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  • 7/28/2019 ALUNOS PIEF

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    Alice Maria Soares de Oliveira

    O regresso escola dos alunos em abandono escolar contributo de um Programa Integrado de Educao e

    Formao

    Universidade PortucalenseInfante D. Henrique

    Porto, 2009

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    Alice Maria Soares de Oliveira

    O regresso escola de alunos em abandono escolar contributo de um Programa Integrado de Educao e

    Formao

    Dissertao apresentada Universidade Portucalense Infante D. Henrique para aobteno do grau de Mestre em Administrao e Planificao da Educao

    Orientadora: Professora Doutora Alcina Manuela de Oliveira Martins

    Universidade PortucalenseInfante D. Henrique

    Porto, 2009

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    Agradecimentos:

    Este estudo resultou da colaborao, directa e indirecta, de muitas pessoas quederam sugestes e contriburam para que este trabalho fosse concretizado.

    Universidade Portucalense pela oportunidade que me foi facultada emfrequentar este curso de mestrado.

    Professora Doutora Alcina Manuela de Oliveira Martins pela motivao, peloincentivo, pela compreenso, pela sua Sabedoria e pela forma clara e objectiva com queme orientou.

    A todos os alunos, encarregados de educao, monitora e directora de turma doPIEF e Conselho Executivo do Agrupamento onde decorreu o trabalho emprico.

    Conceio pela disponibilidade e incentivo. Isabel pela disponibilidade.

    Mariana, ao Gonalo e ao Z pelo pouco tempo que lhes dediquei.

    A todos um Bem-haja.

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    Resumo

    O presente estudo apresenta as caractersticas de funcionamento da medida criada pelos

    Ministrios do Trabalho e Solidariedade e da Educao Programa Integrado de Educao e Formao -,

    que tem como objectivo principal erradicar o abandono escolar e o trabalho infantil e simultaneamente

    dotar os jovens abrangidos de uma escolaridade que lhes permita integrar com sucesso a sociedade

    portuguesa como cidados de pleno direito. Descrevemos o perfil dos alunos e das respectivas famlias a

    quem se destina esta medida.

    Enquadramos esta problemtica nos desafios da escola actual; na relao escola famlia; no

    papel da participao dos pais na educao dos seus educandos; no fenmeno do insucesso escolar.

    Confrontamo-nos com diversas definies de insucesso escolar, de abandono escolar e de

    trabalho infantil e com o efeito destes fenmenos na sociedade humana e na portuguesa, em particular.Atravs da metodologia utilizada estudo de caso compreendemos as razes que levam os

    jovens em situao de abandono escolar ou em trabalho infantil a regressar escola com o aval da

    famlia.

    A questo enunciada levou-nos a perceber que a medida alvo do nosso estudo contribuir

    efectivamente para a reduo do abandono escolar e do trabalho infantil e simultaneamente para a

    reduo do insucesso escolar.

    Palavras chave: abandono escolar; trabalho infantil; escola; famlia; PIEF.

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    SUMRIO

    U

    INTRODUOU

    ............................................................. ............................................................... ............ 13

    U

    I PARTE - FUNDAMENTAO TERICAU

    ...................................................... ................................. 20

    U

    CAPTULO I- INSUCESSO E ABANDONO ESCOLARU

    ........................................................ ........... 21

    U1.U UA PROBLEMTICA DO INSUCESSO E ABANDONO ESCOLARU ........................................................... . 21U2.U UOS DESAFIOS DA ESCOLA ACTUALU ............................................................... ................................. 27U3.U UINSUCESSO ESCOLARU.............................................................. ...................................................... 32

    U3.1.U UEm torno do conceito de insucesso escolarU............................................................. ........... 32U3.2.U UAs causas do insucesso escolarU ......................................................... ................................. 33

    U3.2.1.U UA famlia e as suas condies socioculturaisU................... ....................... ...................... ................ 37U3.2.2.U UA famlia e a escolaU ..................... ....................... ...................... ....................... ...................... ....... 40U3.2.3.U UA escola e o sistema de ensinoU ...................... ....................... ...................... ....................... ........... 57

    U4.U UABANDONO ESCOLAR- FRACASSO NA DICOTOMIA ESCOLA/SUCESSOU ........................................... 65U4.1.U UConceito de abandonoU............................................................. ........................................... 65U4.2.U UCausas e consequncias do abandono escolarU......................................................... ........... 67U4.3.U

    UA relao reteno / abandono escolarU......................................................... ...................... 75

    U5.U UA COMUNIDADE EDUCATIVA FACE AO INSUCESSO ESCOLAR E ABANDONO ESCOLAR.U................... 78

    UCAPTULO II- O PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCAO E FORMAO (PIEF)U ........... 80

    U1.U UO TRABALHO INFANTIL EM PORTUGALU........................................................ ................................. 80U2.U UDEFINIO DO CONCEITO DE PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCAO E FORMAOU ................... 91U3.U UA LEGISLAO DO PIEFU ......................................................... ...................................................... 92

    U3.1.U UMetodologia de Interveno do PIEFU .......................................................... ...................... 93U3.2.U UO Plano de Educao e Formao (PEF) e o (PIEF)U..................................................... ..... 96U3.3.U UCaracterizao familiar dos alunos do PIEF U ........................................................... ........... 99

    U3.3.1.U UExpectativas da famlia face ao PIEF U .................... ...................... ....................... ...................... .. 106U

    3.3.2.U UExpectativas dos alunos relativamente ao PIEF U ...................... ...................... ....................... ...... 108

    U

    II PARTE - FUNDAMENTAO EMPRICAU

    ............................................................. .................... 111

    U

    CAPTULO III - METODOLOGIA DA INVESTIGAOU

    ............................................................. 112

    U1.U UOPES METODOLGICASU ................................................................ ......................................... 112U1.1.U UHiptesesU........................................................... ............................................................... 113U1.2.U UObjectivosU ......................................................... ............................................................... 114U1.3.U UOs instrumentos de recolha de dados U ........................................................... .................... 114

    U1.3.1.U UInqurito por QuestionrioU ..................... ....................... ...................... ....................... ................ 115U

    1.3.2.U UA EntrevistaU...................... ...................... ...................... ...................... ...................... .................. 116

    U1.3.3.U UA ObservaoU ....................... ...................... ....................... ....................... ...................... ............ 117U1.4.U UA Validade e Fiabilidade da Investigao U............................................................... ......... 117U1.5.U UTratamento e anlise dos dadosU......................................................... ............................... 118U1.6.U ULimitaes do estudo U .............................................................. ......................................... 119

    U

    2.U

    U

    DESCRIO DO CONTEXTO DE INVESTIGAOU

    ........................................................ .................... 119

    U2.1.U UA populaoU ...................................................... ............................................................... 119U2.2.U UCaracterizao do contextoU ............................................................... ............................... 120

    UCAPTULO IV - APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOSU ....................................... 123

    U1.U UOS INQURITOS POR QUESTIONRIOS AOS ENCARREGADOS DE EDUCAOU............................... 123U1.1.U UContexto scio familiarU........................................................ ......................................... 123

    U

    1.1.1.U UEstrutura do agregadoU...................... ...................... ....................... ...................... ....................... . 123

    U1.1.2.U UNvel socioeconmicoU ..................... ...................... ....................... ...................... ....................... . 127U1.1.3.U UIntegrao U..................... ...................... ...................... ...................... ...................... ...................... 128U1.1.4.U UAmbiente familiarU ................... ....................... ....................... ...................... ....................... ........ 130U1.1.5.U URelao com a escola U ...................... ...................... ....................... ...................... ....................... . 131U

    1.1.6.U UExpectativas face escola U ...................... ....................... ...................... ....................... ................ 133

    U2.U UAPRESENTAO DOS RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM APOIO NA OBSERVAOU ................. 137U2.1.U

    UO contexto familiarU ...................................................... .................................................... 138

    U2.1.1.U UO contexto scio familiarU .................... ....................... ...................... ....................... ................ 138

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    U2.1.1.1. U UA integraoU...................... ....................... ...................... ....................... ...................... ..... 138U2.1.1.2. U URelao com os pais e irmosU ..................... ...................... ....................... ...................... .. 139

    U2.1.1.2.1. U URelao com os pais U..................... ...................... ....................... ...................... ............. 139U2.1.1.2.2. U URelao com os irmosU ....................... ....................... ...................... ....................... ..... 140

    U2.2.U UO contexto escolarU........................................................ .................................................... 141U2.2.1.U URepresentaes da escola U ................... ....................... ...................... ....................... .................... 141U2.2.2.U UPercurso acadmicoU..................... ....................... ...................... ....................... ...................... ..... 142

    U2.2.2.1. U

    UDificuldades no processo de ensino aprendizagem U ....................................................... 142

    U2.2.2.2. U UComportamento do aluno na escola U ...................... ....................... ....................... ............. 142U2.2.2.3. U URelao entre os paresU ..................... ...................... ....................... ...................... ............. 143

    U2.3.U URazo da integrao na turma de PIEFU ........................................................ .................... 143U3.U UAOBSERVAOU .......................................................... ............................................................... 146

    UCONSIDERAES GERAIS U .......................................................... .................................................... 154

    U

    BIBLIOGRAFIAU

    .......................................................... ............................................................... .......... 160

    UANEXOSU............................................................. ................................................................ .................... 175

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    ndice de Grficos

    UGRFICO1 ESTADOCIVILU........................................................................................................................ 123UGRFICO2IDADEDOSE.EDUCAOU ................................................................................................... 124UGRFICO3HABILITAESLITERRIASU U GRFICO4 IDADEEHABILITAOLITERRIAU .............. 124UGRFICO5NDEANOSDEFREQUNCIANAESCOLAU .......................................................................... 125UGRFICO

