AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

359

Click here to load reader

Transcript of AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

Page 1: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 1/359

Page 2: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 2/359

Introdução

Este livro traduz uma experiência de quase duas décadas no campo do ensino eda investigação científica, nos cursos de graduação e de pós-graduação das Faculdadesde Direito em que tenho tido a honra de lecionar.

Ao elaborá-lo, sempre tive em mente produzir um instrumento de trabalho quefosse útil ao estudo, à pesquisa, ao raciocínio e à reflexão jurídica dos estudantes, aquem o dedico e ofereço como reconhecimento ao incentivo que deles sempre recebi.

Justifica-se, assim, a minha preocupação em oferecer não só um texto claro econciso, embora sem concessões à superficialidade, como também atualizadainformação jurisprudencial e bibliográfica que permita conhecer os modos de realização

 prática do direito e o processo de renovação científica por que passa o direito civilcontemporâneo.

Sendo uma introdução ao estudo do direito civil, tem como objetivos básicos: a)iniciar no estudo e na análise das noções, categorias e princípios estruturais que formama doutrina do direito civil; b) orientar no conhecimento da técnica jurídica, isto é, na arte

de aplicar o direito civil aos problemas da vida real, procurando integrar oconhecimento científico com a prática de nossos tribunais; c) contribuir para a formação

 jurídica do aluno, por meio de uma perspectiva interdisciplinar que possa facilitar acompreensão do fenômeno jurídico; d) suscitar uma reflexão teórica sobre a necessidadede renovação do direito civil, acompanhando o processo de mudança por que passaatualmente o direito, por força das transformações econômicas e sociais que se

 processam na sociedade contemporânea.O direito civil é o direito comum, é o direito que se aplica à generalidade das

 pessoas e das relações jurídicas de natureza privada. Compreende uma parte de direitos  pessoais, que protegem a pessoa humana e sua família, uma parte de direitos patrimoniais, pertinentes à atividade econômica, à propriedade dos bens e à prestação deserviços, e ainda uma terceira, de importância crescente na teoria e na prática, que é daresponsabilidade civil, cujas normas disciplinam a indenização do dano alheio.

Configura-se, portanto, como a regulamentação jurídica da sociedade civil,assim entendido o universo social em que se desenvolvem as relações de naturezafamiliar e econômica, com base na igualdade jurídica e no poder de autodeterminaçãodas pessoas, com as limitações decorrentes da atuação jurídica dos demais componentessociais. O seu estudo científico, indispensável à atividade dos profissionais de direito,deve levar em conta, porém, as condições políticas, econômicas e sociais quedeterminaram ou influíram no seu processo de formação histórica e cultural, assimcomo as funções que pode desempenhar na solução dos problemas típicos de uma

sociedade em desenvolvimento, tendo presentes os valores e os princípios que lheservem de fundamento e lhe conferem legitimidade.E por isso conveniente, se não necessário, articular a ciência do direito, e,

 particularmente, o direito civil, com as demais ciências sociais, de modo a compreender melhor o que realmente seja o direito civil. E, nesse processo interdisciplinar, ressalta aimportância da história das instituições jurídicas, pois quem não tiver a percepção dosentido histórico do direito só pode ter dele uma visão estática. O direito é umaregulamentação da vida que arranca da realidade, inter-relacionando-se com outrossistemas de valores para a solução dos conflitos de interesses.

O recurso às ciências sociais, por meio de um processo interdisciplinar, permiteainda inserir o direito civil, que é um direito de formação histórica e jurisprudencial, em

uma perspectiva global da cultura, superando-se, desse modo, o mito da neutralidadecientífica tão caro ao positivismo e ao formalismo, tradicionalmente imperantes em

Page 3: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 3/359

nossos meios jurídicos. E também se aproxima o direito da realidade concreta, donde  provém e à qual se destina, como um dos mais credenciados instrumentos detransformação social de que o homem dispõe.

Essa articulação do direito, enquanto ciência relativamente autônoma, com ahistória e as demais ciências sociais (sociologia, economia, antropologia), leva também

a uma percepção crítica do fenômeno jurídico, no sentido de o jurista considerar ascondições políticas, econômicas e sociais que determinam ou condicionam as normas jurídicas, do que resulta poder verificar-se a sua adequação aos modelos da sociedadecontemporânea.

Coerentemente com tal concepção, conjugam-se neste livro: a) uma perspectivacientífica, segundo a qual o direito civil se estuda por meio dos seus conceitos,categorias e estruturas fundamentais, assim como na realização de suas normas; b) uma

  perspectiva sociológica, que considera as funções do direito civil na sociedadecontemporânea e c) uma perspectiva filosófica, que identifica os valores e os princípiosque o fundamentam e legitimam. Tais dimensões permitem ao estudioso aprender demodo abrangente e aprofundado a experiência jurídica no campo do direito civil,

entendendo-se como tal o conjunto de manifestações jurídicas com que se têmsolucionado, no curso de sua existência, os conflitos de interesses que a vida emsociedade faz nascer. No que, particularmente, diz respeito à vertente científica,

 preocupa-se o autor em expor a matéria que constitui a chamada teoria geral do direitocivil, e que se concretiza nas normas e institutos da Parte Geral do Código Civil, com a

 jurisprudência que resulta de sua aplicação concreta aos casos da vida real.  No desenvolvimento dessa matéria adotam-se orientações metodológicas

consagradas, segundo as quais pode-se estudar o fenômeno jurídico sob a perspectiva danorma jurídica, da relação jurídica e da instituição jurídica, integrando-as, porém, navisão global e mais elevada, que é a da experiência jurídica, expressão nacional domodus vivendi da nossa sociedade, no curso de sua existência.

Para os que adotam a primeira perspectiva, o direito é essencialmente norma,regra de comportamento criada pelo Estado para resolver conflitos de interesses. Odireito vale porque imposto pelo Estado, considerado como sua fonte exclusiva. Teoriamais identificada com o direito público, tem conotação essencialmente política, devendorefutar-se no que tem de extremado quando considera o Estado como fonte exclusiva dacriação jurídica, concepção monista há muito superada.

Para a teoria da relação jurídica, que preferencialmente se adota, emboraconsciente de suas limitações críticas, o direito é um sistema de relações

  juridicamente disciplinadas e ordenadas pelas regras jurídicas. Seu conceitofundamental é a relação intersubjetiva, que tem como idéia-chave a autonomia privada,

  poder dos particulares de criar relações jurídicas e estabelecer-lhes o respectivoconteúdo (direitos e deveres).A teoria da instituição é outro endereço metodológico de estudo do fenômeno

 jurídico, também afim ao direito público. Para seus defensores (Hauriou, Renard, SantiRomano, etc.), o direito é, essencialmente, organização, estrutura, enfim,instituição, que se define como grupo social, dotado de uma ordem jurídica e umaorganização específica. A instituição nasce de uma idéia que se realiza através de umaordem e de uma organização jurídica, tendo uma existência objetiva e concreta, exterior e visível.¹

A concepção do direito como experiência jurídica, compreensiva das demais  perspectivas, traduz a atividade humana em todos os sentidos e em todas as

manifestações que configuram o lado humano da história, e representa o esforço

Page 4: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 4/359

máximo realizado pelo pensamento jurídico mais atual, para reunir e organizar o que secostuma chamar de vida do direito.²

Pode-se, assim dizer, que nenhuma dessas perspectivas anula as demais, sendoapropriado salientar que elas não se excluem, antes se completam, constituindo-se,

 porém, a norma de direito em condição necessária e suficiente para o relacionamento

 jurídico das pessoas e a organização e disciplina da sociedade.Tratando-se aqui de uma introdução ao direito civil, segue, entretanto, estelivro, a perspectiva ainda dominante nessa matéria, que é a da relação jurídica,embora ciente das críticas atuais a tal conceito, que tem como referencial básico aexperiência privada, "na qual a vida jurídica se apresenta, principalmente, comoum conjunto de relações que a norma jurídica estabelece de modo típico e comum,e das quais a autonomia dos particulares estabelece o conteúdo preceptivo".³

A ordem seguida na explanação da matéria é coerente com a perspectivaadotada. Tomando-se por base a relação jurídica, expõem-se os respectivosaspectos doutrinários e normativos que se

--------

1 Santi Romano. L'ordre Juridique (Paris, Dalloz, 1975) p. 26.2 Ricardo Orestano. Inlroduzione alio studio dei diritto romano (Bologna, II Mulino,1987) p. 360.3 Sergio Costa. Prospective di Filosofia del direito. 2. ed. (Torino, Giappichclli, 1974n. 50.--------sistematizam em torno dos seus elementos fundamentais, a saber: os sujeitos, o vínculo,o objeto e a sua causa determinante, os fatos jurídicos.

O primeiro capítulo contém noções de sociologia e de filosofia do direito,dedicando-se ao conceito e às funções do direito em geral e, particularmente, às dodireito civil, explicitando os seus valores fundamentais. O segundo capítulo dedica-se àteoria geral da norma jurídica de direito privado, expondo as diversas concepçõesteóricas acerca de sua natureza, estrutura, aplicação e classificação. O terceiro capítuloapresenta verdadeiramente o direito civil, estudando-o na sua gênese, caracterização e

  processo evolutivo, indicando-se ainda o seu conteúdo, isto é, as instituiçõesfundamentais que sua disciplina contém. O capítulo quarto dedica-se à relação jurídicade direito privado, desenvolvendo-se como o estudo pormenorizado do seu conceito,fundamento doutrinário, importância atual, estrutura, conteúdo e espécies. Os capítulossubseqüentes dizem respeito aos elementos da relação, vale dizer, os sujeitos (as

 pessoas), o objeto (os bens), assim como os acontecimentos que os determinam (os fatos  jurídicos), formulando com os princípios fundamentais que lhes são inerentes, uma

teoria da personalidade, uma teoria do patrimônio e uma teoria do negócio jurídico.Com esse material doutrinário, que deve alimentar-se permanentemente com a consultaao código e à jurisprudência, em um processo de enriquecimento recíproco da teoriacom a prática jurídica — pois o direito é expressão inseparável da vida social, a cujaorganização e disciplina se destina — acredito poder colocar à disposição dos meusalunos e dos estudiosos em geral um instrumento de trabalho para a pesquisa e areflexão científica sobre o direito civil, que ainda se constitui na principal esfera deafirmação da personalidade humana e de realização dos seus mais legítimos anseios deliberdade e de igualdade material.

Page 5: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 5/359

CAPÍTULO I

O Direito. Estrutura. Funções. Fundamento.Sumário: 1. O direito. Significados e perspectivas de estudo. 2. O direito. Gênese eestrutura. 3. As funções do direito. 4. O fundamento do direito. Os valores. 5. A justiça.6. A segurança. 7. O bem comum. 8. A liberdade. 9. A igualdade. 10. A teoria do direitocivil. 11. O direito civil como norma jurídica. 12. O direito civil como relação jurídica.13. O direito civil como instituição. 14. Apreciação crítica. 15. O direito como sistema.O sistema de direito civil. 16. O método adotado. 17. O direito e a justiça.Jusnaturalismo e positivismo jurídico. 18. A metodologia da realização do direito. Adecisão justa do caso concreto.

1. O direito. Significados e perspectivas de estudo.A palavra direito pode ter vários significados. É um termo polissêmico, donde adificuldade de uma definição única1.---------------l Definir o direito não é tarefa do jurista, mas do filósofo. Do primeiro espera-se quedeclare o que é direito (quid iuris), do segundo, o que é o direito (quid ius). Cfr. AlainSeriaux, in Droits, n2 10, p. 85. E útil, porém, ao civilista, fornecer algumas noções

 básicas e introdutórias, como é o conceito de direito, pressuposto de sua exposição. Cfr.Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 16, Paulo Dourado de Gusmão.Introdução ao Estudo do Direito, p. 47. O problema da definição do direito surge na

cultura jurídica moderna, como resultado do processo de positivação, c ligiulo il idéiade que o direito pode ser estudado e classificado por meio de instrumentos análogos aosque estudam e classificam os fenômenos naturais. Cfr. Giorgio Rebuffa, Dirino, inDigesto delle Discipline Privatistiche, p. l e segs.2 Manuel Atienza, Juridicité, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologiedu droit, p. 322; Luiz Dicz Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, 1993,

 p. 6. André — Jcan Arnaud / Maria Josó Farinas Dulce, Sistemas Jurídicos: Elementos para uma análise sociológica, p. 250.---------------

Na acepção mais comum e freqüente, usa-se para designar o conjunto deprescrições com que se disciplina e organiza a vida em sociedade , prescrições essas

que encontramos formuladas e cristalizadas em regras dotadas de juridicidade, isto é, decaráter jurídico, o que as diferencia das demais regras de comportamento social e lhesconfere eficácia garantida pelo Estado. A juridicidade, conceito novo na ciência dodireito, significando o atributo que diferencia a regra do direito das demais regras decomportamento social, serve de fronteira entre o jurídico e o não jurídico,caracterizando as normas que pertencem aos sistemas de direito, conjuntos de princípiose regras dotadas de legitimidade e obrigatoriedade2.

Essas regras ou normas estão nas leis, nos costumes, na jurisprudência, nosprincípios gerais do direito, constituindo o chamado direito objetivo, de objectum,exterior ao sujeito, e positivo, no sentido de que é posto na sociedade por umavontade superior. E o ius in civitate positum. E neste sentido que se utiliza para

designar o direito vigente, por exemplo, o direito brasileiro, o direito civil, o direito penal etc. Toma-se aqui o direito como conjunto de regras jurídicas.

Page 6: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 6/359

Em outra acepção, ligada à primeira e dela dependente, direito designa umpoder que o sujeito tem de agir e de exigir de outrem determinadocomportamento. É o chamado direito subjetivo, de subjectum, reconhecido egarantido pelo direito objetivo, como por exemplo, o direito de propriedade, odireito do consumidor, o direito do inquilino, do credor, do possuidor, etc.

Em perspectiva mais idealista e menos freqüente, traduz um sentimento de justiça. Quem diz "não é direito o que fazem comigo", ou "isso não está direito", refere-se a um comportamento injusto. Neste caso, direito é expressão de justiça.

Em outro sentido, ainda, designa a ciência jurídica, o conjunto de conhecimentosteóricos e práticos que têm como objeto o próprio direito como ordem social, na suaestrutura e função, nos seus métodos de elaboração e realização e nos seus fundamentos,enfim, na fenomenologia da sua existência, validade e eficácia3.

Essa polissemia, que produz uma certa ambigüidade, dificultando uma definição precisa do direito, revela a complexidade do mundo jurídico, que é plural e diverso,como se pode verificar no curso de sua história, sendo exemplo, no ordenamentomedieval, o direito dos feudos e das corporações, e hoje em dia, a multiplicidade de

fontes, de sistemas e de meios de solução de conflitos (direito comunitário, direitosespeciais etc.).

 Notas incontroversas do direito são o seu caráter humano e social4 porque eleexiste em razão dos homens que se relacionam entre si. Onde houver sociedade, láestará o direito (ubi societas, ibi ius] que, reciprocamente, também a pressupõe(ubi ius, ibi societas), sendo inconcebível uma regra jurídica que não a tenha comoreferência. Regulando os comportamentos humanos e sociais, é também modelo deorganização social que se formaliza e estrutura segundo determinados critérios, oschamados valores, dos quais o mais importante é, para nós, a justiça. A par dahumanidade e da socialidade, uma outra característica é a sua normatividade, isto é, odireito como regra ou norma5 dotada de juridicidade, própria da concepção normativistaque domina a teoria jurídica, e orienta o raciocínio dos juristas que buscam soluções

 para os conflitos de-------------------3 Reale, op. cit., p. 61/64, Simone Goyard — Fabre, Lês grandes questions de Ia phílosophie du droit, p. 9. Maria Helena Diniz, A ciência jurídica, p. l e segs.4 Digesto, 1.5.2. "... hominum causa omne ius constitutum sit, ..."5 Ângelo Falzea, Introduzione alie scienze giuridiche, p. 16. A opinião amplamente dominante nadoutrina é a da norma como sinônimo de regra. Cf. Reale, op. cit., p. 65/67; Mario Jori, Norme, e JerzyWroblewski, Règle, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, p. 399 e 520;Ricardo Guastini, Norma giuridica, in Digesto delle Discipline Privatistiche, XII, p. 155. NorbertoBobbio, Norma giuridica, in Novíssimo digesto italiano, XI, p. 330 e segs.; Franco Modugno, Normagiuridica. Teoria generale, in Enciclopédia dei diritto, XXVIII, p. 238; Jacques Guestin et Giles

Goubeaux, Traité de Droit Civil. Introduction Generale, p. 5, nota 7, onde se reafirma que norma e regrausam-se como sinônimos, embora possa reconhecer-se na regra um caráter mais geral e abstrato, e nanorma uma dimensão mais individual e concreta. Cfr. ainda, Jean François Perrin, Règle, in Archives dePhilosophie du Droit, tome 35, p.245, e Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1991, p.297e segs. (há tradução portuguesa de José Lamego, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991), o ÁlvaroD'Ors. Una inlroducción ai estúdio dei de.recho, p. 24.-------------------interesses, e constróem, com o seu trabalho, a chamada experiência jurídica de um

 povo.6 O direito apresenta-se, então, como um ordenamento jurídico, um conjuntode normas que rege uma comunidade7 impondo ou oferecendo modelos decomportamento.

Se a polissemia do termo torna difícil uma definição única do direito, pode-se,

todavia, tentar compreendê-lo no processo de sua formação histórica.

Page 7: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 7/359

O direito, particularmente o direito civil, vem se formando ao longo dos séculoscomo inerente à vida e à cultura dos povos, tendo como sentido e razão de ser a soluçãode conflitos, do que resulta o caráter de sua problematicidade, vale dizer, a sua funçãode pensamento chamado a resolver questões jurídicas concretas.8 É um produtohistórico, que se forma ao longo dos tempos, como cultura e como processo de solução

de controvérsias, que vai da previsão dos conflitos, pela tipicidade estabelecida nasregras, até chegar a uma institucionalização dos órgãos e dos critérios de decisão,critérios esses ditados pela ética da comunidade a que se destina. Como cultura, exprimevalores espirituais da sociedade humana, sendo por isso, também, fenômeno cultural.Como processo de solução de conflitos, é uma técnica a serviço de uma ética.

Para a concepção normativista (o direito essencialmente como norma),surgem várias perspectivas de estudo. Tem-se, em primeiro lugar, a perspectivacientífica, a da ciência do direito, "conjunto de conhecimentos ordenados segundoprincípios" e com método próprio. Ocupa-se da estrutura do direito, vale dizer, desuas normas, institutos, conceitos e categorias, material com que trabalha adoutrina jurídica no processo de análise, interpretação e aplicação das regras.

Estuda o direito que é, o direito positivo. Em segundo lugar,-------------6 Reale. O Direito como Experiência, p. XXXII, e segs; Diez-Picazo, op. cit. p. 10; Ricardo Orestano,Introduzione alio studio dei diritto romano, p.357.7 A crítica que se faz hoje a essa concepção, o direito como norma, é no sentido de que nos revela algo já pré-estabelecido, as regras jurídicas, e posto como ponto de partida para a técnica de aplicação dodireito. A essa concepção contrapõe-se a idéia de que o direito é mais do que normas, é uma práticasocial, um processo permanente de construção, sob a influência de considerações ético-jurídicas. Cfr.Ronald Dworkin, Talking Rights Seriously London, 1977; Francisco Viola, // diritto come pratica sociale,1990, p. 159.8 Antônio Castanheira Neves, Metodologia Jurídica. Problemas fundamentais, p. 71.-------------

a perspectiva sociológica, da sociologia do direito, que estuda a relação direito-sociedade, preocupando-se com a eficácia e as funções das normas jurídicas, maispropriamente, com a análise sociológica dos sistemas jurídicos, o que lhe permiteapreciar o sistema em sua totalidade e em relação com o seu contexto.9 Interessa-se pelo que o direito deve ser. Em terceiro lugar, a perspectiva filosófica, que seocupa dos fundamentos da ordem jurídica, vale dizer, dos valores que lhe dãosustentação e legitimidade, e dos quais, os mais importantes são a justiça, asegurança e o bem comum. Estuda o fundamento do direito, dando ênfase à justiçacomo especial valor a realizar. E ainda a perspectiva histórica, que permiteconhecer a gênese e evolução das instituições jurídicas, matéria objeto da históriado direito. Estuda como o direito se formou, ao longo dos séculos.

Temos ainda, diretamente relacionada com a ciência e a filosofia do direito,a perspectiva metodológica, com importância crescente no estudo dos processos deaplicação e de realização do direito. A metodologia jurídica, não como disciplinaautônoma,10 mas como proposta de reflexão filosófica sobre o processo derealização do direito, não procura somente definir técnicas ou estabelecer regrasinstrumentais para aplicá-lo, mas também refletir sobre ele de modo crítico,vendo-o mais como prática social e prudência do que como conjunto de regrasvigentes em determinada sociedade. Para seus cultores, o direito é um pensamentoque se destina a resolver problemas práticos, configurando-se mais como "ciênciade decisão" do que como "ciência do conhecimento". Estuda como o direito serealiza.

De tudo isso conclui-se que o direito, na ambigüidade e na polissemia do seutermo, e na sua própria natureza histórico-cultural revela, mais do que uma

Page 8: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 8/359

configuração técnico-científica, uma natureza problemática e uma função prática queexigem do jurista não só o conhecimento mas, principalmente, a compreensão do seusentido e significado, e da sua importância como instrumento de organização edisciplina social e como expressão da cultura e da experiência jurídica de um povo. Odireito não é, assim, um dado, mas um processo que permite reunir as suas diversas

 perspectivas----------------9 André — Jean Arnaud / Maria José Farinas Dulce, op. cit., p. 26. Elias Diaz,Sociologia y Filosofia dei Der acho, p. 60.10 Nelson Saldanha, Dt.i teologia à metodologia, p. 104.----------------em uma construção permanente, in fieri, das normas jurídicas, superando-se adistinção entre o ser e o dever ser.São essas as perspectivas que hoje mais interessam e que, neste livro, se pretendeobservar, como introdução ao estudo do direito civil, na sua formulação mais teórica egeral, na compreensão de seus princípios e valores, no conhecimento das suas estruturas

e de suas funções, e no processo de sua realização prática.

2. O direito. Gênese e estrutura.

Ao longo do seu processo de evolução histórica, o direito vem se apresentando comoum conjunto de normas que têm por objetivo a disciplina e a organização da vida emsociedade, resolvendo os conflitos de interesses e promovendo a justiça. Justifica-se,assim, o predomínio da concepção normativa do direito.A compreensão do que realmente seja o fenômeno jurídico não deve partir da visão dodireito como simples conjunto de normas ou como determinado procedimento de

solução de conflitos de interesses, mas da certeza de ser ele produto de uma realidadecomplexa e dinâmica, que é a vida em sociedade, com seus problemas e controvérsias.Disso lhe advém a já referida natureza problemática e o reconhecimento de sua função

 prática.Como produto histórico e, conseqüentemente, cultural, o direito resulta de um processode institucionalização de práticas e de comportamentos típicos, de órgãos e de critériosde decisão, que a sociedade e o Estado estabelecem, para o fim de dirimirem conflitosde interesses, previsíveis e tipificados. Como diz Reale11, "o direito surge quando os

  jurisconsultos romanos, com sabedoria empírica, quase intuitiva, vislumbraram nasociedade "tipos de conduta" e criaram, como visão antecipada dos comportamentos

 prováveis, os estupendos modelos jurídicos do direito romano".

Esses modelos jurídicos, que funcionam como "diretivas para a ação", fins ou valores arealizar, formalizam-se em estruturas jurídicas, compreendendo as normas, os institutos,as instituições, os conceitos, a.s categorias, enfim, todos os elementos que, de naturezaessencialmente técnica e formal, ajudam a construir o sistema de direito.--------------11 Reale, Liçõfis Preliminares de. Diniito, p. 185.--------------As normas jurídicas são públicas (quando contidas nas leis, sentenças, atosadministrativos) e privadas (quando nos contratos). Os institutos são conjuntos denormas que disciplinam uma determinada relação jurídica (exemplo, o casamento, a

 propriedade, a filiação, o contrato etc.). As instituições, termo de natureza sociológica,são grupos sociais dotados de uma determinada ordem e uma organização interna, quese criam e se justificam por um fim comum, como a família, a empresa, o Estado.

Page 9: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 9/359

Instituto é uma construção técnico-jurídica, enquanto instituição é um grupo social,dotado de ordem e organização.Conceitos e categorias são instrumentos que o jurista utiliza no seu trabalho deelaboração jurídica, isto é, na sua atividade de criação de normas e de elaboração dossistemas e da própria terminologia da ciência do direito. Os conceitos são

representações mentais de objetos, indivíduos ou fenômenos. Sua função é a dedescrever, classificar ou organizar os dados da experiência concreta, no caso, a jurídica, permitindo estabelecer conexões de natureza lógica, e facilitando o raciocínio jurídico.Produto de uma atividade de abstração, o que, por vezes, os leva a desligarem-sedemasiadamente da realidade, são elementos fundamentais do sistema e da ciência dodireito. Sua utilidade está, no fato de permitir, não só o conhecimento teórico,indispensável à reflexão crítica, como também a subsunção de todos "os objetos queapresentam as mesmas notas compreendidas no conceito", com a formulação de regras

 para tudo o que se compreender no seu âmbito de aplicação. É o que se verifica, por exemplo, com os conceitos fundamentais de domicílio (C.C. art. 70), de empresário(C.C. art. 966), de pessoa, bem, relação jurídica, capacidade, contrato, direito real,

direito de crédito etc., que, inseridos no sistema jurídico (na teoria ou na parte geral doCódigo Civil), permitem estabelecer a disciplina básica que irá reger todos os casos quevenham a subsumir-se nas hipóteses conceitualmente estabelecidas, evitando repetiçõessupérfluas12.Distinguem-se, nos conceitos, a compreensão e a extensão. Compreensão é oconjunto de notas ou características que o conceito encerra. Por exemplo, o conceitode cidadão brasileiro, compreende as características de homem, de nacionalidade

 brasileira, e titular de direitos de cidadania. Extensão é o conjunto de objetos ou--------------12 Laurenz, op. dl. p. 536.--------------indivíduos que o conceito abarca. Por exemplo, no Código Civil, art. l2, o conceito de

 pessoa abrange todos os indivíduos da espéciehumana.Entre os conceitos estabelecem-se relações de coordenação e de subordinação. Nestas,submetem-se os conceitos que se põem sob outros mais amplos (os subordinantes) .

 Na subordinação há que distinguir o gênero, da espécie e do indivíduo. Gênero éconceito subordinante que compreende conceitos subordinados. Indica um conjunto deespécies de características comuns. Espécie é conceito subordinado de menor extensãoque o gênero. Significa um conjunto de indivíduos, da mesma natureza. Indivíduo é oente singular que pertence, como unidade, a uma espécie. Estas noções têm utilidade nas

classificações jurídicas. Nos bens jurídicos, por exemplo, bem é gênero, móvel éespécie, e livro é indivíduo. Nos contratos, a compra e venda é um ato que se subordinaàs regras da espécie contrato (C.C. art. 488) que, por sua vez, se subordina às do gêneronegócio

 jurídico.Os gêneros supremos, isto é, os conceitos mais universais, chamam-se categorias,"quadros em que se agrupam, por afinidade, os elementos da vida jurídica"13 e fora dosquais não se reconhece eficácia jurídica. São conceitos universais, por exemplo, os dedireito subjetivo, de direito pessoal, de direito real, de dever, de relação jurídica,de sanção, de pessoa etc. Aplicação prática disso está por exemplo no fato de que,tendo os direitos do consumidor uma disciplina específica, basta qualificar um direito

como tal, para que lhe seja aplicado o respectivo regime.

Page 10: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 10/359

Sistematizando-se tais modelos ou estruturas, chega-se na matéria civil, à construção doCódigo Civil, conjunto unitário e logicamente ordenado das relações jurídicas de direito

  privado. O Código Civil Brasileiro é uma lei que disciplina as relações entre os  particulares, contendo 2.046 preceitos que se aglutinam em cinco institutosfundamentais: a pessoa ou sujeito de direito, a família, a propriedade, o contrato e a

sucessão. Por influência de Teixeira de Freitas, primeiro, e depois do direito alemão, oCódigo divide-se em uma Parte Geral, que reúne os princípios e regras aplicáveis àgeneralidade das pessoas, bens e fatos jurídicos, e uma Parte Especial, que compreendeo direito de obrigações, o direito de empresa, o direito das coisas, o direito de família eo direito das sucessões.---------------13 Orlando Cioiws, Introduçtlo no tlin-ito civil, p.9.---------------É, assim o Código Civil, um conjunto formado de subconjuntos, ou se quisermos, umsistema composto de sub-sistemas, cada qual dedicado a uma das matérias ou institutostradicionais do direito civil. As regras têm lugar próprio nesse sistema. Encontrá-las é

determinar-lhe a natureza jurídica, tarefa preliminar da técnica de realização do direito.

3. As funções do direito.

Uma outra perspectiva de estudo do fenômeno jurídico, de particular interesse para ocivilista atento às transformações da ordem jurídica privada, é o das funções que odireito pode ter na sociedade contemporânea, problema teórico da sociologia do direito.

 Nesta perspectiva enfatiza-se a dimensão social do direito, que focaliza a relação entreele e a sociedade, suas recíprocas influências e modificações.Considera-se, aqui, função, a tarefa, ou conjunto de tarefas que o direito desempenha,

ou pode desempenhar, na sociedade humana14.-----------14 André-Jean Arnaud/Maria José Farinas Dulce, Sistemas Jurídicos: Elementos para un análisissociológico, p. 133 e segs. A idéia de função exprime o conjunto de tarefas que se espera realizarcom o direito, de acordo com os objetivos e propósitos de ação dos sujeitos jurídicos, que formulam,aplicam ou se utilizam do direito na sua experiência de vida em sociedade . Nesse sentido, as principais funções do direito seriam as de resolver conflitos, as de regulamentar e orientar a vida emsociedade e as de legitimar o poder político e jurídico. Quanto à primeira, o direito atua parasolucionar o conflito de interesses ou restaurar o estado anterior. O direito seria, então, um instrumentode integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo regras de comportamento para a decisão queo caso sugere. O exercício dessa função não levaria, porém, ao desaparecimento dos conflitos, que sãoinerentes à sociedade. O direito não é uma ordem de paz, mas de conflitos. Desaparecidos estes,desnecessário seria o direito (cf. no direito brasileiro a lei 9.307, de 23.9.96, lei da arbitragem). O direito

serve também para orientar o comportamento social, visando evitar os conflitos. O caráter persuasivodas normas jurídicas leva-nos a agir no sentido dos esquemas ou modelos normativos do sistema jurídico.O direito visto desse modo surge como organizador da vida social e como instrumento de prevençãode conflitos. O direito tem ainda a função de organizar o poder da autoridade que decide osconflitos, legitimando os órgãos e as pessoas.Um poder de decisão o estabelecendo normas decompetência e de procedimento. Por exemplo, o juiz, o árbitro, os pais, os diretores de pessoas jurídicassão legitimados a agir na forma de ordem jurídica. Outras Funções que se atribuem ao direito como adistributiva e a promocional, são tipos que surgiram com o advento do Estado social. Funçãodistributiva é aquela por meio da qual se atribuem os recursos econômicos e não econômicos aosmembros do grupo social. Função promocional é aquela que visa encorajar determinadoscomportamentos socialmente desejados. Realiza-se por meio de técnicas de incentivo, e é própria doEstado pós-liberal, assistencial. Cfr. Bobbio. Dalla strutura alia funzione. P. 103 e p. 26. Superado oEstado Social, reduziu-se a importância da função promocional.15 Miguel Reale, O Direito como Experiência, p. 25 e segs., Antonio-Enrique Pérez Luno, Teoria deiDerecho. Una concepción de Ia experiência jurídica, p. 42; Tércio Sampaio Ferraz Jr, Introdução ao

Page 11: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 11/359

Estudo do Direito, p. 88; Castanheira Neves, Fontes do direito, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedadee do Estado, II, p. 1.546; Luiz Diez Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, Barcelona, p. 6 esegs. Eurico Opocher, Esperienza giuridica, in Enciclopédia dei diritto, XV, p. 735 e segs.; GiusepeCapograssi, II problema delia scienza dei diritto, p. 25 c segs. Simone Goyard-l-abrc i-t Reno Sève, Lêsgrandes questions de Ia philosophie du droit, p. 23 i% sc^s.; Micliel Miaillc, Urna Introdução Crítica <4oDireito, p. 21.

-----------Dentre as várias funções que se podem atribuir ao direito, destaque-se, pela importânciano direito civil, a de resolução de conflitos de natureza privada, quer pelos meiosformais de procedimento judicial, quer por meio de mecanismos alternativos einformais, como a mediação e a arbitragem. Dá-se a mediação quando as partesaceitam ou solicitam a intervenção de terceiro neutro, não se obrigando a acatar suaopinião, e a arbitragem quando as partes elegem um árbitro, obrigando-se, previamente,a aceitar a sua decisão. (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996).A vivência social que interessa ao direito, a chamada experiência jurídica, é umaconcreta experiência de conflitos de interesses que o direito é chamado a disciplinar noexercício de uma das suas mais importantes funções, a de resolver tais problemas,

visando garantir a realização dos ideais humanos de ordem, justiça e bem comum.Considera-se assim experiência jurídica, a concepção do direito como experiência davida social e histórica, que se conhece e explica a partir da vivência, não de categoriaslógicas, formais e abstratas. Conhecemos o direito porque o experimentamos, porque outilizamos para garantir nossos bens e realizar nossos fins, umas vezes; porque osofremos ao ter que adaptar novos atos a seus preceitos, outras; e porque o vivemossempre."1"Como se realiza essa função? A vida em sociedade desenvolve-se sob a disciplina e aorientação de regras da mais variada espécie.São regras morais, religiosas, sociais, costumeiras, jurídicas, que constituem, emconjunto, vasto sistema de controle social.16Regras, ou normas, procuram estabelecer uma determinada ordem para ocomportamento dos indivíduos e dos grupos, fixando critérios de solução para asquestões que se apresentam, inevitavelmente, no curso da convivência social.Surgem tais conflitos quando duas ou mais pessoas revelam pretensões antagônicassobre o mesmo bem17, disputando a sua posse ou propriedade. A reiteração dessesconflitos e a necessidade de sua solução fazem com que se estabeleçam normasdefinidoras do que é lícito ou ilícito, tipificando os fatos que interessam ao direito einstitucionalizando os órgãos e os critérios de decisão respectiva. O conjunto dessasnormas, que se dirigem ao comportamento humano e que têm no Estado a garantia desua existência e eficácia, vem a constituir o direito, o mais institucionalizado sistema de

organização e controle social, e como um dos seus mais importantes ramos, se não omais importante, pelo menos o mais antigo, profundo e tradicional, o direito civil,conjunto de normas que protegem os interesses individuais, de natureza econômica efamiliar.O direito surge, assim, ao longo de um processo histórico, dialético e cultural, comouma prática social que utiliza uma técnica, um procedimento de solução de conflitos deinteresses e, simultaneamente, como um conjunto sistematizado de normas de aplicaçãomais ou menos contínua aos problemas da vida social, fundamentado e legitimado por determinados valores sociais. É, assim, a expressão de um modo de vida de um povo ede sua cultura.--------------

16 Controle Social é o conjunto da influências interiorizadas e ou restrições c-x ternas que a sociedade faz pesar sobre os comportamentos individuais e que justificam a ordem social; Franco Garelli, Controlesocial, in Dicionário de Política, p. 238 e segs., Elias Diaz, Sociologia y Filosofia dei Derecho, 1984, p.

Page 12: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 12/359

14; Jean-Guy Ih-lley, Controle social, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie dii droit, pp. 112-116.17 l,ui/. Diez Picazo, op. cit, p. 12. A perspectiva dos conflitos de interesse < nino ponto de partida para oestudo do fenômeno jurídico é de natureza socio-Ittyjc a, enquanto que a perspectiva da norma jurídica éo enfoque tradicionalmente l*uoiit;írio. Conforme a primeira, Jean Carbonnier Flexible droit. Textes pour une sociologia du droit sans rigueur, p. 58 e segs.; Konstantin Stoyanovitch, Lapensée nnti\.i\l<i et lê

droil, p. 12; Francisco Carnelutti, Teoria generale dei diritto, p. 85 c- MT.S.; Rudoir von IluTing, La lutle pour lê droit, p. 2 e segs.; Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, p. 53 c segs.--------------

 Não se limitam a isso, todavia, as funções do direito na sociedade contemporânea. Asmudanças sociais decorrentes da revolução industrial e do avanço tecnológico têmexigido do Estado uma intervenção crescente em favor do bem-estar e da justiça social,acentuando-se a importância do direito como instrumento de planejamento econômico,multiplicando-se as normas jurídicas de programação social e estabelecendo-se novoscritérios de distribuição de bens e serviços. O direito evolui de suas funçõestradicionalmente repressivas para outras de natureza organizatória e promocional,estabelecendo novos padrões de conduta e promovendo a cooperação dos indivíduos na

realização dos objetivos da sociedade contemporânea, caracterizando o chamado EstadoSocial.O ordenamento jurídico não pode ser visto, porém, como uma coisa em si, umaestrutura desvinculada da realidade social em que se situa e à qual se destina na suacriação e funcionamento. Dentro do vasto sistema criado pelas relações sociais,integram-se em um processo de interdependência crescente e interativa, vários subsis-temas, o jurídico, o político e o econômico, de tal modo que o direito, conjunto denormas disciplinadoras do comportamento social, passa a ter também, como efeitoinexorável das exigências sociais, a função de organizar a economia e a deinstitucionalizar os modos de criação e exercício dos poderes públicos. Pode considerar-se, portanto, tríplice o papel do direito: resolver os conflitos de interesses, reprimindo

e penalizando os comportamentos socialmente perigosos, organizar a produção euma justa distribuição de bens e serviços, e institucionalizar os poderes do Estadoe da administração pública18; tendo sempre em vista, como causa final e superior, arealização da justiça19. Por sua íntima conexão com o sistema político, é tambéminstrumento do poder dominante20 que, complexo e---------------18 Carlos Maria Carcova, Los funciones dei derecho, in Revista de Direito Público, n2 85, p. 140 esegs.; Giovanni Tarello La nozione de diritto: un approccio prudente, in La teoria generale dei diritto.Problemi e tendenze attuali, p. 344; Norberto Bobbio, Dalla strutura alia funzione, p. 110; Luis RecasensSiches, Tratado General de Filosofia dei Derecho, pp. 220/23: Werner Krawietz, Das positive Recht unaseine Funktion, p. 15; Tércio Sampaio Ferraz, Função Social da Dogmática Jurídica, Paulo Dourado deGusmão, Introdução ao Estudo do Direito, p. 109; Vicenzo Ferrari, Fonctions du droit, in Dictionnaireencyclopédique, p. 266.19 Sérgio Cotta, Prospettive ai filosofia dei diritto, p. 135; Mário Bigotte Chorão, Justiça, in PolisEnciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 3, p. 919.20 Bobbio, Direito, in Dicionário de Política, p. 349.---------------intitucionalizado (poderes públicos e privados), estabelece regras de comportamento ede organização social.Tais funções correspondem, se bem que de modo imperfeito, aos setores em quetradicionalmente se divide o direito: à função de institucionalizar o poder e organizaro seu exercício, o direito constitucional, o direito administrativo e, em parte, oprocessual; à função repressiva, o direito penal e seus ramos específicos; à função

organizadora da produção e circulação de bens e serviços, o direito civil e o

Page 13: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 13/359

comercial, tendo como ponto básico de referência a pessoa humana, com sua família,seu patrimônio, e sua atividade jurídica.Considerando-se tanto a estrutura quanto as funções do direito civil, pode-se entãodefini-lo como o conjunto de normas que disciplinam a atividade e a realização dosobjetivos fundamentais da pessoa na sociedade, protegendo os indivíduos nas suas

relações pessoais e patrimoniais, assim como sua família, o grupo social básico emque a pessoa nasce e se desenvolve.De modo geral poder-se-ia dizer que todas essa funções giram em torno de fins básicosdo direito contemporâneo que são a realização da justiça e o respeito aos direitoshumanos.A dimensão ou perspectiva funcional do direito deve levar em conta, principalmente noque se refere à época moderna (sécs. XVIII e XIX), a correlação estreita entre direito e

 poder, entre direito e Estado. O direito sem poder é vazio. O poder sem direito écego21.

4. O fundamento do direito. Os valores.

As normas jurídicas não são proposições neutras, desvinculadas das razões, motivos oufinalidades que lhes justificam a criação. Toda a técnica jurídica, como conjunto de

  processos de realização do direito, modela-se em um projeto político-filosófico aserviço do qual se coloca.22 A finalidade desse projeto é a realização de objetivos que asociedade considera fundamentais e que, por traduzirem uma escolha entre diversasopções, exprimem-se por meio de valores, que constituem a ética da comunidade.-------------21 Gregorio Peces-Barba Martinez, Derecho e derechos fundamentales, p. 17. Javier de Lucas(Coord.). Introducción a Ia teoria dei derecho, p. 120.

22 François Rigaux. Introducion à Ia science du droit, p. 382.-------------Fundamento da norma jurídica ou do sistema de direito são, portanto, valores, idéiasbásicas que se apresentam como qualidades ideais dos bens e que, por isso mesmo,determinam os modos de comportamento individual e social23 "subordinando-os aum sistema de normas cujo cumprimento permite ou destina-se à realização de taisvalores". O direito é, portanto, um instrumento de controle social constituído de normasque representam a escolha que o legislador faz entre diversos valores, como resposta ànecessidade de solução dos conflitos ou de organização social. Justifica-se, portanto, odireito na sua existência e nos seus efeitos, pela realização dos valores que a sociedadeestabelece como finalidade básica do ordenamento jurídico e que, por isso mesmo, lhe

servem de fundamento. O direito é, assim, uma realidade cultural e histórica quesomente se compreende com a referência e o conhecimento dos valores que constituema sua finalidade e a razão de ser.Como diz Bobbio, o jurista que não ultrapassar o direito positivo é capaz de estabelecer o que é juridicamente válido (problema de validade), mas não é capaz de reconhecer oque vale como direito (problema do valor do direito). A única via para compreender odireito como idéia de justiça é a de abandonar o terreno empírico, ascendendo aofundamento do direito, os valores.24Os valores jurídicos podem classificar-se, de acordo com o seu grau de relevância, emvalores jurídicos fundamentais, valores jurídicos consecutivos e valores jurídicosinstrumentais.25

-----------23 Miguel Reale, Filosofia do Direito, p. 195 e segs. Paul Orianne, p. 49 e segs.; José Barata Moura.Para uma Crítica da Filosofia dos Valores, pp. 9/50; Michel Virally. La pensée juridique, p. 24; Werner 

Page 14: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 14/359

Goldschmidt. Introducción Filosófica ai Derecho, n2 195; Luis Recaséns Siches. Tratado General deFilosofia dei Derecho, p. 58 e segs.; A. Machado Paupério. Introdução Axiológica ao Direito, p. 8 e segs.;Fritz Joachim V. Rintelen. Die Philosophie in XX lahrhundert, pp. 422/431; Eduardo Garcia Maynez.Filosofia dei Derecho, p. 413 e segs.; Christophe Grze-gorczyk. La théorie générale dês valeurs et lêdroit, p. 271; Luis Cabral Moncada. Filosofia do Direito e do Estado, p. 263 e segs.; Mário BigotteChorão, Direito, in Polis-Enciclopedia Verbo da Sociedade e do Estado, II p. 306; Wilson de Souza

Campos Batalha. Introdução ao Estudo do Direito, p. 116 e segs.; Paulo Dourado de Gusmão. Introduçãoao Estudo do Direito, n2 199.24 Bobbio. Diritto e stato nel pensiero di Emmanuel Kant, p. 111.25 Maynez, op. cit., p. 439. A Constituição da República Federativa do Brasil enuncia, no seu preâmbulo, os valores que presidiram à sua elaboração: "(...) a liberdade, a segurança, o bem-estar, odesenvolvimento, a igualdade, a justiça (••O."-----------Valores jurídicos fundamentais são aqueles de que depende todo o sistema

 jurídico. Compreendem a segurança jurídica, a justiça e o bem comum.Valores jurídicos consecutivos são os que se configuram como efeito imediato darealização dos valores fundamentais. Os mais importantes são a liberdade, aigualdade e a paz social, de especial importância para o direito civil.

Valores jurídicos instrumentais são os que se traduzem em meios ou processos derealização dos anteriores. Seu objetivo é possibilitar que se concretizem os valoresfundamentais e os consecutivos. Consistem nas chamadas garantias constitucionaise nos procedimentos judiciais à disposição dos cidadãos.Embora os valores sejam matéria de reflexão jurídico-filosófica, interessam ao direitocivil como fundamento dos principais institutos de direito privado e da prática jurídicadiária. O direito é um fenômeno complexo e multidimensional.

5. A justiça.

Valor fundamental é a justiça.Sua conceituação unitária é difícil. Desde os filósofos gregos, passando por Platão,Aristóteles, pelos juristas romanos, pelos mestres do direito natural e pelas modernasteorias jurídicas, uma definição precisa nunca foi possível estabelecer. De qualquer modo, como valor cultural, como standard, é produto histórico e relativo, de acordo comas épocas e os povos que estabelecem.

 Na cultura grega, a idéia de justiça pressupunha conformidade e igualdade; na culturahebraico-cristã, obediência à lei de Deus; na cultura romana, uma ordem de paz atravésde contínuo confronto com a idéia de autoridade. Tais aspectos apresentam-se hoje, emconjunto, na problemática da justiça, o que lhe dificulta a definição.Ulpiano dizia que: justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique

tribuendi.26 (a justiça é a vontade constante e perpétua-------------26 Digesto, I, l, 10. Cf. Manfred Rehbinder-Salvatore Patti. Introduziam alia scienza giuridica, Padova, p.116 e segs.; Aristóteles. Ética a Nicômaco, in Os Pensadores, p.121 e segs.; Miguel Reale, Filosofia doDireito, n- 113; Nelson Saldanha, Justiça, Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 47, p. 306; MachadoPaupério, op. cit., p. 175 e segs.; Mário Bigotte Chorão. Justiça, in Polis-Enciclopedia Verbo daSociedade e do Estado, IV, p. 906 e segs.; Piere Pescatore. op. cit. pp. 436 a 443; Maynez, ob. cit., pp.439 a 477; Eurico Opocher, Giustizia (filosofia dei diritto), in Enciclopédia giuridica, XIX, p. 557 e segs.;Felix E. Oppenheim, Justiça, in Dicionário de Política, p. 661 e segs.; Enrique R. Aftálion ft alii op. cit., p. 167 e segs.; Luiz Legaz y Lacambra, Filosofia dei Derecho, p. 341 c segs.; Luiz Recaséns Siches, ob.cit., p. 479 e segs.; Michel Villey, Philosophie Jii droit, définitions et fins du droit, pp. 55 a 70; DennisLloyd, La Idea dei Dfmcho, p. 130; John Rawls, A theory of justice.

27 Pescatore, Introduction à Ia science du droit, 1960, p. 439; Machado Paupério, op. dt., pp. 176 e 177-------------

Page 15: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 15/359

de dar a cada um o que é seu). É uma virtude, uma atitude dos homens no seurelacionamento social.A justiça representa, antes de tudo, uma preocupação com a igualdade , o que

 pressupõe a correta aplicação das regras de direito, evitando-se o arbítrio, e com a proporcionalidade, isto é, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, mas

na proporção de sua desigualdade e de acordo com seus méritos. A cada um de acordocom suas necessidades e exigindo-se de cada um conforme suas possibilidades. O problema central consiste, todavia, em determinar o "devido", o justo meio, dando-se acada um de acordo com seu trabalho e a utilidade social do que produz.A idéia de justiça traduz, enfim, um princípio de distribuição de bens e de ônus, queoferece três perspectivas: a justiça como virtude, realizando-se nas relaçõesintersubjetivas; o seu objeto, o que é devido nessas relações, e a igualdade proporcional,a idéia de equivalência e de proporção.Podem-se visualizar duas espécies de justiça, uma geral, que é a conformidade docomportamento da pessoa com a lei moral, e uma particular, que se manifesta nasrelações da pessoa com os demais membros da sociedade.

Aristóteles distinguia a justiça particular em três espécies: a comutativa, a distributiva ea legal. A primeira visa a igualdade entre os sujeitos, a equivalência das prestações, oequilíbrio patrimonial entre as partes da relação jurídica. É a justiça dos contratos, davida particular. A justiça distributiva "consiste em repartir proporcionalmente entre osmembros da comunidade as vantagens sociais e os encargos comuns".27 Adota o

  princípio da proporcionalidade, o que significa dizer, a cada um conforme suanecessidade. A justiça legal (ou geral) é a justiça nas relações dos sujeitos comautoridade, que se traduz na submissão à ordem vigente. A justiça comutativarepresenta o ideal do cidadão; a distributiva, o ideal do governante; a legal, o ideal docidadão-pessoa.28A complexidade das relações e do processo de desenvolvimento econômico e social, aexigir um direito eficaz, no sentido de harmonizar os interesses dos indivíduos e dosgrupos, fez surgir uma outra modalidade, a da justiça social. Revelada pela doutrina daIgreja, visa estabelecer uma conexão entre a consciência moral e a consciência social dacoletividade, exigindo que a ordem jurídica se mantenha ligada à ordem moral. Defendea luta contra os privilégios e exalta a dignidade humana, no sentido de fazer com quecada um contribua para o desenvolvimento, em todos os seus aspectos, da comunidade.O direito, fundamentado nos valores da justiça social, exerce, assim, uma funçãocorretora do individualismo, equilibrando a atividade e os interesses dos vários setoressociais.A justiça social surge não mais como virtude mas como tomada de consciência da

noção de bem comum, em uma perspectiva do direito como instrumento de controle ede mudança social. No âmbito do direito civil a justiça é um dos princípios fundamentais que se manifesta,  principalmente, nos contratos onerosos, como justiça comutativa, nos contratosgratuitos, como defesa da parte que pratica a liberalidade contra seus próprios excessos,e nos contratos bilaterais, em geral, como proteção da parte economica-----------------28 Gianni Baget-Bozzo, Pensamento social cristão, in Dicionário de Política, pp. 918a 923. A distinçãoou dicotomia — justiça comutativa — justiça distributiva, corresponde à que existe entre o direito privadoe o direito público, Bobbio. Estado, Governo e Sociedade, p. 19. Na reflexão atual sobre a justiça,suscitam especial interesse, na Alemanha, Yurgen Habermas, Theorie dês Kommunikativen Handelns,Frankfurt, Suhrkamp, 1981, vol. 2 e nos EUA John Rawls, A Theory of Justice, Oxford, 1972. O primeiro

tenta repropor a ética de Kant em bases mais amplas. Enquanto este considerava a ética do ponto de vistado dever, Habermas propõe que se leve em conta as necessidades e os interesses dos homens, que devemser determinados mediante uma comunicação livre e igualitária, própria de um consenso racional e não

Page 16: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 16/359

apenas fático. Por sua vez Rawls tem a pretensão de dar ao Estado social de direito uma base filosófica,face ao utilitarismo economista, construindo uma teoria da justiça em torno da noção de eqüidade. Paraesse filósofo, a eqüidade tem duas dimensões, uma formal, que inclui as idéias de liberdade, igualdade erespeito mútuo, e outra, num sentido próximo de Kant, material, que defende a distribuição dos benssociais levando-se em conta os menos favorecidos (Cfr. De Lucas, Introduccion a Ia teoria dei derecho, p.332.

----------------mente mais fraca.29 Procura realizar a equivalência das prestações, segundo a qual cada parte deve receber o equivalente ao que entrega, legitimando-se o poder do credor deexigir do devedor a prestação devida. E temos ainda, com base no mesmo princípio, aslimitações à autonomia da vontade, como medida de proteção à parte contratual maisfraca, que se concretiza, por exemplo, na legislação especial de defesa do consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990), da locação dos imóveis urbanos (Lei n-8.245, de 18 de outubro de 1991), e de reforma agrária e política agrícola (Lei n° 4.504,de 30 de novembro de 1964 e Lei n° 4.947, de 6 de abril de 1966).

6. A segurança.

A segurança jurídica significa a paz, a ordem e a estabilidade e consiste na certezade realização do direito. Os sistemas jurídicos devem permitir que cada pessoa possa

  prever o resultado de seu comportamento, o que ressalta a importância do aspectoformal das normas jurídicas, a sua forma de expressão. O direito tem, por isso, como umdos seus valores fundamentais, para muitos o primeiro na sua escala, a segurança30, queconsiste, precisamente, na certeza da ordem jurídica e na confiança de sua realização,isto é, no conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos e na certeza de seuexercício e cumprimento, e ainda na previsibilidade dos efeitos do comportamento

 pessoal.

A segurança jurídica, significando a estabilidade nas relações e a garantia de sua permanência, justifica o formalismo no direito e encontra no positivismo o seu principalfundamento teórico. Apresenta-se tanto como uma segurança de orientação, que serefere ao----------------29 Karl Larenz / Manfred Wolf. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, par. 42, segundo o qual, emmatéria de contratos, o princípio da autonomia da vontade deve conjugar-se com o da boa-fé e com o da justiça contratual compensatória, significando este que, nos contratos bilaterais, sinalagmáticos, cada  parte deve obter por sua prestação uma contraprestação adequada, correspondente ao valor daquela(princípio objetivo da equivalência).'M Enrique R. Aftalion, Fernando Garcia Olavo, José Vilanova. Introducción ai Derecho, p. 166; PierrePescatore. Introduction à Ia science du droit, p. 414; Mário Migotte Chorão. Segurança jurídica, in Polis-

Enciclopedia Verbo da Sociedade e do Estado, V, pp. 642/654.----------------conhecimento que os destinatários têm das respectivas normas de direito, como tambémuma segurança de realização, ou confiança na ordem, que é a certeza do exercício dosdireitos e do cumprimento dos deveres. Significa, portanto, a possibilidade de cada umcompreender o que é e o que não é lícito, podendo, conseqüentemente, regular seus atose seu comportamento. Constitui-se, por isso, no mais antigo valor, na premissa de todasas civilizações.O valor da segurança está presente e realiza-se em muitos institutos jurídicos. Quando,

 por exemplo, o Código de Processo Civil, no seu art. 126, dispõe que o juiz não podedeixar de dar sentença, julgando o litígio que lhe é submetido, concretiza o ideal da

segurança jurídica, pois todas as pessoas têm direito à prestação jurisdicional, à decisãode uma controvérsia, sem o que a vida social se transformaria em permanente conflito.

Page 17: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 17/359

Um dos objetivos da realização do direito é, assim, a exigência de ordem e desegurança. Como outros exemplos de realização do ideal de segurança jurídica temos: a)as formalidades essenciais dos atos jurídicos. Os mais importantes atos da vida de uma

 pessoa, o casamento, divórcio, adoção, emancipação, testamento, escritura de compra evenda etc., devem obedecer a formalidades que a lei especificamente estabelece, para

que os interessados tenham deles um conhecimento perfeito e melhor possam provar asua existência; b) a fixação de prazos para o exercício de direitos, sob pena de extinção,como ocorre com os institutos da prescrição e da decadência; c) as normas sobre acapacidade e o estado das pessoas, a idade para emancipação e para a maioridade; d) osistema de registros públicos, destinados a garantir a autenticidade, a segurança e aeficácia dos atos jurídicos; e) a consagração do princípio da não-retroatividade da lei edo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada; f) o institutoda coisa julgada, isto é, a decisão judicial de que não cabe recurso e que, por issomesmo, é imutável e indiscutível, presumindo-se verdadeira e justa a sentença, mesmonão o sendo (rés judicata pró veritate accipitur).Hoje em dia nota-se uma perda crescente da importância da segurança jurídica, em prol

da realização da justiça e do bem comum.

7. O bem comum.

O bem comum é o bem da comunidade, é o bem que as pessoas promovemenquanto associadas em uma ação conjunta no seu meio.Compreende o conjunto das condições sociais que permitem o desenvolvimentointegral da personalidade humana, e o bem-estar material, espiritual e cultural dacomunidade, pelo que se constitui em um dos objetivos fundamentais do Estado edo direito.31

O bem comum não se pode considerar nem sob uma perspectiva individualista, na qualseria apenas a soma dos bens individuais, nem sob uma coletivista, que subordina osvalores da personalidade aos coletivos. Traduz um equilíbrio entre o interesse geral e osinteresses privados, assim como a cooperação dos indivíduos para a obtenção dos finscomuns a todos.O bem comum é, portanto, o conjunto de condições necessárias ao bem particulardos membros da comunidade, e é também um valor social que se realiza com aparticipação de todos na criação das condições necessárias à existência de paz eestabilidade, presidindo ao desenvolvimento do direito em geral.Enquanto os indivíduos procuram a realização do seu bem, o fim da sociedade e daordem social é o bem de todos. Existe, assim, um bem público individual e um bem

 público coletivo, social, comunitário. É preciso, por isso, um tertius que se relacionediretamente com o bem comum individual e com o coletivo, que podemos chamar desolidariedade, para exprimir a idéia de valor comum, de interesse tanto do grupo quantodos seus membros. O valor da solidariedade é, assim, um valor de integração, como já

 previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 29), justificando aslimitações da lei ao exercício dos direitos e ao gozo das liberdades individuais paraassegurar o reconhecimento dos direitos e liberdades de outrem e para satisfazer asexigências da moral e da ordem pública.------------31 Eberhard Welty. Manual de Ética Social, p. 136; Hans Heckel. Recht und Gerechtigkeit, p. 25, apud.Maynez, op. cit, p. 479. Donde poder dizer-se que o sistema de direito privado fundamenta-se em dois

 princípios básicos: o do individual e o do social. O primeiro concebendo o sujeito jurídico, a pessoa,como eixo central em torno do qual gira o sistema de direito privado, com sua atividade limitada apenas pela ordem pública e os bons costumes. O segundo, a idéia do social, considerando a pessoa como

Page 18: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 18/359

 participante de uma comunidade, com a qual U'ni poderes mas também deveres, não apenas o sujeito jurídico como indivíduo mas também, e principalmente, como pessoa. Cf Manuel Garcia Amigo. Institu-ciones de Derecho Civil, p. 27. O fim do indivíduo é a realização de seu bem. (lorrelativamente, o fim dasociedade e da ordem social é o bem comum, Pesca-lorc, op. cit., p. 424.------------O que se verifica em todos os ordenamentos jurídicos contemporâneos é a conjugação

harmônica do bem comum, ou da solidariedade social, com os valores da liberdade e daigualdade, "centrando-se sobre a pessoa humana, sujeito de direito, sobre a qualencontram seu ponto de reencontro e reajustamento". A liberdade não é mais possívelsem igualdade e sem solidariedade. Por sua vez, a igualdade resulta do valor básico queé o bem comum.

 No que respeita ao direito civil, realiza-se o bem comum nos preceitos de ordem públicaque limitam a autonomia da vontade e impedem os abusos no exercício dos direitossubjetivos, como ocorre, por exemplo, com as limitações no campo da locação, emfavor do inquilino, e em matéria de prescrição, de direitos reais (numerus clausus), dedireito de família, com a proteção da família em si e de seus membros, e em matériasucessória, com as normas da sucessão legítima e da sucessão testamentária.

8. A liberdade.

Um dos valores mais importantes para o direito em geral e para o direito civil em particular é a liberdade.Sob o ponto de vista filosófico, a liberdade significa possibilidade de opção,manifestando-se como liberdade de fazer, ou livre arbítrio. É o estado do ser que nãosofre constrangimento, que age conforme sua vontade e sua natureza.32 Sob o ponto devista sociológico, é a ausência de condicionamentos materiais e sociais.A liberdade jurídica é a que reconhece no indivíduo o poder de produzir efeitos no

campo do direito. É portanto, o poder de atuar com eficácia jurídica. Consiste no poder de praticar todos os atos não-ordenados, tampouco proibidos em lei, optando entre oexercício e o não-exercício de seus direitos subjetivos.A liberdade jurídica compreende, assim, um conjunto de garantias que protegem apessoa na sua atividade privada e social. A Constituição delimita o campo dessaliberdade, definindo o âmbito material que compete ao Estado e o que compete aoindivíduo como pessoa e como cidadão. O setor que o Estado reconhece como externoao---------32 Frederich August von Hayek. A Constituição da Liberdade, p. 4; Felix E. Oppenheim. Liberdade, inDicionário de Política, p. 708 e segs.

---------seu domínio de atuação é o do direito privado, onde o indivíduo pode exercitar sualiberdade de modo subjetivo e de modo objetivo. Esse âmbito de atuação do particular écomo que uma esfera de imunidade, relativamente isenta da presença estatal. O direito

 privado surge, assim, como um espaço livre deixado ao particular pelo direito público.A liberdade serviu de fundamento ideológico ao liberalismo, doutrina política,econômica e social segundo a qual a liberdade deveria presidir à organização do todosocial e, no plano do direito, orientar o juízo de todas as coisas.33 Confere à pessoahumana o primado em relação à sociedade em que se insere.

 No aspecto subjetivo, a liberdade manifesta-se, no campo do direito privado, no poder da pessoa estabelecer, pelo exercício de sua vontade, o nascimento, a modificação e a

extinção de suas relações jurídicas. No aspecto objetivo, significa o poder de criar  juridicamente essas relações, estabelecendo-lhes o respectivo conteúdo e disciplina. No

Page 19: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 19/359

aspecto subjetivo, autonomia da vontade, e no aspecto objetivo, como poder jurídiconormativo, denomina-se autonomia privada. Instrumento de sua atuação e realização é onegócio jurídico.34A autonomia privada manifesta-se particularmente no campo das relações jurídicas denatureza patrimonial de ordem particular, realizando-se em temas de contrato e de

testamento. Não no campo do direito de família nem nos dos direitos reais, onde, nãohavendo campo para a sua atuação, as normas são cogentes, imperativas. Suasconseqüências mais evidentes, no campo da normatividade jurídica, são a liberdadecontratual, em suas várias espécies, a natureza dispositiva da grande maioria das normasdo direito das obrigações, a teoria dos vícios do consentimento (erro, dolo, coação), aindiferença quanto aos motivos do contrato, a força obrigatória do contrato e a eficácia

 jurídica do simples acordo de vontade, que caracteriza o consensualismo em matériacontratual.35 Princípio de grande importância no direito privado, a autonomia davontade, como expressão de liberdade e como poder jurídico, encontra limitaçõescrescentes na matéria de ordem pública e dos bons costumes (defesa do consumidor,contratos agrários, locação de imóveis urbanos, contratos de trabalho etc.).

  No campo econômico, a liberdade consubstancia-se no princípio da liberdade deiniciativa, um dos princípios básicos da ordem econômica e social prevista naConstituição brasileira.36 É a liberdade dos particulares de atuarem no domínioeconômico, organizando os meios de produção e promovendo a aquisição e a circulaçãode bens e serviços, o que pressupõe outros direitos, a propriedade e a liberdade decontratar.Outras manifestações do mesmo princípio no âmbito do direito privado são a liberdadede associação, a atuação profissional, as liberdades consubstanciadas nos direitos da

 personalidade (integridade física, moral e intelectual) e, ainda, a liberdade matrimonial ea liberdade testamentária e ainda a possibilidade de se estabelecerem meios alternativosde solução de conflitos, como a arbitragem e a mediação.

9. A igualdade.

A realização da justiça implica igualdade. Dizia Aristóteles que a justiça consiste emtratar de modo igual os iguais e desigualmente os desiguais, proporcionalmente à suadesigualdade. A igualdade configura-se, portanto, como um valor jurídicoconsecutivo, o que significa dizer que a igualdade está corretamente ligada àrealização da justiça, da segurança e do bem comum.A idéia ou valor da igualdade compreende a idéia de igual dignidade de todos,combinada com a desigualdade de suas aptidões e funções. Ora, a questão da

desigualdade pressupõe outra, que é a da diversidade de poderes em uma sociedadeigualitária, pois as relações de subordinação são relações de poder, como as que existem--------33 Henrique Barrilaro Ruas, Liberalismo, in Polis, II, p. l .090. "O constitucional ismo liberal colocou aliberdade como centro da parte mais delicada das Constituições: a dos direitos e garantias.Simultaneamente, o direito privado liberal lomou a liberdade como base para o contrato e para os atos jurídicos em geral"; Nrlson Saldanha, Liberdade, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 49, p. 357.34 Cf do Autor, Negócio jurídico, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 54, pp. 170/178. Cf. CarlosAlberto da Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 76 e segs.; Jacques Ghestin. Traité de droit civil.La formation du contraí, p.3535 Boris Stark. Droit civil. Obligations, p. 342.36 Constituição Federal art. 1£, item IV.

--------entre pais e filhos, tutores e tutelados, curadores e curatelados. A igualdade traduz-senão na igualdade formal das pessoas mas na sua igualdade material em face das

Page 20: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 20/359

oportunidades da vida, pois "uma declaração formal de igualdade resulta ilusóriaquando os sujeitos legalmente iguais carecem de meios para exercitarem os direitosligados a essa declaração de igualdade".37Várias contribuições se reúnem, ao longo do processo histórico, para caracterizar o quehoje se identifica como o princípio da igualdade no direito. O cristianismo introduz a

noção de pessoa, a "unidade do gênero humano". A filosofia patrística e a escolásticalevam à concepção individualista do Renascimento, que se consagra na RevoluçãoFrancesa com a teoria do primado do indivíduo, liberto dos privilégios do feudalismo,

 proclamando a liberdade, a igualdade e a fraternidade como direitos fundamentais dohomem e do cidadão.Com o constitucionalismo liberal firma-se o princípio da igualdade de todos perante alei (geral e abstrata), que o princípio democrático estende aos direitos políticos dacidadania. E com o Estado social advoga-se a igualdade de "condições efetivas deexercício dos direitos, pois não basta a todos atribuir idênticos direitos quando divergemas situações concretas em que se encontram e que a esse exercício podem constituir obstáculo".38

Desse processo resulta que a igualdade jurídica apresenta-se sob dois aspectos:formal, que é a igualdade de todos perante a lei, e que corresponde à concepçãolegalista do direito39 e a igualdade material ou substancial, que é a igualdade"imposta como exigência à própria lei", a igualdade na lei, e que consiste noreconhecimento das desigualdades sociais de modo a justificar a interferência dopoder público para proteger os interesses dos mais fracos, como ocorre com alegislação especial do inquilinato e do trabalho.

 No princípio da igualdade formal baseia-se a tendência à codificação que se verificounos séculos XVIII e XIX no continente europeu. "Os cidadãos, para serem iguais entresi, devem sujeitar-se todos à mesma lei, para ser igual para todos, deve formular-se nostermos mais gerais e abstratos."40 Ao mesmo tempo em que o processo decodificação consagrava a estatalidade do direito (o direito como produto doEstado), afirmava também a igualdade de todos na cidadania. Não mais as diversascondições de classe, mas as diversas funções econômicas do indivíduo eram as notasdistintivas da legislação que passava a considerar o indivíduo como proprietário(Código Civil), ou como comerciante (Código Comercial), ou como delinqüente(Código Penal), ou como parte em juízo (Código de Processo). E, ao contrário do queantes ocorria com a aristocracia, detentora de privilégios, a nova classe ascendente, a

 burguesia, que acreditava nos princípios do liberalismo econômico, acreditava tambémno livre jogo das forças do mercado. Ora, uma lei, igual para todos, um Código, aomesmo tempo que extinguia os privilégios de classe, próprios da aristocracia, permitia

também a criação de condições necessárias para a instauração de uma economia demercado. "A igualdade jurídica aparecia, assim, como a condição necessária para que seconstituíssem relações econômicas de mercado." Mas disto nasceriam depois outrasdesigualdades, não mais jurídicas, mas econômicas, não mais formais, mas,substanciais, nascendo, outros-sim, a exigência de um novo princípio de igualdade, o daigualdade substancial.A Constituição brasileira dispõe no seu art. 5- que "todos são iguais perante a lei, semdistinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas", sendo punido o

 preconceito de raça. Trata-se aqui da igualdade perante a lei, o chamado princípio daisonomia, que se impõe ao legislador, ao poder judiciário e à administração pública, eern virtude do qual em matéria de hermenêutica deve preferir-se, sempre, a

interpretação que iguale, não a que diferencie.41--------

Page 21: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 21/359

37 Maynez. op. cit., p. 492.38 Jorge Miranda, Princípio de igualdade, in Polis, III, p. 403. Na Declaração dos Direitos do Homem edo Cidadão, de 1793, encontra-se, pela primeira vez, a proclamação do princípio de igualdade perante alei, nestes termos: "Art. ls: Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direito. Art. 6S: A lei é aexpressão da vontade geral. (...) Ela deve ser a mesma para todos, quer proteja, quer puna. Todos oscidadãos, sendo iguais perante ela, têm o direito a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, de

acordo com sua capacidade e sem outra distinção que a de suas virtudes e suas qualidades.39 Castanheira Neves. O Instituto dos Assentos e a função Jurídica dos Supremos Tribunais, p. 120,nota 251. Cfr. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5°, exemplo de igualdade formal. Enos arts. 7°, XXX, a igualdade dos direitos dos trabalhadores, 226, par. 5°, a igualdade dos direitos edeveres conjugais, e 227, par. 6°, a igualdade de direitos dos filhos, como exemplo de igualdade material.40 Francesco Galgano. Diritto privato, p. 36.41 Mota Pinto, op. cit., p. 42.--------Expressão direta do valor da igualdade no direito civil é o postulado de que todas as

 pessoas, significando esta expressão "como todos os seres da espécie humana", sãoiguais na sua capacidade jurídica, vale dizer, na sua aptidão para titulares de direitos edeveres na ordem jurídica civil (CC, art. 1°) como sujeitos ativos ou passivos de

relações jurídicas. Também a lei não distingue, em princípio, os estrangeiros dosnacionais, quanto à aquisição e gozo dos direitos civis (C.F., art. 52), embora existam,na própria Constituição e em leis ordinárias, exceções a tal princípio.

 No corpo do Código Civil encontramos ainda alguns casos de igualdade especial, comoa que existe entre credores do mesmo devedor (CC, art. 957), salvo as exceções legaisque tomam o nome de privilégios (CC, art. 958), a que existe entre os herdeiros damesma classe chamada à sucessão, salvo o direito de representação (CC, art. 1.851),entre os cônjuges, quanto aos seus direitos e deveres (CC, art. 1.566).Em princípio, a igualdade está presente em todas as relações jurídicas. Inúmerassituações de fato, porém, em que se configura flagrante desequilíbrio entre os poderesdas respectivas partes, justificam o surgimento de leis especificamente destinadas a

 proteger a parte mais fraca, como se verifica, por exemplo, em matéria de locação, ondea falta de imóveis disponíveis exigia a intervenção do Estado para proteger os inquilinoscontra as pretensões abusivas dos locadores. E também a proteção ao consumidor noscontratos de adesão; do empregado no contrato de trabalho; da companheira noreconhecimento da sociedade de fato mantida com o companheiro; do menor nas suasrelações jurídicas de família; no campo das obrigações, a obrigação de contratar impostaa quem celebrar contrato preliminar (CC. art. 463), como a promessa de compra e venda(CPC, art. 639).

10. A teoria do direito civil.

O direito civil é o direito comum.42 Regula as relações entre os indivíduos nos seusconflitos de interesses e nos problemas de organização de sua vida diária,disciplinando os direitos referentes ao indivíduo e à sua família, e os direitospatrimoniais, pertinentes à atividade econômica, à propriedade dos bens e àresponsabilidade civil.Este livro é uma introdução ao direito civil. Como tal, visa a iniciar no estudo dadoutrina e do processo de realização do nosso direito civil, contribuindo para aformação jurídica do aluno por meio dos vários ângulos de apreciação científica, que

 permitem conhecer o fenômeno jurídico em sua múltipla dimensão, assim como osfatores que influenciam sua gênese e determinam suas modificações. É uma obra deteoria na medida em que elabora um conjunto de conceitos, elementos e estruturascomuns aos diferentes setores do direito civil.

Page 22: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 22/359

À semelhança das obras de teoria geral do direito, exposição sistemática do que osordenamentos jurídicos têm em comum43, reúnem-se aqui os conceitos e os princípiosfundamentais do direito civil, de modo descritivo, explicando as noções elementares, ede modo normativo, pela referência que se faz às normas que integram e constituem achamada Parte Geral do Código Civil, indispensáveis à realização dos institutos da

chamada Parte Especial.A Parte Geral do Código Civil reúne princípios, conceitos e regras de caráter  pretensamente comum aos diversos ramos da Parte Especial (Direito das Obrigações,Direito das Coisas, Direito de Família, Direito de Empresa e Direito das Sucessões).Fiel ao princípio de que o geral precede o particular e de que o gênero (genus)compreende as espécies (species), a Parte Geral é uma construção científica dodireito alemão de séc. XIX, a chamada Pandectística, tendo por base o direitoromano justiniâneo. A Pandectística, ou ciência das Pandectas, é uma construçãoabstrata, conceitual e sistemática do direito privado alemão, tendo por base o direitoromano justiniâneo, feita pelos juristas alemães do séc. XIX, que possibilitaram, assim,o chamado usus modernum pandectarum por meio de

------------42 Francesco Santoro-Passarelli, Dottrine generali dei diritto civile, p. 19.43 Hans Nawiasky, Algemeine Rechtslehre ais system der Rechtslichen Grundbe-griffe, p. 12; KlausAdomeit, Introducción a Ia Teoria dei Derecho, p. 26; Tércio Sampaio Ferraz Jr., pp. 40 e 84. Javier deLucas, p. 406. Vitorio Frosini. Teoria generale dei diritto in Novíssimo Digesto Italiano, XIX, ps. 5/7.------------

 perfeita e completa realização do método sistemático.44 Desde a sua criação, a ParteGeral tem sido objeto da crítica doutrinária, por não aplicar-se a todas as disposições da

 parte Especial, sendo considerada dispensável a até prejudicial45.Sendo uma obra de doutrina, adota as orientações metodológicas mais recentes,focalizando o fenômeno jurídico de direito civil sob a perspectiva da norma jurídica, da

relação jurídica e da instituição, sem deixar de considerar a perspectiva sistêmica, odireito civil como um todo unitário, harmônico e coerente, subordinado a princípios evalores fundamentais, aberto porém aos problemas que a realidade da vidaconstantemente produz e submete ao direito. E no estudo dessa matéria tem sempre emvista a necessidade de uma perspectiva histórica, para considerar o direito como produtode um vasto processo dialético, histórico e cultural, ao longo do qual vem forjando seus

 princípios, noções e categorias fundamentais, e de uma perspectiva crítica, no sentido demanter presente uma atitude de busca e reflexão sobre o fundamento ideológico de suasnormas e institutos, enfrentando os problemas que historicamente se têm posto quanto àorigem e evolução desse ramo jurídico.A perspectiva fundamental e orientadora desta introdução ao direito civil é a da relação

 jurídica, vínculo intersubjetivo que contém direitos e deveres das pessoas entre as quaisse desenvolve, tendo por objeto os bens sobre que tal conteúdo se exerce, e que nascedos fatos, atos ou negócios jurídicos, acontecimentos a que o direito atribui eficácia

 jurídica, integrada porém numa visão mais ampla, que é a da experiência jurídica brasileira.Depois de um estudo preliminar da teoria da norma jurídica de direito privado e datécnica de sua realização, entra-se no estudo propriamente dito da gênese e da evoluçãodo direito civil brasileiro e, em seguida, no dos conjuntos normativos, modelos ouinstitutos formados em torno dos elementos fundamentais da relação jurídica, isto é, as

 pessoas, os bens e os fatos jurídicos, pressupostos, respectivamente, de uma teoria da personalidade, de uma teoria do patrimônio e de uma teoria do ato jurídico.

A compreensão dessa matéria exige, porém, a consulta permanente ao código e àlegislação especial citada. Como advertência de método, sugere-se o estudo paralelo

Page 23: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 23/359

do texto e da lei, enriquecendo-se esta com o texto, e, com este esclarecendo-se osdispositivos legais, além da pesquisa constante dos repertórios de jurisprudênciaque demonstram o correspondente processo jurisprudencial.Os artigos do Código Civil correspondentes à matéria exposta citam-se ao longo dotexto, entre parênteses, sem outra referência; os da legislação especial ou de outros

códigos ou diplomas legais, assim como as indicações bibliográficas, citam-se em notasde rodapé.

11. O direito civil como norma jurídica.

O direito civil consubstancia-se no Código Civil e nas leis complementares,encontrando-se, porém, alguns de seus princípios fundamentais na Constituição,referentes à proteção da pessoa, da família e do patrimônio.Seu estudo pode realizar-se, como referido no item anterior, sob diversas perspectivas,das quais se destacam as que visualizam o direito como norma jurídica, como relação

  jurídica, e como instituição, correspondentes a diversas concepções ideológicas emetodológicas que tomam o nome às categorias fundamentais da experiência jurídicaque os teóricos do direito utilizam no seu trabalho de sistematização científica,categorias essas, a norma, a instituição e a relação jurídica.Surgem, desse modo, as teorias normativa, institucional e relacionai, cada uma delascom significado ideológico próprio, expresso na afirmação de certos valores, e tendocomo objetivo científico determinado a compreensão e explicação da realidade social e

 jurídica46 em que o homem vive.A teoria normativa faz da norma jurídica o elemento fundamental e característico daexperiência jurídica. Considera que o direito é, essencialmente, um conjunto de normasde comportamento ou de organização impostas ou de observância obrigatória.

Tal posicionamento decorre da constatação de que a vida em sociedade pressupõe aexistência de normas de comportamento e----------44 Cfr. Giovanni Orrú, Pandectistica, Digesto, XIII, p. 25145 "A construção de uma Parte Geral pertence às tarefas irrenunciáveis de umaciência do direito, desde que esta se entenda como sistemática, como aconteceu i om aalemã, a partir do começo do século passado". Franz Wieacker, História ilo DireitoPrivado Moderno, p. 560.46 Cotta, op. cit, p. 41; Tércio Sampaio Ferraz Jr. A Ciência do Direito, p. 50 e segs.----------de organização pelo que a experiência jurídica seria uma experiência normativa.47 Da

concepção à morte, submetem-se as pessoas, permanentemente, a todo tipo de normasque lhes determinam o comportamento ou organizam a existência. São normas deeducação familiar ou escolar, de prática religiosa, de atividade produtiva ou laborai,enfim, um mundo de normas a dirigir ou a condicionar a nossa existência. A norma decomportamento é, assim, onipresente em nossa vida, e a espécie mais freqüente, objetodo nosso interesse, é a norma jurídica, cuja idéia-chave e seu fundamento é o poder deque provém.O direito civil leva em excepcional consideração o estudo do fenômeno jurídico a partir da norma, porque, sob o ponto de vista histórico, foram as normas de direito privadoque, servindo de modelo para os outros ramos do direito, constituíram o direito por excelência, fixando os princípios da propriedade privada, da circulação dos bens, da

sucessão por morte e da obrigatoriedade do contrato.48 O direito civil ou privado tem prioridade histórica em relação aos demais direitos,49 o que explica a inserção, nos

Page 24: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 24/359

Códigos e nos manuais de direito civil, de uma parte introdutória contendo normasgerais sobre aplicação das leis e todos os ramos do direito. Distinguem-se as suasnormas das demais por sua diferença específica, a saber: os institutos próprios e amatéria que disciplinam a personalidade, a família, a propriedade, o contrato e asucessão, que se encontram originalmente no Código Civil e na legislação que lhe é

complementar.Pode-se assim dizer que o direito constitui a parte mais destacada da nossa experiêncianormativa.50 Sua função é evitar ou dirimir conflitos de interesses, realizando objetivosconsiderados fundamentais, como a segurança, individual e social, a justiça, o bemcomum. A norma jurídica é, assim, a realidade fundamental e onipresente da disciplinalegal da existência humana. É ela que dá o caráter de juridicidade aos fatos da vida real,e é a partir dela que se pode estudar o direito na sua estrutura, nas suas funções e no seufundamento.12. O direito civil como relação jurídica.Para a teoria relacionai, ou teoria da relação jurídica, o fenômeno jurídico deve apreciar-se sob o ponto de vista da relação entre pessoas. Não era outro o sentido do art. 1° do

Código Civil de 1916 ao dispor: "Este Código regula os direitos e obrigações de ordem privada concernente às pessoas, aos bens e às suas relações."Essa perspectiva é bastante antiga, mas é com Kant que alcança sua maior expressão nafilosofia, e com Savigny no campo da técnica jurídica. O filósofo de Kóenisberg via narelação entre pessoas, com direitos e deveres, "o momento central da experiência

 jurídica", tese posteriormente desenvolvida pela escola histórica alemã, que recusava o primado do legislador, representado pela norma, e via o direito como expressão da vidasocial e das relações que a constituem.51 E sua marca, a intersubjetividade, concretiza-se na reciprocidade de poderes e deveres.Representa, assim, uma concepção personalista do fenômeno jurídico.Essa teoria baseia-se no princípio da autonomia da vontade, segundo a qual os sujeitos

  podem criar e modificar relações jurídicas, no exercício de um poder que lhe éreconhecido pelo Estado. Manifestação prática de sua importância está noreconhecimento constitucional dos direitos humanos, dos direitos subjetivos públicos,das garantias individuais, enfim, da proteção que o Estado deve ao cidadão na sua vidasocial e jurídica e que pressupõe relações criadas pela autonomia dos indivíduos. Arelação jurídica apresenta-se, então, como categoria capaz de explicar toda a atividade

 jurídica do indivíduo.O conceito de relação jurídica é fundamental no direito, podendo dizer-se que é umacategoria básica do direito privado. Representa um nexo jurídico entre pessoas,contendo poderes e deveres. Tem como fundamentos axiológicos a moral Kantiana e a

doutrina liberal democrática,52 e seu principal campo de atuação particular é aexperiência jurídica na qual "a vida jurídica se apresenta como-------------47 Bobbio. Teoria delia norma giuridica, p. 3.48 Natalino Irti, Introduzione alio studio dei dirítto privato, p. 21.49 Pietro Rescigno. Manuale dei dirítto privato italiano, p. 3 e segs.50 Emmanuel Kant. Metafísica dos Costumes, p. 407; Cotta, op. cit., p. 44.51 Savigny. Sistema dei Derecho Atual, vol. I, p. 52.52 Cotta, op. cit., p. 50. Para uma visão crítica da relação jurídica, Orlando deCarvalho. A Teoria Geral da Relação Jurídica. Seu Sentido e Limites, Coimbra,Centelha, 1981; Antônio Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil — Relatório,

 p. 237 e segs. e também Tratado de Direito Civil, l, p. 227 e segs.-------------

Page 25: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 25/359

conjunto de relações, que a norma estatal fixa de modo típico", e na qual a autonomia privada estabelece o conteúdo preceptivo. Substancialmente, a relação jurídica está naorigem, "mediante a manifestação de vontade ou o encontro consensual das vontades",da norma que regula o comportamento concreto das partes.

 Não obstante a relação jurídica seja categoria própria do direito privado, também no

direito público tem acolhida, não como decorrente de prévias relações sociais, mascomo vínculo que a lei estabelece entre os particulares e o Estado, como decorrência defatos jurídicos típicos, como, por exemplo, a obrigação de pagar impostos.13. O direito civil como instituição.Perspectiva oposta à tese da estatalidade do direito, para a qual a regra jurídica écomando imposto pelo Estado, é a do pluralismo jurídico, que defende a multiplicidadede ordens jurídicas, ao lado do "direito do Estado". Este não teria o monopólio da

 produção jurídica. A seu lado existiriam outros centros jurígenos, de que a instituiçãoseria o melhor exemplo. É a tese de Hauriou e Santi Romano desenvolvida a partir dostrabalhos de Otto von Gierke segundo o qual "toda comunidade orgânica é capaz de

 produzir direito". O direito surge com toda a forma de organização, seja ela o Estado ou

uma corporação.33Esses juristas têm como idéia-chave a instituição grupo social dotado de uma ordem ede uma organização próprias, com o "poder de criar seu próprio direito, naturalmente decaráter derivado e secundário" em relação ao Estado, que é a instituição fundamental.Esse não teria o monopólio da produção jurídica, sendo de admitir-se uma pluralidadede fontes e de meios de solução de controvérsias jurídicas.A teoria institucional vê, assim, como elemento fundamental e característico do direito,a instituição, não a norma nem a relação jurídica.54Essa teoria encontra origem na tradição jurídica da igreja católica, que se constituía emum sistema independente do Estado, e que reconhecia um novo tipo de pessoa jurídica,diverso da fundação e da corporação, tipo esse marcado pela auctoritas superiori, avontade do fundador, de que são exemplo as ordens monásticas. A nova espécie era ainstitutio ou instituição, conjunto de elementos materiais destinados à realização de umavontade externa e superior, sob a forma de uma entidade ou corpo social. Com Otto vonGierke, por efeito de suas pesquisas sobre as comunidades e corporações medievais,essa teoria adquire nova substância, desenvolvendo-se a concepção pluralística esocietária dos ordenamentos jurídicos. De acordo com esse entendimento, o direito podeser produzido pelo Estado, assim como pelas demais comunidades que formam asociedade. Existe entre o direito e as comunidades (entre as quais o Estado) um vínculode interação pelo qual se determinam reciprocamente.Com a doutrina da instituição defende-se a pluralidade dos ordenamentos jurídicos

chegando Cesarini-Sforza a advogar a tese do "direito dos particulares", que é a esferade liberdade de atuação das pessoas, o campo de atuação da chamada autonomia privada, poder de criar um ordenamento jurídico diverso do ordenamento estatal. O"direito dos particulares é aquele que eles mesmos criam para regular determinadasrelações de interesse coletivo na falta ou insuficiência da lei estatal".55 Não é sinônimode direito privado, é direito que não emana do Estado, nem mediata nem imediatamente.A superioridade do Estado deve consistir não na negação de outras possíveis fontes dedireito, mas no fato dele ser o ente que aplica a maior parte do direito, garantindo asanção. E o problema da autonomia privada é, por isso mesmo, não um problema deexistência ou de validade, mas sim um problema de limites.Aplicações concretas da teoria da instituição no direito civil são os casos de

 personalização ou personificação jurídica como as associações, sociedades, fundações,conjunto de pessoas e de bens que se

Page 26: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 26/359

Santi Romano. Frammenti di un dizionario giuridico, p. 82; Widar Cesarini Sforza. //diritto dei privati, p. 3.-----------------53 Miguel Reale. Teoria do Direito e do Estado, p. 249; Otto von Gierke. Lês théories

 politiques du moyen age, Paris, 1914, apud Reale, op. cit., p. 252; Maurice Hauriou.

Teoria dell'istituzione e delia fondazione, Santi Romano. L'ordre juridi-que, GeorgesRenard. La théorie de Vinstitution, Antônio Carlos Wolkmer, Pluralismo jurídico.54 Vittorio Frosini, Istituzione, in Novíssimo digesto italiano, vol. IX, p. 267;55 Sforza, op. cit., p. 3; Luigi Ferri. L 'autonomia privata. Milano, Giuffrè, 1959, p. 5;Miguel Reale. Lições Preliminares de Direito, p. 191; Alberto Trabucchi. Istituzioni didiritto civile, Padova, Cedam, décima nona edizione, 1973, p. 6.-----------------organizam sob determinada ordem para realizarem determinados fins, ou, ainda, aordenação lógica de normas jurídicas em torno de uma determinada relação, paradiscipliná-la na sua origem, validade e eficácia, como ocorre com o casamento, a

 propriedade, título de crédito, as garantias creditícias etc., quando então se costuma

denominar de institutos. O que caracteriza, portanto, o instituto, é o fato de ele seconstituir em um conjunto unitário de normas com a função de disciplinar relações

 jurídicas típicas. Já o termo instituição tem o significado mais amplo de organizaçãosocial, consistindo não só em uma estrutura jurídica como também em uma realidadeeconômica, ética, profissional. Neste caso, são instituições fundamentais do direito

 privado a personalidade, a família, a propriedade, a empresa. No direito público temosas mais importantes: o Estado, as autarquias, as sociedades de economia mista, asempresas públicas, as associações culturais ou de assistência. No ensino do direitoutiliza-se também a palavra "instituições" para indicar "uma breve, sucinta exposiçãonão aprofundada de matérias jurídicas", como ocorre com os "manuais", as "noções", os"comentários", as "introduções".5614. Apreciação crítica.Cada uma dessas teorias, embora com a pretensão de explicar o fenômeno jurídico doseu ângulo de apreciação, não exclui as demais, todas se completam.A teoria normativa tem como idéia-chave o poder jurígeno do Estado e como categoriafundamental a norma de direito. A teoria relacionai baseia-se na autonomia individual,tendo na relação jurídica a sua principal categoria, que nasce da experiência jurídica

  privada. A teoria institucional baseia-se na ordem social organizada e tem comocategoria básica a instituição. Nasce no terreno publicístico, embora também tenha sidoutilizada no âmbito privado, como atestam as concepções de Cesarini-Sforza e de SantiRomano sobre o direito dos particulares.

Exame superficial demonstra, todavia, que a dimensão normativa é comum a todas asteorias. A existência da instituição pressupõe a da norma, pois, sem esta, a matériasocial a institucionalizar-se não se ordena e não se organiza. E para que se configure arelação jurídica, necessária é a incidência da norma sobre a relação social específica,

 pois a relação jurídica distingue-se de quaisquer outras espécies de relação, exatamente por ser regulada por uma norma jurídica.Podemos assim dizer que as três teorias, correspondentes a três diversos modos deenfocar o fenômeno jurídico, não se excluem, antes se integram e se completam, cadauma delas pondo em evidência um aspecto da experiência jurídica: a da relação, oaspecto da intersubjetividade; a da instituição, o da organização social, e a da norma, oaspecto da regularidade ou juridicidade. A autonomia individual faz nascer as relações

entre sujeitos, que se organizam em grupos e em sociedades mediante o uso de regras de

Page 27: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 27/359

comportamento e de organização. "Enquanto que a intersubjetividade e a organizaçãosão condições necessárias, o aspecto normativo é condição necessária e suficiente".57Deve-se, portanto, recusar o predomínio de qualquer concepção monista, unilateral, quereduza experiência jurídica a fenômeno de uma só justificação. O direito não é sórelação jurídica, nem só instituição, nem só norma, mas as três, cada uma a seu modo e

com sua importância, conforme se enfatize a liberdade que está na base da teoriarelacionai e da institucional, ou o poder, a autoridade sobre que se fundamente anormativa. Conforme os momentos da evolução jurídica dos povos, ora se enfatiza aliberdade, ora a autoridade.58 Qualquer que seja, todavia, o ângulo de apreciação daexperiência jurídica, não se pode negar o caráter instrumental da norma de--------------56 No direito romano, Institutiones (em português instituições] de instituere = instruir,iniciar em determinada disciplina, eram uma breve e sucinta exposição do ius civile,sobretudo no direito privado. Cfr. Sebastião Cruz, Direito Romano, 4" edição, Coimbra,1984, p. 363.57 Bobbio, op. cit., 34.

58 Reale. Teoria do Direito e do Estado, p. 282. "O direito é, simultaneamente, norma,relação e instituição jurídica. A norma é o dado primeiro, a estrutura fundamental. O

 jurista encontra-se em um mundo de normas que tem de analisar e compreender. Arelação é o vínculo jurídico que se estabelece entre as pessoas, por efeito da norma,criando-se direitos e deveres reciprocamente. O conjunto das normas em torno derelações fundamentais constitui os institutos e as instituições jurídicas, corpos jurídicosque nascem, vivem, se desenvolvem e morrem no mundo do direito. Cfr. RamonSoriano, Compêndio de Teoria General dei Derecho, p. 18.--------------direito no sentido de ser o meio da realização dos princípios cardiais da convivênciasocial, os valores. São estes o objetivo final do direito. Surgem, assim, o Estado e aordem jurídica como instrumentos de realização dos valores fundamentais da sociedade,o que significa dizer, meio de realização dos fins sociais e individuais.15. O direito como sistema. O sistema de direito civil.

 Não obstante a reserva atual à idéia de sistema, é freqüente encontrar-se nas obras deteoria geral do direito, particularmente nas de cunho sociológico, a consideração dasociedade como "um conjunto unitário e integrado por elementos em relação", e dodireito como um sub-sistema social, relacionado com os demais subsistemas, oeconômico, o político, o cultural, o que facilitaria a compreensão da crise do direito.Aspecto marcante do pensamento jurídico contemporâneo é o reconhecimento geral deque o direito está em crise. A inflação legislativa que vem acompanhando o evolver do

direito no pós-guerra, gerando insegurança nas relações jurídicas, a desarmonia entre ateoria e a prática jurídica, entre o direito e a justiça, e a redução crescente do campo dodireito pelo desenvolvimento das demais ciências sociais, chegando-se ao ponto de sereconhecer a existência de um domínio do "não-direito",59 tudo isso vem causando umasérie de críticas ao direito como ciência, acentuando-se o seu estado atual deanormalidade e afirmando-se, até, o seu declínio.60As críticas que se fazem, demonstrando o descompasso entre o discurso teórico e a

 prática judicial e administrativa, ou entre a ideologia jurídica, isto é, a justificação dasregras jurídicas, e os verdadeiros valores econômicos que elas exprimem, demonstram anecessidade de uma nova direção no estudo do fenômeno jurídico, superando astradicionais concepções já referidas, por unilaterais.

O endereço metodológico logo se impôs e desenvolveu foi o da análise sistêmica dodireito, tentando-se compreender a experiência jurídica por meio de uma perspectiva

Page 28: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 28/359

global que, levando em conta as normas, relações e instituições, a relacionasse com omeio de que provém, e permitisse superar a "contestação recíproca do direito e dasociedade".A análise sistêmica, mais propriamente análise sociológica dos sistemas jurídicos, é um

 processo que tem como objetivo estudar o direito em sua totalidade e complexidade,

 para melhor compreender os seus problemas estruturais e o seu funcionamento interno,desenvolvendo-se, por isso, a partir de uma concepção sistêmica, in-terdisciplinar,  pluralista e construtivista. Sistêmica no sentido de considerar o direito como umconjunto unitário e organizado de elementos (normas, conceitos, institutos, princípios evalores), coerentes e solidários entre si, o que permite estudá-lo na sua totalidade, nosseus problemas estruturais, no seu funcionamento interno e na sua conexão com outrossistemas da sociedade. Interdisciplinar, como articulação do direito com outras ciênciassociais (sociologia, antropologia, psicologia social, criminologia, economia, política...),no desenvolvimento de um projeto comum que é o "estudo e investigação empírica dasrelações entre o direito e a sociedade". Pluralista, no reconhecer várias fontes de

  produção jurídica e vários meios de solução de conflitos, contestando a opinião

tradicional que identifica o jurídico com o direito estatal. Construtivista no sentido dever o direito, não como um conjunto e regras preestabelecidas, nem como objeto doconhecimento dado de antemão, que se observa e descreve, mas como um processo infieri, de elaboração contínua e realização permanente, que não separa o ser do dever ser,nem o---------------59 Paul Orianne. Introduction au système juridique, p. 13; Castanheira Neves.Questão de Fato, Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, I, p.62; Josef Esser. Zur metodenlehre dês Zivilrechts, Studium generale, p. 97. JeanCarbonnier, Flexible droit, p. II, define o não-direito como "a ausência de direito em umcerto número de relações humanas onde o direito teria tido vocação teórica para estar 

 presente".60 René Savatier. Lês métamorphoses economiques et sociales du droit civild'aujourd'hui, p. 24; Georges Ripert. Lê déclin du droit, p. 12 e segs.; Georges Burdeau."Lê déclin de Ia loi"; Konstantin Stoyanovitch La théorie marxiste du dépérissemente de1'État e du droit; René David, Lê dépassement du droit et lês systèmes de droitcontemporains; Henri Battifol. Lê déclin du droit. Exame critique, in Archives de

 philosophie du droit, n2 8, pp. 40, 133, 4, 43. Cf., ainda Bruno Oppetit. Lhypothèse dudéclin du droit; Christian Atias. Une crise de legitimité seconde; Simone Goyard-Fabre.Lê droit est il de cê mondei; Alain Viandier. La crise de Ia technique législative; JeanCarbonnier. Sociologie juridique et crise du droit; Hervé Croze. Lê droit malade de son

information; Patrick Wachsmann, Lê ktílsénisme est-il en crise?, in Droits. Revuefrançaise de théorie juridique n£ 4 pp 9, 21, 35, 75, 65, 81 e 53.----------------sujeito cognoscente do objeto de conhecimento, típico da lógica positivista61.Essas perspectivas favorecem também o desenvolvimento de uma visão crítica dodireito, no sentido anti-dogmático do termo, permitindo compreender "o jogo concretodos mecanismos jurídicos" no interior dos sistemas, e a sua relação com as exigênciassociais.A consideração do sistema, se não é nova, não tem sido objeto de grande atenção por 

 parte dos civilistas donde a conveniência de sua abordagem num livro de teoria dodireito civil.

Page 29: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 29/359

Impõe-se, preliminarmente, precisar o significado do termo sistema, sendo conhecida avariedade de sentidos que pode oferecer em filosofia, em lógica e na própria ciência dodireito.62Antes de mais, diga-se que a idéia de sistema e o ideal de sistematização caracterizam odireito ocidental moderno, e representam um paradigma cientifico.63

Sistema é um conjunto unitário e coerente de elementos har-monicamente conjugados,com relações de subordinação e coordenação entre si. Poderia também definir-se como"um conjunto único e ordenado, cujos componentes são coerentes e solidários entresi".64 Sistema não é sinônimo de ordenamento, embora alguns juristas defendam asinonímia.65Uma visão histórica oferece alguns exemplos dessa concepção unitária do fenômeno

 jurídico. Os romanos, desde o último século da República, já relacionavam entre si asconstruções jurídicas que faziam, estabelecendo uma relação (de dedução) lógica entreos princípios gerais e as soluções que davam aos casos concretos que se lhes submetiama exame e julgamento. Fala-se, assim, em sistema muciano, de Quinto Mucio Scaevola,em sistema sabiniano, de Mazurio Sabino66, encontrando-se a primeira visão de sistema

"inspirada em princípios sociológicos e acomodada às exigências didáticas, nasInstituições de Gaio, com sua distribuição em personae, rés e actiones"'.Os juristas medievais já se teriam preocupado com a sistemati-cidade do fenômeno

 jurídico, como se pode ver na obra dos comen-tadores, embora apenas no seu aspectoextrínseco, isto é, como processo de exposição do material jurídico. Noutra perspectiva,a do direito como sistema intrínseco, no sentido de um todo unitário, formado por umconjunto de preposições jurídicas conexas entre si, dotado de finalidade específica, é aobra de Ihering, que afirma não se poder compreender o direito sem conhecer a suaconexão sistemática.67O sistema caracteriza-se pela unidade, plenitude e coerência de suas normas, e peladedutibilidade, subordinação e coordenação de seus elementos. Unidade no sentido deum conjunto ordenado segundo um ponto de vista unitário que, para Kelsen, seria umanorma básica. Coerência como inexistência de incompatibilidade----------------61 Cfr. André-Jean Arnaud/Maria José Farinas Dulce, op. cit., p. 23.62 Cfr. André-Jean Arnaud / Maria José Farinas Dulce, op. cit., p. 242, Michel van deKerchove e François Ost, Lê système juridique entre ordre et desordre, p. 19 e segs.

 Nelson Saldanha. Velha e Nova Ciência do Direito, p. 155; Tércio Sampaio Ferraz Jr.Conceito de Sistema no Direito, p. l e segs.; Niklas Luhman. Sistema Jurídico yDogmática Jurídica, pp. 17, 102 e segs.; Carlos Santiago Nino. Introducción a Análisisdei Derecho, p. 101 e segs.; Alain Renaut. Lê système du droit, p. 136 e segs.; Jean

Gaudemet. Tentatives de systématisation du droit à Rome; Stéphane Riais,Supraconstitutionnalité et systematicité du droit; René Sève, Système et code; NikasLuhman, L'unité du système juridique; Christophe Grie-gorzczyk, "Evaluation critiquedu paradigme systémique dans Ia science du droit", in Archives de philosophie du droit,vol. 31, Lê système juridique, Paris, PUF, 1986, pp. 11, 57, 77, 163 e 281; Castanheira

 Neves, A unidade do sistema jurídico", in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, Coimbra, p. 95 e segs.; Giorgio Lazzaro, Sistema giuridico, in

 Novíssimo digesto italiano, vol. XVII, 1957, p. 459 e segs.; Karl Larenz. Metodologiada Ciência do Direito, p. 178 e segs.; 506 e segs.; Eurico Paresce, Dogmática giuridica,in Enciclopédia dei diritto, vol. XIII, 1964, p. 699 e segs.; Franz Wieacker. Priva-trechtsgechichte der Neuzeit, 1967, pp. 425, 460, 494 e segs.; Claude du Pasquier.

Introduction à Ia théorie génerale et à Ia philosophie du droit, p. 141; Pierre Pescatore.

Page 30: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 30/359

Introduction à Ia science du droit, p. 225 e segs.; Claus-Wilhelm Canaris. PensamentoSistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, p. 9 e segs.63 Michel van de Kerchove e François Ost, Lê système juridique entre ordre etdesordre, p. 19. Jaime M. Mans Puigarnau. Lógica para Juristas, p. 154.64 Jaime M. Mans Puigarnau. Lógica para juristas, p. 154.

65 Kelsen, Teoria pura do direito, p. 57; Santi Romano, L'ordre juridique, p. 7.Ramon Soriano, Compêndio de teoria general dei derecho, p. 79.66 Lazzaro, op. cit., p. 460. Cf. Max Kaser. Das Rõmische Privatrecht, pp. 23 e 24,

 para quem "a estruturação da matéria jurídica privada e sua ordenação em um sistemainspirado em determinados princípios jurídicos era desconhecida em Roma".67 Rudolf von Ihering. L'esprit du droit romain, p. 37.----------------entre suas normas. A existência de normas incompatíveis ou em conflito denomina-seantinomia (do grego anta, contra, e nomos, norma); dedutibilidade pelo raciocínio queestabelece a partir das causas para os efeitos; subordinação, pela dependência a um

 princípio superior, e coordenação no sentido de disposição segundo certa ordem.

Plenitude, ou completude, é a qualidade de um sistema que possui normas paraquaisquer casos. Como a falta de norma adequada constitui uma lacuna, plenitudesignifica ausência de lacunas. A plenitude é ideal inatingível, pelo que os sistemas

 jurídicos possuem meios de preenchimento de suas lacunas, denominados de integração.Conseqüência direta da concepção do direito como sistema é o processo de integraçãoda norma jurídica e a possibilidade de sua aplicação por analogia.O direito como sistema intrínseco ou como sistema dedutivo foi a grande contribuiçãodo jusracionalismo que, libertando "a ciência jurídica privatística de sua submissão àsfontes romanas e às antigas autoridades, abre caminho, com sua visão de conjunto, paraa construção sistemática e autônoma."68 A idéia do direito como sistema representa,assim, a mais importante contribuição do jusracionalismo ao direito privado europeu, aque se seguiu o advento das construções conceituais, da utilização dos conceitos, queeram princípios jusna-turalistas transformados em princípios de caráter técnico-jurídicoe do que a jurisprudência dos conceitos, do século XIX, é a maior herdeira.Os códigos são, assim, a representação mais tangível da sistema-ticidade do direito.69Elementos de um sistema jurídico são as normas, os institutos, as categorias, osconceitos, os princípios gerais e os valores, ou, para usar a linguagem de Friedman,70as estruturas e as normas jurídicas, em permanente interação.Considerar-se o direito sob o prisma de sistema oferece vantagens. Facilita oconhecimento e a realização, pela aplicação dos conceitos, das regras gerais; permitesuperar a tradicional distinção entre o aspecto morfológico das coisas e sua própria

dinâmica, e permite uma análise interdisciplinar do fenômeno social, considerando asrelações existentes entre os diversos sistemas sociais, o político, o econômico, o jurídico, o cultural etc., e confere ainda uma certa segurança pela previsibilidade dosefeitos jurídicos decorrentes das hipóteses de fato contidas nas disposições normativas,nos artigos de lei.71 E ainda, a validade da norma jurídica significa a pertinência danorma a determinado sistema.Concluindo, devemos dizer que, para a concepção sistêmica do direito, o fenômeno

 jurídico não se deve estudar apenas, como norma, relação ou instituição, aspectos quelhe são fundamentais, mas cujo estudo unilateral apenas lhe fragmenta o entendimento.Deve apreciar-se o direito com uma visão global e compreensiva da totalidade que seforma com as normas, as relações, as instituições, integradas em um conjunto unitário,

coerente e dinâmico, que se processa sob a égide de valores e princípios fundamentais.

Page 31: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 31/359

O sistema jurídico, embora apresentando características de unidade, plenitude ecoerência, não pode ser considerado, todavia, como produto de puras conexões lógicas,deduzidas de princípios fundamentais harmonicamente dispostos, de modo estático efechado. Deve ser concebido como uma totalidade social e dinâmica, suficientementeaberta para acolher os problemas que se renovam, sem prejuízo da sua ordenação

sistemática.72------------68 Wieacker, op. cit, p. 309.69 Kerchove e Ost, op. cit. p. 11.70 W. Friedman. Théorie génerale du droit, p. 55.71 Orianne, op. cit., p. 25.72 Menezes Cordeiro. Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 1.260. A concepção do direitocomo sistema, ou pensamento sistemático, opõe-se a do direito como problema, ou

  pensamento problemático. De um lado, a "sistematicidade axiomá-tico-dedutiva"; deoutro, a tópica, a concepção do direito como um conjunto de topai, juízos normativoselaborados para atender a problemas concretos, sem concessões à unidade sistemática,

 ponto de vista teorizado e divulgado por Theodor Viehweg na sua conhecida obra Topik una Jurisprudenz, München, 1953, em que "não só condena a dogmática jurídica denatureza lógico-dedutiva, correspondente à chamada jurisprudência conceituai, comonega cientificidade à jurisprudência em geral, por considerá-la carecedora de unidadesistemática". Em crítica à concepção de Viehweg cf. Reale. O Direito comoExperiência, pp. 135-139. A concepção hoje dominante, entre esses dois extremos, é aque vê o direito como uma unidade sistemática formada não por normas jurídicasapenas mas, e principalmente, por normas, valores e princípios jurídicos fundamentais econstituintes, como produto da relação dialética "entre a intenção sistemática, exigida

 pelo postulado da ordem, e a experiência problemática, imposta pela realidade social"."O sistema jurídico será assim uma entidade aberta e dinâmica que continuamente seenriquece e se reconstitui". Cf. Castanheira Neves. Os Institutos dos Assentos e afunção Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 248/257; Karl Engisch, Einfüh-rung in das

 juristische Denken, 3. p. 223 e segs.------------A idéia de sistema é, assim, objeto de crítica e de contestação, havendo filósofos até quea consideram "inteiramente superada" e, no campo do direito contestada73. Para acorrente culturalista, que vê o saber, filosófico e jurídico, gravitando em torno de

 problemas e não de sistemas, o pensamento sistemático, particularmente o do sistemafechado, axiomático-dedutivo, estaria sendo superado pelo pensamento problemático,

 para o qual o direito é e permanece uma técnica a serviço de uma ética na solução de

 problemas.16. O método adotado.Quanto ao método adotado na exposição da matéria, seguem-se, neste livro, as

  perspectivas da relação jurídica, que se analisa sob os pontos de vista estrutural,funcional, axiológico e histórico. Na sua estrutura, estudam-se os seus elementos, asaber: os sujeitos, o vínculo ou conteúdo, o objeto, e a sua causa, os fatos jurídicos.Corresponde essa matéria às regras da Parte Geral do Código Civil, exemplificando-secom a aplicação dos seus princípios, quando cabível, aos diversos ramos da ParteEspecial (o direito das obrigações, os direitos reais, o direito da família e o direito dassucessões). Preocupação constante é explicar o fundamento ideológico das normas e dosinstitutos, relacionando o direito civil com os sistemas político, econômico e social. A

 perspectiva adotada é, portanto, a de visualizar o direito civil como uma experiênciaglobal sistemática, pela coerência lógica de suas normas, agrupadas em institutos, e

Page 32: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 32/359

estes em ramos codificados, formando um todo unitário, porém dinâmico e aberto aos problemas diários da vida em sociedade e em permanente interação com os demaissistemas, o político, o econômico e o social.17. O direito e a justiça. Jusnaturalismo e positivismo jurídico.Tema de relevante interesse para o jurista é o do fundamento e justificação do direito,

isto é, a sua fonte primeira e razão de ser da sua obrigatoriedade. A esse respeitoconfrontam-se duas concepções filosóficas: o Jusnaturalismo e o positivismo jurídico,cujo conhecimento é útil para a compreensão do fenômeno jurídico, na sua gênese,estrutura e realização. Seu ponto de partida é a distinção histórica entre o direito naturale o direito positivo.O direito natural é o conjunto de princípios essenciais e permanentes atribuídos à

 Natureza (na antigüidade greco-romana), a Deus (na Idade Média), ou à razão humana(na época moderna) que serviriam de fundamento e legitimação ao direito positivo, odireito criado por uma vontade humana.74 Reconhece a existência desses dois direitos,e defende a sua superioridade quanto ao positivo.

  Na época moderna, o direito natural desenvolve-se sob o nome de Jusnaturalismo

(Grotius e Pufendorf), sendo visto como "expressão de princípios superiores ligados ànatureza racional e social do homem"75, dos quais pode-se deduzir um sistema deregras jurídicas. No século XVIII, por influência do iluminismo76, torna-se a expressão--------------73 Antônio Paim, Problemática do Culturalismo, p. 11. Albert Calsamiglia,Introducción a Ia, ciência jurídica, p. 115.74 A primeira referência à idéia do direito natural encontramo-la na invocação das leisnão escritas que Sófocles põe na boca de Antígona. O tema da peça é a resistênciaconsciente do cidadão às leis iníquas do Estado, tema esse desenvolvido pelos

  pensadores gregos, principalmente os estóicos, cujo pensamento foi divulgado emRoma, passando ao Cristianismo, à filosofia e à teologia moral da Idade Média emoderna. O direito natural foi assim cultivado por filósofos gregos (Platão eAristóteles), jurisconsultos e políticos romanos (Paulo, Ulpiano, Cícero), teólogoscatólicos (São Tomás de Aquino), os membros da Escola do direito natural e do direitodas gentes, nos séc. XVI e XVII (Grotius, Pufendorf, Thomasius), filósofos do séc.XVIII (Voltaire, Montesquieu), os homens da Revolução Francesa (Declaração dosDireitos do Homem) e, no século XX, entre outras manifestações, o catolicismo social eo socialismo humanista. Cfr. Gérard Cornu, Droit Civil. Introduction, p. 93; GuidoFassò, // diritto naturais, 1972.75 C. Massimo Bianca, Diritto civile, \, p. 19.76 Iluminismo, ou Ilustração, ou Filosofia das luzes, foi a filosofia política, o estilo

de pensamento que, no séc. XVIII, defendeu a liberdade de pensamento e a reformasocial e política, contestando a tradição e a autoridade. Lutava pelo progresso e pelo primado da razão em todos os campos da experiência humana. Cfr. Francisco JoséCalazans Falcon, Iluminismo, p. 8 e segs; Ernest Cassirer, A filosofia do iluminismo,onde se afirma que "A filosofia do Iluminismo vinculou-se, primeiro, à idéia de quedevem existir normas jurídicas absolutas e universalmente obrigatórias e imutáveis", p.327. Franz Wieacker, História do Direito Privado Moderno, p. 353 e segs.--------------do racionalismo no direito, denominando-se, por isso mesmo, ius-racionalismo.11A questão principal que o direito natural suscita é o da sua possível superioridade emrelação ao direito positivo, que o deve respeitar, sob pena da desobediência dos

cidadãos. Sua função seria a de legitimar o poder do legislador, a ele se recorrendo,também, no processo de aplicação das normas.

