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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA MARINHA • Nº 447 • ANO XL DEZEMBRO 2010 • MENSAL • 1,50 ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES NO AFEGANISTÃO

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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA MARINHA • Nº 447 • ANO XL DEZEMBRO 2010 • MENSAL • € 1,50

ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES

NO AFEGANISTÃO

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“…e paz na terra aos homens de boa vontade”: Lc. 2,14

“…e paz na terra aos homens de boa vontade”: Lc. 2,14

Segundo os evangelhos, Jesus terá nascido numa terra insignifi-cante e que passava despercebida na imensidão do grande mapa do império romano, mas na tradição bíblica, Belém sempre foi

berço e garantia de paz.Para o cristão, as convicções e os valores da paz nasceram definiti-

vamente nessa terra minúscula e têm de pertencer ao código genético da sua e de qualquer outra religião.

Aliás, se decidirmos ocupar algum do nosso tempo e descer um pou-co ao âmago de qualquer religião é exactamente isso que concluímos:

- O cristianismo começa e termina no “amor aos outros” - No judaísmo a noção de “shalom” enfatiza a integridade e a har-

monia entre os seres vivos, que se assemelha à ênfase budista na não--violência e a insistência taoísta no não agir.

- No Islão, o autêntico sentido da “jihad”, sempre foi o da luta espi-ritual pelo bem.

Já sabemos todos que nem sempre os crentes agiram dentro dos parâ-metros que deviam decor-rer da sua fé tendo mesmo inquinado a nascente da paz. Aliás, também sabe-mos que a guerra e a vio-lência têm sido um grave pecado de várias religiões.

Olhando o judaísmo vemos que nasceu no con-flito, quando o “grupo do êxodo” procurou fixar -se na Palestina. Ou então o cristianismo, que após Constantino, entrou numa lógica de confronto violen-to e conviveu normalmen-te mal com a “diferença”.

Entre as próprias reli-giões foram-se abrindo brechas que permanecem insanadas até hoje:

“O Oriente muçulmano continua a ver no Ocidente um inimigo na-tural e a ruptura entre os dois mundos remonta ao século XI…, uma realidade que ainda hoje não desapareceu dos sonhos nem dos pesa-delos dos muçulmanos” (Fernando Alameda Escobar em “Israel, uma terra em conflito”).

É por estas razões e por outras que muitas vezes hoje algumas reli-giões aparecem totalmente desfiguradas.

E não pode ser assim.Por isso os Bispos da União Europeia escreveram: “Os que visam a morte de seres humanos, que apoiam ou toleram

essa atitude, não podem pretender agir em nome de Deus. Nem no cristianismo, nem no islão, nem no judaísmo existem justificações da violência e do aniquilamento. Não há teologia para o terror”.

Não somos de todo maniqueístas, mas às vezes parece-nos que o ho-mem tem de se aproximar de algumas referências das quais às vezes dá a sensação de não lhes conhecer as coordenadas.

Por isso antes de reabilitarmos o “homem crente”, o que temos mes-mo de reabilitar é o “homem” com todas as suas potencialidades.

O texto que se segue circula na INTERNET e não tem autor identi-ficado mas é notável...

Diz assim: “Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e es-

tava decidido a encontrar meios para os minorar.

Passava dias no seu laboratório a procurar respostas para as suas dúvidas.

Certo dia, o seu filho de sete anos invadiu o seu “santuário” decidi-do a ajudá-lo a trabalhar.

Vendo que seria impossível demovê-lo, o pai procurou algo que pu-desse distrair-lhe a atenção, até que se deparou com o mapa do mundo.

Com o auxílio de uma tesoura, recortou-o em vários pedaços e, jun-to com um rolo de fita adesiva, entregou-o ao filho para que este recu-perasse o desenho original. Pensou que, assim, estaria livre do miúdo durante algum tempo…

Na verdade, o petiz não conhecia a geografia do planeta e certamen-te levaria dias para montar o quebra-cabeças.

Uma hora depois, porém, ouviu a voz do filho:- Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar.Para surpresa do pai, o mapa estava completo, todos os pedaços ha-

viam sido colocados nos devidos lugares. Como teria sido possível? Nesse momento questio-nou o filho:

- Se não sabias como era o mundo, como con-seguiste?

- Pai – respondeu o filho – eu não sabia como era o mundo, mas quando o pai tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando o pai me deu o mundo para o consertar, eu tentei mas não consegui.

Foi aí que me lembrei do homem… virei os re-cortes e comecei a conser-tar o homem.

Quando acabei de consertar o homem, virei a folha e descobri que tinha consertado o mundo”.

Os “caminhos de Belém” não são os únicos para a reabilitação do ho-mem mas para o crente cristão não há nenhum mais seguro e mais rápido.

Por isso também, o “grito de Belém “ é grande de mais para se des-tinar somente aos crentes. Logo nessa noite, ficou decidido, que aquela era uma mensagem “para todos os homens de boa vontade”.

Por isso, é que a galeria dos construtores da paz é multifacetada: Mahatma Gandhi, Luther King, Lanza del Vasto, Desmond Tutu, Dalai Lama, Hélder Câmara, Óscar Romero, o irmão Roger de Tai-zé…e tantos outros.

Para ti e para mim, que estamos tão longe dos grandes areópagos onde se decide o início das guerras ou as tréguas para a paz, mas ao mesmo tempo, somos donos de um coração que potencialmente tanto pode amar como odiar, o que é que vamos construindo?

O Natal está já aí…e o nosso coração? A todos os militares, militarizados e civis da Marinha Portuguesa, às

suas excelentíssimas famílias, com uma saudação muito especial para os nossos doentes e para os que estão longe do lar em missões de paz e implorando a bênção de Nossa Senhora do Mar, os capelães da Ma-rinha desejam um santo Natal vivido na alegria e…. na PAZ.

José Ilídio Fernandes da CostaCMG Capelão

MENSAGEM DE NATAL

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Publicação Oficial da Marinha

Periodicidade mensalNº 447 • Ano XLDezembro 2010

DirectorCALM EMQ

Luís Augusto Roque Martins

Chefe de RedacçãoCMG Joaquim Manuel de S. Vaz Ferreira

Redacção1TEN TSN Ana Alexandra Gago de Brito

Secretário de RedacçãoSAJ L Mário Jorge Almeida de Carvalho

Colaboradores PermanentesCFR Jorge Manuel Patrício Gorjão

CFR FZ Luís Jorge R. Semedo de MatosCFR SEG Abel Ivo de Melo e Sousa1TEN Dr. Rui M. Ramalho Ortigão Neves

Administração, Redacção e PublicidadeRevista da Armada

Edifício das InstalaçõesCentrais da Marinha

Rua do Arsenal1149-001 Lisboa - Portugal

Telef: 21 321 76 50Fax: 21 347 36 24

Endereço da Marinha na Internet http://www.marinha.pt

e-mail da Revista da Armada [email protected]

Paginação electrónica e produçãoMacfinal, Lda.

Rua Lalande, 17 - 7º Esq.Lisboa

Tiragem média mensal:6000 exemplares

Preço de venda avulso: € 1,50Registada na DGI em 6/4/73

com o nº 44/23Depósito Legal nº 55737/92

ISSN 0870-9343

SUMÁRIO

ANUNCIANTES: MAN FERROSTAAL PORTUGAL, Lda.; ROHDE & SCHWARZ, Lda.

MENSAGEM DE NATAL DO CAPELÃO 2CERIMÓNIA DE ABERTURA DO ANO OPERACIONAL 2010/11 4O ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES NO AFEGANISTÃO / / DEPUTADOS DA COMISSÃO DE DEFESA NACIONAL VISITAM A MARINHA 8O NRP “BARTOLOMEU DIAS” PARTICIPA EM EXERCÍCIO FRANCÊS / / “UMA VIDA A SORRIR” 9A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (14) 10GREEN SHIPPING 14ESCOLA NAVAL - ABERTURA SOLENE DO ANO ACADÉMICO 2010-2011 / / INFANTE D. HENRIQUE 16NAVIO-ESCOLA “SAGRES” – VOLTA AO MUNDO 2010 20ACADEMIA DE MARINHA 24ONDAS GIGANTES COM MAIS DE 26 METROS DE ALTURA 25QUARTO DE FOLGA / VIGIA DA HISTÓRIA 27 33NOTÍCIAS PESSOAIS / CONVÍVIOS / / NAVAL FORCES - THE PORTUGUESE NAVY 34NAVIOS DA REPÚBLICA CONTRACAPA

REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 3

Composição gráfica 2TEN TSN Nobre Rodrigues

Alocução do Almirante CEMA

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11O Tratado de Lisboa

e a “Europa Azul”

31“Chapitô à vela”

PUBLICAÇÃO OFICIAL DA MARINHA • Nº 447 • ANO XL DEZEMBRO 2010 • MENSAL • € 1,50

ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES

NO AFEGANISTÃO

“MARINHA PORTUGUESA”Nove Séculos de História

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4 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Para assinalar a Abertura do Ano Operacio-nal 2010/11 realizou-se, no passado dia 14 de Outubro, na Base Naval de Lisboa,

a já tradicional Cerimónia Militar, presidida pelo Almirante Chefe do Estado-maior da Armada.

Marcando o início de um novo ciclo, tendo como principal objectivo o balanço anual da actividade operacional da Marinha e a pers-pectivação do seu futuro, a referida cerimónia constitui um momento privilegiado para que a comunidade operacional tome conhecimento directo das directrizes traçadas pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada.

Acompanhado pelo Comandante Naval, o Almirante CEMA embarcou, na Doca da Ma-rinha, no N.R.P. “Sagitário”, comandado pelo 2TEN Monteiro Teixeira, e navegou até à BNL, onde efectuou a Revista Naval às unidades atra-cadas e à corveta “João Coutinho”, que se en-contrava fundeada para prestar as Honras pre-vistas pela Ordenança do Serviço Naval.

Após a Revista Naval teve início a cerimónia militar, no decurso da qual foram condecorados diversos militares e foi prestada homenagem aos mortos em defesa da Pátria, com uma evoca-ção proferida pelo Capelão-Chefe da Marinha, seguida das alocuções do Comandante Naval e do Almirante CEMA.

No seu discurso de análise da actividade operacional, o Comandante Naval fez um re-sumo das acções mais relevantes e felicitou as mulheres e homens das guarnições pelo dever cumprido, num ano particularmente exigente, tendo enumerado os desafios para o novo ciclo de actividades que se ora se inicia.

Da alocução do Almirante CEMA, que co-meçou por se dirigir a todos aqueles que cum-prem a sua faina longe de Portugal, particu-larmente o pessoal da Marinha destacado na International Security and Assistance Force no Afeganistão e também a guarnição do navio--escola “Sagres”, ressalta a manifestação de or-gulho com o desempenho atingido, só possível “graças à qualidade e dedicação daqueles que vivem a Marinha de forma intensa e abnegada, cuja postura de serviço a Portugal e aos Portu-gueses é incontestável”, e que torna possível que os portugueses possam usar o mar na justa medida das suas necessidades. Esta alocução, pela sua importância, é transcrita na integra nesta Revista.

Estiveram representadas na BNL as diversas capacidades operacionais da Marinha. Desig-nadamente: a capacidade oceânica de super-fície, através das fragatas “Vasco da Gama” e “D. Francisco de Almeida”; a capacidade de fiscalização oceânica, com a corveta “Baptis-ta de Andrade”; a capacidade de fiscalização costeira e ribeirinha, pelo patrulha “Cuanza” e pelas lanchas de fiscalização “Centauro” e “Pégaso”; a capacidade de projecção de for-ça, corporizada pelo Batalhão Ligeiro de De-sembarque e pelo Destacamento de Acções Especiais; a capacidade submarina, represen-tada pelo submarino “Tridente”; a capacidade Hidro-Oceanográfica, pela lancha “Andróme-

da” e “Almirante Gago Coutinho”; e a capacidade de mergulho de combate, de guerra de minas, inactivação de en-genhos explosivos, realização de traba-lhos submarinos e salvação marítima, a cargo dos Destacamentos de Mergulha-dores Sapadores. Em representação da Autoridade Marítima associou-se a lan-cha da Polícia Marítima “Tufão”.

As forças em parada foram coman-dadas pelo CMG Novo Palma, actual-mente a desempenhar as funções de Comandante da Força Tarefa Portuguesa. Constituíam as forças em parada: a Ban-da da Armada e a Fanfarra; o Bloco de Estandartes Nacionais, com Estandartes pertencentes a unidades e organismos do Comando Naval e a respectiva es-colta a cargo de um pelotão do Curso de Formação de Sargentos Fuzileiros; uma companhia de Cadetes da Escola Naval e outra de Alunos da Escola de Tecnologias Navais; o Bloco de Guiões pertencentes a unidades e organismos do Comando Naval; e três batalhões a duas companhias cada (sendo o pri-meiro batalhão integrado por elementos das guarnições das Unidades Navais e o segundo por elementos do Batalhão de Fuzileiros nº1 e da Unidade de Polí-cia Naval). A fechar o desfile das Forças apeadas avançou, em marcha acelera-da, o Batalhão de Fuzileiros Nº2, a duas companhias, sobrevoado por dois heli-cópteros LYNX MK95.

Seguiu-se o desfile da Força Motoriza-da, constituída por três blocos pertencen-tes ao Comando do Corpo de Fuzileiros, ao Destacamento de Mergulhadores Sa-padores Nº3 e à Direcção-Geral de Au-toridade Marítima, representados por um elemento de comando, um grupo de abordagem, um destacamento de acções especiais, um elemento de manobra, um elemento de apoio de combate, um ele-mento de apoio de serviços em combate e um elemento de assalto anfíbio e uma viatura de Guerra de Minas do DMS 3. O desfile das Forças Motorizadas encerrou com a passagem de diversas viaturas da Direcção-Geral de Autoridade Marítima, nomeadamente, uma viatura pick-up re-bocando uma embarcação semi-rígida, uma viatura Sea Master do Instituto de Socorros a Náufragos rebocando uma mota-de-água, uma viatura da Direcção de Faróis, uma viatura de combate à po-luição por hidrocarbonetos tipo galera, uma viatura de combate à poluição to-do-o-terreno tipo UNIMOG e uma via-tura do grupo de intervenção rápida da Polícia Marítima.

No final, um helicóptero Lynx MK95 sobrevoou o local da cerimónia, cum-primentando em despedida o Almirante CEMA e todos os convidados.

Cerimónia de Abertura do Ano Operacional 2010/11Cerimónia de Abertura do Ano Operacional 2010/11

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Começo por me dirigir a todos aqueles que estão a cumprir a sua fai-na longe de Portugal, honrando o botão de âncora ou a alcaxa que ostentam. Saúdo particularmente o pessoal da Marinha destacado

na International Security and Assistance Force no Afeganistão e também a guarnição do navio-escola “Sagres”, envolvida numa relevante missão de apoio à diplomacia portuguesa à volta do Mundo e que navega, neste momento, entre Banguecoque e Singapura.

Lembro, também, as guarnições dos 8 navios que hoje estão com mis-são atribuída, assegurando as tarefas que a Marinha desempenha, em per-manência, no nosso mar, essencialmente ligadas à vigilância, controlo e fiscalização dos espaços marítimos nacionais e à garantia do serviço de busca e salvamento marítimo. Recordo, ainda, o pessoal das unidades de fuzileiros e de mergulhadores, da estrutura da Direcção-Geral da Autori-dade Marítima, do Comando-Geral da Po-lícia Marítima e do Instituto Hidrográfico que contribui para o dispositivo permanen-te da Marinha, o qual totaliza cerca de 750 militares, militarizados e civis da Marinha, permanentemente em acção, ou em eleva-da prontidão.

Saúde também as delegações da Escola Naval e da ETNA como garantes do nosso futuro e da continuidade da nossa postura de serviço em relação ao mar a aos portu-gueses.

Finalmente, envio uma saudação a todos os servidores da Marinha que, no seu pos-to de trabalho, tornam possíveis a disponi-bilidade do pessoal e do material, com os padrões imprescindíveis aos desempenhos operacionais que tanto nos orgulham.

Seguidamente, quero agradecer a dis-ponibilidade dos ilustres convidados que se associaram a esta cerimónia. Permitam--me que cumprimente de forma particular o Exmo Sr. General Luís Araújo, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea instituição com a qual partilhamos exemplar coope-ração. Seja bem-vindo à Marinha! Sejam todos bem-vindos à Marinha!

Marinheiros

É nesta cerimónia, que se destina a dar público reconhecimento do tra-balho de todos os que cumprem a sua missão na linha da frente da exi-gência operacional, que escolhi, perante vós - a esquadra -, fazer a minha última intervenção como Comandante da Marinha após uma vida cheia, também no mar. No campo da honra - como gosto de dizer. Aqui comecei, aqui aprendi, aqui comandei e passei momentos inesquecíveis. Não con-sigo recordar nenhum de que guarde má memória. Certamente por méri-to vosso e por amor à “briosa”. A todos o meu muito obrigado. Se tivesse, hoje, que escolher uma vida, escolheria, sem hesitações, a minha. Honra à grande Instituição que servimos. A Marinha de Portugal e dos portugueses.

Ilustres Convidados,

Esta cerimónia marca, também, o início do ano operacional 2010/2011. Constitui, por isso, um momento propício para fazer um ponto ao meio dia, e para anteciparmos desafios futuros.

Temos que reconhecer que vivemos momentos muito difíceis que in-felizmente têm natureza estrutural e portanto duradoura. Não tenhamos ilusões! Temos uma vez por todas que assumir as nossas responsabilida-des. A Marinha sempre soube, e saberá, assumir as suas, mas não aceita as que lhe não pertencem.

Em teoria é sempre possível fazer melhor com os recursos disponíveis, mas, digo-o sem falsa modéstia que podemos orgulhar-nos do que temos

conseguido, como bem atestam os indicadores referidos pelo senhor Vice--Almirante Comandante Naval. Tivessem outros órgãos do Estado o mesmo nível de desempenho, e bem mais simples seria a solução das dificuldades que todos enfrentamos.

No domínio genético, quero começar por abordar alguns aspectos rela-cionados com o pessoal. Nesta área, verificou-se uma redução significativa nos últimos cinco anos, só possível, em boa parte, devido ao investimen-to tecnológico e à melhoria na formação e treino. Contudo, a redução de cerca de 850 militares, não deixou de implicar um esforço acrescido, so-bretudo para o pessoal embarcado, diminuindo a necessária rotatividade navio - terra de forma a não afectar a actividade operacional. A redução do número de civis foi de cerca de 1100, em grande parte devido à empresa-rialização do Arsenal do Alfeite, ao passo que os quantitativos de militari-

zados se mantiveram relativamente estáveis. Assim, a Marinha dispõe actualmente de

cerca de 12 200 homens e mulheres. Con-sidero este o quantitativo mínimo para o cumprimento das actuais missões com os meios disponíveis.

Esclareço aqui, para que não restem dú-vidas, que, quando numa entrevista recen-te, me referi à exagerada dimensão do Back Office não era da nossa Marinha – como é obvio – que falava.

Sendo as pessoas o nosso recurso mais importante, quero aqui sublinhar que não foi de todo possível, no meu mandato, con-cretizar o reconhecimento que é devido ao pessoal embarcado. Além disso, temos ago-ra as gravosas medidas de contenção finan-ceira anunciadas, sem paralelo conhecido na nossa História. Bem sei que são transver-sais a toda a administração pública e que a elas não poderíamos, também por dever de consciência, ficar imunes; mas, o mesmo dever de consciência, leva-me a ter legíti-mas expectativas de que a condição da ci-dadania militar não seja ignorada. Por todos.

Em contraposição, haverá que reconhe-cer, sem reservas, o grande investimento

realizado nos meios navais e infraestruturas. De facto, atravessamos um momento fundamental, nomeadamente no respeitante à renovação da Esquadra. Modernizámos os navios hidro-oceanográficos “D. Carlos I” e “Alm. Gago Coutinho”, apetrechando-os com os mais avançados equipa-mentos para a investigação científica.

Recebemos 3 modernas embarcações salva-vidas da classe Vigilante, construídas no Arsenal do Alfeite, que têm constituído uma mais-valia significativa no socorro a náufragos. Além disso, modernizámos estações salva-vidas, sem descurar a aquisição de material para o salvamento a partir de terra.

Integrámos na Esquadra as duas fragatas da classe Bartolomeu Dias, cul-minando assim um processo verdadeiramente exemplar, iniciado em 2006 e concluído em tempo record, passando, assim, a dispor de cinco fragatas capazes de potenciar a nossa actuação em todo o espectro de emprego do poder naval e marítimo.

Recebemos, provisoriamente, o submarino Tridente, assegurando a con-tinuação de uma capacidade, a capacidade submarina, que o País mantém ininterruptamente desde 1913. Em breve receberemos o segundo navio da classe: o Arpão. Estou certo de que, quando passar a espuma dos dias que correm, ficará evidente a sua extrema utilidade para uma nação que não pode dispensar a vigilância discreta dos seus espaços marítimos, nem a dissuasão proporcionada pelos submarinos – não igualada por qualquer outro meio do Sistema de Forças nacional.

Apesar de todos estes marcos importantes, a renovação da Esquadra não

Alocução do Almirante CEMAAlocução do Almirante CEMA

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está completa. Ela tem que prosseguir de forma serena – conscientes das presentes circunstâncias económicas e financeiras – mas convicta – pela imprescindibilidade de regenerar algumas capacidades.

Uma parte muito significativa das nossas tarefas, é efectuada por patru-lhas e corvetas que têm mais de 35 anos de serviço. Urge, pois, concreti-zar o projecto de entrega à Marinha dos oito Navios de Patrulha Oceânica e das oito Lanchas de Fiscalização Costeira. Finalmente, a Marinha aguar-da pelo Navio Polivalente Logístico, que se constituirá como o meio mais conjunto de todo o Sistema de Forças, essencial para o emprego de capacidades dos três ramos das Forças Armadas.

Tudo fizemos e tudo devemos continuar a fazer para que Portu-gal disponha de uma capacidade autónoma de construção naval. Tenho para mim que se trata de uma questão estrutural para um país que tem no mar o seu factor físico com maior potencial de de-senvolvimento.

No âmbito da formação, o novo Sistema de Formação Profissional da Marinha consagrou uma evolu-ção organizacional bem sucedida, enquanto que a reorganização do par-que escolar, centralizando as capacidades formativas, contribuiu indubita-velmente para a necessária racionalização dos recursos humanos, materiais e financeiros, permitindo simultaneamente um assinalável incremento na qualidade da formação, desiderato que não poderemos deixar de perseguir.

Distintos convidados,

No domínio estrutural, o processo de Reorganização da Estrutura Superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas, encetado em 2005, constituiu uma oportunidade única para optimizar a estrutura da Marinha.

Isso foi conseguido, sobretudo, com uma nova Lei Orgânica, que per-mitiu lançar os alicerces da Marinha para o futuro, graças à introdução de algumas evoluções organizativas internas. Permitam-me que relembre as mais relevantes.

A materialização, em sede legal, do paradigma do “Duplo Uso”.A criação da Superintendência dos Serviços de Tecnologias da Informa-

ção, que decorreu do reconhecimento da importância do recurso “infor-mação” para o cumprimento da missão da Marinha.

O restabelecimento de um serviço central de inspecção individua lizado, que a Marinha perdera em 1968 e que agora se recuperou, sob a designação de Inspecção -Geral da Marinha, per-mitindo sedimentar o modelo de gestão estratégica, pelo reforço da função “inspecção”.

Finalmente, a coordenação dos diversos órgãos de natureza cultu-ral, através do estabelecimento da unidade de direcção deste sector, em que a Marinha pelo seu pas-sado, que se confunde com a His-tória da nação e pelo seu presente virado para o desenvolvimento e para o futuro, tem uma intervenção im-portante ao nível nacional.

Todavia, a optimização estrutural é um processo contínuo e a Marinha tem pela frente dois desafios de monta.

O primeiro respeita à recentemente concretizada empresarialização do Arsenal do Alfeite. Esta nova realidade veio alterar métodos há muito con-solidados no âmbito da logística naval. Há que os aperfeiçoar. Contudo, estou certo de que, em estreita colaboração com a administração da Ar-senal do Alfeite, SA, saberemos encontrar as melhores e mais equilibradas soluções para assegurar a prontidão da Esquadra.

