Allison e a Centralidade Do Entendimento Na Dedução (Douglas Orben)
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A CENTRALIDADE DA ESPONTANEIDADE DO ENTENDIMENTO NA DEDUO
TRANSCENDENTAL KANTIANA SEGUNDO HENRY E. ALLISON
Douglas Joo Orben1
RESUMO: A deduo transcendental das categorias uma das partes centrais da Crtica da
razo pura (1781) de Kant. Tendo sido demonstrado, via deduo metafsica, a realidade
transcendental das categorias, o objetivo kantiano, ento, passa a ser o de provar a aplicabilidade
das categorias puras do entendimento humano experincia sensvel. Na primeira Crtica, tal
prova apresentada na Analtica dos conceitos, mais propriamente na Deduo transcendental
dos conceitos puros do entendimento (Cf. KrV, B 130-169). O presente trabalho pretende abordar
o referido trecho, da obra kantiana, de acordo com a interpretao de Henry E. Allison. Para
Allison, todas as snteses da deduo transcendental (sntese intelectual, sntese da imaginao e
sntese da apreenso) esto, igualmente, regidas pelas categorias. Neste sentido, a deduo
transcendental deve (necessariamente) ser analisada tomando com ponto norteador a
espontaneidade do entendimento. Assim, mesmo contendo argumentos e snteses diferentes, a
comprovao da aplicabilidade das categorias experincia possvel somente pode ser levada a
cabo considerando, em todos os seus passos, a inevitvel determinao de todas as snteses pelas
condies transcendentais do entendimento.
Palavras-chave: Deduo Transcendental. Kant. Allison.
INTRODUO
A revoluo copernicana2, operada por Kant, tem como consequncia inevitvel a
necessidade de novos fundamentos para o conhecimento humano. A filosofia transcendental,
portanto, apresenta-se como a fonte de todos os princpios e conceitos, que submetidos crtica,
1 Mestrando do Programa de Ps-graduao em Filosofia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul -
PUC/RS (Porto Alegre) e professor do curso de Filosofia da Faculdade Palotina - FAPAS (Santa Maria). 2 A metfora da revoluo copernicana de Kant remete a virada epistemolgica operada na Crtica da Razo Pura. Na obra, Kant comprova que toda natureza humanamente possvel encontra-se, necessariamente, determinada pelas
condies puras e a priori do Entendimento humano. Esta nova postura filosfica refuta a tese empirista que
acreditava serem os dados empricos o fundamento de todo conhecimento humano.
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revelaram-se de origem pura e a priori. Por se tratar do conhecimento especificamente humano,
os conceitos e intuies so condies transcendentais, tpicas do entendimento humano, sem as
quais nenhum conhecimento seria possvel. Estas estruturas intelectuais e sensveis, no apenas
condicionam, seno que determinam todo o conhecimento humanamente possvel. No obstante,
a realidade possvel manifesta-se na sntese dos predicados intelectuais (categorias) como as
condies da Sensibilidade humana (espao e tempo).
A sntese transcendental constitui a parte central da Analtica dos Conceitos da Crtica da
Razo Pura, pois em sua alada encontra-se uma questo basilar: demonstrar que as categorias
puras e a priori do Entendimento (encontradas na Deduo Metafsica) so as condies formais
de todos os objetos, bem como da experincia em geral3. A sntese transcendental legitima a
aplicabilidade das categorias puras experincia, assim como limita o seu mbito de validade s
fronteiras da Sensibilidade.
Neste sentido, a abordagem defendida por Henry Allison, pretende mostrar que a
Deduo Transcendental fundamenta a sntese na espontaneidade do Entendimento. A
demonstrao da validade e realidade objetiva das categorias seria, portanto, a condio e
possibilidade da sntese e, por conseguinte, de toda realidade fenomnica. A conexo entre
predicados intelectuais e intuio sensvel no deixa de ser um ato sinttico. Todavia, pra Allison,
nada poderia ser sintetizado sem a espontaneidade das categorias.
1. VALIDADE OBJETIVA E REALIDADE OBJETIVA: A SNTESE NA
INTERPRETAO DE ALLISON
A interpretao e defesa do idealismo transcendental kantiano por Allison, no que
concerne Deduo Transcendental, pretende demonstrar a conexo entre as condies sensveis
e intelectuais do conhecimento humano4, fundamentando-se na espontaneidade do Entendimento
humano. A tese que todo contedo sensvel, independente da natureza, deve sujeitar-se s
categorias,5 de tal forma que a sntese transcendental encontra-se atrelada, inevitavelmente, as
categorias puras e a priori do Entendimento.
3 Cf. Hffe, 1986, p. 91. 4 Cf. Allison, 1992, p. 217. 5 La tesis es que todo contenido sensible, cualquiera que sea su naturaleza, debe sujetarse a las categoras [...] (Allison, 1992, p. 218).
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Para tanto, a abordagem de Allison defende que a Deduo Transcendental contempla
duas teses distintas acerca das categorias, e que cada uma delas opera com uma diferente
concepo de objeto. O autor escreve: O essencial de minha interpretao pode resumir-se da
seguinte maneira: a primeira parte da deduo se refere validade objetiva (objective Gltigkeit)
das categorias, enquanto que a segunda parte se refere a sua realidade objetiva (objective
Realitt). 6 (Allison, 1992, p. 220).
Nesta concepo, a validade objetiva das categorias condio de possibilidade para a
verdade ou falsidade dos juzos. Afirmar a validade objetiva das categorias equivale a dizer que
elas fundamentam, possibilitam e legitimam a validade da sntese judicativa7. Em outros termos,
a validade objetiva acompanha os preceitos da lgica geral8 enquanto condies da verdade ou
falsidade de todos os juzos possveis.
A validade objetiva aborda o objeto em sentido amplo, o qual contempla todo e qualquer
juzo sintetizado pelas categorias. Segundo Allison, o termo utilizado por Kant para designar este
sentido de objeto em geral Objekt9. O objeto (Objekt) da validade objetiva das categorias
uma condio necessria para a sntese transcendental dos objetos reais (Gegenstand) 10, pois ela
funda a possibilidade da experincia em geral.
