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FUNDAÇÃO DE ENSINO “EURÍPIDES SOARES DA ROCHA” CENTRO UNIVERSITÁRIO EURÍPIDES DE MARÍLIA UNIVEM CURSO DE DIREITO AMANDA BALDO BORGES DOS REIS A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC MARÍLIA 2014

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FUNDAÇÃO DE ENSINO “EURÍPIDES SOARES DA ROCHA”

CENTRO UNIVERSITÁRIO EURÍPIDES DE MARÍLIA – UNIVEM

CURSO DE DIREITO

AMANDA BALDO BORGES DOS REIS

A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

MARÍLIA

2014

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AMANDA BALDO BORGES DOS REIS

A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

Projeto de pesquisa apresentado ao curso de

Direito da Fundação de Ensino “Eurípides

Soares da Rocha”, mantenedora do Centro

Universitário Eurípides de Marília –

UNIVEM, como requisito parcial para a

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador:

Prof. Mestre Adriano de Oliveira Martins

MARÍLIA

2014

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Reis, Amanda Baldo Borges dos

A inversão do ônus da prova no CDC / Amanda Baldo Borges

dos Reis; orientador: Adriano de Oliveira Martins. Marília, SP: [s.n.],

2014.

63f.

Trabalho de Curso – Curso de Direito, Fundação de Ensino

“Eurípedes Soares da Rocha”, mantenedora do Centro Universitário

Eurípedes de Marília – UNIVEM, Marília, 2014.

1. Prova 2. Inversão do ônus 3. Consumidor 5. Vulnerabilidade

6. Hipossuficiência

CDD: 342.145

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À Deus, fonte de amor maior, meu guia e

sustentáculo, a quem tudo entrego e

confio, Senhor da minha vida e vocação;

À minha família, presença fiel e segura ao

longo dessa jornada;

A todos os meus amigos, pelas inúmeras

alegrias e risos partilhados, bem como pelo

apoio nos tempos difíceis.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Sebastião e Elizabete, por todo esforço e sacrifício

dispensados para minha formação, eles que suportaram minhas fases mais difíceis

respondendo a elas com carinho e dedicação inenarráveis, sustentando-me em toda

circunstância com um amor sem igual.

Agradeço a minha irmã, Aliny, verdadeiro anjo em minha vida. Sei que sem ela não

daria um passo sequer, minha gratidão eterna pela parceria que sempre estabeleceu,

mesmo quando eu não mereci. E ao meu cunhado, Heber, por ter se tornado um

irmão, por Deus instituído.

Agradeço de modo particular:

A todos os meus familiares, sei da torcida de cada um por mim e pude partilhar

tantas vezes do misto de lágrimas e risos ante as minhas conquistas, trago cada um

em meu coração e agradeço pelo apoio incondicional.

Aos meus mais diversos amigos:

Os mais antigos – presentes desde a infância e adolescência – que dividiram comigo

as mais ricas recordações e sei que caminharão ao meu lado, ainda que apenas em

oração, e estarão sempre a torcer por meu sucesso: Amanda Alice (amiga-irmã),

Camila, Mariana e Felipe.

Aqueles que foram colocados por Deus em meu caminho e me fizeram crescer na fé e

santidade, com quem sempre poderei contar, como a vida já tem provado ser:

Heloísa, João Polo, Maria Angélica, César, Fernanda, Braulio, Renata, Leandro,

Anderson Salata, Rita, Anna e Leandro Caprioli.

Aqueles que partilharam dos finais de semana de trabalho comigo e que - cada um a

seu modo - marcaram a minha história: Luciana, Gisele, Cristiane e Wesley.

E aqueles trazidos pela faculdade, que o amor tornou mais que colegas: Jéssica,

França, Bruninho, Régis, Eduardo (Dú), Patrick, Adriano, Bianca, Evelyn, Andreza,

Ana Paula, Dani, Manu e Thais.

Agradeço ainda, ao professor e orientador Adriano de Oliveira Martins, com quem

pude contar a todo tempo e que me deu todo o apoio necessário.

À Prof.ª Daniela Ferreira Dias Batista pelo socorro providencial e o carinho com

que me estendeu a mão, sendo imprescindível para a conclusão desse trabalho.

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Quando vejo que o peso ultrapassa as

minhas forças, não penso sobre isso, não

analiso nem me aprofundo, mas recorro

como uma criança ao Coração de Jesus e

digo-Lhe uma palavra apenas: “A Vós

tudo é possível”.

Santa Faustina.

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REIS, Amanda Baldo Borges dos. A inversão do ônus da prova no CDC. 2014. 63f.

Trabalho de Conclusão (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília,

Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, Marília, 2014.

RESUMO

O presente trabalho tem como objeto de estudo “A inversão do ônus da prova no CDC”. A

inversão do ônus probatório é instituto previsto no Código de Defesa do Consumidor que visa

propiciar o equilíbrio processual e permitir ao consumidor pleitear seus direitos em juízo, com

amplo acesso à justiça. A monografia apresenta os conceitos de prova e ônus da prova no

processo civil, evidenciando os meios legais de se provar os fatos alegados, tal como prevê a

legislação. Ainda, faz uma análise acerca da previsão constitucional à proteção e defesa do

consumidor, bem como os requisitos para que seja caracterizada a relação de consumo. O

trabalho pretende expor a dinâmica da inversão do ônus da prova no CDC como direito básico

do consumidor, explicitando os requisitos para sua concessão, a hipossuficiência do

consumidor e a verossimilhança de suas alegações, alternativamente, bem como o momento

processual oportuno para a decretação da inversão. Para tanto, realiza análise doutrinária

acerca do tema, perpassando os princípios constitucionais, as regras do processo civil, e, por

fim, a legislação infraconstitucional de defesa do consumidor, além de apreciação das

correntes jurisprudenciais relativas ao tema.

Palavras-chave: Prova. Inversão do ônus. Consumidor. Vulnerabilidade. Hipossuficiência.

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REIS, Amanda Baldo Borges dos. A inversão do ônus da prova no CDC. 2014. 63f.

Trabalho de Conclusão (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília,

Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, Marília, 2014.

ABSTRACT

The present work has as object of study "the reversal of the burden of proof in the CDC". The

reversal of the evidentiary burden is Institute laid down in the consumer defense code which

aims to provide the procedural balance and allow the consumer to plead their rights in court,

with wide access to justice. The monograph presents the concepts of evidence and burden of

proof in civil procedure, showing the legal means to prove the facts alleged, such as provided

for in the legislation. Still, makes an analysis about the constitutional provision to protection

and consumer protection, as well as the requirements to be characterized the relationship of

consumption. The work seeks to expose the dynamic of reversal of the burden of proof at the

CDC as basic consumer law, explaining the requirements for granting it, the weaker position

of the consumer and the likelihood of their claims, Alternatively, as well as the opportune

procedural moment for the Declaration of inversion. To this end, performs analysis on the

subject of doctrinal, bypassing the constitutional principles, the rules of civil procedure, and,

finally, the Defense the legislation, as well as consumer assessment of current jurisprudence

relating to the theme.

Keywords: Proof. Reversing the onus. Consumer. Vulnerability. Weaker Position.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art.: Artigo

CF: Constituição Federal

CDC: Código de Defesa do Consumidor

CPC: Código de Processo Civil

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

CAPÍTULO 1 – DA PROVA ................................................................................................... 12

1.1 Conceito e objeto ................................................................................................................ 12

1.2 Finalidade e destinatários ................................................................................................... 15

1.3 Valoração da prova ............................................................................................................. 19

1.4 Ônus da prova ..................................................................................................................... 22

1.5 Meios de prova ................................................................................................................... 26

1.5.1 Depoimento pessoal ......................................................................................................... 26

1.5.2 Confissão ......................................................................................................................... 27

1.5.3 Exibição de documento ou coisa ..................................................................................... 28

1.5.4 Prova documental ............................................................................................................ 29

1.5.5 Prova testemunhal ........................................................................................................... 30

1.5.6 Prova pericial ................................................................................................................... 30

1.5.7 Inspeção judicial .............................................................................................................. 31

1.5.8 Prova emprestada ............................................................................................................. 32

CAPÍTULO 2 – DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR ....................................................................................................................... 33

2.1 Previsão constitucional do CDC ......................................................................................... 33

2.2 Conceito de fornecedor e consumidor ................................................................................ 34

2.3 Caracterização da relação de consumo ............................................................................... 37

CAPÍTULO 3 – DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC .................................... 39

3.1 Considerações gerais .......................................................................................................... 39

3.2 A vulnerabilidade do consumidor....................................................................................... 40

3.3 Requisitos para a inversão do ônus da prova ...................................................................... 42

3.3.1 Verossimilhança das alegações ....................................................................................... 44

3.3.2 Hipossuficiência do consumidor ..................................................................................... 45

3.4 Aplicação automática nos casos de publicidade enganosa ................................................. 47

3.5 A inversão do ônus da prova em face dos profissionais liberais ........................................ 49

3.6 Momento processual da decretação da inversão do ônus da prova .................................... 51

3.7 Despesas processuais do ônus da prova ............................................................................. 56

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 61

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INTRODUÇÃO

O trabalho realizado pretende compreender a dinâmica do ônus da prova e sua

importância e utilidade para o processo civil brasileiro, destacando a quem cabe o ônus de

provar, baseado no Código Civil, porém com ênfase à sua inversão, aplicável ao Código de

Defesa do Consumidor (CDC), aprofundando as questões sobre as razões, efetividade e

aplicação desta regra, além de analisar a vulnerabilidade do consumidor.

Visa, ainda, demonstrar o momento em que a inversão do ônus da prova deve ser

analisada pelo magistrado, destacando os posicionamentos sobre o assunto, em uma análise da

doutrina e jurisprudência, como também, os pontos controvertidos, a fim de apontar quais são

os entendimentos mais adotados pelos tribunais.

O CDC (Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990) teve por finalidade equilibrar

as relações de consumo, regulamentando os direitos e deveres tanto do consumidor quanto do

fornecedor, sendo expresso quanto à proteção e defesa do consumidor, em busca de

efetivamente alcançar referido equilibro nas relações de consumo.

O art. 6º, VIII, do CDC estabelece como direito básico do consumidor a facilitação

da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no

processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Assim, o presente projeto pretende explicitar o tema da inversão do ônus a prova,

demonstrando a necessidade de se efetivar as normas previstas no CDC, bem como ressaltar a

importância da inversão do ônus da prova para equilibrar a relação jurídica entre

consumidores e fornecedores, garantindo ao consumidor a facilitação ao acesso à justiça.

O instituto do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor é de grande

relevância nos tempos atuais, de modo que, há muita divergência no Poder Judiciário em

relação à lei consumerista. Sendo de ciência geral que a questão das provas é ponto

fundamental em nosso sistema processual, isso porque é ela quem vai confirmar a verdade dos

fatos afirmados pelas partes, servindo, também, como fundamento da pretensão jurídica.

O tema apresentado é de grande relevância para o direito consumerista, pois busca

apontar o objetivo do CDC em garantir ao consumidor o direito à inversão do ônus da prova,

assegurando efetividade às normas consumeristas que acarretam um real equilíbrio nas

relações de consumo, explicitando como o momento de aplicação da inversão do ônus tem

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sido questionado e discutido pela doutrina e jurisprudência, trazendo os efeitos da legislação

consumerista no âmbito jurídico.

Predominantemente utilizar-se-á o método dedutivo, realizando a pesquisa pelo campo

qualitativo, com base em dados bibliográficos, documentais, via internet e jurisprudências,

além da análise de outros trabalhos científicos relacionados ao tema, tendo como principal

técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica a ser realizada nas bibliotecas de

instituições públicas e privadas, bem como via internet, identificando as fontes bibliográficas

e documentais que serão usadas no trabalho.

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CAPÍTULO 1 - DA PROVA

1.1 Conceito e Objeto

O vocábulo prova no âmbito jurídico trata-se do instrumento, o documento utilizado

para provar o fato alegado, o meio com que se faz prova dos fatos; o ato de levar o juiz, por

meio do instrumento utilizado, à circunstância capaz de convencê-lo da veracidade dos fatos,

dizendo que a parte produziu a prova. Ainda, pode ser empregado para referir-se ao

convencimento acerca de determinado fato, eis que a parte, mesmo trazendo instrumentos e

utilizando-se dos meios de prova, pode não produzi-la, concretamente, em razão de ser esta

insuficiente para convencer o julgador da existência do fato, como bem explana Ovídio

Baptista (2006, p. 319-320).

Cassio Scarpinella Bueno assim conceitua a prova:

‘Prova’ é palavra que deve ser compreendida para os fins que aqui

interessam como tudo o que puder influenciar, de alguma maneira, na

formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de

outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor e os

eventuais demais pedidos de prestação da tutela jurisdicional que lhe são

submetidos para julgamento. (2011, p. 269).

A atividade probatória é fundamental para o processo, desse modo imprescindível

para a solução das controversas, tal como assevera Humberto Theodoro Junior em seu livro

Curso de Direito Processual Civil, como segue:

Todos os pretensos direitos subjetivos que podem figurar nos litígios a serem

solucionados pelo processo se originam de fatos (ex facto ius oritur).

Por isso, o autor, quando propõe a ação, e o réu, quando oferece sua

resposta, hão de invocar fatos com que procurem justificar a pretensão de um

e a resistência do outro.

Do exame dos fatos e de sua adequação ao direito objetivo, o juiz extrairá a

solução do litígio que será revelada na sentença. (2011, p. 425).

Do mesmo modo define Marcus Vinicius:

A prova é tema fundamental do processo civil. Existem muitos processos em

que a questão controvertida é apenas de direito, e a produção de provas não

se faz necessária. Mas o mais comum é que, para julgar, o juiz precisa

examinar a veracidade de fatos que, no curso do processo, tenham se tornado

controvertidos. Para isso, será indispensável que ele analise as provas

produzidas no processo, que visam demonstrar a veracidade dos fatos

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alegados pelas partes. É por meio das atividades probatórias que o juiz terá

elementos para decidir sobre a veracidade e a credibilidade das alegações.

(2011, p. 408).

Assim, verifica-se a relevância do instituto da prova no curso do processo, tal como

se observa da definição dada por Marcus Vinicius, nem toda prova terá relevância para o

deslinde do feito, mas sim, àquelas que tenham por objetivo constituir direito com base em

fatos, razão pela qual, matérias que sejam exclusivamente de direito não necessitam de

comprovação.

Ademais, as provas produzidas nos autos tem o condão de levar ao convencimento

do magistrado quanto à questão alegada pelo autor, ou refutada pelo réu, de modo que o juiz

analisará, através das provas que lhe forem apresentadas, a veracidade dos fatos narrados.

Isso posto, é de se destacar que o instituto da prova está intimamente ligado ao

princípio do devido processo legal, assegurado pelo art. 5º, inciso LIV, da Constituição

Federal e, garantem às partes o acesso à justiça, tal como pondera Nelson Nery Junior:

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio

do due process of law para que daí decorressem todas as consequências

processuais garantindo aos litigantes o direito a um processo e uma sentença

justa. (2004, p. 60).

