alterações climáticas e securitização

download alterações climáticas e securitização

of 11

Transcript of alterações climáticas e securitização

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    1/11

    595

    3 Universidade de Lisboa - Lisboa, Portugual.

    E-mail:

    Doutor em Filosofia (Universidade de Lisboa)

    Docente do Programa Doutoral em Alteraes Climticas e Polticas de

    Desenvolvimento Sustentvel (Universidade de Lisboa).

    Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    A C S: C C S:

    C S:

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO1

    RENATE KOTTEL BOENO2

    VIRIATO SOROMENHOMARQUES3

    1 Ministrio da Defesa, Brasil ia - DF, Brasil

    E-mail:

    Doutorando em Alteraes Climticas e Polticas de Desenvolvimento Sustentvel

    (Universidade de Lisboa)

    2 Ministrio da Defesa, Brasilia - DF, Brasil

    E-mail:

    Doutoranda em Alteraes Climticas e Polticas de Desenvolvimento Sustentvel

    (Universidade de Lisboa)

    ARTIGO CIENTFICO

    RESUMO

    Em 2015, as alteraes climticas soelevadas ao mesmo nvel de ameaa quearmas de destruio em massa e ataquesterroristas na National Security Strategyof United States of America, fomentando

    discusses sobre a construo de umadas maiores ameaas do Sculo XXI. Apesquisa tem como objetivo identificarfatos e eventos que contriburam paraque as alteraes climticas fosseminseridas na agenda poltica e nosestudos sobre segurana, decorrentesde um processo de securitizao emconstruo. Para isso, foram selecionadospontos interconectados com alteraesclimticas, segurana e Foras Armadas,com recorte temporal entre 1945 eagosto de 2015. O corpus, formadocom documentos oficiais e bibliografiade centros de referncia sobre estudosde defesa e segurana da Amrica eEuropa, foi examinado utilizando comounidades de anlise as propostas pelaEscola de Copenhague que tratam doprocesso de securitizao. Os resultadosapontam para: (i) recente insero dasalteraes climticas (rol das ameaas)nas principais estratgias de seguranaocidentais, dentro de um processode securitizao; (ii) possibilidadedas alteraes climticas tornarem-se potencial geradora de dficit desoberania, legitimando futuras aes;(iii) alteraes climticas (como ameaamilitar ou no militar) tero reflexospara as Foras Armadas (exigindo novascapacidades).

    Palavras-chave: Alteraes Climticas.Securitizao. Conflitos. Foras Arma-das. Dissuaso Climtica.

    RESUMENEn 2015, en la Estrategia de SeguridadNacional de los Estados Unidosde Amrica el cambio climtico eselevado al mismo nivel de amenazaque las armas de destruccin masiva

    y los ataques terroristas, fomentandodiscusiones sobre la construccin de unade las mayores amenazas del siglo XXI.La investigacin tiene como objetivoidentificar los hechos y acontecimientosque contribuyeron para que los cambiosclimticos sean introducidos en laagenda poltica y en los estudios sobreseguridad, como resultado de un procesode securitizacin en construccin.Para ello, se seleccionaron puntosinterconectados con el cambio climtico,la seguridad y las fuerzas armadas,con un marco temporal entre 1945 yagosto de 2015. El corpus, formadocon documentos oficiales y bibliografade centros de referencia en estudios

    de defensa y seguridad de Amrica yEuropa, fue examinado utilizando comounidades de anlisis las propuestas dela Escuela de Copenhague de tratansobre el proceso de securitizacin.Los resultados muestran: (i) recienteinclusin del cambio climtico (rol de lasamenazas) en las principales estrategiasde seguridad occidentales, dentro de unproceso de securitizacin; (ii) posibilidadde que los cambios climticos seconviertan en "potenciales generadoresde dficit de soberana", legitimandoacciones futuras; (iii) cambios climticos(como amenaza "militar" o "no militar")tendrn consecuencias para lasFuerzas Armadas (exigiendo nuevas

    capacidades).Palabras clave: Cambio Climtico. Secu-ritizacin. Conflictos. Fuerzas Armadas.Disuasin Climtica.

    ABSTRACT

    In 2015, climate change is elevated tothe same threat level as that of weaponsof mass destruction and terrorist attacksin National Security Strategy of UnitedStates of America, causing discussions

    about the construction of one of thebiggest threats of the twenty-first cen-tury. This research aims to identify factsand events that contributed for climatechange to enter the political agenda andsafety studies, arising from a securiti-zation process under construction. Toachieve so, points interconnected withclimate change, security and armed for-ces, with time frame between 1945 andAugust 2015 were selected. The corpus,formed by official documents and biblio-graphy from defense and security resear-ch centers of America and Europe, wasexamined using the Copenhagen Schoolproposals of dealing with the securiti-zation process as analysis units. Theresults indicate: (i) recent inclusion ofclimate change (list of threats) in ma-jor Western security strategies, within asecuritization process; (ii) possibilities ofclimate change become "potential gene-rators of sovereignty deficit", legitimizingfuture actions; (i ii) climate change (suchas "military" or "non-military" threat) willhave consequences for the armed forces(requiring new skills).

    Keywords: Climate Change. Securitiza-tion. Conflicts. Armed Forces. ClimaticDeterrence.

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    2/11

    596 Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    ALTERAES CLIMTICAS E SECURITIZAO: A CONSTRUO DA DISSUASO CLIMTICA

    1 INTRODUO

    Com a recente divulgao da National SecurityStrategy of United States of America (UNITED STATES,2015a) e do Quadrennial Diplomacy and Development Review(QDDR) do Departamento de Estado dos Estados Unidosda Amrica (UNITED STATES, 2015b), em fevereiro e

    abril de 2015, respectivamente, as alteraes climticas4

    passam a ter maior presena na agenda poltica ocidentale, consequentemente, nos estudos sobre segurana.Contudo, considerando a realizao da Conference ofthe Parties to the United Nations Framework Convention

    on Climate Change(COP 21), onde o maior desafio serrevalidar o princpio das responsabilidades comuns,mas diferenciadas, cabe questionar como ocorreu esseprocesso que conduziu as alteraes climticas (AC) paraesse novo status nos estudos mencionados. O objetivo deste trabalho identificar fatos,eventos e discursos (na forma de ato de fala e documentos)

    que contriburam para que as alteraes climticasfossem inseridas na agenda poltica e nos estudos sobresegurana, decorrentes de um processo de securitizaoem construo.

    2 METODOLOGIA

    Para responder ao questionamento proposto,formou-se um corpus inicial em centros de refernciasobre estudos de segurana da Amrica e Europa, almde documentos acadmicos e governamentais sobre ostemas alteraes climticas, segurana e Foras Armadas

    (FA). O recorte temporal foi estabelecido entre 1945,incio da Guerra Fria, e agosto de 2015, exceto para oembasamento conceitual, onde o recorte foi ampliado.

