Alves e Neto - Análise Estratégica da Implementação da Filosofia Lean em Empresas Construtoras

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ANAIS 1/16 ANÁLISE ESTRATÉGICA DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA LEAN EM EMPRESAS CONSTRUTORAS JOSÉ DE PAULA BARROS NETO ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ THAÍS DA COSTA LAGO ALVES ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Resumo Este artigo apresenta estudos exploratórios realizados em três construtoras da cidade de Fortaleza/CE, baseia-se em levantamentos de campo e entrevistas semi-estruturadas realizadas com os dirigentes das empresas participantes da pesquisa e especialistas da área de Lean Production/Construction. Pretende-se, com este artigo, responder a alguns questionamentos, sobre qual é a relação entre a estratégia das empresas e adoção da filosofia Lean. A compreensão dos aspectos estratégicos da filosofia Lean é importante para facilitar a assimilação desta filosofia de maneira correta, evitando o desgaste do conceito Lean e, conseqüentemente, evitando que esta filosofia se transforme em mais um modismo fadado ao insucesso. Palavras-chave: estratégia, construção civil, produção enxuta, filosofian Lean Contextualização No início deste século, uma empresa de construção civil de Fortaleza resolveu inovar e passou a introduzir em seus canteiros de obra ferramentas da filosofia da produção enxuta, baseado no material didático do lean institute do Brasil, com o apoio de acadêmicos e consultores de larga experiência profissional. Esta experiência mostrou-se exitosa com rápidos e vultosos ganhos de produtividade. Baseado nesta experiência, desenvolveram-se dois eventos internacionais (Seminário Internacional sobre Construção Enxuta – CONENX 2004 e 2006) e um módulo de cinco meses sobre construção enxuta no INOVACON (Programa de Inovação da Construção do Estado do Ceará). Com isso, despertou-se o interesse em outras empresas locais e de outras regiões. Ao longo do tempo, observou-se que as empresas estagnaram após a implantação das primeiras melhorias (e dos primeiros resultados) e algumas até regrediram, o que chamou a atenção para uma discussão estratégica sobre o processo de implantação da filosofia da produção enxuta, na busca de evitar problemas semelhantes ao que aconteceu com os programas de qualidade total, por exemplo. Ou seja, as empresas se preocupam com a implantação de ferramentas, dentro de uma visão operacional, que ao longo do tempo as mesmas não se sustentam, pois as empresas não passaram por uma discussão estratégica a respeito das contribuições desta implantação para a melhoria de competitividade da empresa, além da discussão de uma visão de futuro que norteie todo o processo. Em um momento no qual empresas construtoras passam a abrir seu capital nas bolsas de valores nacionais, verifica-se uma crescente necessidade de alinhar suas ações de rotina com metas estratégicas que possam ser analisadas por acionistas como mensagens de solidez e

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ANÁLISE ESTRATÉGICA DA IMPLEMENTAÇÃO DA FILOSOFIA LEAN EM

EMPRESAS CONSTRUTORAS

JOSÉ DE PAULA BARROS NETO ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

THAÍS DA COSTA LAGO ALVES ( [email protected] , [email protected] ) UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

Resumo Este artigo apresenta estudos exploratórios realizados em três construtoras da cidade de Fortaleza/CE, baseia-se em levantamentos de campo e entrevistas semi-estruturadas realizadas com os dirigentes das empresas participantes da pesquisa e especialistas da área de Lean Production/Construction. Pretende-se, com este artigo, responder a alguns questionamentos, sobre qual é a relação entre a estratégia das empresas e adoção da filosofia Lean. A compreensão dos aspectos estratégicos da filosofia Lean é importante para facilitar a assimilação desta filosofia de maneira correta, evitando o desgaste do conceito Lean e, conseqüentemente, evitando que esta filosofia se transforme em mais um modismo fadado ao insucesso. Palavras-chave: estratégia, construção civil, produção enxuta, filosofian Lean Contextualização

No início deste século, uma empresa de construção civil de Fortaleza resolveu inovar e passou a introduzir em seus canteiros de obra ferramentas da filosofia da produção enxuta, baseado no material didático do lean institute do Brasil, com o apoio de acadêmicos e consultores de larga experiência profissional. Esta experiência mostrou-se exitosa com rápidos e vultosos ganhos de produtividade. Baseado nesta experiência, desenvolveram-se dois eventos internacionais (Seminário Internacional sobre Construção Enxuta – CONENX 2004 e 2006) e um módulo de cinco meses sobre construção enxuta no INOVACON (Programa de Inovação da Construção do Estado do Ceará). Com isso, despertou-se o interesse em outras empresas locais e de outras regiões.

Ao longo do tempo, observou-se que as empresas estagnaram após a implantação das primeiras melhorias (e dos primeiros resultados) e algumas até regrediram, o que chamou a atenção para uma discussão estratégica sobre o processo de implantação da filosofia da produção enxuta, na busca de evitar problemas semelhantes ao que aconteceu com os programas de qualidade total, por exemplo. Ou seja, as empresas se preocupam com a implantação de ferramentas, dentro de uma visão operacional, que ao longo do tempo as mesmas não se sustentam, pois as empresas não passaram por uma discussão estratégica a respeito das contribuições desta implantação para a melhoria de competitividade da empresa, além da discussão de uma visão de futuro que norteie todo o processo.

Em um momento no qual empresas construtoras passam a abrir seu capital nas bolsas de valores nacionais, verifica-se uma crescente necessidade de alinhar suas ações de rotina com metas estratégicas que possam ser analisadas por acionistas como mensagens de solidez e

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orientação rumo à lucratividade. Nesse contexto, empresas construtoras passarão a adotar modernas filosofias de produção com visão de longo prazo e não mais com objetivos imediatistas de obter ganhos em projetos isolados.