O segundo, respeita à reforma da saúde militar. Acredito que é uma re-

forma desejável e possível, embora muito sensível, pois, em última análi-se, todos acabaremos por adoecer! Como tal, necessita de ser cuidadosa-mente planeada, para que não se perca esta oportunidade de dar um salto significativo na qualidade dos serviços prestados, mantendo, ou mesmo reduzindo custos, o que passa por tornar os diversos segmentos financei-ramente auto-suficientes como aliás acontece com o Hospital de Marinha. Só assim, a reforma poderá ser mobilizadora dos militares, ultrapassando a desconfiança e mal-estar dos utentes, bem como a instabilidade do pes-

soal de saúde. Na Marinha, existe uma especial sensibilidade nesta matéria, pois o pessoal embarca-do necessita, para além de uma adequada condição física e psi-cológica, de estar seguro de que os respectivos familiares recebem os cuidados médicos próprios, designa damente durante as suas prolongadas ausências.

Ilustres convidados

Finalmente, no domínio opera-cional, orgulhamo-nos de poder apresentar um produto extrema-mente diversificado, que faz jus ao

nosso paradigma de uma “Marinha de Duplo Uso”, empenhada, simulta-neamente, no âmbito das acções militar e não militar.

Em conjunto com a Força Aérea e estruturas do Sistema Nacional de Bus-ca e Salvamento, temos alcançado, consistentemente, taxas de sucesso que excedem os melhores valores de referência adoptados internacionalmente. Temos pugnado, contínua e denodadamente, por elevar os padrões de se-gurança de todos aqueles que se fazem ao mar, pois a segurança começa neles próprios e nas práticas por si adoptadas.

Estamos activamente empenhados na campanha conducente à exten-são da nossa plataforma continental. Os navios hidro-oceanográficos da Marinha têm efectuado um levantamento exaustivo e sem precedentes dos nossos fundos marinhos, o que permitiu à Estrutura de Missão para a Ex-tensão da Plataforma Continental apresentar nas Nações Unidas um pro-jecto credível e bem sustentado de alargamento dos limites da plataforma, na consecução daquele que é um dos grandes trabalhos realizados pelos portugueses no domínio da geografia dos oceanos. Nem sempre o nosso papel tem sido suficientemente relevado na comunicação social.

Através da Iniciativa Mar Aberto, a Marinha colocou em prática um modelo de cooperação inovador, que procura ir ao encontro das ne-cessidades dos países da CPLP em ambiente marítimo. Esta iniciativa, tem enquadrado, todos os anos, uma unidade naval e equipas mul-tidisciplinares oriundas dos vários sectores da Marinha, incluindo pessoal da Polícia Marítima, em apoio aos nossos parceiros .

No âmbito da ligação interde-partamental, a Marinha tem de-fendido a cooperação com todas as entidades com responsabilida-des nos nossos espaços marítimos, assumindo uma postura de grande

abertura e incentivo ao dever de cooperação entre departamentos do Esta-do. Disponibilizamos os nossos meios – detentores de capacidades únicas – para a realização de operações cooperativas no âmbito da fiscalização das actividades de pesca, do combate à imigração clandestina e do combate ao crime organizado, com especial enfoque no tráfico de estupefacientes, bem como na fiscalização das actividades económicas, no controlo da navegação e na inspecção a navios estrangeiros.

O Centro Nacional Coordenador Marítimo, criado em 2007, traduz a nossa firme convicção da necessidade de articulação de um conjunto alargado de autoridades públicas que intervêm nos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional. Acredito que o sucesso depende,

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cada vez mais, da profícua cooperação, permitindo, dessa forma, evitar a duplicação de estruturas e de meios, com o mesmo propósito, noutros departamentos do Estado. Na conjuntura actual, marcada pela neces-sidade de uma gestão parcimoniosa dos escassos recursos disponíveis, não se podem permitir redundâncias e ineficiências. Isto tem que ser bem entendido por todos.

Uma palavra, também, para a colaboração havida com as estruturas de protecção civil, no sentido de prevenir riscos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe ou de atenuar os seus efeitos, apoiando prontamente e de forma compe-tente e útil as populações sempre que necessário, como sucedeu na Madeira, na sequência do aluvião de 20 de Fevereiro deste ano.

No domínio da acção militar estrita, exercemos, entre Janeiro de 2009 e Janeiro deste ano, pela terceira vez na nossa história, o comando do Standing NATO Ma-ritime Group 1. Foi uma missão longa e complexa, que envolveu a participação em três operações reais de combate ao terrorismo, à proliferação de armamento e à pirataria marítima. Na linha do sucedido nas ocasiões anteriores, tanto o Comandante da Força e o seu staff, como os navios envolvi-dos – as fragatas Álvares Cabral e Corte Real – prestigiaram de for-ma bem marcada a Marinha e o País. Temos agora outros desafios importantes pela frente, em que avultam o comando da EURO-MARFOR, que assumimos em Se-tembro de 2009, por um período de 2 anos, e o comando da força naval da União Europeia empe-nhada na Operação ATALANTA, destinada a combater a pirataria marítima no Corno de África e na bacia da Somália, que assumire-mos entre Abril e Agosto de 2011. São desafios em que vamos ter que evidenciar a competência, a capa-cidade e o espírito de missão a que habituámos o País.

Ilustres e distintos convidados,Militares, militarizados e civis da Marinha

Tracei-vos uma breve avaliação do passado recente e das perspectivas futuras nos âmbitos genético, estrutural e operacional. Como Comandan-te da Marinha, estou profundamente orgulhoso do que conseguimos para que os portugueses possam usar o mar, pois ele é, como sempre tenho dito, o factor físico cujo potencial nos individualizou no passado, nos dá liberdade de acção no presente e que pode projectar o nosso desenvolvi-mento no futuro.

Com efeito, o mar tem sido, desde a fundação da nação, o grande ele-mento identitário de Portugal, estando presente em todos os capítulos dou-rados da nossa História, que, segundo Jaime Cortesão, “se pode resumir a uma série de esforços para o aproveitamento das possibilidades atlânticas do território”.

É o mar, o nosso mar, que liga as diversas parcelas do território nacional.É ele que constitui o elo de ligação ao mundo lusófono e aos nossos

aliados. É pelo mar que circula 60% do nosso comércio externo. É por mar que nos chegam 70% das nossas importações. É o mar que garante a nossa segurança energética, uma vez que recebe-

mos por via marítima todo o petróleo e 2/3 do gás natural que consumimos.É ele que atrai 90% dos turistas que nos visitam. É o mar que está na base de um conjunto de actividades económicas

que representam, cerca 12 a 14 mil milhões de euros. É o mar que, directa e indirectamente, dá emprego a quase 200 mil

portugueses. É ele que nos diferencia no quadro das nações e nos assegura a liber-

dade de acção política.É o mar que abriga e, ao mesmo

tempo, esconde, na sua plataforma continental, recursos que estamos consistentemente a avaliar.

Finalmente, é o mar que sus-tenta diversas actividades econó-micas, com enorme potencial de crescimento como o turismo náu-tico, a náutica de recreio, a aqui-cultura, o transporte marítimo de curta distância, as energias reno-váveis e a exploração de minerais, de hidrocarbonetos e de produtos de biotecnologia.

Tudo isso levou um estudo re-cente a estimar que a economia marítima nacional represente, den-tro de 15 anos, cerca de 10 a 12% do PIB e do emprego nacionais, o que equivalerá a cerca de 20 a 25 mil milhões de euros e a mais de meio milhão de empregos. É um potencial que o País não pode des-perdiçar. Para a concretização des-se desígnio, Portugal pode sempre contar – agora, como no passado e no futuro – com a sua Marinha.

Uma Marinha capaz de contri-buir para a defesa militar e para a garantia do uso do mar em benefí-cio de Portugal e dos Portugueses. Por isso pugnei durante quarenta e cinco anos e, com responsabilida-des acrescidas, nos últimos cinco. Se é certo que muito há para fazer, julgo poder afirmar, com orgulho, que entregarei uma Marinha mais preparada para enfrentar os desa-fios que despontam no horizonte, dando, na senda da nossa tradição naval, continuidade ao relevan-

te legado dos meus ilustres antecessores. Os resultados alcançados só foram possíveis graças à qualidade e dedi-

cação daqueles que vivem a Marinha de forma intensa e abnegada, cuja postura de serviço a Portugal e aos Portugueses é incontestável. O orgulho que sinto e que, penso, todos sentem pelo muito que temos concretizado, tem que ser um estímulo para enfrentar os desafios que se aproximam. A rota futura não se apresenta despida de perigos para a navegação. Antes pelo contrário!

Estou, contudo, seguro de que, com as bases sólidas que se têm vin-do a construir e sedimentar, a Marinha sabe o que quer e para onde vai e está bem preparada para enfrentar os exigentes, mas estimulantes, desa-fios do futuro.

Para quem sabe onde está e para onde quer ir, só determinados ventos lhe servem: os da Honra, da Liberdade, da Justiça e do espírito de bem ser-vir Portugal e os portugueses.

Certo estou que a seguir ao tempo, outro tempo virá.Termino desejando a todos “Bons Ventos e Mar de Feição!

Fernando de Melo GomesAlmirante

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8 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

O Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada não quis terminar o seu mandato sem visitar os mili-

tares destacados no Teatro de Operações do Afeganistão. Entre 3 e 5 de Novem-bro, em Cabul, cumpriu este desiderato ao juntar-se aos 53 militares da Marinha ali destacados.

Portugal contribui para a Interna-tional Security Assistance Force (ISAF) desde 2002, tendo a Marinha assu-mido uma participação, de forma continuada, em Maio de 2008, com 4 militares na Operational Mentor and Liaison Team (OMLT) de Guarnição.

A missão das OMLT é a de “aju-dar as unidades do Exército Nacio-nal Afegão (ANA) na sua organiza-ção e preparação, servir como elo de ligação entre a ISAF e o ANA e, quando solicitado, apoiar o planea-mento e emprego operacional do ANA, de forma a facilitar o desen-volvimento de um Exército competente, profissional e auto-suficiente”.

Actualmente, quando decorre o 6.º Con-tingente Nacional (6ª FND/PRT/ISAF), encontram-se 53 militares distribuídos pela OMLT de Guarnição, Combat Service Support School, Kabul Military Training Cen-ter, Módulo de Apoio – nos elementos de Apoio de Serviços (Comando, Manutenção e Transportes, Transmissões e Sanitário) e de Segurança – e na NATO Training Mission - Afghanistan (NTM-A) no Quartel-General da ISAF. Neste quantitativo encontram-se 9 oficiais, 12 sargentos e 32 praças, sendo 49 fuzileiros e 4 de outras classes.

O programa geral incluiu as visitas do ALM CEMA a Camp Warehouse, Pol-e-Cha-rki, Quartel-General da ISAF e aeroporto de Cabul, precedidos de esclarecedores briefings. Houve ainda oportunidade para um voo de helicóptero sobre a região de Cabul.

Recebido e acompanhado pelo Coman-dante do Contingente Nacional (6ª FND/PRT//ISAF) – coronel ART Silva Salguei-ro, o ALM CEMA cumprimentou os milita-res formados em parada, tendo, na ocasião, revelado o seu empenhamento naquela deslocação e o apoio institucional e pes-soal que dedicava a todos eles.

Num segundo encontro, já apenas com os militares da Marinha, transmitiu a con-fiança que neles depositava no cumpri-mento da missão, disponibilizando-se a responder a algumas questões que lhe for-mam formuladas. No final, os fuzileiros brindaram-no com o tradicional grito dos

fuzileiros, em homenagem ao Comandante que se aprestava a deixá-los.

No decorrer da visita, teve o ALM CEMA oportunidade de conferenciar com o Co-mandante da Guarnição de Pol-e-Charki – COR Abdul Fahim, com o Comandante do Corpo de Exército Afegão 201 – MGEN Ab-

dullah e com o Commander of Interna-tional Security Assistance Force (CO-MISAF) – GEN David H. Petraeus, dos quais recebeu importantes aná-lises sobre o desenrolar das opera-ções a decorrer naquele território, bem como o reconhecimento pelo excelente trabalho ali desenvolvido pelos militares portugueses.

Houve ainda lugar a dois conví-vios: a promoção de 4 militares da Marinha (com a imprescindível água salgada, prontamente encontrada, mesmo a várias centenas de quilóme-tros do mar) e um jantar com os mili-tares dos 3 ramos ali destacados, no

qual já transpirava algum espírito natalício.Ao assinar o Livro de Honra, o ALM

CEMA deixou o seu reconhecimento a to-dos e o estímulo na continuação do seu trabalho, sublinhando:

“Foi para mim uma subida honra e um pra-zer estar no Afeganistão com os nossos mili-tares - numa força verdadeiramente conjunta - que serve Portugal e os portugueses com a maior devoção e o maior profissionalismo.

Na última etapa da minha carreira não po-deria ambicionar nada mais do que rever aque-les que nos honram sem cuidar de recompensa.

Bons ventos e boa missão.”

No passado dia 27 de Outubro, a Ma-rinha recebeu uma visita dos Depu-tados da Comissão de Defesa Nacio-

nal da Assembleia da República (CDNAR) da XI legislatura. A comitiva de parlamen-tares foi recebida pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, tendo o progra-ma incluído uma apresentação sobre a Ma-rinha e sobre os novos submarinos, visitas à Fragata “D. Francisco de Almeida”, Esqua-drilha de Submarinos e NRP “Tridente” e a uma exposição estática na parada da Base de Fuzileiros, onde foram apresentados alguns meios ilustrativos das actividades desenvol-vidas pelo Instituto Hidrográfico, Direcção--Geral da Autoridade Marítima e do Corpo de Fuzileiros.

Os comentários dos deputados fo-ram bastante elogiosos, valorizando o edifico conceptual, a organização e a actividade desenvolvida pela Mari-nha, tendo ficado elucidados da sua situação actual e perspectivas futu-ras. No final da visita, o Presidente da CDNAR, Dr. José Luís Arnaut, assinou o livro de honra da Marinha, onde expressou que esta visita serviu “para poder conhecer localmente e pessoalmente melhor a realidade, os objectivos e os equipamentos da nossa Marinha e assim também lhe prestar as nossas homenagens pelo papel que tem desempenhado, quer internamente, quer externamente”.

O ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES NO AFEGANISTÃO

O ALMIRANTE CEMA VISITA MILITARES PORTUGUESES NO AFEGANISTÃO

Deputados da Comissão de Defesa Nacional Visitam a Marinha

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 9

O NRP “Bartolomeu Dias” participa em exercício francêsO NRP “Bartolomeu Dias” participa em exercício francês

O NRP “Bartolomeu Dias” inserido no Grupo-Tarefa (EMF TG) da Força Ma-rítima Europeia (EUROMARFOR), que

Portugal comanda actualmente, participou no exercício francês “Olives Noires 10” que se re-alizou, de 03 a 17 de Setembro, no Mar Medi-terrâneo, a Sul de Toulon.

O EMF TG, comandado pelo CMG José An-tónio Mirones (COMGRUEUROMARFOR e Comandante do NRP “Bartolomeu Dias”), foi constituído pela fragata portuguesa “Bartolo-meu Dias”, navio-chefe, pelos navios caça-mi-nas “Eridan” e “Lyre”, da França, “Milazzo”, de Itália e “Tajo”, de Espanha.

Na ocasião, o navio embarcou um estado--maior internacional: um chefe do estado-maior (capitão-de-fragata espanhol), quatro primeiros--tenentes oficiais de quarto (um espanhol, um francês, um italiano e um português) e oito sar-gentos portugueses. O oficial de operações, o oficial navegador, o oficial de comunicações, o oficial da logística e o oficial de relações públi-cas foram cedidos pelo navio.

O exercício “Olives Noires” é um exercício multinacional francês dedicado ao treino da guerra de minas que se realiza de dois em dois anos. Este ano, para além da participação do grupo de navios da EUROMARFOR e de uni-dades nacionais francesas, norueguesas e ita-lianas, também a NATO, através do seu grupo permanente de guerra de minas (Standing Nato Mine Countermeasures Group 1 – SNMCMG1), esteve presente no “Olives Noires 10”.

A edição 2010 do exercício “Olives Noires” reuniu meios de 9 países, 800 homens e mu-lheres embarcados, 15 navios e 2 equipas de

desminagem. A utilização de dois AUV (auto-nomous underwater vehicle), “ Gavia”, da Ma-rinha portuguesa (embarcados a bordo do NRP “Bartolomeu Dias”), e “Remus”, da marinha italiana, completaram o dispositivo envolvido.

O N.R.P. “Bartolomeu Dias”, para além da sua actuação como navio-chefe e como MCCS da EMFTG, serviu como plataforma de apoio às operações do Destacamento de Guerra de Minas embarcado: constituído por dois núcle-os fundamentais, o Núcleo de Planeamento e Análise (NPA) e o Destacamento de Mergulha-

dores Sapadores n.º 3 (DMS3), opera os veí-culos submarinos autónomos (AUV) GAVIA, equipados, entre outros sensores, com sonares de varrimento lateral (SSS) e câmara fotográfica.

A utilização de AUV permite executar algu-mas das fases do processo de contra-medida de minas, como sejam a detecção, classificação e identificação (caso a visibilidade em profundi-dade o permita) de contactos, sendo o seu tra-balho complementado pela equipa de mergu-lhadores, os quais efectuam a identificação (na impossibilidade de usar o AUV para o efeito) e a inactivação de minas.

Neste exercício, durante a fase táctica, com-pletamente dedicada à Guerra de Minas, os AUV GAVIA executaram 11 missões de reco-nhecimento, num total de 32 horas de missão na água. Saliente-se que nas áreas atribuídas, a utilização dos AUV GAVIA, teve 100% de su-cesso, com identificação e inactivação de todas as minas que se encontravam na área.

Também, neste exercício, foi possível, pela primeira vez, a utilização simultânea dos 2 AUV, quer no arco diurno quer no arco noctur-no. Este facto deveu-se não só as condições de meteorológicas, mas também ao tipo de fundo encontrado e, fundamentalmente, à constitui-ção alargada do NPA, num total de 5 elementos.

Apesar de o Destacamento já ter participado em outros eventos e exercícios nacionais e in-ternacionais, esta foi a primeira vez que foi utili-zado como elemento orgânico, não tendo uma plataforma de apoio dedicada em exclusivo à sua operação. Este modo de emprego aproxima--se do seu conceito de operação em suporte a uma Força Expedicionária.

Durante a estadia em Toulon houve oportu-nidade para a guarnição visitar não só a cidade mas também a região.

A recepção das autoridades navais francesas foi muito afável. Para este facto terá contribuído a proximidade histórico-cultural entre os dois países, a sua pertença às principais estruturas europeias e internacionais, as excelentes rela-ções entre as duas marinhas e ainda a existên-cia de uma importante comunidade portuguesa residente em França.

(Colaboração do COMANDO DO NRP “BARTOLOMEU DIAS”)

Formatura navios ON_10.

Realizou-se no passado dia 7 de Outubro, na Academia de Marinha, uma sessão dedicada ao lançamento do livro “Uma

vida a sorrir” da autoria do Comandante Serra Brandão, membro emérito da Academia de Ma-rinha. A sessão foi presidida pelo CEMA, Almi-rante Melo Gomes.

O Presidente da Academia, ALM Vieira Ma-tias iniciou a sessão, fazendo a apresentação da obra, salientando a qualidade do autor, enquan-to regente da cadeira de Direito Internacional Marítimo da Escola Naval e do Instituto Supe-rior Naval de Guerra onde leccionou cerca de quarenta cursos.

Prosseguiu referindo a igualmente prestigiada carreira de gestor empresarial nos sectores pú-blico e privado, sublinhando as suas qualidades humanas e o seu sentido de humor.

A seguir usou da palavra o Dr. Eduardo Serra Brandão, filho primogénito do autor, dissertan-do sobre o conteúdo do livro, embora reconhe-cendo a dificuldade de, como filho, ser isento nesse propósito.

Usando então da palavra, o Comandante Ser-ra Brandão, depois de agradecer ao Almirante

CEMA a honra que lhe concedera em presi-dir à sessão, e aos que quiseram estar pre-sentes na cerimónia, disse que a escrita do livro, para além de lhe ter permitido deixar o registo das suas memórias e de dar prazer aos seus amigos, lhe trouxera a possibilidade de “pôr a cabeça a trabalhar e o tempo a passar”. Por fim, convidando à leitura de “Uma vida a sorrir”, esclareceu ser o livro “bem mais extenso do que parecia, pois estava muito concentrado”.

Na segunda parte da sessão, foi apresentada a comunicação “O Ensino do Direito Interna-cional Marítimo na Escola Naval”, pelo Mem-bro Emérito Comandante Limpo Serra. Na sua interessante exposição, o orador fez uma retros-pectiva dos sucessivos docentes responsáveis, ao longo de século e meio, pelo ensino do Direito Internacional Marítimo na Escola Naval, onde aliás nasceu este ramo de ensino, referiu o ora-dor, ele próprio um dos sete antigos docentes.

Depois de afirmar que o ensino do Direito

Internacional Marítimo iria prosseguir na Armada, o Al-mirante CEMA disse que os en-sinamentos do seu antigo pro-fessor lhe foram muito úteis ao longo da sua carreira, após o que fez oferta ao Comandante Serra Brandão, a pedido do ALM Vieira Matias, de uma cresta da Academia de Marinha.

A sessão terminou com um Porto de Honra na Galeria.

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10 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (14)

A guerra com o Achém em MalacaA guerra com o Achém em MalacaQuando os portugueses ocuparam Ma-

laca, em 1511, o Achém era um peque-no sultanato no norte da ilha de Sama-

tra, de gente belicosa mas de poder reduzido, quando comparado com os reinos vizinhos de Pedir e Pacém. Na verdade, vivia da pira-taria sobre os comerciantes que passavam na via do Estreito, alimentando-se de peixe e de uma precária produção de arroz. Jorge Santos Alves, que estudou em tese estes pequenos potentados do norte de Samatra, afirma que o sultanato que conhecemos no século XVI resultou da união de dois reinos já is-lamizados, cuja população descendia de árabes, persas e turcos miscigena-dos com populações malaias. E isso explica a forte convicção islâmica, que foi evidente na guerra sistemá-tica movida contra os portugueses e, sobretudo, nos apoios que receberam do Médio Oriente.

O primeiro quartel do século XVI mostrará uma evolução do Achém num crescendo de poder, onde os seus soberanos jogaram sucessivamente com alianças e traições que lhes per-mitiram tomar conta da maior parte da produção de pimenta do norte da ilha, interferindo de forma decisiva no equilíbrio de poderes da região. As fontes históricas sobre a evolução dos acontecimentos são escassas, mas em 1521 já o Achém tinha dominado o vi-zinho Pedir e, em 1523, ocupou Samu-dra-Pacém, onde os portugueses ti-nham uma feitoria de comércio de que foram expulsos. Pouco tempo depois, o sultanato está presente no comércio com o Mar Vermelho, seguindo uma via marítima que passava pelas ilhas Maldivas, bastante afastada da cos-ta indiana, para fugir ao controlo das armadas portuguesas do Malabar. Sa-bemos ainda que estreitou relações comerciais e diplomáticas com os turcos, nomeadamente através do Baxá do Cairo, sendo visível algum paralelismo entre as investidas destes no Índi-co e os ataques a Malaca levados a cabo pelos outros, com evidências de colaboração no tipo de material de guerra utilizado e nos soldados estrangeiros cuja origem está no Egipto. É in-teressante registar que em 1537 os turcos se preparavam para cercar Diu, e os achéns ata-caram Malaca que foi defendida por Estêvão da Gama. O capitão, quando soube da ameaça otomana no Índico, pensou em vir à Índia, mas suspendeu a viagem porque teve notícia que no Achém se preparava nova investida. Não se concretizou nenhum ataque, mas em 1539, o sultanato mudava de soberano e fazia novo acordo com o Grã-Turco, que lhe permitiu re-ceber grande quantidade de artilharia, espin-

gardas e pessoal especializado para o seu uso (nomeadamente bombardeiros). A partir daí iniciou uma campanha progressiva de expan-são em todo o norte de Samatra, que aumentou substancialmente os seus domínios, mantendo Malaca em sobressalto constante e afrontando os portugueses por diversas vezes, nunca lo-grando obter qualquer vitória.

