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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 17 ALVENARIAS EM PORTUGAL SITUAÇÃO ACTUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS Hipólito de SOUSA Professor Auxiliar FEUP Porto SUMÁRIO Nesta comunicação apresenta-se uma reflexão sobre as alvenarias em Portugal na actualidade e os desenvolvimentos que se vislumbram neste domínio. Após uma síntese das tendências que se perspectivam na construção de forma geral, indispensável à referida reflexão, discute-se a importância das alvenarias com referência às soluções estruturais adoptadas em Portugal, aos materiais usados nas paredes portuguesas, aos tipos de paredes mais frequentes e às anomalias mais comuns. Por último, e para que este elemento construtivo consiga sobreviver e melhorar de qualidade, enumeram-se as principais iniciativas que deveriam ser empreendidas. 1. INTRODUÇÃO Desde a antiguidade que a construção de abrigos permanentes para os humanos, evoluindo progressivamente até aos edifícios, anda na maior parte das civilizações associada à alvenaria. Sabemos que os edifícios são espaços habitáveis, concebidos e realizados fundamentalmente de acordo com exigências e tecnologias variáveis com os utentes, as épocas, os locais e os materiais disponíveis, fig. 1. A subdivisão ou mais simplesmente o “desmonte” de um edifício pode ser feito de várias maneiras. É habitual considerar duas abordagens [1]:

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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002 17

ALVENARIAS EM PORTUGAL SITUAÇÃO ACTUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS

Hipólito de SOUSA Professor Auxiliar FEUP Porto

SUMÁRIO Nesta comunicação apresenta-se uma reflexão sobre as alvenarias em Portugal na actualidade e os desenvolvimentos que se vislumbram neste domínio. Após uma síntese das tendências que se perspectivam na construção de forma geral, indispensável à referida reflexão, discute-se a importância das alvenarias com referência às soluções estruturais adoptadas em Portugal, aos materiais usados nas paredes portuguesas, aos tipos de paredes mais frequentes e às anomalias mais comuns. Por último, e para que este elemento construtivo consiga sobreviver e melhorar de qualidade, enumeram-se as principais iniciativas que deveriam ser empreendidas. 1. INTRODUÇÃO Desde a antiguidade que a construção de abrigos permanentes para os humanos, evoluindo progressivamente até aos edifícios, anda na maior parte das civilizações associada à alvenaria. Sabemos que os edifícios são espaços habitáveis, concebidos e realizados fundamentalmente de acordo com exigências e tecnologias variáveis com os utentes, as épocas, os locais e os materiais disponíveis, fig. 1. A subdivisão ou mais simplesmente o “desmonte” de um edifício pode ser feito de várias maneiras. É habitual considerar duas abordagens [1]:

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18 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

− A subdivisão em órgãos, por analogia com o corpo humano, sendo esta divisão única – estrutura, envolvente, compartimentação interior, instalações e divisões exteriores;

− A subdivisão em componentes, desempenhando cada um deles uma ou mais funções – suportar, separar, isolar, etc. – sendo neste caso possível imaginar várias subdivisões em componentes.

Figura 1: Relação entre exigências e desempenho [1]

As exigências dos utilizadores para as construções são variáveis com múltiplos aspectos. No entanto já Vitrúvio, famoso arquitecto romano, referia que as realizações construtivas humanas são a síntese de três critérios (engenharia, economia e estética), com importância relativa variável em diferentes obras, sendo no entanto a estética o elemento distintivo dos abrigos humanos do dos animais [2]. Como foi referido as alvenarias têm sido e são a solução construtiva usada por excelência para a realização do elemento construtivo parede, que serve para separar o espaço exterior do interior, bem como para compartimentar e definir espaços interiores. Apesar de diferenças importantes entre as exigências aplicáveis às paredes exteriores e interiores sintetizam-se no Quadro 1 as mais importantes.

Utilizadores Construção

Exigências Desempenho

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Hipólito de Sousa 19

Quadro 1 : Principais exigências aplicáveis às paredes de alvenaria [3]

Estabilidade

Segurança ao fogo

Estanquidade à água e ao ar

Conforto térmico e acústico

Durabilidade e facilidade de manutenção

Economia / Facilidade de execução

Estética

$$$

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20 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

A importância relativa das várias exigências, que não está hierarquizada no Quadro I, é variável no tempo, com os locais, as civilizações e os utentes com se procura ilustrar na fig. 2.

Figura 2: Importância relativa de algumas exigências aplicáveis às paredes em alvenaria ao

longo do tempo Neste contexto, e face ao que são neste momento as tendências expectáveis no sector da construção, em termos internacionais e nacionais, que se discutem em 2., interessa reflectir sobre a importância, aspectos positivos e debilidades das alvenarias na construção portuguesa e quais as perspectivas futuras para este elemento construtivo e para os materiais com ele relacionados. 2. TENDÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO 2.1 Produtos Os produtos da industria da construção estão sujeitos, como as demais actividades e realizações humanas, às evoluções que se observam na sociedade em geral. Por um lado na construção tem havido uma certa uniformização dos produtos, por outro lado verifica-se na actualidade nas sociedades ocidentais uma certa indefinição resultante da transição de uma era industrial ou pós-industrial, para uma era da informação e dos serviços, conduzindo a noções ainda não completamente estabilizadas. Em paralelo a indústria da construção tem que acompanhar o crescimento da consciência ambiental e desenvolvimento sustentado, integrando ainda as preocupações de qualidade, segurança e saúde, quer na localização das construções, bem como nas realizações e ainda nos materiais e processos construtivos. A indústria de construção, tradicionalmente relevante para a economia dos países ocidentais, precisa assim de se posicionar face a estas tendências, tendo em conta uma eventual (provável) redução da sua importância relativa, bem como um aumento da flexibilidade, com um

