Alteridade da Arte - Estética e Psicologia

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    A ALTERIDADE DA ARTE :ESTETICA E PSICOLOGIA

    J030 A. Frayze-PereiraInstituto de Psicologia - uSP

    A ques ti io da re la cd o e ntre a P sic olo gia e a A rte e c on si de ra da t en do porr efe re nc ia o s l im ite s d o c ampo e st ru tu ra do p el as a rt es p la sti ca s; fu ndadopela especificidade da "ordem humana". A teoria da arte como" fo rma ti vi dade" (Pareyson ), a i nt er pr et~i Jo da p in tu ra ru pe stre c om o"m il ag re '' ( Ba ta i/ /e ) e a f il os of ia da p in tu ra c om o " on to lo gia da visao''(Merleau-Ponty) fundamentam um pensamento que elabora umac on ce pc ao d e o bra d e o rte c om o c am po re fle xiv o a s olic tta r d o in te rp re -te a a be rtu ra p ara 0 novo e. portanto, para a alteridade - postura fun-d am ent al n a pesquisa em Psicologia Social da Arte.Descritores: Arle. Pintura (Arte). Estetica. Percepdio. Psico/ogia Social.

    Aapro~ao entre a Arte e a Psicologia nao e urn movimento recen-teoMuito anterior ao proprio advento da Psicologia como disciplinacientifica, na verdade, em sua origens, foi a propria Estetica que se abriu aPsicologia que estava por vir:

    fo i a perspect iva d o B elo , c om o d om in io da sens ib i lidade, imediatamenterelacionado com a percepcao, os sentim entos e a imaginacao, queBa umg ar te n in co rp o ro u ao conteuoo dessa diseiplina, 0 q ua l a pa re ce unuma epoca em que a Beleza e a Arte eram g eralm en te, o u m arg inali-za da s p ela re fle xa o filosofica, qu e as tinha na conta de irrelevantes,o u c on sid erad as a pe na s sob 0 asp ecto racion al das n orm as ap licaveisao reconhecimento d e uma e a produeso d a o utr a (Nu ne s. 1 98 9, p .1 2) .

    P sic olo gia U SP . S. Paulo. 5(1/2) p.35 - 60. 1994 35

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    JolJo A. Frayze-PereiraF on nu lad a como d iscip lin a n o see ulo XVIII p or B aumg arten , a E s-

    te tica b aseav a-se n a id eia d e q ue a B eleza e seu reflex o n as A rtes rep resen -ta vam u rn tip o d e C on hecim en to sen siv el, co nfuso e in ferio r a o racio nal,c la ro e d is tin to , is to e , ao co nh ec im en to v oltad o p ara a v erd ad e. P osteri-onnen te , a tr ave s da F ilo so fia d e K an t, a q uestao d o B elo ira co nv erter-sena ques tao da " ex p erie nc ia e ste tic a" q ue a caba ra s endo d if ere ntemen te in -te rp re ta da p ela s d iv ers as te nd en cia s te 6ric as d o s ec ulo X IX . E , p au la tin a-m en te , a E stetic a filo so fic a ab an don ara 0 dom inio m etafisico p ara sea pro xim ar d o d om in io e xp erim en ta l e psicologico, Nao e dificil encontraras razoes dessa ap ro~ o da P sico lo gia. N a ep oca, a firm av a-se q ueto da "e xp erie nc ia e ste tic a" e , c on se qu en teme nte to da a a rte , se a rtic ula vase gu nd o d ois p ole s: u rn s ub je tiv o (0 sujei to , i s to e, 0 a rt is ta ou 0 especta-d or q ue se nte e julg a) e ou tro , o bjetiv o (0 ob je to , is to e , aquelas manifesta-~s que condicionam ou p rovocam 0 q ue se ntim os e ju lg am os). A P sico -lo gia na scen te p asso u a se o cu par, q uase ex clu siv am en te, d o asp ec to su b-je tiv o, v alo riz an do s eu s e lemen to s h ete ro g en eo s, c omo 0 p razer sen s ive l,o s im p uls os , o s se ntim en to s e a s emocoes,

    Com efeito , em 1876, na sua Introduciio a Estetica, G.T.Fechner p ropos, p ela p rim eira vez, 0 tenno "estetica indutiva", "debaixo" (von unten), p o r o p os ic ao Iian tig a "e ste tica m etafisica" qu e d e-duzia "de cim a" (von oben) a "determ inacao concep tual da essenciaobjetiva do belo". 0 p rim eiro Iaboratorio de Psicolog ia , fundado porW undt em L eip zig (1878), assinalou urn m arco im portante na hist6riada E stetica. P ode-se dizer que 0 rein o esp ecific o d a P sico -E stetica E x-p erim ental nasce com W undt, feita a ressalva de que m uitos p redeces-s ore s c on trib uiram p a ra e ss a e ste tic a in du tiv a. N e ss a me sma medid a, tam-b ern se ria u rn e xa ge ro d iz er q ue F ec hn er in ve nto u a E s te tic a C ie ntific a. D equalque r maneir a, 0 q ue im p orta re ssa lta r e que 0 ad ven to d a P sico lo -g ia com o discip lina esta diretam ente relacionado com a pesquisa dep ro blem as c uja n atu re za e de ordem estetica; tais como, os do lim iarestetico do crescim ento, da unidade na variedade, da ausencia de con-tradicao, de c1areza, de associacao, de contraste , etc . M as, no tocanteao conhecimen to da A rte ou d o B elo , F ech ner rein cid e em teo ria s o bsc u-ras que nada p ossuem de exp erim ental (H uism an, 1961). A l i a s , tambemcomo ob serv a W eb er (1 97 2, p .9 ) "ap esar d o in eg av el in teresse de seu s re-

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    sultados, nao parece que 0metodo experimental tenha oferecido grandescontribuicoes a uma Ciencia da Arte". Faltou a esses pesquisadores a COIl-di~o essencial para a pesquisa de questOes esteticas: a frequentacao daarte. (Munro, 1969).

    Por outro lado; as correntes que privilegiaram 0 aspecto objetivoda experiencia estetica focalizaram os elementos materiais (sons, cores,linhas, volumes), as relacoes formais puras (ritmo, harmonia, propor-~ao, simetria), as formas concretas no espaco e no tempo, capazes deproduzir efeitos esteticos. E entre essas correntes, as mais recentes,que consideram as obras de arte como objetos esteticos privilegiados,examinando-as do ponto de vista de sua estrutura, pretendem determi-nar-lhes caracteristicas essenciais e, s6 com base nesse levantamento,estabelecer conclusoes de ordem geral e objetiva, aplicaveis a todas asartes. Tal e a arnbicao de uma Ciencia Geral da Arte, bern representadapelos teoricos da chamada Teoria da Pura Visibilidade.