Diogo do Couto considera que Ala ad-Din Ri’ayat Syat al-Kahar ( Alaharadi na crónica), o sultão que esteve no poder de 1539 a 1571, sonhava com o domínio de todo o Estreito de

Malaca e da parte ocidental do Arquipélago, fazendo da cidade portuguesa a sede do seu império. Foi certamente desta ascensão do Achém que se apercebeu o Conde do Redon-do, em 1563, quando pensou ir ele próprio dar-lhe combate, mas é sabida a forma como adiou a empresa e morreu antes de a poder realizar (Marinha de D. Sebastião (10)). Toda-via, quando D. Antão de Noronha assumiu o cargo de vice-rei da Índia, estava bem infor-mado da ameaça que pairava sobre Malaca e, quando para lá enviou D. Leoniz Pereira, em Setembro de 1567, deu-lhe os aprovisiona-mentos necessários para reforçar a praça em artilharia e homens capazes de afrontar uma eventual agressão.

Ela chegaria em Janeiro de 1568, logo no princípio do ano, com uma enorme armada em que o próprio sultão ia embarcado com vá-

rios dos seus filhos. Segundo o cronista, levava cerca de 15 000 homens, mais de 200 peças de artilharia, cerca de 400 turcos e navios de di-versas tonelagens. A expedição, porém, vinha dissimulada com outro objectivo que visava abrandar as defesas portuguesas: os embaixa-dores do Achém, desembarcados em Malaca e presentes ao capitão, levavam presentes e pro-messas de paz, alegando que todo aquele apa-rato se destinava a castigar o rei de Java que lhe matara uma embaixada. Fundearam em frente da cidade, a 20 de Janeiro, quando esta estava

em festa pelo aniversário de D. Sebas-tião, sendo claro para D. Leoniz que o objectivo era o ataque a Malaca, de cujos preparativos vinha a ser preve-nido há algum tempo. Portugal tam-bém tinha os seus espiões colocados, e dois deles, que estavam em Veneza, já tinham dado conta a Lisboa desta aproximação entre turcos e achéns, e dos objectivos que tinha.

A embaixada e D. Leoniz Pereira trocaram presentes, mas o combate estava à porta e começaria quando o sultão percebesse que os portugue-ses não iriam aliviar a sua vigilância. Entendeu-o quando viu que a zona de Ilher, na parte sul de Malaca e fora de portas, estava a ser abandonada e incendiada por ordem do capitão, deixando um campo aberto. Desem-barcou, então, a artilharia e iniciou o cerco. Mas a guerra, naquelas pa-ragens, assumia formas mais prag-máticas do que as que se usavam na Europa, sendo válidos todos os es-tratagemas que concorressem para a vitória. E os dias seguintes foram profícuos em manobras diversas, com tentativas de diversão, que não surtiram efeito e que mantiveram a guarnição coesa. Ali ad-Din decidiu-

-se finalmente pelo assalto em massa, abor-dando as muralhas com escadas, apoiadas pela artilharia disposta em torno da fortaleza, assistindo à operação do cimo do monte Bukit China, uma pouco a sul da cidade, montado a cavalo, na companhia de um dos seus filhos. Foi com grande desagrado que encarou a in-capacidade de vergar as defesas. Reembarcou toda a artilharia, com receio que lha tomas-sem e retirou-se ele próprio, com milhares de baixas, entre os mortos que ficaram no terre-no e os feridos que foi lançando ao mar, no caminho para o norte. Malaca sobrevivera a um dos maiores ataques que sofrera uma for-taleza portuguesa no Oriente, mas o Achém era um inimigo sério, como ainda veremos.

J. Semedo de MatosCFR FZ

Pormenor de um mapa de Fernão Vaz Dourado (1568), onde se mostr a a fortaleza do reino do Achém, com algumas indicações de carácter militar para qualquer ataque à mesma.

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 11

O Tratado de Lisboa e a “Europa azul”O Tratado de Lisboa e a “Europa azul”

Conforme foi notado por alguns observadores mais atentos, como o Prof. Adriano Moreira, o Almi­

rante Vieira Matias ou o saudoso Vice­­almirante Ferraz Sacchetti, o Tratado de Lisboa atribui competência exclusiva à União Europeia (UE) para a “conserva­ção dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas”1. Além disso, estabelece que a União e os Estados­Membros (EM) partilham com­petências nos domínios da “agricultura e pescas, com excepção da conservação dos recursos biológicos”2. Justifica­se, pois, tentar perceber o verdadeiro alcan­ce destas disposições, começando por recordar a sua origem remota.

Em termos prá­ticos, a comuni­tarização dos re­cursos biológicos do mar teve início com o Tratado de Roma (que criou a CEE, em 1957), o qual já previa, no seu artigo 38.º, a criação de um mercado comum da agricultura e do comércio de produtos agríco­las, abrangendo a pesca. Aqui co­meçou, também, um dos maiores equívocos das políticas comunitárias para as pescas: a ausência de autonomia do sector relativamente à agricultura, ao nível do direito comunitário originário3. Isso significa que não têm existido, nos tratados assinados entre os EM, disposi­ções próprias sobre as pescas, sendo es­tas regidas pelas disposições aplicáveis à agricultura.

Apesar de ter previsto um mercado co­mum da pesca logo no seu tratado fun­dador, a CEE só deu os primeiros passos no sentido da concretização de uma política comum para o sector em 1970, estabelecendo a possibilidade de o Con­selho adoptar medidas de conservação, quando houvesse risco de sobrepesca. Além disso, foram adoptadas medidas segundo as quais todos os pescadores deveriam ter igual acesso às águas dos EM, com excepção de uma faixa costei­ra que poderia estender­se até 6 ou 12 milhas de distância à costa, dependendo do local. Essa faixa ficava reservada para embarcações nacionais. Procurava­se, dessa forma, proteger as comunidades costeiras, nalguns casos bastante depen­dentes da pesca tradicional desenvolvi­da no litoral.

Estas medidas, referentes a uma polí­tica estrutural comum para a indústria de pesca, reforçaram­se com a aprova­ção de um novo regulamento comuni­tário em 1976.

Em 1983, na sequência de um proces­so negocial difícil e demorado, viria a ser formalmente criada a Política Comum da Pesca (PCP), através do Regulamento n.º 170/83/CEE, de 25 de Janeiro, que insti­tuiu o Regime Comunitário de Conserva­ção e de Gestão dos Recursos da Pesca, criando a chamada “Europa azul”. Esse regime integrava, entre outras, medidas de conservação e disposições específi­cas para a pesca costeira. As medidas de conservação podiam traduzir­se na

fixação do tamanho ou do peso mínimo por espécie ou na imposição de limita­ções às capturas – as célebres quotas de pesca. As disposições para proteger a pesca costeira permitiam aos EM res­tringir, até 1992, a actividade piscatória, nas águas situadas até 12 milhas da cos­ta (mar territorial), aos navios de pesca nacionais, que aí vinham pescando tra­dicionalmente.

Dessa forma, quando Portugal e Es­panha aderiram às Comunidades Eu­ropeias, em 1986, já a PCP era uma realidade incontornável. Todavia, o correspondente Tratado de Adesão in­cluiu várias disposições transitórias no domínio das pescas, que, entre outros aspectos, restringiam o acesso às águas sob soberania ou jurisdição portuguesa e espanhola, até ao final de 1995. Es­sas restrições seriam depois revistas e, nalguns casos, prolongadas através do Regulamento (CE) n.º 1275/94 do Con­selho, de 30 de Maio de 1994, e do Re­gulamento (CE) n.º 685/95 do Conselho, de 27 de Março de 1995.

Entretanto, em 1992, ocorreu a primei­ra revisão da PCP, que visava dar respos­ta, por um lado, à sobrepesca existen­

te nas águas comunitárias e, por outro lado, à crise latente no sector das pescas. Como consequência, a revisão de 1992 teve por objectivo garantir a perenida­de das actividades do sector, asseguran­do simultaneamente a sua viabilidade económica e social, por meio de uma exploração estável e racional. Essa revi­são consubstanciou­se na adopção do Regulamento n.º 3760/92/CEE do Con­selho, de 20 de Dezembro, que instituiu um Regime Comunitário da Pesca e da Aquicultura, “que abrange as activida­des de exploração relacionadas com os recursos aquáticos vivos e com a aqui­cultura”4. Aprofundou­se o sistema de quotas, procurando, assim, contribuir

para a redução do esforço de pes­ca, sem negligen­ciar a necessida­de de protecção das zonas muito dependentes da pesca e das acti­vidades tradicio­nais. Nessa linha, prolongou­se até 31 de Dezembro de 2002 a possi­bilidade de os EM “reservarem” para os navios locais de pesca artesa­nal a actividade piscatória no seu

mar territorial. Além disso, foi introdu­zida, pela primeira vez num documento deste tipo, a definição de “águas de pes­ca comunitárias” como sendo “as águas sob soberania ou jurisdição dos EM”5.

Cerca de uma década depois, come­çou a ficar evidente que a PCP não es­tava a ser suficientemente eficaz naquilo para que tinha sido criada, nomeada­mente, conservação das unidades po­pulacionais de peixe e protecção do ecossistema marinho. Nesse sentido, a Comissão Europeia iniciou, em Mar­ço de 2001, uma profunda reforma da PCP, que culminou com a adopção do Regulamento (CE) n.º 2371/2002, de 20 de Dezembro de 2002, que atribui à Comunidade Europeia competência exclusiva, no âmbito da PCP, para “a conservação, a gestão e a exploração dos recursos aquáticos vivos e da aqui­cultura (…) nas águas comunitárias”6. A possibilidade de os EM poderem limitar a pesca no mar territorial às embarca­ções que aí exercem tradicionalmente essa actividade foi novamente prolon­gada por mais 10 anos.

Em 2003 foram revistas as restrições de acesso a determinadas zonas de pesca

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comunitárias, definidas nos regulamen­tos comunitários de 1994 e de 1995, já acima referidos. Nessa altura, deixou de haver limitações no acesso às águas portuguesas e espanholas, com excep­ção da faixa compreendida entre o li­mite exterior do mar territorial e as 100 milhas de distância à costa, nos Açores, na Madeira e nas Caná­rias, em que Portugal (nos dois primeiros casos) e Espanha (no caso das Canárias) podem “restringir a pesca aos navios registados nos por­tos dessas ilhas”7. Visava ­se com essa medida proteger a situação biológica sensível nas águas desses três arquipé­lagos e preservar as economias locais, tendo em conta a sua situação estrutural, social e económica.

Assim, pode concluir­se que as dis­posições incluídas no Tratado de Lisboa sobre a competência para a gestão dos recursos biológicos do mar são o coro­lário de uma política comum, que se foi consolidando paulatina­mente, segundo a política dos pequenos passos, tão característica da UE. De facto, a comunitarização dos recursos da pesca foi originariamente prevista no Tratado de Roma, em 1957, e confirmada nos Tratados de Maastricht (1992), de Amesterdão (1997) e de Nice (2000). A base jurídica prevista no Tratado de Roma le­vou ao estabelecimento das primeiras medidas em 1970 e em 1976, vindo a permitir, em 1983, a cria­ção formal da PCP, que viria a ser revista em 1992 e reformada em 2002. Porém, só com o Tratado de Lisboa passou a ha­ver uma disposição de direito originário a afirmar aquilo que apenas constava de actos de direito comunitário derivado8 (em concreto de regulamentos), embo­ra em obediência aos tratados: a com­petência exclusiva da UE para a conser­vação dos recursos aquáticos vivos dos EM. Assim, esta disposição passou de um conjunto de regulamentos (actos de direito derivado) para um tratado (acto de direito originário). No ordenamento jurídico português, tanto o direito origi­nário, como o direito derivado são infra­­constitucionais e supra­legais, o que signi fica que estão abaixo da Constitui­ção da República Portuguesa e acima

da legislação ordinária. Contudo, esta alteração aumenta o poder vinculativo sobre os EM, bem como a obrigatorieda­de que sobre eles impende, com conse­quências sobre todos os EM ribeirinhos e, em particular, sobre Portugal, que de­

tém a maior Zona Económica Exclusiva da UE, se exceptuarmos as zonas maríti­mas dos territórios ultramarinos da Fran­ça e do Reino Unido.

Relativamente a esta matéria, impor­ta ainda abordar o enquadramento dos recursos da plataforma continental, que

corresponde ao leito e ao subsolo das áreas submarinas adjacentes às costas, nos quais o Estado ribeirinho exerce di­reitos soberanos com vista à exploração e extracção dos recursos naturais (vivos e não­vivos) aí existentes. De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a platafor­

ma continental pode estender­se além do mar territorial até uma distância de 350 milhas à costa ou até uma distân­cia de 100 milhas a partir da batimétri­ca dos 2500 metros de profundidade, no máximo, desde que sejam prova­

das determinadas condições. Assim, o Governo Português criou a Estrutura de Missão para a Ex­tensão da Platafor­ma Continental com a incumbência de preparar a proposta de extensão dos li­mites da plataforma continental de Por­tugal. Essa proposta foi entregue na ONU em Maio de 2009, decorrendo actual­mente o respectivo processo de avalia­ção, por parte da Co­

missão respectiva das Nações Unidas.Quanto aos recursos existentes nas

plataformas continentais, não parece ha­ver dúvidas de que os EM da UE man­têm o seu poder soberano relativamente aos recursos não vivos aí eventualmente existentes, que podem incluir petróleo,

gás natural ou hidratos de metano, bem como me­tais valiosos (ouro, pra­ta, cobre, zinco, titânio, cobalto, níquel e man­ganês).

Já no que toca aos re­cursos vivos da plataforma continental, a situa ção é bastante menos clara. Os recursos biológicos, ex­ploráveis no leito e subso­lo marinhos, denominam­se organismos bentónicos, que é a designação dada aos seres que vivem e/ou se deslocam em contacto com o fundo do mar. Além

de algumas algas e plantas aquáticas en­raizadas, podem identificar­se, no âmbito do reino animal, os organismos de grande e média dimensão (macro e meso­orga­nismos), por um lado, e os micro­orga­nismos, por outro.

Quanto aos primeiros, podem identi­ficar­se os bivalves (mexilhão, amêijoa, conquilha, etc.) e os crustáceos (lagos­ta, caranguejo, camarão, etc.) [Ver caixa sobre a “guerra da lagosta”]. Admite­se, ainda, que espécies de peixe que vivem habitualmente assentes sobre o fundo do mar, como a solha, a raia, o linguado ou a palmeta, também possam ser conside­rados bentónicos, embora este assunto não seja consensual entre a própria co­munidade científica [Ver caixa sobre a “guerra da palmeta”].

12 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

“Guerra da palmeta”A “guerra da palmeta” foi um diferendo que

opôs, em 1995, o Canadá, por um lado, e Portugal e Espanha, por outro. Na base das divergências es­teve o facto de embarcações de pesca portuguesas e espanholas pescarem palmeta, numa zona que os canadianos reclamavam como sendo sua pla­taforma continental (embora situada para além do limite exterior da ZEE).

“Guerra da lagosta”A “guerra da lagosta” foi um contencioso entre os governos do Brasil e da França, que

se desenvolveu entre 1961 e 1963, devido ao facto de embarcações de pesca francesas terem sido apreendidas, por pescarem lagosta no litoral brasileiro. Na altura, debateu­se acaloradamente se a lagosta andava ou nadava. Caso andasse, estaria em território bra­sileiro, uma vez que o fundo do mar (plataforma continental) pertencia ao Estado Brasi­leiro. Caso nadasse, estaria em águas internacionais, pois na altura não existia a figura da Zona Económica Exclusiva. Apesar da intensa mobilização naval em ambos os países, a diplomacia prevaleceu e ficou acertada uma negociação entre a França e o Brasil. Os especialistas franceses defendiam que a lagosta era apanhada quando estava a nadar, ou seja, sem contacto com o solo marinho brasileiro, i.e. com a plataforma continental, po­dendo ser considerado um peixe. Perto do final das negociações, o representante da Ma­rinha Brasileira (Almirante Paulo Moreira da Silva) tomou a palavra e afirmou que para o Brasil aceitar a tese francesa de que a lagosta podia ser considerada um peixe quando pula e se afasta do fundo do mar, então ter­se­ia, da mesma maneira, que aceitar que o canguru é uma ave, devido aos saltos que dá. Essa argumentação levou ao encerramento da questão a favor do Brasil.

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 13

Quanto aos micro­organismos, exis­tem várias espécies bentónicas, sendo de destacar as que vivem junto a fontes hidrotermais, que são ecossistemas que subsistem a grandes profundidades e em condições extremas de ausência de oxi­génio e de luz. Esses micro­organismos possuem características muito peculia­res, sendo que alguns deles podem ser utilizados nas indústrias farmacêutica, alimentar e de cosméticos, com grande rentabilidade económica. Cabe aqui re­ferir que a elevada profundidade média da nossa plataforma continental estendi­da faz com que estes micro­organismos das fontes hidro­termais sejam, potencial­mente, os mais interessantes do ponto de vista de uma exploração rentável.

De qualquer maneira, a questão da eventual inclusão dos recursos vivos da plataforma continental na PCP suscita vá­rias dúvidas. Será que a plataforma conti­nental, que compreende o leito e o sub­solo das áreas submarinas, faz parte das “águas de pesca comunitárias”? Será que os micro­organismos existentes em fon­tes hidrotermais, que não correspondem à definição típica de recursos da pesca, estão incluídos naquilo que o Tratado de Lisboa designa como os “recursos bioló­gicos do mar”?

Neste momento, não parecem existir respostas claras para estas questões, em­bora se admita que o processo, em curso, de revisão da PCP possa esclarecer algu­mas das dúvidas. Caso isso não aconteça, poderá ter que ser o Tribunal de Justiça da UE, sedeado no Luxemburgo, a inter­pretar as disposições de direito da União aplicáveis a esta matéria.

Para terminar, justifica­se uma referência ao novo processo de revisão da PCP, que se iniciou em 2008 e deverá concluir­se

em 2012, para entrar em vigor em 2013. Portugal será naturalmente um dos EM com maiores interesses em jogo, pois a frota de pesca portuguesa é a quarta maior da UE, em termos do número de navios, compreendendo cerca de 10% da totalida­de das embarcações registadas no espaço comunitário – isto apesar de ser apenas a décima em capturas de pescado, uma vez que, apesar de numerosa, é composta so­bretudo por pequenas embarcações locais e costeiras. Somos também um povo com um elevado consumo de peixe per capita: de acordo com os dados mais recentes da FAO (2005), os portugueses consumiram 55,6 kg/habitante/ano – valor que foi o maior de entre os países da UE e o segun­do mais elevado em todo o mundo, a se­guir ao Japão, se exceptuarmos os países, designadamente ilhas e arquipélagos, com menos de 400 000 habitantes.

N. Sardinha MonteiroCFR

AgradecimentosAgradeço à Dr.ª Susana Sardinha Monteiro e

aos Comandantes Braz da Silva, Neves Correia e Anjinho Mourinha os seus valiosos contributos e comentários.

ReferênciasASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, “Tratado de Lis­

boa – versão consolidada”, Lisboa, Divisão de Edi­ções da Assembleia da República, Março de 2008.

CASTRO, José Ribeiro e, “Por uma Política Na­cional de Pescas – Pescas: a PCP não é desculpa, é convite e desafio”, Revista de Marinha, n.º 955, Abril / Maio 2010.

CONSELHO, Regulamento (CEE) n.º 170/83 do Conselho de 25 de Janeiro de 1983, que institui o Regime Comunitário de Gestão e Conservação dos recursos da pesca.

CONSELHO, Regulamento (CEE) n.º 3760/92 do Conselho de 20 de Dezembro de 1992, que institui um Regime Comunitário da Pesca e da Aquicultura.

CONSELHO, Regulamento (CE) n.º 1275/94

do Conselho, de 30 de Maio de 1994, relativo às adaptações do regime previsto nos capítulos «Pes­ca» do Acto de Adesão de Espanha e de Portugal.

CONSELHO, Regulamento (CE) n.º 685/95 do Conselho, de 27 de Março de 1995, relativo à ges­tão do esforço de pesca no que respeita a deter­minadas zonas e recursos de pesca comunitários.

CONSELHO, Regulamento (CE) n.º 2371/2002 do Conselho de 20 de Dezembro de 2002, relati­vo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas.

CONSELHO, Regulamento (CE) n.º 1954/2003 do Conselho de 4 de Novembro de 2003, relativo à gestão do esforço de pesca no que respeita a deter­minadas zonas e recursos de pesca comunitários.

COUNCIL OF THE EUROPEAN COMMUNI­TIES, Council Regulation (EEC) n.º 2141/70 of 20 October 1970 laying down a common structural policy for the fishing industry.

COUNCIL OF THE EUROPEAN COMMUNI­TIES, Council Regulation (EEC) n.º 101/76 of 19 January 1976 laying down a common structural policy for the fishing industry.

Notas1 Tratado sobre o funcionamento da UE, artigo

3.º, n.º 1, al. d).2 Idem, artigo 4.º, n.º 2, al. d).3 Direito comunitário originário é constituído

pelas normas e princípios constantes dos tratados assinados entre os Estados.

4 Conselho, Regulamento (CEE) n.º 3760/92 do Conselho de 20 de Dezembro de 1992, que ins­titui um Regime Comunitário da Pesca e da Aqui­cultura, art. 1.º.

5 Idem, art. 3.º, al. a).6 Conselho, Regulamento (CE) n.º 2371/2002 do

Conselho de 20 de Dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recur­sos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas, art. 1.º, n.º 1.

7 Conselho, Regulamento (CE) n.º 1954/2003 do Conselho de 4 de Novembro de 2003, relati­vo à gestão do esforço de pesca no que respeita a determinadas zonas e recursos de pesca comu­nitários, art. 5.º.

8 Direito comunitário derivado é o conjunto de actos adoptados pelas instituições em cum­primento dos tratados, sendo constituído por re­gulamentos, directivas, recomendações, decisões e pareceres.

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14 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Green ShippingO necessário equilíbrio entre a actividade mercantil

e o direito internacional do ambienteNOTAS INTRODUTÓRIAS

As actividades mercantis ligadas ao shipping são, por natureza, activida-des de cariz empresarial que visam a

obtenção de lucro, e movem-se num âmbito multidisciplinar em que a regulação interna-cional é muito ampla, sustentada e rigorosa, dando ao fenómeno do transporte marítimo uma caracterização técnica muito peculiar. O transporte marítimo é, actualmente, respon-sável pela realização de mais de 90% de todo o comércio europeu externo, envolvendo, ainda, a nível mundial, 180 bandeiras (Flag States), cerca de 50.000 navios, 1,250 milhões de marítimos e implicando um quadro eco-nómico-financeiro que ascende a 400 biliões de dólares em transacções. Como já se refe-riu com alguma margem de caricatura, mas com um claro índice de realidade, sem o shi-pping, metade do mundo morreria à fome e a ou-tra metade de frio.

Actualmente, transporta-se por mar mais de 8 biliões de toneladas de carga, sendo uma actividade que cresce cerca de 2,4%/ano, estimando-se que nos próximos 50 anos aquele número possa triplicar até aos 24 bili-ões (em 2060), o que impõe a estrategas, po-líticos, cientistas, ambientalistas, académi-cos, legisladores, proprietários, armadores, carregadores, administradores portuários e autoridades públicas uma tarefa de reflexão e análise profunda sobre o tema, porque de-terminante para a sustentabilidade futura do comércio mundial.

O transporte por navio é, pela sua própria morfologia e capacidades, incomensuravel-mente mais eficaz que os outros tipos de transporte, existindo dados muito concretos que nos dizem que, por exemplo, um dos maiores countainer ships da actualidade pode suportar carga equivalente à que pode ser transportada por 10.000 camiões pesados, e que os maiores tankers podem transportar até 310.000 toneladas de petróleo, o que, duran-te os anos oitenta e noventa, eram números absolutamente impensáveis de concretizar. De facto, a indústria mercantil marítima e a capacidade de transporte dos navios cres-ceu, nos últimos 15 anos, mais de 45%, o que representa um valor com impactes directos determinantes na sustentabilidade do meio onde a actividade se exerce, isto é, o meio marinho.

O ambiente, considerado como conceito glo-bal ecossistémico, ou, preferindo-se a abor-dagem, a protecção e preservação do meio marinho como princípio fundamental do actual direito internacional do mar, é, assim, um elemento essencial à reflexão e discussão que se queira ter sobre a relação entre as ac-

tividades marítimas, a sua regulação técnica e as imposições internacionais que obrigam companhias, proprietários, armadores e operadores e cumprir um conjunto vasto de obrigações determinadas pelas Convenções da International Maritime Organization (IMO) - em especial da MARPOL e da SOLAS - e pelos códigos internacionais vigentes. Nes-te contexto, é justo referir que a International Chamber of Shipping (ICS), com todo o seu peso institucional de representação de 2/3 da frota mercante universal, tem tido um papel funda-mental na necessária ponte entre o regulador internacional e as companhias, proprietários e armadores.