Conforto

Estabilidade

Durabilidade

Tempo

Exigências Crescentes

Antiguidade Const. Tradicional Const. Actual

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redireccionamento para outras actividades, com destaque para a remodelação e reabilitação, em detrimento da construção nova. Neste cenário, e no que respeita aos “produtos” da construção, cada vez mais o “peso” e as exigências do cliente e utilizador serão maiores, condicionando as soluções a adoptar. Neste processo a importância do custo global, e da garantia do produto serão maiores. O cliente procurará assim ofertas globais, de baixo impacto ambiental, flexíveis, mas passíveis de visualização antecipada e com garantia de qualidade arquitectónica e de desempenho, quer imediato após conclusão das obras, quer também ao longo da vida. Estas expectativas podem ser encorajadas favoravelmente pelos progressos consideráveis verificados em muitos domínios da construção em Portugal e noutros países:

− melhor conhecimento de muito fenómenos observados nas construções, suportado por investigação experimental e modelação desses fenómenos;

− maior conhecimento dos materiais de construção e da influência dos vários agentes e das suas interacções;

− disponibilização de ferramentas potentes de apoio à concepção dos produtos e elaboração de projectos, sobretudo graças aos desenvolvimentos informáticos;

− aparecimento de inúmeros produtos para a construção, melhoria dos existentes, respondendo melhor às exigências que lhes são aplicáveis, em paralelo com o observado noutros industrias.

Infelizmente estes aspectos positivos são ensombrados por indicadores dignos de preocupação:

− A produtividade e os custos de construção não têm tido as reduções expectáveis face às evoluções acima referidas;

− A qualidade de muitos “produtos” de construção é efectivamente variável e com frequência medíocre sob o ponto de vista técnico. Com efeito em grande parte dos edifícios a qualidade é insuficiente e os acabamentos são pouco cuidados. Destes factos resulta uma degradação muito rápida das obras, um envelhecimento precoce, patologias com custos relevantes para todos os intervenientes, provocando perdas de tempo, contenciosos e despesas importantes.

2.2 Processos Ao nível dos processos construtivos e tecnologias é também provável que ocorra uma industrialização crescente, com o aumento das tarefas a realizar em fábrica e diminuição das tarefas de estaleiro, fig.3. Na construção assistir-se-á indubitavelmente a um crescimento da utilização das tecnologias de informação. No processo construtivo os diversos intervenientes tenderão para especializações crescentes, com responsabilidades mais definidas, com recurso a gestores coordenadores de

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22 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

projectos profissionais, com uma integração maior das empresas projectistas nas empresas construtoras.

Figura 3: Repartição dos tempos e tarefas na construção O papel dos subcontratados tenderá a ser mais importante e o seu enquadramento e responsabilidades clarificadas. Os produtores de materiais e componentes terão uma relevância maior no processo, procurando aumentar o valor acrescentado dos seus produtos por si desenvolvidos, aproximando-se de empresas de subcontratação ou de engenharia. Vários fabricantes ou associações dos mesmos poderão mesmo coordenar ou preparar tecnicamente a realização de parcelas importantes da construção, por exemplo uma fachada completa. Os aspectos referidos têm que conseguir ultrapassar os aspectos negativos de que se destacam ainda, em muitos países europeus e designadamente em Portugal:

− a pouca atracção que os aspectos práticos e de produção na construção exercem sobre os jovens, com uma imagem associada a trabalhadores pouco qualificados, envelhecidos e imigrantes, criando um divórcio significativo entre projectos e concepções muito avançadas e estaleiros pouco evoluídos;

− nem sempre os progressos técnicos conduzem, como noutras actividades industriais, ao abandono de processos tecnologicamente menos evoluídos, ocorrendo com alguma frequência mistura de tecnologias;

− a evidente dificuldade de comunicação entre os vários intervenientes no processo construtivo, quer porque não têm rotina de trabalho conjunto, quer porque têm formações muito diversas;

− o crescimento da importância da arquitectura na construção, com ausência de tipificação, surgimento de formas novas, ligações e materiais diferentes, soluções originais e inovadoras;

Passado Presente Futuro

Escritório

Estaleiro

Fábrica

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− o desconforto e a falta de condições de trabalho que se verificam nos estaleiros de construção comparativamente a outras actividades industriais, com condições penosas, sujidade e desorganização, mesmo tendo em conta que se trata de trabalho que se desenvolve em grande parte ao ar livre;

− uma tendência para a teorização dos problemas da construção e uma formação e concentração do saber dirigida sobretudo para os conhecimentos a montante de fase de construção, acentuando as diferenças de formação e a dificuldade de comunicação.

2.3 Soluções A evolução previsível e as soluções possíveis para muitos aspectos menos positivos que subsistem na construção, passam, em nosso entender, por:

− uma organização e gestão mais eficaz do processo, com identificação de responsabilidades, contratos globais e integração dos sistemas de qualidade e garantias;

− uma concepção das obras mais dirigida para as dificuldades de execução e menos dissociada do estaleiro, não se trata de cercear a liberdade criativa, mas tão só de obrigar essa liberdade a respeitar algumas restrições, da mesma forma que a impõe aos outros; esta evolução obrigará naturalmente a um bom conhecimento da realidade dos estaleiros que infelizmente muitos projectistas não têm;

− uma melhoria e preocupação crescente com a prevenção da segurança integrada nos estaleiros;

− desenvolvimento de produtos de construção melhor adaptados às questões ambientais e às necessidades de mão de obra, mais fáceis de manipular, mais fáceis de colocar e com menos desperdícios;

− condições de trabalho, ferramentas, equipamento auxiliar e instalações no estaleiro mais adaptadas às necessidades e características da mão de obra;

− industrialização crescente, com ganhos em termos económicos e de tempo, pela eventual concentração de várias funções num único elemento (veja-se a estrutura dos automóveis no passado e na actualidade), quer pela maior generalização do conceito de sistemas e componentes e uma maior importância do préfabrico em unidades industriais.