    Ora, se a tendencia do pensamento alemao, desde 0 seculoXVIII, foi a de decifrar a natureza do fenomeno artistico (os estetasespeculam sobre a natureza da arte e os historiadores da arte empe-nham-se em estabelecer biografias dos artistas, em atribuir e inventariarobras, data-las, situa-las na evolucao dos estilos), e da Austria quepartira 0 impulso para aprofundaro campo de investigacao da obra dearte. Assim, em Viena, surge urn grupo de grandes historiadores daarte entre os quais E. Gombrich e E. Panofsky, cuja compreensao deseu objeto de estudo, curiosamente, foi secundada pelo fato de teremse inspirado nos psicologos (os cursos de Psicologia da Universidadeeram frequentados por esses historiadores), contribuindo para a elabo-racao do conceito de Gestalt. Foram os professores da Escola de Vienaque fundaram 0 importante Instituto Warburg, transferido com a as-cencao de Hitler, em 1933, para Londres. Ao mesmo tempo, R Arnheim,que realizava estudos sobre cinema, parte de Berlim para Roma, emseguida para Londres e, finalmente, para os Estados U~dos, convidadoa ocupar no Sarah Lawrence College, N.Y., uma catedra de Psicologia daArte criada para ele. Desenvolve-se ai 0 primeiro Laborat6rio de EstudosGestalticos dedicado a Arte. Em Londres, recorrendo aos psicologos(p.ex.: J. Gibson), Gombrich desenvolveu a ideia da Arte como

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    Joao A. Frayze-Pere ira"percepcao solicitada", argumentando que uma ciencia da Arte deveestar fundada na Psicologia. Tambem em Londres, outro membro doInstituto Warburg, Ernst Kris, dava continuidade ao trabalho que inici-ara em Viena junto a Freud sobre as relacoes entre Psicanalise e Arte.Ja na Franca, nessa mesma epoca, R. Huyghe (que era conservador doLouvre) resignifica a Psicologia da Arte (conhecida atraves de H. De-lacroix) atraves de dividas teoricas contraidas com os historiadores daarte Emile Male e Elie Faure (este tambem pressuposto pela Psicologia daArte de Malraux), ocupando em 1951 uma catedra de Psicologia das Ar-tes Pldsticas no College de France (Bazin, 1986). E, entre nos, e fun-damentallembrar que ja em 1949, 0 critico Mario Pedrosa defende suatese Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte para a catedra deHistoria da Arte no Colegio Pedro II, Rio de Janeiro. Esse fato e dignode nota, pois essa tese representa uma articulacao pioneira entre Psicologiada Gestalt e 0universo da artes, anterior mesmo a obra de Amheim, assimcomo a pratica terapeutica inaugurada pela Dra. Nise da Silveira no Hospi-tal Psiquiatrico Pedro II (Engenho de Dentro, R.J.), nessa mesma epoca,realiza uma nova aproximacao entre Psicologia Analitica e Arte parao tratamento de esquizofrenicos, distinta da analise mais freudiana queOsorio Cesar mantinha em relacao a producao plastica dos intemos noHospital do Juqueri (Franco da Rocha, S.P.).

    Em suma, vista em panoramica, negligenciando nomes e a exatacronologia, a Psicologia da Arte, em suas varias vertentes (da experi-mental a psicanalitica), aprofunda-se e institucionaliza-se no inicio dosanos 50. E a maior contribuicao que desse movimento resuIta e quenao basta considerar apenas os dois poles da "experiencia estetica" -o subjetivo e 0 objetivo. Nao e possivel esquecer que 0 sentido ineren-te a ela nao reside apenas nos estados psiquicos do sujeito, nem derivados objetos como direta consequencia de suas qualidades fisicas, pois a"experieneia estetica" tern urn profundo "carater valorativo". Nesse con-texto, que significa isso - a "experiencia estetica"? E exatamente quecontribuicao e essa resultante da Psicologia que se aproxima da Arte?Para tematizarmos essas questoes, retomaremos algumas ideias por nosmesmos elaboradas em outro momento (Frayze-Pereira, 1984;1994), redi-recionando-as a luz de uma das celebres declaracoes de Marcel Duchamp38

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    A Alt er idade da A rte : E s te tic a e P sic olo gia

    - "Sao os espectadores que realizam as obras" (Junod, 1986,p .279)- frase de grande efeito que, em 1957, nao foi compreendida e que seviu retomada posteriormente pelos estudos de Estetica da Recepcao(Jauss, 1978). Ora, 0 campo de implicacoes aberto por ela, entretanto, emais fecundo do que se pode supor: 0exemplo que daremos a seguir, reti-rado da midia recente, e ilustrativo, nesse sentido.

    Em marco de 1991, 0 Cademo Ciencia da Folha de Sao Paulopublicou urn artigo intitulado.v'Animais usam pintura para fugir do te-dio", sugerindo que as pinturas produzidas por macacos e elefantes emzoologicos questionam a tradicao que as separa das criacoes plasticashumanas. Esse tipo de comparacao, embora possa parecer resultar depesquisas recentes, nao e uma novidade. Em 1961, desenhos de urn prlma-ta foram expostos numa galeria em Milao por iniciativa do pintor Frances-co D' Areno, exposicao que deu lugar a uma discussao sobre as fronteirasda arte. E tres anos antes, isto e , em 1959, em Sao Francisco, California,uma galeria de arte expusera quadros de urn chimpanze que foram com-prados por pequenas fortunas (Maccaulay, 1968, p.49).

    Ora, a tese subjacente a esses artigos e episodios e a mesma: osanimais tern capacidade e motivacao para as artes plasticas. Basta ofe-recer-lhes tintas e pinceis que eles, inicialmente, passam a explora-lose, depois, a manchar telas quando estas lhes sao oferecidas. 0ludico carac-teriza essa atividade e, no artigo da Folha de Sao Paulo, 0 artista cuja pin-tura e comparada ados prlmatas e Willen De Kooning, urn dos grandespintores do seculo xx, urn notavel do abstracionismo.

    Praticamente urn ano antes dessa noticia, portanto em maio de1990, igualmente no Cademo Ciencia, publica-se urn artigo intitulado:"Pintura rupestre nso e a pre-historia da arte". 0 texto fala dos resul-tados das pesquisas da equipe que trabalha em Paris, no laboratorio doMuseu do Louvre. Isto e, que "as pinturas rupestres nao sao realizadascom meros pigmentos de base e sim com uma sofisticada composicaode elementos que nao tern nada de natural". Nao so as tecnicas utiliza-das, mas a propria composicao, conforme analisadas pela aparelhagemsofisticadissima do Louvre, revelam a existencia de "urn projeto do artista

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    Joiio A. Erayze-Pereira

    De Kooning. Easter Monday. Oleo sobre tela, 96,0 x 74,0 em, 1955-56.

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    anterior it p intura final, isto e, que esta p intura nao era im ediata, m aspensada e bern acabada". Por exemp lo, alem do oxide de ferro paraobtencao do vermelho e do oxide de manganes ou carvao de madeirapara 0 p reto, esses p rim eiros artistas em preg avam m inerais adicionais(g ran ito e talco ) q ue se d estin avam it co nservacao d as o bras, evitan do asrach ad uras d a p in tu ra a o seca r. A lem d isso , fo ram id en tifica do s d ifere nte sp eriodos de trabalho dentro de um a m esm a caverna. M ais do que isso, ostecnicos detectaram esbocos em carvao por baixo das p inturas. E , emsuma, 0 co nju nto d essa s d esco berta s ac ab aram p or lev ar o s esp ecia listas apensar que as cavernas, alem de verdadeiros santuarios, poderiam serc omp re endid as c omo comp le xo s a te lie s d e p in tu ra .