Page 33: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 33/359

Contrapondo-se ao jusnaturalismo, o positivismo jurídico afirma não existir outrodireito que não seja o positivo. Defende, portanto, a sua exclusividade.O positivismo jurídico nasceu da intenção de converter-se o direito em autênticaciência, com as mesmas características das ciências da natureza: permanência, certeza,universalidade, donde a questão central do método, resolvida com a adoção do modelo

lógico-dedutivo, herdado do jusracionalismo, e do modelo empírico das ciências sociais,como a sociologia.78O positivismo jurídico oferece, historicamente, três perspectivas de compreensão econhecimento: como aproximação ao estudo do direito, como teoria do direito e comoideologia.19 Distinguindo, quanto à primeira, o direito real do direito ideal, o direitocomo fato do direito como valor, o direito que é do direito que deveria ser (devendo o

 jurista, na concepção positivista, preocupar-se apenas com o primeiro), o positivismodefende uma ciência positiva do direito à semelhança das ciências naturais, tendo comoobjeto o próprio direito positivo.Como teoria, o positivismo jurídico vê o direito como um conjunto de ordens oucomandos, emanados do Estado e providos de sanção. Desse vínculo com o Estado

(concepção estatal do direito) decorreriam algumas características: a) a coercitividadedo direito, pela possibilidade de recurso à coação física; b) a imperatividade das normas

 jurídicas no sentido de estabelecerem ordens, comandos; c) a supremacia da lei sobre asoutras fontes do direito (costume, jurisprudência, princípios gerais); d) a consideraçãodo direito como sistema de normas, pleno, coerente, sem lacunas; e) a consideração daatividade do juiz como essencialmente lógica, e a ciência jurídica como umadogmática80 ou uma exegese.81Como ideologia, o positivismo jurídico considera que o direito em vigor é justo e deveser obedecido,82 prescindindo-se de qualquer consideração sobre sua correspondênciacom o direito ideal.O positivismo jurídico, muito desenvolvido nos séculos XIX e XX, apresenta hojelimitações e insuficiências que atestam a sua crise, embora seja ainda a doutrinadominante. Essa crise refletiria------------------77 Jusracionalismo é o nome que se dá, na história do pensamento jurídico, ao direitonatural dos sécs. XVII e XVIII que, sob a influência da razão científica, e reunindograndes juristas e pensadores (Hugo Grocio, Samuel Pufendorf, Thomas Hobbes,Baruch Espinosa, Christian Thomasius, Cristian Wolff), superaram a ciência da exegesee do comentário de textos, próprios do pensamento escolástico, e libertaram o direito desua submissão às fontes romanas, abrindo-lhe o caminho para a construção sistemática.De sua ligação com o Iluminismo surgiram os códigos modernos que, nos países

europeus, foram verdadeiros "atos de transformação revolucionária". Cfr. Wieacker, op.cit., p. 309.78 Bobbio, apud De Lucas, op. cit., p. 30.79 Norberto Bobbio, O positivismo jurídico, pp. 133/134. Entende-se aquiideologia como "um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública etendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos", Mario Stoppino,Ideologia in Dicionário de Política, p. 585. No campo específico do direito, seria oconjunto de valores e de regras que dirigem, ou justificam, a criação e ;i realização dodireito.80 Dogmática é termo que se utiliza em duas acepções principais: a) como sinônimode ciência jurídica, que estuda o direito vigente, na sua aplicação e legitimação, e

também no seu processo de sistematização e reconstrução; b) como particular métodoou estilo, o estilo sistemático. Cf. Ricardo Guastini, Dogmática giuridica, Digesto delle

Page 34: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 34/359

Discipline Privatistiche, VII, p. 27; Miguel Reale, Filosofia do Direito, ns 68: EnriqueZuleta Pereira, Paradigma dogmático y ciência dei derecho, p. 11 e segs.81 Bobbio // problema dei positivismo giuridico, p. 45. Dá-se o nome de Exegese aum movimento (Escola da Exegese] ou modelo de interpretação desenvolvido pelodireito francês, nos sécs. XIX e XX, "cuja tese fundamental é a de que o direito contem-

se inteiramente na lei escrita, bastando ao jurista descobrir a vontade do legislador". É o postulado da plenitude da lei escrita. Caracteriza-se, também, por uma concepção rígidada separação dos poderes e da soberania do legislador. Este não deve ser juiz, e o juiznão deve ser legislador. "O ministério dos juizes é de julgar de acordo com a lei e nãode julgar a lei", Toullier, apud François Ost et Michel Van der Kerchove, Interprétation,Archives de Philosophie du Droit, Tome 35, p. 182. Cfr. p. 109, nota 7.82 Cristophe Grzegorczyk, Lê positivisme juridique, p. 27.------------------a "quebra do modelo de ciência que o sustentava", com a perda da certeza e dauniversalidade do direito. Além da permanência da corrente jusracionalista, comodireito superior e como critério de valoração do direito positivo, o positivismo enfrenta

ainda os desafios do realismo jurídico, uma outra corrente filosófico-jurídica quedefende a existência de "um direito nascido espontaneamente da sociedade, pelaatividade de seus membros, do que decorreria a "revalorização do papel do juiz e acrescente admissão de sua função criadora do direito".83Outro fator de enfraquecimento ou superação do positivismo seria a importânciacrescente dos princípios jurídicos. Segundo Dwor-kin, o ordenamento compõe-se não sóde normas, como defende o positivismo, mas também de princípios e diretrizes, valoresde natureza moral ou prática que orientam comportamentos e a própria realização dodireito.84 Este jurista considera o modelo positivista estritamente normativo e tambémfalsa a tese da separação entre direito e moral, pois a prática demonstra ser o raciocínio

 jurídico dependente, em muitos casos, do raciocínio moral. Também se afirma ser o positivismo insuficiente e perigoso. Insuficiente porque identifica o direito com a lei doEstado, o que justifica a sua coatividade mas não explica o conteúdo da norma jurídica.Além disso, ver todo o direito nas regras postas pelo Estado leva ao culto da lei e aométodo estreito da exegese. O positivismo seria também perigoso porque, em nome doEstado podem justificar-se as leis mais desumanas.85

 Numa síntese conclusiva e diferenciadora das duas correntes doutrinárias, poder-se-iadizer que: a) quanto ao conceito de direito, o jusnaturalismo é dualista, admitindo aexistência e o primado do direito natural sobre o positivo, pelo que este, para existir eser válido, deve ser justo, sob pena de poder ser desobedecido; o jusnaturalismodefende, conseqüentemente, uma concepção valora-tiva, ontológica e ética do direito,

enquanto o positivismo tem desse uma concepção avalorativa, empírica e técnica; b)quanto às fontes do direito, o jusnaturalismo defende o recurso a fontes suprapositivas,como os princípios, o costume, a eqüidade, enquanto o positivismo limita as fontes aodireito positivo; c) quanto ao método, o jusnaturalismo defende um critério teleológico e

 prudencial na realização do direito, visando o justo concreto, isto é, a decisão justa docaso específico, enquanto o positivismo segue a orientação empirista, considerando o

  juiz mero aplicador das normas ao caso concreto, segundo procedimentos lógico-dedutivos de subsunção86.São manifestações da influência do jusracionalismo no direito moderno, o processo deracionalização e sistematização do direito, de que resultaram os códigos e asconstituições dos séculos XVIII e XIX, e ainda, a preocupação com a justiça e a

igualdade material, o reconhecimento de princípios supra-positivos, o conceito e defesados direitos fundamentais, o desenvolvimento da responsabilidade civil, a

Page 35: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 35/359

fundamentação de um direito geral da personalidade, a elaboração de categorias denatureza técnico jurídica, como a de sujeito de direito, de declaração de vontade, denegócio jurídico, etc.87O positivismo jurídico, por sua vez, influiu na concepção normativa do direito, naseparação radical entre o ser e o dever ser, isto é, entre o direito e a moral; na

compreensão do direito como o ordenamento jurídico de um Estado, recusando aexistência do direito natural como legitimador desse ordenamento; na consideração davalidade e eficácia das normas jurídicas independentemente do seu conteúdo, etc. Do

  positivismo decorre ainda o raciocínio lógico dedutivo na aplicação do direito,deduzindo-se as normas jurídicas dos conceitos e dos princípios da ciência jurídica, semrecurso a valores extra-jurídicos, considerando-se que a aplicação do direito leva,necessariamente, a uma decisão justa.88 A norma seria justa só-------------83 De Lucas, op. cit. p. 33.84 Ronald Dworkin, Talking Rights Seriously, Londres, 1977, p. 72. As teorias deKelsen e Hart reduzem os elementos do sistema jurídico às regras ou normas. Outros

 juristas incluem, além das normas, os institutos, os conceitos, os princípios, os valores.Cfr. Kerchove, op. cit. p. 49.85 Giles Goubeaux, op. cit. p. 23.86 Mário Bigotte Chorão, Positivismo Jurídico, in Polis Enciclopédia Verbo daSociedade e do Estado, vol. 4, p. 1422.87 Wieacker, op. cit. p. 707.88 Wieacker, op. cit. p. 496.-------------

 pelo fato de ser válida.89 Além disso, considerando o direito um sistema fechado e pleno, nega a existência de lacunas do sistema. É o dogma da plenitude da ordem jurídica, hoje superado. Decorre ainda da concepção positivista, a formação técnica do  jurista, vinculado à teoria científica, que leva a um ensino sistemático-concei-tual,independente e anterior à formação prática do estudante.18. A metodologia da realização do direito. A decisão justa do caso concreto.Método, do latim, methodus, e do grego meta + odos, significa o modo e o caminho quese segue para atingir determinada coisa. No campo da pesquisa científica é um"procedimento de investigação ordenado, que garanta a obtenção de resultados válidos".Methodicus é adjetivo latino indicativo do que procede com método.Metodologia é não só o "conjunto de procedimentos metódicos de uma ciência" mastambém a "análise filosófica de tais procedimentos .

 No campo do direito, a metodologia estuda as diversas atividades de: 1) elaboração de

regras e textos jurídicos (metodologia da arte de legislar); 2) construção científica dodireito, que compreende a elaboração de princípios, conceitos e sistemas (metodologiada ciência do direito) e 3) realização do direito, determinando o que é justo em cadacaso concreto. Entende-se aqui a realização do direito como a decisão judicial concreta,distinguindo-se da aplicação, mero procedimento de conexão silogística dos fatos comas regras jurídicas. A metodologia da realização ou determinação do direito estudaria,

 portanto, os procedimentos com que se decidem os casos jurídicos, questões jurídicasconcretas91, determinando-se o que é justo.Leva-se aqui prioritariamente em conta que o pensamento jurídico é um pensamento

  prático, seu objeto é a decisão concreta, cabendo à teoria do direito civil a tarefa,também prática, de propor diretivas ou modelos jurídicos que proporcionem e

 justifiquem a resolução correta de problemas.92

Page 36: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 36/359

O problema metodológico da realização do direito assume, portanto, dimensão relevanteno pensamento jurídico, porque este pensamento está em crise, superado que foi omodelo sistemático, conceituai e positivista da época moderna (séc XIX), ainda hojedominante, em alguns setores.Disso decorre uma necessária reflexão sobre os procedimentos adequados à

determinação do direito que, partindo da fundamental diferença entre a aplicação e arealização do direito, proceda a uma renovação metodológica que estabeleça novos procedimentos para a obtenção do direito correto.  Nas últimas décadas a teoria jurídica, principalmente de origem alemã, defende arenovação da metodologia jurídica moderna93, visando superar os limites do

 jusnaturalismo e do positivismo, ambos referentes a um direito que nos é previamentedado, formado e cristalizado em normas, e cuja aplicação se mostra insatisfatória emface da crescente complexidade das relações sociais.Essa revisão metodológica começou com o livro de Theodor Viehweg, em 1953, Tópicae jurisprudência, com o qual o autor demonstra ser a ciência do direito marcada por umestilo de pensamento, o pensamento problemático, "uma técnica de raciocínio que se

orienta a partir de e em direção a problemas", o que exigiria um método jurídico diversodo até então usado pelo positivismo jurídico, adequado a um outro tipo de pensamento,o pensamento sistemático. O então chamado pensamento tópico levou à compreensãode que o instrumento decisivo do método jurídico não é a subsunção mas sim a retóricae o argumento. A par disso, o direito natural, como referência legitimadora do direito

 positivo, teria sido substituído pelos valores e princípios das Constituições, como, por exemplo, os chamados direitos fundamentais, sendo notória a in-----------------89 Bobbio, Teoria delia norma giuridica, p. 48, com observações críticas a essaconcepção, a p. 55 e segs.90 Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia, p. 640/641.91 Antônio Castanheira Neves. Metodologia do Direito. Problemas Fundamentais, p.18 e 26.92 Idem, Digesta, vol. 2, p. 260; Antônio Menezes Cordeiro. Tratado de Direito CivilPortuguês, I, p. 23; Franz Wieacker. História do Direito Privado Moderno, p. 729.93 Luigi Mengoni, in // método delia ricerca civilistica, in Rivista critica dei diritto

 privato, p. 11.----------------Iluência do texto constitucional no direito civil. Isso teria levado à abertura da ciência

 jurídica a outras ciências do espírito, como a hermenêutica94, a teoria da linguagem95 ea teoria sociológica dos sistemas.96 Dessas contribuições surge uma ciência jurídica

marcada pelo pluralismo temático e metodológico, ciência jurídica simultaneamentehermenêutica e analítico-sistemática.97 Hermenêutica no sentido de buscar acompreensão do mundo histórico-cultural em que se desenvolve o direito, compreensãoque só é possível por meio da comunicação e, por isso, uma teoria compreensiva é omesmo que uma teoria comunicativa.98 Objetivo da hermenêutica jurídica é demonstrar que a investigação do direito não é uma subsunção, de acordo com regras lógico-formais fixadas em lei, mas sim um processo criativo, construtivo e concretizador danorma aplicável ao caso, que parte da compreensão de que a lei não é unívoca ecompleta, que sua aplicação não é mera reprodução mecânica. Para a modernahermenêutica jurídica, "as normas positivas são estruturas lingüísticas abertas, cujosignificado não se deixa colher completamente senão em relação ao caso a decidir, e,

 portanto, por meio de um processo de transformação da norma em regra concreta dedecisão".99 A compreensão da norma está condicionada à específica relação com a

Page 37: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 37/359

situação de fato a que a norma deve ser aplicada. Além disso, reconhece-se o papelcriador da interpretação jurídica, e considera-se o pensamento jurídico como um"pensamento orientado ao problema". A par da hermenêutica, e como contribuição do

  pensamento anglo-saxão, desenvolve-se a teoria analítica que se debruça sobre alinguagem do direito para investigar sua estrutura formal. Essas duas correntes

doutrinárias, hermenêutica e analítica, que sempre se opuseram, hoje aproximam-se em produtiva colaboração. O objetivo da analítica é "produzir enunciados evidentes sobre odireito, por meio de análises lógico-lingüísticas, com estrita separação entre moral edireito".100 A lógica analítica, que trabalha com a idéia de sistema axiomático, fechado,idéia comum ao jusracionalismo e ao positivismo jurídico, é contrabalançada pela

  jurisprudência tópica101 ou retórica,102 que trabalha com o modelo de sistemaaberto,103 ao qual é subjacente a idéia de que os critérios, para se alcançar a decisão

 justa, são ilimitados em número. Aqui se encontram, também, as raízes da modernateoria da argumentação.104----------------94 Hermenêutica é o estudo dos princípios metodológicos de interpretação e

explicação, Webster Third New International Dictionary, apudRichard E. Palmer,Hermeneutics — Interpretation Theory in Schleiermacher, Dilthey. Heidegger andGadamer, 1969, p. 16. No que diz respeito ao direito, a hermenêutica jurídica apresenta-se como uma teoria de compreensão histórica do direito e como uma filosofia prática,no sentido de que o direito não é recondutível na sua integralidade a uma autoridadelegiferante, mas é conformado pela vida, pela prática de sua aplicação". A interpretação

 jurídica tem um reconhecido papel criador, e o pensamento jurídico é um pensamentoorientado por problemas, não por normas propriamente estabelecidas. Miguel Reale,Fontes e Modelos do Direito. Para um novo paradigma hermenêutico, ps. 108 e segs.Cfr. José Lamego. Hermenêutica e Jurisprudência, p. 227 e segs. Nelson Saldanha,Filosofia do Direito, p. 191 e segs.95 A teoria da linguagem é uma concepção jusfilosófica segundo a qual a teoria dodireito é a análise da linguagem dos juristas. É uma teoria dos textos jurídicos, emsentido amplo. Também denominada de semiótica jurídica, seria o caminho para asuperação da clássica dicotomia direito natural/direito positivo. Aproveitando osestudos de semiótica, poderia dividir-se essa teoria em três níveis, a pragmática,correspondente à criação do texto e, no direito, a uma teoria da decisão jurídica; asemântica, dedicada ao significado da linguagem e, no direito, correspondente a umateoria da dogmática ou da ciência jurídica; e a sintaxe, que estuda as estruturas formaisda linguagem, correspondente no direito, a uma teoria da estrutura formal do direito.Cfr, Gregorio Robles. Introduccion a Ia teoria dei derecho, p. 155 e segs.

96 Mengoni, op. cit. p. 18.97 Gregorio Robles, in "El pensamiento jurídico contemporâneo", p. 17.98 Idem, ibidem.99 Mengoni, op. cit. p. 20.100 Arthur Kaufmann, El pensamiento jurídico contemporâneo, p. 127.101 Tópica é, no âmbito da metodologia jurídica, uma técnica ou estilo de pensamentoque se orienta a partir de problemas, donde também chamar-se de pensamento

  problemático, e se desenvolve por meio de uma argumentação jurídica nãosistematizada. Cfr. Tércio Sampaio Ferraz, Direito, Retórica e Comunicação, S. Paulo,1973 e, principalmente, Theodor Viehweg, Topik una Jurisprudenz, tradução de TércioSampaio Ferraz, Brasília, Departamento de Imprensa Nacional, 1979.

Page 38: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 38/359

102 Retórica é, também no campo da metodologia jurídica, um estilo, uma técnica deargumentação em que o raciocínio jurídico é essencialmente um raciocínio prático,destinado a convencer o interlocutor ou um auditório.103 Kaufmann, op. cit. p. 128.104 A teoria da argumentação jurídica teve, nos últimos anos, notável

desenvolvimento, sobretudo por obra de teóricos e filósofos do direito de diversos países europeus, cujo objetivo comum seria o de construir modelos de racionalidade quesirvam de orientação para as decisões jurídicas. No âmbito da cultura alemã, a teoria daargumentação jurídica mais representativa é a de Robert Alexy, na sua Theorie der 

  juristischen Argumentation. Die Theorie dês rationales Diskurses ais Theorie der   juristischen Begründung. Frankfurt, Shurkamp, 1978, reimpressão em l 983. Alexy parte concretamente da teoria do discurso racional, como elaborada basicamente por Jürgen Habermas, desenvolvendo a partir dela a tese de que a argumentação jurídica éum caso particular do discurso prático geral, que precede e fundamenta as decisões

 judiciais concretas (Extrato da nota dos tradutores Manuel Atienza e Isabel Espejo, àedição espanhola Teoria de Ia argumentación jurídica, Madrid, Centro de Estúdios

Constitucionales, 1989). Cfr. No direito brasileiro, Tércio Ferraz Sampaio. Direito.Retórica. Comunicação.----------------Enfim, o direito existente não depende, na sua integralidade, de um poder legiferante,mas é conformado pela vida, pela prática de sua aplicação.105 Não deve considerar-secomo objeto previamente dado e construído, mas um processo de construção

 permanente.Como efeito desse movimento pós-positivista, passa a ocupar um lugar central na teoriado direito o tema da decisão judicial que, tido como "fenômeno central e paradigmáticodo pensamento jurídico, é analisado à luz da sua motivação e de sua justificaçãoracional". Passa a considerar-se que a aplicação do direito é muito mais do que umsimples silogismo, e que o juiz também cria direito, não é só a boca que pronuncia as

 palavras da lei.O direito, de ciência normativa, passa a ciência da ação.106Do exposto, pode concluir-se que o pensamento jurídico atual, acompanhando o elevadograu de complexidade e diversificação da sociedade contemporânea, caracteriza-se por uma grande variedade temática e um pluralismo epistemológico, o que, se atesta a crisee a superação do positivismo, não faz pressupor a volta do direito natural, pelo menosno sentido estrito. Ambas as concepções estariam superadas, entre outras razões, pelacircunstância de se referirem a um direito previamente estabelecido, que o jurista, orealizador do direito, já encontra formulado à sua disposição, anterior à realidade que

deve ordenar. Aproximam-se e integram-se, todavia, na criação e reconhecimento de princípios jurídicos estabelecidos nos textos constitucionais, assim como no respeito à justiça, como valor, e a pessoa como titular dos direitos humanos, idéia até então dematriz jusnaturalista.Quanto ao direito brasileiro, pode afirmar-se que, desde os primórdios até 1940, foidominante a corrente positivista, comdestaque para as figuras eminentes do Clóvis Beviláqua, Pedro Lessa e Pontes deMiranda. A partir dessa data (superado o positivismo sem retorno ao direito natural),desenvolve-se o culturalismo jurídico que, remontando a Tobias Barreto, da Escola doRecife, desenvolve-se em várias perspectivas, sendo francamente dominante a queenfoca o direito como experiência jurídica, e que tem no Prof. Miguel Reale a sua mais

excelsa figura.

Page 39: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 39/359

 No campo do direito civil desenvolve-se um processo de reflexão sobre a pessoa e oconceito de pessoa e de sujeito de direito, e suas implicações no campo dos principaisinstitutos jurídicos, como o da família, da propriedade e do contrato, cujos princípiosfundamentais emigraram para a Constituição. No que diz respeito à sistematização dodireito, idéia tão cara ao jusnaturalismo, assiste-se à fragmentação dos sistemas e ao

surgimento dos microssistemas jurídicos com todas as suas implicações no campo dasfontes do direito, e à superação do pensamento sistemático pelo pensamento problemático, embora ambos reciprocamente se exijam----------------105 Latnego, p. 282.106 Kaufman 360.107 Miguel Reale, O Direito como Experiência, p. 138.----------------

CAPITULO II

O Direito e sua Realização. O Raciocínio Jurídico.

Sumário: l. A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectosformal e material. 2. Natureza da norma jurídica. A norma como comando, como juízo ecomo proposição lingüística. 3. Características da norma jurídica. Bilateralidade ecoercitividade. 4. Sanção. Natureza. Finalidade. Espécies. 5. Estrutura da norma

 jurídica. Condição de aplicação e dispositivo. 6. Classificação das normas jurídicas. 7. Normas de direito público e normas de direito privado. Critérios distintivos. 8. Crítica àdicotomia direito público-direito privado. 9. Normas privadas e normas públicas. 10.

 Normas gerais e normas singulares, l L Normas abstratas e normas concretas. 12. Normas rígidas e normas elásticas. 13. Normas cogentes e normas não-cogentes. 14.  Normas interpretativas e normas integrativas. 15. Normas perfeitas e normasimperfeitas. 16. Normas de direito comum, normas de direito especial e normas dedireito excepcional. 17. Fontes das normas jurídicas ou fontes do direito. 18. Arealização do direito. O raciocínio jurídico. 19. Crítica ao silogismo de subsunção. 20.Interpretação da norma jurídica. 21. Espécies de interpretação. 22. A interpretação noCódigo Civil Brasileiro. 23. A integração da norma jurídica. A analogia e suas espécies.24. Os costumes e os princípios gerais do direito. 25.Os PrincípiosJurídicos do Código Civil de 2002. 26. A vigência da norma jurídica. Princípios daobrigatoriedade e da continuidade. O erro de direito. 27. A vigência temporal da norma.Princípios fundamentais. O direito adquirido. Regras fundamentais. 28. A vigência

espacial da norma. Conflitos de normas no espaço. Princípios diretores.l. A norma jurídica. Conceito. Razão de ser. Objeto. Destinatários. Aspectos formal ematerial.As normas jurídicas são normas de comportamento ou de organização que emanam doEstado ou por ele têm sua aplicação garantida. Pertencem, portanto, à ordem ética, queestabelece as leis do dever ser.Sua existência prende-se à necessidade de se estabelecer uma ordem que permita a vidaem sociedade, evitando ou solucionando conflitos, garantindo a segurança nas relaçõessociais e jurídicas, promovendo a justiça, a segurança, o bem comum, com o quetambém garante a realização da liberdade, da igualdade e da paz social, os chamados

valores fundamentais e consecutivos da axiologia jurídica. Seu objeto é, em suma, o

Page 40: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 40/359

comportamento das pessoas, que se visa disciplinar ou orientar de acordo com osvalores fundamentais de cada grupo social1.Seus destinatários são aqueles a quem disserem respeito, isto é, aqueles para quem anorma se torna eficaz, os que forem por ela afetados em suas relações jurídicas.

 No tocante ao seu aspecto formal (formal no sentido de independente do seu conteúdo),

as normas jurídicas apresentam-se como proposições, grupos de palavras comsignificado próprio e específico que prescrevem um determinado tipo decomportamento ou de organização social, reconhecendo direitos e deveres e orientandoo comportamento dos indivíduos ou dos grupos. Vêm expressas nas disposições da lei,um texto que as apresenta, depois de elaboradas pelo poder competente. Norma jurídicanão é sinônimo de lei. Esta pode conter inúmeras normas, como ocorre com o CódigoCivil. Não se confundem, também, as normas jurídicas com os dispositivos de lei que asexpressam. Esses dispositivos, ou proposições, são os sinais lingüísticos, conjunto de

 palavras que as revelam. Daí dizer-se que a ciência do direito é uma ciência de palavras,sendo a proposição jurídica a forma lógico-gramatical da norma.2 Apresenta-se essa nostextos legais sob a forma de artigos, subdivididos em itens e estes em alíneas. Os artigos

 podem ter parágrafos, subdivididos do mesmo modo.Os dispositivos são a expressão lingüística e formal das normas jurídicas, mas a cadaum não corresponde, necessariamente, uma norma, sendo às vezes necessário buscarem-se vários no texto legal para encontrar-se a norma necessária, o que se faz por meio dainterpretação jurídica.Quanto à sua matéria, ou aspecto material, a proposição jurídica contém ordens,diretrizes, autorizações, definições, conforme se apresente como proposição imperativa,

 permissiva, atributiva, ou meramente auxiliadora.Exemplos de proposições jurídicas do Código Civil, onde se podem verificar osaspectos formal e material acima descritos:Art. 2- "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põea salvo desde a concepção os direitos do nascituro."Art. 91. "Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma

 pessoa, dotadas de valor econômico.Art. 186. "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,violar direito, e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete atoilícito."Art. 1.566. "São deveres de ambos os cônjuges:I — fidelidade recíproca;II — vida em comum, no domicílio conjugai;III — mútua assistência;

IV — sustento, guarda e educação dos filhos;V — respeito e consideração mútuos."Art. 1277. "O proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mauuso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que ohabitam."Art. 389. "Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempodevidos, responde o devedor por perdas e danos."Art. 1784. "Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desdelogo, aos herdeiros legítimos e testamentários."2. Natureza da norma jurídica. A norma como comando, como juízo e como proposiçãolingüística.

Quanto à natureza, vale dizer, quanto à essência da norma jurídica, diversas são asconcepções.3

Page 41: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 41/359

------------1 Hans Kelsen. Allgemeine. Theorie der Normen, p. 113: Norberto Bobbio. Teoriadelia, norma giuridica, p. 142.2 Kantorowicz, apud José Puig Brutau. Introducción ai Derecho Civil, p. 2; NatalinoIrti, Introduzione alio studio dei diritto privato, p. 125 e segs.

3 Arnaldo Vasconcelos. Teoria da Norma Jurídica, p. 47 e segs.; Wilson de SouzaCampos Batalha. Introdução ao Estudo do Direito, p. 365 e segs.; Tércio SampaioFerraz Jr. Introdução ao Estudo do Direito, p. 97 e segs.------------Para uns, a norma jurídica é comando ou imperativo. Para outros é juízo.Para os primeiros, as normas de direito são comandos ou imperativos emanados doEstado. Tal concepção corresponde à crença de que direito é produto exclusivo doEstado, ou de quem detém o poder soberano,4 o que implica a idéia de um vínculo desubordinação entre os titulares do poder e os destinatários da norma, assim como naexistência de sanções para o caso da inobservância do preceito normativo. Para esses, aregra jurídica vale porque imposta pelo Estado, pela autoridade soberana, fonte

exclusiva do direito. É chamada doutrina da estatalidade, segundo a qual o Estado tem omonopólio da produção jurídica por ser o titular exclusivo da soberania, "poder originário e exclusivo de produzir direito positivo".5 É um monismo jurídico, pois sóconsidera direito positivo o que for criado pelo Estado, e liga-se a uma determinada faseda história político-jurídica, a dos séculos XVII e XVIII, quando surgiu a idéia deEstado Nacional. Além do vínculo de subordinação, essa tese pressupõe sanções para otransgressor da norma, como conseqüência do descumprimento do dever jurídico.Existem normas, porém, que não exprimem comandos, pois não apresentam vínculo desubordinação intersubjetiva como, por exemplo, as de direito internacional, as de direitocostumeiro e, no âmbito do direito civil, as que formam o vasto domínio da autonomia

 privada, o direito dos particulares, que surge entre as pessoas ligadas por laços decoordenação, de igualdade, não de dependência, e onde se pressupõe a igualdade das

  partes a que se aplicam. Há ainda, normas sem sanção, somente permissivas, cujoconteúdo é apenas autoriza-tivo, sem estabelecer deveres ou obrigações, normassimplesmente atributivas do poder de modificar a esfera jurídica de outrem, e normasque apenas contêm definições legais, que ajudam na efetivação de outras normas.Concepções mais modernas rejeitam a idéia da norma como comando ou imperativo,

  preferindo vê-la como expressão de um juízo hipotético, juízo de valor, juízodisjuntivo.6 Para a tese da norma como juízo hipotético, "se é A (fato hipotético

 previsto), deve ser B (conseqüência ligada a esse fato)". A norma não seria comando,mas juízo objetivo de natureza hipotética, que estabelece um nexo de causalidade entre

uma condição de aplicação, ou hipótese de um fato (um ilícito, por exemplo), e umaconseqüência (a sanção). Para os que consideram a norma como juízo de valor ou juízovalorativo, o que é conexo ou idêntico ao juízo hipotético, a norma, para a hipótese deverificar-se determinado fato, estabelece como devido um comportamento humano. E

 para os que consideram a norma como juízo disjuntivo, "dado um fato, deve ser uma prestação, ou dada a não-prestação, deve ser a sanção (dado A deve ser P, ou dado não — P deve ser S).Para terceira concepção, a norma jurídica tem, simultaneamente, caráter hipotético ecategórico. Hipotético porque a realização do preceito jurídico depende de verificar-seuma determinada hipótese de fato nele prevista. Categórico, no sentido de que prescreveum determinado comportamento de modo incondicional.7 Exemplo de preceito

categórico é aquele que ordena o cumprimento de obrigações decorrentes de declaraçãode vontade, como ocorre nos contratos.

Page 42: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 42/359

Concepção mais recente ainda vê a norma jurídica como proposição lingüística, defunção prescritiva ou normativa, o que ressalta a importância da linguagem no direito. Anorma jurídica seria uma proposição prescritiva que, aconselhando, comandando ouadvertindo, influi no comportamento das pessoas.Qualquer que seja o entendimento acerca da natureza da regra jurídica, certo é que ela

traduz uma prescrição, um modelo de comportamento ou de organização que, por suavez, representa valores ou fins a atingir, podendo ser considerada uma regra demotivação social indireta por sua influência no comportamento social.----------------4 Ângelo Falzea. Introduzione alie scienze giuridiche. II conceito dei diritto, p. 78 esegs.; François Gèny. "Methode d'interprétation et sources en droit prive positif", I, p.264 e segs. Cf ainda André-Vicent. Gênesis y Desarrolo dei Volun-tarismo Jurídico.5 Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado; Mario Aliara, Lê nozione fonda-mentali dei diritto civile, p. 23.6 Goffredo Telles Júnior, Iniciação na Ciência do Direito, p. 26. Natalino Irti, op.cit., p. 31; A. L. Machado Neto. Teoria Geral do Direito, p. 41: Franco Modugno.

 Norma giuridica, in Enciclopédia dei Diritto, vol. XXVIII, p. 329; Bobbio. op. cit., p.106; Irti, op. cit., p. 35: Carlos Cossio. La teoria egológica dei derecho, ps. 333 e660/674.7 Karl Engish. Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 52.----------------Melhor seria considerar a norma jurídica como regra de comportamento socialmentegarantida, no sentido de ser um fenômeno da sociedade humana que representa ouexprime um "princípio de ordem garantidor de uma estrutura social".83. Características da norma jurídica. Bilateralidade e coercitividade.O que distingue as normas jurídicas das demais regras de comportamento social é umadiferença específica, que consiste em particulares aspectos, como a bilateralidade e acoercitividade.Bilateralidade significa que a aplicação da norma jurídica pressupõe uma pessoa emrelação com outra, atribuindo poderes a uma e deveres a outra, com ou semreciprocidade. Veja-se o art. 1566 do Código Civil que, enunciando os efeitos jurídicosdo casamento, estabelece, para ambos os cônjuges, poderes e deveres recíprocos. Aregra moral estabelece apenas deveres e para um só sujeito. É autônoma.9A coercitividade, e não coercibilidade, consiste na possibilidade de coação ^para secompelir o devedor a cumprir seu dever ou obrigação. É a possibilidade de recurso àsanção, para se fazer cumprir o preceito da norma jurídica, se não cumpridoespontaneamente.

Outros aspectos que a doutrina comumente vê nas normas jurídicas, como ageneralidade e a abstração, não são características, mas simples atributos, requisitos quea norma deve ter, juntamente com a impessoalidade, como garantia de valoresfundamentais do direito, a imparcialidade, a igualdade, a certeza.10A generalidade ou universalidade consiste na indeterminação dos sujeitos a que a normase destina (lex est commune praeceptum], como se verifica, por exemplo, no art. \- doCódigo Civil: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Visa garantir a igualdade na realização do direito.A abstração é atributo que faz com que a norma se aplique a casos indeterminados,como, por exemplo, o art. 481 do Código Civil, que estabelece a hipótese de um gênerode atos, a compra e venda. Garante a imparcialidade na realização do direito. Tanto a

abstração quanto a generalidade são atributos que decorrem do princípio da igualdadeformal, próprio do modelo jurídico do liberalismo e da ideologia do Estado de Direito.

Page 43: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 43/359

4. Sanção. Natureza. Finalidade. Espécies.Sanção é a pena que se impõe ao infrator da norma pelo des-cumprimento do dever nelacontido.

 Não é elemento essencial nem característico da norma jurídica, pois existem normassem sanção, como ocorre no direito constitucional, no administrativo, no processual, em

que a função básica é a organizativa, tanto dos poderes públicos quanto daadministração judiciária. A sanção consiste, sim, em um meio criado pelo poder jurídico para motivar o respeito à lei, punindo a infração. Note-se que a grande maioria das pessoas observa, espontaneamente, as diretrizes da norma, sendo inconcebível que aeficiência do direito decorra apenas do receio às sanções. Estas consistem, sim, em umagarantia do cumprimento da norma, embora sejam efeito da sua inobservância.Sanção não é coação. Esta é a aplicação forçada da sanção,11 que no direito privado nãoopera, de regra, diretamente. Quando o juiz condena, estabelece uma sanção. Se o réunão a cumpre, pode o autor pedir que ela seja imposta pela força, coativamente. Oarresto-------------

8 Miguel Reale, Lições preliminares de Direito, p. 295Franco Modungo, op. cit., p.338; Irti, op. cit, p. 40 e segs.; Bianca, Diritto civile, p. 5. Ramon Soriano, Compêndiode Teoria General dei Derecho, p. 7.9 Certo é, todavia, que na sociedade de massas contemporânea, com a inevitávelmassificação dos instrumentos (leis, contratos, sentenças), a bilateralidade trans-muta-seem multilateralidade, com o anonimato e até a despersonalização de certas relações

 jurídicas. Cf. Luiz Diez-Picazo, Derecho e massificacion social, p. 85.10 Bobbio. Norma giuridica, in Novíssimo digesto italiano, vol. XI p. 334. Na verdade,a nota específica da norma jurídica é a bilateralidade, a relação poder-dover, direito-obrigação (jus et obligatio sunt correlata}. Cf. Karl Engish, op. cit.,

 p. 23; Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit., p. 38; Paulo Dourado de Gusmão, op.cit., p. 108: Arnaldo Vasconcelos, op. cit., 133; Goffredo Telles Júnior, Norma jurídica,in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 54, p. 384. 11 . Miguel Reale, op. cit. p. 72;Eduardo Garcia Maynez. Introducción ai Estúdio dei Derecho, p. 289; Goffredo TellesJúnior. Filosofia do Direito, p. 430; Machado Neto, op. cit. p. 167.-------------cie bens e a hasta pública são formas de coação. Conseqüentemente, coatividade é a

 possibilidade de coagir, não consistindo em característica essencial do direito.12 Não seconfunde com a coercibilidade, que é a possibilidade de alguém ser coagido. Quemcoage é o lesado, não a norma jurídica.13A sanção tem finalidade preventiva, garantindo o respeito à lei, e restauradora, no

sentido de que, violado o preceito contido na norma e configurado o dano, o infrator éobrigado a restabelecer a situação anterior (sanção direta) ou indenizar o lesado (sançãoindireta).14 Significa isso que a sanção se põe à disposição de uma pessoa, o lesado, ouda coletividade, para que ela a exija, se o desejar.Conforme a sua finalidade específica, encontram-se no direito civil diversasmodalidades de sanção: preventivas, restauradoras, indenizatórias, coativas e

 punitivas.1^A preventiva visa garantir o respeito ao mandamento contido na norma. Configurando-se a possibilidade de lesão de um direito subjetivo, permite o ordenamento jurídico quese tomem medidas cautelares para afastar tal possibilidade, como ocorre, por exemplo,com a guarda judicial de pessoas e de bens (CPC, art. 822), a prestação de caução (CPC,

art. 826), a busca e apreensão (CPC, art. 839), a prestação de alimentos provisionais

Page 44: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 44/359

(CPC, art. 852), o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal(CPC,. art. 888, VI).A restauradora destina-se a reconstituir o estado anterior ao fato lesivo, como ocorre,

 por exemplo, com a reintegração na posse de determinado bem, em caso de esbulho(CC, art, 1.210, e CPC, art. 926), ou com a busca e apreensão de coisa no caso de

descumprimento da obrigação de devolvê-la.A indenizatória tem o objetivo de recompor a situação patrimonial existente antes do atodanoso, realizando-se por meio do instituto da responsabilidade civil. Todo aquele quenão cumprir suas obrigações, ou deixar de cumpri-las pelo modo e no tempo devido(ilícito contratual), responde por perdas e danos (CC, art. 389), ou ainda, aquele que,

 por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar  prejuízo a outrem (ilícito extracon-tratual), fica obrigado a reparar o dano (CC, art.186). A sanção indenizatória consiste, sempre, no ressarcimento pelos danos sofridos deordem material ou moral.As sanções coativas destinam-se a compelir o devedor a praticar o ato devido. Em

 princípio, ninguém pode ser obrigado a fazer algo contra sua vontade (nemo ad factum

 praecise cogi potesf), mas o direito dispõe de instrumentos para tal fim. É o que severifica com as únicas hipóteses de prisão do devedor em direito civil (CF, art. 5-,LXVII), a do depositário infiel, que é aquele que se recusa a devolver o objeto de quetem a guarda (CC, arts. 638 e 652; CPC, art. 904, parág. único), e a do devedor de

 prestação de alimentos (CPC, art. 733, § l2). Ainda como sanção coativa podemosconsiderar o direito de retenção, pelo qual o locatário pode recusar-se a devolver a coisalocada enquanto o locador não o indenizar dos gastos feitos com a manutenção oumelhoramento da coisa, na forma da lei (CC,art. 578).Como sanção punitiva, aquela que se traduz efetivamente em pena decorrente daviolação de um dever legal, temos a exclusão do herdeiro declarado indigno, na formaque a lei estabelece (CC, art. 1.814), a declaração da invalidade de um ato jurídico,compreendendo a sua nulidade ou anulabilidade (CC, arts. 166 e 171), o desfazimentode um contrato (resolução), a expulsão de um membro da sociedade, a destituição do

 pátrio poder (CC, art. 1.638), da tutela ou da curatela (CC, arts. 1.766 e 1.774), osuprimento da declaração de vontade do devedor no caso de ele recusar-se a cumprir obrigação de fazer, como no caso de contrato preliminar (CPC, art. 639).----------------12 Goffredo Telles Júnior. Norma jurídica, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.54. p. 380.13 A sanção é direta quando visa restabelecer a situação anterior e indireta quando,impossível aquela, consiste na reparação do dano causado, ou na perda de direitos ou

 poderes específicos. São exemplos de sanção direta a execução forçada de um serviço, aexpulsão do locatário da casa alugada, a adjudicação compulsória, a hasta pública a prisão do devedor pelo descumprimento de obrigação alimentar ou do depositário infiel  pelo descumprimento da obrigação de devolver a coisa. Sanção indireta é aresponsabilidade civil, a obrigação de reparar o dano causado, são as nulidades dos atos

  jurídicos, o desfazimento dos contratos, o divórcio, a perda do pátrio poder, adeclaração de indignidade no direito sucessório etc.14 José de Oliveira Ascensão. O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 46; PauloDourado de Gusmão, op. cit., p. 133 e segs.15 Do Autor. Responsabilidade civil, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 65. p.356.

----------------5. Estrutura da norma jurídica. Condição de aplicação e dispositivo.

Page 45: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 45/359

A estrutura da norma jurídica forma-se de dois elementos, a condição de aplicação, ouhipótese de fato, que a doutrina italiana chama de fattispecie, a alemã de Tatbestand e ainglesa de operative facts, significando previsão de ocorrência de fato hipoteticamente

 previsto, e o dispositivo ou preceito, disposizione, Rechtsfolg, que é a conseqüência jurídica estabelecida para o caso de verificar-se a hipótese. Se ocorre A, verifica-se B.16

 Nem todas as normas têm essa estrutura. Algumas têm apenas dispositivo como, nodireito constitucional, campo das normas gerais programáticas, o art. 170 daConstituição, que estabelece os princípios da ordem econômica e financeira.A condição de aplicação pode consistir:a) em uma previsão de acontecimento natural, por exemplo, a morte ou o decurso dotempo. Verificando-se tal evento, o domínio e a posse da herança transmitem-se,desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784), ou ainda,atingindo uma pessoa os dezoito anos completos, acaba a menoridade, ficandohabilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil (CC, art. 52);

 b) em um ato jurídico, uma manifestação de vontade, por exemplo, o sinal dado por umdos contraentes firma a presunção de acordo final e torna obrigatório o contrato,

devendo ser restituído ou computado no preço, em caso de execução do contrato (CC,art. 417);c) em uma situação jurídica, um estado pessoal, por exemplo, o de cônjuge, caso emque ele não pode praticar determinados atos, como a venda ou a doação de umimóvel, salvo no regime de separação absoluta de bens, sem o consentimento dooutro (CC, arts. 1.647).O dispositivo pode estabelecer: a) obrigações, como acontece quando se pratica um atoilícito (CC, art. 186); b) poderes jurídicos, como no caso dos contratos bilaterais em quea parte que deve pagar em primeiro lugar pode recusar-se a fazê-lo sem que a outra

 pague ou dê garantias, se ocorrer diminuição no seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou (CC, art. 476); c) proibições, comose verifica, por exemplo, no caso de alguém ser nomeado tutor (CC, art. 1.749).

Verbos típicos do dispositivo são: dever, poder, ser obrigado, que exprimem as açõesnecessárias como decorrência de se ter verificado a respectiva condição de aplicação.17A hipótese de fato é marcada por grande abstração e generalidade. Abstração, nosentido de compreender um grande número de acontecimentos, e generalidade, umgrande número de pessoas que podem participar desses eventos. E uma realidade futuraque antecipadamente se prefigura com base em experiências anteriores e refere-se a umfato eventual, não a um acontecimento real.A conseqüência jurídica é a resposta do direito à ocorrência de determinado fato,

 previsto na hipótese normativa, e traduz a valo-ração que o grupo social dá a esse fato. Não se confunda, porém, a conseqüência jurídica com o efeito realmente verificado.Este situa-se no campo do ser, enquanto aquela pertence ao mundo do dever ser. Anorma jurídica não corresponde, necessariamente, a um artigo da lei, que pode conter várias disposições, como o art. 1.538 do Código Civil, que prevê três casos desuspensão de cerimônia do casamento. Pode formar-se com vários dispositivos, como osque contêm definições, por exemplo, os artigos 79, 80, 82 e 83 do Código Civil, que,discriminando os bens imóveis e móveis, constituem condições de aplicação que levama determinadas conseqüências jurídicas. Se se considera imóvel o direito à sucessãoaberta (CC, art. 80, II), a alienação desse direito deve obedecer à forma legalestabelecida (CC, art. 108). Pode ainda a norma jurídica conter simples remissão, como

a do art. 533 do Código Civil, que manda aplicar ao contrato de troca as disposiçõesreferentes à compra e venda.

Page 46: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 46/359

-----------------16 Miguel Reale, op. cit. p. 100 e segs.;Kelsen, p. 113; Diez-Picazo. Experiências

 jurídicas y teoria dei derecho, p. 26; José Puig Brutau, Introducción ai derecho civil, p.10 e segs. O termo fattispecie, do latim medieval factispecies, a figura do fato,corresponde ao grego hypothesis e traduz um modelo de acontecimentos concretos da

vida diária que, verificados, levam a determinadas conseqüências jurídicas, mais propriamente, os efeitos estabelecidos pela norma jurídica e que consistem na criaçãoou modificação de relações jurídicas. Usado primeiro no direito penal, foi transposto

 para o direito civil por Thol. Einleitung in das deutschenPrivatrecht, p. 6. apud GiovanniTatarano. Incertezza, autonomiaprivata e modello condizionale, p. 4. A condição ouhipótese de aplicação é, assim, uma "previsão de fatos específicos", não devendoconfundir-se, porém, com a figura do tipo legal, que tem um sentido técnico específico.Cf. José de Oliveira Ascenção. Tipo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 73, pp.290 e 291.17 Diez-Picazo, op. cit., p. 62; Irti, op. cit., p. 45.-----------------

(>. Classificação das normas jurídicas.Classificar é distribuir em classes ou grupos, de acordo com determinados critérios deordem teórica ou prática.Existem vários critérios para a classificação das normas jurídicas como, por exemplo, osistema a que pertencem, a fonte de que emanam, o âmbito especial, temporal, materiale pessoal de validade, a sua hierarquia, a sua sanção, a sua qualidade, e sua relação coma vontade dos particulares.18 Outro critério são os elementos estruturais da norma

 jurídica, a hipótese de fato e o efeito jurídico.19Respeitando os critérios estabelecidos, selecionamos as espécies que mais importantesnos parecem para o estudo do direito civil, iniciando com a tradicional distinção entre asnormas de direito público e as de direito privado.7. Normas de direito público e normas de direito privado. Critérios distintivos.A distinção entre as normas de direito público e as de direito privado é tradicional,clássica, e tem utilidade didática para o estudo e compreensão dos sistemas jurídicos de

 base romana, européia e continental, como é a do nosso direito. O direito comum deorigem inglesa não conhece tal distinção.Inexiste critério único para essa dicotomia. Os mais aceitos pela doutrina são o dointeresse dominante na relação jurídica, o da natureza dos sujeitos, o do vínculo desubordinação entre eles e o da finalidade ou função do direito.Pelo critério do interesse dominante, a norma jurídica é de direito público ou de direito

  privado conforme seu objetivo seja proteger os interesses da sociedade ou dos

indivíduos.20 Com efeito, o direito privado visa assegurar, ao máximo, a satisfação dosinteresses individuais, enquanto o direito público, proteger os interesses da sociedade.Tal critério é insuficiente. As normas jurídicas destinam-se, em sua generalidade, à

 proteção de todos os interesses, sendo que os dos particulares são também de natureza pública, tendo em vista o bem comum. Talvez se possa dizer que o direito público protege, de modo imediato e direto, os interesses gerais, enquanto que o direito privadoo faz de modo indireto. Quando a lei determina a escritura pública para a venda deimóveis acima de certo valor (CC, art. 108) ou impõe uma forma para o casamento (CC,art. 1.533), a adoção (CC, art. 1.623), o testamento (CC, art. 1.862) etc., por meio denorma de direito privado, visa também proteger o interesse geral, que é a segurança dasrelações jurídicas.

Segundo a natureza dos sujeitos, o direito público disciplina a atividade do Estado, e odireito privado, a dos particulares.

Page 47: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 47/359

Esse critério é, também, insuficiente, pois nem sempre o Estado atua como titular do poder público. Coloca-se, muitas vezes, em plano de igualdade com os particulares,  principalmente nos atos de gestão patrimonial, isto é, nos atos normais deadministração, quando se submete às normas de direito privado. Basear-se nesse critérioseria conferir à vontade estatal valor jurídico superior à dos demais sujeitos, o que, em

um Estado de direito, é inadmissível.Pelo critério da relação de coordenação ou de subordinação em que os agentes secoloquem, as normas de direito privado dirigem-se a pessoas no mesmo plano derelação jurídica, enquanto as de direito público pressupõem um vínculo desubordinação. É a teoria do ius imperium, para a qual o direito público regula asrelações do Estado e de outras entidades com poder de autoridade, enquanto o direito

 privado disciplina as relações particulares entre si, com base na igualdade jurídica e no poder de autodeterminação. Ocorre que, perante o direito, todos são iguais, particularese Estado, como já assinalado. Além disso, se adotado o critério da autoridade, veríamosque no direito privado também existem relações de subordinação, como acontece nodireito de família, entre pai e filhos, tutor e tutelado, curador e curatelado, e no direito

societário, nas relações entre sociedades ou associações e seus membros.Finalmente, para o critério da função, o direito privado teria o objetivo de "permitir acoexistência de interesses individuais divergentes, por meio de regras que tornemmenos freqüentes os confli-------------------18 Eduardo Garcia Maynez. op. cit., p. 78; Tércio Sampaio Ferraz Jr., p. 118 e segs.;Paulo Dourado de Gusmão, p. 118 e segs.; Paulo Nader, Introdução ao Estudo doDireito, p. 106 e segs.; Carlos Santiago Nino, op. cit., cap. II.19 Irti, op. cit., pp. 161/171; De Los Mozos, op. cit., p. 393 e segs.20 Diziam os romanos que Publicum jus est quod ad statum rei romana spectat;

 privatum, quod ad singulorum utilitatem, Ulpiano, Digesto, l, l, l, p. 2 Cf. Anacleto deOliveira Faria, Direito público e direito privado, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.28, pp. 40/47.------------------tos", enquanto ao direito público caberia a lunção de dirigir interesses divergentes paraum fim comum, por meio de regras imperativas e geralmente restritivas.21 E, segundoas mais recentes concepções da teoria do direito e da sociologia jurídica, as funções dodireito seriam as de reprimir os comportamentos socialmente perigosos, promover a

 justa distribuição dos bens e organizar os poderes do Estado e da administração pública.De qualquer modo, a distinção é difícil e de pouca nitidez, pela inexistência de critériosabsolutos. A doutrina dominante, porém, inclina-se pela teoria do ius imperium. Direito

 público seria o que regula as relações em que o Estado intervém com poder deautoridade, enquanto direito privado seria o que regula as relações dos particulares entresi ou com o Estado, com base na igualdade jurídica e no seu poder de autodeterminação.A conclusão a que se chega é a de que nessa matéria, como em qualquer outra denatureza social, confrontam-se dois pólos opostos, da sociedade como um todo e dosindivíduos entre si, o social e o individual, cada um a sobressair em sua importânciaconforme o enfoque ideológico da análise jurídica. Quando, por exemplo, Kelsendefende que o direito é uma técnica de organização social, cuja função é promover a

 paz, situa-se no ponto de vista da sociedade como um todo. Quando Ihering afirma ser odireito a garantia das condições de existência em sociedade, põe-se no ponto de vistados indivíduos.22 Ora, o fim primordial do direito deve ser a realização da justiça como

forma específica de garantir a segurança existencial.23

Page 48: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 48/359

A importância dessa distinção manifesta-se em alguns aspectos práticos: a) nas normasde direito privado, sua aplicação é deixada à iniciativa individual, cabendo aointeressado pedir a tutela do Estado, enquanto nas de direito público, esse impõe, por sisó, a respectiva observância, além do privilégio de poder tomar decisões unilateraisobrigatórias para os administradores (desapropriação, servidão pública, ocupação

temporária, requisição de bens etc.); b) os contratos de que o Estado participa (contratosadministrativos) contêm, muitas vezes, regras derrogatórias do direito comum; c) a propriedade dos bens do Estado constitui domínio público, e tais bens são inalienáveis einsuscetíveis de aquisição pela usucapião; d) a responsabilidade civil do Estado édisciplinada por normas especiais; e) a competência para julgar conflitos em que oEstado intervém é privativa de órgãos especiais (Justiça Federal no âmbito federal,Varas de Fazenda Pública, no âmbito estadual).8. Crítica à dicotomia direito público-direito privado.Uma perspectiva histórica facilita a compreensão da origem e significado da dicotomiadireito público-direito privado. Essa distinção foi um dos postulados básicos do Estadoliberal, assim como o da divisão dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) e o do

caráter abstrato e geral das normas jurídicas. O direito público era o conjunto de normascom que o Estado se organizava e regulava as relações entre si e os particulares, visando

 proteger os indivíduos, não a coletividade. A separação dos dois ramos correspondia àexistente entre os sistemas da política e da economia, com outra característica, a daabstenção do Estado em intervir na segunda. Contrapunha-se, desse modo, a sociedadecivil, que era a natural, dirigida pelas suas próprias leis, emanadas da natureza ou darazão, ao Estado, que era o organismo mantenedor da ordem econômica e social.24Tal distinção já existia em Roma, sendo certo que os seus termos ius publicum e ius

 privatum não correspondiam à divisão atual.25 Ius publicum era o direito derivado doEstado, obrigatório para a comunidade, incluindo setores hoje considerados comodireito privado. Ao contrário, o ius privatum representava as relações que os indivíduosestabeleciam entre si, no exercício de sua autonomia. Essa diferença perde sentido naIdade Média, ressurgindo com a revolução comercial do século XV e reafirmando-secom o direito da revolução francesa, correspondendo, na época moderna, à separaçãoEstado-----------------21 Bobbio. Dalla strutura alia funzione, p. 118.22 Bobbio, op. cit., p. 112.?3 Sérgio Cotta. Prospettive di filosofia dei dirítto, p. 14.24 Pietro Barcelona. Dirítto privato e processo econômico, p. 38; FrancescoCialgano Publico e privato nella regolazione dei rapponi economici, in Trattato di diritto

commerciale e di diritto publico deli economia, volume primo, La costi-tuzioneeconômica, p. 60.25 Max Kazer. Derecho Romano Privado, p. 27. Álvaro D'Ors, De Ia "Privata Lex" aiderecho privado e ai derecho civil, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidadede Coimbra, vol. 24, 1949, pp. 29/46.----------------sociedade civil, representando esta o conjunto das relações econômicas.Posteriormente, a interferência do Estado na economia contemporânea, causada pelaconcentração capitalista dos meios de produção,26 conduz a uma interpenetração deambas as esferas e a uma superação da tradicional dicotomia. E uma das provas maisconsistentes desse processo é o surgimento de um novo direito, o direito da economia,

que combina processos jurídicos, institutos e conceitos de direito público e de direito privado. Com ele, o Estado intervém na economia, órbita tradicional do direito privado,

Page 49: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 49/359

utilizando-se do instrumental jurídico deste ramo, como a técnica de constituição das pessoas jurídicas e os atos jurídicos. Com o direito público ficaria assim a função deorganizar atividades políticas e sociais do Estado, e com o direito privado, as atividadeseconômicas, quaisquer que fossem,27 correspondendo isso à passagem do Estadoliberal para o Estado social, do Estado da ordem pública para o Estado promotor do

 bem-estar social. A distinção, a dicotomia direito público-direito privado, tem, assim,caráter manifestantemente ideológico.28O direito privado permanece, portanto, como direito comum das pessoas e da economia,disciplinando as relações jurídicas comuns de ordem pessoal e patrimonial, enquanto odireito público disciplina relações jurídicas especiais e autoritárias, criadas em funçãode uma atividade dirigida a fins de interesse geral.9. Normas privadas e normas públicas.As normas de direito privado, quanto à sua fonte de produção, vale dizer, quanto ao

 poder que as cria, dividem-se em normas privadas e normas públicas. As primeiras são produto da autonomia privada, poder que os particulares têm de estabelecer por si só,embora respeitando os critérios de sua validade e eficácia, estabelecidos por normas

 públicas superiores (como as que estabelecem os elementos e requisitos do ato jurídico),as regras disciplinadoras de sua própria atividade, de seus interesses. A autonomia

 privada é a mais importante manifestação do princípio da liberdade jurídica, um dos princípios fundamentais do direito civil. Seu instrumento de realização é o negócio  jurídico. As normas privadas são autônomas no sentido de que são os próprios particulares, interessados, que as estabelecem.29As normas públicas, ou heterônomas, são as que se contêm nas leis, elaboradas pelosórgãos legislativos competentes para a disciplina e organização da vida em sociedade,como as de organização e funcionamento das pessoas jurídicas de direito privado.

 Normas privadas e normas públicas não se confundem com normas de direito privado enormas de direito público pelos critérios já apontados. Além disso, as normas privadassão, geralmente, individuais e concretas como as que nascem dos contratos, enquanto asnormas públicas são gerais e abstratas como as contidas nas leis.10. Normas gerais e normas singulares.As normas gerais prevêem, como agente da ação prevista na hipótese de fato, umaclasse de sujeitos (por exemplo, o art. 186 do Código Civil refere-se à generalidade das

 pessoas), enquanto as normas singulares indicam determinadas pessoas, como ocorrenas autorizações, nas concessões, nos privilégios, nas sentenças, nos tratadosinternacionais, nos contratos. As normas de direito singular não devem produzir outrosefeitos além dos que especificamente visados.As normas singulares podem ser privadas e públicas, conforme derivem da vontade

 particular (contratos, testamentos), ou da atividade das autoridades (decisões judiciais eadministrativas).11. Normas abstratas e normas concretas.As normas abstratas são as que prevêem, como hipótese de aplicação, uma categoriade fatos (por exemplo, o ato ilícito, em--------------26 Gérard Farjat. Droit économique, p. 143.27 Galgano, op. cit., p. 123.28 Bobbio, op. cit., p. 154; Stefano Rodotà. H diritto privato nella società moderna, p.9.29 Miguel Reale, op. cit. p. 137 e 179.;Manuel Garcia Amigo, op. cit., p. 58. O Código

de Processo Civil referia-se expressamente, no art. 1.100, V, a normas contratuais, na

Page 50: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 50/359

matéria referente ao juízo arbitrai, hoje revogada pela lei da arbitragem (Lei 9.307, de23.9.96).--------------geral CC, art. 186). São universais com respeito à ação. Normas concretas são as que

 prevêem um determinado fato (compra e venda de objeto determinado).30 É no campo

do direito civil que se encontram, por excelência, as normas jurídicas individuais econcretas, como as que nascem, por exemplo, dos negócios jurídicos.12. Normas rígidas e normas elásticas.

  Normas rígidas são aquelas em que a hipótese de fato é bem determinada pelolegislador, não permitindo maior amplitude na apreciação dos fatos e na determinaçãode suas conseqüências, como ocorre, por exemplo, com o que se dispõe sobre o estado ea capacidade das pessoas (CC, arts. 32 e 42), os prazos de prescrição (CC, art. 206), afixação dos juros de mora (CC, art. 591) Quando a lei estabelece os requisitos dotestamento (CC, arts. 1.864, 1.868, 1.876), a validade desse ato depende da estreitaobservância dessas disposições legais.

 Normas elásticas são as que permitem maior liberdade ao intérprete na avaliação dos

fatos, por utilizarem conceitos de conteúdo variável, como os de eqüidade, dolo, culpa,fraude, boa-fé, ilicitude, ordem pública, bons costumes, diligência de bom pai defamília, abuso de direito, justo preço, justa indenização etc. São os chamados standards

 jurídicos ou conceitos em branco, que servem para adequar a generalidade da norma àsingularidade dos casos distintos e individuais.3113. Normas cogentes e normas não-cogentes.As normas cogentes são as que se impõem de modo absoluto, não sendo possível a suaderrogação pela vontade das partes. São imperativas (determinam uma ação) ou

 proibitivas (impõem uma abstenção). Regulam matéria de ordem pública e de bonscostumes, entendendo-se como ordem pública o conjunto de normas que reguiam osinteresses fundamentais do Estado ou que estabelecem, no direito privado, as bases

  jurídicas da ordem econômica ou social.32 A ordem pública compreende o que éindispensável à organização social, isto é, as normas referentes à liberdade e à igualdadedos cidadãos, ao direito de associação, à liberdade de trabalho, à responsabilidade civil,ao estado e capacidade das pessoas, aos efeitos do casamento, ao pátrio poder, à

  proteção dos incapazes, à obrigação alimentar, ao estado civil, à propriedade, àssucessões, à proibição de anatocismo, à prescrição e decadência. Ordem pública não seconfunde com direito público. Bons costumes são o aspecto moral da ordem pública,são o conjunto de regras morais de um povo.As normas não-cogentes, ou permissivas, são aquelas que permitem o livre exercício davontade individual na disciplina dos interesses particulares. Distinguem-se em

dispositivas, quando permitem que os sujeitos disponham como lhes aprouver, esupletivas, quando se aplicam na falta de regulamentação privada, preenchendo, noexercício de uma função integradora as lacunas por ela deixadas.As normas cogentes predominam, em matéria privada, no direito de família, no dassucessões e nos direitos reais. As normas supletivas aplicam-se, principalmente, nocampo das obrigações, na ausência de manifestação de vontade das partes.As normas cogentes aplicam-se em qualquer hipótese, enquanto que as não-cogentes sóse aplicam na ausência da regulamentação privada.A distinção das normas em cogentes e não-cogentes baseia-se, portanto, na eficácia davontade particular em face das normas jurídicas que emanam do Estado, tendo grandeimportância nos países de direito codificado, pois não existem nos países de Common

Law. Importância prática dessa distinção está no fato de que a manifestação da vontade privada contrária à norma cogente é nula, não produzindo efeitos, em princípio.

Page 51: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 51/359

Também os direitos reconhecidos pelas normas imperativas são, no mais das vezes,irrenunciáveis, por exemplo, os efeitos do casamento (CC, art. 1.566), o direito aalimentos (CC, art. 1.694).Poderíamos ainda referirmo-nos à norma semi-imperativa, própria da legislação dedireito social, a qual, para proteger a parte considerada mais fraca no contrato,

estabelece a sua inderrogabili-clade, salvo no caso de beneficiar essa parte, como seencontra na lei do inquilinato e na legislação trabalhista.3314. Normas interpretativas e normas integrativas.As normas interpretativas estabelecem os critérios a seguir na pesquisa do sentido danorma (CC, art. 112) ou fixam-lhe previamente o sentido. Normas integrativas são asque se compõem com outras normas, preenchendo-lhes as lacunas. Por exemplo, noscontratos, deixando os contratantes de fixar o local de pagamento, aplica-se a norma doart. 327 do Código Civil, que dispõe: "Efe-tuar-se-á o pagamento no domicílio dodevedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se contrário resultar dalei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias."15. Normas perfeitas e normas imperfeitas.

Quanto à sanção, a norma pode ser perfeita, mais-que perfeita, menos-que-perfeita eimperfeita (lex perfecta, lexplus quam perfecta, lex minus quam perfecta, leximperfecta). A norma perfeita estabelece, como sanção, a inexistência ou a nulidade doato (exemplos: CC, arts. 1.548, 1.749); a mais-que-perfeita estabelece duas sanções,como, por exemplo, a Lei n2 5.478, de 25.07.68 (Lei de Alimentos), no art. 19 e seu §l2. A menos-que-perfeita estabelece sanção diversa da nulidade, permitindo a eficáciado ato (CC, art. 1.641). A imperfeita não tem sanção (ex.: obrigação natural aquela emque o credor não dispõe de ação para compelir o devedor ao pagamento), sendo maisfreqüente no direito público, nas leis de organização e no direito internacional.16. Normas de direito comum, normas de direito especial e normas de direitoexcepcional.Relativamente aos princípios do sistema jurídico, as normas ainda se dividem emcomuns, especiais e excepcionais.

 Normas comuns ou gerais são as que se aplicam a um determinado sistema de relações,como as de direito privado. Normas especiais, as que se aplicam a certas relações

 jurídicas de direito comum, regulando-as diversamente, como ocorre com as de direitocomercial ou da previdência social.O direito especial afasta-se das regras de direito comum e destina-se a classes especiaisde pessoas, coisas e relações. Enquanto o direito comum destina-se a regular a realidade

 jurídica e social considerada em sua totalidade, o direito especial forma-se de normasque se destinam a determinadas relações. São normas especiais as que formam o Código

Comercial, a lei dos registros públicos, a lei do condomínio, a lei do inquilinato, a lei da propriedade intelectual etc. Direito comum e direito especial não são contrários. Estedesenvolve os princípios daquele, sendo o direito comum supletivo do especial. Odireito civil, por exemplo, é o direito privado comum, supletivo do comercial, que édireito especial.O direito excepcional aparece como contrário aos princípios que informam o sistema

 jurídico. Suas normas regulam de modo diverso ao estabelecido no direito comum, fatosou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam nele compreendidos. O direitoexcepcional não produz mais efeitos do que os estabelecidos na lei, não admitindo, por isso, interpretação extensiva nem aplicação por analogia. São exemplos de normasexcepcionais as que consagram a responsabilidade civil objetiva, contrariamente ao

 princípio geral e secular da culpa, e as que se inserem no CC, arts. 1.647, 1.749, 497.17. Fontes das normas jurídicas ou fontes de direito.

Page 52: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 52/359

A compreensão da natureza e eficácia das normas jurídicas pressupõe o conhecimentoda sua origem ou fonte, isto é, dos mecanismos institucionais que fixam o modo comose produzem e manifestam as regras de direito. E uma questão política e sociológica, namedida em que envolve o reconhecimento de um âmbito de poder em que seconfrontam grupos sociais diversos, na defesa de seus interesses.

A expressão fonte de direito tanto significa o poder de criar normas jurídicas quanto aforma de expressão dessas normas. No primeiro caso, as fontes dizem-se de produção e,segundo a estrutura-------------30 V. nota 11.31 Gerd Willi Rothmann. Standard jurídico, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.70. pp. 487/501.32 Henri de Page. Traité élémentaire de droit civil belge, I. p.s Ghestin. Traité de droitcivil, La formation du contrai, p. 104.33 Cfr. Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre a locação dos imóveisurbanos.

-------------de poder que representam, são o poder legislativo, o poder judiciário, o poder social (osusos e costumes) e o poder dos particulares.A fonte de direito consiste assim em um ato de vontade, da sociedade, por seus poderesde natureza executiva, legislativa e judiciária, ou de grupos sociais ou instituições, ouaté dos próprios indivíduos no exercício de um poder que lhes é reconhecido pela ordem

 jurídica, que é a chamada autonomia privada.34Em todos esses poderes existe um fator comum, que é a vontade, social ou individual,exercitável na forma e nos limites que o sistema jurídico estabelece, obedecendo àescala de competências instituídas, e também a uma identidade de propósitos, que é aeficácia jurídica, a produção de efeitos jurídicos. É por isso que a doutrina realista deDuguit, Jéze, Bonnard, unifica as diversas fontes de produção jurídica em uma sómanifestação, o ato jurídico, distinguindo-o em quatro espécies: ato-regra, ato subjetivo,ato-condição e ato jurisdi-cional, de acordo com a origem da vontade e os efeitos

 produzidos. O ato-regra é o gênero que reúne todas as espécies de lei, em sentidoamplo, a lei, o decreto, as resoluções. O ato subjetivo seria a manifestação de vontadeindividual, apta a produzir efeitos juridicamente reconhecidos. Constitui a espécie demaior interesse para o direito civil, que estabelece a respectiva disciplina legal de suaexistência, validade e eficácia e que tem no negócio jurídico a sua mais relevanteespécie. O ato-condição é manifestação de vontade de órgão público ou de particular,destinada a inserir um indivíduo em uma situação jurídica própria, como ocorre, por 

exemplo, com a naturalização, a nomeação de funcionário público, o casamento, aseparação judicial, a admissão de pessoa como empregado.35 O ato jurisdicionalcompreende as decisões dos juizes e tribunais.

 No segundo caso, isto é, a idéia de fonte de direito como forma de revelação dessedireito, as fontes dizem-se de cognição, constituindo-se no modo de expressão dasnormas jurídicas, e são a lei, compreendendo a Constituição e suas leis complementares,as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e asresoluções (CF, art 59), o estatuto social, o negócio jurídico, o costume, os princípios

 jurídicos e a sentença judicial.A lei é um conjunto ordenado de regras que se apresenta como um texto escrito.Caracteriza-se por ser estatal, obrigatória, geral e permanente. Estatal, no sentido de ato

do Estado, pelo seu poder legislativo; obrigatória, porque se impõe à vontade dosdestinatários, que a devem observar e respeitar, sob pena de sanção; geral, porque se

Page 53: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 53/359

dirige a todos e a cada um indeterminadamente; permanente porque dispõe para ofuturo, em princípio sem limitações de tempo. A lei é, assim, um ato do poder legislativo que estabelece normas de comportamento social. Para entrar em vigor, deveser promulgada e publicada no Diário Oficial.Em matéria de direito civil, a lei básica, geral, é o Código Civil, que se complementa

com leis e decretos de natureza especial, referentes a institutos que, por sua importância,têm merecido particular atenção do legislador, como a locação, o parcelamento do solourbano, o condomínio, os direitos autorais, a separação judicial e o divórcio, os registros

 públicos etc.A autonomia privada é o poder que a pessoa tem de regular seus interesses,estabelecendo as normas de seu próprio comportamento. Seu instrumento é o negócio

  jurídico, declaração de vontade destinada a produzir efeitos que os declarantes pretendem e o direito protege.36 O negócio jurídico é, assim, modo de expressão dasregras jurídicas criadas pela vontade dos particulares. Suas normas têm as mesmascaracterísticas das que emanam do Estado, a saber, a bila-teralidade e a coatividade. Nomais das vezes, são individuais e concretas (eventualmente gerais e abstratas, como o

estatuto das grandes associações, empresas, clubes etc.).Do mesmo modo que as estatais, as normas particulares estabelecem direitos e deveres(bilateralidade), apresentam-se como juízos hipotéticos (abstração) e estabelecemsanções (coatividade).O poder judiciário realiza o direito nos casos concretos, solucionando os conflitos deinteresses e concretizando a justiça. Por meio de suas decisões, as sentenças,estabelecem normas individuais e concretas. A reiteração desses julgados no mesmosentido, criando uma orientação geral para os tribunais, forma a jurisprudência.---------------34 Miguel Reale. Lições Preliminares de Direito, p. 141 e O Direito comoExperiência, p. 167 e segs. "Fontes do direito é uma expressão metafórica devida aCícero (De Legibus I, 5-6) e utilizada com maior insistência a partir do século XVI",Castabheira Neves in Digesta, volume 2°, p. 935 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., n2 9; Orlando Gomes, op. cit., n£ 34.36 Do Autor. A autonomia privada como poder jurídico, in Estudos Jurídicos emHomenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira, pp. 286-313.---------------As fontes do direito civil brasileiro são assim, basicamente, o Código Civil e alegislação complementar, os negócios jurídicos, as decisões que formam a

 jurisprudência uniforme, expressa nas súmulas, e os costumes. Quanto a estes o próprioCódigo permite a sua aplicação em determinadas matérias (arts. 1.297, § 1°, 372, 569,

II, 596, 597, 615, 965, I), como também dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, art.4°.Há que se considerar, porém, a incidência da Constituição no direito civil. O CódigoCivil, por força das transformações políticas, jurídicas e sociais que vêem marcando asociedade contemporânea, perdeu a posição central que ocupava no sistema de fontes dodireito moderno em favor da Constituição Federal, que passou a ser a fonte suprema do

 processo de criação e de cognição jurídica. A Constituição incorporou ao seu texto osvalores, princípios e institutos básicos do direito civil, como a liberdade, a segurança, aigualdade (no Preâmbulo), a dignidade humana e a livre iniciativa (no seu art. l2), osdireitos da personalidade (art. 52, X, XI, XII, XIIX), o direito de propriedade (art.XXII], o direito da herança (art. 5°, XXX), a proteção à família (arts. 203 e 226),

dotados, não obstante o seu caráter prograrnático, própria de sua naureza constitucional,de eficácia imediata e direta. A constitucionalização desses princípios e institutos de

Page 54: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 54/359

direito civil deu azo à defesa de um novel Direito Civil Constitucional,37 que ématerialmente direito civil e formalmente direito constitucional, sistematizado em três

 blocos, o direito civil constitucional da pessoa, o da família e o do patrimônio. Em facedisso, pode reconhecer-se que as normas constitucionais têm uma função de produção

  jurídica e de transformação dos institutos tradicionais do direito civil38 e devem

constituir o ponto de partida para o seu estudo e aplicação, já que, embora dirigidas aolegislador, têm aplicação direta e imediata, pelo menos em matéria de direitosfundamentais (C.F., art. 5°, par. 1°). A aprovação do Código Civil de 2002 (Lei 10.406de 10 de janeiro de 2002), que incorpora, desenvolve e regulamenta as disposiçõesconstitucionais de natureza civil, isto é, os princípios e institutos supra mencionados,

 permite reconhecer, porém, nesse diploma uma nova posição central do Código Civil noordenamento jurídico brasileiro, "como lei básica, mas não global, do direito privado", a

 par das leis especiais vigentes não incluídas na sistemática do código.18. A realização do direito. O raciocínio jurídico.O direito existe para realizar-se39, o que se obtém por meio de uma série de atos que,em seu conjunto, constitui a realização do direito.

A finalidade da lei é permitir a elaboração de uma norma, e é para isso que ela se cria.40Pensada como simples regra geral, não passa de mera abstração.O direito é geralmente cumprido por seus destinatários. Quando impossível acomposição privada dos interesses em conflito, intervém os órgãos qualificados doEstado (juizes e tribunais) que relizam o direito no exercício da chamada função

 jurisdicional do Estado, ou jurisdição.As normas jurídicas apresentam-se como já assinalado (p. 56) sob a forma de

 proposições, gerais e abstratas, enquanto que na realidade social surgem problemasespeciais e concretos. Torna-se, portanto, necessário estabelecer uma relação lógicaentre o preceito e o caso particular, inferindo-se a norma adequada à solução do

 problema. A realização do direito é, assim, um processo técnico de elaboração, a partir do sistema jurídico, da norma adequada ao problema concreto.Para a perspectiva normativista e lógico-formal do direito, a realização deste consisteem uma atividade lógica, a subsunção do caso concreto da vida à lei, por meio de umsilogismo em que a premissa maior é a regra, a menor é o fato e a conclusão, a sentençado juiz.A realização do direito seria, assim, o procedimento técnico com que se conectam osfatos concretos da vida real com a regra jurídica adequada à solução do problema.Como diz Larenz, o direito só se realiza quando aplicado ao caso e convertido emsentença.41Acerca de tal matéria confrontam-se duas concepções teóricas. Para a teoria clássica,

  própria do modelo de interpretação jurídica surgido com a Revolução Francesa,distingue-se a criação da aplicação do direito. A primeira seria da competência do poder legislativo, a segunda, do poder judiciário, que utilizaria um procedimento lógico desubsunção, um silogismo no qual a premissa maior seria a regra legal, e a premissamenor, o^fato fixado pelo juiz ou intérprete. A conclusão seria automática. E a posiçãodo formalismo jurídico. O juiz seria apenas a boca que pronunciasse as palavras da lei.Para outra teoria, contemporânea, mais desenvolvida e adotada nos países de CommomLaw, inexiste oposição entre criação e aplicação do direito. Esta seria necessariamenteuma criação jurídica ou judiciária, de acordo com os textos legais.A realização do direito pressupõe o raciocínio jurídico, pois é por meio deste que aquelase realiza.

Podemos definir o raciocínio como a operação intelectual pela qual passamos de umacoisa conhecida para outra desconhecida. Consiste em um processo por meio do qual de

Page 55: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 55/359

uns juízos ou proposições (antecedentes, premissas) dadas, inferimos outro juízo(conclusão). O raciocínio pode ser dedutivo e indutivo. O raciocínio dedutivo é aqueleem que se parte de juízos gerais ou universais para descobrir outros mais particulares ouindividuais. Seu instrumento técnico é o silogismo, que se exprime ou manifesta peloargumento, utilizado no diálogo ou no debate jurídico para convencer. A arte do diálogo

chama-se dialética. O raciocínio indutivo ou empírico é aquele que se desenvolve a partir do conhecimento das coisas, fatos ou fenômenos, para alcançar os princípios ouconstruir teorias. Liga-se às práticas jurídicas de natureza sociológica, como as que severificam, por exemplo, no processo de elaboração das leis ou das regras jurídicas. Acontraposição entre os raciocínios dedutivo e indutivo, na determinação do direito, nãotem hoje, porém, maior sentido, em face do pluralismo metodológico que domina aciência jurídica atual.

 Nos casos de realização do direito, o raciocínio dedutivo desenvolve-se por meio dosilogismo jurídico, que permite passar da norma geral e abstrata ao caso individual econcreto.O conhecimento da estrutura da norma jurídica ajuda a compreender o seu mecanismo

de aplicação, que consiste, basicamente, no seguinte:a) verificando-se determinado fato, por exemplo, um atropelamento, um acidente, umaagressão etc., que configure a hipótese de ato ilícito, como descrito no art. 186 doCódigo Civil (ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, de que resultedano);

 b) surge determinada conseqüência, que é a obrigação de reparar esse dano.Esse esquema lógico caracteriza assim o silogismo jurídico ou judiciário, que é, na suaforma mais simples, um raciocínio de subsunção,42 em que a premissa maior é aquestão de direito (a condição de aplicação da regra), a premissa menor é a questão defato (o caso da vida real), e a conseqüência, o preceito contido no art. 186 referido,como se pode exemplificar:a) aquele que, por ação ou omissão voluntária, ou negligência, ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano (questão de direito);

 b) A causou prejuízo a B, na forma do art. 186 (questão de fato);c) A fica obrigado a reparar o dano causado (conseqüência). Para a concepçãotradicional, aplicar a norma jurídica seria,

  portanto, transportar para o caso particular a decisão que o dispositivo contém emabstrato, o que depende de se verificar a circunstância para a qual o legislador criou anorma.43 Aplicar o direito seria, assim, encaixar o caso da vida real na hipótese, nofigurino, na----------

37 Cf. Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de um direito civil constitucional,in Direito, Estado e Sociedade, n° l, 1991, p. 59 e segs.38 Pietro Perlingieri, H diritto civile nella legalità costituzionale, p. 189 e segs.;Joaquim Arce y Flórez-Valdés, El derecho civil constitucional, p. 173 e segs. GuidoAlpa. Introduzione alio studio crítico dei diritto privato, p. 10.39 Rudolf von Ihering, Uesprit du droit romain, Tome Troisième, p. 17.40 Paul Orianne, in Xavier a Interessen jurisprudenz, apud Menezes Cordeiro. DaBoa-Fé no Direito Civil, p. 360.42 Larenz, op. cit., p. 279, para quem subsunção é o "silogismo de determinação daconseqüência jurídica", que se traduz na "passagem mecância, passiva, do fato para a

 previsão normativa, de modo a integrar a premissa menor do silogismo judiciário";

Ludwig Enneccerus-Hans Carl Nipperdey, Allgemeiner Teil dês Bür-gerlichen Rechts, p. 191. Todavia, "a vida é tão complicada que não é possível, apenas pela subsunção,

Page 56: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 56/359

resolver todos os problemas que apareçam. Em duas situações a subsunção torna-se-iaimpossível: quando o legislador utilize expressões gerais, corno boa-fé, bons costumesou fundamento importante, e quando a ordem jurídica compreenda, em uma áreacarecida de regulamentação, uma lacuna", Philip Heck Begriffsbildung una Interessen

 jurisprudenz, apud Menezes Cordeiro. Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 360.

43 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 6.---------- previsão que a norma contém, o que se faz por meio de uma série de medidas que emconjunto caracterizam a técnica jurídica.44Este processo decorre do entendimento de que qualquer problema jurídico apresentauma questão de fato (quaestio facti), que é um acontecimento da vida real, por exemplo,um acidente, o descumprimento de um contrato, uma infração dos deveres conjugais,um desrespeito à propriedade etc., e uma questão de direito (quaestio iuris), que consisteno problema de se escolher a norma jurídica aplicável ao caso. Na primeira, indaga-se oque e como efetivamente aconteceu, e, na segunda, qual a norma adequada à solução do

 problema e como aplicá-la. Na primeira fase fixam-se os fatos que constituem o fato

concreto, por meio de um relato. Diz-se, por isso, que todo caso jurídico é uma históriaque se conta ao advogado, ao promotor, ao juiz, ao jurista enfim.45Aplicar a norma jurídica é, assim, enquadrar o fato concreto na hipótese legal(Tatbestand, fattispecie), o que se chama de qualificação, do que logicamente decorre aconseqüência jurídica. Transporta-se para o caso particular a decisão que abstratamentea norma contém.Deve advertir-se, porém, que essa operação lógica, o silogismo de subsunção, funcionaapenas nas questões mais simples, em que se pode facilmente precisar a questão de fatoe a questão de direito, combinando-se em um simples raciocínio de lógica formal. Aconcepção silogística do raciocínio jurídico serve apenas para as exposições maiselementares: por exemplo, se o art. 5- do Código Civil dispõe que a maioridade seatinge aos dezoito anos completos, e Antônio completou essa idade, essa pessoa é,logicamente, maior de idade. É muito raro, porém, que o raciocínio jurídico possaconduzir-se, assim, de modo tão simples, como nas demonstrações mate-máticas.40Predomina, hoje, o pluralismo metodológico, (diferentes métodos de raciocínio jurídico)segundo o qual, no raciocínio da determinação do direito, conjugar-se-iam as diversasdimensões das normas, a jurídica (validade), a sociológica (eficácia) e a filosófica(legitimidade), em uma "dialética concreta de dedução-indução, isto é, uma dialéticaentre a norma, o fato-social e o valor.47 Contesta-se, assim, a concepção tradicionalsegundo a qual "existe ao nosso dispor uma ordem jurídica pronta e acabada, e que o

 juiz não teria mais do que aplicar ao caso concreto, para dela deduzir, por subsunção, a

decisão concreta".19. Crítica ao silogismo de subsunção.O raciocínio jurídico não costuma ser assim tão simples, (se B é C e A é B, logo A é C),

 pois a vida real é muito mais complexa do que o direito pode prever, exigindo umalógica específica, a chamada lógica dialética ou lógica da argumentação, que opõe ao

 pensamento baseado na idéia de sistema o pensamento problemático, ou tópica, que éuma técnica de pensamento por problemas. Contesta-se, assim, que a sentença seja ummero silogismo.48O raciocínio dedutivo da lógica jurídica tradicional nasce com o positivismo, queacentuou o aspecto sistemático e o pensamento axiomático-dedutivo do direito noraciocínio judicial.49 "As regras de direito seriam deduzidas dos princípios gerais dos

sistemas jurí---------------

Page 57: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 57/359

44 Entende-se tradicionalmente como técnica jurídica o conjunto de meios e de procedimentos que tornam possível a realização do direito em casos concretos. Asquestões preliminares e fundamentais que enfrenta são: a interpretação, a integração e avigência temporal e espacial das normas jurídicas. Cfr. Paulo Nader, op. cit. p. 261 eGarcia Maynez, Introduccion ai estúdio dei derecho, p. 317. Czaba Varga, Tecnique

 juridique in Dictionnaire enciclopédique de théorie et de socio-logie du droit, p. 605.45 Diez-Picazo, op. cit., p. 215. Para uma crítica à distinção questio facti — questioiuris, cfr. Castanheira Neves, Questão de Facto — Questão de Direito, ou o O ProblemaMetodológico da Juridicidade, Coimbra, Levraria Almedina, 1967.46 Moacyr Amaral Santos. Comentários ao Código Civil de Processo Civil, vol. IV,

 p. 458. Binder, apud Larenz, p. 133; Jacques Ghestin et Giles Goubeaux. Traitê de droitcivil, introduction generale, p. 39 e segs.; João Batista Machado. Prefácio a Karl Engish,op. cit., p. 11; Chaim Perelman. Logique juridique, p. 17.47 Miguel Reale, Fontes e Modelos do Direito, p. 108 e segs. Elias Diaz, op. cit., p.124.48 Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit. p. 318.

49 Jacques Ghestin, op. cit., p. 25. Atribui-se a Kant a teoria da aplicação do direito  por meio da subsunção do caso concreto da vida à norma jurídica, por meio dosilogismo, cuja premissa maior é a lei, a menor o fato, e a conclusão, a sentença judicial.A realização do direito é, porém, operação muito mais complexa. José Castan Tobenas.Teoria de Ia aplicacion y investigación dei derecho, pp. 12/13; José Luiz de los Mozos.Derecho civil espanol, I, p. 543; Luiz Fernando Coelho. Lógica Jurídica e Interpretaçãodas Leis, 1981.--------------clicos e as decisões judiciárias seriam deduzidas das regras jurídicas por uma série desilogismos sucessivos." Os abusos e os limites da lógica formal, denunciados, porém,desde o começo do século por Geny, levaram à tendência, hoje dominante, de ver noraciocínio jurídico um produto da lógica dialética ou da argumentação, em que a lógicaé utilizada, não para demonstrar, mas para convencer. A lógica desempenha, assim,importante papel na decisão judiciária, que surge como produto de um raciocínio,

 permitindo conhecer como o juiz chega à sua decisão.50 Na lógica jurídica a lógica formal é útil mas não é absoluta, pois a aplicação do direito ea passagem da regra abstrata ao caso concreto não é um simples processo dedutivo,senão uma adaptação constante das disposições legais aos valores em conflito nacontrovérsia judicial, razão por que se constata a presença de fatores irracionais noraciocínio jurídico e se afirma serem "escolhas ideológicas fundamentais quedeterminam não somente a legislação mas também sua aplicação às situações

 particulares".51Em conclusão, a tendência atual, embora reconheça a importância da lógica formal noraciocínio jurídico, é para combater "a concepção mecânica do silogismo", aceitando acontribuição da lógica dialética ou lógica de argumentação, que contesta uma aplicaçãorígida e inflexível das leis, respeitando a dupla exigência do direito, uma de ordemsistemática, que é a criação de uma ordem coerente e unitária, e outra de ordem

  pragmática, que é a busca de soluções ideologicamente aceitáveis e socialmente justas.5220. Interpretação da norma jurídica.A complexidade da vida social e a necessidade de sua disciplina e organização fazemcom que o direito seja constantemente realizado pelas pessoas nos atos de sua existência

diária, prevenindo ou solucionando conflitos, ou organizando sua própria vida,aplicação essa de modo imperceptível e até inconsciente.

Page 58: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 58/359

É, porém, na solução das controvérsias que a atuação do direito se faz presente de modomais evidente. E o advogado, o juiz, o promotor, o defensor, enfim, o interessado narealização do direito terá de criar a norma ou as normas jurídicas para o caso concreto.Tal escolha pressupõe conhecer o sentido e o alcance da norma jurídica adequada, quese apresenta em uma ou várias proposições lingüísticas, cujo texto pode comportar 

vários significados. A atividade que se desenvolve para compreender-se o exatosignificado da norma legal escolhida chama-se interpretação.53Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da regra jurídica. Com o termo sentido,queremos nos referir ao significado dos conceitos, das fórmulas verbais constantes danorma, e com o termo alcance, queremos dizer o âmbito de aplicação, a extensão, oscasos individuais abrangidos pelo conceito.54 Para realizar-se o direito é necessária

  prévia interpretação de suas normas, pois sua concretização depende do seu exatosentido e significado. Aplicar e interpretar o direito são atividades de íntima conexão,

 pois só pode ser aplicado o que é compreendido. É por isso que se considera ainterpretação o problema central da metodologia jurídica, não tendo mais sentido a tesede sua exclusão quando o texto for claro e inequívoco (in claris nonfit interpretatio). A

determinação do direito exige sempre interpretação.Sendo a matéria tão importante, foi necessário estabelecerem-se critérios orientadoresda atividade do intérprete, garantindo uma certa uniformidade nas soluções,indispensável à segurança jurídica. A ciência que estuda e sistematiza os processosinterpretativos chama-se hermenêutica jurídica.55O problema da interpretação "reflete a concepção fundamental do direito de cada épocae pressupõe o contexto cultural" em que o direito se situa.56 Seu objeto (o que seinterpreta) é não só o-------------50 Ghestin, op. cit, p. 43.51 Perelman, op. cit., pp. 114, 115, 129 e 228.52 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 52.53 Interpretar, de inter e pars, entre as partes. Intérprete é o que se põe entre as partes

 para facilitar o entendimento. José Puig Brutau, op. cit., p. 302 e segs. A concepçãotradicional, que vê a interpretação jurídica como um simples processo semântico, passahoje por uma radical revisão, no sentido de considerá-la não mais como simples análisede textos legais, mas como decisivo ato de criação normativa. Cfr. Castanheira Neves,O Atual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica, I, p. 6 e segs.54 Engish, op. cit., p. 99.55 Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, p. 9: RubensLimongi França. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 41.

56 Castanheira Neves, Interpretação jurídica, in Polis-Enciclopédia Verbo daSociedade e do Estado, vol. 3. p. 651.-------------texto da lei, como a doutrina tradicional defendia, e era próprio do positivismo jurídico,mas principalmente a regra que esse texto contém. Mas seu objetivo (o fim que, com ainterpretação, se procura alcançar) suscita três orientações distintas, a da interpretaçãosubjetiva, a da interpretação objetiva e a da livre pesquisa do direito.Para os adeptos da interpretação subjetiva, historicamente a primeira, o que se pesquisaé a vontade do legislador (voluntas legislatoris] expressa na lei. Sendo esta uma obra do

 poder legislativo, o sentido é o que o autor pretendeu dar-lhe.57 Nesse caso, teriamgrande importância os trabalhos preliminares à promulgação da lei. Tal concepção tem

graves inconvenientes. Quando a norma aplicável é antiga, conservada pela tradição, avontade do legislador originário está, normalmente, superada. Quando o legislador da

Page 59: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 59/359

norma é um colegiado, o Congresso Nacional, por exemplo, a vontade do legislador éuma ficção.Para os seguidores da interpretação objetiva, cada vez mais aceita, não é a vontade dolegislador que se visa, mas a vontade da lei (voluntas legis]. Na verdade, não a vontade,

 pois a lei não tem vontade, mas o sentido da norma. A lei, promulgada, separa-se de seu

autor e alcança uma existência objetiva.58Para outra concepção, a da escola da livre pesquisa do direito (Freirecht), o juiz deve ter função criadora na aplicação da norma, que deve ser interpretada em função dasconcepções jurídicas, morais e sociais de cada época.59 A interpretação jurídica é umaatividade criadora da norma, critério ou diretiva para a solução do caso. O trabalho do

 jurista, dirigido à solução de problemas concretos, não é uma tarefa mecânica, mas umraciocínio prático vinculado a um marco normativo.60 A interpretação jurídica não é,assim, de natureza hermenêutica, mas sim normativa.21. Espécies de interpretação.A interpretação pode classificar-se em várias espécies, de acordo com os agentes e oselementos que utiliza, segundo o modelo tradicional elaborado por Savigny.

Quanto aos agentes da interpretação, ela se diz autêntica, se realizada pelo própriolegislador, o que é raro; judicial, quando feita pelos tribunais; e doutrinária, se feita

 pelos cientistas do direito. As duas primeiras têm caráter oficial.Quanto aos elementos de que se utiliza, a interpretação pode ser gramatical, lógica,sistemática, histórica e teleológica.Interpretação gramatical ou literal é a que se processa apenas no campo lingüístico,

 procurando o sentido e o alcance das palavras, dos conceitos da norma. Seria a primeirafase do processo interpre-tativo.A interpretação lógica utiliza as regras do raciocínio para compreender o significado danorma, procurando a coerência, a conexão com outros preceitos. Com ela afasta-se ainterpretação que leva a um "resultado contraditório" com o disposto em outras normas.Diretamente ligado à interpretação lógica temos a interpretação sistemática, com que serelaciona a norma visada com as que compõem o mesmo instituto jurídico, levando-seem conta o contexto legal em que a norma se inscreve, considerando-se o livro, o título,o capítulo, a seção, o parágrafo. Nesse sentido, diz-se que as palavras da lei devemrelacionar-se com o contexto em que se situam, pelo que muitos juristas preferemdenominá-la de interpretação lógico-sistemática.61A interpretação histórica vê a norma na dimensão temporal em que ela se formou,

 pesquisando a occasio legis, as circunstâncias que presidiram à sua elaboração, deordem econômica, política e social, o que se reflete particularmente no direito civil, umdireito de formação histórica e jurisprudência!, profundamente influenciado por tais

elementos.-----------57 É a teoria da escola tradicional, a Escola da Exegese, para a qual o direito estátodo na lei escrita, cabendo ao jurista extraí-lo pesquisando a vontade do legislador. Cf.Jacques Ghestin et Gilles Goubeaux, op. cit., p. 108. É a escola de Savigny,Windscheid, Regelsberg, Enneccerus.58 Diez-Picazo, op. cit., p. 185.59 Ghestin, op. cit., p. 115; Castanheira Neves, op. cit., p. 682. Hoje em dia, "todainterpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística), fundada na consistênciaaxiológica (valorativaj do direito". Reale, op. cit., p. 293.60 Ricardo Guastini, in Interprétation et Droit, p. 101.

61 Castan Tobenas, op. cit., p. 247; Miguel Reale, op. cit., p. 375; Engish, op. cit., p.111. Exemplos de interpretação lógico-sistemática estão nas afirmações tradicionais de

Page 60: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 60/359

que "a lei que permite o mais, permite o menos; a que proíbe o menos proíbe o mais; aque permite o fim, permite os meios necessários à sua consecução; a que proíbe os fins,

 proíbe os meios que necessariamente a eles conduzem; a que permite os meios, permiteos fins a que eles necessariamente conduzem"; Tércio Sampaio Ferraz Jr., op. cit., p.262.

-----------Temos ainda a interpretação teleológica, que investiga a finalidade social da lei, isto é,os interesses predominantes ou os valores que, com ela, se pretende realizar: a justiça, asegurança, o bem comum, a liberdade, a igualdade, a paz social, como aliás dispõe o art.52 da Lei de Introdução ao Código Civil.Tais processos, indissociáveis, são, porém, gradativos. O intérprete procura,inicialmente, compreender o significado das palavras que formam o enunciado da

 proposição, dando-lhe sentido jurídico, não vulgar. Se necessário, passa à pesquisa doespírito da lei, identificando a relação de autonomia ou subordinação com as diversasnormas do mesmo ordenamento. Aplica as regras da lógica jurídica, recusando ainterpretação que leve a resultado contrário a outras normas ou ao próprio sistema, ou

que conduza à conseqüência absurda, levando em conta o contexto histórico de suaelaboração e os fins sociais a que se destina.Quanto aos resultados, a interpretação é declarativa, extensiva e restritiva.Interpretação declarativa é aquela em que o texto legal corresponde ou coincide com amens legis, o espírito da lei. Interpretação extensiva, ou ampliativa, quando a fórmulalegal, a letra, é menos ampla que o espírito, a mens legis. Interpretação restritiva,quando a letra da lei é mais ampla que o espírito, o sentido da norma.52As regras jurídicas de direito excepcional, as que impõem sanções ou concedem

 privilégios, as limitadoras da capacidade, não são suscetíveis de interpretação extensiva,exigindo, de regra, uma restritiva.A interpretação declarativa ainda se diz estrita ou lata, conforme dê sentido limitado ouamplo à expressão que tem vários significados. Por exemplo, o parentesco podesignificar apenas consangüinidade, como também abranger a afinidade e a adoção(Código Civil, art. 1.591 e segs.) em uma concepção lata.A interpretação extensiva e a restritiva implicam uma correção do texto legal paramodificar-lhe o alcance, ampliando-o ou restringindo-o.Alguns critérios interpretativos têm sido tradicionalmente observados pela doutrina e

 jurisprudência.6322. A interpretação no Código Civil brasileiro.O Código Civil brasileiro não dispõe de normas gerais sobre a interpretação legal,contendo disposições apenas quanto à interpretação das normas decorrentes da

autonomia privada (arts. 112, 114 e 1.899), com o predomínio de critérios objetivos, pois dispõe no art. 112, que nas declarações de vontade se atenderá mais à intençãonelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem. Tratando-se detestamento, prevalece o critério subjetivo (art. 1.899)."Ainda em matéria de autonomia privada dispões o Código que os negócios jurídicosdevem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (CC.art. 113).A Lei de Introdução ao Código Civil dispõe, todavia, como já referido, no art. 5- oseguinte: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais do direito e às exigênciasdo bem comum". Não obstante a referência à aplicação, tal dispositivo compreendetambém a interpretação, inserida esta no conjunto de processos pelos quais o direito se

aplica. Consigna-se, então, de modo expresso, o recurso ao critério teológico, ao referir-se o dispositivo aos fins sociais do direito e às exigências do bem comum, valores que o

Page 61: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 61/359

legislador considerou primordiais e que representam o predomínio do social sobre oindividual.--------------62 Exemplo de interpretação ampliativa é a do art. 1.911 do Código Civil, em que acláusula de inalienabilidade compreende também a incomunicabilidade e a

impenhorabilidade (CPC, art. 649-1). Nela se pode utilizar o argumento a fortiori,segundo o qual quem pode fazer o mais, pode fazer o menos. Exemplo de interpretaçãorestritiva é a que se faz no caso do art. 1.700 do Código Civil, em que a obrigação de

 prestar alimentos refere-se apenas a decorrente vínculo de parentesco (CC, art. 1.694),ou ainda no caso do art. 932, I, quando por filhos menores se deve entender os menoresde 16 anos.63 a) na interpretação deve sempre preferir-se a inteligência que faz sentido à que nãofaz: b) deve preferir-se a inteligência que melhor atenda à tradição do direito: c) deveser afastada a exegese que conduza ao vago, ao inexplicável, ao contraditório e aoabsurdo: d) há de se ter em vista o quod plerumque fit, isto é aquilo que ordinariamentesucede no meio social: e) onde a lei não distingue, o intérprete não deve igualmente

distinguir: f) todas as leis excepcionais ou especiais devem ser interpretadasrestritivamente: g) tratando-se, porém de interpretar leis sociais, preciso será temperar oespírito do jurista adicionando-lhe certa dose de espírito social, sob pena de sacrificar-sea verdade à lógica: h) em matéria fiscal a interpretação se fará restritivamente: i) urge seconsidere o lugar onde estará colocado o dispositivo, cujo sentido deve ser fixado, apudWashington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. Parte Geral, p. 37.--------------23. Integração da norma jurídica. A analogia e suas espécies.Quando o intérprete não encontra no sistema jurídico a norma aplicável à questão defato, verifica-se na lacuna um vazio, melhor seria dizer, uma imperfeição ou falta deregra específica. A lacuna é a ausência de norma jurídica adequada ao acaso concreto. Ecomo o juiz não pode eximir-se de proferir decisão quando chamado a intervir (CPC,art. 126),64 constatando esse vazio deve recorrer à integração, processo da técnica

 jurídica com o qual se preenchem as lacunas mediante a aplicação de outras normas oudos princípios do sistema jurídico. A própria lei, prevendo a possibilidade de omissão,indica ao juiz o meio de supri-la, prescrevendo o recurso à analogia, aos costumes e aos

 princípios gerais do direito.65Acerca das lacunas de direito existem duas concepções doutri-natárias: a que reconheceexistirem lacunas em todos os sistemas jurídicos, pela impossibilidade de se prever atotalidade das situações de fato que a vida oferece, e a que defende a inexistência de taisvazios, em face da plenitude de ordem jurídica. Se existem lacunas na lei, no direito não

 podem existir, e por isso, para os juristas que contestam a existência de lacunas, odireito, concebido como sistema, dispõe de princípios gerais dos quais sempre se poderádeduzir uma solução.66A integração realiza-se pela analogia, que consiste em aplicar a caso não previsto anorma legal concernente a uma hipótese prevista e, por isso mesmo, tipificada.67 Seufundamento jurídico-filosófico é o princípio da igualdade de tratamento, segundo o qualfatos de igual natureza devem julgar-se de igual maneira, e se um desses fatos já tem nosistema jurídico a sua regra, é essa que se aplica. "Ubi eadem est legis ratio, ibi eademlegis dispositio."68 Há limites, porém, para o recurso à analogia, não podendo aplicar-seanalogicamente normas criadas para determinada hipótese excepcional, aos casos quenão apresentem tal característica (singularia non sunt extendenda}69

Há duas espécies de analogia: a legal e a jurídica. A primeira consiste em obter a normaadequada à disciplina do caso, de outro dispositivo legal; na segunda, infere-se a norma

Page 62: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 62/359

de todo o sistema jurídico, utilizando-se a doutrina, a jurisprudência e os princípios quedisciplinam a matéria semelhante ou até os princípios gerais de direito. Na analogialegal, parte-se de norma jurídica isolada para aplicá-la a casos idênticos. Há umaconexão lógica do particular para o particular. Na analogia jurídica, parte-se de uma

 pluralidade de normas jurídicas e com base nelas, por indução, chega-se a um princípio

aplicável ao caso, não-previsto em nenhuma hipótese legal. A diferença é de grau.São pressupostos da analogia legal: a) o caso deve ser absolutamente não previsto emlei; b) deve existir, pelo menos, um elemento de identidade entre o caso previsto e o não

 previsto; c) a identidade entre os dois casos deve atender à ratio legis.10Quanto aos seus limites de aplicabilidade no direito brasileiro, não se admite analogianas leis penais, salvo na hipótese de beneficiar o réu, nas normas excepcionais e nasfiscais que impõem tributos.71A analogia difere da interpretação extensiva. A primeira implica no recurso às normasdo sistema jurídico, em face da inexistência de norma adequada à solução do casoconcreto, enquanto a segunda realiza-se no âmbito de aplicação da mesma norma.Poderíamos dizer 

------------------64 Os juizes são os homens condenados a saber o direito que a lei todavia não soubeformular. Puig Brutau, op. cit., p. 237.65 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4°.66 Wilson de Souza Campos Batalha, op. cit., pp. 407/409; Engish, op. cit., p. 277 esegs.; Larenz, op. cit., pp. 286 a 333; Roberto Vernengo, op. cit., p. 354 e segs.; CarlosCossio. La plenitud dei Qrdenamiento Jurídico, p. 19 e segs.67 Carlos Maxmiliano, op. cit., n- 238; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Analogia inEnciclopédia Saraiva do Direito, vol. 6,p.363; Rubens Limongi França, Aplicação doDireito Positivo, vol. 7, p. 201; Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, I, p. 53.68 "Quando se verifica a mesma razão da lei, deve haver a mesma disposição legal."69 "As leis restritivas de direito e garantias não podem receber ampliação da parte dosintérpretes" — RT 152/666. "Tratando-se de lei excepcional a interpretação de seusdispositivos deve ser a mais restrita possível, no sentido de somente compreender o queespecificou de modo positivo. Assim não se lhe pode alargar o âmbito de aplicação dosseus provimentos" — RT 148/42.70 Maria Helena Diniz, p. 54. Ratio legis é a razão da lei, o seu espírito. Exemplo deaplicação analógica de normas jurídicas: na hipótese de responsabilidade pré-contratual,inexistindo no Código Civil brasileiro disposição expressa, poderão aplica-se os art. 186e 187 que estabelece a regra básica da responsabilidade civil.71 Código Tributário Nacional, art. 108, I, § l2.

------------------que, na interpretação extensiva, estende-se a aplicação da norma a casos não previstosna sua fórmula legal mas compreendidos pelo seu espírito, enquanto na analogia, ouaplicação analógica, aplica-se a norma a situações não-compreendidas em seu espírito.

 Não há, porém, limites, nem solução de continuidade, entre interpretação jurídica eintegração.24. Os costumes e os princípios gerais do direito. Características. Natureza. Validade.Funções.Fontes extralegais do direito são os costumes e os princípios jurídicos.O costume é a prática reiterada e uniforme de um comportamento (elemento material)

que gera a convicção de sua obrigatoriedade, a "opinio júris et necessitatis" (elemento psicológico). Difere da lei no fato de que esta nasce de um processo legislativo tendo

Page 63: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 63/359

origem certa e determinada, enquanto o costume tem origem incerta e imprevista.Também quanto à forma, a lei apresenta-se sempre como texto escrito enquanto ocostume é direito não-escrito, salvo no caso de sua consolidação, como ocorre, por exemplo, com os usos reconhecidos pelas juntas comerciais.Os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica72.

São critérios para a ação e para a constituição de normas e modelos jurídicos. Comodiretrizes gerais e básicas, fundamentam e dão unidade a um sistema ou a umainstituição. O direito, como sistema, seria assim um conjunto ordenado segundo

 princípios.Dado o seu caráter indeterminado, os princípios são de difícil conceituação, donde anecessária referência às suas concretizações, como, por exemplo, o princípio daautonomia privada, o da boa-fé, o da confiança, o do consensualismo, o da forçaobrigatória do contrato etc.Os princípios diferem dos valores pelo fato destes apresentarem maior grau degeneralidade, enquanto aqueles, "por conterem um pensamento jurídico diretor oucondutor", já indicam a direção em que se situará a regra que se há de encontrar. Por 

exemplo, a Constituição Federal, no seu art. 227, p. 6-, ao estabelecer a igualdade dosfilhos, já se constitui no "primeiro passo para a criação da norma jurídica adequada aeventual questão envolvendo pretensões de filhos havidos dentro e fora do matrimônio".Diferem também das normas jurídicas porque não têm a estrutura típica delas, ahipótese de fato e o dispositivo ou conseqüência jurídica. Não podem, assim, constituir-se em premissa maior de um silogismo de subsunção. Podem, todavia, adquirir naturezanormativa, se expressos em texto legal ou reconhecidos pela jurisprudênica.Os princípios têm função positiva, por influenciarem decisões jurídicas, constituindo-seem critérios orientadores para a criação das normas jurídicas, e função negativa, nosentido de excluírem decisões contrárias. Como precisam ser concretizados, a função

 positiva é indeterminada, o que não ocorre na função negativa. É, assim, mais fácildizer-se que isto ou aquilo é injusto, inadequado, desproporcional, do que dizer que é

 precisamente justo, adequado ou proporcional.Os princípios ocupam um posto intermediário entre o valor e o conceito, aquele maisgenérico e abstrato, este já uma definição.Os princípios jurídicos positivos distinguem-se em princípios constitucionais ousuperiores, e princípios institucionais, que fundamentam e sistematizam determinadosinstitutos ou instituições jurídicas. No direito brasileiro são princípios constitucionais,superiores, fundamentais, os referidos no art. l2 da Constituição Federal: soberania,cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa, o pluralismo político. Têm força normativa, são Constituição, tendo aplicação

 preferencial sobre qualquer norma ordinária que se lhes oponha ou contradiga. São princípios institucionais, ou legislativos, no direito de família, o princípio da igualdadedos cônjuges (C.F. art. 226, par. S2-}, o princípio da igualdade dos filhos (C.F. art. 227,

 par. 6-}. Nos direitos reais, o princípio da função social da propriedade (C.F. art. 170,III). No direito contratual, os princípios da autonomia da vontade, da boa-fé, da forçaobrigatória dos contratos, do consensualismo, da relatividade dos efeitos.Os princípios classificam-se ainda, quanto ao direito positivo, em princípios gerais dodireito e em princípios gerais do ordenamento jurídico. Os primeiros são os grandes

 princípios, como o da justiça, o da liberdade, o da igualdade, o da dignidade da pessoahumana, "aqueles sobre os quais a ordem jurídica se constrói". O adjetivo geral significaque não têm "um campo de aplicação definitiva a priori", e que dizem respeito a todo o

direito. Os segundos são os princípios jurídicos positivados na legislação vigente, demodo constitucional, ou superior, e de modo institucional, se pertinentes à legislação

Page 64: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 64/359

específica, como os princípios de direito de família, ou o da autonomia da vontade, ou odo enriquecimento sem causa. O Código Civil de 2002 elaborou-se sob a égida de três

 princípios fundamentais, o da sociabilidade, o da eticidade e o da operabilidade (v.adiante, item n° 25).Introduziu também, de modo expresso, o princípio da boa-fé, nos arts. 113 e 422 (v.

adiante p. 424).Os princípios gerais de direito são diretivas básicas e gerais que orientam o intérprete aocriar o direito no caso de omissão do texto legal.73 São valores não expressos em lei,nem sob a forma de costumes, que se utilizam para o preenchimento de lacunas, e dosquais nos servimos para realizar integralmente a tarefa de interpretar o direito.Constituem-se, em critérios de conduta de observância variável que se impõe por sua

  própria importância sem referência a pressupostos concretos de aplicação. Estão  presentes em todos os setores do direito, desde o direito constitucional, como o princípio da soberania popular, o da democracia parlamentar, o do Estado social naConstituição alemã, o do laicismo na Constituição francesa até o direito civil, como o daautonomia da vontade, que traduz o da liberdade individual e do respeito à pessoa

humana, ou, ainda, o princípio da legalidade que expressa a "idéia da submissão doEstado ao direito".Os princípios gerais de direito constituem-se em recurso último para o caso de oordenamento jurídico ser incompleto, lacunoso, não dispondo da norma jurídicaaplicável ao caso material surgido.Sua utilização caracteriza então a chamada analogia iuris quando, "esgotado o impérioda lei, e na falta de costume se passa a outra norma de direito supletório, os princípiosgerais de sistema de direito vigente". Nesse particular são autênticas normas de direito.Tendo sido acolhidos, expressa e formalmente, pela primeira vez no Código austríacode 1811, por inspiração do jusnaturalismo, têm sido reconhecidos nas legislaçõessubseqüentes, como se observa no texto dos Códigos Civis em vigor.74Quanto às suas características, os princípios gerais de direito distinguem-se por trêsnotas específicas: a principalidade, a generalidade e a juridicidade.75 Principalidadecomo símbolo de fundamento, causa final, tendo-se em vista que a sua realizaçãoconstituiria a finalidade do sistema jurídico e, nesse caso, estaríamos muito próximosdos valores ou a eles eqüivaleriam. Generalidade no sentido de variedade e pluralidade,uma vez que os princípios gerais do direito são múltiplos, próprios dos diversos ramosdo direito, e em escala variável de importância. Juridicidade no sentido de que sãoreconhecidamente direito aplicável, como fonte supletória, nos casos de omissão da leiou do costume.Quanto à sua natureza, duas concepções doutrinárias têm marcado uma disputa tão

acadêmica quanto inútil. Para a primeira, filosófica ou jusnaturalista, os princípios sãode direito natural, um direito superior a todas as ordens jurídicas, sem "formalização positiva" nem sanção estatal, mas de inequívoca vigência, validade e obrigatoriedade.76A segunda, positivista ou histórica, considera-os específicos de cada ordenamento

 jurídico, resultando de um processo gradativo de generalização e abstração, chegando aser princípios científicos ou sistemáticos dos quais se deduziriam as normas jurídicas domesmo sistema. Seriam, assim, os "antecedentes do ordenamento positivo", inspiraçãodo próprio legislador. É a concepção adotada pelo Código Civil italiano.77Tais concepções, contraditórias, não se excluem, são comple-mentares. A doutrinamoderna vê nos princípios gerais de direito-------------

72 Florez-Valdés, op. cit. p. 119; Karl Larenz, Richtiges Recht. Grundzüge einer Rechtsethik, (Derecho justo. Fundamentos de ética jurídica), p. 92 e 33; Claus-Wilhem

Page 65: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 65/359

Canaris, Systemdenkenundsystembegriffinderjurisprudenz. (Pensamento sistemático econceito de sistema na ciência do direito), p. 86.73 Rubens Limongi França. Princípios Gerais de Direito, 1971, p. 135 e segs.; BobbioPríncipi generali di diritto, in Novíssimo digesto italiano, vol.XIII, p. 887 e segs. JoséPuig Brutau p. 217 e segs.; Diez-Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, p.

196 e segs.; J.Mans Puigarnau, Los Princípios Generales dei Derecho (Repertório deRegias, máximas y aforismos jurídicos), p. XVIII e segs,: Karl Engish, p. 240 e segs.;Karl Larenz, pp. 482 e segs. e 569 e segs.; Sérgio Bartole, Príncipi dei diritto, inEnciclopédia dei diritto, vol. XXXV, 1986, p. 529. Cuido Alpa, /principi generali, p.105 e segs. Ricardo Guastini, Príncipi di diritto, Digesto, XIV, p. 351.74 Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, art. 4S; Código Civil italiano, art.12, n2 2; Código Civil egípcio, art. l2, § 2£; Código Civil espanhol, art. l2.75 Puigarnau. op. cit., p. XXVII.76 Diez-Picazo y Gullon, op. cit., p. 161.77 Código Civil italiano, art. 12, n- 2.-------------

uma fórmula que, por sua amplitude, abrange tanto os princípios superiores de justiça,como os que informam o ordenamento jurídico do País. Não sendo normas jurídicas,apresentam-se como orientadores da política legislativa com valor de critérios oudiretrizes para a criação do direito, como, por exemplo a proibição de enriquecimentoilícito, ou de prejudicar terceiros (neminem laedere).Quanto à sua validade, os princípios gerais de direito valem na medida em que servemde fundamento e inspiração para a decisão do juiz, relacionando-a com o espírito deordenamento jurídico, fixando, também, um limite para o seu arbítrio. Podem constituir-se, sim, na ratio legis de um possível direito positivo, através do exercício das funçõeslegislativas ou judicial.Por tudo isso pode se dizer, com Bobbio, que os princípios gerais do direito têmmúltiplas funções: a interpretativa, à medida que forneçam os critérios para a solução dedúvidas quanto à interpretação da norma de direito positivo, como, por exemplo, os

 princípios de natureza constitucional; a integrativa, no sentido do art. 4- da Lei deIntrodução ao Código Civil, quando se utilizam no preenchimento de lacunas da lei; adiretiva ou programática, como a dos princípios de organização constitucional doPaís,78 ou ainda os que decorrem do sistema constitucional brasileiro, como do sistemafederativo, o do estado de direito, o do sistema democrático, o do sistema econômico esocial, e os que têm uma função construtiva, no sentido de garantir certa unidadesistemática ao direito, ordenando-o segundo orientações fundamentais e impedindo-o detransformar-se em um "mosaico de textos legais incoerentes e de decisões judiciárias

esparsas".79 Poder-se-ia também dizer que os princípios jurídicos têm uma funçãometodológica, quando se usam para orientar o conhecimento, interpretação e aplicaçãodas normas; uma função antológica quando se constituem em fonte de direito (LICC, art4°), e uma função axiológica quando exprimem valores fundamentais que inspiram elegitimam o direito positivo (justiça, segurança, bem comum etc.Para finalizar, cumpre dizer que os princípios gerais de direito não se confundem comas máximas jurídicas, os adágios ou brocardos reunidos pelos juristas romanos no livrodo Digesto De diversis regulis iuris antiqui (D. 50. 17. 1), que nada mais são do quefórmulas concisas representativas de uma experiência secular, sem valor jurídico

 próprio, mas dotados de valor pedagógicos. Algumas dessas máximas podem conter  princípios gerais de direito, como por 

exemplo: Ninguém pode transferir a outrem mais direito do que tenha;80

Page 66: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 66/359

 Não obra com dolo quem usa de seu direito;81 Ninguém pode receber um benefício contra sua vontade;82A negligência se equipara à culpa;83

 No todo está contida a parte;84 No direito civil, toda definição é perigosa porque é difícil que não possa ser alterada;85

A ninguém é dado desconhecer o direito;86O direito extremado pode extremar a injustiça;87É pai o que demonstra as justas núpcias;88A afinidade não gera afinidade;89O acessório segue o principal;90A propriedade nada tem de comum com a posse;91A indivisão é a mãe das desavenças;92Os pactos, por mais que sejam simples, são de observar-se;93-------------78 Constituição Federal, arts. \- a 4S.79 Bobbio, op. cit, p. 889.

