Alvares de Azevedo - Lira dos vinte anos

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Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Texto proveniente de: A Literatura Brasileira – O seu amigo na Internet. Permitido o uso apenas para fins educacionais. Qualquer dúvida entre em contato conosco pelo email [email protected]. http://www.aliteratura.kit.net Texto-base digitalizado por: Marian Nieves Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo

Transcript of Alvares de Azevedo - Lira dos vinte anos

NDICE

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Lira dos Vinte Anos, de lvares de Azevedo

Fonte:AZEVEDO, lvares de. "Lira dos Vinte Anos". So Paulo: Martins Fontes, 1996. (ColeoPoetas do Brasil)

Texto proveniente de:A Literatura Brasileira O seu amigo na Internet.Permitido o uso apenas para fins educacionais. Qualquer dvida entre em contato conosco pelo email [email protected]://www.aliteratura.kit.net

Texto-base digitalizado por:Marian Nieves

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NDICE

MINHA ME2

PRIMEIRA PARTE3

NO MAR4SONHANDO6CISMAR9AI JESUS!11ANJINHO12ANJOS DO MAR15[Tenho um seio que delira]16A CANTIGA DO SERTANEJO17[Quando, noite, no leito perfumado]21O POETA22[Fui um doudo em sonhar tantos amores...]24[Quando falo contigo, no meu peito]26NA MINHA TERRA29ITLIA33A T...36CREPSCULO DO MAR38CREPSCULO NAS MONTANHAS41DESALENTO44PLIDA INOCNCIA46SONETO [Plida, luz da lmpada sombria,]48ANIMA MEA49A HARMONIA53VIDA56C...59EPITFIO no tmulo de Silva Pereira Junior61O PASTOR MORIBUNDO62TARDE DE VERO63TARDE DE OUTONO65CANTIGA69SAUDADES71ESPERANAS74VIRGEM MORTA76HINOS DO PROFETA79I Um canto do sculo79II Lgrima de sangue84III A tempestade88LEMBRANA DE MORRER91

SEGUNDA PARTE95

UM CADVER DE POETA96IDIAS NTIMAS115BOMIOS128SPLEEN E CHARUTOS164I Solido168II Meu anjo169II Vagabundo170IV Lagartixa173V Luar de vero173VI O poeta moribundo175 ELA! ELA!173

TERCEIRA PARTE176

MEU DESEJO177SONETO [Um mancebo no jogo se descora]179SONETO [Ao sol do meio-dia eu vi dormindo]180POR QUE MENTIAS?181[Toda aquela mulher tem a pureza]182AMOR183FANTASIA185LGRIMAS DA VIDA189SONETO [Os quinze anos de uma alma transparente]192LEMBRANA DOS QUINZE ANOS193MEU SONHO197O CNEGO FILIPE199TRINDADE202SONETO [J da morte o palor me cobre o rosto,]203MINHA AMANTE204EUTANSIA207DESPEDIDAS209TERZA RIMA211PANTESMO212DESNIMO216O LENO DELA219RELGIOS E BEIJOS220NAMORO A CAVALO221PLIDA IMAGEM224SEIO DE VIRGEM227MINHA MUSA230MALVA-MA232PENSAMENTOS DELA232POR MIM?232LLIA232MORENA23212 DE SETEMBRO232SOMBRA DE D. JUAN232NA VRZEA232O EDITOR232OH! NO MALDIGAM!232DINHEIRO232ADEUS, MEUS SONHOS!232MINHA DESGRAA232PGINA ROTA232197

LIRA DOS VINTE ANOS

Cantando a vida, como o cisne a morte.BOCAGE

Dieu, amour et posie sont les trois mots que je voudrais seuls graver sur ma pierre, si je mrite une pierre.LAMARTINE

So os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabi no tm a doura dos seus cnticos de amor. uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem vio.Cantos espontneos do corao, vibraes doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou como isso dou a lume essas harmonias.So as pginas despedaadas de um livro no lido...E agora que despi a minha musa saudosa dos vus do mistrio do meu amor e da minha solido, agora que ela vai seminua e tmida, por entre vs, derramar em vossas almas os ltimos perfumes de seu corao, meus amigos, recebei-a no peito e amai-a como o consolo, que foi, de uma alma esperanosa, que depunha f na poesia e no amor esses dois raios luminosos do corao de Deus.

MINHA ME

Se a terra adorada, a me no mais digna de venerao.Digest of hindu law.

Como as flores de uma rvore silvestreSe esfolham sobre a leiva que deu vidaA seus ramos sem fruto, minha doce me, sobre teu seioDeixa que dessa plida coroaDas minhas fantasiasEu desfolhe tambm, frias, sem cheiro,Flores da minha vida, murchas floresQue s orvalha o pranto!

PRIMEIRA PARTE

NO MAR

Les toiles sallument au ciel, et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs: rvez, chantez et soupirez.GEORGE SAND

Era de noite: dormias,Do sonho nas melodias,Ao fresco da virao,Embalada na falua,Ao frio claro da lua,Aos ais do meu corao!

Ah! que vu de palidezDa langue face na tez!Como teus seios revoltosTe palpitavam sonhando!Como eu cismava beijandoTeus negros cabelos soltos!

Sonhavas? eu no dormia;A minhalma se embebiaEm tua alma pensativa!E tremias, bela amante,A meus beijos, semelhantes folhas da sensitivas!

E que noite! que luar!E que ardentias no mar!E que perfumes no vento!Que vida que se bebiaNa noite que pareciaSuspirar de sentimento!

Minha rola, minha flor, madresilva de amor,Como eras saudosa ento!Como plida sorriasE no meu peito dormiasAos ais do meu corao!

E que noite! que luar!Como a brisa a soluarSe desmaiava de amor!Como toda evaporavaPerfumes que respiravaNas laranjeiras em flor!

Suspiravas? que suspiro!Ai que ainda me deliroEntrevendo a imagem tuaAo fresco da virao,Aos ais do meu corao,Embalada na falua!

Como virgem que desmaia,Dormia a onda na praia!Tua alma de sonhos cheiaEra to pura, dormente,Como a vaga transparenteSobre seu leito de areia!

Era de noite dormias,Do sonho nas melodias,Ao fresco da virao;Embalada na falua,Ao frio claro da lua,Aos ais do meu corao.

SONHANDO

Hier, la nuit dt, que nous prtait ses voiles,tait digne de toi, tant elle avait dtoiles!VICTOR HUGO

Na praia deserta que a lua branqueia,Que mimo! que rosa! que filha de Deus!To plida... ao v-la meu ser devaneia,Sufoco nos lbios os hlitos meus!No corras na areia,No corras assim!Donzela, onde vais?Tem pena de mim!

A praia to longa! e a onda braviaAs roupas de gaza te molha de escuma...De noite, aos serenos, a areia to fria...To mido o vento que os ares perfuma!s to doentia...No corras assim...Donzela, onde vais?Tem pena de mim!

A brisa teus negros cabelos soltou,O orvalho da face te esfria o suor,Teus seios palpitam a brisa os roou,Beijou-os, suspira, desmaia de amor!Teu p tropeou...No corras assim...Donzela, onde vais?Tem pena de mim!

E o plido mimo da minha paixoNum longo soluo tremeu e parou,Sentou-se na praia, sozinha no cho,A mo regelada no colo pousou!Que tens, coraoQue tremes assim?Cansaste, donzela?Tem pena de mim!

Deitou-se na areia que a vaga molhou.Imvel e branca na praia dormia;Mas nem os seus olhos o sono fechouE nem o seu colo de neve tremia...O seio gelou?...No durmas assim!O plida fria,Tem pena de mim!

Dormia: na fronte que nveo suar...Que mo regelada no lnguido peito...No era mais alvo seu leito do mar,No era mais frio seu glido leito!Nem um ressonar...No durmas assim...O plida fria,Tem pena de mim!

Aqui no meu peito vem antes sonharNos longos suspiros do meu corao:Eu quero em meus lbios teu seio aquentar,Teu colo, essas faces, e a glida mo...No durmas no mar!No durmas assim.Esttua sem vida,Tem pena de mim!

E a vaga crescia seu corpo banhando,As cndidas formas movendo de leve!E eu vi-a suave nas guas boiandoCom soltos cabelos nas roupas de neve!Nas vagas sonhandoNo durmas assim...Donzela, onde vais?Tem pena de mim!

E a imagem da virgem nas guas do marBrilhava to branca no lmpido vu...Nem mais transparente luzia o luarNo ambiente sem nuvens da noite do cu!Nas guas do marNo durmas assim...No morras, donzela,Espera por mim!

CISMAR

Fala-me, anjo de luz! s glorioso minha vista na janela noiteComo divino alado mensageiroAo ebrioso olhar dos frouxos olhosDo homem, que se ajoelha para v-lo,Quando resvala em preguiosas nuvens,Ou navega no seio do ar da noite.ROMEU

Ai! quando de noite, sozinha janelaCoa face na mo te vejo ao luar,Por que, suspirando, tu sonhas, donzela?A noite vai bela,E a vista desmaiaAo longe na praiaDo mar!

Por quem essa lgrima orvalha-te os dedos,Como gua da chuva cheiroso jasmim?Na cisma que anjinho te conta segredos?Que plidos medos?Suave morena,Acaso tens penaDe mim?

Donzela sombria, na brisa no sentesA dor que um suspiro em meus lbios tremeu?E a noite, que inspira no seio dos entesOs sonhos ardentes,No diz-te que a vozQue fala-te a ssSou eu?

Acorda! No durmas da cisma no vu!Amemos, vivamos, que amor sonhar!Um beijo, donzela! No ouves? no cuA brisa gemeu...As vagas murmuraram...As folhas sussurram:Amar!

AI JESUS!

Ai Jesus! no vs que gemo,Que desmaio de paixoPelos teus olhos azuis?Que empalideo, que tremo,Que me expira o corao?Ai Jesus!

Que por um olhar, donzela,Eu poderia morrerDos teus olhos pela luz? Que morte! que morte bela!Antes seria viver!Ai Jesus!

Que por um beijo perdidoEu de gozo morreriaEm teus nveos seios nus?Que no oceano dum gemidoMinhalma se afogaria?Ai Jesus!

ANJINHO

And from her fair and unpolluted fleschMay violets spring! HAMLET

No chorem... que no morreu!Era um anjinho do cuQue um outro anjinho chamou!Era uma luz peregrina,Era uma estrela divinaQue ao firmamento voou!

Pobre criana! Dormia:A beleza reluziaNo carmim da face dela! Tinha uns olhos que choravam,Tinha uns risos que encantavam!...Ai meu Deus! era to bela.

Um anjo dasas azuis,Todo vestido de luz,Sussurrou-lhe num segredoOs mistrios doutra vida!E a criana adormecidaSorria de se ir to cedo!

To cedo! que ainda o mundoO lbio visguento, imundo,Lhe no passara na roupa!Que s o vento do cuBatia do barco seuAs velas douro da poupa!

To cedo! que o vesturioLevou do anjo solitrioQue velava seu dormir! Que lhe beijava risonhoE essa florzinha no sonhoToda orvalhava no abrir!

No chorem! lembro-me aindaComo a criana era lindaNo fresco da facezinha!Com seus lbios azulados,Com os seus olhos vidradosComo de morta andorinha!

Pobrezinho! o que sofreu!Como convulso tremeuNa febre dessa agonia!Nem gemia o anjo lindo,S os olhos expandindoOlhar algum parecia!

Era um canto de esperanaQue embalava essa criana?Alguma estrela perdida,Do cu croada donzela...Toda a chorar-se por elaQue a chamava doutra vida?

No chorem... que no morreu!Que era um anjinho do cuQue um outro anjinho chamou!Era uma luz peregrina,Era uma estrela divinaQue ao firmamento voou!

Era uma alma que dormiaDa noite na ventaniaE que uma fada acordou!Era uma flor de palmeiraNa sua manh primeiraQue um cu dinverno murchou!

No chorem! abandonadaPela rosa perfumada,Tendo no lbio um sorriso,Ela se foi mergulhar Como prola no mar Nos sonhos do paraso!

No chorem! chora o jardimQuando marchado o jasmimSobre o seio lhe pendeu?E pranteia a noite belaPelo astro ou a donzelaMortos na terra ou no cu?

