Alma em Nietzsche
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leya.com.br ISBN 978-85-8044-746-0
9 788580 447460
Alma em
NietzscheMauro Araujo de Sousa
A concepçãode e�íritopara o filósofoalemão
Mauro Araujo de SousaAl
ma
em
Nietzsche
“O homem aprendeu a sentir aquilo que ele mesmo passou a denominar de consciência. Através de sua capacidade de fazer promessas e de poder cumprir suas promessas, despontou nele certo orgulho. Sentiu que podia ser livre para prometer diante de seu poder de cumprir. Aqui, há a “espiritualização” do forte. Somente quem era aristocrata podia cumprir suas promessas, e o homem inventou a consciência e tornou-se sujeito de si mesmo. Até que houve uma inversão da promessa, a cristianização da promessa. Então, o orgulho do homem, do homem cristão, era depositar no além um milagre ou aquilo que ele não poderia fazer ou que, pelo menos, não poderia fazer sem a interferência do além. Algumas promessas, pensando assim, poderiam ser cumpridas até no além. Penso, pois, que, nesse caso, a espiritualização tornou-se alma porque tornou-se imortal por causa do além.”
que um grande filósofo antimetafísico teria a dizer sobre espírito? Teríamos uma existência dual, dividida em corpo e alma? E essa alma seria anterior ao corpo ou se formaria com
ele? Acaso a vida que levamos, no corpo, seria uma provação a ser enfrentada para uma vida futura, próspera e imortal (quem sabe, no paraíso cristão)? Essa seria a verdade? Aliás, há uma única e inquestionável verdade?
auro Araujo de Sousa parte dessas premissas para nos ajudar a entender as concepções que o renomado filósofo alemão Friedrich Nietzsche tem acerca do que definimos por espírito.
Partindo de Platão, um dos pilares máximos da filosofia grega clássica, Mauro percorre um caminho reflexivo de forma estruturada, primeiro nos apresentando as noções platônicas sobre a alma, em seguida nos mostrando o uso que a igreja católica fez dessas noções e, por fim, contrapondo-as com as reflexões nietzschianas sobre essas mesmas perspectivas, interpretações. Assim, a partir desse estudo tríplice, somos provocados a pensar e repensar conceitos fundamentais, ligados à força do homem, ao instinto, à razão, à inteligência, à vida, à verdade e, sobretudo, ao espírito.
Situar, como faz Mauro Araujo de Sousa, a questão do espírito em Nietzsche em Auseinandersetzung (confrontação) com Platão não é apenas uma escolha hermeneuticamente correta, mas uma exigência incontornável para a compreensão do alcance e da profundidade da cruzada antiascética de Nietzsche.
Oswaldo Giacoia JúniorProfessor de Filosofia, Livre-docente da Unicamp
é Doutor em Filosofia pela PUC/SP e fez Pós-Doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP).
É autor dos livros: Cosmovisão em Nietzsche (Editora Oficina do Livro/SP), Nietzsche asceta (Editora da UNIJUÍ/RS – tese de doutoramento), Nietzsche: para uma crítica à ciência, e Nietzsche: viver intensamente, tornar-se o que se é (ambos pela Editora Paulus), Nietzsche e a genealogia da moral: uma obra chave no pensamento de Nietzsche (Editora Zagodoni).
Além de escritor, atua também como professor nas instituições de ensino: Faculdade Cásper Líbero (São Paulo/SP), Centro Universitário da Fundação Santo André (Santo André/SP), Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo/SP) e Faculdade de Tecnologia Mauá (Mauá/SP).
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Mauro Araujo de Sousa
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Copyright © 2013 Mauro Araujo de Sousa
Diretor editorial Pascoal Soto
Editora executiva Tainã Bispo
Editora assistente Ana Carolina Gasonato
Produção editorial Fernanda Ohosaku, Renata Alves e Maitê Zickuhr
Revisão de provas Maria Luiza Lima Almeida
Capa www.ideiascompeso.pt
2013
Todos os direitos desta edição reservados a
texto editores ltda.
[Uma editora do Grupo Leya]
Rua Desembargador Paulo Passaláqua, 86
01248-010 – Pacaembu – São Paulo, SP – Brasil
www.leya.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Sousa, Mauro Araujo de
Alma em Nietzsche : a concepção de espírito para o filósofo
alemão / Mauro Araujo de Sousa. – São Paulo : Leya, 2013.