80 Nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet. Ulpiano, D. 50, 17,54.81 Nullus videtur dolo facere, qui suo iure utitur. Galo, D. 50, 17, 55.82 Invito beneficium non datur. Paulo, D. 50, 17, 69.83 Imperitia culpae adnumemtur. Gaio D. 50, 17, 132.84 In totó et pars continetur. Gaio D. 50, 17, 113.85 Omnis definitio in iure civili periculosa est, rarum est enim ut non subverti posset.Jovoleno, D. 50, 17, 202.86 Nemo ius ignorare censetur.87 Summum ius, summa iniuria. Cícero, De officis. I. 10.88 Pater est, quem iustae nuptiae demonstrant. Paulo. D. 2,4,5.89 Affinitas non parit affinitatem.90 Acessorium sequitur principale.91 Nihil commune habet proprietas cum possessione. Ulpiano. D. 41, 2, 12, p. 1.92 Communio est mater rixarum.93 Pactum, quantum cumque nuda servanda sunt.-------------Uma só testemunha não é nenhuma;94O que é anterior no tempo é preferido no direito.9525.Oi Princípios Jurídicos do Código Civil de 2002Se o Código Civil de 2002 foi fiel ao sistema lógico-formal do Código de 1916,

mantendo, sempre que possível, as suas disposições e enriquecendo-o com ascontribuições da doutrina e da jurisprudência nacionais ao longo de oito décadas, o queo torna legítima expressão da experiência jurídica brasileira no campo do direito civil,sua principal característica é constituir-se em um sistema aberto, no sentido de ser umaordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos gerais^. Esses princípioscompreendem, além dos princípios de direito civil, como o da liberdade, o da igualdadee o da dignidade da pessoa humana, os critérios com que o legislador quer orientar ointérprete na tarefa de construir a norma jurídica adequada ao caso concreto que

 porventura se lhe apresente. Esses critérios, que dão flexibilidade ao sistema e exigemdo jurista, advogado e magistrado, preparo e responsabilidade na construção da norma,são os princípios da socialidade, da eticidade e o da operabilidade.

O princípio da socialidade orientou o legislador no sentido de superar o individualismoque marcava o Código de 1916, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os

Page 67: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 67/359

individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana97. Com essesentido, superou-se o patriarcalismo dominante na sociedade doméstica, expresso noabsolutismo do poder marital e do pátrio poder, já revogados pelo princípio daigualdade dos cônjuges e dos filhos, estabelecido na Constituição Federal art. 226, par.5° e art. 227, par. 6°, passando o pátrio poder a denominar-se poder familiar. A

influência do princípio da socialidade fez também surgir um novo conceito de posse, a posse-trabalho, em virtude do qual o prazo de usucapião de um imóvel é reduzido, de 15 para 10 anos, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ounele realizado obras ou serviços de caracter produtivo (C.C. art.1238, parágrafo único).O princípio da socialidade ainda se concretiza nos limites intrínsecos que o Código de2002 estabelece para o exercício de direitos subjetivos, particularmente os direitosabsolutos, entre os quais a propriedade. Sendo esta um dos elementos fundamentais dossistema de direito civil patrimonial, o direito subjetivo por excelência, o mais complexoe absoluto, a pedra de toque dos códigos civis da modernidade, é nas suas disposiçõesgerais que o código mais enfatiza esse princípio, ao dispor que o direito de propriedadedeve ser exercido com as suas finalidades econômicas e sociais, e de modo que sejam

  preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, o ambiente, oequilíbrio ecológico e o patrimônio artístico, bem como evitada a poluição do ar e daságua (C.C. art. 1.228, par. 1°). E mais se enfatiza ainda ao dispor que o proprietáriotambém pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área,na posse ininterrupta e de boa fé, por mais de 5 anos, de considerável número de

  pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras eserviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante (C.C. art.1.228, par.4°).O princípio da eticidade privilegia os critérios éticos-jurídicos aos critérios lógico-formais no processo de realização do direito, a chamada concreção jurídica^. Implicaisso um maior conhecimento teórico do direito, na medida em que uma das funções dadoutrina é precisamente auxiliar o juiz e o legislador na criação normativa,e também ummaior grau de poder e de responsabilidade do juiz, chamado não a aplicar o direito, masa criar o direito para o caso concreto. Desse modo, o novo código confere ao juiz não só

  poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto,deconformidade com valores éticos.A referência a este princípio pelo legislador demonstra a sua não aceitação do dogma da

 plenitude da ordem jurídica, vendo-a como um sistema aberto, flexível e lacunoso,donde a necessidade de recurso à integração e a conseqüente importância dos princípios

 jurídicos.Mas o significado desse princípio jurídico é mais extenso, não se limita à crítica da

sistematicidade lógico-formal do positivismo.Represente ele também a crença de que o equilíbrio econômico dos contratos é a baseética de todo o direito obrigacional" o que o aproxima do princípio da boa-fé, (v. p. 424)no seu sentido ético, objetivo. Aplicações do princípio da eticidade encontram-se, por exemplo, no art.157 do Código Civil que, inovando relativamente ao Código de 1916,introduz a lesão no elenco dos defeitos do negócio jurídico, tornando-o anulável. Alesão como prejuízo econômico resultante da desproporção entre as prestações de umarelação contratual, recebendo uma das partes mais do que efetivamente dá. Instituto jáconhecido no direito romano, que previa uma ação de rescisão no caso de venda deimóvel em que o vendedor recebesse menos da metade do preço justo (laesio enormis),não foi acolhido no código de 1916, mas sim na legislação especial que se lhe seguiu,

 particularmente em matéria de locação, usura, tabela-mento de mercadorias etc, com afinalidade de proteger a parte contratual mais fraca. Nesse sentido, dispõe o Código

Page 68: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 68/359

Civil que ocorre a lesão, quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da

 prestação oposta (C.C. art. 157). Ainda no campo dos defeitos do negócio jurídico,também o estado de perigo, que se configura quando alguém, premido da necessidadede salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte,

assume obrigação excessivamente onerosa (C.C. art.156), se constitui em exemplo daaplicação do princípio da eticidade.Também de modo coerente com tal princípio, no sentido de um equilíbrio econômicocontratual, prevê o código a possibilidade de resolução contratual por onerosidadeexcessiva, dispondo que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a

 prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá odevedor pedir a resolução do contrato(C.C. art. 478).Ainda em matéria contratual, outro limite que o mesmo princípio estabelece para oexercício dos direitos subjetivos patrimoniais, é a função social do contrato prevista noart.421, assim como as disposições pertinentes ao contrato de adesão, segundo as quais

deve adotar-se interpretação mais favorável à parte aderente no caso de cláusulaambígua ou contraditória, e também que são nulas as cláusulas que estipulem a renúnciaantecipada de direito resultante da natureza do negócio (C.C. arts. 423 e 424).Finalmente, o terceiro princípio enunciado pelo legislador100, é o princípio daoperabilidade ou se quisermos, o princípio da con-cretitude ou concretudem ,que éessencialmente um princípio de hermenêutica filosófica e jurídica, mais propriamentede metodologia cie realização do direito. Sendo uma das tarefas da metodologia jurídicaexplicitar a estrutura de concretização da norma no caso particular, o princípio daoperabilidade, ou da concretude, traduz o critério metodológico que o legislador apontaao intérprete do Código Civil: a interpretação jurídica não tem por objetivo descobrir osentido e o alcance da regra jurídica, mas sim, constituir-se na primeira fase de um

 processo de construção ou concretização da norma jurídica adequada ao caso concreto.Enquanto que as regras jurídicas se apresentam como proposições lingüísticas decaracter geral, a partir do seu texto deve o intérprete construir uma norma-decisãoconcreta e específica para o caso em tela102. De igual modo, deve o legislador ter emvista o ser humano in concreto, situado, não o sujeito de direito in abstracto, próprio dodireito liberal da modernidade.Dessa opção metodológica, resulta conceder-se larga margem de criação ao intérprete

 para, por meio de princípios, cláusulas gerais, usos do lugar, costumes etc, criar a norma jurídica adequada ao caso concreto, lastreado em sólido embasamento doutrinário, poisdoutrina e prática se influenciam e enriquecem reciprocamente.

26. A vigência da norma jurídica. Princípios da obrigatoriedade e da continuidade. Oerro de direito.------------94 Testis unius, testis nullus.95 Prior tempore, potior iure.96 Claus-Wilhelm Canaris, op.cit. p. 280.

97 Miguel Reale, op. cit. p. 7.98 Reale, op. cit. p.8.99 Reale, op. cit. p. 9100 Reale, op. cit. p. 9 e segs.

101 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 2001, Editora Objetiva, p. 789

Page 69: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 69/359

102 Friedrich Muller, Discours de Ia Méthode Juridique, tradução francesa dehiristisches Methodik, Berlin, 1993, por Olivier Jouanjan, Paris, P.U.F., 1996, p.223------------A principal forma de expressão das normas jurídicas é a lei, cuja vigência eobrigatoriedade começam a partir de sua publicação oficial, pois, sem tal providência,

não se poderia pretender que todos a conhecessem e cumprissem. O termo inicial davigência está expresso no próprio texto legal e pode ser a data da publicação ou outra posterior. Nesse caso, a lei fixa o prazo entre a publicação e o começo de vigência, prazo que se denomina vacatio legis, destinado a facilitar a divulgação e a respectivaaplicação. Na falta de indicação, a Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei n-.4.657, de 4 de setembro de 1942, no art. l2, fixa em quarenta e cinco dias o prazo para oinício da vigência no País, e em três meses para os Estados estrangeiros, nos casos emque se admitir a obrigatoriedade da lei brasileira como, por exemplo, quando aplicávelaos atos e negócios praticados fora do território brasileiro por particulares e por funcionários das representações diplomáticas. Quanto ao termo final, "não se destinandoa vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue". Acerca

dessa matéria dois princípios são cardeais, o da obrigatoriedade e o da continuidade.103Pelo princípio da obrigatoriedade, ninguém pode escusar-se de cumprir a lei, alegandonão a conhecer (ignorantia iuris neminem excusat et nemo ius ignorare censetur) ,104 oque torna desnecessária a prova judicial da norma aplicável à espécie, pois os juizesconhecem a lei nacional (iuria novit cúria].105 Tal princípio leva à conhecida presunçãode fato e de direito (praesumptio júris et de jure), segundo a qual, publicada a lei, todosa conhecem, não admitindo prova em contrário. Fundamento de tal presunção é anecessidade da certeza jurídica quanto à generalidade e eficácia da lei.O princípio da obrigatoriedade não é absoluto, porém, distinguindo a doutrina a questãoda obrigatoriedade da ignorância da lei como causa de erro.A ignorância (ausência de conhecimento) ou má interpretação da lei não justificam afalta do seu cumprimento nem isentam as pessoas das sanções nela estabelecidas. Taldisposição não afasta, contudo, a relevância do erro de direito (conhecimento falso dalei) como causa de anulação de negócios jurídicos, "ou como constitutivo do estado de

  boa-fé, como estado psicológico, ao qual podem ser atribuídos vários efeitos".106Defende-se, atualmente, a tese de que "o erro de direito é escusável nos mesmos termosem que o é o de fato". Pode-se assim dizer que "os indivíduos não podem eximir-se documprimento das obrigações imperativamente impostas pelo direito, alegando aignorância da lei, mas não se tratando da questão do cumprimento de obrigações dessetipo, nada impede, em princípio, que a ignorância da lei possa realmente aproveitar aos

  particulares". Dispõe o Código Civil, a propósito, ser anulável o negócio jurídico

quando a declaração de vontade emanar de erro substancial, considerando-se como tal,também o erro de direito, quando este não implique recusa à aplicação de lei e for omotivo único ou principal do negócio jurídico (CC. art. 138 e 139.107 Alguns casos sãoesclarecedores. Cita o Prof. Ferrer Correia, em sua obra Erro e Interpretação na Teoriado Negócio Jurídico, o seguinte exemplo: "A institui no seu testamento a B, herdeiro dametade dos seus bens, afirmando que só não o institui herdeiro universal porque a leilhe impõe o dever de guardar para os irmãos (únicos parentes próximos que de fato lhesobrevivem) a outra metade do seu patrimônio".108 Também Eduardo Espínola, noManual do Código Civil Brasileiro, de Paulo Lacerda, no volume dedicado aos fatos

 jurídicos (vol. III, p. 281), citando Colin et Capitant, dá o seguinte exemplo: "Paulo,menor de 16 anos, morre, depois de fazer testamento. Eu, que sou seu herdeiro,

satisfaço os legados, ignorando que o menor de 16 anos não pode fazer testamento."Trata-se de erro de direito capaz de anular tais atos, pois o que se verifica não

Page 70: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 70/359

-------------103 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, I, §§ 23 e 24.104 Ninguém pode ignorar o direito. V. Lei de Introdução, art. 32. Esse princípiodecorre do valor jurídico que é a segurança.105 "O tribunal conhece o direito." V. Código de Processo Civil, art. 126.

106 Vicente Ráo. O Direito e a Vida dos Direitos, vol. 5, parte II, p. 246; EduardoEspínola e Eduardo Espínola Filho. Tratado de Direito Civil Brasileiro, vol. II, p. 87 esegs.; Wilson de Souza Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, vol. I,1957, p. 134 e segs. A doutrina tradicional identifica o erro e a ignorância cie direito

 para o fim de sua indesculpabilidade. Teixeira de Freitas, nos arts. 452/454 do Esboço,distinguia, porém, as duas figuras.107 Antunes Varela. Código Civil Anotado, vol. I, p. 13. "O erro de direito podeconsistir na ignorância de uma norma jurídica ou numa falsa interpretação do seuconteúdo." Antunes Varela. Noções Fundamentais de Direito Civil, p. 114.108 Silvio Rodrigues. Erro de direito (direito civil), in Enciclopédia Saraiva doDireito, vol. 32, p. 501 e segs.; Ferrer Correia. Erro e Interpretação na Teoria do

 Negócio Jurídico, p. 26.-------------é a intenção de1 descumprir a lei, mas a circunstância de que1 sendesconhecimento é que levou à prática de ato normalmente não-realizável109IVIo princípio da continuidade, a lei vige até que outra a modifique ou revogue.110 Acessação da vigência pode ser prevista no próprio texto legal ou depender de lei nova.Está na lei quando ela mesma limita o prazo de sua vigência, ou quando atemporariedade resulta da própria natureza da lei, como ocorre com as leisorçamentárias anuais, ou quando se destina a fins determinados, como, por exemplo,mandar fazer uma certa obra e conceder favores fiscais a empresas por períodosdeterminados. A publicação de lei nova revoga a anterior, denominando-se ab-rogação,quando total, e derrogação, se parcial.111A revogação por lei nova é expressa ou tácita, neste caso, quando as disposições novasforem imcompatíveis com as já existentes, ou regularem inteiramente a matéria de quetratava a lei anterior. A incompatibilidade pode ocorrer entre lei geral e lei especial evice-versa. Não ocorrendo, prevalecem as disposições de ambas, não havendorevogação, vale dizer, "a disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga aespecial, senão quando a ela ou ao seu assunto se referir, alterando-a explícita ouimplicitamente". É possível a coexistência de normas gerais com especiais, versando amesma matéria, desde que não se contradigam. Havendo incompatibilidade, tanto a leigeral pode revogar a especial, como esta, aquela.112

O direito brasileiro não aceita a repristinação, que é a restauração da lei revogada pelofato da lei revogadora ter perdido a sua vigência."327. A vigência temporal da norma. Princípios fundamentais. O direito adquirido. Regrasfundamentais.A vigência da norma jurídica manifesta-se no tempo (dimensão temporal) e no espaço(dimensão espacial). Quando surge a questão de saber qual a norma aplicável adeterminado fato, a revogada ou a vigente, configura-se o conflito de normas no tempo.Quando se indaga qual a norma aplicável em termos espaciais, surge o conflito denormas no espaço. O primeiro é objeto do Direito Intertemporal ou Direito Transitório;o segundo, do Direito Internacional Privado.

 No Direito Intertemporal vigem dois princípios fundamentais: a) o do efeito imediato da

lei, pelo qual a lei nova se aplica a todos os fatos que ocorrerem durante a sua vigência;e b) o da irretroati-vidade, pelo qual os fatos verificados sob o império da lei antiga

Page 71: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 71/359

continuam regidos por ela, respeitando-se o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e acoisa julgada, tudo isso em favor da segurança jurídica. Esses dois princípioscorrespondem a duas concepções teóricas fundamentais: a objetiva de Roubier, quedistingue o efeito retroativo do efeito imediato da lei, e a subjetiva, de Gabba, queestabelece, como limite à vigência da lei nova, o direito adquirido.114

Direito adquirido é a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fatoidôneo que, tendo passado a integrar o patrimônio do adquirente, não se fez valer antesda vigência da lei nova sobre o mesmo objetivo.113O sistema jurídico brasileiro contém as seguintes regras sobre essa matéria: a) são deordem constitucional os princípios da irre-troatividade da lei nova e do respeito aodireito adquirido;116 b) esses dois princípios obrigam ao legislador e ao jui/; c) a regra,no silêncio da lei, é a irretroatividade; d) pode haver retroatividade expressa, desde quenão atinja direito adquirido; e) a lei nova tem efeito imediato, não se aplicando aos fatosanteriores.28. A vigência espacial da norma. Conflitos de normas no espaço. Princípios diretores.O Direito Internacional Privado tem por objetivo a solução de conflitos de normas

 jurídicas no espaço, indicando os critérios que determinam a vigência territorial ouextraterritorial de certa norma.Esses critérios são os seguintes, no direito brasileiro:a) aplica-se a lei do domicílio da pessoa nas questões sobre o começo e fim da

 personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família;117 b) aplica-se a lei do lugar da situação dos imóveis para qualificá-los (se não móveis ouimóveis) e reger as relações que lhe forem pertinentes;118c) aplica-se a lei do lugar de constituição à qualificação e disciplina das obrigações,sendo que a obrigação resultante de contrato reputa-se constituída no lugar em queresidir o proponente;119d) aplica-se a lei do domicílio do defunto ou desaparecido à sucessão por morte ouausência. Quanto à capacidade para suceder, aplica-se a lei do domicílio do herdeiro oulegatário. Todavia, no caso de a sucessão incidir sobre bens de estrangeiro situado noBrasil, aplicar-se-á a lei brasileira em favor do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal,sempre que não lhes for mais favorável a lei do domicílio do falecido.120--------------109 Antunes Varela. Noções Fundamentais do Direito Civil, p. 114; Vicente Ráo, p.291.110 Lei de Introdução, art. 2°.111 Lei de Introdução, art. 2-, ps. l e 2. Exemplo de revogação parcial, ouderrogação, é a que sofreu o Decreto-Lei 58/37, com o advento da lei 6766, de 19 de

dezembro de 1979, que revogou as disposições do primeiro quanto ao loteamento edesmembramento do solo urbano, permanecendo as disposições referentes aosloteamentos rurais e à execução dos contratos no seu art. 22. (Dec. Lei 58/37).112 Rubens Limongi França. O Direito, a Lei, a Jurisprudência, p. 111. A lei revoga-se

 por outra lei, o decreto por decreto, e assim sucessivamente. Mas a lei hierarquicamentesuperior, como a Constituição, revoga todas as inferiores. Cf. Lei de Introdução, art. 2-,§ 2°.113 Lei de Introdução, art. 2-, § 32.114 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6-, R. Limongi França, Direito Inter-lamporal Brasileiro, p. 420 e segs.; Paulo Roubier. Lê Droit transitoire, p. 293 e segs.;C. F. Gabba. Teoria delia retroatività delle leggi, pp. 190-191.

115 Limongi França, op. cit., p. 432. A idéia de direito adquirido é válida para todos osramos do direito: Caio Mário, op. cit., p. 152.

Page 72: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 72/359

116 Constituição Federal, art. 5S, n- XXXVI.117 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 1-.118 Lei de Introdução ao Código Civil, art. S-.119 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 9-, p. 2.120 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 10 e §§ l- e 2°.

--------------

CAPÍTULO III

O Direito Civil. Gênese e Evolução.

Sumário:!. O direito civil. Conceito e importância. 2. Características do direito civil. 3.O direito civil como produto histórico e cultural. Historicidade e continuidade. 4. A faseoriginária. O direito romano. 5. O direito medieval. 6. O direito moderno. 7. O Estadomoderno na formação do direito civil. O Estado Liberal de Direito. 8. A sistematizaçãodo

direito civil. O processo de codificação. 9. O Código Civil francês. 10. O Código Civilalemão. 11. O direito civil brasileiro. Esboço histórico. 12. A codificação civil

 brasileira: a) antecedentes; b) o Código Civil. Estrutura e características. 13. A reformado Código Civil. 14. O Código Civil de 2002. 15. A unidade do direito privado. 16.Conteúdo do direito civil. Os institutos fundamentais. 17. A personalidade. 18. Afamília. 19. A propriedade. 201. O contrato. 21. A responsabilidade civil. 22. Asucessão hereditária 23. O direito civil contemporâneo. Tendências e características.

l. O direito civil. Conceito e importância.Direito civil é o conjunto de princípios e normas que disciplinam as relações jurídicascomuns de natureza privada. É o direito privado comum, geral ou ordinário1. De modoanalítico, é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a família e o

 patrimônio.-----------l Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, p. 63.-----------E ,́ direito privado porque se baseia na igualdade jurídica e no podei deautodeterminação das pessoas que intervém nas relações jurídicas, objeto cie suadisciplina, e é comum ou geral, porque suas normas aplicam-se de modo uniforme atodas essas relações, disciplinando a realidade social como um todo.A importância do direito civil manifesta-se em diversos aspectos. Em primeiro lugar,

constitui a base do ordenamento jurídico de todas as sociedades. É o direito comum por excelência, dele nascendo outros ramos, outras disciplinas de natureza especial, que aele continuam ligadas, quer pela existência de princípios fundamentais comuns, quer 

 pela aplicação subsidiária de suas normas, como ocorre com o direito comercial, odireito do trabalho, o direito econômico, o direito agrário, o direito previdenciário etc.Em segundo lugar, o seu espírito e sua técnica têm influenciado profundamente osdemais ramos da ciência jurídica. É no direito civil que a técnica jurídica, conjunto de

 processos que se utilizam na determinação do direito, mais se desenvolveu, continuandoa ser a espinha dorsal da ciência jurídica2. O próprio Estado, no exercício de suaatividade econômica, a ele se submete.2. Características do Direito Civil.

O direito civil apresenta características que o diferenciam dos demais ramos de direito.

Page 73: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 73/359

É um direito de formação histórica e jurisprudencial, estável, altamente desenvolvidoem sua técnica, personalista e liberal.É direito de formação histórica porque, arrancando das mais antigas tradições e práticascostumeiras dos romanos, o ius quiritium, veio se formando, ao longo dos séculos, coma contribuição de vários povos e culturas.3 É jurisprudencial porque suas normas

resultam da cristalização das reiteradas decisões dos magistrados romanos, em face decasos concretos. A base do direito da chamada civilização ocidental cristã é o direitoromano, donde nos vieram as noções fundamentais, o método e os principais institutos,

 principalmente em matéria de obrigações.É um direito estável em comparação com os sistemas de direito público, variáveis notempo e no espaço, ao sabor das modificações políticas e ideológicas, que justificam asmudanças nas estruturas do poder, mantendo, ao longo dos séculos, uma linha decontinuidade histórica nos seus aspectos formais e materiais. As suas principaisinstituições, que hoje disciplinam a nossa vida em sociedade, como a personalidade, afamília, a propriedade, o contrato, a herança e a responsabilidade civil, são idênticas ásque, guardadas as inevitáveis modificações resultantes do progresso social, já existiam

em Roma e na Idade Média. Consagrando os valores fundamentais da pessoa, é o direitocivil o setor jurídico onde mais lentamente repercutem as mudanças sociais e asrevoluções políticas, pois nele não existem diferenças de poder e de hierarquia,

  predominando os valores da igualdade e da liberdade. Apresenta-se, assim, comodepositário dos valores e das tradições nacionais, mantendo-se ao longo dos temposcomo produto da história social e cultural de um povo,4 o que não impede que seconstitua, quando necessário, em instrumento de reforma e de institucionalização de

 processos de mudança social.É um direito altamente desenvolvido porque em nenhum outro a técnica alcançou tãogrande aperfeiçoamento, elaborando regras, princípios, conceitos, categorias econstruções jurídicas que, por sua amplidão e generalidade, se aplicam a todos os ramosdo direito. Sua técnica e seu espírito servem de base a toda atividade jurídica, tendo sidonele também que se elaboraram os métodos de raciocínio e de aplicação próprios dos

 juristas.É um direito personalista na medida em que tem por objetivo a proteção da pessoa e dosseus interesses de ordem familiar e patrimonial, sendo o individualismo o seufundamento ideológico, temperado, hoje em dia, com preocupações da ética social5.Exemplo típico desse individualismo é a norma jurídica do art. 1.228, caput do CódigoCivil, que define o direito de propriedade como o direito subjetivo absoluto por excelência, hoje relativizado pela função social que a Constituição Federal exige (art.5°, XXIII) e o Código Civil regulamenta nos diversos parágrafos daquele artigo.

E um direito liberal porque consagra, como um de seus valores fundamentais, aliberdade da pessoa humana. Essa liberdade traduz-se em urna esfera de autonomiaconcedida ao indivíduo, de que são principais manifestações o direito de propriedade e aautonomia da vontade, que se apresenta em múltiplas facetas, principalmente na área docontrato6, observadas as limitações legais próprias de cada sistema jurídico.E, por tudo isso, o direito da sociedade civil, entendendo-se esta como a esfera derelações econômicas ou materiais entre indivíduos ou grupos, fora do âmbito do poder estatal.3. O direito civil como produto histórico e cultural. Historicidade e continuidade.O direito civil é, antes de tudo, um fenômeno cultural em que predominam as notas dahistoricidade e da continuidade. Historicidade no sentido de que se veio formando

gradativamente, desde os primórdios da civilização ocidental, até se transformar em umdos mais importantes ramos da ciência jurídica. Continuidade, pelo fato de ter-se

Page 74: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 74/359

mantido como processo constante e de certo modo uniforme na maneira de solucionar os problemas que lhe são próprios, revelando a existência de princípios fundamentais aorientar a gênese e a realização de suas normas.Creio ser impossível uma perfeita compreensão do fenômeno jurídico, principalmentedo direito civil, sem o recurso à investigação histórica, que permite identificar os fatores

que nele vêm influindo, ao longo do seu processo de formação, principalmente os quese verificam no seu estágio atual, de significativas mudanças. E é importante também  pela perspectiva que oferece das relações entre o sistema jurídico e os demaissubsistemas que formam a sociedade, como o político e o econômico.Conseqüentemente, é de recusar-se toda a argumentação que se desenvolva em termosde pura lógica, ou limitada à perspectiva da ciência do direito como puradogmática/separada da realidade que a justifica. As estruturas jurídicas não são neutras,e os sistemas de direito não se constituem em instrumentos técnicos para fins dequalquer natureza, mas para a realização dos valores essenciais da sociedade de queemergem. O estudo do direito civil e, particularmente, do direito civil brasileiro, deve,

 portanto, levar em conta a realidade que o faz nascer, não somente os aspectos formais

de suas instituições, pois o direito se torna incompreensível com o exame apenas desuas normas e sem a necessária perspectiva histórica e social.8A compreensão do conceito, natureza, conteúdo e características do direito civil exige,assim, breve notícia que esclareça as causas e os modos de sua formação histórica esistemática, levando em conta as circunstâncias de ordem cultural, política e econômicaque presidiram à sua gênese e ao seu processo evolutivo.Por tudo isso se compreende que o direito civil, por sua origem e evolução, é um direito

  jurisprudencial no sentido de que se formou pelas reiteradas decisões dos juizesromanos, transformando-se, por notável esforço de abstração, em regras fixas e geraisque vieram a constituir-se no direito positivo (ius in civitate positum) de cada povo, edoutrinário, porque de igual modo resultante da elaboração científica dos juristas sobretal matéria, coordenando-a e sistematizando-a.

 No processo evolutivo do direito civil podemos distinguir quatro fases: a do direitoromano, a do direito medieval, a do direito moderno e a do direito contemporâneo.------------2 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 29. Pietro Rescigno. Manuale didiritto privato italiano, 1983, p. 4.3 José Luiz De Mozos. Derecho Civil Espanol, p.49; Franz Wieacker. História doDireito Privado Moderno, p. l e segs; Federico de Castro-y Bravo. Derecho Civil deEspana, p. 108 e segs; José Castan Tobenas. Derecho Civil Espanol, Comum y Foral, I,

 p. 128 e segs.; Ludwig Enneccerus. Tratado de Derecho Civil, l, p. l e segs; Georges

Ripert et Jean Boulanger. Traité de droit civil, p. 34 e segs; Erich Molitor e HansSchlosser. Grundzüge der Neueren Privatrechtsgeschichte (Perfiles de Ia nueva historiadei derecho privado), p. 9 e segs; Francesco Calasso. Médio evo dei diritto, l, lê fonti, p.503 e segs.; José Puig Brutau. Introducción ai Derecho Civil, p.41 e segs.4 CF. Hans Hattenhauer. Die geistesgeschichtlichen Crundlagen dês deustschen Rechts(Los fundamentos históricos-ideológicos dei derecho aleman), p. 199; FrancescoCalasso, Storicitá dei diritto, p. 260 e segs.5 Larenz/Wolf. Allgemeiner Teil dês Eürgerlichen Rechts, p. 34 e segs.6 Orlando Gomes, Autonomia privada, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.9.

 p.258; Alex Weil et François Terré. Droit civil, lês obligations, p. 53 e segs; BonsStarck. Droit civil, obligations, p. 341 e segs.

7 Entenda-se aqui a dogmática jurídica como a idéia segundo a qual o direito seapresenta como construção jurídica, lógica, racional e sistematizada, obediente ao

Page 75: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 75/359

  princípio positivista de que o objeto da ciência do direito são apenas as normas positivadas (dogmas), independentemente da realidade social subjacente. Cf. EnriqueAftalion, Fernando Garcia Olano e José Vilanova. Introducción ai Derecho, p. 878 esegs.; Niklas Luhman. Rechtssystem una Rechtsdogmatik (Sistema jurídico y dogmáticasocial), p. 27 e segs.; Carlos Santiago Nino. Introducción ai Analisis dei Derecho, p.

321 e segs.8 Pietro Barcellona. Diritto privato e processo econômico, p. 35.------------4. A fase originária. O Direito Romano.Entende-se como direito romano o conjunto de normas jurídicas que vigoram em Romae seus territórios desde a criação da cidade, em 753 a.C., até a morte do imperador Justiniano, em 565. É um direito vigente por treze séculos, com várias fases que sedistinguem conforme as variações ocorridas nos sistemas econômicos e sociais.9O direito romano não se apresenta como um todo unitário, mas como a conjugação devários sistemas, ou melhor, como um processo evolutivo que nasce, desenvolve-se,atinge o apogeu e decai, até compilar-se no Corpus iuris civilis.

O ponto de partida é o ius civile, o direito dos cidadãos romanos, os eives, direito baseado nos costumes dos antepassados (mores maiorum), com sua primeira formulaçãolegal na Lei das XII Tábuas, a primeira codificação romana, assim chamada por ter sidoapresentada em doze tábuas de bronze, no Fórum romano, em 499 a.C.

 Na primeira fase, chamada de antiga ou arcaica, que vai da criação de Roma até ocomeço das guerras púnicas, no século III a.C., a sociedade romana era simples erústica. A propriedade dividia-se entre os chefes de família, conforme os interesses daagricultura, a base da economia. O direito era extremamente formal e solene, do qualsão exemplos o mancipatio, o nexum, a sponsio ou stipulatio iuris civilis, a actiosacramenti. A Lei das XII Tábuas e o ius civile, criado pela jurisprudência dos

 pontífices, eram a expressão da época; o ius civile como direito quiritário, tendo comofonte as sentenças proferidas pelos jurisconsultos clássicos. Caracterizava-se por ser exclusivamente romano, dos cidadãos romanos, disciplinando as relações de natureza

  privada, se bem que não exclusivamente, pois continha normas de direito penal, processual e administrativo.A segunda fase acompanha as alterações econômico-sociais que a sociedade romanasofre após as guerras púnicas. As conquistas dos exércitos de Roma, criando o império,fazem com que os antigos romanos, simples agricultores do Lácio, se tornem, no curto

 período (Ir 60 anos, dominadores do mundo antigo e herdeiros das mais florescentescivilizações. E as práticas do tráfico mercantil de Roma, com suas colônias e as novasformas de vida, passaram a exigir um novo direito civil, mais flexível, mais atuante,

sem a rigidez dos antigos princípios quiritários. O direito perde a imprecisãocaracterística da época arcaica e alcança o ponto de maior exatidão e grandeza. Começao seu período clássico. Roma perde as características rurais, tornando-se uma cidadecosmopolita e o centro do comércio mundial,10 enriquecendo-se o direito com novascategorias próprias de um sistema comercial de trocas, substituindo-se o for-malismo

 pela simplicidade e celeridade dos atos jurídicos.  No ano 367 a.C. cria-se o cargo de praetor urbanus, magistrado encarregado da  jurisdição civil. Suas decisões constituem o ius prae-torium, ou ius honorarium, dehonos, honra, significado técnico da função conferida ao magistrado pelo povo romano.O ius honorarium representa uma evolução do direito romano, no sentido de conjugar acriação do direito com a sua realização. Em Roma, o direito nasce da prática, já que a

  justiça romana começou a funcionar sem leis que a orientassem11 o que, aliás, seconstitui em uma das causas da grandeza do direito romano. Enquanto o ius civile, o

Page 76: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 76/359

antigo direito, resulta dos mais tradicionais costumes dos primeiros cidadãos romanos, eeventualmente da lei, o ius honorarium era o produto da atividade judicante domagistrado, que, além de aplicar o ius civile (iuris civilis adjuvandi gratia), completava-lhe as normas (iuris civilis suplendi gratia), ou até o reformava (iuris civilis corrigendigratia).12 O ius civile nasce "ex legibus, plebis scitis, senatus consultis, decretis

  principum, auctorítate prudentium", enquanto o ius honorarium é um direitoeminentemente jurisprudencial.1Essa distinção entre o ius civile e o ius honorarium foi, assim, uma das características daépoca clássica (130 a.C., 230 d.C.), representando a fase da consolidação, apogeu eexatidão do direito romano.----------------------9 Sebastião Cruz, Direito Romano, in Poiis-Enciclopédia Verbo da Sociedade o doEstado, vol. 2, p. 558.10 Michel Tigar e Madeleine R. Levy. O Direito e a Ascensão do Capitalismo, p. 28.11 Michel Villey. Lê droit romain (O Direito Romano), p. 21.12 R. Sohm. Instituciones de Derecho Privado Romano, p. 71.

13 Ex legibus, plebis scitis, senatus consultis, decretis principum, auctorítate prudentium (o direito civil nasce das leis, dos plebiscitos, das decisões do senado, dasdecisões do imperador, da ciência do direito), D. 1. l, 7.----------------------Ainda na mesma época surge o ius gentium. O caráter exclusivo do ius civile, aplicávelsomente aos cidadãos de Roma, impedia que fosse aplicado aos estrangeiros, aos não-romanos, os peregrini. Ora, cada vez mais os juizes eram chamados a resolver conflitosde interesses, a disciplinar relações jurídicas entre os romanos e os estrangeiros (civisromani e peregrini), devido à complexidade crescente do tráfico mercantil que seoperava no Mediterrâneo. No ano 242 a.C. institui-se o cargo de praetor peregrinus, o

 juiz para os estrangeiros, de cuja atividade resultou o ius gentium. O ius civile, direitodos cidadãos, opunha-se, desse modo, ao ius gentium, direito dos estrangeiros. Comeste, obra do praetor peregrinus, o direito romano vai assimilando novos elementos esobrepondo-se às suas características nacionais, para converter-se, progressivamente,em um direito comum e universal.14

 Nascia, assim, um novo direito romano, um ius civile isento de formalismo, aplicávelaos romanos e estrangeiros na disciplina de suas relações comerciais. Apresentando-secomo direito comum e universal, invocável por todos os que se encontravam no impérioromano, surgia como direito natural, um direito aplicável a todos os participantes docomércio mediterrâneo que nele viam consagrados algumas de suas práticas. Com elesurgiam diversos institutos que ainda se aplicam, como as arras ou sinal nos contratos, a

 promessa unilateral obrigatória, germe da liberdade de comércio, o aperfeiçoamento doscontratos de compra e venda, depósito, sociedade, os negócios fiduciários, os contratosde boa-fé. O ius gentium era, assim, o direito das relações comerciais e o instrumento danova classe ascendente: a dos comerciantes e mercadores.A terceira e última fase, a partir do século III (230 d.C.), caracteriza-se pelavulgarização do direito romano, isto é, a sua expansão por todas as províncias doimpério. O direito romano perde seu caráter nacional e transforma-se em um direitouniversal, embora com prejuízo do pensamento e da técnica jurídica da época clássica.Influenciando ou até sendo adotado por todos os povos do continente europeu, passa aser o direito comum ou vulgar, mandado compilar em 565 pelo imperador Justiniano noCorpus iuris civilis.

O legado do direito romano, até hoje presente na cultura do mundo ocidental, traduz-seem alguns institutos de direito civil, como a teoria da personalidade, a capacidade de

Page 77: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 77/359

direito, a teoria dos bens e os direitos reais, a teoria da posse, a teoria geral dasobrigações e dos contratos e a sucessão. E ainda, como princípios fundamentais, aliberdade, no sentido de uma esfera de atividade própria de cada indivíduo, e aexistência e reconhecimento de direitos certos e básicos do cidadão. Dessa crença naliberdade surgiu o princípio da autonomia da vontade e a propriedade, como direito

subjetivo absoluto.5. O Direito Medieval.Costuma-se considerar a Idade Média como o período que vai da conquista de Roma atéà queda de Constantinopla, sede do Império Romano do Oriente (476-1453 d.C.).Caracteriza-se o direito civil dessa época pela permanência do direito romano comodireito comum, pelo surgimento dos direitos civis nacionais e pela criação das bases ou

 pressupostos culturais e científicos do direito privado contemporâneo.15Com a queda de Roma (476 d.C.) e a deposição do último imperador do Ocidente,Romulo Augustulo, acabava o Império Romano do Ocidente, substituído por uma sériede reinos bárbaros e, depois, por uma pluralidade de cidades, nações e estadosindependentes, cada um com seu direito particular, os estatutos, os foros, os costumes.

Separava-se política e culturalmente o Ocidente do Oriente, e naquele, o direito romano perdia sua vigência como ordenamento jurídico positivo até ser redescoberto no séculoXII, quando passa a ser considerado como direito comum (ius commune), conjunto deelementos de direito romano, canônico e germânico, assim chamado porque era geral,sendo o direito de cada unidade territorial um direito particular (ius proprium). Dacombinação de ambos surge o direito territorial (ius compositum), germe dos direitoscivis modernos.16 De qualquer modo, durante a Idade Média, direito civil é direitoromano.As sucessivas invasões dos bárbaros, o estado de permanente intranqüilidade, a ausênciade um governo central e de um sistema de defesa, como o garantido pelos exércitosromanos, faziam com que as pessoas solicitassem a proteção dos mais ricos e

 poderosos, normalmente os senhores de terras, os suseranos, com quem estabeleciamrelações de vassalagem. Em troca de proteção e assistência econômica, os vassalosobrigavam-se a servir ao seu senhor, compensando-o com o pagamento de impostoscorrespondentes ao amparo que ele lhes dava. Criava-se, desse modo, uma relaçãocontratual, de obrigações recíprocas, o que veio a caracterizar o regime feudal, umsistema de organização econômica, política e social baseado nos laços de dependência ede serviço, sobretudo militar, da parte dos vassalos para com o senhor, e das obrigaçõesde proteção e sustento da parte deste para com aqueles.17 E com o regime feudalsurgem os direitos particulares, os estatutos de cada cidade, nação ou estado (ius

  proprium), que, incorporando sobre o fundo comum do direito romano novos

elementos, como o germânico e o canônico, vêm a formar a base do direito civilmoderno.Com a recepção, nome que se dá à adoção, pelos estados na Idade Média, do direitoromano, passa este a ser o direito comum, subsidiário,18 aplicável na maior parte docontinente europeu. Mas não só o direito romano se faz presente; existe ainda ainfluência do direito germânico e do direito canônico.Enquanto o direito romano é individualista, colocando no centro do sistema jurídico oindivíduo e sua liberdade, o direito germânico é social, no sentido de considerar omesmo indivíduo como participante de uma comunidade, onde predomine o bemcomum sobre a vontade dos indivíduos. Já o elemento canônico é o responsável pelo

 processo de espiritualização do direito, com preocupações éticas e idealistas, como

demonstram a sacramentalização do matrimônio,A doutrina da posse, o elemento da boa-fé em matéria de usucapião etc.

Page 78: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 78/359

Com o decurso do tempo e as transformações políticas e sociais, o direito civil passa aser considerado o direito privado dos povos, decorrente da nacionalização que cadaestado faz do direito romano comum, e, como direito privado especial, o direito doscomerciantes e mercadores, consolidando seus usos e costumes e sua jurisdiçãoespecífica, pela necessidade de segurança e rapidez das operações mercantis, a exigir,

 por isso mesmo, um direito mais flexível.6. O direito moderno.A idade moderna é o período compreendido entre a queda de Constantinopla, em1453,ou a descoberta dos novos mundos, ou ainda, a revolução protestante iniciada em1517, na Alemanha, e a Revolução Francesa de 1789, para uns, ou a revoluçãoindustrial do séc. XIX, para outros. Caracteriza-se pelos importantes processos denatureza política, econômica, social, religiosa e cultural que nela se verificam, dos quaisos mais importantes, com profunda repercussão no direito privado, foram a revoluçãocomercial, a reforma religiosa, o desenvolvimento dos estados nacionais e dos governosabsolutos, a revolução intelectual do racionalismo e o desenvolvimento doindividualismo.

A revolução comercial é o processo econômico da fase originária do capitalismo, com ocomércio se desenvolvendo por toda a Europa, modificando a economia estática dascorporações medievais e estabelecendo um regime dinâmico de operações com finslucrativos.19Com a expansão do comércio desenvolve-se uma nova classe, a burguesia mercantil,que irá ter grande papel no processo de evolução política, econômica e jurídica dasociedade européia. Política porque "desejosa de paz e estabilidade, necessárias ao bomandamento dos negócios, favoreceu a centralização do governo e o fortalecimento do

 poder real". Econômica, por ser a base da criação e desenvolvimento do capitalismo. E jurídica porque com ela se consagra o individualismo como princípio fundamental daordem jurídica moderna.-----------------14 Puig Brutau, op. cit., p. 51. Sobre os institutos remanescentes no direitocontemporâneo, no campo processual, cfr. J.M. Othon Sidou, Processo CivilComparado, p. 61 e segs.

15 Franz Wieacker, op. cit., p. 1.16 De Los Mozos, op. cit., p. 69.17 José Mattoso, Feudalismo, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado,vol. 2. p. 1.114; Edward Mcnall Burns, História da Civilização Ocidental I, p. 318.18 Ubi cessai statuta habet locum ius civilis (onde cessa a eficácia dos estatutos locais

aplica-se o direito civil ou comum) Baldus de Ubaldis (1327-1400), apud Dlez-Picazo,op. cit, p. 46. O direito comum era o direito romano, em contraposição aos direitoslocais, estatutários, de cada região ou lugar, de aplicação subsidiária. Erich Molitor-Hans Schlosser, op. cit., p. 27. Cf. Braga da Cruz. O direito subsidiário na história dodireito português, p. 266.19 Mcnall Burns, op. cit., p. 488.-----------------Conseqüência imediata da revolução mercantil é, assim, o advento do capitalismo,sistema econômico que se caracteriza pela propriedade privada dos bens de produção ede consumo. Seus traços marcantes são a liberdade de iniciativa privada, a concorrênciae a atividade negociai com fins lucrativos, assim como o desenvolvimento do sistema

  bancário, a expansão dos instrumentos de crédito, o declínio das corporações, o

Page 79: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 79/359

surgimento da indústria e, como instrumento jurídico de larga dimensão, odesenvolvimento das sociedades por ações.À revolução comercial devem-se, portanto, "quase todos os elementos que vieram aconstituir o regime capitalista" e, ainda, a "ascensão da burguesia ao poder econômico e

 político, o início da europeização do mundo, entendendo-se como tal o transplante dos

hábitos e da cultura européia para outros continentes".Como não podia deixar de ser, tal processo reveste-se de efeitos de ordem econômica, política e social de grande significado para o direito, sendo a partir desse período que sedesenvolve o direito natural (séculos XVII e XVIII), a escola histórica, o positivismo

 jurídico e se institucionaliza o Estado de Direito, Estado Liberal ou burguês.A reforma religiosa compreende a revolução protestante que irrompe em 1517, levandoa maior parte da Europa do norte a separar-se da igreja romana, e a reforma católica, oucontra-reforma, movimento contrário que nasceu com o Concilio de Trento (1545-1563). Entre seus principais efeitos temos o impulso dado ao individualismo, comgrande repercussão no campo do direito civil, na medida em que contribuiu para odesenvolvimento e aplicação de um direito geral e igualitário.

Efeito da revolução comercial e da reforma religiosa é o fortalecimento do poder real,com o surgimento do Estado-Nação e o desenvolvimento de absolutismo como formade governo. A criação dos impérios coloniais e o desenvolvimento do mercantilismo

 proporcionam aos reis grande riqueza, usada na organização de exércitos e armadas. Por outro lado, a expansão dos negócios acentua a necessidade de um governo forte, tendo aclasse média, no governo, a garantia para o seu desenvolvimento e bem estar.20Fenômeno diretamente ligado à revolução comercial é o progresso da filosofia e daciência, verificado nos séculos XVII e XVIII, a chamada revolução intelectual de quesão notáveis expressões o racionalismo e o individualismo. O primeiro considerava arazão o guia infalível da sabedoria. Com o segundo, acentuava-se o predomínio da

 personalidade (individualismo filosófico), considerando-se que as instituições políticase jurídicas de um país devem colocar-se a serviço dos interesses particulares, de

  preferência aos serviços coletivos (individualismo político), acreditando-se que a"autoridade pública não deve perverter o resultado do livre jogo das atividadeseconômicas individuais, mas deve reduzir sua intervenção no domínio econômico aomínimo, concentrando-se em garantir a cada um a liberdade de trabalho e do comércio eo benefício da propriedade de seus bens" (individualismo econômico), ou ainda, que "oindivíduo é a única finalidade de todas as regras do direito, a causa final de todaatividade jurídica do Estado" ou, também, "a fonte das regras de direito ou de mutações

 jurídicas" (individualismo jurídico).21O racionalismo no direito exprime-se na doutrina do direito natural, de que uma das

mais importantes conseqüências é o processo de codificação do direito civil, realizado pelos Estados modernos e soberanos. O direito civil deixa de ser o direito romano paraser direito nacional, adquirindo sua forma e seu conteúdo atuais.Reflexo do racionalismo (rectius, do jusracionalismo) é a concepção do "direito comosistema, dotado de método dedutivo específico, construído a partir de conceitos gerais".

 No campo do direito privado, liberta o direito civil da submissão histórica às fontes dodireito romano, abrindo caminho para a construção do sistema que ainda hoje domina oscódigos. Surgem as figuras abstratas da obrigação e do dever contratual, do sujeito dedireito, da declaração de vontade, do negócio jurídico, doutrinas que o direito comumnão tinha construído como teorias gerais, e que são princípios jusnatu-ralistastransformados em categorias técnico-jurídicas.

7. O Estado moderno na formação do direito civil. O Estado liberal de Direito

Page 80: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 80/359

A idade moderna tem, assim, especial importância para o estudo do direito civil, pelosurgimento do Estado moderno e pela racionalização do pensamento e da cultura, oque1 levou ao desenvolvimento da ciência jurídica, com seus conceitos abstratos, suasoperações lógicas e o caráter sistemático da ordem jurídica.O Estado moderno surge inicialmente como Estado absoluto, vigente até fins do séc.

XVIII, caracterizado pela concentração do poder real, enfraquecimento da nobreza,ascensão da burguesia, culto da razão de Estado, e pela vontade do rei como lei22.Com a Revolução Francesa, e tendo como antecedentes imediatos o Bill of Rightsinglês de 1689, a Declaração de Direitos de Virgínia (EUA) de 1776 e a Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o Estado absoluto substitui-se pelo Estadoliberal, próprio do liberalismo econômico, denominado, também, de Estado de Direito

 pelas seguintes características: a) império da lei, no sentido de que todos os poderes deladerivam, como expressão da vontade geral.23 O primado da lei é a característicafundamental, subordinando-se a lei à Constituição, conforme a hierarquia das normas;

  b) divisão dos poderes, respectivamente, legislativo, judiciário e executivo, a quecorrespondem os três momentos do processo jurídico: formação, aplicação e execução

das leis. Não se trata de rígida separação, mas de distribuição de funções, com base nadiferença entre criação e aplicação do direito, tarefas dos poderes legislativo eexecutivo24, respectivamente. Não podem legislar o executivo e o judiciário, comotambém não podem julgar o executivo e o legislativo; c) generalidade e abstração dasregras jurídicas25; d) distinção entre direito público e direito privado, entendendo-seaquele como "o conjunto de normas com as quais o Estado determina a própria estruturae organiza e regula as relações com os cidadãos, e por direito privado, o conjunto denormas que se destinam a regular as relações entre particulares"; e) crença nacompletude e na neutralidade do ordenamento jurídico: f) concepção do homem comoum abstrato sujeito de direito, por efeito do processo de abstração do direito moderno, ecorrespondente à idéia do homem livre e igual, ela tradição iluminista, pressuposto do

 processo de aquisição e circulação de direitos. Enfim, o Estado de Direito é o Estado dalegalidade e da liberdade dos indivíduos, livres e iguais.Fundamento dessa construção é a subjetividade jurídica que, segundo Hegel, é o

 princípio dos tempos modernos, expresso no individualismo, na autonomia do agir e naresponsabilidade do indivíduo pelo exercício de suas pretensões26.Contribuem para o desenvolvimento desse princípio a Reforma, o Iluminismo e aRevolução Francesa27. A Reforma Protestante com a crença de que a salvação é

  puramente individual, proclama a soberania do indivíduo e do seu pensamento. OIluminismo como filosofia do homem novo, o burguês, que luta pelo progresso contra oobscurantismo e os privilégios da aristocracia e do clero. E a Revolução Francesa,

abolindo o regime feudal e consagrando os princípios da igualdade, da liberdadeindividual e da propriedade privada.A sociedade moderna é, assim, marcada pela instituição do homem como sujeitosingular, livre e igual, sem vínculos sociais (como acontecia na Idade Média) eresponsável por si mesmo. O sujeito de direito em abstrato é o homem, livre e igual, doiluminismo.

  No campo jurídico, a liberdade individual, a propriedade, o contrato e aresponsabilidade civil são institutos jurídicos fundamentais, que a ciência jurídicaconstrói com princípios, conceitos, categorias e modelos que formam o direito comosistema racional.A importância do direito moderno para o direito civil está portanto, no fato de ter, pelas

circunstâncias políticas, econômicas e culturais, levado à construção da ciência jurídica,com seus conceitos, suas técnicas de abstração,28 suas operações lógicas, seu

Page 81: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 81/359

formalismo, com a "imagem do homem como indivíduo singular, como sujeito abstrato,matéria com que trabalha o pensamento sistemático e que tem, no positivismo jurídico,a grande herança deixada para as mudanças do direito civil contemporâneo."Concluindo, a grande contribuição do Estado moderno ao direito, principalmente doEstado liberal, é a racionalização da vida jurídica,

----------------------20 Mcnall Burns, p. 543.21 Mareei Walline. L'individualisme et lê droit, Paris, p. 10 e segs.22 Diogo Freitas do Amaral, Estado, in Polis — Enciclopédia Verbo da Sociedade e doEstado, Lisboa,Verbo,vol.II,1984,p.1160.23 Pietro Barcelona, Dirito privato e società moderna, p. 55; Elias Díaz, Estado deDerecho y sociedade democrática, p. 31.24 Kelsen, Teoria generale dei diritto e delia stato, part. 2, cap. III, p. 275.25 V. cap. H, n° 3.26 Yürgen Habermas, O discurso filosófico da modernidade, p. 27; Anthony J.Cascardi, Subjectivité et modernité, p. 49 e 83.

27 Habermas, idem, p. 28.28 Barcelona, op. cit., p. 22.----------------------com a adoção da idéia de sistema e o desenvolvimento do pensamento sistemático, doque os maiores exemplos foram os códigos e as constituições do séc. XIX, e ainda o

 princípio da subjetividade jurídica que estabelece o indivíduo como causa e razão finalda esfera jurídica privada.8. A sistematização do direito civil. O processo de codificação.Produto do jusracionalismo é a concepção do direito como sistema, conjunto unitário ecoerente de princípios e normas jurídicas. Partindo da formulação de conceitos gerais eutilizando o método dedutivo, através de uma demonstratio more geométrico, aplica-seo método cartesiano ao direito e chega-se à idéia de sistema jurídico, do que a

 jurisprudência dos conceitos, de Puchta e Windscheid, e a parte geral dos códigos civissão a melhor expressão.Entende-se que a idéia de sistema permite uma compreensão melhor do direito, não sóde ordem didática como também de direito comparado, na medida em que autoriza oconfronto e o relacionamento entre sistemas diversos. Além disso, possibilitacompreender a matéria social em que se insere o sistema jurídico, isto é, as relaçõessociais e os valores determinantes do agir em sociedade, e, ainda, a interpenetração dodireito com os demais sistemas que formam o universo social, como o econômico, o

 político e o religioso. O direito é um sistema de controle que emerge da vida, da

sociedade, não podendo isolar-se da realidade que o produz. Já Savigny dizia que aciência e a história do direito são inseparáveis do estudo da sociedade que lhe for contemporânea.A idéia de sistema liga-se diretamente à de codificação, agrupamento de normas

  jurídicas da mesma natureza em um corpo unitário e homogêneo. Distingue-se dacompilação, mero ajuntamento de leis, geralmente por ordem cronológica, e daconsolidação, que é a reunião de leis pelo critério da matéria, simplificando-se eapresentando-se no seu último estágio.29 Em senso estrito, significa o processo deelaboração legislativa que marcou os séculos XVIII e XIX, de acordo com os critérioscientíficos decorrentes do jusnaturalismo e do iluminismo, e que produziu os códigos,leis gerais e sistemáticas.30 Sua causa imediata é a necessidade de unificar e

uniformizar a legislação vigente em determinada matéria, simplificando o direito efacilitando o seu conhecimento, dando-lhe ainda mais certeza e estabilidade.

Page 82: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 82/359

Eventualmente, constitui-se em instrumento de reforma de sociedade como reflexo daevolução social. Seu fundamento filosófico ou ideológico é o jusracionalismo, que vênos códigos o instrumento de planejamento global da sociedade pela reordenaçãosistemática e inovadora da matéria jurídica, pelo que se afirma que "os códigos

 jusnaturalistas foram atos de transformação revolucio-

nárias".31A codificação apresenta vantagens, como a de simplificar o sistema jurídico, facilitandoo conhecimento e a aplicação do direito, permitindo ainda elaborar os princípios geraisdo ordenamento que "servirão de base para adaptar o direito à complexidade da vidareal", o que explica o triunfo da codificação nos três séculos. Como inconveniente,afirma-se que a codificação impede o desenvolvimento do direito, produto da vidasocial que não pode ficar circunscrito, limitado, aprisionado por estruturas formais eabstratas.32A codificação é fenômeno histórico freqüente na vida dos povos, havendo, todavia,grande diferença entre as codificações antigas e as modernas. As antigas tinham umcaráter mais geral, visando a totalidade do direito, enquanto que as modernas são

especiais, disciplinando um só ramo jurídico. As primeiras surgiam como simplescompilações, já as modernas apresentam-se- sob a forma sistemática. Os códigosantigos recolhiam leis, doutrinas, princípios jurídicos, enquanto os modernos contêm,apenas, preceitos legais, que enunciam regras ou, eventualmente princípios. Os códigosantigos eram difusamente redigidos, os modernos são redigidos de forma breve econcisa.O código passou também a ser, na esfera do direito privado, a garantia das liberdadescivis e do predomínio do poder legislativo sobre o judiciário, assegurando a autonomiado indivíduo contra a ingerência do poder estatal, como fazem, no direito público, asdeclarações de direitos e as constituições. Ocupava o centro da disciplina social.Conjugam-se, assim, os códigos civis e as constituições, criando uma nova organização

  jurídica da sociedade, e realizando o espírito da época, o "individualismo jurídico próprio do pensamento liberal", que se exprime na divisão do direito em público e privado, na garantia da liberdade dos indivíduos, e na concepção da centralidade dodireito em face da política e da filosofia.Os exemplos historicamente mais importantes desse processo de codificação, tanto pelaimportância político-ideológica que encarnavam quanto pelo exemplo que ofereceramàs codificações posteriores, são os Códigos Civis francês e alemão.9. O Código Civil francês.O Código Civil francês é o primeiro das codificações modernas. Promulgado em 21 demarço de 1804, elaborou-o uma comissão formada por Napoleão Bonaparte e

constituída por Portalis (1746-1807), Tronchet (1726-1806), Bigot de Préameneu (1747-1825) e Maleville, todos juristas práticos. O material com que trabalharam foram oscostumes, o direito romano, recolhido por grandes juris-consultos como Domat ePothier, este o mais importante jurista francês de sua época, as Ordenações Reais, as leisda Revolução e, ainda, secundariamente, a jurisprudência dos antigos parlamentos e odireito canônico.Ideologicamente, caracteriza-se o Código Civil francês por seu laicismo, isto é, aseparação da Igreja em matéria de estado civil ou de casamento, e por seuindividualismo, expressão civilista da Declaração dos Direitos de 1789, manifesto nos

  princípios da igualdade, liberdade e espiritualidade do homem.33 É a igualdade, aliberdade econômica e a autonomia da vontade garantidas em um corpo jurídico de

elaboração essencialmente prática. Representa o triunfo do individualismo liberal,

Page 83: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 83/359

expresso no caráter absoluto do direito de propriedade e no princípio da liberdadecontratual contido no art. 1.134, que afirma ser o contrato lei entre as partes.O Código Civil passou a denominar-se, em 1807, Código de Napoleão, depois,novamente, Código Civil dos franceses, em 1814 e, finalmente, Código de Napoleão,em 1852. Contém as premissas filosóficas de toda a legislação burguesa, sendo o

modelo específico das relações entre o humanismo jurídico e a ordem civil. Foi, assim,o instrumento jurídico da ideologia e do espírito da Revolução Francesa.34 Quanto àforma, é reconhecidamente conciso e preciso. Sua influência foi notável. Além deadotado por alguns Estados, como a Bélgica, influiu na elaboração dos Códigos Civis daHolanda, Romênia, Portugal, Mônaco, Egito, Baixo Canadá, Luisiana, e dos países daAmérica Central e América do Sul.10. O Código Civil alemão.O Código Civil alemão foi aprovado em l- de julho de 1896, para entrar em vigor em l2de janeiro de 1900. Representa a síntese dos estudos doutrinários desenvolvidos naAlemanha no curso do século XIX, tomando por base o direito romano, que lheofereceu a matéria e os conceitos técnicos, principalmente na parte geral e no direito das

obrigações, e o direito germânico, que o influenciou nos direitos reais, família esucessão. É um código sistemático, profundo, rigoroso, dogmático. Apresenta, comovantagens, a disciplina lógica, a universalidade ou amplitude, e, como defeitos, a faltade clareza, a abstração demasiada, a dificuldade de compreensão pelo povo.Sob o ponto de vista da técnica jurídica, suas normas têm elevado nível de abstração eelasticidade, o que permite à jurisprudência adaptar seus dispositivos a muitas edistintas situações de fato. O esmerado rigor técnico de suas construções jurídicas e umacerta----------------29 Teixeira de Freitas, "Contrato para coligir e classificar toda a legislação pátria r consolidar a civil", in Silvio Meira. Teixeira de Freitas. O Jurisconsulto do Império, p.101.30 Castan Tobenas p. 204. O código apresenta-se como um sistema de regrasorganicamente subordinadas e coordenadas, com pretensões de generalidade e

 plenitude, agrupadas em institutos e redigidas de modo conciso (De Los Mozos, p. 190).31 Wieacker op. cit., p. 367.32 A expressão máxima da controvérsia sobre as vantagens e inconvenientes dacodificação encontra-se na polêmica travada no séc. XIX, entre o professor de direitocivil da Universidade de Heidelberg, Antor Friedrich Justus Thibaut (l 772 a 1840),admirador da França revolucionária e do seu Código Civil, defendendo a codificação noseu opúsculo Acerca da necessidade de um direito civil geral para a Alemanha (Uber die

  N'otwendigkeit eines allgemeinem bürgerlichen Rechts für Deutschland 1814) e o professor de direito Friedrich Carl von Savigny (1779 a 1861), contrário a ela nofamoso ensaio Da vocação no nosso tempo para a legislação e a ciência do direito (VomBeruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswis-senschaft, 1814).33 Jean Carbonnier. Droit civil. Introduction, Lês personnes, p. 66.34 André-Jean Arnaud. Essai d'analyse structurale du code civil français, p. 12.----------------obscuridade na linguagem tornam-no acessível, todavia, somente aos juristas. Sob o

 ponto de vista moral, confere grande valor à boa-lc na interpretação dos contratos e àfunção educadora dos costumes. Sob o ponto de vista político e econômico, correspondeà ordem privada da época de sua redação, consagrando os princípios do

individualismo.35

Page 84: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 84/359

Sua influência é notável em códigos de vários países corno o Brasil, Japão, Suíça, Chinae Grécia.11. O direito civil brasileiro. Esboço histórico.A história do direito civil brasileiro compreende três fases: do descobrimento do Brasilà codificação, o processo de codificação em si e a fase posterior ao Código até agora,

quando se projeta a reforma do Código Civil.A primeira fase divide-se em duas, de 1500 a 1808, época do Brasil-Colônia, e de 1808a 1889, época do Brasil Império.A fase do Brasil-Colônia caracteriza-se pela aplicação das Ordenações Filipinas,legislação portuguesa que já era, no dizer de Coelho da Rocha, "atrasada, retrógrada",mantendo em vigor, na época moderna, regras do século XV. Trazidas para o Brasil,consolidou-se aqui esse atraso.36

 Nos primeiros tempos de colônia, até 1531, data da expedição de Martin Afonso deSouza, o direito era o dos costumes e usos, no mais das vezes, a força física.O primeiro ato legislativo que nos diz respeito é a bula do Papa João II, de 20. 01. 1506,confirmando os direitos de D. Manuel, rei de Portugal, sobre as terras do Brasil, em

conseqüência do Tratado de Tordesilhas, de 1494. No período das capitanias hereditárias (1532-1542), a legislação brasileira formava-sede cartas regias, cartas de doação das capitanias, a primeira das quais lavrada em Évora,em 20 de janeiro de 1534 e, principalmente, pelos forais, ou cartas de foral, que,completando a carta de doação, eram o verdadeiro documento jurídico. Enquanto ascartas de doação estabeleciam "apenas a legitimidade da posse e os direitos e privilégiosdos donatários", as cartas de foral eram "um contrato enfitêutico em virtude do qual seconstituíram perpétuos tributários da coroa e dos donatários capitães-mores, ossolarengos que recebessem terras de sesmarias".37De 1549 a 1581 temos o período do Governo Geral, iniciado com a carta regia de 7 de

 janeiro de 1549, dando início ao sistema do poder central de 1640 até 1750, (a subida doMarquês de Pombal) e daí até 1808 (ano em que a corte portuguesa se desloca para oBrasil), período em que vai surgindo incipiente legislação voltada para a atividademercantil, letras de câmbio, câmbio marítimo, corretagem de câmbio, ao mesmo tempoque as relações civis vão se tornando mais complexas, surgindo uma legislação sobrecasamento, pátrio, tutela e curatela, sucessão e contratos.A fase do Brasil Império, da abertura dos portos por D. João VI, em 1808, até aimplantação da República, em 1889, tem dois aspectos marcantes para a nossa história

 jurídica. Politicamente, o estabelecimento da sede da monarquia portuguesa no Brasil;sociologicamente, a plena configuração do povo brasileiro.Em 16 de dezembro de 1815, a carta regia elevou o Brasil à categoria de reino,

  provocando a centralização administrativa e, conseqüentemente, fértil atividadelegislativa.Proclamada a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, a lei de 20 de outubrode 1823 determina a manutenção da vigência das ordenações, leis, regimentos, alvarás,decretos e resoluções dos reis de Portugal em vigor no Brasil até 26 de abril de 1821,data em que D. João VI regressou a Portugal. E a Constituição do Império, de 25 demarço de 1824, no art. 179 (n° XVIII), manda organizar-se, o quanto antes, um CódigoCivil e um Criminal, "fundados nas sólidas bases da justiça e da eqüidade".12. A codificação civil brasileira: a) antecedentes; b) o Código Civil. Estrutura,características.a) Antecedentes:

O Código Civil brasileiro resulta de um processo de elaboração legislativa que sedesdobra em várias fases, no curso de noventa e dois anos.

Page 85: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 85/359

Em 1845, o grande advogado Francisco Inácio de Carvalho Moreira, Barão de Penedo,defende no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros a tese da imediataremodelação do direito civil brasileiro, formado por Legislação "esparsa, desordenada enumerosíssima". Sentindo a mesma necessidade, Eusébio de Queirós propõe, em 1851,que se adote o Digesto Português de Correia Teles. Mas é Teixeira de Freitas quem

inicia os trabalhos de codificação. Atendendo a convite de José Tomás Nabuco,Ministro da Justiça, encarrega-se Teixeira de Freitas, em 1855, de consolidar alegislação civil existente no Brasil, para que fosse bem conhecida, e depois, de redigir oCódigo Civil.O que foi a ciclópica obra de Freitas na sua tarefa de coligir e classificar toda alegislação brasileira, consolidando a civil, e de elaborar o projeto de Código Civil,merece especial atenção.38Deve-se, todavia, lembrar que a sua produção científica, a Consolidação das Leis Civise o Esboço, constitui uma das maiores glórias da cultura jurídica nacional e estrangeira,comparável, se não superior, à dos maiores juristas do seu século, consideradas ascircunstâncias de ordem material e cultural em que se produziu. Rescindido o contrato

de Teixeira de Freitas com o governo, incumbiu-se Nabuco de Araújo, em 3 dedezembro de 1872, de elaborar o projeto de Código Civil, no que trabalhou até 1878,quando morreu, deixando prontos 118 artigos do título preliminar e, com redaçãoincompleta, mais 182 artigos da parte geral. É visível a influência do Esboço de Freitas.A obra de codificação prossegue, no mesmo ano, com Joaquim Felício dos Santos, quese oferece para terminar esse trabalho. Redige 2.692 artigos que apresenta sob o título"Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro", distribuídos em uma Partegeral, com três livros, das pessoas, das coisas e dos atos jurídicos em geral, e uma ParteEspecial, com idêntica divisão.

 Não vingando esse projeto, em 15 de junho de 1890, logo depois de- proclamada aRepública, encarregou-se Antônio Coelho Rodrigues de elaborar o projeto do CódigoCivil, o que faz em Genebra sob a influência do Código de Zurique e do direito alemão,como se verifica na própria divisão adotada: uma lei preliminar, uma parte geral,subdividida em três livros, das pessoas, dos bens, dos fatos e atos jurídicos, e uma parteespecial, subdividida em quatro livros, das obrigações, da posse, da propriedade e deoutros direitos reais, do direito de família e do direito das sucessões.

 Não se tendo aprovado nenhum desses projetos, em janeiro de 1889 o Ministro daJustiça Epitácio Pessoa convida Clóvis Beviláqua, eminente professor da Faculdade deDireito do Recife, para prosseguir no trabalho de codificação, aproveitando, no quefosse possível e não contrariando as suas próprias idéias, os trabalhos dos juristas

 precedentes. O novo projeto foi elaborado de abril a outubro de 1889 e, concluído,

remetido a alguns jurisconsultos para opinarem a respeito, a princípio individualmente edepois em comissão presidida pelo próprio Ministro.O projeto Clóvis Beviláqua compunha-se de uma lei de introdução, uma parte geraldividida em três livros, pessoas, bens, nascimento e extinção de direitos, e uma parteespecial, desdobrada em quatro livros, direito de família, direito das coisas, direito dasobrigações e direito das sucessões. Caracterizava-se pela "harmonia entre a ordem e aliberdade, entre a tradição e o progresso". Adotava a concepção de Ihering em matériade posse, embora não exclusivamente, e disciplinava o direito de propriedade sem oabsolutismo do direito romano. Apresentava algumas idéias novas, como oreconhecimento de filhos ilegítimos de qualquer espécie, a investigação de paternidade,a insolvência civil, a igualdade jurídica dos cônjuges, idéias essas não-aceitas pela

 primeira comissão revisora, que modificou um pouco o sistema originário do autor.

Page 86: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 86/359

O projeto Beviláqua foi discutido na Câmara em 1901 e 1902 e remetido ao Senadoneste mesmo ano, onde foi objeto de notável parecer do Senador Ruy Barbosa, redigidoem apenas três dias, de natureza mais filológica do que jurídica, verdadeira "mão-de-obra literária do projeto". Esse parecer foi objeto de crítica do Prof. Ernesto CarneiroRibeiro, eminente Filólogo da Bahia, autor da revisão gramatical do projeto, nas suas

"ligeiras observações sobre as emendas do dr. Ruy Barbosa, feitas à redação do Projetodo Código Civil, em setembro de 1902. A essa manifestação reagiu---------------------35 Wieacker, op. cit., p. 477.36 As Ordenações Filipinas foram elaboradas por incumbência do Rei Filipe I dePortugal II de Espanha e vigentes a partir de 11 de janeiro de 1603. Participaram daelaboração: Duarte Nunes do Leão, Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Toureiro, e,

 possivelmente, Pedro Barbosa, Paulo Afonso e Damião de Aguiar. Cf. Nuno EspinosaGomes da Silva. História do Direito Português, p. 221, e ainda José Motta MaiaOrdenações Filipinas, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 56. p. 291; CândidoMendes de Almeida, Código Filipino, p. XXVII; Pontes de Miranda. Fontes e Evolução

do Direito Civil Brasileiro, p. 41; Silva Pacheco, Evolução do Processo Civil Brasileiro, p. 25 e segs.37 Isidoro Martins Júnior. História do Direito Nacional, p. 104.38 Silvio Meira, Teixeira de Freitas, o Jurisconsulto do Império, cap. VIII.---------------------Ruy Barbosa com a sua monumental Réplica, que mereceu de Carneiro Ribeiro novamanifestação ("A redação do projeto do Código Civil e a Réplica do Dr. Ruy Barbosa"),obras que, no seu conjunto, constituem a mais genial realização de nossa históriafilológica, e talvez das letras neolatinas.39A polêmica instaurada com o projeto do Código faz com que este permaneça no senadoaté 1912, sendo devolvido a 31 de dezembro desse ano à Câmara para apreciação da"Redação final das emendas do Senado", em número de 1.736. Em 1915, foi o projetoremetido ao senado para exame das emendas rejeitadas pela Câmara. O projeto volta aesta, que aprova a redação final a 26 de dezembro de 1915, sendo sancionado e

 promulgado com a Lei n- 3.071 de l-de janeiro de 1916, para entrar em vigor a l- de janeiro de 1917. Existindo algumas incorreções no texto, a Lei n- 3.725, de 15 de janeiro de 1919, eliminou-as.A elaboração do Código Civil brasileiro deu origem à grande floração doutrinária, comnotável desenvolvimento da civilística nacional. Além das obras de Clóvis Beviláqua,onde ressalta a sua notável Teoria Geral do Direito Civil, de 1908, desenvolvem-se ostrabalhos de Lacerda de Almeida, Martinho Garcez, Almáquio Diniz, Azevedo

Marques, Lafayette R. Pereira, Ferreira Coelho, Carvalho de Mendonça, Virgílio de SáPereira, Eduardo Espínola, Eduardo Espínola Filho e Carvalho Santos, a obra coletivaredigida por Paulo Lacerda, o Manual do Código Civil; Pontes de Miranda, João LuisAlves, Spencer Vampré, Adauto Fernandes e, mais recentemente, San Thiago Dantas,Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, Antônio Chaves, Washington de BarrosMonteiro, Sílvio Rodrigues, Franzen de Lima, Vicente Ráo, Serpa Lopes, Arnold Wald,Rubens Limongi França, Maria Helena Diniz etc.

 b) O Código Civil de 1916. Estrutura, características.A semelhança do que ocorre com o Código alemão (Bürgerliches Gesetzbuch), oCódigo Civil brasileiro de 1916 tinha a precedê-lo uma lei de Introdução, com regrassobre publicação, vigência e aplicação das leis, sua interpretação e integração, e ainda

os critérios para solução de conflitos de normas no tempo e no espaço, isto é, regras dedireito intertemporal e de direito internacional privado.

Page 87: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 87/359

Atendia, assim, à necessidade de normas gerais de aplicação para todas as leis, já previstas no título primeiro do Código de Napoleão ("De Ia publication, dês effets et de1'aplication dês lois en general) e na proposta de Teixeira de Freitas, que, em 1867,

 propunha, juntamente com a elaboração de um código geral de direito privado, unindoas matérias civil e comercial, uma Lei Geral que dominasse a legislação inteira,

abrangendo "matérias superiores a todos os ramos da legislação".Compreendia o Código de 1916 duas partes, uma geral e outra especial.A parte geral, com 179 artigos distribuídos em três livros, referentes às pessoas, aos

 bens e aos fatos jurídicos, reúne os princípios e regras aplicáveis à generalidade dos atose das relações jurídicas disciplinadas pelas normas da parte especial, isto é, aos sujeitose aos objetos dessas relações e aos fatos jurídicos que as fazem nascer, modificar ouextinguir. A parte especial subdivide-se em quatro livros. O primeiro, do direito defamília, com 305 artigos, compreende a matéria pertinente ao casamento, sua validade eeficácia; aos regimes de bens entre os cônjuges; à dissolução da sociedade conjugai e à

 proteção da pessoa dos filhos; às relações de parentesco e à tutela, curatela e ausência.O segundo, do direito das coisas, com 372 artigos, compreendendo a posse, a

  propriedade e os direitos reais sobre as coisas alheias. O terceiro, do direito dasobrigações, com 709 artigos, que disciplina as obrigações nas suas modalidades,transmissão, fontes e extinção. E finalmente, o livro quatro, do direito das sucessões,com 234 artigos, compreende as normas sobre a sucessão em geral, a sucessão legítima,a sucessão testamentária, o inventário e a partilha.O Código Civil de 1916 era um código de sua época, elaborado a partir da realidadetípica de uma sociedade colonial, traduzindo uma visão do mundo condicionado pelacircunstância histórica, física e étnica em que se revela. Sendo a cristalização axiológicadas idéias dominantes no seu tempo, principalmente nas classes superiores, reflete asconcepções filosóficas dos grupos dominantes, detentores ilo poder político e social daépoca, por sua vez determinadas, ou c-ondicionadas, pelos fatores econômicos, políticose sociais.Era um código conciso, com apenas 1.807 artigos, número bem inferior ao do francês(2.281), ao do alemão (2.383), ao do italiano (2.969), ao do português (2.334).Tecnicamente, um dos mais perfeitos, quer na sua estrutura dogmática, quer na suaredação, escorreita, segura, precisa.Tinha formação eclética, com predomínio de concepções do direito francês e da técnicado código alemão.Sob o ponto de vista ideológico, consagrava os princípios do liberalismo das classesdominantes, defendido por uma classe média conservadora que absorvia contradições jáexistentes entre a burguesia mercantil, defensora da mais ampla liberdade de ação, e a

 burguesia agrária, receosa dos efeitos desse liberalismo.40 Individualista por natureza,garantiu o direito de propriedade característico da estrutura político-social do país eassegurou ampla liberdade contratual, na forma mais pura do liberalismo econômico.

 Na parte do direito de família, sancionava o patriarcalismo doméstico da sociedade queo gerou, traduzido no absolutismo do poder marital e no do pátrio poder. Tímido noreconhecimento dos direitos da filiação ilegítima, preocupava-se com a falsa moral deseu tempo. Não obstante, continha algumas inovações progressistas para a época, comoo deferimento do pátrio poder à mãe, mesmo na filiação ilegítima. Privava, porém,desse poder a bínuba, que somente veio a adquiri-lo em 1962, com o estatuto da mulher casada.41Refletia, pois, o ideal de justiça de uma classe dirigente européia por origem e cultura,

mal-adequada às condições de vida do interior do país, traduzindo mais as aspirações

Page 88: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 88/359

civilizadoras dessa elite, embora progressista, do que os sentimentos e necessidades dagrande massa da população, em condições de completo atraso.42O Código Civil de 1916 era, assim, produto da sua época e das forças sociais imperantesno meio em que surgiu. Feito por homens identificados com a ideologia dominante,traduziu o sistema normativo de um regime capitalista colonial.

Teve, porém, grande repercussão. No campo interno, deu margem à profunda emagnífica floração doutrinária. No campo externo, bastam os elogios de Arminjon, Nolde e Wolff que lhe ressaltaram a técnica jurídica, a clareza e a precissão, e as deAlfredo Colmo, Martinez Paz e Lafaille, na Argentina; Luís Gasperi, no Uruguai;Enneccerus, na Alemanha, que o qualificava como a mais independente dascodificações latino-americanas, e ainda as observações de Machado Vilela, em Portugale de Scialoja, na Itália.13. A reforma do Código Civil.As transformações da sociedade brasileira no curso deste século têm submetido o direitoa uma contínua adaptação, com uma série crescente de leis especiais em torno das

 principais instituições do direito privado, a personalidade, a família, a propriedade, o

contrato, a herança e a responsabilidade civil.Tais modificações deslocam para o âmbito dessa legislação especial o centro dadisciplina jurídica das relações privadas, ficando o Código Civil como fonte residual esupletiva, o que se acentua com a transferência, para a órbita constitucional, de algunsdos tradicionais princípios de direito civil concernentes à família, à propriedade privadae à liberdade contratual.Com a finalidade de se restaurar o Código Civil como diploma básico da disciplina dasrelações de natureza privada, adaptando-o as exigências do processo de mudança socialoperada no Brasil, várias tentativas se fizeram.Em 1941, publica-se um anteprojeto de Código de Obrigações elaborado em conjunto

  pelos eminentes civilistas Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e HahnemannGuimarães, visando unificar o direito das obrigações, não recebendo tal iniciativa oapoio necessário da classe jurídica.Em 1961, toma o Governo a iniciativa de reformular os principais códigos do país,convidando o Prof. Orlando Gomes para redigir anteprojeto de Código Civil, contendoo direito de família, os direitos reais e o direito das sucessões, e o Prof. Caio Mário daSilva Pereira, para elaborar anteprojeto de Código das Obrigações. O trabalho do IVof.Orlando Gomes foi transformado em Projeto de Código Civil pela Comissão constituídado respectivo autor, e dos juristas Oro-y.imbo Nonato e Caio Mário da Silva Pereira. Oanteprojeto do Código de Obrigações foi transformado em projeto, revisto pelaComissão Revisora integrada pelo respectivo autor e ainda por Orozimbo Nonato,

Theóphilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes e Nehemias Gueiros.Em 1969, constitui o Governo nova Comissão integrada por Miguel Reale, presidente,José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, EbertChamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, para elaborar anteprojeto deCódigo Civil, posteriormente transformado em Projeto de Lei n- 634, de 1975, efinalmente aprovado no Congresso Nacional pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.O novo Código apresenta as seguintes características: a) preserva, no possível, aestrutura e a redação do Código Civil de 1916, tendo-o atualizado com novos institutose redistribuído a matéria de acordo com a moderna sistemática civil; b) mantém oCódigo Civil como lei básica, embora não global, do direito privado, unificando odireito das obrigações na linha de Teixeira de Freitas e Inglez de Souza, reconhecida a

autonomia doutrinária do direito civil e do direito comercial; c) aproveita ascontribuições dos trabalhos e projetos anteriores, assim como os respectivos estudos e

Page 89: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 89/359

críticas; d) inclui no sistema do Código, com a necessária revisão, a matéria das leisespeciais posteriores a 1916, assim como as contribuições da jurisprudência; e e) excluimatéria de ordem processual, a não ser quando profundamente ligada à de naturezamaterial.14. O Código Civil de 2002

O Código Civil, aprovado pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, mantém a estruturae a redação do Código Civil de 1916, atualizando-o com novas figuras e institutos, eredistribuindo a matéria de acordo com a moderna sistemática civil, seguindo o critériodo legislador de preservar, sempre que possível, as disposições desse Código tendo emvista o que ele representa como patrimônio histórico-doutrinário43. A Parte Geral tem232 artigos, dividida em três livros, referentes às pessoas, aos bens e aos fatos jurídicos,isto é, à disciplina da relação jurídica, no seu nascimento, evolução, extinção econteúdo. Suas principais novidades são a distinção entre personalidade e capacidade(Capítulo I), a disciplina dos direitos da personalidade (Capítulo II), a existência de umcapítulo autônomo para as associações (Título II, Capítulo II), a substituição dacategoria unitária do ato jurídico pela do negócio jurídico e o reconhecimento da figura

dos atos jurídicos lícitos, a autonomia do instituto da representação, a inclusão do estadode perigo e da lesão no elenco dos defeitos do negócio jurídico, a possibilidade deconversão do negócio jurídico nulo, a nova disciplina da prescrição e da decadência c,rm matéria de prova, o reconhecimento do documento eletrônico ou digital, e aconseqüência da recusa a perícia médica.A Parte Especial do Código compreende cinco livros, a saber, do Direito dasObrigações (Livro I), do Direito de Empresa (Livro II), do Direito das Coisas (LivroIII), do Direito de Família (Livro IV), e do Direito das Sucessões (Livro V).Relativamente ao Código de 1916, o Código de 2002 inova ao iniciar a Parte Especialcom a matéria das Obrigações, em vez do Direito de Família, que foi deslocado para o

 penúltimo livro, a preceder o Direito das Sucessões, e com a introdução de um novolivro, o de Direito de Empresa.Operou-se, desse modo, a unificação do direito privadono campo das obrigações, implicando isso a revogação do Código Comercial, na partereferente ao direito comercial terrestre, completamente superado.Quanto às principais inovações do Código de 2002, no que diz respeito à parte especial,há que assinalar, no Direito das Obrigações, a introdução de um titulo novo, dedicado àsmodificações subjetivas da relação obrigacional, respectivamente, a cessão de crédito ea assunção de débito, e ainda a inclusão de novas figuras contratuais (contrato

 preliminar, contrato com pessoa a declarar, contrato esti-matório, comissão, agência edistribuição, corretagem, transporte de pessoas e de coisas, seguro de dano e de pessoa),assim como a disciplina geral dos títulos de crédito,compreendendo os título de crédito

ao portador, à ordem e os nominativos. O Direito de Empresa é completamente novo nasistemática do Código Civil, o que lhe dá o caracter de originalidade, relativamente aoscódigos contemporâneos. Disciplina a figura e as atividades do Empresário e dasSociedades empresárias, e dos Institutos Complementares (registro, nome empresarial,

 prepostos e escrituração).l 5. A unidade do Direito Privado.Discute-se no campo doutrinário se a matéria de direito privado é uma só, ou sedevemos considerá-la dividida em direito civil e direito comercial. O problema daunidade do direito privado consiste então em saber se deve considerar-se o direito civilcomo compreensivo de toda a matéria de direito privado ou, ao contrário, manter-se aclássica dicotomia direito civil — direito comercial.

---------------------39 Pontes de Miranda, op. cit., p. 353.

Page 90: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 90/359

40 Orlando Gomes. Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro, p.43.41 Lei nM.121, de 27 de março de 1962.42 Orlando Gomes, op. cit., p. 34.43 Miguel Reale,O Projeto do Novo Código Civil,pA

---------------------O direito civil é um direito cie formação histórica, contínua e jurisprudencial, no sentidode que resulta de longo processo iniciado pelos magistrados romanos, os pretores, edesenvolvido ao longo dos séculos sob a influência de fatores políticos, econômicos esociais.O direito comercial surge posteriormente na Idade Média como ius mercatorum, odireito dos mercadores, criado especialmente para regular-lhes a atividade mercantil. Omaterial com que se formou taram os estatutos das corporações mercantis, os costumesmercantis e a jurisprudência da cúria dos mercadores.44 Sua razão de ser estava nainsuficiência do direito civil, conservador, estático, pouco flexível para atender àsnecessidades da vida mercantil, em franco desenvolvimento, por força da revolução

comercial, a partir do século XI.O direito comercial nasceu assim como direito da classe mercantil, aplicando-se quandouma das partes da relação jurídica fosse comerciante, e a matéria basicamente deobrigações e contratos. E enquanto o direito civil garantia a segurança e a estabilidadedas instituições, das quais a mais importante era a propriedade, e o contrato o seu meiode disposição, o direito comercial separava o contrato da propriedade, atribuindo ao

 primeiro funções especulativas. O contrato passava a ser o instrumento jurídico derealização do lucro, por meio das relações dos comerciantes com os produtores dasmercadorias, com os proprietários dos bens e com os consumidores dos produtos que

 punha no comércio.Depois de várias codificações,45 entra em vigor, em 1807, o Código Comercial francês,considerado "o pai de todos os códigos comerciais modernos". Configura-se, dessemodo, a dicotomia direito civil-direito comercial, com dois sistemas legais, dois códigosdiferentes, o Código Civil da burguesia fundiária, estabelecida sobre a propriedade dosolo urbano e do solo rural que conservava e usufruía, e o Código Comercial, da

  burguesia comercial e industrial, que protegia a riqueza mobiliária e a suavalorização.46Com o Código francês opera-se uma grande mudança: o direito comercial deixa de ser odireito de uma classe, a dos comerciantes, e passa a ser o direito dos atos do comércio,com peculiaridades próprias.47O direito civil apresentava-se, então, como um direito da produção e do consumo dos

 bens, considerados no seu valor de uso, enquanto o direito comercial disciplinava acirculação dos bens, considerados no seu valor de troca, caracterizando-se ainda pelaausência de formalismo e maior rapidez nos seus atos, maior proteção ao crédito e

 presunção de solidariedade passiva nas suas obrigações. O Código Civil seria muitomais amplo, abrangendo também os direitos de família e das sucessões, vale dizer, o seuâmbito de aplicação seria o dos direitos patrimoniais e dos extrapatrimoniais.O surgimento e a evolução do direito comercial, primeiro um direito da classe dosmercadores ou comerciantes, depois um direito objetivo dos atos do comércio, suscita, a

 partir do século passado, notável polêmica em torno do problema da autonomia dodireito comercial em face do civil, dividindo-se os juristas, uns a favor da divisão,outros defendendo a unidade do direito privado.

Os adeptos da autonomia do direito comercial, com um Código distinto do civil, alegamque as relações jurídicas típicas do comércio exigem uma disciplina legal específica,

Page 91: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 91/359

capaz de atender às peculiaridades da atividade mercantil, como a simplicidade e aceleridade na prática dos atos, a maior proteção ao crédito, a disciplina dos títulos decrédito, os negócios em massa etc. O direito comercial surge, assim, como o direito da

 produção e da troca, o direito da nova realidade que é a empresa, atividade econômicaorganizada em vista da produção e da troca de bens e serviços.48

Os partidários da unidade acham que não se justifica essa autonomia por não haver umconjunto de normas dominado por princípios próprios e diversos dos que valem para odireito civil,49 além do que, para a categoria mais importante de relações, que é a doscontratos e das obrigações, a disciplina é uma só, não se distinguindo a comercial dacivil. Além disso, o número e a influência crescente das empresas na atividadeeconômica têm feito com que o direito mercantil tenha perdido, gradativamente, a suaqualidade de direito especial para tornar-se em verdadeiro direito "geral", com uma

 progressiva comercialização do direito civil, como se vê na emigração, para o direitogeral das obrigações, de institutos que antes pertenciam aos códigos do comércio,reduzindo-se o número dos contratos mercantis. Disso resulta, como imperativo, aunidade, pelo menos, do direito das obrigações e a redução do âmbito do puro direito

mercantil como direito especial.50 Domina então, na doutrina, a idéia de que não hámotivo para se distinguirem os atos civis dos comerciais, devendo unificar-se a matériadas obrigações, sem prejuízo da autonomia didática da matéria.

 No Brasil, já em 1867, Teixeira de Freitas propunha ao governo a unificação do direito privado, com um Código Civil abrangente de toda a matéria civil e mercantil, e umCódigo Geral, "dominando a legislação inteira", abrangendo "matérias superiores atodos os ramos da legislação", "sobre as leis em geral, sua publicação e aplicação","regras de interpretação" e "providências sobre computação de prazos".51 Alegava ogrande jurista não haver razão para "essa arbitrária separação de leis a que todos os atosda vida jurídica, excetuados os benéficos, podem ser comerciais ou não-comerciais, istoé, tanto podem ter por fim o lucro pecuniário como outra satisfação da existência. Nãohá mesmo alguma razão de ser para tal seleção de leis, pois que em todo o decurso dostrabalhos de um Código Civil aparecem raros casos em que seja mister distinguir o fimcomercial dos atos, por motivo da diversidade nos efeitos jurídicos".Com esse mesmo pensamento manifestou-se Cesare Vivante, professor da Universidadede Roma, considerado o maior comercia-lista de todos os tempos. Em 1892, ao abrir seucurso na Universidade de Bolonha, criticou a divisão, direito civil-direito comercial edefendeu a unidade do direito privado, posição que, aliás, mais tarde reviu, ao elaborar o projeto de Código Comercial italiano. Em defesa da unidade, invocava, entre outrosargumentos, os exemplos dos direitos inglês e americano, que não distinguem o civil docomercial, e o suíço, que unificou apenas a matéria obrigacional, com um Código das

Obrigações ao lado do Código Civil.Em 1942 entra em vigor o Código Civil italiano, contendo em um só corpo legal todo odireito privado, compreendendo a matéria civil, a comercial e a do trabalho. E no Brasil,dentro do espírito da unidade, em 1941 uma comissão integrada por Orozimbo Nonato,Filadelfo Azevedo e Hahnemann Guimarães elabora um anteprojeto de Código deObrigações, reunindo toda a matéria obrigacional. Essa tendência prevalece em 1963,quando o governo brasileiro decide reformar os códigos, elaborando-se um CódigoCivil e um Código das Obrigações. Modificando-se tal orientação, em 1975 opta ogoverno pela unidade do direito privado, constituindo comissão para rever o CódigoCivil, atualizando-o e a ele incorporando a matéria comercial, com a unidade do direitodas obrigações e a teoria geral das sociedades, incluindo-se a matéria dos títulos de

crédito e a das sociedades por ações.

Page 92: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 92/359

O Código Civil de 2002 optou assim, pela unificação do direito privado, pelo menos noque respeita ao direito das obrigações, mantendo-se o Código Civil como "lei básica,embora não-global do direito privado", na lista de pensamento de notáveis juristas comoTeixeira de Freitas, Carvalho Mendonça, Lacerda de Almeida, Coelho Rodrigues,Carlos de Carvalho, Sá Viana, Alfredo Valladão, Carvalho Mourão, Inglez de Souza, J.

X. Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Otávio Mendes, Francisco Campos etc.Seus argumentos principais, como já visto, são que a dicotomia existente fere o princípio da igualdade, pois fatos da mesma natureza não devem ter disciplina diversa eque, no caso de haver duas jurisdições, uma civil e outra comercial, isso pode levar àinsegurança na administração da justiça, além da progressiva comercialização da vidacivil determinada pela evolução do capitalismo.52A unidade do direito privado ou, pelo menos, do direito das obrigações, não prejudica,

 porém, a autonomia científica e didática do direito civil e do comercial. Tira deste, porém, a natureza de matéria especial.---------------------44 Joaquim Garrigues. Curso de Derecho Mercantil, p. 26; Francesco Galgano,

Pubblico e privato nella regolazione dei rapporti economici, in Trattado di dirittocomerciale e di diritto pubblico dell'economia volume primo, p. 4.45 Na Inglaterra, o NavigationAct, em 1651; na Suécia, o Código de Comércio, cm1667; na Dinamarca, o Código de 1683; na França, a Ordonnance sur lê Commerce deTerre (Código Savary), em 1673, e a Ordonnance sur lê Commerce da Mer, em 1681.46 Galgano, op. cit., p. 67.47 Philomeno J. da Costa, Autonomia do Direito Comercial, p. 33; João EunápioBorges, Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 53.48 Cesare Vivante, apud João Eunápio Borges, op. cit., p. 59; Remo Frances-chelli.Corso di diritto commerciale 1'imprenditore, p. 19.49 Francesco Ferrara Júnior. Gli imprenditori e lê societá, pp. 18 e 19.50 Joaquim Garrigues, op. cit., p. 31.51 Teixeira de Freitas, em carta de 20 de setembro de 1867, ao Ministro da JustiçaMartim Francisco Ribeiro de Andrade, apud Silvio Meira, op. cit., p. 347 c- segs.52 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., n2 4; Manuel Broseta Pont. Manual de DerechoMercantil, p. 52; Castan Tobenas, op. cit., p. 139; Mota Pinto, op. cit., p. 20.---------------------16. Cortíeúdo do direito civil. Os institutos fundamentais.Conteúdo do direito civil é o conjunto de direitos, relações e instituições que formam oseu ordenamento jurídico, o seu sistema legal.Sob o ponto de vista subjetivo, esse conteúdo são as relações jurídicas entre os

 particulares ou entre estes e o Estado, quando situados em posição de igualdade ecoordenação.Sob o ponto de vista objetivo, o direito civil compreende as regras sobre a pessoa, afamília e o patrimônio, ou de modo analítico, os direitos da personalidade, o direito defamília, o direito das coisas, o direito das obrigações e o direito das sucessões, ou ainda,a personalidade, as relações patrimoniais, a família e a transmissão dos bens por morte.Pode-se assim dizer que o objeto do direito civil é a tutela da personalidade humana,disciplinando a personalidade jurídica, a família, o patrimônio e sua transmissão.53 Emseguida, a família, como grupo social básico e primário, fonte da primeira disciplina oucontrole social do indivíduo. Em terceiro lugar, o patrimônio, conjunto de bensnecessários à satisfação das necessidades humanas, garantindo a conservação da pessoa

e da família.

Page 93: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 93/359

Para os que defendem a unidade do direito patrimonial, todo o direito privado é hojedireito civil, o direito privado comum ou geral, enquanto que o direito comercial oumercantil seria direito especial.17. A personalidade.A personalidade é, sob o ponto de vista jurídico, o conjunto de princípios e de regras

que protegem a pessoa em todos os seus aspectos e manifestações. A partir do art. 1° daConstituição Federal, que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana,compreende as prescrições constitucionais, civis, penais e administrativas que protegemos chamados direitos da personalidade, aqueles que têm como objeto os valoresessenciais da pessoa no seu aspecto físico, moral e intelectual (Capítulo VII).O instituto da personalidade compreende, basicamente, o reconhecimento da pessoacomo centro e destinatário do direito civil, como expressão da filosofia do personalismoético.54 A personalidade é, então, o instituto básico do direito civil, e a pessoa, o seunúcleo fundamental. O direito protege-a e garante-lhe a reprodução e a conservação, por meio dos direitos da personalidade, do direito de família e do direito patrimonial. Oinstituto da personalidade compreende, assim, as normas sobre o princípio e o fim da

existência, qualificação e exercício dos direitos das pessoas físicas e jurídicas.Projeção imediata do personalismo ético é o reconhecimento da pessoa como sujeito dedireitos e deveres, da propriedade como direito de domínio limitado por uma funçãosocial e da autonomia privada como poder jurídico que os particulares têm, nos limitesestabelecidos pelo Estado, de auto-regularem, por sua própria vontade, relações

 jurídicas de que são parte, e que têm no contrato e no testamento suas principais e maisfreqüentes realizações.18. A família.A família é uma das instituições fundamentais da sociedade. Seu estudo interessa àsociologia, como realidade ética, política e social, e ao direito, como fonte de relaçõessociais de reconhecida importância, pelos interesses individuais e coletivos que encerra.Sob o ponto de vista sociológico, a família é o mais importante grupo social primário,de geração espontânea e natural. Nela o indivíduo nasce, cresce, educa-se e prepara-se

 para o ingresso na sociedade.Suas principais funções são, portanto, de natureza biológica, garantindo a descendênciae a permanência do grupo; educadora e socializadora, adequando o comportamento deseus membros aos valores dominantes no grupo familiar e na sociedade, transmitindo-lhes a linguagem, os hábitos, a cultura; econômica, proporcionando-lhes as condiçõesmateriais de subsistência e conforto, e psicológica, contribuindo para o equilíbrio, odesenvolvimento afetivo e a segurança emocional de seus membros.O conceito de família é histórico e relativo. Não existe família como termo absoluto e

 permanente, mas uma realidade social mutável, Se a família romana se caracterizava pela autoridade absoluta e pela hierarquia, na sociedade contemporânea verifica-se uma progressiva redução da família, reduzida ao par conjugai, à família nuclear, com pequena prole, onde se materializa o princípio da igualdade dos cônjuges e dos filhos. Aoriginária família patriarcal, articulada em função de uma necessidade de auto-suficiência, perde gradativamente sua função econômica, integrando-se os seusmembros nas estruturas sociais e produtivas externas.55O conceito de família também não é preciso em sua extensão. Em sentido amplo,compreende os descendentes do mesmo ancestral. Em sentido restrito, é o grupoformado pelos cônjuges, ou companheiros, e seus descendentes, ou ainda, a comunidadeformada por qualquer dos pais e seus descendentes.56

Sob o ponto de vista jurídico, a família é uma instituição, isto é, um grupo socialordenado e organizado segundo disciplina própria que é o direito de família. De modo

Page 94: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 94/359

mais analítico, é um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo do casamento ou pelarelação de parentesco.O direito de família é o conjunto de princípios e normas que disciplinam e organizam asrelações entre os membros da mesma família, isto é, entre os cônjuges e entre os

 parentes. Compreende, especificamente, as normas sobre o casamento e seus efeitos

 pessoais e patrimoniais, a dissolução da sociedade conjugai, as relações de parentesco eos institutos de proteção aos incapazes, compreendendo, a tutela, a curatela e a ausência.Sua importância é tão grande e tão manifesta a presença, na sua matéria, dos costumes edos valores morais, sendo esse ramo do direito o mais sensível às mudanças dasociedade em geral, que se torna constante a presença do Estado na disciplina de suasrelações jurídicas. Sendo prevalentes os interesses da sociedade e do Estado na proteçãoda família, e não havendo campo, na sua disciplina legal, para o exercício da autonomia

 privada, predominando as normas imperativas, discutem os juristas sobre a inclusão dodireito de família no direito civil. O predomínio do dever em face do poder e adificuldade em distinguir-se o direito da moral, fazem com que alguns autoresdefendam, se não a inclusão desse ramo no direito público, pelo menos a sua autonomia

em face do direito privado.57 "A natureza dos objetivos familiares justifica a maisfreqüente e penetrante ingerência do Estado, pois a tutela de interesses maiores não

 pode ser realizada senão por um poder superior."Os princípios de direito de família são hoje de natureza constitucional58 e institucionale pertinentes 1) aos direitos familiares pessoais, compreendendo o princípio docasamento civil (C.F. art. 226, p. l2); o princípio da admissibilidade do divórcio (C.F.art. 226, p. 6£); o princípio da igualdade dos cônjuges (C.F. art. 226, p. 52); o princípioda igualdade dos filhos (C.F. art. 227, p. 6-} e Z) aos direitos familiares sociais, como o

 princípio da proteção da família (C.F. art. 6° e art. 226, p. 8°); o princípio da proteçãoda infância e da adolescência (C.F. art. 227, e seu p. 1°).As normas jurídicas de direito de família, segundo parecer dominante, são normas dedireito privado, pois os interesses protegidos são predominantemente individuais, nãoobstante o interesse coletivo. Visam realizar valores de natureza ética, donde a grandeinfluência da moral e da religião; são cogentes, imperativas, limitando ou até anulando aautonomia privada; sua interpretação é restrita e específica, diversa da dos outros ramosdo direito, não se lhe aplicando, por exemplo, os critérios interpretativos do direito dasobrigações, sendo também excepcional o recurso à parte geral do código; estabelecem atipicidade dos atos de direito de família. A existência, validade e eficácia de tais atosexigem sejam respeitados as disposições legais de ordem material e formal que a leiestabelece, não tendo os-sujeitos autonomia para atuar de forma diversa da estabelecida

 para tais atos típicos, como o casamento, a adoção, o divórcio, o reconhecimento de

filho extramatrimonial.São fontes do direito de família a Constituição Federal (arts. 226 a 230), o Código Civil(arts. 1.511 a 1.783), e legislação especial referente ao matrimônio, à união estável e àsrelações de parentesco.59Reconhece-se, assim, a família de fato, aquela que se baseia na simples convivência

 pessoal, sem casamento.Saliente-se ainda que o progresso nas áreas da medicina e da biologia, com asdescobertas de novas técnicas de reprodução humana (inseminação artificial,fecundação in vitro, transferência de embriões) e a possibilidade de manipulaçõesgenéticas, que dão acesso ao conhecimento da estrutura e da função do materialgenético (ADN), repercute na família, nas relações da filiação e do matrimônio. Essas

técnicas revolucionaram os conceitos de paternidade e da maternidade, colocando-nosno umbral de um novo direito de família e superando a instituição tradicional, centrada

Page 95: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 95/359

no casamento e em, hoje insubsistentes, presunções legais60 do que é prova oreconhecimento da união estável e a possibilidade da prova genética no estabelecimentoda filiação.19. A propriedade.A propriedade é um dos institutos jurídicos fundamentais e o mais importante dos

direitos privados. Por sua ligação com os demais institutos civis, é elemento básico dodireito patrimonial. Protegido pela Constituição como direito fundamental (CF, art. 5°,XXII) e como princípio da Ordem Econômica e Financeira (CF, art. 170, II), é regulada,como categoria unitária, pelo Código Civil (arts. 1.228 a 1.368). Juntamente com aautonomia privada, é projeção imediata, na ordem jurídica, do individualismo quemarcou o direito civil dos séculos passados. Como reação do iluminismo aos privilégiose do sistema feudal, permitia ao indivíduo isolar-se dos demais no uso, gozo e fruiçãodos seus bens, de modo absoluto e exclusivo.O direito de propriedade consiste no poder jurídico de alguém usar, gozar e dispor deseus bens, e de reavê-los de quem injustamente os possua (CC, art. 1.228). É o direitosubjetivo por excelência, o mais complexo e absoluto, definido na lei civil e garantido

consti-tucionalmente (CF, art. 52, XXII), como suporte da vida econômica individual.A descrição contida no Código Civil é analítica e estrutural, destacando as diversasfaculdades jurídicas que compõem o direito de propriedade, o jus utendi (direito deusar), o ius fruendi (direito de fruir, gozar, de perceber seus frutos) e o ius abutendi(direito de dispor). Mas o proprietário também tem deveres, pelo que o direito de

 propriedade mais se apresenta como uma situação jurídica compreensiva de poderes edeveres, o que vem a caracterizar a sua função social.O direito romano usava inicialmente o termo dominium e depois proprietas como poder de uma pessoa sobre seus bens, móveis e imóveis e até pessoas, consideradas comoelementos do patrimônio (mulheres, filhos, servos, escravos). O direito medieval, quecom os glosadores e pós-glosadores desenvolveu elaborada teoria geral dos direitossubjetivos, considerava-a como atributo da personalidade humana, em sentidofilosófico, e passou a utilizar o termo proprietas, característica do que pertence à própria

 pessoa. Na época moderna, consagrada pelo liberalismo e definida pelo Código de Napoleão (art. 544), a propriedade consagrou-se como um direito unitário, absoluto, perpétuo, exclusivo e ilimitado. Unitário no sentido de haver um só tipo de propriedade,ou domínio, embora passível de conteúdos diversos. Absoluto, por deixar ao arbítrio doseu titular ---------------------53 "A personalidade é a idéia básica do direito civil e a pessoa humana o ponto de

 partida para a disciplina da convivência humana". Espin Canovas, Manual de Darccho

Civil Espanol, I, p. 31.54 Karl Larenz, op. cit, p. 24.55 Luigi Russo, La famiglia e il diritto, in Diritti civili e istituti privastici, p. 164. PauloLobo, op. cit., p. 53.56 C.F. art. 226, par. 42. Sobre mudanças contemporâneas no instituto da filiação, cfr.Luiz Edson Fachin, Da paternidade. Relação biológica e afetiva, l Icloisa HelenaBarbosa, A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização in vitro. MariaHelena Diniz. O estado atual do biodireito.57 Antônio Cicu, // diritto di famiglia. Teoria generale.58 Cfr. Gustavo Tepedino, A disciplina civil-constitucional das relações familiares, inA nova família: problemas e perspectivas, p. 47 a 71.

59 Decreto-Lei 3.200, de 19 de abril de 1941, dispondo sobre a organização e proteção da família, permitindo o casamento de colaterais de terceiro grau, mediante

Page 96: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 96/359

 prévio exame que demonstre a inexistência de inconvenientes sob o ponto de vista dasaúde; Lei 883, de 21 de outubro de 1949, dispondo sobre reconhecimento de filhoextramatrimonial; Lei 5.478, de 25 de julho de 1968, sobre a ação de alimentos; Lei l .110, de 23 de maio de 1950, regulando os efeitos civis do casamento religioso, revogadanos arts. \- a l- pela Lei n? 6.015, 31/12/1973 (arts. 71 a 75); Lei 4.121, de 27 de agosto

de 1962, alterando a situação jurídica da mulher casada, dando-lhe novo estatuto; Lei6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, na partereferente ao Registro Civil das Pessoas Naturais; Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977,que regula os casos de dissolução da sociedade conjugai e do casamento; Lei 8.009, de29 de março de 1990; Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto daCriança e do Adolescente, Lei 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula ainvestigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento; Lei 8.971, de 29 dedezembro de 1994, que regula o direito dos companheiros à alimentação e à sucessão;Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar previsto no par.l- do art. 226 da Constituição Federal; Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que regula o

 par. 3S do art. 226 da Constituição Federal dispondo sobre a união estável; Lei 9.975,

de 23 de junho de 2000.60 Cfr. Eduardo de Oliveira Leite, Procriações artificiais e o direito, 1995; Sawen,Regina Fiúza e Hryniewicz Severo, O direito in vitro. Da bioética ao biodireito, HeloisaHelena Barboza, A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização "in vitro",Guilherme Freire Falcão de Oliveira, Mãe só há duas. O contrato de gestação, PaulaMartinho da Silva, A procriação artificial. Aspectos jurídicos. Cfr. Simão Isaac Benjó,União Estável e seus efeitos econômicos em face da Constituição Federal, pp. 59 esegs.; Semy Glanz, União Estável, pp. 71 e segs. Zeno Veloso, União Estável.---------------------a decisão sobre a conveniência e modo de seu aproveitamento. Perpétuo, por não seextinguir pelo não uso. É a duração física da coisa que determina a permanência dodireito.61 Exclusivo, porque com eficácia erga omnes, tendo o proprietário direito deimpedir qualquer invasão na esfera do seu poder.62 Ilimitado, no sentido daindeterminação do exercício das faculdades que o compõem, e por isso mesmo elástica,

 porque suscetível de contração e distensão, conforme seja privada ou não, de qualquer das suas faculdades. Assim sendo, a propriedade era considerada projeção da

 personalidade individual e, conseqüentemente, protegida por ser um de seus atributos. Nos ordenamentos jurídicos da época moderna (séc. XVIII e XIX) propriedade eliberdade são intimamente ligadas. A propriedade configura-se, assim, como um poder 

 pleno e exclusivo do proprietário, e como um princípio de organização política eeconômica da sociedade liberal.63 À propriedade privada cabe, por isso, o papel de

 princípio organizativo das relações econômicas e sociais, que está na base da sociedademoderna gerada pela Revolução Francesa.64 Conseqüentemente, existe profundaconexão entre propriedade, empresa e mercado.65A propriedade é um dos institutos jurídicos que mais diretamente refletem as mudançasnas condições econômicas e sociais e, portanto, objeto de particular atenção doshistoriadores, filósofos e economistas. O século XX assiste a grandes transformações na

 propriedade, como instituição e como direito, por efeito do processo de mobilização ede desmaterialização da riqueza.66 Constata-se o declínio da noção unitária da

 propriedade, desenvolvendo-se a idéia de um instituto plural. Não mais a propriedademas as propriedades, dada a diversidade do objeto (propriedade mobiliária e imobiliária,

 propriedade urbana e rural ou agrária, propriedade de águas, de minas, propriedade

intelectual, industrial, patentes, marcas, propriedade literária, artística e científica, etc.).A propriedade contemporânea apresenta-se, assim, caracterizada pelo pluralismo de

Page 97: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 97/359

seus objetos, tendo mais significado a atividade do que a titularidade do sujeito proprietário, em função do interesse social. De sentido inicialmente estático, como previsto no Código Civil, é hoje um instrumento de que se utiliza a dinâmica iniciativaeconômica.Com as transformações da sociedade contemporânea, a idéia do social começa a

 prevalecer sobre a do individual, levando a uma intervenção crescente do Estado nodomínio econômico, que suscita dois novos temas, o da função social e o do abuso dodireito.67A função social da propriedade e o abuso do direito são construções teóricas,decorrentes da passagem do Estado de Direito, ou liberal, de atividade negativa nosentido de limitar-se a garantir "o livre jogo dos poderes e interesses individuais", para oEstado Social, de ação positiva no sentido de intervir na ordem econômica e social,tendo em vista os interesses coletivos.A função social liga-se ao exercício da propriedade de acordo com as exigências do bemcomum. Significa que o proprietário não tem apenas poderes, mas também deveres noexercício do seu direito. Com tal sentido, dispõe o Código Civil no par. 1° do seu artigo

1.228 que "O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suasfinalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidadecom o estabelecimento em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrioecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e daságuas." No caso da propriedade rural, ela cumpre a sua função social quando temaproveitamento adequado; quando utiliza bem os recursos naturais disponíveis e

 preserva o ambiente; quando respeita as disposições normativas do trabalho, e quando asua exploração favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (CF art.186).O abuso de direito resulta da concepção segundo a qual os direitos subjetivos não

 podem ser exercidos de modo a prejudicar terceiros. Nascida e diretamente ligada aodireito de propriedade, essa teoria aplica-se tanto aos direitos patrimoniais quanto aosex-trapatrimoniais, como, por exemplo, o exercício abusivo do pátrio poder, no caso de

 proibição de visita dos netos aos avós.68 Seu problema consiste, no final de contas, noestabelecimento de limites ao exercício dos direitos subjetivos, que não podem exceder os impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou econômico dessedireito.69 O abuso de direito é hoje considerado um ato ilícito (CC. art. 187). No casoespecífico da propriedade, proibem-se os "atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem". (CC.art. 1.228, par. 2°).O sistema jurídico da propriedade compõe-se hoje, no direito brasileiro, de a) normas

constitucionais, que a reconhecem como direito fundamental (C.F. art. 5-, caput),estabelecem a sua garantia (C.F. art. 5-, XXII), e a condicionam à sua função social e permitem a desapropriação (C.F. art. 5-, XXIV); b) normas ordinárias, do Código Civil(arts. 1.228 a 1.368) e leis especiais.20. O contrato.Se a propriedade é um dos institutos fundamentais da ordem jurídica privada,constituindo-se na base da vida econômica dos indivíduos, e no instituto básico dodireito civil no campo da estática patrimonial, o contrato e as relações jurídicas deledecorrentes, as obrigações, são o elemento dinâmico do direito patrimonial, tendo por objetivo a cooperação das pessoas por meio da prestação de serviços, e a circulação dos

 bens econômicos.

Propriedade e contrato são assim os institutos representativas do individualismo jurídicoe da liberdade no direito civil, de modo a poder afirmar-se ser o direito civil o

Page 98: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 98/359

ordenamento jurídico dos particulares, fundado no princípio da igualdade de poder  perante a lei e construído com base no reconhecimento de uma esfera de soberaniaindividual, cujas mais evidentes manifestações são o princípio da liberdade, comreferência à pessoa, a propriedade, com referência à relação pessoa e bens da vida, e ocontrato, com referência à atividade livre e discricionária dos indivíduos. Tais aspectos

 permitem caracterizar o objeto ou a matéria do direito civil, como aquele conjunto derelações ou setor de experiência jurídica em que desempenha papel proeminente aautonomia reconhecida aos indivíduos e que se traduz na liberdade, como valor individual, na propriedade, como senhoria dos bens, e na autonomia privada, como

 poder de auto-regulamentação jurídica dos próprios interesses por meio do negócio jurídico, de que são mais importantes espécies o contrato e o testamento. Tais institutosseriam a expressão das três liberdades fundamentais do direito civil, a liberdade decontratar, a liberdade de ser proprietário e a liberdade de testar, liberdades essas àsvezes limitadas pela intervenção do Estado no âmbito da autonomia individual, por meio das regras de ordem pública e dos bons costumes.70O contrato é o acordo de vontades contrapostas para o fim de criar, modificar ou

extinguir relações jurídicas, em que uma das partes pode exigir da outra uma prestaçãoespecífica. E a figura-símbolo da igualdade formal dos sujeitos jurídicos,71 e constitui-se na fonte principal das obrigações.21. A responsabilidade civil.Além da personalidade, da família, da propriedade e do contrato, a responsabilidadecivil é também instituto fundamental do direito privado.A expressão responsabilidade civil significa, em senso estrito, a obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito.Seu fundamento é, na doutrina clássica e tradicional, a culpa. Modernamente, com asmudanças nas condições de vida, o princípio da culpa tem-se mostrado insuficiente,desenvolvendo-se a tese de que o dano deve ser indenizado independentemente da culpado agente, bastando o risco decorrente de uma atividade econômica lucrativa. Temos,assim, duas espécies de responsabilidade, a subjetiva, baseada na culpa do agente,consubstanciada na prática de ato ilícito (CC, art. 186), e a objetiva, especificamentedeterminada em lei72 (CC. art. 931).Outra classificação, aliás, consagrada nos códigos em geral, é a que distingue aresponsabilidade contratual da extracontratual, con-------------------61 Vicent L. Montes, La propriedade privada en ei sistema dei derecho civilcontemporâneo, Madrid, p. 70.62 Montes, op. cit., p. 75.