3. AS PAREDES DE ALVENARIA NA CONSTRUÇÃO PORTUGUESA ACTUAL 3.1 Importância Sabe-se que a construção é uma actividade muito importante na economia portuguesa representando cerca de 7% do PIB e 9% do emprego [4]. Dentro da actividade construção os edifícios e destes, os edifícios de habitação, representam ainda a parcela mais importante.

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24 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

De acordo com vários estudos sabemos que o custo dos trabalhos em alvenarias, incluindo revestimentos, representa em Portugal cerca de 12% a 17% do custo global dos edifícios, o que permite situar o valor anual desses trabalhos em cerca de 1800 x10 6 euro. [5, 6 ]

E difícios

63%

V ias de C om unicação

14%

U rbanização

5%

P ontes

2% O bras hidraúlicas

2%

O utros

14%

Habitação

75% Outros

25%

Figura 4 : Peso relativo dos vários tipos de obras em Portugal [5]

Apesar desta inegável importância este elemento construtivo é ainda em geral objecto de poucos cuidados, para o que contribuem as peculiaridades das alvenarias como elemento construtivo:

− constituem a tecnologia construtiva mais antiga, sendo o resultado, ao nível dos materiais e das tecnologias, da herança construtiva das regiões, o que justifica a grande diversidade de materiais e soluções;

− asseguram várias exigências funcionais, sendo o seu desempenho fortemente condicionado pela qualidade construtiva;

− o estudo das alvenarias através de métodos modernos veio a ocorrer muito mais tarde do que o verificado noutros domínios da engenharia e da construção;

− a caracterização experimental nas alvenarias é muito mais complexa e envolve em geral custos mais avultados do que noutros materiais de construção.

Estas singularidades constituem-se em dificuldades importantes entre nós, onde não há tradição de investigar, ensinar e detalhar cuidadosamente as alvenarias, pelo que estas são um dos

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elementos onde se verificam maiores desajustes de desempenho, com as patologias subsequentes, fig. 5.

Figura 5 : Importância relativa da patologia em paredes em França, que se admite seja

semelhante à observada em Portugal [7] A percepção do funcionamento das alvenarias e dos factores que condicionam o seu comportamento requer um domínio de várias áreas de conhecimento, em que se destacam:

− ciências dos edifícios – higrotérmica, estanquidade à água da chuva, comportamento acústico e segurança ao fogo;

− segurança e comportamento estrutural de alvenarias de preenchimento; − materiais para alvenaria – diferentes elementos, argamassas, reforços, componentes

auxiliares e comportamento conjunto − tecnologias de construção – aspectos ligados à exequibilidade e práticas construtivas

Uma visão deste domínio apenas segundo umas das perspectivas conduz em geral a soluções desajustadas, originando diversos tipos de patologias. Neste momento há um interesse crescente pelas questões associadas às alvenarias, quer pelo reconhecimento, embora tardio, da sua importância económica e funcional, bem como pela preponderância que os trabalhos de reabilitação sobre este elemento vão adquirido. Ao nível da investigação este interesse acentua-se por um certo esgotamento de algumas áreas mais tradicionais de investigação na construção. 3.2 Soluções estruturais Aproximadamente coincidindo com o pós-guerra as soluções e tecnologias construtivas adaptadas nos edifícios em Portugal evoluíram rapidamente, sendo as práticas tradicionais progressivamente substituídas por soluções mais modernas, nem sempre adaptadas às condições locais como acontecia anteriormente. Designadamente em termos estruturais os pavimentos em madeira foram sendo progressivamente substituídos por soluções de betão armado, estendendo-se o betão armado aos elementos verticais de suporte, perdendo assim as paredes a sua função resistente. Esta evolução conduziu a que na actualidade pelo menos cerca de 90% das estruturas de edifícios realizados em Portugal sejam em estrutura reticulada de betão armado realizado “in situ”,

Anomalias em edifícios

21%

4%

75%

AlvenariasexterioresAlvenariasinterioresOutros

Anomalias em paredes exteriores

4%7%

49%40%

EstabilidadeInfiltraçõesFissurasOutros

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26 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

limitando-se a prefabricação apenas a alguns elementos integrantes das lajes. Mesmo o recurso a soluções de paredes totalmente em betão armado tem muito pouca expressão. Esta dependência quase exclusiva do betão armado é invulgar em termos europeus e indiciadora de alguns desequilíbrios, fig. 6, na forma como a avaliação da melhor solução estrutural para os edifícios é efectuada. Espera-se que com o surgimento da regulamentação europeia em elaboração, pela inclusão progressiva nos planos de estudos das escolas de engenharia e arquitectura de conhecimentos relacionados com soluções construtivas à base de alvenaria resistente, madeira e prefabricação esta situação se venha a alterar.