Choram as flores no afQuando a ave da manhEstremece, cai, esfria?Chora a onda quando vA boiar um irerMorta ao sol do meio-dia?

No chorem!... que no morreu!Era um anjinho do cuQue um outro anjinho chamou!Era uma luz peregrina,Era uma estrela divinaQue ao firmamento voou!

ANJOS DO MAR

As ondas so anjos que dormem no mar,Que tremem, palpitam, banhados de luz...So anjos que dormem, a rir e sonharE em leito descuma revolvem-se nus!

E quando, de noite, vem plida a luaSeus raios incertos tremer, pratear...E a trana luzente da nuvem flutua...As ondas so anjos que dormem no mar!

Que dormem, que sonham... e o vento dos cusVem tpido, noite, nos seios beijar!...So meigos anjinhos, so filhos de Deus,Que ao fresco se embalam do seio do mar!

E quando nas guas os ventos suspiram,So puros fervores de ventos e mar...So beijos que queimam... e as noites deliramE os pobres anjinhos esto a chorar!

Ai! quando tu sentes dos mares na florOs ventos e vagas gemer, palpitar...Por que no consentes, num beijo de amor,Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?I Tenho um seio que deliraComo as tuas harmonias!Que treme quando suspira,Que geme como gemias!

IITenho msicas ardentes,Ais do meu amor insano,Que palpitam mais dormentesDo que os sons do teu piano!

IIITenho cordas argentinasQue a noite faz acordar,Como as nuvens peregrinasDas gaivotas do alto mar!

IVComo a teus dedos lindinhosO teu piano gemer,Vibra-me o seio aos dedinhosDos anjos louros do cu!

VVibra noite no mistrioSe o banha o frouxo luar,Se passa teu rosto areoNo vaporoso sonhar!

VIComo tremem teus dedinhosO saudoso piano teu,Vibram-me nalma os anjinhos,Os anjos loiros do cu!

A CANTIGA DO SERTANEJO

Love me, and leave me not.SHAKESPEARE, Merch. Of Venice

Donzela! Se tu quiserasSer a flor das primaverasQue tenho no corao:E se ouviras o desejoDo amoroso sertanejoQue descora de paixo!...

Se tu viesses comigoDas serras ao desabrigoAprender o que amar... Ouvi-lo no frio vento,Das aves no sentimento,Nas guas e no luar!...

Ouvi-lo nessa viola,Onde a modinha espanholaSabe carpir e gemer!...Que pelas horas perdidasTem cantigas doloridas,Muito amor, muito doer...

Pobre amor! o sertanejoTem apenas seu desejoE as noites belas do val!...S o ponche adamascado,O trabuco prateadoE o ferro de seu punhal!...

E tem as lendas antigas E as desmaiadas cantigasQue fazem de amor gemer!...E nas noites indolentesBebe cnticos ardentesQue fazem estremecer!...

Tem mais... na selva sombriaDas florestas a harmonia,Onde passa a voz de Deus,E nos relentos da serraPernoita na sua terra,No leito dos sonhos seus!

Se tu viesses, donzela,Verias que a vida belaNo deserto do serto:L tm mais aroma as floresE mais amor os amoresQue falam do corao!

Se viesses inocenteAdormecer docemente noite no peito meu!...E se quisesses comigoVir sonhar no desabrigoCom os anjinhos do cu!

doce na minha terraAndar, cismando, na serraCheia de aroma e de luz,Sentindo todas as flores,Bebendo amor nos amoresDas borboletas azuis!

Os veados da campinaNa lagoa, entre a neblina,So to lindos a beber!...Da torrente nas coroasAo deslizar das canoas to doce adormecer!...

Ah! Se viesses, donzela,Verias que a vida belaNo silncio do serto!Ah!... morena, se quiserasSer a flor das primaverasQue tenho no corao!

Junto s guas da torrenteSonharias indolenteComo num seio dirm!... Sobre o leito de verdurasO beijo das criaturasSuspira com mais af!

E da noitinha as aragensBebem nas flores selvagensEfluviosa fresquido!...Os olhos tm mais ternuraE os ais da formosuraSe embebem no corao!...

E na caverna sombriaTem um ai mais harmoniaE mais fogo o suspirar!...Mais fervoroso o desejoVai sobre os lbios num beijoEnlouquecer, desmaiar!...

E da noite nas ternurasA paixo tem mais venturasE fala com mais ardor!...E os perfumes, o luar,E as aves a suspirar,Tudo canta e diz amor!

Ah! vem! amemos! vivamos!O enlevo do amor bebamosNos perfumes do sero!Ah! Virgem, se tu quiserasSer a flor das primaverasQue tenho no corao!...

Dreams! dreams! dreams!W. COWPER

Quando, noite, no leito perfumadoLnguida fronte no sonhar reclinas,No vapor da iluso por que te orvalhaPranto de amor as plpebras divinas?

E, quando eu te contemplo adormecidaSolto o cabelo no suave leito,Por que um suspiro tpido ressonaE desmaia suavssimo em teu peito?

Virgem do meu amor, o beijo a furtoQue pouso em tua face adormecidaNo te lembra do peito os meus amoresE a febre do sonhar de minha vida?

Dorme, anjo de amor! no teu silncioO meu peito se afoga de ternura...E sinto que o porvir no vale um beijoE o cu um teu suspiro de ventura!

Um beijo divinal que acende as veias,Que de encantos os olhos ilumina,Colhido a medo, como flor da noite,Do teu lbio na rosa purpurina...

E um volver de teus olhos transparentes,Um olhar dessa plpebra sombriaTalvez pudessem reviver-me nalmaAs santas iluses de que eu vivia!

O POETA

Un souvenir heureux est peut-tre sur terrePlus vrai que le bonheur.A. DE MUSSET

Era uma noite: eu dormia...E nos meus sonhos reviaAs iluses que sonhei!E no meu lado senti...Meu Deus! por que no morri?Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,Palpitante e abatida,A amante de meu amor,Os cabelos recendendoNas minhas faces correndo,Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheirosoArquejando sequiosoE nos lbios, que entreabriaLnguida respirao,Um sonho do coraoQue suspirando morria!

No era um sonho mentido:Meu corao iludidoO sentiu e no sonhou...E sentiu que se perdiaNuma dor que no sabia...Nem ao menos a beijou!

Soluou o peito ardente,Sentiu que a alma dementeLhe desmaiava a tremer,Embriagou-se de enleio,No sono daquele seioPensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,Que vida num s momentoDentro do peito sentiu...No sei!... Dorme no passadoMeu pobre sonho doirado...Esperana que mentiu...

Sabem as noites do cuE as luas brancas sem vuOs prantos que derramei!Contem do vale as florinhasEsse amor das noite minhas!Elas sim... que eu no direi!

E se eu tremendo, senhora,Viesse plido agoraLembrar-vos o sonho meu,Com a fronte descoradaE com a voz sufocadaDizer-vos baixo: Sou eu!

Sou eu! que no esqueciA noite que no dormi,Que no foi uma iluso!Sou eu que sinto morrerA esperana de viver...Que o sinto no corao!

Rireis das esperanas,Das minhas loucas lembranas,Que me desmaiam assim?Ou ento, de noite, a medoChorareis em segredoUma lgrima por mim!

Dorme, meu corao! Em paz esqueceTudo, tudo que amaste neste mundo!Sonho falaz de tmida esperanaNo interrompa teu dormir profundo!Traduo do Dr. Octaviano

Fui um douto em sonhar tantos amores...Que loucura, meu Deus!Em expandir-lhe aos ps, pobre insensato,Todos os sonhos meus!

E ela, triste mulher, ela to bela,Dos seus anos na flor,Por que havia de sagrar pelos meus sonhosUm suspiro de amor?

Um beijo um beijo s! eu no pediaSeno um beijo seuE nas horas do amor e do silncioJunt-la ao peito meu!

_____

Foi mais uma iluso! de minha fronteRosa que desbotouUma estrela de vida e de futuroQue riu... e desmaiou!

Meu triste corao, tempo, dorme,Dorme no peito meu!Do ltimo sonho despertei e nalmaTudo! tudo morreu!

Meus Deus! por que sonhei e assim por elaPerdi a noite ardente...Se devia acordar dessa esperana,E o sonho era demente?...

Eu nada lhe pedi: ousei apenasJunto dela, noitinha,Nos meus delrios apertar tremendoA sua mo na minha!

Adeus, pobre mulher! no meu silncioSinto que morrerei...Se rias desse amor que te votava,Deus sabe se te amei!

Se te amei! se minha alma s queriaPela tua viver,No silncio do amor e da venturaNos teus lbios morrer!

Mas vota ao menos no lembrar saudosoUm ai ao sonhador...Deus sabe se te amei!... No te maldigo,Maldigo o meu amor!...

Mas no... inda uma vez... No posso aindaDizer o eterno adeusE a sangue frio renegar dos sonhosE blasfemar de Deus!

Oh! Fala-me de amor!... eu quero crer-teUm momento sequer...E esperar na ventura e nos amores,Num olhar de mulher!

S um olhar por compaixo te peo,Um olhar.... mas bem lnguido, bem terno..............................................................................Quero um olhar que me arrebate o siso,Me queime o sangue, mescurea os olhos,Me torne delirante!ALMEIDA FREITAS

Sur votre main jamais votre front ne se pose,Brlant, charg dennuis, ne pouvant soutenirLe poids dun douloureux et cruel souvenir;Votre coeur virginal en lui-mme repose.Th. Gautier

Ricorditi di me...............DANTE, Purgatrio

Quando falo contigo, no meu peitoEsquece-me esta dor que me consome:Talvez corre o prazer nas fibras dalma:E eu ouso ainda murmurar teu nome!

Que existncia, mulher! se tu souberasA dor de corao do teu amante,E os ais que pela noite, no silncio,Arquejam no seu peito delirante!

E quando sofre e padeceu... e a febreComo seus lbios desbotou na vida...E sua alma cansou na dor convulsaE adormeceu na cinza consumida!

Talvez terias d da mgoa insanaQue minhalma votou ao desalento...E consentirs, virgem dos amores,Descansar-me no seio um s momento!

Sou um doudo talvez de assim amar-te,De murchar minha vida no delrio...Se nos sonhos de amor nunca tremeste,Sonhando meu amor e meu martrio...

E no pude, febril e de joelhos,Com a mente abrasada e consumida,Contar-te as esperanas do meu peitoE as doces iluses de minha vida!

Oh! quando eu te fitei, sedento e louco,Teu olhar que meus sonhos alumia,Eu no sei se era vida o que minhalmaEnlevava de amor e adormecia!

Oh! nunca em fogo teu ardente seioA meu peito juntei que amor definha!A furto apenas eu senti medrosaTua glida mo tremer na minha!...

Tem pena, anjo de Deus! deixa que eu sintaNum beijo esta minhalma enlouquecerE que eu viva de amor nos teus joelhosE morra no teu seio o meu viver!

Sou um doudo, meu Deus! mas no meu peitoTu sabes se uma dor, se uma lembranaNo queria calar-se a um beijo dela,Nos seios dessa plida criana!

Se num lnguido olhar no vu de gozoOs olhos de Espanhola a furto abrindoEu no tremia... o corao ardenteNo peito exausto remoar sentindo!

Se no momento efmero e divinoEm que a virgem pranteia desmaiandoE a croa virginal a noiva esfolha,Eu queria a seus ps morrer chorando!

Adeus! Rasgou-se a pgina saudosaQue teu porvir de amor no meu fundia,Gelou-se no meu sangue moribundoEssa gota final de que eu vivia!

Adeus, anjo de amor! tu no mentiste!Foi minha essa iluso e o sonho ardente:Sinto que morrerei... tu, dorme e sonhaNo amor dos anjos, plido inocente!

Mas um dia... se a ndoa da existnciaMurchar teu clix orvalhoso e cheio,Flor que respirei, que amei sonhando,Tem saudade de mim, que eu te pranteio!