63 Vicenzo Roppo, Istituzioni di diritto privato, p. 234.64 Barcellona, op. cit., p. 252.65 Idem, p. 275.66 Roppo, op. cit., p. 235.67 Francesco Lucarelli, Diritti civili e istituti privatistici, pp. 208 e 210.68 Orlando Gomes, op. cit, p. 116.69 Código Civil português, art. 344.70 Franz Wieacker. Dirítto privato e società industriale, p. 13.71 Pietro Barcellona. Diritto privato e processo econômico, p. 53.72 V. adiante, cap. XVII.------------------

formo a natureza do direito lesado. Quando o comportamento lesivo do agente ofendedireito subjetivo relativo, inserido em uma relação jurídica obrigacional, geralmente

Page 99: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 99/359

nascida de contrato, a responsabilidade é contratual. Se o direito subjetivo lesado éabsoluto, independente de relação jurídica preexistente, a responsabilidade é ex-tracontratual, e tem sua origem no ato ilícito (CC, art. 186). A responsabilidade civil éhoje um dos mais criativos setores da ciência jurídica. Novos desafios sociais, causados

  pelo enorme progresso industrial e tecnológico, pelas novas formas de energia e

também de exercício profissional, exigem novas respostas jurídicas. Desenvolve-se umateoria geral da responsabilidade e inúmeras responsabilidades especiais, como aresponsabilidade profissional (advogados, médicos, fabricantes, transportadores,construtores, banqueiros, administradores de empresas etc), a responsabilidadeambiental, a responsabilidade do Estado etc.22. A sucessão hereditária.Como último instituto, temos a sucessão hereditária, com a qual se conservam os bensdentro da mesma família por gerações sucessivas. O fenômeno sucessório, disciplinadono direito das sucessões, consiste na substituição da pessoa, por sua morte, natitularidade de seu patrimônio, que é a herança, pelas pessoas que o falecido indicar noato de última vontade, chamado testamento (sucessão testamentária), ou, na ausência

dessa disposição, na forma disposta em lei (sucessão legítima). No fenômeno sucessório manifestam-se três ordens de interesse: o individual, dofalecido, que atribuiu seus bens por meio de testamento; o familiar, garantido pelalegítima reserva, isto é, a parte da herança que a lei estabelece em favor dos herdeirosnecessários (CC, arts. 1.845 e 1.850), e pelas disposições legais que se aplicam no casode não haver testamento; e o social, representado pelos impostos e taxas devidos pelatransmissão dos bens e pelos processos judiciais e administrativos a ela pertinentes, e

 pela hipótese de herança vacante quando, não comparecendo herdeiros do falecido, aherança vai para o Estado. A sucessão pode ser legítima ou testamentária, conforme aela se apliquem as normas legais ou as que o falecido estatui no ato, de última vontade,que é o seu testamento.O Direito Civil. Gênese e Evolução. Í5f 23. O direito civil contemporâneo. Tendências e características.O direito civil contemporâneo atravessa uma fase de transformações nos seus valores enos seus aspectos formais e materiais, perdendo a nitidez e a clareza da sua construçãoinicial e gerando as incertezas que marcam a chamada crise do direito. Esta é uma crisede paradigmas, que se revela na inadequação dos institutos jurídicos herdados do direitomoderno (séc. XIX) para a solução dos problemas da sociedade contemporânea.À semelhança do direito em geral, o direito civil tem como valores fundamentais asegurança e a justiça, e como valores específicos a liberdade e a igualdade. No seuaspecto formal é o Código Civil a sua maior expressão, constituindo, com leis especiais

e com dispositivos da própria Constituição, o vasto sistema jurídico de direito privado.Que alterações se vislumbram em tal conjunto?Em primeiro lugar a segurança, valor fundamental dos códigos civis do século passado,que, consagrando a separação entre a sociedade civil e o Estado, visavam proteger aliberdade do indivíduo na sua vida particular contra a ingerência do poder político.Desse valor nasceu a pretensão de estabilidade dos códigos, considerados como capazesde abarcar em todo o seu sistema a multiplicidade das relações jurídicas privadas.Constatando-se, porém, a incapacidade do sistema econômico de resolver, por si só, os

 problemas inerentes ao seu funcionamento, tornou-se inevitável a intervenção do Estadono campo da economia, levando a segurança individual a ocupar lugar secundário nahierarquia axiológica que fundamentava as instituições civis do século passado, em

favor da segurança coletiva e do bem comum.

Page 100: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 100/359

Em segundo lugar, a justiça, como valor em si, dá lugar à justiça social, noção decontornos imprecisos que significa a justiça que exige de todos e de cada um onecessário para o bem comum. Seu objetivo é a distribuição mais eqüitativa dasriquezas entre os homens e, nesse particular, constitui-se em um dos pontosfundamentais da doutrina social da igreja, sendo consagrado na Constituição brasileira,

no seu capítulo da ordem econômica e financeira (CF, art. 170).Mas é na liberdade, em suas vertentes da autonomia privada e no direito de propriedade, pleno e absoluto, que se manifestam as mais profundas modificações.Desde o início do século, com as exigências de mudança impostas pela revoluçãoindustrial, que mostrava a diferença cada vez maior entre a igualdade jormal, de todos

 perante a lei, e a desigualdade material, que afastava as classes menos favorecidas, vemo Estado servindo-se do direito não mais para garantir a ordem e a segurança, mas,

 principalmente, para promover reformas sociais.O Estado liberal, Estado burguês ou Estado de Direito, assim conhecido porquesubmetido ao ordenamento jurídico por ele próprio elaborado, caracterizava-se pelaseparação dos poderes, pela limitação do poder político, pela garantia dos direitos

individuais, pela distinção direito público/direito privado e pela abstração egeneralidade das normas respectivas. Sua função básica era garantir os direitos,

  principalmente a liberdade e a propriedade. Com a intervenção crescente do poder   público na economia e no trabalho, reconhecendo o direito dos trabalhadores, protegendo a família, instituindo a previdência social, criando mecanismos de controlede preços, intervindo, enfim, na matéria até então reservada à iniciativa individual, oEstado de Direito transforma-se em Estado social,73 tão bem estruturado naConstituição de Weimar,74 caracterizando-se pela prioridade concedida à justiça social,

 pela supremacia da segurança coletiva sobre a individual e pela importância dos direitoseconômicos, sociais e culturais dos cidadãos.75Com o advento do Estado social ou intervencionista, o individualismo típico efundamental do direito privado, expresso nos códigos civis francês e alemão, entra emcrise, como resultado da contradição entre os ideais jurídicos da burguesia e o anseio da

 justiça das classes menos favorecidas. O valor da liberdade supera-se com o ideal dasocialização e da presença do Estado na economia.A autonomia privada vem a ser gradativamente limitada por princípios e normas que,regulando os interesses fundamentais do Estado ou estabelecendo, no direito privado, as

  bases jurídicas da ordem econômica e moral da sociedade, passam a constituir achamada ordem pública. Divide-se esta, quanto às suas finalidades, em ordem pública

 política e moral, pertinente à organização do Estado e dos poderes públicos, da família edos bons costumes, e ordem pública econômica e social, que compreende a ordem

 pública de direção (intervencionismo e dirigismo estatal) e de proteção (disciplina doscontratos, proteção ao consumidor, contratos de adesão, contratos regulamentados etc.).Mesmo assim permanece a autonomia privada como princípio fundamental, emboralimitada, no seu campo de atuação, pela ordem pública e pelos princípios da justiçacontratual e da boa-fé.76Justiça contratual é a justiça comutativa, segundo a qual, nos contratos, cada parte devereceber o equivalente ao que dá. A boa-fé, complemento da justiça contratual, é alealdade das partes no cumprimento de suas prestações.A propriedade é outro instituto que sofre substanciais mudanças, deixando de ser umdireito absoluto e passando a ter função social, como disposto na Constituição Federal,art. 170, III.

A propriedade é um direito subjetivo que consiste no poder da pessoa usar, gozar,dispor e reivindicar seus bens (CC, art. 1.228). Por sua importância no sistema jurídico,

Page 101: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 101/359

considera-se também uma situação jurídica ou até um instituto jurídico. O termo funçãocontrapõe-se a esse direito, pois traduz um poder que deve ser exercido no interesse deoutrem. Pode a propriedade ser, ao mesmo tempo, direito e função, no sentido de o

 proprietário utilizar o bem no seu interesse, e, simultaneamente, no interesse de outrem?Essa contradição dialética supera-se com o entendimento de que a função social diz

respeito não ao direito em si mas às coisas que formam o seu objeto.77 O que a normaconstitucional pretende é estabelecer uma exigência de destinação social, ou seja, umaproveitamento comum dos recursos e das riquezas, mobiliárias e imobiliárias, aindaque sejam de propriedade particular. O proprietário tem, além de poderes, deveres. A

 propriedade deixa de ocupar, assim, a posição central que lhe reconheciam os códigoscivis do século passado, de modo coerente com a evolução econômico-social, pois não éidêntico o papel da propriedade em uma economia agrária e em uma de capitalismoavançado, como é a dos nossos dias.78 O interesse social supera o interesse individual.Outra particular mudança que se verifica é a fragmentação do tradicional conceitounitário de propriedade. Não mais só uma disciplina da propriedade, mas diversas,correspondentes aos vários processos de utilização dos bens. Não mais uma

  propriedade, mas várias propriedades. Não mais a unidade conceituai do direitosubjetivo, mas o pluralismo dos estatutos da propriedade. A nova propriedadecaracteriza-se, desse modo, pela relatividade do direito e pela variabilidade do seuconteúdo,79 de acordo com o tipo de destinação e de organização. Várias propriedadessão diferenciadas no seu conteúdo, como a propriedade imobiliária urbana e a

 propriedade rural, a propriedade industrial, a propriedade dos bens de produção e de bens de consumo, a propriedade pública e a particular, a propriedade individual e acoletiva.80O direito de família também sofre profundas alterações. Aumenta o número de uniõeslivres e o Estado reconhece-as, dando assim eficácia jurídica a situações de fato.Disciplina-se o divórcio, desenvolvem-se os métodos de prova no reconhecimento dafiliação, regulamenta-se a inseminação artificial. Socializam-se os deveres familiares e oEstado intervém na disciplina desses deveres. Desaparece o poder marital, os cônjugesequiparam-se na titularidade de direitos e deveres, assim como os filhos. O pátrio poder transforma-se em pátrio dever. Enfim, os princípios da liberdade e da igualdadecompatibilizam-se com os interesses superiores da família, como realidade subjacente,fixando-se, como regras jurídicas, no texto constitucional.Essas transformações acentuam-se com as mudanças sociais do pós-guerra e,

 principalmente, nas últimas décadas, com a revolução tecnológica, a mundialização daeconomia, o progresso da medicina e da biologia, que permitem o controle dareprodução e da genética, a massificação nas relações de consumo e nos meios de

comunicação, configurando as seguintes tendências e características do direito civilcontemporâneo:I) Interpenetração do direito civil com o constitucional, o que representa, para alguns, aconstitucionalização do direito civils} no sentido de que "matérias tratadas peloscivilistas entraram na Constituição", e para outros, a civilização do direitoconstitucional, representando a substituição dos fundamentos constitucionais do direitocivil pelos fundamentos civis do direito constitucional,82 tudo isso traduzindo, deimediato, a superação da clássica dicotomia direito público/direito privado. Na verdade,o direito civil constitucional é materialmente direito civil contido na Constituição e sóformalmente direito constitucional. E a Constituição Federal preside, por sua próprianatureza, a ordem jurídica brasileira.

II) Personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e dadignidade da pessoa humana, elevadas à categoria de direitos e de princípio

Page 102: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 102/359

fundamental da Constituição. O princípio da subjetividade jurídica do direito moderno,expresso na figura do sujeito de direito como centro de atribuição de direitos e deveres,evolui para o princípio do personalismo ético, da época contemporânea, segundo o qualtodo ser humano é pessoa, individual e concreta. O homem, porque é pessoa em sentidoético, é um valor em si mesmo, o que legitima o surgimento de uma nova categoria

 jurídica, a dos Direitos da Personalidade.A personalização do direito não leva, porém, à diminuição de importância da esfera patrimonial individual. O homo privatus é ainda e sempre, um homo oeconomicus,"portador de exigências econômicas juridicamente relevantes", como atesta a introduçãorecente de novas figuras contratuais, próprias da sociedade pós-in-dustrial (leasing,merchandising, franchising, know how, engineering, factoring, contratos na informática,alienação fiduciária em garantia). A existência de um novo ramo, o direito econômico,conjunto de normas e princípios relativos às relações de produção, demonstra, também,a vitalidade das relações econômicas.83A crescente integração dos sistemas econômico e jurídico é típica da sociedadeindustrial contemporânea, de que é testemunho o planejamento econômico. O Estado é

chamado a intervir para organizar as relações econômicas entre os particulares, ou entreestes e o próprio Estado, aplicando normas de direito administrativo, que, visandoregular a economia, orientando a produção e disciplinando o consumo, toma o nome dedireito econômico.III) Desagregação do direito civil. Fenômeno típico das épocas de mudança, o direitocivil, neste século, vem-se marcando por uma crescente separação em ramos jurídicosautônomos, alguns com princípios próprios, outros vinculados ainda aos princípiosfundamentais do direito civil. Surgem o direito do trabalho, o direito agrário, o direito

  previdenciário, o direito imobiliário, o direito aeronáutico, o direito bancário, odireito industrial, o direito notarial, etc., inexistentes no século passado, que se formamdevido à crescente complexidade das relações jurídicas, a exigirem do legislador disciplina específica e autônoma.IV) Surgimento dos micros sistemas jurídicos. Como conseqüência direta dessatendência, e também do grande número de leis especiais em relação ao Código Civil,disciplinando, com princípios próprios, matéria até então integrada nesse diploma,surgem sistemas específicos, menores, verdadeiros microssistemas legais, como o dassociedades por ações, o estatuto da terra, o do mercado de capitais, o da legislação

 bancária, o do inquilinato, o da responsabilidade civil, o dos direitos autorais, o dosseguros, o da propriedade industrial, o da proteção ao consumidor etc., a provocar significativa alteração na teoria das fontes e na interpretação do direito.O direito civil acompanha, assim, as transformações da sociedade contemporânea,

superando o modelo do liberalismo clássico, mas conservando, como objetivo básico, atutela de uma esfera de autonomia reconhecida ao particular, como expressão de seuvalor como pessoa.V) Reservas à codificação. Os códigos civis que serviram de modelo foram o CódigoCivil francês, de 1804, e o Código Civil alemão, de 1896. O primeiro representava otriunfo do individualismo liberal. Consagrava o direito da propriedade como absoluto, o

 princípio da autonomia da vontade (arts. 544 e 1.334) e a igualdade de direitos, dandosubstrato jurídico às conquistas da Revolução Francesa. O Código Civil alemão foi omais perfeito resultado daO Direito Civil. Gênese e Evolução.A ideologia de ambos era a do "liberalismo em política, a do capitalismo na economia e

a do individualismo no direito". A tendência atual não é uniforme em favor dos códigos.Várias razões justificam-na. A passagem para o direito constitucional dos princípios

Page 103: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 103/359

fundamentais do direito privado transformaria o Código Civil em um ordenamento jurídico residual. O Código Civil deixaria, assim, de ser o "estatuto orgânico da vida privada", perdendo as pretensões tradicionais de totalidade e generalidade com queabarcava todas as espécies de relações jurídicas privadas. Surgem os defensores da tesedo esgotamento do processo histórico-cultural da codificação, advogando-se a

regulamentação da matéria privada não mais por um código civil mas por códigossetoriais, temáticos, aptos a disciplinarem uma parte especial da matéria jurídica85. Issonão tem impedido, porém, a revisão e o surgimento de novos códigos, por exemplo, ode Cuba (1987), o dos Países Baixos (1970), o de Quebec (1994), o da Rússia (1994), ode Macau (1999).--------------------73 Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 208.74 É a Constituição do Reich alemão, aprovada em 11 de agosto de 1919 na cidadede Weimar. "É a primeira das grandes Constituições européias a interessar-se

  profundamente pela questão social, em contraste com a aparente neutralidade dasconstituições liberais do século passado". Jorge Miranda. Manual de Direito

Constitucional, I, p. 193.75 Marcelo Rebelo de Souza, Estado social, in Polis — Enciclopédia Verbo daSociedade e do Estado, II, p. 1.190.76 Jacques Ghestin. Traitê de droit civil. La formation du contraí, ps. 228 a 239. Sobrea boa-fé como limite ao exercício dos direitos subjetivos, cfr. Judith Martins Costa, A

 boa-fé no direito privado, p. 455 e segs., e Mário Júlio Almeida Costa, Direito daObrigações, p. 95 e segs.77 Francesco Galgano, Diritto privato, p. 115.78 Stefano Rodotà, La proprietá e Vimpresa, in II diritto privato nella societàmoderna, p. 313.79 Francesco Lucarelli. Diritti civili e istitutiprivatistici, op. cit., pp. 218 e 219.80 Pietro Perlingieri. // diritto civile nella legalità costituzionale, p. 467.81 Perlingieri, op. cit., p. 200; Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de umdireito civil constitucional, in Direito, Estado e Sociedade, ns l, p. 59 e segs. JoaquimArce y Flóres-Valdés, El derecho civil constitucional, p. 27 e segs. Carlos Martínez deAguirre y Aldaz, El derecho civil a finales dei siglo XX, p. 75 e segs.82 Christian Atias, La civilisation du droit constitutionnel, p. 435.83 Luiz Diez-Picazo, Fundamentos dei Derecho Civil Patrimonial, I, p. 41. Cf.Orlando Gomes e Antunes Varela, Direito Econômico, p. 17 e segs.84 Wieacker, apud Molitor-Schlosser, op. cit, p. 115. Pandectística, ou ciência dasPandectas, é uma construção abstrata, conceituai e sistemática do direito privado

alemão, tendo por base o direito romano justiniâneo, feita pelos juristas alemães do séc.XIX, que possibilitaram, assim, o chamado usus modernum pandectarum por meio de  perfeita e completa realização do método sistemático. Cfr. Giovanni Orrú,Pandeclistica, Digesto, XIII, p. 251.85 Natalino Irti, L'ela delia decodificazione, p. 123.--------------------

CAPÍTULO IV

A Relação Jurídica de Direito Privado

Sumário: l. Relação jurídica. Conceito e aspectos gerais. 2. Notícia histórico-doutrinária. 3. Fundamento ideológico. 4. Natureza. 5. Importância da relação jurídica.

Page 104: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 104/359

6. Estrutura e origem. 7. Conteúdo. 8. Espécies de relação jurídica. 9. Efeitos da relação  jurídica. 10. A dinâmica da relação jurídica. Aquisição, modificação e. extinção dedireitos. Os fatos jurídicos. 11. Aquisição de direitos. 12. Aquisição originária eaquisição derivada. 13. Direitos atuais e direitos futuros. Sua proteção. 14. Modificaçãode direitos. 15. Extinção dos direitos. 16. Relações de fato: a) a união estável; b] a

sociedade de fato; c) a separação de fato; d] a filiação de fato; e e) as relaçõescontratuais de fato.

1. Relação jurídica. Conceito e aspectos gerais.Relação jurídica é o vínculo que o direito estabelece entre pessoas ou grupos,atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais

 pessoas se encontram, a respeito de bens^ ou interesses jurídicos.É conceito básico do direito privado, representando a situação jurídica de bilateralidadeque se estabelece entre sujeitos, em posição de poder, e outros em correspondente

 posição de dever. Poderes e deveres estabelecidos pelo ordenamento jurídico para atutela de um interesse1, entendendo-se como interesse a necessidade de bens materiais

ou imateriais que se constituem em razão para agir.Como exemplos de relação jurídica podemos citar a relação de consumo, entreconsumidor e fornecedor, a relação matrimonial entre cônjuges, a relação de parentescoentre descendentes do mesmo ancestral, a relação locatícia entre locador e locatário, arelação de condomínio entre os co-proprietários de uma coisa, a relação deresponsabilidade civil solidária entre os que praticam um ato ilícito, a relação que existeentre os herdeiros do mesmo falecido etc.A relação jurídica é um dos critérios ou ângulos de apreciação do fenômeno jurídico.Sua principal fonte de referência é a experiência jurídica privada, conjunto de relaçõescujo conteúdo, isto é, os poderes e os deveres, é determinado pela autonomia dos

  particulares. Essa experiência particular consiste nas relações sociais de que osindivíduos participam e que, pela possibilidade potencial de gerarem conflitos deinteresses, são disciplinadas pelo direito. A relação social assim regulada passa adenominar-se relação jurídica que apresenta, portanto, dois requisitos: um, de ordemmaterial, que é a relação social, o comportamento dos indivíduos; outro, de ordemformal, que é a norma de direito incidente, que confere à relação social o caráter de

 jurídica2. A incidência da norma transforma a relação em um vínculo jurídico que setraduz em uma situação de poder e outra de dever ou de sujeição. Pode-se, portanto,dizer que, de modo abstrato, a relação jurídica é a relação social disciplinada pelodireito, e concretamente, é uma relação entre sujeitos, um titular de um poder, outro, deum dever.

A relação social nasce de variadas causas, como, por exemplo, valores éticos,econômicos, políticos. A norma jurídica incidente é manifestação de poder do Estado oude particulares no exercício da autonomia que lhe confere o sistema legal.A relação jurídica aprecia-se ainda sob o ponto de vista estrutural ou estático e funcionalou dinâmico. No primeiro caso, ela surge como um conjunto de elementos de ordem

 pessoal, os sujeitos da relação, entre os quais se configuram poderes e deveres quecaracterizam o vínculo ou nexo jurídico, tendo por objeto os bens da vida. Sob o aspectofuncional, configura-se como o regulamento do caso concreto, a disciplina de situaçõesou de centros de interesses opostos. A relação jurídica representa, assim, o ordenamentodos casos da vida real, pelo que se justifica a visão doutrinária do sistema jurídico como

um sistema de relações.

Page 105: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 105/359

Pode-se também dizer que o aspecto estático corresponde à estrutura da relação em si,enquanto o aspecto dinâmico se manifesta nos eventos que marcam a existência darelação, vale dizer, o seu nascimento, as suas modificações subjetivas ou objetivas, e asua extinção, tudo isso por efeito dos fatos jurídicos. A relação é, assim, no seu aspectodinâmico, um verdadeiro processo.

Quando se configuram relações decorrentes de fatos jurídicos não típicos, isto é, não previstos no ordenamento jurídico, fala-se em relações de fato para significar aquelassituações desprovidas de uma estrutura jurídica definida, como é a da relação jurídicanascida de fatos típicos, mas que têm importância e significado para o direito. Sãoexemplos comuns a sociedade de fato, a separação de fato, a filiação de fato e asrelações contratuais de fato.32. Notícia histórico-doutrinária.O conceito de relação jurídica é produto da pandectística alemã. Introduzido por Savigny, consiste, ainda hoje, em uma das mais importantes categorias da técnica

 jurídica do direito privado e um dos mais importantes critérios de orientação da teoriageral do direito.

Embora noção antiga, com antecedentes no direito romano (iuris vinculum, nexum,coniunctio), e no direito canônico medieval em matéria de casamento (relatio), foi coma pandectística alemã que se alçou à condição de conceito básico do sistema jurídico,considerada como "relação de pessoa a pessoa, determinada por uma regra jurídica".Era, assim, uma relação de vida reconhecida pelo direito. Com o evolver do direitocivil, a relação jurídica passa a considerar-se como um nexo jurídico entre pessoas,significando a palavra nexo um vínculo, uma relação poder-dever entre duas pessoas.Com os juristas alemães do séc. XIX, que viam o direito como expressão da vida sociale das relações que a constituem, a relação jurídica sofre uma dupla e complexaevolução. Por um lado, talvez pela circunstância de o direito civil ser, na época, o maisimportante ramo do direito, tentou-se aplicar esse conceito aos demais ramos jurídicos.Foi um processo de extensão. De outra parte, a contribuição de outros juristas serviu

 para aperfeiçoar o conceito. Foi um processo de precisão.4 Savigny escreveu: "Todarelação jurídica aparece-nos como relação de pessoa a pessoa, determinada por um regrade direito que confere a cada sujeito um domínio onde sua vontade reina independentede qualquer vontade estranha. Em conseqüência, toda relação de direito compõe-se dedois elementos: primeiro, uma determinada matéria, a relação mesmo; segundo, a idéiade direito que regula essa relação. O primeiro pode ser considerado como elementomaterial da relação de direito, como um simples fato; o segundo, como o elemento

 plástico que enobrece o fato e lhe impõe a forma jurídica. Todavia, nem todas asrelações de homem a homem entram no domínio do direito, nem todas têm necessidade,

nem todas são suscetíveis de serem determinadas por uma regra de tal gênero. Cabe, pois, distinguir três casos: ora a relação está inteiramente dominada por regras jurídicas,ora está somente em parte, ora escapa a elas por completo. A propriedade, o matrimônioe a amizade podem servir como exemplo dos três diferentes casos."5Idêntica à teoria de Savigny é a de Puchta,6 para quem as relações jurídicas são relaçõesentre seres humanos, consideradas como manifestação da liberdade jurídica, vale dizer,da autonomia da vontade. Já Neuner considera a relação jurídica como relação entreuma pessoa e um bem da vida, reconhecido pelo ordenamento jurídico e garantidocontra terceiros.7 Distinguindo a relação do direito subjetivo que encerra, esse autor contribui de modo relevante para a precisão do conceito. Ihering identifica a relação

 jurídica com o direito subjetivo dizendo que todos os direitos privados, exceto os de

 personalidade, dariam fundamento a uma relação jurídica entre o titular e o mundoexterior, pessoas e coisas. Todo o direito seria, portanto, ao mesmo tempo, uma relação

Page 106: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 106/359

 jurídica, em que se distinguiria um lado ativo e um lado passivo,8 sendo que grande  parte da doutrina posterior a Ihering tende a identificar a relação jurídica com oconteúdo dos direitos subjetivos, como ocorre com Gierke, Max Weber, FrancescoFerrara.9 Com perspectiva mais ampla, Dernburg definia a relação jurídica como umarelação juridicamente eficaz de uma pessoa para outras, ou para bens reais.10 Kholer e

Chiovenda estendiam o conceito ao direito processual civil, denominando relação jurídica processual o conjunto de atos que integram o processo, sob a crítica de Car-nelutti.11 Contribuindo para a precisão do conceito, Hohfeld12 afirma que a relação

 jurídica, fora do âmbito da pandectística, é mais do que a ligação entre pessoas ou entreestas e os bens da realidade externa. A relação jurídica seria o vínculo entre situaçõessubjetivas, opinião que se consagra em obra recente, a de Perlingieri, para quem arelação deve ser vista, funcionalmente, como regulamento de interesses.13 No direitoitaliano, um dos mais fervorosos adeptos da relação jurídica, como expressão do direito,foi Levi,14 para quem c\sse conceito é a base sobre a qual se funda a construçãosistemática ou científica de qualquer ordenamento jurídico. Esse autor eleva o conceitoa um nível filosófico, como categoria fundamental e originária para a compreensão do

direito.Para uma concepção diversa, a relação jurídica deve ser vista não como vínculo entre

 pessoas, mas como vínculo entre pessoas e ordenamento jurídico. É a tese de Kelsen,Cicala, Barbero.15 Para outros ainda, a relação jurídica pode estabelecer-se entre

 pessoas e coisas e entre pessoas e lugares.16Qualquer que seja o entendimento seguido, o conceito de relação jurídica ocupa umlugar de relevo na teoria geral do direito, no direito civil e até na filosofia do direito. Se

  já a filosofia grega considerava o direito e a justiça como relação,17 é a filosofiamedieval escolástica que destaca em todo o seu valor o aspecto relacionai da virtude, da

 justiça e de seu objeto, o "ius sive justum", com São Tomás de Aquino criando as basesdefinitivas para a elaboração de uma filosofia da relação de direito.18 A escolásticainfluencia os juristas glosadores e os decretalistas, que concebem a justiça e o direito emtermos de relação.19 É, todavia, Savigny, e com ele a escola histórica, quem eleva esseconceito à categoria básica de ciência do direito, assim com faz Emmanuel Kant nocampo da filosofia do direito. Para Kant, o direito era uma "relação de equilíbrio entrearbítrios externos conseguido por uma coação, a mínima indispensável". É a relaçãoentre pessoas, como direitos e deveres, "o momento central da experiência jurídica".20O conceito de relação jurídica é, desse modo, um conceito moderno na ciência dodireito. Pertence ao direito privado, embora, por sua importância, seja também objeto dateoria geral do direito, e utilizado nos demais campos da ciência jurídica.

 Não obstante a sua utilidade, e também sua simplicidade, a relação jurídica, "como

técnica de representação conceituai da realidade"21 tem recebido algumas críticas e atémesmo rejeição22, sob o argumento de que essa técnica, sobre ser produto da exageradaabstração pandectísta, conduz à subalternização da pessoa humana. Essas críticas,

 porém, se por um lado chamam a atenção para as limitações do instituto23, por outronão têm conseguido reduzir a sua importância e aceitação como conceito fundamentalda ciência do direito.24 Cabe também destacar que essas críticas partem de uma visãoformalista da relação jurídica, desconsiderando que, nela, o mais importante é o aspectomaterial, a relação social, cuja existência precede, muitas vezes, à formalização jurídica.3. Fundamento ideológico.Se o Código Civil francês foi produto de uma concepção antro-pocêntrica, colocando ohomem no centro do universo jurídico, a pandectística alemã tinha a pretensão de ser 

estritamente científica, neutra, rejeitando todo e qualquer sistema de idéias que servissede fundamento ao direito. Este seria apenas um conjunto ordenado e unitário de

Page 107: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 107/359

elementos entre os quais alguns conceitos dedutíveis uns dos outros, conceitos fluidoscomo o da relação jurídica.Ocorre que o direito, tanto no seu sistema quanto nos seus conceitos e categorias, não éneutro. Suas normas representam os valores que se defendem e realizam, de modo quenão se podem separar os preceitos jurídicos desses princípios que os fundamentam e

legitimam. Conseqüentemente, sendo o Código Civil francês e a ciência das pandectas produto cultural do mesmo século e do mesmo-------------------1 Santoro Passarelli. Dottrine generali dei diritto civile, p. 69, Pontes de Miranda.Tratado de Direito Privado, vol. l, p. 177 e segs.; Francisco Amaral, Relação jurídica, inEnciclopédia Saraiva do Direito, vol. 64, p. 407; Orlando de Carvalho. A Teoria Geralda Relação Jurídica, seu Sentido e Limites; Manuel Domingues Andrade., Teoria Geralda Relação Jurídica; Giorgio Lazzaro, Rapporto giuridico, in Novíssimo digestoitaliano, vol. XIV, p. 787; Karl Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts(Teoria geral do direito civil), 8. Auflage, p. 161; Orlando Gomes. Introdução ao DireitoCivil, p. 81 e segs.; Manuel Garcia Amigo. Insti-tuciones de Derecho Civil, l, Parte

General, p. 219 e segs.; Pietro Perlingieri. // diritto civile nella legalitá costituzionale, p.518 e segs.; Pietro Rescigno, Manuale dei diritto privato italiano, p. 241 e segs.;Joaquim Ferrer Arellano. Filosofia de Ias Relaciones Jurídicas, p. 183 e segs.; BernardoWindscheid, Diritto delle Pan-dette, p. 172; Francisco Bernardino Cicala. // rapportogiuridico, p. 22; Friedrich Karl von Savigny. Sistema dei Derecho Romano Atual, \ p.52; Werner Flume. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts (Teoria geral do direitocivil), p. 161; Salvatore Palazzolo, Rapporto giuridico, in Enciclopédia dei Diritto,XXXVIII, p. 289 e segs.2 "Toda relação jurídica apresenta dois elementos, um material, que é o vínculointersubjetivo, e um formal, que é a incidência da regra jurídica sobre ele. Por isso adefinição relações sociais reguladas pelo sistema jurídico", Luis Diez-Picazo Y AntônioGullon. Sistema dei Derecho Civil, I, p. 400.3 V. adiante, n2 16.4 Lazzaro, op. cit, p. 787.5 Savigny. op. cit., I, p. 258.6 Georg Friedrich Puchta. Pandekten, § 29, apud Cicala, op. cit. p. 5.7 Neuner. Wesen undArten derPrivatrechtsverhãltnisse, Kiel, 1866, p. 4. apudCicala, p. 5.8 Ihering. Passive Wirkungen der Rechte, in Gesammelt Aufsãtze, II, 1882, p. 4,apud Cicala, op. cit. p. 10.9 Joaquim Ferrer Arellano. Filosofia de Ias Relaciones Jurídicas, p. 167.

10 Dernburg. Pandekten, I, apud, Cicala, op. cit. p. 11.11 Lazzaro, op. cit. p. 788. Carnelutti critica essa concepção alegando não poder o processo considerar-se uma relação, mas um grupo de relações, visto que estas sãovínculos entre poderes e deveres.12 Lazzaro, op. cit. p. 788.13 Perlingieri, Manuale di diritto civile, 1997, p. 68.14 Alessandra Levi. Teoria generale dei diritto, 1967, p. 11. Cf. Amedeo Conte,Rapporto [Teoria dei diritto come), in Novíssimo digesto italiano, XIV, p. 785.15 Hans Kelsen. Teoria pura do direito, p. 231; Cicala, op. cit. p. 22; DomenicoBarbero. Sistema dei diritto privato italiano, I, p. 149.16 Andreas von Thur. Teoria General dei Derecho Civil Alemán, p. 156; Orlando

Gomes, op. cit., p. 118.17 Giorgio dei Vecchio. A Justiça, p. 5-22.

Page 108: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 108/359

18 Ferrer Arellano, op. cit. p. 71.19 Michel Villey. El Derecho. Perspectiva Criega Judia y Cristiana, p. 63/64.20 Emmanuel Kant, apud Bobbio. Teoria delia norma giuridica, p. 24; do mesmoautor, Diritto e stato nel pensiero di Emmanuel Kant, p. 112 e 118.21 Castro Mendes. Teoria Geral do Direito Civil, I, p. 68.

22 Orlando de Carvalho. A Teoria Geral da Relação Jurídica. Seu sentido e limites;Antônio Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil português. Parte Geral, I, p. 228 ess.23 Carvalho Fernandes. Teoria Geral do Direito Civil. I. 2a ed Lisboa Lex 1995, p.97.24 Cf. Antunes Varela. Direito das Obrigações. I, p. 40.-------------------conjunto de idéias, o individualismo, o princípio fundamental é a liberdade comoimperativo categórico, expressa na mais ampla esfera de autonomia que se realiza nosinstitutos da propriedade, do contrato e da transmissão da herança.A relação jurídica surge, então, como um conceito representativo da idéia de ligação

entre vontades autônomas e diversas, e que por isso mesmo se coloca no centro dosistema de direito civil, numa perspectiva interindividual: a vontade do sujeito comofundamento do individualismo jurídico, e este como justificação axiológica do poder 

 jurígeno dos particulares.25 Não é por outra razão que o sistema jurídico se pode definir como um sistema de relações, no sentido de serem estas a disciplina legal dos casosconcretos das relações sociais.Fundamento ideológico da relação jurídica, pelo menos na concepção personalista, é,assim, o individualismo, que tem como corolários imediatos o liberalismo, no campo

 político, e o capitalismo, no campo econômico.26 E a prova de que a teoria da relação jurídica tem suas raízes no individualismo dos iluministas está no fato de que um dosmais representativos cultores, Emmanuel Kant, considerava o direito como relação. Daí

 poder dizer-se que os seus fundamentos axiológicos são a moral Kantiana e a doutrinaliberal-democrática e seu campo de incidência a experiência jurídica privada.274. Natureza.A evolução histórico-doutrinária leva-nos a duas concepções teóricas acerca da naturezado conceito da relação jurídica.Para a concepção personalista, clássica, amplamente dominante, a relação jurídica évínculo entre pessoas, contendo poderes e deveres. Resulta da incidência da norma

 jurídica sobre as relações sociais que se transformam, por isso mesmo, em vínculos pessoais qualificados pela norma jurídica, vale dizer, vínculos normativos, nexos entresujeitos de direito.

Tal concepção corresponde, evidentemente, a uma visão priva-tista do direito, pois nodireito público não se encontra tão claramente a hipótese de a relação jurídica resultar da qualificação de uma relação social preexistente.É Savigny quem mais claramente enuncia tal teoria ao escrever, como já visto, que"toda relação jurídica aparece-nos como vínculo de pessoa a pessoa (elemento material),determinado por uma regra de direito (elemento formal) que confere a cada indivíduoum domínio no qual sua vontade reina independentemente de qualquer outra vontadeexterna".Temos, assim, que a concepção personalista pressupõe dois elementos para que seforme uma relação jurídica: um, de ordem material, que é a relação social; outro, deordem formal, que é a determinação jurídica que transforma a relação de fato em

relação de direito; por isso a definição — relações sociais reguladas pelo sistema jurídico. A relação jurídica surge, conseqüentemente, como uma totalidade de efeitos

Page 109: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 109/359

 jurídicos, um complexo de direitos e deveres derivado da relação entre duas pessoas. Ea norma que determina o conteúdo da relação social, transformando-a em um vínculo

 jurídico.A concepção personalista da relação jurídica tem o mérito de estabelecer a relação entretermos homogêneos, os sujeitos de direito, e de considerar juridicamente relevantes os

conflitos de interesses existentes entre as pessoas na sua convivência social. Melhor,talvez, fosse, visualizar a relação jurídica como vínculo não entre sujeitos,especificamente, mas entre situações jurídicas, ou melhor ainda, entre centros deinteresses determinados, superando-se o elemento pessoal, não necessariamente

 presente, como ocorre, por exemplo, quando desaparece a pluralidade de sócios de umasociedade e, decorrido certo período, não se restabelece essa pluralidade.28 Nesseínterim falta um dos elementos subjetivos da relação jurídica. O que se apresentasempre, portanto, é a relação entre dois centros de interesses, entre duas situaçõessubjetivas.Para outra concepção, de natureza normativista, a relação jurídica é vínculo entre osrespectivos sujeitos e o ordenamento jurídico,29 ou entre pessoas e coisas, pessoas e

lugares.30A doutrina dominante critica a concepção formal ou normativista com os seguintesargumentos: a) o direito disciplina e organiza as relações entre os homens na tutela deseus interesses; b) a relação jurídica supõe um poder jurídico a que se contrapõecorrespondente dever, não podendo esse poder dirigir-se contra coisas, mas sim contra

 pessoas; c) é inconcebível um poder de uma pessoa sem correspondente limitação paracom as demais. E ainda o fato de que essa teoria concebe um vínculo entre realidadesheterogêneas, como a pessoa e a coisa, ou a pessoa e a norma jurídica. Daí a francaaceitação da teoria personalista, embora reconhecidamente mais apropriada ao direito

 privado do que ao público, donde a idéia mais recente neste ramo do direito, da relação jurídica como simples vínculo instaurado pela norma, não necessariamente decorrentede relação social preexistente.31Adotada a teoria personalista, temos que a relação jurídica retrata um determinadocomportamento humano conformado juridicamente. Esse comportamento pode referir-se expressamente a pessoas determinadas, como nas obrigações, ou pode consistir nodever de respeitar determinada situação jurídica, como ocorre nos direitos reais e nosdireitos da personalidade, isto é, nos direitos subjetivos absolutos. A conformação

 jurídica desse comportamento decorrerá da lei ou da autonomia privada, de acordo comos princípios da teoria geral das fontes do direito e produzirá, no aspecto subjetivo,

 poderes, direitos, faculdades e, de outro lado, sujeição, obrigação, deveres.Posição doutrinária mais recente concebe a relação jurídica por meio de uma

  perspectiva dinâmica, considerando-a, principalmente no que tange ao direito dasobrigações, como um todo unitário e orgânico que se apresenta como um processo emandamento. Processo, de procedere, do direito canônico, como indicativo de uma "sériede atos relacionados e condicionados entre si, e interdependentes", a traduzir a relação

  jurídica como uma totalidade, um conjunto de direitos e deveres que existe e sedesenvolve em face de um determinado objetivo.32Qualquer que seja a teoria adotada, a personalista ou a normativista, certo é que se deve

 personalizar o direito civil, no sentido de acentuar que a pessoa humana ocupa o primeiro lugar, o centro do sistema de direito privado.33 Mas não o sujeito abstrato doliberalismo econômico, que fundamentou o direito civil no século XIX, dos códigoscivis francês e alemão, "mas o homem concreto da sociedade contemporânea, na busca

de um humanismo socialmente comprometido". O direito é, essencialmente, um sistema

Page 110: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 110/359

axiológico, devendo considerar-se o homem como o valor primeiro. "E restaurar o primado do homem é o primeiro dever de uma teoria geral do direito."345. Importância da relação jurídica.O conceito de relação jurídica tem grande importância para a teoria do direito e,

 particularmente, para o direito civil.

 No campo da teoria constitui-se em categoria básica para a explicação do fenômeno jurídico, juntamente com a norma jurídica e a instituição, ambas complementares. Parao direito civil, ou privado, a relação jurídica traduz a regulamentação jurídica (aspectoformal) do comportamento dos indivíduos (aspecto material) no seu dia a dia, nadisciplina de seus interesses, estabelecendo situações ativas (poderes) e situações

  passivas (deveres). É conceito básico que exprime poderes, pretensões e deveresdecorrentes da autonomia e da iniciativa individual, assim como a da responsabilidadedos respectivos sujeitos da relação.

 Não obstante ser categoria própria do direito privado, tem também acolhida no direito público. Neste caso, não como resultante de prévias relações sociais de fato, mas comovínculo entre pessoas e órgãos. Exemplo disso são as normas constitucionais que

reconhecem e protegem direitos humanos como direitos fundamentais, e a própriacategoria dos direitos públicos subjetivos, que se podem ver como garantia daautonomia individual necessária à constituição das relações de direito. A idéia-chave dateoria relacionai é, portanto, a autonomia da vontade individual,33 com a qual ossujeitos podem----------------25 Mareei Walline. L'individualisme et lê droit, p. 23.26 Franz Wieacker. Diritto privato e societá industriale, p. XXIV.27 Sérgio Cotta. Prospettive di filosofia dei diritto, p. 50.28 Lei das Sociedades Anônimas, Lei n2 6.404, de 15 de dezembro de 1976, art.206, d). Sobre situação jurídica, Cap. V, n° 12.29 V. autores citados na nota 15.30 V. autores citados na nota 16.31 Alfredo Augusto Becker. Teoria Geral do Direito Tributário, n2 92 a 100.32 Ferrer Aurellano, op. cit, 168; Karl Larenz. Lehrbuch dês Schuldrechts, p. 26 esegs; Clóvis do Couto e Silva. A obrigação como processo, p. 11 e seg.; Orlando deCarvalho, op. cit., 73.33 Orlando de Carvalho, op. cit. p. 91.34 Larenz, op. cit. p. 246.35 Sérgio Cotta. Prospecttive di filosofia dei diritto, p. 50.----------------

criar e modificar relações jurídicas, no exercício da tutela de seus interesses e dacomposição dos diversos conflitos que esses provoquem. Projeções imediatas da suaimportância estão na liberdade contratual, nos seus diversos aspectos, no direito de

 propriedade e na garantia constitucional dos direitos humanos, dos direitos subjetivos públicos, enfim, da proteção jurídica que o Estado presta ao cidadão, na sua vida sociale jurídica, o que pressupõe relações jurídicas instauradas pela autonomia dos indivíduos.A relação jurídica apresenta-se, enfim, como a categoria capaz de explicar toda aatividade jurídica.A importância da relação jurídica manifesta-se ainda em algumas constatações deordem prática. Só existem problemas jurídicos, ou conflitos de interesses, entre pessoasque integram relações jurídicas. Por isso, a idéia de direito e de justiça pressupõe um

vínculo intersubjetivo, com direitos e deveres. Assim, não há problema jurídico, por mais complicado que seja, que não se simplifique com a identificação das relações que

Page 111: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 111/359

o formam.36 Por outro lado, só existem direitos subjetivos porque há sujeitos de direito,e estes só existem nas relações jurídicas.37 Não há direitos nem deveres sem que hajauma relação prévia. Além disso, a relação jurídica constitui-se em conceito básico sobreo qual se constróem os institutos jurídicos, complexos de normas que disciplinam e seestabelecem em torno da mesma relação, como, por exemplo, os institutos do

casamento, da filiação, do pátrio poder, da propriedade etc. E o conjunto de normas einstitutos forma o sistema jurídico, conjunto unitário de regras jurídicas ordenadas demodo lógico e coerente, e dedutíveis entre si.

 No campo do procedimento judicial, um dos requisitos para que uma pessoa proponhauma ação é a sua titularidade sobre o direito, objeto da controvérsia, a chamadalegitimidade para a causa, legiti-matio ad causam, o que pressupõe a participação dosujeito na relação (CPC, arts. 3-, 6-, 267, VI) em que surge o conflito de interesses. Ser sujeito de uma relação jurídica, e consequentemente de direitos e deveres, é sinônimo detitularidade.A idéia de relação jurídica como vínculo normativo permite, ainda, explicar uma sériede fatos da vida jurídica, em que se verificam mudanças subjetivas na relação, como a

cessão de crédito, a assunção de dívida, a função social da propriedade, os direitos edeveres matrimoniais, e ainda mudanças objetivas, como a sub-ro-gação prevista no art.1.409 do Código Civil. Realização prática dessa possibilidade de mudança é a ação desub-rogação destinada a substituir um bem gravado com cláusula de inalienabilidade

 por outro de igual valor, permanecendo o regime jurídico da coisa sub-rogada, isto é, o bem substituto permanece inalienável (CC, arts. 1.407, par. 2° e 1.911, par. único, eainda o Decreto-Lei n- 6.777, de 8 de agosto de 1944, art. 1°, sobre a sub-rogação deimóveis gravados ou inalienáveis).6. Estrutura e origem.Qualquer relação jurídica, principalmente de direito privado, representa uma situaçãoem que duas ou mais pessoas (elemento subjetivo) se encontram a respeito de uns bensou interesses jurídicos (elemento objetivo).O conjunto desses elementos, mais um vínculo intersubjetivo que traduz o conjunto de

 poderes e deveres dos sujeitos, constitui a chamada estrutura da relação jurídica.Os sujeitos são pessoas titulares de poderes e deveres, por exemplo, credor e devedor,comprador e vendedor, locador e locatário, marido e mulher, em uma atribuição

 bilateral (donde a bila-teralidade característica da norma jurídica). O elemento objetivosão os bens, aquilo sobre que incidem os poderes contidos na relação, e que consistemem valores materiais (coisas) ou imateriais (ações). O vínculo expressa uma posição de

 poder (sujeito ativo) e uma posição de dever (sujeito passivo), com referência aoterceiro elemento.

Essa é a estrutura abstrata, simples e estática, de uma relação jurídica. Em termosconcretos da vida real, as relações apresentam-se geralmente de forma complexa,englobadas, caracterizando situações jurídicas dinâmicas em que as pessoas sãotitulares, simultaneamente, de poderes e deveres.Quanto à sua origem, as relações jurídicas nascem de acontecimentos reconhecidos pelodireito como idôneos a produzi-las, externos à relação, denominados fatos jurídicos(Capítulo X), e deles constituem a sua eficácia.7. Conteúdo.Conteúdo significa o conjunto de poderes e deveres que se configuram na relação

  jurídica, como ocorre, por exemplo, nas relações contratuais, entre credor e devedor.Representa o comportamento jurídico das pessoas que intervém na relação, o qual se

traduz em situações de poder (ativas) e de dever (passivas). As primeiras, normalmentede exercício voluntário por seu respectivo titular; as segundas, de exercício obrigatório

Page 112: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 112/359

ou necessário, tudo isso de acordo com as diversas espécies de relação como, por exemplo, as de família, as contratuais, as de propriedade etc.O poder jurídico existe quando o direito atribui a uma pessoa a possibilidade dela exigir,

 por um ato de sua vontade, determinado comportamento de outra ou de outras pessoas,ou a de impor certas conseqüências. Por suas peculiaridades, esse poder pode

apresentar-se como direito subjetivo, pretensão, direito potestativo e faculdade jurídica,matéria que se apreciará no capítulo seguinte.8. Espécies de relação jurídica.A relação jurídica pode apresentar-se sob diversas espécies. Podemos classificá-la,distingui-la, inicialmente, em relação jurídica de direito público e de direito privado; dedireito público aquela em que participa o Estado com predomínio de seu interesse oucom poder de autoridade;38 de direito privado quando as pessoas, inclusive o Estado,

  participam em condições de igualdade. A relação jurídica de direito privadocompreende as de personalidade, em que se protegem os direitos inerentes à pessoa(direito à vida, à integridade física, ao cadáver, ao tratamento médico, direito a ligar onome do autor às obras, direito à honra, à imagem, ao nome); as de família, se

decorrente do matrimônio, parentesco, filiação ou tutela, e as patrimoniais, quandodirigidas à satisfação de interesses econômicos. As relações jurídicas patrimoniaiscompreendem as obrigacionais e as reais.Quanto à eficácia, a relação jurídica diz-se absoluta quando o titular do direito subjetivonela contido o exerce erga omnes, isto é, contrapondo-se a um dever geral de abstenção,o que se verifica nos direitos personalíssimos e nos direitos reais; e relativa, quando odireito se exerce em face de uma ou de várias pessoas determinadas, ou determináveis,como nas relações de família e nas obrigacionais.Quanto ao objeto, a relação jurídica diz-se real, se os seus direitos se exercem sobre

 bens, e obrigacional, quando visa prestações específicas e, geralmente, economicamenteapreciáveis. Na primeira existe um poder de utilização direta das coisas, com orespectivo dever universal de abstenção, pelo que se diz que o direito real é absoluto. Nasegunda, o objeto denomina-se prestação que é um comportamento que se exige dealguém, o que pode ser um dar, um fazer ou um não fazer, pelo que o direitoobrigacional é relativo.39Quanto ao número, a relação jurídica é simples quando se forma de um só vínculo,unindo duas partes, e complexa quando várias relações se entrelaçam, criando uma

 pluralidade de direitos e deveres entre as partes. Nas relações complexas pode existir um vínculo com pluralidade de sujeitos como, por exemplo, nas obrigações solidárias(CC. art. 264) e nas indivisíveis (CC. art. 258), ou vários vínculos com unidade desujeito, como nas obrigações conjuntas (CC. arts. 260, I).

Quanto à natureza, a relação jurídica é principal quando autônoma, existente de per si, eacessória, quando depende de uma principal, na sua existência ou na sua eficácia, comoocorre, por exemplo, na relação contratual entre fiador e afiançado, que depende de umcontrato principal, freqüentemente de locação.9. Efeitos da relação jurídica.A relação jurídica traduz direitos e deveres, que nem sempre se realizam de imediato.Pode constituir-se, apenas, na base de futuras pretensões,40 como ocorre, verbi gratia,com o parentesco que, não produzindo efeitos em um momento, pode ocasioná-los maistarde,--------------36 Levi, op. cit. p. 29.

37 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, vol. I, p. XVI.

Page 113: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 113/359

38 Larenz, op. cit., p. 4; Rescigno, op. cit, p. 241 e 242; Luis Diez-Picazo. fundamentosdei Derecho Civil Patrimonial, I, p. 55; Anacleto de Oliveira Faria, Direito público edireito privado, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 28, p. 41 e segs.39 Von Thur, op. cit., p. 129; Enneccerus, op. cit., I, p. 279; Francesco Ferrara.Trattato di diritto civile italiano, p. 297.

40 Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 245.--------------ao verificar-se determinado fato, como a morte (CC, art. 1.784), ou o empobrecimento(CC, art. 1.695); ou como ocorre com o contrato de mandato que, produzindo efeitos aoser constituído, pode originar eventual crédito do mandatário contra o mandante (CC,art. 676), pela execução do mandato.A relação jurídica é eficaz, em princípio, apenas entre as partes (rés inter alios acta,tertio neque prodest neque nocei) .41 Pode verificar-se, porém, uma eficácia reflexa,afetando-se terceiros dela não integrantes, como se verifica, por exemplo, quando seextingue uma relação jurídica acessória de garantia, como a fiança, por ter-se extinto arelação principal, ou quando alguém contrata em favor de terceiros (CC, art. 436, par.

único) ou no caso de seguro de vida (CC, art. 789), ou ainda nos casos de sucessãolegal, intervivos, como ocorre quando uma pessoa substitui outra na titularidade damesma situação jurídica, por exemplo, o adquirente de imóvel alugado que é obrigado arespeitar a locação (Lei 8.245/91), art. 8°), ou o possuidor que, para fins de usucapião,

 pode acrescentar à sua posse a do seu antecessor (CC. art. 1.243).10. A dinâmica da relação jurídica. Aquisição, modificação e extinção de direitos. Osfatos jurídicos.A relação jurídica e os direitos nela contidos nascem, modificam-se e extinguem-se por efeito de certos acontecimentos que o direito considera importantes e que, por isso, lhesdá eficácia jurídica. São os fatos jurídicos.Tais acontecimentos são apenas os relevantes para o direito, os que entram no mundo

 jurídico, os que produzem efeitos jurídicos, de tal modo que a norma jurídica já os prevêna sua hipótese de fato (fattispecies, tatbestand) como pressupostos de certasconseqüências estabelecidas ou consentidas, que são o nascimento, a perda ou amodificação de direitos ou, de modo geral, qualquer alteração na situação jurídica

 preexistente. Podem consistir em simples eventos da natureza (fatos jurídicos strictosensu), como o nascimento, a morte, o decurso do tempo, a doença etc., ou emmanifestação da vontade humana (atos jurídicos), como o casamento, o reconhecimentode filho, a fixação de domicílio, os contratos, o testamento etc. Como segunda espéciede atuação da vontade humana, mas de modo contrário ao direito, temos o ato ilícito.42Um contrato, por exemplo, dá origem a direitos e obrigações. Um casamento cria

direitos e deveres recíprocos (CC, art. 1.566). A morte determina a abertura da sucessão(CC, art. 1.784). A prática de um ato ilícito cria a obrigação de indenizar o dano (CC,art. 186 e 187). Outros acontecimentos existem, mas sem importância para o direito,como um convite para passeio, o uso de certas roupas, manifestações normais denatureza, como a chuva, a neve, o dia de sol etc., e que, por isso não entram no mundo

 jurídico. Não são fatos jurídicos.11. Aquisição de direitos.Os direitos nascem quando se concretizam as respectivas relações jurídicas. Sendo estasvínculos pessoais, ao seu nascimento corresponde a união do direito ao sujeito que delefica titular. O direito se adquire quando a pessoa dele se torna titular. Aquisição dedireito é, portanto, a ligação do direito à pessoa. Constituindo-se a relação jurídica, o

sujeito ativo adquire o direito ou outro poder. Título de aquisição (causa adquirendi) é ofato jurídico que justifica a aquisição, por exemplo, um contrato.

Page 114: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 114/359

 Nascimento e aquisição de direitos são fenômenos distintos, se bem que geralmentesimultâneos. Toda constituição de direitos implica em sua aquisição, pois não existedireito sem sujeito. A recíproca não é, porém, verdadeira. Freqüentemente, adquirem-sedireitos já constituídos anteriormente, como ocorre na aquisição derivada, em quealguém recebe um direito de outrem.

A aquisição de direitos pode ser originária e derivada, e esta, gratuita e onerosa, a títulosingular e a título universal.Adquirem-se os direitos por ato próprio ou por intermédio de outrem; neste caso,através do instituto da representação, que pode ser legal (pais, tutores, curadores) ouconvencional (procurador). A pessoa adquire o direito para si ou para terceiros.Os direitos também se adquirem por efeito de simples fatos jurídicos,independentemente de ação humana, por exemplo, a morte, que implica a abertura dasucessão (CC. art. 1.784), o decurso do tempo, que pode levar à usucapião (CC. art.550), a acessão, que leva à aquisição da propriedade imóvel (CC. art. 536).12. Aquisição originária e aquisição derivada.A aquisição de um direito diz-se originária quando não decorre de prévia relação

 jurídica entre o atual titular e o anterior. Não há transmissão do direito entre eles, comoocorre com a ocupação de rés nullius ou de rés derelicta43 (CC, art. 1.263), com ausucapião (CC, art. 1.238), a ocupação, a especificação, a invenção, o achado cietesouro, a aquisição de direito de autor pela criação, aquisição de direito potestativo por fato que a lei considera idôneo para o nascimento do direito (Capítulo V, n° 10).

A aquisição é derivada quando existe relação jurídica entre o titular anterior (transmitente) e o atual (adquirente). A aquisição derivada diz-se translativa, quando odireito permanece íntegro, como ocorre, por exemplo, na cessão de crédito, na comprade imóvel, e constitutiva, se implica a criação de outro direito, com base no que setransmite, por exemplo, a transferência de propriedade com a constituição de usufruto(CC. art. 1.225, IV) ou de servidão pelo proprietário (CC. art. 1.225, III).É importante distinguir a aquisição originária da derivada. Na originária, adquire-se odireito na sua plenitude. Na segunda, adquire-se com suas limitações, já que ninguémtransfere mais direito do que tem, como acontece por exemplo, na cessão de crédito(CC. art. 286), e na assunção de débito (CC. art. 299).44 Por isso, a validade e a eficáciado direito do novo titular dependem, em regra, da validade e da eficácia do direito do

 precedente titular.A aquisição derivada diz-se, ainda, sucessão, porque novo titular sucede ao anterior. Éonerosa quando existe contraprestação do adquirente, como acontece nos contratos

 bilaterais, e gratuita, se inexistente tal contraprestação, como nos contratos unilaterais e

na sua sucessão por morte. E a título universal quando implica a transferência de todosos direitos, o que só ocorre, nas pessoas físicas, com a morte do titular, e nas pessoas jurídicas, no caso da fusão ou incorporação de empresas.45 E a título singular quando setransfere um ou alguns direitos. A sucessão universal tem regras próprias, objeto dodireito das sucessões.13. Direitos atuais e direitos futuros. Sua proteção.Chamam-se atuais os direitos completamente adquiridos, isto é, os que já seincorporaram definitivamente ao patrimônio do titular, podendo ser por este exercidos.Direitos futuros são aqueles cuja aquisição ainda não se completou. O direito futuro,cuja aquisição depende apenas da vontade do adquirente, chama-se deferido, e nãodeferido quando subordinado a fatos ou condições falíveis. O direito deferido confunde-

se com o direito eventual, como, por exemplo, o direito de propriedade dependente datranscrição do título aquisitivo, o direito do promitente-comprador de um apartamento,

Page 115: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 115/359

com o preço pago, de fazer a escritura definitiva. O direito não deferido é normalmenteum direito condicional pois, iniciada a aquisição, fica esta subordinada a condiçõesfalíveis, por exemplo, a aquisição de uma safra agrícola futura.A proteção e conservação dos direitos atuais e futuros faz-se por meio de meios

 judiciais que a ordem jurídica põe à disposição do titular, e que são objeto do direito

 processual civil. Tais meios compreendem as medidas cautelares. Em casos específicos, permite-se a autodefesa (CC, art. 1.210, par. 1°).14. Modificação de direitos.Modifica-se a relação jurídica quando se alteram os sujeitos (modificação subjetiva) ouo objeto (modificação objetiva).A modificação subjetiva ocorre na sucessão, que é o nome que se dá à transferência dodireito de uma pessoa para outra ou outras. Neste caso, multiplicam-se os sujeitos.Quando é voluntária denomina-se alienação, por exemplo, a compra e venda, a doação.-------------41 "A coisa feita ou julgada entre uns não aproveita nem prejudica terceiros." (D.42.1.63).

42 Enneccerus-Niperdey, op. cit. p. 17.43 Rés nullius (coisa de ninguém) e rés derelicta (coisa abandonada).44 Nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse haberet, D, 50, 17, 54(Ninguém pode transferir mais direito do que tiver). Cfr. Orlando Gomes, n° 15645 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, I, n2 67.-------------A modificação objetiva pode ser quantitativa e qualitativa. Quantitativa quando variamas dimensões do objeto, como no caso de aumento do terreno por avulsão, a diminuiçãoda dívida com os pagamentos parciais, a destruição parcial da coisa; e qualitativaquando mudam as qualidades do objeto, como na hipótese de sub-rogação de bensclausu-lados ou na obrigação de indenizar decorrente do inadimplemento contratual.Aplica-se o princípio pretium succedit in locum rei, rés succedit in locum pretii46 quese materializava no Código Civil de 1916, art. 56, hoje não constante do novo CódigoCivil.15. Extinção dos direitos.Extingue-se o direito quando se extingue a relação jurídica, como se verifica, por exemplo, no caso de destruição da coisa, ou da realização do interesse, ou do própriodecurso do tempo. Perde-se o direito quando ele se transfere a outro titular por aquisiçãoderivada.A extinção dos direitos pode referir-se ao sujeito e ao objeto.Quanto ao sujeito, os direitos extinguem-se pela morte, pelo decurso do tempo e pela

renúncia do titular. A morte extingue os direitos personalíssimos, como o direito aalimentos devidos pelo parentesco (CC, art. 1.700), não os direitos patrimoniais,transmissíveis, em geral, aos sucessores do falecido (CC, art. 1.784 e 1.829).47O decurso do tempo é fator extintivo de direito se aliado à inércia do titular. Osinstitutos de direito civil que disciplinam essa matéria são a prescrição e a decadência.Prescrição é a perda da pretensão de um direito subjetivo em virtude da inércia do titular em um período determinado em lei (CC.art. 189).Decadência é a perda de um direito potestativo pela inércia do titular no prazo legal.A renúncia é ato unilateral e gratuito pelo qual o titular de um direito dele se despoja,48sem transferi-lo a quem quer que seja. Produz a perda absoluta do direito pelamanifestação de vontade do titular nesse sentido. Ocorre, por exemplo, quando o credor 

abre mão das garantias pignoratícias (CC. art. 802, III), hipotecárias (CC. art. 849, III)ou fidejussórias dadas a seus créditos, ou, ainda, quando o herdeiro recusa a herança

Page 116: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 116/359

(CC, art. 1.805).49 Pode visar quaisquer direitos, menos os personalíssimos e os deordem pública, como os de família. A renúncia é declaração de vontade. Distingue-sedo abandono, que não a tem. A coisa abandonada chama-se rés derelictae. Sãorenunciáveis os direitos que protegem os interesses privados, e irrenunciáveis os queenvolvem os de ordem pública. Não há renúncia translativa, isto é, a que se faz para

 beneficiar alguém. Nesse caso, o que se verifica é uma transferência de direitos, comoacontece, por exemplo, quando um herdeiro renuncia à sua parte na herança para beneficiar terceiros. Inexiste renúncia, mas sim, doação.Perece o objeto sempre que ele perde suas qualidades essenciais ou o valor econômico,como acontece quando um terreno é coberto pelo mar, ou quando se confunde comoutro, de modo a não poder se distinguir, ou quando o objeto fica em lugar donde não

 pode ser retirado, por exemplo, a jóia que se perde no mar, tudo isso como decorrênciade fato natural (terremoto, incêndio, catástrofe etc) ou da vontade humana (destruiçãovoluntária do objeto). Extinguem-se os direitos potestativos com o seu simplesexercício.50Se o perecimento do objeto for imputável a alguém, responderá este por perdas e danos

(CC, arts. 186 e 389).Direito extinto não renasce.16. Relações de fato: a) a união estável; b) a sociedade de fato; c) a separação de fato; d)a filiação de fato; e e) as relações contratuais de fato.Já vimos que a relação jurídica compõe-se de dois elementos: um, material, que érelação entre pessoas, e outro, formal, que é a incidência direta da norma jurídicaaplicável ao caso.As relações jurídicas são conseqüência dos fatos jurídicos, nascem em função dodispositivo da norma jurídica, depois do enquadramento do fato da vida real na hipótesede aplicação da norma.A vida social é, porém, fertilíssima na diversidade dos fatos, suscitando, por vezes,situações que não se enquadram na hipótese das normas jurídicas, não obstante osatributos da abstração. Isso faz com que diversos fatos, socialmente relevantes, não

 produzam efeitos jurídicos típicos por não corresponderem à hipótese de aplicação danorma, ou pela própria inexistência de norma jurídica adequada, embora já sejamsocialmente valorados. Existe o fato, o valor, mas não a norma jurídica, o que nãoimpede que a relação de fato produza, verificados certos pressupostos, os mesmosefeitos da relação de direito. Configura-se aqui a questão da eficácia jurídica da relaçãode fato.Surgem, assim, as chamadas relações de fato, relações materiais cujo nascimento nãodecorre de nenhum fato jurídico, mas sim de fatos socialmente relevantes, o que se

constitui em problema mais sociológico do que jurídico.51 É claro que oreconhecimento de relações de fato (porque não de direito) pode levar à insegurança jurídica, contrariando um dos valores fundamentais, que é a certeza do direito. A seufavor, existe porém uma exigência de eqüidade em face de "necessidades sociaisindiscutíveis, que representam uma forma de progresso tanto no pensamento como natécnica jurídica".Entre as relações de fato de maior relevo social destacam-se:a) a união estável;

 b) a sociedade de fato;c) a separação de fato;d) a filiação de fato; e

e) as relações contratuais de fato.a) A união estável.

Page 117: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 117/359

O casamento é o ato jurídico que dá origem à relação matrimonial, caracterizada por uma série de direitos e deveres específicos, de natureza ética, personalista e recíproca,como a fidelidade, a vida em comum no domicílio conjugai, a mútua assistência e osustento, guarda e educação dos filhos (CC, art. 1.566), além de efeitos patrimoniaisestabelecidos na disciplina dos regimes de bens. Tais direitos e deveres formam um

estado especial, o de casado, de grande importância e repercussão em vários campos dodireito (direito civil, processual civil, penal, eleitoral etc.).52 Por sua importância, ocasamento é ato jurídico solene, com pressupostos de existência (diversidade de sexos,consentimento dos nubentes, celebração do ato por autoridade competente) e requisitosde validade (capacidade e legitimidade dos nubentes e observância da forma legal doato), cuja infração torna o casamento inexistente, nulo ou anulável. Não obstante ainexistência de casamento, por impossibilidade ou vontade, duas pessoas podem unir-sede modo estável, levando uma vida de casados como se na verdade o fossem,configurando uma nova figura típica no direito de família, a união estável.53Esta situação de fato pressupõe os seguintes elementos essenciais:54 a) união

 permanente com aparência de matrimônio, para que não se configure simples união

transitória;55 b) ausência de matrimônio civil válido; c) convivência pública, contínua eduradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família (CC. art. 1.723) .A união estável distingue-se da relação de concubinato, que é a união de pessoa casada,com terceiro, durante a convivência matrimonial. É relação não eventual entre homem emulher impedidos de casar (CC. art. 1.727). A união estável reconhecida pelo novoCódigo Civil, (art. 1.723) produz, todavia, importantes efeitos, dos quais destacamos: a)direito do companheiro usar o nome do outro----------------------46 "O preço está no lugar da coisa, a coisa está no lugar do preço," expressão e regracriada pelos glosadores, segundo Beviláqua, Código Civil comentado, art. 56.47 Existem exceções à transmissibilidade das relações ou dos direitos patrimoniais

 pela morte do respectivo titular. São intransmissíveis causa mortis os direitos reais deusufruto, o uso, a habitação, e os direitos obrigacionais do mandato, do comodato, e aobrigação alimentar decorrente de parentesco (CC, art. 1.700, transmitindo-se, porém, aobrigação alimentar decorrente da separação judicial — Lei n£ 6.515, de 26 dedezembro de 1977, art. 23). Também não se transmite a relação do emprego. Sobre odecurso do tempo como fator extintivo de direitos, veja-se, adiante, o capítulo XVIII.48 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 161.49 Garantias fidejussórias são a fiança e o aval.50 Sobre o direito potestativo veja-se adiante o capítulo V, n- 1051 Garcia Amigo, op. cit, p. 235 e 236.

52 Cf. do Autor A relação jurídica matrimonial, in Revista de Direito ComparadoLuso-Brasileiro, n2 2, p. 167 e segs. Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família deFato, p. 295 e segs.53 Constituição Federal, art. 226, § 3°. Distingue-se a união estável da união de fato edo concubinato. Cf. Simão Isaac Benjó, União Estável e seus efeitos econômicos emface da Constituição Federal, p. 59 e segs. Zeno Veloso, União estável, p. 13 e segs.54 Maria Helena Diniz. Direito de Família, p. 203; Caio Mário da Silva Pereira.Concubinato, e Edgard Moura Bittencourt "Concubinato", in Enciclopédia Saraiva doDireito, vol. 17, pp. 251 a 258 e 259 a 266; Rubens Limongi França, "Direito doconcubinato", in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 26, p. 442.55 A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regula o direito dos companheiros a

alimentos e à sucessão, fixa, no art. l2, o prazo de 5 (cinco) anos.----------------------

Page 118: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 118/359

(Lei n- 6.015/73, art. 57 e pars. 2° a 4°); b) direito à indenização em caso de acidente detrabalho (Súmula n- 35 do STF); c) direito à metade do patrimônio adquirido com seucompanheiro, em sociedade de fato; d) direito de prosseguir com a relação jurídicalocatícia, substituindo o companheiro falecido; e) o direito dos companheiros aalimentos e à sucessão; e f) a existência de direitos e deveres recíprocos, semelhantes

aos que nascem do casamento, (CC arts. 1.724 e 1.725).56 b) A sociedade de fato.Sociedade de fato é aquela sociedade que, não preenchendo os requisitos legais para suaexistência jurídica, tem, contudo, uma existência material.Chama-se de fato, ou irregular, para distinguir-se da de direito, que obedece aos

 preceitos regulares de constituição. Não tem, por isso, personalidade jurídica, mas temresponsabilidade pelos atos que praticar, respondendo o seu patrimônio pelas obrigaçõesassumidas, podendo agir judicialmente (CPC, art. 12, VII).Sociedade de fato, ou irregular, é a que se contrata verbalmente ou a que, emboracontratada por escrito, não arquiva seu ato constitutivo no respectivo registro. Como "arelação jurídica de sociedade pressupõe a conclusão de um contrato, na forma legal, não

existindo o contrato não deve existir a sociedade". A vida real nos oferece, porém,exemplos de sociedade que, sem contrato escrito ou sem registro, praticam atos da vidacivil ou comercial como se regulares fossem.Espécie importante de sociedade de fato é a que o direito reconhece ter existido entredois companheiros que reuniram esforços e bens no curso de sua existência emconjunto, formando um patrimônio comum que deve ser partilhado, embora semexistência jurídica. A Súmula n-380 do STF determina a dissolução judicial dessasociedade, o que demonstra a sua existência, pelo menos de fato.c) A separação de fato.Um dos efeitos do casamento é o dever de os cônjuges viverem juntos (CC, art. 1.566).Ocorre que, devido a circunstâncias diversas, simples desinteresse, gastos elevados etc.,os cônjuges decidem viver separados, sem contudo recorrerem à separação judicial queo direito lhes concede para o fim de extinguirem a sociedade conjugai. Surge, assim, umestado de separação de fato que, não obstante irregular e ilegal (porque os cônjugesdevem coabitar), é reconhecido na sociedade e produz efeitos que a lei protege. Sua

 principal característica é a permanência dos deveres recíprocos resultantes do casamentoenquanto não se efetivar a separação judicial, de lei. Embora contrária ao direito, estereconhece-lhe certos efeitos, como, por exemplo, a possibilidade de pedir a separação

  judicial depois de uma separação de fato existente há mais de l (um) ano (CC. art.1.572, par. 1°), ou o divórcio direto no caso de separação de fato por mais de 2 (dois)anos (CC. art. 1.580, par. 2°), ou ainda, no campo da filiação, a possibilidade de

reconhecimento de filho adulterino de mulher casada em caso de manifesta separação defato do casal, quando os filhos havidos pela mulher casada evidentemente não são, nem poderiam ser, do marido, em virtude da impossibilidade física da coabitação doscônjuges devido à comprovada separação de fato,57 como reconhecido por tranqüila

 jurisprudência. São relações de fato, nascidas de acontecimentos não-previstos pelodireito, mas que, por sua relevância social, produzem efeitos que o mesmo direitoreconhece.d) A filiação de fato.Outra importante relação jurídica é a filiação de fato, a relação natural, biológica,existente entre pais e filhos, sem existência de casamento. Perante as disposiçõesiniciais do Código Civil, era ilegítima, o que foi superado com o advento da

Constituição da República de 1988, que estabeleceu, no art. 227, par. 6°, a igualdadedos filhos.

Page 119: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 119/359

 Não obstante a ilegitimidade do vínculo, existia uma relação de fato, consangüínea,natural, a que o direito não podia ficar indiferente, pelo que permitia que o filhoilegítimo pedisse alimentos aos pais, em segredo de justiça, independentemente de ser reconhecida a relação jurídica da filiação (Lei nü 883, de 21. 10. 49, art. 42), dando-lhetambém direito sucessório igual ao dos irmãos filhos legítimos, independentemente do

reconhecimento expresso de tal relação (Lei n- 883, art. 4-, parág. único).Com a Constituição Federal, art. 227, 6-, os filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, têm os mesmos direitos e qualificação. Sendo proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação. Por outro lado, a Lei 8.560, de 29.12.92, regula oreconhecimento voluntário e compulsório dos filhos extramatri-moniais. A filiação defato perdeu a importância doutrinária que tinha.e) Relações contratuais de fato.Outra espécie de relação de fato são as nascidas da "conduta social típica",58consideradas fonte de obrigações, ao lado da manifestação de vontade (negócio jurídico)e da lei. Tomemos, por exemplo, os meios de transporte, de fornecimento de energia(luz, gás, água etc.) ou de estacionamento. Quando alguém entra em um ônibus, ou

utiliza-se da energia elétrica ou estaciona um veículo em um estacionamento, faz issosem qualquer manifestação de vontade dirigida com o fim de realizar um contrato. Ainexistência do contrato não impede, todavia, que o usuário tenha de pagar pelo queutilizou ou consumiu. De fato, inexiste declaração de vontade, mas existe um ato deutilização que faz nascer um vínculo de fato (porque não de direito), da qual emerge

 para o beneficiário a obrigação de pagar. Como diz Larenz, "a utilização de fato de uma prestação de transporte ou de fornecimento oferecida a todos tem de modo genérico,socialmente típico e conhecido por todos, o sentido de que por ela se leva a outro umarelação contratual sob as condições fixadas pela empresa que realiza a prestação. Quemse comporta assim de forma socialmente típica há de fazer-se imputar o significadogenérico de sua conduta como "aceitação de contrato", sem levar em consideração seteve ou não conhecimento daquilo no caso particular nem se quis ou não os efeitos

 jurídicos." O efeito principal da conduta socialmente típica consiste na exclusão daímpugnação por erro. Em lugar de duas declarações de vontade destinadas a formar umcontrato, o que existe é uma oferta pública de fato, e uma aceitação de fato da prestação,configurando, ambas, uma conduta que, por seu "significado social típico", produz osmesmos efeitos que a declaração de vontade destinada a constituir um negócio jurídico.A doutrina das relações contratuais de fato nasceu no direito civil alemão em 1941,criada por Günther Haupt59 na aula inaugural que proferiu em Leipzig. Defendendo aexistência e o reconhecimento de relações não resultantes de fatos jurídicos típicos,como são os contratos, mas de fatos não típicos mas socialmente relevantes,

configurando uma conduta social típica60 como a utilização de serviços (ingresso emmeio de transporte, ocupação de vaga em estacionamento etc) ou o ato de apanhar   produtos em supermercados, ou ainda os contratos ineficazes por nulidade, principalmente os contatos de trabalho e de sociedade, essa doutrina tem hoje valor mais histórico do que real, rejeitada que é pela maior parte dos juristas alemães61. É,

 porém, aceita no direito italiano atual62, e no direito português63 com exceção deAntunes Varela64. No direito brasileiro, principalmente por obra da jurisprudência,continua-se a reconhecer a possível juridicidade das relações de fato, não só ascontratuais mas também, como assinalado, a união estável, a sociedade de fato, afiliação de fato e a separação de fato.-------------

Page 120: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 120/359

56 Cfr. Lei 8.245, de 18.10.91, arts. 11 e 12; a Lei 8.971, de 29.12.94, que regula odireito dos companheiros a alimentos e à sucessão, e a Lei 9.278, de 10.5.96, quereconhece a existência e a eficácia da união estável.57 Yussef Said Cahali. Divórcio e Separação, p. 432. Cf. Jurisprudência Brasileira, vol.61. Investigação e Paternidade e Jurisprudência dos Filhos Ilegítimos e da Investigação

de Paternidade, de Rubens Limongi, França. Cf. RTJ 73/587; RTJ 63/82; R77 60/566.58 Larenz. op. cit, p. 734 e segs. Cf ainda Menezes Cordeiro. Da Boa-Fé no DireitoCivil, vol. I, p. 555 e segs.; Antunes Varela. Direito das Obrigações, p. 209.59 FLUME, p. 128.60 LARENZ. Allgemeiner Teu dês Eürgerlichen Rechts, 8a ed., I, par. 44, p. 826.61 Joaquim de Souza Ribeiro. Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma doContrato, p. 25, nota 35.62 Vicenzo Franceschelli. Rapporto di fatto in Digesto. Sezione Civile, XVI, p. 287.63 Souza Ribeiro, op. cit. p. 26.64 Das Obrigações em Geral. I, p. 40.-------------

CAPITULO VO Direito Subjetivo

Sumário: 1. O direito subjetivo. Conceito e importância. 2. Noticia histórico-doutrinar ia. 3. Teorias que negam o direito subjetivo. Crítica. 4. O direito subjetivo comorealidade jurídica. 5. A essência do direito subjetivo. Teorias. 6. Classificação dosdireitos subjetivos. 7. Os direitos subjetivos públicos. 8. Direitos patrimoniais e direitosextrapatrimoniais. 9. Dever jurídico. Ônus. 10. Direito potestativo. 11. Faculdade

  jurídica. 12. Situação jurídica. 13. Expectativa de direito. Direito eventual. Direitocondicional. Direito atual e futuro. 14. Direito subjetivo, pretensão e ação. 15. Exercíciodos direitos subjetivos. 16. Limites ao exercício dos direitos subjetivos. 17. O abuso dedireito. 18. Proteção dos direitos subjetivos. 19. Conciliação. Mediação. Arbitragem.

l. O direito subjetivo. Conceito e importância.Direito subjetivo é o poder que a ordem jurídica confere a alguém de agir e de exigir deoutrem determinado comportamento.Figura típica da relação de direito privado e com ela até contundido, manifesta-se como

 permissão jurídica, com a qual pode-se fazer ou ter o que não for proibido, comotambém exigir de outrem o cumprimento do respectivo dever sob pena de sanção.Denomina-se subjetivo por ser exclusivo do respectivo titular e constitui-se em um

 poder de atuação jurídica reconhecido e limitado polo direito objetivo. Seu titular édeterminado e seu objetivo é específico.A semelhança cia norma e da relação jurídica, o direito subjetivo constitui-se emcategoria fundamental do direito apresentando duas vertentes, uma técnica, outra ética.Quanto à primeira, trata-se de uma categoria técnico-jurídica ou metodológica que

 permite ao jurista e ao prático atuarem com economia, clareza e rapidez no processo derealização do direito,1 significando a situação em que alguém se acha de poder agir livremente em uma determinada esfera de ação, o que lhe é garantido pelo direitoobjetivo. Quando digo sou proprietário, ou tenho o direito de propriedade, significadizer que a lei me reconhece uma certa autonomia de ação sobre determinado objeto,excluído de outros indivíduos. Tem, assim, funções pragmáticas, tanto no plano da

teoria como da prática, garantindo a liberdade do homem e a realização de seus

Page 121: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 121/359

interesses. Para alguns até, o direito civil é o conjunto sistemático dos direitossubjetivos.Mas o direito subjetivo é mais do que um conceito técnico usado para facilitar aaplicação do direito. Tem também reconhecido significado ético que se manifesta nasfunções que desempenha, tanto na defesa das liberdades públicas ou direitos

fundamentais, sob a forma de direitos subjetivos públicos nas relações entre o Estado eos cidadãos, quanto na realização dos interesses da pessoa na órbita de suas relações particulares.2 Nesse particular, diz-se que o direito subjetivo situa-se no âmbito da autonomia privada, poder que os particulares têm de estabelecer a disciplina legal de suas próprias relações.Reconhece-se, assim, que a pessoa tem objetivos e uma personalidade e que, paradesenvolvê-los, é preciso conceder-lhe determinadas prerrogativas ou direitos.3O direito subjetivo é, portanto, expressão de liberdade, traduzida em um poder de agir conferido a uma pessoa individual ou coletiva, para realizar seus interesses nos limitesda lei, constituindo-se juntamente com o respectivo titular, o sujeito de direito, emelemento fundamental do ordenamento jurídico. Consiste, assim, no instrumento de

realização do individualismo jurídico, tanto na vertente política, o liberalismo, quantona econômica, o capitalismo, como se pode depreender da própria evolução histórico-doutrinária do conceito.2. Notícia histórico-doutrinária.O conceito de direito subjetivo é produto da elaboração doutrinária que se inicia naIdade Média e se consolida no séc. XIX com a pandectística alemã.Os juristas romanos não lhe deram maior atenção talvez porque fossem eminentemente

 práticos e não sentissem necessidade de elaborar conceitos.A categoria de maior importância no plano da técnica romana era a actio (adio in rem,actio in personam), e quem tinha actio tinha o direito. Isso não significa que os romanosnão conhecessem o direito subjetivo, simplesmente não se interessavam na suaelaboração teórica, como ocorre, coincidentemente, com o sistema do Common Law.4São os glosadores na Idade Média que primeiro se ocupam dessa categoria aointerpretarem o Corpus iuris civilis, na esteira de Bártolo que o enunciava ao definir odireito de propriedade.5 No século XVI, com Donellus, e no séc. XVIII, com ChristianWolf e Kant, é que se começa a elaborar um conceito geral e abstrato capaz de,reunindo as notas comuns das situações da vida real, representar um poder jurídico àdisposição dos indivíduos para a realização de seus interesses.O Renascimento leva a uma progressiva subjetivação do direito como conseqüênciaimediata do individualismo.6 No campo político, as instituições são tidas como produtodo contrato social, fruto do acordo entre as liberdades particulares, e no campo

econômico, a livre concorrência, a liberdade no comércio e na indústria são o postulado básico da vida econômica.Hobbes considera que os homens no estado natural são livres, com poderes limitadosmas concorrentes. "O direito do indivíduo é fazer tudo o que achar conveniente para sua

 própria conservação." Com o pacto social, os homens cedem seu direito primitivo aoEstado, o Leviatã, que em troca reconhece a existência de direitos naturais einalienáveis, embora limitados por lei. Essa a razão do contrato social, o reforço dos

 poderes dos próprios indivíduos. Os direitos subjetivos são, assim, a base e a finalidadedo sistema jurídico.7Tais idéias levam à da liberdade individual como valor absoluto. O direito passa de umaconcepção objetiva a uma subjetiva, confundindo-se com o poder que a pessoa tem pelo

simples fato de ser livre. Surge a idéia do ius subjectivum, do direito subjetivo, como

Page 122: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 122/359

expressão do reconhecimento que o direito confere à esfera da liberdade (autonomia)das pessoas. Seu fundamento axiológico é a liberdade do homem.3. Teorias que negam o direito subjetivo. Crítica.O conceito de direito subjetivo é polêmico. Existem várias teorias que ou contestam aexistência ou pedem a revisão do seu significado originário ou a sua redução a uma

categoria técnica.O direito natural clássico de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, que não seconfunde com a doutrina da escola do direito natural do séc. XVII, considera o direitosubjetivo como um corpo estranho e incompatível com o sistema da filosofiaaristotélico-to-mista, para a qual existe uma ordem na natureza que determina o justolugar de cada um dos elementos, pessoas ou coisas que compõem o universo. "A justiçaconsiste em dar a cada coisa o seu lugar no mundo harmonioso onde reina um justouniversal dado pela natureza.8 Para essa filosofia, o direito subjetivo revela-se comoalteração dessa ordem, no momento em que confere ao indivíduo prerrogativas, em vezde manter as relações justas entre os homens, considerando a realidade material e social."Ver o direito exclusivamente sob o ponto de vista do indivíduo e de seu benefício é

uma concepção fundamentalmente antijurídica,9 porque desconhece a função essencialdo direito que é a de estabelecer a justiça".O positivismo sociológico é representado por diversas correntes, sendo as maisdestacadas a de Leon Duguit, o realismo jurídico americano e o realismo jurídicoescandinavo, que têm em comum a pretensão de construir a ciência do direito sobre aobservação dos fatos sociais, pelo que o direito consistiria nas decisões dos tribunais,não em figuras imaginárias como a do direito subjetivo. Duguit parte da idéia desolidariedade ou de interdependência social, não aceitando a existência do direitosubjetivo, que representa a supremacia da vontade individual sobre a dos demaissujeitos. Para esse autor, em vez de direito subjetivo deve-se falar de situação jurídica,ativa ou passiva, que representa o efeito da aplicação do direito ao indivíduo. Negando,assim, o direito subjetivo, pretende Duguit combater o individualismo e "criticar aessência metafísica do direito subjetivo que é a vontade".10O positivismo normativista de Hans Kelsen, James Goldschmidt e Karl Olivecrona,considera que o conceito de direito subjetivo é metajurídico, carregado de significados

 jusnaturalistas e ideológicos, o que contraria a pureza da norma jurídica considerada sobo ponto de vista formal. Para Kelsen, o direito subjetivo é, como dever jurídico, a norma

  jurídica considerada em relação ao indivíduo designado pela mesma norma.11Reconhecendo apenas a existência do direito objetivo, Kelsen não aceita o dualismodireito objetivo-direito subjetivo, que encerra um componente ideológico. Ele defende o---------------

1 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, p. 221; Alberto Montoro. Sobre Iarevisión crítica dei derecho subjetivo desde los supuestos dei positivismo lógico, p. 97;Goffredo Telles Júnior, Direito subjetivo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 281977, p. 298 e segs.; Vicente Ráo. O Direito e a Vida dos Direitos, vol. II, Tomo I, p. 19e segs.; Paulo Dourado de Gusmão. Introdução à Ciência do Direito, p. 243 e segs.; JoséPuig Brutau. Introducción ai Derecho Civil, p. 395 e segs.; Andreas von Thur. Der Allgemeine Teu dês deutschen Bürgerlichen Rechts (Teoria Geral do Direito Alemão),

 p. 71 e segs.; Jacques Ghestin et Gilles Goubeaux. Traité de droit civil. Introductiongénérale, p. 120 e segs.; W. Cesarini Sforza, Diritto soggettivo, in Enciclopédia deidiritto, vol. XII, p. 659 e segs.; Vittorio Frosini, Diritto soggettivo, in Novíssimo digestoitaliano, vol. V, p. 1047 e segs.; Hans Kelsen. Teoria générale dei diritto e dello stato, p.

77 e segs.2 Montoro, op. cit., p. 97.

Page 123: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 123/359

3 Von Thur, op. cit., p. 72.4 Puig Brutau, op. cit., p. 397.5 Octavian lonescu. La notion de droit subjectif dans lê droit prive, p. 23.6 Montoro, op. cit., p. 20.7 Michel Villey, apud Jacques Ghestin er Gilles Goubeaux, op. cit.,

 p. 199.8 Mareei Thomann, Christian Wolf et lê droit subjectif, in Archives de philo-sophiedu droit, tome IX, p. 154.9 Michel Villey, La gênese du droit subjectif chez Guillaume d'Qccam, in Archives,tome IX, p. 110.10 lonescu, op. cit., p. 38. Cf. Leon Duguit, Traité de droit constitutionnel, T. l, p. 213e segs.11 Montoro, op. cit., p. 22.; Kelsen, op. cit., p. 78.---------------monismo jurídico: "É falso opor o direito objetivo ao direito subjetivo; este não é senãoo resultado da aplicação aos indivíduos do direito objetivo. Assim desaparece um

dualismo funesto para a ciência." Para Kelsen o Estado é a única expressão da ordem jurídica e somente ele pode criar direitos. Considerar o direito fora do Estado, como ahipótese do direito subjetivo, significa introduzir elementos estranhos ao direito, denatureza política, moral, religiosa. A noção de direito subjetivo, expressão da liberdade,

 baseada em valores morais e espirituais, não cabe assim na concepção formalista dodireito.A crítica a fazer, tanto às concepções do positivismo normativista como às dosociológico, é que elas desconhecem uma realidade primária, que é o homem anterior aoEstado e ao ordenamento jurídico. Hominum causa omne ius constitutum est, princípioromano que se retrata nas Constituições modernas, na proteção dos direitos humanos ouindividuais. Não obstante, essas concepções positivistas tiveram o mérito de contribuir,no caso do primeiro, para a compreensão de que os direitos subjetivos dependem dodireito objetivo, embora coexistam harmonicamente. "Os direitos subjetivos nãoexistem por si mesmos, não são de geração espontânea, nascidos do nada, não sãodireitos naturais; os direitos subjetivos não existem senão nos limites traçados pelasdiferentes regras de direito e nas condições postas por estas regras."12 E no tocante àsfontes do direito subjetivo, sua fonte, a norma jurídica, tanto pode ter origem na vontadeestatal quanto na particular, expressa esta no negócio jurídico.13 Não obstante, o

 positivismo sociológico, ao ressaltar a contingência social que envolve o indivíduo,contribuiu gradualmente para a teoria dos limites do direito subjetivo em que sedestacam o abuso do direito, a função social da propriedade e as limitações da ordem

 pública ao exercício da autonomia privada.Mais prático seria considerar o direito subjetivo como uma realidade jurídica.4. O direito subjetivo como realidade jurídica.

 Não obstante as críticas à figura do direito subjetivo, ele tem se firmado na atividade jurídica diária, não só por sua extrema utilidade, como por suas conhecidas justificativashistóricas.

 No aspecto técnico, independentemente da concepção teórica adotada, o certo é queexistem indiscutíveis prerrogativas, zonas de poder reconhecidas aos indivíduos pelodireito objetivo, que devem identificar-se como categoria própria, direito subjetivo,situação jurídica, ou até a tradicional relação jurídica.

 No aspecto histórico, são os direitos subjetivos "produto de um movimento ideológico

democrático e liberal, destinado a proteger o indivíduo contra os excessos doabsolutismo estatal".14 Na sua origem estão os movimentos políticos do liberalismo e

Page 124: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 124/359

do capitalismo, de que são também manifestações jurídicas as declarações políticas dosdireitos do homem e do cidadão.O direito subjetivo subsiste, assim, como realidade jurídica sobre a qual se constrói osistema de direito, tendo como elementos determinantes e essenciais os valores e asnormas. E a realidade do direito subjetivo concretiza-se na existência de relações

 protegidas por uma ação, para o fim de garantir os interesses protegidos por lei.15 Issonão significa, porém, que o direito subjetivo seja absoluto e intangível. Seu exercício érelativo e limitado pelo equilíbrio que deve existir entre os princípios do individual e dosocial.5. A essência do direito subjetivo. Teorias.Quanto ao elemento fundamental, a essência do direito subjetivo, três teoriasmanifestam-se no curso da evolução histórica do conceito: a teoria da vontade; a teoriado interesse; e a teoria mista, ou combinada, de ambos.Para a teoria da-vontade, de Savigny, Otto Von Gierke e Winds-cheid, principalmente,o direito subjetivo é poder de vontade reconhecido pela ordem jurídica. Tal concepção é

  própria do liberalismo clássico. O Estado intervém apenas quando estritamente

necessário, sendo o titular do direito o único juiz da conveniência de sua utilização.Conseqüência imediata dessa teoria é o princípio da autonomia da vontade.Para a teoria do interesse, de Ihering, o direito subjetivo é o interesse juridicamente

 protegido.16Ambas as teorias são criticáveis. Sendo o direito subjetivo um poder conferido a alguém

 pelo ordenamento jurídico, ele existe e é eficaz independentemente de o titular ter vontade ou interesse em algo. Fossem os direitos subjetivos manifestação de vontade dotitular, deles estariam privados todos os que não a podem manifestar juridicamente,como os absolutamente incapazes. Além disso, existem direitos de exercícioobrigatório, como os de família, os de propriedade com função social. Por isso, definir odireito subjetivo como poder da vontade significa confundir o próprio direito com o seuexercício.17 Quanto à teoria do interesse, para Ihering o direito subjetivo combina doiselementos, um, substancial, que é a vantagem, o benefício a atingir, e outro, formal, queassegura essa vantagem, e que é a proteção jurídica, a ação. A união de ambos forma odireito subjetivo, o "interesse juridicamente protegido". Tal concepção também é

 passível de crítica, pois confunde o direito subjetivo com o seu conteúdo ou com um deseus fins.18 Por outro lado, não se pode esquecer a coexistência de interesses diversosno próprio titular. No campo dos direitos de família, os interesses são da família, nãodos titulares individualmente, e no campo da propriedade, a sua função social implicaem poderes-deveres que não representam identidade de interesses. Há também umasérie de interesses difusos, interesses coletivos de grupos ou coletividades, que não

constituem propriamente direitos subjetivos.19Para a teoria mista, ou eclética, de George Jellinek, o direito subjetivo é um interessetutelado por lei mediante o reconhecimento da vontade individual. Reunindo os doiselementos básicos, vontade e interesse, concentra também as mesmas críticas. Melhor seria considerar o direito subjetivo como o poder de agir para a realização de uminteresse.Qualquer que seja o entendimento sobre a matéria, o direito subjetivo representa umaesfera de liberdade, um domínio reservado ao titular respectivo, traduzindo-se em um

 poder legítimo de atuação individual. Significando também uma restrição legítima àliberdade de outrem, mais adequado seria dizer que o direito subjetivo é, simplesmente,um poder de agir e de exigir de outrem determinado comportamento. Nem facultas

agendi, nem poder da vontade, nem interesse protegido. Apenas uni poder de agir e deexigir determinado comportamento para a realização de um interesse, pressupondo a

Page 125: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 125/359

existência de uma relação jurídica. Seu fundamento é a autonomia dos sujeitos, aliberdade natural que se afirma na sociedade e que se transforma, pela garantia dodireito, em direito subjetivo, isto é, liberdade e poder jurídico.206. Classificação dos direitos subjetivos.Classificar os direitos subjetivos é reuni-los em grupos, de acordo com determinados

 pontos de vista.Os critérios que adotamos, por seu valor sistemático, são os da natureza da relação jurídica a que pertencem e o bem que visam proteger.Quanto à relação jurídica que integram, os direitos subjetivos são públicos e privados,conforme a relação seja de direito público ou privado. Esse critério não é, porém,seguro, porque tanto o Estado pode ser titular de direitos privados quanto o particular dedireitos públicos. A tendência é conceber o direito subjetivo como uma situaçãosubjetiva unitária, própria da teoria do direito, de que o Estado pode ser titular ativo ou

 passivo.21----------------12 Boris Stark. Droit civil. Introduction, n2 144.

13 Larenz, apud Garcia Amigo. Instituciones de Derecho Civil, Parte general, p. 247.14 Michaélidès-Nouaros, L'évolution recém de Ia notion de droit subjectif, p. 221.15 lonescu, op. cit., p. 107.16 Bernard Windscheid., Diritto dellepandette, § 37, p. 170; Rudolf von Ihering.L'espirit du droit romain, IV, p. 3. A. 354. Interesse é a vantagem de ordem pecuniáriaou moral que leva um sujeito ao exercício de um direito (Henri Capitant Vocabulaire

 juridique, Paris, PUF, 1930).17 Ghestin, op. cit., p. 125.18 Idem, ibidem. O direito subjetivo é meio de proteção do interesse, mas não ointeresse em si, Thon, apud Gusmão, p. 322.19 Pietro Rescigno. Manuale dei diritto privato italiano, p. 258. José Carlos BarbosaMoreira. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos, p. 55 e segs.20 Luigi Ferri. L'autonomia privata, Milano 1959, p. 249.21 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 98; Elio Casetta, Diritti publicisubbjettivi, in Enciclopédia dei diritto XII, p. 797, é contra a distinção dos direitossubjetivos em públicos e privados, alegando que o direito subjetivo "é uma situaçãosubjetiva unitária própria da teoria geral do direito que pode ser considerada comreferência aos direitos relativos em que o Estado é titular ou obrigado na sua qualidadede ente soberano".----------------Quanto ao bem protegido, ou o fim a que se destinam, os direitos subjetivos privados

dividem-se em direitos de personalidade ou pessoais, direitos de família e direitos patrimoniais, que têm como referência, respectivamente, a própria pessoa dos sujeitosda relação jurídica individualmente ou como membro da família, ou os valores dorespectivo patrimônio. Os direitos da personalidade são aqueles que protegem a própria

 pessoa do titular, nas suas mais importantes manifestações (nome, imagem, intimidade,correspondência etc.). Os direitos de família e os patrimoniais dirigem-se a algo externoà pessoa,22 sendo os primeiros a expressão de deveres morais a ela atribuídos por efeitode sua posição na família, e os segundos, o meio de realizar os fins econômicos da

 pessoa.Outra classificação, com base na eficácia, distingue os direitos subjetivos em absolutose relativos, conforme devam ser respeitados por todas ou apenas algumas pessoas. São

absolutos os direitos de personalidade, os de família e os reais. São relativos os direitosde crédito.

Page 126: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 126/359

7. Os direitos subjetivos públicos.Os direitos públicos, que traduzem a situação jurídica em face do Estado, são previstosna Constituição, a saber, direitos de natureza política, direitos de caráter social e direitosde natureza estritamente jurídica, ou então, mais especificamente, direitos individuais ecoletivos, direitos sociais, direitos à nacionalidade e direitos políticos.23

A teoria dos direitos subjetivos públicos nasce na França, com o triunfo do liberalismoem seguida à Revolução Francesa. Sua origem é contemporânea ao nascimento edesenvolvimento do Estado constitucional burguês e liberal, exprimindo, no campo

 jurídico, os princípios da Declaração dos Direitos de 1789.O reconhecimento das liberdades individuais contraposta ao ab-solutismo estatal, exigiado direito estruturas jurídicas capazes de garantir a eficácia de tais liberdades,identificando os poderes e deveres existentes nas relações jurídicas entre o indivíduo e oEstado e tornando-os objeto de tutela jurisdicional específica. Tais estruturas seconsubstanciaram no direito subjetivo público que, para uns, deriva do Estado e só éadmissível nos limites que ele estabelece, e para outros, está contido nas relações que o"Estado, por ser titular de direitos perante os cidadãos, com eles mantém, resultando

dessas relações, conseqüentemente, direitos dos cidadãos perante o Estado." ParaJellinek, das relações que se instauram entre os indivíduos e o Estado nascem

  pretensões jurídicas. Tais pretensões são os direitos públicos subjetivos, e quandoobjetivam a não-ingerência estatal configuram os direitos de liberdade.Qual a diferença específica entre o direito subjetivo público e o privado? Para Jellinek,autor de obra fundamental e clássica,24 o direito subjetivo privado é um poder devontade garantido por um poder jurídico, enquanto que o direito subjetivo público é um

 poder jurídico a que não corresponde um poder da vontade. De qualquer modo, o direitosubjetivo público é poder criado exclusivamente pelo direito objetivo.Com a crescente intervenção do Estado nas relações sociais, até então domínio privadoe exclusivo do indivíduo, no sistema garantido pelo Estado Liberal, o conceito de direitosubjetivo público entra em declínio e a sua distinção do direito subjetivo privado écontestada. Qualquer que fosse a concepção sobre seu fundamento, a vontade ou ointeresse, o que existe, a rigor, é uma situação subjetiva própria da teoria geral dodireito, imutável na sua estrutura e na sua natureza, sendo improdutiva e injustificáveltal divisão.Atualmente, com o social predominando sobre o particular, não mais se justifica adistinção jurídica, considerando-se o direito subjetivo sob o ponto de vista técnico,como prerrogativa individual contida nas relações jurídicas dos particulares entre si oucom o Estado, todos subordinados à ordem jurídica, sob o império daconstitucionalidade e da legalidade.

8. Direitos patrimoniais e direitos extrapatrimoniais.Direitos patrimoniais e direitos extrapatrimoniais são os que têm, como critério desistematização ou de referência, o patrimônio.Patrimônio é o conjunto de relações jurídicas economicamente apreciáveis de que oindivíduo é titular (CC. art. 91).Constitui-se numa universalidade de direito, quer dizer, a ordem jurídica considera-ocomo um todo unitário e coeso. Distingue-se da universalidade de fato, que é umconjunto de direitos formado pela vontade humana, como, por exemplo, uma biblioteca,uma coleção de obras de arte etc.A categoria dos direitos patrimoniais compreende os direitos reais, os direitos decrédito, e os direitos intelectuais (de autor e da propriedade industrial). Os direitos

extrapatrimoniais são os direitos da personalidade, ou pessoais, que protegem atributos

Page 127: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 127/359

essenciais do homem, como o direito à vida, à liberdade, à honra etc. e os direitos defamília.Direitos reais são os que se exercem direta ou imediatamente sobre bens materiais,coisas. O Código Civil brasileiro estabelece as seguintes espécies: propriedade,superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador, penhor,

hipoteca, an-ticrese. (CC, arts. 1.228, 1.369, 1.378, 1.390, 1.412, 1.414, 1.417, 1.431,1.473 e 1.506).Direitos obrigacionais, ou de crédito, são os que têm por objeto imediato umcomportamento, uma ação ou uma omissão, chamada prestação, como por exemplo osque resultam de um contrato de compra e venda, de locação, de empréstimo etc.Direitos intelectuais são os que têm por objeto as produções do espírito, de naturezaartística, literária, científica, ou até industrial, compreendendo os direitos do autor, docompositor, do artista ou do inventor sobre os produtos de sua criação.25A importância da distinção entre direitos patrimoniais e extrapatrimoniais reside no fatode que os primeiros são transmissíveis, com algumas exceções,26 o que não se verificacom os extrapatrimoniais, que estão fora do comércio, sendo intransferíveis,

inalienáveis. Tal distinção poder-se-ia considerar como tendo por base dois póloscomplementares diversos, a matéria e o espírito.27 A distinção não é, porém, absoluta,

 podendo encontrar-se alguma interferência entre as duas categorias, como se verifica,  por exemplo, no direito aos alimentos entre parentes e entre os cônjuges, e naresponsabilidade civil decorrente da violação dos direitos personalíssimos como ahonra, a integridade física, a privacidade, direitos que compreendem, simultaneamente,aspectos extrapatrimoniais, como é o dever moral de prestar alimentos e de respeitar a

  personalidade humana nas suas diversas manifestações, e aspectos patrimoniais,traduzidos no valor econômico fixado, pelo juiz ou pelas partes, para a obrigação deindenizar decorrente da violação daqueles deveres.O critério da apreciação pecuniária, distinguindo os direitos em patrimoniais eextrapatrimoniais, é criticável, por estranho ao direito em si mesmo. Essa divisão refere-se mais ao interesse visado, material ou moral, do que ao direito em si. Os patrimoniaisdestinam-se a satisfazer um interesse econômico, avaliável em dinheiro, como os reais eos obrigacionais; os extrapatrimoniais não têm valor pecuniário, como ocorre com os de

 personalidades e os de família.Em face disso, temos de aceitar que a classificação dos direitos em patrimoniais eextrapatrimoniais não é absoluta, como aliás nenhuma classificação. Sempre existeminterferências e matizes que tornam impossível uma divisão radical e simplista. Seriatalvez melhor aceitar-se a tese dos degraus da patrimonialidade, segundo a qual narelação dos direitos subjetivos com o patrimônio da pessoa existem diversas etapas de

crescente patrimonialidade, exigibilidade e trans-missibilidade.289. Dever jurídico. Ônus.Ao direito subjetivo contrapõe-se o dever jurídico, situação passiva que se caracteriza

 pela necessidade de o devedor observar certo comportamento (positivo ou negativo)compatível com o interesse do titular subjetivo. Nos direitos absolutos esse dever égeral, todas as pessoas devem observá-lo, como ocorre nos direitos reais e nos direitosde personalidade. Na propriedade, por exemplo, toda a coletividade está em situação dedever relativamente ao titular desse------------------22 Espin Cánovas. Manual de Derecho Civil Espanol, I, p. 242.23 Constituição Federal, arts. 5£ a 12.

24 Georg Jellinek, System der subjectiven õfentlichen Rechts (Sistema dos direitossubjetivos públicos), Friburg. 1852.

Page 128: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 128/359

25 Lei n2 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais. 2(> Sãointransmissíveis, causa mortis, os direitos de usufruto, de uso e de habitação, o mandato,o comodato, a obrigação alimentar devida por parentesco, Cf. Henri de Page. Trateélémentaire de droit civil belge, Tome Premier, p. 191. 27 Ghestin, op. p.170.28 Pierre Catala, La transformation du patrimoine dans lê droit civil moderne, n. 27.

------------------direito. Todos os cidadãos devem não prejudicar o direito do proprietário de usar, gozar e dispor de seus bens, assim como todos trm de respeitar a vida e a integridade moraldas demais pessoas. Nos direitos relativos, como nas obrigações, o dever é especial,competindo apenas à pessoa vinculada pela relação jurídica como, por exemplo, ocomprador e o locatário, ern relação ao vendedor e ao locador.O dever jurídico é, portanto, a necessidade de se observar certo comportamento,

 positivo ou negativo, a que tem direito o titular do direito subjetivo. A este se contrapõe.Se for descumprido, sujeita-se o infrator às sanções preestabelecidas. O nãocumprimento do dever geral de abstenção, nos direitos absolutos pode configurar atoilícito, enquanto que nos direitos relativos consiste na infração do dever especial,

gerando-se, em ambos os casos, a obrigação de reparar o dano, a chamadaresponsabilidade civil.Próxima à noção do dever jurídico é a do ônus, necessidade que o agente tem decomportar-se de determinado modo para realizar interesse próprio, como, por exemplo,o ônus da prova para quem deseja defender judicialmente um direito seu, no sentido deque deve provar a existência desse direito e a respectiva lesão (CPC, art.333), ou ainda,o ônus de registrar uma escritura de aquisição de imóvel para garantir seu direito de

 propriedade (CC, art. 1.245, par. 1°).A diferença entre o dever e o ônus reside no fato de que no primeiro, o comportamentodo agente é necessário para satisfazer interesse do titular do direito subjetivo, enquantono caso do ônus o interesse é do próprio agente. No dever, o comportamento do agentevincula-se ao interesse do titular do direito, enquanto que, no ônus, esse comportamentoé livre, embora necessário, por ser condição de realização de interesse próprio. O ônusé, por isso, o comportamento necessário para conseguir-se certo resultado que a lei nãoimpõe, apenas faculta. No caso do dever, há uma alternativa de comportamento, umlícito (o pagamento, por exemplo) e outro ilícito (o não pagamento); no caso do ônus,também há uma alternativa de conduta, ambas licitas, mas de resultados diversos, comose verifica, por exemplo, da necessidade do adquirente de um imóvel registrar seu títuloaquisitivo (CC, art. 1.245). Se não o registrar, não adquire a propriedade.10. Direito potestativo.Direito potestativo é o poder que a pessoa tem de influir na esfera jurídica de outrem,

sem que este possa fazer algo que não se sujeitar.29 Consiste em um poder de produzir efeitos jurídicos mediante declaração unilateral de vontade do titular, ou decisão judicial, constituindo, modificando ou extinguindo relações jurídicas. Opera na esfera jurídica de outrem, sem que este tenha algum dever a cumprir.O direito potestativo não exige um determinado comportamento de outrem nem ésuscetível de violação. É, assim, figura inconfundível com a de direito subjetivo, e, paraalguns, até com a de relação jurídica,30 à qual se considera externo e antecedente. Aoutra parte não é sujeita ao poder do titular, mas à alteração produzida.31 Mas, comoele, o direito potestativo é expressão de autonomia privada.O direito potestativo distingue-se do direito subjetivo. A este contrapõe-se um dever, oque não ocorre com aquele, espécie de poder jurídico a que não corresponde um dever 

mas uma sujeição, entendendo-se, como tal, a necessidade de alguém suportar os efeitos

Page 129: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 129/359

do exercício do direito potestativo. Como não lhe corresponde um dever, não ésuscetível de violação e, por isso, não gera pretensões.Os direitos potestativos (do italiano potestà, poder) dizem-se também direitos deformação, no sentido de que permitem ao seu titular modificar, de modo unilateral, umasituação subjetiva de outrem, que, não podendo evitá-lo, deve apenas sujeitar-se. Ao

direito potestativo contrapõe-se, portanto, não um dever, mas um estado de sujeição àsmudanças que se operam na sua própria esfera.Os direitos potestativos podem ser:a) constitutivos, como o que tem o dono de prédio rústico ou urbano, encravado emoutro e sem saída pela via pública, fonte ou porto, de reclamar do vizinho que lhe deixe

 passagem (CC, art. 1.285), como também o direito do condômino de coisa indivisível dehaver para si a parte vendida a estranho, no caso de não lhe ter sido dado ciência davenda (CC, art. 504), ou o direito preferencial que o locatário tem de adquirir o imóvellocado no caso de o

  b) modificativos, como o do devedor de escolher, nas obrigações alternativas, a prestação que mais lhe aprouver (CC, art. 252), ou o direito de constituir em mora o

devedor (CC, art. 397), o direito de substituir o terceiro beneficiário (CC, art. 438) etc.c) extintivos, como o de revogar ou renunciar o mandato, (CC, art. 682, I), o de ocondômino exigir a divisão da coisa comum (CC, art. 1.320), o de despedir empregado,o de requerer o despejo do inquilino inadimplente, o de anular contrato, o de resolver contrato por inadimplemento do dever, o de alegar compensação, o de requerer olevantamento da quantia depositada no pagamento por consignação (CC, art. 338) etc.11. Faculdade jurídica.Faculdades jurídicas são os poderes de agir, contidas no direito subjetivo. Consistem em

 possibilidade de atuação jurídica que o direito reconhece na pessoa que se encontra emdeterminada situação. Por exemplo, o direito de propriedade, (CC, art. 1.228) confere aotitular as faculdades de usar, gozar e de dispor da coisa. As faculdades jurídicasdistinguem-se, assim, dos direitos subjetivos por não terem autonomia e deles seremdependentes. São como que desdobramentos do próprio direito, sem existênciaautônoma.As faculdades são, portanto, aptidões para a prática do ato, e o direito subjetivo, umconjunto de faculdades, como, por exemplo, o direito do mutuante à restituição daquantia emprestada (CC, art. 586). Neste caso, ambos coincidirão.Embora integrantes e dependentes do direito subjetivo, as faculdades jurídicas podemtornar-se independentes, constituindo-se em verdadeiros direitos subjetivos no caso de o

 primitivo titular transmiti-las em separado a outro sujeito. É o que ocorre quando seconstituem direitos reais limitados (usufruto, uso, habitação etc.), que nada mais são do

que faculdades jurídicas integrantes do direito subjetivo de propriedade e que,transmitidos pelo respectivo titular a outrem, se tornam independentes e se constituemem outra espécie de direito subjetivo.A falta de exercício das faculdades jurídicas não prejudica a existência do respectivodireito (facultativis non datur praescriptio), a não ser nas hipóteses previstas em lei,como a de usucapião, em que o proprietário perde a propriedade de uma coisa em favor de outro sujeito que dela tem posse mansa e pacífica no prazo que a lei estabelece (CC,art. 1.238).12. Situação jurídica.Outra figura que recentemente vem despertando interesse doutrinário é a de situação

 jurídica, com que se pretende substituir a de direito subjetivo. Consiste no conjunto de

direitos e deveres atribuídos pelo direito objetivo a uma pessoa, em determinadascircunstâncias.

Page 130: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 130/359

A mais conhecida tentativa de substituir a noção de direito subjetivo pela de situação  jurídica é de Duguit, para quem não haveria direitos subjetivos mas sim situações jurídicas. Inspirando-se no positivismo sociológico, segundo o qual o direito é produtoda sociedade, emergindo da consciência coletiva (Durkhein) ou das consciênciasindividuais (Duguit), este autor rejeita a idéia dos direitos inerentes à pessoa humana

que, em sua opinião, traduzem a superioridade de uma vontade sobre outra. O queimporta, segundo ele, são as regras jurídicas objetivas que, aplicadas aos indivíduos,criam situações, não direitos.A doutrina distingue-as em objetivas, quando resultantes da própria norma que asdetermina, apresentando as mesmas características de generalidade e permanência,como, por exemplo, a situação de conjugue ou de proprietário. E subjetivas, seresultantes da manifestação da vontade particular e, por isso mesmo, adaptadas aosinteresses do agente, como a situação de comprador, de locatário etc. Neste caso, asituação é especial e temporária. Outra característica, introduzida por Roubier33 nestamatéria, consistiria no fato de que, nas situações jurídicas objetivas, haveria maisdeveres do que direitos, pois o elemento dever seria predominante, enquanto que nas

subjetivas se daria o contrário, haveria uma tendência a criar mais direitos do quedeveres, como se pode verificar nos exemplos acima.E o que se verifica, por exemplo, nas situações jurídicas de cônjuge e de genitor, em quea lei estabelece poderes e deveres, estes mais numerosos do que aqueles. O conceito desituação jurídica é inseparável do de relação jurídica, que se pode também, definir comoo vínculo entre duas situações jurídicas correlatas.3413. Expectativa de direito, Direito eventual. Direito condicional. Direito atual e futuro.Os direitos subjetivos podem formar-se instantânea ou gradati-vamente.