192 p.
ISBN 978-85-8044-746-0
1. Filosofia 2. Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900 3. Crítica
4. Platão I. Título
13-0161 CDD 193
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia alemã
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Para Claudiana e para Ana Beatriz... Forças vitais!E também para todos aqueles que morreram
na esperança de uma outra vida! E por aquelesque a esperam...
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Mauro Araujo de Sousa6
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sumário
Prefácio
Uma breve introdução
Platão e a alma
A crítica de Nietzsche a Platão
O espírito em Nietzsche
Considerações finais
Notas
Referências
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23
53
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174
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Prefácio Oswaldo Giacoia Júnior*
Em mais esse seu notável trabalho de reflexão sobre e com a obra de Friedrich Nietzsche, Mauro Araujo de Sou-sa mantém acesa a chama de sua curiosidade e o vigor de seu empenho em confrontar os temas mais espinhosos que se apresentam no caminho daqueles que pretendem acom-panhar Nietzsche em sua missão disruptiva dos fundamen-tos sobre os quais foram assentados todos os majestáticos edifícios metafísicos de nossa civilização. Desta vez, a aten-ção de Mauro Sousa é atraída pelo conceito de ‘espírito’ na obra de Nietzsche, cuja densidade e importância teórica só podem ser comparadas com a centralidade estratégica que a noção comporta na economia do pensamento de Nietzsche. E como a atmosfera vital desse pensamento é agonística, haurindo sua dynamis em antagonismos e contra-dicções, Sousa procede com total acerto ao eleger Platão como o in-
* Professor de Filosofia, Livre-Docente da Universidade Estadual de Campinas / SP (UNICAMP).
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terlocutor polêmico privilegiado para sua exegese da noção de espírito em Nietzsche. Efetivamente, um adversário à al-tura, pois é o mesmo Nietzsche quem reconhece:
Parece que todas as grandes coisas em torno da humanidade têm
de inscrever-se no coração com exigências eternas, primeiramen-
te têm de peregrinar sobre a Terra como monstruosas e terríveis
carantonhas: uma tal carantonha foi a filosofia dogmática, por
exemplo, a Filosofia Vedanta na Ásia, o Platonismo na Europa. Não
sejamos, porém, ingratos em relação a elas, embora tenhamos de
confessar que, até hoje, o pior, o mais persistente e perigoso de
todos os erros foi um erro de dogmáticos, a saber: a invenção por
Platão do espírito puro e do Bem em si.1
Ora, ao escrutínio genealógico, essa acepção platôni-ca representa apenas um sentido da palavra espírito; mas, como todo dogmatismo, orientado pelo absoluto, pretende fazer-se passar pelo único e verdadeiro sentido, um ideal, re-metendo à objetividade e pureza de um ‘em si’. Num frag-mento cujo tema insere-se no campo semântico do termo de espírito, que Mauro Sousa, em vista dos fins desse seu li-vro, não distingue de ‘alma’, Nietzsche empreende uma de-rivação filológico-psicológica da alma, para demonstrar sua proveniência não idealista, mas humana, demasiado huma-na, ou seja, sensualista: “Não temos quaisquer categorias que autorizem separar um ‘mundo em si’ de um mundo como aparência. Todas as nossas categorias da razão são de proveniência sensualista, decalcadas do mundo empírico: ‘a alma’, ‘o Eu’ – a história deste conceito mostra que tam-bém aqui a mais antiga separação (‘respirar’, ‘viver’) …”2 ‘Alma’, ‘espírito’, portanto, fazem parte do acervo linguís-tico das palavras mais ambivalentes e equívocas da história da humanidade, e a elas Nietzsche dedica a acribia de sua penetração filológica e filosófica. Em sua essencial ligação
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com o idealismo e com Platão, o conceito de espírito consti-tui um eixo em torno do qual se articulam alguns dos mais importantes ductos da reflexão nietzschiana.