    Na sequncia, foram selecionados pontosinterconectados com os temas mencionados. A seleodo corpus final foi realizada utilizando como critrios/filtro: (i) possuir aderncia com os objetivos propostos;(ii) ser fato portador de futuro (repercusso na agendapblica e poltica); e, (iii) ter reflexos diretos/indiretosna agenda de segurana. Como mainstream optou-se

    pela Escola de Copenhague, uma das vertentes tericasdos estudos de segurana (WVER, 1995; BUZAN;WVER; DE WILDE, 1998; BUZAN, 1999) que tratamda securitizao. Para o exame dos pontos selecionados, optou-se por utilizar como unidades de anlise as propostaspela Escola de Copenhague: objetos referentes, atoressecuritizadores e atores funcionais (BUZAN; WVER; DEWILDE, 1998). Finalizar-se- com consideraes sobre osresultados obtidos e sugestes de encaminhamentos.

    3 RESULTADOS

    O corpus final ficou composto por 38 (trinta eoito) pontos. Trata-se de atos de fala (discursos polticos edocumentos oficiais), posicionamentos polticos de atoresinternacionais e eventos que forneceram elementosbsicos para sustentar as fases iniciais do processo desecuritizao, onde as alteraes climticas surgemcomo ameaas aos objetos referentes vinculados segurana. Alguns pontos abordam desastres, catalisadospor alteraes climticas, onde houve atuao de forasarmadas e decorrentes discursos polticos. O Quadro 1 - Alteraes Climticas eSecuritizao, a seguir, apresenta os pontos selecionados

    e examinados. Foram considerados, alm da aderncia(AC, segurana e FA), elementos com nexo entre objetosreferentes5 (OR), atores securitizadores6 (AS) e atoresfuncionais7(AF).

    45

    4 Optou-se por utilizar o termo alteraes climticas ao invs de mudanas

    climticas. No Brasil, o termo mais usual seria mudanas climticas. A Comunidade

    dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP) tem utilizado o termo alteraes climticas

    ().

    5 Trata-se daquilo que o ator securitizador declara ameaado, aquilo que se deseja

    proteger. Normalmente, o objeto referente o Estado e sua soberania, economia,

    entre outros (BUZAN; WVER; DE WILDE, 1998).

    67

    6 O ator securitizador quem detm a iniciativa do ato de fala, quem chama a

    ateno para a necessidade de tomar medidas de emergncia (BUZAN; WVER;

    DE WILDE, 1998).

    7 So aqueles que podem influenciar a deciso final no campo da segurana

    (BUZAN; WVER; DE WILDE, 1998).

    N Nexo com OR, AS e AF Teor do discurso e aderncia com AC, Segurana e FA

    1 Guerra Fria (1945-1991)Surgem ameaas no militares, entre elas AC. Reverso da proposta deClausewitz, a poltica passa a ser prolongamento da guerra por outrosmeios (GUZZINI, 2015).

    2 Relatrio Limites do Crescimento(1972)

    Crescimento econmico depender de fatores como paz e estabilidade.Intensa procura por matrias-primas levam fragilidade social, deflagrandoconflitos (NYE; LYNN-JONES, 1988).

    3 Conferncia de Estocolmo (1972) Consenso mundial entre desenvolvimento e carter finito das reservasmundiais de recursos naturais (SCHMIDT; NAVE; GUERRA, 2010).

    4 Comisso Independente deDesarmamento e Segurana (1982)

    Conceito de segurana ambiental, distino entre segurana comum e co-letiva. Ameaas no militares: escassez de recursos e destruio ambiental(CUNHA, 1998).

    Quadro 1. Alteraes Climticas e Securitizao

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    3/11

    597Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO; RENATE KOTTEL BOENO; VIRIATO SOROMENHOMARQUES

    N Nexo com OR, AS e AF Teor do discurso e aderncia com AC, Segurana e FA

    5 Novo Pensamento Poltico Gorbachov(1985)

    Lana a noo de comprehensive security ligada sobrevivncia humana.Relaciona ameaas no militares com economia e questes ambientais(CUNHA, 1998).

    6 Relatrio Brundtland (1987)Amplia a segurana pelo vis ambiental. Tenses ambientais podem fo-mentar tenses polticas e conflitos, sendo uma questo de segurana(BRUNDTLAND, 1987).

    7 Intergovernmental Panel on ClimateChange(IPCC) (1988)

    Seu primeiro relatrio (1990) comunicou o consenso cientfico que AC sode origem antropognica. Seus relatrios so referncia para a comunidadeinternacional, porque expressam os consensos e incertezas existentes so-bre AC (GARCIA, 2006).

    8 United Nations Framework Conventionon Climate Change(1992)

    A Conveno sobre Mudanas do Clima (in Eco 92) aumenta a participaode Organizaes no Governamentais (ONG) em questes ambientais eAC (UNITED NATIONS, 1992).

    9 I Conferncia entre as Partes (COP)(1995)Negociao global de metas para reduo de Gases de Efeito Estufa (GEE).Houve vinte COP at 2014, com diferentes abordagens sobre AC.

    10 Protocolo de Kyoto (1997)(Vigor em 2005)

    Acordo para reduo de GEE, EUA no ratifica. A Europa, nica a cumprir(com sobras) as metas impostas, quem recebe os maiores efetivos deimigrantes (SOROMENHO-MARQUES, 2015a).

    11II Conferncia Mundial sobre Reduode Desastres (2005)

    Riscos de desastres, as ameaas relacionadas a fenmenos geolgicos e as

    AC devem ser tratados nos planos e programas de desenvolvimento seto-riais (UNITED NATIONS, 2005).

    12 Desastre de New Orleans (FuracesRita e Katrina) (2005)

    Catstrofes naturais devem ser equiparadas ao terrorismo como ameaaaos Estados Unidos da Amrica (EUA) Militarizao das catstrofes(GARCA, 2005). Essa guerra s catstrofes reduziu a confiana nas insti-tuies (TIERNEY; BEVC; KULIGOWSKI, 2006).

    13 Criao da Unidade Militar deEmergncia (UME) (2005)

    Espanha, aps atuaes de FA em catstrofes, cria a UME. Fora militarorganizada, adestrada e com meios necessrios para operar em desastres(ESPANHA, 2005).

    14Documentrio:An Inconvenient Truth(2006)

    Documentrio sobre AC, especificamemte sobre o aquecimento mdio datemperatura global, vencedor do prmio Oscar de melhor documentrio.Em 2007, seu autor, Al Gore, ex vice-presidente dos EUA, recebeu o pr-mio Nobel da paz juntamente com o IPCC.