 No caso de formação progressiva, cria-se uma situação preliminar de incerteza, deexpectativa, de espera pela aquisição do direito. Este ainda não nasceu. A expectativa é,assim, um direito em formação, ainda dependente de algum elemento. Diz-se de fatoquando existe apenas a esperança, a simples possibilidade abstrata de aquisição dodireito que, por isso mesmo, não goza de proteção legal. Diz-se de direito quando já seconfigura em parte o direito, existindo uma situação dependente do requisito legal oufato específico. A relação jurídica está suspensa, pendente, mas já produz efeitos

  provisórios, diversos porém dos que existiriam se o direito já estivesse totalmenteconstituído.Exemplo de expectativa de fato é a esperança que os filhos têm de suceder a seus pais,quando estes morrerem, pois, enquanto vivos, não têm eles quaisquer poderes oudireitos nesse sentido. Exemplos de expectativa de direito são a do possuidor de umacoisa a fim de obtê-la por usucapião, a dos sócios de uma pessoa jurídica sobre o

 patrimônio desta, em caso de dissolução, a do adquirente de um direito sob condiçãosuspensiva etc.A expectativa de direito tem proteção jurídica, sendo que alguns já a consideram direitosubjetivo (Von Thur) e, em matéria de direito intertemporal, isto é, de conflito de leis notempo, propriamente direito adquirido (LICC, art. 6° § 2-}.Direito eventual é um direito concebido mas ainda não nascido, por lhe faltar algumelemento constitutivo, como o do proponente em relação ao destinatário da proposta(CC, art. 428, III e art. 430), e o do promitente-comprador quanto à venda definitiva. Odireito eventual está sujeito a acontecimento futuro, essencial à sua existência (por exemplo, o pagamento do preço, a lavratura da escritura pública) dependente da atuaçãodo próprio interessado. Difere do direito condicional porque este já está formado,

embora sua eficácia dependa do implemento da condição. Direito condicional é o direitosubjetivo cuja aquisição ou extinção depende de evento futuro e incerto previsto, mas

Page 131: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 131/359

não dependente da vontade negociai como, por exemplo, a aquisição de coisa futura. Não é sinônimo de expectativa de direito, que pressupõe um direito em formação,embora esta opinião não seja pacífica. (V. Cap. XIV, n° 14)Direito atual e direito futuro. Direito atual é o direito subjetivo completamenteadquirido, podendo ser exercido pelo seu titular; direito futuro, aquele cuja aquisição

ainda não se completou. O direito futuro diz-se deferido quando a sua aquisiçãodepende do arbítrio do sujeito, e nesse particular pode confundir-se com o direitoeventual, como por exemplo, o direito de propriedade dependente da transcrição daescritura de compra do imóvel, e não deferido quando, iniciada a aquisição, esta ficasubordinada a fatos ou condições falíveis, como a doação de uma futura safra agrícola.14. Direito subjetivo, pretensão e ação.O direito que o titular do direito subjetivo tem de exigir de outrem uma determinadaação ou omissão chama-se, por influência do direito alemão, pretensão.35O conceito de pretensão no direito civil deve-se a Windscheid, que trouxe para o direitomaterial a actio, direito subjetivo processual do direito romano, que consistia, na épocaclássica, em uma faculdade de direito privado em face da parte contrária, e,

 posteriormente,-------------------29 Goffredo Telles Júnior, op.cit. p.315.30 Ferrara. Trattato di diritto civile italiano, p. 34 e segs.31 Irti, op.cit. p.91.

 proprietário decidir aliená-lo,32 ou ainda o direito de ocupar rés mdlius, ou de desfazer contrato em caso de inadimplemento, ou de ratificar ato jurídico anulável, ou o direitode opção, o direito de preencher documento em branco etc.32 Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 27.33 Ghestin, op. cit. p. 144.34 Bianca, C. Massimo. Diritto Civile. VI, p. 10.35 BGB, par. 194: "O direito de exigir de outro uma ação ou uma omissão (pretensão)se extingue por prescrição." A pretensão é assim uma "faculdade derivada de um direitosubjetivo, a faculdade de exercitar o conteúdo do direito de que ela mesma éconseqüência". Código Civil Alemão (BGB) com tradução e notas de Carlos MelonInfante, p. 38, nota 155.-------------------como faculdade de direito público, do particular, em face do Estado, para exigir a

 proteção judicial. Para Windscheid, o direito subjetivo era uma realidade primária,enquanto a possibilidade de sua imposição, por via de uma ação, a pretensão, era umarealidade secundária.36 A pretensão surge, assim, como a "direção pessoal do direito

subjetivo e a possibilidade que tem seu titular de formular a correspondente reclamação judicial"37, ou por outras palavras, é a legitimação material para exercer, por via deação, uma exigência específica de uma pessoa frente a outra.38A pretensão nasce no momento em que se pode exigir a prestação, o que nem semprecoincide com o nascimento do direito subjetivo, do crédito. Se uma pessoa se tornacredora de outra, obrigando-se a pagar posteriormente, em dia determinado, e não paga,descum-prindo seu dever, só neste dia é que nasce a pretensão.39 No direito de

  propriedade, o titular pode exigir de outrem que respeite esse direito quando, por exemplo, esse outrem se apossa da coisa. Essa faculdade é a pretensão, é o poder dirigido especificamente contra o ofensor, que decorre da violação de dever pré-existente.

As pretensões dividem-se em pessoais e reais. As primeiras, quando se dirigem a pessoas já determinadas, como, no caso dos direitos relativos, os devedores. As reais

Page 132: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 132/359

decorrem dos direitos subjetivos reais e dirigem-se às pessoas que violarem tais direitos,direitos absolutos.O conceito de pretensão pressupõe o de direito subjetivo e o do correspondente dever.Mas existem direitos que não dão origem a pretensões, os direitos potestativos, a quenão correspondem deveres. O conceito de pretensão é, assim, útil para se distinguirem

os direitos subjetivos dos direitos potestativos. Estes não têm deveres, não podem ser lesados, logo, não geram pretensão.15. Exercício dos direitos subjetivos.O exercício do direito subjetivo consiste na prática de atos próprios das faculdadesque lhe formam o conteúdo. O proprietário exerce o seu direito de propriedade quando

 pratica atos correspondentes às faculdades de usar, gozar e dispor da coisa que lhe pertence (CC, art. 1.228). O credor exerce seu direito quando exige o pagamento quelhe compete.O exercício dos direitos subjetivos apresenta diversas modalidades.Quanto à vontade do titular, esse exercício é voluntário se depende do livre arbítrio doseu titular, o que é regra geral, e obrigatório quando se apresenta como direito-função,

vale dizer, meio para cumprimento de um dever, como o que ocorre com o pátrio poder ou com o poder tutelar, que se exercem em favor dos filhos ou dos tutelados.Quanto à sua duração, o direito subjetivo é de uso reiterado ou duradouro, comoacontece com os direitos de família e os reais, por exemplo, a servidão, e de usoinstantâneo, quando se extingue com seu exercício, como ocorre com os direitos decrédito, que terminam com o pagamento.Quanto aos sujeitos, o exercício é direto, se o próprio titular pratica o ato, e indireto, se

 por meio de outra pessoa. O exercício indireto pressupõe, geralmente, representação jurídica, isto é, a prática de um ato por alguém em nome e no interesse de outrem (V.Cap. XIII). Os direitos de família, em geral, e o direito do testar só admitem o exercíciodireto.A representação nasce da lei, e diz-se legal, como a dos pais, tutores e curadores, oudecorre de negócio jurídico, e diz-se convencional, como a que nasce da procuração.16. Limites ao exercício dos direitos subjetivos.Cada pessoa deve exercer os seus direitos nos limites estabelecidos pelo conteúdo(faculdades) do próprio direito ou de disposições legais específicas que visam proteger os direitos das demais pessoas. A extensão dos direitos subjetivos é condicionada,

 portanto, por limites próprios da natureza do direito (intrínsecos) ou por limites externosestabelecidos pelo direito (extrínsecos).São limites intrínsecos: 1) os que derivam da própria natureza do direito, quanto ao seuobjeto e conteúdo. Por exemplo, o dono de um imóvel só pode atuar nos limites do

objeto, o imóvel; e quanto ao conteúdo, o titular de uma servidão de passagem só podeexercer esse direito, nada mais; 2) os que derivam do princípio da boa-fé, corno "asidéias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dosnegócios jurídicos"; e 3) os que decorrem da função ou destino econômico e social do

 próprio direito, cuja contrariedade justifica a aplicação da teoria do abuso do direito.40São limites extrínsecos os decorrentes da proteção que o direito dispensa a terceiros de

 boa-fé, e os nascidos da concorrência ou colisão com direitos de outrem. Configura-se aconcorrência ou a colisão quando existem direitos de pessoas diversas sobre o mesmoobjeto, sem possibilidade de exercício simultâneo, como se verifica na co-propriedadeou condomínio sobre a cobertura ou terraço de um edifício, ou, ainda, quando duas oumais pessoas são titulares da mesma servidão de passagem, ou quando o proprietário

quer retomar o imóvel alugado, em conflito com o locatário que tem direito a nele permanecer, ou quando existe um concurso de credores sobre os bens do falido. Se os

Page 133: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 133/359

direitos são da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário paraque todos produzam igualmente o seu efeito, sem prejuízo para qualquer das partes,como se verifica, por exemplo, quando se divide o patrimônio de devedor insolvente por todos os credores em iguais condições (par conditio creditorum). Se os direitos foremdesiguais, ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (CC

 português, art. 335.). Por exemplo, em matéria de registro de imóvel, o direito maisantigo tem preferência sobre o mais moderno (prior tempore potior iure); no concursode credores, que se verifica quando as dívidas excedem o valor global dos bens dodevedor (CC, art. 955) a lei estabelece preferência para os privilégios e os direitos reais(CC, art. 958).17. O abuso de direito.Há abuso de direito sempre que o titular o exerce fora dos seus limites intrínsecos,

 próprios de suas finalidades sociais e econômicas.A teoria do abuso do direito surge no século XIX, como superação das concepçõesindividualistas e liberais que viam o direito subjetivo como poder da vontade e comoexpressão da liberdade individual. O titular podia utilizar seus direitos sem quaisquer 

limitações, pois a opinião dominante era que neminem laedit qui iure suo utitur.41Encontram-se, porém, antecedentes no direito romano, como na proibição ao

 proprietário de demolir sua casa para vender os materiais, ou na perda da propriedadequando o titular se recusava a prestar caução de dano infecto (hoje CC art. 1.277), ou,ainda, na legislação imperial, as proibições de se manterem incultas as terras e de semanterem os latifúndios. O problema do abuso do direito é assim, prevalentementehistórico, usando-se tal conceito a partir de certa época, por força da importânciacrescente da propriedade industrial sobre a agrária, e das idéias solidaristas e socialistasque vieram a influir na regulamentação jurídica da propriedade.42Precedente imediato da teoria do abuso de direito é a opinião dos juristas medievaissobre a ilicitude dos atos de emulação, aqueles que o proprietário ou o vizinho praticasem qualquer vantagem econômica mas com o objetivo de prejudicar terceiros.Verificando-se com freqüência tal comportamento, principalmente nas relações devizinhança, desenvolveu-se a tese da necessidade de limitação do exercício dos direitossubjetivos no âmbito dos limites estabelecidos por sua própria finalidade social eeconômica. Superava-se, desse modo, a concepção absolutista do direito subjetivo eaceitava-se a idéia de sua relatividade e de sua função social.43Foi a jurisprudência francesa a que mais recentemente formulou e aplicou essa teoria,deduzindo-a dos princípios gerais do direito. Segundo Cornil, o exercício de um direitoindividual deixa de ser permitido quando se opõe à moral social e, particularmente,quando útil para o titular do direito e danoso para outras pessoas.44 Casos famosos

dessa jurisprudência são o Colmar, de 1855, e o Clement-Bayard, de 1913.45Alguns códigos disciplinam a matéria, como o Código Civil alemão (par. 226), o suíço(art. 2°), o soviético (art. 1°), o peruano (art. 1°), o português (art. 334°), o espanhol(art. 7°) e, de modo semelhante ao português, o art. 187 do Código Civil brasileiro (V.nota 52). O Código Civil brasileiro de 1916 acolhia a figura do abuso do direito, demodo indireto, no seu art. 160, ao reconhecer como ato ilícito o exercício irregular ouarbitrário de um direito.A teoria do abuso do direito suscita duas posições doutrinárias opostas. Para uma, denatureza subjetiva, existe abuso de direito quando o respectivo titular exercita seudireito sem necessidade mas com intenção de prejudicar. Três são os elementos:exercício do direito, intenção de causar dano e inexistência de interesse econômico.

Dentro desse critério subjetivo ainda se distinguem dois sub-critérios: o intencional, queé historicamente o primeiro critério, pelo qual o abuso de direito pressupõe o "ânimo de

Page 134: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 134/359

 prejudicar", e o técnico, que se contenta com o exercício incorreto do direito, culposo.46Para a doutrina objetiva, o abuso do direito é conseqüência do exercício anormal dodireito, permitindo dois subcritérios, um, econômico, que se manifesta no exercício dodireito para "satisfação de interesses ilegítimos", e outro, funcional ou finalista, segundoo qual o direito não se exerce de acordo com sua função social.47

Também a própria existência jurídica do abuso de direito suscita controvérsias. Planiolcritica essa teoria alegando que um ato jurídico não pode ser, simultaneamente,conforme ou contrário ao direito. Para ele, a expressão abuso de direito encerra umalogomaquia, uma contradição, porque ou se usa de um direito e o ato é lícito, ou dele seabusa, ultrapassando-se os limites, e o ato é ilícito. Josserand mostra que o direitosubjetivo distingue-se do direito objetivo e que, por isso, um ato pode ser praticado noslimites do direito subjetivo e, ao mesmo tempo, ser contrário aos princípios ao sistema

 jurídico. O direito cessa onde o abuso começa. O problema reside, então, na fixação doslimites internos do direito subjetivos, e é aí que intervém a noção de abuso.48Fundamento da teoria de Josserand é a idéia de que todos os direitos têm uma finalidadesocial, pelo que o direito não pode ser legitimamente utilizado senão de acordo com

essa finalidade. Qualquer outro uso é abusivo.São exemplos práticos de abuso de direito os que se verificam nas relações devizinhança;49 na defesa da propriedade de imóvel invadido; em matéria de usufruto,quando o usufrutário permite a deterioração do bem usufruído; em matéria contratual,em alguns casos de resilição unilateral de contrato de duração indeterminada, comocontrato de trabalho, assim como também a exigência em certas circunstâncias deexecução perfeita do contrato;50 nas relações de família, a escolha da residência oudomicílio da família por qualquer dos cônjuges, ou pelo cônjuge separado ou divorciadoque detém a guarda dos filhos menores ou inválidos; o abuso no pedido de separação

 judicial e no direito de impedir o casamento dos filhos menores; o exercício do pátrio poder na proibição de visita aos--------------------36 Larenz, Teoria Geral do Direito Civil, p. 315 e 316.37 PuigBrutau, op. cit. p. 41238 Larenz, ibidem.39 Von Thur, op. cit., p. 326.40 Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 1995, p. 131. José Castan Tobenas,Derecho Civil Espanol, Comum y f oral. Tomo primeiro, volumen segundo, p. 46 esegs. Luís. A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 481.41 Neminem laedit qui iure suo utitur (a ninguém prejudica aquele que usa de seudireito). Jaime M. Mans Puigarnau. Los Princípios Generales dei Derecho. p. 480.

42 Rescigno. Manuale dei diritto privato italiano.43 Louís Josserand, De Vesprit dês droits et de leur relativité, p. 386.44 Cornil. El Derecho Privado (Ensaio de Sociologia Jurídica Simplificada), apudCastan Tobenas. op. cit., p. 48.45 Josserand, op. cit., p. 25 a 26. No caso Colmar, de 1855, tratava-se de uma falsachaminé, de grande altura, que o proprietário de uma casa tinha construído. Essa obra,que não tinha quaisquer utilidades para o proprietário da casa, destinava-se a fazer sombra na casa do vizinho, que recorreu à justiça para fazer cessar esse prejuízoinvocando a teoria do abuso do direito. O tribunal decidiu que "se" é dos princípios queo direito de propriedade é um direito de algum modo absoluto, autorizando o

 proprietário a usar e abusar da coisa, todavia o exercício deste direito, como de qualquer 

outro, deve ter como limite a satisfação de um interesse sério e legítimo', Josserand, op.cit. p. 24. O caso Clement-Bayard, de 1913, é o seguinte: "um proprietário rural, vizinho

Page 135: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 135/359

de um hangar onde um fabricante de dirigíveis guardava os seus aparelhos, construiuimensas armaduras de madeira altas como casas, e com hastes de ferro, para criar dificuldades aos dirigíveis. Verificando-se um acidente, em que um dos aparelhos foivítima, o construtor pediu perdas e danos e demolição de tais construções. Não obstantea defesa do réu ter invocado seu direito de propriedade sobre o imóvel onde fizera as

construções, o tribunal deu ganho de causa ao dono do dirigível, com base na teoria doabuso de direito.46 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, p. 17: Orlando Gomes, op.cit., p. 131 n- 66.47 Castan Tobenas, op. cit., p. 48.48 Ghestin, op. cit., p. 750.49 Relações de vizinhança. Súmula da jurisprudência dominante no Supremo TribunalFederal. Súmula n- 120: "Parede de tijolos de vidro translúcida pode ser levantada amenos de metro e meio do prédio vizinho, não importando servidão sobre ele. Súmulan- 414: "Não se distingue a visão direta da oblíqua na proibição de abrir janela, ou fazer terraço, eirado ou varanda, a menos de metro e meio do prédio ou trem."

50 Ghestin op. cit. p. 780. Cf. Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier. Efeito externo dasobrigações; abuso de direito; concorrência desleal, p. 8 e segs.--------------------avós;5' em matéria societária, o abuso eventual nas deliberações sociais; nas relações detrabalho, o abuso do direito de greve e de dispensa arbitrária; em matéria processual, oabuso que revela o devedor que pratica atos atentatórios à dignidade da justiça (CPC,art. 600), ou a parte que se aproveita do direito de ação para propor lides temerárias.

 Nas relações de consumo, o uso abusivo da personalidade jurídica da sociedade, da publicidade, das práticas comerciais, das cláusulas contratuais relativas ao fornecimentode produtos e serviços (Lei 8.078 / 90, arts. 28, 37, 39, 51).A sanção para o abuso de direito depende da natureza do ato de que provém,ressaltando-se a circunstância de que o direito considera o ato abusivo, de maneirageral, ato ilícito.52 Pode ser direta, no sentido de compelir o infrator a restaurar o estadoanterior, pondo fim à situação abusiva, ou indireta, repercutindo no patrimônio dodevedor da obrigação de indenizar o dano (responsabilidade civil).Deve entender-se como fim econômico ou social a função instrumental própria de cadadireito subjetivo, a qual justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício. Talconcepção parte da idéia de que os direitos subjetivos são instrumentos jurídicos para arealização de interesses.A boa-fé entende-se sob o ponto de vista psicológico e sob o ponto de vista ético.Psicologicamente, a boa-fé é a convicção de que se procede com lealdade, com a certeza

da existência do próprio direito, donde a convicção da licitude do ato ou da situação  jurídica. Eticamente, a boa-fé significa a consideração, pelo agente, dos interessesalheios, ou a "imposição de consideração pelos interesses legítimos da contraparte"como dever de comportamento.53Bons costumes significam o conjunto das regras morais aceitas pela consciência social,correspondendo à moral objetiva, ao sentido ético imperante na comunidade social.5418. Proteção dos direitos subjetivosA ordem jurídica coloca à disposição do titular do direito subjetivo diversas medidas

 para conservá-lo ou defendê-lo. Tais medidas classificam-se, quanto ao conteúdo, em preventivas e repressivas, e, quanto à forma de realização, em judiciais e extrajudiciais.As medidas preventivas têm por objetivo garantir o direito contra futura violação.

Podem ser de natureza privada ou extrajudicial e de ordem judicial, estas quando serealizam por meio de organismo judiciário. São de caráter privado as chamadas

Page 136: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 136/359

Page 137: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 137/359

uma conotação estática e, ao segundo, uma dinâmica. A ação era o direito posto emmovimento e atuado em juízo. Essa, a teoria clássica, confundindo os aspectos materiale formal da ação. Teorias novas distinguem esses dois aspectos, separando o direitosubjetivo material do direito de ação, ou direito no seu aspecto formal. A açãoconfigura-se, portanto, como um direito de existência própria, distinguin-do-se a ação

no seu aspecto material, ou a faculdade de exigir-se de outrem a prestação devida, daação no seu aspecto formal, ou faculdade de invocar-se a tutela jurisdicional do Estado.A primeira passa a denominar-se pretensão e seu estudo permanece no direito civil, por ser manifestação do direito substantivo, material. A segunda é matéria do direito

 processual civil. Neste sentido a ação, como direito de invocar a tutela jurisdicional doEstado, é um direito autônomo, de natureza pública, dirigido ao Estado, e de naturezainstrumental em relação ao direito subjetivo material, de natureza privada.19. Conciliação. Mediação. Arbitragem.A ordem jurídica admite ainda outros meios de conservação de direitos, caracterizadosnão só pelo menor grau de formalismo, mas também pela participação dos própriossujeitos interessados na solução do problema. O direito anglo-saxônico chama-os de

ADR (alternative dispute resolution), e são hoje objeto de grande interesse da sociologiado direito. Compreendem a conciliação, a mediação e a arbitragem.A conciliação é o procedimento pelo qual se levam "as partes à mesa" induzindo-as a

 participar da solução do problema. Pode ser formal ou informal, conforme o grau deformalismo de que se revista. No direito brasileiro é obrigatória a tentativa deconciliação das partes (Código de Processo Civil, arts. 125, IV, 277, 335 e 447;Consolidação das Leis do Trabalho, art. 831; Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995,sobre Juizado Especiais Civis e Criminais, arts. 16, 21 e 73).A mediação é o processo em que uma parte neutra ajuda os contendores a chegarem aum acerto voluntário de suas diferenças. No direito processual brasileiro confunde-secom a conciliação.A arbitragem é um processo formal, disciplinado no Brasil pela Lei 9.307 de 23 desetembro de 1996, segundo o qual as partes aceitam submeter a terceiro a apreciação doseu litígio, cabendo a esse terceiro ouvir as partes, estudar os argumentos e decidir.

------------------------51 Orlando Gomes, op. cit, p. 134. Inácio de Carvalho Neto, Separação e Divórcio, p.346.52 Dispõe o art. 187 do Código Civil brasileiro: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seufim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

53 Soergel-Siebert. Comentários ao BGB, apud Castro Mendes, op. cit., III, p. 652, eMenezes Cordeiro. Da boa-fé no direito civil, II p. 1.284 e segs.54 Coutinho de Abreu, op. cit. 63.55 Enneccerus-Niperdey. Derecho civil. Parte general, vol. II, par. 239 p. 1.087.------------------------

CAPÍTULO VISujeitos de Direito. A Pessoa Natural

Sumário: 1. Os sujeitos de direito. A personalidade. 2. Personalidade e capacidade. 3. A pessoa física. Aquisição da capacidade jurídica. 4. O problema da personalidade jurídica

do nascituro. 5. Extinção da capacidade jurídica. A morte. 6. Presunção de morte.Ausência. 7. Comoriência. 8. Capacidade de direito. Capacidade de fato. Legitimidade.

Page 138: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 138/359

9. Incapacidade absoluta. 10. Incapacidade relativa. 11. Proteção aos incapazes. 12.Emancipação. 13. Estado civil. Conceito. Importância. 14. Natureza do estado. Atributoda personalidade e direito subjetivo. 15. Fontes e espécies de estado. 16. Característicasdo estado. 17. O estado familiar. 18. O estado político. 19. A posse de estado. 20. Açõesde estado. 21. O registro dos atos de estado. 22 O domicílio. Conceito. Características.

Importância. Determinação. Espécies.

1. Os sujeitos de direito. A personalidade.Elemento subjetivo das relações jurídicas são os sujeitos de direito.Sujeito de direito é quem participa da relação jurídica, sendo titular de direitos edeveres. São sujeitos de direito as pessoas físicas ou naturais isto é, os seres humanos, eas pessoas jurídicas, grupos de pessoas ou de bens a quem o direito atribui titularidade

 jurídica. Os animais não são sujeitos. São coisas e, como tal, possíveis objeto de direito.O direito protege-os para garantir-lhes a sua função ecológica, evitar a extinção deespécies ou defendê-los da crueldade humana (CF art. 255, VII e Declaração Universalde Direitos Humanos).

A possibilidade de alguém participar de relações jurídicas decorre de uma qualidadeinerente ao ser humano, que o torna titular de direitos e deveres. Essa qualidade chama-se personalidade jurídica, e os que a têm, pessoas.1Pessoa é o homem ou entidade com personalidade, aptidão para a titularidade dedireitos e deveres.Titularidade de um direito é a união do sujeito com esse direito. Não há sujeitos semdireitos, como não há direitos sem titular.2Ser pessoa é ter a possibilidade de ser sujeito de direitos, de relações jurídicas, comocredor, devedor, pai, cônjuge etc.É na pessoa que os direitos se localizam, por isso ela é sujeito de direitos ou centro deimputações jurídicas no sentido de que a ela se atribuem posições jurídicas.O termo pessoa tem um significado vulgar e outro jurídico. Na linguagem comum,

 pessoa é o ser humano, mas tal sentido não serve ao direito, que tem vocabulárioespecífico. Na linguagem jurídica, pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão

 para a titularidade de direitos e deveres. Todo ser humano é pessoa pelo fato de nascer ou até de ser concebido. Pessoa é o ser humano como sujeito de direitos.3Pessoa vem de persona, significando, na antigüidade clássica, a máscara (larvahistrionalis] com que os atores participavam dos espetáculos teatrais e religiosos, paratornarem mais forte a sua voz.4 A palavra passou a ser usada como sinônimo de

 personagem. E como na vida real os indivíduos desempenham papéis, à semelhança dosatores no palco, o termo passou a significar o ser humano nas suas relações sociais e

 jurídicas. Desse modo, toda pessoa seria jurídica, no sentido de que tal qualificação,como centro de direitos e deveres, é reconhecida pelo direito,5 compreendendo-se assimque na história se encontrem indivíduos que não eram considerados pessoas, como osescravos e os mortos civis (os condenados), enquanto que no direito moderno há

 pessoas que não são seres humanos, como as associações, as sociedades, as fundações. No direito romano a personalidade jurídica do homem dependia de requisitos físicos(nascimento com vida, separação do ventre materno e forma humana) e da existência detrês estados: de liberdade (status libertatis), cidadania (status civitatis} e de família(status familiae}. Significa isso dizer que o reconhecimento da personalidade, com osdireitos da plena capacidade jurídica, exigia que o indivíduo fosse livre (não escravo),cidadão (não estrangeiro) e sui iuris ou chefe de família. No direito moderno, extinta a

escravidão, reconhecido aos estrangeiros o gozo dos direitos civis, e admitido que a

Page 139: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 139/359

situação familiar não altera a capacidade jurídica, a personalidade surge como projeçãoda natureza humana. E a pessoa passa a ser sinônimo de homem e de sujeito de direito.A evolução doutrinária apresenta duas concepções, a naturalista e a formal, ou jurídica.Para a concepção naturalista, todos os indivíduos têm personalidade, consideradainerente à condição humana como atributo essencial do ser humano, dotado de vontade,

liberdade e razão.Para a concepção formal, própria da ciência jurídica positivista, a personalidade éatribuição ou investidura do direito. Pessoa e homem não coincidiriam. Pessoa não seriao ser humano dotado de razão, mas simplesmente o sujeito de direito criado pelo direitoobjetivo. Com uma visão mais atualizada, pode-se dizer que pessoa traduz aqualificação jurídica da condição natural do indivíduo, em uma transposição doconceito ético de pessoa para a esfera do direito privado,6 e no reconhecimento de quesão inseparáveis as construções jurídicas da realidade social, na qual se integram e pelaqual se justificam.2. Personalidade e capacidade.Conexo ao de personalidade, temos o conceito de capacidade. Não são, porém,

sinônimos. "Interpenetram-se sem se confundirem".A personalidade, mais do que qualificação formal, é um valor jurídico que se reconhecenos indivíduos e, por extensão, em grupos legalmente constituídos, materializando-se nacapacidade jurídica ou de direito. A personalidade não se identifica com a capacidade,como costuma defender a doutrina tradicional. Pode existir personalidade semcapacidade, como se verifica com o nascituro, que ainda não tem capacidade, e com osfalecidos, que já a perderam.7Por outro lado, as pessoas jurídicas têm capacidade de direito e não dispõem de certasformas de proteção da personalidade,8 representadas pelos chamados direitos da

 personalidade.A personalidade ou subjetividade significa, então, a possibilidade de alguém ser titular de relações jurídicas. E portanto, o pressuposto dos direitos e dos deveres. Deve ser considerada como um princípio, um bem, um valor em que se inspira o sistema jurídico,superando-se a concepção tradicional, própria do individualismo do séc. XIX, queexaltava a pessoa apenas do ponto de vista formal ou técnico-jurídico.Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que setraduz em um quantum. Capacidade, de capax (que contém), liga-se à idéia dequantidade e, portanto, à possibilidade de medida e de graduação. Pode-se ser mais oumenos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa. Compreende-se, assim, aexistência de direitos da personalidade, não de direitos da capacidade. O ordenamento

 jurídico reconhece a personalidade e concede a capacidade, podendo considerar-se esta

como um atributo daquela. A capacidade é então a "manifestação do poder de açãoimplícito no conceito de personalidade",9 ou a "medida jurídica da personalidade". E,enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade éatribuída pelo ordenamento jurídico,10 como realização desse valor.A capacidade de direito, como titularidade de direitos e deveres, chamada pela doutrinafrancesa de capacidade de gozo, porque é o titular que deles desfruta, distingue-se dacapacidade de fato, aptidão para o exercício desses direitos ou deveres.3. A pessoa física. Aquisição da capacidade jurídica.Pessoa natural ou física é o ser humano como sujeito de direitos e deveres. Sua teoriaobedece a três princípios fundamentais: a) todo ser humano é pessoa, pelo simples fatode existir, e por isso, é capaz de direitos e deveres na ordem civil (CC. art. 1°); b) todos

têm a mesma personalidade porque todos têm a mesma aptidão para a titularidade derelações jurídicas (CF, art. 5-]; e c) ela é irrenun-ciável.

Page 140: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 140/359

A pessoa natural começa sua existência com o nascimento com vida e, com isso, a suacapacidade jurídica (CC, art. 2°).

 Nascimento é o fato, natural ou artificial, da separação do feto do ventre materno. Coma primeira respiração tem início o ciclo vital da pessoa, marcando, também, onascimento, o início da capacidade de direito. Assim dispõe no art. 2° do Código Civil:

"A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvodesde a concepção os direitos do nascituro". Significa isso que, verificado o nascimentoe o início da vida com a penetração do ar nos pulmões, firmou-se a capacidade jurídicado recém-nascido. Mesmo que esse venha a morrer, já adquiriu direitos que serãotransmitidos aos herdeiros. Nesse dispositivo, a exemplo do que ensina a doutrina maistradicional, o Código emprega o termo personalidade como sinônimo de capacidade dedireito, o que é, a meu ver, superado.O nascimento deve ser registrado no lugar em que tiver ocorrido o parto, no prazo dequinze dias, ampliando-se até três meses para os lugares distantes mais de trintaquilômetros da sede do cartório. Em sua prova se faz, de regra pela certidão do registro(CC, art. 9°, I, e Lei n^ 6.015, de 31.12.73, art. 50). No caso de nascer morto, ou morrer 

na ocasião do parto, faz-se também o assento com os elementos que couberem e comremissão ao do óbito (Lei n-6.015/73 art. 53). O registro é importante por sua função

 probatória.4. O problema da personalidade jurídica do nascituro.

 Nascituro é o que está por nascer, mas já concebido no ventre materno.11O Código Civil brasileiro, no art. 2-, nega-lhe personalidade jurídica, mas garante-lhe

 proteção para os direitos de que possa ser titular.Esse dispositivo legal define a posição do nosso Código sobre o assunto, que não é

  pacífico, pois as concepções doutrinárias não são idênticas nos sistemas jurídicoscontemporâneos.O problema que se apresenta é o seguinte: o nascituro tem personalidade jurídica ou, deoutro modo, quando se inicia a personalidade humana, com a concepção ou com onascimento?

 No direito romano o nascituro não era ainda pessoa. Mas, se nascia como homem capazde direitos, sua existência computava-se desde a concepção.12 Também nas Ordenaçõesdo Reino (Ord. 3, 18, § 7; 4. 82, § 5) a personalidade começava da concepção.Teixeira de Freitas, no art. l2, da Consolidação das Leis Civis, considerava nascidas as

 pessoas formadas no ventre materno, conservando-lhes a lei seus direitos de sucessão para o tempo do nascimento. Da mesma forma, Carlos de Carvalho, em Direito CivilBrasileiro Recompilado, art. 74: "As pessoas por nascer, estejam ou não, já concebidas,a lei conserva seus direitos para o tempo do nascimento, contanto que nasçam viáveis."

Clóvis Beviláqua dispunha no art. 3-. de seu Projeto: "A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida." O Código Civilargentino acolheu esse critério no seu art. 70, e da mesma forma os códigos maismodernos, como o mexicano (art. 22), o venezuelano (art. 17), o peruano (art.1.).Também o Código Civil suíço, no art. 31, 2: "O nascimento com vida torna, namesma ocasião, o ente humano sujeito de direito e, em conseqüência, transforma emdireitos subjetivos as expectativas de direito que lhe tenham sido atribuídas na fase daconcepção." Ora, expectativa de direito é direito subjetivo com eficácia suspensa ou emformação. Nesse sentido, o disposto no par. 2° do art. 6° da LICC. Falar-se em condiçãoou em expectativa de direito é reconhecer-se o nascituro como titular de direitos emformação, o que pressupõe titularidade, obviamente, personalidade.

O direito francês admite também que a personalidade começa da concepção,13 desdeque o ser humano nasça vivo e seja viável.

Page 141: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 141/359

  No direito brasileiro, a maioria dos autores defende que o nascituro não tem personalidade jurídica, como parece dispor o art. 2-do Código Civil. No entanto, osistema jurídico brasileiro permite outra conclusão. Na Constituição da República, art.5°, caput, garante-se o direito à vida, isto é, o direito subjetivo à vida. No Código Civilos artigos 1609, parágrafo único, 542, 1.779 e 1.799, I, consideram também o feto,

desde a concepção, como possível sujeito de relações jurídicas, vale dizer, sujeito dedireitos. E só pode ser titular de direitos quem tiver personalidade, donde concluir-seque, formalmente, o nascituro tem personalidade jurídica. Não se pode, assim, de modológico, negar-se ao nascituro a titularidade jurídica. O nascimento não é condição paraque a personalidade exista, mas para que se consolide.14 Como diz Bianca, "a questãode capacidade do concebido não pode ser resolvida simplesmente sobre a base da normaque indica o nascimento como o momento de aquisição da capacidade jurídica. Ocorrelevar em consideração que o ordena--------------------------1 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 165 e segs.; Caio Mário da SilvaPereira. Instituições de Direito Civil, I, p. 153, e segs.; Pontes de Miranda. Tratado de

Direito Privado, I, p. 153 e segs.; Francesco Ferrara. Trattato di diritto civile italiano, p.458: C. Massimo Bianca. Diritto civile, p. 138: Pietro Perlingieri. La personalità umananeü'ordinamento giuridico, p. 137 e segs; José Castan Tobenas. Derecho Civil Espanol,Comum y Foral, tomo primeiro, vol. segundo, p. 95: Karl Larenz. Allgemeiner Teil dêsBürgerlichen Rechts (Teoria do Direito Civil), p. 119 e segs. Alex Weil e FrançoisTerré. Droit civil, Lês personnes, p. 3 e segs: Antônio Chaves. Capacidade Civil, inEnciclopédia Saraiva do Direito, vol. 13. p.2: João de Castro Mendes Direito Civil.Teoria Geral, I Lisboa, 1978, p. 169 e segs.2 Mota Pinto. Teoria Geral. p. 196 e Castro Mendes. Direito Civil. p. 164. Cf. MotaPinto. op. cit., p. 194, que defende a tese dos "estados de vinculação de certos bens, emvista do surgimento futuro de uma pessoa com um direito sobre eles". "A teoria dosdireitos sem sujeito está hoje pouco menos do que abandonada pela opinião científica".Castan Tobenas, op. cit., p. 27.3 Pierangelo Catalano Osservazioni sulla persona dei nascituri alia luce dei dirittoromano (Da Justiniano a Teixeira de Freitas), p. 47.4 Castan Tobenas, op. cit., pp. 93 e 94.5 Francesco Ferrara. Teoria delle personne giuridiche, p. 356.6 Larenz, op. cit., p.47.7 Perlingieri, La personalità umana nell'ordinamento giuridico, p. 138.8 Idem, ibidem.9 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art 3°.

10 Manuel Garcia Amigo. Instituciones de Derecho Civil, I, Parte General, p. 294. Acapacidade jurídica é conseqüência e emanação da personalidade, implicando uma idéiade medida. Diversamente da opinião tradicional, que considerava equivalente

 personalidade e capacidade (Clóvis Beviláqua, C.C. Comentado, art. 2-}, a doutrinadistingue hoje os conceitos de personalidade e de capacidade. Cf. Luís A. CarvalhoFernandes. Teoria Geral do Direito Civil, I, p. 110.11 Limongi França. Manual de Direito Civil. I, p. 126.12 Conceptus pró jam nato habetur, quoties de eius commodo agitur (o nascituro (•tido como já nascido quando se tratar de seus interesses).D. 1.5.7 D. 1.1.26: D. 2. 5. 4.1. 1. Sobre o nascituro no direito romano cfr. Giuseppe Gandolfi, Nascituro,Enciclopédia dei Diritto, XXVII, p. 530 e segs.

13 Mareei Planiol et George Rippert. Traité pratique de droit civil français, I p. 11:Mazeaud et Mazeaud. Leçons de droit civil, tome premier, deuxième volume, p. 464.

Page 142: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 142/359

14 Limongi França, op. cit., p. 127. Silmara Chinelato e Almeida, Tutela Civil donascituro, p. 161 e segs.-------------------------mento reconhece o concebido como portador de interesses merecedores de tutela e emcorrespondência a tais interesses lhe atribui uma capacidade provisória que permanece

definitiva se o concebido vem a nascer".15 A questão não é despicienda. Temimportância na responsabilidade civil, no direito contratual, no direito de família(investigação e reconhecimento da paternidade, alimentos, tutela, adoção, sucessãotestamentária etc.], e no direito processual, quanto à capacidade do nascituro de ser 

 parte. A jurisprudência brasileira tem reconhecido a capacidade processual ativa donascituro (ação de alimentos em seu favor, RT 625/177 e RT 587/182, e ação cautelar de reserva de bens) e também capacidade processual passiva (ação anulatória detestamento que contempla nascituro, ação anu-latória de doação em que o nascituro édonatário). De tudo isso se deduz que a questão da personalidade jurídica do nascituro é

 puramente de política legislativa, pois existem códigos que a reconhecem e outros que anegam. Essa matéria simplifica-se com a concepção moderna que distingue a

 personalidade da capacidade, atribuindo a primeira ao nascituro e ao defunto,16 e asegunda, aos indivíduos com vida extra-uterina. A distinção entre personalidade ecapacidade de direito é, aliás, consagrada no Código Civil, no Título I, Capítulo I, àsemelhança do disposto no Código Civil português, Livro I, Título II, Capítulo I, SeçãoI, intituladas "Personalidade e capacidade jurídica".2. Em favor da subjetividade, e conseqüente personalidade do concebido, o importante éa sua individualidade e não a sua autonomia. Aquela decorre do seu código genético.Esta significa autosufi-ciência. Quanto à autonomia em face da mãe, tem esta função

  puramente instrumental, de sustentação. Os absolutamente incapazes não têmautonomia e são pessoas, o que ocorre, também, com os irmãos siameses, as pessoas emestado de coma, o recém-nascido que permanece ligado a aparelhos para viver. Cfr.Silverio Grassi, / nascituri concepiti, p. 33. Cfr. ainda Silmara Chinelato e Almeida, Onascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil, Revista de Direito CivilImobiliário, Agrário e Empresarial, n° 44, pp. 180 e segs. Sobre O direito do embriãohumano: mito ou realidade, cfr. Eduardo de Oliveira Leite, Revista de Direito CivilImobiliário, Agrário e Empresarial, n° 78, p. 22 e segs. Sobre a capacidade processualdo nascituro, cfr. William Artur Pussi, Teoria da personalidade jurídica. Pessoa jurídica,Curso de Mestrado em Direito, UEM, Maringá, 1999, ps. 8 e 9.Sujeitos de Direito. A Pessoa Natural 2255. Extinção da capacidade jurídica. A morte.A existência da pessoa natural e sua capacidade jurídica terminam com a morte (CC, art.

6°). O direito moderno não aceita a morte civil, que era a perda de personalidade por outros motivos que não o falecimento, como ocorria, no direito romano, quando a pessoa se tornava escrava ou, no direito moderno, com a prisão perpétua, o banimentoou a profissão religiosa.Prova-se a morte com a certidão de óbito (CC, art. 9°, I), sem a qual não se faz osepultamento. O assento de óbito no Registro Civil fará referência ao momento, lugar ecausa do falecimento, à qualificação do falecido e aos filhos, herdeiros e bens que deixe(LRP, art. 80).Os efeitos jurídicos da morte manifestam-se nas relações jurídicas de que o falecido era

  parte, extinguindo-as ou modificando-as, conforme sejam intransmissíveis outransmissíveis.

O falecido não mais adquire direitos, a não ser que a aquisição seja condicionada aoevento da morte,17 como pode ocorrer com o seguro de vida não estipulado em favor de

Page 143: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 143/359

terceiros. Nesse caso, a indenização pertence ao patrimônio do morto e, se casado eleem comunhão, favorece o cônjuge sobrevivente.18A morte extingue as relações jurídicas intransmissíveis, como ocorre com as de

 personalidade e as de família, e algumas patrimoniais, como o uso (CC, art. 1.412), ahabitação (CC, art. 1.414), a obrigação de alimentar baseada no parentesco (CC, art.

1.700), o mandato (CC, art. 682, II). As transmissíveis, como a maioria das patrimoniais, passam aos herdeiros, por meio da sucessão legítima ou da testamentária. Neste caso, o falecido, por ato unilateral, revogável e conforme a lei, denominadotestamento, dispõe de seu patrimônio para depois da morte (CC, art. 1.857).A morte não é só causa de extinção de relações jurídicas. Também impede a formaçãodas que estavam em vias de constituir-se, como ocorre com a proposta contratual que setorna ineficaz pela morte do proponente (CC, art, 428).Outros efeitos da morte encontram-se expressamente referidos no Código Civil (arts.1.935, 1.410, 560, 1.764, 1.921 e 1.951).Discute-se a possibilidade de prolongamento da personalidade após a morte da pessoa

 para proteger-lhe os respectivos direitos da personalidade, e para justificar a condenação

à ofensa moral contra o morto. Procura-se, assim, garantir o seu direito à honra e àreputação, agindo o respectivo cônjuge, ou os herdeiros, em nome e no interesse dodefunto. A personalidade humana existe, assim, antes do nascimento, e projeta-se paraalém da morte.19 "O testamento, o respeito ao cadáver, a sepultura, a autorização paraautópsia e para transplantes, a proteção da memória do falecido contra injúria edifamação, demonstram a permanência de traços da personalidade post-mortem".6. Presunção de morte. Ausência.Presume-se a morte da pessoa quando se decreta a sua ausência e decorrem dez anos daabertura provisória da sucessão, ou quando o ausente contar oitenta anos e tiveremdecorridos cinco anos de suas últimas notícias (CC, arts. 37e 38). Ausência é a situaçãoda pessoa que desaparece de seu domicílio sem deixar representante (CC, art. 22),

 provocando incerteza jurídica sobre a sua existência.E palavra de sentido mais restrito em direito do que na linguagem corrente.Juridicamente, é um instituto destinado a proteger os bens e os interesses da pessoa cujaexistência é incerta, traduzindo a preocupação do Estado com o possível abandonodesses bens, o que leva ao prejuízo de seus credores e do próprio Estado.Quanto à sua natureza, trata-se de uma situação jurídica especial para uns,20 ou de ummodo de extinção presuntiva da personalidade humana, para outros.21 De qualquer maneira, configura uma espécie de estado civil que justifica, em face dos interesses doausente e de terceiros, a existência de um instituto que proteja tais interesses.Embora já se encontrem no direito romano indícios de tal preocupação,22 os romanos

não disciplinaram a matéria. Uma regulamentação sistemática e institucional só seencontra nos códigos civis modernos devido às guerras na Europa que, causando grandenúmero de desaparecidos, e conseqüentes problemas quanto à administração de seus

 bens, tornaram necessário o estabelecimento de normas que protegessem os interessesdos ausentes.

 No direito brasileiro regulam a matéria o Código Civil, arts. 22 a 39, e o Código deProcesso Civil, arts. 1.159 a 1.169.Para que alguém seja considerado ausente é preciso que: a) tenha desaparecido de seudomicílio; b) haja dúvida sobre sua existência; e c) haja sentença declaratória do juiz(CC. art. 22) (CPC, art. 1.159).Declarada a ausência, o juiz manda arrecadar os bens do ausente, a pedido de qualquer 

interessado ou do Ministério Público, e nomeia-lhe curador (CC, art. 22) e determinasejam publicados editais durante um ano, de dois em dois meses, anunciando a

Page 144: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 144/359

arrecadação e convocando o ausente. Decorrido um ano da arrecadação dos bens doausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, podeabrir-se provisoriamente a respectiva sucessão a requerimento de legítimo interessado,cônjuge, herdeiros, credores, quem tiver sobre os bens expectativa de direito, ou oMinistério Público (CPC, art. 1.163). Á sucessão provisória, que poderá terminar pelo

comparecimento do ausente, converte-se-á em definitiva quando houver certeza de suamorte, ou tiverem decorrido dez anos do trânsito em julgado da sentença de abertura, ouquando o ausente contar oitenta anos de idade e tiverem decorrido cinco anos de suaúltima notícia (CC. arts. 37 e CPC, art., 1.167).Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, oualgum de seus herdeiros necessários, poderá ser requerida ao juiz a entrega dos bensexistentes no estado em que se acharem, os que os tenham substituído ou o preço que osherdeiros e demais interessados tenham recebido pela alienação desses bens (CC. art. 39e CPC, art. 1.168).Os efeitos da declaração de ausência manifestam-se quanto aos direitos de família e aosdireitos patrimoniais do ausente.

Quanto aos direitos de família, se o ausente deixou filhos menores, o pátrio poder seráexercido pelo outro progenitor, exclusivamente, salvo no caso de esse ter falecido ouestar privado do exercício desse direito, quando então se nomeará um tutor (CC, art.1.728). Com relação ao casamento, a ausência pode tornar-se fundamento, emboraindiretamente, para a ação de separação judicial (CC. art. 1.572, par. 1°).Quanto aos direitos patrimoniais, dar-se-á a sucessão provisória para a partilha dos

 bens, com a imissão dos herdeiros na posse desses bens (CC. art. 30).A sentença declaratória de ausência registra-se no cartório de Registro Civil de Pessoas

 Naturais do domicílio anterior do ausente (LRP, art. 94).Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência, se for extremamente

 provável a morte de quem estava em perigo de vida, e se alguém, desaprecido emcompanhia ou em feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término daguerra. A declaração da morte presumida somente poderá ser requerida depois deesgotadas as buscas e averiguações,devendo a sentença fixar a data provável dofalecimento (CC, art. 7°).7. Comoriência.Comoriência é a presunção de morte simultânea de pessoas reciprocamente herdeiras(CC, art.8°).Quando duas ou mais pessoas, com direito sucessório recíproco, falecem na mesmaocasião, surge o problema de se estabelecer quem morreu primeiro, para os fins davocação hereditária do art. 1.829 do Código Civil. Sendo impossível, pelas provas

admitidas em direito e os meios especiais de medicina legal, estabelecer quem primeiromorreu, consideram-se as pessoas simultaneamente mortas, não havendo,conseqüentemente, transmissão de direitos entre si.Se, por exemplo, no mesmo acidente, morrerem João e seu filho José, este, semdescendentes, ambos serão reciprocamente herdeiros, conforme a ordem fixada no art.1.829 do Código Civil. Para evitar-se conflito de interesses entre outras pessoas,diretamente ligadas aos falecidos, por exemplo, seus cônjuges, estabelece a lei

 presunção de morte simultânea, não havendo, portanto, transmissão de direitos entre osfalecidos.O instituto da Comoriência baseia-se em uma presunção iuris tantum, passível decontestação e de prova por quem tiver legítimo interesse. Pode ocorrer que um

sobrevivente declare ter visto, após o sinistro, uma das vítimas ainda com vida, ou que anatureza dos ferimentos de um permita estabelecer prioridade na morte como, por 

Page 145: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 145/359

exemplo, se um morreu de traumatismo craniano e outro de hemorragia, decorrente defratura exposta. Mas se não for possível estabelecer quem morreu primeiro, não setransmitirão direitos entre os falecidos. A importância da Comoriência está, portanto, noseu efeito, que é a intransmissibilidade de direitos entre os comorientes, como se entreeles não tivesse havido qualquer vínculo sucessório.

8. Capacidade de direito. Capacidade de fato. Legitimidade.Capacidade de direito é a aptidão para alguém ser titular de direitos e deveres, ser sujeito de relações jurídicas.Todas as pessoas físicas a têm (CC, art. l-}, como efeito imediato do princípio daigualdade. Têm-na também as pessoas jurídicas, se obedecidas as formalidades legais desua constituição. As pessoas físicas adquirem-na com o nascimento e conservam-na atéa morte.Diversa da capacidade de direito é a capacidade de fato, aptidão para a prática dos atosda vida civil, e para o exercício dos direitos como efeito imediato da autonomia que as

 pessoas têm.Embora seja manifestação da personalidade jurídica, pressuposto de todos os direitos e

deveres, a capacidade de direito representa uma posição estática do sujeito, enquanto acapacidade de fato traduz uma atuação dinâmica.23 A primeira é a aptidão para atitularidade de direitos e deveres, a segunda, a possibilidade de praticar atos com efeito

 jurídico, adquirindo, modificando ou extinguindo relações jurídicas.A capacidade de direito é fundamental, "porque contém potencialmente todos osdireitos de que o homem pode ser sujeito", e é indivisível, irredutível e irrenunciável24.A capacidade de fato é variável e nem todos a têm. Comporta diversidade de graus, peloque as pessoas físicas podem ser capazes, absolutamente incapazes e relativamenteincapazes, conforme possam, ou não, praticar validamente os atos da vida civil.------------------15 Bianca, op. cit., p. 203.16 Castro Mendes, p. 228: Wilson Bussada. Código Civil Brasileiro Interpretado pelosTribunais. I, p. 95: BGB, p. 844 n2 17 Enneccerus, op. cit., p. 324.18 Ferrara, p. 469.19 Diogo Paredes Leite de Campos. A Vida, a Morte e sua Indenização, in Revista deDireito Comparado Luso Brasileiro, n° 7, p. 94.20 Henri Capitant. Introduction à 1'étude du droit civil, p. 106.21 Castan Tobenas, op. cit., p. 291.22 Como demonstra a existência do curator bonorum absentis (D. 12. I) e a acuohereditatis petitio (L 4. 12).23 Castan Tobenas. op. cit., p. 136.

24 Código Civil Português, art. 69.------------------Enquanto que a capacidade de direito decorre apenas do nascimento com vida, para as

 pessoas físicas, e da observância dos requisitos legais de constituição, para a pessoa  jurídica, a capacidade de fato depende da capacidade natural de entendimento,inteligência e vontade própria da pessoa natural. E corno tais requisitos nem sempreexistem, ou existem com diversidade de grau, a lei nega ou limita tal capacidade.A capacidade de fato ainda se desdobra em capacidade para atos jurídicos, consistentesna possibilidade de prática, atos ou negócios jurídicos, em capacidade processual, que éa de atuar em juízo, na defesa de seus interesses, e em capacidade penal, possibilidadede ser responsável pela prática de ilícito penal. A capacidade para a prática dos atos

 jurídicos ainda se pode considerar subdividida em capacidade negociai, para a prática denegócios jurídicos, e extranegocial, para a prática de atos jurídicos em senso estrito

Page 146: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 146/359

(Cap. X, n° 1). No âmbito do direito privado, ainda se distingue a capacidade para atosde conservação ou administração, e capacidade para atos de disposição ou de alienaçãode direitos.Diversa da capacidade de agir, ou de fato, é a legitimidade, aptidão para a prática dedeterminado ato, ou para o exercício de certo direito, resultante, não da qualidade da

 pessoa, mas de sua posição jurídica em face de outras pessoas. A legitimidade decorrede certas situações jurídicas do sujeito, do que lhe advêm limitações ao poder de agir.Pode definir-se, sinteticamente, como a específica posição de um sujeito em relação acertos bens ou interesses.25 Enquanto a capacidade de fato é a aptidão para a prática emgeral dos atos jurídicos, a legitimidade refere-se a um determinado ato em particular.Legitimidade é, assim, o, poder de exercitar um direito, e legitimado é quem o tem. Diz-se substancial, quando se refere à prática de atos jurídicos, e processual, quando serefere à atuação da pessoa em juízo. Resulta da posição da pessoa em relação a outra.26São exemplos de normas que estabelecem a legitimidade como requisito de validade oart. 1.647 do Código Civil, que proíbe o cônjuge de praticar atos de disposição de seu

 patrimônio sem autorização do outro, salvo no regime de separação absoluta; o art.

1.749, que proíbe o tutor de adquirir ou dispor dos bens tutelados; o art. 1.774, queestende a norma do dispositivo anterior ao curador; o art. 496, dispondo que osascendentes não podem vender a descendentes sem autorização expressa dos demaisdescendentes; o art. 497, que também impede a aquisição de bens por determinadas

 pessoas, em razão das funções que exercem; o art. 1.801, que nega legitimidade às pessoas nomeadas para serem herdeiras ou legatárias. Em resumo, pode-se dizer que,enquanto a personalidade é um valor jurídico que emana da pessoa, a capacidade dedireito provém do ordenamento jurídico que a confere aos indivíduos ou aos grupos, demodo legalmente estabelecido. A capacidade de fato é a aptidão para a pessoa praticar os atos da vida civil, criando, modificando ou extinguindo relações. E algo dinâmico, noque se diferencia da capacidade jurídica, que é estática. A legitimidade é o poder da

 pessoa de atuar concretamente em determinada relação jurídica. A pessoa pode ser capaz e não ter legitimidade para certos atos, como ocorre com o falido, que é capaz,mas não pode atuar em relação aos bens da massa falida, enquanto o síndico, que não éo titular desses bens, pode sobre eles praticar determinados atos.9. Incapacidade absoluta.A capacidade de agir é a regra. No entanto, diversos fatores podem impedi-la ou limitá-la. Nas pessoas naturais, esses fatores são a idade e a doença, que provocam aincapacidade total para o exercício de atos da vida jurídica (incapacidade absoluta), oulimitam-na a certos atos ou a maneira de exercê-los (incapacidade relativa). Outrosfatores ainda podem influir em relações jurídicas específicas, e nesse caso não se trata

de capacidade, mas de legitimidade.  Nas pessoas jurídicas, são os respectivos órgãos administrativos que exercem acapacidade de agir na forma da lei ou do estatuto, limitada às relações jurídicas decaráter patrimonial, pois não há campo para aquelas próprias da pessoa física, como odireito a alimentos, ou as relações familiares.Quanto à idade, o direito estabelece dois momentos da existência humana comoessenciais para a capacidade de exercício: aos 16 e aos 18 anos. Até os 16, considera-seque o ser humano não tem o necessário discernimento para a prática de atos jurídicos,

 pelo que não os pode validamente praticar. A incapacidade é absoluta e tais atos serãonulos.Dos 16 aos 18 anos, porém, o direito já lhe reconhece certa maturidade e,

conseqüentemente, determinada capacidade para o exercício da vida civil, desde queassistido. A incapacidade é relativa a certos atos.

Page 147: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 147/359

Aos 18 anos, a pessoa torna-se plenamente capaz, podendo praticar validamente, emgeral, todos os atos da vida civil.A aquisição da maioridade, além de produzir a aquisição da plena capacidade de fato,ainda tem outros efeitos indiretos como, por exemplo, a extinção do pátrio poder (C.C.art. 1.635, III) e a perda de alguns benefícios, como o direito a alimentos.27

Quanto à doença, o Código Civil, no art. 3-, refere-se, especificamente, à enfermidadeou deficiência mental, e, no art. 4-, à prodigalidade, que não é doença mas defeito devontade, como determinantes da variação da capacidade de fato. Pródigo é o indivíduocom tendência para dissipar o seu patrimônio.Existem, assim, dois graus de incapacidade de exercício: a incapacidade absoluta, doart. 3- do Código Civil, e a incapacidade relativa, do art. 4°. A diferença é apenas degrau, sendo que, na primeira, a incapacidade é total para a prática dos atos jurídicos, e,na segunda, limita-se a determinados atos.A incapacidade termina quando desaparecem suas razões determinantes.São, portanto, absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: osmenores de 16 anos; os que, por enfermidade ou doença mental, não tiverem o

necessário discernimento para a prática desse atos, e os que, mesmo por causatransitória, não puderem exprimir sua vontade (CC, art. 3°).O Código atual não mais considera os ausentes absolutamente incapazes, como fazia ode 1916, que incluía a ausência nas hipóteses legais de incapacidade absoluta apenas

 para a proteção dos direitos e interesses do ausente, quando judicialmente declarada.A incapacidade absoluta impede a prática dos atos da vida civil. Embora comcapacidade de direito, o agente não pode exercer sua vontade para produzir efeitos

  jurídicos. O direito afasta-o da atividade jurídica por acreditá-lo sem o necessáriodiscernimento, por falta da idade necessária ou por sofrer de enfermidade mental, ouainda em função de causa transitória que lhe impeça a manifestação de vontade.A velhice, a surdez, a mudez, a cegueira e a ausência não são causas de incapacidade,salvo se impeditivas da manifestação de vontade do agente28. O cego só pode fazer testamento público (CC. art. 1.867); o mudo pode fazer testamento público já que lhe é

 permitido utilizar-se de minuta, notas ou apontamentos (C.C. art. 1864, I), e testamentocerrado (C.C. art. 1.873).A loucura deve ser judicialmente declarada, em processo de interdição (CPC, arts. 1177a 1179), com nomeação de um curador. Tal declaração não tem eficácia retroativa, oque não impede que os atos praticados anteriormente não sejam julgados nulos, provadaa incapacidade do agente no momento em que os praticou.29Também não são causa de incapacidade, salvo para determinados atos, a condenação

 penal e a declaração de insolvência ou de falência.30

A prática de ato jurídico por agente absolutamente incapaz ou relativamente incapazimplica, respectivamente, as sanções da nuli-dade ou da anulabilidade do ato. Taissanções são estabelecidas por lei em favor do incapaz.10. Incapacidade relativa.A incapacidade relativa é a que se restringe a determinados atos.São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer, os maiores de 16anos e os menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, semdesenvolvimento mental completo; os pródigos. Os silvícolas, que no Código de 1916eram também considerados relativamete incapazes, são regidos por legislação especial(CC, art. 4°).

Os maiores de 16 anos e menores de 18 anos já possuem certo grau de maturidade. São, por isso, considerados relativamente incapazes. Embora a lei não lhes permita praticar 

Page 148: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 148/359

validamente a totalidade dos atos da vida civil, já lhes reconhece discernimentosuficiente para alguns. Assim, o maior de 16, independentemente da assistência dos seus

 pais ou tutores, pode exercer emprego público para o qual não se exija a maioridade, pode ser mandatário (CC, art. 666), pode fazer testamento (CC, art. 1860), pode casar (CC, art. 1.517), ser testemunha (CC, art. 228, í), ser comerciante (CC. art. 5°, par.

único, V), fazer depósitos bancários, trabalhar e pleitear na Justiça do Trabalho (CLT,arts. 446 e 792), ser eleitor (CF, art. 14, § ia c). Pode participar de cooperativas detrabalho, consumo ou crédito (Dec. n2 22.239, de 19.12.32, e Decreto-Lei n2 581 de01.08.38), movimentar depósitos em caixas econômicas (Dec. n2 24.427, de 09.06.34),exercer livremente a pesca (Dec-Lei n2 794, de 19.10.38), firmar recibo de pagamentode benefícios nos institutos de previdência (Dec.n- 35.448, de 01.05.54). Para fins deserviço militar torna-se capaz aos dezessete anos (Lei n- 4.375 de 17.08.64, art. 73).Pode requerer, pessoalmente, o seu registro de nascimento, se já tiver 18 anos (Lei n26.015, de 31.12.73, art. 50, § 3°).O casamento, que até o advento da Lei n- 4.121, de 27.08.62 (Estatuto da mulher casada), era fator determinante de incapacidade relativa para a mulher, não o é mais.

Homem e mulher têm a mesma capacidade. Se casados, precisam, é certo, daautorização do outro cônjuge para a prática de atos de disposição patrimonial exceto noregime de separação absoluta (CC, art. 1.647).O menor de 16 anos não tem capacidade delitual. Por ele respondem seus pais (CC, art.932, I), ainda que não haja culpa de sua parte (CC, art. 933).Pródigos são os que gastam desordenadamente, destruindo seus recursos tendo família,mais especificamente, cônjuge, descendente (Ordenações 4, 103, 6-}. Estão sujeitos àcuratela (CC, art. 1.767, V), não podendo, sem a presença do curador respectivo,

 praticar quaisquer atos que não sejam de mera administração (CC, art. 1.782).11. Proteção aos incapazes.A ordem jurídica protege os incapazes, estabelecendo diversos processos técnicosdestinados a possibilitar-lhes o exercício dos direitos, tais como a representação, aassistência e a autorização.A representação consiste na substituição do incapaz por uma pessoa capaz, na prática deum ato jurídico. O exercício dos direitos defere-se a um sujeito que possa agir por suaconta e em nome do incapaz, o representante, podendo ser os pais, no exercício do

 poder familiar, os tutores e os curadores (CC, art. 1.634, V, 1.747, I, 1.774 e 1.779).O poder familiar é instituto que reúne os direitos e deveres dos pais quanto à pessoa e

 bens do filho. Compete ao pai e à mãe (CC, art. l .631). A tutela é instituto destinado àassistência e representação dos menores que não estejam sob o poder familiar, porqueos pais morreram, são ausentes, ou desse poder foram destituídos. Acuratela é instituto

de proteção aos incapazes por outros motivos que não a idade. Quem exerce é ocurador, sobre o curatelado ou interdito. É dada aos maiores de idade, exige decisão judicial em processo de interdição, e pode limitar-se à administração dos bens, sendoque os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor. Destina-se a proteger osdoentes mentais, os pródigos, os nascituros e os ausentes (CC arts. 1.767, I, V; 1.779 e22).31---------------25 Luigi Cariota-Ferrara. li negozio giuridico nel diritto privato italiano, p. 641.26 Francesco Carnelutti. Sistema di diritto processuale civile. II, p. 449 e segs., Teoriagenerale dei diritto, § 122. Emílio Betti. Teoria generale dei negozio giuridico p. 140 esegs.

27 "Atingindo os filhos a maioridade perdem o direito à pensão fixada no desquite,embora possam pleitear alimentos na conformidade do disposto no art. 396 e segs. do

Page 149: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 149/359

CC." RT, 467/81. "A maioridade de filho que não trabalha e cursa estabelecimento deensino superior não justifica a exoneração do pai de prestar-lhe alimentos." RT,490/108.28 "A idade avançada, por si só, não é causa de incapacidade. Esta só pode ocorrer sehá uma doença mental, questão médica por excelência, que incumbe ao perito

esclarecer. Ao juiz compete anular o ato, se for o caso, mas tendo em vista sempre o parecer dos profissionais." RT, 427/92.29 "É nulo o contrato se, no tempo em que foi celebrado, um dos contratantes já seapresentava com sintomas evidentes de demência senil." RT, 193/799."São nulos os atos praticados pelo alienado anteriormente à interdição, desde quedemonstrada a contemporaneidade do ato com a doença mental geradora daincapacidade". Jurisprudência Brasileira, vol. 29. p. 59."A incapacidade decorre da moléstia mental e não da sentença do interditando. Provadoque a pessoa sofria das faculdades mentais ao tempo de determinado negócio, este podeser invalidado." RT, 467/163.30 A condenação penal pode implicar não em incapacidade civil, mas em perda de

função pública ou em pena acessória de interdição para a investidura em função pública,e exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, o exercício de profissão ou atividadescujo exercício depende de habilitação especial ou de licença ou autorização do poder 

 público, ou ainda, suspensão de direitos políticos. Ráo. O Direito e a Vida dos Direitos,II, tomo I, p. 146.31 CF. Yussef Said Cahali, Curatela, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.22, p. 143e segs. e Gildo dos Santos, Interdição, ibidem, vol.45, p. 259 e segs. J. M. Leoni deOliveira, Teoria Geral do Direito Civil, vol. 2, p. 1.063.---------------A assistência consiste na intervenção conjunta do relativamente ini apa/. c do seuassistente, na prática do ato jurídico. São assistentes os pais e os tutores. Enquanto narepresentação é o representante que pratica o ato em nome e no interesse dorepresentado, embora, sem interveniência deste, na assistência, o assistente pratica o ato

 juntamente com o assistido. São representados os absolutamente incapazes e assistidosos relativamente capazes.A autorização é a aprovação para a prática de um determinado ato ou exercício dedeterminada atividade, como, por exemplo, a autorização que os pais dão para ocasamento dos filhos (CC, art. 1.517), ou para os próprios pais, ou tutores, venderem os

 bens dos filhos, ou dos tutelados (CC, arts. 1.691e 1.748, IV).32Dispõe ainda o Código Civil, em matéria contratual, que o empréstimo de dinheiro feitoa menor, sem prévia autorização do responsável, não pode ser reavido (art. 588)33

assim como proteção específica em dispositivos determinados (CC, arts. 181, 198, I,1.749, 814, 2.015).A prática de ato jurídico por agente incapaz implica determinadas sanções, a nulidadeou a anulabilidade desse ato. Se a pessoa for absolutamente incapaz, o ato será nulo, serelativamente incapaz, o ato será anulável (CC, arts. 166, I e 171, I). A nulidade e aanulabilidade são, portanto, sanções específicas de direito civil estabelecidas em favor dos incapazes.12. Emancipação.A incapacidade relativa do menor termina com a maioridade aos 18 anos de idade,quando se alcança a plena capacidade para todos os atos da vida civil (CC, art. 52). Osistema jurídico brasileiro considera essa idade como o momento em que a pessoa

atinge a maturidade necessária à plena capacidade de exercício.34 Com ela extinguem-

Page 150: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 150/359

se os laços de dependência a que o indivíduo estava submetido, com o poder familiar,ou, eventualmente, a tutela (CC, arts. 1.635, III; e 1.763, I).A lei permite, porém, em certos casos, que o menor atinja a plena capacidade deexercício antes da maioridade, aos 18 anos, por meio de emancipação.Emancipação é a aquisição da plena capacidade de fato antes da idade legal.35 Decorre

da outorga dos pais, mediante instrumento público, ou de sentença judicial quando omenor estiver sob tutela (CC, art. 5°, par. único, I). Em ambos os casos o menor deve ter 16 anos. Tanto a escritura como a sentença têm de ser registradas, para a produção deefeitos, no Registro Civil de Pessoas Naturais (LRP, arts. 89 e 90). O instrumento

 público independe de homologação judicial.Ã emancipação pode ainda decorrer de fatos positivados na lei, por exemplo, ocasamento, o exercício de emprego público efetivo, a colação de grau em curso deensino superior, o estabelecimento civil ou comercial ou pela existência de relação deemprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos, tenha economia própria(CC, art. 5°, par. único, II a V). No caso de casamento, a emancipação pode ocorrer aos16 anos (CC art. 1.517).

A emancipação concedida é irrevogável, e a pessoa torna-se plenamente capaz, salvo seo ato for nulo.13. Estado Civil. Conceito. Importância.Estado civil é a qualificação jurídica da pessoa resultante da sua posição nasociedade.36Os sujeitos pertencem a diversos grupos sociais, como a família, a sociedade política, ogrupo profissional. Em cada um deles ocupam posições de que decorrem efeitos

  jurídicos. A pessoa qualifica-se como solteira, casada, viúva, separada, divorciada,convivente, nacional ou estrangeira, maior ou menor.

 No direito romano distinguiam-se o status familiae, o status libertdtis c o status civitatis,correspondentes à posição do indivíduo na família, à sua condição de homem livre oude escravo, à sua condição de cidadão ou de estrangeiro, necessários, em conjunto, aoreconhecimento da personalidade jurídica. O status representava, então, umaqualificação diferenciadora, com base nas diferenças sociais, políticas e familiares. Coma evolução do direito e a vigência do princípio da igualdade jurídica, o estado da pessoa

 perde o antigo sentido de condição social para dar lugar ao reconhecimento da plenacapacidade do indivíduo no contexto social. O estado é, assim, uma situação subjetivaabsoluta (válida erga omnes], representativa da posição do indivíduo em umacomunidade organizada e fundada em uma comunhão de vida. É a passagem do statusao contrato, típico da idade moderna.37A noção de estado restringe-se, porém, aos setores da família, da sociedade política e do

 próprio indivíduo. Não se estende às demais posições jurídicas da pessoa, como as queela detém como titular de relações jurídicas concretas, como, por exemplo, a de sócio,credor, funcionário público, industriário etc., decorrentes de sua profissão.38 Nãoexiste, portanto, status de herdeiro ou de sócio.O conjunto dos estados da pessoa forma o seu estado civil, que significa, portanto, ocomplexo de suas diversas qualidades de cidadão, capaz ou incapaz, e de participante deuma família.A importância do estado reside na circunstância de ele ser pressuposto ou fonte dedireitos e deveres, assim como fator determinante da capacidade e da legitimidade dosujeito para a prática de certos atos jurídicos. O estado apresenta-se, portanto, comouma qualidade pessoal que se reflete na constituição de uma específica relação

 jurídica.39 Por exemplo, o estado de cônjuge, o estado de nacional ou de estrangeiro, decapaz ou incapaz é condicionante da existência, validade ou eficácia das relações

Page 151: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 151/359

 jurídicas estabelecidas pelos respectivos titulares. O cônjuge não pode, por exemplo, dar fiança, ou alienar imóveis, sem outorga do outro (CC art. 1.647) salvo se casado noregime da separação absoluta.14. Natureza do estado. Atributo da personalidade e direito subjetivo.O estado individual é atributo da personalidade, como a capacidade, o nome, o

domicílio. Mas é também objeto de um direito subjetivo, o direito ao estado, que protege o interesse da pessoa no reconhecimento e no gozo desse estado. Configura-seaté, para alguns, como verdadeiro direito da personalidade.40 Esse direito é absoluto,

 porque se dirige a todos, que o devem respeitar, abstendo-se de o contestar ou de oalterar ilegalmente, e é direito público porque dirigido ao Estado na sua pretensão dereconhecimento e proteção.15. Fontes e espécies de estado.O estado nasce de fatos jurídicos, como o nascimento, a idade, a filiação, a doença; deatos jurídicos, como o casamento, a emancipação; de decisões judiciais, como aseparação, o divórcio, a interdição. Tais circunstâncias levam à caracterização de trêsestados: o familiar, o político e o pessoal ou individual.

Com relação à família, o estado é de casado, solteiro, viúvo, separado, divorciado,convivente, ou de parente, consangüíneo (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios,sobrinhos) ou por afinidade (sogros, genros, nora, cunhado).

 Nas relações com a sociedade política, o estado é de nacional ou de estrangeiro.Sob o ponto de vista individual, a pessoa é do sexo masculino ou feminino, de menor oude maior idade, capaz ou incapaz. Nele influem, portanto, a idade (maioridade oumenoridade) e a saúde (enfermidade ou deficiência mental), que são fatoresdeterminantes da capacidade de fato. O sexo não influi na capacidade.O estado familiar é objeto do direito de família; o de cidadão, do direito constitucional,e o pessoal, dos direitos da personalidade.16. Características do estado.O estado das pessoas caracteriza-se por ser indivisível, indisponível e imprescritível.O estado é indivisível porque, embora com múltiplos aspectos (políticos, familiar,individual, profissional), apresenta-se como um só conjunto unitário que traduz a

 posição jurídica da pessoa. Esta não pode ter estados que se oponham, não pode ser aomesmo tempo casada e solteira.E indisponível porque ninguém pode ceder ou renunciar a seu estado, que é legalmenteestabelecido, nem transigir, fazer acordo ou concessões sobre ele.As normas sobre a matéria são cogentes ou imperativas, porque disciplinam matéria deordem pública, não admitindo manifestações de vontade em contrário. Uma ação denulidade de casamento não pode terminar por transação, concordando as partes com o

desfazi-mento do vínculo.41 Sendo a transação o ato jurídico pelo qual as partes,fazendo-se concessões recíprocas, extinguem obrigações liti-giosas ou duvidosas, umato de autonomia privada, (CC. art. 840) não cabe portanto a sua aplicação em matériade casamento, que é de ordem pública.A indisponibilidade não significa porém imutabilidade. O estado altera-se na forma

 prevista em lei. O incapaz torna-se capaz, ou vice-versa, o solteiro passa a casado, oestrangeiro naturaliza-se, o casado separa-se, o separado divorcia-se. A alteração não

  pode ser, todavia, arbitrária, à vontade do agente, o que torna problemática, por exemplo, a mudança de configuração sexo-corporal, devido à chamadatransexualidade.42A razão de ser de tal indisponibilidade do estado reside na necessidade de segurança das

relações jurídicas e na estabilidade da estrutura social e familiar em que a pessoa sesitua.

Page 152: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 152/359

Os efeitos patrimoniais do estado são, todavia, disponíveis.43 O estado é, ainda,imprescritível porque ninguém pode adquirir ou perder um estado pelo simples decursode tempo.17. O estado familiar.O estado familiar é a situação jurídica da pessoa no âmbito da família, conforme derive

do casamento, da união estável ou do parentesco.A pessoa pode ser solteira, casada, viúva, separada, divorciada, parente, companheira ouconvivente.O parentesco pode ser consangüíneo ou afim. Consangüinidade, ou parentesco em sensoestrito, é o vínculo que liga os des-cendentes da mesma pessoa; afinidade é o vínculoque une cônjuge aos parentes do outro. O parentesco conta-se por linhas e graus. Alinha vincula uma pessoa a um tronco ancestral comum, e diz-se reta ou colateral,conforme as pessoas descendam, ou não, umas das outras, embora todas tenham omesmo ancestral. São parentes em linha reta o pai, filho, neto, avô, bisavô etc. São

 parentes na linha colateral os irmãos, os tios, os sobrinhos, os primos. São parentesafins, sogro e nora, sogra e genro, os cunhados.

Grau é a distância entre duas gerações consecutivas. Geração é a relação entre genitor egerado.44 Na linha reta, contam-se os graus de parentesco pelas gerações que separamas pessoas cujas relações se focalizam. Na linha colateral, fazem-se duas operações decontagem de grau: de uma das pessoas até o ancestral comum, e deste até o outro

 parente. Na linha colateral o parentesco limita-se ao quarto grau (CC, art. 1.839).A importância do estado familiar se manifesta no fato de ele constituir-se em

 pressuposto de inúmeros direito e deveres, assim como influir na legitimidade e nacapacidade de fato dos sujeitos.O casamento é impedimento matrimonial (CC, art. 1.521, VI), cria direitos e deveresconjugais (CC, art. 1.566), limita o poder de----------------------32 "A alienação de bem de incapaz sem a prévia autorização judicial dá lugar ànulidade do ato. A autorização posterior não o convalida." RT, 449/129.33 É o tradicional instituto macedônio, do Senatus consultum macedonianum (D. 14,6, l, 3), que proibiu o empréstimo de dinheiro a todo o filius-famílias. Cf. SebastiãoCruz, Direito Romano, p. 261.34 A fixação da idade para que se alcance a maioridade é ato de política legislativa,sendo que o Código Civil português fixa-a aos 18 anos (art. 130), o espanhol aos 18anos (art. 320), o francês aos 21 anos (art. 488), o italiano aos 21 anos (art. 22), oalemão aos 21 anos (§ 2S), o argentino aos 21 anos (art. 126), o suíço aos 20 anos (art.14, b).

35 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 105.36 Cf. Orlando Gomes, p. 145; Alex Weil et François Terré. Droit civil, p. 93; Ráo, p.163; Limongi França. Manual de Direito Civil, I, p. 138; Henri de Page. Traitêélémentaire de droit civil belge, I, p. 358 e segs.37 Bianca, p. 273; Henry Summer Maine, Dcdlo status ai contratto, in II diritto

 privato nella societá moderna, a cura di Stefano Rodotá, p. 211.38 Caio Mário da Silva Pereira, n£ 48; Bianca, p. 274.39 Alessandro Levi, Teoria generais dei diritto, p. 230.40 D'Angelo, apud Bianca, p. 274.41 Caio Mário da Silva Pereira, ibidem. Clóvis Beviláqua, Comentários ao CódigoCivil, art. 1.025.

42 "O transexual é um indivíduo que rejeita o seu sexo biológico, identificando-secom o sexo oposto, ao qual deseja pertencer. A intervenção cirúrgica de mudança de

Page 153: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 153/359

sexo é admitida, no âmbito médico, pela Resolução 1.482, de 10.9.97, do ConselhoFederal de Medicina, sendo necessária autorização judicial, pois ocorre mudança deestado, com a redesignação do assento de nascimento do operado." Cfr. Elimar Szaniawski, Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual, pp.262/4.

43 "O filho natural que investiga a paternidade pode fazer transação com o direito desucessão proveniente do possível reconhecimento." Orlando Gomes, op. cit., p.148.44 Orlando Gomes. Direito de Família, n° 178.----------------------disposição dos cônjuges (CC, art. 1.647), estabelece direito hereditário (CC, art. 1.829,III), torna anulável doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice (CC, art. 550), criaimpedimento para depoimento judicial (CPC, art. 405, § 2, I), cria preferência nadesignação de inventariante (CPC, art. 990, I) etc.O parentesco gera impedimento matrimonial (CC, art. 1.521, I, II, III, IV, V), criaobrigações alimentares (CC, art. 1.694), direito hereditário (CC, art. 1.829, I, II e IV)com limitação, na linha colateral, ao quarto grau (CC, art. 1.839), influi na escolha de

tutor (CC, art. 1.731) e cria impedimentos judiciais (CPC, arts. 134, IV e V, 136, 405, par. 2°, I).A união estável, quando comprovada e reconhecida, gera o estado de convivente e

 produz os efeitos já referidos no Capítulo IV, item 16, a).18. O estado político.Estado político é a qualificação do sujeito relativamente à nação a que pertence.A pessoa tem o estado de nacional ou de estrangeiro.

 Nacionalidade é o vínculo jurídico que une a pessoa a determinada nação. Todo homemtem direito a uma nacionalidade. Identificada a nação com o Estado, nacionalidade é arelação entre o indivíduo e o Estado, fixando este as condições de nacionalidade. Difereda naturalidade, que é o vínculo com o local de nascimento.45Cidadania é o vínculo político que permite ao nacional o gozo dos direitos políticos.Significa a titularidade de direitos políticos. O cidadão é sempre nacional, mas nemsempre o nacional é cidadão.A nacionalidade é natural ou de origem, quando adquirida pelo nascimento, e adquirida,quando resulta de naturalização, ato pelo qual uma pessoa é incluída entre os nacionaisde um Estado, com a conseqüente perda da nacionalidade de origem — salvo no caso dediversidade da nacionalidade de origem, que pode decorrer do ius sanguinis e do iussoli. Determina-se a nacionalidade pelo lugar de nascimento (ius soli) ou pelos laços de

 parentesco (jus sanguinis). Uma pessoa pode ter mais de uma nacionalidade, salvodisposição em contrário (CF, art. 12, par. 4, II). Quem não tem nenhuma chama-se

apátrida.A importância do estado político está na legitimidade para a titularidade de direitos e norespectivo exercício. Não há distinção entre nacionais e estrangeiros (C.F. art. 5°),embora profusa legislação especial permita considerar revogado tal dispositivo.46 Nodireito político, todavia existem distinções (CF, art. 12, § 3-, art. 5-, XXXI, art. 190, art.176, II e §§ 2 e 3, art. 176, § l, art. 222, Lei de Imprensa, art. 3-, §§ 2- e 4- e Estatuto doEstrangeiro, art. 106).O brasileiro nato (CF, art. 12, I) tem direitos que o naturalizado não tem (CF, art. 12 §3°). O estrangeiro não pode exercer certas atividades, como disposto na Constituição eem leis ordinárias, como visto acima.19. A posse de estado.

A posse é a aparência de direito. O possuidor de uma coisa é aquele que se comportacomo se fosse proprietário. A posse é, assim, uma situação de fato que produz efeitos

Page 154: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 154/359

 jurídicos e que, por isso, é objeto de tutela jurídica. O estado da pessoa é suscetível de posse.Possuir um estado é comportar-se como se realmente o tivesse. A posse de estado é,assim, o exercício constante e público dos atos próprios de tal estado, é a situaçãoaparente de uma pessoa. Possuir um estado é ter aparentemente a situação jurídica

 própria desse estado,47 comportando-se como se tivesse tal estado.Para que se configure a posse de estado são precisos três elementos; nomen, tratactus, efama.

 Nomen é o fato de a pessoa apresentar um nome correspondente ao estado que pretendeter. Tratactus é o fato de a pessoa ser considerada como correspondente a esse estado.Fama, o conhecimento, o conceito de que desfruta em sociedade, correspondente aoestado que apresente. A pessoa que reúne esses elementos tem a aparência de um certoestado, tem a posse desse estado.A posse de um estado não conduz, porém, à sua aquisição. Sua função é meramente

  probatória. O direito brasileiro prevê apenas a posse de estado de casado, nãoconhecendo a posse de estado político nem do estado individual de pessoa.

A posse do estado de casado dos pais, depois de falecidos, pode ser invocada pelosfilhos em seu favor, desde que não haja certidão do registro de casamento de qualquer dos pretensos cônjuges com outra pessoa. Essa posse do estado de casado pressupõe queos pais já tenham morrido, e que hajam vivido notoriamente como casados (CC, art.1.545). Sua finalidade é proteger a prole.20. Ações de estado.A pessoa pode defender seu estado contra eventuais atentados aos direitos deledecorrentes, por meio das chamadas ações de estado, cuja finalidade é criar, modificar,extinguir ou defender o estado da pessoa natural. A maioria dessas ações tem por objetivo o reconhecimento da existência de um estado anterior, e sua sentença temeficácia absoluta, desde que sejam citados todos os interessados (CPC, art. 472). Nodireito brasileiro temos as seguintes ações de estado: ação para pedir a posse em nomedo nascituro, ação de emancipação, ação de levantamento de impedimento matrimonial,ação de suprimento de consentimento para o casamento, ação de investigação de

 paternidade, ação de contestação de paternidade, ação de contestação de maternidade,ação de impugnação de reconhecimento de filho, ação de suspensão de pátrio poder,ação de destituição de pátrio poder, ação de anulação ou nulidade ou impugnação deadoção, opção de nacionalidade. As ações de estado, que exigem sempre a intervençãodo Ministério Público (CPC, art. 82, II), são constitutivas quando a respectiva sentençaconstitui novo estado, como, por exemplo, a ação de divórcio, e são declaratóriasquando se limitam a reconhecer uma situação preexistente, como a ação de investigação

de paternidade. São positivas quando se afirma um estado, por exemplo, a ação defiliação, e negativas quando visam desfazer um estado, por exemplo, a ação decontestação de paternidade.4821. O registro dos atos de estado.Prova-se o estado da pessoa com as certidões de Registro Civil onde se registram osatos que o direito considera mais importantes na vida da pessoa.O registro civil é a instituição administrativa que tem por objetivo imediato a

 publicidade dos fatos jurídicos de interesse das pessoas e da sociedade. Sua função é dar autenticidade, segurança e eficácia aos fatos jurídicos de maior relevância para a vida eos interesses dos sujeitos de direito.Com precedentes históricos que começam na alta Antigüidade, passando pelo direito da

Grécia, de Roma e da Idade Média, sua origem mais próxima são os registros paroquiaisda Igreja Católica, que, a partir do séc. V, com a dissolução do Império Romano do

Page 155: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 155/359

Ocidente, e principalmente, desde o séc. XIV, registrava os batismos, os casamentos eas mortes. Com a Revolução Francesa tal serviço secularizou-se, isto é, deixou de ser religioso, criando-se os modernos sistemas de registro civil de responsabilidade doEstado.

 No direito brasileiro, na seqüência de vários diplomas legais, dispõem sobre a matéria,

cuja disciplina começa nas Ordenações Filipinas, o Código Civil (arts. 9° e 10) e a Lein2 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 29.De acordo com o Código Civil (art. 9°) serão registrados em registro público: osnascimentos, casamento e óbitos; a emancipação por outorga dos pais ou por sentençado juiz; a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; a sentença declaratória deausência e de morte presumida. Far-se-á averbação em registro público: das sentençasque decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial eo restabelecimento da sociedade conjugai; dos atos judiciais ou extrajudiciais quedeclararem ou reconhecerem a filiação; dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção,(art. 10)O registro dos atos de estado constitui, em regra, o único meio probatório do estado das

 pessoas. Na falta desse registro, pode-se substituí-lo uma sentença judicial prolatada para esse fim.O registro civil é útil porque: a) torna público o estado da pessoa dando ciência da datae do local de seu nascimento, casamento, emancipação, ausência, interdição, morte; b)facilita a prova desse estado; c) goza da presunção de autenticidade, o que garante avalidade e eficácia de seus elementos. Como dispõe o art. 1° da referida lei, os serviçosconcernentes aos Registros Públicos têm a lunção de dar autenticidade, segurança eeficácia aos atos jurídicos.22. O domicílio. Conceito. Características. Importância. Determinação. Espécies.Domicílio é a sede jurídica da pessoa.Etimologicamente vem de domus, casa, lugar em que o homem estabelece seu lar doméstico e concentra seus negócios e interesses. É um dos atributos da personalidade,consistindo no local em que o sujeito, pessoa natural ou jurídica, estabelece a sede desuas atividades. Para se identificar uma pessoa não basta o nome, é preciso localizá-lano espaço. Essa localização é o domicílio, lugar em que o indivíduo estabelece suaresidência com ânimo definitivo (CC, art. 70).Distingue-se o domicílio da residência e da habitação, ou morada. Aquele é um conceito

 jurídico, estas são situações de fato. Além disso, a residência é figura intermediáriaentre o domicílio e habitação. O domicílio pressupõe dois elementos: um, objetivo, aresidência, outro, subjetivo, o ânimo definitivo. A residência é apenas o local em que a

 pessoa mora com intenção de permanecer; a habitação é uma residência transitória. Se,

todavia, a pessoa tiver várias residências onde alternadamente viva, ou vários centros deocupação habitual, qualquer daqueles ou destes poderá ser considerado seu domicílio(CC, art. 71). O direito brasileiro admite, assim, pluralidade de domicílios.Domicílio e residência podem não coincidir. A pessoa pode morar numa localidade, emcaráter não definitivo, e ter em outra a sede de sua atividade jurídica.Quanto à sua natureza jurídica, o domicílio não é relação entre pessoa e lugar. É o

 próprio local da sede jurídica do sujeito, cuja fixação resulta de um ato jurídico emsenso estrito, quando escolhido pelo sujeito, ou de um fato jurídico, se imposto por lei.O domicílio é necessário e fixo, em princípio.Todos têm domicílio, mesmo os que não têm residência nem morada (CC, art. 73).O domicílio pode ser mudado, embora normalmente fixo, pela necessidade normal de

estabilidade das relações jurídicas do indivíduo. Muda-se o domicílio transferindo-se aresidência com intenção manifesta de o mudar (CC, art. 74).

Page 156: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 156/359

Sujeitos de Direito. A Pessoa Natural247Fixa-se o domicílio em função dos interesses do sujeito e de terceiros, o que se projetaem diversos campos do direito. Assim, em matéria de direito internacional, é a lei dodomicílio que determina regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a

capacidade e os direitos de família. No direito protetivo, a escolha de tutor deve recair em pessoa residente no domicílio menor (CC, art. 1.732). É o desaparecimento da pessoa de seu domicílio, sem deixar representante, que caracteriza a ausência (CC, art.22). No direito das obrigações o domicílio do devedor é, em princípio, o local em que sedeve efetuar o pagamento (CC, art. 327), assim como o protesto de título de crédito (Lein° 2.004, de 31.12.1908, art. 28, parág. único e Decreto n° 57.663, de 24.1.1966, art.43). A oferta de fiador deve recair sobre a pessoa domiciliada no município em quedeva ser prestada a fiança (CC, art. 825). No direito hereditário, a abertura da sucessãoopera-se no último domicílio do falecido (CC, art. 1.785).Em direito processual civil, é o domicílio do réu o fixado em lei para as ações pessoais ereais sobre móveis (CPC, art. 94). O foro do domicílio do autor da herança é o

competente para o inventário e para as ações em que o espólio for réu (CPC, art. 96),embora não seja absoluta tal competência (Súmula n° 58 do TER). No processo penal sedesconhecido o lugar da infração, o foro competente será o do domicílio do réu (CPP,art. 72).

 No direito eleitoral a inscrição do eleitor é no seu domicílio (Lei n° 4.737, de 15.07.65,art. 42, parág. único).A fixação do domicílio é um ato jurídico em senso estrito quando expressa a vontade dosujeito, e um fato jurídico quando fixado por lei. Não é negócio jurídico.49 O domicílioé, no primeiro caso voluntário, e, no segundo, legal. Domicílio voluntário é, assim, oque a pessoa adquire por ato seu. É geral quando se refere ao exercício de direitos eobrigações normais. É especial, ou de eleição quando estabelecido em contrato para aexecução de certas obrigações (CC, art. 78). É temporário e limitado, sendo eficazapenas entre as partes, estendendo-se às conseqüências do ato para o que foi instituído.Domicílio legal ou necessário é o que resulta da própria lei. Diz-se de origem, quando éo que a pessoa adquire ao nascer.Domicílio legal é o lugar onde a lei presume que o indivíduo reside permanentemente.Têm domicílio legal as pessoas itinerantes (CC, art. 73), os incapazes (art. 76), oservidor público (art. 76), os militares (art. 76), os oficiais e tripulantes da marinhamercante (art. 76), os condenados (art. 76) e os diplomatas (art. 77).Os domicílio das pessoas jurídicas é o lugar da sede da respectiva administração (CC,art. 75).

------------45 Haroldo Valladão. Direito Internacional Privado, vol. I. p. 275.46 Cf. Código Civil brasileiro, art. 3°. Cfr. Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, (Leide Imprensa), art. 3°, par. 2° e 4°; CF, arts. 5°, XXXI, 190 e 227, par. 5°.47 De Page, I, p. 365.48 Antônio Chaves. Lições de Direito Civil, Parte Geral, vol. III, p. 295.49 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. I, p. 170; Orlando Gomes.Introdução ao Direito Civil, n° 98, p. 156.------------

CAPÍTULO VII

Direitos da Personalidade

Page 157: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 157/359

Sumário: l. Direitos da personalidade. Conceito e razão de ser. 2. Natureza jurídica ecaracterísticas. 3. Objeto e titularidade. 4. Construção e sistematização jurídica. 5. Osistema brasileiro dos direitos da personalidade 6. Classificação. 7. Direito à vida e àintegridade física. 8. Direito ao corpo e ao cadáver. Os transplantes e sua disciplinalegal. 9. Direito à integridade moral. 10. Direito à integridade intelectual. 11. Direito à

identidade pessoal. O nome. 12. Elementos constitutivos do nome. 13. Aquisição eformação do nome. 14. Alteração do nome. 15. Proteção ao nome. 16. O nomecomercial.

1. Direitos da personalidade. Conceito e razão de ser.Direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valoresessenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual.1Como direitos subjetivos, conferem ao seu titular o poder de agir na defesa dos bens ouvalores essenciais da personalidade, que compreendem, no seu aspecto físico o direito àvida e ao próprio corpo, no aspecto intelectual o direito à liberdade de pensamento,direito de autor e de inventor, e no aspecto moral o direito à liberdade, à honra, ao

recato, ao segredo, à imagem, à identidade e ainda, o direito de exigir de terceiros orespeito a esses direitos. A tutela jurídica dos direitos da personalidade, como adiante seexplicitará, é de natureza constitucional, civil e penal, tendo como suporte básico o

 princípio fundamental expresso no art. l-, III, da Constituição Brasileira, o da dignidadeda pessoa humana. Significa este princípio, que orienta e legitima o sistema jurídico dedefesa da personalidade, que a pessoa humana é o fundamento e o fim da sociedade, doEstado e do direito.2Os direitos da personalidade são uma construção teórica recente, não sendo uniforme adoutrina no que diz respeito à sua existência, conceituação, natureza e âmbito deincidência. Seu objeto é o bem jurídico da personalidade, aqui entendida como atitularidade de direitos e deveres que se consideram ínsitos em qualquer ser humano, emrazão do que este se torna sujeito de relações jurídicas, dotado, portanto, de capacidadede direito.A razão de ser dos direitos da personalidade está na necessidade de uma construçãonormativa que discipline o reconhecimento e a proteção jurídica que o direito e a

 política vêm reconhecendo à pessoa, principalmente no curso deste século.Se é verdade que a proteção dos aspectos morais da pessoa constitui um aspectoimanente da nossa cultura, não é fácil encontrar-se para ela, uma coerente previsão nasistemática jurídica, dada a imaterialidade dos aspectos essenciais da personalidadehumana.3O progresso científico e tecnológico (biologia, genética etc.) e o desenvolvimento dos

instrumentos de comunicação e da difusão de informações suscitam problemas novos ediversos para os aspectos essenciais e constitutivos da personalidade jurídica(integridade física, moral e intelectual) exigindo do direito respostas jurídicas adequadasà proteção da pessoa humana.Por outro lado, "a tutela da personalidade, no segundo pós-guerra, tem sido fortementeassociada ao tema dos direitos invioláveis da pessoa, afirmado nos principaisdocumentos internacionais sobre direitos humanos fundamentais". A DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem de 1948, a Convenção Européia dos Direitos doHomem de 1950, o Pacto Internacional sobre Direitos Humanos e Civis de 1966, e hojea Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, contêm expressasexigências à proteção da personalidade humana.4

A sua importância é tão grande que as suas disposições de princípio estão hoje contidasnos textos constitucionais, atribuindo-se-lhe, portanto, uma posição superior no

Page 158: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 158/359

ordenamento jurídico nacional, que orienta o legislador e incide imediatamente (CF. art.5°, par. 1°).Por disciplinarem matéria de natureza privada, como são os direitos subjetivos e a

 personalidade, e por terem guarida no texto constitucional, pode reconhecer-se que osdireitos da personalidade são o terreno de encontro privilegiado entre o direito privado,

as liberdades públicas e o direito constitucional.52. Natureza jurídica e características.Embora se reconheça nos direitos da personalidade uma certa imprecisão, o que tornadifícil integrá-los nas categorias dogmaticamente estabelecidas, é de consensoconsiderá-los como direito subjetivo que tem, como particularidade inata e original, umobjeto inerente ao titular, que é a sua própria pessoa,6 considerada, nos seus aspectosessenciais e constitutivos, pertinentes à sua integridade física, moral e intelectual. Danatureza do próprio objeto, vale dizer, da sua importância, decorre uma tutela jurídica"mais reforçada" do que a generalidade dos demais direitos subjetivos já que se distribuinas esferas de ordem constitucional, civil e penal.Caracterizam-se os direitos da personalidade por serem essenciais, inatos e

 permanentes, no sentido de que, sem eles, não se configura a personalidade, nascendocom a pessoa e acompanhando-a por toda a existência. São inerentes à pessoa,intransmissíveis, inseparáveis do titular, e por isso se chamam, também,

 personalíssimos, pelo que se extinguem com a morte do titular. Conseqüentemente, sãoabsolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e extra-patrimoniais. Absolutos

  porque eficazes contra todos (erga omnes), admitindo-se, porém, direitos da personalidade relativos, como os direitos subjetivos públicos, que permitem exigir doEstado uma determinada prestação,7 como ocorre, exemplificadamente, com o direito àsaúde, ao trabalho, à educação e à cultura, à segurança e ao ambiente. Indisponíveis

 porque insuscetíveis de alienação, não podendo o titular a eles renunciar ou até lirnitá-los, salvo nos casos previstos em lei. Essa indisponibilidade não é, porém, absoluta,admitindo-se, por exemplo, acordo que tenha por objeto direito da personalidade, comoocorre no caso de cessão do direito de imagem para fins de publicidade. Também éválida a disposição gratuita do próprio corpo para depois da morte (CC. art. 14).Inadmissível, todavia, a penhora por um credor, de um direito da personalidade. Por outro lado, algumas limitações poderão impor-se, no interesse geral, como a vacinaçãoobrigatória. Imprescritíveis no sentido de que não há prazo para o seu exercício. Não seextinguem pelo não uso, assim como sua aquisição não resulta do curso do tempo. Eextra-patrimoniais, porque não avaliáveis em dinheiro, salvo os direitos de autor e de

 propriedade industrial, que têm regime próprio.3. Objeto e titularidade.

Objeto dos direitos da personalidade é o bem jurídico da personalidade, como conjuntounitário, dinâmico e evolutivo dos bens e valores essenciais da pessoa no seu aspectofísico, moral e intelectual.Esses valores são a vida humana, o corpo humano na sua integridade e nas suas partes,quando individualizadas e separadas; a honra, a liberdade, o recato, a imagem, o nome;a liberdade de pensamento, o direito de autor e de inventor. Esse conjunto ou essecomplexo unitário de natureza física, psíquica e moral, vem a justificar um direito geralde personalidade que se constrói a partir do princípio fundamental da dignidade da

 pessoa humana,* base legítima dos direitos especiais da personalidade que o sistema jurídico brasileiro já reconhece. Temos, assim, um direito geral da personalidade, que aconsidera um bem objeto da tutela jurídica geral, e defende a inviolabilidade da pessoa

humana, nos seus aspectos físico, moral e intelectual, e temos direitos especiais,correspondentes a esses aspectos parciais da personalidade.

Page 159: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 159/359

O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor jurídico constitucionalmente positivado que se constitui no marco jurídico, no núcleo fundamental do sistema brasileiro dos direitos da personalidade como referência constitucional unificadora detodos os direitos fundamentais.9 Significa ele que o ser humano é um valor em simesmo, e não um meio para os fins dos outros.10

Assim entendido, o princípio da dignidade da pessoa humana traduz o reconhecimentodo valor da pessoa como entidade independente e preexistente ao ordenamento mesmo,dotada de direitos invioláveis que lhe são inerentes.11Sujeitos titulares dos direitos da personalidade são todos os seres humanos, no ciclovital de sua existência, isto é, desde a concepção, seja esta natural ou assistida(fertilização in vitro ou intratubária), como decorrência da garantia constitucional dodireito à vida.12 A personalidade humana extingue-se com a morte, o que não impede oreconhecimento de manifestações da personalidade post-mortem1^ como ocorre noscasos do direito ao corpo, à imagem, ao direito-------------------1 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo VII, p. 5 a 161; Orlando Gomes,

Introdução ao Direito Civil, p. 129; Antônio Chaves, Lições de Direito Civil, vol. III, p.168; Milton Fernandes, Os direitos da personalidade, in Estudo jurídicos emhomenagem ao Prof. Caio Mário da Silva Pereira, p. 131; Fábio Maria de Mattia,Direito da personalidade, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 28, ps. 155/158;Rubens Limongi França, Manual de Direito Civil, vol. 2, p. 321; Carlos Alberto Bittar,Curso de Direito Civil, vol. l, p. 205 e seg.; Rabindranath V.A Capelo de Souza, ODireito Geral de Personalidade, p. 106; Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade,

 p. 17 e segs.; Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Personalidade, p. 52 e segs.2 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, p. 167; Capelo deSouza, op. cit, p. 97.3 Vincenzo Zeno-Zencovich, Personalità (Diritti delia), in Digesto delle DisciplinePrivatistiche, p. 431.4 Idem, ibidem, p. 435.5 Marc Frangi, Constitution et droit prive, p. 115.6 Jacques Ghestin et Gilles Goubeaux, Traité de Droit Civil, Introduction Générale,

 p. 179.7 Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. l, p. 199.8 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 1£, III.9 J.J. Gomes .Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 58/59.10 Karl Larenz, Algemeiner Teu dês Eürgerlichen Rechts, p. 107.11 A Lopez. V.L. Montes, Derecho Civil. Parte general, p.254.

12 Problema a enfrentar é o dos embriões in vitro excedentes. Têm igualmentenatureza humana, pelo que devem ser conservados até ulterior implantação. Capelo deSouza, op. cit., p. 363.13 O Código Civil português dispõe no art. 712: "I — Os direitos de personalidadegozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular."-------------------moral do autor, e o direito à honra. Neste caso, cabe aos herdeiros a sua defesa contraterceiros.

 Não obstante a teoria dos direitos da personalidade ter-se construído a partir de umaconcepção antropocêntrica do direito, isto é, a pessoa natural como referência, tambémse admite serem as pessoas jurídicas titulares desses mesmos direitos, particularmente

no caso do direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra, ao crédito, ao sigilo decorrespondência e à particularidade de organização, de funcionamento e de know how.

Page 160: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 160/359

Esses direitos acompanham o ciclo vital da pessoa jurídica, começando com o registro eterminando com a respectiva baixa, reconhecida, também, a possibilidade de efeitos

 posteriores, como o direito à honra e ao bom nome.14De modo sintético, pode-se reconhecer que as pessoas jurídicas são suscetíveis detitularidade de direitos da personalidade que não sejam inerentes à pessoa humana,

como o direito à vida, à integridade física e ao seu corpo, podendo sê-lo no caso, por exemplo, do direito ao nome e à identidade (sinais distintivos), inviolabilidade da sede esegredo de correspondência (CC. art. 52).Em virtude de outro princípio constitucional fundamental, que é o princípio daigualdade (CF. art. 5°), aos estrangeiros residentes no Brasil reconhece-se também atitularidade dos direitos da personalidade.4. Construção e sistematização jurídica.A teoria dos direitos da personalidade, ou direitos personalíssimos, é produto daelaboração doutrinária que se iniciou no séc. XIX, atribuindo-se a Otto Gierke a

 paternidade da denominação.13 Já se encontram, porém, nos primórdios da civilizaçãoocidental, principalmente a que se desenvolveu no âmbito mediterrânico, alguns marcos

históricos de expressiva significação na matéria.O Código de Hamurabi já estabelecia sanções para o caso de lesões à integridade físicaou moral do ser humano.16

  No direito grego, onde começou a delinear-se a idéia de pessoa, a proteção à personalidade partia da idéia de hybris (excesso, injustiça), que justificava a sanção penal punitiva. É, porém, na filosofia grega que se encontra a maior contribuição para ateoria dos direitos da personalidade, com o surgimento do dualismo nas fontes jurídicas,um direito natural, como ordem superior criada pela natureza, e um direito positivo, asleis estabelecidas na cidade (ius in civitate positum), sendo o homem a origem e razãode ser da lei e do direito. O direito natural era, assim, a expressão ideal de valoresmorais superiores da ordem vigente, que encontravam na natureza o seu fundamento ou

 justificação. No direito natural encontra-se, portanto, o germe da teoria dos direitos naturais ouinatos, direitos inerentes ao homem e preexistentes ao Estado, que os devia conhecer erespeitar.A tradição dos direitos humanos, ou do homem tem, assim, raízes no pensamento dossofistas e dos estóicos, cuja herança foi recolhida pelo direito.17 Posteriormente, oCristianismo criou e desenvolveu a idéia da dignidade humana, reconhecendo aexistência de um vínculo interior entre o homem e Deus, acima das circunstâncias

 políticas que determinavam em Roma os requisitos para o conceito de pessoa, (statuslibertatis, status civitatis e status fami-

liae). Na proteção jurídica que o direito romano dava à pessoa, no tocante aos aspectosessenciais da personalidade, temos a actio iniuriarium, criada pelo pretor e concedida àvítima de um delito de iniuria. Esta consistia, em sentido lato, em todo ato contrário aodireito e, em sentido estrito, a qualquer agressão física, com golpes, e também adifamação, o ultraje, a violação de domicílio.18Além da actio iniuriarium, dispositivos da Lex Aquilia19 e da Lex Cornelia20reforçavam a tutela jurídica da personalidade no direito romano, principalmente no quediz respeito à agressão física e à violação de domicílio.Reconhece-se assim que, no direito antigo, a hybris grega e a iniuria romanaconstituíram "o embrião do direito geral da personalidade".21

 Na Idade Média, a Magna Carta (1215) já assegurava algumas garantias legais contra aviolação de direitos e em favor da assistência e amparo a necessitados, principalmente

Page 161: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 161/359

no que diz respeito à garantia de acesso à justiça, mas é principalmente com oRenascimento e o Humanismo, do séc. XVI, e o Iluminismo nos sécs. XVII e XVIII,que se reconhece o indivíduo como valor central do sistema jurídico e se desenvolve ateoria dos direitos subjetivos como tutela dos interesses e dos valores fundamentais da

 pessoa, admitindo-se, corno objeto desses direitos, a própria pessoa humana (ius in se

ipsum).A par dessas idéias, e consagrando-as, surgem textos fundamentais, como o Bill of Rights, dos Estados americanos (1689); a Declaração de Independência das colôniasinglesas na América do Norte (1776); a Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão, de 1789, proclamada com a Revolução Francesa; a Declaração de Direitos de1793, que considerava direitos naturais os de igualdade, liberdade, segurança e

 propriedade; a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948; a ConvençãoEuropéia dos Direitos Humanos, de 1950, e a Carta dos Direitos Fundamentais da UniãoEuropéia, de 2.000, todos eles marcos fundamentais e históricos da construção teóricados direitos da personalidade.E, assim, de afirmar-se, ser essa categoria de direitos subjetivos verdadeira conquista da

ciência jurídica moderna, encontrando sua positivação mais perfeita no direito italiano(Costituzione art. 2 e Códice Civile arts. 5 a 10). O Código Civil português, de 1966,regula a matéria nos arts. 70° e 81°.

 No Brasil tem sido objeto de interesse doutrinário. Apresenta-se no anteprojeto OrlandoGomes, de 1963, e agora no Código Civil (CC. arts. 11 a 21). Encontra, ainda,disciplina e proteção na Constituição Federal, no Código Penal, e em leis especiais,como a Lei de Imprensa, a Lei dos Transportes, a Lei dos Direitos Autorais e a Lei dosRegistros Públicos.Cabe destacar que os direitos da personalidade surgiram nos citados textosfundamentais como direitos naturais ou direitos inatos, que se denominam inicialmentede direitos humanos assim compreendido os direitos inerentes ao homem.Alguns desses direitos humanos são positivados nos textos constitucionais, passando achamar-se direitos fundamentais, como objeto de especial garantia em face do Estado.Os direitos fundamentais "seriam um núcleo ou círculo mais restrito de direitoshumanos especialmente protegido pela Constituição".22 Dentro da categoria dosdireitos fundamentais surge um conjunto de direitos subjetivos que se distinguem oucaracterizam, não só pelo processo de sua formação, já que foram "identificados edesenvolvidos pela doutrina jurídico-civil do séc. XIX, à frente Otto Von Gierke", comotambém pelo objeto de sua tutela, os valores essenciais da personalidade humana. Nesta

 perspectiva, todos os direitos da personalidade são direitos fundamentais, mas não oinverso.

5. O sistema brasileiro dos direitos da personalidade.A tutela jurídica dos direitos da personalidade desenvolve-se em dois níveis, um, denatureza constitucional, que reúne os princípios que organizam e disciplinam aorganização da sociedade, e outro, próprio da legislação ordinária, que desenvolve econcretiza esses princípios. De modo mais específico, pode-se dizer que a proteção aosdireitos da personalidade é de natureza constitucional, no que diz respeito aos princípiosfundamentais que regem a matéria e que estão na Constituição, e é de natureza civil,

  penal e administrativa, quando integrante da respectiva legislação ordinária. Esse"processo de constitucionalização" constitui um dos desenvolvimento de maior relevodo último meio século, a ser hoje reestudado, em face do advento do novo Código Civil

 brasileiro, que desenvolve os princípios constitucionais no que tange à matéria civil.23

Em matéria constitucional o art. l- da Constituição Brasileira estabelece como princípiofundamental a dignidade da pessoa humana na seqüência do valor, também

Page 162: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 162/359

fundamental, da igualdade, expresso no preâmbulo como valor superior do ordenamento jurídico, que proíbe qualquer tipo de discriminação. Quer isso dizer que o respeito à pessoa humana é o marco jurídico básico, o suporte inicial que justifica a existência eadmite a especificação dos demais direitos, garantida a igualdade de todos perante a lei[igualdade formal) e a igualdade de oportunidades no campo econômico e social

(igualdade material).Outros direitos de natureza constitucional são a inviolabilidade do direito à vida, àliberdade, à igualdade (CF art. 5-, caput), o direito de resposta (V), o direito àinviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (X), odireito de autor (XXVIII), a proteção à participação individual em obras coletivas e àreprodução da imagem e da voz humanas (XXVIII).Quanto à legislação civil:1. No Código Civil de 1916, que seria o diploma básico e peculiar dos direitos da

 personalidade, na medida em que se constituiu, historicamente, a sedes materiae da personalidade, mas onde inexistia instituto específico, encontravam-se referências àimagem (art. 666, X), ao sigilo da correspondência (art. 671, par. único) ao direito

moral do autor (arts. 649, 650, par. único, 651, par. único e 658), à cessão do direito deligar o nome do autor à sua obra (art. 667), hoje deslocadas para a Lei 9.610, de 19 defevereiro de 1998, que regula os direitos autorais. No Código atual, a matéria é objetodo Capítulo II, do Título I da Parte Geral, arts. 11 a 21.2. No Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, no quediz respeito aos direitos fundamentais, Título II, arts. 7 a 69.3. Na proteção da pessoa e dos bens dos psicopatas, Decreto 24.559, de 3 de julho de1934.4. No transplante de órgãos, Lei 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, e Decreto 2.268, de30 de junho de 1997.5. Na cessão de produtos biológicos, como sangue, Lei n- 7.649, de 25 de janeiro de1988.6. Na utilização de técnicas de Reprodução Assistida, Resolução 1.358/92, do ConselhoFederal de Medicina.7. Na proteção ao direito moral do autor, a Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.8. Na proteção de propriedade intelectual sobre programas de computação, Lei 9.609,de 19 de fevereiro de 1998.9. No campo das comunicações, Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, arts. 53 e 56; Lei5.250, de 09 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), arts. 16, 18 e 49; Lei 7.232, de 19de outubro de 1984, art. 2* VIII e IX.10. Na proteção do patrimônio genético do país, da qualidade de vida e do meio

ambiente, a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que estabelece normas para o uso dastécnicas de engenharia genética.11. Na utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudo ou pesquisa científica,a Lei 8.501, de 30 de novembro de 1992.12. Na proteção aos direitos relativos à propriedade industrial, a Lei 9.279, de 14 demaio de 1996.

 Na legislação penal, tem-se no Código Penal a seguinte tutela jurídica: a condenação dohomicídio (art. 121), a provocação ou auxílio ao suicídio (art. 122), o infanticídio (art.123)), o aborto (art. 124) os crimes de perigo para a vida e a saúde (art. 130 a 136), ocrime de lesão corporal (art. 129) os crimes contra a honra (art. 138), a difamação (art.139), a injúria (art. 146) o seqüestro e cárcere privado (art. 142) a inviolabilidade do

domicílio (art. 150) os crimes contra a inviolabilidade de correspondência (arts. 151 e152 e dos segredos (art. 153 e 154).

Page 163: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 163/359

Em face dos princípios, normas e conceitos que formam o sistema brasileiro dos direitosda personalidade, podemos concluir que a tutela jurídica dessa matéria se estabelece emnível constitucional, civil e penal, embora a sua sedes material seja o Código Civil.6. Classificação.A classificação dos direitos da personalidade deve ser feita considerando-se os aspectos

fundamentais da personalidade que são objeto da tutela jurídica, a saber: o físico, ointelectual e o moral.-----------------------14 Carlos Alberto Bittar, op. cit., p. 209.15 Carvalho Fernandes, op. cit., p. 187, nota 2: "A categoria dos direitos da

  personalidade é de formação relativamente recente e, embora tenha sido objeto delargos estudos nos últimos tempos, constitui ainda hoje matéria muito polêmica quantoao seu conceito, quanto à sua natureza, quanto ao seu âmbito e até quanto a questõesmais singelas como a sua própria designação. Vários autores têm proposto outrasdesignações, como direitos à personalidade, direitos essenciais ou direitosfundamentais, direitos sobre a própria pessoa, direitos individuais e direitos

  personalíssimos; contudo, a designação que se mostra com maior aceitação é a dedireitos de personalidade ou da personalidade." A paternidade da construção edenominação jurídica atribui-se a Otto Von Gierke, in Handbuch dês DeutschesPrivatrechts, I, p. 702 e segs. apud Zeno-Zencovich, op. cit., p. 432.16 Código Hamurabi, pars. 195/197, 202.17 "A convicção de que a sociedade humana era ordenada por leis foi fundamentada

 pelos sofistas (G orgias, Calides, Trasímaco) de uma forma naturalista ou (Protágoras,Lícofron) relativista; deste modo, eles converteram-se nos autênticos descobridores dodireito natural como problema." Franz Wieacker, História do Direito Privado Moderno,

 p. 291. Sobre a influência do estoicismo em Roma, cfr. Antônio Truyol Y Serra,História de La Filosofia dei Derecho Y dei Estado, vol. I, p. 189.18 Digesto, 47. 10. 6. 7; Gaio, 3, 22, 223.19 Institutiones, 4, 3; Digesto, 9, 2.20 Digesto, 47, 10, 5.21 Capelo de Souza, op. cit., p. 54.22 A . Lopez — V. L. Montes, op. cit., p. 252.23 Zeno-Zenocovich, op. cit., p. 435.------------------------Assim, os direitos da personalidade podem sintetizar-se no direito à integridade física,no direito à integridade intelectual e no direito à integridade moral, conformerepresentem a proteção jurídica desses bens ou valores.