0%10%

20%30%40%50%60%70%80%90%

Dinamarca Itália Luxemburgo Portugal

Betão armado Alvenaria resistente Outros

Figura 6: Comparação das soluções estruturais usadas em edifícios em alguns países europeus

[5,8,9,10]

3.3 Materiais para alvenaria a) Tijolos e blocos Na actualidade, no mercado português, coexistem unidade ou elementos para alvenaria (“units” na terminologia da normalização europeia) tradicionais com larga tradição de uso, outros mais recentes, mas já com alguma utilização e materiais emergentes com aplicação ainda muito reduzida. Regista-se também o aparecimento fugaz de algumas soluções que não conseguiram implantar-se. Os elementos com aplicação mais destacada são naturalmente os tijolos cerâmicos de furacão horizontal, utilizados na realização de paredes exteriores e de compartimentação em edifícios, devendo representar pelo menos 90% dos elementos empregues na realização de paredes em Portugal.

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Para além destes e nos considerados tradicionais, objecto de produção industrial, referem-se os tijolos cerâmicos de pequeno formato, maciços ou perfurados, usados sobretudo em alvenaria à vista e os blocos de betão de agregados correntes e leves, estes últimos de utilização muito mais recente. As características mais relevantes dos produtos mais correntes sintetizam-se nos Quadros 2 e3. Quanto à pedra natural o seu emprego é residual e está limitado a algumas zonas em que a sua aplicação à vista é considerada distintiva. Entre os materiais não tradicionais e emergentes destacamos, por poderem ser aplicados em paredes exteriores:

- os blocos de betão de agregados correntes “splitados”; - os blocos de betão celular autoclavado; - os tijolos de cerâmica alveolada de furacão vertical.

Não se referem, por estarem vocacionados exclusivamente para paredes de compartimentação, elementos à base de gesso e cerâmicos revestidos a gesso, entre outros, que têm vindo a ser introduzidos no nosso mercado, fig.7.

Figura 7: Exemplo de divisórias efectuadas com recurso a elementos não tradicionais

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28 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

Quadro 2: Características mais importantes dos tijolos cerâmicos correntes em Portugal [12, 13]

Dimensão e formas (comp. x alt. x esp.)

(cm)

Peso aprox.

(kg)

Furação (%)

Resistência à compressão (2)

(MPa)

30 x20 x22 (1)

7-11

55-70

1.9-3.9

30 x20 x15 (1)

5-7

50-65

2.5-4.9

30 x20 x11 (1)

4-6

50-65

2.8-5.2

30 x 20 x 9

3.5-5.5

40-60

3.0-5.7

30 x 20 x 7(1)

3-5

40-60

3.7-7.0

Fura

ção

hori

zont

al

30 x20 x4

2-3

40-50

6.0-7.0

22 x11 x7 (1)

1.5-2.5

25-40

8.0-9.5

Fura

ção

vert

ical

22 x11 x5

1.2-1.7

25-40

8.0-9.5

Sólid

o

22 x11 x7 (1)

2.5-3.5

-

17.0-48.0

(1) Dimensões de acordo com normalização portuguesa (2) Expressa em termos de área aparente, não normalizada por factores de forma

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Quadro3: Características mais importantes dos blocos de betão correntes em Portugal [12, 13]

Dimensão e formas (comp. x alt. x esp.)

(cm)

Peso aprox.

(kg)

Furação (%)

Resistência à Compressão (1)

(MPa)

20-29

45-65

3.5-4.5

(50 ou 40) x 20 x30

(50 ou 40) x 20 x25

20-25

45-65

3.0-4.5

(50 ou 40) x 20 x20

15-22

40-50

3.0-4.5

(50 ou 40) x 20 x15

12-18

40-50

4-5

12-15

40-50

4-5

(50 ou 40) x 20 x12

(50 ou 40) x 20 x10

10-13

30-50

4-5

(50 ou 40) x 20 x8

8-12

30-50

4-6

(50 ou 40) x 20 x5

8-10

-

6-8

(1) Expressa em termos de área aparente, não normalizada por factores de forma

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30 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

Neste momento em Portugal, dos produtos referidos, não são fabricados entre nós os blocos de betão celular autoclavado (cuja fábrica foi desmantelada à poucos anos) e os tijolos de argila alveolada que normalmente são provenientes de Espanha. No que respeita ao local de fabrico, sabe-se que nestes materiais, de relativamente baixo custo unitário e peso elevado, o transporte têm uma preponderância grande no custo final, pelo que o raio de acção das empresas produtoras está relativamente limitado. É este facto que justifica, em nosso entender, que a penetração de produtos espanhóis não esteja ainda estendida a todo o país, mas limitada às zonas mais próximas da fronteira, sobretudo nos materiais cerâmicos onde os nossos vizinhos são particularmente agressivos em termos comerciais. No que respeita à qualidade dos produtos genericamente disponíveis no nosso mercado para a realização de paredes, parece poder afirmar-se no que concerne aos tradicionais, e apesar da generalidade das empresas se terem modernizado em termos industriais, que a qualidade corrente é mediana a fraca. Este facto é ainda particularmente visível nos produtos cerâmicos mau grado a obrigatoriedade da certificação introduzida em 1990 [11] que conseguiu ter efeitos positivos no sector. Esta menor qualidade radica-se, por um lado, num mercado que baseia a selecção dos produtos para alvenaria quase exclusivamente no preço, por outro lado num sector industrial que tendo à partida grande parte do mercado conquistado se têm mantido estagnado ao longo do tempo no que respeita aos produtos e mantém uma relação distante com as soluções para a realização de paredes. Sublinha-se, apenas como exemplo, a inexistência de elementos cerâmicos desenvolvidos para aplicações estruturais, para a realização de pontos singulares das paredes e mesmo em cerâmica alveolada. Quanto aos materiais que genericamente concorrem com os cerâmicos, na medida em que têm que conquistar mercado, a sua qualidade relativa é melhor e a concepção e desenvolvimento que têm subjacente são maiores, mas em geral o seu preço é menos competitivo, pelo menos numa análise mais simplista. b) Argamassas As argamassas usadas no assentamento e mesmo no acabamento das alvenarias são ainda em geral realizadas no local à base de cimento e areia. A utilização de cal hidratada ou hidráulica, caiu em desuso sobretudo nas argamassas de assentamento. O cimento empregue é normalmente Portland tipo II 32.5, mas em muitos casos não há cuidados especiais na selecção do tipo de cimento. Apesar de relevância da quantidade de cimento dispendida na realização de argamassas para alvenarias, apenas há relativamente pouco tempo as empresas produtoras de cimento começaram a dedicar alguma atenção a este sector. Com efeito sabemos que as propriedades mais relevantes exigíveis a uma argamassa são muito diferentes das aplicáveis aos betões, justificando-se o desenvolvimento de produtos específicos para esse fim que permitam por um lado melhorar aspectos como a trabalhabilidade, aderência, capacidade de reter água e baixo módulo de elasticidade e em simultâneo, tratando-se de produtos de produção industrial, evitar