    15 Relatrio Stern (2007) menos oneroso para a economia mundial mitigar o aquecimento globaldo que se adaptar. Ocorrero agravamentos de presses resultando emconflitos por recursos bsicos (STERN, 2007).

    16 Conselho de Segurana (CS) da ONU(2007)

    Clima instvel exacerbar presses migratrias e competio por recursos.O CS no manteve as AC na pauta de sua agenda, servindo apenas para darvisibilidade ao tema (NACIONES UNIDAS, 2007).

    17 Diretriz de Oslo (2007)A ONU, devido grande utilizao de FA, emitiu Diretriz para utilizao deRecursos Militares e de Defesa Civil em Operaes de Socorro em desas-tres (5663RD MEETING, 2007a).

    18 Relatrio Solana (2008)Incluso das AC nas Relaes Exteriores e Segurana (interesses europeus).Polticas de ressentimento com pases causadores de AC. Cenrio de alertapara a Europa, destino das grandes migraes (SOLANA, 2008).

    19 Department of Energy and ClimateChange UK (DECC) (2008)

    O Reino Unido (UK) reconhece que AC contribuiro para aumentar riscoambiental e ocorrncia de eventos climticos extremos, aumentando criseshumanitrias, necessitando da contribuio das FA do UK (UNITED KING-DOM, 2008). Criao do DECC com a finalidade de ser o principal rgono programa de governo para transformar o Reino Unido em uma econo-mia de baixo carbono (UNITED KINGDOM, 2009).

    20 Comunicado do Secretrio Geral ONU(2009)

    AC so um multiplicador das ameaas derivadas da pobreza. Cita a debi-lidade das instituies para organizar recursos e solucionar conflitos (NA-CIONES UNIDAS, 2009).

    21 Central Inteligence Agency US(CIA)(2009)Criao do Centro de Mudanas Climticas e Segurana Nacional para as-sessorar decisores sobre os efeitos do clima na segurana.

    22Strategic Concept for the Defence andSecurity of the North Atlantic TreatyOrganization (NATO) (2010

    Ataques terroristas, AC e escassez de gua moldaro o ambiente de se-gurana futuro em reas de interesse da NATO. FA precisam desenvolvercapacidades para crises internacionais e misses humanitrias (NORTHATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 2010).

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    4/11

    598 Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    ALTERAES CLIMTICAS E SECURITIZAO: A CONSTRUO DA DISSUASO CLIMTICA

    N Nexo com OR, AS e AF Teor do discurso e aderncia com AC, Segurana e FA

    23Defence Policy Guidelines German

    (2011)

    AC so ameaa segurana alem. AC comprometem subsistncia de pes-soas, provocando migraes e conflitos. AC sero cruciais para futuro daAlemanha e da Europa (GERMAN, 2011).

    24Report of Department of Defense US

    (2011)

    Emite orientaes para ampliar a capacidade do United States AfricaCommand (AFRICOM) e do United States Southern Command (SOUTH-COM) sobre conflitos catalisados pelas AC e atuao em desastres naturais

    (UNITED STATES, 2011).

    25Security and Defence Policy of European

    Union(2012)

    Migraes, decorrentes de catstrofes naturais exacerbadas por AC, au-mentam conflitos e saturam regies. fundamental a cooperao militar-ci-vil como resposta a desastres. Academia Europeia de Segurana deveria es-tudar os reflexos das AC na segurana (PARLAMENTO EUROPEU, 2012).

    26White Paper on Defence and National

    Security(2013)

    Reconhece AC como uma ameaa que tem poder de intensificar e aumen-tar eventos extremos, enfraquecendo regies vulnerveis. A atual reduodo gelo no Mar rtico tem consequncias estratgicas como a abertura denovas rotas de navegao (FRANCE, 2013).

    27Conceito Estratgico de DefesaNacional de Portugal (2013)

    Desastres naturais e AC inseridos no rol das ameas segurana. Maiorconscincia sobre prejuizos e que grandes desastres exigem apoio global(PORTUGAL, 2013).

    28 Report of IPCC(2013)Aumento do consenso cientfico que AC so de origem antropognica etm potencial para aumentar rivalidade entre pases, no levando direta-mente guerra (ADGER et al, 2014).

    29XXX Conferncia dos ExrcitosAmericanos (2013)

    Os efeitos das AC (FA e desastres) foram um dos assuntos discutidos peloscomandantes militares. Climas extremos podem impactar a populao civil,influenciando tenses sociais latentes (ORGANIZAO..., 2013).

    30 Tufo Haiyan(2013)

    Indicou o que ser exigido das FA no futuro, devido s consequncias doclima. Questionou-se a capacidade da Associao do Sudeste Asitico comoator de segurana regional. Houve atuao de FA da Europa e EUA (ROUT-LEDGE, 2014; INTERNATIONAL..., 2014).

    31Criao de Unidades Logsticas deApoio (2014)

    Portugal cria Foras de apoio geral e de apoio militar de emergncia, comcapacidades para misses de resposta nacional a situaes de catstrofes

    (PORTUGAL, 2014).

    32Center for Naval Analyses(CNA) (2007e 2014)

    Em sete anos, o status das AC mudou de preocupantes para catalisado-ras de conflitos. Aumento de eventos climticos catastrficos criar maiordemanda por tropas americanas em distintas regies do globo (CNA MILI-TARY ADVISORY BOARD, 2007; 2014).

    33III Conferncia Mundial sobre Reduode Desastres (2015)

    AC exacerbam a frequncia e intensidade dos desastres, travando os pro-gressos de desenvolvimento sustentvel (UNITED NATIONS, 2005).

    34National Security Strategy of United

    States of America(2015)

    AC (um risco aos interesses americanos) tm ligaes com catstrofes natu-rais, migraes, terrorismo e conflitos por recursos naturais (UNITED STA-TES, 2015a). Aps sua aprovao, houve interrupo do acesso acadmicoao banco de dados da CIA sobre AC (Fev 15).

    35Conferncia dos Exrcitos Americanos(2015)

    Objetivo de discutir procedimentos para Operao de Ajuda em Caso de

    Desastre. Demonstrao da Fora de Ajuda em Caso de Desastre das FAMexicanas (BRASIL, 2015a).

    36 Seminrio de Ajuda Humanitria (2015)Exrcito Brasileiro realiza Seminrio de Fora de Ajuda Humanitria, apre-senta propostas de gerao de capacidades para Operao de Ajuda Huma-nitria (BRASIL, 2015b).

    37Encclica: Sobre o cuidado da CasaComum(2015)

    Aborda internacionalizao da Amaznia, AC, guerras por recursos natu-rais, soberania de Estados, conflitos e migraes, entre outros (FRANCIS-CO, 2015).