Porm, a condio geral da validade objetiva no implica na totalidade da sntese
transcendental. Esta, por estabelecer a ligao entre conceitos e dados empricos, deve
6 Lo esencial de mi interpretacin puede resumirse en la siguiente frmula: la primera parte de la se refiere a la validez objetiva (objective Gltigkeit) delas categoras, mientras que la segunda parte se refiere a su
realidad objetiva (objective Realitt). (Allison, 1992, p. 220). 7 Cf. Allison, 1992, p. 220. 8 Dentro do sistema lgico kantiano a lgica geral divide-se em lgica geral pura e aplicada. A lgica geral pura
compreende as regras formais e a priori do Entendimento puro, ou seja, ela refere-se s normas bsicas do
pensamento a priori; segundo Kant, a mesma contm as regras absolutamente necessrias do pensamento, e ocupa-se portanto destes, independentemente da diversidade dos objetos a que possa dirigir-se (Kant, 1985, p. 89). Neste
mesmo sentido, Kant salienta que uma lgica geral, mais pura, ocupa-se, pois, de princpios puros a priori e um cnone do entendimento e da razo, mas s com referencia ao que h de formal no seu uso, seja qual for o contedo
(emprico ou transcendental) (Kant, 1985, p. 90). De outro modo, a lgica geral aplicada entendida por Kant como um conhecimento psicolgica baseado em dados empricos, pelo que no se pode atribuir-lhe um valor
transcendental, mas apenas uma aplicabilidade geral, uma vez que, mesmo considerando dados empricos, ela no
distingue os objetos determinados. Segundo Kant, uma lgica geral aplicada, quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condies empricas subjetivas que a psicologia nos ensina. Tem, pois, princpios empricos,
embora seja, na verdade, geral na medida em que ocupa-se do uso do entendimento sem distino dos objetos (Kant, 1985, p. 90). Para maior compreenso acerca destes conceitos: Cf: Kant, 1992, p. 36. 9 Cf. Allison, 1992, p. 221. 10 Segundo Allison, se por um lado Kant usa o termo Objekt como sendo uma condio geral da verdade ou falsidade do objeto, por outro lado o termo Gegenstand representa o objeto da realidade objetiva, ou seja, objeto (Gegenstand) expressa o sentido real do objeto, pelo que, o mesmo, deve necessariamente estar ligado a uma
experincia possvel.
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determinar, alm da verdade formal, a condio real do objeto existente (Gegenstand). Com
efeito, em consonncia com a validade objetiva das categorias, Allison afirma a noo de
realidade objetiva como sendo a determinante da sntese transcendental, pois afirmar que um
conceito tem realidade objetiva equivale a afirmar que se refere ou aplicado a um objeto real.11
(Allison, 1992, p. 221).
A realidade objetiva (Gegenstand) das categorias corrobora a tese kantiana que afirma a
aplicabilidade das categorias s formas puras da Sensibilidade humana12, de tal forma que, como
expressa o ttulo do 20: todas as intuies sensveis esto submetidas s categorias, como s
condies pelas quais unicamente o diverso daquelas intuies se pode reunir numa conscincia
(Kant, 1985, p.142). Em outras palavras, as condies intelectuais (categorias) se aplicam,
necessariamente, aos dados da Sensibilidade humana, so elas que determinam e possibilitam a
experincia, entendida aqui como conhecimento emprico de objetos13 (Gegenstand).
1.1. Validade objetiva das categorias
O objetivo basilar de Allison, em sua interpretao da Deduo Transcendental das
categorias, considerar o Entendimento humano como a faculdade regente de toda e qualquer
sntese14 ou combinao de elementos do conhecimento15. Entretanto, o princpio da sntese
transcendental tem como ponto de partida a capacidade de o sujeito representar algo
conscientemente, ou seja, reconhecer que algo seja representado para mim. Segundo Kant, este
princpio da unidade transcendental da apercepo16 condio inevitvel para todo pensamento
possvel; pois, sem ele, nada poderia ser representado pelo sujeito pensante. Em termos
kantianos:
11 Afirmar que un concepto tiene realidad objetiva equivale a afirmar que se refiere o es aplicable a un objeto real. (Allison, 1992, p. 221). 12 Cf. Kant, 1985, 22, 23 e 24. 13 Cf. Allison, 1992, p. 223. 14 Considerando o Entendimento como a fonte da sntese, Kant escreve: A ligao (conjunctio) de um diverso em geral no pode nunca advir-nos dos sentidos e, por consequncia, tambm no pode estar, simultaneamente, contida
na forma pura da intuio sensvel, porque um acto da espontaneidade da faculdade de representao; e j que
temos de dar a esta ltima o nome de entendimento, para a distinguir da sensibilidade, toda a ligao, acompanhada
ou no de conscincia, quer seja ligao do diverso da intuio ou de vrios conceitos, quer, no primeiro caso, seja
uma intuio sensvel ou no sensvel, um ato do entendimento a que aplicaremos o nome genrico de sntese. (Kant, 1985, p. 129-130). 15 Cf. Allison, 1992, p. 224. 16 Kant descreve demoradamente este princpio no 18 da primeira Crtica. Cf. Kant, 1985, p. 139.
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O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representaes; se assim
no fosse, algo se representaria em mim, que no poderia, de modo algum, ser
pensado, que o mesmo dizer, que a representao ou seria impossvel ou pelo
menos nada seria para mim. A representao que pode ser dada antes de
qualquer pensamento chama-se intuio. Portanto, todo o diverso da intuio
possui uma relao necessria ao eu penso, no mesmo sujeito em que esse
diverso se encontra (Kant, 1985, p. 131).
Ora, se o princpio da unidade transcendental da apercepo a condio geral de toda
representao (eu penso),17 nele no se tem ainda a determinao do objeto (Gegenstand)
enquanto experincia emprica; seno que apenas a necessria condio de toda e qualquer
representao (Objekt) humanamente possvel. Este princpio somente prescreve a necessidade de
que o eu penso acompanhe todas as representaes, porquanto, do contrrio, no seria possvel
conhecer objeto (Gegenstand) algum. Neste caso, faltaria a condio geral (validade objetiva)
deste objeto (Objekt), sem a qual nada pode ser representado por um sujeito pensante.