NA MINHA TERRA

Laisse-toi donc aimer! Oh! lamour cest la vie!Cest tout ce quon regrette et tout ce quon envie,Quand on voit sa jeunesse au couchant dcliner!...............................................................................La beaut cest le front, lamour cest la couronne:Laisse-toi couronner!V. HUGO

IAmo o vento da noite sussurranteA tremer nos pinheirosE a cantiga do pobre caminhanteNo rancho dos tropeiros;

E os montonos sons de uma violaNo tardio vero,E a estrada que alm se desenrolaNo vu da escurido;

A restinga dareia onde rebentaO oceano a bramir,Onde a lua na praia macilentaVem plida luzir;

E a nvoa e flores e o doce ar cheirosoDo amanhecer na serra,E o cu azul e o manto nebulosoDo cu de minha terra;

E o longo vale de florinhas cheio E a nvoa que desceu, Como vu de donzela em branco seio,As estrelas do cu.

IINo mais bela, no, a argntea praiaQue beija o mar do sul,Onde eterno perfume a flor desmaia E o cu sempre azul;

Onde os serros fantsticos roxeiamNas tardes de veroE os suspiros nos lbios incendeiamE pulsa o corao!

Sonho da vida que doirou e azulaA fada dos amores,Onde a mangueira ao vento que tremulaSacode as brancas flores...

E saudoso viver nessa dormnciaDo lnguido sentir,Nos enganos suaves da existnciaSentindo-se dormir...

Mais formosa no , no doire emboraO vero tropicalCom seus rubores... a alvacenta auroraDa montanha natal...

Nem to doirada se levante a luaPela noite do cu,Mas venha triste, pensativa e nuaDo prateado vu...

Que me importa? se as tardes purpurinasE as auroras daliNo deram luz s difanas cortinasDo leito onde eu nasci?

Se adormeo tranqilo no teu seioE perfuma-se a flor,Que Deus abriu no peito do poeta,Gotejante de amor?

Minha terra sombria, s sempre bela,Inda plida a vidaComo o sono inocente da donzelaNo deserto dormida!

No italiano cu nem mais suavesSo da noite os amores,No tem mais fogo o cntico das avesNem o vale mais flores!

IIIQuando o gnio da noite vaporosaPela encosta braviaNa laranjeira em flor toda orvalhosaDe aroma se inebria...

No luar junto sombra recendenteDe um arvoredo em flor,Que saudades e amor que influi na menteDa montanha o frescor!

E quando, noite no luar saudosoMinha plida amanteErgue seus olhos midos de gozoE o lbio palpitante...

Cheia da argntea luz do firmamento,Orando por seu Deus,Ento... eu curvo a fronte ao sentimentoSobre os joelhos seus...

E quando sua voz entre harmoniasSufoca-se de amorE dobra a fronte bela de magiasComo plida flor...

E a alma pura nos seus olhos brilhaEm desmaiado vu,Como de um anjo na cheirosa trilhaRespiro o amor do cu!

Melhor a virao uma por umaVem as folhas tremer,E a floresta saudosa se perfumaDa noite no morrer...

E eu amo as flores e o doce ar mimosoDo amanhecer da serraE o cu azul e o manto nebulosoDo cu da minha terra!

ITLIA

Ao meu amigo o Conde de FVeder Napoli e poi morir.

IL na terra da vida e dos amoresEu podia viver inda um momento...Adormecer ao sol da primaveraSobre o colo das virgens de Sorrento !

Eu podia viver e porventuraNos luares do amor amar a vida,Dilatar-se minhalma como o seioDo plido Romeu na despedida!

Eu podia na sombra dos amoresTremer num beijo o corao sedento...Nos seios da donzela deliranteEu podia viver inda um momento!

anjo de meu Deus! se nos meus sonhosNo mentia o reflexo da ventura,E se Deus me fadou nesta existnciaUm instante de enlevo e de ternura...

L entre os laranjais, entre os loureiros,L onde a noite seu aroma espalha,Nas longas praias onde o mar suspiraMinhalma exalarei no cu da Itlia!

Ver a Itlia e morrer!... Entre meus sonhosEu vejo-a de volpia adormecida...Nas tardes vaporentas se perfumaE dorme, noite, na iluso da vida!

E, se eu devo expirar nos meus amores,Nuns olhos de mulher amor bebendo,Seja aos ps da morena Italiana,Ouvindo-a suspirar, inda morrendo.

L na terra da vida e dos amoresEu podia viver inda um momento,Adormecer ao sol da primaveraSobre o colo das virgens de Sorrento!

IIA Itlia! sempre a Itlia delirante!E os ardentes saraus, e as noites belas!A Itlia do prazer, do amor insano,Do sonho fervoroso das donzelas!

E a gndola sombria resvalandoCheia de amor, de cnticos e flores...E a vaga que suspira meia-noiteEmbalando o mistrio dos amores!

Ama-te o sol, terra da harmonia,Do levante na brisa te perfumas:Nas praias de ventura e primaveraVai o mar estender seu vu descumas!

Vai a lua sedenta e vagabundaO teu bero banhar na luz saudosa,As tuas noites estrelar de sonhosE beijar-te na fronte vaporosa!

Ptria do meu amor! terra das glriasQue o gnio consagrou, que sonha o povo...Agora que murcharam teus loureirosFora doce em teu seio amar de novo...

Amar tuas montanhas e as torrentesE esse mar onde bia alcion dormindo,Onde as ilhas se azulam no ocidente,Como nuvens tarde se esvaindo...

Aonde noite o pescador morenoPela baa no batel se escoa...E murmurando, nas canes de Armida,Treme aos fogos errantes da canoa...

Onde amou Rafael, onde sonhavaNo seio ardente da mulher divina,E talvez desmaiou no teu perfumeE suspirou com ele a Fornarina...

E juntos, ao luar, num beijo erranteDesfolhavam os sonhos da venturaE bebiam na lua e no silncioOs eflvios de tua formosura!

anjo de meu Deus, se nos meus sonhosA promessa do amor me no mentia,Concede um pouco ao infeliz poetaUma hora da iluso que o embebia!

Concede ao sonhador, que to-somenteEntre delrios palpitou denleio,Numa hora de paixo e de harmoniaDessa Itlia do amor morrer no seio!

Oh! na terra da vida e dos amoresEu podia sonhar inda um momento,Nos seios da donzela deliranteApertar o meu peito macilentoMaio, 1851. S. Paulo

A T...

No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus.PROPRCIO

Amoroso palor meu rosto inunda,Mrbida languidez me banha os olhos,Ardem sem sono as plpebras doridas,Convulsivo tremor meu corpo vibra...Quanto sofro por ti! Nas longas noitesAdoeo de amor e de desejos...E nos meus sonhos desmaiando passaA imagem voluptuosa da ventura:Eu sinto-a de paixo encher a brisa,Embalsamar a noite e o cu sem nuvens;E ela mesma suave descorandoOs alvacentos vus soltar do colo,Cheirosas flores desparzir sorrindoDa mgica cintura.Sinto na fronte ptalas de flores,Sinto-as nos lbios e de amor suspiro...Mas flores e perfumes embriagam...E no fogo da febre, e em meu delrioEmbebem na minhalma enamoradaDelicioso veneno.

Estrela de mistrio! em tua fronteOs cus revela e mostra-me na terra,Como um anjo que dorme, a tua imagemE teus encantos, onde amor estendeNessa morena tez a cor de rosa.Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!O fogo de teus olhos me fascina,O langor de teus olhos me enlanguece,Cada suspiro que te abala o seioVem no meu peito enlouquecer minhalma!

Ah! vem, plida virgem, se tens penaDe quem morre por ti, e morre amando,D vida em teu alento minha vida,Une nos lbios meus minhalma tua!Eu quero ao p de ti sentir o mundoNa tualma infantil; na tua fronteBeijar a luz de Deus; nos teus suspirosSentir as viraes do paraso...E a teus ps, de joelhos, crer aindaQue no mente o amor que um anjo inspira,Que eu posso na tualma ser ditoso,Beijar-te nos cabelos soluandoE no teu seio ser feliz morrendo!Dezembro, 1851.

CREPSCULO DO MAR

Que rves-tu plus beau sur ces lointaines plagesQue cette chaste mer qui baigne nos rivages?Que ces mornes couverts de bois silencieux,Autels do nos parfurns s'lvent dans les cieux?LAMARTINE

No cu brilhante do poente em fogo Com aurola ardente o sol dormia,Do mar doirado nas vermelhas ondasPurpreo se escondia.

Como da noite o bafo sobre as guasQue o reflexo da tarde incendiava,S a idia de Deus e do infinitoNo oceano boiava!

Como doce viver nas longas praiasNestas ondas e sol e ventania!Como ao triste cismar encanto areoNas sombras preludia!

O painel luminoso do horizonteComo as cndidas sombras alumiaDos fantasmas de amor que ns amamosNa ventura de um dia!

Como voltam gemendo e nebulosas,Brancas as roupas, desmaiado o seio,Inda uma vez a murmurar nos sonhosAs palavras do enleio!...

Aqui nas praias, onde o mar rebentaE a escuma no morrer os seios rola,Virei sentar-me no silncio puroQue o meu peito consola!

Sonharei... l enquanto, no crepsculo,Como um globo de fogo o sol se abismaE o cu lampeja no claro medonhoDe negro cataclisma...

Enquanto a ventania se levantaE no ocidente o arrebol se ateiaNo cinbrio do empreo derramandoA nuvem que roxeia...

Hora solene das idias santasQue embala o sonhador nas fantasias,Quando a taa do amor embebe os lbiosDo anjo das utopias!

Oceano de Deus! Que moribundo,A cantiga do nauta mais sentidaTo triste suspirou nas tuas ondas,Como um adeus vida?

Que nau cheia de glria e d'esperanas,Floreando ao vento a rbida bandeira,Na luz do incndio rebentou bramindoNa vaga sobranceira?

Por que ao sol da manh e ao ar da noiteEssa triste cano, eterna, escura,Como um treno de sombra e de agonia,Nos teus lbios murmura?

vermelho de sangue o cu da noite,Que na luz do crepsculo se banha:Que planeta do cu do roto seioGolfeja luz tamanha?

Que mundo em fogo foi bater correndoAo peito de outro mundo; e uma torrenteDe medonho claro rasgou no terE jorra sangue ardente?

Onde as nuvens do cu voam dormindo,Que doirada manso de aves divinasNum vu purpreo se enlutou rolandoAo vento das runas?

CREPSCULO NAS MONTANHAS

Plida estrela, casto olhar da noite,diamante luminoso na fronte azul do crepsculo, o que vs na plancie?OSSIAN

IAlm serpeia o dorso pardacentoDa longa serrania,Rubro flameia o vu sanguinolentoDa tarde na agonia.

No cinreo vapor o cu desbotaNum azulado incerto,No ar se afoga desmaiando a notaDo sino do deserto...

Vim alentar meu corao saudosoNo vento das campinas,Enquanto nesse manto lutuosoPlida te reclinas

E morre em teu silncio, tarde bela,Das folhas o rumor...E late o pardo co que os passos velaDo tardio pastor!

IIPlida estrela! o canto do crepsculoAcorda-te no cu:Ergue-te nua na floresta mortaDo teu doirado vu!

Ergue-te!... eu vim por ti e pela tardePelos campos errar,Sentir o vento, respirando a vidaE livre suspirar.

mais puro o perfume das montanhasDa tarde no cair...Quando o vento da noite agita as folhas doce o teu luzir!

Estrela do pastor, no vu doiradoAcorda-te na serra,Inda mais bela no azulado fogoDo cu da minha terra!

IIIEstrela doiro, no purpreo leitoDa irm da noite, branca e peregrinaNo firmamento azul derramas diaQue as almas ilumina!

Abre o seio de prola, transpiraEsse raio de luz que a mente inflama!Esse raio de amor que ungiu meus lbiosNo meu peito derrama!

IVLo bel pianeta he ad amar confortaFaceva tutto rider lorienteDANTE, Purgatrio

Estrelinhas azuis do cu vermelho,Lgrimas doiro sobre o vu da tarde,Que olhar celeste em plpebra divinaVos derramou tremendo?

Quem, tarde, crislitas ardentes,Estrelas brancas, vos sagrou saudosasDa fronte dela na azulada croaComo aurola viva?

Foram anjos de amor, que vagabundosCom saudades do cu vagam gemendoE as lgrimas de fogo dos amoresSobre as nuvens pranteiam?

Criaturas da sombra e do mistrio,Ou no purpreo cu doureis a tarde,Ou pela noite cintileis medrosas,Estrelas, eu vos amo!

E quando, exausto o corao no peitoDo amor nas iluses espera e dorme,Difanas vindes-lhe doirar na menteA sombra da esperana!