O direito à integridade física compreende a proteção jurídica à vida, ao próprio corpo,quer na sua totalidade, quer em relação a tecidos, órgãos e partes do corpo humanosuscetíveis de separação e individualização (Lei dos Transplantes, Lei 9.434, de 04 defevereiro de 1997, e Decreto 2.268 de 30 de junho de 1997), quer no tocante ao corposem vida, o cadáver, e ainda, o direito e à liberdade de alguém submeter-se ou não aexame e tratamento médico. O Código Civil protege-o, de modo geral, nos arts. 13 e 15.O direito à integridade moral consiste na proteção que a ordem jurídica concede à

 pessoa no tocante à sua honra, liberdade, intimidade, imagem e nome (CC. arts. 16, 17,18, 19, 20 e 21).O direito à integridade intelectual é o que protege o direito moral do autor, isto é, odireito de reivindicar a paternidade da obra, e o direito patrimonial que é o direito de

dispor da obra, explorá-la e dela dispor (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).7. Direito à vida e à integridade física.

Page 164: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 164/359

O direito à vida e à integridade física ocupam posição capital no sistema dos direitos da personalidade.A vida humana é o estado em que se encontra um ser humano animado, normais ouanormais que sejam as suas condições físicas e psíquicas.24 Mais do que um estado, é o

 processo pelo qual um indivíduo nasce, cresce e morre.25 É bem jurídico fundamental,

uma vez que se constitui na origem e suporte dos demais direitos. Sua extinção põe fimà condição de ser humano e a todas as manifestações jurídicas que se apoiam nessacondição.A integridade física é a incolumidade do corpo humano, o estado ou a qualidade deintacto, ileso, que não sofreu dano. A vida e a integridade física da pessoa são bens

 jurídicos protegidos pela Constituição (art. l2, III, e 52, III), pelo Código Civil (arts. 13e 15) e pelo Código Penal, que prevê quatro tipos de comportamento dirigidos àdestruição da vida humana (homicídio, CP. art. 121, indu-zimento, instigação ou auxílioa suicídio, art. 122, infanticídio, art. 123, e aborto, art. 124), e um tipo pertinente àincolumidade física, o crime de lesões corporais, (CP, art. 129), além dos crimes de

 perigo para a vida ou a saúde, compreendendo o perigo para a vida ou a saúde de

outrem, o abandono de incapaz, a exposição ou abandono de recém-nascido, a omissãode socorro e os maus tratos (CP, arts. 130/136).A vida humana é fenômeno unitário e complexo, uma totalidade unificada de trípliceaspecto, o biológico, o psíquico e o espiritual. Eiologicamente, é o processo de atividadeorgânica e de transformação permanente do indivíduo, desde a concepção até a morte.Psicologicamente, é a percepção do mundo interno e externo ao indivíduo.Espiritualmente, significa inteligência e vontade.A proteção jurídica da vida humana e da integridade física tem como causa final a

 preservação desses bens jurídicos, desde o começo até o término da vida, do que decorrea importância em determinar-se o momento em que ela começa e se extingue, o quemarca, aliás, o início e o fim da personalidade jurídica. Quanto ao seu termo inicial, avida e, conseqüentemente, a personalidade, começa da concepção,26 da fusão dosgametas. Quanto ao termo final da existência, prevalece a opinião que define a morteem termos cerebrais.27O valor da vida e da integridade física tornam, por isso, extremamente importante a suadefesa contra os riscos de sua destruição ou de alteração da estrutura ou funcionamentonormal do corpo humano, inclusive a simples ameaça contra a saúde.Têm também grande importância as intervenções ou manifestações destinadas a alterar-lhes as condições normais da existência. Essas intervenções compreendem as práticascientíficas próprias da chamada engenharia genética, lato sensu, as ações sobre o ADNhumano, (análise molecular do genoma humano e a utilização dos genes humanos), as

ações sobre células humanas ou sobre embriões, (processos de fecundação in vitro econgelamento, manipulação e experimentação), e ações sobre os indivíduos, (atransferência de genes, transplante de órgãos humanos, a reprodução assistida, aesterilização e controle da natalidade, e ainda os tratamentos médicos e a eutanásia).O direito à integridade física compreende, também, a saúde individual, tanto orgânicacomo mental, mas não se confunde com o direito à saúde (CF, art. 196).O direito subjetivo que tem a vida humana como bem jurídico, pressupõe três titularesdo dever jurídico de respeitá-lo: a) o próprio indivíduo; b) as demais pessoas; e c) oEstado.28 O próprio indivíduo tem para consigo o direito-dever de legítima defesa, queconsiste na reação contra agressão injusta, atual, inevitável, não excedendo o necessárioà defesa. "Para uma concepção clássica, teria também o dever de não suicidar-se", o que

hoje se discute. Relativamente a terceiros, têm estes o dever de não matar, de nãocontribuir ou ajudar na morte voluntária de alguém. Quanto ao Estado, tem este o dever,

Page 165: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 165/359

negativo, de respeitar a vida dos cidadãos (CF, art. 5°], e o dever, positivo, de proteger-lhes a vida, com a utilização de todos os meios jurídicos necessários, assim como odever de punir os autores de quaisquer atentados contra a vida humana, função típica dodireito penal.8. Direito ao corpo e ao cadáver. Os transplantes e sua disciplina legal.

O direito ao corpo, nele incluído os seus tecidos, órgãos e partes separáveis, e o direitoao cadáver, são projeções do princípio da dignidade humana (CF, art. l-, III) e do direitoà integridade física. Surge aqui o problema do corpo humano como objeto de direito.Considera-se aqui o corpo humano também como um bem jurídico, "uma realidade

 biológica que o direito reconhece e protege em si mesma", seja o corpo humanonascido, seja o apenas concebido. O corpo humano sem vida é cadáver, coisa fora docomércio, insuscetível de apropriação, mas passível de disposição na forma da lei.Manifesta-se aqui a personalidade post-mortem, de que se tratará a seguir.A personalidade humana é um todo complexo, unitário, integrado e dinâmico,constituído de bens ou elementos constitutivos (a vida, o corpo e o espírito), de funções(função circulatória, inteligência), de estados (saúde, prazer, tranqüilidade) e por força,

 potencialidade e capacidade (instintos, sentimentos, vontade, capacidade criadora e detrabalho, poder de iniciativa etc.).29 Entre seus elementos constitutivos, o corpohumano é, por si só, objeto de tutela jurídica que se traduz nos dispositivos penaiscondenatórios das lesões corporais (CP, art. 129) e dos crimes de perigo para a vida e asaúde (CP, art. 130), e ainda no poder de decisão pessoal sobre tratamento médico-cirúrgico, exame médico e perícia médica. A tutela jurídica sobre o cadáver tanto semanifesta na proibição de destruir, subtrair, ocultar ou vilipendiar cadáver (CP, arts. 211e 212), como na possibilidade de disposição gratuita de próprio corpo, ou parte dele,com objetivo altruístico ou científico para depois da morte.O direito ao corpo refere-se tanto a este, na sua totalidade, quanto às partes que dele se

 possam destacar e de se individualizar, e sobre as quais a pessoa exerce o direito dedisposição. Consideram-se, assim, coisas (rés), de propriedade do titular do respectivocorpo.Os elementos destacados do corpo deixam de integrá-lo e, conseqüentemente, de ser objeto dos direitos da personalidade. Em sentido contrário, passam a integrá-lo os"elementos ou produtos, orgânicos ou inorgânicos, que nele se assimilaram ou que nelese incorporaram". Assim enxertos e próteses, implantadas e não rejeitadas peloorganismo, e não separáveis do corpo sem causar a este um dano simultâneo, são objetode direitos da personalidade e não de direitos reais.30 A separação faz-se para salvar avida ou preservar a saúde do titular ou de terceiros, neste caso, por meio de transplante.É, assim, permitido à pessoa juridicamente capaz, dispor gratuitamente de tecidos,

órgãos ou partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou de transplantes (Lei9.434, de 04.02.97, art. 9-}. Só se permite a doação de órgãos duplos, de partes deórgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não prejudique o organismo do doador,e satisfaça necessidade terapêutica indispensável à pessoa receptora. A disposição dessematerial pode ser também post-mortem, isto é, para ser eficaz após a morte do doador.

 Nesse caso, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para transplante outratamento, deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada eregistrada na forma da lei (art. 3-}.Considera-se transplante a retirada de um órgão, tecido ou parte do corpo humano, vivoou morto, e sua utilização, com fins terapêuticos, num ser humano. Difere da prótese,que é um processo mecânico que utiliza material inerte (válvula), para substituir partes

anatômicas.

Page 166: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 166/359

Esse ato subordina-se a dois princípios básicos, a finalidade terapêutica ou científica, e agratuidade do ato de disposição, princípios esses que informam as normas deorganização que disciplinam a respectiva prática.A questão dos transplantes gira em torno de dois interesses fundamentais e opostos: ointeresse coletivo no progresso da ciência médica, que justifica a utilização do corpo

humano, vivo ou morto, na pesquisa científica ou no tratamento médico, e o interesseindividual, no que diz respeito ao direito subjetivo de proteção à integridade física e àvida humana. Esses interesses podem ser conflitantes, gerando problemas de naturezaética, filosófica e psicológica, que exigem adequadas respostas jurídicas. Tais respostasdevem conjugar, por sua vez, o princípio da inviolabilidade do corpo humano, e o

 princípio da liberdade da pessoa na utilização do seu próprio corpo,31 observados os  princípios da indisponibilidade da vida e da saúde, da dignidade humana, doconsentimento do sujeito, e da igualdade e liberdade.A disciplina desses problemas e a organização da respectiva atividade são objeto da Lei9.434, de 4.02.97.

 No que diz respeito ao âmbito material de sua aplicação, essa lei permite e disciplina a

disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou após amorte, para fins de transplante e tratamento. As disposições dessa lei não compreendem,todavia, a transfusão de sangue, a doação de esperma e a manipulação de óvulos.32A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humanosó poderá fazer-se em estabelecimento de-----------------------24 Manzini, Trattato di diritto penale italiano, VIU, 1951, 7, apua Vincenzo Maiello,Enciclopédia dei Diritto, XLVI, Milano, 1993, p. 990.25 Aristóteles. De Anima, II, I, 412".26 O início da personalidade humana é controvertido no Brasil, cfr., Silmara J. A.Chinelato e Almeida, Tutela Civil do Nascituro, p. 348:, Eduardo de Oliveira Leite, Odireito do embrião humano: mito ou realidade!, p. 24.27 Harvard Medicai School. A definition of irreversible coma. Report of the Ad HocCommittee of the Harvard Medicai School to examine the definition of brain death.IAMA, 205: 337, 1968.28 Carlos Maia Romeo Casabona, El derecho Y Ia bioética ante Io limites de Ia vidahumana, p. 29. A respeito dessa matéria surgem dois novos campos temáticos. ABioética, como a "disciplina que examina e discute os aspectos éticos relacionados como desenvolvimento e as aplicações da biologia e da medicina, indicando os caminhos eos modos de se respeitar a pessoa humana". E o Biodireito, como o processo deconcretização normativa dos princípios e valores fixados pela ética, tomando também

como paradigma o valor da pessoa humana. Cfr. Vicente Barreto, Problemas e perspectivas da Bioética, in Bioética no Brasil, p. 53 e segs.29 Heinrich Hubmann, Das Personlichkeitsrecht, p. 9, apud Capelo de Souza, op. cit.,

 p. 200.30 Capelo de Souza, op. cit., p. 216, nota 428.31 Madalena Lima, Transplantes. Relevância jurídico-penal, 1996, p. 8.32 O sangue humano, como produto extraído do organismo, é bem jurídico alienável,rés in commercíum, tem sua doação estimulada por meio de uma política que disciplinaa atividade homoterápica no Brasil (Lei 7.649, de 25.11.88), e organiza um sistema decoleta, processamento, armazenamento e transfusão, (C.F. art. 199, p. 4£), sendo vedadaa sua comercialização. As técnicas de coleta, processamento e transfusão de sangue

estão hoje disciplinadas pela Portaria 1.376, de 19.11.93 do Ministério da Saúde.

Page 167: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 167/359

 No caso específico do esperma, a sua cessão tem como principal objetivo a reproduçãoassistida, nos casais com problemas de esterilidade.É legítima a doação de gametas se não existe ânimo de lucro e se realiza sob supervisãomédica e cessão restrita. Os gametas não são coisas em sentido jurídico. A suadisposição exige consentimento expresso, livre, e responsável. Ato personalíssimo que

não admite representação, sendo revogável.Problema de especial interesse é a inseminação artificial post-mortem, considerando-se"válida a vontade inequivocamente manifestada pelo marido quando vivo de querer dar à esposa, mesmo depois da sua morte, o poder de conceber uma criança através deesperma seu depositado e congelado em sua vida, desde que o relacionamento sexual oua inseminação artificial não tenham sido possíveis e eficazes em vida". (Carlos AlbertoBittar, op. cit., p. 258).As instituições públicas ou privadas que se dediquem à recolha e a conservação deesperma, para fins de inseminação artificial (bancos de esperma), têm como regraocultar a identidade dos cedentes do material, para deliberadamente evitar o direito àinvestigação de paternidade e, conseqüentemente, a reivindicação de alimentos e de

herança, e a oposição de impedimentos matrimoniais. Tal cerceamento parece-nosinconstitucional, em face do direito geral da personalidade, expresso na ConstituiçãoFederal, no princípio da dignidade humana e da igualdade, que garantem, como direitoespecial, o direito à tutela origem familiar.

 No que diz respeito aos óvulos, a moderna tecnologia permite o seu aproveitamento para fins de implante, mediante doação. (Antônio Chaves, op. cit., p. 191).Os óvulos são as células sexuais femininas elaboradas pelos ovários. Quando seconjugam com os espermatozóides, ocorre a fecundação, criando-se o embrião que é umser humano em potência. A respeito da natureza jurídica do embrião, o estado daLouisiana adotou solução radical: a lei n° 964 de 14 de julho de 1986 declara que oembrião humano concebido em uma proveta, ou tubo de ensaio é uma pessoa do mesmovalor e qualidade do embrião concebido in utero ou preservado em estado decongelamento, cfr. Gerárd Connu, Droit Civil, p. 172.-----------------------saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicos de remoção e transplante

 previamente autorizada pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde (art.22), após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico deinfecção exigidos para a doação.A lei aplica-se a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, em face do

 princípio constitucional de igualdade (CF, art. 52), e proíbe a comercialiazação detecidos, órgãos ou partes do corpo humano, assim como a promoção, intermediação,

facilitação ou auferimento de vantagens na compra e venda.A retirada e disposição de elementos orgânicos para fins de transplante é possível tantoem vida como em cadáveres (CC. arts. 13 e 14). Quando em vida, só se permite a

 pessoa juridicamente capaz, e quando se tratar de órgãos duplos ou de elementos cujaretirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a suaintegridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúdemental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a umanecessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora (art. 9°, par.3°). A doação, revogável pelo doador ou seus responsáveis legais, deverá ser autorizada

 preferencialmente por escrito, diante de testemunhas. No caso de doação post-mortem, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo

humano deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada

Page 168: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 168/359

 por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, utilizando-secritérios clínicos e tecnológicos definidos pelo Conselho Nacional de Medicina.Disposição inovadora da lei é o seu art. 4-, com a redação determinada pela MedidaProvisória 2.083-30/2000 confirmada pela Lei 10.211, de 23.03.01, art. 2°, parágrafoúnico, segundo o qual a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas

falecidas, para transplante ou outra finalidade terapêutica, dependerá de autorização docônjuge ou de qualquer um dos seus parentes maiores, na linha reta ou colateral, até osegundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas

 presentes à verificação da morte. Nos mortos não identificados, não se poderá fazer acolheita ou retirada de elementos para transplante.Vê-se, assim, que o corpo humano, com a morte, mantém-se como elemento da

 personalidade.Disso se deduz que, para a utilização de tecidos, órgãos ou partes do cadáver humano,são imprescindíveis o consentimento para a prática do ato e a incontestabilidade damorte, assim como a finalidade terapêutica e a gratuidade da disposição.33A respeito do consentimento há duas correntes: uma, dos países anglo-saxões, que exige

consentimento explícito em testamento, ou, pelo menos, reconhecem à família umdireito sobre o destino do cadáver; outra, que admite consentimento implícito, ou

 presumido, do falecido, para a coleta de material do seu cadáver.34A lei é um ato de política legislativa que realiza certos valores e obedece a determinados

 princípios. No caso da lei dos transplantes, seu objetivo é harmonizar interesses, aparentementecontraditórios, o interesse coletivo, do desenvolvimento científico e da solidariedadesocial, que se traduz na possibilidade de aproveitamento do corpo humano, vivo oumorto para fins de transplantes ou tratamento, e o interesse individual no tocante aodireito à vida e à integridade física da pessoa, componentes do seu direito geral de

 personalidade.O princípio que, in casu, se tem de observar é o princípio da dignidade humana,fundamento do direito geral da personalidade, que se traduz, dentre outros no direito àvida e à integridade física. Ocorre que, não obstante a personalidade jurídica individualextinguir-se com a morte do seu titular, o direito contemporâneo reconhece um"prolongamento da proteção da personalidade após a morte".35 O Código Civil

 português dispõe no art. 71° que os direitos da personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular, tendo o cônjuge sobrevivo, descendentesou ascendentes, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido, legitimidade para requerer as

  providências necessárias à efetiva tutela. Idêntica legítimadade estabelece o nossoCódigo Civil, no parágrafo único do art. 12.

Verifica-se com a morte da pessoa, uma especial sucessão de direitos da sua personalidade em prol dos herdeiros do falecido, o que os legitima a tomar providências  para eventual tutela jurídica desses direitos, entre os quais o de impedir ofensas àintegridade física, moral ou intelectual do falecido. Compete-lhes portanto, qualquer decisão a esse respeito, por direito próprio, não como representante, que não poderiaser, de alguém já falecido.

 No caso da retirada post-mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, a pessoa legitimada para concordar ou discordar é o cônjuge sobrevivo ou o parenteconsangüíneo mais próximo, titular dos direitos de personalidade do de cujus sobre oseu corpo, agora cadáver.9. Direito à integridade moral.

O direito à integridade moral consiste na proteção que a ordem jurídica concede à pessoa no tocante à sua honra, liberdade, recato, imagem e nome (CC. arts. 17a 20).

Page 169: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 169/359

Honra é a dignidade pessoal e a consideração que a pessoa desfruta no meio em quevive. É o conjunto de predicados que lhe conferem consideração social e estima própria.É a boa reputação."Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ouna sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo homem tem

direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques", dispõe o artigo XII daDeclaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia-Geral das Nações Unidas. Na proteção à honra da pessoa física ou jurídica, o Código Penal brasileiro tipifica os crimes de calúnia, injúria e difamação(arts. 138, 139 e 140). No plano civil, temos o ressarcimento do dano causado aoofendido pela injúria ou calúnia (art. 953). Comum ao direito público e ao privado, a leide Imprensa (Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), que regula a liberdade demanifestação do pensamento e de informações, considera crime, na forma definida nalei, os abusos cometidos utilizando-se os meios de informação e divulgação, com a

 prática de calúnia, difamação e injúria, inclusive contra a memória dos mortos (art. 24).Essa lei assegura o direito de resposta às pessoas naturais ou jurídicas atacadas em sua

honra, pelo mesmo jornal, emissora ou agência de notícias, publicando-se a resposta, ouretificação, da mesma forma por que foi divulgada a publicação ofensiva. As pessoas

 jurídicas têm também direito a reparação por dano moral.Liberdade é ausência de impedimentos. É o poder de ação das pessoas sem qualquer interferência do Estado ou de outras pessoas.Por isso, o direito à liberdade se dirige contra as outras pessoas e contra o Estado.O direito protege a liberdade física e a liberdade de pensamento, em preceitosconstitucionais (CF, art. 5-, IV, XV e LXVIII) e penais (CP, art. 148). O direito àliberdade é, portanto, um dos direitos de personalidade, complexo, passível de sedecompor em vários aspectos, como o direito à liberdade pública, à política, à liberdadede ação, à liberdade de idéia, de ir e vir, de reunião, de associação etc.O direito ao recato consiste no direito de cada um ter preservada a intimidade de suavida privada da indiscrição alheia. Sem contorno preciso, traduz-se no direito à imagem,no direito ao sigilo da correspondência e da comunicação telegráfica ou telefônica (CF,art. 5a XII; CC. art. 20 C. Penal, art. 151).O direito à imagem é o direito que a pessoa tem de não ver divulgado seu retrato semsua autorização, salvo nos casos de notoriedade ou exigência de ordem pública. É

  proibida a exposição ou reprodução, nos casos atentatórios à honra, boa fama erespeitabilidade da pessoa retratada, admitindo-se indenização por danos sofridos (CC.art. 20). O direito à imagem pertence à pessoa; só ela pode publicá-la ou comerciá-la. Élícita a caricatura desde que não-ofensiva.

10. Direito à integridade intelectual.O direito à integridade intelectual é o que consiste na proteção à liberdade de pensamento e no direito autoral de personalidade, isto é, no poder que o autor tem deligar seu nome à obra que produziu. É a proteção jurídica às obras da inteligência,garantindo-se ao autor o poder de publicar, reproduzir ou explorar a produção de seuespírito, punindo os que se apropriarem das concepções da inteligência de outrem.Essa proteção está expressa na Constituição Federal (art. 5-, XXVII e XXVIII), emConvenções Internacionais, no Código Penal (arts. 184 a 186) e em diplomasespecíficos, a Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais,denominação da "propriedade literária, científica e artística" do Código Civil de 1916(arts. 649 a 673).

Direitos autorais são uma das espécies dos direitos da personalidade. Consistem nodireito que o autor tem de ligar seu nome à obra literária, artística ou científica que

Page 170: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 170/359

tenha produzido, e de impedir a reprodução, divulgação ou utilização fraudulenta dessaobra por outrem.O direito autoral de personalidade tem duplo aspecto, o pessoal e o patrimonial. O

 primeiro é o direito que o autor tem de ver reconhecida a sua paternidade quanto à obraque produziu. É o direito moral do autor, conforme disposto na Lei 9.610/98, arts. 24 a

27.O aspecto patrimonial consiste no direito de utilizar, fruir e dispor das produções doespírito, assim como no de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros (art. 29), por meio de edição, tradução, adaptação ou transmissão (art. 30).As sanções à violação dos direitos autorais, além das de ordem penal, podem consistir na apreensão dos exemplares impressos sem autorização do autor, assim como naindenização equivalente ao restante da edição ao preço por que foi apreendido ouavaliado (art. 122), ou na interdição da representação, execução ou transmissão de obraintelectual sem autorização, bem como apreensão da receita bruta, requeridos àautoridade policial competente (art. 127).11. Direito à identidade pessoal. O nome.

O direito à identidade pessoal é o direito ao nome ((CC. art. 16). Espécie dos direitos da personalidade, integra-se no gênero do direito à integridade moral, no sentido de que a pessoa deve ser reconhecida em sociedade por denominação própria, que a identifica ediferencia. O nome constitui-se em interesse essencial da pessoa.O direito ao nome é absoluto. Produz efeito erga omnes, pois todos têm o dever derespeitá-lo. E, como os demais direitos da personalidade, intransmissível, imprescritível,irrenunciável.

 Nome é a expressão que distingue uma pessoa, animal ou coisa. Sua importância resideno fato de que as relações jurídicas se estabelecem entre pessoas, naturais e jurídicas,cujo exercício dos respectivos direitos exige que se saiba quem são os titulares.

Os preceitos legais referentes ao nome são de ordem pública. Donde sereminderrogáveis. Sua disciplina está na LRP, arts. 54 a 63.12. Elementos constitutivos do nome.Há que distinguir o nome das pessoas naturais do nome das pessoas jurídicas. Estas, dedireito privado ou público, civil ou comercial, adquirem o nome na forma da legislaçãoespecífica.O nome das pessoas naturais é formado pelo prenome e pelo sobrenome ou nome

 patronímico (CC. art. 16). O prenome é o nome individual, nome próprio, nome de batismo, que vem em primeiro lugar. Pode ser simples ou composto. Neste caso, o prenome será duplo, como ocorre necessariamente na hipótese de gêmeos com prenome

igual, para que possam diferenciar-se (LRP, art. 63).O nome patronímico é o nome da família, também chamado sobrenome ou cognome.Como o prenome, o patronímico pode ser simples ou composto, conforme tenha uma oumais designações.Secundariamente encontramos ainda os títulos (honoríficos, científicos, religiosos emilitares), as partículas (de, do, das, e), e o agnome, elemento aposto em último lugar (filho, júnior, neto, bisneto, sobrinho, terceiro etc).Como substitutivos do nome, temos o vocatório, designação comum pela qual a pessoaé conhecida; o epíteto, alcunha ou apelido, substitutivo do nome usado íntima ou

 popularmente; e o pseudônimo, que é outro nome escolhido pela pessoa, normalmenteem função de atividade peculiar, como ocorre no campo dos artistas.

13. Aquisição e formação do nome.

Page 171: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 171/359

Quanto à aquisição e formação do nome no sistema jurídico brasileiro, embora decontornos incertos no tocante à delimitação da matéria, existem as seguintes regras:a) adquire-se o prenome e o nome de família com o assento do nascimento no RegistroCivil de Pessoas Naturais (LRP, art. 54, § 4°). O prenome não será, porém, registrado

 pelo oficial do registro civil se for suscetível de expor ao ridículo seu portador;

 b) o cônjuge assume com o casamento, se quiser, o nome do outro (CC, art. 1.565, p.1°), podendo conservar o seu de família.c) os filhos reconhecidos assumem o nome de família de ambos os pais;d) os gêmeos que tiverem o prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenomeou nome completo diverso, para poderem distinguir-se (LRP art. 63);e) o adotado assume o sobrenome do adotante e, a pedido deste, ou do adotado poderádeterminar-se a modificação do prenome (CC. art. 1.627);f) o companheiro poderá requerer averbação do patronímico do outro, desde que hajaimpedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes.(LRP, art. 57, §§ 2-, 32 e 42).14. Alteração do nome.

O prenome é definitivo (LRP. Art. 58), salvo no caso de evidente erro gráfico ouquando, suscetível de expor ao ridículo seu portador, não tenha sido impugnado pelooficial do registro civil no ato do registro de nascimento (LRP, art. 55, par. único), ouno caso de adoção (CC art. 1.627). Definitivo o prenome, poderá, no entanto, ser substituído por apelidos públicos notórios. Não se admitem, porém, apelidos proibidosem lei.O patronímico é mutável, em virtude de causas necessárias e causas voluntárias. Sãocausas necessárias: a) modificação do estado de filiação, por meio de sentença em açãode estado, ou reconhecimento, adoção ou desligamento da adoção; b) casamento,quando um cônjuge assume o sobrenome do outro, ou separação, caso em que o cônjuge

 perde ou renuncia ao direito de usar esse apelido; c) alteração de nome de pai e, por viade conseqüência, do filho.São causas voluntárias quaisquer motivos que possam fundamentar autorização judicial,mediante sentença constitutiva prolatada pelo juiz competente (LRP, art. 57).3615. Proteção do nome.Para a proteção de seu nome dispõe a pessoa de vários processos de natureza pública e

 privada. Quanto aos primeiros, temos os de natureza penal (CP, art. 185) e os denatureza administrativa, pertinentes à retificação, restauração e suprimento deassentamento no Registro Civil.Quanto aos segundos, temos: a ação de reclamação, a ação de condenação, a ação de

 proibição do nome e a ação de responsabilidade civil.

 Na ação de reclamação o autor exige que terceiros respeitem o direito que tem de usar seu nome. Na ação de condenação, também chamada ação de usurpação ou dereivindicação, o titular do direito ao nome pretende que cesse o uso ilícito que alguémfaz desse nome, pessoalmente. Na ação de proibição de nome, o respectivo titular pedeque cesse o uso ilícito que alguém faz desse nome, mas de modo impessoal.Quanto à ação de responsabilidade civil, cabe sempre que se verifique dano, causado

 por ofensa ou usurpação ao nome de alguém (CC, art. 186 e art. 927).16. O nome comercial.O nome comercial é a designação de que se utiliza o comerciante, pessoa natural ou

 jurídica, no exercício do comércio. Pode ser firma ou denominação.Firma, ou razão comercial, é o nome sob o qual o comerciante ou a sociedade exerce o

comércio e assina-se nos atos a ele referentes (Dec. 916, de 24.10.1890, art. 2-). Firma

Page 172: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 172/359

ou razão individual no caso de comerciante, pessoa natural. Firma ou razão social, nocaso de sociedade.Denominação é apenas o nome da sociedade. Firma é o nome e a assinatura.A finalidade da firma é identificar e informar sobre a responsabilidade de quem exerce ocomércio.

O direito brasileiro adota o critério da veracidade da firma segundo o qual a firma docomerciante individual só pode conter seu próprio nome civil, completo ou abreviado.O das sociedades, por sua vez, não pode conter nome de quem não seja sócio. Énecessária a correspondência entre o nome civil do comerciante ou sócio e a razãomercantil.Exemplo de firma: M. Santos; Santos e Cia. Ltda.Exemplo de denominação: Petrobrás.--------------33 Idem, p. 107.34 Idem, p. 108.35 Capelo de Souza, op. cit, p. 193.

36 V. Limongi França, Nome Civil, in Ene. Saraiva, 54/250.-------------

CAPITULO VIIISujeitos de Direito. A Pessoa Jurídica

Sumário:l. Conceito. Razão de ser. 2. Notícia histórica. A formação do conceito. 3. O problema da existência e da natureza da pessoa jurídica. Teorias. 4. A personificação eseus efeitos. 5. Classificação. 6. Associações. 7. Sociedades. 8. Fundações. 9. Elementosconstitutivos da pessoa jurídica. 10. Constituição e funcionamento. Representação. 11.Modificação e extinção. 12. Associações e sociedades não-personifiçadas. 13. Atributosda pessoa jurídica. 14. A personalidade jurídica como instrumento de atividade abusivaou ilícita. A teoria da desconsideração. 15. As Organizações da Sociedade Civil deInteresse Público.

1. Conceito. Razão de ser.Os sujeitos de direito podem ser pessoas naturais ou físicas, .se coincidentes com o ser humano, e pessoas jurídicas, quando são entidades ou organizações unitárias de pessoasou de bens a que o direito atribui aptidão para a titularidade de relações jurídicas.A pessoa jurídica é, então, um conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade

 jurídica. Por analogia com as pessoas físicas, a ordem jurídica disciplina o surgimento

desses grupos, reconhecendo-os como sujeitos de direito. Sua razão de ser está nanecessidade ou conveniência de as pessoas singulares combinarem recursos de ordem  pessoal ou material para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades de cada um dos interessados por ultrapassarem o limite normal da suaexistência ou exigirem a prática dr atividades não-exercitáveis por eles. Organizam-se,assim, de modo unitário, pessoas e bens, com o reconhecimento do direito que atribui

 personalidade ao conjunto que passa a participar da vida jurídica.'Caracterizam-se as pessoas jurídicas, a) por sua capacidade de direito e de fato, própria,

 b) pela existência de uma estrutura organizativa artificial, c) pelos objetivos comuns deseus membros, d) por um patrimônio próprio e independente do de seus membros e e)

 pela publicidade de sua constituição, isto é, o registro dos seus atos constitutivos nas

repartições competentes.

Page 173: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 173/359

 No âmbito público, o modelo é o Estado como pessoa jurídica distinta dos cidadãos queo compõem, e cuja existência se deve à necessidade de realização de valores coletivos,como a segurança, a justiça e o bem comum.

 No âmbito privado, as pessoas jurídicas constituem-se de acordo com os objetivosespecíficos de seus membros. Quando tais objetivos são de fins não lucrativos, de

natureza ideal, temos as associações. Se porém, o objetivo visado é o lucro, o interesse pecuniário, constituem-se as sociedades, de natureza civil ou comercial, conforme aatividade desenvolvida. A sociedade está por si mesmo diretamente conectada àeconomia de mercado pois que, por meio da personalidade jurídica, favorece-se aconstituição do capital necessário à atividade empresarial, sem que o investidor fique

 pessoalmente sujeito aos riscos dessa atividade. Tratando-se de uma entidade que sedestine a garantir a permanência e a utilidade de um patrimônio afetado a determinadofim ideal, teremos uma terceira espécie, a fundação.Conclui-se, portanto, que o direito permite a formação de centros unitários de direitos edeveres que, à semelhança das pessoas naturais, são dotados de personalidade jurídica

 para servir aos interesses dos seres humanos. Com uma diferença porém. Nas pessoas

físicas, a sua personalidade jurídica é autônoma e original, no sentido de que é inerenteao ser humano como atributo de sua dignidade pessoal, enquanto que nas pessoas

 jurídicas, ou coletivas, ela é meramente instrumental e derivada ou adquirida, meio derealização de infinita variedade dos interesses sociais.2Quanto à sua importância para o direito, talvez não exista setor mais controverso. Oconceito, os requisitos, os princípios, a teoria geral, enfim, é objeto de grandediversidade doutrinária, sendo incontáveis os trabalhos, as monografias, as teses quetêm procurado sistematizar a teoria das pessoas jurídicas. Sempre em aberto, comoconvite à indagação doutrinária, estão os problemas de sua existência, natureza e

 justificação, pelo que o estudo das pessoas jurídicas permanece como um dos grandestópicos da ciência jurídica, uma de suas questões chave.32. Notícia histórica. A formação do conceito.O termo pessoa jurídica, com o seu significado atual, é de elaboração moderna, emboradesigne situações ou problemas que sempre existiram na realidade social. Com efeito, écom a dogmática alemã dos séculos XVIII e XIX que se integra, definitivamente, naterminologia jurídica, como produto do notável esforço de abstração dos juristas desse

 período, capazes de conceber a existência material e jurídica de uma entidade distintados indivíduos que a constituem. Essa construção resulta, porém, de um longo processode evolução histórica que, à semelhança do que se verifica com outros conceitos ecategorias jurídicas, apresenta três períodos distintos, o romano, o medieval e omoderno.

O direito romano não conheceu a pessoa jurídica como entidade distinta dos indivíduosque a compõem.4 Essencialmente práticos, não eram dados a tais abstrações. Nos textos jurídicos, persona utilizava-se, geralmente, como sinônimo de homem.^ Encontra-se porém uma passagem de Florentino,6 em que se empregava persona para designar aherança jacente, os bens deixados pelo falecido e ainda sem titular, formando umconjunto patrimonial. Inexistem, porém, outros textos que permitam concluir já teremtido os romanos um conceito técnico de pessoa jurídica que, à semelhança do ser humano, correspondesse a um centro de imputações jurídicas, uma entidade com

 personalidade própria. Para designar os conjuntos unitários de pessoas ou de bens,utilizavam-se os termos universitas e corpus, figuras posteriormente considerada como

 pessoas jurídicas.7

É no pensamento jurídico medieval, principalmente do século XIV, com a contribuiçãodos glosadores e canonistas que, reunindo-se elementos do direito romano pós-clássico,

Page 174: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 174/359

do direito germânico e do próprio direito canônico, se chega ao núcleo central doconceito de pessoa jurídica, passando-se evolutivamente, até se alcançar con-ceituaçãomoderna, pelas expressões pessoa ficta, pessoa moral e pessoa jurídica.8Depois dos glosadores, que foram os primeiros a tentar sistematizar a matéria,distinguindo as coletividades (universitas} dos indivíduos componentes, e

reconhecendo-as como capazes de praticar diversos atos,9 os canonistas chegam ànoção de persona ficta, uma personalidade abstrata distinta do simples conjunto de seusmembros componentes.10 É, porém, com Sinibaldo de Fieschi (Papa em 1243 com onome de Inocêncio IV) que se chega a conceituar a pessoa ficta, consagrando aexpressão "Universitas fingatur esse una persona"',n que distingue, em definitivo, as

  pessoas físicas das pessoas jurídicas. Essa concepção deveu-se ao interesse doscanonistas em subtrair os corpora e as universitas à responsabilidade delitual, problemacom que se defrontaram os juristas alemães da Idade Média. A questão era a de decidir se a cidade que se revoltava contra o seu soberano, o papa ou o imperador, podia ser castigada como um todo. A opinião dominante era no sentido afirmativo e, por isso,condenavam-se excomungavam-se ou interditavam-se as cidades e as vilas como se

fossem uma só pessoa.12Sinibaldo de Fieschi defende a tese de que são diferentes a pessoa do homem, que temalma e corpo, e as cidades ou corporações, destituídas de uma e de outro. Não podeassim uma universitas incorrer em pecado, conseqüentemente, ser condenada ouexcomungada.Verificando-se, porém, que as universitas exercitam direitos e deveres, devem ser consideradas ficticiamente como pessoas, como pessoas fictas, ficando nítida a distinçãoentre a "realidade física e anímica do homem e a realidade funcional das corporações".A concepção desse canonista consolida-se quando ele, já como Papa Inocêncio IV,consegue que o Concilio de Lyon, em 1245, proíba a excomunhão dos collegia euniversitas, com base nos seus argumentos, o que leva à consagração de sua teoria nosmeios jurídicos medievais.Deve-se, portanto, aos canonistas e, particularmente, a Inocêncio IV, o verdadeiro inícioda teoria da pessoa jurídica. Ficava, assim, clara a distinção entre a pessoa do homem eas pessoas fictas, que compreendiam os corpora e as universitas, tornando-sedefinitivamente independentes, distintos, na ciência jurídica, os conceitos de pessoafísica, ou homem, e o de pessoa jurídica, coletividade dotada de espírito eindividualidade próprias, com patrimônio e responsabilidade independentes das de seusmembros.Durante a Idade Média não se verificou nenhum interesse em construir um conceito de

 pessoa jurídica, usando-se a expressão persona ficta para designar os collegia e as

universitas, já considerados em sua unidade e individualidade como algo distinto dasimples soma dos indivíduos componentes, com patrimônio e responsabilidade próprios,e com a possibilidade de participarem de relações jurídicas diversas das de seusmembros. Reconhecia-se também a possibilidade de terem nome, domicílio e sinaisdistintivos próprios, assim como a de se submeterem a determinada jurisdição, tudo por obra dos glosadores.

 Na época moderna, com o jusnaturalismo, principalmente com as obras de Grocio, a persona ficta passa a denominar-se pessoa moral para designar as "comunidades oucorporações", já consideradas "verdadeiras realidades ao lado das pessoas físicas".Adotam tal denominação os Códigos da Prússia e da Áustria.13 Não a recolhe porém oCódigo Civil francês, que não aceitava a doutrina da existência de corpos ou entes

morais intermédios entre o Estado e o indivíduo, amparados e nascidos de normasestranhas ao poder do Estado, como eram as de direito natural.

Page 175: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 175/359

Com a doutrina jurídica alemã, chega-se à moderna concepção de pessoa jurídica. Aosistematizarem a matéria de direito civil, com a elaboração de uma teoria geral reunindonoções, elementos e categorias jurídicas comuns a todos os ramos do direito, os juristasalemães tiveram de considerar a existência de sujeitos de direito distintos da pessoahumana, como titulares dos direitos subjetivos. Essa existência concreta de grupos

humanos ou de bens para a satisfação de interesses e necessidades coletivas, comindividualidade própria e distinta da de seus membros, impunha o seu reconhecimentoao direito, que lhes outorgava então titularidade jurídica para as suas relações. A

 personalidade jurídica passa a configurar-se como uma qualidade atribuída a certosentes, com a qual se podem tornar sujeitos de relações jurídicas, titulares de direitos edeveres.A pessoa jurídica surge, assim, como um conjunto unitário de pessoas ou de bens,organizado para a obtenção de fins comuns específicos, com individualidade eautonomia próprias.Essa matéria não é, todavia, pacífica, sendo inúmeras as controvérsias quanto àexistência e natureza desses entes, sendo várias as teorias que se enfrentam, afirmando,

negando ou pondo em dúvida a sua utilidade atual.143. O problema da existência e da natureza da pessoa jurídica. Teorias.Inúmeras teorias procuram justificar a existência e a natureza da pessoa jurídica. Demodo geral, podemos reuni-las em dois grandes grupos, o da ficção e o da realidade,cada um com suas subdivisões doutrinárias.a) Teoria da ficção15 — Tendo como referência inicial a teoria da personalidade fictade Sinibaldo dei Fieschi, criada para subtrair os corpora e universitates àresponsabilidade delitual, a teoria da ficção parte do pressuposto de que só o homem ésujeito de direito, sendo a pessoa jurídica uma criação do legislador, contrária àrealidade mas imposta pelas circunstâncias. Em determinadas ocasiões reúnem-se as

 pessoas (universitas personarum) para realizar objetivos comuns e permanentes, ouentão, destina-se um conjunto de bens à consecução de um fim específico, também deinteresse geral e permanente (universitas rerum). Atendendo ao interesse geral e à

  permanência do objetivo a atingir, concede-lhes o Estado a personalidade jurídica,fingindo-se que existe uma pessoa, sujeito de direitos. A pessoa jurídica assimconcebida não passa de simples conceito, destinado a justificar a atribuição de certosdireitos a um grupo de pessoas físicas. Constrói-se, desse modo, uma ficção jurídica,uma situação que, diversa da realidade, assim é considerada pelo ordenamento jurídico;ou, de outro modo, o Estado, consciente do artifício, utiliza-o e justifica-o em função derazões de política jurídica.Essa teoria, como as demais, liga-se a interesses político-econômicos que lhe

configuram o fundamento ideológico. Representando o espírito da época, oindividualismo, para quem somente o ser humano pode ser, como pessoa, titular dedireitos subjetivos, a pessoa jurídica seria mera construção ou ficção do direito, pelaconveniência do Estado. Ao atribuir-se a este o poder de conferir titularidade jurídica agrupos de pessoas ou a organização de bens, conceder-se-ia também um poder deintervenção no domínio privado, a seu arbítrio exclusivo. Esse é o motivo da aceitaçãodessa teoria, extremamente útil tanto aos que visavam impedir a implantação do---------------------1 Lacerda de Almeida. Das Pessoas Jurídicas, p. 19; Teixeira de Freitas. Código Civil.Esboço, notas ao art. 17. Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, l, p. 280;Francesco Galgano. Delle persone giuridiche, p. 3; Francesco Ferrara. Teoria delle

 persone giuridiche, p. 404; Leon Michoud. La théorie de Ia personalité morale et sonapplication au droit français, p. 4 e segs; Paul Durand. Uevolution de Ia condition

Page 176: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 176/359

  jurídique dês persones morales de droit prive, p. 138, e segs; Giuseppe Menotti deFrancesco, Persona giuridica in Novíssimo digesto italiano, XILp. 1.036.2 João de Castro Mendes. Direito Civil, Teoria Geral, I, p. 173; C. Massimo Bianca,Diritto civile, p. 286; Ferrara op. cit, p. 610.3 Federico de Castro. La persona jurídica, p. 261.

4 Lacerda de Almeida, op. cit., p. 259. Alexandre correira e Caetano Sciascia,Manual de Direito Romano, Terceira edição, vol I, São Paulo, Editora Saraiva, 1957, p.51.5 O que está patente na famosa passagem referente à divisão do direito: Omne iusquo utimur, vel ad personas pertinet, vel ad rés, vel ad actiones, Institutiones, Gaio, l, 2.(Todo o direito pelo qual nos regemos se refere às pessoas, ou às coisas, ou às ações).6 Federico de Castro, op. cit., p. 140.7 Federico de Castro, op. cit., p. 142. Digesto, 3, 4,1, l, pr.8 Caetano Catalano, Persona giuridica (Diritto intermédio], in Novíssimo di-gestoitaliano XII, p. 1.032., Federico de Castro, op. cit., p. 144.9 Ferrara, op. cit., p. 71.

10 Catalano, op. cit., p. 1.034.11 "A universalidade é tida como uma pessoa."12 Federico de Castro, op. cit., p. 146, nota 30.13 Aügemeines Landerecht (ALR) (Direito comum do território) 1791, II, 6, p.8\;Allgemeines Bürgeliche Gesetzbuch für die gesamten Deutschen Erblãnder der Õsterreichischen Monarchie (ABGB) 1811 (Código Civil Geral para todos os paíseshereditários alemães da monarquia da Áustria), pars. 286, 529, 1.454.14 Alfonso de Cossío. Hacia un nuevo concepto de Ia persona jurídica, p. 645.15 A formulação clássica da teoria da ficção encontra-se em Savigny. Sistema di dirittoromano II; pars. 60,85 e segs., e também em Puchta. Cursus der Institu-tionem, par. 28.Cf. Ferrara, op. cit., p. 136.---------------------Estado liberal (os adeptos do Antigo Regime francês) como aos próprios Estadosliberais nascentes que precisavam impor a sua autoridade, por meio do controle daconveniência e oportunidade de organização das pessoas jurídicas.16

 b) Teoria orgânica ou da realidade objetiva11 — Afirma que a pessoa jurídica é "umarealidade viva, um organismo social capaz de vida autônoma, e à semelhança da pessoafísica, a pessoa coletiva realiza seus fins por meio de órgãos adequados".Para os seus adeptos, somente os seres com vontade própria podem ser titulares dedireitos, existindo duas espécies: de um lado os indivíduos, seres naturalmentesociáveis, de outra parte, grupos de indivíduos, portadores de interesses próprios e

distintos dos de seus membros, possuindo uma vontade própria, também distinta dasindividuais, que se expressa por meio dos órgãos (donde o nome da teoria orgânica). Aambas as espécies o Estado reconhece a qualidade de protagonistas do mundo jurídico,a condição de pessoas, chamadas de físicas ou jurídicas para precisar o ente a que serefere.Sob o ponto de vista ideológico, também se vê nesta teoria, como na antecedente, umaresistência à implantação do Estado liberal moderno, à medida que se reduz o papel doEstado a mero conhecedor de realidades já existentes, desprovido de maior poder criador. Além disso, a teoria orgânica poderia fomentar o associa-cionismo e ocorporativismo, levando ao surgimento de centros de poder independentes do Estado.Por outro lado, todavia, com tal concepção se fortalecem os chamados corpos sociais

intermédios, limitando a força absorvente do Estado.18

Page 177: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 177/359

c) Teoria da realidade técnica1^ — Para tal concepção a pessoa jurídica resulta de um processo técnico, a personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade agrupos em que a lei reconhece vontade e objetivos próprios. As pessoas jurídicas sãouma realidade, não ficção, embora produto da ordem jurídica. Sendo a personalidade,no caso, um produto da técnica jurídica, sua essência não consiste no ser em si, mas em

uma forma jurídica, pelo que se considera tal concepção como formalista. A forma jurídica não é, todavia, um processo técnico, mas a "tradução jurídica de um fenômenoempírico", sendo a função do direito apenas a de reconhecer algo já existente no meiosocial.20Embora de grande aceitação nos meios jurídicos contemporâneos, pela segurança queoferece, pois permite conhecer os efeitos que o ordenamento jurídico atribui à

 personalidade jurídica, a teoria da realidade técnica é acusada de positivista e assimdesvinculada de pressupostos materiais ou requisitos prévios para o reconhecimento doEstado das pessoas jurídicas.O direito brasileiro adota a teoria da realidade técnica na disciplina legal da matéria,como se depreende do art. 45 do Código Civil.

d) Teoria institucional — Para esta teoria, a pessoa jurídica é uma organização social para atingir determinados fins. Partindo da análise das relações sociais, não da vontadehumana, constata a existência de grupos organizados para a realização de uma idéiasocialmente útil,21 as instituições, sendo estas grupos sociais dotados de ordem eorganização próprias.Salienta-se nesta concepção o pendor sociológico, devendo-se a sua formulação aHauriou e a Santi Romano, para quem o direito é mais do que o conjunto de"disposições normativas de caráter formal", é "manifestação de poder de autonormaçãodos grupos humanos socialmente constituídos". Seu elemento básico é a instituição,sendo a personalidade jurídica o ponto de conexão entre o "ordenamento estatal e asinstituições", estas como ordenamentos autônomos. Por tal razão, a crítica que se faz aessa teoria decorre da valorização demasiada do elemento sociológico, que nãocorresponde integralmente ao processo do legislador,22 assim como também da suaunilateralidade, visto que "ao fazer elemento da personalidade jurídica o poder autonormativo do grupo, desconhece a existência de numerosas pessoas jurídicas que,ao contrário, se submetem por completo a disposições externas como ocorre com asfundações", onde o que preside à sua constituição, existência e eficácia é, em definitivo,a vontade do fundador, ou com as pessoas jurídicas de direito público, subordinados anormas superiores.Em face de tal diversidade teórica, o que se pode dizer, à guisa de conclusão, é que nas

 pessoas físicas, como nas jurídicas, coexistem dois elementos, o natural e o jurídico, ou,

se quisermos, o real e o arbitrário, no sentido de que o real são os interesses que levam àconstituição de novo ente, que o direito não cria, e o formal é o reconhecimento da pessoa pelo ordenamento jurídico. Conjugam-se assim os interesses coletivos com anecessidade de uma organização que permita reunir recursos pessoais e materiais para arealização de fins ou interesses comuns, e com o reconhecimento da nova pessoa

  jurídica, desde que preenchidos os requisitos legais. A noção de pessoa jurídica é,assim, idêntica à de sujeito de direito, donde a perfeita analogia entre pessoa física e

 pessoa jurídica.234. A personificação e seus efeitos.A personificação é um dos processos da técnica jurídica utilizado para a realização defins preconizados pela política do direito. Consiste na atribuição de personalidade

 jurídica a um grupo de pessoas (associações e sociedades), ou a um conjunto de bens

Page 178: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 178/359

(fundações), observados os requisitos da lei, tendo em vista os objetivos comuns arealizar.Esse processo técnico, reconhecendo individualidade própria a um grupo, distinto deseus elementos componentes, evita que tal conjunto se considere como a simples somados indivíduos nas relações jurídicas de que participa. Com efeito, se a sociedade S não

tivesse personalidade jurídica, as dívidas que contraísse não seriam dela mas de seussócios.24 Além disso, todos esses grupos personificados precisam de um elementoindispensável à sua vida jurídica, que é uma organização própria, órgãos com funçõesespecíficas para a realização dos fins propostos.Foi precisamente para justificar esse processo que surgiram as várias teorias acimaconsideradas, a da ficção, a orgânica, a da realidade técnica e a da instituição. Para odireito, todavia, essa justificação teórica tem importância menor; a pessoa jurídica existeno mundo e para o mundo das relações jurídicas. E, portanto, uma realidade, qualquer que seja a fundamentação teórica.Do processo de personificação surgem vários efeitos, de grande importância prática: a)com a constituição da pessoa jurídica forma-se um novo centro de direitos e deveres,

dotado de capacidade de direito e de fato, e de capacidade judicial; b) esse novo centrounitário passa a ter direitos, deveres e interesses totalmente distintos dos direitos,deveres e interesses das pessoas que dele participam individualmente; c) o destinoeconômico e jurídico do novo centro é totalmente diverso do de seus membros

 participantes; d) a autonomia patrimonial da pessoa jurídica é completa em face de seusmembros, implicando no fato de que o patrimônio da pessoa jurídica é totalmenteindependente do patrimônio das pessoas que a constituem; e) passa a existir totalindependência das relações jurídicas da pessoa jurídica relativa às dos seus membros, demodo que direitos ou dívidas desses não são direitos ou dívidas daquele. (Um credor desócio não pode compensar, com a dívida deste, a sua dívida para com a sociedade.)25Além disso, existe a possibilidade de se estabelecerem relações jurídicas entre a própria

 pessoa jurídica e os que dela participam;26 f) a responsabilidade civil da pessoa jurídicaé independente da das pessoas que a formam, de modo que os bens da pessoa jurídicanão respondem pelas obrigações de seus membros, e vice-versa; g) a pessoa jurídica nãotem responsabilidade penal.275. Classificação.

 No direito positivo brasileiro, as pessoas jurídicas classificam-se rm pessoas jurídicas dedireito público e pessoas jurídicas de direito privado, subdividindo-se aquelas em

 pessoas jurídicas de direito público interno e externo, e as pessoas jurídicas de direito privado rm associações, sociedades e fundações (CC, arts. 40 e 44).São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados da comunidade internacional

e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público (CC. art. 42), ede direito público interno a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, osMunicípios, as autarquias28 e as demais entidades de caracter público criadas por lei(CC. art. 41).As pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura do direito privado,regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas do Código Civil,salvo disposição em contrário (CC. art. 41, par. único).A União é o nome por que se designa a pessoa jurídica de direito público que é o Estado

 brasileiro, decorrente do compromisso expresso na Constituição de 24 de fevereiro de1891, art. l-: "União perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias." Fórmulaconsagrada em 1934, em 1937 e repetida no art. l- da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, art. 1°: "A República Federativa doBrasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

Page 179: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 179/359

constitui-se em Estado Democrático de Direito..." Significa isso que os Estados brasileiros não são independentes. Têm autonomia, isto é, capacidade de autogovernonos limites estabelecidos pela Constituição, mas não têm soberania. São autônomos,mas não soberanos.Os Estados são as antigas províncias do Império, com as mesmas divisas e

denominações.29 São unidades federadas que formam a União.Distrito Federal é a sede do governo federal, não tendo autonomia, mas exercendofunções próprias dos Estados e Municípios. Essa denominação foi usada pela primeiravez na Constituição de 1891, no art. 2-, substituindo a de Município Neutro, que era ado antigo Município do Rio de Janeiro.30Os Municípios são entidades territoriais, cidades ou vilas com liberdade de autogoverno(autonomia política, administrativa e financeira), nos limites constitucionaisestabelecidos. Seu objetivo é a realização de interesses locais. A designação vem deMunicipium, antigos centros de organização administrativa romana, implantados naPenínsula Ibérica e até nós chegados pela colonização portuguesa.Também eram pessoas jurídicas de direito público interno os Territórios, introduzidos

no sistema jurídico constitucional brasileiro, pela Constituição de 16 de julho de 1934,no art. l-. Hoje integram a União.31 Formados de parte ou partes de Estados, sua criaçãodepende de lei complementar (CF, art. 18, par. 2°).As autarquias são pessoas jurídicas que integram a administração indireta do Estado.São entidades autônomas, isto é, com estrutura--------------16 A teoria da ficção desenvolveu-se e teve grande aceitação no século passado

 porque se coadunava com o sistema político da época, que via na formação de grupossociais uma ameaça ao governo, à realeza, não sendo possível constituir-se nenhumacorporação ou sociedade sem autorização do soberano. As únicas pessoas eram asnaturais; as pessoas jurídicas eram "entidades, abstrações, pessoas fictas".17 São adeptos da teoria orgânica ou da realidade objetiva Otto von Gierke.Deutsches Privatrechts, I pars. 58, 78; Lacerda de Almeida. Das Pessoas jurídicas,cap.IV. E ainda Regelsberg, Endemann, Mitteis, Von Büllow, Saleilles, Hauriou,Posada, Brugi, Filomusi Guelfi, Dusi, Fadda e Bensa, Chironi e Abello, Giorgi. Cf.Ferrara, op. cit., pp. 207/208, e Michoud, op. cit, I, p.159 e segs.18 Federico de Castro, op. cit., p. 264.19 É a teoria de Michoud, Saleilles, Geny, Capitant, Pillet, Waline, Colin et Capitantapua De Page. Traité élémentaire de droit civil belge. I p. 613; e Planiol et Ripert. Traité

 pratique de droit civil français, I n- 71; também Ferrara, op. cit., p. 387.20 Roncero, Francisco Capilla. La persona jurídica. Funciones y disfunciones, p. 52;

Castan Tobenas, op. cit., 381.21 Planiol et Ripert, op. cit., p.87; Maurice Hauriou, La théorie de 1'institution et deIa fondation; Georges Renard, La théorie de 1'institution, p. 122, Brèthe de Ia Gressayeet Laborde-Lacoste. Introduction génerale à 1'étude du droit ns 392 e segs.; SantiRomano. Uordre juridique, p. 19 e segs.22 Roncero, op. cit., p.59.23 Mário Rotondi. Istituzione di diritto privato, p. 170 apud Castan Tobenas, op. cit.,

 p.383.24 Diez-Picazo y Gullon. Sistema de Derecho Civil, I, p. 377.25 João Eunápio Borges. Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 262.26 Francesco Messineo. Manuale di diritto civile e commerciale vol. I, p. 279.

27 "Pelas obrigações de natureza fiscal de uma sociedade regularmente constituídanão poderão responder os bens particulares de seus sócios", Executivo Fiscal n-

Page 180: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 180/359

126.116, Jurisprudência das Sociedades Comerciais, organização e seleção de R.Limongi França, p.21. "Uma vez integralizadas todas as cotas, liberam-se os sócios dequalquer responsabilidade nada mais devendo, normalmente, nem à sociedade nem aoscredores dela. Se inalcançáveis os bens dos sócios em execução forçada contra aSociedade, não tem a lei falimentar o condão de transpor a determinação legal,

obstruindo execução contra bens particulares em feito totalmente desvinculado do processo falimentar", Agravo de Instrumento n- 1.155, Tribunal de Justiça de SantaCatarina, Jurisprudência Brasileira, vol. 39, p. 249."Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Bens particulares dos sócios. Nãorespondem pelas dívidas fiscais contraídas por sociedade limitada já dissolvida. Não-incidência, no caso, do art. 134, VII, do CTN."RE ns 94.868, 2'- Turma do STF, RTJ, vol. 99, p. 940."Na sociedade de responsabilidade limitada, integralizado o capital social, nada mais

 pode ser exigido do sócio-cotista. As obrigações contraídas pela sociedade são dela enão dos seus sócios". Ap. Civil n". 158.669, da Comarca de São Paulo, RT, n* 429, p.168.

28 Pontes de Miranda, op. cit., pp. 293 e 296. Código Civil, art. 41, par. único.29João de Oliveira Filho. Quer conhecer a Constituição?, p. 85.30 Paulino Jacques. Curso de Direito Constitucional, p. 132.31 Luís Rafael Mayer. A Natureza Jurídica dos Territórios Federais, AMI n2 34, pp.1/29. José Cretella Júnior. Natureza e Problemas dos Territórios Federais Brasileiros',RF, 226, pp. 27-30. Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 5a edição,

  p. 748. A Constituição Federal de 1988, no Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias, extinguiu, no art. 14, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá,transformando-os em Estados, e no art. 15 extinguiu o de Fernando de Noronha,reincorporando-o ao Estado de Pernambuco. O Território Federal de Rondônia já haviasido transformado em Estado, em 1981. Não existem hoje Territórios Federais noBrasil.--------------administrativa própria e autonomia financeira, criadas por lei para executarematividades típicas da administração pública. Decorrem da necessidade de gestãoadministrativa e financeira descentralizada.32 Espécies de autarquias são a Ordem dosAdvogados do Brasil, o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, o Banco Centraldo Brasil, o Instituto Nacional da Seguridade Social, o Colégio Pedro II, a UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, o Departamento Nacional de Estradas e Rodagens, oDepartamento Nacional de Obras Contra as Secas, o Departamento Nacional de Portos eVias Navegáveis, as Superintendências do Desenvolvimento do Nordeste, da Amazônia,

do Vale do São Francisco, da Região Sul e da Região Centro-Oeste, a Superintendênciada Zona Franca de Manaus, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, oInstituto Nacional de Propriedade Industrial, a Superintendência do Desenvolvimentoda Pesca, a Superintendência de Seguros Privados etc.33Os partidos políticos figuravam no Código de 1916 (art. 16, p. 3°) como pessoas

 jurídicas de direito privado, não mais no Código atual. Formados por um númeromínimo de eleitores, distribuídos por um número mínimo de Estados, destinam-se aassegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistemarepresentativo. Regem-se por lei específica.34Os sindicatos profissionais são associações privadas para fins de estudo, defesa ecoordenação dos interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como

empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais

Page 181: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 181/359

liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão, ou atividades ou profissões similares ou conexas.33As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados da comunidadeinternacional, como a Santa Sé, as organizações internacionais, como a ONU, FMI,GATT, BIRD, FAO, UNESCO, OMS etc. São também pessoas jurídicas de direito

 privado a empresa pública, entidade com patrimônio próprio e capital exclusivo daUnião, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o governo sejalevado a exercer, e a sociedade de economia mista, sociedade anônima criada por lei

 para a exploração de atividade econômica, pertencendo o controle acionário à União oua entidade da Administração Indireta (CF, art. 173, par. 1°).

 Não se compreende no conceito de pessoa jurídica a empresa, que é uma "atividadeeconômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". Essaatividade pode ser desenvolvida por uma pessoa física (empresário individual) ou uma

  pessoa jurídica (sociedade empresária). A empresa desenvolve-se por meio de umcomplexo de bens organizado, o estabelecimento (Código Civil, art. 1.142).6. Associações.

A Constituição Federal garante a liberdade de associação para fins lícitos (CF, art. 5°,XVII), liberdade essa que se concretiza na criação das pessoas jurídicas denominadasassociações, na forma da lei (CC, arts. 45 e 46).As associações são pessoas jurídicas de direito privado que se constituem para arealização de fins não econômicos (CC, art. 53).Caracterizam-se pelo seu aspecto eminentemente pessoal (Uni-versitas personarum),enquanto nas fundações o aspecto dominante é o material (Universitas bonorum). Outradiferença está no fato de que a origem das associações é romana, enquanto que a dasfundações é medieval36.Constituem-se as associações por meio de um negócio jurídico formal, coletivo, cujasdeclarações de vontade convergem para um objetivo comum, que é o de constituírem a

 pessoa jurídica. O ato constitutivo deverá conter, sob pena de nulidade, a denominação,os fins e a sede da associação; os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dosassociados; os direitos e os deveres dos associados; as fontes de recursos para a suamanutenção; o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos eadministrativos; e as condições para a alteração das disposições estatutárias e para adissolução (CC, art. 54).A parte normativa do ato constitutivo é o estatuto, que pode definir-se como o conjuntodas normas de organização e de comportamento da associação e de seus membros. Adenominação é o nome da pessoa jurídica. Como tal, é objeto de proteção jurídica (CC,art. 52.). Os fins são o objetivo comum, a razão de ser da pessoa jurídica, geralmente de

natureza ideal ou altruístico. A não lucratividade, ou não economicidade desses fins,constitui a nota distintiva das associações relativamente às sociedades. Estasdesenvolvem uma atividade produtiva, o que não se verifica nas associações. Isso nãoimpede que estas tenham atividade econômica, como a produção de bens ou serviços. Oque se proíbe é o objetivo comum de distribuição de lucros entre os associados.A sede da associação é o local onde se instala o centro principal de suas atividades. E oseu domicílio, o que é importante critério para a fixação do foro competente para a

 propositura de ação processual (CPC, art. 94). A associação, como qualquer pessoa jurídica, pode ter sedes locais, diversos estabelecimentos em lugares diferentes, quedesenvolvem atividades periféricas, e que por isso mesmo serão consideradosdomicílios para os atos neles praticados (CC, art. 75, par.l0) o que é também relevante

 para fins processuais.

Page 182: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 182/359

O estatuto fixa também os requisitos para a admissão, demissão e exclusão deassociados, isto é, o surgimento, modificação e extinção da relação associativa. Oassociado é titular de uma situação jurídica complexa que nasce do próprio atoconstitutivo ou, se a associação é já existente, do negócio jurídico de admissão, o que

 pressupõe o cumprimento de determinados requisitos pelo interessado, que se obriga ao

cumprimento das disposições estatutárias. Assim como o interessado tem o poder deassociar-se, no exercício da liberdade constitucional de associação para fins lícitos, temtambém o direito de retirar-se, desfazendo unilateralmente a relação associativa, o quefaz por meio da sua demissão, ato voluntário pelo qual desiste se retira da associação.

 Nenhum associado pode ser impedido de exercer esse direito ou qualquer função quelhe tenha sido legitimamente deferida (CC, art. 58). Pode, todavia, a associaçãocondicionar a aprovação do pedido de demissão ao cumprimento dos deveresestatutários até aquele momento.A exclusão de associado, ato pelo qual ele é afastado ou retirado do corpo associativo,só se admite havendo justa causa, prevista no estatuto, ou motivo de reconhecidagravidade. Exige deliberação fundamentada, pela maioria absoluta dos presentes à

assembléia geral especialmente convocada para esse fim. Do decreto da exclusão caberecurso à assembléia geral (CC, art. 57). A exclusão arbitrária do associado pode ser anulada judicialmente, a requerimento do excluído.Os associados devem ter iguais direitos, mas nada impede que o estatuto estabeleçadiversas categorias com vantagens especiais (CC, art. 55). A qualidade de associado é,de regra, intransmissível, inter vivos ou mortis causa, dado o seu caracter 

 personalíssimo. Nada impede, porém, que o estatuto disponha em contrário, ressalvadoque, se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, atransferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associadoao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa no estatuto (CC, art. 56 e par.único) .A associação exige recursos para sua manutenção, não necessariamente para a suaconstituição, quando ela se propõe objetivos para cuja realização não sejam necessáriosrecursos patrimoniais.O estatuto deve dispor ainda sobre o modo de constituição e funcionamento dos órgãosdeliberativos e administrativos. O principal órgão deliberativo é a assembléia geral dosassociados, a quem compete tomar as decisões sobre a existência, disciplina e atividadeda instituição. Compete privativamente à assembléia geral eleger e destituir osadministradores, aprovar as contas e alterar o estatuto. Para a destituição dosadministradores e a alteração do estatuto exige-se o voto concorde de 2/3 (dois terços)dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela

deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou commenos de 1/3 (um terço) nas convocações seguintes (CC, art. 59 e par. único). Todos osassociados fazem parte da assembléia que se reúne e delibera de acordo com as normasestatutárias e legais. O estatuto dispõe sobre o modo de convocação da assembléia geral,sendo normalmente competentes os administradores para fazê-lo, garantido também a1/5 (um quinto) dos associados fazê-lo.Os administradores são os órgãos competentes para gerir e representar a associação. Acompetência é estabelecida pelo estatuto.A associação extingue-se quando realizados ou impossíveis de realização os seusobjetivos, e de acordo com as disposições estatutárias. Dissolvida a associação, oremanescente do seu patrimônio líquido será destinado a entidade de fins não

econômicos designada no estatuto. Omisso este, deliberarão os associados deferi-lo ainstituição municipal, estadual ou federal de idênticas finalidades. Ine-xistindo tal

Page 183: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 183/359

instituição, o remanescente patrimonial será entregue à Fazendo do Estado, do DistritoFederal ou da União. Antes da destinação desse remanescente, poderão os associadosreceber em restituição o valor, atualizado, das suas contribuições.7. Sociedades.As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, formadas por pessoas que

reúnem bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e partilha deresultados. Seu objetivo é sempre de natureza lucrativa, mas a atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados (CC, art. 981 e par. único).Como as associações, caracterizam-se pelo elemento pessoal, mas diferenciam-se emvários aspectos. Enquanto a sociedade tem fins econômicos, a associação tem finsideais; por isso, na constituição da sociedade é necessário um patrimônio, enquanto nasassociações não o é,37 embora sejam necessárias fontes de recursos para suamanutenção (CC, art. 54, IV). Por outro lado, nas associações, as normas que as regem,de hábito, são cogentes, enquanto nas sociedades, quase sempre, dispositivas; nassociedades existem direitos e obrigações recíprocos, o que não ocorre nas associações; esomente as associações podem ser reconhecidas de utilidade pública.38

A sociedade é espécie do gênero associação, considerando-se esta em sentido amplo.Em senso estrito são duas espécies, duas figuras típicas do fenômeno associativo. Asdisposições legais concernentes às associações aplicam-se, subsidiariamente, àssociedades (CC, art. 44, par. único).As sociedades dividem-se em simples e empresárias (CC, art. 982). Simples quandoseus fins não se realizam pelo exercício de atividade empresarial (CC, art. 966), por exemplo, as que se constituem para o exercício de profissão intelectual, de naturezacientífica, literária ou artística (CC. art. 966, par. único). Empresariais, quando têm por objeto o exercício da atividade econômica organizada para a produção ou circulação de

 bens ou serviços (CC, art. 966).Diferenciam-se as sociedades da simples comunhão de direitos ou de bens pelo fato deaquelas nascerem de um ato complexo e funcionarem conforme estabelecido pelossócios, enquanto a comunhão (estado de co-propriedade de vários titulares sobre omesmo bem) se estabelece pela força das circunstâncias ou da lei. E também pelaaffectio societatis, que é a intenção de formar uma sociedade, inexistente na comunhão.As sociedades empresárias podem ser: a) sociedade em nome coletivo que se caracteriza

 pelo exercício de atividade econômica sob uma firma ou razão social, e em que todos ossócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, art. 1.039);

 b) sociedade em comandita simples (CC, art. 1.045), a que, sob firma ou razão social,explora atividade empresarial sob a responsabilidade solidária e ilimitada de um oumais sócios (os comanditados) e a responsabilidade limitada ao montante das

respectivas quotas dos demais sócios (os comanditários); c) sociedade limitada (CC, art.1.052), aquela em que os sócios respondem solidariamente até o limite do capital social,isto é, em caso de falência, os sócios respondem solidariamente pelo que faltar para aintegralização das quotas não liberadas (arts. 22e 92); d) sociedade por ações, anônimas,aquela cujos sócios respondem apenas pelo valor das ações subscritas ou adquiridas.Constitui-se com dois sócios (salvo a exceção do art. 251 da Lei 6.404, de 15.12.76),não pode ter firma, só denominação, o capital é dividido em ações, sendo aresponsabilidade dos sócios ou acionistas limitada ao preço das ações subscritas deigual valor nominal. Seu objetivo só pode ser empresa de fim lucrativo, é sempre denatureza mercantil em razão da forma, mesmo que o objetivo seja civil (Lei n- 6.404, de15.12.76); e) sociedade em comandita por ações, em que existem duas espécies de

acionistas, uns, que respondem limitadamente pelo valor das ações subscritas, e outros,que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e que são os que

Page 184: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 184/359

exercem a direção (CC, art. 1.091). Pode ter denominação ou firma, sempre seguida de"Comandita por ações" (Lei 6.404, de 15.12.76).Tipo especial de pessoa jurídica privada são as sociedades cooperativas, definidas emlei como "sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de naturezacivil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados",

distinguindo-se das demais sociedades pelas características que o Código estabelece(art. 1.094) e a Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, art. 4°.8. Fundações.Fundação é um complexo de bens que assume a forma de pessoa jurídica para arealização de um fim de interesse público, de modo permanente e estável. Decorre davontade de uma pessoa, o insti-tuidor, e seus fins, de natureza religiosa, moral, culturalou assis-tencial, são imutáveis (CC. art. 62, par. único). Sendo produto de umaliberalidade, os credores ou herdeiros necessários do instituidor podem anulá-la, selesiva aos seus interesses.39 Seu funcionamento é fiscalizado pelo Ministério Público.As fundações podem ser instituídas por particulares ou pelo Estado e, neste caso, não

 perdem sua natureza privada. As chamadas fundações de direito público são entes de

cooperação, amparados e controlados pelo Estado, mas com personalidade de direito privado (Dec.-Lei n2 900, de 20.09.69, art. 32).Pressupõem, portanto: a) a dotação de um patrimônio livre e desembaraçado; b) um atoconstitutivo expresso em escritura pública ou testamento, com referência aos objetivosda fundação; c) um estatuto, na forma da vontade do instituidor; e d) uma administração(CC, art. 62).Patrimônio livre e desembaraçado significa que os bens destinados à realização dos fins

 pretendidos devem estar "isentos de quaisquer ônus reais", não podendo essa destinação prejudicar terceiros, credores ou herdeiros necessários (CC, art. 1.789). Quaisquer bens podem ser objeto da dotação, móveis ou imóveis. Se forem insuficientes, devem ser incorporados em outra fundação, que se proponha a fim igual ou semelhante, se deoutro modo não dispuser o testador (CC, art. 63). Constituída a fundação, os bens quecompõem e que forem vinculados ao interesse público visado são inalienáveis. Outros

 bens, destinados apenas a proporcionar os meios de realização desse interesse, podemser alienados.40

 No caso de fundações instituídas pelo poder público, os respectivos bens são do Estado,do patrimônio público, com destinação especial, sujeitos à administração particular dafundação.41O ato constitutivo é um negócio jurídico inter-vivos (escritura pública) ou mortis-causa(testamento), com a dotação dos bens destinados à realização dos objetivos visados, ecom o estatuto, conjunto de regras sobre a denominação, os fins e a sede da fundação, o

modo de sua administração e representação, a possibilidade e o modo de reforma doestatuto, e as condições de extinção e destino dos bens.9. Elementos constitutivos da pessoa jurídica.A formação da pessoa jurídica exige elementos de ordem material, basicamente, uma

 pluralidade de pessoas, um conjunto de bens e uma finalidade específica, e elementos deordem formal, que são um estatuto e o seu registro no órgão competente.Para constituir-se a pessoa jurídica são necessárias, em tese, duas ou mais pessoasligadas por uma intenção comum (affectio societatis], salvo as exceções legais, como aempresa pública e a sociedade subsidiária integral (Lei das S.A., art. 251); um

 patrimônio próprio que se constitui na garantia do cumprimento de suas obrigações, eum objetivo próprio e específico, que deve ser lícito e possível. Nas sociedades, o

objetivo é o lucro pelo exercício de uma atividade civil ou empresarial.

Page 185: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 185/359

As associações em senso estrito não precisam, em princípio, de patrimônio para seconstituírem, embora, posteriormente, sejam necessários bens para a sua manutenção,

 pois não se concebe a vida de relação sem bens que garantam o cumprimento dasobrigações. Nas fundações dispensa-se o elemento pessoal, sendo necessário um

 patrimônio afetado aos fins que se pretende realizar.

A conjunção de todos esses elementos, ou melhor, a sua disciplina, encontra-se noestatuto, conjunto de normas sobre a estrutura, a organização e o funcionamento da pessoa jurídica, criadas pela vontade comum de seus membros com força de lei para assuas relações jurídicas (lex societatis}. É também necessária a publicidade legal, que sefaz com o registro do ato constitutivo no Registro Civil ou no Registro de EmpresasMercantis e, em certos casos, autorização do governo para a constituição efuncionamento.10. Constituição e funcionamento. Representação.A técnica da personificação varia conforme a pessoa jurídica seja de direito público oude direito privado.

 No primeiro caso, ela resulta da lei ou de ato administrativo. Rege-a o direito público,

não o Código Civil. No segundo, exige-se um ato constitutivo e o respectivo registro(CC, arts. 45 e 46).O ato constitutivo é declaração de vontade coletiva, nas associações e sociedades, eindividual, nas fundações. Pode ser por instrumento público ou particular, salvo no casodas fundações, que exigem instrumento público ou testamento (CC, art. 62). Dele constao estatuto, que é o ato pelo qual se disciplina a atividade da pessoa jurídica in fieri, eque contém basicamente o seguinte: a denominação, os fins e a sede da associação, osrequisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados, os seus direitos,deveres e responsabilidade, as fontes de recursos para a manutenção da pessoa jurídica,o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos, e ascondições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.Os membros devem ter os mesmos direitos, mas nada impede a existência de categoriascom vantagens especiais. A qualidade de associado é intransmissível sem anuência dosdemais (CC, art. 56) na forma disposta no estatuto, salvo nas sociedades empresárias decapital (a sociedade por quotas de responsabilidade limitada e sociedade anônima). Na

 primeira, as cotas transferem-se livremente, podendo o contrato social restringir tal possibilidade (CC, art. 1.057). Nas fundações, o instituidor destina certos bens livres a um fim religioso, moral ou deassistência, elaborando o estatuto ou designando quem o faça, submetendo-o àapreciação da autoridade competente (CC, arts. 62 e 65) com recurso ao poder 

  judiciário. Se o instituidor não o fizer nem nomear quem o faça, ou se a pessoa

designada não elaborar o estatuto no prazo determinado ou, não havendo prazo, em 180dias, caberá ao órgão do Ministério Público fazê-lo, assim como também no caso de oinstituidor não ter elaborado, ou não ter designado quem devia fazer o estatuto (CC, art.65 e CPC, arts. 1.199 a 1.204). A alteração do estatuto exige a observância de requisitoslegais (CC, art. 67).O registro, de que depende a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado(CC, art. 45 e LRP, art. 119), consiste na inscrição do ato constitutivo no RegistroPúblico competente (Lei n° 6.015, de 11.12.73, art. 114 e Lei 8.934, de 18.11.94, art.32), precedida, quando necessário, da autorização do Governo. O registro declarará: I) adenominação, os fins, a sede, o tempo de sua duração, o fundo social, quando houver;II) o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores e dos diretores; III) o

modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial eextrajudicialmente; IV) se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e

Page 186: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 186/359

de que modo; V) se os membros respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigaçõessociais; VI) as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino de seu patrimônio(CC, art. 46).Em princípio, é amplo o direito de associação (CF, art. 5-, n2 XVII), mas em algunssetores da atividade econômica é necessária prévia autorização governamental, como

ocorre na constituição de sociedade de seguros, sociedades bancárias, montepios, caixaseconômicas, sociedades de exploração de energia elétrica, de riquezas minerais, denavegação de empresas jornalísticas, rádio e TV (CF, art. 192 I, II, IV; art. 21, XII, b;art. 176, p.l° e art. 223).Quanto à sua representação, as pessoas jurídicas atuam mediante os órgãos previstos noestatuto, normalmente, a diretoria e a assem-bléia-geral ou o conselho deliberativo. Taisórgãos não representam a pessoa jurídica, que não é incapaz, apenas a presentam42(CPC, art. 12). Mas os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderesdefinidos no ato constitutivo obrigam a pessoa jurídica-------------------32 Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, art 52, I.

33 Henrique de Carvalho Simas. Manual Elementar de Direito Administrativo, p. 268.34 Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, art. l*.35 CLT, art. 511; Pontes de Miranda, op. cit., p. 315.36 Alberto Trabuchi. Istituzioni ai diritto civile, p. 109.37 Messineo, op. cit, vol. IV, p. 298.38 Orlando Gomes, op. cit., p. 215.39 Eduardo Espínola. Sistema do Direito Civil Brasileiro, II, p. 152; ClóvisBeviláqua. Código Civil Comentado, art. 24.40 Homero Senna, Fundação de Direito Privado, in Enciclopédia Saraiva do Direito,vol. 39, p. 75. "Os bens que constituem o patrimônio das fundações são inalienáveis; e osão porque as pessoas que os administram não são seus proprietários e ainda porque afundação é patrimônio personificado pela finalidade a que é destinado", RT, vol. 116, p.615. O STJ reconhece que as fundações governamentais são pessoas jurídicas de direito

 público. Cfr. Revista do STJ, n° 47.41 Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 344.42 Pontes de Miranda, op. cit., p. 97.-------------------(CC, art. 47). As fundações são fiscalizadas pelo Ministério Público do Estado de ondesão situadas ou dos Estados em que atuarem (CC, art. 66, pars. 12 e 2*}.Os direitos e deveres das pessoas jurídicas decorrem dos atos de seus diretores naâmbito dos poderes que lhes são concedidos pelo estatuto. Se a administração for 

coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria dos votos, salvo disposição diversa,sendo de três anos o prazo decadência para anulação das decisões contrárias à lei ou aoestatuto, ou eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude (CC, art. 48 e par. único). Nasassociações, é da competência privativa da assembléia-geral a eleição e destituição dosadministradores, a aprovação das contas e a alteração do estatuto (CC, art. 59).Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar o juiz nomear-Ihe-á administrador 

 provisório (CC, art. 49).11. Modificação e extinção.As pessoas jurídicas nascem, desenvolvem-se, modificam-se e extinguem-se. Nassociedades empresárias, as modificações compreendem a transformação, a incorporaçãoe a fusão. As sociedades simples não se transformam, devem manter a forma

específica.43

Page 187: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 187/359

Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente dedissolução ou liquidação, de um tipo para outro (Lei das sociedades por ações, art. 220}.A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (Lei das sociedades por ações,art. 227}.

A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedadenova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (Lei das sociedades por ações, art. 228}.A reforma do estatuto da fundação exige a observância de requisitos legais (CC, art.67). Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, osadministradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público,requererão que se dê ciência à minoria vencida para inpugná-la, se quiser, em 10 dias(CC, art. 68).Todas as alterações do ato constitutivo deverão observar os requisitos legais e seremaverbadas no registro respectivo (CC, art. 45, parág. único).A extinção da pessoa jurídica decorre da vontade dos associados ou das causas previstas

em lei ou no estatuto. O processo de extinção realiza-se dissolução e pela liquidação(CPC, de 1939, art. 655, conforme CPC, de 1973, art. 1.218, VII).

 No caso de extinguir-se associação de fins não-econômicos, seus bens serão destinadosna forma estatutária, ou na forma que os sócios determinarem, ou, sendo omisso oestatuto, serão entregues a estabelecimento municipal, estadual ou federal de finsidênticos ou semelhantes, ou ainda, inexistindo tal estabelecimento, à propriedade doEstado, do Distrito Federal, ou da União (CC, art. 61, par. 2°). Inexplicável a exclusãodo Município. A dissolução da pessoa jurídica será averbada no registro onde estiver inscrita. Encerrada a liquidação, cancela-se essa inscrição.As fundações extinguem-se sempre que, tornando-se ilícita, inútil, a sua finalidade, ouvencido o prazo de sua existência, o Ministério Público ou qualquer interessado lhes

 promova a extinção. Seu patrimônio será incorporado a outra fundação, que tenha omesmo fim, ou semelhante, salvo disposição contrária do ato constitutivo (CC, art. 69).A dissolução extingue a pessoa jurídica. A entidade, que se personificara, perde acapacidade de direito. A liquidação refere-se ao patrimônio, significando o pagamentodas dívidas e a partilha dos bens. Quanto aos membros, os efeitos manifestam-se

 principalmente no destino do patrimônio, o qual já deve ser previsto no registro do atoconstitutivo. Não o sendo, a divisão e a partilha dos bens sociais serão feitas de acordocom os princípios que regem a partilha dos bens da herança (CPC, art. 1.218, VII).A pessoa jurídica subsiste, para os fins da liquidação, até que esta se conclua.Averba-se a dissolução no regitro onde a pessoa jurídica estiver inscrita e, encerrada a

liquidação, promove-se o cancelamento da respectiva inscrição (CC, art. 51)12. Associações e sociedades não personificadas.Associação e sociedade não-personificadas são entidades que não obtêm personalidadecivil. O processo de personificação não se completou. Houve a constituição legal, o

 patrimônio, mas inexiste o registro. Denominam-se vulgarmente de sociedades de fatoou irregulares, para distingui-las das que observaram os requisitos legais deconstituição. Constituem "situações fáticas",44 cuja existência e participação norelacionamento jurídico não podem ser desconhecidas pelo direito.Embora não lhes seja unânime a atribuição de personalidade jurídica, as sociedades defato, ou irregulares, podem participar ativa e passivamente da relação jurídica. Os sóciosnas relações entre si, ou com terceiros, por escrito, não podem provar a existência da

sociedade mas terceiros podem prová-la de qualquer modo. Os bens e dívidas sociaisrespondem pelos atos de gestão, salvo pacto expresso limitativo de poderes, somente

Page 188: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 188/359

eficaz contra terceiros que o conheçam ou devam conhecer. A responsabilidade dossócios é solidária e ilimitada, podendo os bens desses serem executados antes dos dasociedade (CC, arts. 986 a 990).O Código de Processo Civil reconhece-lhes capacidade de ser parte ativa ou passiva(art. 12, VII). E podem ter nome. As sociedades de fato, sem personalidade jurídica,

 podem ser sujeitos de direitos e deveres, com capacidade judicial. Ora, capacidade dedireito pressupõe personalidade, logo, as sociedades de fato têm-na negado peloordenamento jurídico, mas, de fato, é-lhes permitido agir como se tivessem

 personalidade jurídica. É mais uma ficção do direito.13. Atributos da pessoa jurídica.Assim como a pessoa natural, a jurídica tem, como atributos, capacidade, nome,domicílio, estado e patrimônio. A capacidade é de direito e de fato (no nosso direito nãodomina o princípio ultra vires segundo o qual a pessoa jurídica não pode agir além dosfins estabelecidos). Não pode, todavia, participar de atos que se relacionam com oestado pessoal do sujeito, como os de família. O nome das sociedades comerciais temregras próprias. O domicílio será o local onde funcionar a diretoria, ou onde esta o fixar 

(CC, art. 75, IV), podendo ser múltiplo, no caso de existirem sucursais (CC, art. 75, §1a). Nas pessoas jurídicas de direito público, o domicílio é necessário; nas de direito

 privado, é voluntário. O estado é considerado sob o ponto de vista da nacionalidade, queé fixada na forma da legislação específica de cada Estado. No direito comercial

 brasileiro, são nacionais as sociedades por ações organizadas conforme a lei brasileira eque têm no país a sede de sua administração (CF, art. 171, I, e Decreto-Lei 2.627 de1940, art. 60 ainda em vigor por força do disposto no art. 300 da Lei 6.404, de 1976).Quanto ao patrimônio ele próprio é independente do dos membros da pessoa jurídicacomo já assinalado.14. A personalidade jurídica como instrumento de atividade abusiva ou ilícita. A teoriada desconsideração.Um dos efeitos da personificação é a total independência patrimonial e individual danova entidade, relativamente aos membros que a constituem. Essa independênciarevela-se no patrimônio, nas relações jurídicas e na responsabilidade civil, sabido que onovo ente não responde pelos atos de seus membros, nem estes por atos daquele, salvoexpressa disposição legal ou contratual.Essa independência pode levar a práticas abusivas ou ilícitas, à medida que os membrosda pessoa jurídica possam aproveitar-se do hermetismo,45 do isolamento de vidainterna da entidade para prejudicar terceiros com ela relacionados, com o exercícioirregular de seu direito de associado.Tal problemática, um dos motivos, aliás, por que se fala em crise da pessoa jurídica,46

tem sido enfrentada, nas últimas décadas, pela jurisprudência norte-americana e peladoutrina italiana e alemã, com a teoria da "disregard of legal entity", "desconsideraçãoda personalidade jurídica" ou uma "desestimação da personalidade jurídica" ou como"lifting the corporate veil", "levantamento do véu da personalidade jurídica",significando que, às vezes, é preciso "superar a forma externa da pessoa jurídica para,

 penetrando através dela, alcançar as pessoas e bens que debaixo do seu véu se ocultam.O que se defende, com efeito, é que o juiz, perante um caso concreto, onde ascircunstâncias indiquem a prática de atos fraudulentos, de descumprimento deobrigações, de atos ilícitos, enfim, por sócios que se utilizam da pessoa jurídica paraatingir fins ilícitos aproveitando a vantagem do privilégio da limitação daresponsabilidade, deve desconsiderar a personalidade jurídica, declarando-a ineficaz

  para determinados efeitos, embora permaneça íntegra para os seus legítimosobjetivos.47

Page 189: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 189/359

Dois pontos, no entanto, devem ser levantados. O primeiro é que esse "levantamento dovéu" da personalidade jurídica pode levar à insegurança nas relações com pessoas

 jurídicas. O segundo é que, à diferença do direito anglo-saxônico, onde a jurisprudênciaé a principal fonte normativa, existe no direito brasileiro um sistema legal positivo quenão se pode desconsiderar, o que não impede a existência, não obstante, de diversas

normas que permitem concluir pela^admissibilidade, no nosso direito, de tal doutrina.É o que depreende, por exemplo, do art. 10 da Lei da Sociedade por Quotas deResponsabilidade Limitada,48 ou do art. 2, par. 2-, da Consolidação das Leis doTrabalho, ou ainda, o art. 34 da Lei sobre as Instituições Financeiras,49 a Súmula n- 486do Supremo Tribunal Federal, o art. 50 da Lei de Falências.50A esse respeito, dispõe o Código Civil que, em caso de abuso de personalidade jurídica,caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juizdecidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no

  processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejamestendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (CC.art. 50). A Lei de Proteção ao Consumidor é também expressa, nessa matéria, ao dispor 

que "o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, emdetrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,fato ou ato ilícito ou violação do estatuto ou do contrato social. A desconsideraçãotambém será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ouinatividade da pessoa jurídica provocados por má administração" (art. 28).Aplicada a teoria da desconsideração desaparece a autonomia patrimonial da pessoa

 jurídica relativamente a seus membros.15. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse PúblicoUm novo campo de atuação das pessoa jurídicas de direito privado é o chamadoTerceiro Setor que, ao lado do Estado e do Mercado (empresas e consumidores),constitui o setor produtivo público não estatal, voltado para o interesse público, sem finslucrativos e regido pelo direito privado.Com a crise do Estado Social e a insubsistência do seu modelo político-jurídico,tornaram-se inadequadas as clássicas dicotomias público/privado, Estado/Sociedadecivil, vindo a reconhecer-se que o Estado é público mas o público não énecessariamente estatal. Surge um novo tipo de interesse, o de público não estatal (aolado do público-estatal e do privado) próprio da sociedade civil que, organizada, vai aidesempenhar funções que seriam do Estado, portanto, públicas, mas que aquele, por insuficiência, não pode executar.Desempenham essas funções determinadas organizações não governamentais (ONGs),entidades não estatais, não lucrativas e orientadas para a gestão e provisão de serviços

sociais. A lei 9.790, de 23 de março de 1999 designa-as de Organizações da SociedadeCivil de Interesse Público, podendo assim qualificar-se as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a prestação de serviços sociais e a produção de bens públicos (educação, saúde, habitação etc.) (art. 3°).Excluem-se, portanto, as sociedades comerciais e demais entidades que a lei enumera(art. 2°).---------------------43 Antônio Chaves. Lições de Direito Civil, Parte Geral, IV, p. 333.44 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito civil, I, p. 206. Pontes deMiranda, Tratado de Direito Privado, I, p. 333.45 Federico de Castro, op. cit, p. 337; Roncero, op. cit., p. 64. Hermetismo ou

impenetrabilidade, segundo De los Mozos, in Adiciones ao Tratado de Castan Tobenas.

Page 190: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 190/359

46 Federico de Castro, op. cit., p. 236; Roncero, p. 63 e segs.; Diez Picazo, op. cit., ps.338/339; Castan Tobenas, op. cit., Adiciones de José Luis de los Mozos, p. 873; JoséLamartine Corrêa de Oliveira. A Dupla Crise da Pessoa Jurídica.47 Rubens Requião. Abuso de Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, RT410/13.

A chamada crise da pessoa jurídica não é, na verdade, crise do conceito ou da categoriaem si mesmo mas de sua deformação, manifestada nos abusos com que se utiliza oaspecto puramente formal, em hipóteses diversas, tais como a nacionalidade das pessoas

 jurídicas, a fraude fiscal, a sociedade de um sócio só, os cartéis, as sociedades filiadas, alimitação de concorrência, a extensão da falência etc. (De los Mozos, op. cit., p. 878).A utilização abusiva da figura da pessoa jurídica fez com que a jurisprudência superasseou desconsiderasse o conceito formal da pessoa jurídica, em favor de uma concepçãomais realista, segundo a qual em determinados casos "ao sujeito dominante de umasociedade de capital devem ser imputadas as obrigações assumidas pela sociedadedominada", superando-se os excessos dogmáticos da doutrina formalista que via na

 pessoa jurídica uma titularidade subjetiva completamente diversa da de seus membros,

com a independência de seus patrimônios e de suas responsabilidades.Foi o sistema de Common Law que, sem o dogmatismo e a sistematização próprios dodireito europeu continental, pôde exercer maior controle sobre a pessoa jurídica, na suaatividade jurídica e na realização dos seus fins, chegando à doutrina da disregard of legal entity, do direito americano, ou a do Durchgriff durch die Rechtspersõnlichkeit dodireito alemão, segundo os quais "os tribunais podem prescindir ou superar a formaexterna da pessoa jurídica, para, penetrando através dela, alcançar as pessoas e os bensque se protegem sob a sua capa, Rolf Serick. Rechform und Realitát juristiche Personen(Aparência y realidad en Ias sociedades mercantiles. El abuso de derecho por médio deIa persona jurídica), tradução de José Puig Brutau, Barcelona, Ariel, 1958, p 82 e segs.Pierro Verrucoli. // Superamento delia Personalitá Giuridica delle Societá di Capitalnella Common Law e nella Civil Law, Milano Giuffre, 1964, p. 75 e segs). Taisdoutrinas não põem em dúvida a independência da pessoa jurídica em relação a seusmembros, mas sustentam que "embora a pessoa jurídica seja, de regra, um sujeitonitidamente diverso dos seus membros, sua subjetividade deve, porém, em certos casose sob certas condições, ser colocada de lado" (Serick, op. cit., p. 220). A justificativadestas doutrinas é a necessidade de frustrar o abuso, da parte dos membros da pessoa

 jurídica, dos benefícios que conseguem quando ao grupo se reconhece a personalidade jurídica. "O instrumento de repressão adotado consiste em romper ou levantar o véu da personalidade jurídica (to lift the corporated veil} e agarrar os indivíduos que atrásdesse véu se escondem", Galgano, op. cit., p. 39. Devido, assim, a uma concepção mais

realista do direito, dá-se à pessoa jurídica um novo sentido na sua utilizaçãoinstrumental, que deve processar-se dentro de certos limites, impedindo-se o abuso dedireito, a fraude, o negócio simulado, o ato ilícito, como, por exemplo, o da entregafraudulenta ou ilegal de bens na sociedade, em prejuízo de terceiro (Harry Henn.Handbook of the Law of Corpo-rations, 2- ed., West Publinshing C. St. Paul, Min.1970. p. 251). Hipóteses mais freqüentes de aplicabilidade da teoria da desconsideraçãosão os de ingresso fraudulento na sociedade de bens ou direitos pertencentes a terceiros,realizado por sócio; a mistura de bens ou de contas entre acionista controlador e

  participantes da sociedade e a própria sociedade; negócios pessoais feitos peloadministrador como se fosse pela sociedade, confusão de patrimônios de sócio e dasociedade; o desvio de finalidade do objeto social com fins ilícitos ou fraudulentos etc.

Hipótese de confusão de patrimônios é, por exemplo, a da Apelação Cível n2 35.623, da2a CC do TJERJ, sendo Relator o Eminente Desembargador Penalva Santos, que assim

Page 191: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 191/359

Page 192: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 192/359

objeto para os direitos reais e o conceito moderno para o direito das obrigações. Dessemodo, objeto dos direitos reais seriam as coisas sobre que se exercem, de modo direto eimediato, os poderes contidos na relação, e objeto das obrigações seriam as ações ouomissões do sujeito devedor.Em senso amplo, esse objeto pode, portanto, consistir em coisas (nas relações reais), em

ações humanas (nas relações obrigacionais), e também na própria pessoa (nos direitosda personalidade e nos de família, em institutos como no pátrio poder, na tutela e nacuratela), e até em direitos (como no penhor de créditos, no usufruto de direitos). Nosdireitos potestativos, o objeto é sempre um comportamento do sujeito ativo, destinado a

 produzir efeitos na esfera jurídica de outrem. A maioria dos juristas não aceita, porém,que a pessoa seja objeto de direito porque, sendo um valor-fim, não pode ficar submetida ao poder jurídico de outrem nem mesmo nas relações de família, em que os

 poderes são poderes-deveres ou poderes-fun-ção, devendo ser exercidos em benefíciodaqueles a quem se dirigem. O corpo humano é um bem jurídico, é objeto dos direitosda personalidade e, como tal, protegido.Em senso estrito, o objeto compreende as coisas e as ações humanas (prestações). E, em

acepção mais estrita ainda, é sinônimo de coisa, objeto dos direitos reais. A doutrinamoderna acrescenta ainda, como objeto de direito, as manifestações do espírito humano.Objeto da relação jurídica é, assim, tudo o que se pode submeter ao poder dos sujeitosde direito, como instrumento de realização de suas finalidades jurídicas.

  Na teoria dos bens enquadram-se hoje novas figuras. A revolução científica etecnológica e as mudanças sociais levaram à criação de outras espécies, ou deram relevoàs já existentes. O meio ambiente, os bens de valor artístico, cultural e histórico, o

 programa dos computadores, a personalidade humana nos seus diversos aspectos,Objeto da Relação Jurídica. Os Bens309o know-how, o software, enfim, a informação, passaram a ter renovada importância ereconhecida proteção jurídica, inclusive de natureza constitucional (CF. art. 5° e pars.),cabendo aqui, naturalmente, estudar apenas os de natureza civil.2. Coisa e bem.Coisa é tudo aquilo que tem existência material e que é suscetível de medida de valor.1É coisa de tudo o que existe no universo e que, sendo útil para a satisfação dasnecessidades humanas, se torna valioso e, por isso mesmo, objeto de apropriação. Hácoisas úteis mas não apropriáveis, como as coisas comuns (rés communes) a luz, o ar, omar, o sol, as estrelas. Não são de ninguém e são de todos. E há coisas que emborasuscetíveis de apropriação, como os animais de caça, os peixes, coisas abandonadas (résderelictae), não pertencem a ninguém (rés nullius). Os animais são coisas, porém objeto

de proteção jurídica especial, por si mesmo e como salvaguarda dos sentimentos das pessoas.A utilidade e a possibilidade de apropriação dão valor às coisas, transformando-as em

 bens. O conceito de bens pressupõe, assim, uma valoração e uma qualificação. Bem étudo aquilo que tem valor e que, por isso, entra no mundo jurídico, como objeto dedireito .A noção de coisa liga-se primariamente à de substância. Consiste em algo fisicamentedelimitado, existente no mundo da natureza, e que interessa ao direito, não em si mesmamas com objeto do poder dos sujeitos. Coisa é gênero, bem é espécie, embora hajadivergência doutrinária quanto a esta distinção.2O conceito de bem é histórico e relativo. Histórico, porque a idéia de utilidade tem

variado de acordo com as diversas épocas da cultura humana, e relativo porque talvariação se verifica em face das necessidades diversas por que o homem tem passado.

Page 193: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 193/359

  Nos primórdios, as necessidades eram puramente vitais, respeitantes à defesa e àsobrevivência do indivíduo e do grupo. As coisas úteis e apropriáveis diziam respeito àvida orgânica e material dos indivíduos. Com a evolução da espécie humana e odesenvolvimento da vida espiritual, expresso na arte, na ciência, na religião, na cultura,enfim, surgiram novas exigências e novas utilidades, passando a noção de bem a ter 

sentido diverso do que tinha primitivamente.Parte da doutrina, à semelhança do Código Civil alemão,3 restringe coisa para designar os bens de existência corpórea, tangível. Para Teixeira de Freitas, coisa era "todo objetomaterial suscetível de medida de valor ". O Código Civil brasileiro não faz tal limitação,usando bem para designar valores materiais e imateriais e intitulando o Livro II, daParte Geral, Dos bens, abrangendo coisas e direitos. Para Clóvis Beviláqua, "bens sãovalores materiais ou imateriais que servem de objeto a uma relação jurídica."4 Édefinição correta, abrangendo as coisas de existência material, as de existênciaimaterial, como as diversas formas de energia, e as ações ou comportamento humano, etambém os direitos, quando objeto de outros direitos.As ações humanas são objeto dos direitos de crédito, obrigacio-nais, e denominam-se

  prestações. Devem ser lícitas, possíveis e determináveis. Consistem em umcomportamento do devedor (dar, fazer ou não fazer).Direitos podem ser objeto de outros direitos, como o penhor de créditos (CC. art.1.451), o exercício de usufruto (CC. art. 1.393), a hipoteca de domínio útil ou direto(CC. art. 1.473, III), usufruto de crédito (art. 1.390), cessão de crédito (art. 286) etc.Podem considerar-se também objeto de direitos ou de relações jurídicas os atributos oumanifestações de personalidade do próprio sujeito (direitos da personalidade),atividades ou serviços de natureza intelectual, técnica ou manual (propriedadeintelectual ou industrial), realidades materiais (coisas) e imateriais (energia, créditos),5e ainda informações técnicas, econômicas e científicas, relevantes para os respectivostitulares.O conjunto de bens economicamente apreciáveis forma o patrimônio da pessoa.3. Conteúdo da relação jurídica.Do objeto da relação jurídica distingue-se o seu conteúdo, que é o conjunto de poderes edeveres de que dispõem os respectivos titulares. Esse conteúdo consiste, assim, noconjunto de poderes ou faculdades que os direitos subjetivos comportam. Objeto dodireito de propriedade é a coisa apropriada. Conteúdo do direito de propriedade são os

  poderes ou faculdades conferidas pelo ordenamento jurídico ao proprietário. Taldistinção tem a sua importância. O objeto pode ser o mesmo em várias relações, mas oconteúdo será diverso. Por exemplo, o mesmo imóvel pode ser objeto de propriedade,de usufruto e de uma relação obrigacional decorrente de uma compra e venda. As três

relações jurídicas diferem, porém, no seu conteúdo, nos poderes de que dispõem seustitulares, conforme sejam proprietários, usufrutuários ou compradores.4. Classificação dos bens.Classificar é distribuir em grupos segundo determinados critérios, do que decorre umdeterminado regime jurídico para cada grupo. Cada espécie de bens tem a sua própriadisciplina legal, aplicável às questões jurídicas que os envolvem. Por exemplo, a vendade uma casa, que exigências legais comporta? A resposta a tal pergunta decorre daqualificação desse bem, de sua inserção em determinado grupo e da conseqüentesujeição ao respectivo direito.A finalidade de qualquer classificação é separar em grupos e espécies a que se aplicamas mesmas regras jurídicas, admitida a possibilidade de cada espécie ter sua própria

disciplina legal.

Page 194: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 194/359

Page 195: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 195/359

  Na teoria dos bens enquadram-se hoje novas figuras. A revolução científica etecnológica e as mudanças sociais levaram à criação de outras espécies,ou deram maior relevo às já existentes. O meio ambiente, os bens de valor artístico, cultural e histórico,a personalidade humana nos seus diversos aspectos, os programas dos computadores, oknow-how, o software, enfim, a informação, todas essas realidades passaram a ter 

renovada importância e reconhecida proteção jurídica, inclusive de naturezaconstitucional (CF, art. 5°). Por seu especial interesse, destaca-se aqui a informaçãocomo bem jurídico.---------------1 Teixeira de Freitas. Código Civil, Esboço, art. 317.2 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, vol. 2, p. 22. Orlando Gomes.Introdução ao Direito Civil, p. 174.3 O Código Civil alemão (BGB) reserva o termo "coisa" para os objetivos materiais denatureza exterior, dispondo no seu § 90: "Coisas, no sentido da lei, são somente osobjetivos corpóreos." O Código Civil italiano, no art. 180 define: "Bens são as coisasque podem ser objeto de direito." O Código Civil português, no art. 202-, afirma: "Diz-

se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas", estabelece umaequivalência entre coisa e objeto de direito, o que não é inteiramente correto, pois ascoisas, embora sendo a espécie mais corrente de objeto dos direitos, não esgotam aextensão desse conceito. Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto. Teoria Geral do DireitoCivil, p. 218.4 Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 43.5 Garcia Amigo. Instituciones de Derecho Civil, p. 592.6 Christian Atias. Droit civil. Lês biens, pp. 16 e 17. Fréderic Zénai. Lês biens, p. 23.Gerard Cornu. Droit civil. Introduction, p. 294.7 Castan Tobenas. Derecho Civil Espanol, Comun y Foral, tomo primeiro, H, p. 527.---------------A noção de informação é poliédrica, dadas as suas múltiplas facetas. Pode ser considerada e estudada corno atividade, e então surge como objeto do processo dedifusão ao público de notícias e comentários por meio dos instrumentos de comunicaçãode massa. A par da informação como atividade, tem-se a informação como dever,tipificado em vários ramos do direito, como o civil, o penal, o administrativo, o doconsumidor, sendo hoje de maior referência o dever de informar estabelecido no art. 6°,III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), eainda a informação no que diz respeito à circulação, à apropriação (v.g. os direitos deautor), ao acesso. Neste particular aspecto ressalta-se a importância crescente dos

 bancos de dados, de variada natureza.

Em face das muitas facetas a considerar, a informação pode definir-se como sendo umdado representativo da realidade suscetível de ser comunicado9', ou ainda qualquer mensagem comunicável a outrem por qualquer meio5. Sua importância está no fato deque a atividade de informação por meios eletrônicos constitui-se hoje em setor degrande importância econômica. Ao lado dos três setores tradicionais da economia, aagricultura, a indústria e os serviços, reconhece-se hoje a existência de um quarto setor,que é o da informação. A esse pertencem as técnicas de produção da informação demassa, como os jornais, o cinema, o rádio, a televisão e, por fim, a informática10. Ainformação deixa de ser apenas um bem econômico para ser também um bem jurídico e,como tal, objeto das relações de direito.7. Bens móveis e imóveis. Origem histórica da distinção.

A distinção dos bens em móveis e imóveis baseia-se, fundamentalmente, na importânciasocial de que se revestem, justificando um especial regime jurídico para as formas e

Page 196: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 196/359

garantias de sua alienação, da constituição dos direitos reais,11 da defesa judicial e proteção dos credores dos respesctivos titulares.São móveis e imóveis os que a lei estabelece de modo cogente, sendo inadmitida amodificação de seu regime jurídico pelo exercício da vontade particular. Essa distinçãotem origem histórica.

A noção de imóvel sempre se identificou com a terra, e é sobre ela que se baseou aordem econômica e social até hoje. A existência, porém, de outros bens tornounecessária uma diferenciação que justificasse a diversidade de regimes jurídicos aadotar.Em Roma a principal divisão era entre os bens úteis para a agricultura (rés mancipi],compreendendo as terras, os escravos, os animais, as servidões de passagem e deaqueduto, que eram os mais importantes, e todo os demais (rés nec mancipi). O direitocuidava preferentemente dos primeiros, o que se compreende em face do sistemaeconômico vigente, que era o da economia agrária. A alienação das rés mancipi eracomplexa (mancipatió), constituindo-se em verdadeiro cerimonial, enquanto a das résnec mancipi era muito mais simples (traditio). Essa diferenciação passou a corresponder 

à existente entre imóveis e móveis, não só pelo critério físico da mobilidade, como pelarespectiva importância social. Foi, todavia, consagrada apenas nos últimos períodos dodireito romano, encontrando-se a primeira referência legislativa na Constituição deJusti-niano, na lei "De usucapione transformanda", na qual pela primeira vez se usa a

 palavra imóvel em sentido oposto a móvel.uA distinção entre bens móveis e imóveis é, assim, típica da tradição romanista e latina,embora sujeitos, de modo geral, ao mesmo regime jurídico. No mundo germânico oregime era diverso, havendo um direito especificamente imobiliário, completamentedistinto do das coisas móveis, sendo que, inicialmente, só estas eram objeto de

  propriedade individual. Durante a Idade Média consagra-se tal distinção, tendo-setornado, com a glosa e o ancien droit, a summa divisio das coisas.O direito feudal consagrava a terra como fator de produção de uma economiaessencialmente agrícola, donde a permanência do bem imóvel como base do sistemaeconômico e, conseqüentemente, do sistema jurídico, constituindo-se a terra noelemento político básico do ordenamento jurídico, e da forma de exploração econômicaentão vigente. Em contrapartida, os bens móveis não tinham maior valor, como se vênos brocardos da época rés mobilis rés vilis e vilis mobiliwn possessio permanecendo osimóveis até à Revolução Industrial como única fonte importante de riqueza, comoelemento econômico prepoderante e único elemento de garantia para obtenção decrédito.A diferença da importância social dos bens móveis e imóveis justifica, assim, a

diversidade dos seus regimes jurídicos, fazendo com que todas as coisas e todos osdireitos se incluíssem em uma ou em outra categoria, como se observa no Código Civilfrancês, onde se diz que todas as coisas se consideram bens móveis ou imóveis (art.516).Com a Revolução Industrial, a agricultura passa a nível secundário e, com oconseqüente processo de urbanização, os bens móveis e a prestação de serviços crescemde importância, chegando a existir bens móveis mais valiosos que os imóveis. São ostítulos de crédito, os valores mobiliários, os metais preciosos, novos instrumentos deriqueza a exigir nova regulamentação jurídica da propriedade mobiliária, superando emimportância econômica os imóveis e a tradicional divisão, própria de exigênciaseconômicas ultrapassadas.

Em suma, a classificação dos bens em móveis e imóveis é historicamente a grandedivisão no direito dos bens, sendo os imóveis mais importantes por traduzirem a idéia

Page 197: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 197/359

de maior valor, estabilidade e importância política que os móveis, mero conceitoresidual, compreendendo os bens fora do regime dos imóveis.Esse critério está sendo revisto hoje em dia, tendendo-se a substituir a idéia deimportância pela de interesse social, público, coletivo, que sugere uma especialdisciplina para cada coisa ou categoria de coisas, independentemente da distinção entre

móveise imóveis.138. Importância da distinção.A importância da distinção dos bens em móveis e imóveis manifesta-se na diversidadede regras jurídicas, de direito privado e de direito público, que se aplicam em diversashipóteses tipificadas em lei, como se exemplifica:a) somente imóveis podem ser objeto de bem de família (art.1-711);

 b) só entre imóveis se podem estabelecer relações de vizinhança e limitações ao poder de construir;c) o instrumento público é da substância do ato constitutivo ou translativo de direitos

reais sobre imóveis de determinado valor (CC, art. 108) salvo o decorrente de contratodo Sistema Financeiro de Habitação (Lei 4.380, de 21.08.64, art. 61, § 5°);d) os móveis podem ser livremente alienados pelo cônjuge que estiver na administraçãodo casal. Os imóveis somente com autorização do outro cônjuge, exceto no regime deseparação absoluta (CC, art. 1.647), salvo o caso do art. 1.651, III, com autorização do

 juiz;e) os móveis adquirem-se por usucapião no prazo de três ou cinco anos, enquanto osimóveis necessitam 5, 10 ou 15 anos (CC, arts. 1.242, par. único, 1.238, par. único,1.260 e 1.261);f) adquirem-se os imóveis por transcrição do título de transferência no Registro deImóveis, e os móveis, por tradição (CC, arts. 1.245 e 1.267);g) os pais não podem alienar nem gravar de ônus reais os imóveis dos filhos sob pátrio

 poder, sem autorização do juiz (CC, art. 1.691); na tutela, além dessa autorização, é preciso hasta pública (CC, arts. 1.748, IV, e 1.750); no entanto, a disposição dos bensmóveis pelos pais é livre, desde que no interesse dos menores;h) os imóveis do ausente só se poderão alienar ou hipotecar quando o ordene o juiz paralhes evitar a ruína (CC, art. 31);i) a posse de imóveis faz presumir a dos móveis nele instalados (CC, art. 1.209);

 j) os móveis são objetos de penhor, os imóveis, de hipoteca (CC, arts. 1.431 e 1.473, I),com exceção dos navios e aeronaves que, sendo móveis, são objetos de hipoteca;1) só os móveis podem ser objeto de contrato de mútuo (CC, art. 586);

m) no direito tributário, os imóveis são objeto de imposto territorial, predial e detransmissão inter vivos ou mortis causa; os móveis, de imposto de circulação demercadorias, de produtos industrializados, e de transmissão mortis causa;n) no direito penal, somente os móveis podem ser objetos de roubo ou de furto (CP, arts.155 e 157);o) no direito processual, as ações reais imobiliárias exigem a citação de ambos oscônjuges (CPC, art. 10, parág. único).9. Bens imóveis: a) imóveis por natureza; b) imóveis por acessão física; c) imóveis por acessão intelectual; d) imóveis por destinação legal.Bens imóveis são os que não podem ser removidos sem alteração de sua substância.O direito considera imóveis o solo e tudo quanto a ele adere, natural ou artificialmente e

ainda aquilo que, por questões de conveniência legislativa, deva ser ficticiamenteconsiderado como imóvel.

Page 198: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 198/359

Bens imóveis são, portanto, o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ouartificialmente (CC. art. 79), e também os que a lei assim considera (CC, art. 80).É por essa razão que o Código Civil de 1916 dividia os bens imóveis em imóveis por natureza, imóveis por acessão física, imóveis por acessão intelectual e imóveis por disposição legal, distinção ainda aproveitável, para fins didáticos.

a) Imóveis por natureza.Bem imóvel por natureza é o solo, a superfície da terra em seu estado natural, reunindoo solo propriamente dito e o subsolo. O solo compreende a terra, as pedras, as fontes eos cursos de água, superficiais ou subterrâneos, que corram naturalmente. E ainda asárvores e os frutos pendentes. As árvores são imóveis porque a ele se incorporamnecessariamente, não podendo ter vida independente. Quando separadas do solo passama ser móveis, salvo se destinadas ao replantio.14 Também assim se consideram quando,não obstante incorporadas ao solo, constituem já objeto de um contrato que se efetivarána época da separação. Também os frutos são imóveis até que se destaquem das árvoresrespectivas, já que fazem parte da coisa que os produz.15 Consideram-se móveis por antecipação, segundo a doutrina francesa, quando objeto de um contrato que preveja a

sua mobilização.O espaço aéreo correspondente ao solo, embora o código não o considere mais imóvel,assim como o subsolo, integram-se ambos no mesmo direito de propriedade (CC, art.1.229), o qual é limitado, porém, pela utilidade do seu exercício, como ocorre no casode existência de recursos naturais ou de potenciais de energia hidráulica, que constituem

  propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União (CF, art. 176). b) Imóveis por acessão física.São imóveis por acessão física tudo quanto o homem incorporar permanentemente aosolo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que não se

 possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.Acessão é a aderência de uma coisa a outra.16 Imóvel por acessão física são os móveisque o homem incorpora permanentemente ao solo, desde que não sejam contruçõesligeiras, como barracas e pavilhões transitoriamente fixados. A permanência significaduração.17 No caso de sementes, ou plantas, a incorporação é orgânica e a união com osolo se faz por força da natureza, enquanto as construções se incorporam medianteunião material.18É indispensável que essa união se faça de modo a formar uma só coisa, uma só unidade.Uma casa pré-fabricada, materiais de edificação, uma construção simplesmente apoiada,não é imóvel.Os imóveis por natureza e os por acessão física chamam-se prédios, que se dividem emurbanos e rurais, conforme sua destinação. A distinção é relevante em questões

locatícias, tributárias e agrárias.19c) Imóveis por acessão intelectual.Imóvel por acessão intelectual é tudo quanto no imóvel o pró--------------------8 Vincenzo Zeno-Zencovich, Informazioni (profili civilistici), in Digesto delleDiscipline Privatistiche, IX, Torino, UTET, 1993, p. 4219 Pierre Catala, Ebauche d'une théorie juridique de V Information, in Informáticaediritto, 1983, n°l, p. 1510 Vittorio Frosini, // diritto nella società tecnológica, Milano, Giuffrè Editore, 1981,

 p. 233; Pietro Perlingieri, L'informazione come bene giuridico, in Rassegna di dirittocivile, 1990, p. 326

11 Zénati, op. cit., p. 16.12 Castan Tobenas, op. cit., p. 531, nota 1.

Page 199: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 199/359

13 Biondo Biondi. Los bienes, p. 106.14 Espínola. Sistema de Direito Civil Brasileiro, p. 487. Joaquim Ribas. Direito CivilBrasileiro, p. 381.15 Biondo Biondi, p. 115.16 Silvio Rodrigues. Direito Civil. Pane geral, p. 94.