Resta evidenciado que o princípio do devido processo legal compreende, dentre

outros, o dever de conceder às partes do processo a faculdade de apresentar provas ao juiz, a

fim de que possa o autor constituir o seu direito e, o réu, extinguir, modificar ou impedir o

direito do autor.

Nesse sentido, é mister apontar os ensinamentos de Marinoni que assim define prova:

“(...) é todo meio retórico, regulado pela lei, dirigido a, dentro dos parâmetros fixados pelo

direito e de critérios racionais, convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto

de impugnação, feitas no processo”. (2008, p. 264).

Insta salientar que a prova é o meio utilizado para constatar a realidade dos fatos

alegados e, assim, presta-se à concessão do direito de modo seguro e justo, assegurando a

todos o pleno acesso à Justiça, dando credibilidade ao judiciário, que busca alcançar a

realidade dos fatos na concessão do direito ou, em não o fazendo, esforçar-se para conquistar

tal ideal (COSTA, 2004, p. 422).

O objeto da prova pauta-se tão somente nos fatos alegados, eis o que dispõe Marcus

Vinicius:

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Nem tudo o que se discute no processo precisa ser comprovado. O objeto da

prova são exclusivamente os fatos. O direito não se prova, porque deve ser

do conhecimento do juiz. Quando muito, ele pode exigir que a parte prove a

vigência de direito municipal, estadual, estrangeiro, ou consuetudinário

(CPC, art. 337), o que constitui exceção à regra do jura novit curia, que se

justifica porque não é dado ao juiz conhecer normas jurídicas do mundo

inteiro, de todos os Estados e Municípios e ainda as regras consuetudinárias.

(2011, p. 410).

E continua destacando:

Mas são os fatos o objeto essencial da prova. No entanto, nem todos

precisam ser demonstrados. É preciso, antes de tudo, que eles sejam

relevantes para o julgamento do processo. O juiz não deverá deferir a

produção de provas quando elas não tenham qualquer repercussão para o

julgamento da causa. São irrelevantes os fatos que não têm nenhuma

importância, que não influenciarão o julgamento do pedido ou que não

guardam pertinência com a questão litigiosa. (GONÇALVES, 2011, p. 410).

Insta salientar que o objeto da prova resume-se aos fatos narrados, pois não há

necessidade de provar questão meramente de direito – esta é presumivelmente de

conhecimento do magistrado – os fatos delimitarão se a parte possui ou não o direito

pleiteado, devendo ter correspondência com a realidade, pois é o que se visa provar no

processo.

Aos fatos que requerem produção de provas o Código de Processo Civil apresenta

exceções, em seu art. 334:

Art. 334. Não dependem de prova os fatos:

I- notórios;

II- afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III- admitidos, no processo, como incontroversos;

IV- em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Há, portanto, fatos que não necessitam de prova, tal como se extrai do dispositivo

transcrito, bem explicitado na obra de Scarpinella (2011, p. 281-282), cujos apontamentos

cumpre transcrever:

De acordo com o inciso I do dispositivo, não dependem de prova os fatos

notórios, isto é, os fatos que, por sua própria natureza, são de conhecimento

geral. Também não dependem de prova os fatos ‘afirmados por uma parte e

confessados pela parte contrária’. A confissão referida no inciso II do art.

334 é, ela própria, meio de prova e, por isso mesmo, uma vez que há um fato

confessado, não há necessidade de produção de prova porque ele já está

suficientemente provado. O inciso III do art. 334 torna desnecessária a prova

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dos fatos incontroversos. Aqui, diferentemente do que se dá com o inciso

anterior, a incontrovérsia do fato aceita uma maior gama de variantes e pode

resultar, apenas e tão somente, de o réu não se desincumbir adequadamente

do ‘princípio da impugnação especificada’ (...) ou quando o réu deixa de

apresentar qualquer resposta, tornando-se revel. Por fim, de acordo com o

inciso IV do art. 334, dispensam prova os fatos ‘em cujo favor milita

presunção legal de existência ou de veracidade’ (...).

Assim, resta evidenciado que a lei excetua os fatos que, por sua própria natureza, não

precisam ser provados, pois já constituem o direito. São eles: os fatos notórios, por serem de

conhecimento de todos; os confessados pela parte, na medida em que não há discussão

quando o que se alega é corroborado pela parte contrária; os fatos incontroversos, entendidos

como tudo o que não foi refutado no processo; por fim, aqueles com presunção legal de

existência ou veracidade.

Concernente ao objeto da prova, seguindo a definição já mencionada, faz-se

necessário transcrever a acepção dada por Luiz Guilherme Marinoni, que minuciosamente

discute a questão, de modo a trazer uma compreensão clara do tema, como se observa no

trecho que ora se menciona:

(...) a prova não se destina a provar fatos, mas sim afirmações de fato. É,com

efeito, a alegação, e não o fato, que pode corresponder ou não à realidade

daquilo que se passou fora do processo. O fato não pode ser qualificado de

verdadeiro ou falso, já que esse existe ou não existe. É a alegação do fato

que, em determinado momento, pode assumir importância jurídico-

processual e, assim, assumir relevância a demonstração da veracidade da

alegação do fato. (2008, p. 265).

Com essa definição fica evidenciado que os fatos constituem o objeto da prova,

contudo, não estes em si, senão a alegação dos mesmos, que pode – esta sim – ser verossímil

ou não; os fatos simplesmente serão existentes ou inexistentes, mas a alegação de um fato sim

é passível de análise da veracidade.

1.2 Finalidade e Destinatários

A prova no processo civil destina-se à busca da verdade dos fatos, de modo a

solucionar a questão em litígio e conceder o direito justo às partes. Tomando por base que a

prova tem por finalidade a busca da verdade e é essencial para o deslinde do feito, faz-se

mister destacar a seguinte ponderação:

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Ninguém duvida que a função do real (e, portanto, da prova) no processo é

absolutamente essencial, razão mesmo para que a investigação dos fatos, no

processo de conhecimento, ocupe quase que a totalidade do procedimento e

das regras que disciplinam o tema nos diversos códigos processuais que se

aplicam no direito brasileiro. Se a regra jurídica pode ser decomposta em

uma hipótese fática (onde o legislador prevê uma conduta) e em uma sanção

a ela atrelada, não há dúvida de que o conhecimento dos fatos ocorridos na

realidade é essencial para a aplicação do direito positivo, sob pena de ficar

inviabilizada a concretização da norma abstrata. (MARINONI, 2008, p.

252).

Desse modo, extrai-se que a prova tem por finalidade propiciar o convencimento do

juiz quanto ao fato alegado e, este só poderá determinar o direito positivo a ser aplicado se

tiver conhecimento de como os fatos se deram.

De se destacar que o direito abstrato previsto em lei requer a análise dos fatos para

sua concretização, de maneira que a prova será o instrumento utilizado para a comprovação

das alegações na busca da efetivação de um direito positivo.

De fato, o processo busca a verdade real a fim de solucionar os conflitos, por meio

das provas produzidas, propiciando ao juiz a elucidação dessa verdade. Evidentemente, essa

busca não pode ser infundada ou protelada demasiadamente de modo a perder o seu fim, qual

seja, a prestação da tutela jurisdicional. Assim, as partes devem utilizar-se corretamente dos

meios de prova e, com isso, levar o juiz ao conhecimento da verdade real, mas, tendo-se

omitido desse ônus, não poderão culpar o magistrado de não ter feito justiça. (THEODORO

JUNIOR, 2011, p. 428-429).

Quanto à busca dessa verdade real, ressalta-se:

O fato de enxergar a decisão considerando-a em si mesma, sem isso

implique desvinculação com o processo como um todo, leva a concluir que o

juiz pode conduzir um procedimento impecável, porém errando

dramaticamente no momento da decisão. Daí que aqui se parte da premissa

de que o processo, na medida do possível, deve visar à descoberta da

verdade,26 não pode chegar a uma decisão que mereça ser qualificada

como justa se o juiz errar gravemente na reconstrução dos fatos que o

levarão a dar razão, total ou parcialmente, a uma das partes. Com efeito,

“demonstrado que a apuração da verdade dos fatos no processo é possível,

bem como que tal apuração é necessária, disso deriva que o processo é justo

se sistematicamente orientado a fazer com que se estabeleça a verdade dos

fatos relevantes para a decisão; é, por outro lado, injusto na medida em que

for estruturado de modo a obstaculizar ou limitar a verdade, já que nesse

caso o que se obstaculiza ou se limita é a justiça da decisão com que o

processo se conclui”.27 Existe, portanto, uma intrínseca e inegável relação

entre verdade, adequada apuração dos fatos (accertamento) e decisão

justa.28 (CAVANI, 2014, p. 119, online).

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Desse modo, possível afirmar que a verdade real é alcançada no direito das partes em

postularem as provas que entendam cabíveis, bem como no dever do juiz em buscar a

elucidação dos fatos, inclusive com a produção de provas julgadas necessárias à formação de

seu convencimento, de modo a levá-lo a uma apuração acertada dos fatos e a uma decisão

consequentemente justa.

Nesse diapasão, pode-se também afirmar ser a pessoa física do juiz o destinatário da

prova, não apenas o judiciário, mas o magistrado que diretamente dará solução ao feito e, para

tanto, necessita conhecimento e elucidação dos fatos que lhe permitam chegar a uma sentença

justa.

Assim, para Cassio Scarpinella Bueno:

É importante ter consciência de que o destinatário da prova é não só o juízo

(órgão jurisdicional) mas também, a depender do meio de prova, o juiz, o

magistrado, o julgador, isto é, a específica pessoa que atua frente ao juízo.

(...)

Independentemente desta maior ou menor vinculação, contudo, não são as

partes ou eventuais terceiros intervenientes os destinatários da prova. É para

quem julga a causa que ela deve ser produzida. (SCARPINELLA, 2011, p.

270-271).

Pelos ensinamentos de Scarpinella, o juiz é o destinatário da prova e, com o intuito

de formar o seu convencimento é que as partes produzem as provas pertinentes, de modo que

estas serão elaboradas para quem as julga, não sendo destinatários da prova a parte ou mesmo

o terceiro, mas o órgão jurisdicional e, especificamente, o juiz da causa.

Contudo, é facultado ao magistrado produzir as provas que entenda necessárias para

o seu convencimento e não realizadas ou postuladas pelas partes, tal como se observa pela

definição que se segue.

(...) ao julgador não cabe mais o papel passivo, de mero espectador, que se

limitava a procurar a verdade formal dos fatos, na forma como ela era trazida

pelas partes.

A solução mais justa do processo, objeto de busca incessante pelo

magistrado, exige que ele deixe essa posição passiva e passe a interferir

diretamente na produção da prova. A busca deve ser sempre a da verdade

real, mesmo que o processo verse exclusivamente sobre interesse disponível.

Mesmo aí, há sempre um interesse indisponível de que o juiz não deve abrir

mão: que o processo tenha a solução mais justa possível. (GONÇALVES,

2011, p. 412).

Evidencia-se assim, ser o juiz o destinatário da prova; entretanto, não se deve

entender tal função como ato passivo do magistrado, eis que este poderá – quando entender

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preciso para a formação de seu convencimento – produzir as provas pertinentes, de modo a

proferir decisão justa, pautada na verdade real ou o mais próximo que se possa chegar desta.

O juiz é o destinatário das provas, mas para que o processo tenha seu curso pautado

nos princípios da celeridade e do contraditório, faz-se necessário que o magistrado realize a

admissibilidade em razão de sua utilidade ou relevância e não da sua própria perspectiva,

devendo indeferir apenas as provas tidas irrelevantes ou inúteis para o deslinde do feito.

(COSTA, p. 402-403).

É preciso ponderar que a produção de provas de ofício pelo magistrado não pode ser

entendida como a iniciativa deste em produzir provas, sob a pena de ferir o princípio da

isonomia, bem como permitir o desvio da imparcialidade na condução do processo. Neste

sentido, é o que ensina Vicente Greco Filho:

Assim, conclui-se que não pode o juiz substituir a iniciativa probatória, que é

própria de cada parte, sob pena de estar auxiliando essa parte e violando a

igualdade de tratamento que elas merecem. A atividade probatória do juiz

não pode substituir a atividade de iniciativa das partes. Para não inutilizar o

dispositivo resta interpretar que o juiz, na verdade, poderá determinar

provas, de ofício, nos procedimentos de interesse público, como, por

exemplo, os de jurisdição voluntária, e nos demais processos, de maneira

complementar a alguma prova já requerida pela parte, quando a prova

produzida foi insatisfatória para o seu convencimento. (...) Afora esse casos

excepcionais, não pode o juiz tomar a iniciativa probatória, sob pena de

violar o sistema da isonomia, e sob pena de comprometer-se com uma das

partes extinguindo, com isso, o requisito essencial da imparcialidade.

(GRECO FILHO, 2003, p. 227-228).

Como se pode perceber, a atividade probatória do juiz deve ser entendida apenas

como complementação a iniciativa probatória exercida pelas partes, e não substituí-la. Eis que

cabe às partes provarem os fatos constitutivos de seu direito ou, os extintivos, modificativos

ou impeditivos do direito da outra parte, reservado ao magistrado, apenas, a análise das provas

produzidas e, excepcionalmente, a produção de provas com o intuito de complementação

daquelas já postulas, a fim de possibilitar o seu convencimento.

Ressalte-se ainda que, pelo entendimento da doutrina moderna, o juiz não deve ser

considerado de fato o único destinatário da prova, ainda que seja o principal e, para tanto,

busca-se transcrever alguns apontamentos:

Questão interessante diz respeito aos destinatários das provas.

Tradicionalmente se afirma que toda a instrução está direcionada para o juiz

da causa, pois é ele, e mais ninguém, que deverá estar convencido acerca da

existência ou não dos fatos alegados, para que profira em favor de uma ou de

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outra parte o julgamento da causa. A doutrina mais moderna, porém, propõe

uma modificação nesta concepção, afirmando que não apenas o juiz, mas,

também, as partes e a sociedade como um todo, são destinatários das provas,

servindo estas como meio legitimador da decisão judicial. (MORAES, 2013,

online).

Nesse entendimento, a autora entende que o juiz não é o único destinatário da prova,

mas também as partes e a sociedade como um todo serão assim consideradas, ainda que em

segundo plano, como meio de legitimar a decisão judicial, para não torná-la arbitrária ou

parcial e, ainda, possibilitando a ampla produção das provas.

Assim, a prova destina-se a formar o convencimento do juiz e, este poderá a qualquer

tempo ordenar de ofício a produção das provas que entender necessárias e pertinentes para a

formação do seu pleno convencimento, ainda que tenha anteriormente indeferido a produção

de prova requerida pela parte, em face do juiz não se opera a preclusão (MOREIRA, 2010, p.

56).

1.3 Valoração da Prova

As provas no processo obedecerão a certas fases, concernentes ao momento

processual em que se encontrem, quais sejam: o requerimento, a admissão, a produção e por

fim, a valoração das provas. (MARINONI, 2008, p. 292-293).

Ainda conforme os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, o requerimento da

prova será realizado pelas partes ao poder judiciário que admitirá ou não a sua produção,

conforme o cabimento e conveniência da mesma para o processo. Então, se admitida, a prova

passará à fase de produção, que obedecerá às necessidades e particularidades do meio

deferido e, por fim, produzida a prova, ela será valorada pelo juiz. (2008, p. 293-294).