Juntamente com isso, observou-se que a literatura pouco discute tanto o processo de implantação quanto os aspectos estratégicos envolvidos no referido processo, concentrando-se no estudo da aplicação de princípios e ferramentas nas diversas áreas do conhecimento. Além disso, a discussão estratégica possibilita que a empresa verifique a real necessidade de implantação da filosofia, bem como possibilita definir os passos de implantação de tal forma a facilitar a mesma dentro de um prazo e custo estabelecido previamente. Com isso, justifica-se o estudo a seguir, garantindo também uma contribuição acadêmica. Revisão Bibliográfica A revisão bibliográfica desse artigo apresenta-se dividida em três partes. Inicialmente, discute-se a forma como foram implementados programas de qualidade total em empresas com base no trabalho de Cole (1999) e busca-se aprender sobre a implementação desses programas e a sua ligação com as estratégias das empresas. Em seguida, aborda-se a implementação da filosofia Lean em organizações e conclui-se esse item com uma discussão sobre a implementação da filosofia Lean em empresas construtoras. Aprendendo com o Movimento da Qualidade

A discussão de como empresas têm implementado a filosofia Lean em suas operações e da falta de ligação dessa iniciativa com as estratégias competitivas das empresas (BARROS NETO, 2002) repete a história do movimento pela qualidade. Cole (1999) ressalta que o movimento da Qualidade em empresas americanas passou inicialmente pelo uso superficial de suas ferramentas, princípios e conceitos para mais tarde tornar-se parte da vida das empresas em diversas áreas. O mesmo autor ressalta que os japoneses enxergavam a qualidade de forma estratégica, enquanto que para os americanos a qualidade era apenas mais um obstáculo a ser vencido para que as empresas americanas se tornassem competitivas.

De acordo com Cole (1999), no modelo de qualidade antigo, a qualidade era apenas mais uma especialidade dentro das organizações; existia o foco nas inspeções e correções locais; a qualidade era promovida por um departamento específico e não estava arraigada em todas as operações da empresa; além disso, cada especialidade trabalhava de acordo com seus próprios objetivos de forma independente, muitas vezes às custas do desempenho global da empresa. Por fim, nesse modelo havia uma conformidade aos padrões da empresa, as organizações trabalhavam a qualidade de acordo com orientações definidas por elas mesmas e não pelos seus clientes.

Com a evolução do movimento pela qualidade em empresas americanas, elas corrigiram falhas que evitavam que a qualidade se tornasse parte das atividades da empresa e não fosse apenas mais um modismo fadado ao insucesso. Segundo Cole (1999), o novo modelo de qualidade diferencia-se do antigo por promover nas organizações uma maior orientação para o cliente inclusive avaliando as iniciativas relativas ao movimento pela qualidade com base no que o cliente considera como relevante. Nesse modelo, a qualidade é vista como uma forte estratégia competitiva e é desdobrada em metas, planos e ações dentro das organizações; os departamentos e especialidades trabalham de forma integrada de modo a atingir os objetivos globais da empresa. A qualidade é pensada desde os processos iniciais e todos são incentivados a colaborar com iniciativas de melhoria da qualidade.

O ponto central do novo modelo é a importância de se tratar da qualidade nos estágios iniciais do desenvolvimento de produtos e serviços, pois quanto mais os mesmos se aproximam do ponto de contato com o consumidor mais caras se tornam as mudanças. Desse

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modo, o novo modelo enfatiza a solução dos problemas em suas fontes, especialmente na etapa de projeto, como forma de promoção da aprendizagem organizacional e de mudanças nas organizações.

Com base nessa discussão, observa-se que a implementação dos programas de qualidade foi iniciada de maneira tímida com o uso de ferramentas e conceitos de forma superficial sem permear todos os departamentos e níveis hierárquicos das empresas e sem alcançar seus fornecedores. Por fim, a busca pela melhoria da competitividade das empresas acabou por direcionar os esforços das empresas rumo a implementação da qualidade de forma mais abrangente e alinhada com os objetivos estratégicos das empresas. As lições aprendidas com a implementação da qualidade nos mostram que os esforços consideraram a qualidade como parte essencial do projeto de novos produtos e serviços e o envolvimento de todos os colaboradores para definição de ações ligadas às estratégias das empresas.

A Implementação da Filosofia Lean em Organizações

Womack e Jones (1998, p. 290) sugerem que as empresas elaborem uma estratégia de crescimento para que a implementação da filosofia Lean ocorra de forma bem sucedida e sustentável ao longo dos anos. De acordo com esses autores, empresas que se preocupam com ganhos imediatos através de rápido aumento das margens de lucro via cortes de pessoal não conseguem manter a empresa supostamente “enxuta” por longos períodos. Eles alertam que a filosofia Lean não deve ser usada como uma válvula de escape para as empresas se tornarem competitivas mas sim deve ser empregada para definir novas formas de lidar com os negócios, as quais devem incorporar elementos da mentalidade enxuta.

A implementação da filosofia Lean, ou do Sistema Toyota de Produção, e de seus componentes foi descrita em inúmeros livros (e.g., SCHONBERGER, 1982; OHNO, 1988; SHINGO, 1989; WOMACK ET AL., 1990; LIKER, 2004), porém a ampla descrição de situações reais onde o sistema foi implementado não necessariamente garante que o mesmo seja de fácil implementação visto que boa parte dessas descrições trata de casos oriundos da própria Toyota (LEWIS, 2000). Lewis (2000, p.963) ressalta que “[essas descrições] encorajaram observadores a desconstruir o sistema como descrito (focando aparentemente em atributos chaves como os cartões kanban ou os painéis andon etc) e inevitavelmente não enfatizaram o impacto de 30 anos de tentativa e erro.” Womack e Jones (1998, p.284) sugerem que a implementação da filosofia Lean deve ocorrer inicialmente em uma “atividade importante e visível”, e.g., produção, de modo que todos possam ver os ganhos obtidos. Dessa forma, o uso de ferramentas e painéis visuais causam a impressão da mudança e passam a disseminar informações que antes não eram compartilhadas, um problema se configura quando o simples uso desses elementos é entendido como implementação da filosofia Lean.