Para que possamos formar uma noção adequada dessa constelação, basta lembrar que a transvaloração de todos os valores, o prelúdio de uma filosofia do porvir, a crítica intransigente da moral e da religião cristãs, a in-vestigação genealógica da proveniência e do valor dos su-premos valores de nossa cultura ocidental são problemas e tarefas indissociavelmente imbricadas com a ‘refutação’ por Nietzsche de Platão e do platonismo, como, aliás, já re-conhecia o jovem Nietzsche em 1870/1871, numa anotação que permaneceu inédita ao longo de sua vida:
Minha filosofia: platonismo revertido: quanto mais afastado do ver-
dadeiro ente, tanto mais puro, mais belo, melhor. A vida no brilho
da aparência como meta.3
A genealogia de Nietzsche asculta em Platão uma ressonância profunda de um elemento arcáico, discerne aí um canal subterrâneo de comunicação com a doutri-na pitagórica da precedência onto-gnoseológica da alma: o mundo do verdadeiro filósofo é o universo inteligível das puras abstrações, à sua tarefa e destinação pertence a iniciação, o apartar-se dos outros homens, entregues ao simulacro e à incerteza. É sobre essa base que Platão fir-ma uma ponte entre o especulativo e o moral, na qual a perspectiva nietzschiana divisa, sob o impacto da influên-cia socrática, o elemento ético na gênese da doutrina das ideias.4 “O verdadeiro saber teria que se referir ao que é permanente, e ser de igual modo permanente e inabalá-vel. Existe tal saber? Crátilo o negava: portanto, inexiste também então qualquer verdadeiro ser das coisas; ou ele é inteiramente inapreensível, e não nos concerne. Então
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estaríamos condenados a viver num mundo totalmente irrisório, sempre autocontraditório, em aparência e escu-ridão. Sócrates constatou que a maioria dos homens vive justamente apenas aí, principalmente os maiores e mais ilustres: eles jazem na ilusão: sua grandeza nada vale, por-que ela repousa sobre a ilusão, não sobre o saber. À depre-ciação da efetividade Sócrates acrescenta a depreciação dos homens: ele emancipa Platão da veneração. No mundo da aparência, existe apenas grandezas puramente aparentes (mesmo Homero, Péricles etc.)”.5
Aqui se origina o desprezo platônico pelo mundo sensível e pelos sentidos – fazendo eco ao ascetismo filo-sófico primevo, que proverá também o horizonte filosófico de sentido para a posterior história espiritual do ociden-te. É de Sócrates e dos pitagóricos que Platão herda o ódio contra a sensibilidade, a sensualidade – principalmente a indisposição moral contra a realidade mais próxima, que pesa como um fardo sobre o pensamento: corpo, carne, san-gue, paixão, volúpia, ódio: dedicar plenamente sua vida ao espírito, ao culto da dialética,
livrar-se tanto quanto possível do sentidos torna-se a tarefa éti-
ca. Os sentidos como perturbadores da paz do homem ético, como
perturbadores da paz do pensador. Se é possível desembaraçar-se
deles, então pode bem ser possível o verdadeiro conhecimento.6
Com isso, colocamo-nos em condição de compreen-der o alvo crítico fundamental visado por Nietzsche: com a precedência do espírito, institui-se a incondicional hegemo-nia dos ideais éticos, até hoje a única resposta que o homem teria encontrado para a torturante pergunta a respeito do por que de sua existência. Os ideais ascéticos foram hoje a única tentativa de resposta para essa pergunta, e sua siste-matização paradigmática foi realizada por Platão. Nietzsche
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acompanha em Platão, fio por fio, uma sólida rede de corres-pondências entre a doutrina das ideias e a teoria do espírito. Com efeito, a suprema perfeição do mundo das ideias é dada precisamente pela ideia do Bem, ideia a que corresponde o ápice da ascese platônica do saber e da dialética. Do mesmo modo como o sol está para o mundo sensível, como a fon-te de vida e crescimento, que ilumina as coisas existente e permite ao olhar humano discerni-las como elas são, assim também está, no mundo inteligível, a ideia do Bem: ela é a fonte do ser e do saber, é ela quem torna possível a cognos-cibilidade e o conhecimento das ideias. E como o sol é supe-rior à luz que promana e ao olho que ilumina, assim também a ideia do Bem é superior ao ser e ao saber.