Nesse tópico, cumpre destacar a seguinte definição:

Em regra, essa valoração será feita na sentença ou na decisão concessiva de

tutela antecipatória, quando o magistrado terá de formar seu convencimento.

No direito brasileiro, adota-se o princípio da persuasão racional do juiz, de

modo que as provas não têm, em regra, valor predeterminado, podendo o

magistrado convencer-se livremente com qualquer das evidências presentes

nos autos, desde que justifique os motivos pelos quais entende que certa

prova gera convencimento, ou as razões para que certa prova se sobreponha

a outra (art. 131 do CPC). (MARINONI, 2008, p. 294).

Com isso, a valoração das provas será feita pelo juiz – o destinatário – a fim de

formar seu convencimento, utilizando-se do princípio da persuasão racional, podendo atribuir

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livremente valor às provas, desde que justifique as razões de seu entendimento que o levaram

a atribuir determinado valor a elas.

Ademais, é manifesta a importância da valoração das provas e o princípio da

persuasão racional, eis que como leciona o professor Luciano Ramires, é das provas

produzidas que o juiz extrairá suas conclusões e, a valoração, dada a elas, determinará a

decisão da demanda (2002, p. 47).

Dentro do sistema de valoração da prova adotado pelo processo civil brasileiro,

dando ao magistrado a liberdade na valoração das provas, faz-se mister apontar que este

sempre deverá motivar sua decisão, explicitando as razões que formaram seu convencimento,

expresso na decisão.

Nesse sentido leciona Cassio Scarpinella:

Mesmo quando o magistrado valer-se de seu próprio convencimento, o

‘convencimento privado do juiz’, o que lhe é expressamente autorizado pelo

art. 335, é fundamental que ele justifique a formação de seu convencimento,

levando em conta todas as circunstâncias que lhe pareceram relevantes para

decidir de uma ou de outra forma. (2011, p. 274).

Por essas linhas evidencia-se que o sistema adotado pela legislação processual

brasileira garante ao juiz utilizar-se do princípio do livre convencimento. Contudo, exige do

mesmo, quando da motivação de sua decisão, apresentar as justificativas que o levaram à

persuasão, explicitando as razões pelas quais considerou mais uma prova em detrimento de

outra e o quanto elas serviram para a elucidação dos fatos de modo a garantir o direito

concedido ou negado em sua decisão motivada.

Nas palavras de Vicente Greco Filho:

O sistema adotado pelo Código é intermediário porque admite a livre

apreciação da prova, mas vincula essa apreciação aos fatos e circunstâncias

constantes dos autos, mesmo que não alegados pela parte, e, ademais, exige

a indicação na sentença dos motivos racionais que formaram o

convencimento do juiz. (...) Esta fórmula de apreciação probatória apresenta

a dupla vantagem de permitir que o juiz extraia as sutilezas dos meios

probantes apresentados, com liberdade de interpretação, e, ao mesmo tempo,

o obriga, justificando o seu convencimento, a apresentar uma solução lógica

para o problema probatório, evitando, assim, o arbítrio ou uma solução

potestativa (2003, p. 228-229).

Assim, quanto à valoração da prova pelo magistrado, pode-se afirmar que o mesmo

possui a liberdade na apreciação, contudo, sua decisão será sempre motivada, o que permite

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ao Estado-juiz a prestação da tutela jurisdicional com respaldo na legislação, porém com uma

análise humana do caso concreto, na busca da verdade real para melhor elucidação dos fatos.

Nos ensinamentos de Marcus Vinicius acerca da legislação processual:

(...) acolhe o princípio do livre convencimento motivado, ou da persuasão

racional, pelo qual deve haver uma coerência entre os elementos dos autos e

a decisão judicial. O juiz não pode julgar com base em conhecimento pessoal

que possa ter dos fatos, nem decidir pelo que ouviu falar, ou com fulcro na

ciência privada que tenha de fatos relevantes à decisão, ficando ressalvados,

à evidência, os fatos notórios e as máximas de experiência. (2011, p. 220).

Resta claro que o sistema adotado pela legislação processualista garante ao juiz o

direito de formar livremente sua convicção. Entretanto, limita a decisão às provas contidas

nos autos e exige a motivação na sentença, com a exposição dos motivos que o levaram a

determinado convencimento acerca dos fatos.

Para Theodoro Junior (2011, p. 429) “(...) no sistema da persuasão racional, o

julgamento deve ser fruto de uma operação lógica armada com base nos elementos de

convicção existentes no processo”.

Sobre o tema, ressalta-se ainda:

Deve, pois, em nosso sistema de julgamento, verificar o juiz se existe uma

norma jurídica sobre a prova produzida. Se houver, será ela aplicada. Na sua

falta, formulará o juízo, segundo o livre convencimento, mas com

observância das regras de experiência.

(...) há de se ter em conta que as máximas de experiência não se confundem

com o conhecimento pessoal do juiz sobre algum fato concreto. Esse

testemunho particular o juiz não pode utilizar na sentença, porque obtido

sem passar pelo crivo do contraditório e porque quebra a imparcialidade

resguardada pelo princípio dispositivo. As máximas de experiência não se

ressentem dessas impropriedades, uma vez que não decorrem de ciência

privada do juiz acerca de fatos concretos. Representam, na verdade,

percepções em abstrato do que ordinariamente acontece. Integram a ‘cultura

média da sociedade’, isto é, a ‘cultura do homem médio’, formando um

verdadeiro ‘patrimônio comum de uma coletividade’. Por isso que, sendo

noções conhecidas e indiscutíveis, podem ser utilizadas sem depender de

prova e sem violação da imparcialidade do juiz e do contraditório.

(THEODORO JUNIOR, 2011, p. 430-431).

O juiz deve formar seu convencimento com base não apenas nas provas dos autos,

mas em sua experiência, elaborando uma decisão legal e justa, em consonância com os

critérios sociais e de acordo com o conhecimento médio. É garantido ao juiz, na decisão,

utilizar-se de sua experiência – sendo esta entendida como as percepções cotidianas esperadas

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de qualquer homem médio – sem afastar-se da imparcialidade que lhe é exigida, propiciando

uma sentença justa.

Nas palavras de Leonardo Greco:

A isonomia e a impessoalidade da jurisdição (Constituição, arts. 5º, inc. I e

37) exigem que o livre convencimento seja formado através de critérios

aceitáveis para todos e não apenas para o juiz. Esses critérios devem ser

extraídos das máximas da experiência comum reconhecidas pela sociedade,

cujo uso o juiz deve mencionar, explicando como foram aplicadas no

julgamento da verdade fática, para tornar possível o controle do seu emprego

adequado. Ademais, os critérios de julgamento devem fundar-se em

premissas objetivamente verificáveis, e não em intuições subjetivas ou na

crença de percepções extra-sensoriais. (COSTA, 2004, p. 407-408).

Dessa feita, os critérios elencados na sentença como motivação do convencimento,

devem ser apontados pelo juiz com base nas máximas aceitáveis por toda a sociedade, e não

àquelas ligadas apenas a critérios do próprio juiz, de modo que a análise das provas pelo

magistrado e o valor dado a elas seja coerente com o que se espera da sociedade em geral,

premissas verificáveis por qualquer um.

1.4 Ônus da Prova

O ônus da prova é um benefício processual concedido às partes a fim de sustentar

suas alegações dos fatos. Não se trata de uma obrigação legalmente exigida, mas sim de opção

legal para que as partes possam obter a vantagem de demonstrar o que alegam e, em não

usufruindo do ônus, assumem a consequência de tal omissão. (GONÇALVES, 2011, p. 413).

Nesse sentido, ainda ressalta o autor:

Antes dos ônus de provar, as partes têm o de alegar. Incumbe ao autor, na

petição inicial, mencionar os fatos que são constitutivos de seu direito; e ao

réu, na contestação, invocar eventuais fatos extintivos, modificativos ou

impeditivos do direito do autor. Isso é de suma importância, porque o juiz

fica adstrito, ao proferir o julgamento, aos fatos alegados pelas partes. Ele

não pode tomar em considerações fatos que não tenham sido invocados por

elas.

Esse ônus precede o de provar, porque o objeto a prova se circunscreverá aos

fatos alegados. Não poderão ser objeto de instrução aqueles que não tenha

sido trazidos ao processo pelas partes. (GONÇALVES, 2011, p. 414).

Como se extrai dos ensinamentos de Marcus Vinicius, o ônus da prova é uma

faculdade exercida pelas partes, de produzir ou não as provas necessárias para comprovar os

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fatos alegados, sendo necessário e imprescindível que as provas pretendidas tenham

correlação com os mesmos, pois é vedado à parte produzi-las sobre fato não alegado no tempo

oportuno.

Para José Eduardo Carreira Alvim:

O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa sobre as partes, de

ministrar provas sobre fatos que constituem fundamento das pretensões

deduzidas no processo. Ônus não é sinônimo de obrigação e ônus de provar

não é o mesmo que obrigação de provar.

(...)

A distribuição do ônus probatório entre os litigantes objetiva determinar a

quem compete das prova de um fato, no processo, e permitir ao julgador

‘sair de um impasse quando a prova se mostrar inexistente ou insuficiente’

(Amaral Santos). (ALVIM, 1998, p. 232).

Desse modo, como se extrai das definições supra, o ônus da prova é a incumbência

das partes de produzir provas sobre os fatos dos quais resultem o direito que pleiteiam ou que

almejam afastar em juízo.

Nas palavras de Humberto Theodoro Junior o ônus da prova “(...) consiste na

conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja

admitida pelo juiz.” (2011, p. 434).

Assim, nota-se não existir um dever de provar, o ônus atribuído às partes pode ou

não ser exercido, mas o litigante assume o risco de perder a causa se deixar de provar os fatos

que alegou, dos quais decorre o direito subjetivo que pretende ter atendido pela tutela

jurisdicional. (THEODORO JUNIOR, 2011, p. 434).

Quanto à distribuição do ônus probatório, afirma Ovídio Baptista (2006, p. 326-328)

que caberá a quem alega demonstrar a veracidade dos fatos arguidos, incumbindo às partes o

ônus de produzir a prova dos fatos alegados, que não se trata, contudo, de obrigação –

passível de ser exigida pelo adversário – de produzir prova nos autos, mas caso a parte não

produza as provas necessárias, assume as consequências desta omissão.

Com isso, pode-se afirmar que o ônus da prova é ato facultativo da parte para

benefício próprio, com o objetivo de provar o alegado; todavia, não resulta em coerção, mas

destaca-se que se aquele a quem incumbia o ônus de provar não o fizer, assume as

consequências desfavoráveis da inobservância.

Frise-se que a expressão”ônus da prova” não se refere à obrigação ou dever de

provar algo nem mesmo a um direito de exigir a prova da outra parte. A produção de provas é

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critério de julgamento para o magistrado, ou seja, cabe à parte proceder conforme seu

interesse na produção das provas, buscando o convencimento do juiz.

Resta evidenciado, portanto, que o ônus probatório trata-se do procedimento

atribuído a parte para se alcançar a verdade dos fatos e buscar o convencimento do juiz quanto

ao direito que se pretende ver conhecido em juízo.

Segundo Leonardo Greco:

As regras de distribuição do ônus da prova têm duplo objetivo:

primeiramente, definir a qual das partes compete provar determinado fato, o

chamado ônus subjetivo; em seguida, no momento da sentença, servir de

diretriz no encadeamento lógico do julgamento das questões de fato, fazendo

o juízo pender em favor de uma ou de outra parte conforme tenham ou não

resultado provados os fatos que a cada uma delas interessam, o chamado

ônus objetivo. (COSTA, 2004, p. 405).

O Código de Processo Civil em seu art. 333 distribui o ônus da prova entre as partes

de modo que a cada uma incumbe o dever de provar os fatos dos quais decorram o direito

pleiteado no processo.

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo

do direito do autor.

Segundo Humberto Theodoro Junior (2011, p. 434-435), com essa distribuição do

ônus, quando o réu apenas negar o fato em que se baseia o direito do autor, caberá a este o

ônus probatório e, mesmo sem qualquer iniciativa probatória, o réu ganhará a causa se o autor

não comprovar a veracidade do fato constitutivo de seu direito.

Contudo, ainda afirma o doutrinador supracitado, caso o réu traga aos autos

alegações de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor, a regra se

inverte, pois este implicitamente admitiu o fato alegado pelo autor, que por ora tornou-se

incontroverso, estando tal controvérsia pautada no fato trazido pelo réu na contestação, razão

pela qual caberá a este o ônus de prová-lo.

Theodoro Junior adverte ainda sobre o conflito de versões sobre o fato constitutivo

do direito do autor, afirmando que simplesmente descrever o fato de modo diverso não torna o

ônus probatório dever do réu, de modo que cumpre transcrever seus ensinamentos acerca do

tema.

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Para ter-se o fato extintivo ou modificativo que, segundo o art. 333, II,

desloca o onus probandi para os réus, é necessário o confronto de dois fatos

sucessivos: o primeiro, alegado pelo autor, e o segundo, que parte da

aceitação do primeiro, mas coloca na defesa um evento superveniente, cujo

efeito anula ou altera as consequências jurídicas do fato incontroverso

apontado na petição inicial. Não é a multiplicidade de versões diferentes que

transfere, portanto, o ônus da prova do autor para o réu. É, isto sim, o

concurso de eventos sucessivos, ambos interferindo no direito do autor, um

para constituí-lo e outro para modificá-lo. No simples conflito de versões

para um só fato, o encargo de provar o fato constitutivo continua

inteiramente na responsabilidade do autor, mesmo que o réu nada prove a

respeito de sua versão. O importante é que o fato fundamental da causa de

pedir não foi aceito pelo réu e, portanto, terá necessariamente de ser

comprovado pelo autor, nos termos do art. 333, I. (2011, p. 435).

Assim, o ônus caberá ao réu sempre que este, aceitando o fato alegado na inicial,

traga em sua defesa causa que extinga, modifique ou impeça o direito do autor, do mais,

quando o réu negar o fato, não o aceitando, caberá ao autor comprovar suas alegações.

O art. 333 do Código de Processo Civil em seu parágrafo único dispõe: “É nula a

convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito

indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.

Dessa forma, prevê a legislação processual a possibilidade de inversão do ônus da

prova, desde que presentes os requisitos acima mencionados.

Ante essa possibilidade deverá o juiz inverter o ônus probatório, a fim de possibilitar

o acesso à justiça e, do mesmo modo, permitir que as provas necessárias ao deslinde do feito

sejam produzidas nos autos, quando se tratar de direito indisponível da parte ou quando as

condições da produção da prova impossibilitem a parte de fazê-lo.

Nesse sentido, encontramos na doutrina:

Convencendo-se, pelas circunstâncias do caso concreto, que as regras legais

de distribuição do ônus da prova tornarão excessivamente onerosa a prova da

existência do direito pela parte a quem aproveita, deverá o juiz, em respeito

às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa e,

particularmente, à igualdade concreta de que devem desfrutar as partes no

acesso à Justiça, inverter o ônus da prova, exigindo da parte que está em

condições mais favoráveis a prova do fato contrário, evidentemente, após

intimá-la da inversão e dar-lhe ampla oportunidade de desenvolver as

atividades necessárias ao cumprimento desse novo ônus. (COSTA, 2004, p.