O argumento proposto por Lewis (2000) reflete o que se vê em muitas empresas no ramo da construção civil atualmente, visto que diversos trabalhos indicam a implementação de ferramentas e princípios isolados principalmente em canteiros de obras (e.g., SANTOS, 1999; OLIVEIRA ET AL., 2000; FRANCELINO ET AL., 2006). Esses princípios e ferramentas da forma como são implementados em geral possuem baixo nível de complexidade e abstração. Além disso, a maioria das discussões sobre implementação da filosofia Lean na construção referem-se a ações realizadas na produção, e em menor grau nas áreas de projeto, cadeia de suprimentos, contratos, entre outras áreas. Uma análise dos artigos apresentados ao longo de 14 anos na conferência do International Group for Lean Construction, disponíveis no sítio www.iglc.net, reforça essa afirmação e indica também a falta de estudos relativos à questão estratégica na implementação da filosofia Lean em empresas construtoras.

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A implementação da filosofia Lean e seus componentes requer uma análise cuidadosa do contexto em que surgiram e do contexto onde serão implementadas (LEWIS 2000). Passos Júnior et al. (2005), por exemplo, destacam a necessidade de análise da lógica técnico-econômica em diferentes localidades antes da implementação da autonomação, um dos pilares do Sistema Toyota de Produção, o qual tem sido implementado por empresas que adotam a filosofia Lean. Esses autores ressaltam que diferentes características econômicas locais levam a diferentes formas de implementação da autonomação em empresas. Esse fato confirma a necessidade de uma estreita relação entre a estratégia de produção de uma empresa e da escolha das filosofias de produção que adota.

Dentre as barreiras que dificultam a relação entre o que é preconizado pela filosofia Lean e a questão estratégica dentro das empresas está a adoção de um sistema de indicadores adequados à filosofia Lean e outras modernas filosofias de produção. Dias et al. (2005) destacam que o uso de diferentes filosofias de produção, i.e., Just-In-Time, Sistema Toyota de Produção, Teoria das Restrições, dificulta a definição de um sistema de indicadores de produção e custeio adequado visto que essas filosofias de produção possuem indicadores específicos e sua combinação em um único sistema é uma tarefa difícil. O desafios para se alinhar os sistemas de produção e custeio pode tornar mais difícil o desdobramento de metas estratégicas para a produção e a análise do alcance dos objetivos estratégicos da empresa, haja vista a dificuldade em se medir o que está sendo feito rumo às metas da empresa.

Em geral, a implementação de ferramentas e princípios da filosofia Lean e a realização de kaizens (melhorias incrementais) pode garantir a melhoria temporária de processos porém não assegura maior competitividade às empresas ao longo do tempo. Dennis (2006) destaca a necessidade do desdobramento da estratégia da empresa para orientar ações necessárias para o seu alcance. Esse autor indica o uso da ferramenta da qualidade PDCA (Plan-Do-Check-Act) como a base para o sistema de desdobramento da estratégia e sugere que antes de “rodar” o ciclo PDCA as empresas devem definir um rumo que irá orientar suas ações e alinhá-las com os seus objetivos estratégicos. Nessa etapa de definição do norte, as empresas devem definir os objetivos do negócio e as metas a serem alcançadas em prazo definido. Essas metas devem considerar os objetivos da empresas e seus acionistas, seus clientes, funcionários e parceiros, e da comunidade. Empresas que não realizam o desdobramento de sua estratégia de forma adequada, enquanto implementam a filosofia Lean, correm o risco de realizar uma série de kaizens que otimizam pontos isolados mas não são coordenados com outras operações da empresa para o alcance de objetivos estratégicos (DENNIS 2006).

A Implementação da Filosofia Lean na Construção Civil

A construção civil apresenta características peculiares que a diferenciam de outras indústrias e exigem adaptações para a implementação da filosofia Lean (KOSKELA 1992). Na construção civil as fábricas são nômades visto que a produção muda de local a cada empreendimento. As organizações dos projetos da construção são consideradas temporárias, o time que desenvolve e abastece os projetos muda a cada empreendimento e os projetos são em geral únicos ou têm baixo nível de repetitividade quando comparados com a indústria manufatureira. O produto é fixo e os trabalhadores e os postos de trabalho são móveis.

Além das características supracitadas, a questão fundiária na construção civil especialmente no setor de obras residenciais e comerciais apresenta-se como um fator que diferencia a construção civil de outras indústrias, mesmo aquelas que têm características similares à construção como a indústria aero-espacial e naval. As empresas construtoras definem de forma estratégica quais os setores e localidades em que atuarão. Os preços dos terrenos na hora da compra pelas construtoras bem como na hora da venda das unidades são fatores fundamentais para a lucratividade das empresas. Dessa forma, ganhos com a melhoria

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de questões relacionadas à estratégia de produção não estão em primeiro plano visto que as empresas conseguem rendimentos muito elevados através da especulação imobiliária sem necessitar de nenhum esforço por parte de seus recursos produtivos.

De acordo com Picchi (2001) existem três níveis para “implementação de ações em direção à Mentalidade Enxuta” na construção: empresa, empreendimento e setor. Empresas da indústria da construção podem iniciar a implementação da Mentalidade Enxuta, porém com o passar do tempo obterão resultados limitados e deverão estender as ações aos seus fornecedores se quiserem obter melhores resultados. No empreendimento, ou projeto, bons resultados podem ser obtidos se melhorias nos fluxos de negócio e de produção do empreendimento forem combinadas. Por fim, Picchi (2001) ressalta que empresas do setor da construção não possuem elevado poder de barganha junto aos seus fornecedores, diferentemente da indústria automobilística onde surgiu a filosofia Lean. Dessa forma, ações setoriais são fundamentais para alavancar ações relativas à implementação da Mentalidade Enxuta na construção civil. De modo a complementar as idéias de Picchi (2001), Arbulu e Zabelle (2006) discutem suas experiências com a implementação da filosofia Lean em empresas da construção civil e destacam duas abordagens comumente empregadas:

• Abordagem superficial e ampla (shallow and wide) – nesse caso as empresas querem implementar a filosofia Lean de forma rápida e com forte imposição dos dirigentes das empresas. Existe uma imposição de cima para baixo (top down) do que deve ser feito sem que todos os envolvidos participem da definição das metas e ações. Grandes anúncios sobre a adoção da filosofia Lean são feitos, inclusive com ajuda do setor de marketing das empresas, sem que muito tenha sido feito para a implementação efetiva da filosofia Lean. Ações são implementadas em vários projetos ao mesmo tempo o que coloca grande pressão nos colaboradores da empresa.