Dessa maneira, se o ponto de partida para a asserção de um mundo suprassensível foi dado pelas hipóteses éti-cas de Sócrates, também de natureza ética será o elemento prevalente na doutrina platônica da alma. Relativamente a isso, a tarefa consistia em “encontrar um mundo, que o verdadeiramente Bom reconhece como o seu mundo, onde ele não é mais perturbado e seduzido, onde toda sensibili-dade se cala, onde não há mais nenhum ver, ouvir e sentir. O ser-bom, a perfeição pertence à essência de toda ideia; não a perfeição estética, porém a ética.”7. Esse elemento nos fornece a base para o reconhecimento da mútua per-tença entre a oposição mundo sensível-mundo inteligível, com a correspondente doutrina das ideias, por um lado, e a doutrina platônica da alma, por outro lado. Isso constitui um dos traços mais característicos da assimilação por Pla-tão da influência do orfismo e do pitagorismo:
Platão deve aos pitagóricos a hipótese de uma multiplicidade de
onta e, em verdade, não sensíveis, assim como a doutrina de que
as coisas empíricas seriam imitações daquelas verdadeiras onta.
Como, porém, chegamos a poder saber algo das ideias, posto que
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vivemos apenas no mundo empírico? De onde chegamos ao ison,
agathon, que todavia não se confronta conosco na efetividade? De
onde determinamos aquela semelhança das coisas com a ideia?
Aqui vem em auxílio de Platão a doutrina da imortalidade da alma.
As almas, como diz Philolau, estão ligadas ao corpo para castigo, o
corpo é um cárcere, no qual a divindade as instalou para castigo,
do qual elas não estão autorizadas a se libertar por seu próprio
poder. Se a alma separou-se do corpo, então ela leva uma existência
incorpórea num mundo superior.8
Percebemos, a partir desses poucos elementos, como e quanto a doutrina platônica da alma e do espírito asse-diou a filosofia de Nietzsche, desde seus primeiros passos. Essa preocupação concerne prima facie à hegemonia dos ideais ascéticos em nossa cultura. Eles proveram até então a única perspectiva de sentido para uma existência fini-ta e sofredora; todavia qualquer sentido é melhor do que sentido nenhum, do que o absurdo. Uma vontade de Nada não é também um nada de vontade. O ascetismo é o repre-sentante par excellence dessa vontade de Nada. “Uma tal monstruosa maneira de avaliação não se coloca como um caso de exceção e um curiosum na história do homem: ela é um dos fatos mais espalhados e duradouros que existe. Visto a partir de um astro distante, essa escrita em maiús-culo de nossa existência terrena talvez seduzisse à con-clusão de que a terra seria o astro propriamente ascético, um rincão de criaturas insatisfeitas, pretensiosas e repug-nantes, que de modo nenhum poderiam desvencilhar-se de um profundo tédio consigo mesmas, com a terra, com toda a vida, e que causariam a si mesmas tanto sofrimento quanto possível, por deleite em fazer sofrer – provavel-mente seu único deleite.”9
Situar, como faz Mauro Araujo de Sousa, a questão do espírito em Nietzsche em Auseinandersetzung (confron-
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tação) com Platão não é apenas uma escolha hermeneuti-camente correta, mas uma exigência incontornável para a compreensão do alcance e da profundidade da cruzada antiascética de Nietzsche. É por causa disso que, num su-premo esforço de autorreflexão, ao concluir O Crespúsculo dos Ídolos – praticamente às vésperas do final trágico de sua carreira filosófica, Nietzsche atribui ao seu livro de es-treia um valor inestimável, porque ele já era, em intenção e ‘espírito’, antissocrático e antiplatônico, porque anti--idealista:
O “Nascimento da Tragédia” foi minha primeira transvaloração
de todos os valores: com isso retorno novamente ao solo do qual
cresce meu querer, meu poder – eu o último discípulo do filósofo
Dionysos, – eu, o mestre do eterno retorno…10
Todos os demais ensaios de autossuperação e de transvaloração de todos os valores – muito particularmen-te sua genealogia da moral e sua crítica do Cristianismo –, são um prolongamento necessário, um aprofundamento, mas também uma forma de consumação da cruzada anti-platônica, em que a tarefa epocal da consciência filosófica que, na vida de Nietzsche, se transforma em corpo e san-gue, consiste em reverter a inversão operada por Platão na interpretação do ‘espírito’ e da ‘alma’; dito numa fórmula: transvalorar a transvaloração platônica da moral conduz à autossupressão da interpretação moralista da existência, por dever de honestidade intelectual.