    6

    N

    DE

    FILHOS

    POR

    AGREGADO

    FAMILIARU .......................................................................... 126

    UGRFICO7 NDEELEMENTOSDOAGREGADOFAMILIARU ..................................................................... 126UGRFICO8PROFISSODOSE.DEEDUCAO GRFICO9 PROFISSO IDADEU ...... 127UGRFICO10SITUAOEMQUESEENCONTRAMU ................................................................................ 128UGRFICO11READERESIDNCIADOALUNOU ..................................................................................... 128UGRFICO12VIVERAMSEMPREAU UGRFICO13 GOSTAMDEVIVERONDEVIVEMU.......................... 129UGRFICO14 SITUAOACTUALERESIDNCIAU ...................................................................................... 129UGRFICO15 CONVERSACOMOFILHO(A)U ............................................................................................. 130UGRFICO16AMBIENTEFAMILIAR GRFICO17 RELAOCOMOSIRMOS U........ 130UGRFICO18TIPODERELAOCOMAESCOLAU ................................................................................... 131UGRFICO19HABILITAESLITERRIASERELAOCOMAESCOLAU ................................................... 132UGRFICO20RAZODAINSCRIODOFILHONOPIEF GRFICO21PROFISSOERAZODA

    INSCRIOU ...................................................................................................................................... 133

    UGRFICO22HABILITAOLITERRIAERAZODAINSCRIOU............................................................ 134UGRFICO23 OQUEESPERAVAMCOMAIDADOFILHOPARAATURMAPIEFU....................................... 135UGRFICO24 HABILITAOLITERRIAEEXPECTATIVAFACEIDADOFILHOPARAOPIEFU.................. 135UGRFICO25MUDANADECOMPORTAMENTO U .................................................................................. 136

    ndice de Quadros

    UQUADRO1 ORGANIZAESU..................................................................................................................... 60UQUADRO2 TAXADEABANDONOESCOLARPORIDADES,DOS10AOS15ANOSU.................................... 72UQUADRO3 OABANDONOESCOLARNAPOPULAOTOTALCOMIDADEENTRE1824ANOSNO

    PERODO19962006U......................................................................................................................... 73UQUADRO4 OABANDONOESCOLARNAPOPULAOMASCULINACOMIDADEENTRE1824ANOSNO

    PERODO19962006U......................................................................................................................... 73UQUADRO5 PONTOSCRTICOSNATRANSIODEANOECICLOU ............................................................ 76UQUADRO6 CATEGORIZAODASENTREVISTASRELATIVOAOCONTEXTOFAMILIARU ....................... 137UQUADRO7 CATEGORIZAODASENTREVISTASRELATIVOAOCONTEXTOESCOLARU .......................... 138

    ndice de Figuras

    UFIGURA1CENSO2001U ............................................................................................................................ 71U

    FIGURA2

    MENORES

    COM

    ACTIVIDADE

    ECONMICA

    U

    ............................................................................ 88

    UFIGURA3OSALUNOSEOPIEFU ............................................................................................................. 109

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    Siglas e Abreviaturas

    AP - Associao de PaisC.T. Conselho de Turma

    CEF Cursos de Educao Formao

    CMF - Cmara Municipal de Famalico

    CNASTI Confederao Nacional de Aco sobre o Trabalho infantil

    CNASTI - Confederao Nacional de Aces Sobre Trabalho Infantil

    CNCETI - Comisso Nacional de Combate e Eliminao ao Trabalho Infantil

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CONFAP Confederao das Associaes de Pais

    CRSS - Centro Regional da Segurana Social

    D. L. Decreto Lei

    DT Director de Turma

    DE - Delegao Escolar

    Desp. - Despacho

    DETEFP - Departamento de Estatstica do Trabalho, Emprego e Formao Profissional

    EB 2/3 Escola do Ensino Bsico do 2. e 3. Ciclo

    EB1 Escola do Ensino Bsico do 1. Ciclo

    EE Encarregado (s) de Educao

    EPN Escola de Pais Nacional

    IAC - Instituto de Apoio Criana

    IDCT - Instituto para o Desenvolvimento e Inspeco das Condies de Trabalho

    IEFP - Instituto do Emprego e Formao Profissional

    ILO International Labour Organization

    INE - Instituto Nacional de Estatstica

    IPEC International Programme on the Elimination of Child Labour

    IPEC - Programa Internacional para a Eliminao do Trabalho Infantil

    LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo

    MTS - Ministro do Trabalho e Solidariedade

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OIT - Organizao Internacional do TrabalhoPEA Projecto Educativo do Agrupamento

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    PEETI Plano para a Eliminao da Explorao do Trabalho Infantil

    PETI Plano para Eliminao da Explorao do Trabalho Infantil

    PIEF Programa Integrado de Educao e Formao

    PNPAE - Plano Nacional de Preveno do Abandono Escolar

    SIETI - Sistemas de Informao Estatstica sobre o Trabalho Infantil

    SIMPOC Statistical Monitoring Programme on Child Labour

    TIL Tcnica de Interveno Local

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

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    INTRODUO

    O insucesso escolar uma problemtica de investigao em vrias reas,

    nomeadamente nas reas da Educao. Em Portugal, este assunto tem sido alvo de

    estudos empricos variados. A maioria desses estudos conclui que o insucesso escolar

    traduz uma incapacidade da sociedade em promover o sucesso dos seus cidados.

    Estudos realizados no mbito do Ministrio da Educao em finais do sculo XX

    davam conta de percentagens elevadas de insucesso escolar. Associado a este

    fenmeno, encontrava-se o abandono escolar de jovens que no cumpriam a

    escolaridade obrigatria. Como numa espiral, no fenmeno de abandono escolar

    encontravam-se situaes de um outro fenmeno: o trabalho infantil.

    Insucesso e abandono escolar e trabalho infantil so fenmenos, ainda hoje,

    visveis no mundo em que vivemos, apesar de todos os esforos realizados para os

    combater. Em Portugal, vrias medidas foram tomadas e experienciadas para combater

    estes flagelos.

    De 1992 ao final do ano lectivo de 2005/2006, trabalhamos, como professora

    requisitada, num organismo regional do Ministrio da Educao. Nos ltimos anos,

    travava-se uma batalha prioritria contra o insucesso escolar: erradicar o abandono

    escolar, aumentando a escolaridade dos jovens. Regressando escola e condio de

    professora, comprovamos no terreno, essa mesma luta. O Projecto Educativo da Escola,

    em que fomos colocadas, tinha como prioridades, entre outras, a reduo ao insucesso e

    o combate ao abandono escolar.

    Na direco de turma de sexto ano de escolaridade que nos foi atribuda, trs

    alunos registavam situaes de insucesso repetido ao longo do seu percurso acadmico,devido a falta de assiduidade e ao abandono da escola em alguns perodos do ano. As

    famlias contactadas justificavam se com o pouco interesse dos seus filhos pela escola,

    com as dificuldades que os seus educandos sentiam na aprendizagem e com

    dificuldades econmicas. Esta realidade era comum a outras turmas.

    Para o ano lectivo de 2007/2008, a escola apresenta candidatura a vrios

    projectos no sentido de providenciar o cumprimento dos objectivos a que se props.

    dada autorizao de funcionamento de vrios cursos de educao e formao comdiversas finalidades: aumentar a escolaridade dos seus alunos; completar o ciclo de

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    escolaridade frequentado e qualific-los a nvel profissional. Neste contexto, proposta

    a criao de uma turma de segundo ciclo de escolaridade no mbito de uma medida,

    implementada por vrios ministrios, designada de Programa Integrado de Educao e

    Formao (PIEF) sobre a qual, mais pormenorizadamente, nos debruaremos no

    segundo captulo da primeira parte deste trabalho.

    Os jovens propostos para esta turma foram sinalizados pela escola, por entidades

    concelhias tais como o Programa Escolhas, a Comisso de Proteco de Crianas e

    Jovens e a Cmara Municipal. Aqueles e as respectivas famlias foram alvo de vrios

    contactos presenciais por parte da designada Equipa Mvel Multidisciplinar (EMM)

    cuja funo tambm ser abordada no segundo captulo da fundamentao terica. Esta

    mesma equipa fez a seleco do grupo de alunos a constituir a turma PIEF que

    funcionou no ano lectivo de 2007/2008. Fizemos parte da Equipa Tcnico - Pedaggica,

    porque leccionvamos uma das disciplinas do plano de estudos aprovado para esta

    turma. Nas reunies desta equipa, entre outras situaes, eram abordadas parte das

    histrias de vida dos alunos e alunas da turma. Essas histrias de vida incluam o

    percurso escolar de cada um, revelavam casos de insucesso dos quais havia resultado o

    abandono escolar. Para este abandono, o fenmeno do trabalho infantil tambm tinha

    sido responsvel.

    Ao longo de todo esse ano lectivo, vrias questes se nos colocaram,

    nomeadamente as relacionadas com o modo de funcionamento da turma; a integrao

    dos alunos; a relao escola - famlia; os fenmenos do insucesso escolar, do abandono

    escolar e do trabalho infantil; a funo ou papel da escola e os desafios que actualmente

    se lhe colocam; a funo ou papel da educao. Por isso, resolvemos empreender este

    estudo que, tendo nascido de situaes de observao e de vivncias pessoais, nos

    suscitaram curiosidade e impeliram a um conhecimento mais aprofundado atravs da

    literatura de investigao existente e a uma viso imparcial enquanto investigadoras.Nas pesquisas realizadas encontramos definies diversas sobre insucesso

    escolar, abandono escolar e trabalho infantil. A expresso insucesso escolar est

    relacionada com as estatsticas elevadas de reprovaes, constantemente divulgadas

    pela comunicao social, no final de cada ano lectivo. Alm da comunicao social,

    tambm os polticos, os educadores e os professores a utilizam quando se referem s

    reprovaes. No entanto, o insucesso no se limita apenas a esta parte visvel das

    estatsticas. Autores como Iturra (1990) incluem no conceito de insucesso escolar asdificuldades de aprendizagem das crianas; outros como Maldonado (1988) reduzem o

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    insucesso escolar ao insucesso na instruo. De acordo com a Eurydice (1995)

    insucesso escolar a incapacidade do aluno em alcanar os objectivos determinados

    para o ciclo em que se encontra. Sendo uma realidade, importante encontrar as causas

    para o insucesso escolar. Estas podem ser encontradas na escola de massas e reproduzir

    as desigualdades sociais quando a escola tem uma atitude passiva e adopta o paradigma

    reprodutor (Boaventura Sousa Santos, 2003 e Bordieu & Passeron, 1975); em alunos

    provenientes de meios sociais, econmicos e familiares problemticos e nas prticas da

    escola muito dependentes das decises do ministrio (Benavente, 1990); nas

    caractersticas socioculturais dos alunos e em alunos com baixo auto conceito (Vaz

    Serra, 1988). Admite-se que, sendo a adolescncia um perodo de mudanas, o auto-

    conceito pode ser alterado e melhorar o comportamento dos alunos, permitindo uma

    integral igualdade de oportunidades (Lima, 1987).