406).

Sendo ainda facultado às partes diversamente acordar a respeito de uma distribuição

do ônus da prova, por meio de contrato, é permitida a convenção, excetuadas as situações em

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que se trate de direito indisponível ou, quando a convenção tornar excessivamente difícil a

uma parte o exercício do direito. (GONÇALVES, 2011, p. 416).

1.5 Meios de Prova

Os meios de prova são os instrumentos utilizados para comprovar em juízo a

alegação das partes, a fim de levar o magistrado à formação de seu convencimento para

prolação da decisão.

De acordo com o que leciona Ovídio Baptista (2006, p. 335), meios de prova são

“(...) os instrumentos utilizados pelas partes e pelo juiz para o estabelecimento dos fatos a

serem provados”.

Segundo Theodoro Júnior (2011, p. 439):

A convicção do juiz deve ser estabelecida segundo meios ou instrumentos

reconhecidos pelo direito como idôneos, isto é, conforme as provas

juridicamente admissíveis. Mas não é atributo apenas do Código de Processo

Civil a discriminação dos meios de prova. De acordo com o art. 332, ‘todos

os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não

especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em

que se funda a ação ou a defesa’.

O Código de Processo Civil não exaure os meios de prova admitidos, de modo que

existem outros meios não elencados no código, como por exemplo, a prova emprestada.

Destaca-se que tal abertura processual prioriza a justiça ideal, pautada na busca da verdade

real em detrimento do formalismo taxativo, contudo, há de se de ressaltar que não é aceito

qualquer meio de prova ilícita (THEODORO JÚNIOR, 2011, p.439-440).

Nesse sentido é o que dispõe o art. 332 do Código de Processo Civil: “Todos os

meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código,

são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda ação ou a defesa”.

1.5.1 Depoimento Pessoal

O depoimento pessoal é o meio de prova destinado à realização, pelo juiz, a

requerimento de uma das partes, do interrogatório da parte contrária no curso do processo e

tem por finalidade esclarecer os fatos controvertidos da causa e provocar a confissão da parte

interrogada. (GONÇALVES, 2011, p. 461-462).

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Consiste, assim, no testemunho prestado pela parte em juízo, com o objetivo de

esclarecer os fatos controvertidos e, ainda, provocar a confissão.

Arruda Alvim (2005, p. 468) leciona a respeito e assim define o instrumento de

prova do depoimento pessoal: “Depoimento pessoal decorre do ato de uma parte, em relação à

outra, que requer ao juiz para que esta, na instrução oral do processo, ou mais, precisamente,

na audiência de instrução e julgamento venha a depor”.

Frise-se que a ambas as partes aplica-se o depoimento pessoal, pois as partes

sujeitam-se igualmente a comparecer em juízo e responder ao que lhes for questionado pelo

magistrado, tal como prevê o art. 340, I, CPC.

Contudo, caso a parte seja intimada e não compareça em juízo ou, comparecendo,

recuse-se a depor, será aplicada a ela a pena de confissão e o juiz deverá considerar como

verdadeiros os fatos alegados pelo adversário em detrimento dos interesses da parte faltosa,

como nos ensina Theodoro Júnior (2011, p. 444).

1.5.2 Confissão

A confissão ocorre quando a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu

interesse e favorável ao adversário, como prevê o art. 348 do CPC, podendo ser judicial ou

extrajudicial. Trata-se de declaração em que o litigante admite total ou parcialmente fato

fundamental do direito almejado, alegado pela parte adversa, podendo ser provocada ou

espontânea e, tendo por fim, o reconhecimento do fato pela outra parte.

Para tanto, extraímos dos ensinamentos de Dinamarco (2009, p. 98) que a confissão

possui a natureza jurídica de uma declaração de conhecimento, e por essa razão assemelha-se

a meio de prova, apesar de não o ser na essência; atuando no campo dos fatos, em que se

afirma a veracidade daqueles já alegados pela parte contrária, visa informar o juiz acerca de

fatos que o declarante conheça.

Destaca-se, ainda, que a confissão exige capacidade da parte em fazê-la, tal como

nos adverte Giuseppe Chiovenda, cujo ensinamento cumpre transcrever:

(...) a eficácia da confissão se subordina a determinadas condições de

capacidade, pois deve partir de pessoa capazes (sic) de obrigar: a confissão

de tutores e de administradores não prejudica os administradores a não ser

quando se faça nos casos e modos pelos quais possam eles obrigar os

administrados mesmos. (2000, p. 119).

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Assim, a confissão será considera quando feita pelos litigantes capazes e, com o

ânimo de se obrigar, revelem verdade integral ou parcial acerca dos fatos alegados pela parte

contrária.

Conforme leciona Fredie Didier Jr.:

Não é qualquer fato que pode ser objeto de confissão. Para que a confissão

exista, é preciso que se trate de fato desfavorável ao confitente e favorável

ao adversário; além disso, é pressuposto da confissão que o fato seja próprio

e pessoal do confitente, e não de terceiro, quando então haveria testemunho e

não confissão. (DIDIER JR, p. 120).

A confissão ocorrerá em qualquer momento processual, normalmente em audiência

de instrução e julgamento, em que se coleta declarações orais das partes e, em regra,

consistirá no reconhecimento de um fato alegado pela outra parte. (THEODORO JUNIOR,

2011, p. 441).

1.5.3 Exibição de Documento ou Coisa

Exibição de documento ou coisa é o meio de prova que decorre do dever das partes e

de terceiros em colaborar com o judiciário – em atenção ao que mencionam os arts. 339 e 340

do Código de Processo Civil – em que o juiz poderá determinar a exibição de documento ou

coisa que esteja em poder da parte, como bem explana Arruda Alvim (2013, p. 602).

Humberto Theodoro Júnior assim destaca em sua doutrina:

O documento ou coisa a ser exibida terá, obviamente, que manter algum

nexo com a causa, para justificar o ônus imposto à parte ou ao terceiro

possuidor. Caso contrário, a exibição deverá ser denegada por falta de

interesse da parte em postulá-la. (2011, p. 451).

Desse modo, evidencia-se o dever das partes em colaborar com a justiça, exibindo a

coisa ou o documento requisitado, sendo elemento necessário o nexo causal entre o

documento ou coisa postulada e o direito que se pretende alcançar com a exibição, bem como

sua relevância para o fim a que se destina.

Mister salientar que o momento processual para exibição dar-se-á no curso do

processo, sempre que o juiz verificar a existência de documento ou coisa relevante para o

processo em poder da parte ou de terceiro e, ainda, como incidente da fase probatória e antes

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do ajuizamento da ação, como medida preparatória em ação cautelar (ARRUDA ALVIM,

2013, p. 605).

1.5.4. Prova Documental

Prova documental, para o direito brasileiro, não se limita apenas ao documento

escrito, mas a tudo que transmita diretamente um registro físico a respeito de um fato, como

por exemplo: fotos, recibos, contratos, desenhos, fita de vídeo, etc. (CÂMARA, 2013, p. 453).

Nas palavras de Arruda Alvim (2005, p. 423) “o documento não se destina tão

somente a fixar indelevelmente o pensamento, que é a sua utilização mais comum; mas sim, é

também destinado a fixar duradouramente um fato”.

De se destacar que a prova documental abrange os instrumentos e documentos,

públicos e privados e sua eficácia será diferente, como nos ensina Arruda Alvim (2013, p.

583):

Com efeito, prescreve o art. 364 que o documento público faz prova não

apenas de sua formação, mas dos fatos que o tabelião declarar que

aconteceram em sua presença. (...) Tal presunção de veracidade é juris

tantum, isto é, pode ser superada por prova em sentido contrário.

E continua lecionando:

Diferentemente, em se tratando de documento particular, desde que escrito e

assinado, as declarações dele constantes presumem-se verdadeiras em

relação ao signatário (art. 368, caput). Porém, estatui o parágrafo único desse

dispositivo, se o documento particular contiver declaração de ciência

relativamente a determinado fato, por seu intermédio não se prova o fato,

senão que apenas e tão somente a declaração que nele se contém. Ou seja, o

documento particular, nessas circunstâncias, não fará prova do fato, mas da

declaração feita pelo signatário, o que é ratificado pelo caput do art. 373.

(ALVIM, 2013, p. 584).

Assim, deve ser considerada a origem do documento para que dele se extraia a

veracidade e a responsabilidade do que nele está contido.

O momento processual adequado para as partes apresentarem as provas documentais

está previsto no art. 396 do CPC, assim, o autor na petição inicial e o réu na contestação.

Todavia, a legislação prevê a possibilidade de juntada de documentos novos a qualquer

tempo, desde que atendidos os requisitos do art. 397 do mesmo diploma legal, quais sejam,

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30

fatos ocorridos depois dos articulados ou, quando produzidos como contraprova a documentos

juntados pela parte contrária. (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 472-473).

1.5.5 Prova Testemunhal

A prova testemunhal é um dos meios de prova mais comuns e consiste na narração

dos fatos em juízo, por alguém que o tenha presenciado.

Cassio Scapinella assim dispõe sobre a prova testemunhal:

Trata-se do meio de prova pela qual as testemunhas (que são, perante o

processo, terceiros) relatam oralmente ao juiz as suas lembranças sobre os

fatos ocorridos à medida que sejam questionados a seu respeito. (2011, p.

318-319).

Não serão ouvidas testemunhas quanto a fatos que já estiverem provados por

documento ou confissão da parte e, ainda, quando, em razão de sua natureza, o fato só puder

ser provado por meio de documento ou perícia, conforme art. 400, do CPC. (GONÇALVES,

2011, p. 450-451).

Marcus Vinicius ainda destaca que a testemunha não poderá ter ligação ou interesse

no feito, definindo deste modo:

É a pessoa física estranha ao processo que tem conhecimento de fatos

relevantes e que comparece perante o juiz para prestar informações a

respeito deles. Somente a pessoa física pode testemunhar, sendo de rigor que

ela seja alheia ao processo. O interesse da testemunha tem de se limitar ao de

fornecer informações verdadeiras, colaborando com o juízo. (2011, p. 452).

1.5.6 Prova Pericial

A prova pericial é utilizada quando a comprovação dos fatos exigir conhecimentos

técnicos, para os quais se faça necessária análise especializada, quando as provas não

puderem ser analisadas sem a específica apreciação de profissional qualificado para tanto.

Ovídio Baptista leciona acerca da prova pericial e sua aplicabilidade no processo,

cabendo transcrever suas palavras:

A função de toda atividade probatória é fornecer ao julgador os elementos

por meio dos quais ele há de formar o seu convencimento a respeito dos

fatos controvertidos no processo. Este contato do juiz com os fatos da causa

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31

pode dar-se através das provas orais produzidas em audiência, quando o juiz

ouve as partes ou inquire as testemunhas, ou mediante o exame dos

documentos constantes dos autos, ou, ainda, quando se traz ao processo não

o documento, e sim as pessoas ou coisas de que se pretenda extrair

elementos de prova.

Outras vezes, porém, não é possível a remoção de coisas e sua juntada ao

processo. Assim, por exemplo, se for necessário examinar um imóvel, a

respeito do qual se controverte na causa, o juiz não terá outro caminho senão

deslocar-se pessoalmente até o lugar onde se situa o imóvel litigioso ou

encomendar o seu exame a terceiros.

Sempre, no entanto, que esta investigação sobre pessoas ou coisas, inclusive

documentos, exigir conhecimentos técnicos especiais da pessoa encarregada

de fazê-la, estaremos frente à necessidade de prova pericial. (2006, p. 365).

Assim, a prova pericial decorrerá da necessidade de se obter a comprovação de fato

relevante para o processo que não possa ser feito, ou pelo menos não a contento, pelos demais

meios de prova, e sempre que tal comprovação exigir conhecimentos técnicos específicos para

se provar a veracidade das alegações.

Desse modo, a prova pericial será admitida apenas quando os demais meios forem

insuficientes e, dependendo o deslinde do feito de análise técnica e específica que ultrapasse o

conhecimento esperado de pessoas comuns, sendo que o juiz indeferirá a produção de prova

pericial, nos termos do art. 420 do CPC quando: não existir necessidade de conhecimento

técnico; for a prova desnecessária ou, ainda, impraticável sua verificação. (GONÇALVES,

2011, p. 439-440).

1.5.7 Inspeção Judicial

Pode-se afirmar que é o meio de prova onde o próprio juiz comparece ao local para

verificar coisas ou pessoas relacionadas ao litígio, consiste na percepção sensorial e direta do

juiz da causa. (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 495).

O art. 440 do CPC faculta ao juiz, a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento da

parte, inspecionar pessoas ou coisas com o objetivo de esclarecer fatos que interessem à

decisão da causa.

Referido meio de prova ocorrerá quando o juiz entender necessário e, nas palavras de

Theodoro Júnior (2011, p. 496) “durante a inspeção, o juiz poderá ser assistido de um ou mais

peritos, se julgar conveniente (art. 441), os quais serão de sua exclusiva escolha, por se tratar,

a inspeção, de ato pessoal do magistrado”.

Às partes é assegurado o direito de assistir a inspeção, prestando esclarecimentos de

interesse para a causa.

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32

Ressalta-se, por fim, que a inspeção judicial difere da prova pericial, eis que aquela é

colhida pelo próprio juiz, mediante contato pessoal com coisas, pessoas ou lugares, dos quais

retirará suas impressões, avaliações e sensações para a formação de seu convencimento e esta

última será utilizada quando a análise probatória exigir conhecimento técnico específico.

1.5.8 Prova Emprestada

Prova emprestada é aquela produzida num processo e transladada para outro, no qual

se quer provar determinado fato. A prova emprestada pode referir-se a documentos,

testemunhas, perícia, ou qualquer outra prova.

Nas palavras de Moacyr Amaral Santos (1952, p. 293) apud Ovídio Baptista (2006,

p. 341): “a prova emprestada [é] aquela que, tendo sido já utilizada como prova em um

processo, é transposta, sob forma de prova documental, para um outro processo, de idêntica

ou diversa natureza”.

Frise-se que à prova emprestada é atribuído o mesmo valor original, desde que tenha

sido produzida em processo entre as mesmas partes, haja observado as formalidades legais,

quando colhida no processo anterior e tenha o mesmo fato. (SILVA, 2006, p. 342).

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33

CAPÍTULO 2 – DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

2.1. Previsão Constitucional do CDC

Inicialmente, devemos ressaltar que o consumo é prática intrínseca do cotidiano da

sociedade, de modo que ao longo dos anos e com a crescente busca pelo consumo, as relações

consumeristas passaram a requerer maior atenção.

Naturalmente, a evolução das relações de consumo possui grande reflexo nas

relações sociais, econômicas e jurídicas, de modo que a proteção do consumidor é nitidamente

reflexo das modificações nas relações de consumo ocorridas nos últimos tempos, com a

produção em massa, a maior publicidade e concorrência e a própria busca pessoal pela

aquisição de bens e serviços, seja pela necessidade, ou apenas o consumo pelo consumo.

(ALMEIDA, 2008, p. 1-4).