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a variação e aleatoridade das propriedades das argamassas realizadas em obra sem qualquer controlo. Parece-nos assim decisivo que exista uma maior atenção a todos os níveis com as argamassas empregues na realização e revestimento das alvenarias e que em simultâneo se incentive o emprego de argamassas pré-doseadoras ou prontas, pressionando igualmente as industrias produtoras destas argamassas a estudar, caracterizar e documentar convenientemente as propriedades destes produtos. c) Revestimentos de paredes exteriores No passado em Portugal, com excepção de algumas construções em que a pedra se mantinha à vista, a generalidade das paredes era revestida com rebocos tradicionais, em geral pintados, mas frequentemente e com carácter regional, com acabamentos de outro tipo onde se destacam o azulejo. Nas zonas mais húmidas ou expostas à chuva usavam-se com frequência revestimentos de estanquidade, ou as características de reboco eram reforçadas visando essa garantia. A dificuldade em conseguir mão-de-obra habilitada à realização de rebocos de qualidade, os custos de manutenção das pinturas e também a ideia, porventura falsa, de que alguns revestimentos podem ser menos propensos à ocorrência de patologias associadas à humidade, levou à aplicação de vários tipos de acabamentos das paredes de alvenaria, destacando-se como mais frequente os seguintes:

- ladrilhos cerâmicos, disponíveis em vários formatos e acabamentos, fixados por colagem ao emboço ou reboco das paredes;

- pedras naturais com dimensões muito variadas, desde pequenas dimensões semelhantes aos referidos ladrilhos, fixadas igualmente por colagem, ou grandes peças fixadas mecanicamente;

- rebocos em camada única, produzidos industrialmente, designadas correntemente por “monomassas” e com vários tipos de colorações e acabamentos;

- paredes em alvenaria à vista, ou seja sem revestimento, mas recorrendo a elementos para alvenaria com características melhoradas com destaque para os cerâmicos;

- sistemas de isolamento térmico pelo exterior, consistindo num isolamento térmico em placas rígidas fixadas ao tosco da parede, com um reboco delgado produzido industrialmente e possibilitando vários tipos de acabamento, aplicado em uma ou mais camadas, sendo uma delas reforçada com malha de fibra de vidro com protecção anti-alcalina.

d) Outros materiais empregues em alvenarias O emprego de isolamentos térmicos em paredes generalizou-se em Portugal a partir de meados da década de 80 do século XX, na sequência da publicação da regulamentação relativa ao conforto térmico em edifícios [14], localizando-se normalmente na caixa de ar das paredes duplas, preenchendo-as parcialmente, mas também nos sistemas de isolamento térmico pelo exterior acima referidos.

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32 Alvenarias em portugal. Situação actual e perspectivas futuras

Em geral os materiais mais empregues são o poliestireno expandido ou extrudido em placas e a espuma de poliuretano projectada. Existem também no mercado elementos para alvenaria, tendo por base materiais cerâmicos e betão leve, que permitem satisfazer, sem isolamentos complementares, as exigências de isolamento térmico aplicáveis a paredes exteriores actualmente em vigor. Quanto a outros materiais passíveis de incorporação em paredes exteriores ou mesmo interiores não há produção industrial nem aplicação sistemática na construção de ligadores de panos de paredes duplas, elementos de ligação à estrutura, armaduras de reforço, dispositivos de drenagem, ventilação ou estanquidade. O emprego de materiais com esses fins, que ocorre na construção de muitos edifícios, resulta em geral de adaptações de outros materiais a essas funções e não da aplicação de produtos desenvolvidos com esse objectivo. 3.4 Soluções mais correntes usadas em alvenarias Em Portugal em alguns domínios – conservação de energia e conforto térmico [14], protecção contra ruído [15] e segurança ao fogo [16] – a regulamentação actualmente aplicável aos edifícios condiciona as soluções a adoptar nas paredes exteriores e interiores em edifícios. Existem no entanto outros domínios para os quais não existe nenhum enquadramento. A generalidade das paredes exteriores são de simples preenchimento e as soluções mais correntes são:

- paredes duplas para revestir, realizadas a partir de tijolos cerâmicos de furacão horizontal, a mais espessa das quais não ultrapassa 15cm. O isolamento térmico em placas ou projectado preenche parcialmente a caixa de ar. Estas paredes são em geral pouco cuidadas ao nível da ligação à estrutura, ligadores entre panos, drenagem da caixa de ar, fixação e posicionamento do isolamento térmico e pontes térmicas;

- paredes duplas em que o pano exterior se destina a ficar à vista, realizado em tijolo cerâmico maciço de furação horizontal ou ainda de blocos de betão. O pano interior é em geral em tijolos cerâmicos de furação horizontal com 11 ou no máximo 15cm. Em geral a estanquidade à água da face exterior do pano interior é melhorado através dum barramento ou pintura, em alguns casos armado com rede de fibra de vidro. O isolamento térmico é realizado como já foi referido. Em geral são visíveis orifícios dispostos inferiormente para drenagem da caixa de ar;

- paredes duplas empregando blocos de betão corrente têm emprego reduzido e em geral apenas quando se tira partido estrutural da alvenaria, confinada por elementos de betão levemente armado, sendo correntemente o pano interior em tijolos cerâmicos de furacão horizontal.

O emprego de paredes em pano simples cresceu nos últimos tempos, mas não é ainda muito frequente. Nesta solução são normalmente empregues elementos com furação vertical ou maciços, no caso dos blocos de betão celular autoclavado, com espessuras iguais ou superiores

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a 25cm, sendo a junta de assentamento vertical, ou não preenchida, ou apenas preenchida parcialmente. No que respeita às paredes de compartimentação interior há uma predominância do emprego de tijolos cerâmicos de furação horizontal de 7, 9 ou 11 cm ocorrendo as espessuras maiores nas paredes das casas de banho e cozinhas atendendo à necessidade de embutir nessas paredes maior número de instalações. Por requisitos acústicos e eventualmente térmicos, as paredes de separação de fogos e de confrontação com zonas comuns são mais cuidadas, sendo com frequência duplas, com isolamento acústico no seu interior. 3.5 Problemas existentes As paredes de alvenaria constituem um dos elementos construtivos mais importantes presentes nos edifícios, particularmente as paredes exteriores que, separando o ambiente interior do exterior, são decisivas para o desempenho dos edifícios. Sabemos, infelizmente, que as paredes de alvenaria dão um contributo muito negativo para a patologia nos edifícios, como é visível na figura 5, relativa a uma estatística francesa que não deve ser muito diferente do observado entre nós. Em Portugal as patologias mais frequentes relacionadas com as alvenarias são a fissuração de paredes exteriores e interiores, a manifestação de problemas associados à penetração de água e humidade, bem como a degradação dos revestimentos e acabamentos que com frequência se relaciona com os outros tipos de patologias. Sem pretender fazer uma abordagem exaustiva das causas que estão na origem das referidas patologias, enumeram-se de seguida os aspectos que em nosso entender são mais relevantes. a) Concepção A concepção das paredes está associada ao projecto geral de arquitectura e é da responsabilidade dos arquitectos, não sendo habitual a existência dum verdadeiro “projecto” de alvenaria, no que respeita à especificação dos materiais a empregar, características, pormenores de execução e representação dos pontos singulares a escalas convenientes. Por outro lado tratando-se com frequência duma zona de fronteira entre a arquitectura e a estabilidade, com ligações a outros domínios, por exemplo as instalações, a compatibilização e coordenação são insuficientes, quer porque é essa infelizmente a prática mais corrente entre nós, quer porque é necessário um conhecimento aprofundado de várias áreas de conhecimento que muitos projectistas não têm. Os factores que se acabaram de descrever são ainda agravados pelos seguintes aspectos:

- inexistência de recomendações que ajudem os projectistas a escolher melhor as soluções de paredes e a detalha-las convenientemente, com obrigatoriedade de existência de peças desenhadas explicítas;

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- recurso cada vez maior a soluções arquitectónicas que são potenciadoras de patologias, quer pela incidência mais directa nas fachadas dos agentes climatéricos, quer pela sua maior esbelteza e desenvolvimento.

b) Aspectos relacionados com economia, qualidade e mão-de-obra A selecção das soluções a empregar na realização de paredes deveria resultar duma ponderação mais consistente do que a habitualmente efectuada entre nós, considerando o custo global agregando a construção, utilização e manutenção. Habitualmente pondera-se apenas o custo de construção sem ter em conta os outros aspectos e designadamente a qualidade da execução. Sabemos que as características da mão-de-obra disponível para trabalhar na construção têm vindo a mudar. A disponibilidade de mão-de-obra experiente, sujeita a longos períodos de aprendizagem, reduziu-se muito. Por outro lado algumas soluções arquitectónicas correntes hoje em dia e os ritmos de construção excessivamente rápidos praticados na actualidade tornam a construção e as paredes extremamente sensíveis à qualidade de execução. Estes aspectos acentuam a importância duma correcta escolha dos elementos, argamassas e acabamentos a usar na execução das alvenarias, sendo óbvio o interesse em ter soluções convenientemente detalhadas e sempre que possível simples, menos sujeitas à qualidade da mão-de-obra. Por outro lado o recurso a soluções mais racionais, que reduzam o esforço físico no assentamento, conduzirá a maior produtividade e economia. c) Principais problemas associados às nossas práticas Parece-nos que grande parte das patologias observadas nas alvenarias portuguesas, fig. 8, têm a ver com os seguintes aspectos:

- pavimentos e estruturas de betão armado excessivamente deformáveis, produzindo acções mecânicas e fissuração nas paredes de alvenaria interiores e exteriores;