    E s se s a rtig o s d e jomal s a o , ev identemente , mui to s imples. Mas por se-rem fundados em pesquisas cientificas, p od em ser lev ad os a se rio , su rg in do d asu a comp aracao uma serie d e q uest5 es b asicas qu e p en nitem realicercar aspossiveis r~ entre a Psicolog ia e as A rtes. Ou s eja , s e o s ma ca oo s s a o ca-p a z e s d a a rte - ass im afinnam a l g u n s espectadores (especiaI is tas) - p or ques e r a q ue su as manif~ s a o comparadas a pintura abstracionis ta , resu1tadode seculos de h ist6ria d a arte? P or q ue n a o s a o comparadas it chamada a rt ep r6 -h is t6 ric a, p o r s upo sto mu ito ma is p r6 xima dos p rima ta s, n a v erte nte e vo -lucionista? Sera que e p orq ue a figuracao, tao e labo rada j a nas p in tu ra s rupe s-tres, n a o e p ossiv el d a p arte d esses seres p re-h um anos? E se a fi~ e im -possivd 00 animal, se 0 p r i r n a t a sO e c a p a z d e "abstracoes" e se na rel~ entrees tas n a o se verifica n enhuma ~ p lastica o u grafica, seria 0 c aso d e u sar-mos 0 termo arte para d esig nar aq ue le tip o d e producao pre-humana? S e r aque podemos falar, nesse nive l a n i m a l , de urn estag io ou de um a etapa de urnt ipo de compor tamen to , 0 e ste tic o, que s e v erific ar ia d e modo ma is c omp le xo00 homem? Ou s e r a que 0 p ro p rio c ompo rtamen to , su pos to e imp lic ado p e laarte, e u rn tip o d e c ompo rtamen to in augura do c om a humanid ad e?

    Pensando nessas questO es, acabam os sendo levados a outra, m aisg eral e fu nd am en ta l, p ara 0 inicio de qualquer debate sobre a arte. A p er-gunta e , justamente, 0 que se entende por A rte? E essa questao e funda-m ental p orque a p artir dela e q ue p od eremo s compreen de r 0 comporta-men to p rop r iamen te estetico e esp ecificar m elh or a relacao en tre a P sico -log ia e a A rte.

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    JoiJo A. Frayze-Pereira

    Se cada leitor pensar individualmente em alguns exemplos deobras de arte, com toda certeza nao hesitara muito. Todos nos concor-damos que a Monalisa de Leonardo Da Vinci e Arte, que os Lusiadasde Camoes e Arte, que urn Noturno de Chopin e Arte, que as pinturasno teto da Capela Sistina sao Arte. Mas se e facil encontrar exemplosde obras de arte, 0 mesmo nao ocorre quando se pensa nos criteriosque levam alguem a dizer porque elas sao Arte (Coli, 1981). Ou seja, edificil dizer 0 que e Arte, sobretudo quando vemos num desses livrosilustradose bern encadernados, os chamados livros de arte, referenciasaos trabalhos desse importantissimo artista plastico contemporaneo, M.Duchamp, entre os quais urn aparelho sanitario de louca, exatamenteigual aos existentes no mundo inteiro - urn objeto que passou a serconservado em museu e exposto a visitacao do chamadopublico dearte. No entanto, trata-se de urn objeto que nao corresponde exatamen-te a ideia que se costuma ter da Arte. E se esse tipo de objeto nosquestiona, de qualquer maneira nossas incertezas acabam se acalmandoquando, apos ter buscado saber 0 que e arte na Teoria da Arte, perce-bemos que 0 campo semantico do termo e ele proprio incerto. E queos teoricos apontam como urn dos aspectos da propria Arte as dificul-dades que apresenta ao enquadramento numa definicao fixa, positiva.Isto e, os teoricos encontram dificuldades para delimitar as fronteirasda propria Arte, pois, de urn lado, a Arte nao teve sempre, nem emtoda a parte, 0mesmo estatuto, 0mesmo conteudo e a mesma funcao.o que se verifica ainda hoje... De outro lado, independentemente de qual-quer pressuposto socio-cultural, desconfia-se hoje muito da palavra arte.Ocampo recoberto pelo conceito e extenso: entre "a obra-prima e 0esboco, 0 desenho do mestre e 0 desenho da crianca, 0 canto e 0 grito, 0som e 0 ruido, a danca e a gesticulacao, 0 objeto e 0 acontecimento", edificil tracar uma fronteira e ate poderiamos nos perguntar se vale apena tracar essa fronteira. "Porque nao sao apenas as teorias da arteque hesitam em atribuir-Ihe uma essencia, mas a propria pratica dos ar-tistas e que desmente a todo momento qualquer definicao". Assim,uma definicao da arte nao deve procurar contrariar esse "movimentode auto-contestacao e de invencao" que orienta a arte e que "a tornaliteralmente inapreensivel" (Dufrenne, 1982, p.8).

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    Urn erro muito frequente e considerar a Arte ou admitir comoconceito geral e definidor da Arte urn programa particular de arte, umapoetica, Segundo 0 grande esteta italiano Pareyson (1984, p.24-S), esseengano e frequente e consiste em tomar a parte pelo todo, por exem-plo, quando se diz que a Arte e expressao do eu profundo do artistasem se dar conta que essa e uma ideia que surge com 0 Romantismono comeco do seculo XIX, e nao antes. Para evitar esse equivoco,muitos estudiosos admitem uma definicao que possua urn carater nega-tivo, isto e , que impeca a busca de uma definicao "real", de essencia ou dequalquer ser oculto, como durante seculos fizeram todas as poeticas, afir-mando que a arte e intuicao ou forma, que e ideia ou expressao, que eisto ou aquilo, sempre na ilusao por parte de cada uma dessas posicoesde ter sido esta e nao as outras a que capturou com sua rede concep-tual "a pr6pria universalidade da arte, toda arte e para sempre"(Formaggio, 1981, p.9).

    No entanto, se considerarmos historicamente as definicoes daArte, segundo Pareyson (1984, p.29-33), podemos ordena-las basica-mente em tres categorias: arte entendida como fazer, arte entendidacomo exprimir, arte entendida como conhecer. Sao concepcoes queora se opoem, ora se combinam, mas que grosso modo apontam paracontextos hist6ricos bastante distintos.

    Com efeito, a primeira concepcao - a arte entendida como fazer- prevaleceu na Antiguidade, quando 0 aspecto fabril, manual, execu-tivo, era acentuado. Com 0 Romantismo permaneceu a segunda - abeleza nao era compreendida como adequacao a urn modelo exterior, maspela intima coerencia das figuras artisticas com 0 sentimento que as inspi-rava e suscitava. E foi no Renascimento que prevaleceu a terceira maneirade conceber a arte - a arte como visao da realidade, ora da realidadesensivel, ora de uma realidade metafisica superior, mais verdadeira, ou deuma realidade espiritual mais intima, profunda, emblematica,

    Seria possivel dizer que a Arte encerra todos esses atributos. Noentanto, e preciso observar mais de perto os pr6prios termos envolvi-dos nessas definicoes.