Segundo Allison, o passo seguinte de Kant mostrar que este pensamento (eu penso)
singular e complexo de toda representao objetivamente possvel (Objekt), requer um sujeito
logicamente simples18. Sem este sujeito, a multiplicidade de representaes (eu penso), que torna
possvel a conscincia de todo e qualquer objeto (Objekt), no teria identidade alguma. Assim,
somente por meio de um sujeito logicamente simples, torna-se possvel relacionar a
multiplicidade de representaes do eu penso (unidade transcendental da apercepo) como um
e mesmo sujeito idntico19.
O eu da apercepo transcendental, que deve acompanhar todas as representaes, no
pode distribuir-se numa multiplicidade de sujeitos pensantes, pelo que seria este disperso e sem
identidade alguma20. Consequentemente, necessrio um sujeito logicamente simples que acolha
todas as representaes (eu penso) em uma identidade da apercepo21. Para Allison, que acredita
17 Cf. Allison, 1992, p. 225. 18 Cf. Allison,1992, p. 225. 19 Para Allison, o sujeito simples determina a diversidade de representaes em uma unidade idntica, de tal forma
que, graas unificao empreendida transcendentalmente por ele, possvel a identidade de pensamento: es este captar la multiplicidad como unidad lo que requiere de un : sin tal sujeto tendramos
meramente la multiplicidad de elementos y no la concepcin de su unidad. Pero s el concepto de su unidad, i. e., sin
el pensamiento de la totalidad, no tendramos el concepto en cuestin. En otras palabras: el rechazo del acarrea un rechazo de las condiciones de identidad del pensamiento. (Allison, 1992, p. 226). 20 Cf. Allison, 1992, p. 226. 21 Assim como Kant expressou no segundo paralogismo: Que o eu da apercepo e, por conseguinte, o eu em todo pensamento seja algo de singular, que no se possa decompor numa pluralidade de sujeitos e que designa, por
conseguinte, um sujeito logicamente simples, eis o que j se encontra no conceito de pensamento. (Kant, 1985, p. 335).
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ser a identidade da apercepo um ponto fundamental para a Deduo Transcendental, a tese
kantiana22, acerca deste princpio, resume-se no seguinte:
Uma vez que um pensamento complexo singular requer um sujeito pensante
logicamente singular, conclui-se que: 1) o deve ser
numericamente idntico, de tal modo que possa ser agregado reflexivamente a
cada uma das representaes componentes tomadas individualmente, e 2) deve
(necessariamente) ser possvel para este sujeito pensante conhecer a identidade
numrica do . [...] Em outras palavras, se as representaes A, B e C
so pensadas conjuntamente em uma conscincia singular, o que necessrio
para constituir um pensamento singular complexo, ento o Eu que pensa A deve
ser idntico ao Eu que pensa B, etc. 23 (Allison, 1992, p. 227).
A despeito da insistncia kantiana na analiticidade do princpio da necessria identidade
da apercepo, o autor da Crtica da Razo Pura sustenta que este princpio no estril. Com
efeito, a partir da identidade da apercepo, pode-se derivar a necessidade de uma sntese da
multiplicidade intuda24. A unidade analtica da identidade da apercepo pressupe uma
determinada unidade sinttica, pois, somente por meio desta, torna-se possvel estabelecer a
relao entre a apercepo transcendental e os dados da intuio humana25.
Segundo Allison, a unidade transcendental da apercepo, por ser um princpio
analtico26, s poder representar um contedo determinado mediante uma sntese.
22 Segundo Kant, a identidade da apercepo uma condio inevitvel para o conhecimento, pois ela afirma a
necessidade da unidade sinttica da apercepo, sem a qual nenhum conhecimento humanamente possvel. Em
termos kantianos: Esta ltima proposio , [...] analtica, embora faa da unidade sinttica a condio de todo o pensamento; com efeito, apenas afirma que todas as minhas representaes, em qualquer intuio dada, tm de
obedecer condio pela qual, enquanto minhas representaes, somente posso atribu-las ao eu idntico e, portanto,
como ligadas sinteticamente numa apercepo, abrang-las pela experincia geral eu penso. (Kant, 1985, p.138). 23 En tanto que un pensamiento complejo singular requiere lgicamente un sujeto pensante singular, se sigue que: 1) el debe de lo ser numricamente idntico de modo tal que puede ser agregado reflexivamente a cada
una de las representaciones componentes tomadas individualmente, y 2) debe (necesariamente) ser posible para este
sujeto pensante conocer la identidad numrica del, yo pienso>. [...] En otras palabras: si las representaciones A, B y
C son pensadas conjuntamente en una conciencia singular complejo, entonces el Yo que piensa A debe ser idntico
al Yo que piensa B, etc. (Allison, 1992, p. 227). 24 Cf. Allison, 1992, p. 229. 25 Esta condio sinttica inevitvel para o conhecimento humanamente possvel, uma vez que o intelecto humano
no intuitivo, mas sim discursivo; estando, assim, dependente do dado (emprico) de uma intuio sensvel.
Portanto, o princpio da unidade sinttica no , contudo, princpio para todo o entendimento possvel em geral, mas s para aquele cuja apercepo pura na representao: eu sou, nada proporciona ainda de diverso. Um entendimento
que, tomando conscincia de si mesmo, fornecesse ao mesmo tempo o diverso da intuio, um entendimento,
mediante cuja representao existissem simultaneamente os objetos dessa representao, no teria necessidade de um
ato particular de sntese do diverso para a unidade da conscincia, como disso carece o entendimento humano, que s
pensa, no intui. (Kant, 1985, p. 138). 26 Segundo Allison, esta unidad analtica es considerada en abstraccin de todo contenido. (Allison, 1992, p. 234). No obstante, mesmo a apercepo sendo necessria a toda representao, o contedo a ser representado s dado
na sntese com as formas humanas de intuir.
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S porque posso ligar numa conscincia um diverso de representaes dadas,
posso obter por mim prprio a representao da identidade da conscincia
nestas representaes; isto , a unidade analtica da apercepo s possvel sob
o pressuposto de qualquer unidade sinttica (Kant, 1985, p. 133).