- ligações alvenaria/estrutura não resolvidas, com frequência não há ligação mecânica, mas também não se adoptam juntas e em termos estruturais a influência dos panos de parede é em geral menosprezada;

- paredes exteriores e de compartimentação pouco resistentes, com dificuldade em suportarem as acções mecânicas a que estão sujeitas;

- paredes duplas incorrectamente construídas no que respeita à limpeza da caixa de ar, ligadores, orifícios de drenagem e ventilação, posicionamento e fixação dos isolamento térmicos;

- pontos singulares de paredes, por exemplo em torno de aberturas, resolvidos com excessiva improvisação;

- tentativa de minimizar as pontes térmicas recorrendo a soluções inadequadas que com frequência trazem mais problemas do que as pontes térmicas que se pretendiam evitar;

- acabamentos escolhidos sem avaliação técnica e aplicados muito depressa; - soluções arquitectónicas para as fachadas definidas sem ter em conta a incidência da

água da chuva, a qualidade da mão de obra e a necessidade de durabilidade.

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Figura 8: Exemplo de situações potenciadoras de patologias em alvenarias 4. DESENVOLVIMENTOS E PERSPECTIVAS FUTURAS Face aos aspectos já referidos que permitem fazer um juízo da situação actual das alvenarias, parece-nos importante perspectivar os desenvolvimentos e perspectivas futuras para o sector. Convêm ter presente que as alvenarias já sofreram um declínio associado à perda de importância funcional e económica resultante do surgimento dos novos materiais estruturais que ocorreu no fim do século XIX, primeira metade do século XX. Alguns países europeus conseguiram revitalizar o sector das alvenarias e adequar as soluções de paredes interiores e exteriores à nova realidade da construção. Em Portugal esse esforço ainda não foi

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verdadeiramente iniciado. A passagem das soluções clássicas tradicionais, tendo por base as alvenarias resistentes em pano simples, para as soluções actualmente praticadas recorrendo a alvenarias duplas preenchendo estruturas reticuladas de betão armado, não teve subjacente uma correcta ponderação de todos os aspectos que intervêm no comportamento dessas paredes. Os agentes com ligação directa ao domínio das alvenarias, designadamente os fabricantes de materiais – elementos, ligantes, argamassas prontas etc. - têm que ter presente que existem outras alternativas para a função desempenhada pelas paredes e que estas vão aparecer de forma crescente entre nós, sendo em geral mais limpas, mais industrializadas e porventura mais económicas, fig. 9. Cabe sobretudo a estes agentes adequar aos tempos, acrescentar valor e tornar mais competitivos e com mais qualidade os produtos que comercializam, sob pena de no século XXI as alvenarias poderem vir a ser uma solução decadente ou mesmo moribunda. Deste esforço não se podem dissociar também os intervenientes com funções formadoras e reguladoras da construção. Aos outros intervenientes, projectistas, construtores e utentes, cabe-lhes apenas, em cada momento, escolher a solução que lhes dá mais garantias de desempenho.

Figura 9: Exemplo de solução alternativa para realização de paredes Os principais desenvolvimentos e perspectivas passariam, em nosso entender pelos seguintes aspectos: a) Comportamento térmico dos materiais

A melhoria do comportamento térmico das paredes da envolvente é uma das principais preocupações como forma de assegurar os níveis de conforto térmico considerados razoáveis e limitar os consumos de energia em aquecimento ou refrigeração. Esta melhoria tem também efeitos no desfasamento da onda de calor e na não ocorrência nos paramentos interiores de humidade de condensação por requisitos de durabilidade e conforto. Para estes objectivos podem contribuir a utilização de matérias-primas constituintes dos elementos para alvenaria mais isolantes, a optimização da sua geometria, a resistência térmica dos

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seus alvéolos, a eventual integração de materiais isolantes e a própria argamassa e geometria das juntas de assentamento.

b) Estanquidade à água da chuva

A necessidade de minimizar os efeitos associados à incidência da água da chuva, traduzidos nas infiltrações para o interior ou no seio da parede provocando o seu humedecimento exagerado e prolongado, justifica o estudo aprofundado dos mecanismos de penetração de água nas paredes, tendo em conta as características do tosco da parede, os revestimentos e a degradação do conjunto tosco revestimentos. Sabe-se que o clima e exposição dos locais, a constituição dos revestimentos e do tosco da parede, a configuração arquitectónica do edifício e a qualidade de execução são decisivos. Diversos países têm já zonamentos em termos de chuva e vento incidentes e classificações que permitem seleccionar o tipo de parede mais adequado em termos de estanquidade à água da chuva em função de vários parâmetros.

c) Comportamento mecânico das paredes Independentemente das paredes terem ou não funções resistentes consideradas na análise estrutural, a tentativa de conhecer e melhorar o comportamento mecânico das paredes é importante, para além dos aspectos óbvios de resistência estrutural, também para reduzir a susceptibilidade das paredes a fissuração por deformação dos seus suportes, por variações de temperatura, ou ainda por assentamentos diferenciais das fundações. Esta melhoria do comportamento mecânico das paredes não pode ser equacionada de forma isolada, devendo ter em conta as outras exigências funcionais já referidas. No caso das alvenarias de simples preenchimento é indispensável fazer intervir a forma como a alvenaria é ligada à estrutura do edifício, pois esta zona constitui normalmente um dos pontos mais sujeitos à ocorrência de anomalias.

d) Materiais versus Sistemas

No que respeita às alvenarias muitas anomalias radicam-se no improviso correntemente adoptado na solução de inúmeros pontos singulares das paredes. O improviso adoptado em obra resulta da falta de pormenorização no projecto para muitas das situações que ocorrem em obra, bem como da inexistência de acessórios para a sua correcta execução. Deste facto surge a necessidade de perspectivar a parede como um sistema construtivo para o qual estão desenvolvidas, além das peças correntes, as peças singulares que permitem resolver correctamente todas as situações que hipoteticamente possam ser encontradas na realização da parede (padieiras, ombreiras, peitoris, forras térmicas, meios elementos, etc.). Esta perspectiva, para além de reduzir o número de patologias, permite melhorar a produtividade e reduzir o custo de execução das paredes. Complementarmente os produtores de materiais para alvenarias deveriam também disponibilizar ou recomendar os acessórios e revestimentos mais adequados para os seus materiais.