Oh! quando o pobre sonhador meditaDo vale fresco no orvalhado leitoInveja s guias o perdido voPara banhar-se no perfume etreo...E, nessa argntea luz, no mar de amoresOnde entre sonhos e luar divinoA mo do Eterno vos lanou no espao,Respirar e viver!

DESALENTO

Por que haveis passar to doces dias?A. F. DE SERPA PIMENTEL

Feliz daquele que no livro dalmaNo tem folhas escritasE nem saudade amarga, arrependida,Nem lgrimas malditas!

Feliz daquele que de um anjo as tranasNo respirou sequerE nem bebeu eflvios descorandoNuma voz de mulher...

E no sentiu-lhe a mo cheirosa e brancaPerdida em seus cabelos,Nem resvalou do sonho deleitosoA reais pesadelos...

Quem nunca te beijou, flor dos amores,Flor do meu corao,E no pediu frescor, febril e insanoDa noite virao!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardenteDa huri dos amores,Que sfrego bebeu o orvalho santoDas perfumadas flores...

E pde v-la morta ou esquecidaDos longos beijos seus,Sem blasfemar das iluses mais purasE sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimentoDo pobre peito meu,Sentir no corao que dor da vidaA esperana morreu!...

Que me resta, meu Deus? aos meus suspirosNem geme a virao...E dentro, no deserto do meu peito,No dorme o corao!

PLIDA INOCNCIA

Cette image du cel innocence et beaut!LAMARTINE

Por que, plida inocncia,Os olhos teus em dormnciaA medo lanas em mim?No aperto de minha moQue sonho do coraoTremeu-te os seios assim?

E tuas falas divinasEm que amor lnguida afinasEm que lnguido sonhar?E dormindo sem receioPor que geme no teu seioAnsioso suspirar?

Inocncia! quem disseraDe tua azul primaveraAs tuas brisas de amor!Oh! quem teus lbios sentiraE que trmulo te abriraDos sonhos a tua flor!

Quem te dera a esperanaDe tua alma de criana,Que perfuma teu dormir!Quem dos sonhos te acordasse,Que num beijo tembalasseDesmaiada no sentir!

Quem te amasse! e um momentoRespirando o teu alentoRecendesse os lbios seus!Quem lera, divina e bela,Teu romance de donzelaCheio de amor e de Deus!

SONETO

Plida, a luz da lmpada sombria,Sobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma friaPela mar das gua embalada... Era um anjo entre nuvens dalvoradaQue em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando... Negros olhos as plpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando...

No te rias de mim, meu anjo lindo!Por ti as noites eu velei chorandoPor ti nos sonhos morrerei sorrindo!

ANIMA MEA

E como a vida bela e doce e amvel!No presta o espinhal a sombra ao leitoDo pastor do rebanho vagaroso,Melhor que as sedas do lenol noturnoOnde o pvido rei dormir no pode?SHAKESPEARE, Henrique VI, 3 p.

Quando nas sestas do vero saudosoA sombra cai nos laranjais do vale,Onde o vento adormece e se perfuma...E os raios doiro, cintilando vivos,Como chuva encantada se gotejamNas folhas do arvoredo recendente,Parece que de af dorme a naturaE as aves silenciosas se mergulhamNo grato asilo da cheirosa sombra.

E que silncio ento pelas campinas!...A flor aberta na manh mimosaE que os estos do sol destio murchamCerra as folhas doridas e procuraDa grama no frescor doentio leito. doce ento das folhas no silncioPenetrar o mistrio da floresta,Ou reclinado sombra da mangueiraUm momento dormir, sonhar um pouco!Ningum que turve os sonhos de mancebo,Ningum que o indolente adormecidoRoube das iluses que o acalentamE do mole dormir o chame vida!

E to doce dormir! to suaveDa modorra no colo embalsamadoUm momento tranqilo deslizar-se!Criaturas de Deus se peregrinamInvisveis na terra, consolandoAs almas que padecem... certamenteQue so anjos de Deus que aos seios tomamA fronte do poeta que descansa!

floresta! relva amolecida,A cuja sombra, em cujo doce leito to macio descansar nos sonhos!Arvoredos do vale! derramai-meSobre o corpo estendido na indolnciaO tpido frescor e o doce aroma!E quando o vento vos tremer nos ramosE sacudir-vos as abertas floresEm chuva perfumada, concedei-meQue encham meu leito, minha face, a relva...Onde o mole dormir a amor convida!

E tu, Iln, vem pois! deixa em teu coloDescanse teu poeta: to divinoSorver as iluses dos sonhos ledos,Sentindo brisa teus cabelos soltosMeu rosto encherem de perfume e gozo!

Tudo dorme, no vs? dorme comigo,Pousa na minha tua face belaE o plido cetim da tez morena...Fecha teus olhos lnguidos... no sonoQuero sentir os tmidos suspirosNo teu seio arquejar, morrer nos lbios...E no sono teu brao me enlaando!

minha noiva, minha doce virgem,No regao da bela natureza,Anjo de amor, reclina-te e descansa!Neste bero de flores tua vidaLmpida e pura correr na sombra,Como gota de mel em clix brancoDa flor das selvas que ningum respira.

Alm, alm nas rvores tranqilasUma voz acordou como um suspiro...So ais sentidos de amorosa rolaQue nos beijos de amor palpita e geme?Ah! nem to doce a rola suspirandoModula seus gemidos namorados,No trina assim to longa e molemente...Em argentinas prolas o cantoSe exala como as notas expirantesDe uma alma de mulher que chora e canta...

a voz do sabi: ele dormiaEbrioso de harmonia e se embalavaNo silncio, na brisa e nos eflviosDas flores de laranja... Iln, ouviste? o canto saudoso da esperana, dos nossos amores a cantigaQue o aroma que exalam teus cabelos,Tua lnguida voz... talvez lhe inspiram!

Vem, Iln, d-me um beijo: adormeamos...A cantilena do sabi sombrioEncanta as iluses, afaga o sono...! minha pensativa, descuidosa,Eu sinto a vida bela em teu regao,Sinto-a bela nas horas do silncioQuando em teu colo me reclino e durmo...E ainda os sonhos meus vivem contigo!

Ah! vem, minha Iln: sei harmoniasQue a noite ensina ao violo saudosoE que a lua do mar influi na mente;E quando eu vibro as cordas tremulosas,Como alma de donzela que respira,Coa nas vibraes tanta saudade,Tanto sonho de amor esvaecido...Que o terno corao acorda e gemeE os lbios do poeta inda suspiram!

Anjo do meu amor! se os ais da virgemTm douras, tm lgrimas divinas, quando, no silncio e no mistrio,Sobre o peito do amante se derramamNo sufocado alento os moles cantos... Cantos de amor, de sede e desperanasQue nos lbios febris lhe afoga um beijo!

Ouves, Iln?... meu violo palpita:Quero lembrar um cntico de amores...Fora doce ao poeta, teu amante,Nos ais ardentes das maviosas fibrasOuvir os teus alentos de misturaE as moles vibraes da cantilena Este meu peito remoar um pouco!Virgem do meu amor vem dar-me aindaUm beijo! um beijo longo, transbordandoDe mocidade e vida; e nos meus sonhosMinhalma acordar sopro errabundoDa alma da virgem tremer meus seios...E a doce aspirao dos meus amoresNo condo da harmonia h de embalar-se!

A HARMONIA

Meu Deus! se s vezes, na passada vida,Eu tive sensaes que emudeciamEssa descrena que me di na vidaE, como orvalho que a manh vapora,Em seus raios de luz a Deus me erguiamFoi quando s vezes a modinha doceAo sol de minha terra me embalavaE quando as rias de Bellini plidoEm lbios de Italiana estremeciam!

santa Malibran! fora to docePelas noites suaves do silncioNas lgrimas de amor, nos teus suspiros,Na agonia de um beijo, ouvir gemendoEntre meus sonhos tua voz divina!

Paganini! quando moribundoInda a rabeca ao peito comprimias,Se o hlito de Deus, essa alma danjoQue das fibras do peito cavernosoArquejava nas cordas entornandoMurmrios desperana e de ventura,Se a alma de teu viver roou passandoNalgum lbio sedento de poesia,Numa alma de mulher adormecida,Se algum seio tremeu ao conceb-lo...Esse alento de vida e de futuro Foi o teu seio, Malibran divina!

Ah! se nunca te ouvi, se teus suspiros,Desdmona sentida e moribunda,Nunca pude beber no teu exlio...Nos sonhos virginais senti ao menosTua plida sombra vaporosaNesta fronte que a febre encandeceraDepor um beijo, suspirar passando!

Meu Deus! e, outrora, se um momento a vidaDe poesia orvalhou meus pobres sonhos,Foi nuns suspiros de mulher saudosa,Foi abatida, a forma desmaiada,Uma pobre infeliz que descorandoFazia os prantos meus correr-me aos olhos!

Pobre! pobre mulher! esses mancebosQue choravam por ti... quando gemias,Quando sentias a tua alma ardenteNo canto esvaecer, plida e bela,E teu lbio afogar entre harmonias Almas que de tua alma se nutriam!Que davam-te seus sonhos, e amorosasDesfolhavam-te aos ps a flor da vida...Ai quantas no sentiste palpitantes,Nem ousando beijar teu vu desposa,Nas longas noites nem sonhar contigo!

E hoje riem de ti! da criaturaQue insana profanou as asas brancas!...Que num riso sem d, uma por uma,Na torrente fatal soltava rindo,E as sentia boiando solitrias...As flores da coroa, como Oflia!...Que iludida do amor vendeu a glriaE deu seu colo nu a beijo impuro...Eles riem de ti!... mas eu, coitada,Pranteio teu viver e te perdo.

Fada branca de amor, que sina escuraManchou no teu regao as roupas santas?Por que deixavas encostada ao seioA cabea febril do libertino?Por que descias das regies doiradasE lanavas ao mar a rota liraPara vibrar tua alma em lbios dele?Por que foste gemer na orgia ardenteA santa inspirao de teus poetas...Perder teu corao em vis amores?Anjo branco de Deus, que sina escuraManchou no teu regao as roupas santas?

Plida Italiana! hoje esquecida.O escrnio do plebeu murchou teus louros!Tua voz se cansou nos ditirambos...E tu no voltas com as mos na liraVibrar nos coraes as cordas virgensE ao gnio adormecido em nossas almasNa fronte desfolhar tuas coroas!.................................................................................

VIDA

Oh! laisse-moi taimer pour que jaime la vie!Pour ne point au bonheur dire un dernier adieuPour ne point blasphmer les biens que lhomme envieEt pour ne pas douter de Dieu!ALEXANDRE DUMAS

IOh! fala-me de ti! eu quero ouvir-teMurmurar teu amor...E nos teus lbios perfumar do peitoMinha plida flor.

De tua carta nas queridas folhasEu sinto-me viver...E as pginas do amor sobre meu peito

E, quando, noite, delirante durmo,Deito-as no peito meu...Nos delquios de amor, minha amante,Eu sonho o seio teu...

A alma que as inspirou, que lhes deu vidaE o fogo da paixo...E derramou as notas doloridasDo virgem corao!

Eu quero-as no meu peito, como sonhoTeu seio de donzela,Para sonhar contigo o cu mais puroE a esperana mais bela!

IIA ns a vida em flor, a doce vidaRecendente de amor,Cheia de sonhos, desperana e beijosE plido langor...

A tua alma infantil junto da minhaNo fervor do desejo,Nossos lbios ardentes descorandoComprimidos num beijo...

E as noites belas de luar e a febreDa vida juvenil...E este amor que sonhei, que s me alentaNo teu colo infantil!

Vem comigo ao luar: amemos juntosNeste vale tranqilo...De abertas flores e cadas folhas...No perfumado asilo.

Aqui somente a rola da florestaDas sestas ao calor O tremer sentir dos longos beijos...E ver teu palor.

noite encostarei a minha fronteNo virgem colo teu;Terei por leito o vale dos amores,Por tenda o azul do cu!

E terei tua imagem mais formosaNas viglias do val: Ser da vida meu suave aromaTeu lrio virginal.

IVQue importa que o antema do mundoSe eleve contra ns,Se bela a vida num amor imensoNa solido a ss?