    A famlia, a que pertence o aluno, tem passado por transformaes muito rpidas

    nem sempre acompanhadas pelas transformaes operadas na escola, uma vez que esta

    ainda resiste diversidade pessoal (Tedesco, 2000, p. 43) porque continua a dirigir-se a

    um aluno - tipo que no existe (Azevedo, 2005). Os alunos manifestam a sua rejeio

    pela escola de vrias formas: insucesso; violncia; indiferena e menor aplicao no

    trabalho escolar (Tedesco, 2000).

    Face a estas alteraes e aos mltiplos desafios que o futuro reserva, a

    educao surge como um trunfo indispensvel humanidade na sua construo dos

    ideais da paz, da liberdade e da justia social(Delors, 2005, p. 11).

    Hoje, a famlia no tem capacidade nem tempo para realizar a socializao

    primria da criana (Alves Pinto, 1995). Da que esta, quando chega escola, e cada vez

    chega mais cedo, encontra dificuldades na apreenso da socializao secundria, to

    importante para a sua vida futura.

    A relao entre a famlia e a escola tem vindo a sofrer mutaes ao longo dostempos. A legislao em vigor favorece a participao das famlias na escola. A

    participao e o envolvimento das famlias passam, apesar disso, por dificuldades no

    recrutamento de EE para os rgos representativos. Vrios autores apresentam diversas

    formas de participao e de envolvimento dos pais na escola e na educao dos seus

    filhos, tais como Joyce Epstein, Heleen Owen e Barroso (1995). Outros autores como

    Silva (2003) e Davies (1989) caracterizam e definem o envolvimento e a participao

    dos pais, e apontam a linguagem utilizada pela escola como factor de afastamento dospais dos alunos que no se envolvem nem participam.

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    A escola, encarada como uma organizao que acolhe vrios pblicos, porque

    uma escola de massas, quer de alunos quer de professores, tem de ser uma escola de

    todos e para todos. Tem de fazer face s exigncias do mundo do conhecimento em que

    vivemos e garantir efectivamente um educao de base que processe a educao e

    formao ao longo da vida, assegurando o cumprimento da escolaridade obrigatria e

    combatendo o insucesso escolar, a excluso. Esta excluso verifica-se h muito tempo.

    Os estudos internacionais e nacionais alertam para o combate urgente a esta excluso,

    traduzida em abandono escolar. O abandono escolar, objecto de estudo mais tardio que

    o insucesso escolar, apresenta vrias definies nem sempre consensuais. Das vrias

    definies sobre abandono escolar, consideramos que a que melhor se adequa situao

    em que se encontram os alunos que frequentam turmas da medida PIEF a defendida

    por Benavente et. al. (1994) abandono ou desistncia significa que um aluno deixa a

    escola sem concluir o grau de ensino frequentado por outras razes que no sejam a

    transferncia de escola ou a morte, seja qual for a razo para tal.

    O abandono escolar traduz uma ruptura, um corte, uma renncia ao processo de

    aprendizagem de um jovem que abdica de um direito universal. Vrias so as causas

    para o abandono escolar: professor; escola; situao scio econmica e cultural da

    famlia donde provem o aluno; localizao geogrfica; caractersticas pessoais e

    caractersticas familiares. As consequncias so graves para o indivduo e para a

    sociedade. Para o indivduo, as baixas qualificaes correspondem baixos salrios e

    precariedade de emprego. Para a sociedade, a baixa produtividade e o fraco

    desenvolvimento.

    Em muitos casos, o abandono escolar anda de mos dadas com o trabalho

    infantil. Apesar de a legislao combater o flagelo do trabalho infantil, no prev

    qualquer penalizao para as situaes ilegais.

    Existem vrias definies de trabalho infantil, e vrias organizaes mundiaispreocupadas com este flagelo. As diferentes culturas e diferentes mentalidades dos

    povos impem as diferentes acepes acerca de trabalho infantil. Portugal ratificou

    diversas convenes sobre o trabalho infantil e tem vindo a tomar medidas para evitar a

    continuidade deste fenmeno. Uma das medidas o Programa Integrado de Educao e

    Formao, criado no mbito do Plano para a Eliminao e Erradicao do Trabalho

    Infantil (PETI), que tenta combater o trabalho infantil e simultaneamente o abandono

    escolar. H jovens que frequentam a escola e realizam tarefas que prejudicam o seudesenvolvimento fsico, moral e cultural (trabalho infantil) e jovens que por exercerem

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    tais tarefas, no frequentam a escola. Os primeiros so candidatos ao insucesso escolar e

    os segundos integram dois flagelos: o abandono escolar e o trabalho infantil.

    Porque consideramos necessrio encontrar respostas aos fenmenos do

    abandono escolar e do trabalho infantil, formulamos a seguinte Pergunta de Partida:

    De que forma as turmas PIEF conseguem envolver as famlias no regresso dos seus

    filhos escola?

    Essa Pergunta de Partida levou-nos ao tema por ns seleccionado: O regresso

    escola dos alunos em abandono escolar contributo do Programa de Interveno de

    Educao e Formao.

    Em seguida, organizamos um quadro conceptual que nos serviu de modelo de

    anlise coerente com conceitos e hipteses.

    A partir da Pergunta de Partida destacamos o objectivo principal e os objectivos

    especficos seguintes:

    O objectivo principal desta investigao o de aferir da proximidade de

    relacionamento entre a escola e as famlias como contributo para o prosseguimento de

    estudos dos alunos que frequentaram a turma PIEF.

    Seleccionamos os seguintes objectivos especficos:

    9 Conhecer o interesse das famlias pela escola;

    9 Relacionar o insucesso escolar com o abandono escolar precoce e o nvel

    financeiro das famlias;

    9 Relacionar as condies oferecidas pelo PIEF com as expectativas das

    famlias face escola;

    9 Contribuir para uma reflexo sobre a eficcia do PIEF e enriquecer o

    corpo cientfico com o resultado da investigao.

    Para responder pergunta de partida, formulamos as seguintes hipteses: H1. O interesse da famlia pela escola influencia o abandono

    escolar;

    H2. O nvel socioeconmico da famlia influencia o interesse pela

    escola;

    H3. O insucesso escolar ao longo da frequncia influencia o

    abandono;

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    H4. As expectativas de aquisio de melhores condies de vida

    contribuem para a integrao dos alunos em turma no Programa

    PIEF.

    O presente trabalho desenvolve-se de acordo com um plano organizado em duaspartes diferentes mas articuladas: Fundamentao Terica e Fundamentao Emprica.

    A primeira parte est dividida em dois captulos: No primeiro captulo

    abordamos a problemtica do insucesso e do abandono escolar, realidades emergentes e

    perturbadoras na sociedade actual. Fazemos uma breve incurso sobre a

    descentralizao da escola e a sua autonomia luz da legislao existente. Referimo-nos

    aos desafios da escola actual, relevando a importncia do papel da famlia e das duas

    organizaes em funcionamento em Portugal Confederao Nacional das Federaesdas Associaes de Pais (CONFAP) e Escola de Pais Nacional (EPN) - que existem

    para representar os pais junto dos rgos de administrao e gesto das escolas, a

    primeira, e a segunda organizao para apoiar os pais na sua relao com os seus

    educandos.

    No segundo captulo, debruar-nos-emos sobre a metodologia do Programa

    Integrado de Educao e Formao (PIEF), criado pelos Ministrios do Trabalho e da

    Solidariedade e da Educao como medida de erradicao do abandono escolar e dotrabalho infantil, em Portugal. Apresentaremos o conceito de trabalho infantil, em vigor.

    Abordaremos as expectativas da famlia e dos alunos relativamente a este programa.

    Na segunda parte, - Fundamentao emprica -, nomeadamente no terceiro

    captulo, apresentaremos a metodologia da investigao emprica seguida neste estudo

    de caso. Realizamos entrevistas aos alunos da turma PIEF de segundo ciclo do ensino

    bsico; usamos inquritos por questionrios com os Encarregados de Educao (EE)

    desses alunos e utilizamos ainda a observao. Realizamos, assim, uma triangulao

    para retratar este estudo de forma mais completa.

    No captulo IV, descreveremos e analisaremos os dados obtidos.

    Finalmente, apresentaremos as consideraes finais e algumas reflexes

    baseadas nos dados encontrados luz do enquadramento terico, de forma a encontrar

    novos caminhos para outras investigaes.

    No podemos deixar de referir as limitaes deste estudo:

    1 - o espao de tempo definido para este trabalho e a sua abrangncia;

    2 ser um Estudo de Caso o que limita a generalizao das concluses.

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    Este trabalho foi realizado com seriedade, empenho e preocupao de rigor.

    Pretende contribuir para um novo olhar sobre a problemtica dos jovens em situao de

    abandono escolar causado tambm pelo trabalho infantil.