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    Se considerarmos a primeira definicao, arte e expressdo, teremosque admitir, no entanto, que todas as operaeoes hurnanas sao rnais ournenos expressivas, isto e , que toda obra hurnana contem aespirituali-dade e a personalidade de quem a realizou e a ela se dedicou e que,nesse sentido, a arte e , tambem , ope ra cdo e xp re ss iv a. E que nao e esseaspecto que a caracteriza essencialmente. Dizer, por exemplo, que artee expressdo de s en timento s - pode ter sentido no plano de urn particularprograma de arte (isto e, no plano de uma poeticai; mas n a o no plano da .estetica, quer dizer, no plano de uma concepcao geral de arte.

    Esse rnesmo tipo de reflexao vale para a concepcao que diz ser aar te conhecimen to , isto e, que ha urn cornponente cognitivo na arte.Mas, sabemos, se a arte pode chegar a se fazer ciencia como em Leo-nardo Da Vinci, aquilo que se diz da arte - que ela e reveladora daverdadeira realidade das coisas - pode-se dizer de outras atividadeshumanas, que no seu concreto exercicio, abrern portas sobre a constituicaoda realidade: a Filosofia, a Ciencia, a Moral, a Religiao ...

    Mas a arte e tambem um fazer . E tambem aqui e preciso obser-var que todas as atividades hurnanas tern esse lado executivo, que hacriacao em outros pIanos que nao 0 artistico. E, nesse mornento, aindaestamos no ponto zero, as voltas com a questao da qual partimos: 0que e a Arte?

    Pensar a articulacao exprimir - conhecer - fazer, rornpendocom a atitude isolante, que opera com positividades, e , atraves dePareyson (1984), a maneira de nos aproxirnarmos de urna resposta quede conta da concretude da arte.

    Com efeito, a arte e necessariamente expressiva enquanto e for-ma, isto e , urn ser que "vive por conta propria e contem tudo 0 quedeve conter". E esta afirmacao significa que "a forma e expressiva en-quanto 0 seu se r e urn dizer". Nesse sentido, ela nao tern urn significa-do, mas e urn significado. E, a partir dai entende-se porque a arte etambem urn conhecer, pois ao revelar urn sentido das coisas, 0 faz demodo particular, ensinando urna nova maneira de perceber a realidade.Esse novo olhar e revelador porque e construtivo, isto e , formador.

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    Nessa medida e urn olhar que se prolonga no fazer, "como 0 olho dopintor cujo ver ja e urn pintar" (Idem, p.31).

    Conclusao: a arte e urn fazer. Mas e urn fazer especifico. Ou seja,"e um tal fazer que, enquanto faz, inventa 0por fazer e 0modo de fa-zer". E uma atividade na qual execucao e invencao caminham parale-lamente, simultaneamente e de modo inseparavel. Assim, na arte con-cebe-se executando, projeta-se fazendo, executa-se encontrando a re-gra, ja que a obra existe so quando e acabada. Isto e, nao ha arte semobra, entendida inicialmente como objeto sensivel que e inventado aoser feito. A sua realizacao nao e umfacere, mas urn per-ficere, isto e,urn acabar, urn levar a termo de modo tao radical que 0 resultado e urnser inteiramente novo e irrepetivel.

    Sao essas, em suma, as caracteristicas da forma: "exemplar na suaperfeicao, singularissima na sua originalidade". Portanto, a arte e uma ati-vidade que e umformar, isto e , urn executar que e urn inventar. (Idem,p.32). Nesse sentido, se a obra de arte e forma, a atividade artistica e for-matividade, na medida em que e 0 resultado de urn processo de per-feicao. A obra e perfeita exatamente na medida em que 0 por fazer e 0como fazer foram levados a termo plenamente.Contudo, 0modo como os homens concebem a arte e a atividadeartistica, isto e , a forma e a formatividade, concretamente, e uma outrahistoria: a historia da arte.

    Uma maneira abrangente de se compreender a arte, portanto, te-ria que levar em conta a sua particularidade, definida pela sua historici-dade. Assim, por exemplo, urn outro pensador italiano importante -Formaggio (1981, p.9) - define arte dizendo 0 seguinte: "arte e tudoaquilo a que os homens na historia chamaram e chamam arte". Comose pode observar, trata-se de uma definicao que permite a propria veri-ficacao do conceito de arte, isto e , ela suscita uma serie de interroga-yoes que comeca com a seguinte pergunta: como se constitui aquilo aque os homens chamam arte? E esta indagacao gera outras: que signi-fica "aquilo", que "homens" sao esses, qual a "validade desses discur-sos" e, principalmente, "a que hoje os homens chamam arte". Trata-se,portanto, de urn questionamento que nos leva necessariamente a admi-

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    tir, lembrando Foucault (1972), que e somente na historia que se pode-ni descobrir 0 unico a priori concreto a partir do qual a arte assume seuscontomos necessaries.

    Claro deve estar, a partir dessa breve apresentacao da problematicaconceitual encerrada pelo termo arte, que 0 terreno no qual se devefundamentar qualquer pesquisa que envolve 0 processo artistico e 0tracado pela hist6ria da arte. Esse e 0 ponto de partida indiscutivel dequalquer pesquisa sobre a arte. E a partir dele fica impossivel pensar aarte em geral. E isso porque, como ja sabemos, falar sobre a Arte emgeral e correr 0 risco de falar sobre 0 nada.

    Nessa medida, quando 0 desejo e 0 de estabelecer urn dialogocom a arte, ha que se reconhecer 0ponto basico do qual qualquer pes-quisa deve partir: a obra, de arte. Afinal, "a arte existe para ser percep-cionada" (Argan, 1982, p.109). Contudo, percebemos muitos objetosque nada tern de artisticos. Quer dizer,

    a percepcao orientada para a arte, tenta comunicar-nos algo diferentedo que nos e comunicado pela percepcao normal, projeto que se evi-dencia no modo de elaboracao das coisas que os artistas oferecem anossa percepcao, ou seja, nas tecnicas artisticas (Idem).Essas tecnicas que so podem ser postas em pratica tendo em vista

    certos materiais, junto com estes, variam conforme as epocas e os lugares.E esse fato - embora nao seja decisivo na determinacao de urn objetocomo obra de arte, pois para isso concorrem, alem do artista e dos meiosque emprega, tambem a critica, 0 publico, 0mercado e, em suma, todos osespacos institucionais da arte (museus, galerias, etc.) - permite-nos ob-servar novamente que e praticamente impossivel definir para a arte urnesquema ou urn programa de realizacao universal e invariavel, Vejamosurn exemplo fundado na contemporaneidade quando, e bern evidente, eimpossivel manter a unicidade da arte para falarmos da Arte.

    Com efeito, de urn lado, encontramos os expressionistas abstra-tos dos anos 40-50 que reviveram

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    uma concepcao romantica do artista, como urn homem concomitan-temente pertencente e contrario ao seu tempo e que da forma aosconflitos mais profundos de sua epoca, e que alem dessa concepcaoromantica do artista defendiam que uma era violenta exigia uma arteviolenta (Lasch, 1986, p.133).De outro lado, ha que se considerar a sensibilidade minimalista

    que se originou de urn espirito de reducao e retlete urn sentimento deque nao ha espaco para a arte e de que a sociedade modema, como aarte moderna, aproxima-se do fun do caminho. Se considerarmos essesdois movimentos, veremos que, de urn ao outro, temos 0 contemporaneoe possibilidades de se pensar 0 individuo, os tempos modemos e a pro-pria arte segundo modos distintos.