Se ns teremos o cair da tardeE o frescor da manh:E tu s minha me e meus amoresE minhalma de irm?

Se teremos a sombra onde se esfolhamAs flores do retiro...E a vida alm de ti a vida inglria No me vale um suspiro?

Bate a vida melhor dentro do peitoDo campo na tristezaE o aroma vital, ali, do seioDerrama a natureza...

E, aonde as flores no deserto dormemCom mais vio e frescor,Abre linda tambm a flor da vidaDa lua no palor.

C...

Oh! no tremas! que este olhar, esteabrao te digam quanto inefvel o deabandono sem receio, os inebriamentos deuma voluptuosidade que deve ser eterna.GOETHE, Fausto

Sim! coroemos as noitesCom as rosas do himeneu...Entre flores de laranjaSers minha e serei teu!

Sim! quero em leito de floresTuas mos dentro das minhas...Mas os crios dos amoresSejam s as estrelinhas.

Por incenso os teus perfumes,Suspiros por oraoE por lgrimas... somenteAs lgrimas da paixo!

Dos vus da noiva s tenhasDos clios o negro vu...Basta do colo o cetimPara as Madonas do cu!

Eu soltarei-te os cabelos...Quero em teu colo sonhar...Hei de embalar-te... do leitoSeja lmpada o luar!

Sim!... coroemos as noitesDa laranjeira coa flor...Adormeamos num templo Mas seja o templo do amor.

doce amar como os anjosDa ventura no himeneu:Minha noiva, ou minhamante,Vem dormir no peito meu!

D-me um beijo, abre teus olhosPor entre esse mido vu:Se na terra s minha amante,s a minhalma no cu!

NO TMULO DO MEU AMIGOJOO BAPTISTA DA SILVA PEREIRA JNIOR

EPITFIOPerdo, meu Deus, se a tnica da vida...Insano profanei-a nos amores!Se da croa dos sonhos perfumadosEu prprio desfolhei as rseas flores!

No vaso impuro corrompeu-se o nctar,A argila da existncia desbotou-me...O sol de tua gloria abriu-me as plpebras,Da ndoa das paixes purificou-me!

E quantos sonhos na iluso da vida!Quanta esperana no futuro ainda!Tudo calou-se pela noite eterna...E eu vago errante e s na treva infinda...

Alma em fogo, sedenta de infinito,Num mundo de vises o vo abrindo,Como o vento do mar no cu noturnoEntre as nuvens de Deus passei dormindo!

A vida noite! o sol tem vu de sangue...Tateia a sombra a gerao descrida!...Acorda-te, mortal! no sepulcroQue a larva humana se desperta vida!

Quando as harpas do peito a morte estala,Um treno de pavor solua e voa...E a nota divinal que rompe as fibrasNas dulias anglicas ecoa!

O PASTOR MORIBUNDO

CANTIGA DE VIOLAA existncia doloridaCansa em meu peito: eu bem seiQue morrerei...Contudo da minha vidaPodia alentar-se a florNo teu amor!

Do corao nos refolhosSolta um ai! num teu suspiroEu respiro...Mas fita ao menos teus olhosSobre os meus... eu quero-os verPara morrer!

Guarda contigo a violaonde teus olhos cantei...E suspirei!S a idia me consolaQue morro como vivi...Morro por ti!

Se um dia tualma puraTiver saudades de mim,Meu serafim!Talvez notas de ternuraInspirem o doudo amorDo trovador!

TARDE DE VERO

Viens!...Que larbre pntr de parfums et de chants,.....................................................................Et lo,bre et le soleil, et londe et la verdure,Et le rayonnement de toute la natureFassent panouir comme une double fleurLa beaut sur ton front, et lamour dans ton coeur!V. HUGO

Como cheirosa e doce a tarde expira!De amor e luz inunda a praia bela...E o sol j roxo e trmulo desdobraUm ris furta-cor na fronte dela.

Deixai que eu morra s! enquanto o fogoDa ltima febre dentro em mim vacila,No venham iluses chamar-me vida,De saudades banhar a hora tranqila!

Meu Deus! que eu morra em paz! no me coroemDe flores infecundas a agonia!Oh! no doire o sonhar do moribundoLisonjeiro pincel da fantasia!

Exaurido de dor e desperanaPosso aqui respirar mais livremente,Sentir ao vento dilatar-se a vida,Como a flor da lagoa transparente!

Se ela estivesse aqui! no vale agoraCai doce a brisa morna desmaiando:Nos murmrios do mar fora to doceDa tarde no palor viver amando!

Uni-la ao peito meu nos lbios delaRespirar uma vez, cobrando alento;A divina viso de seus amoresAcordar o meu peito inda um momento!

Fulgura a minha amante entre meus sonhos,Como a estrela do mar nas guas brilha,Bebe noite o favnio em seus cabelosAroma mais suave que a baunilha.

Se ela estivesse aqui! jamais to doceO crepsculo o cu embelecera...E a tarde de vero fora mais bela,Brilhando sobre a sua primavera!

Da lnguida pupila de seus olhosNum olhar de desdm entorna amores,Como brisa vernal na relva moleO pessegueiro em flor derrama flores.

rvore florescente desta vida,Que amor, beleza e mocidade encantam,Derrama no meu seio as tuas floresOnde as aves do cu noite cantam!

Vem! a areia do mar cobri de flores,Perfumei de jasmins teu doce leito;Podes suave, noiva do poeta,Suspirosa dormir sobre meu peito!

No tardes, minha vida! no crepsculoAve da noite me acompanha a lira... um canto de amor... Meu Deus! que sonhos!Era ainda iluso era mentira!

TARDE DE OUTONO

Un souvenir heureux est peut-tre sur terrePlus vrai que le bonheur.ALFRED DE MUSSET

O POETA musa, por que viesteE contigo me trouxesteA vagar na solido?Tu no sabes que a lembranaDe meus anos de esperanaAqui fala ao corao?

A SAUDADEDe um puro amor a lnguida saudade doce como a lgrima perdida,Que banha no cismar um rosto virgem:Volta o rosto ao passado e chora a vida.

O POETANo sabes o quanto diUma lembrana que riA fibra que adormeceu?...Foi neste vale que amei,Que a primavera sonhei,Aqui minhalma viveu.

A SAUDADEPlidos sonhos do passado morto doce reviver mesmo chorando:A alma refaz-se pura. Um vento areoParece que do amor nos vai roubando.

O POETAEu vejo ainda a janelaOnde, tarde, junto delaEu lia versos de amor...Como eu vivia denleioNo bater daquele seio,Naquele aroma de flor!

Creio v-la inda formosa,Nos cabelos uma rosa,De leve a janela abrir...To bela, meu Deus, to bela!Por que amei tanto, donzela,Se devias me trair?

A SAUDADEA casa est deserta. A parasitaNas paredes estampa negra cor,Os aposentos o ervaal povoa,A porta franca... Entremos, trovador!

O POETADerramai-vos, prantos meus!Dai-me mais prantos, meu Deus!Eu quero chorar aqui...Em que sonhos de ebriedadeNo arrebol da mocidadeEu nesta sombra dormi!

Passado, por que murchaste?Ventura, por que passasteDegenerando em saudade?Do estio secou-se a fonte,S ficou na minha fronteA febre da mocidade.

A SAUDADESonha, poeta, sonha! Ali sentadoNo tosco assento da janela antiga,Apia sobre a mo a face plida,Sorrindo dos amores cantiga.

O POETAMinhalma triste se enluta,Quando a voz interna escutaQue blasfema da esperana...Aqui tudo se perdeu,Minha pureza morreuCom o enlevo de criana!

Ali, amante ditoso,Delirante, suspiroso,Eflvios dela sorvi,No seu colo eu me deitava...E ela to doce cantava!De amor e canto vivi!

Na sombra deste arvoredoOh! quantas vezes a medoNossos lbios se tocaram!E os seios, onde gemiaUma voz que amor dizia,Desmaiando me apertaram!

Foi doce nos braos teus,Meu anjo belo de Deus,Um instante do viver...To doce, que em mim sentiaQue minhalma se esvaa...E eu pensava ali morrer!

A SAUDADE bero de mistrio e dharmoniaSeio mimoso de adorada amante:A alma bebe nos sons que amor suspiraA voz, a doce voz de uma alma errante.

Tingem-se os olhos de amorosa sombra,Os lbios convulsivos estremecem;E a vida foge ao peito... apenas tingeAs faces que de amor empalidecem.

Parece ento que o agitar do gozoNossos lbios atrai a um bem divino:Da amante o beijo puro como as floresE dela a voz doce como um hino.

Dizei-o vs, dizei, ternos amantes,Almas ardentes que a paixo palpita,Dizei essa emoo que o peito gelaE os frios nervos num espasmo agita.

Vinte anos! como tens doirados sonhos!E como a nvoa de falaz venturaQue se estende nos olhos do poetaDoira a amante de nova formosura!

O POETAQue gemer! no me enganava!Era o anjo que velavaMinha casta solido?So minhas noites gozadasE as venturas choradasQue vibram meu corao?

tarde, amores, tarde:Uma centelha no ardeNa cinza dos seios meus...Por ela tanto chorei,Que mancebo morrerei...Adeus, amores, adeus!

CANTIGA

IEm um castelo doiradoDorme encantada donzela...Nasceu; e vive dormindo Dorme tudo junto dela.

Adormeceu-a, sonhando,Um feiticeiro condo,E dormem no seio delaAs rosas do corao.

Dorme a lmpada argentinaDefronte do leito seu;Noite a noite a lua tristeVem espreit-la do cu.

Voam os sonhos errantesDo leito sob o dosselE suspiram no aladeAs notas do menestrel.

E no castelo, sozinha,Dorme encantada donzela...Nasceu; e vive dormindo Dorme tudo junto dela.

Dormem cheirosas, abrindo,As roseiras em boto...E dormem no seio delaAs rosas do corao.

IIA donzela adormecida a tua alma, santinha,Que no sonha nas saudadesE nos amores da minha.

Nos meus amores que velamDebaixo do teu dosselE suspiram no aladeAs notas do menestrel.

Acorda, minha donzela,Foi-se a lua, eis a manhE nos cus da primavera a aurora tua irm.

Abriram no vale as floresSorrindo na fresquido:Entre as rosas da campinaAbram-se as do corao.

Acorda, minha donzela,Soltemos da infncia o vu...Se ns morrermos num beijo,Acordaremos no cu.

SAUDADES

Tis vain to struggle let me perish youngBYRON

Foi por ti que num sonho de venturaA flor da mocidade consumi...E s primaveras disse adeus to cedoE na idade do amor envelheci!

Vinte anos! derramei-os gota a gotaNum abismo de dor e esquecimento...De fogosas vises nutri meu peito...Vinte anos!... sem viver um s momento!

Contudo, no passado uma esperanaTanto amor e ventura prometia...E uma virgem to doce, to divina,Nos sonhos junto a mim adormecia!

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Quando eu lia com ela... e no romanceSuspirava melhor ardente nota...E Jocelyn sonhava com LaurenceOu Werther se morria por Carlota...

Eu sentia a tremer e a transluzir-lheNos olhos negros a alma inocentinha...E uma furtiva lgrima rolandoDa face dela umedecer a minha!

E quantas vezes o luar tardioNo viu nossos amores inocentes?No embalou-se da morena virgemNo suspirar, nos cnticos ardentes?

E quantas vezes no dormi sonhandoEterno amor, eternas as venturas...E que o cu ia abrir-se... e entre os anjosEu ia despertar em noites puras?

Foi esse o amor primeiro! requeimou-meAs artrias febris de juventude,Acordou-me dos sonhos da existnciaNa harmonia primeira do alade.

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Meu Deus! e quantas eu amei... ContudoDas noites voluptuosas da existnciaS restam-me saudades dessas horasQue iluminou tua alma dinocncia.

Foram trs noites s... trs noites belasDe lua e de vero, no val saudoso...Que eu pensava existir... sentindo o peitoSobre teu corao morrer de gozo.

E por trs noites padeci trs anos,Na vida cheia de saudade infinda...Trs anos de esperana e de martrio...Trs anos de sofrer e espero ainda!

A ti se ergueram meus doridos versos,Reflexos sem calor de um sol intenso,Votei-os imagem dos amoresPra vel-la nos sonhos como incenso.

Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,Tantas noites de febre e desperana...Mas hoje o corao parado e frio,Do meu peito no tmulo descansa.

Plida sombra dos amores santos!Passa quando eu morrer no meu jazigo,Ajoelha ao luar e entoa um canto...Que l na morte eu sonharei contigo.

12 de setembro, 1852.

ESPERANAS

Oh! si elle met aim...ALFRED DE VIGNY, Chatterton

Se a iluso de minhalma foi mentidaE, leviana, da rvore da vida,As flores desbotei...Se por sonhos do amor de uma donzelaImolei meu porvir e o ser por elaEm prantos esgotei...

Se a alma consumi na dor que mataE banhei de uma lgrima insensataA ltima esperana,Oh! no me odeies, no! eu te amo ainda,Como dos mares pela noite infindaA estrela da bonana!

Como nas folhas do Missal do temploOs mistrios de Deus em ti contemploE na tualma os sinto!s vezes, delirante, se eu maldigoAs esperanas que sonhei contigo,Perdoa-me, que minto!

Oh! no me odeies, no! eu te amo ainda,Como do peito a aspirao infindaQue me influi o viver...E como a nuvem de azulado incenso...Como eu amo esse afeto nico, imensoQue me far morrer!

Rompeste a alva tnica luzenteQue eu doirava por ti de amor dementeE aromei de abuses...Deste-me em troco lgrimas asprrimas...Ah! que morreram a sangrar misrrimasAs minhas iluses!

Nos encantos das fadas da venturaPodes dormir ao sol da formosuraSempre bela e feliz!Irm dos anjos, sonharei contigo:A alma a quem negaste o ltimo abrigoChora... no te maldiz!

Chora e sonha e espera: a negra sinaTalvez no cu se apague em purpurinaAlvorada de amor...E eu acorde no cu num teu abraoE repouse tremendo em teu regaoTeu pobre sonhador!

VIRGEM MORTA

Oh! make her a grave where the sun-beams rest,When they promise a glorious morrow!Theyll shine oer sleep, like a smile from the West,From her own lovd island of sorrow.TH. MOORE

L bem na extrema da floresta virgem,Onde na praia em flor o mar suspira...L onde geme a brisa do crepsculoE mais poesia o arrebol transpira...

Nas horas em que a tarde moribundaAs nuvens roxas desmaiando corta,No leito mole da molhada areiaDeitem o corpo da beleza morta.

Irm chorosa a suspirar desfolheNo seu dormir da laranjeira as flores,Vistam-na de cetim, e o vu de noivaLhe desdobrem da face nos palores.

Vagueie em torno, de saudosas virgensErrando noite, a lamentosa turma...E, entre cnticos de amor e de saudade,Junto s ondas do mar a virgem durma.

s brisas da saudade soluantesA, em tarde misteriosa e bela,Entregarei as cordas do aladeE irei meus sonhos prantear por ela!

Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lheE de amorosos prantos perfum-la...E a essncia dos cnticos divinosNo tmulo da virgem derram-la.

Que importa que ela durma descoradaE velasse o palor a cor do pejo?Quero a delcia que o amor sonhavaNos lbios dela pressentir num beijo.

Desbotada coroa do poeta!Foi ela mesma quem prendeu-te flores!Ungiu-as no sacrrio de seu peito Inda virgem do alento dos amores!...

Na minha fronte riu de ti, passando,Dos sepulcros o vento peregrino...Irei eu mesmo desfolhar-te agoraDa fronte dela no palor divino!...

E contudo eu sonhava! e pressurosoDa esperana o licor sorvi sedento!Ai! que tudo passou!... s resta agoraO sorriso de um anjo macilento!..........................................................................

minha amante, minha doce virgem,Eu no te profanei, tu dormes pura:No sono do mistrio, qual na vida,Podes sonhar ainda na ventura.

Bem cedo, ao menos, eu serei contigo Na dor do corao a morte leio...Poderei amanh, talvez, meus lbiosDa irm dos anjos encostar no seio...

E tu, vida que amei! pelos teus valesCom ela sonharei eternamente...Nas noites junto ao mar e no silncio,Que das notas enchi da lira ardente!...

Dorme ali minha paz, minha esperana,Minha sina de amor morreu com ela,E o gnio do poeta, lira eliaQue tremia ao alento da donzela!

Quesperanas, meu Deus! E o mundo agoraSe inunda em tanto sol no cu da tarde!Acorda, corao!... Mas no meu peitoLbio de morte murmurou: tarde!

tarde! e quando o peito estremeciaSentir-me abandonado e moribundo!?... tarde! tarde! iluses da vida,Morreu com ela da esperana o mundo!...

No leito virginal de minha noivaQuero, nas sombras do vero da vida,Prantear os meus nicos amores,Das minhas noites a viso perdida...

Quero ali, ao luar, sentir passandoPor alta noite a virao marinha,E ouvir, bem junto s flores do sepulcro,Os sonhos de sualma inocentinha.

E quando a mgoa devorar meu peito...E quando eu morra de esperar por ela...Deixai que eu durma ali e que descanse,Na morte ao menos, sobre o seio dela!

HINOS DO PROFETA

UM CANTO DO SCULOSpiritus meus attenuabitur, dies meiBreviabuntur, et solum mihi superestSepulchrum.JOB

Debalde nos meus sonhos de venturaTento alentar minha esperana mortaE volto-me ao porvir:A minha alma s canta a sepulturaE nem ltima iluso beija e confortaMeu suarento dormir...

Debalde! que exauriu-me o desalento:A flor que aos lbios meus um anjo deraMirrou na solido...Do meu inverno pelo cu nevoentoNo se levantar nem primavera,Nem raio de vero!

Invejo as flores que murchando morrem,E as aves que desmaiam-se cantandoE expiram sem sofrer...As minhas veias inda ardentes correm...E na febre da vida agonizandoEu me sinto morrer!

Tenho febre! meu crebro transborda...Eu morrerei mancebo, inda sonhandoDa esperana o fulgor...Oh! cantemos ainda: a ltima cordaInda palpita... morrerei cantandoO meu hino de amor!

Meu sonho foi a glria dos valentes,De um nome de guerreiro a eternidadeNos hinos seculares,Foi nas praas, de sangue ainda quentes,Desdobrar o pendo da liberdadeNas frontes populares!

Meu amor foi a verde laranjeira,Cheia de sombra, noite abrindo as flores,Melhor que ao meio-dia,A vrzea longa... a lua forasteiraQue plida, como eu, sonhando amores,De nvoa se cobria.

Meu amor foi o sol que madrugava,O canto matinal dos passarinhosE a rosa predileta...Fui um louco, meu Deus! quando tentavaDescorado e febril manchar no vinho,Meus louros de poeta!

Meu amor foi o sonho dos poetas O belo, o gnio, de um porvir libertoA sagrada utopia!...E, noite, pranteei como os profetas,Dei lgrimas de sangue no desertoDos povos agonia!...

Meu amor!?... foi a me que me alentava,Que viveu, esperou por minha vidaE pranteia por mim...E a sombra solitria que eu sonhavaLnguida como vibrao perdidaDe roto bandolim...

E agora o nico amor!... o amor eterno,Que no fundo do peito aqui murmuraE acende os sonhos meus,Que lana algum luar no meu inverno,Que minha vida no penar apura, o amor de meu Deus!

s no eflvio desse amor imensoQue a alma derrama as emoes cativasEm suspiros sem dor...E no vapor do consagrado incensoQue as sombras da esperana redivivasNos beijam o palor...

Eu vaguei pela vida sem conforto,Esperei minha amante noite e diaE o ideal no veio...Farto de vida, breve serei morto...Nem poderei ao menos na agoniaDescansar-lhe no seio...

Passei como Don Juan entre as donzelas,Suspirei as canes mais doloridasE ningum me escutou...Oh! nunca virgem flor das faces belasSorvi o mel, nas longas despedidas...Meu Deus! ningum me amou!

Vivi na solido, odeio o mundo...E no orgulho embucei meu rosto plidoComo um astro nublado...Ri-me da vida lupanar imundo,Onde se volve o libertino esqulidoNa treva... profanado

Quantos hei visto desbotarem frios,Manchados de embriaguez da orgia em meioNas infmias do vcio!E quantos morreram inda sombrios,Sem remorso dos negros devaneios...Sentindo o precipcio!

Quanta alma pura... e virgem menestrel,Que adormeceu no tremedal sem fundo,No lodo se manchou!Que liras estaladas no bordel!E que poetas que perdeu o mundoEm Bocage e Marlowe!

Morrer! ali na sombra, na taverna,A alma que em si continha um canto areoNo peito solitrio!Sublime como a nota obscura, eterna,Que o bronze vibra em noites de mistrioNo escuro campanrio!

O meus amigos, deve ser terrvelSobre as tbuas imundas, inda ebrioso,Na solido morrer!Sentir as sombras dessa noite horrvelSurgirem dentre o leito pavoroso...Sem um Deus para crer!

Sentir que a alma, desbotado lrio,Dum mundo ignoto vagar chorandoNa treva mais escura...E o cadver sem lgrimas, nem crio,Na calada da rua, desbotando,No ter sepultura...

Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vidaNas artrias inflama o sangue em lavaE o crebro varia...O sculo na vaga enfurecidaMergulha a gerao que se acordava...E nuta de agonia.

So tristes deste sculo os destinos!...Seiva mortal as flores que despontamInfecta em seu abrir...E o cadafalso e a voz dos GirondinosNo falam mais na glria e no apontamA aurora do porvir...

Fora belo talvez, em p, de novo,Como Byron, surgir, ou na tormentaO homem de Waterloo!Com sua idia iluminar um povo,Como o trovo da nuvem que rebentaE o raio derramou...

Fora belo talvez sentir no crnioA alma de Goethe e resumir na fibraMilton, Homero e Dante,Sonhar-se, num delrio momentneo,A alma da criao e o som que vibraA terra palpitante...

Mas ah! o viajor nos cemitriosNessas nuas caveiras no escutaVossas almas errantes...Do estandarte medonho nos impriosA morte, leviana prostituta,No distingue os amantes!...

Eu, pobre sonhador! eu, terra incultaOnde no fecundou-se uma semente,Convosco dormirei...E dentre ns a multido estultaNo vos distinguir a fronte ardenteDo crnio que animei...

morte! a que mistrio me destinas?Esse tomo de luz, que inda me alenta,Quando o corpo morrer,Voltar amanh!... aziagas sinas!... terra numa face macilentaEsperar e sofrer?

Meu Deus! antes, meu Deus! que uma outra vida,Com teu brao eternal meu ser esmagaE minhalma aniquila:A estrela de vero no cu perdidaTambm, s vezes, seu alento apagaNuma noite tranqila!...

IILGRIMAS DE SANGUETaedet animam meam vitae meae.JOB

Ao p das aras, ao claro dos crios,Eu te devera consagrar meus dias...Perdo, meu Deus! perdo...Se neguei meu Senhor nos meus delriosE um canto de enganosas melodiasLevou meu corao!

S tu, s tu podias o meu peitoFartar de imenso amor e luz infindaE uma saudade calma!Ao sol de tua f doirar meu leitoE de fulgores inundar aindaA aurora na minhalma.

Pela treva do esprito lancei-me,Pras esperanas suicidei-me rindo...Sufocando-as sem d... No vale dos cadveres sentei-meE minhas flores semeei sorrindoDos tmulos no p.

Indolente Vestal, deixei no temploA pira se apagar! na noite escuraO meu gnio descreu...Voltei-me para a vida... s contemploA cinza da iluso que ali murmura:Morre! tudo morreu!

Cinzas, cinzas... Meu Deus! s tu podias alma que se perdeu bradar de novo: Ressurge-te ao amor!Macilento, das minhas agoniasEu deixaria as multides do povoPara amar o Senhor!

Do leito aonde o vcio acalentou-meO meu primeiro amor fugiu chorando...Pobre virgem de Deus!Um vendaval sem norte arrebatou-me,Acordei-me na treva... profanandoOs puros sonhos meus!

Oh! se eu pudesse amar!... impossvel!Mo fatal escreveu na minha vida...A dor me envelheceu...O desespero plido, impassvel,Agoirou minha aurora entristecida,De meu astro descreu...