É já um facto estudado que os derrames poluentes desceram cerca de 83% desde o alvor dos anos setenta, e em especial 10% desde 1997 - o que significa um decréscimo fortemente acentuado num curto espaço de apenas 13 anos -, existindo assim um notório indício de que as molduras jurídicas e técni-cas internacionais concebidas em âmbito da IMO têm um forte impacte nas actividades marítimas, existindo já resultados concretos apurados e estudados que indiciam conclu-sões muito positivas. Em termos de evolu-ção tecnológica, existe, hoje em dia, uma re-lação desmultiplicada entre a população, a capacidade de transporte de mercadorias e as rotinas e expectativas criadas nos merca-dos da oferta e da procura; apenas para se ter uma ideia do que representa este fenóme-no na actualidade, recorda-se que, até 1840, quando a população mundial era cerca de mil milhões de pessoas, a carga transpor-tada era de 20 milhões de toneladas. Hoje, com quase seis mil milhões de habitantes, transporta-se por mar 400 vezes mais, ten-do-se, por outro lado, desde a invenção do triple expansion engine, em 1860, reduzido em cerca de 96% os consumos totais de energia a que o transporte obriga. No entender do Prof. Martin Stopford, de Oxford, estes da-dos têm uma dupla leitura:

- A volumetria das cargas hoje transpor-tadas por mar, para o médio e longo curso, numa relação eficácia de colocação do produto/preço, supera, em muito, qualquer outro meio de transporte.

- Quanto à relação com os ecossistemas, as maiores capacidades dos navios induzem, não obstante o rigor regulatório existente, no-vos e acrescidos riscos para o meio marinho e para a qualidade do ar, ou seja, questões relacionadas com poluição marítima e com emissões de CO2.

Analisada neste quadrante, a problemática é muito importante porque se sabe que cons-titui objectivo da Organização das Nações Unidas (ONU) ter, até 2012, cerca de 10% dos

Oceanos protegidos, o que implica prosse-guir nos esforços que vêm sendo efectuados em termos de criação de áreas particularmen-te sensíveis, de adopção de medidas técnicas mais restritivas, de desenvolvimento das ca-pacidades sistémicas do CleanSeaNet (CSN), e do estudo e criação de áreas de emissão con-troladas, entre outros meios e instrumentos encontrados por Governos e entidades regu-ladoras. Neste contexto, é relevante sublinhar que a indústria do shipping tem preferência por quadros legislativos de cariz internacio-nal em vez de regulações de tipo regional. Percebe-se porquê. É que a uniformidade que os quadros internacionais lhes concedem, dão uma consistência e estabilidade jurídicas diferentes numa indústria cujo modelo de funcionamento implica, por natureza, o con-tacto marítimo e portuário com regimes em todo o mundo.

O GREEN SHIPPINGO shipping é, talvez, provavelmente face à

sua centralidade económica e capacidade em carga transportada, a indústria mais escruti-nada por políticos, por reguladores e pelo pú-blico em geral. O facto de se saber que o total dos derrames poluentes que ainda existem (2009) equivalem a oito (8) vezes o do Exxon Valdez, obriga a uma constante vigilância e monitorização das actividades marítimas, e a uma necessidade permanente de aperfei-çoar os instrumentos de regulação técnica. Entre outros, os actuais regimes incidem, em especial, sobre seis áreas:

- Estudo e criação de mais áreas particular-mente sensíveis;

- Criação de áreas de emissão controladas;- Estudo das recomendações da função pi-

lotagem;- Terminar com a permissão dos cascos

simples; - Criação de fundos de protecção suplementares

no âmbito dos fundos constituídos;- Maior incidência dos regimes aplicáveis

ao Flag State Control (FSC) e ao Port State Con-trol (PSC).

Em matéria de emissões de CO2 por na-vios, é sabido que os 90% de transporte ma-rítimo mundial correspondem a cerca de 2% a 4% das emissões totais de CO2, o que dá uma ideia clara do contributo poluente des-ta indústria em relação a outras indústrias, como a automóvel.

O Anexo VI da Convenção MARPOL veio introduzir, pela decisão de 2008 do Maritime Environmental Protection Committee (MEPC), limites muito apertados às emissões de CO2 por navios, os quais vão induzir consequên-cias directas no shipping. Dizem os especia-

Green Shipping

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listas – várias conferências de construtores navais e académicos ligados ao transporte marítimo no Global Maritime Environmental Congress (GMEC), em Hamburgo, SET2010 – sobre a entrada em vigor daquele novo Anexo e em especial o impacte que terá já em 2015, que a limitação imposta pela IMO (0,1% de emissão) obrigará a uma diminui-ção das emissões actuais na ordem dos 90% o que se torna absolutamente comportável para a indústria, sendo esta uma mudança abissal que necessitaria de mais tempo para ser implementada. Inclusive porque, dizem outros especialistas em energias, estudo de mercados e da oil industry, como Alfons Gui-nier da ECSA e Lisbeth Fromling da Maer-sk Dril., esta imposição vai criar novos tipos de especulação nos preços do petróleo com consequências directas ao nível do custo do transporte marítimo para fornecedores e des-tinatários finais dos produtos.

Receia-se que tais impactes possam mesmo vir a mudar o curso preferencial do transpor-te do mar para terra. É por tal envolvente de fundo que existem já estudos e propostas de alteração da limitação de 0,1% na emissão de CO2. Sabe-se que está em fase de preparação uma alteração à Convenção SOLAS em 2012, prosseguindo reuniões com a European Mari-time Safety Agengy (EMSA), sendo já público, também, que as indústrias do Báltico pro-põem à IMO que os limites se devem situar ao nível dos 0,5%, proposta esta sustentada, entre outras entidades, pela European Commu-nity of Shipowners Association (ECSA).

Parece claro que se torna necessário equi-librar soluções entre o Transporte e o Ambien-te, mantendo-se, como pressuposto, o de-senvolvimento do shipping como actividade competitiva cumprindo, contudo, as metas ambientais que lhe são impostas. Embora seja perceptível o quadro profissional, e até corporativo, em que as justificações e os estu-dos dos actores do shipping são dados e apre-sentados – indo ao ponto de considerar que apenas em 2025 o limite de emissão de CO2 imposto pelo Anexo VI da MARPOL deve-ria entrar em vigor -, é igualmente certo que numa tal actividade, com tão significativo impacte universal ao nível financeiro-econó-mico, industrial, comercial e energético, im-põem-se decisões sensatas, evitando-se o ex-tremar de posições. Fala-se, amiúde, em que este é um dos casos em que se exigem win-win solutions, isto é, soluções boas e construtivas para ambas as partes, actores do shipping e ambientalistas.

O novo paradigma internacionalmente im-posto às indústrias marítimas, e ao shipping em especial, é revelador que existe, de facto, uma nova consciência sobre a preservação e sustentabilidade ecossistémica do meio onde as actividades se desenvolvem e, por-tanto, de que a indústria tenha que ser mais limpa, mais verde. É o alvor do green shipping, como princípio regulador, mas essencialmen-te como atitude.

O Green Shipping é, assim, o conceito de futuro. Ao defender o Green Ship Technolo-

gy Book, Ernst-Christoph Krackhardt, chair-man do European Marine Equipment Council (EMEC), defende que, face aos volumes de carga transportada, o total das emissões dos navios é relativamente pequena (como se viu, na ordem dos 3%) do total existente, e expo-nencialmente inferior à do transporte rodovi-ário. A dificuldade dos navios operarem em determinados portos onde as exigências e o rigor são claramente uma prioridade para as entidades reguladoras e as autoridades lo-cais competentes, obriga a que a questão eco-lógica seja, actualmente, mais uma questão de eficiência e, portanto, de competitividade. É neste contexto que os estudos relativos à propulsão híbrida permitem concluir que se pode poupar até 11,8% do total dos custos energéticos da operação marítima, e que os mecanismos de melhoria ao nível da opera-ção têm a ver com soluções ao nível da efici-ência dos motores, do casco, do design, entre outros elementos.

Sustentabilidade aplicada ao shipping, a na-vios é, cada vez mais, uma questão de boas práticas, poupança de energia, environmental compliance e controlo de emissão de CO2.

Os resultados objectivos de inquéritos pas-sados à comunidade mercantil demonstram, claramente, que a emissão-zero (produtos po-luentes e de CO2) é um conceito algo irrea-lista, atendendo a que 69,1% dos inquiridos considera que nunca se chegará a tal objecti-vo, existindo, contudo, um outro dado que tem que ser conjugado com aquele: cerca de 84,2% dos inquiridos entende que a shipping, como indústria, ainda não está a desenvol-ver as intervenções suficientes para preservar os Oceanos, o que significa que ainda existe uma longa evolução a percorrer. Em especial, o estudo de medidas embrionárias como o passaporte verde para navios, que implica o envolvimento e compromisso institucional, contratual até, de Governos, autoridades, construtores, fornecedores e de sociedades classificadoras.

Um dado, ainda, sobre toda esta problemá-tica em relação aos navios militares.

A MARPOL exclui, da sua aplicabilidade dogmática e jurídica, os navios de guerra. Contudo, assiste-se a um movimento gene-ralizado na Europa em que os responsáveis das forças navais se comprometem a cumprir os índices de regulação técnica em matéria ambiental, sobretudo ao nível da poluição marítima e da preservação, e depósito, de re-síduos poluentes em locais próprios. A título de exemplo, o Almirante Werner Luders (di-rector de armas navais e logística da Marinha alemã) tornou públicos, recentemente, alguns dados que permitem concluir que os meios navais da Marinha (no total, 103) cumprem os requisitos da MARPOL com tanto rigor como os navios mercantes – separação de re-síduos por tipos de carga e depósito em locais apropriados, controlo de poluição ocasiona-da por radares e sonares, e emissões de CO2 -, defendendo mesmo que em determinados vectores os navios militares são mais greeen que os demais.

A QUESTÃO DAS ESTRATÉGIAS DELINEADAS E DO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE

Há que atentar, ainda, na questão do en-quadramento jurídico-institucional do con-trolo de bandeira dos navios. Cerca de 40% do transporte marítimo mundial é controlada por Shipowners que integram a ECSA, saben-do-se também que mais de metade do mun-do navega sob bandeiras de conveniência ou de registos secundários. E tal facto induz no-vos elementos de reflexão, designadamente quanto à capacidade que os Flag States têm – ou não – em fazer impor aos navios de seu registo as obrigações que recaem sobre pro-prietários, armadores, carregadores e fretado-res. Quanto menos convencional for o registo, e a bandeira, menor é a capacidade de con-trolo dos operadores marítimos e, portanto, menor índice de certeza se terá em matéria de cumprimento de requisitos técnicos das convenções da IMO por parte daqueles, au-mentando o risco de danos e prejuízos sobre os ecossistemas marinhos.

A Estratégia do Transporte Marítimo da União Europeia (UE) – UE2018 -, assenta, funda-mentalmente, em 4 grandes linhas de acção:

- O enquadramento dos transportes da UE nos mercados globais;

- Os recursos humanos: seafarers, sea pro-fessionals;

- Transporte de qualidade, competitivo, mas cumprindo as metas ambientais esta-belecidas;

- As medidas a tomar devem ser tomadas flag neutral, para evitar distorções de compe-titividade;

A UE assume, assim, que pretende ser um concorrente de topo nos mercados internacio-nais, posicionando-se na linha da frente em matéria de reforma ambiental, sem qualquer tipo de perda económica em termos de índi-ces de competitividade designadamente em relação aos mercados oriental e americano.

A percepção de todo este enquadramento tem que ser clara para as autoridades públi-cas que, nos Estados Costeiros mais expostos às principais rotas de navegação, reconheçam um índice de risco acrescido em relação à eventual ocorrência de incidentes e sinistros marítimos que, pela volumetria e capacida-des dos navios e tonelagem transportada, podem assumir feição de verdadeiras catás-trofes ecológicas de uma dimensão não an-tes verificada. Cabe, assim, aos Estados, em âmbito das suas competências de Flag State e de Port State, em sede de regulação e de ins-pecção, e cumprindo o regime internacional estatuído nos artigos 91º a 94º e 217º, e 218º a 220º e 226º, todos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) pro-mover, respectivamente, intervenções, medi-das e imposições técnicas que garantam uma navegação segura. Apenas desta forma teremos mares mais limpos.

Dr. Luís da Costa DiogoAssessor, DGAM

REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 15

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16 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Agradeço o honroso convite do con-tra-almirante Comandante da Es-cola Naval para proferir a Lição

Inaugural, da Abertura Solene do Ano Lec-tivo de 2010-2011, cumprindo uma tradição de muitos séculos, que outrora vincava o carácter sagrado do saber da Universida-de, hoje aligeirada duma parte dos rituais antigos, mas mantendo incólume o seu sig-nificado na afirmação do modelo específico do ensino e educação superiores. Será esta lição dedicada à figura do Infante D. Hen-rique, quando estamos à beira de comple-tar 550 anos sobre a sua morte.

Foi o Infante um dos personagens da História de Portugal que maior notorie-dade assumiu a nível internacional, ultra-passando todas as fronteiras e continentes. Houve razões concretas que transcende-ram a dimensão do país – e que não vou agora abordar – mas não é estranho a este protagonismo além fronteiras a obra con-creta do homem que teve um papel de-cisivo no lançamento da Expansão Europeia do século XV, abrindo as portas do Oceano que, mais tarde, permitiram a chegada dos portugueses a todas as partes do Mundo, ex-plorando as costas e os espaços marítimos do Atlântico, do Índico e do Pacífico. O século de ouro da História de Portugal – aquele que

começou com a viagem de Vasco da Gama à Índia, e encetou uma vasta gesta de navega-ções que alcançaram as Molucas, a China e o Japão – teve os seus antecedentes na acção per-sistente, decidida e organizada que o Infante promoveu a partir de 1418 ou 19, permitindo o reconhecimento marítimo dos arquipélagos

da Madeira e dos Açores, da costa ociden-tal africana, até à Serra Leoa, e das ilhas de Cabo Verde. Uma acção que, sobretudo, rompeu a bruma envolvente do mar tene-broso, e libertou os homens das cadeias do medo e da ignorância, que os prendiam ao espaço próximo, na sofreguidão do imedia-to e alheios da ambição legítima que lhes vem do sonho.

Nasceu o infante D. Henrique na cida-de do Porto, a 4 de Março de 1394, falecen-do em Sagres a 13 de Novembro de 1460. Completar-se-ão amanhã 550 anos sobre a sua morte. E a efeméride merece a nos-sa comemoração especial, não fosse ele o supremo patrono desta Escola onde estu-dam e se formam os oficiais da Marinha do século XXI. Aqueles que, à sua maneira e num mundo novo – cinco séculos e meio depois –, cumprem no mar a vocação por-tuguesa consolidada com os marinheiros do Infante.

Coincidiu o seu nascimento com a quar-ta-feira de cinzas e, certamente que o amanhe-cer soturno de um dia consagrado à penitência e recolhimento, se transfigurou com o repicar dos sinos da sé portuense, anunciando o nas-cimento de mais um infante da casa de Avis: o quarto do sexo masculino e o quinto na ordem da prole abundante que os esponsais régios de-

Infante D. HenriqueInfante D. Henrique

A Ponta de Sagres.

Abertura Solene do Ano Académico 2010-2011Abertura Solene do Ano Académico 2010-2011

No passado dia 12 de Novembro, presidida pelo Secretário de Es-tado da Defesa Nacional e dos

Assuntos do Mar, em representação do Ministro da Defesa Nacional, teve lugar na Escola Naval, a cerimónia de Abertura Solene do Ano Académico de 2010-2011. Estiveram presentes diversas entidades convidadas, representando os outros ra-mos das Forças Armadas e respectivos es-tabelecimentos militares de ensino, as Uni-versidades de Lisboa, Universidade Nova e Universidade Técnica, a Academia Por-tuguesa de História, a Câmara Municipal de Almada e outras instituições militares ou universitárias que mantêm uma relação estreita com a Escola.

A cerimónia iniciou-se com o discurso do C omandante da Escola Naval, CALM Seabra de Melo, que saudou o Secretário de Estado, Dr. Marcos Perestrello de Vasconcellos, real-çando as actividades desenvolvidas no passa-do ano lectivo. Terminaram o seu curso, com o grau de mestre, 45 guardas-marinhas do curso “VALM Pereira Crespo”, 5 oficias médicos na-vais, e foram licenciados 7 oficiais dos serviço

técnico e 45 oficiais técnicos superiores navais. O Almirante Seabra de Melo deu especial realce aos “grandes desafios” que se colocarão à Esco-la Naval a médio prazo, nomeadamente “o in-cremento da assimilação dos valores e práticas da Esquadra e do Código de Honra da EN, o desenvolvimento de parcerias estratégicas, nos con textos nacional e internacional, e a contínua busca do saber e conhecimento de excelência”.

Referiu a criação recente do Centro de In-vestigação Naval e concluiu dirigindo-se aos novos guardas-marinhas, felicitando--os pelo êxito dos seus estudos, e aos cade-tes do curso “VALM Mendes Cabeçadas”, que agora começaram a sua formação mi-litar e naval, dando-lhes as boas vindas à Escola e à Marinha.

De seguida, o CFR Luís Semedo de Matos proferiu a tradicional lição inau-gural (transcrita integralmente nesta Revista), dedicada à figura do Infante D. Henrique, numa altura em que se co-memoram 550 anos sobre a sua morte.

Seguiu-se a entrega de diplomas de mestrado e licenciatura aos alunos que terminaram os seus cursos, e procedeu-se

à atribuição de prémios escolares aos melhores classificados nas diferentes disciplinas e áreas temáticas.

A parte final da cerimónia seria dedicada ao fecho e atribuição de prémios relativos às Jor-nadas do Mar 2010, da qual será dada notícia desenvolvida, na próxima Revista da Armada.

(Colaboração da ESCOLA NAVAL)

ESCOLA NAVAL

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 17

ram ao país. Regista-se numa coincidência in-teressante que foi entregue para amamentação a Mécia Lourenço, casada com Vasco Gonçal-ves de Almeida. E sabe-se desta curiosidade, porque este casal de servidores régios veio a integrar a casa do próprio Infante, merecen-do um cuidado e atenção especiais, que foi ao ponto de lhes consentir sepultura no Convento de Cristo em Tomar, com a expressa indicação na lápide funerária de que foram os amos de D. Henrique. É, aparentemente, um porme-nor sem importância, mas confirma o zelo do Infante na protecção aos seus servidores, con-dição importante do bom funcionamento de uma imensa empresa, multifaceta-da e complexa (como veremos), que dirigiu até à hora da morte.

Sendo o quinto filho da famí-lia real – e vendo essa condição no contexto dos costumes e regras da Idade Média – não poderia espe-rar um futuro destacado e radioso, como acabou por acontecer. Mes-mo a morte prematura dos irmãos mais velhos, deixando-o no terceiro lugar da linha varonil, não melhora-ria muito a sua situação, não fora a forma como el-rei seu pai entendeu redistribuir o património da nobre-za portuguesa, e dar à sua descen-dência directa uma posição de realce e prestígio, reforçando com firmeza a legitimidade da sua condição real. É preciso lembrar que D. João I era um filho bastardo de D. Pedro, cujo protagonismo resulta das circuns-tâncias em que faleceu o rei D. Fer-nando, e a sua coroação foi feita pela via da revolução e das armas, conso-lidada com a vitória numa batalha decisiva em Aljubarrota.

Toda a geração dos jovens fidal-gos portugueses, nascidos neste fi-nal do século XIV ou princípio do século XV, ficará marcada pelo am-biente político em que decorre a pas-sagem da primeira para a segunda dinastia, com as incertezas da crise de 1383-85 e a guerra com Castela que se lhe seguiu. Os filhos de D. João I – a ínclita gera-ção – são apenas uma pequena amostra de todos os filhos dos heróis de Aljubarrota, cria-dos e educados à luz de valores sólidos, com modelos muito intensos e de grande consis-tência moral (como foi a figura de Nuno Ál-vares Pereira). Os dois mais velhos – Dª Branca e D. Afonso – morreram relativamente cedo, e os três irmãos que se lhe seguiam, tiveram uma educação esmerada e modular na quali-dade de filhos de um rei que se quer fazer res-peitar internacionalmente, numa Europa que não se esqueceu que chegara ao trono como um usurpador. Um usurpador que merecera uma especial protecção de Deus na vitória de Aljubarrota – o que era particularmente impor-tante no contexto da época – mas que teria de construir o seu próprio prestígio com actos e procedimentos concretos, a partir de uma po-sição desfavorável.

D. Duarte – o irmão mais velho – estava des-tinado a ser rei de Portugal e tinha a sua posi-ção e património garantidos, mas D. João quis dotar os dois filhos que se lhe seguiam de duas casas senhoriais de grande dimensão, proven-do-as de terras, rendimentos e meios adminis-trativos e militares de grande vulto. D. Pedro recebeu propriedades na região da Beira Lito-ral, entre Penela e Aveiro, enquanto D. Henri-que ficava com os seus domínios na faixa in-terior da Beira Alta, prolongando-se ao longo do vale do Mondego até Celorico da Beira e Seia. Naturalmente que o rei tinha uma estra-tégia definida, entregando aos seus dois filhos

o eixo mais vulnerável à ameaça castelhana, e dotando-os justificadamente das melhores ca-pacidades militares e económicas. E tudo isso foi feito em nome da precariedade da paz com a vizinha Castela, que, formalmente, só reco-nheceu a independência portuguesa em 1432.

Em 1389 tinha sido acordada uma trégua de cinco anos, renovada em 1393 por mais quinze, mas estes acertos eram muito frágeis e foram violados por diversas vezes. Só a 31 de Outu-bro de 1411 foi assinado em Ayllón um Tratado de Paz provisório, que deu alguma segurança aos portugueses, e permitiu aliviar a vigilância defensiva. E a nobreza em geral, cujos rendi-mentos lhe vinham sobretudo dos serviços da guerra, ficava disponível para outras vias de actuação, estando criadas as condições para ca-nalizar as suas energias noutro sentido, como foi a expansão ultramarina de que o primeiro passo foi dado em Ceuta no ano de 1415.

Conhecem-se com algum pormenor os as-

pectos mais significativos da preparação da expedição a Ceuta, comandada pelo próprio rei, acolitado pelos seus três filhos mais velhos e, especialmente por D. Pedro e D. Henrique, que prepararam as armadas em Lisboa e no Porto. Segundo o cronista Zurara, a ideia da conquista nasce dum contexto em que os três príncipes – como qualquer outro jovem mem-bro da nobreza na Idade Média – deveriam ser armados cavaleiros, sendo tradicional que essa cerimónia tivesse lugar com a pompa e visibili-dade adequada. Para a família real portuguesa, e tendo em conta a necessidade de afirmação já referida, tal acto tinha uma importância acres-

cida. A possibilidade de ser feita na sequência de uma operação militar contra os mouros era algo de subli-me. E, recordando que os filhos de D. João I eram apenas uma amostra do universo da jovem descendência dos heróis de Aljubarrota, compre-endemos todo o entusiasmo que mereceu o projecto.

Mas estas operações custavam verbas avultadíssimas, exigindo financiadores próprios que não se moviam por impulsos guerreiros, plenos de significado, mas incertos nos rendimentos. A partida para Ceuta teve, certamente, outro tipo de motivações que a historiografia tem vindo a discutir, permitindo-me chamar a atenção para uma delas, dada a relação estreita que tem com a actividade dos navios e as condi-cionantes que lhe estão associadas. O controlo de um porto como Ceu-ta era, acima de tudo, o controlo da porta do Mediterrâneo, onde pas-sava todo o comércio entre o mar interior e o Norte da Europa. Trata-va-se de um local onde era possível manter uma pequena força naval, ao abrigo de intempéries, capaz de avistar com grande antecedência a navegação que se aproxima, e exer-cendo o seu poder de controlo pela possibilidade de partir em vanta-

gem táctica para o ataque a qualquer navio de que se quisesse impedir a passagem. E a “vantagem táctica” é um conceito omnipresen-te na milenar história do tráfico marítimo e da guerra no mar, variando com as características dos navios, mas mantendo-se determinante na manobra e na escolha dos pontos importantes a ocupar ou onde construir os portos. Em 1415 a “vantagem táctica” era dada pelo posiciona-mento que melhor permitia a utilização dos elementos da natureza (vento e corrente), ma-ximizando o potencial de combate disponível.