    38Proposta do Corredor EcolgicoVenezuela-Colmbia-Brasil (2015)

    Objetivo de deter AC e preservar biodiversidade. Efetivado, ligaria osAndes at o Atlntico, com possveis fragmentaes de unidade territorial(Brasil-Colmbia-Venezuela).

    Fonte: Os autores (2015).

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    5/11

    599Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO; RENATE KOTTEL BOENO; VIRIATO SOROMENHOMARQUES

    4 DISCUSSO

    4.1 Securitizao, alteraes climticas enovas dimenses nos temas de segurana

    A securitizao pode ser entendida comoum ato de fala (discurso poltico) que constri, na

    comunidade poltica, o entendimento da existncia de umameaa real que permite a adoo de medidas urgentese excepcionais para lidar com essa ameaa (BUZAN;WVER; DE WILDE, 1998). Assim, um tema somenteestaria securitizado quando ingressa na agenda desegurana, como ameaa a um objeto referente, e a partirdo momento que o pblico o aceita como tal (BUZAN;WVER; DE WILDE, 1998). Segundo Buzan et al. (1998),o processo de securitizao possui trs componentescrescentes: a existncia de ameaa, aes de emergnciae quebra da situao normal (polticas de legitimaode aes para tratar da ameaa, inclusive o uso da foramilitar). A dessecuritizao seria o processo inverso, quebusca evitar, por meio de outros discursos, que o temaseja securitizado e a decorrente aceitao de medidasexcepcionais (WVER, 1995). Por alteraes climticas, de origemantropognica, entende-se um processo relacionado salteraes globais (sistmicas e cumulativas), no qual aface mais visvel a elevao da mdia da temperaturana superfcie do planeta. Para Santos (2012), alm daalterao do albedo terrestre (ligado ao uso do solo) ereduo da concentrao de oznio estratosfrico, soas emisses de gases de efeito estufa (GEE), procedentesde um sistema econmico alicerado em combustveis

    fsseis, que constituem a maior influncia humana nosistema climtico terrestre. Ao aumentar a concentraode GEE, aumenta-se a intensidade do efeito estufae, consequentemente, a temperatura mdia global superfcie com seus efeitos decorrentes como fenmenosclimticos extremos e subida do nvel mdio do mar(SANTOS, 2012). At a Segunda Guerra Mundial, o estudo daguerra era domnio exclusivo dos militares e os estudossobre paz ligavam-se ao direito internacional (DUQUE,2009; TANNO, 2003). A utilizao de artefatos nuclearese o surgimento da Guerra Fria despertaram a ateno doscivis para o estudo sobre segurana (SANTOS, 2009). Lemaitre e Fenger (2001) sugerem que, aps ofim da Guerra Fria, novas ameaas no militares surgiramna agenda de segurana, entre elas, as mudanas climticas,o crescimento global da populao e as migraes, todascom efeito ameaador sobre pessoas e estados, sendonecessrias novas estratgias preventivas para evit-las.Para os autores, as mudanas climticas so a ameaa nomilitar mais importante do sculo XXI8.1

    8 O que de fato houve que, com o final da disputa bipolar, esses temas ganharam

    mais espao na agenda dos Estados e, em alguns casos, em agendas de segurana.

    Exemplo da valorizao da agenda ambiental foi a massiva presena de Chefes de

    Estado na Conferncia da Organizao das Naes Unidas Rio (Eco-92).

    Sobre o fim da Guerra Fria, Soromenho-Marques (2015a) sugere que a Unio das RepblicasSocialistas Soviticas (URSS), entre 1989 e 1991, optoupela imploso da sua configurao poltica destruio doplaneta, que incluiria, logicamente, a sua prpria extino.Contudo, o evento no significou o fim da ameaa nuclear,muito menos da estratgia de dissuaso nuclear tratada

    por Mattos (1986). Sobre isso, Soromenho-Marques (2015a)esclarece que se trata de uma mudana da dissuasonuclear para uma dissuaso climtica. Para o autor,a inexistncia de um acordo climtico global provocarenormes riscos para a segurana ambiental, comimplicaes para a estabilidade interna dos Estados,criando desnecessria entropia no sistema internacional. O Protocolo de Kyoto (expirado em 31 dedezembro de 2012), que no teve a participao dos EUA,ainda no foi substitudo por um novo instrumento quepoderia e deveria regular a diplomacia climtica. Assim,

    devido ao fato de no ser possvel expandir fisicamente aatmosfera, mas sim gerenciar sua utilizao, Soromenho-Marques (2015a) defende a urgente necessidade de criarum regime internacional para a proteo do clima. Esse novo regime, que j deveria funcionar aps2012 com a participao da China, maior emissormundial de GEE (29% de todos os GEE emitidos em2013) estaria fundamentado na compreenso deque a defesa do clima do ambiente planetrio uminteresse maior que o dos integrantes da comunidadeinternacional. Nenhum interesse nacional pode serconsiderado racional se colidir com o interesse prioritriode preservar as condies ambientais globais necessriaspara garantir a capacidade do planeta suportar civilizaestecnologicamente sofisticadas, capazes de assegurar asegurana e respeito aos direitos fundamentais dos seusmembros (SOROMENHO-MARQUES, 2015a). Do exame dos pontos do Quadro 1 depreende-se que, num primeiro momento, as AC surgem nasagendas poltica e de segurana como coadjuvantes, ligadasinicialmente a questes ambientais e escassez de recursos(SOROMENHO-MARQUES, 2015a; SCHMIDT et al.,2010). Na sequncia, devido atuao da comunidadecientfica que reduziu incertezas sobre a origemantropognica das AC, estas passam a ser protagonistas

    como ameaa segurana global, despertando a atenomundial para debater o tema (GARCIA, 2006; SANTOS,2009; 2012).

    4.2 Ameaa, objeto referente, atorsecuritizador e ator funcional

    As principais reas ameaadas pelas AC estoligadas diretamente existncia da humanidade, sendoque seus principais danos seriam na economia mundial ena segurana (STERN, 2007; SOLANA, 2008). SegundoSoromenho-Marques (2015a), as AC so um dos