Oh! se eu pudesse amar! Mas no: agoraQue a dor emurcheceu meus breves dias,Quero na cruz sanguentaDerram-los na lgrima que implora,Que mendiga perdo pela agoniaDa noite lutulenta!

Quero na solido... nas ermas grutasA tua sombra procurar chorandoCom meu olhar incerto...As plpebras doridas nunca enxutasQueimarei... teus fantasmas invocandoNo vento do deserto.

De meus dias a lmpada se apaga,Roeram meu viver mortais venenos,Curvo-me ao vento forte:Teu fnebre claro que a noite alaga,Como a estrela oriental, me guie ao menos T ao vale da morte!

No mar dos vivos o cadver bia,A lua descorada como um crnio,Este sol no reluz...Quando na morte a plpebra se engia,O anjo desperta em ns e subitnioVoa ao mundo da luz!

Do val de Josaf pelas gargantasUiva na treva o temporal sem norteE os fantasmas murmuram...Irei deitar-me nessas trevas santas,Banhar-me na friez lustral da morte,Onde as almas se apuram!

Mordendo as clinas do corcel da sombra,Sufocado, arquejante passareiNa noite do infinito...Ouvirei essa voz que a treva assombra,Dos lbios de minhalma entornareiO meu cntico aflito!

Flores cheias de aroma e de alegria,Por que na primavera abrir cheirosasE orvalhar-vos abrindo?As torrentes da morte vm sombrias,Ho de amanh nas guas tenebrosasVos arrastar bramindo.

Morrer! morrer! voz das sepulturas!Como a lua nas salas festivaisA morte em ns se estampa!E os pobres sonhadores de venturasRoxeiam amanh nos funeraisE vo rolar na campa!

Que vale a glria, a saudao que enlevaDos hinos triunfais na ardente notaE as turbas devaneia?Tudo isso vo e cala-se na treva... Tudo vo, como em lbios de idiotaCantiga sem idia.

Que importa? quando a morte se descarna,A esperana do cu flutua e brilhaDo tmulo no leito:O sepulcro o ventre onde se encarnaUm verbo divinal que Deus perfilhaE abisma no seu peito!

No chorem! que essa lgrima profundaAo cadver sem luz no d conforto...No o acorda um momento!Quando a treva medonha o peito inunda,Derrama-se nas plpebras do mortoLuar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,Numa noite sem lua arqueja e chora...O termo... um sigilo!O meu peito cansou da vida insana,Da cruz sombra, junto aos meus, agora,Eu dormirei tranqilo!

Dorme ali muito amor... muitas amantes,Donzelas puras que eu sonhei chorandoE vi adormecer...Ouo da terra cnticos cnticos errantesE as almas saudosas suspirandoQue falam em morrer...

Aqui dormem sagradas esperanas,Almas sublimes que o amor erguia...E gelaram to cedo!Meu pobre sonhador! a descansas,Corao que a existncia consumiaE roeu em segredo!

Quando o trovo romper as sepulturas,Os crnios confundidos acordandoNo lodo tremero...No lodo pelas tnebras impurasOs ossos estalados tiritandoDos vales surgiro!

Como rugindo a chama encarceradaDos negros flancos do vulco rebentaGolfejando nos cus,Entre nuvem ardente e trovejadaMinhalma se erguer, fria, sangrenta,Ao trono de meu Deus...

Perdoa, meu Senhor! O errante crenteNos desesperos em que a mente abrasasNo o arrojes plo crime!Se eu fui um anjo que descreu dementeE no oceano do mal rompeu as asas,Perdo! arrependi-me!

IIIA TEMPESTADEFRAGMENTOProfeta escarnecido pelas turbasDisse-lhes rindo adeus!Vim adorar na serrania escuraA sombra de meu Deus!

O cu enegreceu: l no ocidenteRubro o sol se apagou;E galopa o corcel da tempestadeNas nuvens que rasgou...

Da gruta negra a catarata rola,Alaga a serra bronca,Esbarra pelo abismo, escuma uivandoE pelas trevas ronca...

O cho nu e escarvado plas torrentesTrmulo se fendeu...Da serrania a lomba escaveiradaO raio enegreceu.

Cede a floresta ao arquejar frementeDo rijo temporal,Ribomba e rola o raio, nos abismosSibila o vendaval.

Nas trevas o relmpago fascina,A selva se incendeia...Chuva de fogo pelas serras hirtasFantstica serpeia...

Amo a voz da tempestade,Porque agita o corao...E o esprito inflamadoAbre as asas no trovo!

A minhalma se devoraNa vida morta e tranqila...Quero sentir emoes,Ver o raio que vacila!

Enquanto as raas medrosasBanham de prantos o cho,Eu quero erguer-me na treva,Saudar glorioso trovo!

Jeov! derrama em chuvaOs teus raios incendidos!Tua voz na tempestadeReboa nos meus ouvidos!

quando as nuvens ribombamE a selva medonha est,Que no relmpago surgeA face de Jeov!

A tuba da tempestadeRouqueja nos longos cus,De joelhos na montanhaEspero agora meu Deus!

O caminho rasgou-se: mil torrentesRebentam bravejando,Rodam na espuma as rochas gigantescasPelo abismo tombando.

Como em noite do caos, os elementosincandescentes lutam.Negra a terra, o cu rubro, o mar vozeia E as florestas escutam...

Tudo se escureceu e pela treva,No cho sem sepultura,Os mortos se revolvem tiritandoNa longa noite escura...............................................................................

Profeta escarnecido pelas turbasDisse-lhes rindo adeus!Vim fitar ao claro da tempestade A sombra de meu Deus!

LEMBRANA DE MORRER

No more! O never more!SHELLEY

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,Que o esprito enlaa dor vivente,No derramem por mim nem uma lgrimaEm plpebra demente.

E nem desfolhem na matria impuraA flor do vale que adormece ao vento:No quero que uma nota de alegriaSe cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tdioDo deserto o poento caminheiro...Como as horas de um longo pesadeloQue se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minhalma errante,Onde fogo insensato a consumia,S levo uma saudade desses temposQue amorosa iluso embelecia.

S levo uma saudade e dessas sombrasQue eu sentia velar nas noites minhas...E de ti, minha me! pobre coitadaQue por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus nicos amigos,Poucos, bem poucos! e que no zombavamQuando, em noites de febre endoudecido,Minhas plidas crenas duvidavam.

Se uma lgrima as plpebras me inunda,Se um suspiro nos seios treme ainda, pela virgem que sonhei!... que nuncaAos lbios me encostou a face linda!

tu, que mocidade sonhadoraDo plido poeta deste flores...Se vivi... foi por ti! e de esperanaDe na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,Verei cristalizar-se o sonho amigo... minha virgem dos errantes sonhos,Filha do cu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitrioNa floresta dos homens esquecida, sombra de uma cruz! e escrevam nela: Foi poeta, sonhou e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha,Que minhalma cantou e amava tanto,Protejei o meu corpo abandonado,E no silncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave dauroraE quando, meia-noite, o cu repousa,Arvoredos do bosque, abri as ramas...Deixai a lua pratear-me a lousa!

Cuidado, leitor, ao voltar esta pgina!Aqui dissipa-se o mundo visionrio e platnico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantstica, verdadeira ilha Baratria de D. Quixote, onde Sancho rei e vivem Panrgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fgaro e o Sganarello de D. Joo Tenrio: a ptria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare.Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.A razo simples. que a unidade deste livro funda-se numa binomia: duas almas que moram nas cavernas de um crebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui um tema, seno mais novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo to fasbionable desde Werther at Ren.Por um esprito de contradio, quando os homens se vem inundados de pginas amorosas preferem um conto de Bocaccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um provrbio fantstico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as ternuras elegacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e reduz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre, divisvel at ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma h o Carnaval.H uma crise nos sculos como nos homens. quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do cu sentindo exaustas as suas asas de oiro.O poeta acorda na terra. Demais, o poeta homem: Homo sum, como dizia o clebre Romano. V, ouve, sente e, o que mais, sonha de noite as belas vises palpveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artrias isto , antes e depois de ser um ente idealista, um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, no h poesia.O que acontece? Na exausto causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trmula e ressoante da febre do sangue, a alma que ama e canta, porque sua vida amor e canto, o que pode seno fazer o poema dos amores da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natureza, e que sem ser obsceno pode ser ertico, sem ser montono. Digam e creiam o que quiserem: todo o vaporoso da viso abstrata no interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos.O poema ento comea pelos ltimos crepsculos do misticismo, brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra. A poesia purssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensvel e nua.Depois a doena da vida, que no d ao mundo objetivo cores to azuladas como o nome britnico de blue devils, descarna e injeta de fel cada vez mais o corao. Nos mesmos lbios onde suspirava a monodia amorosa, vem a stira que morde. assim. Depois dos poemas picos, Homero escreveu o poema irnico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan Don Juan que comea como Cain pelo amor e acaba como ele pela descrena venenosa e sarcstica.Agora basta.Ficars to adiantado agora, meu leitor, como se no lesses essas pginas, destinadas a no serem lidas. Deus me perdoe! assim tudo!... at prefcios!

SEGUNDA PARTE

UM CADVER DE POETA

Levem ao tmulo aquele que parece um cadver!Tu no pesaste sobre a terra: a terra te seja leve!L. UHLAND

IDe tanta inspirao e tanta vida,Que os nervos convulsivos inflamavaE ardia sem conforto...O que resta? uma sombra esvaecida, Um triste que sem me agonizava... Resta um poeta morto!

Morrer! E resvalar na sepultura, Frias na fronte as iluses! no peito Quebrado o corao!Nem saudades levar da vida impura Onde arquejou de fome... sem um leito!Em treva e solido!

Tu foste como o sol; tu parecias Ter na aurora da vida a eternidade Na larga fronte escrita... Porm no voltars como surgias!Apagou-se teu sol da mocidade Numa treva maldita!

Tua estrela mentiu. E do fadrioDe tua vida a pgina primeira Na tumba se rasgou...Pobre gnio de Deus, nem um sudrio!Nem tmulo nem cruz! como a caveira Que um lobo devorou!...

IIMorreu um trovador! morreu de fome...Acharam-no deitado no caminho:To doce era o semblante! Sobre os lbiosFlutuava-lhe um riso esperanoso;E o morto parecia adormecido.

Ningum ao peito recostou-lhe a fronteNas horas da agonia! Nem um beijoEm boca de mulher! nem mo amigaFechou ao trovador os tristes olhos!Ningum chorou por ele... No seu peitoNo havia colar nem bolsa doiro:Tinha at seu punhal um frreo punho...Pobreto! no valia a sepultura...

Todos o viram e passavam todos.Contudo era bem morto desde a aurora.Ningum lanou-lhe junto ao corpo imvelUm ceitil para a cova!... nem sudrio!O mundo tem razo, sisudo pensa...E a turba tem um crebro sublime!De que vale um poeta?... um pobre loucoQue leva os dias a sonhar?... insanoAmante de utopias e virtudesE, num templo sem Deus, ainda crente?

A poesia decerto uma loucura:Sneca o disse, um homem de renome. um defeito no crebro... Que doUdos! um grande favor, muita esmolaDizer-lhes bravo! inspirao divina...E, quando tremem de misria e fome,Dar-lhes um leito no hospital dos loucos...Quando gelada a fronte sonhadoraPor que h de o vivo, que despreza rimas,Cansar os braos arrastando um morto,Ou pagar os salrios do coveiro?A bolsa esvaziar por um misrrimo,Quando a emprega melhor em lodo e vcio? ...E que venham a falar-me em Tasso!Culpar Afonso dEst um soberano,Por no lhe dar a mo da irm fidalga!Um poeta um poeta: apenas isso...Procure para amar as poetisas.Se na Frana a princesa Margarida,De Francisco primeiro irm formosa,Ao poeta Alain Chartier adormecidoDeu nos lbios um beijo... que esta moa,Apesar de princesa, era uma douda...E a prova que tambm ronds fazia.Se Riccio, o trovador, teve os amores Novela at bastante duvidosa Dessa Maria Stuart formosssima, que ela sabe-o Deus! fez tanta asneira...Que no admira que a um poeta amasse!

Por isso adoro o libertino Horcio:Namorou algum dia uma parentaDo patrono Mecenas? Parasita...S pedia dinheiro, no triclnioBebia vinho bom... e no viviaFazendo versos s irms de Augusto.