Assim, a Constituição Federal foi expressa em prever a proteção ao consumidor,

dada a relevância e influência social do tema, frente ao grande crescimento do mercado

consumerista e a relação cada vez mais intensa do consumidor com o mercado.

Com o advento da CF o direito do consumidor recebeu enfoque diferenciado, estando

previsto como direitos e garantias fundamentais indisponíveis, expressamente elencados no

artigo 5º da Constituição Federal, nesses termos:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade nos seguintes termos:

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor [...]

Com isso, verifica-se que a proteção do consumidor está alicerçada na Carta Magna

como dever do Estado em promover a defesa do consumidor e, para tanto, nas palavras de

Rizzatto Nunes (2013, p. 52) “[...] a figura do consumidor, em larga medida, equipara-se à do

cidadão, todos os princípios e normas constitucionais de salvaguarda dos direitos do cidadão

são também, simultaneamente, extensivos ao consumidor pessoa física.”

De se destacar a presença expressa quanto à defesa do consumidor em outros textos

constitucionais, como se observa dos dispositivos, a saber, art. 24, VIII; art. 150. § 5º; art. 175

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e parágrafo único, II e IV; art. 48, todos prevendo formas de defesa e proteção do consumidor

a ser estipulada pela legislação ordinária.

O art. 1º do Código de Defesa do Consumidor expressamente declara que a lei possui

natureza de ordem pública e interesse social, e deixa clara a previsão constitucional de defesa

do consumidor: “Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do

consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170,

inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Assim, evidenciada está a condição de direito fundamental atribuída à proteção do

consumidor pela legislação constitucional, bem como a relevância do tema na esfera não só

jurídica, como também econômica.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Estado o dever de proteger o consumidor,

como direito e garantia fundamental, dando à norma a proteção das cláusulas pétreas.

2.2. Conceito de Consumidor e Fornecedor

A própria lei nos traz o conceito de consumidor e fornecedor, em seus artigos 2º e 3º

respectivamente, como se vê:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Resta claro que consumidor pode ser tanto pessoa física quanto jurídica e, ainda,

equipara-se a consumidor a coletividade indeterminada de pessoas em uma relação de

consumo.

João Batista de Almeida (2008, p. 40-41), traz a definição de consumidor sob três

aspectos, que ora cumpre transcrever:

a) pessoa física ou jurídica, não importando os aspectos de renda e

capacidade financeira. Em princípio, toda e qualquer pessoa física ou

jurídica pode ser havida por consumidora. Por equiparação é incluída

também a coletividade, grupos de pessoas, por exemplo, a família

(determináveis), e os usuários dos serviços bancários (indetermináveis).[...]

b) que adquire (compra diretamente) ou que, mesmo não tendo adquirido,

utiliza (usa, em proveito próprio ou de outrem) produto ou serviço [...]

c) como destinatário final, ou seja, para uso próprio, provado, individual,

familiar ou doméstico, e até para terceiros, desde que o repasse não se dê por

revenda. Não se incluiu na definição legal, portanto, o intermediário, e

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aquele que compra com o objetivo de revender após montagem,

beneficiamento ou industrialização. A operação de consumo deve encerrar-

se no consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o bem ou serviço

adquirido, sem revenda. [...]

Ademais, é possível extrair da definição legal três elementos do conceito de

consumidor: o primeiro, subjetivo (pessoa física ou jurídica); o segundo objetivo (aquisição de

produtos ou serviços) e o terceiro teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição do

produto ou serviço) que advém da expressão destinatário final. (NERY JÚNIOR, 2000, p.

430 apud GARCIA, 2006, p. 6).

Contudo, a expressão destinatário final presente no texto legal atrai controvérsias, de

que amplamente se discute a doutrina, das quais teremos duas teorias objetivando definir o

consumidor considerado “destinatário final”, protegido pela Lei 8.078/90, a saber, teoria

finalista e teoria maximalista.

Para os que defendem a corrente finalista, o destinatário final é aquele que adquire o

produto ou serviço para uso pessoal ou de sua família. Tem por finalidade satisfazer uma

necessidade própria, sem repassar o objeto de consumo. Isto é, não dá continuidade à cadeia

de consumo e nem visa à distribuição de riquezas e, por essa razão, não engloba o consumidor

profissional que adquire o produto ou serviço visando o lucro. (MARQUES, 2003, p.132).

Em contraponto, os defensores da corrente maximalista afirmam que o consumidor

destinatário final é a pessoa física, jurídica ou o profissional que adquire produtos e/ou

serviços, independentemente se a sua aquisição será utilizada com fins lucrativos. O que é

levado em conta é o intuito de revenda ou comercialização do bem, e, em havendo, não será

considerado destinatário final. (MARQUES, 2003, p. 133).

No âmago de solucionar a divergência doutrinária, a jurisprudência do STJ adotou a

teoria finalista, contudo com algumas ressalvas, se verificada a vulnerabilidade do

consumidor que adquiriu o produto ou serviço, sem o objetivo de revenda; aplicam o que

chamam de teoria finalista mitigada, como se observa do seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO - AGRAVO - INDENIZAÇÃO - ATRASO NA

ENTREGA DE IMÓVEL - ARTIGOS 165, 458 E 535, DO CPC -

PREQUESTIONAMENTO - REEXAME DE PROVAS - APLICAÇÃO DO

CÓDIGO DO CONSUMIDOR - TEORIA FINALISTA MITIGADA. 1.-

Tendo o Tribunal de origem fundamentado o posicionamento adotado com

elementos suficientes à resolução da lide, não há que se falar em ofensa aos

artigos 165, 458 e 535, do CPC. 2.- Não examinada a matéria objeto do

Recurso Especial pela instância a quo, mesmo com a oposição dos Embargos

de Declaração, incide o enunciado 211 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça. 3.- A convicção a que chegou o Acórdão decorreu da análise do

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36

conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal

demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade

do Especial os enunciados 5 e 7 da Súmula desta Corte Superior. 4.- A

jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para

autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas

hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja

tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em

situação de vulnerabilidade. Precedentes. 5.- Agravo Regimental

improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 402817 RJ 2013/0330208-2, Relator:

Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/12/2013, T3 -

TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2014).

Com essa inclinação jurisprudencial, é possível dizer que as regras previstas no CDC

se aplicam às pessoas jurídicas ou aos profissionais liberais, desde que sejam destinatários

finais e evidenciem sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor.

De se destacar que o parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor,

equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, desde que

tenham intervindo nas relações de consumo. (FILOMENO, 2008, p. 28).

Do mesmo modo o art. 17 da Lei 8.078 estabelece que todas as pessoas vítimas de

evento danoso, decorrente do fato do produto ou serviço, equiparam-se a consumidor, ainda

que não tenham participado diretamente da aquisição dos produtos ou serviços. (FILOMENO,

2008, p. 28).

Outra forma de equiparação está prevista no art. 29, concedendo a todas as pessoas,

determináveis ou não, expostas às práticas comerciais de oferta, publicidade, práticas

abusivas, cobrança de dívidas, bancos de dados e cadastro de consumidores e a proteção

comercial à condição de consumidores por equiparação.

Sendo assim, consumidores não são somente aqueles que adquirem produtos

ou serviços como destinatários finais (art. 2º do CDC), mas, também,

aqueles que estão expostos às práticas previstas nestes capítulos como a

oferta, a publicidade, a cobrança de dívidas, a inserção de seus nomes em

banco de dados e cadastros e as abusividades contratuais. (GARCIA, 2006,

p. 94).

Já o art. 3º da Lei 8.078/90 traz a definição de fornecedor:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de

produtos ou prestação de serviços.

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37

Como se extrai do texto legal, fornecedor é todo aquele que exerce atividade

econômica, ofertando bens e serviços ao mercado de consumo. Compreendendo o produtor, o

fabricante, o importador, o exportador, o comerciante, o prestador de serviços, entre outros.

(FILOMENO, 2005, p. 34).

Nas palavras de Leonardo de Medeiros Garcia:

O código optou por dar uma máxima amplitude ao conceito de fornecedor,

mas somente contemplou aqueles que participam do fornecimento de

produtos e serviços no mercado de consumo de modo a satisfazer às

demandas dos consumidores no exercício habitual do comércio. Desse

modo, estariam excluídas da tutela consumerista os contratos firmados entre

dois consumidores não profissionais ou com o comerciante que não atue em

sua atividade-fim, por não fazê-lo com habitualidade, aplicando a estes, o

Código Civil. (2006, p. 14).

Com isso, temos que o conceito de fornecedor abrange todos aqueles que

desenvolvem uma atividade tipicamente profissional na produção ou prestação de serviços,

não sendo necessária uma relação direta com o consumidor, bastando ter participado do

fornecimento em algum momento.

Ante o exposto na norma legal temos que o conceito de fornecedor praticamente

esgotou as formas de atuação no mercado de consumo, e distancia-se da definição de

consumidor, pois se para este exige-se a condição de destinatário final, para caracterização da

figura do fornecedor basta o exercício profissional ou atividade principal, podendo ser o

fabricante originário, o intermediário ou o comerciante. (ALMEIDA, 2008, p. 45).

Por fim, com base no conceito presente no art. 3º, do Código de Defesa do

Consumidor, fornecedor pode ser tanto a pessoa física que exerça atividade mercantil ou civil

com habitualidade, dispondo bens ou serviços no mercado de consumo; quanto à jurídica,

nacional ou estrangeira, além da pessoa jurídica pública, desde que haja contraprestação direta

pelos consumidores; e ainda, entes despersonalizados que, apesar de não possuírem

personalidade jurídica, exerceram atividades produtivas de bens e serviços, como por

exemplo, a massa falida. (GARCIA, 2006, p. 15-17).

2.3. Caracterização da Relação de Consumo

Para a caracterização da relação de consumo precisa-se, de plano, estar presente a

figura do consumidor, e como bem expõe João Batista de Almeida (2008, p. 1) “[...] todos nós

somos consumidores”, mas para a caracterização da relação de consumo é preciso ainda a

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presença de mais dois elementos, quais sejam, a figura do fornecedor e a vulnerabilidade da

parte consumidora.

Almeida (2008, p. 2-3) afirma ainda que as relações de consumo são bilaterais,

estando de um lado o fornecedor e de outro o consumidor, e são ainda dinâmicas, pois

perpassam a própria existência humana, nascem, crescem e evoluem acompanhando o

momento histórico e social em que estão inseridas.

Segundo Filomeno (2005, p. 22):

[...] relações de consumo nada mais são do que relações jurídicas por

excelência, mas que devem ser obtemperadas precisamente pela situação de

manifesta inferioridade frente ao fornecedor de bens e serviços. Conclui-se,

pois, que toda relação de consumo:

1. envolve basicamente duas partes bem definidas de um lado o adquirente

de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou

vendedor de um serviço ou produto (produtor/fornecedor);

2. destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor;

3. o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de

bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados,

arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles

mesmos bens e serviços.

Como evidenciado, para que se caracterize a relação de consumo faz-se necessária a

presença do consumidor de um lado e do fornecedor de outro, bem como que a relação

jurídica tenha o condão próprio do consumo, ou seja, tenha como fim a aquisição de um

produto ou serviço.

Outrossim, Leonardo de Medeiros Garcia (2006, p. 22) destaca que “o

reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, [...] se deve

fazer presente para que o consumidor possa ser tutelado pelo CDC”.

Ademais, como bem asseverou Filomeno em sua definição, a relação de consumo

nasce da necessidade de possuir um produto ou serviço do qual o consumidor não detém o

controle da produção, de modo que necessariamente submete-se ao poder e condições

oferecidos pelo fornecedor, parte que detém o poder e conhecimento na produção e/ou

prestação de serviços.

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39

CAPÍTULO 3 – DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

3.1 Considerações Gerais

O Código de Defesa do Consumidor tem por objetivo diminuir a desigualdade

existente nas relações de consumo, sendo um desafio para o Direito moderno promover a

efetiva proteção ao consumidor.

Visando propiciar o acesso à justiça, bem como a proteção do consumidor em juízo,

o art. 6º da Lei 8.078/90, em seu inciso VIII, “[autoriza] o magistrado a inverter o ônus da

prova em benefício do consumidor, em duas hipóteses: quando for verossímil sua alegação ou

quando ele for hipossuficiente”. (MARQUES, 2008, p. 63).

Nesse sentido, esclarece Cavalieri Filho (2011, p. 106) que a finalidade do

dispositivo está pautada em facilitar a defesa do consumidor, especificamente no campo da

instrução probatória, ante sua vulnerabilidade, tendo o legislador priorizado a busca da

verdade real e a solução justa da lide.

Segundo Theodoro Júnior:

[...] o consumidor é a parte fraca no mercado de consumo, a lei inclui entre

as medidas protetivas que lhe são proporcionadas a da possibilidade de

inversão do ônus da prova. Mas, o inciso VIII do art. 6º, do CDC, autoriza

essa providência apenas quando o juiz venha a constatar a verossimilhança

da alegação do consumidor, ou sai hipossuficiência, ‘segundo as regras

ordinárias de experiência’. (2008, p. 178).

Desse modo, evidencia-se o objetivo do dispositivo em resguardar os diretos do

consumidor e, possibilitar a este o pleno acesso à justiça, com a garantia do equilíbrio na

relação de consumo, frente à patente vulnerabilidade em que se acha o consumidor.

Rizzato Nunes leciona que “à questão das provas no processo civil, o CDC é o ponto

de partida, aplicando-se a seguir, de forma complementar, as regras do Código de Processo

Civil (arts. 332 a 443)”.

Com isso, adverte que o CDC, sendo sistema autônomo e próprio, deve ser aplicado

quando configurada a relação de consumo, sendo a aplicação do Código de Processo Civil

apenas subsidiária. Nesse sentido, cabe transcrever a seguinte observação:

[...] a produção de provas em casos que envolvam as relações de cosumo

[requer] compreender toda a principiologia da Lei n. 8.078, que pressupõe,

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entre outros princípios e normas, a vulnerabilidade do consumidor, sua

hipossuficiência (especialmente em técnica de informação, mas também

econômica [...]), o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de

natureza objetiva etc. (NUNES, 2009, p. 150).

Faz-se mister consignar que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor

pelo juiz dependerá da verificação dos requisitos de hipossuficiência do consumidor ou

verossimilhança de suas alegações.

3.2. A Vulnerabilidade do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor tem por base a defesa e proteção do

consumidor, ante sua patente vulnerabilidade, de modo a possibilitar sua efetiva proteção

contra os danos causados pelos fornecedores, tendo em vista a posição de inferioridade em

que se encontra frente ao poder econômico do fornecedor. Para tanto, cumpre transcrever a

definição dada por Almeida (2008, p. 24):

É facilmente reconhecível que o consumidor é a parte mais fraca na relação

de consumo. A começar pela própria definição de que consumidores são ‘os

que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte,

devem se submeter ao poder dos titulares destes’. Para satisfazer suas

necessidades de consumo, é inevitável que ele compareça ao mercado e,

nessas ocasiões, submeta-se às condições que lhe são impostas pela outra

parte, o fornecedor.