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Notas
1 Nietzsche. F. Jenseits von Gut und Böse. Vorrede I (Para além de Bem e Mal. Prefácio, I). In: Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. G. Colli und M. Mon-tinari. Berlin, New York, München: de Gruyter, DTV. 1980, Volume 5, p. 11.2 Nietzsche, F. Sämtliche Werke. Nachgelassene Fragmente. Fragmento nr. 9[98]. In: KSA, vol. 12, p. 391).3 Nietzsche, F. Sämtliche Werke. Nachgelassene Fragmente. Fragmento póstumo nr. 7 [156]. In: KSA, vol. 7, p. 199.4 Cf. Nietzsche, F. Nietzsche, F. Einführung in das Studium der platonischen Dia-logue (Introdução ao Estudo dos Diálogos Platônicos). In: Nietzsche Werke. Kritische Gesamtausgabe (KGB), ed. G. Colli e M. Montinari, Berlin; New York: de Gruyter; Abteilung 2 (segunda seçcão), Volume 4, p. 162.5 Idem, p. 152.6 Idem, p. 153.7 Idem, p. 162.8 Idem, 166s.9 Nietzsche, F. Zur Genealogie der Moral (Para a genealogia da moral) III, 11. In: Sämtliche Werke. KSA, vol. 5, p. 361.10 Nietzsche, F. Götzendämmerung (O Crepúsculo dos Ídolos). O Que devo aos anti-gos 5. In: KSA. Op. cit. vol. 6, p. 160.
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Uma breveintrodução
Tratar do espírito no filósofo antimetafísico requer alguns cuidados. Por isso mesmo, antes de abordar o que Nietzsche entendia por espírito, é melhor que eu esclareça sua crítica ao dualismo platônico de corpo e alma. Por que Platão* (séculos V e IV a.C.)? Porque, para Nietzsche (sé-culo XIX), Platão, o filósofo ateniense da antiguidade clás-sica que estabeleceu uma divisão entre o mundo sensível (este mundo) e o mundo das ideias (o mundo inteligível desprovido de erros e imperfeições, onde habitam o Bem e o Belo absolutos), criou uma abstração a que chamou de alma, assim como criou a imortalidade dessa alma. Essa criação levaria, segundo o filósofo alemão, ao desprezo do efêmero, do transitório, enfim, do corpo. Talvez Nietzs-che, o filósofo de Röcken, tenha exagerado. Afinal, Pla-tão cuidava-se bem e era um atleta. Teve uma vida longa,
* Ou Arístocles, seu nome correto, já que Platão é somente um codinome.
Gosto de tratar Nietzsche
dessa forma porque o
tenho como aquele que
não é mais “camelo”, nem
“leão”, mas “criança”.
Trato, assim, do filósofo
que é sempre “criança”,
que afirma a vida para
além do Bem e do Mal.
Portanto, nele a vida
está acima da moral. E
mesmo que eu fosse tratar
do assunto, moralmente
falando, que outra moral
seria melhor do que essa,
que considera a vida tal
qual ela é, sem, contudo
querer negar o outro,
matar o inimigo? Pelo
contrário, o inimigo se
apresenta como estímulo
ao crescimento de quem
pensa dessa forma. Nova-
mente, lembro que não há
dialética em Nietzsche.
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morrendo por volta dos 81 anos. O filósofo grego estava muito bem entrosado com as coisas do aqui e do agora. Além do mais, tinha preocupações também de cunho bem prático. Exemplo disso era sua preocupação com a política e sua tentativa de aplicar seu ideal de república, inspira-do no seu diálogo de mesmo nome, República. O quanto isso lhe custou caro, a ponto de ser vendido como escravo e outras coisas mais, todos os que leem biografias sobre Platão sabem. Com essas lembranças, não objetivo isentar o filósofo grego de uma ênfase na “alma”, metafisicamen-te considerando, o que, por sinal, muito servirá, ao uso que o cristianismo faz disso... E não somente os cristãos da tradição romana. Os cristãos, ao modo deles, souberam aproveitar muitíssimo bem certas abordagens platônicas a respeito da alma.
Assim, já é de se perceber, e pelo que venho apre-sentando, que iniciarei as reflexões deste livro com Platão. Após tal empreita, tratarei das críticas de Nietzsche ao fi-lósofo grego no que tange ao dualismo de corpo e alma e às consequências disso para o entendimento platônico de alma. Em seguida, cuidarei de analisar o que o próprio filósofo alemão compreendia por “espírito”. São, desse modo, três movimentos presentes neste texto: a alma em Platão, os efeitos cristãos do uso que a Igreja fez da noção platônica de alma (efeitos dualistas, os quais reforçam a separação de corpo e alma, em prejuízo do primeiro e a favor da segunda) e a compreensão de alma em Nietzsche.