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    I PARTE - FUNDAMENTAO TERICA

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    CAPTULO I- INSUCESSO E ABANDONO ESCOLAR

    Mas ao morrer o sbio pai

    Fez-lhes uma confisso:- O tesouro est na educao

    Delors (2005)

    1. A problemtica do insucesso e abandono escolar

    A escola como organizao tem sido alvo de vrios estudos pelos mais diversos

    investigadores, tendo-se mesmo transformado num objecto de estudo privilegiado das

    Cincias da Educao. Constitui-se no dizer de Costa (1998) uma das reas de reflexo

    do pensamento educacional mais visvel nos ltimos tempos. Assumiu ao longo da sua

    existncia diferentes concretizaes scio-histricas: de instituio familiar, militar,

    religiosa a instituio estatal (Ciscar & Uria, 1988 p. 20-26). Santos Guerra (2002, p.54)

    diz ser a escola uma instituio que ensina e deve ser uma organizao que aprende.

    Afirma ainda que a escola um microcosmo no qual se tece uma rede visvel, umas

    vezes, invisvel, outras, de relaes interpessoais que configuram o clima de instituio.

    Bolvar (2000) complementa dizendo que escrever sobre a organizao de

    aprendizagem um pouco como cruzar a relva da Amaznia na poca das chuvas.

    Tem como principal misso desenvolver, global e equilibradamente, o aluno,

    nos aspectos intelectual, scio - educativo, psicomotor e cultural com vista a uma

    correcta integrao na comunidade (Brito, 1992, p.9). Em consonncia comChiavenato (2004), a escola uma organizao, visto que constituda por um conjunto

    de pessoas que trabalham em conjunto para alcanar um propsito comum. o lugar

    por excelncia de aprendizagens significativas e de convivncia digna (Santos Guerra,

    2002); uma organizao complexa, porque nela esto inseridos vrios recursos

    humanos com papis diversificados, como docentes, auxiliares de aco educativa,

    auxiliares administrativos, discentes. necessrio, por isso, lidar com esta

    multiplicidade de papis para que a organizao rume a um determinado objectivo.

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    Vrias so as dimenses que as diferentes concepes de escola como

    organizao apresentam: organizao social; organizao formal (Blau & Scott);

    organizao complexa (Etzioni); vista como unidades sociais (agrupamentos humanos)

    (Parsons); sistemas abertos (James D. Thompson). O estudo da escola como

    organizao parece integrar todas estas concepes. A escola ainda comparada atravs

    de analogias com outras organizaes. Comprovando esta ltima afirmao

    transcrevemos a de Tyler (1982, cit. por Lima, 1998, pp. 51-52):

    The school, it is claimed, is like a hospital because it mixesprofessional and bureaucratic authority; it is like an asylum because itpasses out treatments under coercion; it is like a factory or an officebecause it has many levels of hierarchy, it is like voluntaryorganization because it is rooted in spontaneous community activity; it

    is like a church or a family because it transmits culture acrossgenerations.

    Mais do que uma simples organizao, Duarte (1999) refere que a escola tem a

    responsabilidade de ser uma organizao inteligente, uma organizao capaz de

    trabalhar o seu potencial educativo com toda a comunidade educativa que a integra.

    Cada vez mais, temos vindo a assistir a um processo de mutao cultural no

    mbito do qual as instituies educativas que no a escola tm vindo a perder

    importncia no campo da educao. Simultaneamente, novos factores sociais passarama ter uma forte influncia no desenvolvimento das crianas e dos jovens. , disso

    exemplo, a globalizao da comunicao e da informao, sobretudo atravs da

    presena de internet e da televiso no mbito domstico (Fontaine, 1991).

    Perante tudo isto, cresce a expectativa da sociedade para com a escola, vendo

    nela a instituio capaz no s de ensinar mas de educar, completando nessa tarefa a

    prpria famlia (Martins, 1996).

    A pessoa - aluno visto como um todo, procurando se o seu desenvolvimentointegral e privilegiando mtodos de ensino e de abordagens aptas a estimular o

    crescimento intelectual, humano e social, prpria de cada etapa da infncia (Campos,

    1991).

    Como todas as organizaes, a escola tem os seus objectivos, os seus dirigentes

    e o seu pessoal, os seus problemas internos e externos, a sua ideologia e a sua poltica

    (Chiavenato, 1983 p. 2).

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    A escola pblica portuguesa uma organizao especializada, resultado de um

    longo processo de construo que teve o seu incio com o Marqus de Pombal ao ser

    separada da Igreja para ser controlada pelo Estado (Lima, 1998, p.39), e representa

    uma vitria do Estado sobre outras instituies a que teve de opor-se para garantir o

    controlo sobre a educao (Idem, p. 41).

    Assim sendo, o Estado necessitou realizar o controlo do acesso escola.

    Podemos referir como Lima (Idem, p.44) que esse controlo comeou por ser uma forma

    de assegurar e controlar a preparao das elites cujas bases de recrutamento se foram

    com o tempo alargando; mais tarde surgiu como forma de preparao para a vida e de

    criao de uma mo-de-obra qualificada ou como base para a democracia e como

    instrumento de emancipao do povo. Recentemente, o controlo do acesso escola por

    parte do Estado um instrumento de democratizao e de tentativa de consagrao da

    igualdade de oportunidades.

    Considera-se a classificao de escola como organizao de servios (Blau &

    Scott) ou nas palavras de Formosinho (1986, p. 15) escola de interesse pblico ou

    escolas de projecto de sociedade. As escolas a que se refere Formosinho so apenas

    aquelas que veiculam o projecto bsico da sociedade para a educao da gerao

    jovem.

    A Unesco no documento destinado formao - As funes da Administrao

    da Educao (cit. por Lima, 1998, p. 55) e depois de, embora admitindo algumas

    especificidades na educao, comparar a organizao dos sistemas educativos e a

    organizao de grandes empresas, conclui que todas as organizaes tm funes

    similares e tarefas administrativas correspondentes a princpios gerais comuns o que

    permite a utilizao das mesmas tcnicas nas mesmas situaes. Este mesmo

    documento utiliza a expresso empresa educativa que foi aproveitada no Relatrio

    Nacional de Portugal apresentado a Exame das Polticas Educativas Nacionais daOCDE (1984, p. 281) para se referir [] possibilidade de atribuir diferentes graus

    de autonomia funcional aos centros educativos, segundo a sua dimenso e

    complexidade [] .

    Muitas so as crticas a esta ideia de empresa educativa. Por oposio a

    certas organizaes, apresentam elementos que consideram prprios da escola, a saber

    alguns: objectivos difceis de definir e menos consensuais; carcter especial da escola

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    por ter uma matria-prima humana (aluno/a, jovem); partilha entre gestores e

    professores da mesma formao profissional e dos mesmos valores; o carcter

    obrigatrio da frequncia escolar para alunos de certas idades; a existncia de uma sala

    de professores (Lima,1998, p.61).

    Docentes e associaes sindicais no associam a imagem da escola enquanto

    organizao e manifestam o interesse em demonstrar que a escola diferente de outras

    organizaes, mas no encontram facilmente argumentos slidos para justificar essa

    diferena (Idem, p. 64).

    Para Costa (1998, p. 9) a escola uma organizao com vrias imagens e nesse

    sentido organizacional concretiza e materializa a educao organizada num espao

    prprio, um estabelecimento, que a cultura ocidental denominou escola.

    Ora, a escola enquanto organizao tem tido variadas mudanas na sua gesto. A

    escola que se encontra pressuposta na Lei de Bases do Sistema Educativo a escola

    comunidade educativa com autonomia pedaggica e administrativa; que tem a direco

    em si mesma enquanto escola comunidade educativa alargada. A responsabilidade da

    escola faz-se perante a comunidade que serve e a autonomia dada escola

    comunidade educativa. Esta autonomia apresenta as seguintes contrapartidas, como

    refere Costa (1996, p.5):

    a participao na direco da escola dos representantes de umacomunidade que se quer alargada da comunidade docente(professores) comunidade escolar (professores, alunos, funcionrios)da comunidade restrita comunidade alargada (comunidade escolar;pais e representantes da comunidade local e profissional servida municpio, associaes sociais, econmicas, culturais, cientficas).

    Machado (1982, p.8) define o conceito de autonomia como o poder de se auto

    determinar, de auto-regular os prprios interesses. Para Barroso (1996, p.17), o

    conceito de autonomia, quando aplicado s escolas tem a ver etimologicamente com a

    ideia de auto governo ou a capacidade dos indivduos em se regerem por regras

    prprias, pressupondo a liberdade de decidir. Trata-se de um conceito que exprime um

    certo grau de relatividade: somos mais, ou menos autnomos; podemos ser autnomos

    em relao a umas coisas e no o ser em relao a outras. Assim, autonomia uma

    maneira de agir e orientar as diversas dependncias em que os indivduos e os grupos se

    encontram no seu meio, de acordo com as suas prprias leis.

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    Em Portugal possvel registar mudanas nas suas polticas de ensino no

    sentido de dotar a unidade escolar com mais autonomia, visando melhorar a qualidade

    da educao como refere Breton (1989, cit. por Afonso, 1999, p. 13). No entanto, e

    corroborando Barroso (1996, p. 18), a autonomia da escola pblica portuguesa tem sido

    uma autonomia decretada que no passa de intenes proclamadas nos prembulos dos

    decretos-lei constantemente desmentidas pelas prprias normas regulamentadoras e

    pelas prticas dos actores da administrao central ou regional.

    Da mesma forma que Brito (1994, p. 67) pensamos que a autonomia no se

    adquire s porque a Administrao Educativa resolve conced-la escola. A autonomia

    depende da vontade que cada escola tem em concretizar esse desejo. A autonomia tem

    de ser conquistada dia a dia, pessoa a pessoa, de forma gradual, responsabilizada e

    responsvel. A imagem de autonomia de cada escola rev-se no seu Projecto

    Educativo, nos seus Regulamentos e no seu Plano Anual de Actividades. Estes

    documentos so o espelho da maior ou menor participao dos membros da comunidade

    educativa. Barroso (1996, p.34) afirma que a aprendizagem da autonomia o primeiro

    passo para que ela se torne uma necessidade. Assim, o processo de reforo da

    autonomia das escolas ter de ser realizado em duas frentes: a da introduo de

    alteraes reais nas normas e estruturas e a da formao das pessoas para introduzir

    mudanas nas pessoas e na cultura da escola em que trabalham.