Esta unidade sinttica um ato da espontaneidade do Entendimento. Nela, a pluralidade
dada em uma intuio sensvel torna-se acessvel ao intelecto discursivo (humano). Destarte, a
ligao (conjunctio) de um diverso em geral no pode nunca advir-nos dos sentidos e, por
consequncia, tambm no pode estar, simultaneamente, contida na forma pura da intuio
sensvel. Com efeito, a sntese s pode ser um acto da espontaneidade da faculdade de
representao (Kant, 1985, p. 129-130).
Se a unidade da apercepo uma condio analtica, (formal e sem contedo
determinado) que, portanto, pressupe uma sntese guiada pela espontaneidade do Entendimento,
a apercepo transcendental encontra-se, inevitavelmente, atrelada ao Entendimento e vice-versa.
Somente mediante tal conexo, pois, tornar-se- possvel a representao da validade objetiva dos
objetos no sentido geral (Objekt)27.
Esta tese, segundo Allison, proporciona a base para a conexo explcita entre a
apercepo e categorias definidas como funes lgicas dos juzos 28 (Allison, 1992, p. 235).
Todavia, como inicialmente a finalidade kantiana demonstrar a conexo29 entre a unidade da
apercepo e a representao de um objeto30 (Objekt), a validade objetiva das categorias deve
necessariamente determinar a diversidade de uma intuio dada31, pois, tal ato sinttico
condio de possibilidade para pensar todo e qualquer objeto.
Somente mediante a unificao do diverso da intuio pelo Entendimento, ser possvel
representar objetos na unidade transcendental da apercepo, isto porque, o eu penso sempre
necessita representar algo diverso. Segundo Allison, o argumento crucial, utilizado por Kant, que
corrobora a validade objetiva das categorias, encontra-se na seguinte passagem do 17 da Crtica
da Razo Pura:
27 Cf. Allison, 1992, p. 235. 28 proporciona la base para la conexin explicita entre la apercepcin y las categoras definidas como las funciones lgicas del juicio (Allison, 1992, p. 235). 29 Conexo esta estabelecida pela sntese do Entendimento (validade objetiva). A partir da, compreende-se por que a
unidade analtica da apercepo pressupe a sntese do Entendimento. 30 Primeiramente, a conexo da apercepo com um objeto geral (Objekt) e, posteriormente, com um possvel objeto
real (Gegenstand). 31 Cf. Allison, 1992, p.235.
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O entendimento, falando em geral, a faculdade dos conhecimentos. Estes
consistem na relao determinada de representaes dadas a um objeto. O
objeto, porm, a quilo em cujo conceito est reunido o diverso de uma intuio
dada. Mas toda a reunio de representaes exige a unidade de conscincia na
respectiva sntese. Por consequncia, a unidade de conscincia o que por si s
constitui a relao das representaes a um objeto, a sua validade objetiva
portanto, aquilo que as converte em conhecimentos, e sobre ela assenta,
consequentemente, a prpria possibilidade do entendimento (Kant, 1985, p.
136).
Dentro desta perceptiva, dada a necessria conexo entre apercepo e Entendimento,
surge a inevitvel questo: de acordo com a validade objetiva, de que modo o Entendimento
sintetiza os dados da intuio de um possvel objeto? Como consequncia imediata desta, surge
outra de igual importncia: o que Kant entende por objeto (Objekt) e qual sua importncia para a
sntese transcendental? A validade objetiva das categorias abalizar as condies das possveis
respostas.
O Entendimento, cuja funo essencialmente sinttica, unifica a diversidade intuda em
um conceito objetivamente vlido32, isto , num conceito geral de um objeto possvel. O conceito
de objeto em geral (Objekt) articula-se a partir das conexes estabelecidas inerentes aos
Elementos Transcendentais do conhecimento humano33, pelo que a validade objetiva das
categorias, em relao ao objeto geral (Objekt), no determina a realidade emprica (Gegenstand)
do mesmo.
De acordo com Allison, a tese bsica [...] que o ato de conceber, conhecer, entender ou
julgar [...] um objeto = X consiste na unificao do diverso da intuio de X mediante um
conceito 34 (Allison, 1992, p. 236), ou seja, um objeto geral (Objekt) condicionado pela validade
objetiva das categorias, o que ainda no considera a natureza determinada empiricamente do
objeto real (Gegenstand)35. Todavia, dentro da totalidade da Deduo Transcendental kantiana, a
prova da validade objetiva das categorias cumpre um primeiro e importante papel, a saber:
32 Cf. Allison, 1992, p. 236. 33 Ou seja, a sntese entre as formas puras da Sensibilidade e as condies intelectuais do conhecimento humano. 34 la tesis bsica [...] es que el acto de concebir, conocer, entender o juzgar [...] un objeto = X consiste en la unificacin de lo diverso de la intuicin de X mediante un concepto. (Allison, 1992, p. 236). 35 Cf. Allison, 1992, p. 236.
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comprovar a necessria conexo entre a unidade transcendental da apercepo36 e as categorias
puras e a priori do Entendimento humano.
Por tratar-se de uma conexo puramente intelectual, que no alcanou ainda as formas da
intuio sensvel, neste estgio, a deduo possui um objeto geral (Objekt), pois a sntese das
categorias s opera mediante o dado diverso da intuio. Contudo, este objeto (Objekt) uma
condio geral, que no determina o objeto (Gegenstand) real. Acerca da objetividade articulada
entre apercepo e Entendimento, Allison expressa-se da seguinte forma:
A partir do princpio da apercepo, segue-se que impossvel a unidade da
conscincia prescindindo da unidade sinttica das representaes, e que esta
unidade sinttica s pode realizar-se ao unir estas representaes num conceito.
Deste modo, (por definio) tal unidade sinttica objetiva, assim a
representao de um objeto uma condio necessria para a unidade da
conscincia37 (Allison, 1992, p. 237).