Com isso, evidencia-se que o consumidor se sujeita às condições estabelecidas pelos

fornecedores ante sua impossibilidade de obter os produtos de que necessita e, assim, ao

procurar o mercado para obtenção de um produto ou prestação de serviço, submete-se às

condições oferecidas pelo fornecedor.

Observando essa realidade fática, vislumbrando a necessidade de se criar normas

para a proteção do consumidor, a legislação consumerista reconheceu em seu art. 4º, inciso I,

que as relações de consumo tomassem por base o princípio da vulnerabilidade do consumidor

no mercado de consumo.

Nesse aspecto, há de se ressaltar que a vulnerabilidade do consumidor é absoluta e

decorre da própria lei, não sendo necessária prova de sua existência, como ensina Braga

Netto, cujos apontamentos faz-se mister mencionar:

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A vulnerabilidade do consumidor fundamenta o sistema de consumo. É em

razão dela que foi editado o CDC, que busca fazer retornar o equilíbrio a

essa relação frequentemente desigual entre consumidor e fornecedor.

[...]

a presunção de vulnerabilidade do consumidor é absoluta. Todo consumidor

é vulnerável, por conceito legal. A vulnerabilidade não depende da condição

econômica, ou de quaisquer contextos outros.

[...]

Embora a vulnerabilidade seja absoluta (todo consumidor é vulnerável,

segundo presunção legal), é possível analisar a existência ou não de

vulnerabilidade para fins de determinar a aplicação do CDC. Ou seja,

ausente a vulnerabilidade, pode ser que estejamos diante de uma relação

empresarial, e não diante de uma relação de consumo. É a análise da

vulnerabilidade que permite superar [...] a distinção entre as teorias

maximalista e minimalista, protegendo os mais fracos naquelas relações

desprovidas de paridade, buscando estabelecer o equilíbrio material entre as

prestações. (2013, p. 51-53).

Com isso, temos que a vulnerabilidade é imprescindível para a aplicação do CDC e,

consequentemente, para a inversão do ônus da prova no processo, pois apenas quando estiver

caracterizada a relação de consumo é que tal instituto poderá ser aplicado e a própria lei

considera o consumidor vulnerável.

Para tanto, é preciso ressaltar o que menciona o autor, a máxima de que todo o

consumidor é vulnerável, sendo que ausente a vulnerabilidade, não se tratará de aplicação da

legislação consumerista.

Segundo Cláudia Lima Marques:

Vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou

coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a

relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do

sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção.

[...]

Em resumo, existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica, a

fática. E um quarto tipo de vulnerabilidade básica ou intrínseca do

consumidor, a informacional. (2009, p. 73).

A autora destaca a real e concreta vulnerabilidade do consumidor em relação ao

fornecedor, já prevista como princípio basilar do CDC, podendo ser entendida em seu aspecto

técnico, jurídico (científico) ou fático (socioeconômico).

A vulnerabilidade técnica está ligada aos meios de produção, dos quais o fornecedor

detém o monopólio do conhecimento, estando o consumidor submetido àquilo que é

produzido, pois além de possuir as noções técnicas e a capacidade administrativa para a

fabricação e distribuição dos produtos e serviços, é ele quem escolhe o que será produzido e

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em quais condições, cabendo ao consumidor apenas a adesão à técnica já exercida pelo

fornecedor. (RIZZATTO NUNES, 2013, p. 178-179).

Quanto à vulnerabilidade jurídica ou científica, temos que o consumidor é vulnerável

pela falta de conhecimentos jurídicos específicos, sendo que se trata de vulnerabilidade

presumida, como nos ensina Claudia Lima Marques (2009, p. 74), para o consumidor não-

profissional e para o consumidor pessoa física, pois para os profissionais e as pessoas

jurídicas espera-se que possuam conhecimentos mínimos de ordem jurídica e econômica ou

que tenham acesso a profissionais especializados para suprir eventual carência técnica, de

modo que para eles, há presunção em contrário, afastando-se a vulnerabilidade presumida.

Já a vulnerabilidade fática ou econômica é aquela apresentada frente ao fornecedor,

“[...] seja em decorrência do grande poderio econômico deste último, seja pela sua posição de

monopólio, ou em razão da essencialidade do serviço que presta, impondo, numa relação

contratual, uma posição de superioridade” (GARCIA, 2006, p. 9).

Assim, o princípio da vulnerabilidade do consumidor é basilar e visa propiciar maior

igualdade entre as partes, equilibrando a relação de consumo estabelecida para que os

consumidores tenham não só acesso à justiça, mas possam discutir seus direitos em pé de

igualdade com os fornecedores.

Contudo, vale salientar que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor

visa garantir a efetividade do acesso à justiça e à prestação da tutela jurisdicional, mas não

pode, em nenhuma hipótese, gerar um novo desequilíbrio na relação entre as partes. Acarretará,

assim, ao fornecedor, um encargo demasiado ou que não possa ser executado, sob a pena de, ao invés

de equilibrar a relação jurídica, desencadear um desequilíbrio de ordem socioeconômica.

(THEODORO JÚNIOR, 2008, p.181).

3.3. Requisitos para a Inversão do Ônus da Prova

Inicialmente, faz-se necessário explicar que a inversão do ônus da prova não é, em

regra, aplicada de ofício no processo, mas, deve antes, preencher os requisitos exigidos pelo

art. 6º, VIII, do CDC, que dispõe:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do

ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for

verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras

ordinárias de experiências;

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43

Da leitura do dispositivo legal é possível extrair que a inversão do ônus não é

compulsória, dependendo de dois requisitos alternativos, quais sejam: a verossimilhança e a

hipossuficiência. Ademais, para a concessão do instituto da inversão serão aplicados os

critérios de experiência do juiz, que analisará o preenchimento de um dos requisitos e, se

presente, concederá a inversão.

Quanto ao critério do juiz, cumpre transcrever as ponderações de Rizzatto Nunes a

respeito:

[...] em matéria de produção de prova o legislador, ao dispor que é direito

básico do consumidor a inversão do ônus da prova, o fez para que, no

processo civil, concretamente instaurado, o juiz observasse a regra.

E a observância de tal regra ficou destinada à decisão do juiz, segundo seu

critério e sempre que se verificasse a verossimilhança das alegações do

consumidor ou sua hipossuficiência. (2013, p. 852).

Assim, temos que a inversão será concedida quando verificada a hipossuficiência do

consumidor ou a verossimilhança de suas alegações, frise-se que os requisitos são

alternativos, bastando constatação de um deles para concessão da inversão e considerado

ainda o critério do magistrado.

Neste aspecto, importante salientar que o critério do juiz não é algo subjetivo e nem

deve ser assim entendido, pois tal expressão não deve ser assumida como discricionariedade

dada ao magistrado, mas sim, possibilidade deste, em análise do caso concreto, fornecer

meios ao consumidor de provar seu direito em juízo.

Ainda em conformidade com as ponderações de Rizzatto Nunes, o juiz age dentro da

legalidade, sempre fundamentando suas decisões nos ditames da lei e bases objetivas, sendo

que a legislação processual concede flexibilidade na decisão, o que não deve ser confundida

com contrariedade à própria lei.

E destaca que verificada a presença de qualquer dos requisitos, seja hipossuficiência

ou verossimilhança, deverá o juiz conceder a inversão, logo, está vinculado aos requisitos e

obrigatoriamente determinará a inversão se um deles se fizer presente. (2013, p. 852-853).

No mesmo sentido é o que assevera a jurisprudência, corroborando que a inversão do

ônus probatório requer o preenchimento dos requisitos legais, como se vê:

AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO -

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - REVISÃO - CDC - INVERSÃO DO

ÔNUS DA PROVA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Aplica-se o

Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados entre pessoa física

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44

e instituição financeira, todavia, tal fato não induz na inversão automática do

ônus da prova. O escopo do CDC, quando autoriza, em certas situações, a

facilitação da defesa dos interesses do consumidor, em Juízo, foi justamente

o de eliminar, ou pelo menos, minorar, a desigualdade processual. Não

estando presentes os requisitos indicados no referido Diploma Legal e não

havendo dificuldade para o consumidor comprovar suas alegações, não há

como se deferir a inversão do ônus da prova. (TJ-MG - AC:

10707120040944001 MG , Relator: Pereira da Silva, Data de Julgamento:

03/12/2013, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

19/12/2013)

3.3.1. Verossimilhança das Alegações

Dos requisitos exigidos pelo art. 6º, VIII, do CDC o primeiro é a verossimilhança das

alegações do consumidor, que deve ser entendida como “aquela que tem aparência de ser

verdadeira, independentemente de ser corroborada por elementos probatórios. A etimologia

da palavra verossímil significa semelhante à verdade, isto é, que parece verdadeiro.”

(WAMBIER, 2008, p. 16).

Theodoro Júnior define o requisto:

A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material probatório

de feito indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser

provavelmente verdadeira a versão do consumidor. Diz o CDC que esse

juízo de verossimilhança haverá de ser feito ‘segundo as regras ordinárias da

experiência’ (art. 6º, VIII). Deve o raciocínio, portanto, partir de dados

concretos que, como indícios, autorizem ser muito provável a veracidade da

versão do consumidor. (2008, p. 179-180).

Desse modo, o requisito da verossimilhança funda-se em alegação crível do

consumidor, de modo que seja não só possível, mas provável, que os fatos tenham ocorrido,

havendo uma narração coerente, da qual decorram naturalmente os fatos, podendo o juiz

dispensar as provas constitutivas do direito do consumidor e exigir que o fornecedor prove

fato modificativo, extintivo ou impeditivo ou ainda, a inexistência do fato alegado e

consequentemente do direito.

O magistrado, segundo as regras ordinárias de experiência, verificará a probabilidade

de serem verdadeiros os fatos, embasando-se em dados concretos, documentos que instruam a

inicial e a sua própria elaboração e, em vislumbrando tal hipótese, determinará a inversão.

Nas palavras de Rizzatto Nunes:

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45

É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele

momento da leitura, desde logo, possa-se aferir forte conteúdo persuasivo. E,

já que se trata de medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para

verificar o grau de verossimilhança na relação com os elementos trazidos

pela contestação. E é essa a teleologia da norma, uma vez que o final da

proposição a reforça, ao estabelecer que a base são ‘as regras ordinárias de

experiência’. Ou, em outros termos, terá o magistrado de se servir dos

elementos apresentados na composição do que usualmente é aceito como

verossímil. (2009, p.152).

Para Rizzatto Nunes, por ser a inversão do ônus da prova medida drástica, ainda que

embasada no princípio constitucional da isonomia, deve o juiz aguardar a contestação, para

que comparando as peças processuais, possa verificar o grau de verossimilhança das

alegações.

Como leciona Braga Netto (2013, p. 439-440) a inversão não é automática, mas

depende de análise do juiz no caso concreto, em que verificará as circunstâncias apresentadas,

no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor.

Desse modo, tem-se que a verossimilhança das alegações se trata do convencimento

do juiz, de acordo com os fatos narrados na exordial e, sopesado com as regras ordinárias de

experiência comum.

Portanto, a verossimilhança não requer a certeza da verdade, mas sim uma aparência

desta, pautada em argumentos críveis nas alegações do autor, que serão analisados sob a ótica

de experiência do juiz, bem como contrapostas à contestação, para que assim seja possível

decretar a inversão.

3.3.2 Hipossuficiência do Consumidor

O segundo requisito exigido pelo art. 6º, VIII, do CDC é a hipossuficiência, sendo

esta a fragilidade processual do consumidor na produção de prova, de modo que a exigência da

produção por parte do consumidor traria a este grande dificuldade, acarretando, inclusive, a

impossibilidade de fazê-lo; contudo, o mesmo não se aplicaria ao fornecedor, que

presumidamente detém maiores condições de fornecer o conteúdo necessário das provas.

Inicialmente, para uma correta análise da hipossuficiência faz-se mister diferenciá-la da

vulnerabilidade e, para tanto, cumpre expor os ensinamentos de Rizzatto Nunes:

A vulnerabilidade, como vimos, é conceito que afirma a fragilidade

econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins

da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de

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desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas

propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição,

dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o

acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. [...] [assim], a

inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua

hipossuficiência (técnica e de informação) (2013, p. 854-855).

Concernente a esta diferenciação Braga Netto assim doutrina:

A hipossuficiência deve ser aferida pelo juiz no caso concreto e, se existente,

poderá fundamentar a inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII). [...] Já

a vulnerabilidade do consumidor é absoluta. Todo consumidor é vulnerável,

por conceito legal. A vulnerabilidade não depende da condição econômica,

ou de quaisquer contextos outros. (2013, p. 440-441).

Como visto, a hipossuficiência não está relacionada tão somente à pobreza (na

acepção jurídica do termo), ou seja, à fragilidade econômica do consumidor, mas inclui a

fragilidade técnica, desconhecimento específico do consumidor quanto ao produto ou serviço,

de modo que a produção de provas em juízo dificultaria ou impossibilitaria o acesso à justiça.

Quanto ao tema explicitado, Rogério Licastro Torres de Mello escreve:

[...] a inversão do ônus probatório nas ações de consumo é algo mais amplo

do que a simples incapacidade econômica do consumidor, posto ser

importante quesito para a reversão do ônus da prova também a chamada

‘hipossuficiência técnica’ do consumidor, vale dizer, busca-se neutralizar a

acachapante primazia do fornecedor perante o consumidor no que é

respeitante ao domínio das informações sobre o bem de consumo debatido,

com o intuito de colocar em equilíbrio processual instrutório as partes da

demanda consumerista (2008, p. 315).

Como bem destaca o autor, a hipossuficiência do consumidor opera-se pelo

reconhecimento da fragilidade deste em relação ao fornecedor, com o escopo de promover o

equilíbrio processual.

O citado autor ainda menciona:

Nota-se, portanto, que a situação de hipossuficiência referida no Código de

Defesa do Consumidor como fator de inversão do ônus da prova não advém

apenas da aferição da capacidade econômica dos agentes da relação de

consumo. A hipossuficiência elencada no art. 6º do CDC compõe-se pela

fragilidade do consumidor perante o fornecedor referentemente ao grau de

domínio informativo do objeto do litígio, a saber, o bem de consumo, além

da própria dificuldade de arcar com os custos inerentes à produção da prova.

(MELLO, 2008, p. 316).

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A condição de hipossuficiência, por conseguinte, será analisada no contexto da

relação de consumo, em aferição no caso concreto, na busca de romper com o desequilíbrio

processual entre as partes, de modo a possibilitar o consumidor de comprovar o fato

constitutivo de seu direito.

Por fim, faz-se mister destacar que o instituto da inversão do ônus tratado no art. 6º,

VIII, do Código de Defesa do Consumidor deixa evidenciado que a constatação da

verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor obrigam o juiz a inverter

o ônus da prova.

Assim, é cediço que basta o reconhecimento de um dos requistos para que o juiz

defira a inversão do ônus da prova, como esclarece Rizzatto Nunes: “[...] a decisão [será

pautada] em duas alternativas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. Presente

uma das duas, está o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova”.

3.4. Aplicação Automática nos Casos de Publicidade Enganosa

O instituto da inversão do ônus da prova está também previsto no art. 38 do Código

de Defesa do Consumidor, dispondo que: “O ônus da prova da veracidade e correção da

informação ou comunicação publicitária cabe a quem os patrocina”.