    Funcionando como um dos limites ao exerccio da autonomia, s faz sentido

    falar em participao se houver um objecto material (Costa, 1996, p. 44) ou seja, se

    existirem espaos de autonomia e competncias prprias que permitam a tomada de

    decises por pessoas com formao especfica. A autonomia deve ser, como avana

    Perrenoud, (1996, p.108) uma estratgia de gesto descentralizada do sistema

    educativo.

    Fazendo uma retrospectiva histrica dos ltimos anos em Portugal no que aodesenvolvimento da descentralizao da administrao educativa e ao reconhecimento

    da autonomia das escolas respeita, podemos constatar que a mesma se faz com alguns

    avanos e imensos recuos. A autonomia foi decretada apostando na sua apropriao por

    parte das escolas. No entanto vrios constrangimentos polticos e administrativos

    surgiram e fizeram ruir a esperana depositada no cumprimento do artigo 43. de Lei de

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    Bases do Sistema Educativo (LBSE) que estabelece os princpios gerais da

    Administrao Escolar.

    A descentralizao no foi possvel mesmo depois da publicao de outros

    normativos, tais como o Decreto-Lei n. 43/89, de 3 de Fevereiro, relativo ao regime

    jurdico da autonomia das escolas do 2. e 3.ciclos e secundrias e o Decreto-Lei n.

    172/91, de 10 de Maio relativo ao regime de direco, administrao e gesto das

    escolas. A administrao no percebeu a diferena de ritmos de vida das escolas e

    regulamentou para todas por igual. As escolas que viveram a experincia suscitada pelo

    segundo decreto - lei atrs citado nunca tiveram mais competncias e tiveram que

    cumprir as regras das leis e normas anteriores ao decreto que regulamentava a sua nova

    experincia. O corolrio dos ensinamentos que se pode retirar, segundo Roque (1999, p.

    28) o de que gerir a escola num quadro de autonomia pressupe a eliminao das

    zonas de ambiguidade na relao escolas/administrao e a vontade de construir uma

    nova relao estribada na transparncia e confiana mtuas.

    A autonomia da maioria das escolas com o quadro legislativo actual

    consubstancia-se nos seus Projectos Educativos de Escola. No entanto, estes, muitas

    vezes no passam de documentos incuos que se remetem a parafrasear teorias como

    podemos inferir das palavras de Costa (1996, p. 101) quando afirma que os projectos

    educativos se constituem em documentos vazios de opes e estratgias educativas e

    os projectos curriculares, meros desenhos operatrios de pendor tecnicista. So

    documentos no apropriados, sentidos, vividos pela comunidade educativa. Esta

    situao remete-nos para a falta de participao da mesma comunidade educativa (pais,

    docentes, alunos, funcionrios, administrativos, representantes locais) na vida da sua

    escola. Sem participao no h cooperao entre os vrios membros da Comunidade, e

    sem participao nem cooperao, a autonomia torna - se ainda mais difcil de alcanar.

    Em Carvalho (1999, p. 33) conferimos que o que est em causa na autonomiadas escolas e na realizao dos contratos de autonomia - cuja concretizao s foi

    possvel a partir do incio deste ano lectivo a adopo das condies polticas e

    estruturais de realizao pelas escolas de projectos educacionais capazes de promover as

    finalidades da educao pblica, atravs da construo de uma aco educativa

    participada e adequada aos contextos em que se realiza.

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    As escolas com autonomia, tm a competncia de saber a resposta questo

    sobre o que a sua escola, qual o sentido do que diariamente faz, como age e como

    realiza o seu mandato cvico e social (Idem, p. 44). A escola tem de, em primeiro lugar,

    se conhecer a si prpria para se poder abrir ao meio onde est inserida (Brito, 1994),

    dando o primeiro passo de aproximao a uma relao estreita com o meio envolvente.

    2. Os desafios da escola actual

    Como Carneiro (2000, p. 30) consideramos desconcertante a passagem do final

    do sculo XX para o sculo em que vivemos. Nunca o destino do homem foi to

    incerto. O desenvolvimento das cincias, a inovao das tecnologias, a globalizao doplaneta, as desigualdades na repartio do conhecimento, a Internet, a reorganizao do

    trabalho, a deslocalizao e relocalizao das empresas, a crise dos valores, o declnio

    das velhas formas de socializao e tantas outras situaes que a nvel socioeconmico

    se alteraram e permitiram o aumento significativo da desigualdade social.

    Para muitos autores, nomeadamente Carneiro (2000) e Tedesco (2000), o

    modelo capitalista do desenvolvimento est a viver o aparecimento de novas formas de

    organizao social, econmica e poltica. Trata-se de uma crise estrutural baseada nasimultaneidade das dificuldades de funcionamento nas instituies responsveis pela

    coeso social (crise do Estado - Providncia), nas relaes entre economia e sociedade

    (a crise do trabalho), nos modos de constituio das instituies individuais e colectivas

    (a crise do sujeito), no declnio das instncias clssicas de socializao (famlia e

    escola) e em tantas outras que tornam o mundo obscuro. Numa palavra, vive-se a

    crise da modernizao /globalizao.

    Para Hobsbawn (2000, cit. por Carneiro 2000, p.31) apesar dessa crise, cincofactores positivos envolvem a educao, a saber:

    A melhoria das condies de vida da maioria da populao com o acesso mais

    generalizado a bens e servios, entre os quais aquele que garante as maiores

    oportunidades de vida a Educao;

    A exploso nos nveis de escolaridade primria, secundria e superior. Pela

    primeira vez na histria da humanidade, uma maioria da populao mundial

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    capaz de ler e escrever. Este avano educativo tornou as pessoas mais livres,

    capazes de exercer as suas escolhas e, por isso, potencialmente mais felizes;

    A emancipao das mulheres e a sua participao em todas as esferas da vida

    pblica e privada nomeadamente na vida educativa das naes e das sociedades;

    A existncia de um enorme mercado para a educao no mundo: zonas

    geogrficas a necessitarem de democratizar o acesso ao ensino bsico; a

    propenso, em zonas de declnio demogrfico, para os jovens passarem mais

    tempo a estudar; o cada vez maior interesse de reformados e pensionistas pela

    frequncia de diversas formas de estudo e reflexo e a enorme subida das

    necessidades de formao profissional ao longo de toda a vida;

    A queda das taxas de fecundidade devido escolarizao da mulher e reteno

    durante mais tempo dos jovens na escola constitui-se uma forma de fazer face

    conteno econmica.

    Se atentarmos na evoluo que a educao ou o sistema educativo em geral e a

    escola em particular tiveram em Portugal, diremos como Benavente (1994, p. 11) que a

    maioria dos pases europeus viveu h dcadas problemas que hoje Portugal enfrenta.

    Mas, hoje, Portugal e esses pases tm de resolver:

    questes idnticas s que caracterizam a crise actual da escola

    atrasos e contradies em relao a outras esferas da actividade social(dos tempos livres ao mundo do trabalho), ritualizao dos saberesescolares e relativizao do valor dos diplomas. Crise de crescimentoe crise de envelhecimento ao mesmo tempo. (Ibidem)

    A implantao do regime democrtico e a opo europeia permitiram mudanas

    significativas em Portugal, nomeadamente a da morte do orgulhosamente ss.

    Portugal mudou rpida e profundamente. A escola reflectiu as mudanas sociais,

    culturais e econmicas, foi o espelho de todas as contradies da sociedade portuguesa

    nos perodos mais difceis, bem como dos ideais que essas mesmas mudanasdespertaram (Carneiro, 2000, p.34).

    Pela primeira vez na histria portuguesa, ingressamos no sculo XXI com uma

    maioria da populao alfabetizada e com uma taxa de escolarizao das jovens superior

    dos jovens.

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    Ao considerarmos inquestionveis estes avanos - a par do aumento do parque

    escolar (desde o pr-escolar ao ensino universitrio) que passou a cobrir todo o territrio

    no podemos deixar de referir outras situaes a que chamaremos de recuos.

    Nas avaliaes padronizadas regularmente efectuadas por organismos

    comunitrios e internacionais, os resultados nos domnios da literacia, matemtica e

    cincias, so preocupantes: os alunos portugueses ocupam geralmente a cauda desses

    estudos. Cada nvel de ensino condena o anterior relativamente ao aluno que lhe

    entregue. Existem manifestas disfunes entre as necessidades reais do mercado de

    trabalho e as ofertas tradicionais de diplomados, nomeadamente no que respeita s suas

    competncias em reas relacionadas com as tecnologias. A sociedade e a economia

    portuguesa continuam a ter uma populao adulta activa que possui, na sua maioria,

    como habilitao apenas seis anos de escolaridade (Carneiro, 2000).

    Coronel Lhamas (1998, p.46) apresenta vrias questes no que respeita

    problemtica da escola da sociedade ps-industrial no sculo XXI e afirma que a escola

    que se encontra imersa numa situao de crise social, econmica e poltica, parece ser a

    instituio que resolve os problemas e os fracassos prprios da sociedade actual, uma

    vez que tudo o que acontece na sociedade recai sobre ela. Assim, continua Coronel

    Lhamas de ella (da escola), se espera que integre, compense y prevenga () con

    rapidez y xito, precisamente aquellos problemas que no se resuelven en outro stio.

    Vivemos num mundo de contradies, pois, como refere ainda este autor, aprende-se

    mais e melhor fora da escola mas exige-se desta, mais abertura, mais profundidade,

    mais contacto com o mundo real.