17 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, ns 70.18 Biondo Biondi, p. 117.19 A Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991 regula apenas a locação predial urbana; osimóveis rurais subordinam-se ao Estatuto da Terra, Lei 4.504, de 30 de novembro de1964. O Código Civil aplica-se subsidiariamente. Em matéria tributária, o imposto

 predial incide diversamente conforme a propriedade seja urbana ou rural. O imóvel rural pode ser objeto de reforma agrária, na forma da Lei (CF, art. 184).-------------------

  prietário mantiver, intencionalmente, empregado em sua exploração industrial,aformoseamento ou comodidade. É a definição contida no art. 43, III, do Código de1916. São bens móveis que o proprietário destina ao imóvel, ligando-os subjetivamente

e com o poder de, a qualquer momento, os mobilizar. Não há aderência material.Destinam-se a explorar, embelezar ou aumentar a utilidade de um imóvel. Denominam-se pertenças (máquinas agrícolas, estátuas, pára-raios, aparelhos elétricos etc.) ecaracterizam-se por, sem serem partes integrantes, destinarem-se a servir à finalidade dacoisa principal. Define-as o Código no art. 93.O objetivo é econômico ou de utilidade. O instrumento agrícola é, assim, imóvel por acessão intelectual, mas não o é o automóvel de passeio do agricultor,20 porque aimobilização da coisa móvel por acessão intelectual "somente pode dar-se quando ela é

 posta a serviço do imóvel, e não das pessoas".Tal imobilização é uma ficção legal que se funda na conveniência de evitar-se que ascoisas móveis, acessórios, se separem do imóvel contra a vontade do proprietário e em

 prejuízo do interesse geral, integrando-se no imóvel para que este preste os serviços aque se destina.A acessão pode ser de natureza agrícola, industrial, comercial e suntuária,21 conforme asua destinação. Sua justificativa é impedir que o adquirente do imóvel se prive dosmóveis destinados à sua exploração, ou daqueles sem os quais o imóvel não secompleta. O objetivo é, portanto, manter a unidade, o conjunto, facilitando adeterminação das regras jurídicas aplicáveis ao caso. Desse modo, a venda de umafábrica sem discriminação engloba também os respectivos móveis.22Fundamento da acessão é, assim, a relação de utilidade ou serviço entre a coisa principale a acessória, e a durabilidade desse vínculo.

Basta, por isso, dispor que os imóveis por acessão, bens móveis acessórios do imóvel, por serem destinados à sua exploração, não podem ser separados dele contra a vontadedo proprietário. O respectivo dispositivo legal, o art. 79 do Código Civil, dispõe, emfórmula sintética que são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar, natural ouartificialmente.Os imóveis por acessão intelectual podem, a qualquer tempo, ser mobilizados,separando-se do imóvel a que se uniram, desde que de modo definitivo. Os materiaistemporariamente separados do imóvel a que pertecem (como tijolos, madeiras, grades,instalações metálicas etc.) não perdem a qualidade de imóveis assim como asedificações que, separadas do solo, mas conservando sua unidade, forem removidas

 para outro local (CC, art. 81). d) Imóveis por disposição legal.

Imóveis por disposições legal são os direitos reais sobre imóveis (propriedade,enfiteuse, servidão predial, usufruto, uso, habitação, rendas constituídas sobre imóveis,

Page 200: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 200/359

 penhor agrícola, anticrese, hipoteca), as ações que o asseguram, e o direito à sucessãoaberta. Neste caso, não é o direito aos bens componentes da herança, mas o direito aesta, como uma unidade. A inclusão dos direitos reais sobre imóveis tem por objeto amaior segurança nas respectivas relações jurídicas. As ações relativas aos direitos reaiscompreendem não só as ações destinadas à defesa desses direitos, mas também as

destinadas a constituir ou modificar uma relação jurídica pertinente a direitos reaissobre imóveis, como, por exemplo, a destinada a estabelecer ou regular os limites da  propriedade, a constituição da servidão, a remissão ou execução da hipoteca, arevogação de doação, a anulação de contrato translativo de propriedade etc., sempre quetendam à atribuição de direitos reais sobre os imóveis. Doutra forma não tem sentido alei, já que a ação, embora direito subjetivo público, não pode considerar-se um berndestacado do direito que protege. Não entram nessa categoria as ações possessórias, quenão são reais, pois somente se podem exercitar contra o autor da turbação ou doesbulho,23 não tendo eficácia erga omnes.10. Bens móveis. Conceito e determinação legal.Bens móveis são os suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia,

sem alteração da substância ou da desti-nação econômico-social (CC, art. 82). Os  primeiros dizem-se semo-ventes. São os animais. Os segundos são as coisasinanimadas. A diferença é irrelevante, pois aplica-se a ambas as espécies o mesmoregime jurídico.Os bens móveis podem sê-lo por sua própria natureza (CC, art. 82) e por disposiçãolegal, compreendendo-se, neste caso, as energias que tenham valor econômico, osdireitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes, os direitos pessoais decaracter patrimonial e as ações respectivas (CC, art. 83).Há ainda bens móveis por natureza que a lei considera imóveis para efeito de garantia,como os navios e as aeronaves (CC, art. 1.473, VI e VII).24 São também móveis osdireitos da propriedade industrial, o fundo de comércio, as quotas e as ações do capitalsocial,25 o gás, os títulos de crédito.São ainda móveis os materiais destinados a uma construção, enquanto não utilizados,

 pois que ainda não incorporados ao imóvel, e os decorrentes de demolição de um prédio(CC. art. 84), como as portas, grades, janelas etc. É bem móvel por disposição legal oknow-how (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, art. 5°)Consideram-se ainda móveis por antecipação aqueles que, naturalmente imóveis porqueligados à terra, destinam-se a ser mobilizados, como, por exemplo, os frutos ainda nãocolhidos e as árvores destinadas a corte.26Os bens móveis dividem-se em genéricos e individuais, fungíveis e não fungíveis,consumíveis e não consumíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e coletivos.

11. Bens genéricos e individuais.Gênero é o 'conjunto de elementos comuns existentes em diferentes objetos. Por extensão, é o conjunto de espécies que apresentam esses elementos, notas ou caracterescomuns. A espécie forma-se por indivíduos muito semelhantes entre si, com essas notascomuns.Essas categorias lógicas interessam ao direito na medida em que, utilizadas naclassificação dos bens, suscitem diversidade no regime jurídico aplicável. Na técnica

 jurídica, porém, gênero é um conjunto de seres semelhantes, e estes são as espécies.Um bem é genérico quando representa uma categoria de bens individuais que têm asmesmas características, como tal marca cie veículo, tal qualidade de cereal etc. O bem éespecífico ou individual quando se distingue dos demais por suas próprias

características. E um objeto certo, único.

Page 201: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 201/359

Essa classificação é importante em matéria de direitos reais e de obrigações. Os primeiros não podem ter como objeto coisas genéricas, já que implicam em um poder sobre uma coisa específica. Já as obrigações admitem, como objeto, prestaçõesgenéricas. Nesse caso, segundo o princípio de que o gênero nunca perece (generanunquam pereuni], o credor tem direito a obter o bem compreendido

no gênero.Por exemplo, a obrigação de entregar "duas arrobas de café, quatro cavalos" tem como prestação uma coisa incerta, indicada, porém, pelo gênero e pela quantidade. Já umaobrigação de entregar açúcar sem a necessária especificação quanto à marca, qualidadee quantidade, nada vale, por ser indeterminada e indeterminável. Como o gênero nunca

 perece, não pode o devedor liberar-se de sua obrigação alegando perda ou deterioraçãoda coisa, ainda que por caso fortuito ou força maior (CC, art. 246).12. Bens fungíveis e infungíveis.As coisas genéricas são normalmente fungíveis.Bens fungíveis são os móveis que podem, e infungíveis os que não podem substituir-se

 por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC, art. 85). Exemplo de coisa

fungível: os gêneros alimentícios em geral, o gado, o dinheiro etc. Determinam-se pelonúmero ou medida, e traduzem uma equivalência entre as espécies (100,00 = 100,00).Os bens fungíveis são substituíveis porque são idênticos, econômica, social e

 juridicamente.A fungibilidade é própria dos móveis e a infungibilidade dos imóveis, mas esta regranão é absoluta.Os bens infungíveis são insubstituíveis, porque tomados em consideração de suasqualidades individuais, como ocorre com o quadro de um pintor.A fungiblidade e a infungibilidade decorrem tanto da natureza quanto da vontade das

 pessoas, inclusive do legislador. Determinado automóvel, coisa fungível, transforma-seem infungível se individualizado pela marca, ano de fabricação, cor, número de motor,acessórios instalados etc. As ações de uma sociedade e as notas de dinheiro sãoindividualizadas pelo número, todavia são fungíveis, pois o que interessa é o seu valor,que independe da numeração. A fungibilidade da moeda, aliás, é uma necessidade

 prática. Seria inviável o empréstimo de dinheiro com a obrigação de se devolverem asmesmas notas ou moedas.A fungibilidade é idéia de comparação entre bens que se consideram equivalentesexprimindo a possibilidade de substituição de coisas do mesmo gênero. É própria dos

 bens móveis, e é alterável por vontade das partes. Uma coisa fungível (moeda, livro,automóvel, quadro etc.) pode convencionar-se como infungível se tiver característicasque lhe dêem especial valor.

Os bens fungíveis são determinados pelo número, peso e medida, o que permite a suasubstituição. Se considerados corpo certo, serão insubstituíveis e, como tal, infungíveis.A fungibilidade, embora pertinente à coisa, estende-se a ações humanas (prestações)quando objeto de obrigações. Prestação fungível é a que pode ser feita por outra pessoaque não o devedor (CC, art. 249). Prestação ou serviço infungível é o que tem ser de ser cumprido pelo próprio devedor, por exemplo, um pintor famoso.A importância da distinção entre coisas fungíveis e infungíveis revela-se em algunsinstitutos do Código Civil, principalmente no direito das obrigações:a) o mútuo é empréstimos de coisas fungíveis (CC, art. 586), em regra, dinheiro,enquanto o comodato é empréstimo de coisa infungível (CC, art. 579).Excepcionalmente pode haver comodato de coisa fungível, como no ad pompam vel

ostentationem, quando se empresta um objeto substituível para exposição, devendo ele próprio ser devolvido (livros, garrafas, moedas, arranjo de flores etc.);

Page 202: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 202/359

 b) o depósito de coisas fungíveis regula-se como mútuo (CC, art. 645);c) a fungibilidade das dívidas é requisito da compensação (CC, art. 369);d) a locação de coisas tem por objeto o uso e gozo de coisa não fungível (CC, art. 565);e) o pagamento mediante entrega de coisa fungível é eficaz ainda que feito por pessoasem direito de aliená-la, desde que o credor esteja de boa-fé. Se a coisa for infungível, o

 pagamento será ineficaz (CC. art. 307, par. único);f) o legado de coisa fungível será cumprido ainda que tal coisa inexista entre os bensdeixados pelo testador (CC, art. 1.915);

 No caso de direitos reais, quanto ao direito de propriedade, não têm maior importância porque as coisas, sejam fungíveis ou infungíveis, podem ser reivindicadas, sendo que na  primeira espécie, se impossível o reconhecimento da coisa pertencente ao autor,contenta-se ele em receber coisa equivalente, como também no caso de usufruto (CC,art. 1.392, par. 1°).13. Bens consumíveis e inconsumíveis.Enquanto a fungibilidade resulta de uma relação de identidade ou equivalência, aconsuntibilidade, qualidade do que é consumível, resulta da relação de utilidade entre o

titular e a coisa.Consumíveis são os móveis que se extinguem pelo uso normal, ou que se destinam àalienação. Inconsumíveis são os que permitem utilização contínua, sem destruição dasubstância (CC, art. 86).A consuntibilidade é própria dos móveis e é conceito econômico jurídico que nãocoincide necessariamente com o sentido físico. É qualidade daquilo que se destrói como primeiro uso, como os alimentos (consumo natural), ou daquilo que se destina a ser alienado, como as mercadorias de um armazém, roupas, livros etc. (consumo jurídico).A consuntibilidade é, portanto, natural, quando se verifica com o simples uso, e jurídica,quando ocorre com a alienação. As coisas naturalmente consumíveis só podem servir uma vez.27Consumo natural é, portanto, o que se dá com a destruição do bem pelo uso regular,como acontece com os alimentos, o dinheiro etc. O consumo jurídico é o que se traduzno destino, como acontece com as mercadorias de um armazém, roupas, livros,máquinas etc. Por isso, os bens inconsumíveis tornam-se juridicamente consumíveisquando postos à venda. O livro, inconsumível por natureza, é con-sumível quando está àvenda.A consuntibilidade não se identifica com a fungibilidade. Esta deriva de uma relação deidentidade ou equivalência, não sendo uma característica natural da coisa, aquela dizrespeito ao uso a que a coisa se destina. No entanto, as coisas fungíveis são em geralconsumíveis, embora existam coisas fungíveis não naturalmente consumíveis, como

livros, móveis etc.Alguns exemplos legais demonstram a importância da distinção: no usufruto de bensconsumíveis (quase usufruto), o usufrutuário é obrigado a restituir, findo o usufruto asque ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade, quantidade, ou nãosendo possível, o seu valor estimado ao tempo da restituição (CC, art. 1.392, par. 1°).

 No comodato ad pompam vel ostentationem28, a coisa consumível é tomada comocorpo certo, inconsumível.14. Bens divísiveis e indivisíveis.Bens divísiveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam (CC. art. 87).As partes singulares, resultantes da divisão, devem ter a mesma natureza, características

e função do todo a que pertenciam.

Page 203: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 203/359

Bens indivisíveis são aqueles cuja divisão implica a alteração da própria substância, ouo sacrifício do valor ou o prejuízo do uso a que se destinam.O disposto no art. 87 do Código Civil aplica-se às coisas, bens corpóreos. É conceito dedivisão real ou material. Há também a divisão ideal ou intelectual, jurídica, que seaplica tanto às coisas como aos direitos.

O critério da divisibilidade jurídica não corresponde, portanto, ao da divisibilidadefísica.29 Para o direito, o que importa é que a divisão de um bem não implique suadesvalorização econômica.30 As frações devem ter as mesmas qualidades ecaracterísticas do todo a que pertenciam, não podendo o fracionamento significar danonem desvalorização. A divisibilidade pressupõe, assim, a manutenção do valor econômico, de forma proporcional, e das qualidades do todo a que pertenciam as partes.Indivisível é o imóvel que não pode ser dividido sem dano material e econômico.A indivisibilidade decorre da natureza, da lei ou da vontade das partes (CC, art. 88).

 Nestas últimas hipóteses, uma coisa materialmente divísivel torna-se indivisível. Danatureza, quando a divisão da coisa implica alteração de sua substância ou diminuiçãodo valor. Afeta móveis e imóveis. Da lei, nos casos de servidão (CC, art. 1.386),

herança (CC, art. 1.791, par. único), módulo de propriedade rural (Estatuto da Terra, art.4°, III), partes comuns no condomínio do edifício (solo, estrutura, telhado, rede de água,esgoto, gás e eletricidade, escadas etc.). No condomínio, se a coisa comum for indivisível ou se tornar, pela divisão, imprópria ao seu destino, será adjudicada a um sódos condôminos, ou vendida, e partilhado o preço (CC, art. 1.322). A indivisibilidadeconvencional ocorre, por exemplo, nas obrigações indivisíveis (CC, art. 314) e nosdireitos decorrentes da qualidade de acionista.Tanto a divisibilidade quanto a indivisibilidade podem converter-se na qualidadeoposta. Bem materialmente divisível pode transformar-se, pela vontade das partes, emidealmente indivisível. Também a coisa materialmente indivisível pode ser dividida em

 partes ideais, como no condomínio.15. Bens singulares e coletivos.Singulares são os que se consideram em sua individualidade distintos de quaisquer outros. Coletivos ou universais os que, constituídos de bens singulares, se consideramem conjunto, formando um todo unitário.31--------------------20 Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., ns 75; Lucy Rodrigues dos Santos, Bensimóveis, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. II, p. 227.21 Castan Tobenas, p. 540.22 "É imóvel por destino, estando sujeito a imposto de transmissão o seu valor,quando alienado com as terras onde estavam, o maquinismo e seus acessórios que aí não

se encontram para ornamento e comodidade, mas para exploração industrial"- P CC do TJSP, Ag. Pet. tf 107.438, RT 311/414, apud Wilson Bussada. Código CivilBrasileiro Interpretado pelos Tribunais, vol. I, p. 233.23 Biondo Biondi, p. 128. Com opinião contrária, Celso Agrícola Barbi. Comentáriosao Código de Processo Civil, p. 136.24 Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986, art. 106,

 parág. único, e art. 138.25 Caio Mário, op. cit., p. 364.26 Boris Stark. Droit Civil, Introduction, p. 108. Jurisprudência Brasileira, vol. 5, p.77.27 Teixeira de Freitas. Esboço, art. 354, l* Christian Atias, p. 20.

28 li o empréstimo de coisas para uso em solenidades, festas etc.29 Roberto de Ruggiero. Instituições de direito civil, II, p. 266.

Page 204: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 204/359

30 "A divisibilidade de um prédio comum é apreciada pelo aspecto econômico c não pelo jurídico", STF, RE ns 15.084, RT 209/479, apud Wilson Bussada, op. cit., p. 253. "A perda da identidade e a diminuição do valor econômico são traços característicos daindivisibilidade jurídica de coisa comum", RT 227/603.31 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 37.

--------------------As coisas singulares podem ser simples e compostas. Simples quando suas partes, damesma espécie, estão ligadas pela natureza (animais, árvores) ou pelo homem (quadro,vaso), formando um todo unitário em que seus elementos perdem a individualidade.Compostas quando suas partes, de espécies diferentes, estão ligadas pela indústriahumana (construções, máquinas), mantendo ou não a sua individualidade. As coisassimples nascem, portanto, da natureza ou do engenho humano, já as coisas compostassão sempre artificiais.As coisas simples constituem uma unidade natural incindível; as compostas formam-sede coisas simples. Em face disso, é possível a existência de direitos, tanto sobre a coisacomposta, na sua unidade, como sobre os seus elementos componentes, o que não se

verifica nas coisas simples.As coisas são normalmente singulares. As coletivas são-no por vontade da lei ou das

  partes. Umas e outras podem ser materiais (casas, máquinas, animais) e imateriais(direitos).As coletivas formam-se com várias coisas singulares que, reunidas, constituem umaunidade. Com esse sentido, o art. 89 do Código Civil.As coisas coletivas (universitas reruni) dividem-se em universalidade de fato(universitas facti), conjunto de coisas reunidas pela vontade humana para determinadofim, e universalidades de direito [universitas júris), conjunto de coisas e direitosreunidos pela lei com caráter unitário. O Código Civil considera universalidade de fatoa pluralidade de bens singulares pertencentes à mesma pessoa e com destinação unitária(CC, art. 90). Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações

 jurídicas próprias. É universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico (CC, art. 91).Distingue-se a universalidade da coisa composta porque esta resulta de uma uniãomaterial, enquanto aquela é uma união ideal, formando uma entidade complexa quetranscende as coisas componentes, com uma única denominação e um só regime

  jurídico, embora mantendo a individualidade prática e jurídica dos seus elementos.Enquanto a universalidade de fato é uma pluralidade de coisas móveis, reunidas pelodono para uma destinação econômica, embora não-reconhecida como unidade dedireito, a universalidade de direito é um complexo de relações jurídicas que a lei

considera unitaria-mente. Sua essência está na unidade. São universalidades de fato orebanho, a biblioteca, a pinacoteca, o estabelecimento comercial.São universalidades de direito, por exemplo, a herança e o patrimônio geral e tambémos patrimônios especiais, que a lei disciplina como unidade para determinado fim, amassa falida, os bens do ausente, o dote, os bens conjugais. Universalidade de grandeimportância r a empresa, se se considera como objeto de direito, isto é, como "conjuntode bens e direitos unitariamente organizados e centralizados na pessoa de um sujeito dedireito, o empresário".32 A distinção universalidade de fato/universalidade de direito,que nos vem dos glosadores, da Idade Média, é hoje objeto de viva discussão, sendo por muitos considerada superada.As coisas simples que formam a coisa composta, mantendo sua identidade, denominam-

se partes integrantes. Se perdem a identidade chamam-se partes componentes.33 As

Page 205: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 205/359

  partes integrantes, como as peças de máquinas, podem ser separadas do todo, ascomponentes, como o cimento de uma parede, não.

 Na coletividade, desaparecendo todos os seus indivíduos menos um, deixa de existir coisa coletiva para existir coisa singular.

 Nas universalidades, os bens que as integram podem ser substituídos pelo respectivo

valor e vice-versa (rés succedit in locum pretii, pretium succedit in locum rei).34 Sub-rogar significa substituir o bem objeto da relação jurídica por outro, no caso, pelo seuvalor, permanecendo o mesmo regime jurídico da coisa sub-rogada. Por exemplo, senuma coleção de objetos raros algum se destruir, o valor da indenização substitui ovalor do objeto danificado. Aplicação prática desse princípio encontra-se nos arts.1.407, § 2-, e 1.911, par. único, do Código Civil.A sub-rogação é legal quando disposta em lei, e voluntária quando decidida pelavontade particular.3516. Bens principais e bens acessórios.Bens principais são os que têm existência própria, independentemente de outros.Acessórios, aqueles cuja existência supõe a de outro, principal (CC, art. 92).

Considerados isoladamente, os bens não são principais nem acessórios. Essa distinçãodecorre de um vínculo de subordinação estabelecido entre duas coisas, pela natureza,

 pela vontade humana ou pela lei. É essa relação de dependência que faz distinguir os bens principais dos que lhe são acessórios. Os primeiros existem por si e para si, ossegundos, embora distintos, dependem dos primeiros, formando, porém, um todo com omesmo destino, salvo disposição em contrário. Essa união difere da que existe na coisacomposta, cujas partes formam um todo unitário, integrado e sem relação dedependência.Qual o critério para caracterizar o bem principal? É a sua função econômica, em razãoda qual se estabelece a relação de dependência que caracteriza a acessoriedade.36Regra geral não é o valor, mas o destino da coisa ou uma natural dependência jáexistente. Nos imóveis, o solo costuma ser principal, sendo acessório tudo o que a eleadere. Nos móveis, principal é a coisa para a qual outras se destinam.A relação de acessoriedade existe entre coisas e entre direitos. Acessórios podem ser móveis e imóveis; podem ser direitos obriga-cionais, como a cláusula penal, as arras, os

  juros, os dividendos; e direitos reais, como as servidões, o penhor, a anticrese, ahipoteca.A importância da distinção dos bens principais e acessórios manifesta-se nas seguintesregras:1) Salvo disposição em contrário, a coisa acessória segue a principal. Deste princípio

 básico, surgem dois corolários: a) o acessório segue a natureza do principal; é o

  princípio da gravitação jurídica, pelo qual um bem atrai outro para sua órbita,comunicando-lhe seu próprio regime jurídico;37 o móvel colocado no imóvel paracompletá-lo torna-se imóvel (CC, art. 79). Daí a necessidade de, na venda de umimóvel, por exemplo, uma fazenda, um apartamento, esclarecer-se o destino dosmóveis, pertences que o guarnecem; b) o proprietário do principal, de regra, é tambémdo acessório, o proprietário do solo é também dos frutos pendentes;2) a posse do imóvel faz presumir, até prova em contrário, a dos móveis e objetos quenele estiverem (CC, art. 1.209);3) o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis,com direito de retenção, e pode levantar as voluptuárias desde que não prejudiquem acoisa; o de má-fé tem apenas direito de indenização pelas necessárias, sem retenção

(CC, arts. 1.219 e 1.220);

Page 206: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 206/359

4) a obrigação de dar coisa certa abrange-lhe os acessórios, embora não mencionados,salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso (CC, art. 233);5) salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito st-abrangem todos os seusacessórios (CC, art. 287);6) a fiança, como contrato de garantia, segue a sorte do contrato principal.

17. Espécies de bens acessórios.Os bens podem ser natural, industrial e civilmente acessórios.Bens naturalmente acessórios são os que têm origem em fatos da natureza (frutosnaturais, produtos orgânicos ou inorgânicos, o subsolo).Bens industrialmente acessórios são os que resultam da indústria humana (construções,

 plantações, frutos industriais, benfeitorias).Bens civilmente acessórios são os que resultam de uma relação abstrata de direito, semvinculação material (juros, ônus reais, dividendos, aluguéis, fiança).Consideram-se acessórios os frutos, os produtos, os rendimentos, os produtos orgânicosda superfície, os minerais contidos no subsolo, as obras de aderência permanente feitasacima ou abaixo da superfície e as benfeitorias, não se considerando como tal a pintura

em relação à tela, a escultura em relação a matéria prima, e a escritura e outro qualquer trabalho gráfico, em relação à matéria que os recebe.São também acessórios as pertenças, bens que, embora não sendo partes integrantes,destinam-se ao serviço ou aformoseamento de outros.Quanto aos minerais do subsolo, legislação especial e posterior ao Código Civiltransformou-os em bens principais. As jazidas pertencem à União, constituindo

 propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial.Ao proprietário do solo é assegurada, todavia, a participação nos resultados da lavra,cujo direito de exploração se concede a brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas.38Frutos são as utilidades que o bem periodicamente dá, sem diminuição da suasubstância. Caracterizam-se pela sua periodicidade, pela inalterabilidade da substânciada coisa principal e pela sua separabilidade, embora tais características não seencontrem em todas as espécies. Periodicidade significa que os frutos, principalmenteos naturais, nascem e renascem, renovando-se de tempos a tempos. A inalterabilidadeda substância da coisa principal diz respeito à possibilidade de reprodução sem que o

 principal se extinga ou diminua. A separabilidade significa a possibilidade de o bemacessório poder destacar-se do principal, sem destruí-lo, e ser o objeto de relaçõesdistintas.Quanto à sua origem, dizem-se naturais, se provêm diretamente da coisa por força danatureza (vegetais e animais); industriais, se devidos à ação humana; e civis ourendimentos, quando resultam da utilização da coisa por pessoa diversa do proprietário

(juros, aluguéis), como correspectivo a essa utilização.Quanto ao estado em que se encontrem, os frutos são pendentes, quando unidos à coisaque os produziu; percebidos (os civis e os industriais) ou colhidos (os naturais), quando

  já separados; estantes, os já colhidos mas ainda armazenados; percipiendos, os quedeviam ser mas não foram colhidos; e consumidos, os já utilizados.39 Essas diferençastêm importância principalmente em matéria de posse (CC. arts. 1.214 e 1.216), onde sedispõe que o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos, não aos colhidoscom antecipação nem aos pendentes. Já o possuidor de má-fé não tem direito aos frutos.Quanto ao momento de sua aquisição, os frutos naturais e os industriais adquirem-secom a separação, e os civis, dia a dia (CC, art. 1.215) com o seu vencimento. Vige, namatéria, o princípio geral de que pertecem ao proprietário do bem principal,

eventualmente obrigado a indenizar terceiros pelos gastos da produção (CC, arts. 1.214, par. único e 1.216).

Page 207: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 207/359

Produtos são as utilidades que se retiram de uma coisa, diminuindo-lhe a quantidade.Diferem dos frutos pela ausência de periodiciclade e pela redução que provocam nacoisa principal. Enquanto os frutos nascem e renascem periodicamente, sem diminuiçãoda substância, os produtos levam à progressiva redução do bem principal, como, por exemplo, os minérios, as pedras retiradas de uma pedreira. A diferença é importante em

matéria de usufruto, que só dá direito aos frutos (CC, art. 1.394). Apesar de ainda nãoseparados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídicoespecífico (CC, art. 95).Benfeitorias são obras que se realizam na coisa para conservá-la, melhorá-la ouembelezá-la. São necessárias as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que sedeteriore, como as obras em um telhado ou nas tubulações de água. São úteis as que lheaumentam ou facilitam o uso, como a instalação de aparelhos. São voluptuárias as que atornam mais agradável, sem aumentar-lhe o uso habitual, como a instalação de uma

 piscina (CC, art. 96).A distinção das benfeitorias é importante na posse (CC, art. 1.219), na locação (CC, art.578) e no exercício do direito de retenção (CPC, art. 744).

O valor das benfeitorias decorre dos melhoramentos trazidos à coisa. Se não foramfeitas pelo proprietário, este, como reivindicante, é obrigado a reembolsar o seu autor,

 podendo optar entre o preço do custo e o valor atual (CC, art. 1.222). Não são benfeitorias as acessões naturais que aumentam o valor da coisa, pois aquelas pressupõem a intenção de melhorar o bem (CC, art. 97). Também não se consideram  benfeitorias a pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima, aescritura e qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima que as recebe. Nessecaso, o acessório, pelo seu valor, passa a constituir bem principal. Não é benfeitoria,também, a construção de um edifício. É acessão física. Seus apartamentos são acessões,não benfeitorias. Acessão é modo originário de adquirir a propriedade, pelaincorporação, ao objeto principal, de tudo quanto a ele adere, em volume ou valor. Por derivação, chamam-se acessões tudo o que se incorpora naturalmente ou artificialmenteao solo, como o aluvião, a avulsão, as construções, as plantações etc. (CC, art. 1.248).Mas, tecnicamente, a acessão natural não pode criar bem acessório, por não ser o bemincorporado uma coisa distinta.As pertenças são coisas, móveis ou imóveis, que se destinam ao serviço ou ornamentode outras. Dispõe o Código que são pertenças os bens que, não constituindo partesintegrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamentodo outro (CC, art. 93).40 Caracterizam-se por sua destinação duradoura ou permanentea serviço de outra coisa, tornando-a mais útil ou mais bonita, como ocorre, por exemplo,com um jardim (pertença) em relação à casa (coisa principal). A relação de pertinência

mantém-se entre duas coisas, para viabilizar a função da coisa principal, não o interesseimediato do respectivo dono, se bem que, ao final, seja este o beneficiado. Não são, por isso, pertenças, os móveis da casa, os instrumentos de trabalho, os livros da

 biblioteca.41Entre as várias espécies podemos distinguir, em caráter meramente enunciativo, as

 pertenças agrícolas, máquinas, tratores, instrumentos agrícolas, animais etc., utilizadosno preparo, plantio e colheita da produção; as urbanas, tudo o que se incorporar aosedifícios residenciais, como os elevadores, as bombas de água, as instalações elétricas,as estátuas, os espelhos, os tapetes; as industriais, máquinas e equipamentos utilizadosno funcionamento da indústria; as mobiliárias, como as molduras do quadros, asgarrafas para as bebidas; as navais e aeronáuticas, como os botes de salvamento, os

aparelhos e instrumentos náuticos.42

Page 208: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 208/359

As pertenças são, assim, coisas acessórias que estão a serviço da finalidade econômicade outras, mantendo sua individualidade e autonomia, tanto que podem ser objeto dedireito especial, de titular diverso do da coisa principal.43 Com esse sentido, o dispostono art. 94 do Código Civil.Distinguem-se as pertenças das partes integrantes. Estas são acessórios que se

incorporam a uma coisa composta, completando-a e tornando possível o seu uso, como, por exemplo, as telhas, as portas, as janelas, os pavimentes de uma casa, o motor e asrodas de um carro. Sem eles nem a casa nem o automóvel estão completos não servindo

 para seu uso normal. As partes integrantes ligam-se materialmente à coisa principal,embora mantendo sua identidade. Isso não ocorre com as pertenças, que permanecemmaterialmente desvinculadas, autônomas. Sua relação é econômica ou jurídica, nãomaterial.18. Bens públicos e bens privados.Bens públicos são os que pertencem às pessoas jurídicas tli-direito público interno (aUnião, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e asdemais entidades públicas). Bens particulares são os outros, seja qual for a pessoa a que

 pertencerem (CC, art. 98).É matéria que classifica e regula os bens em relação à pessoas titulares, interessando aodireito civil e ao direito administrativo.Existem coisas que não pertencem a ninguém. São as rés nullius e as rés derelictae. Résnullius são as coisas que nunca pertenceram a alguém, podendo vir a pertencer pelaocupação (CC, art. 1.2(i3. Rés derelictae são as coisas abandonadas, sem dono, não seconfundindo com as perdidas, que têm dono.44Quanto à sua utilização, os bens públicos dizem-se de uso comum, de uso especial edominicais (CC, art. 99).Bens públicos de uso comum são os suscetíveis de utilização por qualquer pessoa, naforma da lei. São as coisas que a todos pertencem, por exemplo, os mares, rios, estradas,

 praias, ruas, praças etc. Essa utilização pode ser gratuita ou paga (pedágio nas estradas,ingresso nos museus) (CC, art. 103) e pode ser restringida e impedida (proibição detráfego, interdição de porto etc.). Especial referência deve fazer-se ao meio ambiente(CF, art. 215) e aos bens culturais (CF, art. 216), hoje reconhecidos como importantes

 bens públicos de uso comum.Bens públicos de uso especial são os destinados ao serviço público, como os edifíciosou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento de administração federal, estadual,territorial ou municipal, inclusive o de suas autarquias.Bens dominicais são os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito

  público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Compreendem móveis e imóveis, como terrenos de marinha,45 ilhas formadas nosmares territoriais------------------32 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 206.33 Francesco Ferrara. Trattato di diritto civile italiano, p. 797; Castan Tobenas, op.cit., p. 546.34 "A coisa substitui em lugar do preço, o preço substitui em lugar da coisa."35 Cf. CC. arts. 1.753, § 1° e 2° e 1.425, §, 1°; Decreto-Lei 6.777 de 08.08.44, art. 1°.36 Christian Atias, op. cit, 21.37 San Thiago Dantas. Programa de Direito Civil. I.38 Constituição Federal, art. 176; Código de Mineração, Dec.-Lei 227, de 28. 02. 67,

art. l*.39 Teixeira de Freitas. Esboço, art. 376.

Page 209: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 209/359

40 Código Civil italiano, art. 817.41 Biondi, p. 194.42 Biondi, pp. 201/204.43 Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, p. 254; Projeto de CódigoCivil, art. 94.

44 Rés nullius ou coisa sem dono eram no direito romano, por exemplo, os animaisselvagens e as coisas capturadas do inimigo. Rés derelictae eram as coisas nec mancipiabandonadas por seus proprietários.45 "Terrenos de marinha" são os que se situam na faixa de terra banhada pelo mar,lagoas ou rios, de 33 metros para dentro da terra, a partir da linha de preamar média.Pertencem ao domínio da União e são regidos pelo Dec-Lei n2 9.760, de 5 de setembrode 1946.------------------ou nos rios navegáveis, terras de fronteira, terras devolutas;46 estradas de ferro,instalações portuárias, arsenais, telégrafos, oficinas e fazendas nacionais, bens perdidos

  pelos criminosos, bens vagos, quedas-d'água, jazidas de minério, títulos de dívida

 pública etc. A matéria é regulada no art. 20 da Constituição do Brasil e, quanto aosimóveis da União, no Decreto-Lei n- 9.760, de 5 de setembro de 1940. É possível autilização dos bens dominicais pelos particulares na forma da legislação estabelecida

 pelo Poder Público.Os bens públicos caracterizam-se por serem inalienáveis, salvo os dominicais (CC, art.101), imprescritíveis (não sujeitos a usucapião), impenhoráveis e incomerciáveis. Nãose admite a usucapião de bens públicos (CF, art. 183, § 32, e 191, par. único) (CC, art.102).O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem (CC, art. 103)19. Bens comerciáveis e bens incomerciáveis.Comércio é circulação econômica. É troca de bens.Bens comerciáveis [rés in commercio) são os suscetíveis de alienação. Bensincomerciáveis [rés extra commercium) ou indisponíveis são os que não podem ser apropriados nem alienados.Há três espécies de bens incomerciáveis: a) os insuscetíveis de apropriação por natureza; b) os legalmente inalienáveis; c) os inalienáveis por vontade humana.São bens insuscetíveis de apropriação os que pertencem a todos, rés communnesomnium, como o ar, a água corrente, a lu/. do sol.São bens legalmente inalienáveis ou indisponíveis os que :\ lei proíbe de alienação,como a herança de pessoa viva (CC], art. 426), os benefícios previdenciários,47 os bens

 públicos (CC, art. 100), os bens das fundações, o capital que garante o pagamento tia pensão alimentícia (CPC, art. 602, §§ l2 e 4*).São bens inalienáveis por vontade humana aqueles tornados in disponíveis pelamanifestação de vontade pessoal a c|in' a lei m o nhece validade. São os bens gravadoscom a cláusulas de inaliruahi lidade, temporária ou vitalícia, na forma prevista em lei.lista ina lienabilidade é estabelecida em doação ou testamento (CC, arl. 1.911), ouresulta ainda da instituição do bem de família (CC, ai t. 1.715).O bem de família é o instituto que permite, mediante escritura pública, que o chefe defamília separe do seu patrimônio, com o fim de protegê-la, um prédio urbano ou rural devalor ilimitado, observadas as disposições legais pertinentes, com a cláusula de não ser executável por dívida, salvo decorrente de impostos, destinando-o ao domicílio da

família, enquanto viverem os cônjuges e até a maioridade dos filhos. Morrendo oinstituidor ou seu cônjuge, o prédio não entra em inventário.48 Está regulado nos arts.

Page 210: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 210/359

1.711 a 1.722 do Código Civil.49 O exercício desse direito pelo chefe da família pressupõe a inexistência de dívidas, no ato de instituição, cujo pagamento possa ser  prejudicado. O imóvel escolhido fica a salvo da execução por dívidas posteriores ao ato,mas não pode se1 r alienado, ou ter outro destino, sem anuência dos interessados. Arespectiva escritura pública deverá registrar-se no competente registro geral de imóveis,

e publicar-se, pela imprensa, para completa e geral ciência.20. O patrimônio. Conceito. Composição. Importância. Concepções teóricas.Patrimônio, provavelmente de patris munium, é o complexo de relações jurídicaseconomicamente apreciáveis de uma pessoa.50 Reúne os seus direitos e obrigações,formando uma unidade jurídica, uma universalidade de direito. Apresenta trêselementos característicos: a unidade do conjunto de direito e de obrigações, sua natureza

 pecuniária, e sua atribuição a um titular.51 Compreende os créditos e os débitos de uma pessoa. No primeiro caso, temos o ativo, conjunto de direitos que formam o patrimônio(direitos reais, direitos pessoais e direitos intelectuais), no segundo, temos o passivo, oconjunto de obrigações (dívidas). Para a doutrina moderna, porém, o passivo não integrao patrimônio; é apenas uma carga, um ônus sobre ele.52 Dele não participam os direitos

 personalíssimos (vida, liberdade, honra etc.), os direitos de família puros, as ações deestado e os direitos públicos que não têm valor econômico. Integram-no, ainda, asexpectativas de direito de valor econômico,53 variando o seu valor conforme a

  possibilidade de realizar-se a condição. Não entram no patrimônio os objetos dosdireitos, as prestações, os bens. Entram, apenas, os respectivos direitos. É por isso queos atos de disposição somente se referem a direitos. O patrimônio forma-se, na verdade,apenas de direitos (CC, art. 91).O nome comercial e o fundo de comércio integram o patrimônio porque são direitos. Aclientela, embora com valor, não o integra.54

 Não fazem parte do patrimônio as qualidades ou aptidões de uma pessoa, como o seuconhecimento técnico ou profissional.Há, porém, patrimonialidade intermédia naquelas relações jurídicas que resultam dalesão de direito personalíssimo e que exprimem o direito à respectiva indenização.55A demonstração contábil do patrimônio, com indicação detalhada dos componentes doativo e do passivo, chama-se balanço, de grande importância no direito comercial etributário por demonstrar a posição financeira da pessoa em um determinado período.

A importância do patrimônio manifesta-se em dois aspectos: a) constitui a garantia doscredores (CPC, art. 591), e b) fixa a universalidade, o conjunto de direitos de uma

 pessoa no momento de sua morte, quando se transmite aos respectivos herdeiros (CC,art. 1.784). Daí dizer-se que o patrimônio é a base sobre que se ergue o edifício das

sucessões.56Quando o patrimônio da pessoa responde integralmente por suas obrigações, diz-se quea responsabilidade dela é ilimitada (se bem que limitada às forças desse patrimônio). Aresponsabilidade é limitada quando a lei permite a formação de um patrimônio especialdestinado a fim específico, como ocorre em algumas espécies de sociedades comerciais,as sociedades limitadas (por cotas de responsabilidade limitada e por ações). No direitocivil, são casos de responsabilidade limitada a do herdeiro pelas dívidas da herança (CC,arts. 1.792 e 1.997), e a do fiador, quando assim convencionado (CC, arts. 822 e 823).Instrumento de limitação convencional é a cláusula penal (CC, art. 411) onde, naverdade, o que se limita é a obrigação, não a responsabilidade.O patrimônio tem ainda interesse teórico e prático, quer como conceito básico de

direito, como projeção da personalidade jurídica, e nesse aspecto se constitui numa dascategorias fundamentais do direito privado, quer como explicação para alguns institutos,

Page 211: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 211/359

Page 212: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 212/359

transação, como ocorre nas questões relativas ao estado das pessoas, legitimidade domatrimônio, pátrio poder, relações pessoais entre cônjuges, filiação, enfim, matéria

 pertinente aos direitos personalíssimos, aos direitos familiares e às ações de estado. Atransferibilidade constitui, assim, o caráter normal dos direitos patrimoniais.A transmissão do patrimônio só é total ou universal no caso de morte (pessoas naturais)

ou no de fusão ou incorporação (pessoas jurídicas), e é parcial, de alguns direitosapenas, quando entre vivos.-------------------------46 Terras devolutas, espécie de terras públicas, são as terras inicialmente pertencentes àCoroa ou aos seus representantes no Brasil, terras essas que, com a proclamaçáo daRepública, deveriam voltar ao patrimônio da União, mas que até hoje nele estãoregistradas, não usando a União ou os Estados sobre eles o seu direito de propriedade.Compreendem tanto as terras devolvidas ao domínio da União como as que se achamvagas, não-ocupadas, por não terem sido dadas, ou não usadas pelo Poder Público. Oque as caracterizam é o fato de não serem utilizadas economicamente. Cf. CretellaJúnior, Tomás Pará Filho, Telga de Araújo e T.H. Miranda Lima, in Enciclopédia

Saraiva de Direito, vol. 72, verbete Terras Devolutas.47 Lei Orgânica da Previdência Social, Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960, art, 59.48 Caio Mário da Silva Pereira, p. 310.49 Completam as disposições do Código Civil nessa matéria a Lei de RegistrosPúblicos, Lei 6.015, de 21.12.73, arts. 260 a 265, e a Lei 8.009, de 29.3.90, que dispõesobre a impenhorabilidade do bem de família, considerando como tal o imóvelresidencial do casal ou da entidade familiar (art. lº).50 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 57.51 Castan Tobenas, p. 582.52 Henri de Page. Traité élémentaire de droit civil belge, V, pp. 554 e 555.53 Pontes de Miranda. Tratado, vol. 5, p. 136; Von Thur, p. 391.54 João Eunápio Borges. Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 195; RubensUcquião, Curso de Direito Comercial, I, pp. 228 e 229.55 Christian Atias, p. 42.56 San Thiago Dantas, p. 242.57 Caio Mário, p. 271. Von Thur. Teoria General dei Derecho Civil Aleman, I, p. 403.58 Intuitu personae (Em caráter puramente pessoal).---------------------------

CAPITULO XOs Fatos Jurídicos. A Autonomia Privada

Sumário: 1. Os fatos jurídicos. 2. O papel da vontade na nomogênese jurídica. Vontade,liberdade, autonomia da vontade e autonomia privada. 3. Autonomia privada. Conceito,natureza, âmbito de atuação e limites. 4. Perspectivas histórica, lógica e funcional daautonomia privada. 5. Fundamentos da autonomia privada. A liberdade e o

 personalismo ético. 6. A formação histórica do conceito. Fatores morais, políticos eeconômicos na sua formação. 7. A função histórica da autonomia privada. Fundamentoideológico. 8. Conseqüências jurídicas do princípio da autonomia privada. 9. As críticasà autonomia privada. Argumentos de natureza filosófica, moral e econômica. 10. Aintervenção do Estado e os limites da autonomia privada. 11. A funcionalização dosinstitutos de direito privado. A autonomia privada em uma perspectiva funcional.

1. Os fatos jurídicos.

Page 213: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 213/359

Fatos jurídicos são acontecimentos que produzem efeitos jurídicos, causando onascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e de seus direitos.1 Osfatos jurídicos dizem-se positivos, quando implicam uma ação ou declaração devontade, e negativos, quando consistem em uma abstenção ou omissão, como o não

  pagamento, a prorrogação tácita de um contrato, o silêncio circunstanciado etc.;

simples, quando consistem em um único evento, como o nascimento, a morte, ecomplexos, quando requerem o consenso de vários acontecimentos simples, ou devários elementos, como no caso de usucapião, de contrato etc. No fato complexo, se osefeitos se contam desde o início, diz-se que a eficácia é ex tunc, se do fim, ex nunc.Tais acontecimentos podem constituir-se em simples manifestação da natureza, semqualquer participação da vontade humana. São acontecimentos naturais e chamam-sefatos jurídicos em senso estrito. Podem ser ordinários, os mais comuns e de maior importância, como o nascimento, a morte, o decurso de tempo, a doença, eextraordinários, como o acaso, nas suas espécies de caso fortuito ou força maior. E

 podem consistir em manifestações da vontade humana. Neste caso são fatos voluntáriose chamam-se atos jurídicos (ato, de agere, agir). Quando tais atos consistem em simples

declarações de vontade que produzem efeitos já estabelecidos na lei, dizem-se atos jurídicos em senso estrito, como, por exemplo, o casamento, o reconhecimento de filho,a fixação de domicílio, a apropriação de coisa abandonada, ou de ninguém. Quando taisatos consistem em declarações da vontade humana destinadas a produzir determinadosefeitos, permitidos em lei e desejados pelo agente, isto é, quando contêm determinadaintenção, chamam-se negócios jurídicos, como os contratos, o testamento, asdeclarações unilaterais de vontade. Temos então que, no ato jurídico, a eficácia decorreda lei, é ex lege, enquanto no negócio jurídico decorre da própria vontade do agente, éex voluntate. Outra diferença existe na circunstância de que o ato jurídico em sensoestrito é simples atuação de vontade, enquanto o negócio jurídico é instrumento daautonomia privada, poder que os particulares têm de criar as regras de seu própriocomportamento para a realização de seus interesses.Como terceira espécie de atuação da vontade humana ao lado do ato jurídico e donegócio jurídico, que se constituem em com-partamento lícito, isto é, não violador dodireito, temos o ato ilícito, aquele que, praticado com culpa, produz lesão a um bem

 jurídico e faz nascer a obrigação de indenizar.O Código Civil atual, diversamente do de 1916, que, no seu art. 81 excluía o ato ilícitoda espécie ato jurídico, porque eivado de antijuridicidade, qualidade do que é contrárioao direito, compreende na categoria dos fatos jurídicos o negócio jurídico, o ato jurídicolícito e ato ilícito, considerando também este como jurídico, pois que também produzefeitos jurídicos2.

 Numa classificação sistemática e conclusiva, podemos então distinguir os fatos jurídicosem fatos naturais & fatos humanos ou voluntários. Os voluntários subdividem-se emfatos lícitos e fatos ilícitos. Os fatos lícitos subdividem-se em negócios jurídicos e atos

 jurídicos lícitos?Para alguns autores, ainda, os atos jurídicos em senso estrito dividem-se em atosmateriais e participações.4 Atos materiais são as manifestações de vontade semdestinatário e sem finalidade específica, como no caso de ocupação, derrelição, fixaçãode domicílio, descoberta de tesouro, comissão, confusão, adjunção, especificação,

  pagamento indevido etc. Participações são declarações de vontade para ciência deintenções ou de fatos, como a intimação, a interpelação, a notificação, a oposição, oaviso, a confissão, a denúncia etc.

2. O papel da vontade na nomogênese jurídica. Vontade, liberdade, autonomia davontade e autonomia privada?

Page 214: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 214/359

A atividade espiritual do homem desenvolve-se de dois modos diversos, o conhecer e oquerer. Pelo primeiro, apreendem-se os objetos, faz-se a sua captação mental; pelosegundo, exercita-se uma faculdade em direção a um fim ou valor. O estudo destedirecionamento interessa à psicologia, à ética, à filosofia e ao direito.Para a psicologia, a vontade é uma faculdade espiritual do homem que traduz uma

tendência, um impulso para algo, a realização de um valor intelectualmente conhecido.Para a ética, representa uma atitude ou disposição moral para querer algo. Metafísica oufiloso-ficamente, é uma "entidade a que se atribui absoluta subsistência e se converte,

 por isso, em substrato de todos os fenômenos".A vontade aparece, assim, como um motor, impulsionando e dirigindo o movimento emtodo o reino das faculdades. Em razão do fim proposto, a vontade move-se a si mesma.Para o direito, a vontade tem especial importância porque é um dos elementosfundamentais do ato jurídico. Manifestando-se de acordo com os preceitos legais, avontade produz determinados efeitos, criando, modificando ou extinguindo relações

 jurídicas.Vontade psicológica e vontade jurídica não coincidem porém. Enquanto a psicologia

conhece a vontade como "tipo especial de tendência psíquica, associada à representaçãoconsciente de um fim e de meios eficientes para realizá-lo", estudando-a no campo doser, o direito aprecia-a no campo do dever ser, reconhecendo-a como fator de eficácia

 jurídica nos limites e na forma que ele mesmo estabelece. Para o direito, portanto, avontade tem grande importância na gênese dos direitos subjetivos, sendo critériodiferenciador dos fatos e atos jurídicos, e critério doutrinário de justificação dessesmesmos direitos.A possibilidade de a pessoa agir de acordo com sua vontade, podendo fazer ou deixar defazer algo, chama-se liberdade, que, sendo conceito plurívoco, extremamente complexo,compreende várias espécies, como a liberdade natural, a social ou política, a pessoal e a

 jurídica, que é a que nos interessa.6A liberdade jurídica é a possibilidade de a pessoa atuar com eficácia jurídica.7 Sob o

 ponto de vista do sujeito, realiza-se no poder de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas. Encarada objetivamente, é o poder de regular juridicamente tais relações,dando-llirs conteúdo e efeitos determinados, com o reconhecimento e a proteçãodo direito.A esfera de liberdade de que o agente dispõe no âmbito do direito privado chama-seautonomia, direito de reger-se por suas próprias leis. Autonomia da vontade é, assim, o

 princípio de dircilo privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar uni alô jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os eleitos. Seu campo de aplicação é, por excelência, o direito obrigadonal, aquele em que o agente pode dispor como lhe

aprouver, salvo disposição cogente em contrário. E, quando nos referimosespecificamente ai poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de SIM próprio comportamento, dizemos, em vez de autonomia da vontade autonomia privada.Autonomia da vontade, como manifestação di liberdade individual no campo do direito,e autonomia privada, comi poder de criar, nos limites da lei, normas jurídicas, valedizer, poder de alguém de dar a si próprio um ordenamento jurídico objetivamente, ocaráter próprio desse ordenamento, constituíd pelo agente, diversa mascomplementarmente ao ordenamento es tatal.8A autonomia privada constitui-se, portanto, em uma esfera d< atuação do sujeito noâmbito do direito privado, mais propriamenti um espaço que lhe é concedido paraexercer a sua atividade jurídica Os particulares tornam-se, desse modo, e nessas

condições, legisla dores sobre seus próprios interesses. ;3. Autonomia privada. Conceito, natureza, âmbito de atuação c limites.

Page 215: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 215/359

A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regula pelo exercício de sua  própria vontade, as relações de que participai! estabelecendo-lhes o conteúdo e arespectiva disciplina jurídica.Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrin contemporânea, comela porém não se confunde existindo entr ambas sensível diferença. A expressão

"autonomia da vontade" tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto aautonomia privada marca o poder da vontade no direito de um rnodo objetivo, concretoe real.Sob o ponto de vista institucional e estrutural, dominante na teoria geral do direito, aautonomia privada constitui-se em um dos princípios fundamentais do sistema de direito

 privado9 num reconhecimento da existência de um âmbito particular de atuação comeficácia normativa. Trata-se da projeção, no direito, do personalismo ético, concepçãoaxiológica da pessoa como centro e destinatário da ordem jurídica privada,10 sem o quea pessoa humana, embora formalmente revestida de titularidade jurídica, nada maisseria do que mero instrumento a serviço da sociedade.11Sob o ponto de vista técnico, que revela a importância prática do princípio, a autonomia

  privada funciona como verdadeiro poder jurídico particular de criar, modificar ouextinguir situações jurídicas próprias ou de outrem. Funciona, também, como princípioinforma-dor do sistema jurídico, isto é, como princípio aberto, no sentido de que não seapresenta como norma de direito, mas como idéia diretriz ou justificadora daconfiguração e funcionamento do próprio sistema jurídico.12 E funciona ainda comocritério interpretativo, já que aponta o caminho a seguir na pesquisa do sentido e alcanceda norma jurídica, e de que são exemplos, no direito brasileiro, os arts. 112, 114, 819 e1.899 do Código Civil. Por outro lado, o princípio da autonomia privada faz presumir que, em matéria de direito patrimonial, campo por excelência de aplicação desse

 princípio, as normas jurídicas são de natureza dispositiva ou supletiva. No caso deserem cogentes, sua interpretação é restritiva (como se vê, por exemplo, com as normasdo art. 497 do CC).Tal poder não é, porém, originário e ilimitado. Deriva do ordenamento jurídico estatal,que o reconhece, e exerce-se nos limites que esse fixa, limites esses crescentes, com a

 passagem do Estado de direito para o Estado intervencionista ou assistencial.13

Sua esfera de aplicação é, basicamente, o direito patrimonial, aquela parte do direitocivil afeta à disciplina das atividades econômicas da pessoa. Não se aplica, assim, aautonomia, ou aplica-se de modo restritíssimo, em matéria de estado e capacidade das

 pessoas e família. Seu campo de realização é o direito das obrigações por excelência,onde o contrato é a lei, nas suas diversas espécies de liberdade contratual, nas promessas

de contratar, nas cláusulas gerais, nas garantias etc. No direito sucessório, realiza-se notestamento, negócio jurídico com que a pessoa dispõe de seus bens ou estabelece outras prescrições para depois de sua morte.Os limites da autonomia privada são a ordem pública e os bons costumes. Ordem

  pública como conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem os interessesfundamentais da sociedade t- do Estado e as que, no direito privado, estabelecem as

 bases jurídicas fundamentais da ordem econômica. E bons costumes como o conjuntode regras morais que formam a mentalidade de um povo e que se expressam em

  princípios como o da lealdade contratual, da proibição de lenocínio, dos contratosmatrimoniais, do jogo etc.A autonomia privada distingue-se da autonomia pública pelo fato de esta ser um poder 

atribuído ao Estado, ou a seus órgãos, de criar direito nos limites de sua competência, para proteção dos interesses fundamentais da sociedade. Seu objetivo é de natureza

Page 216: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 216/359

 pública e seu poder é originário e discricionário. Já na autonomia privada, os interessessão particulares e seu exercício é manifestação de liberdade, derivado e reconhecido

 pela ordem estatal. Seu instrumento é o negócio jurídico.Embora reconhecendo que o problema da autonomia privada transcenda o campo dodireito civil e diretamente se ligue à temática das fontes do direito, limitamo-nos aqui à

matéria cível, cuja base---------------------1 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 210 e segs. Eduardo Espínola,Sistema do Direito Civil Brasileiro, 2º vol., p. 226.2 Cfr. Moreira Alves, A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro, p. 85/863 Acerca da possibilidade de distinção de espécies no ato jurídico existem duasteorias, a unitária e a dualista. Para a primeira a categoria básica e única é o ato jurídicocomo manifestação de vontade, inexistindo razão para distingui-lo do negócio jurídiconele compreendido. Para a segunda, o ato jurídico comporta duas subespécies, o ato

 jurídico em senso estrito e o negócio jurídico, ambos manifestações de vontade humanamas com características próprias que as tornam autônomas e distintas. Barbero

apresenta interessante critério de distinção, conforme os elementos que se reúnem, asaber, o fenômeno, a vontade e a intenção. Quando se verifica o fenômeno com eficácia

 jurídica, temos o fato jurídico. Se acrescentarmos vontade, temos o ato jurídico, e sereunirmos o fenômeno, a vontade e a intenção configura-se o negócio jurídico. Cf.Domenico Barbero. Sistema dei derecho privado, I, p. 422. Cf. ainda San Tiago Dantas,Programa de Direito Civil, p. 254.4 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 223; Maria Helena Diniz, Curso deDireito Civil Brasileiro, p. 209.5 Este item e os que se lhe seguem reproduzem, com algumas modificações, o artigoA autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica. Perspectivasestrutural e funcional, escrito para o livro em homenagem ao Prof. Doutor AntônioFerrer Correia, Reitor Emérito da Universidade de Coimbra, em 1989.6 Joaquim de Souza Teixeira, Liberdade, m Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedadee do Estado, vol. 3, p. 1.099 e segs.7 Manuel Garcia Amigo. Instituciones de Derecho Civil, I, Pane General, p. 207.8 Luigi Ferri. L'autonomia privata, p. 5; Santi Romano. Frammenti di i dicionáriogiuridico, p. 24 e segs.9 Werner Flume. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts. Das Rechtsgeschãft, p.1. Antônio Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, p. 343 e segs.10 Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, p. 29.11 José Antônio Doral e Miguel Angel dei Arco. El Negocio Jurídico, p. 11.

12 Larenz. Metodologia da Ciência do Direito, p. 576.13 Estado de direito era o Estado liberal ou burguês, do séc. XVIII, caracterizado por ser um sistema jurídico baseado na separação de poderes, na limitação do poder políticoe na garantia dos direitos individuais. Sua finalidade era proteger esses direitos,

 principalmente a liberdade e a propriedade. Cf. Salvatore Valitutti, Liberalismo, inEnciclopédia dei diritto, vol. XXIV, p. 210. Estado social é o que se serve do direito não

 para garantir o status quo mas como instrumento de reforma social, caracterizando-se, precisamente, pelo primado que concede ao bem comum e à justiça social como seusobjetivos. Cf. Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 208. Cf. aindaJosé Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 99 e segs. e JorgeMiranda Teoria do Estado e da Constituição, p. 49 e segs.

---------------------

Page 217: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 217/359

e fundamento é a pessoa humana,14 e no capítulo seguinte, ao seu instrumento derealização que é o negócio jurídico, onde se levanta, precisamente, o problemafundamental de sua eficácia e de seus limites, isto é, a autonomia privada como

 princípio e o negócio jurídico como instrumento ou processo de sua realização.4. Perspectivas histórica, lógica e funcional da autonomia privada.

Para compreendermos o significado, a importância e a função da autonomia privada,devemos estudá-la em uma perspectiva histórica, como expressão de uma experiênciaque se desenvolve ao longo dos tempos e que nos dá os elementos necessários à

 percepção da gênese, desenvolvimento, cristalização e, finalmente, declínio do conceito, para depois chegar a uma perspectiva lógica, em que se considere a hipótese de umordenamento jurídico que privilegie ou se baseie na vontade particular. Isto compreendea chamada autonomia negociai, que pressupõe o negócio jurídico como ato e comoinstrumento da autonomia privada.Além desses aspectos, levantando o fio de continuidade histórica de sucessivasexperiências jurídicas, que levaram ao nascimento do conceito de autonomia comoexpressão do poder jurígeno dos particulares, devemos considerar também uma

 perspectiva funcional, na qual o direito surge como produto de uma experiência jurídicageral (e não de uma classe), livre, inovadora, e, acima de tudo, pluralística, na eleição ena concretização normativa de seus valores. Ora, num sistema aberto assim, têm cadavez mais importância as fontes extralegislativas,15 o que vai contra um dos mais carosdogmas do positivismo, o da lei como única fonte do direito. E abrem-se as portas paraos pluralismos sociais, políticos e jurídicos expressos em correlates subsistemas, todosinter e complexamente relacionados entre si.16 E nesse aspecto de vinculações quesituamos a autonomia privada, princípio normativo-jurídico, fundamento da civilísticacontemporânea. O que está em crise não é propriamente a autonomia em si, mas umasua determinada concepção ou perspectiva.Quanto à importância do tema e do seu estudo, a autonomia privada constitui-se emcategoria lógica e princípio fundamental do direito civil e do direito constitucional (naversão da liberdade de iniciativa econômica), e também em categoria histórica edogmática, consagrada que foi como expressão da liberdade individual, especialmenteem matéria de contratos. E, se por um lado, a tão falada crise do direito a afeta, não sóquanto à sua própria existência, mas também quanto à própria eficácia e limites, devidoà crescente intervenção do Estado no domínio privado, por outro lado reafirma-se a suaimportância e função com o "recrudescimento da mística contratual"17 e o usocrescente do negócio jurídico como instrumento de sua realização e ainda comofaculdade de instituir juízo arbitrai para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniaisdisponíveis (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996).

5. Fundamentos da autonomia privada. A liberdade e o personalismo ético.Fundamento ou pressuposto da autonomia privada é, em termos imediatos, a liberdadecomo valor jurídico, e, mediatamente, a concepção de que a pessoa é causa do sistemasocial e jurídico e de que a sua vontade, livremente manifestada, pode ser instrumentode realização de justiça. Corolário dessa concepção é o negócio jurídico como fonte

 principal de obrigações.O direito civil é o ordenamento jurídico dos interesses e das relações jurídicas privadas,fundado no princípio da igualdade dos homens perante a lei e elaborado histórica econtinuadamente em torno do reconhecimento de uma esfera de soberania individualque tem suas manifestações no princípio da liberdade, com referência à pessoa, na

  propriedade, com referência aos bens, e no contrato, com referência à atividade

econômica das pessoas.18 Pode assim caracterizar-se como sendo aquele setor doordenamento jurídico em que se exercita ou realiza a autonomia reconhecida aos

Page 218: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 218/359

sujeitos de direito, aceita como princípio fundamental mas limitada pelas exigências daordem pública e do bem comum.O princípio da autonomia privada baseia-se, portanto, ou tem, como pressuposto, aliberdade individual, que, filosoficamente, se entende como a possibilidade de opção,como liberdade de fazer ou de não fazer, e sociologicamente, como ausência de

condicionamentos materiais e sociais. Sob o ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato-ordenado nem proibido por lei,e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e o não-exercício de seus direitos subjetivos.19A liberdade, como valor jurídico, permite ao indivíduo a atuação com eficácia jurídica,que se concretiza em duas manifestações fundamentais, uma subjetiva, que é oestabelecimento, modificação ou extinção de relações jurídicas, e outra, objetiva, que éa norma-tivização ou regulação jurídica dessas mesmas relações. Configuram-se, dessemodo, duas facetas da liberdade jurídica — uma, a liberdade de criar, modificar ouextinguir relações; outra, a de estabelecer as normas jurídicas disciplinadoras dessaatividade, no exercício do seu poder jurídico de criar, nos limites legalmente

estabelecidos, normas de direito.A autonomia privada significa, assim, o espaço livre que o ordenamento estatal deixa ao

 poder jurídico dos particulares, uma verdadeira esfera de atuação com eficácia jurídica,reconhecendo que, tratando-se de relações de direito privado, são os particulares osmelhores a saber de seus interesses e da melhor forma de regulá-los juridicamente.O princípio da autonomia privada submeteu-se nas últimas décadas a um processo derevisão crítica, reduzindo-se o campo de sua atuação com a intervenção do Estado,embora permaneça como essência do negócio jurídico, particularmente de sua principalcategoria, o contrato. Por outro lado, a mundialização da economia, com o uso crescentedos modelos contratuais, e o reconhecimento de uma pluralidade nas fontes de direito enos meios de composição de conflitos (v.g. a arbitragem) apontam para orecrudescimento de sua utilidade e aumento do seu campo de aplicação.6. A formação histórica do conceito. Fatores morais, políticos e econômicos na suaformação.O princípio da autonomia privada é histórico e relativo, no sentido de que fatores deordem moral, política e econômica contribuíram para a sua configuração ao longo dotempo, transformando-o em um dos princípios fundamentais da ordem jurídica privada.A compreensão de sua natureza e função exige, assim, o conhecimento prévio dessascondições históricas e culturais em que se formou.Pode-se considerar, de maneira geralmente aceita, que seu antecedente imediato é oindividualismo, doutrina segundo a qual se concede à pessoa humana um primado

relativamente à sociedade, o indivíduo como fonte e causa final de todo direito.Diferentes aspectos ou vertentes podem-se visualizar nessa doutrina. Filosoficamente, oindividualismo explica os fenômenos históricos e sociais como decorrência da atividade"consciente e interessada dos indivíduos".Politicamente opõe-se ao estatismo, à intervenção do Estado. Por outro lado opõe-setambém ao conformismo e ao tradiciona-lismo. Para ele, a sociedade não é um fim emsi mesmo, nem o instrumento de um fim superior aos indivíduos que a compõem,devendo as instituições sociais ter por fim a felicidade e a perfeição dos indivíduos.Significa, então, o individualismo uma "tendência a colocar as instituições políticas,

 jurídicas e sociais de um país ao serviço dos interesses particulares dos indivíduos quecompõem a população, de preferência aos interesses coletivos". Sob o ponto de vista

econômico, considera que o indivíduo deve ter a máxima liberdade de atuação nocampo da economia, opondo-se, assim, ao dirigismo estatal e, nesse particular,

Page 219: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 219/359

Page 220: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 220/359

Page 221: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 221/359

15 Castanheira Neves, Fontes do direito, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade edo Estado, vol. 2, p. 1.566; Noberto Bobbio. Dalla strutura alia funzione. Nuovi studi diteoria dei diritto, p. 51.16 Paul Orianne. Introduction au système juridique, p 145 e segs.17 Rosário Nicoló, Diritto civile, in Enciclopédia dei diritto, vol. XII, p. 909. Cesare

Grassetti e Ugo Carnevalli, Diritto civile, in Novissimo digesto italiano, apêndice II, p.1.160 e segs.18 Giuseppe Stolfi. Teoria dei Negozio Jurídico, p. XXI. Rosário Nicoló, p. 907.19 Eduardo Garcia Maynez. Filosofia dei Derecho, pp. 389 e 391.20 Mareei Walline. L'individualisme et lê droit, pp. 14, 18 e 20.21 Quando alguém celebrar um contrato, "conforme o que for deliberado, seja direito,tenha força de lei". Lei das XII Tábuas, Tábua Sexta, De domínio et possessione (dodireito de propriedade e da posse), Sebastião Cruz. Direito Romano, p. 202.22 O direito canônico é o direito da Igreja latina. Seu nome deriva do fato de, noOriente, as leis eclesiásticas chamarem-se cânones. Constitui-se das normasestabelecidas pelo Papa e pelos concilies ecumênicos, das concordatas entre a Santa Sé

e os Estados e as leis e decretos de autoridades eclesiásticas inferiores. Seu principalinstrumento é o Código de Direito Canônico, promulgado o último pelo Papa JoãoPaulo II, a 25 de janeiro de 1983, para viger a partir de 27 de novembro do mesmo ano.23 Bartolo de Saxoferrato (1314-1357), o mais célebre dos pós-glosadores, um dosconstrutores do direito internacional privado, com os princípios locus regit actum e lexrei sitae. Cf. Haroldo Valladão. Autonomia da vontade no direito internacional privado,

 p. 34.24 Veronique Ranouil. L'autonomie de La volante. Naissance et évolution d'unconcept, p. 68.25 Alex Weil et François Terré. Droit civil. Lês obligations, p. 51.26 Boris Stark. Obligations, p. 341.27 Emmanuel Kant. Princípios sobre a metafísica dos costumes, p. 144. Sobre aorigem da expressão, Cf. Veronique Ranouil, op. cit., pp. 42, 76 e 84.28 Willenstheorie (teoria da vontade), segundo a qual, nas declarações de vontade, ointérprete deve atender mais à vontade subjetiva do agente do que ao aspecto formal desua declaração.29 Hans Kelsen, Teoria generale dei diritto e dello stato, p. 139; Luigi Ferri,L"autonomia privata, p. 5. Ana Prata. A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, p.5; Mário Bigotte Chorão. Temas Fundamentais de Direito, p. 254 e segs.; OrlandoGomes, Autonomia privada, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 9, São Paulo,1977, p. 258; Do autor. Da Irretroatividade da Condição Suspensiva, p. 43 e segs. E

ainda, A autonomia privada como poder jurídico, in Estudos jurídicos em homenagemao Prof. Caio Mário da Silva Pereira, 1984, p. 286. Werner Flume, Allgemeiner Teil dêsEürgerlichen Rechts, p. l e seg. Rodolfo Sacco, Autonomia nel diritto privato, inDigesto delle Discipline Privatistiche, I, p. 517.30 R. A. Amaral Vieira, Intervencionismo e Autoritarismo no Brasil, pp. 15 e 20;Emilia Viotti da Costa, Da Monarquia à República. Momentos Decisivos, pp. 6, 9 e 27.31 Miguel Reale, Lições Preliminares do Direito, p. 17932 Noberto Bobbio. Diritto e status nel pensiero di Emmanuel Kant, p. 1.-----------------------o princípio da liberdade, ou melhor, do poder individual como fonte normativa.Com o desenvolvimento do comércio e da indústria, da divisão do trabalho e da

especialização, aumenta o intercâmbio de bens e serviços, e o princípio da autonomia davontade torna-se extremamente útil para o desenvolvimento desse processo, acreditando

Page 222: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 222/359

o pensamento econômico liberal, na sua expressão mais pura, que a lei da oferta e da procura responde aos interesses da sociedade. Nessa perspectiva econômica, uma breve revisão histórica mostra-nos que o dogma davontade nasce também do direito de propriedade. Na Idade Média, a fonte principal dariqueza e produção era a terra, e o direito principal, a propriedade. A evolução política e

econômica torna, porém, distinta a propriedade da terra da dos demais bens de produção, estes a base do comércio e da indústria, de que eram titulares os construtoresda economia capitalista, os burgueses, interessados no desenvolvimento do intercâmbiocomercial. Esse processo leva à jurisdicização das relações de troca, isto é, a um direitoque permitisse a livre circulação dos bens e dos sujeitos, na dinâmica do própriosistema. A generalização das trocas configura uma nova força, um novo poder, que sedestaca do direito de propriedade, e que é, precisamente, o poder da vontade que serealiza na liberdade de troca e na liberdade de atuação no mercado, correspondente aoque hoje denominamos liberdade de iniciativa econômica.A autonomia da vontade traduz, portanto, um poder de disposição diretamente ligado aodireito de propriedade, dentro do sistema de mercado da circulação dos bens por meio

de troca, e de que o instrumento jurídico próprio é o negócio jurídico. Essa autonomiasignifica, conseqüentemente, que o sujeito é livre para contratar, escolher com quemcontratar e estabelecer o conteúdo do contrato. A autonomia privada teria, assim, comofundamento prático, a propriedade particular e, como função, a livre circulação dos

 bens,33 o que pressupõe, também, a igualdade formal dos sujeitos, isto é, a igualdade detodos perante a lei.A autonomia privada revela-se, portanto, como produto e como instrumento de um

  processo político e econômico baseado na liberdade e na igualdade formal, com positivação jurídica nos direitos subjetivos de propriedade e de liberdade de iniciativaeconômica. Seu fundamento ideológico é, portanto, o liberalismo, como doutrina que,entre outras formulações, faz da liberdade o princípio orientador da criação jurídica noâmbito do direito privado, pelo menos no seu campo maior que é o do direito dasobrigações. Com a intervenção posterior do Estado, e a respectiva legislação especial,limita-se a autonomia da vontade e visa-se estabelecer outro tipo de igualdade, amaterial, esta referente à possibilidade de acesso a todos os bens e às oportunidades davida econômico-social. O princípio da autonomia perde seu absolutismo, mas persisteainda como princípio básico da ordem jurídica privada.34 O interesse geral e a justiça

  põem-se acima da liberdade individual, mas o direito objetivo respeita o direitosubjetivo, pois a superioridade daquele não impede o reconhecimento da autonomia ou,melhor dizendo, de um verdadeiro direito dos particulares. A questão é, apenas, delimites. Permanece, como regra, a liberdade de contratar e de estabelecer o conteúdo do

contrato, devendo ser excepcional a intervenção do Estado ao estabelecer aobrigatoriedade de certos contratos e de cláusulas e preços prefixados.358. Conseqüências jurídicas do princípio da autonomia privada.Conseqüências imediatas do reconhecimento da autonomia privada são, no direito civil,que é o seu campo por excelência, os princípios da liberdade contratual, da forçaobrigatória dos contratos, do efeito relativo dos contratos, do consensualismo e danatureza supletiva ou dispositiva da maioria das normas estatais do direito dasobrigações, e ainda a teoria dos vícios do consentimento. No campo sucessório, aliberdade de testar e de estabelecer o conteúdo do testamento. E para os que aceitam avontade como poder jurídico, a concepção normativa do negócio jurídico, isto é, aconsideração do negócio como fonte de normas jurídicas, matéria que se inclui no

âmbito da filosofia e da teoria geral do direito.

Page 223: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 223/359

A liberdade de iniciativa econômica é a fonte legitimadora da autonomia privada nocampo constitucional, como princípio básico da ordem econômica e social. Sãoconceitos correlates mas não coincidentes, na medida em que a primeira focaliza oaspecto econômico, e a segunda, o jurídico, do mesmo fenômeno, havendo, entre eles,uma relação instrumental.36

A liberdade contratual manifesta-se nos seguintes aspectos: liberdade de contratar, deescolher as partes com quem contratar, de estabelecer o tipo, o conteúdo, a forma e osefeitos do contrato. O princípio do consensualismo significa que basta o consentimento,o acordo de vontades, para que o contrato se estabeleça e as obrigações nasçam, nãosendo preciso forma especial. Sendo assim, o reconhecimento da autonomia privadacontribui para a redução ou até desaparecimento do formalismo típico dos primeirostempos do direito. A vontade deve ser, porém, livremente manifestada, pelo que osvícios do consentimento revestem-se de grande importância. Se o consentimento não élivre, a manifestação de vontade é defeituosa e, portanto, anulável. Por outro lado, nãointeressam os motivos da declaração de vontade. Sendo o contrato manifestação deliberdade, não importam os motivos que levaram a tal manifestação. A vontade vale por 

si mesma, se lícito o respectivo objeto. O princípio da força obrigatória dos contratossignifica que a vontade particular, autônoma, estabelece uma lei entre as partescontratantes que se vinculam ao cumprimento das obrigações estabelecidas por essavontade. Já o efeito relativo dos contratos significa, por sua vez, que a eficácia docontrato, isto é, as obrigações e as regras estabelecidas para o seu cumprimento,

 produzem efeitos apenas entre as respectivas partes, não afetando terceiros.Para os que vêem na vontade individual um poder jurígeno, o negócio jurídico, seuinstrumento, tem eficácia normativa, vale dizer, a manifestação de vontade é fonte deregras jurídicas que, ao lado das estabelecidas em lei, disciplinam as obrigaçõesnascidas desse negócio. As normas que nascem da declaração de vontade são jurídicas,ao lado das que nascem do poder estatal, ou dos costumes, ou dos princípios gerais dodireito. "Qualitativamente não há diferença entre as distintas fontes normativas queintegram o complexo regulador da relação jurídica concreta, ainda que se estabeleçauma hierarquia entre a norma procedente de cada fonte."37 E no processo de revisão dateoria das fontes de direito, o negócio jurídico, como expressão da autonomia privada, étido como "ato constitutivo de normatividade jurídica", subordinado à lei mas não delanormativa-mente derivado.38 Em face disso, as normas jurídicas que a lei estabelece nocampo da autonomia privada, que é por excelência o das obrigações, são em grandemaioria, salvo disposição expressa em contrário ou em virtude de sua natureza de ordem

 pública ou de bons costumes, dispositivas ou supletivas.9. As críticas à autonomia privada. Argumentos de natureza filosófica moral e

econômica.As mudanças econômicas e sociais decorrentes da revolução industrial e tecnológica,com a passagem de uma economia agrícola e rural para uma industrial e urbana,causaram grandes alterações no sistema de direito privado. Surgiram novos institutos

 jurídicos, como a empresa, os contratos-tipos, os de adesão e outras figuras contratuais próprias do desenvolvimento econômico e capitalístico.Tudo isso provoca restrições à liberdade jurídica da parte do Estado intervencionista,que dirige a economia e organiza a produção, dando margem a críticas à autonomia

  privada que tem profundamente reduzido o seu campo de atuação, limitado aos pequenos negócios da microeconomia. Tais críticas são, também, como os fatores que afizeram crescer, de ordem filosófica, moral e econômica.

Sob o ponto de vista filosófico, constata-se facilmente que ao individualismo secontrapõem as tendências sociais da idade contemporânea. O homem é um ser social,

Page 224: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 224/359

vive necessariamente em grupo, do que lhe advêm inevitáveis restrições econdicionamentos na sua capacidade de agir.Sob o ponto de vista moral, tem-se demonstrado que os princípios da liberdade e daigualdade não se realizam harmonicamente. A igualdade perante a lei é meramenteformal; no campo material, vale dizer, no campo das relações sociais e das

oportunidades de progresso econômico, as desigualdades são profundas. O exercício daliberdade contratual, por exemplo, pode levar os segmentos sociais mais carentes derecursos e, por isso mesmo, desprovidos do poder de confronto ou de negociação, aacentuados desníveis econômicos, do que é exemplo a miséria das classes menosfavorecidas, o que leva o Estado a intervir para equilibrar o poder das partescontratantes, estabelecendo normas imperativas em matéria de ordem pública ou de

 bons costumes. O legislador limita, assim, a autonomia privada, para o fim de proteger os pólos mais fracos da relação jurídica patrimonial, principalmente em matéria decontratos (locação, empréstimos, seguros, operações financeiras típicas etc.).Sob o ponto de vista econômico, justifica-se a intervenção do Estado na organização edisciplina dos setores básicos da economia, alegando-se a inconveniência, a

impossibilidade até, de se deixar às forças do mercado a condução da economianacional, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, onde são maisflagrantes as disparidades econômicas e sociais. A realização dos valores fundamentaisda ordem jurídica, a segurança, a justiça, o bem comum, a liberdade, a igualdade e a pazsocial exigem uma presença cada vez maior do Estado no sentido de equilibrar as forçaseconômicas e sociais em conflito. Não mais se admite a economia liberal do séculoXIX, que se substitui por uma economia concertada, com uma intervenção crescente doEstado para o fim de proteger as categorias sociais menos favorecidas, como ostrabalhadores assalariados, e organizar a produção e distribuição dos bens e serviços por meio de um conjunto de medidas cuja disciplina jurídica toma o nome de ordem públicaeconômica.Finalmente, um argumento de natureza ideológica. O princípio da autonomia privadaencontra sua razão de ser na expressão mais pura do liberalismo econômico, na épocaem que o Estado tinha uma função mais política do que econômica ou social. Era oEstado de direito, organizado juridicamente para garantir o respeito aos direitosindividuais que encontravam nesse princípio o instrumento de sua plena realização.Com a revolução industrial e tecnológica, e os problemas sociais dela decorrentes, comguerras mundiais de permeio, surge o Estado social, intervencionista, para orientar avida econômica, protegendo os mais desfavorecidos e promovendo iguais oportunidadesde acesso aos bens e vantagens da sociedade contemporânea. No campo do direito

  privado, dá-se a socialização do direito civil,39 o que representa o primado dos

interesses sociais sobre os individuais e, conseqüentemente, a redução do âmbito deatuação soberana da pessoa humana no campo do direito.10. A intervenção do Estado e os limites da autonomia privada.Assim postas as coisas, vê-se que o individualismo do séc. XIX — resultante dasconcepções jusnaturalistas e iluministas que se positivaram no Código de Napoleão e noCódigo Civil alemão (BGB), nos quais a pessoa humana, com sua liberdade eautonomia, era o centro por excelência do universo jurídico, e o direito civil "a garantiados fins individuais relativos à família e aos bens"40 — foi-se reduzindogradativamente a partir do começo do século e, acentuadamente, com a Segunda GuerraMundial, mercê duma progressiva intervenção do Estado, que limita a autonomia

 privada quando não a elimina totalmente. A intervenção estatal na matéria econômico-

 jurídica demonstra, assim, a superação do liberalismo econômico e político do séc. XIX,intervindo o Estado com princípios autoritários na economia privada e na vida jurídica

Page 225: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 225/359

em geral. Advoga-se o predomínio dos interesses gerais sobre os particulares esobrepõe-se o espírito da socialidade e da justiça social ao do puro individualismo doscódigos civis, exigindo-se destes, não a tradicional postura dogmática adequada aoEstado de direito, mas o caráter instrumental de utilidade próprio do Estado social. A

  passagem do Estado liberal para o Estado intervencionista, com a sua crescente

ingerência na organização da vida econômica, conduz assim ao declínio da concepçãoliberal da economia e a uma conseqüente crítica ideológica do dogma da vontade, principalmente pela doutrina marxista. E os princípios e institutos fundamentais dodireito civil, a propriedade, o contrato,---------------------33 Pietro Barcellona. Diritto privato e processo econômico, p. 201, e ainda,Formazione e sviluppo dei diritto privato moderno, p. 274.34 Jacques Ghestin. Obligations. Lê contrai, p. 119.35 Barcellona. Diritto privato e processo econômico, p. 226.36 Francesco Galgano. Rapponi economia, p. 5. A eficácia jurídica da autonomia

  privada no âmbito constitucional liga-se diretamente ao problema da organização

econômica da sociedade que encontra a sua fonte suprema na chamada ConstituiçãoEconômica, orientada pelos seguintes princípios: 1) reconhecimento e garantia da

 propriedade privada (CCF art. 52 e art. 170, II); 2) da liberdade de iniciativa econômicados particulares (CF art. l2, IV e 170]; 3) a iniciativa pública econômica do Estadoquando necessária por motivo de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo e4) o reconhecimento do poder normativo e regulador do Estado, de caráter indicativo

  para os particulares. É nesse contexto que se conformam os institutos civis daautonomia privada, a propriedade, o contrato, o testamento, a associação e a fundação.Limites da autonomia privada são a ordem pública e os bons costumes. Cfr. A.Lopez/V.L Montes, Derecho Civil, Parte General, pp. 561 e segs.37 Garcia Amigo, op. cit, p. 215.38 Castanheira Neves, op. cit., p. 1.566.39 Jean Carbonnier. Droit civil, p. 69.40 Grassetti, op. cit., p. 1.162.---------------------o casamento etc., emigram para o texto das Constituições, levando juristas de nomeadaa falar na publicização do direito privado.41Todas essas modificações alteram a fisionomia tradicional do direito civil, repercutindonas fontes e nos institutos fundamentais, enfim, em toda a matéria do direito privado.

 No que tange às fontes, além das modificações profundas que o Código Civil sofreu, emgrande parte derrogado por abundante legislação específica que fragmentou a unidade

legal do direito privado, passando-se da era da codificação (séc. XIX) para a dosmicrossistemas jurídicos (séc. XX),42 há um aspecto de suma relevância já aludido, queé a consagração de princípios constitucionais pertinentes ao direito privado, diretivas

  básicas de natureza constitucional sempre vistas como normas programáticas semeficácia normativa, como os princípios da liberdade, da propriedade e da iniciativaeconômica. Além de reconhecidos como princípios normativos, pois que incorporados atextos constitucionais modernos, como o italiano, o português, o brasileiro, o que ostorna integrantes do sistema político e lhes confere uma implícita garantia contraeventuais abusos do legislador ordinário, têm o efeito de reduzir o campo das diferençasentre o direito público e o direito privado, hoje conjugados na ação comum de prover ao

 bem-estar social. Ora, se por um lado vemos a redução do individualismo subjacente

aos postulados liberais do direito civil burguês, por outro lado, temos o reconhecimentoconstitucional desses mesmos postulados, revestidos, é certo, de uma dimensão pública,

Page 226: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 226/359

geral e funcional, no sentido de que, integrados na ordem econômica e social, servemcomo instrumentos de desenvolvimento e de justiça social.Reconhecida constitucionalmente a liberdade de iniciativa econômica, indiretamente segarante a autonomia privada, em face da íntima relação de instrumentalidade existenteentre ambas. Conceitos conexos, mas não coincidentes, a autonomia privada tem caráter 

instrumental em face da liberdade de iniciativa econômica, pelo que as limitações que aesta se impõem também atuam quanto àquela. E esses limites são a ordem pública, nasua espécie de ordem pública e social de direção, sob a forma de intervencionismoneoliberal ou de dirigismo econômico, e os bons costumes, as regras morais, sendo queo intervencionismo neoliberal não se opõe à liberalidade contratual nem à livreconcorrência, apenas visa evitar a que for desleal, r a proteger o consumidor, enquantoque o dirigismo, opondo-se à liberdade contratual, submete-se às exigências da

 planificação econômica, imperativa ou indicativa.43Tudo isso implica a redução do âmbito de atuação da autonomia privada. Como

 princípio fundamental da ordem jurídica civil, teve maior importância nas épocas demais acentuado individualismo, mas, com as tendências sociais em matéria de contrato,

a proliferação das leis especiais e as crescentes restrições à liberdade contratual, assiste-se à redução de seu campo, embora permanecendo como princípio fundamental dodireito privado, aplicável nos setores em que o direito estatal permite, basicamente, odireito das obrigações. O problema da autonomia privada é, portanto e somente, um

 problema de limites que se colocam, por exemplo, com o dever ou a proibição decontratar, a necessidade de aceitar regulamentos predeterminados, a inserção ousubstituição de cláusulas contratuais, o princípio da boa-fé, os preceitos de ordem

 pública, os bons costumes, a justiça contratual, as disposições sobre abuso de direitoetc., tudo isso a representar as exigências crescentes de solidariedade e de socialidade.Um bom exemplo das limitações da autonomia é o do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990) nos dispositivos referentes à responsabilidadecivil (cap. IV) às práticas comerciais (cap. V), à proteção contratual (cap. VI, seções I eU).11. A funcionalização dos institutos de direito privado. A autonomia privada em uma

 perspectiva funcionalAspecto novo a salientar no tratamento desta matéria é o da funcionalização dos

 principais institutos de direito civil, a propriedade e o contrato e, conseqüentemente, aautonomia privada.Que significa a funcionalização de tais institutos?Para a concepção estrutural, científica, do direito, a ciência jurídica não deve ocupar-secom as funções que ele possa desempenhar, mas somente com os seus elementos

estruturais, deixando-se a análise funcional para a sociologia e a filosofia. Ocorre, porém, que o recurso às ciências sociais permite melhor compreensão do fenômeno jurídico, revelando, outrossiin, a íntima relação que existe entre a teoria estrutural dodireito e a abordagem técnico-jurídica, de um lado, e a teoria funcional e o estudosociológico, de outro. Esta conexão é característica dos estudos jurídicoscontemporâneos, considerando-se essencial para o jurista saber não apenas como odireito é feito mas também para o que serve, vale dizer, a sua causa final. Aparece assimo conceito de função em direito, significando o papel que um princípio, norma ouinstituto desempenha no interior de um sistema ou estrutura.44A referência à função social ou econômico-social de um princípio, um instituto, umacategoria jurídica, neste caso a autonomia privada e o seu instrumento de realização, o

negócio jurídico, significa a aproximação do direito com as demais ciências sociais,como a sociologia, a economia, a ciência política, antropologia, em um processo

Page 227: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 227/359

interdisciplinar de resposta às questões que a sociedade contemporânea apresenta ao jurista, considerado não mais como a "figura tradicional de cultor do direito privado,ancorado aos dogmas das tradicionais características civilísticas", mas atento à realidadedo seu tempo, a exigir-lhe uma postura crítica em prol de uma ordem mais justa nasociedade.45

A funcionalização dos institutos jurídicos significa, então, que o direito em particular ea sociedade em geral começam a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutosvigentes, não só no tocante ao controle ou disciplina social, mas também no que dizrespeito à organização e direção da sociedade, abandonando-se a costumeira funçãorepressiva tradicionalmente atribuída ao direito, em favor de novas funções, de naturezadistributiva, promocional e inovadora, principalmente na relação do direito com aeconomia. Surge, assim, o conceito de função no direito, ou melhor, dos institutos

 jurídicos,46 inicialmente em matéria de propriedade e, depois, de contrato. Representa,assim, a função econômico-social, a preocupação com a eficácia social do instituto, e,no caso particular da autonomia privada, significa que o reconhecimento e o exercíciodesse poder, ao realizar-se na promoção da livre circulação de bens e de prestação de

serviços e na auto-regulamentação das relações disso decorrentes, condicionam-se àutilidade social que tal circulação possa representar, com vistas ao bem comum e àigualdade material para todos, idéia que "se desenvolve paralelamente à evolução doEstado moderno como ente ou legislador racional".De tudo isso resulta que a funcionalização de um princípio, norma, instituto ou direitoimplica, na sua positivação normativa, o reconhecimento de limites que o ordenamento

  jurídico, ou algum de seus princípios vinculantes, estabelece para o exercício dasfaculdades subjetivas (em face de situações concretas) que possa caracterizar abuso dedireito.Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses dasociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, aanulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade deacabar com as injustiças sociais. Função social significa não-individual, sendo critériode valoração de situações jurídicas conexas ao desenvolvimento das atividades daordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o bem-estar econômico coletivo. Aidéia de função social deve entender-se, portanto, em relação ao quadro ideológico esistemático em que se desenvolve,47 abrindo a discussão em torno da possibilidade dese realizarem os interesses sociais, sem desconsiderar ou eliminar os do indivíduo.Sistematicamente, atua no âmbito dos fins básicos da propriedade, da garantia deliberdade e, conseqüentemente, da afirmação da pessoa. E ainda, historicamente, orecurso à função social demonstra a consciência político-jurídica de se realizarem os

interesses públicos de modo diverso do até então proposto pela ciência tradicional dodireito privado, liberal e capitalista. Neste particular, pode-se dizer que "revoga um dos pontos cardeais do sistema privatista, o direito subjetivo modelado sobre a estrutura da propriedade absoluta", o que poderia sugerir uma certa incompatibilidade entre a idéiade função social e a própria natureza do direito subjetivo. Mas o que se assenta, é que afunção social se configura como princípio superior ordenador da disciplina da

 propriedade e do contrato, legitimando a intervenção do estado por meio de normasexcepcionais, operando ainda como critério de interpretação jurídica. A função social é

 por tudo isso, um princípio geral, um verdadeiro standard jurídico, uma diretiva mais oumenos flexível, uma indicação programática que não colide nem torna ineficazes osdireitos subjetivos, orientando-lhes o respectivo exercício na direção mais con-sentânea

com o bem comum e a justiça social. E é precisamente o contrato, instrumento daautonomia privada, o campo de maior aceitação dessa teoria, acolhida primeiramente no

Page 228: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 228/359

Código Civil italiano, art. 1.322, segundo o qual podem as partes determinar livrementeo conteúdo do contrato nos limites impostos por lei e celebrar contratos atípicos ouinominados, desde que destinados a realizar interesses dignos de tutela, segundo oordenamento jurídico. Do mesmo modo e de forma idêntica a consagra o Código Civil

 português no seu art. 405-, ao dispor que as partes podem livremente fixar o conteúdo

do contrato, nos limites da lei, e celebrar contratos diferentes dos previstos no mesmoCódigo, completando-se esse com o art. 280-, que fixa limites ao exercício daautonomia privada, estabelecendo a nulidade do negócio jurídico contrário à ordem

 pública ou aos bons costumes.Consagrada, assim, a função econômico-social dos institutos jurídicos e,implicitamente, da autonomia privada, temos que o exercício deste poder jurídico develimitar-se, de modo geral, pela ordem pública e pelos bons costumes e, em particular,

 pela utilidade que possa ter na consecução dos interesses gerais da comunidade, comvistas ao desenvolvimento econômico e ao seu bem-estar social.O que se pretende, enfim, é a realização da justiça social, sem prejuízo da liberdade da

 pessoa humana.

É precisamente com esse entendimento que a autonomia privada pode e devedirecionar-se. A idéia de justiça que se realiza na dimensão comutativa, entre

 particulares, iguais nos seus direitos, e distributiva, entre esses e o Estado aparece agoracom nova dimensão, a justiça social que se insere em uma outra categoria, a justiçageral, que diz respeito aos deveres das pessoas em relação à sociedade,48 superando-seo individualismo jurídico em favor dos interesses comunitários e corrigindo-se osexcessos da autonomia da vontade dos primórdios do liberalismo e do capitalismo. Odireito é, assim, chamado a exercer uma função corretora e de equilíbrio dos interessesdos vários setores da sociedade, para o que limita, em maior ou menor grau deintensidade, o poder jurídico do sujeito, mas sem desconsiderá-lo, já que ele é, emúltima análise, o substrato políti-co-jurídico do sistema em vigor nas sociedadesdemocráticas e desenvolvidas do mundo contemporâneo que se caracterizam,

  precisamente, pela conjunção da liberdade individual com a justiça social e aracionalidade econômica.Embora, sob o ponto de vista técnico-jurídico, o princípio da autonomia privada seapresente bastante limitado nas possibilidades de seu exercício pela ingerência doEstado na economia, hoje em dia menor pela tendência à privatização e àdesregulamentação que perpassa pelas nações desenvolvidas do mundo ocidental, por outro lado, sob o ponto de vista político, constitui-se em um âmbito de atuação político-

 jurídico individual com eficácia jurídica, garantia de sobrevivência e de realização dos postulados básicos da liberdade e do valor jurídico da pessoa humana.

Exemplo do reconhecimento e da limitação funcional da autonomia privada no direito brasileiro é o disposto no art. 421 do Código Civil, segundo o qual a liberdade decontratar será exercida nos limites da função social do contrato. Significa isso que esse

 poder só pode exercer-se em consonância com os fins sociais do contrato, implicando osvalores primordiais da boa-fé e da probidade49.--------------------41 René Savatier. Du droit civil au droit public, p. 13.42 Orlando Gomes, A caminho dos microssistemas, p. 40 e segs.; Natalino Irti. L'eladelia decodificazione, p. 27.43 Washington Peluso Albino de Souza. Direito Econômico, pp. 189/195; Ghes-tin,op. cit., pp. 83/85; Gérard Farjart. Droit économique, p. 70.

44 Bobbio, op. cit., p. 90; J. Durão Barroso, Função, p. 1.606.

Page 229: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 229/359

45 Castanheira Neves, O direito como alternativa humana, p. 34. Para uma visãocrítica do direito civil, utilizando categorias fundamentais do marxismo (como formaçãoeconômica e social, conflitos de classe etc.), e visando a construir uma ciência jurídica

 própria do capitalismo contemporâneo, cf. Orlando Gomes. Transformações Gerais doDireito das Obrigações, e Novos Temas de Direito Civil, Orlando de Carvalho. A

Teoria Geral da Relação Jurídica; Vital Moreira. A Ordem Jurídica do Capitalismo;Stefano Rodotà. // diritto privato nella societá moderna; Pietro Barcellona. Diritto  privato e societá moderna; Francesco Galgano. Lê isti-luzione deli'economiacapitalistica; Francesco Galgano e Stefano Rodotà. Rapporti fíconomici; FrancescoLucarelli, Diritto civile e istituti privatistici; Cláudio Varro-ne. Ideologia e dogmáticanella teoria dei negozio giuridico; Karl Renner. Gli istituti dei diritto privato; André-Jean Arnaud, Essai d'analyse structurale du Code Civil jrançais e Lês Juristes face à Iasocietê; Michel Miaille. Uma Introdução Crítica do Direito; Michael Tigar e MadeleineR. Levy. O Direito e a Ascensão do Capitalismo.46 Karl Renner. Gli istituti dei diritto privato, p. 46.47 Galgano, op. cit., p. 95. "Historicamente, o recurso à função social serve para

destacar uma dimensão segundo a qual o aumento da compressão dos poderes dos proprietários por efeito da intervenção do Estado é acompanhado da convicção de quetal acontece pela necessidade de realizarem-se interesses públicos de modo diverso dotradicional. Conceitualmente, revoga um dos eixos da dogmática privada, o do direitosubjetivo, modelado precisamente sobre a estrutura da sociedade absoluta.Ideologicamente, abre a discussão em torno da possibilidade de realização verdadeira deinteresses sociais sem eliminar-se integralmente a propriedade privada dos bens."Stefano Rodotà. Rapporti economici, p. 112.48 Bigotte Chorão, Justiça, p. 914.49 Miguel Reale, O Projeto do Novo Código Civil, p. 71--------------------

CAPITULO XITeoria Geral do Negócio Jurídico

Sumário: l. O negócio jurídico. Conceito. Distinção do ato jurídico em senso estrito.Importância. 2. Notícia histórica. Nascimento e evolução do conceito. Razão de ser efunção ideológica. 3. Crítica e superação do conceito de negócio jurídico. 4. Aimportância da vontade e da declaração na teoria do negócio jurídico. Concepçõessubjetiva e objetiva. 5. As teorias perceptiva e normativa. 6. O problema da norma

 jurídica negociai. 7. A relação entre a vontade e seus objetivos. 8. Classificação dos

negócios jurídicos.1. O negócio jurídico. Conceito. Distinção do ato jurídico em senso estrito. Importância.Por negócio jurídico deve-se entender a declaração de vontade privada destinada a

  produzir efeitos que o agente pretende o o direito reconhece. Tais efeitos são aconstituição, modificação ou extinção de relações jurídicas, de modo vinculante,obrigatório paro as partes intervenientes.1O Código Civil brasileiro de 2002 acolhe expressamente a figura cio negócio jurídico,como categoria geral compreensiva das declarações de vontade destinadas à criação,modificação e extinção das relações jurídicas. Afastou-se, assim, da concepção unitáriado ato jurídico perfilhada pelo Código Civil de 1916, art. 81, embora esse artigo,

referindo-se ao ato, definisse o negócio jurídico. Seguiu, também, o Código de 2002, aorientação, nesse particular, dos Anteprojetos anteriores de Código de Obrigações.2

Page 230: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 230/359

Page 231: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 231/359

Para finalizar, cabe dizer qual a utilidade do conceito de negócio jurídico, sabido que osconceitos e as construções teóricas não têm valor em si mas como instrumento decompreensão e realização do direito.O conceito é útil porque está a serviço da liberdade e da autonomia privada,desempenhando relevante papel na criação e modificação das relações jurídicas e nos

direitos subjetivos, servindo para distinguir os atos que pertencem à categoria donegócio dos outros que lhe são estranhos. Logo, onde não for admitida a autonomia privada, como na quase totalidade dos atos de direito de família, não haverá negócio jurídico. Por outro lado, como categoria lógica, permite à doutrina reunir, classificar,definir,7 o que facilita a interpretação dos atos mais comuns da vida humana, contratos,testamentos, promessas etc. Além disso, como figura abstrata que é, reúne os princípioscomuns às várias espécies de manifestação de vontade com que as pessoas dispõem

 juridicamente de seus interesses. Temos na prática jurídica diária muitos atos que não seencaixam nos tipos legais previstos. Vendas, empréstimos, acordos etc., manifestaçõesvolitivas que não correspondem ao que a lei estabelece, criados pela necessidade de sedar forma jurídica às mais diversas manifestações de vontade. Daí a vantagem de uma

figura abstrata, como a do negócio jurídico, que reúna os elementos essenciais dasvariadíssimas manifestações de autonomia privada, com uma disciplina comum paratodas. E como os atos jurídicos em senso estrito não constituem uma categoriahomogênea, não sendo, por isso, possível submetê-los a uma única disciplina, a eles seaplicam, no que couber, as disposições legais do negócio jurídico (CC. art. 185).82. Notícia histórica. Nascimento e evolução do conceito. Razão de ser e funçãoideológica.A compreensão do significado, importância, razão de ser e função ideológica donegócio jurídico exige breve notícia histórica sobre a sua gênese e evolução.O negócio jurídico é categoria recente. Nasce durante o séc. XVIII, como produto dogrande esforço de abstração dos civilistas alemães, que criaram um sistema de direito

 privado baseado na liberdade dos particulares, tendo ao centro o negócio jurídico como paradigma típico da manifestação de vontade.9 Afirma-se, por isso, ser a teoria donegócio jurídico a glória da ciência pandectística alemã.Elabora-se a sua teoria a partir dos textos romanos de Justiniano, do Corpus iuris civilis,considerado direito comum, tendo como fundamento o princípio da autonomia davontade. O direito romano não conheceu o negócio jurídico como categoria lógica, queseria fruto de uma abstração a que os juristas romanos, práticos e objetivos, não sededicaram. Mas já continha os elementos com que a pandectística alemã trabalharia naelaboração de tal conceito, isto é, a vontade humana e os efeitos que dela podemdiretamente derivar.

O termo negócio jurídico, de nec + otium, com o sentido de atividade que realizeinteresse de ordem patrimonial, deve-se a Nettelbladt, em 1749,10 mas a sua completaformulação dá-se com Savigny,11 que o define como "espécie de fatos jurídicos quenão------------------1 Do Autor, Negócio jurídico, p. 170; José de Abreu. O Negócio Jurídico e sua TeoriaGeral, p. 72; Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio Jurídico, Existência, Validade,Eficácia, p. 20; Eduardo Espínola. Sistema do Direito Civil Brasileiro, p. 236; Pontes deMiranda. Tratado de Direito Privado, p. 3; Vicente Ráo. Ato Jurídico; Orlando Gomes.Introdução ao Direito Civil, p. 237; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de DireitoCivil, vol. I, p. 327; Miguel Maria de Serpa Lopes. Curso de Direito Civil, p. 359; Maria

Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, \- volume, p. 212; Fábio Maria deMattia, Ato jurídico em senso estrito e negócio jurídico, p. 36; Manoel Domingues de

Page 232: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 232/359

Andrade. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 25; Carlos Alberto da Mota Pinto.Teoria Geral do Direito Civil, p. 379; João de Castro Mendes. Direito Civil, TeoriaGeral, vol. III, p. 29; Manuel Garcia Amigo, Instituciones de Derecho Civil, I, p. 654;Karl Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, p. 272; Warner Flume.Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts. Dês Rechtsgeschãft, p. 23; Francesco

Galgano, Negozio giuridico, in Enciclopédia dei diritto, XXVII, p. 932; GiuseppeMirabelli. Negozio Giuridico (Teoria), XXVII, p. 1; Stefano Rodotà. // diritto privatonella societá moderna, p. 205 e segs.; Santos Cifuentes. Negócio Jurídico, p. 126; PietroKarcellona, Diritto privato e societá moderna, Napoli, Jovene Editore, 1996, p. 421 esegs.2 Anteprojeto de Código de Obrigações de Orozimbo Nonato, HahnemannGuimarães e Filadelfo Azevedo, 1941, e Projeto de Código de Obrigações de CaioMario da Silva Pereira, de 1965.3 Larenz, op. cit., p. 422; Flume, op. cit. p. 48; do Autor, op. cit., p. 175.4 Savigny. Sistema dei Derecho Romano Atual, vol. III, p. 114.5 Francisco Santoro-Passarelli, Atto giuridico, in Enciclopédia dei diritto, IV, p. 209.

6 Galgano, op. cit., p. 932.7 José Antônio Doral e Miguel Angel dei Arco. El Negocio Jurídico, p. 34.8 Orlando Gomes, op. cit., n2* 170 e 171. "A importância da teoria do negócio

 jurídico no processo de elaboração conceituai da modernidade é notável; ela constitui amais eficaz representação do princípio da liberdade jurídica no campo das relações

 patrimoniais e, ao mesmo tempo, a inovação conceituai destinada a produzir as mais profundas modificações na organização das relações interindivi-duais." Barcellona, op.cit., p. 426/427.9 Giuseppe Stolfi. Teoria dei Negocio Jurídico, p. XVIII.10 Francesco Calasso. // negoiio giuridico, p. 340; Mirabelli, op. cit., p. 1. nota 1;Pontes de Miranda, op. cit., p. 4, de modo diverso.11 Savigny, op. cit., tomo II, p. 202.------------------são apenas ações livres, mas em que a vontade dos sujeitos se dirige imediatamente àconstituição ou extinção de uma relação jurídica".A criação do conceito deve-se a razões de ordem filosófica, política e econômica.

 No plano filosófico é produto do jusnaturalismo, que reafirmava a liberdade como princípio inato dos indivíduos, liberdade como poder de a vontade atuar com eficácia.Quod radix libertatis est voluntas}2 Sob esse aspecto, é categoria elaborada dentro deuma teoria jurídica que privilegia o sujeito de direito, e pensada em função da unidadedesse sujeito.13

Ao lado da liberdade figurava outro valor — também fundamental nesse períodohistórico —, a igualdade. Mas esta era meramente formal, dos sujeitos perante o direito,independentemente de suas condições pessoais de existência e de igualdade deoportunidades. O objetivo era, assim, criar um direito igual para todos, sem distinção declasses, o que obtém-se com a obra dos pandectistas, que chegam a notável ponto deabstração, como o conceito de negócio jurídico, aplicável a todos os atos jurídicos emque o sujeito visasse determinados fins.O negócio jurídico resulta, assim, de um processo de abstração, a partir da liberdade eda igualdade formal de todos perante o direito, processo que se inicia com a RevoluçãoFrancesa e que tem por objetivo estabelecer um direito geral e abstrato, aplicável atodos, sem distinções de classe. Vontade e liberdade dentro do processo social e do

 processo econômico, onde se reconhece a propriedade privada dos bens de produção e acirculação dos bens como processo de cooperação entre os indivíduos.14

Page 233: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 233/359

A esse aspecto ligava-se o político, que via na vontade particular um instrumento de lutacontra o feudalismo e seus privilégios. E o negócio jurídico, como instrumento dessavontade, firmava-se como conseqüência do princípio político da autonomia privada,considerada como fonte e medida dos direitos subjetivos, como força criadora dodireito, enfim. E na esteira das idéias filosóficas de Hobbes e Rousseau, que

contrapunham os direitos individuais aos do Estado e das corporações, Emmanuel Kantconfere ao dogma da vontadr a sua formulação mais precisa e categórica, ao estabelecer que a vontade individual é a única fonte de toda obrigação jurídica.1^O direito reconhece, então, eficácia jurídica à declaração de vontade individualdestinada a produzir efeitos que o agente pretende, principalmente no setor econômico.Tal declaração é o negócio jurídico, com função paralela ao do direito subjetivo, poisambos estão a serviço da liberdade e da autonomia da vontade.16 E causa da dinâmica

 jurídica, como instrumento de realização do princípio da liberdade no direito privado.17A categoria do negócio jurídico surge, assim, como produto diurna filosofia político-

 jurídica que, a partir de uma teoria do sujeito, com base na sua liberdade e igualdadeformal, constrói uma figura unitária capaz de englobar, reunir, todos os fenômenos

  jurídicos decorrentes das manifestações de vontade dos sujeitos no campo da suaatividade jurídico-patrimonial. Artífices desse processo foram, depois de Savigny,Windscheid e Dernburg, inserindo-se tal figura no Código Civil alemão.18Liberdade e igualdade constituem-se, assim, nos princípios orientadores do processo decriação jurídica desse período, diretamente ligado ao processo econômico, de que o

 poder da vontade como exercício de liberdade jurídica era exigência essencial,19 pois"o desenvolvimento do comércio e da indústria, a divisão do trabalho e a especializaçãomultiplicam o escambo". A lei econômica da oferta e da procura e a liberdade contratualatendem ao interesse de todos e à justiça, de modo que, para favorecer o intercâmbio e odesenvolvimento econômico, é necessário eliminar os obstáculos à livre circulação dos

  bens. É o princípio do laissez-faire, laissez-passer que se completa com o laissez-contracter.20 São as convenções que estabelecem o preço justo, sendo a "justiçacontratual um fato determinado pela livre concorrência, não uma exigência ideal".Surge assim, no campo econômico, e com evidente conotação ideológica, a idéia de queo negócio jurídico foi o instrumento criado para facilitar à classe mercantil a circulaçãode bens e serviços, e assim desenvolver o sistema de produção e consumo.21 Segundotal perspectiva, o processo de produção e o de circulação de bens em um mercado deconcorrência justificaria a criação de tal figura no quadro do sistema jurídico.

 Nascida no direito alemão, primeiro na doutrina, depois objetivada no Código Civil(BGB), a teoria do negócio jurídico passa à doutrina italiana, à espanhola, à

  portuguesa.22 O direito francês permanece, porém, com a figura unitária do ato

  jurídico, não distinguindo o Código os atos jurídicos em senso estrito do negócio  jurídico. O Código Civil de 1916 não adotava expressamente a figura, seguindo a posição unitária francesa, embora seu art. 81, dedicado ao ato jurídico, já contivesse adefinição de negócio. O Código Civil de 2002 já consagra, porém, a posição dualista,com referência expressa aos negócios e aos atos jurídicos lícitos deles diversos,23 deacordo com a doutrina brasileira contemporânea, que é dominante no preferir estaconcepção.De tudo isto se conclui que o conceito de negócio jurídico é um fato histórico24 e umacategoria lógica. Como fato histórico representa o envolver de uma experiência em quese reuniram circunstâncias de natureza filosófica, política e econômica, até osurgimento, a cristalização do conceito. Como categoria lógica, produto desse fato

histórico, representa uma síntese, uma "redução à unidade" das diversas posiçõessubjetivas que se podem configurar na atividade jurídica, de que a declaração de

Page 234: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 234/359

vontade é uma das causas imediatas. "Construída com a noção de negócio uma figuraconcreta, composta de elementos especificamente individualizáveis, essenciais,acidentais e naturais, podem-se reconduzir a este esquema todas as modalidades daatividade humana e estudá-las com critérios o métodos unitários."253. Crítica e superação do conceito de negócio jurídico.

O negócio jurídico permanece ainda hoje como instrumento unitário do poder davontade individual no campo da dinâmica jurídica, isto é, como poder criador de efeitos  jurídicos. Tem sido, porém, objeto de alguma oposição dirigida, tanto ao caráter abstrato da figura — que os críticos consideram incapaz de englobar unita-riamentefiguras diversas como os contratos, testamentos, promessas, convenções etc. — quantoà sua função ideológica, que o caracterizou como símbolo de um liberalismo econômico

  jurídico superado pela presença crescente do Estado na organização e direção daeconomia. Essa intervenção reduz o campo da autonomia privada e, conseqüentemente,a importância do negócio jurídico, como categoria, não obstante a utilidade crescente deuma de suas espécies, o contrato, em todos os regimes, capitalistas ou socialistas.O conceito de negócio jurídico é uma categoria técnico-jurídica que tem sua razão de

ser em argumentos de natureza filosófica, política e econômica, como já visto. É, assim,uma categoria histórica e lógica. E, como categoria lógica, ou se a aceita ou se arecusa.20Como categoria lógica, é instrumento de atuação dos interesses econômicos individuais,dentro do sistema de produção e distribuição de bens, traduzindo a concepção de umdireito igual para todos, capaz de realizar, na igualdade, os interesses contrapostos dasdiversas classes sociais, formulado pelos juristas que eram, à época, os intérpretes

 privilegiados da realidade social e econômica.27Mudaram porém as condições favoráveis ou determinantes desse notável trabalhointelectual, que foi o esforço de abstração jurídica que resultou no conceito de negócio

 jurídico. Não mais existem as condições políticas e econômicas que justificaram essacriação, assim como os juristas que a fizeram não mais detêm o monopólio da reflexão eda disciplina da vida social. O direito compartilha hoje, com outras ciências sociais (asociologia, a antropologia, a psicologia etc.), o universo sócio-cultural que até o iníciodeste século lhe competia como campo de atuação e controle.Mudando tais circunstâncias, muda-se a construção jurídica correspondente, o negócio

 jurídico, surgindo uma série de críticas à conveniência atual dessa figura, críticas essasde natureza sistêmica e de natureza político-social.Sob o ponto de vista sistêmico, contesta-se a possibilidade de redução a uma únicafigura, de todas as espécies de declarações de vontade. Afirma-se a "impossibilidade dereduzir à unidade as posições subjetivas dos contratantes".