• Abordagem estreita e profunda (narrow and deep) – nessa abordagem os projetos (empreendimentos) são adotados como a unidade escolhida para se iniciar a mudança rumo a filosofia Lean. A mudança se reveste de uma caráter de baixo para cima (bottom up) visto que ações são implementadas primeiramente nos projetos, que são organizações temporárias, e depois de testadas são estendidas para o resto da organização. Para iniciar a implementação de ações voltadas ao ideal Lean, empresas podem escolher projetos ligados à clientes importantes ou com potencial para elevados níveis de retorno financeiro. A primeira abordagem acaba ocasionando uma perda de tempo e dinheiro visto que as

pessoas passam a resistir às mudanças e tornam o processo de implementação mais difícil. Já na segunda abordagem. o esforço de coordenação e tutoria é bem menor visto que deve-se liderar a mudança em apenas um projeto por vez, antes da expansão para toda organização (ARBULU E ZABELLE 2006). A segunda abordagem também é condizente com o que sugerem Womack e Jones (1998) em termos da obtenção de resultados visíveis e feedback rápido, pois as mudanças são efetuadas em apenas um projeto onde o acompanhamento e controle dos elementos introduzidos ocorre de forma quase que imediata.

Com base na discussão realizada na revisão da literatura, parte-se então para a apresentação da metodologia empregada no desenvolvimento desse trabalho bem como dos resultados obtidos. Metodologia

Os dados obtidos para essa pesquisa foram obtidos através de três grandes etapas: revisão bibliográfica, pesquisa de campo e entrevistas semi-estruturadas com diretores de três empresas construtoras e com dois especialistas da área de Lean Production/Construction. A

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revisão bibliográfica compreendeu o estudo de textos sobre a filosofia Lean e estratégia empresarial de modo a auxiliar aos autores na elaboração das questões para a entrevista semi-estruturada e na análise dos dados. Yin (1994) ressalta a importância da realização da revisão bibliográfica antes de se iniciar estudos de caso de modo que se possa desenvolver uma base teórica que irá auxiliar na compreensão dos fenômenos observados. O mesmo autor sugere que a base teórica também irá auxiliar na generalização dos resultados.

Deve-se ressaltar que os autores dessa pesquisa entendem as limitações do estudo de caso quanto à generalização de resultados, visto que no estudo de caso não se busca uma generalização estatística de dados e fatos mas sim uma generalização analítica com base no contexto em que foi desenvolvida a pesquisa. De acordo com Meredith (1998), em estudos de caso emprega-se a observação direta dos fatos, a rigorosa coleta de dados, a análise de dados de múltiplas fontes de evidência (triangulação) e o uso da lógica, e não da Matemática e da Estatística, para se fazer inferências e deduções. Nessa pesquisa foram empregadas fontes de evidências diretas e indiretas. As fontes indiretas incluíram os relatórios do Projeto INOVACON, artigos publicados sobre as empresas analisadas e documentos relativos ao planejamento da produção das empresas. As fontes diretas incluíram as entrevistas com especialistas e os diretores das empresas analisadas e a pesquisa de campo (observação direta e registro fotográfico)

Empregou-se como estratégia de pesquisa o estudo de caso visto que os autores buscavam responder questões que envolviam o entendimento de “como” a filosofia Lean havia sido implementada nas empresas, bem como investigavam “por que” e o “como” certas ações, conceitos e ferramentas haviam sido introduzidos nas empresas. Essa decisão foi pautada pela indicação de Yin (1994) que sugere o uso de estudos de caso como estratégia de pesquisa em estudos envolvendo questões que envolvam “como” e “por que”.

Os autores optaram por entrevistas semi-estruturadas pois de acordo com Robson (2002) esse tipo de entrevista é mais adequada para projetos de pesquisa que têm uma forma flexível, ou seja podem sofrer ajustes durante a sua realização. De acordo com esse autor, as entrevistas semi-estruturadas permitem ao entrevistadores adaptar a lista de questões de modo a obter informações julgadas relevantes para a pesquisa. As frases podem ser levemente alteradas para torná-las mais claras ao interlocutor bem como informações podem ser dadas de modo a facilitar o entendimento das perguntas.

As entrevistas com os especialistas compreenderam a investigação de sete questões indicadas a seguir:

• Qual a relação entre estratégia (empresarial e de operações) e a Filosofia Lean? Você acha importante esta relação?

• Quais são as maiores dificuldades na implantação da Lean? • A Filosofia Lean é adequada para qualquer tipo de empresa/mercado? Justifique? • Quais os motivos que levam as empresas a interromperem a implantação da Filosofia

Lean? • Quais os cuidados que as empresas e acadêmicos têm que ter para a Lean Construction

não seja mais um modismo, como qualidade ou reengenharia, por exemplo? • O processo de implantação da Filosofia Lean deve variar de acordo com os critérios

competitivos selecionados pela empresa, de acordo com o mercado no qual a mesma está inserida? Justifique.

• O que você gostaria de acrescentar a mais sobre o assunto? Essas questões buscaram captar o entendimento dos especialistas quanto à necessidade

de ligação entre a implementação da filosofia Lean e a estratégias adotadas pelas empresas bem como identificar quais pontos merecem maior atenção dos acadêmicos e das empresas

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durante a implementação da Lean em empresas construtoras. Ambos especialistas conhecem a realidade das três empresas analisadas bem como aquelas de outras empresas de âmbito nacional que têm implementado a filosofia Lean na construção civil.