    Iturra (1990), afirma que a sociedade se reproduz pelo falhano, nos estudos, de

    vrios dos seus membros. Continua referindo que a escola ensina a experincia de uma

    outra mente, que, na posse do poder, faz do seu conhecimento um sistema universal e

    abrangente, pondo de lado outra experincia existncia (Idem, p. 27).Aprender a aprender e aprender a viver juntos so para alguns autores,

    nomeadamente Tedesco, dois pilares que expressam os novos desafios da educao

    ministrada na escola face s profundas transformaes que a sociedade actual vive.

    Aprender a aprender o pilar da educao que sintetiza os desafios educativos ao nvel

    do conhecimento e o segundo pilar referido resume ou sintetiza os desafios relacionados

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    com a construo de uma ordem social onde possamos viver juntos mantendo cada um a

    sua prpria identidade.

    Morin (2000) apresentou o que na sua opinio deveria fazer parte da educao

    de todos os seres humanos seja qual a sociedade e cultura a que pertenam. Determinou

    que os problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou

    esquecidos devem ser ensinados atravs do que denominou de sete saberes necessrios

    educao do futuro:

    As cegueiras do conhecimento: erro e a iluso introduo e desenvolvimento

    do estudo das caractersticas cerebrais, mentais culturais dos conhecimentos

    humanos;

    Os princpios do conhecimento pertinente ensino dos mtodos que permitam

    estabelecer as relaes mtuas e as influncias recprocas entre as partes e o todo

    em um mundo complexo;

    Ensinar a condio humana - reconhecimento da unidade e da complexidade

    humanas, reunindo e organizando conhecimentos dispersos nas diferentes

    disciplinas;

    Ensinar a identidade terrena ensinar a histria do incio da era planetria do

    estabelecimento da comunicao entre todos os continentes no sculo XVI,

    indicando a complexidade dessa crise no sculo XX, de forma a revelar que

    todos os seres humanos enfrentam os mesmos problemas de vida e de morte

    porque partilham um destino comum;

    Enfrentar as incertezas preparando a mente humana para esperar e enfrentar o

    inesperado;

    Ensinar a compreenso - permitindo dar a conhecer as causas do racismo, da

    xenofobia e do desprezo de forma a contribuir para a reforma das mentalidades

    na busca da paz;

    A tica do gnero humano A educao deve contribuir no somente para a

    tomada de conscincia da nossa Terra Ptria, mas tambm permitir que esta

    conscincia se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena.

    A Unesco apresentou os quatro pilares da educao do futuro - aprender a

    conhecer; aprender a fazer; aprender a sere aprender a viver juntos - como a forma da

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    escola fazer face crise que atravessa e na conscincia plena de que a educao surge

    como um trunfo indispensvel humanidade na sua construo dos ideais de paz, da

    liberdade e da justia social (Delors, 2005, p.11). Os quatro pilares da educao do

    futuro so a base da educao no sentido de que a educao deve adaptar-se

    constantemente s transformaes da sociedade, sem deixar de transmitir as

    aquisies, os saberes bsicos frutos da experincia humana (Idem, p. 20). A escola

    deve oferecer vias diferenciadas de estudos aliando a educao formao para que o

    aluno tenha a possibilidade de vivenciar na escola diversas hipteses de escolha.

    A aprendizagem ao longo da vida dever ser um conceito a ser transmitido e

    apreendido pelos alunos de forma entusistica como preparao para enfrentar qualquer

    desafio ou dificuldades. O aluno cidado apesar de especializado numa determinada

    rea vai ser capaz de se adaptar s vicissitudes da vida e enfrent-las de forma positiva

    (Delors, 2005).

    Este desafio exige uma formao adequada e no ultrapassada dos professores.

    Os professores tm sido vtimas da formao de massas para uma escola de massas que

    ensina a todos como se fossem um s e vtimas de propagandas de descrdito por parte

    de alguns governantes mais interessados em deixar o seu nome ligado a reformas

    incoerentes e fictcias implementadas sem o seu contributo (Barroso, 1996).

    Assim, podemos dizer que os desafios da escola so mltiplos e variados. Sendo

    uma escola de massas, ensinando a todos como se fossem um, ter de se adaptar s

    mudanas da sociedade e passar a ministrar um ensino que v ao encontro de cada um

    dos alunos. Consciente de que da massificaono resultou a igualdade de acesso e de

    sucesso, pelo contrrio, a escola hoje tem de fazer frente s taxas elevadas de insucesso

    e de abandono escolar.

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    3. Insucesso Escolar

    3.1. Em torno do conceito de insucesso escolar

    A definio do insucesso escolar no Dictionnaire de lvaluation e de la

    recherche en education (Landsheere, 1980, p.91) surge como uma situao onde o

    objectivo educativo no atingido. Porm, esta definio torna-se difcil de avalizar,

    uma vez que, apenas dispomos de meios indirectos para medir a importncia dos

    insucessos escolares. As estatsticas precisas das percentagens de alunos que no

    dominam um determinado objectivo so raras e, muitas vezes, no reflectem a realidade

    social que se designa pela expresso insucesso escolar. Talvez por isso no existauma viso unitria na compreenso do insucesso escolar, sendo objecto de diferentes

    discursos por parte de diferentes autores.

    Pires et al. (1991, pp. 187-213) afirmam que o insucesso escolar a

    designao utilizada vulgarmente por professores, educadores, responsveis

    administrativos e polticos para caracterizar as elevadas percentagens de reprovaes

    escolares no final dos anos lectivos. Tal concepo tem a ver com a parte visvel para

    efeito das estatsticas, no contemplando, por exemplo, o abandono que uma das

    formas de insucesso, nem os traumas que projectaro no futuro da criana e do qual a

    escola responsvel enquanto instituio uma vez que todo o cidado tem direito a

    uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolar (LBSE,

    art. 2., n. 2). Este um sentido mais lato onde o insucesso acontece sempre que no se

    atingem metas individuais ou sociais, em conformidade com as aspiraes do sujeito e

    as necessidades do sistema.

    Iturra (1990a, p. 14) referindo-se ao insucesso escolar como um facto afirma que

    o insucesso consiste na dificuldade que as crianas tm em aprender, em completar os

    anos de escolaridade no tempo previsto, em obter notas altas pelo seu trabalho escolar e

    em continuar os seus estudos. Define-o como a dificuldade que a escola tem de treinar

    mentes que j tm um conhecimento cultural do real, em matrias convertidas em

    termos universalistas do conhecimento. (Iturra, 1990b, p. 104). Acrescenta Iturra (Idem,

    p. 105) que o insucesso um processo que envolve diversas formas de entender o

    social, de o gerir, ger-lo, produzi-lo e entend-lo.

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    Na realidade, a definio de conceitos, nomeadamente na rea de cincias da

    educao, difcil. Existe, talvez, por isso, uma grande tendncia, quer na linguagem

    comum, quer na linguagem profissional dos professores, quer mesmo na linguagem

    especializada da Sociologia da Educao, para reduzir o insucesso escolar ao insucesso

    na instruo. (Maldonado, 1988, p. 107). A facilidade com que se recolhem estes

    indicadores no alheia ao facto de se utilizar o conceito de insucesso escolar no

    sentido restrito de insucesso na instruo, medido pelo nmero de negativas ou de

    reprovaes. Apesar disso, esta mesma autora prope fazer uma abordagem mais das

    causas do insucesso, centrado nos factores institucionais, do que no insucesso em si

    mesmo.

    Afonso (1988) refere que o sistema educativo tem como objectivo instruir,

    justificando-se desta forma uma avaliao do sucesso e do insucesso escolar a partir dos

    resultados dos alunos medidos em termos de classificaes positivas ou negativas.

    Para responder questo europeia de como Portugal entende o insucesso

    escolar, foi dito que a incapacidade que o aluno revela de atingir os objectivos

    globais definidos para cada ciclo escolar (Eurydice, 1995, p. 47). Do ponto de vista

    terico, quando um aluno no atinge os objectivos globais retido, logo seguindo o

    conceito subjacente a esta definio, podemos medir o insucesso escolar pelo nmero de

    repetncias do formando num determinado ano de escolaridade ou ciclo de estudos.

    3.2. As causas do insucesso escolar

    O tema de insucesso escolar preocupa os professores que no conseguem que

    todos os seus alunos tenham sucesso; os pais vendo os seus filhos com dificuldades,

    temem pelo seu futuro; os estudantes porque se encontram numa encruzilhada - ou

    aprovam e vem-se compensados pelos pais e professores ou reprovam e vem os seus

    colegas e amigos avanarem. Onde encontrar as suas causas? Porque acontece?

    Para Benavente (1990, p.118) o insucesso um problema constante na escola;

    de massas porque diz respeito a um grande nmero de alunos e precoce, socialmente

    selectivo e cumulativo . Estudos revelam que o insucesso surge no segundo ano do

    primeiro ciclo e vai at Universidade - em alunos de meios sociais, econmicos e

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    familiares problemticos meios proletrios, urbanos ou rurais e normalmente o aluno

    que chumba, tem mais probabilidade de volta a chumbar.

    As causas do insucesso encontram-se na concepo de educao baseada no

    pressuposto de que todo o homem e toda a mulher que habita o pas so iguais

    esquecendo a heterogeneidade da diferena cultural. Diz Iturra (1990, p.17) que a

    criana quando chega escola j portadora de experincia vivida, aprendida e herdada

    do seu meio ambiente e a escola uma instituio cujo objectivo explicar o

    funcionamento de ideias e matria porque ligada a uma forma de saber provado. Para

    Duarte (2000, p.25) a escola transmite o saber escrito e a famlia o saber oral. O saber

    da escola pretende sobrepor-se ao saber familiar e a criana sente maior afinidade com o

    seu saber feito de experincia. O saber prtico da criana enfrenta na escola o saber

    terico o que constitui uma das causas do insucesso

    Benavente (1990, p.109) aponta as seguintes causas de insucesso escolar ou

    obstculos ao sucesso de certos alunos: funcionamento e prticas da escola muito

    dependentes de decises de rgos centrais do ministrio e consequentemente afastadas

    do meio em que est inserida a escola; certas atitudes e certos critrios usados pelos

    docentes e as relaes escola-famlia-comunidade dominantes. Exemplifica que as

    contradies existentes entre condies materiais e necessidades pedaggicas de uma

    escola tornam a ligao entre a escola e o meio de vida dos alunos ainda mais difcil e

    no facilita a implicao dos docentes na mudana das suas prticas.