Esta concepo ampla de objeto (Objekt) caracterizada por uma condio judicativa da
verdade ou falsidade lgica do mesmo38. Se todo juzo possui um objeto, mesmo que este tenha
um sentido puramente lgico, logo, a unidade da apercepo possui, via sntese do Entendimento,
validade objetiva39. Ela torna-se o fundamento da representao de um objeto (Objekt) em
sentido lgico ou judicativo, ou seja, a condio necessria para a representao dos objetos em
geral40.
Portanto, de acordo com a tese que prova a validade objetiva das categorias, ficou
comprovado que: dada a natureza discursiva do intelecto humano, que nada intui e apenas pensa,
inevitvel reconhecer a existncia de determinadas categorias que, por seu modo sinttico,
possibilitam conceitualizar a diversidade de uma dada intuio.
36 Eu penso: princpio analtico que condio de possibilidade para conscincia de toda e qualquer representao,
sem o qual nada poderia ser representado pelo sujeito, pois, neste caso, faltaria a conscincia de que determinada
representao minha representao. 37 [...] a partir del princpio de la apercepo se sigue que la unidad de la conciencia es imposible prescindiendo de la unidad sinttica de las representaciones, y ya que esta unidad sinttica solo puede realizarse al unir estas
representaciones bajo un concepto, y ya que (por definicin) tal unidad sinttica se considera como un objeto, se
sigue que la representacin de un objeto es una condicin necesaria para la unidad de la conciencia. (Allison, 1992, p. 237). 38 Cf. Allison, 1992, p.237. 39 Neste sentido, a explicao de Allison concludente: Vemos primeramente que la unidad sinttica es una condicin del entendimiento [...] y, por lo tanto, de la representacin de un Objekt. Por consiguiente, el acto de
entender se identifica con el juicio. De esto se sigue que la diversidad debe conformarse segn las funciones lgicas
del juicio si ha de ser conceptualizado o llevado a la unidad objetiva de la conciencia. Si aceptamos los resultados de
la , se sigue tambin que esta diversidad se halla sujeta necesariamente a las categoras. (Allison, 1992, p. 239). 40 Cf. Allison, 1992, p. 239.
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Se a inteno kantiana, na Deduo Transcendental, estabelecer uma conexo entre as
condies intelectuais e sensveis do conhecimento humano41, ento, a partir da prova da validade
objetiva das categorias, para levar a cabo esta finalidade, resta afirmar a sua realidade objetiva.
Ora, a validade objetiva demonstrou a necessidade das categorias em relao a todo e
qualquer contedo emprico, independente de sua natureza intuitiva. No obstante, para
completar a deduo, necessrio comprovar a aplicabilidade das categorias, no de acordo com
qualquer intuio, mas sim conforme a forma e condio da intuio sensvel (humana).
1.2. Realidade objetiva das categorias
A segunda parte da Deduo Transcendental pretende completar a conexo da unidade
sinttica das categorias, para alm do diverso intudo em geral, sintetizando-as com o diverso
particular da intuio sensvel. Provando a aplicabilidade das categorias diversidade sensvel da
intuio humana, Kant fundamenta a sua revoluo copernicana ao comprovar que toda
natureza humanamente possvel encontra-se, necessariamente, determinada pelas condies puras
e a priori do Entendimento.
Entendendo as categorias como regras puras que determinam a priori as leis naturais, bem
como dos objetos (Gegenstand) reais, clarifica-se a interpretao de Allison que pretende provar
a realidade objetiva das categorias42, pois, como o prprio comentador salienta, o objetivo central
da segunda parte da deduo :
[...] provar que as categorias possibilitam a natureza. Uma vez que, por natureza
se entende aqui a totalidade dos fenmenos ou objetos de uma experincia
possvel [...], isso, equivale em realidade demonstrao de que as categorias
possibilitam a experincia 43 (Allison, 1992, p. 254).
Para tanto, a comprovao da realidade objetiva das categorias implica demonstrar a
relao entre as categorias e o modo especfico da sensibilidade humana, o que foi
desconsiderado na primeira parte da deduo. 44 (Allison, 1992, p. 254). Se tal sntese for
41 Cf. Allison, 1992, p. 218. 42 Cf. Allison, 1992, p. 220-221. 43 [...] es poner de manifiesto que las categoras hacen posible la naturaleza. En tanto que por naturaleza se entiende aqu la totalidad de los fenmenos u objetos de posible experiencia [...], equivale en realidad a demostrar que las
categoras hacen posible la experiencia. (Allison, 1992, p. 254). 44 [...] implica demostrar la relacin entre las categoras y el modo especficamente humano de sensibilidad del cual se hizo abstraccin en la primera parte de la . (Allison, 1992, p. 254).
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corroborada, a Deduo Transcendental kantiana fundamentar-se- nas condies intelectuais do
Entendimento humano, de tal forma que, a partir de sua lgica transcendental, determinar-se-
toda possvel realidade.
Deste modo, a sntese transcendental deve, inicialmente, comprovar, pela maneira como
dada na sensibilidade a intuio emprica, que a unidade desta intuio apenas a que a
categoria [...] prescreve ao diverso de uma intuio dada em geral. (Kant, 1985, p. 144). Ou seja,
inicialmente, a inteno de Kant mostrar que a unidade sinttica da apercepo prescreve a
unidade, no apenas para uma intuio geral (validade objetiva), seno que, igualmente, para os
dados sensveis de uma intuio especificamente humana.
Num segundo momento, o argumento kantiano procura firmar, por meio da sntese
categorial, a possibilidade de estabelecer, a partir do Entendimento puro, as leis que determinam
a priori a natureza fenomnica. Neste sentido, Kant expressa a finalidade e o dever desta basilar
parte da deduo:
Dever agora explicar-se a possibilidade de conhecer a priori, mediante
categorias, os objetos que s podem oferecer-se aos nossos sentidos, no
segundo a forma da sua intuio, mas segundo as leis da sua ligao e, por
conseguinte, a possibilidade de prescrever, de certo modo, a lei natureza e
mesmo de conferir possibilidade a esta (Kant, 1985, p. 161).