As entrevistas com os diretores das empresas construtoras foram guiadas por um questionário contendo nove perguntas. As perguntas visaram identificar se existia relação entre a estratégia das empresas e a escolha da implantação da filosofia Lean. Para isso, foram abordadas questões que procurassem identificar os critérios competitivos valorizados pelas empresas, o porquê da escolha da implantação da filosofia Lean, as dificuldades no processo de implantação e as contribuições da filosofia para a empresa. As questões utilizadas encontram-se listadas a seguir.

• Qual o público alvo da empresa? Nicho de mercado? • Por que a empresa escolheu implantar a Filosofia Lean? • Como aconteceu essa implantação? Histórico de implantação (o que foi implantado?). • Quais foram as dificuldades no processo de implantação? • Qual a estratégia da empresa? • Quais serão os próximos passos no processo de implantação da Lean? • O que a implantação da Lean tem a ver com a estratégia da empresa? • Quais as contribuições da Lean? Evidências(dados e fatos). • Onde de quer chegar com a implantação da Filosofia Lean na empresa? • Por que parou a implantação da Lean? (pergunta feita a uma das três empresas)

As entrevistas com os diretores foram gravadas com auxílio de um gravador portátil, após consentimento dos entrevistados. Os resultados das entrevistas foram transcritos, analisados e comparados com a literatura estudada durante a etapa de revisão bibliográfica. No caso dos especialistas uma entrevista foi gravada e a outra realizada através de email.

Por fim, a pesquisa de campo foi realizada através de visitas aos canteiros de obras das empresas investigadas. Durante essas visitas, foram feitos registros fotográficos de modo a documentar práticas utilizadas pelas empresas em seus canteiros de obras. De acordo com Yin (1994), o registro de imagens aumenta o poder de comunicação das informações obtidas para estudos de caso. Resultados, Análise e Discussão

A apresentação dos resultados, sua análise e discussão encontra-se dividida em três partes (i.e., análise das entrevistas dos especialistas, dos diretores e da pesquisa de campo). Na medida em que os resultados são apresentados busca-se realizar o cruzamento das informações obtidas das diferentes fontes de evidência (triangulação) para embasar as conclusões do trabalho. Entrevistas com os Especialistas Foram realizadas duas entrevistas com especialistas, doravante chamados de especialistas A e B. Os principais pontos destacados pelos especialistas encontram-se descritos a seguir. As entrevistas realizadas com os especialistas apontaram a preocupação dos mesmos com a relação da Lean com a estratégia da empresa, e que quando essa relação é ignorada pode-se obter resultados aquém dos esperados. Nesse sentido, o especialista A afirma que nos casos em que acompanhou a implementação da Lean, em diferentes ramos da indústria, buscou-se iniciar o processo através da indicação da motivação da empresa em implementar Lean (i.e., qual a necessidade do negócio que disparou o interesse pela Lean).

Ambos os especialistas destacaram de forma enfática que a Lean adequa-se a qualquer tipo de empresa ou mercado. O especialista A alertou que muito embora os princípios da

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Lean sejam os mesmos para qualquer empresa deve-se ter em mente a necessidade de se contextualizar as discussões sobre a implementação da Lean para cada organização em particular.

Dentre os problemas relativos à implementação da Lean, o especialista B alertou para o fato de que algumas empresas apenas implementaram técnicas isoladas (e.g., 5S) e não a filosofia Lean e que muitas não têm uma idéia clara do esforço necessário para a implementação da Lean. O especialista A ressaltou que o processo de implementação da Lean envolve uma “mudança cultural, sistêmica, não uma simples mudança cultural.” Esse especialista também ressaltou que algumas empresas enfrentam problemas durante a implementação da Lean relativos à falta de visão de longo prazo, liderança e ligação da Lean com a estratégia da empresa. Conforme discutido na revisão bibliográfica, a implementação da Lean repete alguns passos dados pelo movimento pela Qualidade, o qual iniciou com a implementação de ferramentas e técnicas para depois tornar-se parte da cultura das organizações.

Os especialistas também apontaram a necessidade de definição de níveis de desempenho para as empresas com base nos padrões do mercado em que atuam. O especialista B destacou que são necessários “indicadores mais rigorosos” que possam ser empregados para avaliação da implementação da filosofia Lean. Nesse sentido, especificamente para as empresas analisadas nesse estudo, o especialista B ressaltou que a falta de uma competição acirrada entre essas empresas, e outras do mercado de Fortaleza, e a falta de um benchmark para motivar a melhoria pode ter causado a estagnação dos programas de implementação da Lean nas empresas construtoras analisadas. O especialista B também destacou a falta de recursos humanos capacitados para empreender a longa jornada que se constitui a implementação da filosofia Lean. Pesquisa de Campo

A partir das visitas realizadas às empresas, verificou-se que as mesmas iniciaram o processo pela estabilização da produção por meio do uso de ferramentas de planejamento e controle de prazos, tais como: linha de balanço (Figura 1), programação de curto prazo com base em elementos do Sistema Last Planner (BALLARD 2000), ordem de serviço diária, entre outras. Porém, cada uma desenvolveu/aplicou estas ferramentas de acordo com as suas necessidades; não trabalharam com soluções genéricas. Essa atitude está de acordo com o que a bibliografia e os especialistas sugerem (necessidade de contextualizar as implementações embora os princípios usados sejam os mesmos).

Figura 1 – Linha de balanço para programação da obra

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Juntamente com a implementação das ações e ferramentas supracitadas, as empresas passaram a trabalhar a estabilização da produção através da valorização da produção puxada (ou seja, quem manda na liberação dos lotes de produção é o cliente do processo e não mais o fornecedor). Para isso, utilizaram um gerenciador de kanbans (Figura 2), os andons (Figura 3), entre outras ferramentas. O uso dessas ferramentas está de acordo com o que sugere a literatura (e.g., WOMACK E JONES, 1998) sobre a implementação da Lean em atividades importantes e visíveis (e.g., produção e distribuição de argamassa para execução de alvenarias e revestimentos de piso e de parede).