    Concordamos com autores como Stambak (1982), Sprinthall (1993) e Simes

    (2001) quando referem que no h sucesso sem esforo e sem trabalho, mas para se

    despender energia tem que se ter uma motivao forte e a certeza de se conseguir atingir

    alguns objectivos.

    Para a compreenso do aluno, atravs da sua percepo e si mesmo, sem perder

    de vista que nada imutvel e que , talvez possvel reforar o auto-conceito daquelesque precisam, no nunca de mais lembrar a crena de Barros (1988) que afirma que o

    fenmeno do insucesso reversvel. Na mesma perspectiva, Costa (1991, p.367) no

    hesita em afirmar que o ser humano no uma entidade esttica, mas detm

    capacidades para mudar e se desenvolver ao longo da vida. Em termos de

    desenvolvimento da personalidade tem-se constatado que as mudanas psicolgicas

    cognitivas e sociais constituem na adolescncia um perodo natural de desequilbrio.

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    Nesta linha de pensamento, um aluno com um elevado auto-conceito uma

    pessoa mais responsvel e, por isso, em princpio, rene mais condies para ser bem

    sucedido, sendo que o contrrio tambm ser vlido (Vaz Serra, 1988).

    Markus & Wurf (1986) designaram o auto-conceito de modelo dinmico. Para

    os autores o auto-conceito interpreta e organiza as aces e experincias auto-

    relevantes; e ajusta-se na resposta a mudanas do meio social (Idem, pp. 299-230).

    Interpretando esta definio, podemos afirmar que o auto-conceito dinmico,

    influenciando a motivao e o comportamento, logo sendo importante para as atitudes

    do formando perante a escola e os trabalhos por esta solicitados, tendo por isso, uma

    certa importncia no estudo da causalidade do sucesso e do insucesso escolar.

    Ao fazermos uma leitura das actas das reunies de avaliao da maioria das

    escolas verificmos que os professores, por norma, como principais causas do insucesso

    escolar dos seus formandos apontam os aspectos relacionados com o mau

    comportamento e com a falta de motivao. Ora, assim sendo, de admitir que uma

    melhoria do auto-conceito, seguindo a perspectiva de Markus & Wulf (1986) reflectir-

    se-ia positivamente no comportamento e no rendimento escolar dos alunos.

    Simes (2001) afirma mesmo que o auto-conceito escolar tem uma influncia

    central no comportamento, afectando as interaces que o indivduo estabelece com os

    outros e os desempenhos escolares.

    Das trs correntes explicativas do insucesso escolar teoria dos dotes

    individuais; a teoria do Handicap sociocultural e a teoria scio - institucional

    abordaremos alguns dos aspectos principais da segunda teoria aqui elencada.

    A partir dos finais dos anos setenta do sculo passado, por efeito da massificao

    do ensino foram crescendo por toda a Europa e nos Estados Unidos da Amrica, as

    preocupaes ligadas ao insucesso escolar que afectava os alunos, as escolas e os

    oramentos estatais. A procura de causas externas aos alunos que explicavam oinsucesso, comearam a ganhar adeptos, tendo-se encontrado evidncias de que os maus

    resultados escolares atingiam mais as classes socialmente desfavorecidas do que as

    outras. A teoria do Handicap sociocultural tende a procurar as causas do insucesso

    escolar em factores cuja explicao mais de matriz sociolgica em detrimento da

    psicolgica (Rangel, 1994; Haecht 1994; Pinto, 1995; Tavares, 1998 e Peixoto, 1999).

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    De acordo com esta teoria, o insucesso escolar estaria ligado origem social do

    aluno e sua maior ou menor bagagem cultural, entrada para a escola. Este conceito

    parte do pressuposto que uma criana proveniente de um meio social desfavorecido no

    dispe de bases culturais necessrias para obter o sucesso escolar. O ambiente familiar

    revela-se incapaz de proporcionar criana o conjunto de bases culturais e lingusticas

    necessrias progresso escolar, ganhando a escola uma responsabilizao crescente na

    superao das diferenas entrada no sistema. segundo estes princpios que se

    aplicam programas de compensao ou de remediao (Em Portugal temos as aulas de

    Apoio Pedaggico Acrescido APA e as actividades e enriquecimento) para

    compensar os chamados dfices culturais das crianas e jovens (Peixoto, 1999).

    A sociologia ao romper com as explicaes de origem gentica para o insucesso

    continua a atribuir, ainda que indirectamente, uma grande responsabilidade ao formando

    e famlia, tendo, esta constatao, conduzido a uma srie de investigaes que

    passaram a colocar o nus da responsabilidade na escola.

    Ao analisar o insucesso escolar pelo lado da escola teremos que equacionar dois

    paradigmas educacionais importantes como a escola reprodutora das desigualdades

    sociais e a escola como local onde se assegura a igualdade de oportunidades.

    A adopo do paradigma reprodutor a que Boaventura Sousa Santos (2003)

    designou de dominante, implica um papel passivo da escola, limitando-se esta a

    perpetuar uma sociedade estratificada e hierarquizada. Para o socilogo este modelo

    de racionalidade que preside cincia moderna (Idem, p.10) e que tem como

    horizonte cognitivo mais adequado aos interesses de burguesia (Idem, p. 17). Ou,

    como defendem Bordieu & Passeron (1975), a escola no passaria de um instrumento

    utilizado pelos estratos sociais dominantes para garantir a reproduo social,

    legitimando por esta via, a hierarquia social vigente.

    A abordagem sociolgica desta problemtica permitiu evidenciar a necessidadeda escola assumir um papel mais activo, agindo sobre as causas, permitindo uma

    verdadeira democratizao do ensino e uma integral igualdade de oportunidades de

    sucesso (Lima, 1987).

    O Ministrio da Educao acabou por ficar sensibilizado com a importncia da

    varivel sociocultural, tendo encomendado estudos sobre a matria. Formaram-se

    equipas e numa delas, liderada por Curado, procurou-se encontrar variveis que

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    influenciavam os resultados dos exames do 12. ano. Como concluso geral do estudo

    apontaram que a grande parte das condies identificadas pelos tericos da melhoria e

    eficcia das escolas se confirmaram () encontram-se neste caso a influncia das

    caractersticas socioculturais dos alunos (Curado, 2003, p.101).

    Poderemos ainda afirmar que a procura das causas para os diferentes resultados

    escolares, de acordo com a provenincia sociocultural se inicia com a desconstruo

    da problemtica da igualdade de oportunidades e com o repensar do papel da escola e

    das suas funes, quer ao nvel da reproduo dos conflitos sociais quer ao nvel da sua

    interveno para criar verdadeiras oportunidades de sucesso para todos (Duarte, 2000).

    3.2.1. A famlia e as suas condies socioculturais

    Antes de abordarmos a famlia e as suas condies socioculturais importa

    encontrar o sentido a dar palavra famlia, isto , determinar o que se entende aqui por

    famlia.

    A 8. edio do dicionrio da Porto Editora atribui os seguintes significados

    palavra famlia:

    s.f. conjunto de todas as pessoas que vivem em comum sob o mesmotecto; conjunto de pessoas do mesmo sangue ou parentes por aliana;grupo de pessoas unidas pelo vnculo do casamento, afinidade ouadopo; grupo de pessoas formado pelos progenitores e seusdescendentes; grupo de pessoas formado pelos pais e filhos menores;linhagem; descendncia; raa; estirpe. (1998, p.730)

    Nesta era de globalizao, da sociedade do conhecimento e da informao em

    que vivemos, a famlia tem vindo a sofrer transformaes. Definir o conceito de famlia

    no tarefa fcil. Montandon (2001, p. 59) confirma-nos a dificuldade em definir a

    palavra famlia por parte dos socilogos da famlia e legisladores perante a

    diversidade das formas de coexistncia entre adultos e crianas em que os laos

    biolgicos, jurdicos, econmicos e sentimentais cada vez menos se deixam encerrar

    numa frmula nica: a famlia nuclear clssica, formada por um casal casado e com

    filhos, no seno uma forma entre outras. Apresenta-nos a definio de famlia que

    optmos por considerar neste trabalho. Assim, tambm para ns, famlia o grupo com

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    quem o aluno vive e no qual existe algum que o responsvel quer pela sua educao

    quer pela sua escolaridade.

    Os alunos que frequentam as diferentes turmas dos inmeros estabelecimentos

    de ensino pblico tm provenincias diversas no que respeita s condies scio -

    econmico - culturais das suas respectivas famlias, o que converge para a grande ou

    pequena heterogeneidade dos alunos dessa turma e desse estabelecimento de ensino.

    Enquanto no mundo ocidental, a memria oral que se impunha em pocas

    anteriores perdeu o seu lugar para o saber/cultura letrada, transmitido pelo

    conhecimento/memria escrita, em Portugal, para alguns autores como Duarte (2000,

    p.25), o saber oral e o saber escrito ainda coexistem e impem diferentes tipos de

    aprendizagem. Atravs da escola, os poderes pblicos fazem a transmisso do saber

    escrito e famlia ainda cabe a transmisso do saber oral. A famlia a primeira

    instncia de socializao do aluno.