Para encerrar essa breve introdução, destaco que o dualismo platônico se tornará o alvo constante das críti-cas de Nietzsche, afinal, como o próprio filósofo alemão expressa no prefácio de sua obra Além do bem e do mal, o cristianismo é um platonismo para o povo. Nesse caso, o foco é mesmo Platão. Mas como tratar do espírito em Nietzsche? Ora, também nele há o “espírito” e, para en-
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tendermos o que o filósofo alemão compreende por espí-rito, é que começaremos com o que o seu antípoda, Platão, tece sobre a alma e a sua imortalidade. Somente depois disso é que teremos condições de explorar melhor o que significa espírito como uma “coisa” outra para a perspec-tiva nietzschiana.
E, de antemão, aviso que não quero neste escrito di-ferenciar alma de espírito, de modo que já estou utilizando os dois conceitos como sinônimos. Para mim, ambos tra-zem um mesmo caráter de abstração, apesar de o conceito de alma parecer ser algo mais forte nisso que o de espírito. Realmente, caberia até o uso de alma, que é muito mais uti-lizado enquanto conceito relacionado ao “além”, pois es-pírito, pelo que vejo, estaria mais para o “aquém”. Quan-do alguém menciona o conceito de alma, o faz mais como uma dissociação de corpo e alma, o que remete essa última para um plano não terreno. Ao que parece, alma está mais para um outro plano, que é o da transcendência. É mais difícil ouvirmos que há uma dissociação entre corpo e es-pírito, ainda mais para a tradução na língua portuguesa, até porque pode referir-se mais a um estado de espírito, por exemplo. Porém, o que importa é que alma e espírito em Nietzsche são tecidos por ele sem essa distinção. E eu não quero entrar em um outro dualismo: o de alma e es-pírito, porque isso não é o propósito desta pequena obra. O que pretendo, simplesmente, é mostrar o que é espírito ou alma em Platão e o que é espírito ou alma em Nietzsche. Somente isso...
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que um grande filósofo antimetafísico teria a dizer sobre espírito? Teríamos uma existência dual, dividida em corpo e alma? E essa alma seria anterior ao corpo ou se formaria com
ele? Acaso a vida que levamos, no corpo, seria uma provação a ser enfrentada para uma vida futura, próspera e imortal (quem sabe, no paraíso cristão)? Essa seria a verdade? Aliás, há uma única e inquestionável verdade?
auro Araujo de Sousa parte dessas premissas para nos ajudar a entender as concepções que o renomado filósofo alemão Friedrich Nietzsche tem acerca do que definimos por espírito.
Partindo de Platão, um dos pilares máximos da filosofia grega clássica, Mauro percorre um caminho reflexivo de forma estruturada, primeiro nos apresentando as noções platônicas sobre a alma, em seguida nos mostrando o uso que a igreja católica fez dessas noções e, por fim, contrapondo-as com as reflexões nietzschianas sobre essas mesmas perspectivas, interpretações. Assim, a partir desse estudo tríplice, somos provocados a pensar e repensar conceitos fundamentais, ligados à força do homem, ao instinto, à razão, à inteligência, à vida, à verdade e, sobretudo, ao espírito.
Situar, como faz Mauro Araujo de Sousa, a questão do espírito em Nietzsche em Auseinandersetzung (confrontação) com Platão não é apenas uma escolha hermeneuticamente correta, mas uma exigência incontornável para a compreensão do alcance e da profundidade da cruzada antiascética de Nietzsche.
Oswaldo Giacoia JúniorProfessor de Filosofia, Livre-docente da Unicamp
é Doutor em Filosofia pela PUC/SP e fez Pós-Doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP).
É autor dos livros: Cosmovisão em Nietzsche (Editora Oficina do Livro/SP), Nietzsche asceta (Editora da UNIJUÍ/RS – tese de doutoramento), Nietzsche: para uma crítica à ciência, e Nietzsche: viver intensamente, tornar-se o que se é (ambos pela Editora Paulus), Nietzsche e a genealogia da moral: uma obra chave no pensamento de Nietzsche (Editora Zagodoni).
Além de escritor, atua também como professor nas instituições de ensino: Faculdade Cásper Líbero (São Paulo/SP), Centro Universitário da Fundação Santo André (Santo André/SP), Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo/SP) e Faculdade de Tecnologia Mauá (Mauá/SP).
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