisa?: Doutrina de Kant dos princpios transcendentais.

    Lisboa, Portugal: Edies 70, 1992.

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    KANT, Immanuel. Crtica da Razo pura. Traduo Manuela Pinto dos Santos e Alexandre

    Fradique Morujo. Lisboa: Editora Fundao Caloute Gulbenkian, 1985.

    ______. Lgica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.

    68 Cf. Allison, 1992, p. 264.