A partir da validade objetiva das categorias, deduziu-se a sntese de uma intuio geral,
condicionando, assim, um objeto (Objekt) lgico, ligado validade judicativa. Dado o objeto da
primeira parte da deduo, inevitvel a questo: como comprovar que as mesmas categorias da
validade objetiva (Objekt), podem, igualmente, (mediante semelhante ato sinttico) determinar o
diverso de uma intuio sensvel? Ou, em uma hiptese mais ousada ainda, em que condies as
categorias puras do Entendimento podem condicionar, de modo a priori, as leis da natureza
emprica?
Nestes termos, para levar a cabo a Deduo Transcendental, no basta conectar os
elementos transcendentais do conhecimento humano aos dados empricos. A virada
copernicana de Kant, portanto s ser vlida se a deduo ratificar que as condies intelectuais
do conhecimento humano so as prprias condies de possibilidade de toda e qualquer natureza
conhecida.
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Para tanto, a partir da j analisada sntese intelectual45, Kant, com a clara finalidade de
deduzir as condies transcendentais at os dados empricos, estabelece outras duas snteses, a
saber, a sntese da imaginao e a sntese da apreenso. Todavia, mesmo sendo snteses distintas,
todas esto determinadas pelas categorias e, igualmente, interconectadas por um nico princpio
sinttico do Entendimento.
1.3. Sntese da imaginao
Segundo Allison, se a inteno de Kant for confirmada, a sntese da imaginao deve
mostrar, primeiramente, que a determinao das formas puras da intuio humana (intuio
espao-temporal) um ato sinttico possibilitado pela imaginao. Em segundo lugar, ela deve
provar que a sntese da imaginao, assim como a sntese intelectual (sntese da apercepo), est
regida pelas categorias do Entendimento46. Deste modo, via sntese da imaginao, Kant ligaria
as condies intelectuais do conhecimento humano com os necessrios dados da intuio
sensvel, pois sem intuies nada pode ser conhecido pelo intelecto humano.
A primeira parte da demonstrao supracitada evidente e de fcil compreenso, j que,
Kant, oportunamente, caracteriza a imaginao como: a faculdade de representar um objeto,
mesmo sem a presena deste na intuio (Kant, 1985, p. 151). Ora, se toda intuio a
representao de um determinado dado espao-temporal, esta frao determinada s poder ser
representada de acordo com uma unidade, ou seja, toda frao temporal representada como
parte de um tempo nico47, pelo qual possvel determinar todas as partes de acordo com esta
unidade.
Para Kant, uma vez que a imaginao tem o poder de representar algo mesmo sem a
presena imediata do representado, ela, igualmente, a condio para a representao da
necessria unidade das formas puras da intuio sensvel. Isto porque a mesma capaz de
representar diversas intuies como partes da unidade. A imaginao possibilita representar
45 A sntese intelectual comprovou a validade objetiva das categorias. Segundo Allison, esta sntese manifesta-se na
atividade do juzo mediante o qual uma pluralidade dada de representaes submetida unidade objetiva da apercepo. Actividad del juicio mediante la cual una pluralidad dada de representaciones es sometida a la unidad objetiva de la apercepcin (Allison, 1992, p. 255-256). 46 Cf. Allison, 1992, p. 256. 47 Cf. Allison, 1992, p. 256.
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intuies no presentes (passadas e futuras) de acordo com a unidade dos elementos da Esttica
Transcendental. Allison defende esta tese com o seguinte argumento48:
A fim de representar uma poro particular de tempo, e a mim mesmo como
sujeito desta atividade durante este tempo, devo ser capaz de representar o
tempo passado e o futuro. Em outras palavras, devo ser capaz de representar
tempos que no so e, em ultima instncia, o tempo nico do
qual so partes todos os tempos determinados. Isto o que a imaginao torna
possvel. 49 (Allison, 1992, p. 256).
A sntese da imaginao condio de possibilidade para a representao determinada
das formas puras da intuio sensvel. Em outros termos, a faculdade da imaginao condiciona
ambas as formas de intuio sensvel: tanto o espao quanto o tempo. A sntese da imaginao
uma condio necessria para toda e qualquer representao possvel, pois, sem ela, a intuio
sensvel no poderia ser unificada, nem, muito menos, categorizada50.
Contudo, dada a centralidade da faculdade do Entendimento, no basta mostrar que a
sntese da imaginao responsvel pela unificao das intuies humanas. Para que a
imaginao cumpra seu papel na Deduo Transcendental, imprescindvel submet-la
jurisdio das categorias do Entendimento. Porquanto, ao mostrar que a sntese da imaginao
regida pelas categorias, Kant comprovaria a ligao entre as leis a priori do Entendimento puro e
o modo particular da Sensibilidade humana51.
Todavia, a despeito da obviedade da primeira parte da sntese imaginativa, a
argumentao kantiana nesta segunda parte encontra-se carregada de dificuldades. Segundo
Allison, inerente tese que pretende mostrar que a sntese da imaginao regida pelas
categorias, apresenta-se a inevitvel questo: O que, afinal de contas, a atividade da imaginao
tem a ver com as funes lgicas dos juzos? 52 (Allison, 1992, p. 258). Ou seja, como mostrar
48 O argumento vale, igualmente, para a intuio espacial, j que, para representar uma parte determinada de espao
(o exemplo utilizado aqui a representao de uma linha) deve-se pressupor um espao nico, no qual todas as
partes espaciais so unificadas e condicionadas. Tal unificao possibilitada pela imaginao, uma vez que a
mesma permite ligar uma infinidade de fraes espaciais em um espao nico. 49 a fin de representar la porcin particular de tiempo, y a m mismo como ocupado en esa actividad durante ese tiempo, debo ser capaz de representar el tiempo pasado y el futuro. En otras palabras, debo ser capaz de representar
tiempos que no son y, en ltima instancia, el tiempo nico del cual son partes todos los tiempos
determinados. Esto es lo que la imaginacin me permite hacer. (Allison, 1992, p. 256). 50 Cf. Allison, 1992, p. 257. 51 Cf. Allison, 1992, p. 258. 52 Por qu, a fin de cuentas, la actividad de la imaginacin tiene que ver con las funciones lgicas del juicio? (Allison, 1992, p. 258).