Nesse sentido, Ceuta era um ponto impor-tante, e a sua conquista não era mais do que o estender para sul do espaço marítimo sob controlo português, criando melhores condi-ções para o exercício de um tipo de soberania que era um privilégio e uma singularidade das gentes que viviam na costa ocidental da Península Ibérica – uma singularidade que os fez querer ser independentes no tempo de

Infante D. HenriqueGomes Eanes de Zurara – Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné.

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18 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Afonso Henriques e que lhes deu uma energia redobrada para assim se manterem em 1383.

Depois de vários anos de aturados prepa-rativos, a armada partiu para o sul a 25 de Julho de 1415, sem que a maioria do pessoal embarcado soubesse ao que ia. Os objectivos tinham sido mantidos em segredo, apesar do enorme aparato que representava a reunião de tão inusitada quantidade de navios e gen-te. Os mouros de Ceuta não foram surpreen-didos na manhã de 21 de Agosto, quando a primeira vaga de assalto, com o Infante à fren-te, desembarcava na praia diante da porta de Almina, mas não o souberam com a antece-dência necessária para prepararem a defesa, e obterem os reforços indispensáveis para deter a avassaladora onda de assalto portuguesa. D. Henrique combateu durante todo o dia, e os relatos que até nós chegaram mos-tram a impetuosidade com que o fez, por vezes tentando a sorte em rasgos de alguma imprudência. A cidade não ofereceu grande resistência e, a 22 de Agosto, mesmo a alcáçova foi aban-donada, deixando tudo à mercê dos portugueses.

D. João I deixou uma guarnição de 2500 homens para defender o local, e retirou-se no princípio de Setembro, desembarcando em Tavira e regres-sando a Lisboa por terra. Mas não sem antes ter procedido a um conjunto de acções administrativas onde se con-tam a intitulação dos infantes D. Pe-dro e D. Henrique, respectivamente, como duque de Coimbra e duque de Viseu, conferindo uma dignidade aos seus domínios que nunca tinha sido atribuída em Portugal. D. Henrique seria ainda premiado com o senhorio da Covilhã, de uma forma cujos por-menores não são bem conhecidos, mas que aparece na documentação desde 1516: “duque de Viseu e senhor da Covilhã”. Este benefício, que já não foi extensivo ao infante D. Pedro, marca uma dife-rença de postura na atribuição de privilégios, que cada vez mais se desequilibraria a favor de D. Henrique. Data desta mesma altura a atribuição do encargo de “todas as cousas que cumprem para a dita nossa cidade de Ceuta e para a sua defesa”, facto que irá determinar o futuro do Infante e do país.

O reino de Fez, sob cuja soberania se encon-trava a cidade antes de 1415, nunca se confor-mou com a perda, e sempre afrontou os portu-gueses. De imediato, apenas conseguiu lançar pequenas flagelações a que o capitão D. Pedro de Meneses conseguiu repelir com energia, mas em 1418 preparava uma enorme força mi-litar que deveria cercar e atacar a nova praça portuguesa. Foi nessa data que seguiu a pri-meira esquadra de reforço, apesar de tudo, re-duzida porque se soube que o ataque não tinha grande dimensão. Mas a ameaça repetiu-se em 1419, e, nessa altura, passou a África o próprio infante D. Henrique, com uma armada mais numerosa e melhor equipada que também não entrou em combate porque o inimigo retirou

antes da sua chegada. Era, todavia, evidente que Ceuta iria viver num sobressalto constan-te sendo de prever a necessidade de a socorrer ou reabastecer através do mar, de forma siste-mática. E foi essa circunstância que concentrou no Algarve, no porto de Lagos, um conjunto de meios navais, que normalmente estariam dispersos, e que protagonizaram o fervilhar de viagens de exploração do Atlântico, com uma expressão imediata no reconhecimento do Arquipélago da Madeira por João Gonçal-ves, o Zarco (ou Zargo), e Tristão Vaz Teixeira, ambos criados da casa do Infante.

Zurara diz-nos que “doze anos continua-dos” mandou o Infante que os seus navios corressem essa costa africana a caminho do sul, passando além de um mítico cabo que ainda hoje se chama de Bojador. E – continua

o cronista – “depois de doze anos, fez o Infan-te armar uma barca, da qual deu capitania a Gil Eanes, seu escudeiro, o qual, seguindo a viagem dos outros, tocado de aquele mesmo temor não chegou mais além que às ilhas de Canária”. Seria, contudo, esse mesmo Gil Ea-nes que no ano seguinte, de 1434, navegou além Bojador, trazendo ao Infante as “rosas de Santa Maria”, colhidas naquele local. É difícil entender que barreira mítica estaria associa-da ao Cabo Bojador, embora possa entender--se como sendo apenas um limite psicológico, para quem navega com vento e corrente fa-voráveis, ao longo de uma costa árida e sem abastecimento possível, sabendo que o regres-so será contra esse mesmo vento e corrente. O caminho para o sul beneficiava dos ven-tos de noroeste e norte, associados à circula-ção atmosférica em torno do anticiclone dos Açores, e, mais para sul, sopram os alísios de nordeste que continuam a favorecer o avanço dos navios. Da mesma forma, a corrente das Canárias, ajuda nesse percurso, mas todos es-ses elementos seriam contrariedades difíceis

de contrariar no regresso. Em navios de pou-ca autonomia e com uma costa sem meios de reabastecimento, é fácil de entender a angústia dos marinheiros, cientes que um dia no cami-nho do sul pode significar três, quatro, cinco ou mais para regressar a casa.

Temos a noção clara de que os anos que me-deiam entre 1418 e 1434 foram anos de apren-dizagem do Atlântico, afastando-se os navios cada vez mais da costa e buscando soluções de vários tipos: soluções a nível da construção naval, concebendo navios adequados, como vieram a ser as caravelas; soluções no âmbi-to da ciência náutica, no sentido de descobrir formas de posicionamento no mar; e soluções que facilitassem o regresso a Lagos, por uma via que não a dos bordos sucessivos, contra ventos e correntes ou aproveitando brisas in-

certas junto a terra. Parece evidente que este último problema se resolveu numa volta alargada pelo mar aber-to, cada vez mais longe de terra, ao ponto de em 1427 (muito antes de Gil Eanes ter passado o Bojador), um tal Diogo de Silves (ou Sines) ter avistado a ilha de Santa Maria, no Arquipélago dos Açores, como comprovamos por inscrição que sobre isso consta num mapa catalão, desenhado em 1439 por Gabriel Valsequa.

Desta intensa actividade marítima que decorreu a partir de 1418, sob a tutela do infante D. Henrique, e levada a cabo sobretudo por servidores seus ou cavaleiros da Ordem de Cristo, ti-ramos duas conclusões. Uma delas é a evidência de uma tentativa de domí-nio sobre o espaço marítimo, chamado na altura “Golfo das Éguas”, limitado a norte pelo Algarve e a sul pela costa ocidental africana. A outra é a de que decorre um importante processo de aprendizagem do mar e da navega-ção, talvez, não tão sistemático como alguns investigadores quiseram supor,

mas persistente e contínuo. Foi esta aprendizagem, visível em objectivos

saltos do saber náutico, que se entrevêem no meio de descrições despreocupadas feitas pe-los cronistas ou nos relatos de personagens que andaram no mar, que levou a supor a existên-cia de uma Escola Náutica organizada em Sa-gres ou em Lagos, onde mestres cosmógrafos e matemáticos, superiormente dirigidos pelo Infante, ensinavam pilotos e marinheiros. Hoje sabe-se que essa escola nunca existiu e conhe-cem-se os contornos em que foi gerado o mito. Não podemos negar, contudo, a aprendizagem progressiva: uma aprendizagem prática, feita provavelmente no contexto corporativo da arte dos pilotos, mas com um objectivo concreto de levar os navios cada vez mais longe, alargado a área de influência portuguesa. O país que crescera “entre dois mares” – o Mediterrâneo e o Atlântico – porque tinha uma costa onde podiam abrigar-se os mercadores que circu-lavam do mar interior para o norte, alargava a sua zona de acção e consolidava o domínio deste comércio, na sua vertente sul.

Costa Ocidental Africana.

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 19

Parece óbvia a visão política e a estratégia de afirmação, para a qual confluíam a conquista de Ceuta e as explorações marítimas do Atlân-tico que consubstanciavam o domínio do Gol-fo das Éguas. E esta estratégia tinha natural-mente um retorno económico nos rendimentos do comércio próprio e do que passava pelos seus portos. D. João I entendeu-o desde muito cedo, e o infante D. Henrique foi o filho esco-lhido para concretizar o seu projecto.

Depois da viagem de Gil Eanes em 1434, seguem-se outras, cada vez mais para sul, al-cançando o chamado rio do Ouro e Pedra da Galé, em 1436, com Afonso Gonçalves Baldaia. Depois vem um interregno de alguns anos, que coincidem com a expedição de 1437 contra a cidade de Tânger, que terminou num trágico f racasso de que resultou o cativeiro do infante D. Fernando, o filho mais novo de D. João I e Dª Filipe de Lencastre. É vulgar atribuir a res-ponsabilidade deste desastre à obsessão do in-fante D. Henrique, que teima-va em sucessivas investidas contra a muralha de Tânger, deixando-se cercar pelos refor-ços de socorro que vieram de Fez. É verdade que o combate decorreu dessa forma absurda e que o Infante descurou todos os avisados conselhos, que lhe deram outros fidalgos mais velhos e mais experientes nas coisas da guerra. É ainda ver-dade que desobedeceu explici-tamente ao regimento dado por D. Duarte, descorando aspectos tácticos tão óbvios como o nun-ca perder a ligação com os na-vios para poder reembarcar se estivesse em perigo. A respon-sabilidade táctica da derrota ou dos aspectos mais gravosos que essa derrota assumiu podem ser-lhe imputados, mas a expedição correspondeu a um objectivo régio e nacional muito claro, e foi decidida em Lisboa, com razões que a justificam plenamente.

Recordemos que o reconhecimento formal da independência de Portugal, por parte do rei de Castela, ocorreu apenas em 1432, quase no final da vida de D. João I. Em 1433 D. Duar-te herdava a coroa e, imediatamente, o irmão procurou retomar a guerra no Norte de Áfri-ca, pressionando-o nesse sentido, mas nunca logrando a aprovação de qualquer operação concreta. Sucede, no entanto, que um conjun-to de circunstâncias internacionais empurra-ram o país para um beco sem saída, de que a guerra contra os mouros podia ser uma solu-ção. Domingos Maurício explicou a situação de forma brilhante num pequeno texto, que publicou em 1960, onde chama a atenção para as condições em que Castela manobrava jun-to do recém-reunido Consílio de Basileia, fa-zendo valer a sua posição através do Bispo de Burgos, D. Afonso de Cartagena. Em termos práticos, o Consílio contestou um requerimen-to português sobre as Canárias, mas alargou o alcance da sua argumentação a uma recusa do direito de conquista no Norte de África e à

contestação da legitimidade da jovem dinastia de Avis. Estes rumores chegaram ao conheci-mento de D. Duarte, em 1436, através de um prelado português, Abade de Florença, e caí-ram na corte como uma verdadeira bomba. A possibilidade de imediatamente lançar nova operação no Norte de África foi uma tentativa de voltar a obter o efeito positivo que resultara da conquista de Ceuta, confiando no desígnio divino e mostrando à cristandade os nobres objectivos da coroa de Portugal. A expedição deu-se portanto com a anuência e o patrocínio do rei D. Duarte e de muitos dos nobres que anteriormente se tinham manifestado contra essa guerra. Nomeadamente o infante D. Pe-dro, que recomendara a saída de Ceuta, mas que agora aprovava também esta operação. Infelizmente, contudo, o nível de participação da nobreza e a capacidade de mobilização de meios não foi igual à de 1415. As forças eram insuficientes, e tiveram de ser desembarcadas

em Ceuta, fazendo o percurso pela montanha até Tânger, onde chegaram em condições pre-cárias. A insistência desastrosa de D. Henrique completou o quadro da tragédia, cujos resulta-dos são conhecidos.

O Infante – que se revelava um zeloso orga-nizador e administrador de um projecto lento e trabalhoso, como eram as navegações atlânti-cas; que era, igualmente, um notável “homem de negócios”, com uma capacidade notável de gerir e acrescentar o seu património pessoal e da Ordem de Cristo, não hesitando em tomar conta e desenvolver actividades até aí tidas como impróprias de gente nobre, como eram as saboarias do reino, ou o negócio do óleo dos lobos-marinhos – mostrava uma enorme im-prudência e precipitação na condução da guer-ra. A mesma impetuosidade que revelara em Ceuta, arriscando a vida de forma quase gra-tuita, no meio de mouros, voltava a manifestar-se em frente às muralhas de Tânger, onde se deixou cercar, de forma absurda e apesar dos sucessivos avisos e das recomendações escri-tas que tinha recebido do rei.

No regresso de Tânger não teve coragem para vir enfrentar a corte e refugiou-se no Algar-ve, onde passou a residir quase definitivamente.

Mas a actividade marítima de exploração para sul não foi retomada de imediato, talvez por-que, apesar do exílio voluntário, tinha que dar atenção a alguns assuntos políticos. Nas cortes discutia-se a entrega de Ceuta para resgatar o infante D. Fernando, D. Duarte morreu logo em 1438, poucos meses depois da tragédia, e era preciso acompanhar a regência onde se dispu-tavam o seu irmão D. Pedro e a rainha viúva, Dª Leonor. Havia, no fundo, um conjunto de tarefas que certamente ocupavam o seu espí-rito e mobilizavam esforços que diminuíam as possibilidades de retomar as expedições marí-timas. Contudo, em 1441, Nuno Tristão alcan-çava o Cabo Branco embarcado numa caravela (é a primeira referência que temos da presença de uma caravela, na costa africana), e seguem-se outras expedições periódicas, agora já com objectivos comerciais, fosse pela possibilidade de recolha de escravos, fosse pelo próprio co-mércio que começava a ter alguma expressão.

Quando faleceu, em 13 de Novembro de 1460, com a ida-de de 66 anos, sob a sua orien-tação e administração tinha sido explorada a costa ociden-tal africana até à Serra Leoa, tendo estabelecidos diversos locais específicos de trato e co-mércio, do qual tinha a conces-são régia. Estavam descobertas as ilhas de Cabo Verde; o Ar-quipélago da Madeira fora di-vidido em capitanias, povoado e começava a ser explorado; o mesmo acontecendo com al-gumas ilhas dos Açores. Con-seguiu construir a maior casa senhorial do país, preparada para passar em herança para seu sobrinho D. Fernando, o segundo filho de D. Duarte.

Viveu uma vida intensamente vivida, com momentos de entusiasmo, como o de Ceuta, ou de desânimo como o de Tânger, não sendo fácil caracterizá-la de forma tão sumária como a que exige o curto tempo desta apresentação. A obra e a personalidade de um homem com a dimensão do infante D. Henrique ultrapassam essa possibilidade. Concluo reforçando o pa-pel decisivo que teve no arranque da expansão portuguesa. As navegações henriquinas signi-ficaram um lento percurso, feito com perseve-rança e muita coragem, onde se desvendaram segredos ciosamente guardados pela natureza, onde se venceram adversidades terríveis, algu-mas delas resultantes de preconceitos e da falta de conhecimento. Mas foi esta a via que levou o homem da Idade Média à modernidade. O Infante precisou certamente da chama intensa que alimenta o desejo profundo e incansável de vencer, tendo sempre presente a divisa que mandou gravar no seu túmulo do Mosteiro da Batalha: Talant de bien faire (talante [vontade] de bem fazer). Uma frase que ainda hoje invoca-mos nesta casa.

J. Semedo de MatosCFR FZ

Visão mítica da Escola de Sagres.

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20 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Já a navegar no oceano Índico a caminho de Goa, o N.R.P. “Sagres” prossegue a sua viagem de circum-navegação. Durante

o mês de Outubro navegou-se maioritaria-mente no Golfo da Tailândia e no Estreito de Malaca. Ao longo de cerca de três semanas realizou-se a visita a Banguecoque, na Tailân-dia; à Cidade-Estado de Singapura; a Malaca e Kelang, (porto que serve a cidade de Kuala Lumpur), na Malásia.

A navegação ofegante desta zona requeria cuidados redobrados devido às dezenas de navios que estavam a cada momento dentro da nossa zona de interacção. Nesta região do globo cruzam-se as mais importantes ro-tas marítimas da actualidade a que há a jun-tar um corrupio de embarcações de pesca. Rapidamente alcançámos o Golfo da Tailân-dia onde navegámos ao longo de quinhentas milhas por entre inúmeras armações de pesca, embarcações, navios e platafor-mas de exploração de gás e petróleo. Por fim, iniciámos a subida do rio Chao Phraya na madrugada do dia nove de Outubro, contabilizando-se mais al-gumas horas para o já vasto currículo da equipa que guarnece a “Condição 3 Alfa” – Navegação em Águas Restri-tas. Até alcançarmos o nosso cais em Banguecoque, pudemos observar uma paisagem ímpar, de onde se destaca-vam as habitações fundadas sobre esta-cas de madeira, uma exuberante man-cha de verde tropical e o enxame de pequenas pirogas que, ostentando os seus motores de rega, se movimentam erraticamente conectando as margens.

Fomos recebidos pelo Embaixador de Portugal, por uma delegação da Ma-rinha Real Tailandesa que incluía a sua banda e por grupos de crianças e jovens que dançaram e cantaram para nós em português. Uns porque eram alunos da nossa língua em duas universidades lo-cais, outros, os mais pequenos, porque estudavam nas escolas católicas dos bairros da Conceição e de Santa Cruz. No cais estavam ainda centenas de pes-soas e cerca de trinta jornalistas que aceitaram o convite para a nossa ha-bitual conferência de imprensa à che-gada – tudo isto antecipava um gran-de interesse nesta visita da “Sagres”, a qual perdurará nas nossas memórias, pelo carinho por Portugal que viemos encontrar nestas paragens.

A “cidade dos anjos”, (tradução de Krung Thep, a abreviatura Thai para um nome que é uma frase com mais de 150 letras), é uma metrópole exuberante, onde habitam aproximadamente doze milhões de habitantes. A cidade afirma-

-se no panorama mundial como destino turístico a não perder e como tal os pontos de interesse sucediam-se ao virar de cada esquina. Em breves viagens realizadas nos táxis lo-cais e nos tuk-tuk, uma variante de motas de três rodas adapta-das para transportar duas pes-soas na traseira, pudémos con-templar vários templos, outras pequenas obras consagradas ao Budismo, rotundas colos-sais ornadas de monumentos imponentes e muitos merca-dos de rua. Durante os vários dias do porto, foram disponi-bilizadas várias excursões aos elementos da guarnição e estes

corresponderam aproveitando o melhor que a cidade tinha para oferecer. Um bom exemplo destas oportunidades, constituiu a visita ao Grande Palácio e Complexo de Wat Phra Kaeo. Este co-lossal complexo construído em 1783 para assinalar a fundação da nova ca-pital em Banguecoque aloja o Sagrado Buda de Esmeralda (Phra Kaeo), a mais importante representação de Buda em todo o mundo Budista. Esta cidade im-perial criada dentro da própria cidade, que constitui a residência oficial de vá-rios Reis da Tailândia é um aglomerado de edifícios religiosos e residenciais, que misturam a influência do estilo colonial inglês, as lendas e propósitos do Budis-mo e uma vasta gama de materiais raros. Assim, não é de estranhar que o Buda de Esmeralda esteja colocado num gigante altar de jade, num edifício revestido em talha de ouro, pedras preciosas e acaba-mentos em ébano, vigiado por estátuas de figuras mitológicas e resguardado nos telhados pela cobra, aqui, símbolo de protecção.

O mercado flutuante também se assume como ex-líbris desta região e

Navio-Escola “Sagres”Volta ao Mundo 2010

9ª PARTE

Jovens dançando músicas tradicionais tailandesas.

Chegada a Banguecoque.

Crianças dançando e cantando músicas portuguesas.

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granjeou a admiração dos que o visitaram. A sinergia entre as cores das frutas tropicais e o verde da vegetação servia de pano de fundo ao comércio desenvolvido a partir das piro-gas, que muitas vezes se encontram no meio dos canais para fechar as transacções.

Na habitual recepção oferecida a bordo recebemos as mais distin-tas autoridades locais, vários portu-gueses e amigos de Portugal, num estreitamento dos laços de amiza-de existentes entre estes dois povos. A presença da “Sagres” deu início ao ciclo de comemorações dos 500 anos de relações entre Portugal e o Reino do Sião, que posteriormente na sua história originou a Tailândia actual. Após a conquista de Malaca em 1511, Afonso de Albuquerque quis ter aliados na região e mandou Duarte Fernandes oferecer ao Rei do Sião uma espada com baínha em ouro e cravejada de pedras precio-sas. O Reino do Sião era muito rico e tinha muito boas relações comer-ciais com a China, o que interessava a Portugal. Esta aliança é tida pelos Tailandeses como a razão pela qual são o único país do sudoeste asiático que manteve sempre a sua indepen-dência e têm uma enorme conside-ração por Portugal e por tudo o que seja português.

Visitámos Ayutthaya,que era a ca-pital do Sião quando se deram os primeiros contactos com os portu-gueses. Estes foram autorizados a instalar um entreposto e iniciou-se uma profícua relação que durou mui-tos anos e que influenciou a cultura do país. A introdução do piripiri na culinária tailandesa, os fios de ovos e outros doces com ovos, loiças e vá-rias palavras portuguesas são exem-plos desta influência. Em 1529 ha-via 300 portugueses em Ayutthaya. O rei atribuiu-lhes uma concessão onde construíram três igrejas e alo-jamentos. Tinham liberdade religiosa e instalaram-se Franciscanos, Domi-nicanos e Jesuítas. Em 1650 já eram 2000, maioritariamente mesclados com os locais e constituídos por mercenários, comerciantes e missio-nários. Muitos tinham desertado das forças portuguesas em busca de for-tuna. Havia também portugueses em funções de destaque como o aconse-lhamento do rei, médicos, intérpre-tes, facilitadores nas relações com os outros reinos, etc. O português constituiu-se como a língua utiliza-da no comércio e contactos diplo-máticos entre Ayutthaya e as nações europeias até meados do sec. XIX.

Durante a breve estadia fomos convidados para uma recepção na Embaixada de Portugal, um edifício imponente situado no quarteirão

do Antigo Farang, zona comercial do século XIX. Considerada por muitos a mais bela das Embaixadas na Tailândia, o edifício, que alber-gou um importante entreposto comercial por-

tuguês, representa um passado conjunto das duas nações e uma época importante para a lusofonia. A anteceder o convívio com os 300 convidados e a oportunidade de assistir a uma

actuação de Fado, interpretada pela artista por-tuguesa Maria Ana Bobone, o Embaixador de Portugal, António de Faria e Maya, desenvol-veu um motivante e patriótico discurso sobre

os feitos do passado e do presente, enaltecendo o papel da “Sagres” en-quanto “Embaixada Flutuante” dum país que se mostrou ao mundo pelo mar. Este convívio foi devidamente lo-grado para saciar as crescentes sauda-des de um distante Portugal.

Durante os dias em que estivemos atracados, continuámos a receber re-pórteres de vários jornais e televisões. O enorme mediatismo causado pe-las reportagens, com presença diária nas televisões e várias primeiras pá-ginas dos Diários de Banguecoque, garantiram a curiosidade e a posterior afluência do povo tailandês. Apesar de o navio estar a uma hora da cida-de, receberam-se cerca de vinte mil visitas ao longo da estadia. Culmi-nando com chave de ouro, o navio largou perante um cais com milhares de pessoas que se vieram despedir da primeira visita da “Sagres” à Tailândia e assistiram a uma bonita manobra vélica, com direito a pano redondo e inerentemente às Cruzes de Cristo. Fruto de uma alteração ao aparelho de laborar estudada e implementada ao longo desta viagem, o navio lar-gou com as vergas içadas, caçando de tacada as dez velas redondas de-pois de ter içado todo o pano latino em duas fases.

A navegação que se seguiu foi de apenas quatro dias, dos quais dois fo-ram exclusivamente à vela com mui-to bom vento, ao longo da costa leste da Península da Malásia, até alcan-çarmos a sua extremidade sul, cons-tituída pelo arquipélago que hospeda a Cidade Estado de Singapura.