Figura 2 – Gerenciador de kanbans para produção de argamassa

Figura 3 – Quadro andon

A pesquisa de campo também indicou que as empresas iniciaram a implementação da

Lean em projetos (empreendimentos) isolados, a partir dos quais se aprendeu o funcionamento das técnicas e ferramentas implementadas as quais foram posteriormente implementadas em outros projetos. Essa abordagem está de acordo com o que sugerem Picchi (2001) e Arbulu e Zabelle (2007) para a implementação da Lean, i.e., abordagem estreita e profunda, com as técnicas e ferramentas implementadas em nível operacional do empreendimento para só então serem expandidas para a empresa como um todo.

Outro ponto que deve ser destacado é que as empresas investigadas trocavam informações entre si. Essa troca de informações entre as empresas possibilitou durante o estágio inicial de implementação da Lean um processo de benchmarking setorial, no qual

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práticas eram rapidamente difundidas entre as empresas interessadas na filosofia Lean. Porém, conforme destacado pelo especialista B, as empresas parecem não ter mais benchmarks locais para balisar os seus esforços de melhoria e, por esse motivo, teriam estagnado na implementação da Lean.

Cabe destacar que as empresas investigadas também têm conhecimento e utilizam a ferramenta de mapeamento de fluxo de valor (ROTHER AND SHOOK 1998) para análise dos fluxos físicos e de informações em canteiros de obras e que todas têm a figura do gerente de fluxo, profissional que tem a responsabilidade de não deixar faltar insumos (materiais, mão-de-obra e informações) na células de produção. Observa-se que, dentro de uma visão operacional, as empresas implantaram adequadamente as ferramentas da filosofia da produção enxuta, juntamente com inovações interessantes nas mesmas. Isto já apresentou um ganho para as empresas. Por exemplo, uma das empresas reduziu em 50% o consumo de cimento no serviço de contra-piso, outra aumentou a produtividade da mão-de-obra para o serviço de concretagem em 30%. Entrevistas com os Diretores das Empresas

De modo a complementar o que foi observado em campo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com diretores das empresas investigadas. O sumário com os resultados obtidos através da realização das entrevistas semi-estruturadas são apresentados no quadro 1.

Ao se traçar um paralelo dos resultados indicados no quadro 1 com a evolução do movimento da qualidade em empresas americanas, conforme discutido por Cole (1999), as empresas entrevistadas durante a pesquisa de campo estão ainda nos estágios iniciais (do movimento pela implementação da filosofia Lean (e.g. implementação centrada no uso de ferramentas e técnicas isoladas, ainda falta o envolvimento dos departamentos das empresas e seus fornecedores com a Lean).

Apesar do sucesso com a implementação de ferramentas e conceitos em canteiros de obra, as empresas ainda têm pela frente um longo caminho a percorrer de modo a tornar a Lean uma parte integral do trabalho diário dos seus diversos departamentos e fornecedores. As entrevistas confirmam que as mesmas têm interesse em empregar a Lean a longo prazo, expandindo o seu uso de modo a envolver outros departamentos da empresa, além da produção, e seus fornecedores.

Conforme identificado em uma das empresas, a mesma possui um coordenador de modo a atuar como líder do movimento Lean na empresa. Enquanto essa é uma estratégia sugerida por Womack e Jones (1998), i.e., encontre um agente de mudança, os esforços de implementação da Lean devem permear toda a empresa e uma das formas de se conseguir isso é através de definição de incentivos para que todos colaborem para a difusão e fixação da Lean nas empresas. Nesse sentido, é importante se ter pessoal capacitado para empreender as mudanças, porém, segundo o especialista B, atualmente esses profissionais estão em falta no mercado de Fortaleza.

As entrevistas também revelaram que existe um conhecimento tácito de que a implementação da filosofia Lean melhorou indicadores tradicionalmente usados pela indústria, i.e., especialmente produtividade e prazo. Quando perguntados sobre indicadores mais precisos, apenas uma empresa chegou a citar a redução do prazo de um de seus processos em quase 50% depois da implementação da filosofia Lean. A estabilidade dos processos e a redução das chamadas aos canteiros de obras para “apagar incêndios” também foram citadas como resultados percebidos da implementação da filosofia Lean. Conforme indicado pelo especialista B, ainda faltam indicadores mais rigorosos que consigam captar efetivamente essas melhorias. Uma das dificuldades encontradas para a definição desses

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indicadores consiste no alinhamento de indicadores de produção e de custeio conforme indicado pela literatura (DIAS ET AL., 2005).

Quadro 1 – Quadro comparativo com resultado das entrevistas

Construtoras

Cumbuco Jericoacoara Mucuripe

Em qual nicho de mercado a empresa atua?

Obras industriais/comerciais; obras residenciais verticais de alto padrão

Segmentos residencial multi-familiar de alto padrão; segmento

hoteleiro

Incorporação imobiliária, edificações multi-familiares

Por que a empresa escolheu implantar a Filosofia Lean?

Intenção de industrializar os processos da construção, e,

utilizando os conceitos Lean, evitar desperdícios garantindo a qualidade

das obras

Intenção de tornar o desenvolvimento da obra mais dinâmico; estabilização da

produção

Por influência das idéias apresentadas pela academia e pelo

fato da implementação não apresentar custos elevados

Como aconteceu essa implantação? Histórico.

Através de idéias propostas no CONENX e auxílio da equipe do INOVACON. Começou-se numa obra específica e hoje todas as obras possuem a filosofia Lean

implementada.

Através de idéias propostas pela academia

(SIBRAGEC/INOVACON) e da leitura de livros referentes ao

assunto (A Meta, Corrente Crítica) criou-se uma massa teórica entre os funcionários e assim iniciou-se a

implementação.