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que as categorias, anteriormente deduzidas da forma lgica dos juzos, podem determinar,
igualmente, a sntese da imaginao?
Segundo Allison, Kant, infelizmente, no justifica a submisso da sntese da imaginao
s categorias. Nesta passagem, o filsofo, ao invs de apresentar um argumento, simplesmente
afirma de modo dogmtico que a sntese da imaginao uma expresso da espontaneidade do
entendimento 53 (Allison, 1992, p. 258). Na Crtica da Razo Pura, esta tese apresentada
partindo da espontaneidade do Entendimento, a qual na sntese transcendental:
Pode determinar a priori o sentido, quanto forma, de acordo com a unidade da
apercepo; portanto uma faculdade de determinar a priori a sensibilidade; e
sua sntese das intuies, de conformidade com as categorias, tem de ser a
sntese transcendental da imaginao, que um efeito do entendimento sobre a
sensibilidade e que a primeira aplicao do entendimento [...] a objetos da
intuio possvel para ns. (Kant, 1985, p. 151-152).
Se, conforme a tese da validade objetiva, a unidade transcendental da apercepo
pressupe a sntese do Entendimento, ento, ao determinar que a unificao das formas puras da
Sensibilidade humana est necessariamente de acordo com a unidade da apercepo, conclui-se
que a unidade da intuio encontra-se, igualmente, de acordo e regida pelas regras das
categorias54. Considerando o que j foi analisado, esta tese confirma-se como consequncia
inevitvel da unidade transcendental da apercepo, a qual pressupe a sntese do Entendimento.
Segundo Allisom, mesmo no sendo possvel passar da unidade analtica da apercepo
para a unidade do tempo na sntese da imaginao, perfeitamente aceitvel fazer o processo
contrrio, ou seja, passar da unidade do tempo unidade da apercepo55. Deste modo, provar-se-
ia a submisso da sntese da imaginao apercepo e, consequentemente, s categorias.
Para realizar isto necessitamos unicamente combinar o resultado da primeira
metade da (sntese intelectual da apercepo) com a doutrina
segundo a qual a unidade ou determinao do tempo produzida pela sntese
transcendental da imaginao (sntese da imaginao). A questo aqui
simplesmente que, suposto o argumento da primeira parte da ,
segue-se que o produto da sntese transcendental da imaginao deve estar de
acordo com as condies da unidade da apercepo e, com efeito, de acordo com
53 En lugar de proporcionar un argumento, simplemente afirma de modo dogmtico que la sintiese de la imaginacin es una expresin de la espontaneidad del pensamiento (Allison, 1992, p. 258). 54 Cf. Allison, 1992, p. 258. 55 Cf. Allison, 1992, p. 259.
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a sntese das categorias do entendimento. 56 (Allison, 1992, p. 259). (Itlicos
meus)
Portanto, uma vez que na primeira parte da Deduo Transcendental a unidade da
apercepo foi condicionada pela sntese das categorias, conclui-se que a sntese transcendental
da imaginao, a qual unifica as formas da intuio humana, deve, igualmente, submeter-se
sntese categorial57. Somente deste modo a diversidade de intuies pode reunir-se na unidade
das formas puras da intuio humana.
A sntese da imaginao no apenas estabeleceu a imprescindvel ligao entre categorias
e formas puras da Sensibilidade humana, seno que condicionou todo e qualquer dado sensvel s
leis a priori das categorias. Assim, compreende-se a tese kantiana segundo a qual: a sntese
transcendental da imaginao, [...] um efeito do entendimento sobre a sensibilidade (Kant,
1985, p. 152), ou seja, as categorias puras do Entendimento condicionam a priori toda e qualquer
intuio (tanto pura quanto emprica) humanamente possvel.
Ao vincular as categorias puras e a priori do Entendimento com as formas puras da
Sensibilidade humana, Kant fundamenta dois aspectos imprescindveis para a compreenso da
sua filosofia crtica, a saber: primeiro, a comprovao que a unidade das formas puras da
intuio, produzida pela sntese da imaginao, encontra-se regida pelas categorias. Por
conseguinte, evidencia-se a possibilidade de conhecimentos sintticos a priori,58 os quais so
basilares para a totalidade do projeto crtico kantiano.
Porm, mesmo tendo sido comprovada, via sntese imaginativa, a ligao entre intuies
puras e categorias, isto no basta para levar a cabo a sntese transcendental, pois, no presente
estgio da deduo, no se tem ainda o objeto (Gegenstand) real. Para cumprir a tarefa da
Deduo Transcendental, Kant dever vincular as categorias com uma intuio emprica, ou seja,
uma intuio do objeto real (Gegenstand). S deste modo a realidade objetiva das categorias ser
comprovada. Para tal fim, Kant afirma a sntese da apreenso como passo cabal da deduo.
56 Para realizar esto necesitamos nicamente combinar el resultado de la primera mitad de la con la doctrina segn la cual la unificacin o determinacin del tiempo es producida por la sntesis trascendental de la
imaginacin. La cuestin aqu es simplemente que, supuesto el argumento de la primera parte de la ,
se sigue que el producto de la sntesis trascendental de la imaginacin debe estar de acuerdo con las condiciones de
la unidad de la apercepcin. (Allison, 1992, p. 259). 57 Cf. Allison, 1992, p. 259. 58 As categorias, ao determinar as formas puras da intuio, articulam conhecimentos sintticos (intuio e conceito)
de forma totalmente a priori, ou seja, conhecimento sinttico, contudo, possibilitado to-semente a partir dos
Elementos Transcendentais a priori.
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1.4. Sntese da Apreenso
Segundo Allison59, a sntese da apreenso, por ser responsvel pela realidade objetiva
(Gegenstand) das categorias, deve estabelecer a vinculao entre as condies intelectuais do
Entendimento e os dados empricos das formas puras da Sensibilidade. A finalidade do
argumento mostrar que a sntese da apreenso (sntese emprica que trabalha com objetos
(Gegenstand) reais), do mesmo modo que a sntese transcendental da imaginao, encontra-se
regida pelas categorias60. Assim, completa-se a revoluo copernicana de Kant ao vincular toda
a realidade possvel s leis intelectuais do Entendimento humano.