    Numa conferencia pronunciada em 1951, 0 pintor frances JeanDubuffet antecipou os traces principais da sensibilidade minimalista, aodefender a "completa liquidacao de todas as formas de pensamento,cujo conjunto constitui 0 que se designou 'humanismo' e que foi fun-damental para a nossa cultura, desde 0 Renascimento". SegundoDubuffet, 0 artista deve suprimir a assinatura pessoal de sua obra. Se elepinta urn retrato, insiste, deve procurar libertar 0 retrato de quaisquer tra-cos pessoais. Trata-se de fazer uma arte impessoal que rejeita 0 primitivis-mo, 0 surrealismo e 0 expressionismo abstrato com veemencia.

    Nessa l inha, Ad Reinhardt, pintor americano que de 1957 a 1967n a o pintou outra coisa s e n a o composicoes em negro, no texto Doze regraspara uma nova academia (1957), dizia 0 seguinte:

    nenhuma textura, nenhum trabalho de pincel ou caligrafia, nenhumesboco ou desenho (...) nenhuma forma. desenho, cor, luz, espaco,tempo, movimento, dimensao ou escala, nenhum objeto, nenhum su-jeito; nenhum tema; nenhum simbolo; imagem ou signo; nem prazer,nem dor (Lasch, 1986, p.133).De outro lado, Mark Rothko, com a serie de trabalhos em negro

    semelhantes aos de Reinhardt, destacava estar interessado somente em"expressar as emocoes humanas e em comunica-las aos outros". Umacomparacao entre as pinturas em negro de Reinhardt e as de Rothko

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    JoiJo A. Frayze-Pereira

    Dt.hrlIiiP~ numa pa isagem. D e s : : n I x > amn:{llim, 3O,5x24,Oan, 1960.

    mostra a diferenca entre urna arte que, tendo renuneiado a esperaneade impor a ordem do artista ao mundo, apega-se, no entanto, a indi-vidualidade, como a uniea fonte de continuidade num meio circun-

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    dante de outro modo ca6tico, e uma arte que, por outro lado, renunciaa propria possibilidade de uma vida interior (Lasch, 1986, p.134).Segundo Eliza Rothbone as pinturas em negro de Rothko

    "mantem sua preocupacao com uma experiencia humanamente vivida".A (mica ideia desse artista e a de "uma experiencia que possa se expan-dir na resposta do espectador, ao passo que Reinhardt recusa qualquerintercambio desse tipo entre possibilidades interpretativas". ParaReinhardt "a opcao pelo negro foi 0 ultimo passo para evitar qualqueruso da cor ..." (Idem).

    Porem, admitindo que e quase impossivel manter a unidade daarte na contemporaneidade, dada a multiplicidade das poeticas existen-tes, como compreender que todas elas sejam arte, ou melhor, queReinhardt e Rotko, por exemplo, representem modos diferentes de sefazer arte; ou diferenciacoes da arte, e que as expressoes dos demaisprimatas nao fazem parte desse processo que justamente admite tantasvariacoes'iPara compreendermos esta questao, sera preciso entender-mos que tipo de comportamento e esse, pressuposto e implicado pelaarte, que se verifica na "ordem humana". E, nesse instante, a indagacaonao e mais hist6rica, cultural ou psicol6gica. Ela e , antes, uma questaofilosofica. Entre os pensadores contemporaneos, Maurice Merleau-Ponty e talvez aquele que mais radicalmente considerou essa questao,elaborando uma Filosofia na qual 0 "comportamento estetico" tern urnvalor ontologico fundamental.

    Em A Estrutura do Comportamento (1942), 0 fil6sofo distinguea "ordem humana", a "ordem fisica" e a "ordem vital". E a "ordem huma-na" e definida por uma "estrutura simb6lica" cujo equilibrio nao se verificacomo conservacao de uma ordem dada (ordem fisica), nem comoadaptacao atraves das virtualidades do organismo as condicoes atuais(ordem vital), mas em virtude da possibilidade de ultrapassar a imedia-tez das situacoes e criar uma situacao nova tendo em vista algo queesta ausente. 0 simbolo justamente e 0que exprime esse tipo de estrutura-yao onde a ayao se orienta para 0virtual, orientacao que se presentifica napercepcao, na linguagem e no trabalho. A "estrutura simbolica" define-se,entao, por urn movimento de transcendencia que confere a existencia

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    hurnana 0 poder de ultrapassar 0 dado, encontrando para ele urn senti-do novo atraves de urna ayao orientada em fi.myaodo possivel. ''Por issornesrno, diz Chaui (1974), sornente nessa dimencao e que se podera falarem historia propriarnente dita" .

    Ernbora nao seja possivel tratar dessas distincoes com a minuciaque elas exigern, no espaco deste artigo, algo que ja fizernos em outrotrabalho (Frayze-Pereira, 1984), cabe citar deste apenas urna passagernpara esclarecer urn pouco rnais a questao que nos interessa.

    A transcendencia ja descoberta no plano vital e, na ordem humana,conservada e ultrapassada, pois a peculiaridade da 'estrutura simboli-ca' e ser reflexionante. Trata-se de uma reflexao que, como sabemos,ocorre primordialmente no corpo, propagando-se nas coisas e instau-rando entre ele e elas uma relacao expressiva. E 0 corpo reflexivo,portanto, que inaugura a 'estrutura simbolica', destruindo a oposicaosubjetivo/objetivo. E , nesse sentido, impossivel distinguir nessa di-mensae meios e fins como elementos separados. A a930 humana 50podera ser apreendida concretamente atraves de uma estrutura querompe com a exterioridade entre meios e fins. Diz-nos Merleau-Ponty(1942, p.188): 'sem duvida, 0 vestuario, a moradia, servem para nosproteger do frio; a linguagem ajuda 0 trabalho coletivo e a analise do'solido inorganico'. Mas, 0 ato de se vestir torna-se 0 ato de enfeiteou, ainda, 0 do pudor, e revela uma nova atitude para consigo mesmoe para com 0 outro. Somente os homens veem que estao nus. Na casaque constr6i para si, 0 homem projeta e realiza seus valores preferi-dos. 0 ato da palavra exprime, enfim, que deixa de aderir imediata-mente ao meio, eleva-o a condicao de espetaculo, e apodera-se dele( ... ) pelo conhecimento propriamente dito'. A estrutura que vinculameios e fins deterrnina a genese da acao como transformacao do dadoem fins, e destes, em meios para novos fins (Chaui, 1974). A ponteconstruida pelo castor reitera-se nurn processo ciclico a perdurar nassuas condicoes naturais. E urn objeto que nao tern sentido senao nasua relacao vital com 0 comportamento do organismo. Do mesmomodo, se 0 chimpanze e capaz de conferir valor instrumental a urngalho de arvore, jamais chega a construir instrumentos a servir-lhepara repor outros. Ademais, no galho de arvore transformado em bastao, 0galho e suprirnido enquanto tal. 'Para 0 homem, ao contrario, 0 galho dearvore transformado em bastiIo permanecera justamente urn galho-de-arvore-transformado-em-bastao, uma mesma coisa com duas funes di-ferentes, visivel p ara ele sob uma pluralidade de aspectos. 0poder de es-