João Batista de Almeida explica a inversão prevista no supramencionado artigo

nesses termos:

Reina, nessa matéria, por expressa previsão legal, o princípio da inversão do

ônus da prova (art. 38). É evidente a dificuldade que teria o consumidor de

provar o desvio da publicidade e provar tecnicamente ser enganosa ou

abusiva, embora possa indicar elementos para tal. Por isso mesmo, o

legislador consignou a regra de que o ônus da prova da veracidade e

correção da informação ou comunicação publicitária incumbe a quem as

patrocina, ou seja, ao fornecedor interessado na sua veiculação. (2008, p.

124).

Defende o autor que, no âmbito da publicidade, a dificuldade do consumidor em

comprovar o abuso ou intuito enganoso é evidente, de modo que entendeu por bem o

legislador atribuir ao fornecedor o ônus da prova quanto às alegações de publicidade enganosa

ou abusiva, pois este é o interessado na veiculação e assume o risco e as condições da mesma.

Rizzatto Nunes discute o assunto, explicitando que no caso da publicidade enganosa

não há que se falar em discricionariedade do juiz, como ocorre nos demais casos de aplicação

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do art. 6ª, VIII, do CDC, mas afirma se tratar de aplicação obrigatória, por expressa previsão

legal e, para tanto, transcrevemos suas palavras:

Em matéria de publicidade, não se aplica aquela regra [contida no inciso

VIII do art. 6º do CDC]: o ônus da prova da veracidade e correção da

informação e/ou comunicação publicitária é do fornecedor-anunciante,

conforme expressa disposição do art. 38 do CDC [...] Não há o que discutir.

Em qualquer disputa na qual se ponha em dúvida ou se alegue enganosidade

ou abusividade do anúncio, caberá ao anunciante o ônus de provar o inverso,

sob pena de dar validade ao outro argumento. (NUNES, 2013, p. 591).

Assim, mesmo diante dos diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, é

possível concluir que no caso não se trata de inversão do ônus da prova, mas regra de

distribuição do ônus já expressamente disposta em lei, independente da discricionariedade e

análise do magistrado.

Nessa linha de raciocínio encontramos decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal:

AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE

CIVIL. DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DO

CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO E DA ANÁLISE DE

LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 279 DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OFENSA CONSTITUCIONAL

INDIRETA.RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.Relatório 1.

Agravo nos autos principais contra decisão de inadmissão de recurso

extraordinário, interposto com base na alínea a do inc. III do art. 102 da

Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça

de Rio de Janeiro: Consumidor. Responsabilidade Civil. Publicidade

divulgada pela parte ré que não guarda clareza e nem precisão quanto ao

serviço ofertado. Preliminar de legitimidade passiva afastada. Curso de

Educação Física que não confere o diploma de bacharelado. Publicidade

enganosa por omissão (artigo 37, § 3º, do CDC). Violação dos deveres

anexos de transparência e lealdade. Dano moral configurado. O valor

indenizatório fixado pelo julgador não merece revisão, porque convergente

com os parâmetros usualmente adotados por esta Vigésima Câmara cível, em

casos como o dos autos. Sentença mantida. Recursos desprovidos.” 2. A

Agravante afirma que o Tribunal de origem teria contrariado os arts. 5º, inc.

II, X, XIII e XXXII, 93, inc. IX, 206, inc, VII, 207 e 209, inc. I, da

Constituição da República. Argumenta que, em momento algum se

desincumbiu de cumprir com as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

inclusive tal feito foi devidamente reconhecido pelo Recorrido, uma vez

que., seu pleito exordial em momento algum ataca a estrutura curricular ou

método pedagógico do curso, consagrando a inexistência de defeito no

serviço prestado.” 3. O recurso extraordinário foi inadmitido sob o

fundamento de que a contrariedade à Constituição, se tivesse ocorrido, seria

indireta. Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 4. Razão

jurídica não assiste à Agravante. 5. A alegação de nulidade do acórdão por

contrariedade ao inc. IX do art. 93 da Constituição da República não

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49

subsiste, pois, embora em sentido contrário à pretensão da Agravante, o

acórdão recorrido apresentou suficiente fundamentação. Firmou-se na

jurisprudência deste Supremo Tribunal: O que a Constituição exige, no art.

93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a

fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da

lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não,

mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência

constitucional” (RE 140.370, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence,

Primeira Turma, DJ 21.5.1993). 6. No voto condutor do acórdão recorrido, o

Desembargador Marco Antonio Ibrahim afirmou: Assim, o painel probatório

produzido nos autos aponta que a parte ré faltou com os deveres anexos de

transparência e lealdade, que devem permear toda relação de consumo, já

que ao término do curso a parte ré expediu certidão e diploma, qualificando

o curso como sendo de Licenciatura Plena em Educação Física (fls. 31/32),

que tem campo de atuação restrita às escolas de ensino médio e fundamental.

Ademais, o artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor alude que o

ônus da prova, em hipóteses de propaganda enganosa, cabe a quem os

patrocina, sendo a inversão obrigatória, ou seja, ope legis, decorrente da

lei, independentemente de prévia declaração judicial, diferentemente

daquela regida pelo artigo 6º, VIII, do mesmo diploma, que é ope

judicis.” 7. Novo exame da decisão impugnada exigiria a análise prévia da

legislação infraconstitucional aplicada à espécie (Código de Defesa do

Consumidor) e do conjunto fático-probatório do processo. Assim, a alegada

contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta,

o que não viabiliza o processamento do recurso extraordinário. Incide na

espécie a Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal: AGRAVO

REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1.

REEXAME DE PROVAS: SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL. 2. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL: OFENSA

CONSTITUCIONAL INDIRETA. 3. AGRAVO REGIMENTAL AO

QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (ARE 721.162-AgR, de minha relatoria,

Segunda Turma, DJe 1º.2.2013).AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO

DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO

POR DANOS MORAIS. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.

IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AGRAVO

REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (AI 679.343-AgR,

Relator o Ministro Teori Zavacki, Segunda Turma, DJe 1º.2.2013). Nada há

a prover quanto às alegações da Agravante. 8. Pelo exposto, nego

seguimento a este agravo (art. 544, § 4º, inc. II, alínea a, do Código de

Processo Civil, e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal). Publique-se. Brasília, 21 de fevereiro de 2014.Ministra CÁRMEN

LÚCIA Relatora (STF - ARE: 796090 RJ , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA,

Data de Julgamento: 21/02/2014, Data de Publicação: DJe-040 DIVULG

25/02/2014 PUBLIC 26/02/2014). (grifo nosso)

3.5. A Inversão do Ônus da Prova em Face dos Profissionais Liberais

O Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva do

fornecedor quanto à atividade econômica, pelo risco do negócio, mas há que se considerar a

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exceção prevista no art. 14, § 4º o qual trata dos profissionais liberais, disciplinando que a

estes será aplicada a responsabilidade subjetiva, verificada pela modalidade de culpa (em

sentido lacto sensu): “Art. 14 [...] § 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais

será apurada mediante a verificação de culpa”.

Quanto ao tema tratado, Rizzatto Nunes (2013, p. 414) aduz que “a prova do dano,

do nexo de causalidade entre o dano e serviço, com a indicação do profissional responsável

[bem como] a culpa do profissional liberal, prestador do serviço” incumbe ao consumidor.

Todavia, pode, também, neste caso, o consumidor gozar dos benefícios da inversão do ônus

da prova, instituída no inciso VIII, do art. 6º, do CDC.

Caso o profissional liberal tenha assumido obrigação de meio, o entendimento

dominante é de que se opere a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, analisados

os requisitos legais – e desde que presente um deles, a saber, hipossuficiência do consumidor

ou verossimilhança das alegações – com o escopo de atrair igualdade entre as partes,

equilibrando a relação de consumo. Caberá ao profissional provar que não agiu com qualquer

modalidade de culpa – negligência, imprudência ou imperícia – ou mesmo dolo.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIÃO-DENTISTA. INVERSÃO

DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS

LIBERAIS. 1. No sistema do Código de Defesa do Consumidor a

"responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada

mediante a verificação de culpa" (art. 14, § 4º). 2. A chamada inversão

do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto

da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando

subordinada ao "critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou

quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências" (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a

inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstância concretas que

serão apuradas pelo juiz no contexto da "facilitação da defesa" dos

direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não

foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3. Recurso especial

não conhecido. (STJ - REsp: 122505 SP 1997/0016340-7, Relator: Ministro

CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Data de Julgamento:

04/06/1998, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.08.1998

p. 71 RSTJ vol. 115 p. 271). (grifo nosso)

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO

ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.

INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA,

OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE

PROVAS. INADMISSIBILIDADE. 1. As obrigações contratuais dos

profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como "de meio",

sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica

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51

necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há

hipóteses em que o compromisso é com o "resultado", tornando-se

necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar

cumprido o contrato. 2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os

ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em

regra,comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos

tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com

previsibilidade. 3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento

não ter obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à

autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados".Com

efeito, em sendo obrigação "de resultado", tendo a autora demonstrado não

ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional,

com a consequente inversão do ônus da prova,cabendo ao réu demonstrar

que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o

insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da autora. 4. A par disso,

as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de

obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de

emprego da técnica adequada", impondo igualmente a sua responsabilidade.

5. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1238746 MS 2010/0046894-

5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento:

18/10/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/11/2011)

Como se verifica do entendimento do STJ, a inversão do ônus probatório em face dos

profissionais liberais exige análise dos requisitos legais e visa ao equilíbrio da relação de

consumo, mas requer verificação de culpa por parte do profissional; se inexistente, o ônus não

será invertido.

3.6. Momento Processual da Decretação da Inversão do Ônus da Prova

O Código de Defesa do Consumidor é omisso quanto ao momento processual da

decretação da inversão do ônus da prova, de modo que a questão vem sendo amplamente

discutida pela doutrina e jurisprudência, sendo destacados três momentos para a decretação,

quais sejam: no despacho inicial; no saneamento; na sentença.

Parte minoritária da doutrina entende ser no despacho inicial o momento para a

aplicação da inversão do ônus da prova, de modo que o juiz daria às partes a ciência de seu

ônus probatório desde o início do processo.

De acordo com Theodoro Júnior (2008, p. 186) não há o que justifique determinar a

inversão do ônus da prova no despacho inicial, pois para ele “[...] antes da contestação, nem

mesmo se sabe quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova.”

Desse modo, o autor assevera que faltam elementos para a inversão do ônus, tornando

prematura a inversão se proferida logo no despacho inicial.

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52

Há ainda quem entenda ser na sentença o momento utilizado pelo magistrado

para decretação da inversão do ônus, defendendo se tratar de regra de julgamento e, por essa

razão, exigindo do fornecedor máxima diligência na defesa processual.

Nesse sentido é o que assevera Cíntia Rosa Pereira de Lima (2003, online):

[...] o momento para a inversão do ônus da prova é o momento de

julgamento da lide por ser uma regra técnica do juízo para evitar o non

liquet. E o fornecedor terá de ser diligente se quiser o benefício da

improcedência do pedido do consumidor. Aliás, se as alegações do

consumidor não procedem, o fornecedor terá meios suficientes para ilidi-las.

Para a autora, deve o juiz utilizar-se da sentença quando da decretação da inversão do

ônus, incumbindo ao fornecedor a diligência necessária para que tenha êxito na demanda, em

detrimento do consumidor, afirmando que se as alegações deste forem infundadas, terá o

fornecedor plenas condições de afastá-las.

Dentre os que defendem tal corrente, encontramos os autores do anteprojeto do

Código de Defesa do Consumidor, alegando ser inversão do ônus probatório regra técnica a

ser aplicada ao sentenciar, aludindo que qualquer manifestação do magistrado acerca do ônus

da prova em momento anterior à sentença, poderia ocasionar o pré-julgamento, parcial e

prematuro.

Assim, para Ada Pelegrini Grinover:

Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova,

mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições anteriores: é o do

julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são

regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de

fato, a respeito da solução a ser dada à causa. Constituem, por igual, uma

indicação às partes quanto à sua atividade probatória. Com o juízo de

verossimilhança, decorrente da aplicação das regras de experiência, deixa de

existir o non liquet (considera-se demonstrado o fato afirmado pelo

consumidor) e, consequentemente, motivo algum há para a aplicação de

qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Por isso mesmo, como

ficou anotado, não se tem verdadeiramente uma inversão do ônus da prova

em semelhante hipótese. (2011, p. 10-11, vol. II).

Destaca-se que, por esse entendimento, a hipossuficiência do consumidor ou mesmo

a verossimilhança de suas alegações só serão de fato reconhecidas depois de decorrida toda

instrução. Apenas quando da prolação da sentença o juiz estará em condições de valorar

corretamente as provas, analisando os requistos para a inversão de forma plena e justa; em o

fazendo anteriormente, estaria dando pré-julgamento à causa.

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Acerca dessa corrente doutrinária, assevera Bruno Freire e Silva:

Data maxima venia à eminência dos autores que assim pensam, chamamos

atenção para a necessidade de observância do princípio do contraditório,

consistente num óbice para inversão do ônus da prova no momento do

julgamento do feito, sem que haja qualquer comunicação ao fornecedor.

(WAMBIER, 2008, p. 19).

Conforme ainda explana o autor, mesmo que se considere a sentença como momento

oportuno para decretação da inversão do ônus, não se pode afastar a existência de surpresa por

considerar que o fornecedor tem conhecimento da lei, pois são muitas as situações geradas

pelo instituto e, desse modo, defende ser a inversão questão incidente e, por essa razão, deva

ser analisada durante a instrução processual.

Esse mesmo sentido defendem outros tantos autores, afirmando que o momento

processual adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova está entre o pedido

inicial e o despacho saneador.

Para Theodoro Júnior (2008, p. 188): “[...] a regra do CDC deve ser entendida á luz

do sistema do CPC, onde a definição dos fatos controvertidos e da necessidade de prova deve

ser feita pelo juiz no saneador [...]”.

Dentre os que acolhem a mencionada vertente, está Rizzatto Nunes, cujos

apontamentos transcrevem-se:

[...] a inversão se dá por decisão do juiz diante de alternativas postas pelas

normas: ele inverterá o ônus se for verossímil a alegação ou se for

hipossuficiente o consumidor. [...] o raciocínio é de singela lógica: é preciso

que o juiz se manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi

reconhecida. E, já que assim é, o momento processual mais adequado para a

decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e

o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior à

contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou

neste, será o melhor momento.

Não vemos qualquer sentido, diante da norma do CDC, que não gera

inversão automática (à exceção do art. 38), que o magistrado venha a decidir

apenas na sentença a respeito da inversão, como se fosse uma surpresa a ser

revelada para as partes. (NUNES, 2013, p. 856-857).

De acordo com Rizzatto Nunes, na legislação consumerista – diferentemente do que

ocorre no processo civil em que as partes sabem a quem incumbe o ônus da prova, com base

no art. 333, do Código de Processo Civil, bem como as consequências da omissão – há

previsão expressa quanto à inversão, mas exige a observância dos pressupostos legais, razão

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pela qual deve o magistrado analisar a questão ainda a tempo da produção de provas, ou seja,

até o despacho saneador deverá o juiz decidir sobre a inversão do ônus probatório.