E quem era Cames? Por ter perdidoUm olho na batalha e ser valente, s esmolas valeu. Mas quanto ao resto,Por fazer umas trovas de vadio,Deveriam lhe dar, alm de glria, E essa deram-lhe farta! algum bispado?Alguma dessas gordas sinecurasQue se davam a idiotas fidalguias?

Deixem-se de vises, queimem-se os versos:O mundo no avana por cantigas.Creiam do povilu os trovadoresQue um poema no val meia princesa.

Um poema, contudo, bem escrito,Bem limado e bem cheio de tetias,Nas horas do caf lido, fumando...Ou no campo, na sombra do arvoredo, Quando se quer dormir e no h sono,Tem o mesmo valor que a dormideira.

Mas no passe dali do vate a mente.Tudo o mais so orgulhos, so loucuras...Faublas tem mais leitores do que Homero.Um poeta no mundo tem apenasO valor de um canrio de gaiola... prazer de um momento, mero luxo.Contente-se em traar nas folhas brancasDe algum lbum da moda umas quadrinhas:Nem faa apelaes para o futuro.O homem sempre o homem. Tem juzo.Desde que o mundo mundo assim cogita.

Nem h neg-lo: no h doce lira,Nem sangue de poeta ou alma virgemQue valha o talism que no oiro vibra!Nem msicas nem santas harmoniasIgualam o condo, esse eletrismo,A ardente vibrao do som metlico........................................................................Meu Deus! e assim fizeste a criatura?Amassaste no lodo o peito humano? poeta, silncio! este o homem?A feitura de Deus! a imagem dele!O rei da criao!...Que verme infame!No Deus, porm Sat no peito vcuoUma corda prendeu-te o egosmo!Oh! misria, meu Deus! e que misria!

IIIPassou El-Rei ali com seus fidalgos:Iam a degolar uns insolentesQue ousaram murmurar da infmia rgia,Das ndoas de uma vida libertina!Iam em grande gala. O Rei cismavaNa glria de espetar no pelourinhoA cabea de um pobre degolado.Era um Rei bon-vivant e Rei devoto;E, como Lus XI, ao lado tinhaO bobo, o capelo... e seu carrasco.O cavalo do Rei, sentindo o morto,Tremente de terror parou nitrindo,Deu desporas leviano o cavaleiroE disse ao capelo:

E no enterramEsse homem que apodrece, e no caminhoAssusta-me o corcel?

Depois voltou-seE disse ao camarista de semana:Conheces o defunto? Era inda moo,Daria certamente um bom soldado.A figura esbelta! Forte pena!Podia bem servir para um lacaio.

Descoberto, o faceiro fidalgoteResponde-lhe fazendo a cortesia:Pelas tripas do Papa! eu no me engano,Leve-me Satans se este defuntoOntem no era o trovador Tancredo!

Tancredo! murmurou erguendo os culosUm anfbio, um barbaas truanesco,Alma de Triboulet, que alm de boboEra o vate da corte! bem nutrido,Farto de sangue, mas de veia pobre,Caidos beios, volumoso abdomen,Grisalha cabeleira esparramada,Tremendo narigo, mas testa curta,Em suma um glosador de sobremesas.

Tancredo! repetiu imaginando Um asno! s cantava para o povo!Uma lngua de fel, um insolente!Orgulho desmedido... e quanto aos versosMorava como um sapo ngua doce!No sabia fazer um trocadilho...

O rei passou com ele a companhia!S ficou ressupino e macilentoDa estrada em meio o trovador defunto!

IVIa caindo o sol. Bem reclinadoNo vagaroso coche madornadoDepois de bem jantar fazendo a sesta,Roncava um ndio, um barrigudo frade...Bochechas e nariz, em cima uns culosVermelho solidu... enfim um bispo,E um bispo, senhor Deus! da idade mdia,Em que os bispos como hoje e mais ainda Sob o peso da cruz bem rubicundos,Dormindo bem, e a regalar bebendo,Sabiam engordar na sinecura!Papudos santarres, depois da missa,Lanando ao povo a bno por dinheiro!

O cocheiro ia bbado por certo:Os cavalos tocou plo bom caminhoMesmo em cima das pernas do cadver...Refugou a parelha, mas o sota Que ao sol da glria episcopal enchiaDe orgulho e de insolncia o couro inerte,Cuspindo o povilu, como um fidalgoQue em falta de miolo tinha vinhoNa cabea devassa deu de esporas...Como passara sobre a vil carniaRalu de corvos negros, foi por cima...Mas desgraa! maldito aquele morto!Desgraa!... no porque pisasse o cocheAqueles magros ossos, mas a rodaNa humana resistncia abalroando...E acorda o fradalho...

O que sucede? Pergunta bocejando, algum bbado?Em que bicho pisaram?

Senhor bispo, Triunfante responde o bom cocheiroAo vigrio de Cristo, ao santo ApstolomRebento da fidalga raa novaQue no anda de p como S. Pedro,Nem estafa os corcis de S. Francisco Perdoe Vossa Excelncia Eminentssima, um pobre diabo de poeta...Um homem sem miolo e sem barrigaQue lembrou-se de vir morrer na estrada!

Abrenncio! rouqueja o santo bispo,Leve o Diabo essa tribo de bomios!No h tanto lugar onde se morra?Maldita gente! inda persegue os SantosDepois que o Diabo a leva!...

E foi caminho.

Leve-te Deus! Apstolo da crena,Da esperana e da santa caridade!Tu, sim, s religioso e nos altaresVem cada sacristo, e cada mongeAgita a teus ps o seu turbulo!E o sangue do Senhor no clix doiroDa turba na orao te banha os lbios...

Leve-te Deus, Apstolo da crena!Sem padres como tu que fora o mundo? por ti que o altar apia o trono! teu olhar que fertiliza os vales,Fecunda a vinha santa do Messias!

Leve-te Deus... ou leve-te o Demnio!

VCaiu a noite do azulado manto,Como gotas de orvalho, sacudindoEstrelas cintilantes. Veio a lua,Banhando de tristeza o cu profundo,Trazer aos coraes melancolia,E no ter cheiroso derramarCerlea chama! Dia incerto e plidoQue ao lado da floresta as sombras juntaE golfa pelas guas das campinasAlvacentos clares que as flores bebem!A galope, de volta do noivado,Passa o Conde Solfier e a noiva Elfrida:Seguem fidalgos que o sarau reclama.

Elfrida

No vs, Solfier, ali da estrada em meioUm defunto estendido?

Solfier

minha Elfrida,Voltemos desse lado: outro caminhoSe dirige ao castelo. mau agouroPor um morto passar em noites destas.

Mas Elfrida aproxima o seu cavalo.

Elfrida

Tancredo!... Vede!?... o trovador Tancredo!Coitado! assim morrer! um pobre moo...Sem me e sem irm! E no o enterram?Neste mundo no teve um s amigo!

Ningum, senhora! respondeu da sombraUma dorida voz. Eu vim, h pouco,Ao saber que do povo no abandonoJazia como um co, eu vim... e eu mesmoCavei junto do lago a cova dele.

Elfrida

Tendes um corao: tomai, mancebo,Tomai essa pulseira... Em ouro e jiasTem bastante pra erguer-lhe um monumentoE para longas missas lhe dizeremPelo repouso dalma...

O moo riu-se.

O Desconhecido

Obrigado: guardai as vossas jias.Tancredo o trovador morreu de fome!Passaram-lhe no corpo frio e morto,Salpicaram de lodo a face dele,Talvez cuspissem nesta fronte santa,Cheia outrora de eternas fantasias,De idias a valer um mundo inteiro!...Por que lanar esmolas ao cadver?Leva-as, fidalga, tuas jias belas:O orgulho do plebeu as v sorrindo...Missas?... bem sabe Deus se neste mundoGemeu alma to pura como a dele!Foi um anjo! e murchou-se como as floresMorreu sorrindo, como as virgens morrem...Alma doce que os homens enjeitaram,Lrio, que a turba imunda profanouOh! no te mancharei, nem a lembranaCom o bolo dos ricos! Pobre corpo,s o templo deserto, onde habitavaO Deus que em ti sofreu por um momento!Dorme, pobre Tancredo! eu tenho braos:Na cova negra dormirs tranqilo...Tu repousas ao menos!....................................................................................................................................No entanto sofreando a custo a raiva,Mordendo os lbios de soberba e fria,Solfier da bainha arranca a espada,

Avana ao moo e brada-lhe:

Insolente!,Cala-te, doudo! Cala-te, mendigo!No vs quem te falou? Curva o joelho,Tira o gorro, vilo...

O Desconhecido

Tu vs: no tremo!Tu no vales o vento que salpicaTua fronte de p. Porque s fidalgo,No sabes que um punhal vale uma espadaDentro do corao?

Mas logo Elfrida:Acalma-te, Solfier! O triste mooDesespera, blasfema e no me insulta.Perdoa-me tambm, mancebo triste!No pensei ofender tamanho orgulho:Tua mgoa respeito. S te imploroQue sobre a fronte ao trovador desfolhesEssas flores, as flores do noivadoDe uma triste mulher... E quanto s jias,Lana-as no lago... Mas quem s? teu nome?

O Desconhecido

Quem sou? um doudo, uma alma de insensatoQue Deus maldisse e que Sat devora!Um corpo moribundo em que se nutreUma centelha de pungente fogo!Um raio divinal que di e mata,Que doira as nuvens e amortalha a terra!...Uma alma como o p em que se pisa!Um bastardo de Deus! um vagabundoA que o gnio gravou na fronte antema!Desses que a turba com o seu dedo aponta...Mas no; no hei de s-lo! eu juro nalma,Pela caveira, pelas negras cinzasDe minha me o juro!... Agora h pouco,Junto de um morto reneguei do gnio,Quebrei a lira pedra de um sepulcro... Eu era um trovador, sou um mendigo...

Ergueu do cho a ddiva dElfrida,Roou as flores aos trementes lbios,Beijou-as. Sobre o peito de TancredoPousou-as lentamente...

Em nome dele,Agradeo estas flores do teu seio,Anjo que sobre um tmulo desfolhasTuas ltimas flores de donzela!

Depois vibrou na lira estranhas mgoas,Carpiu longa noite escuras nnias,Cantou: banhou de lgrimas o morto.De repente parou: vibrou a liraCoas mos iradas, trmulas... e as cordasUma por uma rebentou cantando...Tinha fogo no crnio, e sufocava:Passou a fria mo nas fontes midas,Abriu a medo os lbios convulsivos,Sorriu de desespero; e sempre rindoQuebrou as jias e as lanou no abismo...

VINo outro dia na borda do caminho,Deitado ao p de um fosso aberto apenas,Viu-se um mancebo loiro que morria...Semblante feminil, e formas dbeis,Mas nos palores da espaosa fronteUma sombria dor cavara sulcos.Corria sobre os lbios alvacentosUma leve umidez, um l descuma,E seus dentes a raiva constringira...Tinha os punhos cerrados... Sobre o peitoAcharam letras de uma lngua estranha...E um vidro sem licor fora veneno!...

Ningum o conheceu: mas conta o povoQue, ao lan-lo no tmulo, o coveiroQuis roubar-lhe o gibo, despiu o moo...E viu... talvez falso... nveos seios...Um corpo de mulher de formas puras...

VIINa tumba dormem os mistrios dambos:Da morte o negro vu no h ergu-lo!Romance obscuro de paixes ignotas,Poema desperana e desventura,Quando a aurora mais bela os encantava,Talvez rompeu-se no sepulcro deles!No pode o bardo revelar segredosQue levaram ao cu as ternas sombras: Desfolha apenas nessas frontes purasDa extrema inspirao as flores murchas...

IDIAS NTIMAS

FragmentoLa chaise o je massieds, la natte o je me couche,La table ou je tcris ....................................................................................................................................Mes gros souliers ferrs, mon baton, mon chapeau,Ms libres ple-mle entasss sur leur planche....................................................................................De cet espace troit sont tout lameublement.LAMARTINE, Jocelyn

IOssian o bardo triste como a sombra Que seus cantos povoa. O Lamartine montono e belo como a noite, Como a lua no mar e o som das ondas...Mas pranteia uma eterna monodia,Tem na lira do gnio uma s corda, Fibra de a