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    co lh er e de fazer variar o s pont os d e vis ta permite - lhe c r ia r instrumentos,n a o so b a p r e s s s o d e um a si~ d e fato, mas para um uso virtual e emparticular p ara fab ricar ou tro s' (M erleau -P on ty , 1 94 2, p .I90 ). A ~propriamente humana n a o pode ser reduzida Ii~ v ita l. 0 galho t ransf i -gurado em bastao adquire para 0 ag ente a form a d e um instrumento d etrabalho, trabalho este qu e o s co nsome no processo ao m esm o tem po querepOe novos instrum entos. E e dessa m aneira que 0 galho d e arvore dadodesaparece no bastao. E e este 0 sentido do tr ab alh o, is to e , 0 reconheci-m ento p ara alem do mundo atual d e ur n mundo d e possibilidades(M erleau -P onty , 1 94 2, p .I9 0). E estas s a o possibilidades do corpo e dascoisas. E screv e B osi (1 97 7, p .5 5): 'm orar e p os sivel p orq ue m a o s firmesde pele dura amassam 0bar ro , emp ilham pedras, atam bambus, a ss en tamt ijolos , ap rumam 0 flo, trancam rip as, diluem a cal v ir gem, mold am 0c on cre to , ar gama ss am ju nta s, d es emp en am 0 r eb oc o, a rmam 0madei-ram e, cobrem com teIha, g oivo ou sape, p reg am rip as no f or ro , p re g amtabuas no a ss oa lh o, re ju ntam a zu le jo s, a br em portas, reco rt am jane la s ,c humb am b aten te s, < lao Iip intura a U ltima d emso', A ca sa na o esta empotencia como fo rm a in deten nin ad a na m ateria. Depende de ur n ato deviolencia atraves do qual se extraem da m ateria, m ediante a visuaIiza-~o de uma p ersp ectiv a (a casal, possibilidades que a transform am eviabilizam 0s eu u so . 0cicIo natural se rompe na m edida em que a a~ohumana - na qual 0 ag en te se en co ntra co rp oralm en te en gajad o e comdomini os ampl ia do s medi an te 0us o d e instrumentos - nao e mera nega-tivid ad e, m as neg ativid ade form ad ora: p rojeta 'o bjeto s d e us o' ('a v esti-m enta, a m esa, 0jardim') e 'ob je to s cu lturai s' ('0 livro, 0 instrumento demusica, a lin gu ag em '), q ue co nstitu em 0 m eio p rop riam ente hum ano efazem em erg ir ur n cicIo inedito de c ompo rtamen to s (Mer le au -Pon ty ,1 94 2, p .1 75 ). s ao esses os ob je to s que inicialmen te compoem 0 campo dapereepcao, E mesm o quando a pereepcao s e o ri en ta p a ra 'o bj et os n at ur ai s'e, ainda, atraves de objetos hum anos (p or exem plo: a ling uag em ) que elaos visa. E isto e p ossivel p orque 0 homem nao e um a coisa e nem ur n se rqu e se p erde nas transformacoes r ea is q ue o pe ra s em p od er r ep ro du zi-la s:'tem 0 privilegio de re la cio na r- se c om o utr a c ois a d if ere nte d ele p ro prio ,p orque nao e sim plesm ente, m as 'existe' (M erleau-P onty, 1966, p .227).N a 'e stru tu ra s imb6 lic a', 0 c or po h uman o deixa, p ortanto, de aderir aom eio da m aneira com o 0 animal adere. Ademais, esse corpo ja nao e s t Asozinho. E ncontra-se situado entre outros corp os tam bem situados, d esorte que a a~o hum ana aqui referida e tom ada DO s eu sen tido pa rt icu la re conc re to . 0agente n a o e a su bjetiv idad e, m as w na in tersu bjetiv id ad e ,de m odo que '0 conhecim ento se encontra recolocado na totalidade dapraxis hum ana e last reado p or ela' (M erleau -P on ty , 1 96 6, p .2 37). N ess esentido, '0 que d ef in e 0homem n a o e a cap acidade p ara criar um a seg un-

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    da natureza - econom ica, social, cultural- para alem da natureza bio-logica, e sobretudo 0 p od er d e u ltra pa ss ar a s e stru tu ras c ria da s cria nd oou tr as ' (Mer le au -Pont y, 1 9 42, p .1 89) . E u rn p od er d e tra ns een de nc ia q uepoe 0ag en te hu mano com o urn ser historico, Ou s eja , 'a d ia le tic a h uma nae ambi gu a: e la s e ma nif es ta in ic ia lm e nt e a tr av es d as e str utu ra s s oc ia is o ucultu rais q ue faz ap arecer e nas q uais se ap risio na. Mas s eu s o bje to s d eu so e s eu s o bje to s c ultu ra is n ao s er iam 0que sao se a atividade que os fezap arecer n ao tivesse tam bem como sen tid o n eg a-los e ultrap assa-los '(M erleau-P on ty , 1 94 2, p .l9 0 - g rifo s d o au tor o mitid os). Assim, com a' es tr ut ur a s imb6 li ca ' ma rc a- se 0 a dv en to d a l og ic a d a e xp re ss ao me dia nt ea q ual 0 s ig n if ic an te e 0 s ig nific ad o n ao s e v in cu la m com base num a as-sociacao em pirica, p or sua vez fundada na situacao im e dia ta e lim ita daqu e c ir cunda 0ag en te. Isto e, com a 'estru tura sim b6lica ' ab re-se a p os-sib ilid ad e d e ex pre ss oe s v aria da s d e u rn m esmo tema; 'm u ltip lic id ad ed e p ers pe ctiv as ' (M erle au -P on ty , 1 94 2, p .1 33 ). (F ray ze -P ereira, 1 98 4,p.191-4).Em suma, a estrutura simbolica e polarizada pelo "corpo enquan-

    to unidade de condutas e nucleo de significacoes e pelas coisas, en-quanto qualidades expressivas, isto e , dotadas de sentido" (Chaui, 1974).Isto quer dizer que a estrutura simbolica e reflexionante, reflexao queocorre primordialmente no corpo e nao na consciencia, situando-se 0"para-si" num dominio que sempre, filosoficamente, pertenceu ao em-si .

    o enigma e que m eu corpo e sim ultan eam en te v idente e v isivel. E le,que olha todas as coisas, tam bem p ode olhar-se e reconhecer naquiloq ue v e 0 'ou tro lad o' de su a p otencia vid ente. E le se ve v en do , to ca-se to -cando, e v is iv el e s en siv elp ara s i m esmo . E u rn s i, n ao p or t ra ns pa re nc ia ,como 0 pensamento que so pode p ensar assim ilando 0 pensado,constitu indo-o , transform ando-o em pensamento , mas urn si p orconfusao, narcisism o, inerencia daquele que ve, naquilo que ve, da-quele que toea naquilo que toea ( ... ). V isivel e m ovel, m eu corp o estano m im ero das coisas, e uma delas, p reso no tecido do mundo e dota-do da coesao de uma coisa. Mas, porque ve e se move, m antem ascoisas em circulo ao seu redor, sao urn anexo ou urn p rolong am entodele m esm o, estao incrustadas em sua carne, fazem parte de sua de-fin icao p len a, e 0mundo e feito do p rop rio estofo do co rp o (M erleau -P on ty , 1 96 4 , p .1 8- 9) .E comentando Merleau-Ponty, diz Chaui (1974):