Após o sucesso da implantação da primeira obra, ocorreu uma queda na qualidade da implementação. Isto ocorreu devido à mudança do

engenheiro da obra e de o supervisor da implantação estar

mais ausente.

Quais foram as dificuldades no processo de implantação?

Fazer com que os funcionários assimilassem os conceitos Lean; fazer com que os fornecedores e

prestadores de serviços adotassem a filosofia Lean.

Incentivar o esforço de assimilação dos conceitos através de leituras e participação de cursos sobre o

assunto. Mudar a mentalidade dos empregados.

A direção da empresa tem que participar do processo. É preciso tentar diminuir níveis hierárquicos e isso ocorre quando a alta direção participa do processo. É necessário que aja envolvimento da mão de

obra no processo.

Quais serão os próximos passos na implantação da filosofia Lean?

Progredir na aplicação da Lean na produção, dando ênfase na aplicação da Lean em obras

industriais; implantar a filosofia Lean no setor administrativo-financeiro e na área de projetos.

Estabilizar o nível de implantação da filosofia; avançar para o setor

administrativo-financeiro.

Implantar a filosofia no nível de projeto.

Quais as estratégias competitivas da empresa?

Inovação, tecnologia e qualidade. Satisfação do cliente, flexibilidade, confiabilidade, custos.

Prazo, cumprimento da meta do custo da obra, qualidade

Como a empresa imagina relacionar a implantação da Filosofia Lean com a estratégia da empresa?

Agregando valor, reduzindo desperdícios, encurtando prazos de

produção.

Organização traduz confiança para o cliente e possibilita facilidade na

flexibilização das plantas.

Custo diminuído através da redução de desperdícios; o tempo de execução dos serviços são

reduzido, diminuindo o prazo da obra.

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Quadro 1 – Quadro comparativo com resultado das entrevistas (continuação)

Construtoras

Cumbuco Jericoacoara Mucuripe

Quais as contribuições da filosofia Lean? Redução de mão de obra em 1/3; redução de desperdícios em todas

as instâncias; aumento da organização da obra; melhor

acompanhamento (planejamento e controle) da obra.

Ganho de produtividade; organização da obra, satisfação de funcionários e clientes; redução de

custos.

Encurtamento de prazos em até 50%; aumento na produtividade

Aonde sua empresa quer chegar com a implantação da filosofia Lean? Continuar infinitamente evitando desperdícios, procurar levar a filosofia para os fornecedores e

prestadores de serviços, implantar o Lean em outras áreas da empresa.

Tornar a filosofia Lean cultura da empresa perpetuando-a para as

gerações futuras.

Entregar obras no prazo, com qualidade e atingir os custos previstos para as obras.

Fatores Estratégicos na Implementação da Filosofia Lean em Empresas Construtoras A seguir discute-se uma série de fatores considerados, pelos autores desse trabalho, como estratégicos para a implementação da filosofia Lean em empresas construtoras. Esses fatores são apresentados e discutidos de modo que possam orientar empresas durante o processo de implementação da filosofia Lean para que não descuidem de aspectos estratégicos relativos à implementação dessa filosofia.

• Apropriação dos ganhos resultantes da implementação da filosofia Lean – as empresas podem tornar-se efetivamente mais competitivas se forem capazes de apropriar os ganhos oriundos da implementação da filosofia Lean (LEWIS 2000). As empresas investigadas têm poder de barganha junto a alguns de seus fornecedores de serviços e são capazes de alavancar ganhos através da melhoria da estabilidade de seus sistemas e da previsão da necessidade de recursos. Porém, essas empresas são pequenas se comparadas aos seus principais fornecedores de material (e.g., aço, cimento, revestimentos, pintura, etc.) e de alguns serviços. Desse modo, o uso da filosofia Lean de forma estratégica deveria incluir a definição de acordos setoriais com fornecedores estratégicos, conforme sugerido por Picchi (2001), de modo a alavancar ganhos na cadeia produtiva.

• Mapeamento das cadeias de valor – outro fator importante no sentido de envolver fornecedores e alavancar melhores resultados com a implementação da filosofia Lean refere-se ao mapeamento das cadeias de valor dos diferentes produtos e serviços necessários para a conclusão de um empreendimento. A análise das cadeias de valor sugerida por Womack e Jones (1998) objetiva tornar transparente o fluxo de informações, bens e serviços de modo que possam ser identificados pontos passíveis de melhorias. As empresas investigadas, no momento, têm realizado mapeamentos de fluxo de valor internos, considerando apenas as atividades realizadas em seus canteiros. Sugere-se que, em um próximo estágio as empresas passem a analisar seus fornecedores e propor melhorias nas cadeias de valor de seus produtos e serviços.

• Análise contextual – os contextos interno e externo às empresas também devem ser considerados e os recursos produtivos organizados de forma adequada aos mesmos (LEWIS 2000, PASSOS JÚNIOR ET AL. 2005). A simples implementação de práticas indicadas como bem sucedidas em outros ambientes não necessariamente se adequam a todos os contextos de negócios e mercados. Além disso, as empresas

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tendem a implementar a filosofia Lean seguindo diferentes trajetórias de implementação (Womack e Jones 1998) o que atesta que não existe uma receita perfeita para a sua implementação. Nas empresas investigadas, ficou evidente a importância da realização de eventos acadêmicos e da comunidade da indústria da construção como propulsores das ações relativas à mentalidade enxuta. Porém, apesar de terem partido de pontos similares, cada empresa adotou princípios e ferramentas conforme a sua necessidade. Deve ser ressaltada a existência de um grupo de consultores que prestaram serviço às empresas investigadas, o que resultou na implementação e adaptação de princípios e ferramentas similares nas três empresas investigadas.