A jurisprudência também se divide quanto ao tema, como se verifica das seguintes

decisões:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CDC. INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA. FASE PROCESSUAL APROPRIADA. I - A inversão do ônus da

prova é uma questão processual que deve ser decida antes de instar as partes

a especificarem as provas (art. 331, § 2º, CPC), pois o interesse na realização

da prova nasce para a parte de acordo com a distribuição do onus probandi,

motivo pelo qual não cabe ao juiz decidi-la no momento da sentença, sob

pena de cercear o direito de defesa das partes. (TJ-MG - AC:

10521110046278001 MG , Relator: Mota e Silva, Data de Julgamento:

18/03/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

21/03/2014)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO

ÔNUS DA PROVA. MOMENTO. SENTENÇA. POSSIBILIDADE.

REGRA DE JULGAMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO

CONTRADITÓRIO. INEXISTÊNCIA.

1. A jurisprudência do STJ não se pacificou quanto à possibilidade de o juízo

inverter o ônus da prova no momento de proferir a sentença numa ação que

discuta relação de consumo.

2. O Processo Civil moderno enfatiza, como função primordial das normas

de distribuição de ônus da prova, a sua atribuição de regular a atividade do

juiz ao sentenciar o processo (ônus objetivo da prova). Por conduzirem a um

julgamento por presunção, essas regras devem ser aplicadas apenas de

maneira excepcional.

3. As partes, no Processo Civil, têm o dever de colaborar com a atividade

judicial, evitando-se um julgamento por presunção. Os poderes instrutórios

do juiz lhe autorizam se portar de maneira ativa para a solução da

controvérsia. As provas não pertencem à parte que as produziu, mas ao

processo a que se destinam.

4. O processo não pode consubstanciar um jogo mediante o qual seja

possível às partes manejar as provas, de modo a conduzir o julgamento a um

resultado favorável apartado da justiça substancial.

A ênfase no ônus subjetivo da prova implica privilegiar uma visão

individualista, que não é compatível com a teoria moderna do processo civil.

5. Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova apenas no julgamento

da ação consumerista. Essa possibilidade está presente desde o

ajuizamento da ação e nenhuma das partes pode alegar

desconhecimento quanto à sua existência.

6. A exigência de uma postura ativa de cada uma das partes na

instrução do processo não implica obrigá-las a produzir prova contra si

mesmas. Cada parte deve produzir todas as provas favorável de que

dispõe, mas não se pode alegar que há violação de direito algum na

hipótese em que, não demonstrado o direito, decida o juiz pela inversão

do ônus da prova na sentença.

7. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp 1125621/MG, Rel.

Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em

19/08/2010, DJe 07/02/2011). (grifo nosso).

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Recurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil.

Indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Causa de

pedir. Cegueira causada por tampa de refrigerante quando da abertura da

garrafa. Procedente. Obrigação subjetiva de indenizar. Súmula 7/STJ. Prova

de fato negativo. Superação. Possibilidade de prova de afirmativa ou fato

contrário. inversão do ônus da prova em favor do consumidor. regra de

julgamento. Doutrina e jurisprudência. arts. 159 do CC/1916, 333, I, do

CPC e 6.°, VIII, do CDC. - Se o Tribunal a quo entende presentes os três

requisitos ensejadores da obrigação subjetiva de indenizar, quais sejam: (i) o

ato ilícito, (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidade

entre o dano sofrido e a conduta ilícita; a alegação de violação ao art. 159 do

CC/1916 (atual art. 186 do CC) esbarra no óbice da Súmula n.° 7 deste STJ.

- Tanto a doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção

do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos, razão pela qual a

afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois

há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa

que pode ser provada. Desse modo, sempre que for possível provar uma

afirmativa ou um fato contrário àquele deduzido pela outra parte, tem-se

como superada a alegação de “prova negativa”, ou “impossível”. -

Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a

inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é

regra de julgamento. Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto

Gomes de Barros, que entenderam que a inversão do ônus da prova

deve ocorrer no momento da dilação probatória. Recurso especial não

conhecido. (REsp 422.778/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/

Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em

19/06/2007, DJ 27/08/2007, p. 220). (grifos nossos).

Há de se ressaltar recente decisão do STJ acerca do momento processual oportuno

para a decretação da inversão do ônus da prova, inclinando opinião de que a inversão é

matéria de instrução e, portanto, se daria na fase de saneamento do processo:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 8.078/90, ART. 6º, INC.

VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. 1. O

cabimento dos embargos de divergência pressupõe a existência de

divergência de entendimentos entre Turmas do STJ a respeito da mesma

questão de direito federal. Tratando-se de divergência a propósito de regra

de direito processual (inversão do ônus da prova) não se exige que os fatos

em causa no acórdão recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas

que divirjam as Turmas a propósito da interpretação do dispositivo de lei

federal controvertido no recurso. 2. Hipótese em que o acórdão recorrido

considera a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inciso VIII, do

CDC regra de julgamento e o acórdão paradigma trata o mesmo dispositivo

legal como regra de instrução. Divergência configurada. 3. A regra de

imputação do ônus da prova estabelecida no art. 12 do CDC tem por

pressuposto a identificação do responsável pelo produto defeituoso

(fabricante, produtor, construtor e importador), encargo do autor da ação, o

que não se verificou no caso em exame. 4. Não podendo ser identificado o

fabricante, estende-se a responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art.

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13). Tendo o consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto

fabricante, sem comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto

defeituoso, ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou omissão

do réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a respeito da

identidade do responsável pelo produto pode ocorrer com base no art. 6º,

VIII, do CDC, regra de instrução, devendo a decisão judicial que a

determinar ser proferida "preferencialmente na fase de saneamento do

processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia

inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade" (RESP 802.832,

STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). 5. Embargos de divergência a que se dá

provimento. (STJ. Segunda Seção. EREsp 422778/SP. Relator(a) p/ Acórdão

Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. DJe 21/06/2012 RSTJ vol. 227 p.

391). (grifo nosso).

3.7 Despesas Processuais do Ônus da Prova

O Código de Processo Civil determina, como regra, que as despesas com as provas

produzidas em juízo ficarão a cargo da parte interessada, ou seja, de quem as produziu.

Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes

prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo,

antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda,

na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.

Contudo, no que concerne à inversão do ônus da prova, não há decisão pacificada

quanto a tal incumbência.

Para explicitar o tema, cumpre transcrever os apontamentos de alguns autores, bem

como demonstrar o atual entendimento jurisprudencial.

Segundo Rizzatto Nunes:

Uma vez determinada a inversão, o ônus econômico da produção da prova

tem que ser da parte sobre a qual recai o ônus processual. Caso contrário,

estar-se-ia dando com uma mão e tirando com a outra.

Se a norma prevê que o ônus da prova pode ser invertido, então

automaticamente vai junto para a outra parte a obrigação de proporcionar os

meios para sua produção, sob pena de – obviamente – arcar com o ônus de

sua não produção. (2013, p. 858).

O raciocínio utilizado pelo autor obedece à lógica de que se o fato alegado não

requer comprovação pelo consumidor (bastando a presença de verossimilhança de suas

alegações ou sua hipossuficiência), não há que se exigir na inversão do ônus probatório que o

consumidor arque com as despesas da produção da prova feita pelo fornecedor.

No mesmo sentido tem-se inclinado a jurisprudência:

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CONTRATO BANCÁRIO. REVISIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. PERÍCIA. CUSTO.

RESPONSABILIDADE. Em casos como o dos autos, tem-se decido que o

deferimento da inversão do ônus da prova - que se dá ao critério do Juízo

quando configurada a verossimilhança da alegação ou hipossuficiência da

parte - não tem o condão de obrigar o fornecedor a custear a prova requerida

pelo consumidor. De qualquer maneira, o fornecedor não se desincumbe do

ônus probatório, pois, quedando-se inerte, uma vez concedido o benefício

processual de que trata o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, presumir-se-ão

verdadeiros os fatos que embasam o pedido. Precedentes. Recurso especial

provido. (STJ - REsp: 781446 RN 2005/0152384-1, Relator: Ministro

SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 03/04/2008, T3 - TERCEIRA

TURMA, Data de Publicação: DJe 15/04/2008)

PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA. HONORÁRIOS DO PERITO. RESPONSABILIDADE.

HIPOSSUFICIÊNCIA. 1. A simples inversão do ônus da prova, no sistema

do Código de Defesa do Consumidor, não gera a obrigação de custear as

despesas com a perícia, embora sofra a parte ré as conseqüências decorrentes

de sua não-produção. (REsp 639.534/MT, Rel. Ministro Carlos Alberto

Menezes Direito, DJU 13.02.6). Precedentes. 2. Recurso especial

provido.”(REsp n. 1.063.639/MS, Rel. Min. Castro Meira, DJe de

04.11.2009)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE

INSTRUMENTO. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO. CONTEÚDO

FÁTICO. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS PERICIAIS. PRETENSÃO DE

ATRIBUIR-SE O ÔNUS DE PAGAMENTO À PARTE CONTRÁRIA.

DESCABIMENTO. I - A inversão do ônus probatório não é automática,

cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da

alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência o que, se concedida, não

acarreta, de qualquer modo, o encargo financeiro de custear as despesas pela

parte adversa, mas, apenas, o faz arcar com as conseqüências jurídicas

pertinentes. II - Agravo regimental desprovido.”(AgR-AG n. 884.407/SP,

Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 05.11.2007 p. 278) Diante do

exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço em parte e dou

provimento ao recurso especial apenas para afastar o dever de custeio de

honorários periciais relativos a prova postulada pela parte contrária.

Publique-se. Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2011. MINISTRO ALDIR

PASSARINHO JUNIOR Relator. (STJ - REsp: 977825 , Relator: Ministro

ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Publicação: DJ 22/02/2011)

Com isso, ainda que haja posicionamentos afirmando que o custo das provas deve

incumbir – com base nas regras do CPC – àquele a quem a prova interessa, no âmbito da

inversão do ônus da prova no CDC não se deve falar nesse encargo para o consumidor, sob a

pena de dificultar seu acesso à justiça, e inviabilizar o equilíbrio processual. (WAMBIER,

2008, p. 239).

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As decisões jurisprudenciais deixam claro que a inversão do ônus probatório não tem

como objetivo fazer aquele, contra quem o ônus foi invertido, arcar com as despesas das

provas, mas atribui a ele as consequências processuais da inércia.

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59

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Código de Defesa do Consumidor foi elaborado com fulcro na previsão

constitucional de defesa e proteção do consumidor, nos termos do art. 5º XXXV da CF,

objetivando mitigar o desequilíbrio da relação de consumo e possibilitando o pleno acesso à

justiça.

Entre os direitos básicos do consumidor o Código prevê no inciso VIII do art. 6º a

possibilidade de inversão do ônus da prova, como meio de possibilitar o acesso à justiça,

podendo o consumidor utilizar-se de todos os meios de prova legais.

A prova produzida em um processo visa levar o convencimento do juiz – seu

destinatário – facultado às partes todos os meios de prova legais, cuja valoração será feita pelo

magistrado, desde que expondo, na sentença, os motivos que o levaram ao convencimento.

O ônus da prova no processo civil obedece à regra do art. 333, do CPC, incumbindo

ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e, ao réu, os modificativos, extintivos ou

impeditivos do direito do autor.

Cabe ressaltar a possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil,

excepcionalmente, desde que não se trate de direito indisponível e sempre que a exigência

para a produção da prova dificulte excessivamente o direito de uma parte.

Para a caracterização da relação de consumo, vale explicitar as características

exigidas, a saber, a presença da figura do consumidor de um lado e fornecedor de outro, além

de, imprescindivelmente, estar caracterizada a vulnerabilidade, sem a qual não há que se falar

em relação de consumo e, consequentemente, em aplicação da legislação consumerista.

A distribuição do ônus da prova no CDC obedece às regras do referido código,

cabendo a cada parte comprovar os fatos de suas alegações, dos quais decorre o direito, sendo

a inversão do ônus probante mecanismo utilizado pelo legislador para a proteção do

consumidor, garantindo a este, pleno e justo acesso à justiça, previsto como direito básico do

consumidor, no art. 6º VIII da lei 8.078/90.

Contudo, não se trata de aplicação automática, mas requer análise do magistrado

quanto à verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor, caso presente

qualquer das hipóteses, o juiz deverá conceder a inversão, utilizando-se das regras de

experiência para análise dos requisitos. Destaca-se que os critérios são exigidos

alternativamente, bastando a presença de um deles para que o magistrado se obrigue a inverter

o ônus probatório.

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60

Quanto ao momento processual de aplicação da inversão do ônus da prova, a

doutrina e jurisprudência se dividem. Há quem defenda ser regra de julgamento, razão pela

qual é aplicada pelo juiz na sentença, exigindo das partes a diligência necessária para

comprovar o que alegam e, por ser prevista expressamente em lei sua possibilidade, não será

considera uma surpresa para qualquer das partes.

De outra via, há quem afirme – mais acertadamente pelo que nos parece – que o

momento oportuno está entre o despacho inicial e o saneamento do feito, de modo a respeitar

os princípios do contraditório e da ampla defesa e, possibilitar àquele a quem o ônus incumbe

maiores condições de produzir as provas. Nesse sentido é o que defende recente decisão do

STJ, aduzindo que a inversão do ônus da prova deve ser decretada preferencialmente na fase

de saneamento do processo.

Quanto aos profissionais liberais o CDC determina aplicar-se a responsabilidade

subjetiva, sendo necessário verificar a culpa do profissional. Mas o código prevê a hipótese de

aplicação da inversão do ônus da prova em face dos profissionais liberais (art. 14, § 4º do

CDC) e o entendimento jurisprudencial inclina-se no sentido de que se o profissional assumiu

obrigação de meio deve ser aplicada a inversão invertido, cabendo ao mesmo provar que não

agiu com qualquer modalidade de culpa.

Ressalta-se ainda a que no caso de publicidade enganosa o ônus da prova incumbe ao

fornecedor, a quem importa a veiculação publicitária, por expressa previsão legal art. 18

CDC, não se exigindo critérios para inversão, pois esta é automática, em consonância com a

própria legislação consumerista.

Quanto às despesas com as provas, entende-se caber a quem produz a prova, pois, do

contrário, a inversão do ônus não traria equilíbrio a relação processual, contudo, não incumbe

ao fornecedor os gastos com a prova produzida pelo consumidor, àquele é facultado o ônus de

provar e só deve arcar com as custas das provas que decidiu produzir.

Assim, conclui-se que a inversão do ônus probatório é de grande relevância no

âmbito jurídico e econômico e a evolução da sistemática consumerista ao longo dos anos

exige uma legislação protecionista, que possibilite o bom funcionamento do mercado de

consumo.

A inversão do ônus probatório permite ao consumidor exigir seus direitos em pé de

igualdade com o fornecedor e afasta a opressão por parte deste, a que o consumidor teve que

se submeter ao longo do tempo, trazendo melhoras significativas na prestação dos serviços e

oferta dos produtos, equilibrando satisfatoriamente a relação de consumo.

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61

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