Aos primeiros alvores de dia 19 de Outubro estávamos no local combi-nado para receber o piloto do porto de Singapura. O seu auxílio foi pre-cioso, uma vez que, a navegação é muito intensa neste porto, que movi-menta aproximadamente quinhentos navios por dia. O navio atracou num moderno cais, em Keppel Island, ao lado da sofisticada marina com o mesmo nome. Em pano de fundo, encontram-se em fase de construção, um conjunto arquitectónico futurista. À distância, o conjunto de prédios cria uma ilusão de óptica, parecendo que estão retorcidos e curvados so-bre eles próprios, estes representam bem o desenvolvimento contínuo desta nação com aproximadamente setecentos quilómetros quadrados de

área de superfície, que hospeda uma popula-ção de cinco milhões de habitantes, grande parte deles estrangeiros.

A preocupação vanguardista aplica-se um

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Singapura à noite.

Orgulho dos Embaixadores de Portugal.

Jovens alunos de português despedindo-se da “Sagres” em Banguecoque.

A fadista Maria Ana Bobone na recepção oferecida pelo Embai-xador de Portugal

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pouco por todos os sectores da sociedade. A preocupação com a existência e subsistência dos espaços verdes, com a limpeza da via pública, com a manutenção do património imobiliário e do parque automóvel. Se em grande parte, esta preocupação é ex-pressa através de um código civil ex-tremamente rigoroso, onde se pode ser multado por mascar uma pastilha elástica, a verdade é que o resultado final é colossal e a ordem criada im-põe-se aos olhos dos 10 milhões de visitantes anuais.

Durante a estadia a guarnição e o navio envolveu-se no habitual progra-ma protocolar, com um almoço de re-tribuição de cumprimentos, recepção oficial e uma acção de promoção da AIMMP, (Associação das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Portu-gal). Aqui pudemos também contactar com vários portugueses, emigrantes de luxo, quadros superiores de em-presas multinacionais ou investiga-dores de laboratórios de renome. Nos tempos livres, os que se aventuraram pela cidade puderam observar vários edifícios monumento, dos quais de destaca o novíssimo hotel Marina San-ds, um complexo de três arranha-céus sobre os quais assenta uma cobertura que apresenta as formas de um navio. Um moderno teleférico sobrevoa a cidade ligando-a à Ilha de Sentosa, onde se encontram uns enormes es-túdios de produção cinematográfica, e onde se situa um parque de diver-sões colossal, o Hotel do Hard Rock Café e grandes áreas de parque. Nas centenas de zonas comerciais, muitos aproveitaram para comprar souvenirs únicos e as prendas de natal. Consi-derada a testa de fronte dos mercados internacionais, não seria de estranhar encontrar superfícies comerciais tão grandes, como por exemplo o Mus-tafa, localizado na zona Indiana de cidade, que tem diversas particulari-dades entre as quais, ser tão grande que é atravessado por uma rua e fun-cionar ininterruptamente as vinte e quatro horas do dia.

No dia vinte e três de Outubro lar-gámos da Cidade-Estado com destino a Malaca, onde fundeámos logo no dia seguinte.

Visitámos a fortaleza construída por Afonso de Albuquerque e que é conhecida por “A Famosa”, onde vi-veu S. Francisco Xavier. É interessan-te perceber que, para além de uma influência arquitectónica deixada sobretudo nos edifícios religiosos, a cultura portuguesa também se enrai-zou a outros níveis. Uma pequena delegação acompanhou o Comandante do Navio e o Embaixador de Portugal ao Bairro Português onde contactou com a comunidade e visitou o simbólico museu. Visitámos o Restaurante

de Lisboa, o São Pedro e almoçámos no Papa Joe do Sr. Manuel Bosco Lázaro que serviu pratos muito saborosos e actuou com o seu grupo musical e os seus dançarinos. Fados de Coimbra, a Samaritana, a Casa Portuguesa e

o Malhão faziam parte de um cancioneiro bem ensaiado e orgulhosamente cantado. O “Cabeça di Barco”, (nome no português an-tigo de Malaca utilizado para designar o co-mandante), foi convidado a ir dançar com o

grupo folclórico, uma variante do Tiroliroliro. Um dos pratos mais apreciados foi a “Galina” – galinha estufada com muitas especiarias.

Estes luso-asiáticos são alegres, gostam de festa e de dançar, e misturam-se homens e

mulheres nas danças, ao contrário das restantes comunidades asiáticas. A língua, a gastronomia, a dança e a música são factores fundamentais da identidade de uma cultura e, apesar de ao longo dos anos terem irradia-do a partir de Malaca várias comu-nidades luso-asiáticas para países e locais da região, existe nesta região uma forte cultura e identidade lusa, que é passada de geração em gera-ção pela via oral. Com o intuito de preservar esta herança surgiu a As-sociação Cultural Korsang di Me-laka (Coração em Malaca), para que o nosso legado não seja esquecido e que a comunidade luso descendente se orgulhe de continuar a mostrar ao mundo as nossas tradições, o que em muito contribuiu para a nomeação de Malaca como Património da Hu-manidade da UNESCO. Com o apoio do Instituto Camões, da Fundação Oriente e o mecenato da empresa Logoplaste, a associação apoia o tra-balho de alguns portugueses, como a Socióloga Cátia Candeias que, ao abrigo do projecto “Povos Cruzados: Futuros Possíveis”, está a revitalizar e assegurar a continuidade do legado histórico, cultural e humano desta comunidade.

Enquanto alguns elementos da guarnição visitavam Malaca, com ajuda de uma embarcação fretada, vários grupos de luso-asiáticos visi-tavam o navio. Um grupo folclórico que nos tinha recebido o cais não perdeu a oportunidade de poder dan-çar em território nacional, no convés do N.R.P. “Sagres”. Alguns dos visi-tantes, maioritariamente crianças e adolescentes nasceram depois da úl-tima passagem da “Sagres” neste lo-cal, porém todos eles tinham a lição bem estudada e conheciam bem a história do navio que foi perpetuada nas histórias contadas pelas gerações mais antigas. É interessante reflectir a propósito deste sentimento de identi-dade e perceber o que torna alguém com tão poucas ligações a Portugal, um saudosista da cultura portugue-sa. As palavras de uma diferenciada descendente local exemplificam bem esta sensação: “Diga-me o que é que vocês, (portugueses) têm para que ao fim de 400 anos de se irem embora e depois de aqui passarem os holan-

deses e os ingleses, nós nos continuarmos a sentir portugueses?”.

Fundeados na baia de Malaca recebemos a bordo com as devidas honras, o Embaixa-dor de Portugal na Malásia, António de Faria

Jovens luso-asiáticos de Malaca.

Malaca - Visita da guarnição à cidade.

Porta de Santiago na Fortaleza de Malaca.

Recepção da AIMMP (Associação das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Portugal).

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e Maya, que acumula funções com a Tailândia e vários países destas paragens. O Embaixador e a sua mulher, Maria da Piedade, efectuaram connosco o breve trajecto até ao Porto da cida-de de Kelang. A comitiva contemplava ainda a supracitada Dra. Cátia Candeias e o Realizador Pedro Palma que recolhe imagens da passagem da “Sagres” em Malaca, de forma a enriquecer um documentário televisivo com estreia mar-cada para 2011, e que tem por tema base os quinhentos anos de Expansão de Por-tugal ao sudoeste asiático.

Largámos ferro da baía de Mala-ca a tempo de aproveitar a brisa que se fazia sentir e assim enriquecer o documentário do nosso convidado, com imagens da “Sagres” a navegar à vela. Ao serão, no tombadilho, tro-cámos estórias da nossa viagem com estórias de Malaca.

Na manhã do dia seguinte, alcan-çámos o terminal de cruzeiros de Kelang, que fica a aproximadamente 50Km de distância da capital.

Apesar da distância, a guarnição não se inibiu de se deslocar à capital da Malásia. Assim puderam conhe-cer a sua moderna arquitectura, que tem por ex-líbris as torres Petronas. As duas torres gémeas, consideradas as torres gémeas mais altas do Mun-do, que ostentam a ponte pedestre mais alta do mundo são um símbolo de Kuala Lumpur e da Malásia. São o testemunho arquitectónico do seu progresso e conquista socioeconó-mica. A sua construção terminou em 1996 com as torres de 88 andares a cresceram a uma velocidade impres-sionante de menos de 4 dias por piso e terminaram antes do tempo graças à brilhante ideia de entregar a constru-ção de cada uma a empresas diferen-tes, uma russa e outra sul-coreana, o que originou uma salutar competição. Na base das torres encontrámos um centro comercial com lojas de luxo, alguns restaurantes e a sala de concer-tos da Orquestra Filarmónica da Ma-lásia, dotada de uma acústica cuida-dosamente arquitectada. Rodeada de jardins bem cuidados a visita é muito aprazível sendo a única dificuldade a de encontrar um local onde se con-siga, com uma câmara normal, tirar uma foto de “corpo inteiro” às torres.

O povo da Malásia respondeu com curiosidade à presença do navio e nos dias em que estivemos abertos a visitas, recebemos diversos grupos organizados, no-meadamente de universidades e associações locais. A chegada ao terminal de um paquete de luxo da carreira Singapura-Malásia tam-bém permitiu recolher alguns olhares e vi-sitas extra.

Num dos dias no porto o Comendador Eu-génio da Luz Campos, Cônsul Honorário de Portugal na Malásia, surgiu no cais com a me-nina dos seus olhos, e ex-libris da sua colec-

ção de automóveis antigos. O seu Mercedes K500 de 1936, único no mundo, vinha com a sua pintura vermelha bem polida para uma sessão de fotografias junto à “Sagres”. As duas peças da engenharia de construção germâni-ca da década de trinta pousaram para as ob-jectivas, eternizando a sua existência em al-gumas interessantes fotos. O carro, quase tão fabuloso como o navio, foi mandado construir por Hitler para oferecer a um herói da aviação

alemã. Depois de várias vicissitudes teve um acidente e estava muito danificado na Austrá-lia, onde o Comendador o foi descobrir. De-pois de ter de mandar vir um engenheiro da Mercedes para vir autenticar a viatura porque não acreditavam que fosse original, esta foi re-parada na Alemanha ao longo de três anos, estando agora impecável.

A largada de Kelang decorreu serenamente, bem como a navegação na porção norte do estreito de Malaca. A navegação nesta região

do globo, reconhecida por diversos ataques de pirataria, obrigou a uma atenção especial da equipa de defesa do navio. O seu traba-lho incessante de vigilância permitiu uma passagem segura e calma nestas conturba-das águas, aqui e ali perturbada, pela curio-sidade das pequenas embarcações de pesca e recreio que sempre gostam de se aproximar e fotografar o navio.

A chegada ao Oceano Índico foi relem-brada, por um lado, por marcar mais um passo significativo a caminho do porto de Lisboa, por outro lado, pelo sorteio para o Campeonato de Fute-bol de Convés do Índico, competi-ção que promete animar as tardes do poço e preencher as enxárcias de ou-tras classes que não os da manobra.

A monção está a mudar e ainda se sente forte de sudoeste. Com a ajuda de uma depressão cavada que nos al-cançou, soprou forte e carregou chu-va. Tal facto foi responsável por al-guns dias cinzento e mal-humorados, o que se reflecte imediatamente no quotidiano da guarnição, que apa-rece menos nos exteriores. Os dias mais secos foram oportunamente di-rigidos para a reparação das madei-ras do navio, mais um ciclo intenso de lixa, pó e vernizes que espelha o esforço hercúleo destes marinheiros em conservar o seu navio.

Este último mês primou pela diplo-macia naval e pela promoção das re-lações internacionais de Portugal. Na visita a estes três países do sudoeste asiático os números são considerá-veis, tendo-se realizado: três almo-ços de retribuição de cumprimentos, quatro recepções a bordo do navio e contabilizado dezenas de milhares de visitantes. Por outro lado a guar-nição participou em inúmeras acti-vidades fora do navio. Estes factos em muito contribuíram para o firmar das relações bilaterais e multi-laterais de Portugal nestes países com quem partilhamos meio século de história conjunta e para mostrar a Bandei-ra Nacional além fronteiras. Assim, deve ser realçado o esforço colectivo da guarnição que, apesar de levar já mais de nove meses de viagem e de quatro mil horas de navegação, con-tinua diariamente a manter o atavio e brilho da plataforma, e colhe os mais rasgados elogios por onde passa, e

não nega um sorriso espontâneo a cada um dos milhares de visitantes recebidos a bordo.

Com destino a Goa, à vela, prosseguimos para mais uma importante visita a uma antiga praça portuguesa, onde também esperamos encontrar muitas influências nacionais e ma-tar saudades de Portugal. Aqui passaremos quatro dias, os únicos do mês de Novembro que não serão a navegar.

(Colaboração do COMANDO DO NRP” SAGRES”)

Duas “máquinas” alemãs dos anos 30 do Séc. XX.A “Sagres” e o Mercedes K500 do Cônsul Honorário na Malásia.

Embarque dos Embaixadores de Portugal na Malásia.

Grupo folclórico da comunidade luso-asiática de Malaca actuan-do a bordo.

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24 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

ACADEMIA DE MARINHA

Tendo como mote as comemorações dos cinquenta anos do Instituto Hidrográfico (IH), realizou-se na Academia de Marinha, nos passados meses de Setembro e Outubro, o

ciclo de conferências “A Investigação Científica no Espaço Marí-timo Português: diferentes perspectivas”. A estrutura deste ciclo passava por ouvir representantes de três pilares fundamentais na investigação científica do Mar em Portugal: As Universidades, os Laboratórios Associados e os Laboratórios do Estado.

O orador de 28 de Setembro foi o Professor Doutor Ricardo Ser-rão Santos, Director do Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores, com a conferência intitulada “Universidade dos Açores: onde as Ciências do Mar se aprofun-dam”. Nela foi inicialmente referenciada a motivação do DOP para a investigação científica do Mar profundo, num contexto eu-ropeu e especial-mente no Nordes-te Atlântico, onde se dá prioridade ao desenvolvi-mento e aplicação do conhecimento científico na con-servação da vida marinha e no uso sustentável dos recursos vivos, numa perspecti-va ecossistémica. Com cerca de 120 pessoas, sendo apenas 30% per-manentes, o DOP tem desenvolvido relevante actividade, tendo sido destacada a instalação do LabHorta – jaulas profundas acusticamente recu-peráveis e câmaras hiperbáricas para estudos “in vivo” de orga-nismos hidrotermais, bem como do CoralLab – sistema para o estudo experimental e “in vivo” de corais frios de profundida-de. O mapeamento de habitats e biodiversidade e a gestão de ecossistemas prioritários é uma das linhas de força do DOP, que tem ainda participado na elaboração de planos de gestão para quatro sítios do mar profundo: “Menez Gwen”, “Lucky Strike”, “Rainbow” (hidrotermais) e “Sedlo” (monte submarino). O DOP dispõe do navio “Arquipélago” para as suas actividades, sendo presentemente uma universidade de classe internacional no que respeita ao estudo das fontes hidrotermais.

Em 6 de Outubro ocorreu a intervenção do Professor Catedrá-tico João Coimbra, Presidente do Laboratório Associado CIMAR (Centro de Investigação Marinha e Ambiental), com a conferên-cia intitulada “CIMAR – Laboratório Associado: procura do co-nhecimento e da sustentabilidade do Oceano”. Começando por referir que o CIMAR possuía mais de 400 colaboradores, sendo metade deles doutorados, salientou que as principais linhas de investigação do CIMAR passavam pela conservação e gestão de ecossistemas aquáticos e pela aquacultura e biotecnologia ma-rinha. Foi focada, com ênfase, a aposta na divulgação científi-ca, especialmente junto das comunidades do norte de Portugal, bem como a participação em redes temáticas europeias no âmbi-to da biodiversidade marinha e costeira. O apoio a políticas pú-blicas também mereceu especial referência, com a participação no “cluster” do conhecimento e da economia do Mar “Oceanos

XXI”. Foram então dados exemplos de quatro projectos científicos de dimensão em que o CIMAR participa, nomeadamente o AR-COPOL (Prevenção e Resposta à Poluição Costeira nas Regiões Atlânticas), o SEACASE (Aquacultura Costeira Sustentada Ex-tensiva e Semi-intensiva, no Sul da Europa), o BIOMARES (Pre-servação da Biodiversidade no Parque Natural da Arrábida) e o RAIA (Observatório Oceânico da Margem Ibérica), este último também com a participação do IH.

Finalmente, a 12 de Outubro, o IH, simultaneamente órgão da Marinha e Laboratório do Estado, fez-se representar pelo seu Director Técnico, Capitão-de-mar-e-guerra Engenheiro Hi-drógrafo Carlos Ventura Soares, com a conferência “Instituto Hidrográfico: o conhecimento do Mar no Oceano de amanhã”. Mencionou inicialmente que, para além das responsabilidades

nacionais asso-ciadas à seguran-ça da navegação (cartografia náu-tica, publicações náuticas, Avisos aos Navegantes e serviço de Avisos à Navegação), o IH mantém um conjunto de acti-vidades relacio-nadas com o co-nhecimento do ambiente mari-nho, que podem ser segmentadas na caracterização

ambiental de base e climatologia (ex: cartas de sedimentos su-perficiais da plataforma continental), na sua monitorização (re-des de observação permanente de marégrafos, bóias ondógra-fo, bóias multiparâmetro e meteorologia costeira), na previsão operacional dos processos (com modelação de correntes, ondas e marés) e na investigação científica aplicada (ex: processos cos-teiros em canhões submarinos). Foi referida a participação do IH em cerca de cinquenta projectos de investigação científica nos últimos vinte anos. Estes projectos beneficiaram largamen-te do desenvolvimento conjunto de todas as áreas acima refe-ridas, com frequente multidisciplinaridade na abordagem dos problemas. O facto do IH se enquadrar na Marinha, permite-lhe também obter significativos benefícios na gestão dos recursos humanos e materiais, podendo, por exemplo, tirar especial par-tido dos navios hidrográficos existentes para as suas missões. No sentido de exemplificar as grandes linhas de acção em de-senvolvimento no IH, foram seguidamente detalhados quatro projectos estruturantes: o MONIZEE (monitorização ambiental), o Observatório da Nazaré, o Apoio à Exploração de Recursos e o IDAMAR (infraestrutura de dados do ambiente marinho).

Nas conferências apresentadas, o Almirante Vieira Matias, Pre-sidente da Academia de Marinha, salientou o crescente papel da investigação científica no conhecimento do Mar, congratulando--se com a capacidade demonstrada pelas entidades Portuguesas, participantes neste ciclo, no reforço dessa investigação.

Carlos Ventura SoaresCMG

“A Investigação Científica no Espaço Marítimo Português: diferentes perspectivas”

Oradores do ciclo de conferências: Professores Ricardo Serrão Santos (DOP), João Coimbra (CIMAR) e Comandante Ventura Soares (IH).

“A Investigação Científica no Espaço Marítimo Português: diferentes perspectivas”

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 25

Ao longo dos séculos, as ondas gigan-tes1, com alturas que podem atingir os 26 metros ou mais - altura equi-

valente, em média, a um prédio de 10 an-dares -, foram sempre consideradas, como mais um dos muitos mitos marítimos, fru-to da imaginação dos marinheiros. Estes, por seu lado, quando sobreviviam às mes-mas, referiam-se a estas como sendo uma coisa assustadora e descreviam-nas como autênticas “paredes de água” ou “buracos no mar” (devido à profundidade da cava de uma onda deste género), que apa-reciam sem qualquer pré-avi-so e por vezes em condições de mar razoáveis.

Apesar de envoltas sempre num certo cepticismo, hoje em dia, já são comummente aceites e acredita-se mesmo que a sua ocorrência é mui-to superior ao que se poderia inicialmente imaginar; per-manecem, no entanto, como um fenómeno natural extre-mamente imprevisível. A sua existência tem sido confirma-da pelos registos dos instru-mentos científicos instalados em várias plataformas petrolí-feras, nomeadamente no Mar do Norte, onde têm ficado registadas, ao longo dos últi-mos anos, centenas de ocor-rências deste tipo de ondas, o que não deixa de ser surpre-endente. Estas ondas ocorrem normalmente em mar aberto e atingem uma altura3 que che-ga a ser superior ao dobro da altura significativa4 das ondas nesse local.

Normalmente, no cálculo da probabilidade da altura das ondas é utilizada a distribui-ção de Raleigh. Com base nessa e consi-derando que uma onda gigante poderá ter duas vezes a altura significativa das ondas num determinado local e mediante alguns pressupostos, segundo Massel (1996), a probabilidade dela ocorrer é de aproxi-madamente 1 em cada 3.000 ondas, e se se considerar que essa onda poderá ter no máximo, conforme considera Sand et al. (1990), o triplo da altura significativa das ondas no local, temos então que a proba-bilidade dela ocorrer é de 1 em 67.000.000 de ondas. Os vários modelos actualmente utilizados no estudo deste tipo de ondas, ainda estão numa fase muito embrionária, para se poder prever e entender melhor este fenómeno, no entanto, já é praticamente

dado como certo, que factores como a di-recção e velocidade do vento, a pressão atmosférica, a batimetria e a direcção e velocidade da corrente acabam por con-tribuir de forma decisiva para a formação deste tipo de ondas.

Estas grandes massas de água espontâne-as, de elevado potencial devastador, amea-çam tudo o que anda no mar, desde navios de pequenas dimensões até aos superpetro-

leiros, passando pelas plataformas petrolí-feras. São de facto estas últimas quem mais tem contribuído para desmistificar este tipo de ondas, devido à sua permanente presen-ça no mar, e ainda devido ao facto de es-tarem equipadas com instrumentos cientí-ficos que lhes permitem registar as alturas de muitas destas ondas gigantes.

Desde há algum tempo a esta parte, que este tipo de ondas tem vindo a preocupar a indústria da construção naval, no que respeita à segurança, face à possibilidade real de um impacte duma onda deste géne-ro com um navio ou com uma plataforma petrolífera, atendendo a que estes meios normalmente são projectados para supor-tar ondas de dimensões menores que estas.

COMO SE PODERÃO FORMAR ESTAS ONDAS

Este tipo de ondas ocorre em águas de qual-quer profundidade, em pleno oceano ou junto a costa, com a existência ou não de correntes fortes, com condições razoáveis ou adversas de mar, ou seja, não são ondas que sigam sempre um determinado padrão. No entanto, apresen-tam com regularidade as seguintes característi-

cas: são raras, são um fenómeno de curta duração, são solitárias ou aparecem em pequenos gru-pos, a sua altura não é linear ao longo da onda e a sua superfície frontal é quase plana.

Considera-se como provável que a formação destas ondas gigantes esteja associada, entre outras possibilidades, a uma das seguintes situações:

- Interacção das ondas com fortes correntes marítimas, ou seja, as correntes, quando con-trárias à direcção de propagação das ondas, interagem com estas, diminuindo-lhes o seu compri-mento, dando assim origem a uma combinação de várias on-das, o que provoca o empilha-mento destas, fazendo com que o seu tamanho se multiplique;

- Interacção de diferentes on-das com características similares. Nesta situação, temos ondas de diferentes tipos, mas com ca-racterísticas muito semelhantes, como sejam o seu comprimento e a sua força, logo o somatório consolidado das suas energias dá origem a uma onda ainda maior.

UM DOS LOCAIS MAIS PROPENSOS À SUA OCORRÊNCIA

Dos vários estudos efectuados sobre este tipo de ondas, já se conseguiram arranjar al-guns padrões, sendo de salientar que estas, por exemplo, tendem a ocorrer em locais onde as ondas, que se deslocam numa de-terminada direcção, se encontram com fortes correntes oceânicas de direcção contrária; a força da corrente acaba por concentrar a ener-gia de algumas ondas, dando assim origem a ondas ainda maiores.

Existem alguns lugares que já foram iden-tificados como propensos para a ocorrência deste tipo de fenómeno, no entanto há um que se destaca de todos os outros e que é a região do Cabo Agullas, a sudeste da costa da África do Sul. Muitos consideram que é nessa zona que se dá a transição do Oceano Atlân-

Ondas gigantes com mais de 26 metros de alturaDo mito à realidade

Ondas gigantes com mais de 26 metros de altura

“Parede de água” no Golfo da Biscaia, em 1993 (Foto: NOAA).

Paquete “Balmoral” a sofrer o impacto de uma onda gigante.

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tico para o Oceano Índico, reunindo-se aí um conjunto de condições propensas à criação de ondas gigantes, como sejam, a existência quase em permanência de ventos fortes e a presença de duas correntes com águas de di-ferentes densidades, uma fria, a circumpolar Antárctica, e a outra quente, a de Agullas. As águas da primeira, na sua vinda à superfície, estão permanentemente em colisão com as da segunda, o que associado aos ventos fortes que aí se fazem sentir, contra a corrente de Agullas, cria condi-ções de mar bastante adversas, que ainda se agravam mais de-vido às águas neste local serem pouco profundas.