    Para Alves Pinto (1995, p.123) as famlias no tm condies para assegurar

    sozinhas a socializao das suas crianas, com vista sua integrao como adultos na

    sociedade e a socializao escolar enquanto espao obrigatrio cada vez mais

    prolongado no tempo a expresso da socializao secundria ou institucional,

    por vezes, estrangeira ou diremos ns, estranha, diferente sua socializao

    primria. Entendemos por socializao primria a interiorizao realizada pela

    criana da definio que lhe chega atravs dos adultos com quem interage do

    ambiente que a rodeia e que se caracteriza pelo facto do mundo dos adultos

    significativos () ser visto () como o mundo tout court" (Idem, p. 122). O

    indivduo integra-se na sociedade em que vive, depois de realizar esta socializao

    primria, e realizando necessariamente a socializao secundria. Quando falmos em

    socializao secundria referimo-nos a todas as socializaes posteriores socializao

    primria por que todas as pessoas passam, isto , a tudo quanto interiorizado eapreendido pelo sujeito fora do seu ambiente familiar e a pessoa chamada a distinguir

    quais os papis, as atitudes e as formas de estar relevantes para a sua participao em

    determinada instituio. Como refere ainda Alves Pinto, existem problemas de

    coerncia ou de incompatibilidade entre as interiorizaes realizadas ao longo da

    socializao primria e as interiorizaes supostas pelos diferentes momentos na

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    socializao secundria. (Idem, p. 123). Alves Pinto explicita esta situao, citando a

    seguinte imagem proposta sobre o assunto por Berger & Luckmann (1966, p. 190):

    Aprende-se uma segunda lngua construindo sobre a realidadeindiscutvel da prpria lngua materna. Durante longo tempo, a pessoaretraduz continuamente na sua lngua original quaisquer elementos danova lngua que est adquirindo. S desta maneira a nova lngua podecomear a ter alguma realidade. Quando esta realidade chega aestabelecer-se por si mesma, lentamente, torna-se possvel livrar-se daretraduo. A pessoa mostra-se capaz de pensar na prpria lngua.

    Tedesco (2000, p. 37) aponta para o enfraquecimento da capacidade

    socializadora da famlia na actualidade, devido s mudanas na carga emocional com

    que se transmitem os contedos da socializao primria e da precocidade cada vez

    maior com que surgem as possibilidades de opo. A introduo da mulher no mundo

    do trabalho; a diminuio do nmero de filhos; o aumento das separaes e do nmero

    de filhos que vivem sozinhos ou, apenas com uma das figuras parentais so factores

    que permitem entre outros aspectos que o que a famlia transmite menos

    unidimensional, menos seguro, menos estvel (Idem, p. 39).

    A escola, no mundo ocidental o segundo espao de socializao do aluno e

    funciona como uma espcie de antecmara de outros espaos de socializao, tambm

    eles diferentes da sua inicial experincia de socializao. Seguindo ainda o raciocnio de

    Alves, a experincia do jovem durante a sua socializao escolar importante para

    desenvolver a sua capacidade de aquisio do melhor desta segunda lngua e

    tambm importante para o sucesso de socializaes subsequentes que o jovem, e

    depois o adulto em que ele se transformar, tero de viver na sociedade onde a nica

    certeza que subsiste a sua prpria mudana. (Alves Pinto, 1995, p.126).

    Hoje em dia, os jovens procuram, durante a sua frequncia na escola, um sentido

    para a sua vida. E o sentido de vida que os jovens podem encontrar, segundo Abrantes

    (2003, p. 7), tanto pode ser algo que se constitua um reforodo sentido transmitido nasua famlia, como ter um efeito destrutivo ou mesmo ser a possibilidade ou a

    capacidade de construir novos sentidos.

    Vrios estudos comprovam que a famlia tem um papel importante, que no

    pode ser esquecido, na vida dos filhos. Trabalhos de pesquisa referem tambm que os

    comportamentos escolares dos alunos no reflectem unicamente as influncias

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    familiares, mas reconhecem no aluno um papel activo no seu percurso e, como

    concluiu Nogueira (2000, p.21), nas

    relaes que estabelece com outras instncias de socializao, seja nobairro, no ambiente de trabalho, entre outras formas de interaessociais. Neste sentido, as experincias extra-escolares e a prpria faixaetria em que ele se encontra so dimenses que no podem sernegligenciadas.

    A mesma investigadora encontra diversidade nas formas de interaco e nas

    prticas adoptadas pelas camadas populares e pelas camadas mdias da populao no

    que respeita escolarizao dos seus filhos. Cita autores como Forquin, Petitat e Patto

    cujas pesquisas comprovam as grandes correlaes estatsticas entre a origem social

    dos alunos e o seu sucesso ou fracasso escolar (Idem, p.19).

    As sociedades actuais, de escolarizao massificada como escreve Diogo (cit.

    por Silva, 2007, p. 91) so atravessadas por duas tendncias aparentemente

    contraditrias, a crescente importncia da escola na vida das famlias e a persistncia de

    desigualdades nas estratgias ligadas ao investimento escolar. Estas desigualdades no

    investimento escolar devem-se, segundo alguns socilogos e, em especial, Boudon, s

    escolhas escolares que traduzem um processo de clculo do peso das vantagens,

    custos e riscos, em funo da posio social de cada famlia. Por outras palavras,

    diramos que dependendo da situao sociocultural e econmica da famlia, oinvestimento maior ou menor na escola. Apesar de vivermos tempos conturbados

    economicamente em que a maior habilitao no sinal de sucesso na vida profissional,

    como Nogueira (2000, p. 24) afirma, a instruo escolar ainda considerada como

    resposta s exigncias do mercado, apesar de se reconhecer que o que est em causa a

    obteno de um certificado e no o saber em si mesmo. A educao escolar assim uma

    possibilidade de romper com as condies de pobreza familiar para os pais com

    menor capacidade sociocultural e econmica e, para todas as famlias valorizada comouma forma de domnio dos saberes fundamentais e de integrao no mercado de

    trabalho.

    As condies socioculturais das famlias podem determinar o sucesso ou

    insucesso dos seus filhos, pela capacidade de acompanhamento e interesse que cada

    famlia apresentar e ainda pelas escolhas das escolas que fizer ou poder fazer.

    3.2.2. A famlia e a escola

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    Uma famlia um sistema aberto, donde todos ou parte dos seus membros saem

    diariamente para o trabalho ou para a escola, para fazer compras, encontrar amigos,

    participar na vida associativa ou ocupar-se em qualquer tipo de actividades de lazer.

    Cada membro da famlia diferente, tem o seu ritmo, as suas responsabilidades, reflecte

    as tenses de modo prprio no necessariamente da mesma forma que o outro. Todas as

    famlias tm de encontrar a sua rotina, o seu modo de vida que lhes v permitir conciliar

    abertura e isolamento, liberdades individuais e integrao do grupo.

    A escola representa um compromisso externo de longa durao, que absorve

    muita energia e pe em jogo a criana na sua globalidade. Faz parte da vida quotidiana

    de cada famlia. A escolarizao tem um grande peso na vida familiar. Afecta a famlia.

    Espera-se que os pais sejam legal e moralmente responsveis pelos seus filhos menores.

    As crianas e os pais no tm os mesmos interesses, o mesmo poder, as mesmas

    estratgias.

    A partir do momento em que decretada ou instituda a escolaridade obrigatria

    o destino de cada famlia, como afirma Montandon (2001, p. 57) est ligado

    escolaridade dos seus filhos. A escola aparece sempre no horizonte da maior parte das

    famlias e durante anos, semanas por ano, cinco dias por semana, faz parte da rotina

    diria da famlia. Por isso, a famlia vai ter de se organizar em torno dos horrios daescola, das despesas, das decises e das expectativas que todos os seus membros vo

    criar. Contudo, nem todas as famlias encaram a escola e a escolaridade da mesma

    forma. So trs, as formas das famlias encararem a escola e a escolaridade: uma

    experincia agradvel; um martrio e para a maior parte das famlias, a escola e a

    escolaridade ser considerada uma situao normal. O sucesso e o insucesso escolar dos

    filhos reflectem o sucesso ou insucesso das famlias.

    Podemos ento afirmar que desde que h escolas e famlias sempre existiualgum tipo de relao entre as duas instituies: ora mais directa, mais explcita, mais

    prxima, mais formal, mais harmoniosa; ora mais indirecta, mais implcita, mais

    distante, mais informal, mais tensa. (Silva, 2003, p.29).

    No Ocidente, os sistemas de participao formal das famlias nas escolas

    desenvolvem-se principalmente aps a segunda guerra mundial e sobretudo na dcada

    de sessenta do sculo vinte. Em Portugal, este movimento tambm acontece e alguns

  • 7/28/2019 ALUNOS PIEF

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    O regresso escola de alunos em abandono escolar contributo de um Programa Integrado de Educao e Formao.

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    autores consideram o movimento de parcerias a nvel local e a nvel supranacional entre

    famlia e escola como sendo uma resposta da escola de massas crise da escolarizao.

    Em 1969, na cidade do Porto, um grupo de pais e educadores criou a

    denominada Escola de Pais Nacional (EPN) um movimento voluntrio de educao

    permanente e actualizada que sendo de inspirao crist, est apesar disso e por isso,

    aberto a todos, seja qual for o nvel socioeconmico, raa, credo religioso ou poltico.

    Tinha (e tem) como principal objectivo ajudar a Famlia a reencontrar o verdadeiro e

    justo significado de si prpria, levando os pais a assumirem responsabilidade pela sua

    paternidade. Num mundo em constante mutao, a EPN coloca-se dentro de um plano

    de educao capaz de enfrentar tais mudanas.

    Aps o 25 de Abril, a EPN conseguiu realizar formao para outros pais no

    sentido de os alertar para as novas pedagogias de educar, ajudando-os a fazer face aos

    novos desafios que educar os seus filhos num contexto sociocultural e econmico

    diferente. Nalgumas escolas e durante o perodo revolucionrio, pais e educadores que

    participaram em formao promovida pela Escola de Pais tomaram conscincia da

    importncia da sua participao e envolvimento na vida escolar dos seus filhos e

    educandos e com o seu contributo ajudaram formao de associaes de pais e

    encarregados de educao de muitos estabelecimentos de ensino.

    Nos dias que correm, a EPN continua a ser um movimento, como refere no seu

    site:

    particular, voluntrio, sem cor poltica ou religiosa, de interessepblico que procura, por meio de debates informais, ajudar os pais aentenderem melhor as actuais trans