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e) Economia e produtividade As paredes e os seus diversos constituintes devem ser concebidos tendo em conta o seu custo global. Nos últimos anos têm havido esforços dignos de registo, sobretudo nos países mais desenvolvidos, no sentido de racionalizar o assentamento das alvenarias com ganhos de produtividade. Estes esforços têm-se apoiado num conhecimento mais aprofundado do funcionamento das alvenarias. Referem-se como principais linhas desta evolução:

- adopção de paredes espessas em pano simples em alternativa às paredes duplas; - desenvolvimento de elementos de maiores dimensões faciais e espessura, com

isolamento térmico melhorado, sendo usados nas referidas paredes simples sem isolantes térmicos complementares;

- juntas de encaixe macheadas que facilitam o assentamento; - desenvolvimento de elementos com geometrias que facilitam a preensão e o

manuseio; - utilização de argamassas cola em juntas de pequena espessura (1 a 3 mm) cuja

realização é muito mais rápida.

f) Sensibilidade à qualidade construtiva As alterações nas características da mão-de-obra, os ritmos de construção e as características actuais das obras justificam a necessidade de estudar e detalhar convenientemente todos os pormenores associados à execução das paredes, para que em obra os executantes não tenham que fazer apelo às “regras de arte” que normalmente desconhecem. É também indispensável a preocupação em conseguir soluções para as paredes mais simples, menos susceptíveis à eventual falta de qualidade da mão-de-obra, por redução do número de operações em obra, pela sua maior simplicidade, pela disponibilização de materiais preparados industrialmente para as várias situações particulares e pela utilização de argamassas prontas ou pré-doseadas em substituição das amassadas em obra. È também indispensável o desenvolvimento e divulgação nas obras de ferramentas e equipamentos de apoio a uma correcta e mais eficaz realização dos trabalhos. Estas referências são também extensivas aos revestimentos de paredes que com frequência tem um papel importante na garantia de estanquidade à água da chuva.

g) Construção e ambiente O crescimento da consciência ambiental por parte das populações e dos utentes dos edifícios está a conduzir a uma pressão sobre os agentes da construção no sentido de privilegiar soluções naturais, sustentadas em termos ambientais e geradoras de poucos impactos.

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Ao nível destas preocupações refere-se a rejeição de determinados tipos de isolantes potencialmente poluentes ou soluções requerendo na sua produção grandes quantidades de energia, bem como privilegiar as soluções que utilizem nas alvenarias subprodutos de outras actividades humanas ou mesmo da construção.

h) Ferramentas de simulação e análise Um conhecimento mais aprofundado do comportamento das paredes requer a realização de ensaios e simulação numérica sofisticada. Estas práticas, habituais noutros domínios da Engenharia Civil, são hoje também extensivas aos vários aspectos de comportamento das alvenarias, existindo disponíveis na actualidade meios laboratoriais e códigos de apoio ao dimensionamento semelhantes aos existentes para outras soluções existentes os sistemas construtivos.

i) Alvenarias resistentes A utilização de alvenarias estruturais tem importância diferente em vários países europeus. Em Portugal, embora esta solução tenha tido uma expressão dominante no passado, na actualidade o seu emprego é pouco relevante conforme já foi discutido. As poucas realizações em alvenaria resistente correspondem em geral a pequenos edifícios, praticamente sem dimensionamento. O aparecimento do Eurocódigo 6 relativo a estruturas de alvenaria pode alterar este estado de coisas. Com efeito dispomos hoje de ferramentas modernas para o dimensionamento de estruturas de alvenaria. Estudos recentes têm aliás evidenciado que esta solução pode ser económica e funcionalmente interessante para edifícios de porte moderado [13, 17].

5. BIBLIOGRAFIA [1] IC-IB; CSTC; SECO – Guide des performances du bâtiment. Vol 1: bâtiment dans

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Paris, 1978 [4] Afonso et al. – Sector da Construção. Diagnóstico e eixos de intervenção.

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apontamentos da disciplina de Gestão de projectos da licenciatura em Engª Civil da

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cerâmicos de construção. D.L. nº 304/90 de 27 de Setembro [12] LNEC – Inquérito à Produção Nacional de Materiais para Alvenaria. Lisboa, LNEC,

1986 [13] Rei, João – Edifícios de Pequeno Porte em Alvenaria Resistente. Viabilidade Técnico-

económica. Tese de Mestrado. Porto, FEUP, 1999 [14] “Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios”.

Decreto – Lei n.º 40/90, de 6 de Fevereiro [15] “Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios”. Decreto – Lei n. º 129/2002,

de 11 de Maio [16] “Regulamento de Segurança Contra Incêndio em Edifícios de Habitação”. Decreto –

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Desempenho e Metodologia de Análise”. Tese de Mestrado. Porto, FEUP, 2001