EM BUSCA DA VERDADENo final do ano 2000, a

União Europeia deu início a um projecto científico de nome MaxWave. Este, tinha como finalidade identificar ondas gigantes nos oceanos, com o objectivo principal de as estudar por forma a deter-minar a sua ocorrência. Até então, a única informação dis-ponível era a proveniente dos instrumentos científicos insta-lados nas várias plataformas petrolíferas. Este estudo pro-curava então reunir o máximo de informação por forma a tor-nar possível prever as implica-ções deste tipo de ondas, tanto nos navios como nas platafor-mas petrolíferas, e desta forma permitir a adopção de novos critérios na construção destes meios. Foram então utilizados neste projecto, para a recolha de imagens do oceano, dois satélites de ra-dar ERS (European Remote-Sensing Satelli-tes) gémeos, desenvolvidos pela Agência Es-pacial Europeia, que tinham sido lançados em 1991 e 1995, e que possuíam ambos um Radar de Abertura Sintética. A utiliza-ção destes satélites veio permitir a aquisição de milhares de imagens em miniatura, de

10 x 5 Km2 cada, da superfície do mar. Em 2001, durante um período de 3 semanas, foram capturadas cerca de 30.000 imagens pelos 2 satélites. Estas, depois de transfor-madas matematicamente em espectros de ondas oceânicas, permitiram fazer uma ava-liação individual da altura das ondas, sendo desta forma possível analisar de forma mais

detalhada as tão desejadas ondas gigantes. Através das imagens já processadas, foram identificadas em diferentes locais do globo, 10 ondas deste tipo, todas acima dos 25m, sendo que algumas delas chegavam perto dos 30 metros de altura. Desfeito o mito, e comprovada a sua real existência, o desafio seguinte passou a ser a sua previsão.

As imagens obtidas, para além do fim a que se destinavam, também se revestiram de gran-de interesse para outros estudos, pelo facto de terem permitido identificar blocos de gelo flutuantes, manchas de petróleo e até mesmo navios. Devido às suas características, estes satélites permitiram a recolha permanente de boas imagens de radar, porque não estavam

sujeitos a qualquer condiciona-lismo, ou seja, conseguiam cap-turar as imagens independente-mente da existência de nuvens, de estar de noite ou mesmo de existir uma tempestade no local da recolha.

A MAIS ALTA ONDA MEDIDA DIRECTAMENTE

A onda mais alta de sempre, de que há registo, foi a avis-tada pelo Tenente Frederick Marggraf f, oficial de quarto do navio tanque USS “Ramapo”, da Marinha dos EUA, quando navegava no Oceano Pacífi-co, de Manila para São Diego, em 7 de Fevereiro de 1933, no meio duma forte tempestade, com ventos que chegavam a atingir os 68 nós e que perdu-ravam há já vários dias. A on-dulação só tinha uma direcção e as condições para a observar eram muito boas. Tendo como base os 146m de comprimento do navio, este oficial conseguiu estimar que os comprimentos de onda, das ondas que se en-contravam ao redor do navio, se situavam entre os 300m e os 450m. Com a ajuda de um cronómetro conseguiu ainda estimar que o período médio

das ondas era de cerca de 14,8 segundos. Na ponte do navio, quando este oficial olhava na direcção da popa, com esta na cava da onda, conseguia alinhar, na sua linha de visão, o cesto da gávea com a crista da onda, quando ambos se colocavam simultaneamente em li-nha com o horizonte, conseguindo assim uma linha de visão praticamente horizontal (ver fi-

26 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Como foi medida a maior onda avistada até hoje (Imagem do livro Essentials of Oceanography)

Onda gigante em aproximação ao M/V Michelangelo (Foto: Korshak).

M/V Wilstar - Resultado da colisão com uma onda gigante.

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 27

gura). A altura das ondas foi então calculada tendo em conta os planos do navio e a geo-metria da situação. Com este tipo de cálculo conseguiu medir a maior onda de que há re-gisto e que foi de cerca de 34m.

ALGUNS ACIDENTES CAUSADOS POR ESTE TIPO DE ONDAS

Quem se dedicar um pouco à pesquisa da história da navegação, facilmente encontra registos de navios que se afundaram e cujas causas são, até hoje, desconhecidas. Prova-velmente, não será de todo utópico consi-derar que alguns deles se tenham afundado devido ao facto de se terem cruzado com ondas gigantes. Um desses possíveis casos já remonta ao século XVI, e diz respeito ao navio de guerra britânico Mary Rose, construí-do entre 1509 e 1511, que se afundou misteriosamente em 19 de Julho de 1545.

Alguns registos dão-nos conta da possibilidade de, só no Ocea-no Índico, até 1952, terem exis-tido pelo menos 12 navios que foram atingidos por este tipo de ondas, sendo que a maioria des-ses incidentes ocorreram na zona do Cabo Agullas (o lugar mais a sul do continente africano). No período de 1969 a 1994, admite--se como provável, que 22 navios de grande porte, com compri-mento superior a 200m, se afun-daram também devido a estas, nos Oceanos Pacífico e Atlântico, causando 525 mortos. Considera--se que estas ondas podem ainda ter sido responsáveis, nos últimos anos, pelo afundamento de deze-nas de outros navios, entre super-petroleiros e porta-contentores, que se afundaram sem uma ex-plicação plausível. De seguida relatam-se algumas das situações em que as ondas gigantes deixa-ram a sua marca.

- M/V5 Michelangelo (12 de Abril de 1966)Este paquete italiano, de 275,5m de com-

primento e 31,2m de boca, quando navega-va rumo a Nova Iorque foi atingido por uma onda de cerca de 21m de altura, que embateu na zona da ponte e dos camarotes de 1ª classe. Na sequência deste acidente faleceram 2 pas-sageiros e 1 elemento da tripulação.

- M/V Wilstar (17 de Maio de 1974)O navio tanque norueguês foi atingido por

uma onda gigante a sudeste da costa Sul Afri-cana, na zona do Banco Agullas. A proa do na-vio ficou no estado em que se vê na imagem.

- M/V Stolt Surf (20 de Outubro de 1977)Este navio tanque de transporte de quími-

cos foi apanhado por um furacão enquanto

navegava no Oceano Pacífico, de Singapu-ra para Portland, na costa oeste dos EUA. O fotógrafo dinamarquês Karsten Peterson en-contrava-se a bordo deste, tirando algumas fotografias à tempestade, quando uma onda gigante atingiu o navio. Ele encontrava-se na ponte, 22m acima do nível do mar, e afirmou ter tido que olhar para cima para ver o topo da onda que se aproximava. Este estimou que a onda deveria ter cerca de 30m de altura.

- A plataforma petrolífera Draupner (1 de Janeiro de 1995)

Esta plataforma instalada no Mar do Norte, ao largo da Noruega, foi atingida por uma onda

de 26m de altura, com uma crista que se situou nos 18,5m de altura, em relação ao nível mé-dio do mar, segundo o registo dos instrumen-tos científicos instalados a bordo desta plata-forma. Salienta-se o facto, no mínimo curioso, das ondas maiores à sua volta se situarem nos 12m de altura significativa, o que teoricamente nunca deveria ter dado origem a uma onda tão grande. Uma onda deste tamanho só deveria ser espectável com ondas de 13m a 14m de altura significativa.

- M/V Voyager (14 de Fevereiro de 2005)Este navio de cruzeiro, actualmente com o

nome M/V Grand Voyager, navegava no Me-diterrâneo, de Tunis para Barcelona, quando a cerca de 60 milhas náuticas da Ilha de Mi-norca, nas Baleares - Espanha, foi atingido por

uma onda de 15m de altura. Esta onda em-bateu na área da ponte, danificando diverso equipamento electrónico e causando-lhe uma falha na propulsão.

- M/V Queen Elizabeth II (11 de Setem-bro de 1995)

Este paquete britânico, de 293,5m de com-primento e 32m de boca, encontrava-se a nave-gar no Atlântico Norte, de Cherbourg na França, para Nova Iorque, em condições adversas de mar, devido à existência dum furacão na região, quando, segundo os relatos do comandante e de outro pessoal de bordo, que se encontravam na ponte do navio, uma onda gigante com cerca de

29m de altura, que mais se asse-melhava a uma parede de água, terá embatido no navio. A altura média das ondas no local era de cerca de 12m.

ALGUNS FILMES DE ONDAS GIGANTES, DISPONÍVEIS NO YOUTUBE EM 23OUT10

Para os mais interessados nes-te assunto recomendo vivamente que visualizem, no Youtube, al-guns dos filmes que a seguir in-dico os links (sugiro que o façam a partir deste artigo na edição on--line da Revista da Armada, para aproveitarem os links abaixo):

http://www.youtube.com/watch?v=K_JOBOvJEOg

http://www.youtube. com/watch?v=0JW_kKP7alw&fea ture=fvw

http://www.youtube.com/watch?v=nvtwo2ugwU8&fea ture=fvst

http://www.youtube.com/ watch?v=l_8hOai9hGQ&feature=related

http://www.youtube.com/ watch?v=XEOWcVBZd9w&feature=related

Henrique Peyroteo Portela Guedes

CFR

DedicatóriaDedico este artigo ao CALM Roque Martins, Director

da Revista da Armada, como forma de expressar publi-camente o meu sincero e inequívoco agradecimento, pela sua permanente disponibilidade, apoio e receptivi-dade a todos os meus artigos ao longo dos últimos anos.

Notas1 Designadas em inglês por Rogue waves, Freak

waves, Giant waves, Extreme waves, Killer waves ou Monster waves.

2 NOAA – National Oceanic and Atmosferic Admi-nistration.

3 A altura da onda é a distância medida na vertical en-tre o topo de uma crista (o ponto mais elevado da onda) e o fundo de uma cava (depressão entre duas cristas).

4 A altura significativa das ondas representa a média das alturas, do terço superior, de todas as ondas ana-lisadas durante um determinado período de tempo.

5 M/V – Merchant Vessel.

Onda gigante em aproximação ao M/V Stolt Surf (Foto: Peterson).

M/V Voyager após ter sido atingido por uma onda de 15m.

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28 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

Sob a presidência do Almirante Melo Gomes, Chefe do Estado-Maior da Ar-mada, realizou-se, no passado dia 27 de

Outubro, o lançamento do livro “MARINHA PORTUGUESA” – Nove Séculos de História, da autoria do CMG Rodrigues Pereira.

Estiveram presentes, no Pavilhão das Galeo-tas do Museu de Marinha, cerca de 170 convi-dados, de que destacamos: General Ramalho Eanes; Dr. Marcos Perestrello, Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar; General Pinto Ramalho, Chefe do Estado-Maior do Exército; General Luís Araújo, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea; Almirante Vidal Abreu; Prof. Doutor Adriano Moreira, Presidente da Academia das Ciências; Dr. Rui Vilar, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian; General Sousa Pinto, Presidente da Comissão Por-tuguesa de História Militar e Prof. Doutor Contente Domingues, Vice-Presidente da Academia de Marinha.

A cerimónia teve início com as palavras de boas-vindas do Almirante CEMA a que se seguiu a intervenção do VALM Vilas Boas Tavares, Director da Comissão Cultu-ral da Marinha, editora do livro. Nesta in-tervenção foi feita uma breve biografia do autor, referindo a sua já longa actividade de investigação, bem como dos seus mais recentes trabalhos: “Campanhas Navais 1793-1823” (2 vol. – Tribuna da História, 2004) e “Grandes Batalhas Navais Portugue-sas” (Esfera dos Livros, 2009).

Após a apresentação da obra pela Prof.ª Doutora Manuela Mendonça, Presidente da Academia Portuguesa de História, o autor disse que este seu trabalho teve origem num desafio lançado em 2003 pelo Almirante Vidal Abreu, então CEMA, para que a Marinha pu-desse dispôr de uma publicação que reunisse não só os mais importantes eventos da sua história, mas também cons-tituísse um livro de representação que pudesse ser utilizado como oferta institucional. Tal desiderato impu-nha a necessidade de uma versão em língua inglesa cuja tradução fi-caria a cargo do Dr. Manuel Leitã o, entretanto falecido. Foi nesse senti-do que se preparou um texto rigo-rosamente histórico, acessível a um largo leque de leitores e dotado de uma pormenorizada iconografia, de modo a tornar o conjunto de agradável lei-tura e visualmente atraente.

O CMG Rodrigues Pereira salientou igual-mente os pontos fundamentais do seu traba-lho que demorou cerca de 7 anos a elaborar e a seguir são referidos.

Assim, a História da Marinha, de quase nove séculos, apresentada, julga-se pela pri-meira vez de forma concisa, que inclui tam-bém as suas importantes vertentes de co-

mércio marítimo e de pesca industrial é uma História de Portugal vista do mar porque não é possível dissociar o Mar dos acontecimentos fundamentais da História de Portugal.

Ao longo da sua história, Portugal mante-ve sempre uma ligação estreita com o mar e as actividades nele desenvolvidas, que foram fundamentais para a criação da sua identida-de como Nação.

A acção dos meios navais portugueses é re-ferida documentalmente, pela primeira vez, em 1121 e logo a seguir, em 1147, durante o cerco que antecedeu a conquista de Lisboa.

O comércio marítimo com a Europa inicia--se no século XII com a fundação da feitoria em Bruges, na Flandres, logo seguida pelo acordo comercial com o Rei de Inglaterra no século seguinte.

Foi a Marinha que permitiu a vitória do Mestre de Avis durante o cerco de Lisboa em 1384, ao furar o bloqueio castelhano reabaste-cendo a cidade cercada. Segundo o Almiran-te Jaime Afreixo é esta esquadra que consente ao Mestre de Avis ir a Aljubarrota.

D. João II simboliza a vocação atlântica e universalista portuguesa desenvolvendo as navegações no Atlântico Sul e atingindo-se o Oceano Índico naquela que poderemos con-

siderar a última viagem de descobrimento; em si-multâneo e sob a orientação régia, estabelecia--se e organizava-se o comércio com os novos territórios descobertos; São Jorge da Mina foi o primeiro entreposto europeu na designada África subsaariana.

A chegada dos navios portugueses à Ín-dia pela rota do Cabo da Boa Esperança, e a criação da primeira rota marítima transoceâ-

nica, levou o historiador Arnold Toynbee a dividir a história mundial nos períodos pré-Gâmico e pós-Gâmico. Também o econo-mista político inglês Adam Smith escreveu no século XVIII que a descoberta da América e da passagem para as Índias Orientais, pelo Cabo da Boa Esperança, são os dois maiores acontecimentos de que há notícia na História da Humanidade.

Estas acções marítimas contribuíram para o desenvolvimento das ciências náu-ticas com a consequente construção de na-vios cada vez mais resistentes e de maior autonomia, para o incremento da Arte de Navegar, criando métodos de navegação astronómica e ainda para a necessidade de desenhar as cartas dos novos territó-rios, levando ao surgimento da Escola de Cartografia Portuguesa.

A reprodução da carta anónima desi-gnada como de Cantino, datada de Setem-bro de 1502 e representando o expoente dos conhecimentos portugueses do início

do século XVI, tem lugar de realce no livro agora publicado.

Um pequeno país só pode ser uma grande po-tência enquanto dominar uma ciência ou uma tec-nologia; Portugal desenvolveu-se e criou o seu Império enquanto manteve a exclusividade da ciência náutica que permitia o monopólio das viagens transoceânicas.

Os séculos XVII e XVIII assistiram à pro-gressiva diminuição da impor-tância de Portugal como Potência Marítima, com a perda da hege-monia do comércio do Oriente e parte significativa dos seus territó-rios naquela região; mas uma po-lítica de alianças estrategicamente delineada, conseguiu manter os acessos às rotas marítimas que lhe eram vitais e o Império Português, que foi o primeiro a nascer, seria o último a desaparecer, já no último quartel do século XX.

No final do século XVIII, a acção conjugada dos Secretários de Estado Martinho de Melo e Castro e D. Rodrigo de Sousa Coutinho atraiu sobre o nosso país, entretanto elevado a Potência Marítima europeia, as cobiças das duas grandes potências da época, há muito envolvidas em sucessivos conflitos à escala mundial: a Inglaterra e a França.

A Armada Real e a Marinha de Comércio foram então chamadas a realizar uma opera-

“MARINHA PORTUGUESA”Nove Séculos de História

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 29

ção inédita, mas há muito planeada, a transfe-rência do Rei e da Corte para o Brasil, perante a invasão franco-espanhola. Foi esta estratégi-ca operação que permitiu manter, mais uma vez, a independência nacional.

O século XIX traria a perda de nova e im-portante parcela territorial; em 1822 o Brasil separou-se da Coroa portuguesa. Seriam a Armada Real e a Marinha de Comércio que garantiriam o regresso a Portugal das forças militares, estacionadas no Bra-sil, que se mantiveram fiéis ao monar-ca português.

O último quartel do século XIX obrigou a Armada a novos esforços; por um lado adaptar-se à evolução tecnológica que a propulsão a vapor e a modernização da artilharia obri-garam; por outro, apesar dos proble-mas financeiros que dificultavam a aquisição de novos meios, desenvol-ver uma importante acção de presen-ça naval nos territórios africanos, bem como de combate ao tráfico de escravos, entretanto proibido em Portugal.

Representou, nesta época, o maior contin-gente militar em África, onde se mantinham dois terços dos seus efectivos e a quase tota-lidade dos meios operacionais.

Na Grande Guerra coube-lhe, logo no início do conflito, a escolta dos transportes de tro-pas que reforçaram o dispositivo militar dos territórios africanos, onde cedo surgiram inci-dentes fronteiriços com os alemães. Este trans-porte foi efectuado exclusivamente por navios da Marinha de Comércio portuguesa.

Foi ainda a Armada que procedeu à requisição e posterior aprontamento para operação dos navios mercantes alemães e austríacos estacionados em portos nacionais. No esforço de guer-ra tiveram também papel de relevo as tripulações dos navios de comér-cio e de pesca que, apesar dos perigos, mantiveram a sua actividade, incluin-do a pesca longínqua na Terra Nova.

A Segunda Guerra Mundial, onde Portugal manteria a neutralidade, en-controu a Armada dotada com os modernos navios do Programa Naval de 1930, mas em número escasso para acudir às necessidades do imenso espaço marítimo dos territórios sob administração portuguesa. A Marinha de Comércio, por seu lado, dispondo de to-nelagem escassa para as necessidades do país, conseguiu, com notável esforço, manter o país minimamente abastecido.

A ocupação de Timor, primeiro por forças australianas e holandesas e depois por japo-nesas, foi bem o exemplo dessa escassez de meios navais e militares que justificaram a in-tervenção das potências beligerantes.

No final da guerra, Portugal assumiu duas importantes responsabilidades internacio-nais, cabendo maioritariamente à Armada a sua execução. Foram elas a integração e participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte e as responsabilidades por vastas áreas de busca e salvamento no mar,

que obrigaram a dispor, permanentemente, de navios de guerra prontos a acudir a qual-quer acidente aéreo ou marítimo, situação que ainda se mantém.

Os acontecimentos surgidos na década de 1960 nos territórios ultramarinos, levaram mais uma vez a Armada a mobilizar os seus meios e a equipar-se para este novo tipo de conflito; adquiriram-se navios apropriados

para actuar em águas interiores e recriou-se o Corpo de Fuzileiros. Também à Marinha de Comércio seria exigido um esforço de adap-tação de navios a transporte de tropas bem como à manutenção de uma importante li-nha logística que permitiu abastecer as for-ças distribuídas por três frentes de combate.

As Marinhas de Comércio e de Pesca Lon-gínqua têm neste período um grande cresci-mento através de acções de fomento ao seu desenvolvimento.

A década de 1980 viu aumentar a área de responsabilidade da Marinha; o alargamento

do Mar Territorial para 12 milhas e a criação da Zona Económica Exclusiva, acrescentou de modo abrupto a área sob jurisdição por-tuguesa cuja fiscalização é, maioritariamente, da responsabilidade da Marinha.

A entrada no século XXI encontrou a Ma-rinha numa fase de reequipamento necessá-rio para o desempenho das suas missões de

carácter militar e de serviço público, isto é, de duplo uso. O projecto de extensão da pla-taforma continental tornará ainda maior a já extensa área de actuação da Marinha.

Numa obra desta natureza, declarou o au-tor, é sempre difícil conseguir um equilíbrio entre várias e diferenciadas épocas onde o Po-der Marítimo português apresentou valores e conceitos completamente diferentes.

Não se podem comparar, por exemplo, nos meios envolvidos e nas suas consequências, a Batalha N aval de Diu travada em 1509, entre a e squadra portuguesa do Vice-Rei D. Francisco de Almeida e a esqua-dra aliada de egípcios e guzerates co-mandados pelo Emir Hussein e Malik Aziz, por um lado, e o combate naval do patrulha de alto-mar “Augusto de Castilho” com o submarino alemão “U-139”, em 1918, por outro; no en-tanto, cada um deles foi, no seu tem-

po, uma importante participação da Marinha nos conflitos em que, em cada uma dessas épocas, Portugal estava envolvido.

É o próprio autor que afirmou: “Entendo portanto, mesmo depois de revisto e

reformulado o trabalho, que há períodos da nossa História que talvez requeressem uma maior aten-ção do que a que lhe foi dada neste livro.

Deles destacou:- O período correspondente ao reinado de

D. João III (1521-1557), onde as acções dos por-tugueses no Índico e no Atlântico Norte talvez pudessem ter um maior desenvolvimento do que

aquele que lhe foi dado.- O Período da Guerra da Restauração

(1640 -1668), descrevendo com maior de-talhe a acção da Marinha nas lutas con-tra os holandeses no Oriente e no Brasil.

- A segunda metade do Século XIX (1851-1910), assinalando não apenas a evolução do material naval (navios e ar-mas) como as profundas evoluções das instituições que tutelavam a Marinha, desde a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos até ao Ministério da Marinha e Ultramar.

- A gerência do Ministro, Comandante Pereira da Silva, no segundo quartel do Século XX (1924--1926), um período de importantes reformas na o rganização da Marinha, das suas infra-estruturas e dos seus meios de instrução e formação”.

Posteriormente à apresentação da obra, em carta que dirigiu ao CMG Rodrigues Pereira, o Prof. Doutor Adriano Moreira afirma que … é um trabalho monumental que a nação lhe deve agradecer nesta data de crise de conceito estraté-gico e pobre de identidade nacional.

A Marinha dispõe agora de um trabalho que nos elucida sobre o seu passado, e que pode servir de divulgação dos excepcionais serviços que, ao longo de quase nove sécu-los, prestou ao país, honrando o lema que o ministro José da Silva Mendes Leal man-dou colocar em 1863, em todos os navios da A rmada Portuguesa.“A PÁTRIA HONRAI QUE A PÁTRIA VOS CONTEMPLA”

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 31

“Estabelecer condição geral 21, Faina Geral de Mastros”. Foi com este aviso, ao ETO do NTM

“Creoula”, que 33 jovens com idades com-preendidas entre 16 e 24 anos estudantes da Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espectáculo, mais conhecida por Chapitô, tiveram o seu primeiro contacto com o mar. Para quase a totalidade destes jovens, esta é a sua primeira experiência de embarque. É Segunda-feira dia 4 de Outubro de 2010. Durante todo o fim-de-semana anterior, ventos predominantes de su-doeste fustigaram a costa continental, potenciando uma ondulação a ultrapas-sar bem os três metros de altura. Hoje, no entanto, o vento encontra-se fraco, mas a ondulação mantém-se.

Os alunos, designados de ‘instruen-dos’ a bordo do “Creoula”, ocupam os seus postos de faina. Distribuídos pelos mastros apresentam-se aos Cabos e Ma-rinheiros que irão coordenar as suas ac-ções para levar a bom porto aquele que agora também é o seu navio. Primeiro a segurança pessoal. A sua percepção do funcionamento do aparelho é preciosa para a redução do risco. Este objectivo é conseguido ao longo da navegação pois advém bastante da experiência, mas estes acontecimentos sucederam com rapidez. Este sucesso poderá expli-car-se por grande parte destes instruen-dos lidarem no curso de “ofícios” com cenografia e, como tal, a manobra com cabos, aparelhos de força e cargas sus-pensas é-lhes muito familiar.