Para Allison, inicialmente, necessrio acentuar que a sntese da apreenso s pode ser
compreendida de acordo com as formas puras da intuio sensvel. Em outras palavras, a sntese
da apreenso deve conformar-se com a intuio espao-temporal, como sendo a condio de toda
e qualquer representao emprica, pois, fora da intuio espao-temporal, nada de emprico pode
ser intudo. Consequentemente, qualquer fator necessrio para a representao espao-temporal,
ser, igualmente, condio imprescindvel para a sntese da apreenso, uma vez que aquela
condio de possibilidade para a representao desta61.
Nas representaes do espao e do tempo temos formas a priori da intuio
sensvel, tanto da externa como da interna, e a sntese da apreenso do diverso
do fenmeno tem que ser conforme a essas representaes, porque s pode
efectuar-se de harmonia com essas formas (Kant, 1985, p. 162).
Subsequente ao supracitado trecho da Crtica da Razo Pura, Kant agrega s formas
puras da intuio um aspecto decisivo para a completude da sntese da apreenso. Nestes termos,
o espao e o tempo no so apenas formas puras da intuio sensvel, seno que intuies formais
que compreendem um diverso emprico.62 A sntese da apreenso, por condicionar um objeto real
(Gegenstand), deve necessariamente unificar intuies que contenham um diverso emprico, pelo
que s deste modo a realidade objetiva das categorias pode ser completamente alcanada.
Pressupondo a intuio espao-temporal, tanto como forma pura da intuio bem como
intuies formais, Kant estabelece [...] que as condies da unidade da representao do espao
59 Ao examinar a sntese da apreenso, Allison divide a tese kantiana em cinco passos. No presente trabalho,
contemplar-se-o todos os cinco passos, porm no se usar a mesma estrutura de exposio. 60 Cf. Allison, 1992, p. 261. 61 Cf. Allison, 1992, p. 262. 62 Cf. Kant, 1985, p. 162.
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e do tempo so tambm condies da apreenso de qualquer coisa no espao e no tempo 63
(Allison, 1992, p. 263). Ora, tendo em vista este argumento, se a unidade das representaes das
formas puras da intuio (espao e tempo), como foi analisado anteriormente, um produto da
sntese transcendental da imaginao, esta mesma sntese serve, igualmente, como condio para
a sntese da apreenso64, pois ela encontra-se determinada pelas mesmas condies da sntese
transcendental da imaginao.
Na interpretao de Allison, a partir da conexo entre sntese da imaginao e sntese da
apreenso, Kant encontra o fundamento para firmar o passo central da sntese da apreenso, a
saber, a tese que vincula a sntese da apreenso s categorias65. No entanto, Kant no oferece um
argumento que justifique tal conexo. O filsofo alemo to-somente afirma que a unidade
necessria da apreenso um efeito deduzido pela unidade sinttica da apercepo. Tendo em
vista esta conexo, Kant prova logicamente que a unidade da apreenso, assim com a unidade da
apercepo, encontra-se regida pelas categorias. 66
Ora, se a sntese transcendental da imaginao encontra-se condicionada pelas categorias,
ento a sntese da apreenso tambm deve ser governada pelas condies intelectuais do
Entendimento, pois, como ficou explicitado anteriormente, a sntese da apreenso est sujeita s
condies da sntese da imaginao67. Logo, estando esta condicionada pelas categorias, aquela,
igualmente, estar.
CONCLUSO
Ao provar a realidade objetiva das categorias (Gegenstand), Kant completa a Deduo
Transcendental mostrando, assim, que toda realidade humanamente possvel encontra-se,
necessariamente, determinada pelas condies intelectuais do Entendimento. A sntese
transcendental, que deve ser compreendida como sntese categorial, a condio de possibilidade
de todo e qualquer objeto, pois toda unificao (neste conjunto esto contidas a unidade da
63 Establece [...] que las condiciones de la unidad de las representaciones de espacio y tiempo son tambin condiciones de la representacin de cualquier cosa en espacio y tiempo. (Allison, 1992, p. 263). 64 Cf. Allison, 1992, p 263. 65 Cf. Allison, 1992, p. 263. 66 Cf. Allison, 1992, p. 264. 67 Cf. Allison, 1992, p. 264.
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apercepo, a sntese da imaginao e a sntese da apreenso) encontra-se condicionada pela
sntese das categorias.
Por conseguinte, toda a sntese, pela qual se torna possvel a prpria percepo,
est submetida s categorias; e como a experincia um conhecimento mediante
percepes ligadas entre si, as categorias so condies da possibilidade da
experincia e tm pois tambm validade a priori em relao a todos os objetos
da experincia (Kant, 1985, p. 163-164).
Portanto, segundo a abordagem de Allison, tanto a validade quanto a realidade objetiva
das categorias confirmam a tese que vincula toda e qualquer sntese s regras a priori do
Entendimento. Nesta interpretao, a Deduo Transcendental pretende mostrar que todas as
snteses (sntese intelectual, sntese da imaginao e sntese da apreenso) esto, necessariamente,
regidas pelas categorias68. Ao provar a aplicabilidade das categorias puras e a priori do
Entendimento natureza emprica, a Deduo Transcendental kantiana levada acabo,
evidenciando, portanto que toda e qualquer lei ou objeto humanamente possvel encontra-se,
necessariamente, submetido s condies intelectuais do conhecimento humano.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ALLISON, Henry E. El idealismo trascendental de Kant: una interpretacin y defensa. Prlogo e
traduo de Dulce Mara Granja Castro. Barcelona: Anthropos; Mxico: Universidad Autnoma
Metropolitana Iztapalapa, 1992.
HEIDEGGER, Martin. Que uma coisa?: Doutrina de Kant dos princpios transcendentais.
Lisboa, Portugal: Edies 70, 1992.
HFFE, Otfried. Immanuel Kant. Barcelona: Herder, 1986.
KANT, Immanuel. Crtica da Razo pura. Traduo Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujo. Lisboa: Editora Fundao Caloute Gulbenkian, 1985.
______. Lgica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.
68 Cf. Allison, 1992, p. 264.