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    6/11

    600 Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    ALTERAES CLIMTICAS E SECURITIZAO: A CONSTRUO DA DISSUASO CLIMTICA

    elementos mais visveis do domnio antrpico sobre aTerra, sendo necessria sua integrao como ameaa segurana global, pois poder comprometer o futuro daprpria civilizao humana. Nos pontos examinados, as AC foramidentificadas como ameaas existncia do objetoreferente. Elas surgem tanto como ameaa militar, como

    no militar. Como ameaa militar, identificou-se apossibilidade das AC catalisarem conflitos e tensessociais existentes que, devido fragilidade da capacidadede gesto de organismos, instituies e estados,poderiam evoluir para um conflito armado (BARNETT;ADGER, 2007; ADGER et al., 2014). Considerando queas AC, provavelmente, atingiro o setor primrio daseconomias dos pases (em vias de desenvolvimento) eseus respectivos nveis de rendimento e indicadores dequalidade de vida, elas podero contribuir para possveisconflitos (NACIONES UNIDAS, 2009). Contudo, no possvel identificar empiricamente as consequncias das

    mudanas climticas em relao aos estados, regies esistemas internacionais (LEMAITRE; FENGER, 2001). Por outro lado, a construo das AC comoameaa no militar est associada aos desastres naturaiscomo chuvas torrenciais, furaces, ondas de calor,subida do nvel mdio do mar, entre outros. As AC tmcapacidade para aumentar a intensidade e a frequnciados eventos naturais mencionados, provocando enormesdanos humanos e materiais (UNITED NATIONS, 2005;ROUTLEDGE, 2014; ALCANTARA, 2014). Ocorre que,em algumas fases dos desastres, ocorreram conflitossociais e ondas de violncia decorrentes, como foi o caso

    em New Orleans (TIERNEY; BEVC; KULIGOWSKI, 2006)e Filipinas (ROUTLEDGE, 2014; INTERNATIONAL...,2014), sendo necessrio o emprego de Foras Armadasnas fases durante e ps-desastres. Assim, independentemente de ser uma ameaamilitar ou no militar, devido a sua aderncia com conflitos,desastres e questes ambientais, entende-se que as ACpodem ser inseridas na categoria que Etchegoyen (2015)denomina geradora de dficit de soberania por testarem acapacidade de gesto dos estados.

    Alm do mencionado, cabe destacar que osUnited States of America (UNITED STATES, 2015a), aNorth Atlantic Treaty Organization (NORTH..., 2010) ea European Union (PARLAMENTO EUROPEU, 2012)inseriram as AC no rol das principais ameaas (tanto militar,como no militar) em suas estratgias de segurana. Entre os objetos referentes identificados nospontos est o estado, a ser protegido nesse processode securitizao. Sobre isso, verificou-se que interesseseconmicos e polticos foram vinculados ao objetoreferente mencionado para fortalecer as AC como ameaadireta ou indireta segurana (nacional e internacional), economia (regional e mundial) e ao desenvolvimentosustentvel. Dois exemplos so os Relatrios Stern (2007)e Solana (2008), nos quais se percebe a preocupao sobre

    os impactos negativos das AC aos interesses econmicoseuropeus e aos demais blocos econmicos. No Quadro 1, grande parte dos discursos temsuas origens na agenda poltica, confirmando a legitimidadenecessria do ator securitizador para enunciar o discursopoltico (ato de fala ou deciso poltica) da existncia daameaa (BUZAN, 1999).

    Conforme mencionado anteriormente, aorigem das AC (como ameaa) se situa na agendapoltica internacional a partir da sua ligao com questesambientais. Contudo, existem pontos originrios daagenda pblica que migram para a agenda poltica, parafinalmente ingressar na agenda de segurana. Um dos marcos desse processo foi a Eco 92,quando houve consenso mundial sobre os alertas dacomunidade cientfica a respeito do aquecimento global(SOROMENHO-MARQUES, 2015a). A atuao dasOrganizaes No Governamentais (ONG) mobilizoua opinio pblica, aumentando sua influncia noagendamento de temas na esfera poltica (SCHMIDT;

    NAVE; GUERRA, 2010). Na sequncia, o vis econmicodeu grande impulso aceitao poltica sobre osprejuzos financeiros decorrentes das consequnciasdas AC, reforando seu papel ameaador economiamundial (STERN, 2007), consequentemente segurana(SOLANA, 2008). Entretanto, ao identificar que houve participaoda comunidade acadmica, por intermdio dos relatriose trabalhos doIntergovernmental Panel on Climate Change,e atuao de ONG que alavancaram o tema AC para aagenda poltica, os pontos examinados reforam uma dascrticas feitas Escola de Copenhague sobre a legitimidade

    do ator securitizante. A exclusividade do ato de fala e atosdecorrentes caberia somente ao ator poltico (BUZAN,1999; GUZZINI, 2015). Contudo, Buzan (2008) jconsidera a possibilidade, particularmente aps o atentadode 11 de setembro de 2001, que a securitizao possuium misto de atores e objetos referentes. No tocante aos atores funcionais, percebe-seuma tendncia em direcionar, num primeiro momento,para as capacidades militares a responsabilidade de atuarfrente s ameaas e, num segundo momento, para umaparceria entre capacidades militares e civis. No caso das ACcomo ameaa militar, relacionadas aos conflitos catalisadospor elas, identificaram-se orientaes para ampliaoda capacidade dos setores militares (vis blico). Comoameaa no militar, as AC esto relacionadas aos desastresintensificados, sendo necessrio expandir a capacidademilitar para uma atuao com maior frequncia no futuro. Do exame dos pontos, assinala-se, ainda, quepases da Amrica Latina tm desenvolvido estudossobre a temtica AC e segurana, particularmente sobreFA, mudando o quadro tradicional de importar modelose teorias europeias e estadunidenses sobre segurana(HERZ; LAGE, 2015). Exemplo disso so os eventos,como seminrios e congressos, desenvolvidos pelas FA ecomunidades acadmicas que contribuem para aprofundar

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    7/11

    601Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO; RENATE KOTTEL BOENO; VIRIATO SOROMENHOMARQUES

    os estudos sobre AC, desastres e FA. Abordada a primeira componente do processode securitizao, a existncia de ameaa e suas relaesconceituais (com base no Quadro 1), na sequnciaabordar-se-o as duas componentes finais propostas pelaEscola de Copenhague (BUZAN; WVER; DE WILDE,1998) que permitem a legitimao de atos decorrentes:

    aes de emergncia e quebra da situao normal.