O pano começa a ser içado. Estamos a navegar a um largo. Faremos um bor-do para sudoeste para depois guinarmos em direcção a Sesimbra. Após termina-da a faina geral de mastros os instruen-dos reocupam os seus postos. Eles, à se-melhança da guarnição do navio, irão navegar num regime de quartos. Vão desempenhar cargos na cozinha e nas copas, onde irão participar na prepara-ção e confecção das refeições, e no apoio directo à sua distribuição no refeitório com posterior lavagem da palamenta. Vão tam-bém ocupar postos em funções associadas à manobra do navio: Vigia, Leme, Cabo-de--Quarto e Navegação. Neste conjunto de instruendos encontram-se também profes-sores do Chapitô. A sua liderança em rela-ção aos alunos é visível e notada nestas pri-meiras acções a bordo. Também eles jovens, prezam por incutir a disciplina e o respeito pelos demais. É que os alunos estão em pre-paração para uma vida ligada ao espectácu-lo circense, onde a disciplina, a confiança e a coordenação entre os envolvidos é crítica tal como numa guarnição em faina.

Aproximamo-nos de Sesimbra. Prepara-mos o navio para fundear e passar a noite.

Dia 6 pela tarde teremos que estar atraca-dos em Alcântara para ultimar a preparação do espectáculo a bordo denominado “The Happening”, que será a cerimónia de aber-tura do ano escolar do Chapitô, em que es-tes instruendos irão actuar.

Tempo para ainda na manhã de 5 de Ou-tubro demandar a barra do porto de Setúbal. Ali, também o aumento de exigência não é levado com estranheza por estes apren-

dizes de artistas, mas sim, também eles au-mentam o seu empenho. Ao passar no Ou-tão os tradicionais toques de sereia é que os surpreendem; inicia-se de imediato as perguntas “Porquê? Estava alguém no nos-so caminho?”, onde todos os elementos da guarnição se transformam em explicadores. Aproximamo-nos do fundeadouro cerca do Ponto de Apoio Naval de Tróia. Após a or-dem do ‘larga ferro’ o “Creoula”, em maté-ria de segundos, roda e aproa a jusante. O tempo agora é para os instruendos continua-rem os seus preparativos. Entre esses, as ac-tividades de educação física têm principal destaque. Para os acrobatas e malabaristas a condição física é raiz da sua actividade.

Após o almoço iniciamos a navegação para Lisboa, onde entramos já de noite,

após uma tarde de vela com todo o pano. O cenário nocturno e iluminado desta cidade arrebata corações. Fundeamos novamente, agora no Mar da Palha.

A manhã seguinte traz chuva consigo e a previsão para o dia 8, dia do “The Happe-ning”, é muita chuva e vento forte. Condicio-nado pela maré, o “Creoula” inicia a entrada na Doca de Alcântara à tarde. Após atracar nota-se orgulho nos instruendos do 2º e 3º

ano por terem navegado. O deslumbre pela beleza deste navio e pelo cenário que propicia é evidente entre todos. O “Creoula” é o “meu” navio, ouve-se!

Dia 8 de Outubro ao final da tarde constatam-se as previsões. O vento for-te de quadrantes de sul trouxe muita chuva. Assistimos desde que aqui che-gámos a um grupo de pessoas dedica-das e incansáveis na preparação do seu espectáculo. Tivemos o privilégio de ver os bastidores e também senti-los. Na verdade este esforço lembra também o nosso, marinheiros, quando preparamos o nosso navio para o mar. Durante estes dias assistimos a montagens de material para cenário a bordo e no cais, altera-ções, ensaios pela noite dentro originan-do poucas horas de sono seguidas por alvoradas para limpezas do navio que continuam a habitar, alterações, cance-lamentos de alguns números contidos no próprio espectáculo, alterações… Mas dizem que a fundadora e Presiden-te do Chapitô – Teresa Ricou, tem “uma estrelinha” e, à última da hora, sem avi-so prévio, o vento e a chuva deram uma pequena aberta e, numa decisão de úl-timo instante, decide levar adiante o es-pectáculo tantas vezes ensaiado. Tudo corre bem. Segue-se a abertura do ano escolar do Chapitô, onde curiosamente é distribuída uma maçã (símbolo do pe-cado original…) que depois de mordida vincula para sempre a pessoa ao projec-to. Posteriormente procedeu-se ao em-barque dos alunos do 1º ano em subs-

tituição dos que até hoje estavam a bordo. Resta ao “Creoula” navegar dia 9 e 10

com os alunos do 1º ano do Chapitô, agora também com a presença de Teresa Ricou. Que pessoa e que projecto de acção social tão extraordinários. Que orgulho sentimos em poder participar.

A despedida é sempre nostálgica e terá sido porventura a primeira vez que aqueles alunos e professores sentiram a emoção e o gosto agridoce do “destacar”. Que bom foi conhecê-los. Esperamos que o “Creoul a” te-nha contribuído para a sua formação e en-quadramento. Obrigado Chapitô, gostámos muito de os ter a bordo. Ah! A maçã era muito saborosa!

(Colaboração do COMANDO DO NTM “CREOULA”)

Chapitô à velaChapitô à vela

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Intercepção, análise de sinais e guerra electrónicaSoluções para intercepção, identificação e contra medidas electrónicas

Forças armadas, organismos governamentais e policiais com tare-fas de segurança relevantes só poderão ser bem sucedidas se os seus equipamentos técnicos estiverem ao nível dos últimos desen-volvimentos. Sobreviver no “campo de batalha digital” é apenas possível através da utilização de uma tecnologia flexível. Apenas terá de ser o mais rápido e “inteligente” ao interceptar e analisar a multitude de sinais e informações para ter sucesso na era da guerra de informação.

“SIGINT torna-se digital” é a tendência. Todos os instrumentos e sistemas da Rohde & Schwarz estão em completa sintonia com esta tendência através da utilização maciça de processadores de

dados e de sinais extremamente rápidos para o processamento digital dos sinais e da utilização de hardware e software modula-res inteligentes.

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REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2010 33

QUARTO DE FOLGA

JOGUEMOS O BRIDGEJOGUEMOS O BRIDGEProblema Nº 135

Todos vuln. S joga 4♥ após a abertura de N em 1♣, resposta se S em 1♥, rebide na-tural de N em 2♥, marcação de S em 2ST mostrando 11/12 pontos e mão balançada com defesa em ♠ e ♦, tendo N fechado em 4♥ face a estar máximo no seu rebide, ter um bom apoio e valor de corte a ♠. Como deve S jogar recebendo a saída a ♦D.

TENTE RESOLVER TAPANDO AS MÃOS DE E-W.

SOLUÇÕES: PROBLEMA Nº 135A saída permite-lhe admitir a colocação de ♦V em W, pelo que deverá aproveitar essa informação para a sua linha de jogo. Vejamos como: faz de ♦A no morto e joga ♠ para o R, não devendo E ter interesse em meter o A, pois sabe que o há-de fazer pelo leilão; joga outra ♠ e a mão irá certamente para E que vira ♦; pega de R e des-trunfa 2 vezes a acabar na mão, vendo cair o 10; joga ♠ que corta de 8 no morto, eliminando o naipe; coloca então a mão em W jogando ♦ e eliminando mais este naipe; repare que nesta posição W ficará sem defesa, pois só poderá jogar ♠ ou ♦ para corte e balda, ou virar ♣, permitindo-lhe dar apenas mais um ♣ e cumprindo o contrato. Teremos, portanto, a aplicação da técnica de carteio da “eliminação e co-locação em mão”, já apresentada em problemas anteriores.

Nunes MarquesCALM AN

Oeste (W):

D1073

107

DV93

R76

Este (E):

AV95

652

874

D98

Norte (N):

84

RDV8

A65

A1053

R62

Sul (S):

A943

R102

V42

HORIZONTAIS: 1 – Cara larga e cheia : cid. da Alemanha (Turíngea), nas margens do Elster Branco. 2 – Prezado (inv); título dos bispos maronitas (inv). 3 – Rubro na confusão; anui. 4 – Nome de satélite na confusão; árvore da Índia. 5 – Espécie de balcão (pl); som do canhão (inv). 6 – Palmeira dos sertões brasileiros. 7 – Utensí-lio em forma de ventarola, com que se activa a combustão, agitando o ar; furas na confusão. 8 – Relativo ou pertencente ao nariz; que cria ou alimenta. 9 – Velha-co (pop); vassoirar (o forno), depois de aquecido para a cozedura. 10 – É quase eira; consomem (fig). 11 – Cidade da Arábia antiga (Iémen); família que dominou a Lorena desde a Idade Média e á qual pertencia a antiga casa reinante da Áus-tria (na confusão).

VERTICAIS: 1 – Cintilantes. 2 – Presta culto a; unidade de pressão no sistema C.G.S.. 3 – Coura na confusão; carvão incandescente (inv). 4 – Substância que se extrai do âmbar-pardo (pl). 5 – Diz-se da ameixa-reino; 6-Apelido; comjunção. 7 – Filho de Jacob; réis; mil e cinquenta romanos. 8 – Cargo de camareiro. 9 – A parte mais escura do Inferno; espécie de lanceiro nos exércitos austríaco, russo e alemão. 10 – Rodear (inv); guarnecer de ameias. 11 – Que tem forma de amentilho.

SOLUÇÕES: PALAVRAS CRUZADAS Nº 418HORIZONTAIS: 1 – Caraca; Gera. 2 – Odama; Ram. 3 – Roubr; Acede. 4 – Uroan; Dabon. 5 – Sagres; Mort. 6 – Icara. 7 – Abano ; Sruaf. 8 – Nasais ; Almo. 9 – Traste; Raer. 10 – Eir; Minam. 11 – Saba; Nlaore.

VERTICAIS: 1 – Coruscantes. 2 – Adora; Baria. 3 – Rauoc; Asarb. 4 – Ambarinas. 5 –Carnecoita. 6 – Sa; Se. 7 – Gad; Rs; Ml. 8 – Camararia. 9 – Erebo ; Ulano. 10 – Rador ; Amear. 11 – Amentiforme.

Carmo Pinto1TEN REF

PALAVRAS CRUZADASProblema Nº 418

PALAVRAS CRUZADAS

123456789

1011

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

VIGIA DA HISTÓRIA 27

António Brito Freire que seguiu para a Índia, em 1744, como comandante da Nª Sª da Madre de Deus, é a personagem principal e tanto quanto é dado conhecer eventual vítima

do episódio que hoje se relata, episódio esse tão mais de realçar numa época em que quase todos sabem tudo sobre quase tudo.

No início do governo do novo Vice Rei, Conde de Assumar, cujo título foi mudado para Marquês de Alorna, em virtude da vitória alcançada na Índia na conquista de Alorna, escrevia ele em 25 de Janeiro de 1746.

“Conheço Senhor que da Marinha tenho uma ignorância total, e se o meu subalterno for igualmente ignorante que eu, nem eu saberei o que mando, nem ele saberá o que executa, e Vossa Majestade será o prejudicado, e esta razão me fez mais força que todas para enten-

der a necessidade que este Estado tem presentemente do dito Brito...Se o vedor que presidir à Fazenda não tiver experiência de

guerra não poderá dispor bem, e preparar o que for necessário para as expedições militares, e se não tiver luz e inteligência da Marinha, tudo caminhará, como até há pouco tempo para o pre-cipício. Todas estas circunstâncias encontrava na pessoa de An-tónio Brito Freire que, apesar do discómodo obriguei e violentei a ficar neste Estado servindo a Vossa majestade”.

Brito Freire só regressou ao Reino em 1752.

Com. E. GomesFonte: Arquivo Histórico Ultramarino Cod. 448

UMA QUESTÃO DE CONHECIMENTOUMA QUESTÃO DE CONHECIMENTO

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NAVALFORCES

THE PORTUGUESE NAVYl A prestigiada revista NAVAL FORCES produziu uma edição exclusivamente dedicada à Marinha Portuguesa. Com um grafismo moderno, os artigos sucedem-se de forma coerente, transmitindo a imagem global de uma Marinha m oderna, com visão de futuro, mas ancorada num passado rico de glórias, que também é o de Portugal.

Conforme escreve o seu editor, no prefácio da revista, foi com grato prazer que publicou esta edição dedicada à M arinha Portuguesa, cuja prestigiante História se confunde com a História do País. Nas suas palavras, é ainda releva-da a importância do mar no actual século, salientando que, para Portugal, o século do mar foi há 500 anos.

A revista NAVAL FORCES é uma revista líder no mercado especializado na área militar naval, dedicando, com r egularidade, edições às marinhas de todo o Mundo. Tem uma circulação de cerca de 16 000 exemplares, não in-cluindo os editados para oferta em feiras e outros eventos da área da de fesa, que fazem ascender a tiragem para cerca de 20 000 exemplares.

O edição da revista pode ser consultada nos sites da Marinha ou no site da revista NAVAL FORCES em http://www.my-catalog.biz/R101942/.

34 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA

NOTÍCIAS PESSOAIS

RESERVA

l CTEN SEE Fernando Manuel da Silva Mota l SMOR L Manuel Isidoro Marreiros dos Ramos l SMOR L Francisco Manuel Silva Cavaco l SAJ MQ Rui Luís Lopes de Oliveira l SAJ H Carlos Manuel da Costa Vieira l SAJ H Américo Pereira Belo l SAJ FZ Francisco Inácio de Brito Palma l SAJ T Aníbal Filipe Lopes l CAB A José Luís Mendes Silveiro l CAB TFD Francisco Alexandre Figueiredo Lista l CAB A Fernando Manuel Fernandes da Cunha l CAB CM Manuel José Santos Baptista.

FALECIMENTOS

l CTEN AN REF Paulo Manuel Monteiro Marques l SMOR FZ REF Maximino Vicente l SAJ R REF Fernando dos Santos Faria l SAJ A REF Fernando Ferreira de Jesus l SAJ CM REF Hermínio Lourenço Gomes l SAJ CE REF José Diogo Filipe l SAJ TF REF André Barros Henriques l 1SAR CE REF Daniel da Silva Nunes Ferreira l 2SAR AE REF João de Figueiredo l CAB CM REF José da Rocha Teixeira Fanzeres l CAB FZ REF José Fernando Ferreira Monteiro l CAB E RES Luís Manuel Fer-nandes l CAB L João António Marques Carreira l CAB TFH REF João Nunes Silva l CAB A REF António Gonçalves Caridade.

COMANDOS E CARGOSNOMEAÇÕES

l CMG FZ Abel de Sousa Ribeiro nomeado 2º Comandante do Corpo de Fuzileiros l CMG Silvio Manuel Henriques da Silva Ramalheira nomea-do Director de Administração Financeira l CTEN Nuno Manuel Gomes Sousa Henriques nomeado Comandante do NRP “António Enes” l CTEN Pedro Miguel Carvalho Pinto nomeado Comandante da unidade tarefa constituída pelo NRP “Baptista de Andrade” e NRP “João Coutinho” l 1TEN Paulo Alexandre Claro Lourenço nomeado Comandante do Des-tacamento de Mergulhadores Nº 2.

REFORMA

l CMG Luís Carlos Vieira Ferreira l CMG Fernando Nuno Claro Fidalgo de Oliveira l CMG Henrique Manuel de Sousa Estrela Martins l CTEN SEM Valentim Varandas Cardoso l SMOR L Manuel da Silva Carreira l

SMOR L António Ribeiro Vital l SMOR L António José Horta Rodrigues l SMOR TES António Marques Gonçalves l SMOR TES António José Pinto Rosado l SMOR TRI Joaquim Varino da Ponte l SCH L António Pimentel Ferreira l SAJ FZ José Duarte de Sousa l SAJ TF António Teles Martins l SAJ L Humberto Franco Vicente l SAJ O Álvaro Marinheiro das Neves l SAJ A Júlio Lucas da Silva l SAJ FZ António Maria Borges l SAJ C Carlos Manuel de Jesus l SAJ H António Luís Adrião Dias l SAJ H João Henrique Sabido Policarpo l SAJ CM José Amílcar Monteiro l SAJ B Luís Fernando Cabrita Pena l 1SAR L Luís Manuel Rosas da Costa Correia l 1SAR C Alí-pio Dente Alves l 1SAR CM José Vaz Alexandre l CAB A Joaquim Rafael Soares da Silva l CAB CM Lucílio Manuel da Silva l CAB L João António Semedo Salgueiro l CAB FZ José Rodrigues da Silva l CAB FZ Avelino Dai-ro de Sousa Freitas l CAB F Fernando Guedes Augusto l CAB A Adriano Augusto Branco Menino l CAB V Manuel Marques Serrano l CAB A José Fernando Alves Rodrigues l CAB CM José Carlos Rosa Pires l CAB CM Manuel António da Silva Gomes l CAB M António Manuel Pires.

l Realizou-se no passado dia 10 de Julho o 6º almoço-conví-vio do C.F.S. A 91/92.

A confraternização teve lu-gar no restaurante “Metinha dos Leitões” na Mealhada e contou com a presença de 26 pessoas, entre elementos do curso e familiares. Em 2011 o encontro está agendado para a zona de Sesimbra.

CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS ARTILHEIROS 1991/1992

CONVÍVIOS

l Para comemorar o 38º aniversário do ingresso na Briosa, os “Filhos da Escola” de Janeiro de 1973 realizam no próximo dia 15 de Janeiro de 2011, um almoço de confraternização no Restaurante “D. Rogério”, em Aveiro.

A concentração será no Núcleo de Marinhei-ros de Aveiro. Será apresentado e benzido pela 1º vez o estandarte da incorporação. A comissão organizadora irá mais uma vez solici-tar transporte à Marinha.

Os interessados devem contactar os: SMOR E José Armada TM 918659381, SCH E Manuel Pais TM 936265993; SCH FZ João Marques TM 966877631; SCH M Amândio Nascimento TM 919870179; SAJ MQ Moura TM 965855564 e o 1SAR M António Cardoso TM 934492272.

“FILHOS DA ESCOLA” DE JANEIRO DE 1973

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11. Os submersíveis “FOca”, “GOlFinhO” e “hidra”

Navios da RepúblicaNavios da República

Com o início da Grande Guerra, em 1914, tornou-se evidente a neces-sidade da Marinha Portuguesa reforçar a sua capacidade submarina, até então apenas representada, desde 1913, pelo submersível “Espadarte”, construído nos estaleiros italianos “Fiat-San Giorgio” de La Spezzia. Assim, em Dezembro de 1915, foram encomendados àqueles estaleiros três sub-mersíveis de dimensões semelhantes ao “Espadarte”, mas de tonelagem ligeiramente superior. Os três navios foram lançados ao mar em 1917, o “Foca” e o “Golfinho em Março e o “Hidra” em Agosto.

Aumentados ao Efectivo dos Navios da Armada em 20 de Outubro de 1917, as suas características eram as seguintes:Deslocamento à superfície ................................................. 389 toneladasDeslocamento em imersão ................................................ 469 “Comprimento (fora a fora) .................................................... 45,60 metrosBoca ........................................................................................ 4,22 “Calado máximo ...................................................................... 3,12 “Velocidade de cruzeiro à superfície .............................................8,25 nósVelocidade em imersão .................................................................3 “

Dispunham de 2 máquinas diesel “Fiat” de 6 cilindros com a potência de 275 HP e 2 motores eléctricos com 240 baterias para a navegação em imersão, sendo armados de 2 tubos lança torpedos com 4 torpedos Whi-tehead de 450 mm. A sua guarnição era constituída por 21 homens (3 ofi-ciais e 18 sargentos e praças).

As previsíveis condições meteoro-lógicas adversas no Mediterrâneo du-rante o Inverno e a situação de guerra determinou que a viagem para Por-tugal fosse sob escolta. A navegação deveria ser normalmente feita à noite e com os submersíveis prontos para imediata imersão e torpedos regulados para 7 metros de profundidade.

A largada de La Spezzia foi a 15 de Dezembro de 1917 tendo os navios sido escoltados pelo rebocador da Marinha Portuguesa “Patrão Lopes”, que se manteria na missão até Lisboa e pelo torpedeiro italiano “Condo-re”. Debaixo de mau tempo foi escalado o porto de Ville Franche, tendo o “Condore” sido rendido pelo torpedeiro francês nº 369 e a escolta re-forçada com o torpedeiro “Borée”. No porto seguinte, Toulon, onde foi passado o Natal e o Ano Novo os torpedeiros franceses foram substituídos pelo patrulha da mesma nacionalidade “Elizabeth Marie”.

Sob violento temporal só à terceira tentativa foi possível alcançar Mar-selha. Seguiu-se o trajecto para Cette durante o qual foi presenciado o torpedeamento de um navio mercante, tendo o “Elizabeth Marie” reco-lhido os náufragos. Novamente por razões meteorológicas o comboio só conseguiu navegar até Port Vendres após segunda tentativa, tendo depois largado deste porto, com a escolta acrescida de mais uma unidade da Ma-rinha Francesa, o patrulha “Ailly”. A fim de evitar as costas espanholas, onde uma arribada poderia, dado a neutralidade de Espanha, originar o internamento dos navios, foi escalado o porto de Oran, após o que os na-vios rumaram para Gibraltar. Embora tivesse sido constatada a presença do inimigo nas imediações do Estreito e na proximidade do Cabo de São Vicente, a navegação para Lisboa, com uma curta paragem em Sesimbra, fez-se sem novidade. Depois de dois meses de uma navegação difícil, atra-vessando zonas infestadas pelo inimigo e suportando condições meteoro-lógicas muito desfavoráveis, que originaram inúmeras avarias prontamen-

te reparadas com os meios de bordo, o “Foca”, o “Golfinho” e o “Hidra” demandaram a barra no Tejo na manhã do dia 10 de Fevereiro de 1918.

Não haja dúvida que tinha sido notável a formação das guarnições dos novos submersíveis, efectuada durante cerca de 4 anos a bordo do “Espadarte”.

Constitui-se então a 1ª Esquadrilha de Submersíveis com base na Doca de Belém.

A partir de Junho os novos submersíveis iniciaram o serviço de patrulha numa zona fora da barra do Tejo e limitada pelos cabos da Roca e do Es-pichel. Cada cruzeiro, efectuado em subzonas previamente demarcadas, durava habitualmente três dias, sendo a navegação diurna em imersão e a nocturna à superfície. Este serviço durou até 11 de Novembro, data em que foi assinado o Armistício que pôs fim à Grande Guerra. Tinham sido cinco meses de árduo trabalho a que as guarnições foram sujeitas, agravado pelas características das suas unidades, reduzidos espaços e penosa habitabilidade.

Em princípios de 1919 a Esquadrilha iniciou um regular programa de patrulhamento costeiro, com imersões e lançamentos de torpedos de exer-

cício. A par desta actividade de rotina realizou exercícios, tendo sucedido o primeiro com os quatro submersíveis e um navio de superfície em Outubro de 1924. Em Julho do ano seguinte, na baía de Lagos, efectuaram-se as primeiras grandes manobras navais depois da guerra com a participação dos três novos submersíveis, a que se seguiu, em Agosto, um exercício ao largo de Buarcos com a Esquadra de Operações. No Verão de 1926 foi executado um exercício com os qua-tro submersíveis ao largo de Cascais e em Julho de 1928 manobras no âmbito da Flotilha Mista de Exercí-

cios. Também no ano de 1928 o “Espadarte”, depois de 15 anos de ope-racionalidade quase ininterrupta, foi abatido. A Esquadrilha continuou a cumprir regularmente o programa de instrução e treino com duas saídas semanais para as águas de Cascais, Sesimbra e Setúbal cumprindo uma média mensal de oito exercícios de imersão.

De 1929 a 32 os submersíveis fizeram os Exercícios de Verão, mas já com progressivas limitações operacionais devido ao envelhecimento do material.

Entretanto aguardava-se a concretização do Programa Naval Magalhães Correa, de 1930, que incluía três submersíveis.

A última participação conjunta dos três submersíveis deu-se em 5 de Outubro de 1933, numa revista naval na baía de Cascais, quando da co-memoração do 23º aniversário da implantação da República.

Após 16 anos de intensa actividade operacional as unidades que cons-tituíam a 1ª Esquadrilha foram sendo abatidas ao Efectivo dos Navios da Armada, o “Golfinho” em Dezembro de 1934 e o “Foca” em Janeiro de 36. O “Hidra”, abatido em Julho de 1936, tinha acompanhado, em Ja-neiro do ano anterior, da entrada da barra do Tejo até Belém, o “Delfim”, o primeiro submersível do Programa Naval de 1930 que com os novos “Espadarte” e “Golfinho”, chegados também em 1935, constituíram a 2ª Esquadrilha de Submersíveis da Marinha Portuguesa.

J. L. Leiria PintoCALM

Os três submersíveis atracados na Doca de Belém.

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14 JANEIRO 2003 • REVISTA DA ARMADA

11. Os submersíveis “FOca”, “GOlFinhO” e “hidra”

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