• Análise estratégica de recursos com a implementação da filosofia Lean – conforme estudo realizado por Lewis (2000), alguns recursos podem tornar-se estratégicos dadas as situações do mercado e certas características da empresa com relação aos seus clientes. Para as empresas analisadas, o uso da filosofia Lean é visto como estratégia de marketing visto que os clientes passam a perceber a obra mais organizada e a comunicação com a empresa mais transparente. Em mercados onde essas características são comuns a todas as empresas, o uso da filosofia Lean com esse objetivo não traz benefícios às empresas, apenas capacitam-na para atuar no mercado.

• Elaboração de estratégias de produção e desdobramento das mesmas para a produção – quando questionadas sobre as suas estratégias competitivas, as empresas citaram diferentes critérios tais como qualidade, confiabilidade, custos e flexibilidade. Observou-se em uma das empresas que o critério flexibilidade foi contemplado através do adiamento de etapas de obra. i.e., colocação de paredes e revestimentos, até o momento da venda de unidades para o cliente final com o intuito de facilitar a customização das mesmas. Em outra empresa, foi citado o apoio da filosofia Lean com o objetivo de redução dos prazos almejando atender o critério competitivo prazo (dependability). Porém, essas ações não foram pautadas por um processo formal de definição de estratégia mas mostram uma coerência entre ação e critério competitivo.

• Visão de longo prazo – conforme discutido pelos especialistas, a implementação da filosofia Lean consiste em uma longa jornada que requer comprometimento por parte das empresas e seus colaboradores. Empresas que não conseguem aliar a implementação dessa filosofia com suas metas de longo prazo e seu posicionamento no mercado podem ver o processo de implementação estagnar-se por falta de motivação para continuar a jornada. É importante que as empresas saibam o motivo da implementação e aonde querem chegar.

• Implementação de baixo para cima – conforme indicado pela literatura (e.g., ARBULU E ZABELLE 2006), sugere-se que a implementação da filosofia Lean ocorra de ‘baixo para cima’, ou seja, inicialmente em projetos para depois ser estendida para a organização como um todo. Essa implementação no nível dos projetos (empreendimentos) deve ser pautada pelos objetivos estratégicos da empresa desdobrados para suas unidades básicas os projetos. Observou-se que nas empresas investigadas a implementação ocorreu inicialmente em projetos isolados e foi posteriormente estendida para outros projetos da empresa. No momento, as empresas vislumbram a implementação da filosofia Lean nos setores administrativo-financeiro e de projetos, bem como em fornecedores estratégicos mas sem um detalhamento de como essas ações serão postas em prática.

• Envolvimento de funcionários e diretoria – foi mencionada por mais de um entrevistado a importância do envolvimento tanto dos funcionários como da direção da empresa. Um ponto forte foi o uso de estagiários de engenharia durante a

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implementação pois os mesmos não tinham vícios ligados a sistemas tradicionais de produção. Isto vem ao encontro do que preconiza a teoria de implementação de processos de melhoria.

• Apropriação do conhecimento – observou-se em uma das empresas que após a saída de um engenheiro o processo de implantação ficou estagnado, e até retrocedeu. Isto mostra uma falha comum nas organizações que não se preocupam com a apropriação do conhecimento por parte das organização. Nessas organizações, o conhecimento é adquirido por indivíduos que lideram o processo de implementação mas não necessariamente compartilham-no com os demais membros da organização. Em uma das empresas entrevistadas, um de seus funcionários-chave foi contratado por outra após a realização de seminários que divulgavam o sucesso da implementação da filosofia Lean na empresa, evidenciando um fato já relatado por Lewis (2000) sobre a manutenção de pessoal qualificado em organizações que implementaram a filosofia Lean.

• Melhoria contínua – em duas das empresas investigadas ficou evidente a preocupação com a constante busca pela melhoria contínua e que para isso a empresa precisa arraigar na sua cultura organizacional os conceitos e princípios da filosofia Lean. Isto corrobora o ditado citado por Dennis (2006, p.21): “ação sem teoria é inútil; teoria sem ação não tem vida”. Já na terceira empresa, a visão de futuro era muito operacional: “entregar a obra no prazo com qualidade e atingir os custos previstos para as obras”. A melhoria contínua também passa pela definição de indicadores que possam representar de forma efetiva o impacto da Lean nas empresas da construção e o desempenho das mesmas ao longo do tempo.

Conclusão O artigo apresentou os resultados de um estudo que envolveu levantamento de dados através de pesquisa de campo e realização de entrevistas semi-estruturadas com especialistas e diretores de três empresas construtoras que atuam nos ramos residencial, comercial e industrial da cidade de Fortaleza. O artigo elucidou questões relativas à relação entre as estratégias adotadas pelas empresas investigadas e a filosofia Lean, as principais dificuldades encontradas durante a implementação dessa filosofia em seus canteiros de obras, bem como quais foram as contribuições proporcionadas pela Lean aos seus negócios.

Destaca-se como principais fatores de sucesso na implementação da filosofia Lean: a necessidade de ligação entre as estratégias adotadas pelas empresas e a implementação da Lean; visão de longo prazo; pessoal capacitado; a necessidade de envolvimento da diretoria e do engajamento de todos os funcionários envolvidos com os processos em transformação; a necessidade de um embasamento teórico antes da implementação dos conceitos, princípios e ferramentas; o engajamento de pessoas dispostas à absorver e implementar modernas filosofias de produção, com destaque para o papel dos estagiários nesse processo.

Conclui-se também com evidências relativas aos benefícios resultantes da implementação da filosofia Lean. As empresas entrevistadas indicaram os seguintes benefícios resultantes de ações relacionadas à implementação da filosofia Lean: aumento na estabilidade dos processos produtivos; aumento da produtividade; redução do efetivo de mão-de-obra necessário para realização das atividades; redução de prazos para execução de atividades; redução de desperdícios; maior organização dos canteiros de obras; e aumento da satisfação dos funcionários e dos clientes finais. Por fim, destaca-se que apesar da falta de estratégias de produção definidas por meio de processos formais, as empresas têm realizado ações na produção que são coerentes com os critérios competitivos indicados pelas mesmas durante as entrevistas.

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