    4.3 Legitimao de atos decorrentes

    Considerando que a securitizao ocorrersomente a partir do momento em que o tema entrarna agenda de segurana, tornando aceitveis e legtimasas aes emergenciais para tratar da ameaa (inclusiveo uso da fora militar), percebe-se que a situao deanormalidade exclui os mecanismos normais que atratariam. Nesse sentido, a securitizao possibilita totalconcentrao de poder de deciso nas mos do agentesecuritizador, normalmente os atores governamentais

    (WVER, 1995). Conforme destacado anteriormente, as ACforam inseridas nas principais estratgias de seguranaocidentais, tanto como ameaa militar como no militar.As AC foram posicionadas no mesmo nvel de ameaaque armas de destruio em massa e ataques terroristasnas estratgias de segurana dos United States of America,da North Atlantic Treaty Organization e da EuropeanUnion (UNITED STATES, 2015a; NORTH..., 2010;PARLAMENTO EUROPEU, 2012). Dessa forma, sugere-se que houve um possvel alinhamento sobre o processode securitizao do tema, entre os principais blocos

    polticos e armados ocidentais do hemisfrio norte. No caso especfico dos EUA, houve orientaogovernamental para ampliar a capacidade militar doUnited States Africa Command (AFRICOM) e do UnitedStates Southern Command (SOUTHCOM) para atuaremem conflitos catalisados pelas AC e empregar suas FAem desastres naturais (UNITED STATES, 2011). Emnosso entendimento, isso sugere a existncia de umamaior ateno dos EUA com a frica e com a Amricado Sul, coincidindo com os alertas emitidos nos relatriosStern (2007), Solana (2008) e IPCC (2014). O mesmoentendimento aplica-se no caso da NATO (2010). A ateno estadunidense sobre a frica foireforada pela divulgao dos relatrios do CNA MilitaryAdvisory Security (2007 e 2014). O relatrio de 2014sustenta que as AC acrescentaram fatores de estresseambiental aos conflitos tnicos na frica, sobrecarregandoalguns governos nos ltimos anos. Como resultado, a AlQaeda no Magrebe Islmico, que estava anteriormenteconfinada ao norte do continente africano, acabouexpandindo sua rea de atuao. Em seus relatrios, orgo classifica as AC como catalisadoras de conflitose assevera que um aumento de eventos climticoscatastrficos criar maior demanda por tropas americanasem distintas regies do globo (CNA MILITARY ADVISORY

    BOARD, 2007; 2014). Fatos como esse j ocorreram nas Filipinas, apso tufo Haiyan(2013), quando da atuao de FA dos EUA eda Europa na regio. Questionamentos foram levandadossobre a capacidade da Associao das Naes do SudesteAsitico (ASEAN), como ator de segurana regional, quealertaram sobre a demanda futura das atuaes de FA

    (ALCANTARA, 2014; ROUTLEDGE, 2014). Alm disso,algumas FA da Europa e da Amrica passaram a tratardo tema AC como ameaas, reformulando ou ampliandosuas capacidades militares. Algumas FA da Europa criaramunidades militares especficas para atuar em desastres,como foi o caso da Espanha (2005) e de Portugal (2014). Entretanto, a questo que se apresenta sobreesse possvel alinhamento dos blocos estaria associada auma desconfiana crescente sobre polticas unilaterais paraatender interesses especficos como o acesso a recursosnaturais, entre outros. A criao de crenas de ameaasno algo inovador para legitimar aes unilaterais emilitares. Segundo Walzer (2003), praticamente em

    todas as guerras existem argumentaes que podemtanto justific-las como moralmente aceitas, como seremconsideradas ilegtimas. Um exemplo recente disso foi a Guerra doIraque (2003). Segundo Duque (2008), a securitizaobem-sucedida do tema terrorismo foi decisiva paraviabilizar o emprego da fora militar dos EUA naquelaguerra, legitimando a invaso do Iraque, em 19 de marode 2003, sem o aval do Conselho de Segurana daONU. Contudo, as armas de destruio em massa noforam encontradas e nem a democracia foi exportadapara aquela regio, gerando desconfiana mundial sobre

    interesses estadunidenses naquele conflito blico. Numa ao de dessecuritizao das AC, algunsmeses aps a divulgao da National Security Strategy ofUnited States of America (UNITED STATES, 2015a), oChefe de Estado do Vaticano divulgou a Encclica: Sobre ocuidado da Casa Comum (FRANCISCO, 2015), tratandode assuntos como a internacionalizao da Amaznia,alteraes climticas, guerras por recursos naturais,soberania de Estados, conflitos e migraes. Destaca-se que o momento importante paraagentes securitizadores que podem emitir esforospara dessecuritizar o tema AC devido realizao da21a Conferncia das Partes em Paris (final de 2015).Um dos maiores desafios dos participantes do eventoser revalidar o princpio das responsabilidadescomuns, mas diferenciadas9,2devido ao fato deexistirem, historicamente, diferentes taxas de emissesde GEE e nveis de desenvolvimento industrial, enteoutros indicadores, que fomentam discusses sobre aresponsabilidade passada, atual e futura entre os pases.

    2 Constante da Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

    (UNITED NATIONS, 1992), com razes em Estocolmo 1972, esse princpio

    tem sido constantemente discutido nas reunies da United Nations Framework

    Convention on Climate Change.

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    8/11

    602 Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    ALTERAES CLIMTICAS E SECURITIZAO: A CONSTRUO DA DISSUASO CLIMTICA

    5 CONCLUSO

    A ltima fase de um processo de securitizaode um tema torna aceitvel a adoo de medidasde emergncia e de exceo para tratar da ameaaconstruda. No caso das alteraes climticas, percebe-se um aumento do seu status nos discursos ocidentais a

    partir da segunda dcada do sculo XXI, sendo formatadapoliticamente na agenda de segurana internacional comouma das maiores ameaas futuras. Do exame dos pontos selecionados, sob o prismada securitizao, os resultados discutidos sugerem que ainsero das alteraes climticas (no rol das ameaas) nasprincipais estratgias de segurana ocidentais faz parte deum alinhamento poltico com interesses diversos. Nessesentido, vislumbra-se a possibilidade de as alteraesclimticas tornarem-se potencial geradora de dficit desoberania nos pases em desenvolvimento.

    Caso o processo de securitizao seja concludo,as tentativas de frear a ameaa em tela podero ser usadaspara legitimar futuras aes contra soberanias de pasesmais frgeis. Isso significaria a formatao das alteraesclimticas como ameaa militar, exigindo maior atuaodas foras armadas nos conflitos com origem em disputaspor recursos escassos (gua, agricultura, energia, entreoutros) ou ameaas atmosfera do planeta. Se o tema no for totalmente securitizado (ouparcialmente dessecuritizado), ocorrer a formataodas alteraes climticas como ameaa no militare consequentes reflexos para as foras armadas,necessitando desenvolver novas capacidades para atuaoem desastres naturais intensificados pelas alteraesclimticas. Assim, independentemente de ser securitizadoou dessecuritizado, o tema alteraes climticas criacondies para o surgimento e fortalecimento de umanova componente na agenda de segurana: a dissuasoclimtica. Quando a densidade de poder e os interessesdos estados sero o fiel da balana para decises sobre otema. Finalmente, cabe destacar que as alteraes

    climticas no conduzem ao conflito, apenas agravamsituaes latentes. A principal causa dos conflitos humanosest associada incapacidade dos estados ou organismosinternacionais de gerenciarem as crises existentes,dessecuritizando as ameaas.

    REFERNCIAS

    5663RD MEETING, 2007, New York. RecordsNewYork: UN Documentation Dag Hammarskjld Library,2007. 36 p. v. 1. Disponvel em: . Acesso em: 15 jul.2015.