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    a propagacao da reflexao corporal nas coisas desdobra a interioridadeou 0 sentido presente nelas como neles. Quando 0 pintor diz que evisto pelas coisas ao inves de serem as coisas vistas por ele, pOe a vi-sao no pr6prio mundo. Ou seja, M uma visibilidade secreta nas coisasque se toma visibilidade manifesta atraves de nosso corpo (...). A es-trutura simb6lica, portanto, pO e a reversibilidade do sujeito e domundo como uma relacao expressiva. NiloM coisas puras, mas coisashumanas, fisionomias, valores. Os outros e as coisas se oferecemcomo polos do desejo e a dialetica humana nasce ai, na tentativa deapropriacao e negacao do mundo natural, fazendo emergir 0mundohumano da linguagem e do trabalho.Em outra s p ala vra s, d iriamo s, e ai q ue n as ce 0m undo da arte.C om efeito, sabem os que a arte e u rn fa zer fo rm ativ o, isto e , tra-

    balho. M as, sabem os tam bem que e u rn f az er e xp re ss iv o, s ig n if ic an te ,quer dizer, linguagem . O ra, com o 0 sim bo lo ex prim e ju stam en te urntip o de estruturacao onde a a~o visa 0 que esta ausente, a ling uag em e 0trabalho podem aparecer no mundo humano e com elas a dim ensao dosentido. N essa m edida, p ercebem os que e desde 0 seu p rop rio corp oque 0 hom em se diferencia dos outros seres. E m ais, que e a tra ve s d es -se corp o, vidente-visivel, que se abre 0 cam p o d as sig nificaco es p ictu -rais, cam po aberto desde 0 momento em que urn homem surg iu nomundo . E , n esse sen tid o, q ue 0 historiador da arte T hevoz (1984 , p .7)tam bem p en sa ser 0 h om em d iferen te d os o utro s seres, isto e, p or seu c or-p o, p ois 0 homem e urn ser que se situa num a relacao am big iia com su ap ro p ria imag em , ambig u id ad e que 0 le va a re to ca r s eu . co rp o d e rm iltip la smane ira s, d ef ormando-o , mu tila ndo- o, o rn amenta ndo- o a tra ve s d e tatua-g en s, e sc arific ac oe s, rn aq uila gem, c iru rg ia p la stic a.. E p od e s er q ue e ss ate nd en cia au to -p lastica su gira a. alg un s a raiz v ital d a p ro pria arte. N o en -ta nto , se o homem n asce p rem atu ram en te , c om u rn a p ete m uito fin a, m uitofragil, m uito p ura e que, p or isso, p ede u.ma p ro te ca o a rtific ia l, e sta n ao eapenas f is ic a, mas , sobre tudo, simbolica, Quer dizer, a o n ascer, 0 homemfica ex po sto n um d up lo sen tid o: ao s p erig os, m as tambem ao s o lha re s. E lee c om to da c erte za 0unico animal que nasce nu e que faz de sua pele urnasu pe rfic ie a p in ta r - su pe rfic ie n a q ua l g ra du alm en te s e in sc re ve s ua id en -tidade que, por exem plo, a tela, ep iderm e ultra-sensivel, atraves dap intura e de toda a arte, ini am pliar. A ssim , 0 q ue p errn itira ao h om em

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    se dizer diferente de todos os outros seres, de urn modo definitivo, as-sume na historia a forma espetacular de urn milagre, nao 0 milagre gre-go, mas 0 "milagre de Lascaux" (Bataille, 1955, p.11). Desse ponto devista, que significa Lascaux ?

    Lascaux constitui 0 primeiro signo sensivel que nos foi legado dovinculo entre a humanidade e a arte. Ha em Lascaux uma figuracaoinutil de signos que seduzem, que nasceram da emocao e ainda se diri-gem a ela, atraves dos contomos de uma determinada Forma: trata-sede umaarte naturalista, mas de urn naturalismo que atinge, exprimin-do-o com exatidao, aquilo que no animal e maravilhoso, uma belezasobrenatural. Para Bataille (1955),0 homem de Lascaux tirou do nada-artistico, isto e, criou literalmente 0 mundo artistico e com este inaugu-rou a historia da "comunicacao dos espiritos". E em Lascaux que terninicio a historia da arte, pois os homens que ai viveram instauraram urnsofisticadissimo processo de comunicacao, urn laco intersubjetivo comuma longinqua posteridade constituida por nos, uma humanidade quena condicao de receptora faz outro uso dessa heranca. E nas profunde-zas da terra, no oco mesmo de uma caverna, que podemos ver e pagarpara ver uma especie de ronda notuma, uma cavalgada animal que per-corre paredes, signos da presenca no mundo de seres dotados nao ape-nas de uma inteligencia utilitaria, mas de uma vida interior, tao distante denos, que apenas a arte pode dela nos aproximar e assumir a comunicacaoefetiva. Nesse sentido, pode-se dizer, retomando agora 0 pensamento deMerleau-Ponty (1975, p.347), que "os primeiros desenhos nas cavemasinstauravam 0 mundo como a pintar ou a desenhar, invocavam urn porvirindefinido da pintura e por isso nos falam e os evocamos por metamorfo-ses em que fluem conosco". E isto quer dizer que "0 primeiro desenho nasparedes das cavemas fundava uma tradicao unicamente por recolher outra:a da percepcao" (1975, p.355).

    Em suma, quer tratemos do desenho rupestre, quer da pinturacontemporanea, 0 suposto e uma operacao reflexiva que funda a uni-dade dapintura e que na pintura se amplifica.

    Que significa isso?

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    Lascaux, Segundo Touro, Pare de e sq ue rd a d a s ala m aie r, C omp rir ne nto : 3,50 m .

    Devem os o bservar, am pliand o m ais n ossa reflexso e sempre comMerleau -P on ty , q ue:a obra que se cwnpre nae e a que existe em si como coisa, mas a queatinge 0espectador, convidando-o a retomar 0g es to que a cr io u e, saltm-d o m ediacees, sem outro g uia que nilo 0movimento da linha inventa-da,a alcancar 0 mundo silencioso do pintor... (1975, p.341).Dife re ntemente do tra ba lho do e sc rito r, 0 trab alh o d o p in to r nA o e 0

    cia expressao de urn sentido, mas 0de sua impressao num suporte. Ollerd izer : .0. pintor im prim e um sentido na tela antes que esta 0 ex prim a -~sentido que p erm anece cativo p ara nosrque n liD n os comunicamos com .0mun do p ela p in tu ra" (p .3 43 ). E , no entanto , continua 0 fil6sofo,

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    esse dom se merece pelo exercicio, e nao e em alguns meses, nao etam pouco na solidao, que um pintor entra na posse de sua visao, Naoesta nisso a questilo: p recoce ou tardia, esp ontanea ou formada nom useu, ( ... ) a sua visao 56 ap rende vendo, 56 ap rende por si m esm a. 0olho v e 0 mund o , eo que falta ao Mundo pa ra ser quadro, eo que falta aoquadro para ser ele m esm o, e, na palheta, a cor que 0 quadro a gua rd a;e, um a vez feito, ve 0 quadro dos outros, as resp ostas outras a outrasfaltas.E, mais adiante, Merleau-Ponty conclui,o p intor e um homem em service que toda manha detecta no aspectodas coisas a m esm a interrog acao, 0 mesmo apelo a que jamais teraconclusivam ente respondido. A os seus olhos, a obra nao esta nuneaterm inada, m as sem pre em curso ( ... ).E quando ela chega a ser exposta a outros olhos e 0 trabalho de

    expressao dessa abertura impressa na tela que se verifica. Quer dizer, esomente aos olhos do espectador que a pintura e "expressao artistica",sendo 0 trabalho do espectador 0 que leva a efeito a operacao expres-siva. Ora, no campo da pintura, mais evidente do que em qualquer ou-tro, "a experiencia e aquilo que abre para 0 que nao enos", para usarnovamente as palavras do filosofo; e 0que nos coloca em contato comtudo 0 que e outro, isto e, com tudo aquilo que "exige de nos criacaopara dele termos experiencia" (Merleau-Ponty, 1971, p.187). No cam-po da pintura essa experiencia e a da visao, pois

    seja qual for a civiliza~o em que nasea, sejam quais forem as cren-cas, os motivos, os pensamentos, as cerimonias de que se cerque em esm o quando parece fadada a outra coisa, desde Lascaux ate hoje,pura ou impura, figurativa ou nao, a p intura jamais celebra outroenigma a nao ser 0d a v is ib ilid ad e ( 19 75 , p .2 81 ).E 0 que e proprio do visivel, como sabemos, " e ter urn forro de

    invisivel no sentido proprio, que ele toma presente como uma certaausencia"; e 0 proprio do olho e realizar "0 prodigio de abrir a almaaquilo que nao e alma, 0 bem-aventurado dominio das coisas, e seudeus, 0 sol" (Merleau-Ponty, 1975, p.298-9).

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    Ora, sera que a partir dessas consideracoes que delimitam 0campo da arte e preciso dizer algo mais para que os psicologos perce-bam nesse campo urn sentido para 0 seu proprio trabalho? No momen-to contemporaneo da modernidade, momento que abrange 0 seculoXX (Berman, 1986, p.16), no qual a arte se emancipa definitivamentede uma cultura totalizante, se desliga de valores religiosos, eticos ousociais, adquirindo 0 poder de exprimir uma relaeao mais profunda,mais originaria do homem com 0mundo, relayao que Dufrenne (1982,p.30) ousa chamar "pre-cultural ou pre-historica", nesse momentocontemporaneo em que surgem como questoes, simultaneamente, 0olhar e 0 desejo, 0 imaginario e 0 real, a arte possui "uma funyao euma forca insubstituiveis". Ora, exatamente por isso, nao tera a Psico-logia - com lugar interdisciplinar garantido entre a Historia da Arte ea Estetica - algo a dizer?

    Segundo Huyghe (1986)enquanto pa ra 0 historiador d a Arte 0 fato e 0 do cumento, a peca d e ar -q uiv o o u a m arc a c ara cteristic a q ue id en tific am a o ora, e sta be le ce nd o se ues tado civil e determ inando sua posicso na epoca, pa ra a P sic ol og ia d aA rte ele reside na pr6pria oora exposta a le itu ra e q ue p erm ite d ec ifrar,tUlo s O 0que urn hom em dip6s n ela in te nc io na lm en te , m a s tambem 0qu eo ela c olo co u, in co ns cie nteme nte , d e si p r6p rio e do grupo humano a quepertence (p.19).A obra de arte nao e 0 reflexo de urn real recortado previamente

    a toda intervencao humana, nao constitui urn sinal de uma realidade 10 -calizavel por outras vias e exprimivel.por outras tecnicas, nao remete aurn universo de formas imutaveis, mas da inicio a urn processo "de re-presentacaodialetica entre 0 percebido,0 real, e 0 imaginario.Ela nao re-mete a urn absoluto, mas aos devires humanos" (Francastel, 1973,p.17) Portanto, a perspectiva aberta pela Psicologia da Arte e a deevidenciar os principios de uma conduta propria ao homem, regulado-res de uma estrutura ao mesmo tempo material e imaginaria, no quadroe limites de seus poderes e de seus conhecimentos, num certo momen-to de sua historia e em determinado circulo de civilizacao, Por essasrazoes, Francastel (1973) conclui:

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    Joao A. Frayze-Pereira

    estou seguro que a ciencia da Arte e a pr6pria Arte tern muito a ga-nhar com uma apreciacao melhor de seu papel psicol6gico e tecnicona vida das sociedades. Apreciaremos melhor a Arte do passado e ado presente se lhe conhecermos melhor a significaeao humana (p.48).Ora, a Psicologia Social tern se esforcado em todos os dominios

    -. das comunidades as organizacoes , das classes populares as elites,das varias instituicoes as representacoes ideologicas - por descobrir einterpretar, segundo as modalidades mais adequadas , os fenomenosparticulares que caracterizam e diferenciam a vida dos individuos emsociedade. Portanto, nao ha nenhum motivo para excluir as artes desuas preocupacoes, No entanto, com base nos balances feitos por R.Huyghe, por P. Francastel, por G. Bazin e por inumeras publicacoesrecentes que fundamentam os estudos em Psicologia da Arte no con-texto das Ciencias Sociais, a abertura do psicologo para a arte depen-dera principalmente de sua disposicao, como espectador do arte, paraintroduzir-se nesse campo abissal, de cujos limites tratamos aqui, cor-rendo 0 risco da vertigem eo da perda de pontos fixos, risco que essecampo necessariamente suscita. Afinal, relembrando com Huyghe(1986, p.19), "a obra nao poe apenas em jogo a psicologia do artista,mas tambem a do espectador. Que procura nela, que recebe dela eporque razao a sente?" - sao questoes que 0 interprete ao se abrir para 0campo das obras, mais cedo ou mais tarde, tera que responder. E, con-seqiientemente, se comprometer.

    FRA YZE-PEREIRA, lA. The Alterity of Art: Aesthetics andPsychology. Psicologia USP. S. Paulo, v.5 n.1I2, p.35 - 60,1994.

    Abstract: The problem of the relation between Psychology and Artis considered with reference to the limits of the field structured by theplastic arts and originated by the specificity of the "human order". Pa-reyson, Battaille and Merleau-Ponty lay the foundation of an idea ofwork of art as a reflexive field asking the interpreter to be opened to

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    A Alteridade da Arte: Estettca e Psicologia

    the new, thence alterity, a fundamental attitude for research in SocialPsychology of Art.Index toms: Arl. Painting070.AeMhelicxPercfXiar.&x: ia/ P5}dIoIogy.

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