    ADGER, W. N. et al. Human security. In: Climate change2014: impacts, adaptation, and vulnerability: Part A: globaland sectoral aspects. Cambridge: Cambridge UniversityPress. 2014. p. 755-791. Contribution of Working GroupII to the Fifth Assessment Report of the IntergovernmentalPanel on Climate Change.

    ALCANTARA, P. Lessons learned from the Philippinegovernment's response to Typhoon Haiyan. Journal ofBusiness Continuity & Emergency Planning, London,v. 7, n. 4, 335 p., Summer 2014. ISSN 1749-9216.

    Disponvel em: . Acesso em: 15 jun. 2015.

    BARNETT, J.; ADGER, W. N. Climate change, humansecurity and violent conflict. Political Geography, v. 26,n. 6, p. 639-655, ago. 2007. ISSN 0962-6298. Disponvelem: < http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S096262980700039X >. Acesso em: 10 jun. 2015.

    BRUNDTLAND, C. Comisso mundial sobre meioambiente e desenvolvimento: o nosso futuro comum.

    ONU, 1987.

    BUZAN, B. Change and insecurity reconsidered.Contemporary Security Policy, v. 20, n. 3, p. 1-17,1999. ISSN 1352-3260. Disponvel em: < http://dx.doi.org/10.1080/13523269908404228 >. Acesso em: 25 jun.2015.

    ______. The changing agenda of military security.Uluslararasi Iliskiler-International Relations, v.5, n. 18, p. 107-123, Summer 2008. ISSN 1304-7310.Disponvel em: . Acesso

    em: 13 jul. 2015.

    BUZAN, B.; WVER, O.; DE WILDE, J. Security: anew framework for analysis. Colorado: Lynne RiennerPublishers, 1998. ISBN 978-1-55587-784-2.

    BRASIL. Exrcito. Centro de Doutrina do Exrcito.Conferncia Especializada sobre ajuda em caso de desastreda CEA. Notcias, Braslia,1 trim 2015a. Disponvelem: . Acesso em: 15 jul. 2015.

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    9/11

    603Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO; RENATE KOTTEL BOENO; VIRIATO SOROMENHOMARQUES

    ______. Ajuda Humanitria: I Simpsio de Fora de AjudaHumanitria.Apresentaes, Braslia,2015b. Disponvelem: . Acesso em: 15 jul. 2015.

    CNA MILITARY ADVISORY BOARD. National Securityand the Threath of Climate Change.Alexandria: CNA

    Corporation, 35 p., 2007.______. National Security and the Accelerating Risksof Climate Change. Alexandria: CNA Corporation,2014.

    CUNHA, L. V. Segurana Ambiental e Gesto dosRecursos Hdricos. Nao e Defesa, Lisboa, n. 86, 2.srie, p. 27-50, 1998.

    DUQUE, M. G.A teoria de securitizao e o processodecisrio da estratgia militar dos Estados Unidosna Guerra do Iraque. 181 f. Dissertao (Mestrado em

    Relaes Internacionais)-Universidade de Braslia, Braslia,2008.

    ______. O papel de Sntese da Escola de Copenhaguenos estudos de Segurana Internacional. ContextoInternacional, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 459-501, Riode Janeiro, 2009.

    ESPANHA. Ley Orgnica5/2005, de 17 de noviembrede la Defensa Nacional. Ley Orgnica que regula ladefensa nacional y establece las bases de la organizacinmilitar conforme a los principios establecidos en laConstitucin. Madrid, 2005. p. 37717-37714.

    ETCHEGOYEN, S. W. Mensagem do Chefe do Estado-Maior do Exrcito. Doutrina Militar Terrestre, Braslia,ano 3, 7 ed., p. 4, jan-jun 2015.

    FRANCISCO, Papa. Carta Encclica Laudato Si': Sobreo cuidado da casa comum. Vaticano: Tipografia Vaticana,2015. 192 p.

    FRANCE. Ministry of Defence. White Paper: defenceand national security. Paris: Ple Graphique de Tulle, 2013.137 p.

    GARCA, A. Informe sobre Huracn Katrina. Madrid:ENPC, 2005. Curso en Escuela Nacional de ProtecconCivil (ENPC) y Centro Europeo de Investigacin Social deSituaciones de Emergencia (CEISE).

    GARCIA, R. Sobre a Terra: um guia para quem le escreve sobre ambiente. 2 ed. Lisboa: PblicoComunicao Social, 2006. ISBN 972-8179-85-5.

    GERMAN. Ministry of Defence. Defence policyguidelines. Berlin, 2011. 17 p. Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2015.

    GUZZINI, S. A histria dual da securitizao. In:BARRINHA, A.; FREIRE, M. R. (Ed.). Segurana,liberdade e poltica: pensar a Escola de Copenhaga emPortugus. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2015.306 p. ISBN 978-972-671-345-6.

    HERZ, M.; LAGE, V. C. Complexos regionais de segurana:

    possibilidades para se repensar a Amrica Latina. In:BARRINHA, A.; FREIRE, M. R. (Ed.). Segurana,Liberdade e Poltica. Pensar a Escola de Copenhaga emPortugus. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2015.306 p. ISBN 978-972-671-345-6.

    INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGICSTUDIES (IISS). Climate change, HADR, and Security inthe Asia-Pacific. In: The 13th International Institute forStrategic Studies (IISS) Asia Security Summit: the Shangri-La dialogue, 2014. Proceedings...Singapure: IISS, 2014.30 p.

    IPCC. Cambio climtico 2014: impactos, adaptacin yvulnerabilidad: resumen para responsables de polticas.Genebra: Organizao Meteorolgica Mundial, 2014. 74p. Contribucin del Gruo de trabajo II al Quinto Informede Evaluacin del Grupo Intergubernamental de Expertossobre el Cambio Climtico

    LEMAITRE, P.; FENGER, J. Segurana Ambiental e aAgenda de Segurana Global. Nao e Defesa, Lisboa, n.99, 2. srie, p. 51-90, 2001.

    MATTOS, C. D. M. Estratgias militares dominantes:

    sugestes para uma estratgia militar brasileira. Rio deJaneiro: Biblioteca do Exrcito, 1986, 100 p. ISBN 85-7011-106-1.

    NACIONES UNIDAS. Assembleia Geral. El Cambioclimtico y sus posibles repercusiones para laseguridad: informe del Secretario General. New York,2009. Sexagsimo cuarto perodo de sesiones. Tema 114del programa provisional. Seguimiento de los resultadosde la Cumbre del Milenio.

    NACIONES UNIDAS. Oficina de Coordinacin deAsuntos Humanitarios. Directrices de Oslo: directricespara la utilizacin de recursos militares y de la defensacivil extranjeros en operaciones de socorro en casos dedesastre, Ginebra, 2007. 42 p.

    NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION.Strategic concept for the defense and security ofthe North Atlantic Treaty Organization: summit inLisbon. Brussels: NATO Public Diplomacy Division, 2010.40 p.

    NYE, J. S.; LYNN-JONES, S. M. International SecurityStudies: a report of a conference on the state of the field.

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    10/11

    604

    ALTERAES CLIMTICAS E SECURITIZAO: A CONSTRUO DA DISSUASO CLIMTICA

    Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    International Security, Cambridge, Spring, v. 12, n. 4,p. 5-27, 1988.

    ORGANIZAO DOS ESTADOS AMERICANOS. A CEAe sua contribuio para as Operaes de Manutenoda Paz (desenvolvidas sob o mandato da ONU) e emOperaes de Ajuda em Casos de Desastre, por meio

    da criao e a aplicao de mecanismos e procedimentosque permitam melhorar as capacidades coletivas de seusmembros e sua interoperabilidade. XXX Confernciados Exrcitos Americanos. Mxico, 2013. Disponvelem:. Acesso em: 15 jul. 2015.

    PARLAMENTO EUROPEU. Relatrio: sobre o papelda Poltica Comum de Segurana e Defesa em matriade crises provocadas pelo clima e catstrofes naturais(2012/2095(INI)). Bruxelas, 2012.

    PORTUGAL. Conceito Estratgico de Defesa Nacional.

    Resoluo do Conselho de Ministros n. 19/2013. Dirioda Repblica, Lisboa, 5 de abril de 2013. Srie 1, n 67.

    ______. Decreto-Lei n. 186/2014, de 29 de dezembrode 2014. Dirio da Repblica, Lisboa, 29 de dezembrode 2014. Srie 1, n 250.

    ROUTLEDGE, T. F. G. Asian disaster relief: lessonsof Haiyan. Strategic Comments, v. 20, n. 1, 2014.Disponvel em: . Acesso em: 15 jun. 2015.

    SANTOS, F. D. Os Desafios Ambientais Criados pelaGrande Acelerao do Ps-Guerra. Nao e Defesa.Lisboa, n. 122, Srie 4, p. 61-78, 2009.

    ______. Alteraes Globais: os desafios e os riscospresentes e futuros. Lisboa: Fundao Francisco Manueldos Santos, 2012, 214 p. ISBN 978-989-8424-55-6.

    SCHMIDT, L.; NAVE, J. G.; GUERRA, J. Eucaoambiental: balano e perspectivas para uma agenda maissustentvel. Lisboa: Imprensa de Cincias Sociais, 2010.220 p. ISBN 978-972-671-265-7.

    SOLANA, J. M. Alteraes climticas e seguranainternacional: documento do Alto Representante daComisso Europeia para o Conselho Europeu. Bruxelas,2008. 16 p. Disponvel em: . Acesso em: 15 jun. 2015.

    SOROMENHO-MARQUES, V. Alteraes climticas. In:GOUVEIA, J. B.; SANTOS, S. (Coord.). Enciclopdia dedireito e segurana. Coimbra: Almedina, 2015a, p.25-37. ISBN 978-972-40-5494.

    ______. Segurana ambiental. In: GOUVEIA, J. B.;

    SANTOS, S. (Coor.). Enciclopdia de direito esegurana.Coimbra: Almedina, 2015b. p.384-396. ISBN978-972-40-5494.

    STERN, N. The economics of climate change: theStern Review. London: Cambridge University, 2007.Disponvel em: < http://www.cambridge.org/us/

    academic/subjects/earth-and-environmental-science/climatology-and-climate-change/economics-climate-change-stern-review>. Acesso em: 6 fev. 2015.

    TANNO, G. A contribuio da escola de Copenhagueaos estudos de segurana internacional. ContextoInternacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 47-80, jan./jun. 2003. Disponvel em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292003000100002&nrm=iso >. Acesso em: 25 set.2015.

    TIERNEY, K.; BEVC, C.; KULIGOWSKI, E. Metaphors

    matter: Disaster myths, media frames, and theirconsequences in Hurricane Katrina. Annals of the

    American Academy of Political and Social Science,v. 604, p. 57-81, Mar. 2006. ISSN 0002-7162. Disponvelem: < ://WOS:000235609800004 >. Acessoem: 20 set. 2015.

    UNITED KINGDOM. Disaster relief operations: jointdoctrine publication 3-52 (JDP 3-52). Shrivenham: JointDoctrine Publications, 97 p. 2008.

    ______. Department of Energy and Climate Change:

    baseline assessment. London, 2009. 15 p.

    UNITED NATIONS. Office for Disaster RiskReduction. Marco de Accin de Hyogo para Reduode Desatres 2005-2015: conferencia mundial sobre lareduccin de los desastres. Hyogo, 2005.

    UNITED NATIONS. Rio Declaration on Environmetand Development: report of the United NationsConference on environment and development. NewYork, 25 p., 1992. Annex 1.

    UNITED STATES. Department of State. QuadrennialDiplomacy and Development Review. Washington,DC, 2015a. Disponvel em: . Acesso em: 15ago. 2015.

    ______. White House. National Security StrategyUSA. Washington, DC, 2015b. Disponvel em: . Acesso em: 15 jun.2015.

    ______. Department of Defense. Report of the Defense

  • 7/25/2019 alteraes climticas e securitizao

    11/11

    605Cole. Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 36, p. 595-605, set./dez. 2015

    RAUL KLEBER DE SOUZA BOENO; RENATE KOTTEL BOENO; VIRIATO SOROMENHOMARQUES

    Science Board Task Force on Trends and Implicationsof Climate Change for National and InternationalSecurity.Washington, DC, 2011. Disponvel em: . Acesso em:15 jun. 2015.

    WVER, O. Securitization and Desecuritization. In:

    LIPSCHULTZ, R. E. (Ed.). On Security, New York:Columbia University Press, 1995.

    WALZER, M. Guerras justas e injustas: umaargumentao moral com exemplos histricos. So Paulo:Martins Fontes, 2003. ISBN 85-336-1932-4.

    Recebido em 02 de outubro de 2015Aprovado em 23 de novembro de 2015

    Indicao de Responsabilidade

    O conceito de autoria adotado pela CMM est baseado nacontribuio substancial de cada uma das pessoas listadascomo autores, seguindo as categorias abaixo:(1) Concepo e projeto ou anlise e interpretao dos dados;(2) Redao do manuscrito ou;(3) Reviso crtica relevante do contedo intelectual.Com base nestes critrios, a participao dos autores na ela-borao deste manuscrito foi:

    Raul Kleber de Souza Boeno - 1, 2 e 3Renate Kottel Boeno - 2Viriato Soromenho-Marques - 3