Sob o ponto de vista político-social, que suscita o problema da correspondência entre acategoria do negócio jurídico e as exigências da sociedade, considera-se ter sido essafigura, no nascimento da moderna sociedade industrial, o instrumento da classe

 proprietária dos bens de produção e da burguesia comercial, para transferência do seudireito de propriedade por simples declaração de vontade, sem necessidade de formaespecial. Nessa época, o indivíduo era um ser isolado, protegido pelos ideais deliberdade e de igualdade que o Estado de direito garantia com o reconhecimento de umaesfera de ampla autonomia. Hoje as condições são diversas. Os indivíduos não se situamcomo átomos isolados, em regime de concorrência que a publicidade e os acordos entreos grupos econômicos eliminaram. Suas relações têm secundária importância em facedos conflitos de interesses entre os grupos privados, entre empresários e trabalhadores,

entre empresários e consumidores. E os interesses que atualmente o direito protege sãoos das pessoas que desempenham funções na sociedade, não os indivíduos em si,

Page 235: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 235/359

isolados, átomos da vida social. Cai por terra o mito do sujeito jurídico como figuraunitária, assim como o da igualdade de todos perante o direito (igualdade formal), que

 procura hoje realizar a igualdade material, isto é, a igualdade de oportunidade parasatisfação das necessidades fundamentais. E não sendo mais o ato individual de troca o"fenômeno central das relações econômico-sociais", fica superada a figura do negócio

 jurídico e destinada ao ocaso, juntamente com o mito da unidade do sujeito jurídico ecom a ilusão da igualdade formal de direito.28De tudo isto se conclui que, sendo o negócio jurídico unia categoria histórica e lógica,foi válida e útil enquanto vigentes as condições que a determinaram. Mudadas ascondições e destituído o conceito de sua função ideológica, não se justificaria a suamanutenção. O que permanece com pleno vigor, como causa da dinâmica jurídica, é oato jurídico como gênero, e, como categoria específica de crescente importância, ocontrato.A doutrina, no entanto, divide-se, sendo ainda majoritária a corrente que acredita nautilidade do conceito e na possibilidade de sua reconstrução.294. A importância da vontade e da declaração na teoria do negócio jurídico. Concepções

subjetiva e objetiva.O negócio jurídico é declaração de vontade que se destina à produção de certos efeitos

  jurídicos que o sujeito pretende e o direito reconhece. Seu elemento essencial é avontade, que se dá a conhecer através da sua respectiva declaração e que tem, por isso,relevante significado econômico e social, por ser meio de se alcançar o efeito jurídico

 pretendido.  No caso de a vontade exteriorizada ser diversa da vontade real, consciente ouinconscientemente por parte do declarante, surge o problema de saber-se o que deve

 prevalecer, a vontade ou a declaração, isto é, qual o elemento que na verdade produz osefeitos jurídicos, matéria de significativa importância para as partes, para terceiros e

 para o comércio jurídico em geral.Acerca do predomínio de um destes elementos, a vontade ou a declaração, existem duasconcepções opostas, a subjetiva, que dá---------------------------12 Federico de Castro y Bravo. El Negocio Jurídico, p. 57. citando S. Tomás deAquino. Suma Theologica l, 2, ac, 9.17,1 ad. 2. "Quod radix libertatis est voluntas" (avontade é o que está na raiz da liberdade).13 Galgano, op. cit., p. 936.14 Stolfi, op. cit., p. XII.15 Emmanuel Kant, Princípios sobre a metafísica dos costumes, in TextosSelecionados, p. 144.

16 "O direito subjetivo é estático, conserva e protege, enquanto o negócio jurídico édinâmico, produz e renova", Manuel Albaladejo. El Negocio Jurídico, p. 37; EmílioBetti, Negozio giuridico, in Novíssimo digesto italiano, XI, p. 209.17 Garcia Amigo, op. cit., p. 654.18 Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão), Parte Geral Seção Terceira.19 Mirabelli, op. cit., p. 2.20 Jean Carbonnier. Droit civil. Lês obligations, Paris, p. 41.21 Mirabelli, op. cit, p. 15; Galgano, op. cit, p. 936; Pietro Barcellona. Dirítto privatoe processo econômico, p. 195 e segs.22 Cf. nota l.23 Código Civil, art. 185: Aos ato jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos,

aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior.24 Calasso, op. cit., p. 345.

Page 236: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 236/359

25 Mirabelli, op. cit., p. 2.26 Calasso, op. cit., p. 345, nota 41.27 Mario Bellomo, Negozio giuridico (Dirítto intermédio], in Enciclopédia deidiritto, XXVII, p. 931.28 "Eis por que, tanto do ponto de vista teórico como prático, político, ou técnico, a

conservação da categoria negócio jurídico é a consagração de um retrocesso, e o propósito de reentronizá-lo numa parte geral do Código Civil despropositada não passade vã tentativa para salvar valores agonizantes do capitalismo adolescente, quando nãoseja crassa ignorância em doutores de que a categoria pandectística foi elaborada numcontexto jurídico ultrapassado, e para atender às exigências de uma ordem econômica esocial que deixou de existir." Orlando Gomes. Novos Temas de Direito Civil, p. 89.29 Mirabelli, op. cit., p. 16. Caio Mário da Silva Pereira. Reformulação da OrdemJurídica e Outros Temas, p. 221; José Abreu, op. cit., p. XI; Maria Helena Dini/., op.cit., p. 212; Serpa Lopes, op. cit., p. 358.---------------------------realce à vontade, e a objetiva, que enfatiza a declaração, levando, respectivamente, à

teoria da vontade e à teoria da declaração. Para a primeira, subjetiva, voluntarista,30 deSavigny e seus imediatos seguidores (Windscheid, Dernburg, Unger, Oertmann,Enneccerus), o negócio jurídico é essencialmente vontade, a que deve corresponder exatamente a sua forma de declaração, que é simples instrumento de manifestação dessavontade.Essa teoria protege, naturalmente, os interesses do declarante. Por isso, todas asquestões acerca da formação ou do conteúdo do ato levam à pesquisa da real intençãodo agente. É no âmbito dessa teoria que surge o problema e a discussão dogmática emtorno do que deve prevalecer, no caso de divergência, a vontade ou a declaração,independentemente do declarado ser ou não o pretendido. Para a Willenstheorie,havendo divergência, deve prevalecer a vontade, podendo até, em casos extremos,anular-se o negócio jurídico, não valendo nem a vontade real nem a declarada.Pela especial importância da vontade, procura-se defendê-la dos chamados vícios (erro,dolo, coação, simulação, reserva mental), assim como também cresce em importância ainterpretação, quer do ato, quer das normas que o regulam, para o fim de se averiguar qual a intenção do agente, a partir, naturalmente, do instrumento de declaração.Preocupa-se ainda essa teoria com os motivos, razões psicológicas da prática donegócio, objeto dos chamados elementos acidentais (a condição, o termo e o encargo),com os quais o agente procura adequar os efeitos do ato a tais motivos.Para a teoria da declaração?1 a eficácia do ato depende exclusivamente da declaração,independentemente desta corresponder ou não à vontade do agente. A natureza e as

características do negócio jurídico residem fundamentalmente no comportamentoobjetivo do agente, como auto-regulamento de seus próprios interesses. Para essa teorianão tem maior importância a divergência entre a vontade e a declaração, já que esta ésempre o ponto de referência, salvo se desprovida de sentido ou conteúdo; os motivossão irrelevantes e o que se interpreta não é o pretendido pelo agente mas o perceptível

 pela declaração. Com ela protege-se não mais o sujeito declarante, mas o destinatário eterceiros de boa-fé e, conseqüentemente, a circulação de direitos.Ambas as teorias são inaceitáveis c-m suas posições extremas, que seriam, quanto àeventual divergência entre a vontade e a declaração, no caso da teoria subjetiva, anulidade do negócio, e no caso da objetiva, a validade, desde que de boa-fé odestinatário. Para evitar os extremos, temperando a oposição, surgiram concepções

intermediárias, a teoria da responsabilidade e a teoria da confiança. Para a primeira,mais ligada à vontade, havendo divergência entre essa e a declaração, responde o

Page 237: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 237/359

Page 238: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 238/359

A luz da evolução histórica e da existência de textos legais que consagram tal teoria,inexistem razões para que não se considere a autonomia privada como poder jurídico eo negócio como instrumento e expressão desse poder.O negócio jurídico é, por isso, modo de expressão das regras jurídicas estabelecidas pelavontade dos particulares. É fonte formal de direito, ou, também, fato de produção

 jurídica.42A existência de relações jurídicas e dos respectivos direitos subjetivos pressupõe aexistência de uma norma jurídica. Aceitando como indiscutível que o negócio jurídico éfonte de relações jurídicas, conclui-se que o negócio é fonte de direito objetivo.43

 Negando-se ao negócio jurídico a função criadora de direito objetivo, também se lhenega a função de criar relações jurídicas.

  Não há incompatibilidade entre a vontade individual e a vontade legal. O negócio jurídico pode ser ato regulado pelo direito e conter direito. As fontes criam normas e sãoreguladas por normas. A própria lei é ato jurídico,44 regulada na sua criação e eficácia

 pela Constituição.O negócio é um fato que contém em si direito. Kelsen afirma que o negócio jurídico é

um fato produtor de normas, à medida que a ordem jurídica confere a tal fato essaqualidade. Afirma também que é importante peculiaridade do direito, a de regular sua

 própria criação, o que se aplica ao negócio jurídico. No mesmo sentido Miguel Reale.45-------------------30 É a chamada Willenstheorie (teoria da vontade).31 É a chamada Erklãrungstheorie (teoria da declaração).32 É o princípio da auto-responsabilidade, C. Massimo Bianca. Diritto civile, Ucontratto, p. 21.33 Cifuentes, op. cit., p. 91.34 Cf. Orlando Gomes e Antunes Varela. Direito Econômico, p. 146.35 Antônio Junqueira de Azevedo, op. cit., p. 128; Silvio Rodrigues. Dos vícios doconsentimento, p. 51.36 Emílio Betti. Interpretazione delia legge e degli atti giuridici, p. 274.37 Luigi Ferri. L'autonomia privata, p. 56.38 Digesto Ulpiano, 50, 17, 23. Legem enim contractus dedit (a lei resulta docontrato).39 D. l, l, 16. Contractus enim legem ex conventione accipiunt (os contratosconsideram-se como lei a partir da convenção).40 Francesco Calasso, Autonomia (storia), in Enciclopédia dei diritto, IV, p. 355.Quilibet in domo sua dicitur rex (qualquer um em sua casa é considerado rei). In ré suaquilibet etiam privatus est moderator et arbiter ut sibi placet (naquilo que é seu,

qualquer um é moderador e árbitro como lhe aprouver).41 Garcia Amigo, op. cit, p. 213. "Umhomem, uma palavra." "As conveniênciassuperam as leis."42 Tomaso Perassi. Introduzione alie scienze giuridiche, p. 57; Miguel Reale. LiçõesPreliminares de Direito, p. 179.43 Ferri, op. cit., p. 19.44 Cf. Caio Mário da Silva Pereira. Projeto de Código de Obrigações, p. XII, na linhade Duguit. Traité de droit constitucionnel I, p. 30 e segs.45 Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito, p. 350. Miguel Reale, op. cit. p. 179.Segundo Ferri, enquanto para o negócio jurídico se tem posto em evidência sua naturezade "fattispecie", deixando de lado seu aspecto normativo, para a lei se tem caído no

excesso oposto só se vendo a norma, esquecendo-se de que a norma jurídica é tambémfattispecie de uma norma superior. O problema de validade é comum a todas as normas

Page 239: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 239/359

 jurídicas, qualquer que seja sua fonte de produção. Concludentemente, o negócio quenão for conforme à lei não será fonte normativa. Admitindo-se, com Kelsen, que avalidade de uma norma reside em outra, não há por que se excluir o caráter de fontenormativa do negócio jurídico somente pelo fato de ele se basear no direito objetivo. Aobjeção teria sentido se considerássemos o negócio como fonte de direito autônoma e

originária, o que não é o caso (autônoma, aqui, no sentido de totalmente independentede qualquer outra norma).-------------------O negócio jurídico como fonte normativa leva à questão da hierarquia das fontes. Osistema jurídico não se compõe de normas de igual grau. Assim como o negócio

 jurídico é fattispecie, também a lei ordinária é fattispecie de uma norma superior, denatureza constitucional.Como diz Ferri, a exemplo de inúmeros juristas,46 não há motivo para que não seconsidere o negócio jurídico como fonte de direito e a autonomia privada, de que ele éexpressão, verdadeiro poder normativo.Aceitar a autonomia privada como poder de criar regras jurídicas é, aliás, estabelecer 

mais um critério para distinguir os atos jurídicos, em senso estrito, dos negócios jurídicos. Estes, ao contrário daqueles, criam regras jurídicas.A principal característica do negócio jurídico é, desse modo, a criação de normas

  jurídicas. Seu conteúdo é, portanto, normativo, o que os distingue dos demais atos jurídicos não-negociais. Para estes, é a lei a fonte imediata dos efeitos jurídicos, que,muitas vezes, o próprio agente desconhece, o que torna menos relevante o erro, adireção da vontade, a interpretação.

 Na maioria das vezes, os negócios jurídicos criam normas jurídicas individuais econcretas. Eventualmente, normas gerais e abstratas, como nos estatutos das grandesassociações, empresas, clubes etc. líssas normas, uma vez criado o negócio jurídico comos requisitos legais, adquirem existência própria, separando-se dos sujeitos e da suavontade, tal como ocorre com as leis, os atos administrativos, a sentença judicial.A vontade subjetiva esgota-se no momento em que o negócio se realiza, mas anormatividade começa quando o processo volitivo se acaba. Os próprios sujeitos

 podem, inclusive, nada mais querer, e, todavia, a declaração de vontade permaneceeficaz e normativa. O testamento demonstra que a força vinculante do negócio jurídiconão está na vontade subjetiva da parte, mas na vontade objetivada nas normas jurídicasque dele nascem.6. O problema da norma jurídica negociai.Reconhecem-se como habituais características da norma jurídica, ou da lei, aestatalidade, a bilateralidade, a generalidade ou universalidade, a abstração, a

imperatividade e a coatividade.47A estatalidade significa que as normas jurídicas são normas de comportamento queemanam do Estado, que lhes garante o respectivo cumprimento. Seu objetivo é asegurança, a ordem e a justiça, e seus destinatários, aqueles a quem disser respeito.Pressupõe a existência do Estado como ente superior à comunidade e como criador daordem jurídica.Essa concepção é unilateral, pois todos são iguais perante o direito, inclusive o Estado.A tese de supremacia ou relação de subordinação entre sujeitos vinculados

 juridicamente não é aceita pela maioria doutrinária. Como diz Rudolf Stammler, não se pode estabelecer uma relação de dependência do direito ao Estado. "Sendo a noção dedireito o prius lógico do conceito de Estado, e não vice-versa, aquele, como modalidade

  peculiar da vontade vinculatória, não pode basear-se neste."48 Não se confundasoberania com a superioridade do direito objetivo. A soberania do Estado manifesta-se

Page 240: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 240/359

em face dos outros Estados e dos particulares, mas não em face das normasestabelecidas por eles. O fato de o Estado limitar ou revogar a norma privada não é obradele, como ente soberano, porém obra do ordenamento jurídico que ele criou. Háhierarquia de normas, não de sujeitos. Assim como o Estado se submete ao sistema

  jurídico vigente, também os particulares o fazem. Isso não impede a existência da

autonomia privada ao lado da autonomia estatal.A bilateralidade significa que a norma jurídica, ao aplicar-se, atribui poderes a umsujeito e deveres a outro. Transforma a relação social em relação jurídica. Bilateralidadesignifica abertura para dois lados, para dois sujeitos, unidos por uma relação jurídica.49A norma jurídica privada apresenta a mesma característica. As regras contidas em umcontrato, espécie mais comum no gênero jurídico, contêm poderes e deveres, atribuídosaos respectivos credores e devedores.A generalidade ou universalidade consiste na indeterminação dos sujeitos a que seaplica a lei.50A abstração significa que a norma se destina a casos típicos indeterminados.Generalidade e abstração seriam a garantia de igualdade e de imparcialidade na

aplicação ao direito.51 Na generalidade, as normas são universais com respeito aodestinatário; na abstração, são universais com respeito à ação.52 Aliás, oreconhecimento da generalidade como atributo da norma jurídica resulta da sua falsaidentificação com a lei. Esta é geral, aquela não, necessariamente. Além disso, a teoriado direito reconhece a existência de normas individuais, dirigidas a uma só pessoa, e denormas concretas, que regulam uma só ação. O direito objetivo constitui-se, portanto,também de normas individuais. Nada há assim a opor à validade ou vigência das normasque emanam do negócio jurídico. São proposições normativas com estrutura igual à daslegais.Tem foros de antigüidade a doutrina segundo a qual a norma jurídica é um imperativo,um comando.53 Contrariamente a essa tese, há teorias que negam serem as normas

 jurídicas imperativos. Para essas, as proposições jurídicas são juízos hipotéticos (se é A,deve ser B), c juízos hipotéticos não são comandos. Kelsen e seus seguidores defendemesta última concepção. A teoria da norma como imperativo é, todavia, dominante naAlemanha.54 No Brasil, encontra em Goffredo Telles Júnior uma reformulação, ao ser definida a norma jurídica como "imperativo autorizante" harmonizado com a ordenaçãoétrica vigente.55 Concepções intermediárias, como a de Bianca,56 consideram aimperatividade como característica não-es-sencial da norma jurídica, pois existemnormas imperativas e normas não-imperativas (dispositivas e supletivas).A discussão sobre a imperatividade como característica da norma jurídica ou não e oreconhecimento de que, efetivamente, ela não o atributo essencial da proposição jurídica

é indiferente à questão da norma negociai. Esta, em princípio, é sempre imperativa.57A coatividade consiste na possibilidade de se obrigar o infrator da proposição jurídica,usando-se da sanção. A coatividade (não coercibilidade) significa, portanto, a

 possibilidade de a norma ser cumprida de modo não-espontâneo pelo devedor. Ora,tanto a norma estatal quanto a norma negociai dispõem de sanção.As críticas feitas à idéia da norma jurídica negociai não têm maior fundamento. Ascaracterísticas reconhecidas na norma jurídica estatal, como a bilateralidade, encontram-se também nos preceitos emanados do negócio jurídico, que faz nascer ou modificar asrelações jurídicas, expressão dos poderes e deveres que traduzem a bilateralidade.7. A relação entre a vontade e seus objetivos.Acerca da relação entre a vontade e seus objetivos, vale di/er, a vontade e seus efeitos,

existem duas teorias, a dos efeitos jurídicos e a dos efeitos práticos.58

Page 241: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 241/359

Pela primeira, de Savigny, Windscheid, Zittelman, a vontade visa produzir determinados efeitos jurídicos, sendo necessária perfeita conjugação entre a vontade eos efeitos do negócio. Como conseqüência, a falta de vontade leva à inexistência ou àinvalidade do negócio. Nessa concepção baseia-se uma das notas que diferenciam onegócio do ato jurídico em senso estrito. Neste, os efeitos são e% lege, enquanto

naqueles são ex voluntate.A teoria dos efeitos práticos, seguida pela maior parte da doutrina italiana (Coviello,Fadda, De Ruggiero, Santoro-Passarelli, D'Avanzo, Branca etc.), combate a primeiraconcepção, alegando seus defensores que as pessoas, ao praticarem negócios jurídicos,fazem-no visando fins práticos, econômicos, desconhecendo normalmente os efeitos

 jurídicos que poderão surgir. A vontade do declarante dirige-se a resultados válidos parao direito.Teoria intermediária, de Manuel Domingues de Andrade, defende a tese de que avontade dirige-se aos efeitos práticos que as partes tenham querido, sob a proteção dodireito, embora sem noção exata do caráter jurídico de tais efeitos. "Contenta-se comque os declarantes, visando em primeira linha certos resultados práticos, tenham querido

 para ela a sanção das leis, isto é, se tenham proposto alcançá-los por via jurídica, semtodavia ser necessário que tenham formado idéia exata e completa desses efeitos."598. Classificação dos negócios jurídicos.Classificar é distribuir ou agrupar em classes, o que implica a diversidade do regimelegal aplicável a cada uma.Classificam-se os negócios jurídicos segundo vários critérios: 1) número de partescomponentes; 2) vantagens para as partes; 3) forma a observar; 4) tempo em que

 produzem os efeitos; 5) causa da atribuição patrimonial; e 6) modificação que produzemno conteúdo dos direitos.Quanto ao número de partes componentes, os negócios jurídicos classificam-se emnegócios unilaterais, bilaterais e plurilaterais.São negócios unilaterais os que se formam com uma só declaração de vontade, por exemplo o testamento, a renúncia de direitos, a procuração, os títulos de crédito, oendosso, o aval, a confissão dr dívida, a remissão de dívida, a renúncia à herança etc.São negócios bilaterais os que resultam da manifestação de duas partes, produzindoefeitos para ambas, como nos contratos. Negócios plurilalerais são os que se formamcom várias manifestações de vontade, riu sentido paralelo, como nos acordos. Note-seque parte não é sinônimo de pessoa. Cada parte pode formar-se de uma ou de várias

  pessoas, com interesses análogos. No caso de uma só pessoa, diz-se individual ouunipessoal; no caso de mais pessoas, a parte é pluripessoal ou plúrima. Os negócios

 pluripessoais, aqueles em que a parte é formada por várias pessoas, compreendem,

como subespécies, os atos colegiais, que decorrem de uma deliberação de assembléia, eos atos complexos, coletivos ou conjuntos, que reúnem declarações dirigidas ao mesmofim, como, por exemplo, a constituição de uma pessoa jurídica.Quanto às vantagens decorrentes para as respectivas partes, os negócios jurídicos

  bilaterais dizem-se onerosos e gratuitos. Onerosos, quando geram vantagens esacrifícios para ambas as partes, como acontece na compra e venda, na troca, nalocação, no seguro etc. Gratuitos, quando uma das partes concede à outra vantagens semcontraprestação, como na doação, no mútuo, no comodato, no mandato, no depósito, nafiança. Nos primeiros existe uma recíproca transmissão de direitos, enquanto nossegundos há vantagem exclusiva para uma das partes.Os negócios jurídicos onerosos dividem-se em comutativos e aleatórios. Nos primeiros,

existe uma relação de causa e efeito entre as respectivas atribuições patrimoniais. Avantagem corresponde ü contraprestação. Nos segundos, inexiste a mesma relação de

Page 242: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 242/359

causa e efeito. A extensão das prestações de uma ou de ambas as partes não é certa, porque depende de acontecimento incerto, como ocorri1 nos contratos de jogo, aposta,seguro, venda de coisa futura (CC, art. 458). Neste caso, o risco é da essência donegócio, podendo a álea (risco) versar sobre a existência ou quantidade da coisa, objetodo negócio.

Quanto à forma a observar, os negócios jurídicos dizem-se solenes e não solenes. Os primeiros têm sua forma prescrita em lei, não valendo se não for observada, como notestamento, na alienação de imóvel acima de certo valor, na constituição de hipoteca. Aforma é requisito essencial para a sua validade, é da substância do ato. Os não solenessão os que podem realizar-se de qualquer modo.--------------------------46 Na doutrina italiana, são adeptos da concepção normativa do negócio jurídico, isto é,o negócio jurídico como fonte normativa, entre outros, Ascarelli, Esposito, Tedeschi,Carnelutti, Pergolesi, Santi Romano, D'Eufemia, Salvatore Romano e 1'asserinD'Entréves; na Alemanha, Büllow, Danz, Kelsen, Manigk, Nawiasky, Alexeiev. Têmopinião contrária Betti, Trimarchi, Scognamiglio, Messineo, Stolfi, (iariota-Ferrara. Cf.

Ferri, trabalho citado, p. 33. No Brasil, a concepção dominante é a tradicional, que não vê o negócio jurídico comofonte normativa. Cf. Walküre Lopes Ribeiro da Silva, A autonomia privada como fontede normas jurídicas trabalhistas, n2 44, p. 64.47 Mário Aliara. Lê nozione fondamentali dei diritto civile, I, pp. 20 e 21.48 Rudolf Stammler. Tratado de Filosofia dei Derecho, p. 342.49 Norberto Bobbio, Normagiuridica, in Novíssimo digesto italiano XI, p. l .333.50 Lex est commune praeceptum, Digesto, l, 2, 3.51 Aliara, op. cit., p. 14.52 Norberto Bobbio. Teoria delia norma giuridica, p. 231.53 Legis virtus haec est imperare, vetare, permittere, punire, D. 1,7, l, 3. É acommunis opinio. Sua formulação clássica é de Augusto Thon. Norma giuridica edirítto soggetivo, p. 187.54 Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito, p. 219.55 Goffredo Telles Júnior. Direito Quântico, p. 262. Idem. Iniciação na Ciência doDireito, p. 10356 Bianca, op. cit., p. 12.57 Bobbio. Norma giuridica, op. cit., p. 1.333.58 São as conhecidas teorias do direito alemão. Rechsfolgentheorie (teoria dos efeitos

 jurídicos), e a Grundfolgentheorie (teoria dos efeitos práticos).59 Manuel Domingues de Andrade, op. cit, p. 30.

----------------------------Quanto ao tempo em que se devem produzir os efeitos, os negócios jurídicos dividem-seem inter vivos, se devem produzi-los em vida das partes, e mortis causa, se após amorte; neste caso, o testamento, única espécie em nosso direito. A morte é pressupostonecessário de sua eficácia.60Quanto à causa da atribuição patrimonial que vai favorecer as partes, os negócios

 jurídicos dividem-se em causais e abstratos. A causa significa aqui o "resultado jurídicoque se pretende com o negócio realizado".61 A verificação de sua existência éimportante porque, nos casos em que existe atribuição patrimonial sem causa,configura-se o enriquecimento sem causa, que é fonte de responsabilidade civil. Osnegócios causais são, assim, aqueles em que existe causa da atribuição patrimonial, e

negócios abstratos aqueles em que tal causa não se configura, ou melhor, é irrelevante

Page 243: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 243/359

 para o direito. São exemplos de negócios abstratos, a letra de câmbio, o título de créditoao portador, a renúncia.Quanto à modificação que os negócios possam produzir no conteúdo dos direitos,distinguem-se os negócios de disposição, ou dispositivos, dos negócios obrigacionais edos negócios de administração. São negócios de disposição ou dispositivos aqueles em

que o agente atua com poder de disposição, isto é, poder de alienar, modificar ouextinguir direitos, como se verifica, por exemplo, no caso da remissão de dívida,constituição de usufruto, tradição de uma coisa etc. Negócios dispositivos são, portanto,os que se fazem para modificar uma relação jurídica ou um direito, de naturezaexclusivamente patrimonial. Objeto de disposição é o direito, não o bem. Quem vendeuma casa dispõe do seu direito de propriedade. Os atos a título gratuito são semprenegócios de disposição.62São negócios obrigacionais os que se destinam a criar obrigações, relações jurídicas emque uma das partes pode exigir de outra unia certa prestação. A espécie mais importanteé a dos contratos.Há negócios que são, simultaneamente, dispositivos e obrigado nais, como a compra

e venda de coisa móvel acompanhada de tradição, que é de disposição para ovendedor e de obrigação para o comprador, que deve pagar o preço.Há pessoas que não têm poder de disposição, têm apenas o de administrar o bem objetodo direito disponível. São negócios de administração os praticados no exercício de um

 poder de geslao patrimonial limitada, que não permite certas operações, capa/.es de prejudicar os bens administrados. Compreendem as medidas de conservação normal dos bens administrados visando o seu rendimento e desfrute.63Tal matéria é relevante porque só pode praticar negócios dispositivos quem tiver poder de disposição, sob pena de ineficácia. Os atos de administração compreendem apenas asfaculdades de uso e fruição, permanecendo a faculdade de disposição com o titular dodireito. Os negócios dispositivos exigem a titularidade e legitimação, havendo certassituações jurídicas que limitam o poder de dispor. O cônjuge, por exemplo, tem atitularidade de direitos patrimoniais mas não pode aliená-los senão com oconsentimento do outro cônjuge, nas hipótese que a lei estabelece (CC. art. 1.647). Aimportância de tais distinções reside na circunstância de que os negócios dispositivos

  produzem efeitos de modo absoluto, perante todos, enquanto os obrigacionais sãorelativos, são eficazes perante determinadas pessoas. Têm importância também emmatéria de representação, quanto aos poderes do representante de praticar atos dedisposição ou somente de administração.64Como figuras especiais de notável importância, segundo o modo de obtenção doresultado, temos ainda os negócios diretos, os indiretos e os fiduciários. Negócio

 jurídico direto é o que tem por objetivo a obtenção imediata do resultado. Negócioindireto é aquele em que se utiliza um procedimento oblíquo para alcançar o resultadonão obtenível de modo direto.65 As partes usam determinado tipo de negócio paraatingir fim diverso daquele que normalmente lhe corresponde. A espécie é inadequadaao fim pretendido, como ocorre, por exemplo, quando se outorga uma procuração paracobrança de uma dívida com dispensa de prestação de contas, ou no caso da procuraçãoem causa própria com efeitos de cessão, ou ainda na venda por preço irrisório, visandouma doação, ou ainda uma compra e venda com cláusula de retrovenda, visando apenasum negócio de garantia. Sua utilização decorre da falta de tipo mais adequado àmanifestação da vontade dos agentes, do que resulta uma discrepância entre a intençãodas partes e a causa típica do negócio. Caracteriza-se pelo desvio da finalidade da

espécie negociai utilizada, pela divergência entre o objetivo das partes e a função típicado esquema negociai adotado.66 A matéria tem importância sempre que, por meio dessa

Page 244: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 244/359

figura, se tente elidir a aplicação de normas cogentes, numa fraude à lei. Não é, porém,negócio indireto a renúncia de um direito visando a uma doação.67

 Negócio fiduciário é aquele em que alguém, o fiduciante, transmite um direito a outrem,o fiduciário, que se obriga a devolver esse direito ao patrimônio do transferente ou adestiná-lo a outro fim. Dá-se a transferência do domínio ou de outro direito, para fins de

administração ou garantia, sem que esses fins requeiram a transferência.68 Caracteriza-se pela circunstância de que o meio utilizado transcende o fim perseguido, não secompatibilizando o aspecto econômico com o aspecto jurídico do negócio, como ocorre,

 por exemplo, quando "alguém transmite a propriedade de um bem com a intenção deque o adquirente o administre, obtendo dele o compromisso, por outro negócio jurídicode caráter obrigacional, de lhe ivstituir o bem vendido"69. Chama-se fiduciário porquese baseia na confiança, ou fidúcia, no comportamento daquele a quem se transfereinicialmente o direito. Distingue-se do negócio simulado, em que :\ aparência écontrária à realidade, porque no fiduciário inexiste di vergência entre a vontade real e adeclarada; as partes querem exatamente o efeito visado. E distingue-se do negócioindireto pela causa fiducial, a confiança que o fiduciente tem de que o fiduciário lhe

devolva o direito transferido.O negócio jurídico fiduciário conjuga dois elementos, a transmissão de um direito (realou de crédito), e a obrigação desse direitC ser restituído ao transmitente ou a outrem.Existe, assim, um duplr efeito, um real e outro obrigacional.70 Para outros, porém, detendência mais moderna, inexiste um duplo efeito, mas apenas "um;i transmissão de

  propriedade sob condição resolutiva". Aplicação prática dessa figura no direito brasileiro é a alienação fiduciária eu: garantia, negócio jurídico bilateral em que umadas partes transfere à outra a propriedade de coisa móvel ou imóvel, como garantia cit

  pagamento de obrigação contratual. Instituído pelo art. 66 da Lê de Mercado deCapitais, Lei n2 4.728, de 14 de julho de 1965, fo disciplinado pelo Decreto-Lei n2 911,de l- de outubro de 1969,71 e pela Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997 que, dispondosobri o Sistema Financeiro Imobiliário, instituiu a alienação fiduciária dt coisa imóvel.Outras aplicações do mesmo negócio encontramos IH fideicomisso (CC. art. 1.951) e nacessão de créditos ou de título,1 com fins de garantia.-------------------60 Alberto Trabucchi. Istituzioni di diritto civile, p. 138.61 Orlando Gomes, op. cit., p. 300. Sobre a causa no negócio jurídico, ver capítuloXII, n2 11.62 São atos de disposição, ou de administração extraordinária, os que alienam,gravam ou desvalorizam bens do ativo patrimonial, por exemplo a venda de um imóvel,de um caminhão da fazenda, de animais reprodutores; a hipoteca de uma casa, a venda

de um imóvel rural; a doação de um bem patrimonial; a renúncia a direitos etc. São atosde administração o pagamento de impostos, o pagamento de juros, o pagamento ourecebimento de aluguéis, a exploração agrícola de um imóvel, a reparação de umedifício, a cobrança de dívidas etc. Cf. Cifuentes, op. cit, pp. 231 e 232.63 O comerciante falido perde, desde o momento da abertura da falência, o direito deadministrar seus bens e deles dispor (Decreto-Lei 7.661, de Z 1.06.45, art. 40). O pai e amãe são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob o seu poder (CC. art. 1.689). Não podem, todavia, praticar atos de disposição sobre os bens imóveisdos filhos, nem contrair obrigações que ultrapassem os limites de simplesadministração, salvo no caso de necessidade ou evidente utilidade, mediante préviaautorização judicial (CC. art. 1.691). Também perdem o poder de disposição e de

 praticar atos que não sejam de mera administração os pródigos interditados (CC. art.

Page 245: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 245/359

1.782); o cônjuge interditado perde o poder de administração dos bens do casal (CC. art.1.570).64 Cifuentes, op. cit., p. 233.65 Cifuentes, op. cit., p. 240.66 Pietro Trimachi. Istituzioni ai diritto privato, p. 225; José Abreu op. cit. p 115.

67 Orlando Gomes, op. cit., p. 314.68 Larenz, op. cit., n2 438. Sobre negócio fiduciário, cf. ainda Otto de Souza Lima. Negócio Fiduciário, p. 157 e segs.69 Orlando Gomes, op. cit., ps. 309 e 310.70 É a teoria do duplo efeito de origem alemã; Orlando Gomes, op. cit., p. 3 l l71 Cf. do Autor, A alienação fiduciária em garantia no direito brasileiro, p 157;Orlando Gomes. Alienação Fiduciária em Garantia; José Carlos Moreir; Alves. DaAlienação Fiduciária em Garantia.-------------------

CAPÍTULO XII

Elementos do Negócio Jurídico

Sumário: 1. Elementos do negócio jurídico. 2. A declaração de vontade e sua função.Declaração expressa, tácita e presumida. Declaração receptícia e não-receptícia.Declaração direta e indireta. 3. Reserva Mental. 4. O silêncio como declaração devontade. 5. Capacidade e legitimidade. 6. Objeto e conteúdo do negócio jurídico. 7.Forma e formalidades. Consensualismo eformalismo. Forma livre e vinculada. Instrumento público e instrumento particular. 8.Prova do negócio jurídico. 9. Publicidade. 10. Interpretação. 11. O Princípio da Boa-Fé.12. Integração. 13. A causa como elemento do negócio jurídico. 14. Notícia histórica. Adiversidade doutrinária acerca do conceito e utilidade da causa. 15. O direito brasileiro.

1. Elementos do negócio jurídico.Elementos do negócio jurídico são os itens que compõem a sua estrutura. A eles seopõem os pressupostos, logicamente anteriores, e os requisitos, qualidades desseselementos.Elementos do negócio jurídico são a vontade, o objeto e a forma, a que devem juntar-seos requisitos da capacidade, da idoneidade e da legalidade para que o negócio exista eseja válido (CC. art. 104).A doutrina não distingue os elementos dos requisitos, sendo freqüente a utilizaçãodesses termos como sinônimos, assim como também quanto aos pressupostos. Fala-se,

assim, indiferentemenk1, de elementos ou de requisitos, com referência à estrutura donegócio.Usam-se também pressupostos, circunstâncias, na verdade, estranhas à estruturanegociai mas aceitas como sinônimo de elementos.A classificação tradicional divide-os em essenciais, naturais e acidentais. Critica-se,

 porém, tal classificação, própria da escolástica medieval, pela circunstância de que,desconhecendo os romanos a categoria do negócio jurídico, aceitando apenasdeterminadas figuras típicas, não poderiam usá-la a não ser para os atos que conheciam.Essa classificação não tem, assim, foros de generalidade, mas pode aceitar-se por suasimplicidade didática.Elementos essenciais (essentialia negotti) são aqueles indispensáveis à existência do ato:

vontade, objeto, forma e, para certa corrente doutrinária, a causa.1

Page 246: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 246/359

Elementos naturais (naturalia negotii) na verdade não são elementos, mas efeitosdecorrentes da própria natureza do negócio, fixados em normas jurídicas supletivas eque, por isso, podem ser excluídos em cláusula contrária. Não exigem especialreferência pois derivam da própria natureza do ato, por exemplo, na compra e venda, aresponsabilidade do vendedor por vício redibitório, ou pela evicção, (CC, arts. 443 e

447) ou, nos efeitos das obrigações, o lugar do pagamento, quando não-convencionado(CC, art. 327). Seu estudo não é da Parte Geral, mas de figuras típicas da parte especial,  principalmente contratos.Os elementos acidentais (accidentalia negotii] são os que podem figurar ou não nonegócio. Desnecessários à formação do ato, as partes deles se utilizam para modificar aeficácia do ato, adaptando-a a circunstâncias futuras. Estabelecidos em cláusulasacessórias, são a condição, o termo e o encargo ou modo. Não é a lei, mas sim as partesque os estabelecem, no exercício da autonomia privada.2A validade do negócio jurídico exige que esses elementos tenham determinadosrequisitos ou atributos, qualidades que a lei indica (CC, art. 104): a declaração devontade deve resultar de agente capaz, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou

determinável e a forma deve ser conforme à lei.2. A declaração de vontade e sua junção. Declaração expressa, tácita e presumida.Declaração recepticia e não-receptícia. Declaração direta e indireta.A vontade é elemento fundamental na produção dos eleito jurídicos, sendo necessário,como é óbvio, que ela se manifeste, s> exteriorize.A manifestação da vontade é todo comportamento, ativo oi passivo, que permiteconcluir pela existência dessa vontade.3 Usa-S' em doutrina, para exprimir talmanifestação, o termo declaração d vontade, e sua importância é tanta que, sem ela, oato ou negóci' simplesmente inexiste. A declaração de vontade é, assim, o instru mentoda manifestação de vontade.4 Consiste na expressão, O' comunicação, dirigida a

 publicar a vontade preexistente. Para Hn neccerus, é "uma exteriorização da vontade privada (não as declam ções de vontade das autoridades públicas, como a sentença)dirigid a produzir uma conseqüência jurídica".3O princípio da segurança jurídica torna conveniente que, nest matéria, se adote umcritério objetivo, vale dizer, o significado qu a declaração pode ter para terceiros,especialmente aqueles a quer se destine.

 Na declaração de vontade pode-se distinguir a forma, ou decl; ração propriamente dita,que é o aspecto exterior do comportament do agente, e o conteúdo ou a vontade, que é oelemento intern que a declaração revela. A declaração propriamente dita é um con

 portamento exterior do agente que revela, de acordo com o coi vencionado pelas partes,o estabelecido pela lei, ou pelos usos costumes, a vontade do negócio jurídico. Tal

comportamento extern faz-se, geralmente, por palavras, escritas ou faladas, mas tambói por outros sinais como movimentos de cabeça ou de mãos etc., o até o próprio silêncio.6O conteúdo dessa declaração, a vontade propriamente dita, como elemento interno,compreende uma vontade de agir, uma vontade de declarar, e uma intenção de obter resultado econômico, juridicamente protegido. É essa intenção de resultado quecaracteriza a chamada vontade negociai, vontade que se dirige à produção dedeterminado efeito que o direito reconhece e protege. E ela, em última análise, quedistingue o negócio jurídico do ato e do fato jurídico,7 caracterizando-se comoverdadeiro preceito normativo, expressão da automomia privada. Mas a declaração devontade pode ter por objetivo apenas a comunicação da vontade interna do agente, comum valor apenas expositivo, como ocorre quando o agente se manifesta para dar ciência

de sua vontade (proposta e aceitação de um contrato, rescisão), como também pode

Page 247: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 247/359

apenas avisar a realização imediata da vontade, sem fins de comunicação, somente deatuação (apropriação, renúncia, revogação do testamento etc.)8A declaração de vontade tem assim uma dupla função. Por um lado, a "realização devontade do agente para a produção de efeitos jurídicos", por outro, "manifestação devontade dirigida ao conhecimento dos outros, como ato de comunicação social",9 dando

origem às chamadas declarações de vontade e declarações de ciência que correspondemaos chamados negócios declarativos e negócios de atuação}0O comportamento do agente que traduz a declaração de vontade é ativo, se da parte dodeclarante, e passivo, se da parte do destinatário, surgindo, neste particular, a questão dosilêncio como declaração de vontade.

  No que diz respeito ao comportamento ativo, a manifestação de vontade pode ser expressa, tácita e presumida. Expressa é a que se faz por meio da linguagem, da escrita,de sinais ou gestos, permitindo o conhecimento imediato da vontade declarada, comoocorre, por exemplo, na realização de contratos verbais ou escritos, na emissão detítulos de crédito, no envio de cartas, telegramas, telex, e-mail, etc. Além da linguagemescrita — a mais conveniente pela segurança que oferece — ou falada, outros meios

 podem utilizar-se, como a gesticulação dos surdos-mudos, ou os gestos consagrados pelo uso, c onio ocorre nas Bolsas de Valores ou nos leilões, ou ainda, a simples comprade um bilhete para o transporte rodoviário, ou o ato tlr pagar, em silêncio, uma

 publicação na banca de jornais etc. l V acordo com Savigny, é desde a Idade Média quea declaração por escrito se faz assinando-se o nome ao pé da folha redigida pelas partesou por terceiros, significando a assinatura que o ato expressa o pensamento e a vontadedo signatário.11 Os sinais ou gestos devem fazer referência a determinados objetos, nãosendo ambíguos.1"Casos há, todavia, em que a lei exige que a declaração srja expressa, como nasobrigações solidárias (CC. art. 265), na stib-ro-gação convencional (art. 347) etc.Tácita é a que se deduz do comportamento do agente (fada concludentia) ainda que avontade não seja revelada pelo meio adequado. Verifica-se, por exemplo, nos casos daaceitação da herança, que se deduz da prática de atos compatíveis somente com acondição de herdeiro (CC. art. 1.805), nas hipóteses de aquisição de propriedade móvel

 pela ocupação (CC. art. 1.263) ou ainda, a exposição dos objetos nas vitrines ou nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais, o estacionamento de táxis nos respectivos  pontos, a instalação de aparelhos automáticos em locais públicos, tudo isso acaracterizar uma declaração tácita de oferta.Presumida é a declaração de vontade que, não sendo expressa, a lei deduz docomportamento do agente, como acontece, por exemplo, com as presunções de

 pagamento contidas no CC. arts. 322, 323 e 324, ou com a presunção de remissão do

art. 387, ou de aceitação de herança do art. 1.807, ou de prorrogação da locação nos prédios urbanos quando o contrato se extingue e o locador nada faz para reaver o imóvel(Lei 8.245, de 18.10.91, art. 46, par. l"). Enquanto na declaração tácita é o destinatárioque a deduz do comportamento do declarante, na declaração presumida é a lei que aestabelece, a deduz ou a presume, tendo em vista que a conduta do sujeito corresponde àvontade presumida.14 Disso resulta que, provado não ter tido o agente a vontade que alei presume, não se produzirão os efeitos previstos, vale dizer, a declaração presumidaadmite prova em contrário. Todavia, se a declaração presumida produzir os efeitos

 previstos, sua eficácia é e% lege, não e% voluntate, donde não ser negócio jurídico, massimples ato jurídico.15As declarações de vontade dizem-se receptícias quando se dirigem a destinatários

especiais, que dela devem ter ciência sob pena de ineficácia do ato. As declaraçõesreceptícias precisam, portanto, de uma determinada direção e de uma recepção para

Page 248: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 248/359

terem eficácia.16 São exemplos a proposta de contrato, a sua aceitação, a revogação domandato, a despedida do empregado etc, que precisam ser recebidas pelos respectivosdestinatários. As declarações não-recep-tícias são as que não se dirigem a ninguém,especificamente, produzindo efeitos independentemente da recepção, como ocorre coma promessa de recompensa, o testamento e sua revogação, a ocupação de coisa móvel, a

aceitação da herança etc. Poder-se-ia dizer, sinte-ticamente, que as declaraçõesreceptícias são endereçadas, emitidas para que cheguem ao destinatário, enquanto asnão-receptícias são não-endereçadas, não se dirigem a ninguém especificamente.17A declaração de vontade é direta, quando feita sem a intermediação de qualquer pessoaou instrumento, e indireta quando o declarante se utiliza de outras pessoas (como onúncio) ou meios, como cartas, telegramas, telex etc., para que a declaração chegue aorespectivo destinatário. Essa distinção é importante no caso de a declaração indireta ser transmitida de modo incorreto, sendo até possível um engano proposital. O CódigoCivil alemão (§ 120), o Código Civil italiano (art. 1.433) e o Código Civil português(art. 247-] estabelecem que à transmissão inexata se aplicam as regras do erro. Nomesmo sentido, dispõe o Código Civil brasileiro que a transmissão errônea da vontade

 por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta (art.141). Por outro lado, se o responsável pela divergência for o declarante, responderá por 

 perdas e danos.Pode o comportamento do destinatário ser passivo. Nesse caso, teremos o problema dosilêncio como manifestação de vontade (CC, art.lll).3. Reserva MentalA vontade é elemento tão importante no comportamento tio sujeito jurídico que odireito impõe, em casos determinados, a forma para a sua exteriorização. Assim, asdeclarações classificam-se em solenes e não solenes, conforme devam, ou não, observar determinada forma.Temos também as declarações receptícias e as não receptít iasconforme se destinem a produzir, ou não, efeitos jurídicos na eslrra de terceiro. O que osistema jurídico exige é que haja perfeita coincidência entre a vontade e sua declaração,sob pena de invalidade do ato. Essa natural relação pode, eventualmente, alterar-se, por força de fatores externos que viciem a vontade ou a declaração, instaurando adivergência onde deveria existir perfeita coincidência. Por exemplo, no lançamento deum livro, o seu autor, para garantir uma venda maior, declara que a renda editorial sedestina a determinada campanha filantrópica, ou ainda, no seu testamento, o tes-tador,

 para prejudicar herdeiro, dispõe em favor de falso devedor18. Neste dois exemplos severifica que o declarante manifesta algo diverso que realmente deseja, com o fim deenganar o destinatário de sua declaração. A esta atitude psicológica chama-se, nodireito, reserva mental.

Do problema da relevância da vontade, no caso de divergência com a suacorrespondente declaração, ocupou-se a doutrina do século XIX, primeiro a alemã,depois a italiana19. Os casos de divergência mais freqüentes dividiam-se em voluntáriose involuntários. Seriam voluntários, os casos de declarações não sérias, feitas por 

 brincadeira (causa ludendi), por exemplo, a promessa de pagamento em dia inexistenteno calendário (30 de fevereiro),ou feitas com fins didáticos (o professor que, para dar exemplo de negócio jurídico, Ia/, uma declaração sem pretender vincular-se a alguém)ou de representação teatral (o ator que, fiel ao seu personagem, emite declaração devontade que, fora de cena, seria juridicamente vincu-lante), e ainda os casos desimulação e os de reserva mental. Casos------------------

1 Tais elementos essenciais são gerais no sentido de que integram qualquer espéciede ato ou negócio. Mas há elementos essenciais particulares no sentido de que são

Page 249: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 249/359

  próprios de determinadas espécies, por exemplo, o preço no contrato de compra evenda, o instrumento de próprio punho no testamento particular etc.2 Luigi Cariota-Ferrara. // negozio giuridico nel diritto privato italiano, p. 116.3 Jacques Ghestin e Gilles Goubeaux. Traitê de droit civil. La fonnalion i, contraí, p.349. V. também Alfred Rieg, Lê contraí dans lês doctrines allemand. du X/X siècle, in

Archives de philosophie du droit, XIII, p.31.4 João Castro Mendes. Direito Civil, Teoria Geral, vol. III, p. 143.5 Ludwig Enneccerus e Hans Carl Nipperdey. Tratado de Derecho Civil, II, 65. Cf.Werner Flume, op. cit. par. 4°.6 V. adiante item n- 3.7 Domenico Barbero. Sistema dei diritto privato italiano, I, p. 250.8 Heinrich Lehmann. Tratado de Derecho Civil, p. 219.9 Karl Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgêrllichen Rechts, p. 291.10 Francesco Santoro-Passarelli. Dottrine generali dei diritto civile, p. 136.11 Santos Cifuentes. Negocio Jurídico, p. 65.12 Andreas Von Thur. Teoria General dei Derecho Civil Alemán. vol. 2, p. 61, vol. l,

 p. 75.13 Ghestin, op. cit.; p. 351.14 Manuel Albaladejo. El Negocio Jurídico, p. 94.15 Idem, ibidem.16 Lehmann, op. cit, p. 224.17 Santoro-Passarelli, op. cit., p. 139; Albaladejo, op. cit., p. 85.18 Moacyr de Oliveira. Reserva Mental, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.65,São Paulo,1977, p. 266.19 Cfr. por todos Michele Giorgianni. Volontà (dir.pri.), in Enciclopédia dei diritto,XLVI, Milano,Giuffrè Editore, 1993, p. 1059.------------------de divergência involuntária seriam os decorrentes de violência física (vis absoluta) e decertas formas de erro (erro obstáculo)20.A evolução doutrinária levou, porém, a um redimensionamento do tema, paraconsiderar que os únicos casos relevantes de divergência para o direito seriam o erroobstáculo (v. capítulo XV) e a reserva mental.Há reserva mental quando o declarante manifesta uma vontade que não corresponde àsua vontade real, com o fim de enganar o declaratário21. A reserva mental é, assim, umestado psicológico no qual o declarante se propõe a não querer aquilo que todaviadeclara. Quer a declaração, mas não quer o seu conteúdo jurídico22. Declara-seintencionalmente coisa diversa daquilo que efetivamente se quer, sem qualquer 

combinação ou entendimento com a outra parte, e sem que esta perceba a divergência.Por isso mesmo, como a pessoa destinatária da declaração não se apercebe dadivergência, o negócio é válido, isto é, a reserva não prejudica a validade da declaração.Assim dispõe o Código Civil, no seu art. 110, que a manifestação de vontade subsisteainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvose dela o destinatário tinha conhecimento.Em face disso, pode afirmar-se que a reserva mental desconhecida do declaratário, nãoafeta a validade da declaração, que produz seus normais efeitos, como se não tivessehavido a reserva mental23. Na hipótese contrária, de tratar-se de reserva mentalconhecida do destinatário, dispõe a lei que a manifestação de vontade não subsiste,configurando-se a hipótese de ausência de vontade e consequentemente, de inexistência

do negócio jurídico24. É o entendimento25 dominante.

Page 250: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 250/359

Depreende-se então que a lei contempla duas espécies de resc-rv;i mental, adesconhecida e a conhecida pelo destinatário da declaração. Se é desconhecida não afetaa validade da declaração, que produz seus efeitos normais, como se inexistente areserva26. Se for conhecida a reserva, pelo destinatário,o negócio jurídico não subsiste,é inexistente. Não deve ser, contudo, considerado simulação, já que-esta pressupõe um

acordo simulatório,o que, em princípio, não se verifica na declaração com reservamental.4. O silêncio como declaração de vontade.

  Não se aplica ao direito o conhecido provérbio "quem caiu consente" (qui tacet,consentire videtur). Na verdade, quem cala não diz nada (qui tacet neque negat, nonutique facetur). Excepcionalmente, porém, o silêncio pode corresponder a umadeclaração de vontade, quando se verifiquem as condições que a lei estabeleça e quandose trate de comportamento próprio do destinatário. E o chamado silênciocircunstanciado que assim se qualifica quando as circunstâncias ou os usos oautorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa (CC, art. 111). Nomesmo sentido, o art. 1.807, pelo qual o silêncio do herdeiro, nas circunstâncias ali

 prefixadas, faz presumir a aceitação da herança. Ou ainda nas hipóteses de natureza processual em que o silêncio do réu firma a presunção de veracidade dos atos afirmados pelo autor (CPC, art. 319), ou de usos e costumes observáveis na atividade diária e na prática societária, como ocorre, por exemplo, nas assembléias de associados em que seestabelece valer o silêncio como manifestação de voto.27Renan Lotufo, Código Civil Comentado, volume I, São Paulo, Editora Saraiva, 2003,

 p.299.5. Capacidade e legitimidade.Enquanto a vontade é elemento necessário à existência do ato ou do negócio, acapacidade é requisito necessário à sua validade e eficácia, assim como também o poder de disposição do agente.Trata-se aqui da capacidade de fato ou de exercício, aptidão para a prática dos atos

 jurídicos, que se presume existir em todas as pessoas não-incluídas nas espécies dosarts. 3° e 4° do Código Civil. A capacidade de fato é, assim, regra geral e aincapacidade, exceção, pois a lei não diz quem tem capacidade para a prática dos atosou negócios jurídicos, mas sim quem a não tem. Disso resulta que o ônus da declaraçãode ineficácia de um ato jurídico, por incapacidade do agente, compete a quem tiver interesse nessa ineficácia.Agente capaz é o que tem capacidade de fato, aptidão para exercer direitos e contrair obrigações (capacidade de fato ou de exercício). Nas pessoas jurídicas, a capacidade defato manifesta-se nos órgãos de direção e de execução.

A capacidade de fato é plena com a maioridade ou com a emancipação (CC, art. 5°, par.único). Antes disso, o agente é absoluta ou relativamente incapaz (CC, arts. 3° e 4°) e onegócio por ele praticado é nulo ou anulável (CC, arts. 166 e 171). Trata-se aqui deincapacidade decorrente da idade. No caso de incapacidade por motivos de saúde(enfermidade, deficiência mental, prodigali-dade), o maior pode ser declarado interditoe, assim, incapaz para os atos da vida civil (CC, art. 1.767).Supre-se a incapacidade, quando absoluta, pela representação, e, quando relativa, pelaassistência.Representação é o instituto pelo qual uma pessoa, o representante, pode substituir alguém, o representado, na prática de ato ou negócio jurídico, agindo em nome e nointeresse do re-presentado. É manifestação de vontade em nome de outrem, com efeitos

 jurídicos na esfera desse. A representação é legal quando prevista em lei, e nesse caso o

Page 251: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 251/359

representante está designado na lei, e convencional, quando resulta de acordo entre partes. A representação de que aqui se trata é a legal.São representantes legais os pais, o tutor, o curador. Os pais representam os menores(CC, art. 1.634, V); o tutor, os órfãos e os filhos de pais declarados ausentes, oudestituídos do poder familiar (CC, art. 1.728 e 1.747); o curador, os doentes mentais, os

que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade-, os pródigos (CC,art. 1.767 e os ausentes (CC, art. 22). Os podorrs de representantes não são absolutos.Para a prática de alguns atos é necessária prévia autorização judicial (CC, art. 1.691).Assistência é instituto pelo qual alguém, autorizado em UM, comparece ao ato paravalidar a manifestação de vontade do relativamente incapaz. Representação e assistênciacompetem aos pais, aos tutores e aos curadores (CC, arts. 1.690, 1.747 e 1.774).Além da capacidade de fato, exige a lei, para certos atos, legitimação, que é o poder deagir da pessoa em face de certos bens ou interesses,28 traduzindo-se na inexistência deimpedimentos ou de restrições para o negócio jurídico pretendido.29 É conceito próprioe originário do direito processual, significando aptidão para o estabelecimento de certasrelações jurídicas, por exemplo (CC, arts. 496 e 497). Nos negócios dispositivos, com

que se modificam relações ou direitos subjetivos, é preciso também poder dedisposição. Autorização é a concordância necessária para certos atos (CC, art. 1.647).A manifestação de vontade toma nos negócios bilaterais o nome de consentimento.30Sendo resultante de duas manifestações de vontade, o consentimento ou consenso é

 próprio dos contratos, inexistindo nos negócios jurídicos unilaterais.O negócio jurídico praticado por agente absoluto incapaz é nulo; pelo relativamentecapaz é anulável. A diferença entre ambas as sanções é apenas de grau.A incapacidade de uma das partes não pode ser invocada pela outra em proveito

 próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisívelo objeto de direito ou da obrigação comum (CC, art. 105). Significa isso que, nahipótese cie as partes do negócio serem, de um lado, pessoa capaz, e de outrosimultaneamente, um capaz e um relativamente incapaz, só este poderá anular 

 parcialmente o ato, só a ele aproveitando a anulação, salvo se indivisível o objeto. Arescisão por incapacidade não aproveita ao co-interessado capaz, salvo se indivisível oobjeto.31 O art. 105 do CCB só se aplica aos casos de incapacidade relativa, pois jamaiso ato pode ser válido em caso de nulidade absoluta.6. Objeto e conteúdo do negócio jurídico.

 Na teoria geral do negócio jurídico, o termo objeto compreende o objeto jurídico e oobjeto material.Objeto jurídico, ou conteúdo do negócio, é o que sujeitos estabelecem, as prestações ouo comportamento a que se obrigam. Compreende as determinações que se colocam para

a auto-regula-mentação dos respectivos interesses. Num contrato, por exemplo, é oconjunto de direitos e deveres fixados. É esse conteúdo o objeto da interpretação jurídica, constituindo-se também no ponto de referência para a classificação do negócio.E é ao conteúdo que a lei se refere ao estabelecer a licitude do objeto como requisito devalidade do negócio jurídico (CC, art. 104).O conteúdo, ou objeto jurídico, distingue-se dos efeitos do negócio. Aquele representa avontade das partes na sua expressão estática, estes significam as mudanças jurídicas quese processam como decorrência dessa vontade.Do objeto jurídico, ou conteúdo do negócio, distingue-se o objeto material, os bens(coisas ou prestações) sobre os quais incidem os poderes contidos na relação jurídicanascida. Se por exemplo, A vende uma casa a B, conteúdo ou objeto jurídico do negócio

é a obrigação de transferir o domínio da casa ao comprador e a obrigação deste de pagar o preço (CC, art. 481). Objeto material é a casa e o preço em dinheiro.32

Page 252: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 252/359

O objeto jurídico deve ser idôneo, isto é, deve apresentar os requisitos ou qualidadesque a lei exige para que o negócio produza os efeitos desejados a saber, a licitude, a

 possibilidade e a determi-nabilidade.Objeto lícito é aquele não-contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. É umrequisito negativo, pois, a licitude é precisamente, a ausência de violação desse

ordenamento.A possibilidade do objeto desdobra-se em possibilidade física ou material, e possibilidade jurídica. Objeto fisicamente impossível é que não existe, tornando-seinviável o cumprimento da obrigaç;' Note-se, todavia, que a existência da coisa verifica-se no momento da eficácia do negócio, não no da sua formação, mesmo porque r legalmente prevista a venda de coisas ainda não existentes, coisas futuras.33 A

 possibilidade jurídica consiste na sua viabilidade legal. Constitui objeto juridicamenteimpossível a venda de coisa pública ou fora do comércio, exemplo, a gravada com acláusula de inalir-nabilidade.A impossibilidade jurídica distingue-se da ilicitude. A primeira refere-se a um ato não-

 permitido pelo direito, como a venda de bens legalmente inalienáveis, ou o contrato

sobre herança de pessoa viva (CC, art. 426). A segunda refere-se ao negócio que,embora possa ser materialmente praticado, é reprovado em lei, como a venda de tóxicos.Viola um dever legal.A impossibilidade diz-se absoluta quando o objeto é completamente irrealizável, erelativa se, impossível para o devedor, terceiro puder realizar a prestação. Aimpossibilidade manifesta-se apenas em relação ao sujeito devedor da prestação, masnada impede que a prestação seja realizada por terceiros. Nesse caso, a impossibilidaderelativa determina mudança qualitativa no conteúdo da obrigação.34A impossibilidade relativa só se pode encontrar, e isso excepcionalmente, nasobrigações de fazer, como, por exemplo, na hipótese de um transportador, cujocaminhão se acidentou, realizar o transporte por intermédio de outro.35 Se a prestaçãotiver por objeto uma coisa, há que distinguir se ela se trata de uma coisa genérica ou decorpo certo. No primeiro caso, a impossibilidade absoluta desaparece em face da

 possibilidade de o devedor adquirir as coisas--------------------20 Francesco Messineo. Manuale de diritto civile e commerciale, volume primo, nonaedizione, Milano, Giuffrè Editore,1957, p.487.21 Carvalho Fernandes Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2a. Edição, Lisboa,LEX, 1966, p. 266.22 Messineo, op. cit.p.487.23 Heinrich Ewald Hõrster. A Parte Geral do Código Civil Português, Coimbra,

Almedina,1992, p. 548.24 José Carlos Moreira Alves A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro,São Paulo, Editora Saraiva, 1986, p. 102.25 Nelson Nery Júnior, Vícios do ato jurídico e reserva mental, p.80 e 81, apud26 Heinrich Ewald Hõrster. op. cit. p. 54827 O Código Civil português dispõe, no art. 2182, que o silêncio vale comodeclaração negociai, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.Quanto a mercadorias recebidas, juntamente com a proposta de aquisição, o silêncio dodestinatário não significa aceitação, não sendo ele obrigado a restituí-las de modo

 próprio, devendo, entretanto, conservá-las. Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto. TeoriaGeral do Direito Civil, p. 428.

28 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 326.29 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, I, p. 310.

Page 253: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 253/359

30 Consentimento, de cum e sentire, já traduz a concordância recíproca de ambas as partes.31 Carvalho Santos, João Manuel. Código Brasileiro Interpretado, I, p. 279.32 Tanto o conteúdo é diverso do objeto material que este pode ser objeto de diversosdireitos, com diversos conteúdos: o mesmo apartamento pode ser objeto do direito de

 propriedade de A, do direito de usufruto de B e do direito locatário de C. Cf. OrlandoGomes, op. cit., p. 326.33 Enquanto os elementos e requisitos de ordem subjetiva devem existir n momentoda conclusão do negócio, os de ordem objetiva devem estar presentes no momento daeficácia, Santoro-Passarelli, op. cit., p. 133. Com opinião diversa, Jacques Ghestin, op.cit., p. 325.34 Orlando Gomes, op. cit., p. 325.35 Gabriel Marty et Pierre Raynaud. Droit Civil. Obligations, p. 167.--------------------de que não dispõe, salvo em casos especiais, como, por exemplo, se se tratar de produtofabricado em país estrangeiro, de importação proibida. Quando se trata de corpo certo, a

impossibilidade absoluta confunde-se com a inexistência da coisa.36A impossibilidade inicial do objeto não invalida porém, o negócio jurídico se for relativa (CC, art. 106). Só a impossibilidade absoluta (CC, art. 166, II). O objeto deveser determinado ou determinável, vale dizer, deve permitir uma perfeita identificação

 pelas partes. A indeterminabilidade pode afetar tanto o conteúdo, ou objeto jurídico,como no caso de o declarante não explicitar os direitos a que se refere (atribuo a Carlosdireitos sobre a minha casa da Rua Direita) quanto ao objeto material (atribuo a Carlosdireito de propriedade sobre tudo o que existe na casa da Rua Direita).37 A necessidadede determinação do objeto do negócio jurídico decorre da existência de "proteção das

 partes quanto ao arbítrio das outras". Determinam-se os bens por sua designação ouidentificação. No caso de obrigação de dar coisa incerta, será esta indicada pelo gêneroou pela quantidade (CC, art. 243).7. Forma e formalidades. Consensualismo e formalismo. Forma livre e vinculada.Instrumento público e instrumento particular.O Código Civil exige ainda, como requisito de validade do negócio jurídico, a forma

 prescrita ou não-defesa em lei (CC, art. 104, III). Tal requisito refere-se à forma que adeclaração deve ter, ao "modo concreto" da manifestação de vontade. Forma é, então, omeio de expressão da vontade, o aspecto externo que a declaração assume,38 sendo,assim, elemento estrutural do negócio jurídico.Distingue-se a forma, modo de exteriorização da vontade, das formalidades ousolenidades, conjunto de atos que compreendem a forma e as medidas preparatórias ou

conseqüentes do ato, necessárias à respectiva eficácia, como, por exemplo, o conjuntode atos jurídicos necessários à realização do casamento e o registro da escritura deaquisição de um imóvel no Registro de Imóveis.Quanto à forma como requisito do negócio jurídico existem dois princípios ou posiçõesdoutrinárias opostas, o consensualismo ou liberdade de forma, e o formalismo ou daforma obrigatória, imposta por lei ou pela própria vontade das partes. Para o primeiro, amanifestação de vontade obriga ou vincula o declarante, independentemente da formaadotada. O nosso Código Civil adota-o no art. 107. Esse princípio surgiu na IdadeMédia por influência da moral cristã e dos teólogos que pregavam o respeito à palavradada, o que também vinha ao encontro das necessidades do tráfico mercantil e da

 prática comercial desenvolvida em torno das grandes feiras.39 Por influência do dogma

da autonomia da vontade, aci-n-tua-se a sua aceitação, consagrando-se no Código Civilfrancês, se bem que de modo indireto (arts. 1.107 e 1.138).

Page 254: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 254/359

Para o princípio do formalismo "são as formas, independen-tc-mente da vontade realdas partes, que realizam o negócio jurídico".'10 São vantagens do formalismo: a)assegurar uma mais elevada dose de reflexão das partes. Nos negócios formais, o tempoque medeia entre a decisão de concluir o negócio e sua celebração permite repensar onegócio e defender as partes contra a sua ligeireza ou precipitação. No mesmo sentido

concorre a própria solenidade do formalismo; b) separa os termos definitivos donegócio da fase pré-contratual (negociação); c) permite formulação precisa e completadas partes; d) proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração donegócio e dos seus termos, evitando-se os perigos ligados à falível prova dastestemunhas.O direito romano era inicialmente formalista, dando mais importância à forma do que

 propriamente à vontade. Só mais tarde, na época clássica, é que surgem os primeiroscontratos consensuais, formados só pelo acordo das partes. O direito germânico eratambém formalista, modificando-se, porém, por influência do cristianismo, que defendiao respeito à palavra dada, e sob as necessidades do intenso movimento comercial daIdade Média. Passava-se, assim, do formalismo conservador ao princípio da liberdade

da forma, por influência da religião dominante no mundo europeu, o cristianismo, e dasconveniências do processo econômico.Atualmente existe certo movimento de regresso ao formalismo, não por apego àsolenidade, mas por simplificação, celeridade e segurança nos negócios jurídicos(títulos de crédito, contratos padronizados) .O formalismo e a publicidade são garantias do direito. Com o desenvolvimento dasfunções do Estado, acentuaram-se alguns aspectos do formalismo, que se apresentahoje, não com a importância do direito romano, mas como "exigência suplementar"necessária à eficácia dos atos e negócios jurídicos. A forma não seria requisito deexistência, mas de eficácia. O consensualismo é, no entanto, a regra, o formalismo éexceção.As formas que a lei prevê são o instrumento público e o particular. O primeiro é feito

  por oficial público, tabelião, escrivão, ou qualquer funcionário (CPC, art. 364),compreendendo as escrituras, procurações e testamentos lavrados em Ofícios de Notas,os atos judiciais e suas certidões dos livros dos Registros Públicos, as notas doscorretores tiradas de livros regularmente escriturados, os protestos de títulos etc.Quando lavrado nos livros dos tabeliães, tem fé pública, isto é, presunção legal deautenticidade.A lei exige escritura pública para diversos casos (CC, arts. 62, 1.711, 108, 1.653, 1.609,II.). O conteúdo formal da escritura está também previsto em lei (CC, art. 215 § 1°).Traslados são as cópias do que está escrito nos livros de notas dos tabeliães (CC, art.

217). O primeiro traslado é o que vulgarmente se denomina escritura pública e tem omesmo valor original lavrado no livro do tabelião. Certidão é também cópia, mas comdeclaração do oficial público de que o que nela contém consta de seus livros, ou deautos. Traslados e certidões são instrumentos públicos se os originais se houverem

 produzido em juízo como prova de algum ato (CC, art. 218). O conteúdo do traslado é oque foi copiado, e o da certidão é o fato que se certifica,41 contido em qualquer documento (CC, art. 216).Pública-forma, hoje em desuso, é o instrumento público que reproduz instrumento

 particular apresentado ao tabelião (CPC, art. 385). É a cópia que não tem a eficácia dacertidão nem do traslado, por ser feita por pessoa diversa da que elaborou o documento,enquanto a certidão, ou o traslado, é fornecida pelo cartório que o fez.

Instrumento particular é o documento assinado pela própria parte interessada, semintervenção da autoridade pública e referente- a fatos privados. As delarações nele

Page 255: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 255/359

constantes presumem-se verdadeiras quanto aos signatários (CC, art. 219). A anuênciaou a autorização de outrem, necessárias à validade de um ato, provar-se-á do mesmomodo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento (CC, art. 220).Também se considera como tal o documento impresso ou datilografado, desde queassinado pelo dc-clarante, como o telegrama (CPC, art. 374). O telegrama, quando

contestada a sua autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado(CC, art. 222). A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas,valerá como prova de declaração de vontade mas, impugnada sua autenticidade, deveráexibir-se o original (CC, art. 223) Quem não pode assinar não pode ser figurante eminstrumento particular.42 Quando esse for capaz prova as obrigações convencionais dequalquer valor (CC, art. 221) entre as mesmas partes. Para ser eficaz perante terceiros,somente depois de registrado no Registro Público competente.O documento é considerado autêntico quando o tabelião reconhecer a firma dosignatário, declarando que foi aposta em sua presença (CPC, art. 369). Oreconhecimento atesta que a assinatura é da pessoa a quem se atribui. Nada impede, por isso, que se reconheça firma de documento em branco, desde que o oficial ressalve essa

circunstância.43 A utilização de meios informáticos na transmissão de dados fez surgir uma nova espécie de documento, o documento eletrônico ou digital, que é umamensagem eletrônica passível de materializar-se em papel escrito. Pode ser público ou

 privado, e tem eficácia probatória quando autêntico, íntegro c- de autoria certa (CPC,Art. 332). Não tem, no Brasil, disciplina normativa específica, embora seja reconhecido

 pela Medida Provisória n° 2.200, de 20.6.01, art. 12, havendo, no Congresso Nacional,vários projetos para sua regulamentação legal. A subscrição do documento eletrônico éa chamada firma digital, que não é a assinatura do autor mas um conjunto de símbolos aser decifrado mediante procedimento eletrônico preestabelecido.44As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fono-gráficos e, em geral,quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem

 prova plena destes, se a parte contra quem forem exibidos, nãos lhes impugnar aexatidão (CC, art.225). Mas essa prova não supre a ausência do título original nos casosem que a lei ou as circunstâncias exijam sua exibição.

 No contrato celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é dasubstância do ato (CC, art. 109), é da sua essência, sem ele não pode existir.A forma pode ser então livre e vinculada. Livre, quando permite qualquer meio demanifestação de vontade. O direito brasileiro adota o princípio de liberdade da forma aodispor que a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial,senão quando a lei expressamente a exigir (CC, art. 107). Vinculada ou necessáriaquando exigida em lei (forma legal) ou pela própria vontade das partes (forma

convencional), para a validade do negócio jurídico. Nesse caso, é preciso observá-la para que a declaração de vontade seja válida e eficaz. Não vale o ato que deixar derevestir a forma especial determinada em lei (CC, art. 104, III e 166, IV). Nesse caso,diz-se que a forma dá ao ato a própria existência (forma dat esse rei). Ao exigir a formavinculada, a lei tem por objetivo: a) garantir a autenticidade do ato; b) chamar a atençãodas partes para a seriedade do que estão praticado; c) facilitar a prova do negócio

 jurídico; e d) facilitar a publicidade do negócio jurídico.Se a forma vinculada é indispensável à validade do ato, diz-se que ela é da substânciadesse (ad substantiam); por vezes é necessária apenas para sua prova (ad probationem).Com base nessa distinção, classificam-se os atos jurídicos em formais ou solenes, e não-formais ou consensuais.

8. Prova do negócio jurídico.

Page 256: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 256/359

Prova é a demonstração de um fato jurídico. Não se provam direitos, mas sim os fatosque lhes dão origem.Os fatos são provados pela parte interessada, permitindo ao jui/. concluir quem tem odireito pretendido. C) ônus da prova incumbe, portanto, a quem alega o fato do qual seinduz a existência do direito (CPC, art. 333).

Ao direito civil cabe indicar os meios de prova admissíveis e seus requisitos; ao direito processual compete a técnica de sua apresentação e apreciação pelo juiz. O Código Civil brasileiro indica, no art. 212, os meios de prova para os atos que não dependem deforma especial. Tais meios são a confissão, os documentos públicos ou particulares,testemunha, presunção e perícia que compreenda exame, vistoria ou avaliação (CPC,art. 420).Confissão é a admissão, pela parte, da verdade de um fato, contrário ao seu interesse efavorável ao adversário (CPC, art. 348). E judicial quando feita em juízo, e extrajudicialquando fora dele, oralmente ou por escrito. Os seus requisitos de processamento eeficácia estão disciplinados no Código de Processo Civil (arts. 349 a 354). É ineficaz aconfissão pertinente a direitos indisponíveis. E irrevogável, salvo se viciada por erro de

fato ou coação (CC, art. 214). Não tem eficácia a confissão se provém de quem não écapaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. Se feita a confissão por um representante é eficaz somente nos limites do poder de representação (CC, art. 213).Documentos são papéis escritos. Chamam-se instrumentos quando se destinam a

  produzir efeitos jurídicos, podendo ser públicos ou particulares. Os públicos sãoformados por oficial público no exercício de suas funções45. Entre eles devem figurar os atos processados em juízo, aqueles que já foram objeto de processo ou cujaexistência ou validade foi reconhecida por sentença, como, por exemplo, alvarás

 judiciais, cartas de adjudicação, formais de partilhaetc.Utilizando-se o computador, surge o documento digital ou eletrônico, como jáassinalado.Os documentos redigidos em língua estrangeira terão de ser vertidos em português paraterem efeito no Brasil (CC, art. 224).A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública,fazendo prova plena. Seus requisitos estão nos art. 215 e parágrafos.-------------------36 Castro Mendes, op. cit., p. 111.37 Castro Mendes, op. cit., p. 93; Rui Alarcão, Forma dos negócios jurídicos, p. 177 esegs.38 Ghestin, op. cit., p. 349 e segs.

39 Idem, p. 203.40 Ghestin, op. cit., p. 330. Mota Pinto, op. cit., p.. 430.41 Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, tomo III, p. 430. As cartas têm aeficácia de instrumento particular do art. 221 do Código Civil, idem, p. 353.42 Carvalho Santos, op. cit., III, p. 154.43 Pontes de Miranda, op. cit., III, p. 370. Sobre os serviços notariais r dr registro, cfr.Lei 8.935, de 18.11.94, arts. 6º e 7º.44 Newton de Lucca, Títulos e Contratos Eletrônicos, p. 54.45 Moacyr Amaral Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 168.-------------------Testemunhas são as pessoas que presenciam fatos e que, por isso, podem ser chamadas

a confirmar-lhes a existência. São judiciárias quando se destinam à prova em juízo, e

Page 257: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 257/359

instrumentárias quando atestam a existência de um documento. Neste caso, conferem publicidade ao ato e servem de garantia da sua celebração.A prova exclusivamente testemunhai só se admite nos contratos de valor não excedentea dez vezes o maior salário mínimo vigente no momento da celebração (CC, art. 227).

 No entanto, qualquer que seja o valor do contrato, a prova testemunhai é admissível

como subsidiária ou complementar da prova documental (CC, art. 227, par. único).  Não podem servir de testemunhas os menores de dezesseis anos; os privados dediscernimento por enfermidade ou doença mental; os cegos e surdos, quando a ciênciado fato que se prova depende dos sentidos que lhes faltam; o interessado no objeto dolitígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; os cônjuges, o ascendente,descendente ou colateral até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidadeou afinidade (CC, art. 228).

 Ninguém é obrigado a depor sobre fato que lhe seja prejudicial ou sobre o qual devaguardar sigilo ou sobre fato a que não possa responder sem desonra própria, de seucônjuge, parente sucessível, ou amigo íntimo, ou ainda, que o exponha, ou às referidas

 pessoas, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato (CC, art. 229).

Presunções são as conseqüências que a lei ou o magistrado tiram de um fato conhecido para provar um desconhecido. A presunção é um processo da técnica jurídica com oqual o direito diz que é o que é provável que seja, como, por exemplo, quando se afirmaque o marido é o pai dos filhos de sua mulher (f ater is est quem nuptiae demonstrant],que a coisa julgada é tida como verdadeira (rés judicata pró veritate habetur). Distingue-se da ficção, também processo da técnica jurídica, com o que o direito estabelece que éo que, na verdade, não é, como, por exemplo, a retroatividade nos atos jurídicos, ou aconsideração do feto como já nascido (infans conceptus pró iam nato habetur, quotiensde eius commodo agitur).As presunções não são, na verdade, meios de prova, mas processos lógicos que se

 baseiam nas regras da experiência da vida (CPC, art. 335), segundo o que "um fato éconseqüência típica de outro". Nascem da dificuldade ou até impossibilidade da provade certos fatos, o que obriga o legislador a contentar-se com indícios para que O juiz

  possa extinguir os conflitos de interesse.'10 Dividem-se IMM presunções legais e presunções de fato, ou do homem, ou judiciais. A dedução que se opera em ambos é omesmo processo, só que, nas presunções legais, a ilação é feita de uma vez por todas

 pelo legislador, impondo-se ao juiz, enquanto nas de fato é esse que, pessoalmente,estabelece a dedução.47 As presunções não legais, isto é, as de fato ou judiciais, não seadmitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhai (CC, art. 230).As presunções legais subdividem-se em presunções simples (iurís tantum) e presunçõesabsolutas [iure et iure). As primeiras admitem prova em contrário, como, por exemplo, a

 presunção de pagamento ou remissão se o devedor estiver na posse do título, (CC, arts.324 e 386) a presunção de que o direito real pertence à pessoa em nome de quem estáregistrada48, a presunção filho nascido na constância do casamento (CC, art. 1.597). A

 presunção simples estabelece o ônus da prova. O que se beneficia da presunção estádispensado de provar o fato a que ela conduz.49 O interessado é que tem de contrariar adedução legal, demonstrando não ser verdadeira.A presunção simples serve ainda para substituir a prova dos fatos de difícil ouimpossível realização, como, por exemplo, uma filiação paterna, e serve ainda de

  princípio de interpretação no sentido de assegurar coerência nas regras do sistema jurídico: presumem-se os dispositivos legais conforme a Constituição, as leis nacionaisconforme os tratados, as normas especiais conforme o direito comum.50

As presunções absolutas, indiscutíveis, não admitem prova em contrário, corno, por exemplo, a de que todos conhecem a lei (nerno ius ignorare censetur), ou a de que a

Page 258: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 258/359

coisa julgada é verdadeira (rés iudicata pró veritate habetur]. Justificam-nas razões desegurança e de paz social.A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação (CPC, art. 420).Exame é a inspeção de pessoas ou bens móveis e semoventes para verificação de fatosou circunstâncias que interessam à causa, como o exame de sangue, nas ações de

investigações de paternidade, o exame médico, nas interdições, o exame de livroscontábeis, o exame grafotécnico. Aquele que se nega a submeter-se a exame médiconecessário não poderá aproveitar-se de sua recusa (CC, art. 231).Vistoria é a inspecção ocular, normalmente de imóveis.51 É freqüente nas ações

 possessórias, demarcatórias e de responsabilidade civil.A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendiaobter com o exame (CC, art. 232).Arbitramento é a estimação do valor, em moeda corrente, de coisas e direitos; ocorrenos casos de indenização por ato ilícito, nas desapropriações e nas ações dealimentos.52 Quando feito em processo de execução ou inventário, chama-se avaliação.9. Publicidade.

Para maior garantia das relações jurídicas, é conveniente que determinados fatos,situações ou negócios jurídicos possam ser conhecidos por outras pessoas que não asrespectivas partes. Esse objetivo se realiza pela publicidade, que permite a terceirosconheceram o conteúdo dos atos jurídicos realizados, dando-lhes maior autenticidade,segurança e eficácia.A publicidade pode ser declaratória e constitutiva. No primeiro caso, destina-se apenas alevar ao conhecimento de terceiros interessados a criação ou modificação da relação

 jurídica. Sua omissão não invalida o ato, mas pode sujeitar o infrator a determinada pena. A publicidade constitutiva é a necessária à perfeição do ato jurídico. Sem ela, oato não é válido, não é oponível a terceiros, como ocorre com os negócios constitutivosde direitos gerais (CC, art. 1.245 e 1.227).A publicidade se realiza por meio dos registros públicos (Lei 6.015, de 31 de dezembrode 1973), que disciplinam o registro civil de pessoas naturais (nascimentos, casamentos,óbitos, emancipações, interdições, ausência, opções de nacionalidade, sentenças deadoção, nulidade ou anulação de casamento, reconhecimento de filhos r escrituras deadoção, LRP, art. 29), o registro civil de pessoas jurídicas (atos constitutivos e estatutosde associações, sociedades simples, fundações, partidos políticos), o registro de títulos(instrumentos particulares, penhor de móveis, caução de títulos, contratos agrários) edocumentos e o registro de imóveis (atos constitutivos, extintivos e translativos da

  propriedade e de outros direitos sobre bens imóveis). O termo registro tem doissentidos. O primeiro, de ofício público destinado à publicidade dos negócios e situações

 jurídicas; o segundo, do ato ou assento praticados nos livros desse ofício.53O assento principal e original de um fato ou ato jurídico chama-se inscrição. No caso de  propriedade imóvel, é a matrícula. O assento posterior, referente ao mesmo ato,destinado a modificá-lo, chama-se averbação. O registro integral de documento, isto é, areprodução integral do título, chama-se transcrição. A inscrição, a transcrição e aaverbação compreendem-se na designação genérica de registro.Os serviços de registro, destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança eeficácia dos atos jurídicos, disciplinam-se pela Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.10. Interpretação.Interpretar o negócio jurídico é procurar o sentido e o significado da norma jurídica quenasce da declaração de vontade. A interpretação é um processo que se destina, portanto,

a precisar o sentido juridicamente relevante do conteúdo da declaração de vontade,5'1isto é, os direitos, faculdades, deveres, pretensões dela decorrentes. E assim como se

Page 259: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 259/359

interpretam as leis e as normas jurídicas nelas contidas, também se interpretam osnegócios jurídicos, buscando-se a vontade concreta das partes, não a vontade interna,

  psicológica, mas a vontade objetiva, o conteúdo, as normas que nascem da suadeclaração.Embora a interpretação das leis seja regida por normas diversas da interpretação dos

atos jurídicos, o intérprete tem a mesma função. Procura investigar a vontade das partesem conjunto, atribuindo-lhes um sentido jurídico. Tanto procura conhecer a intenção dodeclarante quanto o sentido da declaração.55 E, sendo o negócio jurídico instrumento eexpressão da autonomia privada, seus efeitos devem corresponder ao consenso das

 partes. É o princípio da correspondência entre o conteúdo e os efeitos do ato, princípiogeral de direito privado.36 A primeira operação a fazer-se, portanto, é a interpretaçãodesse consenso, para se estabelecer quais os efeitos que se quiserem produzir.Os princípios que orientam o intérprete constituem uma teoria da interpretação, na qualse destacam duas principais tendências, a subjetiva ou da vontade, e a objetiva ou dadeclaração, que têm orientado as regras sobre a matéria nos principais sistemaslegislativos.

O ponto de vista subjetivo ou voluntarista, que é o da escola tradicional, defende a tesede que o sentido da declaração negociai corresponde à vontade do declarante. Busca-se,

 principalmente, a intenção do agente em detrimento do sentido literal das palavras.O ponto de vista objetivo ou declarativista relega a segundo plano a intenção do agente.Interessa-lhe não essa intenção mas a vontade concreta, objetivada, como foi declarada,ou como se deduz das circunstâncias objetivas do caso.Essas teorias não se podem aplicar unilateralmente, mas combinadas de modo que ointérprete estabeleça, em face da declaração e de suas circunstâncias, qual seja,objetivamente, a vontade real do declarante.A interpretação que adotar o critério subjetivo, procurando a intenção pura dosdeclarantes, desenvolverá uma pesquisa histórica, visando reconstruir o pensamento eos objetivos dos declarantes. Já a interpretação que adote o critério objetivo buscará umsentido, um significado preciso, concreto, contido na declaração negociai, independenteda vontade psicológica dos agentes.Essas duas tendências opostas são temperadas por duas posições intermediárias,respectivamente, a teoria da responsabilidade — segundo a qual o declarante éresponsável, se agir com culpa, pelos prejuízos causados ao destinatário — e a teoria daconfiança, que afirma ser válida a declaração conforme a confiança que tenhadespertado no destinatário. A esses critérios deve-se acrescentar o princípio da boa-féque traduz a "correção, a lisura, retidão ou lealdade recíproca com que as pessoasdevem agir no exercício dos seus direitos ou no cumprimento de suas obrigações" (CC,

art. l 13). Tais critérios, o respeito à boa-fé e à confiança dos destinatários, assim comoa responsabilidade de declarante, devem combinar-se no sentido de se precisar aintenção do agente consubstanciada na declaração, não a simples intenção ou vontadeinterna, psicológica. A interpretação jurídica não deve procurar a vontade interna das

 partes, mas sim a vontade expressa objetivamente na declaração, com o sentido que for objetivo para as partes.57O Código Civil brasileiro, muito sucinto na matéria, estabelece poucos dispositivossobre a matéria de interpretação dos negócios jurídicos: os arts. 112, 113 e 114, comonormas gerais, e os arts. 842, 819 e 1.899, como normas especiais. O Código Civilfrancês (arts. 1.156 a 1.164), o italiano (arts. 1.362 a 1.371) e o português (arts. 2362 a2392) são mais pródigos na disciplina dessa matéria.58 A primeira leitura que se faz do

art. 112 induz à convicção de que o Código Civil brasileiro adotou na íntegra o dogma

Page 260: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 260/359

da vontade, seguindo a concepção subjetiva, o que aliás era a tradição do direitocomum.59Clóvis Beviláqua dizia textualmente: "..... a parte essencial ounuclear do ato jurídico é a vontade. Ê a ela, quando manifestada de acordo com a lei,que o direito dá eficácia." O sistema do Código, porém, que não dispõe de muitas

normas de interpretação, afasta essa idéia, como se pode deduzir do próprio art. 112 ede outros dispositivos. Sabido que a teoria subjetiva protege os interesses do declarante,dando grande importância aos motivos, à razão psicológica--------------------46 Claude du Pasquier. Introduction à Ia theorie générale et à Ia philosophie du droit,

 p. 181.47 Jacques Ghestin. Traité de droit civil. Introduction générale, 4e édition, p. 699.48 Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 252.49 CPC, art.334. IV Código Civil português, art. 350S, e Código Civil francês, art.1.352.50 Pierre Pescatore. Introduction à Ia science du droit, p. 219.

51 Moacyr Amaral Santos. Comentários do Código de Processo Civil, p. 336.52 Washington Barros Monteiro. Curso de Direito Civil, p. 256.53 Afrânio de Carvalho. Registro de Imóveis, p. 107.54 Bianca, op. cit., p. 378.55 Luís Diez Picazo y Antônio Gullon. Sistema de Derecho Civil, I, p. 509. Para osadeptos de uma teoria unitária da interpretação, são idênticas as questões. Cf. CesareGrassetti, Interpretazione dei negozio giuridico, in Novíssimo digesto italiano, VIII, p.903 e segs.; Manuel de Andrade. Teoria Geral da 'Relação Jurídica, vol. H, p. 306.56 Giuseppe Branca. Istituzioni di diritto privato, p. 450; Natalino Irti. Intro-duzionealio studio dei diritto privato, p. 174.57 Ferrer Correia. Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, p. 200.58 O Código Civil francês, com o art. 1.156 e o Código Civil alemão, com o § 133,são os mais próximos pontos de referência da norma geral contida no a ri. 85 do CódigoCivil brasileiro.59 Ordenações Filipinas, I, 62, § 53; Código Comercial brasileiro, art. 131, I.--------------------do ato, facilmente se demonstra que o Código Civil brasileiro não adota o dogma davontade. Quanto aos motivos, o art. 140, ao dispor que "o falso motivo só vicia adeclaração de vontade quando expresso como razão determinante", afasta-os dodomínio do direito, pois que, sendo objeto da psicologia, "o direito não os investiga,nem lhes sofre a influência".60 Também se afirma que a norma legal "não pode ser 

interpretada no sentido de fazer tábua rasa da receptividade das pessoas que confiaramna manifestação de vontade. Assim, nas declarações e manifestações de vontade nãoreceptícias, que se dirigem a largo círculo de pessoas, como se dá na promessa derecompensa, nos títulos ao portador, a interpretação tem de atender às circunstânciasque as pessoas componentes do largo círculo poderiam conhecer".61 Nas declaraçõesreceptícias, tem de se levar em conta o que o destinatário conheça, podia ou deviaconhecer, atendidas as circunstâncias. O Código Civil de 2002 introduz o princípio da

 boa-fé: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos dolugar de sua celebração." Temos então que na interpretação do negócio jurídico aorientação não é puramente subjetiva. Se é certo que se tem de partir da declaração, queé a forma de exteriorização da vontade, certo é também que não se busca somente a

intenção, os motivos psicológicos do agente, mas sim, o sentido mais adequado a uma

Page 261: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 261/359

interpretação que leve em conta a boa-fé, e o contexto e o fim econômico do negócio jurídico.Como diz Espínola, "são precisamente o respeito à boa-fé e à confiança dos interessadose a conseqüente responsabilidade do autor que, no caso de interpretação judicial do ato

 jurídico, mandam atender, em regra, à intenção consubstanciada na declaração, ao invés

de procurar o pensamento íntimo do declarante".62 Não se visa a vontade psicológicado agente, mas sim a vontade jurídica, criada pelo declarante para servir de lei entre elee seus co-interes-sados. Ao dispor o art. 112 que nas declarações de vontade se atenderámais à intenção nelas consubstanciaddas do que ao sentido literal da linguagem, oCódigo reconhece a vontade como elemento da interpretação, mas de modo objetivo enão o único, pois o processo intrrpretativo deve levar em conta outros elementos, comoas cir-t unslâncias, o ambiente, os interesses das demais pessoas a que .se dirige adeclaração.63Assim é que, nos atos jurídicos não-patrimoniais, como os de personalidade, de estado,de capacidade, de família, deve-se dar mais ênfase ao elemento subjetivo do que aoobjetivo, tendo-se em vista o caráter personalíssimo desses direitos, a sua íntima ligação

i om os respectivos titulares. Nos negócios jurídicos mortis causa, mais especificamente o testamento, consagra-se ocritério subjetivo (CC, art. 1.899). Também nos negócios jurídicos a título gratuito

 predomina o critério subjetivo sobre o objetivo, considerando-se a circunstância de queo declarante pratica uma liberalidade, aumentando o patrimônio do destinatário, semcontraprestação equivalente, critério também aplicável no caso de atos de renúncia dedireitos, pelas mesmas razões. Com esse sentido, dispõe o art. 114 do Código que osnegócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. Nos atos pré-contratuais, como a proposta à pessoa ausente (CC, art. 428, IV), prevalece o critérioobjetivo, tendo-se em vista que, não rhegando a retratação ao conhecimento da outra

 parte em tempo hábil, fica o proponente sujeito ao respeito da declaração de vontadecontida em sua proposta, ainda que sua vontade real a esta declaração não maiscorresponda.

 Nos negócios jurídicos bilaterais deve-se buscar a vontade real na declaração, medianteos tradicionais processos interpretativos, levando-se em conta o conjunto das cláusulasda declaração, o objeto das partes e as circunstâncias em que se praticou o ato,considerando-se ainda a necessária estabilidade e segurança de que se devem revestir asrelações jurídicas obrigacionais.Finalmente, nos títulos de crédito, por força de sua própria natureza e literalidade,segundo a qual "o direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto aoconteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo, exclusivamente, o teor 

do título",64 a declaração predomina sobre a vontade, com mais intensidade nosabstratos, menos intensamente nos títulos causais. No campo doutrinário, entre as diversas regras de interpretação adotadas, normalmenteremontando-se a Pothier, destacam-se duas, principalmente: a) as cláusulas não devemser consideradas isoladamente, mas sim no seu contexto; b) devem-se considerar também as disposições legais, de caráter imperativo, dispositivo e supletivo. Aliás, nãosó as disposições legais, como também os usos, os costumes, a eqüidade.0511. O Princípio da Boa-Fé.O Código Covil Brasileiro dispõe no seu art. 113 que Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Este artigo nãotem correspondente no Código Civil de 1916,constituindo importante inovação do

Código de 2002,que introduz, assim, expressamente, o princípio da boa-fé nasistemática legal de direito civil.

Page 262: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 262/359

São fontes desse novo dispositivo os Códigos civis francês (art. 1.135), o alemão (par.157), o italiano (art. 1.366), o português (art. 239).Qual o sentido, alcance e importância dessa nova disposição? A boa-fé é um princípiogeral de direito que oferece duas perspectivas de análise e consideração. Para a

 primeira, de nature/,a subjetiva ou psicológica, a boa-fé é a crença de que se procede

com lealdade, com a certeza da existência do próprio direito, donde a convicção dalicitude do ato ou da situação jurídica. Está de boa-fé quem não tem conhecimento dareal situação jurídica. É um estado de consciência, uma crença de agir conforme odireito66, é o respeito consciente ao direito de outrem67. Para a segunda perspectiva,denatureza objetiva, a boa-fé significa a consideração, pelo agente, dos interesses alheios,ou a imposição de consideração pelos interesses legítimos da contraparte, o que é

 próprio de um comportamento leal, probo, honesto, que traduz, um dever de lisura,correção e lealdade, a que o direito italiano chama de correttezza.O princípio da boa-fé caracteriza-se pela sua ampla generalidade. A boa-fé subjetivatem seu campo de atuação nas matérias de posse-, casamento putativo, usucapião,tradição de bem móvel, pagamento indevido, cessão de crédito, revogação de mandato,

mandato aparente, herdeiro aparente. A boa-fé objetiva exige-se, ou aplica-se nos processos de formação, interpretação e execução dos negócios jurídicos, de modo geral,mas com alcance, também, na atividade extranegocial.Destinatários do princípio da boa-fé são os intérpretes da declaração de vontade, as maisdas vezes os magistrados chamados a resolver um conflito de interesses.O princípio da boa-fé é um valor normativo histórico e univer-sal,de grande importância

  já no direito romano. O primeiro testemunho da presença da fides encontra-se naantiquíssima norma patronus si clienti fraudem fecerit, sacer esto (Lei das XII Tábuas,8, 21), embora a tradição atribua esta norma ao próprio fundador da cidade, isto é, anorma é tão antiga quanto a instituição da clientela68. A fides era assim consideradacomo o núcleo normativo dos contratos de direito privado, com a função de exigir doscontraentes o respeito à palavra dada (pacto, sunt servanda), isto é, os fatos devemcorresponder às palavras, chegando-se a considerar que o grande mérito do pensamento

 jurídico no final da República, o século de Cícero, foi pôr em evidência a necessidadede conceber-se o direito como inseparável do seus valores éticos69. Na idade médiaacentuou-se a importância da boa fé no campo das obrigações contratuais e em matériade posse, surgindo, com base nos textos romanos, uma dupla perspectiva. A primeiraem matéria de posse, a boa fé como atitude psicológica, uma falsa crença daquele quedesconhece o vício da sua posse. A segunda em matéria contratual, particularmente nacompra e venda, como expressão de um valor ético que se exprime em um dever delealdade e correção no surgimento e desenvolvimento de uma relação contratual. Com o

 processo histórico da codificação, sob a égide das idéias jusraciona-listas, os códigosfrancês, italiano e alemão acolheram o princípio da boa-fé, nas suas duas dimensões, a  psicológica, ou subjetiva, que se fundamenta em uma crença errada, em uma falsarepresentação da realidade, e a objetiva, que exprime a necessidade de umcomportamento ético, de lealdade, de correção, na gênese, execução e interpretação dosnegócios jurídicos.O Código Civil brasileiro, ao dispor no seu art. 113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de celebração, refere-se à boa-fé nosentido objetivo, como regra de comportamento. Ora na boa-fé objetiva reconhecem-setrês funções, a interpretativa, no sentido de ser um critério para se estabelecer o sentidoe alcance da norma, a integrativa, no sentido de que se constitui em princípio normativo

a que se recorre para preencher eventuais lacunas, e ainda uma função limitadora dedireitos subjetivos, principalmente no campo da autonomia privada. No caso do art. 113

Page 263: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 263/359

do Código Civil, tem-se uma boa-fé objetiva imprópria, no sentido de que, sendo um princípio normativo que se realiza por meio da integração, é, neste caso, invocado comocritério orientador no processo de fixação do conteúdo e sentido da declaração devontade70. Seria, a meu ver, um princípio com função interpretativa-integrativa.Quanto aos usos do lugar a que se refere o mesmo dispositivo legal, trata-se de regras

observadas de modo uniforme, público e constante pelas pessoas de uma mesmalocalidade, e por elas consideradas juridicamente obrigatórias para, na falta da lei,regularem determinados negócios71.12. Integração.Enquanto a interpretação diz respeito ao conteúdo da declaraçj de vontade, a integraçãorefere-se aos respectivos efeitos, não havendo, entre ambas, fronteiras ou solução decontinuidade.Integração do negócio jurídico é o processo pelo qual se preenchem as lacunaseventualmente nele existentes, entendendo-se como lacuna a ausência de normaaplicável à hipótese de fato concreto. Quando os intérpretes, que podem ser o juiz, as

  partes ou até terceiros interessados, não encontram no negócio jurídico a norma

adequada à solução da controvérsia, configura-se uma lacuna, um vazio na disciplinalegal. Recorre-se então ao processo de integração, preenchendo-se tal vazio com aaplicação de outra norma, ou cie outras fontes externas e, por isso, heterônomas.A integração decorre do fato de as partes não terem previsto todos os efeitos de suadeclaração, como ocorre por exemplo, na hipótese de, ao convencionarem uma comprae venda, acordando sobre o objeto e o preço, não determinarem o local da entrega dacoisa, ou ainda no caso de nada estabelecerem para a hipótese de vícios redibitórios.

 Nestes casos, preenchem-se tais lacunas com normas de lei ou dos usos e costumes.Fundamento desse processo técnico-jurídico não é a vontade presumida das partes, masuma solução justa e equilibrada do legislador, completando a vontade das partes jámanifestada acerca dos elementos essenciais do negócio, indispensáveis à respectivaexistência.A integração é cogente quando se realiza pela aplicação de normas imperativas, como,

  por exemplo, as que fixam de modo inderrogável os preços e a forma de seu pagamento72 e, nesse caso, além de-----------------------60 STF, 15 Turma, A. I. n^ 10.923, RT 163/382, apud Wilson Bussada. Código CivilBrasileiro Interpretado pelos Tribunais, vol. I, tomo II, p. 38.61 Pontes de Miranda, op. cit., III, p. 326.62 Espínola. Dos fatos Jurídicos, p. 186 e segs.63 Pontes de Miranda, op. cit., III, p. 337.

64 Túlio Ascarelli. Teoria Geral dos Títulos de Crédito, p. 37.65 Robert Joseph Pothier. Traité dês obligations n% 91 a 102, apud Orlando Gomes.Introdução ao Direito Civil, p. 452 e segs.: 1£) Nas convenções deve-se atender mais àintenção das partes que ao sentido gramatical das palavras. 2°) Quando uma cláusula ésuscetível de dois sentidos, deve-se entendê-la naquele em que pode ser exeqüível. 3S)Quando num contrato as palavras admitem dois sentidos, devem entender-se no quemais convenha à natureza. 4£) O que é ambíguo interpreta-se segundo o uso do país. 52)Quando as cláusulas contratuais apresentam modalidades impostas pelos usos locais, ouusos do respectivo negócio, deve-se examinar se a cláusula duvidosa tem o sentido dequalquer desses usos. 62) As cláusulas de um contrato devem ser interpretadas umas

 pelas outras. 7°) Na dúvida, a cláusula interpreta-se contra o que estipula e a favor do

que se obriga. 82) Por mais genéricos que sejam os termos de um contrato, só abrangemas coisas sobre as quais as partes contrataram e não as de que não cogitaram. 92)

Page 264: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 264/359

Quando se esclarecer uma hipótese para a explicação de certa obrigação, a respeito daqual poderia haver dúvida se nela estaria compreendida, não se estende por isso aobrigação restrita aos outros casos, que, por direito, nela se compreendam. 10°) Asdisposições legais, quer imperativas, quer supletivas, devem ser levadas emconsideração na interpretação dos contratos. II2) Uma cláusula concebida no plural

distribui-se, muitas vezes, em diversas cláusulas singulares. 12S) O que está no fim deuma frase, ordinariamente, se refere a toda ela, e não somente àquela que a precedaimediatamente, contanto que esse final concorde, em gênero e número, com toda afrase.66 Judith Martins Costa. A boa fé no direito privado, p. 411; Flávio Alves Martins. ABoa-fé Objetiva e sua Formalização no Direito das obrigações Brasileiro, p. 1767 Jean-François Ramain. Théorie Critique du Príncipe General de Bonne Foi enDroit Prive, p. 75075068 Paolo Frezza, FIDES BONA, in Studi sulla Buona Fede, Milano, GiuffrèEditore,1975, p. 369 idem, p. 15

70 José Luis De Los Mozos, El Principio de Ia Euena Fé, Barcelona, Bosh, CasaEditorial, 1965, p. 18071 J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasilei-ro,vol.I,7a.edição,Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1963, p.17372 Exemplo disso são as disposições da Lei do Inquilinato, Lei 8.245, de-18.10.91,arts. 22 e 23, e do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, deli.7.90, art. 51.-----------------------integrado, o negócio é alterado, e é supletiva, quando se realiza apenas na falta damanifestação de vontade das partes, determinando o conteúdo da relação jurídica.Entre a interpretação, que se faz para estabelecer o sentido da declaração de vontade, e aintegração, que decorre da existência de lacunas, e que se situa no plano dos efeitos, adoutrina alemã visualizou um tertius genus, a interpretação integrativa,73 que consistenum processo misto, em que a interpretação se completa com o auxílio de normasexternas ao negócio, necessárias para o esclarecimento de dúvidas ainda existentesacerca do disposto nas cláusulas negociais.A diferença entre as três espécies seria a seguinte: enquanto a interpretação se realiza

 para precisar o sentido e o conteúdo da declaração de vontade, trabalhando sobre ascláusulas existentes com o auxílio eventual de normas interpretativas como as dos arts.112 ou 327 do Código Civil brasileiro, a interpretação integrativa recorre à aplicação deoutras normas, para dirimir dúvidas existentes (cfr. Código Civil italiano, art. 1.367 a1.371, que estabeleceu normas sobre a conservação do contrato, a interpretação de

cláusulas ambíguas das expressões etc.).Já a integração refere-se exclusivamente aos efeitos, fixando as conseqüências em umnegócio já interpretado. Realiza-se com normas supletivas, como as da garantia daevicção, ou dos vícios redibitórios, ou com as normas cogentes, tanto no conteúdo,quanto nos efeitos.74 A integração completa o negócio, verificando-se, também, nahipótese em que terceiro determina os elementos do contrato, como nos casos dos arts.485 do Código Civil brasileiro. O nosso código não especifica as hipóteses deinterpretação integrativa e de integração do negócio.7513. A causa como elemento do negócio jurídico.Parte da doutrina civilista e alguns sistemas de direito positivo consideram também acausa como elemento do negócio jurídico, o que tem suscitado acirradas controvérsias.

Page 265: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 265/359

Page 266: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 266/359

legal. Parte da doutrina, na esteira do Código Civil francês, aplica a noção de causaapenas ao campo das obrigações, enquanto outra, de orientação germânica, a incorporaa todos os negócios jurídicos.14. Notícia histórica. A diversidade doutrinária acerca do conceito e utilidade da causa.A compreensão do conceito, natureza e razão de ser da causa, na teoria do negócio

  jurídico, justifica uma breve notícia histórica acerca do surgimento e evolução doconceito.O direito romano não conheceu teoria da causa. Embora com inúmeras referências, nãotinha um conceito unitário ou um sentido técnico preciso, usando-se, quer como causaeficiente, quer como causa final, principalmente no campo das obrigações.83 Suautilização era variada e seu sentido técnico, plurívoco. Já o direito canôniCO trouxenotável contribuição. Reconhecendo a importância da palavra dada, o "valor dos atoshumanos e a seriedade das posições assumidas", e considerando-a como fundamentodos acordos de vontade não-tipificados em lei, a doutrina canonista reputava eficazes assimples promessas, partindo da premissa de que "toda promessa vale e obriga". Era oreconhecimento da autonomia da vontade como fonte jurígena, estabelecendo que "a

obrigação nasce da só vontade do obrigado sob a condição de existir uma causa que aexplique e justifique".84 Desse modo, condenavam-se os contratos com causa ilícita ouimoral e a usura, considerando-se rescindíveis os contratos em que houvesse lesão ouem que o preço não fosse justo.

 No direito medieval os glosadores fizeram novas colocações que enriqueceram a problemática sem alterar o referencial teórico já existente,85 mas é com a doutrinafrancesa anterior ao Código Civil, principalmente com Domat, que se estabelecem as

 bases das modernas teorias sobre a causa.86 Na qualidade de um dos mais brilhantesrepresentantes da escola do direito natural, e como profundo racio-nalista, Domatintroduz o racionalismo cartesiano na ciência do direito,87 estabelecendo que, no campodas obrigações, pelo menos, nenhum acordo seria obrigatório sem uma causa que

 justificasse (nula obbligatio est sine causa). Esse jurista considerava a causa como fato jurídico determinante das obrigações, não propriamente como elemento do ato jurídico.E de causa da obrigação passou a ser considerado também causa do contrato,confundindo-se ambas.Depois de Domat, Pothier ressalta ser indispensável uma causa lícita para o surgimentodas obrigações da dos contratos. E por sua influência o Código Civil francês adotou adoutrina da causa em matéria contratual, a ela se referindo expressamente nos arts.1.108, 1.131, 1.132 e 1.133, não distinguindo, assim, a causa do contrato da causa dasobrigações. Seu objetivo era, basicamente, a condenação, a invalidade dos contratosilícitos ou imorais.88 Adotaram a linha do Código francês os Códigos espanhol, italiano

de 1865, libanês, uruguaio, colombiano, chileno e argentino.De modo diverso veio a dispor o Código Civil alemão, o BGB. Imune à influênciadoutrinária de Domat e de Pothier, os legisladores alemães relegaram a causa a nívelsecundário, situando-a no campo dos negócios jurídicos de atribuição patrimonial, mais

 propriamente no campo do enriquecimento ilícito, dela se utilizando para distinguir osnegócios jurídicos abstratos dos causais, assinalando que "nestes a transmissão de umdireito ou assunção de uma dívida requer um fundamento jurídico". Temos então que,

  para o direito alemão, a causa não é requisito necessário do contrato, embora sejareconhecida como indispensável a todo enriquecimento, de modo que, se1 for ilícito,cria a obrigação de restituir o indevidamente obtido,89Seguiram a orientação alemã os Códigos austríacos, o suíço das obrigações, o português

e o brasileiro.

Page 267: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 267/359

A partir do Código Civil francês e do Código Civil alemão, o problema da causasuscitou duas concepções doutrinárias distintas, a dos causalistas, aceitando a causacomo requisito do ato jurídico, e a dos anticausalistas, negando-a ou atribuindo-lheimportância secundária, pelo fato de a considerarem uma noção falsa e inútil.Dentro das causalistas distinguem-se ainda duas orientações, n objetiva e a subjetiva.

Para a concepção objetiva, a causa é o requisito de validade, não dos contratos, mas donegócio jurídico em gr m l, conceituando-se como a "razão econômico-jurídica", o "fim prático" ou a "função econômico-social" do negócio,90 que o direito reconhece comorelevante para seus fins e que justifica a proteção jurídica da autonomia privada. É alinha do Código Civil e de grande parte da doutrina. A causa é, assim, a função que osistema jurídico atribui a cada tipo de ato.91 Por exemplo, a compra e venda tem afunção de trocar coisa por dinheiro; na locação, a troca do uso de uma coisa por dinheiro, que é o aluguel; na doação, o enriquecimento tio donatário, por liberalidade.A concepção objetiva da causa torna necessária a sua distinção dos motivos que possamlevar o agente à prática de um negócio jurídico, pois a causa não se confunde com eles.Os motivos são razões de natureza psicológica, mais propriamente os interesses que a

 pessoa visa realizar com o negócio jurídico, estranhos, porém, ao conteúdo desse ato.Por serem de natureza psicológica, não ficando evidentes na manifestação de vontade,os motivos são, geralmente, considerados irrelevantes para os efeitos do ato, salvo seexpressamente estabelecidos como sua razão determinante (CC. art. 140).A causa distingue-se também do conteúdo do negócio, considerado este como oconjunto de direitos e deveres criados pela decla---------------------73 É o caso da interpretação integrativa ou interpretação completativa, como lhechama Pontes de Miranda, op. cit., p. 342, inserção automática de cláusulas de preço, oude cláusulas de uso.74 É o caso da aplicação dos usos, da eqüidade, da boa-fé. Cfr.Branca. Istituzioni didiritto privato, p. 453.75 O direito português disciplina a integração no art. 239£, estabelecendo que "nafalta de disposição especial, a declaração negociai deve ser integrada de harmonia com avontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ser de acordocom os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta".76 Sobre a causa, um dos temas mais complexos do direito civil, Pontes de Miranda,op. cit., pp. 65/115; Orlando Gomes, op. cit., n- 220 a 222; Caio Mário, op. cit., n£ 87;Antônio Chaves, Causa (direito civil), p. 34 e segs; Silvio de Macedo, Da causa jurídicae o direito comparado, p. 168 e segs.; Paulo Barbosa de Campos Filho. O Problema daCausa no Código Civil Brasileiro, p. 38 e segs.; Henri Capitant. De Ia cause dês

obligations, p. 17 e segs.; Ghestin, op. cit., \i. 524 e segs.; Louis Josserand. Lês mobilesdans lês actes juridiques du droit prive, pp. 140/214; Michele Giorgianni, Causa (diritto privato), in Enciclopédia dei diritto, VI, p. 547 e segs.; Federico de Castro y Bravo. El Negocio Jurídico, \i. 163 e segs.; Henri de Page. Traité élémentaire de droit civil belge,I, p. 464 e segs.77 Régis Jolivet. Curso de Filosofia, p. 296.78 Os escolásticos enumeravam cinco causas, com o seguinte exemplo, tirado deAristóteles: Policleto (causa eficiente) esculpiu em um pedaço de mármore (causamaterial) a estátua (causa formal) de Apoio (causa exemplar) para ganhai talentos deouro (causa final).79 Carlos Maximiliano. Direito das Sucessões, II, p. 159; Itabaiana de Oliveira.

Tratado de Direito das Sucessões, II, p. 501.80 Junqueira de Azevedo, op. cit, p. 152.

Page 268: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 268/359

81 Francesco Galgano. Diritto privato, p. 226.82 Silvio de Macedo, op. cit., p. 165.83 Ghestin, op. cit., p. 821; Giuseppe Grosso, Causa (Diritto romano], inEnciclopédia dei diritto. VI, p. 533.84 Ghestin, op. cit, p. 821.

85 Ennio Cortese, Causa (Diritto intermédio), in Enciclopédia dei diritto, VI, p. 546.86 De Castro y Bravo, op. cit, p. 171.87 Franz Wieacker. História do Direito Privado Moderno, p. 234.88 Diez-Picazo. Fundamentos dei Derecho Civil Patrimonial, p. 165.89 De modo geral, a doutrina considera como causa a conseqüência jurídica que as

 partes pretendam com a realização do negócio jurídico. Cf. Enneccerus-Nip-perdey, op.cit., I, § 148; Larenz, op. cit., § 18, II, d); Lehmann, op. cit., p. 233; Flume, op. cit., §12; Bürgerliches Gezetzbuch (Código Civil alemão), § 812.90 Emílio Betti. Teoria Geral do Negócio Jurídico, I, p. 329 e segs.91 Pontes de Miranda, op. cit., vol. 3, p. 78.--------------------

ração de vontade, como ato de autonomia privada. A causa é o porquê, a razão última edeterminante; o conteúdo, ou objeto jurídico, e o que.92A teoria subjetiva considera a causa como a finalidade do contrato, a intenção das

 partes, o seu propósito específico. É a causa final da escolástica. É a representaçãomental das circunstâncias que está na base da vontade negociai. É a concepção deCapitant e de Planiol, para quem a causa é o motivo determinante da obrigação.Ambas as concepções são passíveis de crítica. A objetiva não explica como pode umnegócio típico, com uma função econômi-co-social também típica, ter uma causa ilícita,como, por exemplo, uma doação com propósito de união sexual.93 E a teoria subjetiva,considerando como causa os motivos do agente, estabelece uma noção, que é, na

 prática, completamente inútil, salvo nos contratos sinalagmáticos.Outra direção teórica, de natureza híbrida, eclética, combinando as duas teorias, asubjetiva e a objetiva, defende a idéia de que é necessário "confrontar a vontadeconcreta dos sujeitos e dos fins que perseguem com a função jurídica do negócio". O

 problema da causa situa-se então na harmonia entre a vontade dos sujeitos e o esquema preestabelecido na norma,94 ou, de outro modo, na fusão em uma só idéia do resultado prático objetivo com o propósito das partes sobre esse resultado.Chegando a um conceito unitário, a causa seria o "propósito das partes de alcançarem afinalidade prática tutelada pelo ordenamento jurídico", combinando-se, assim, a"vontade específica e concreta dos agentes com o esquema preestabelecido na norma

  jurídica". Esta concepção permitiria explicar o negócio sem causa (aparência do

negócio), ou com falsa causa (negócio simulado) e a ilicitude (ilegalidade ouimoralidade) do propósito ou do resultado.Por sua vez, as teorias anticasualistas alegam a inutilidade da causa e a suainsubsistência como elemento do negócio jurídico, confundindo-a, quer com orespectivo objeto, como nos contratos sinalagmáticos, quer com o consentimento, comonos gratuitos.A importância da causa estaria então na possibilidade de distinção entre os negócioscausais, aqueles em que "a existência e a licitude da causa seriam pressupostos devalidade e eficácia do negócio", e os negócios abstratos, que se apresentam comoindependentes de sua causa, embora esta existisse. A figura dos negócios abstratos éfundamental nos sistemas de circulação de direitos, baseado na segurança jurídica,

encontrando sua principal aplicação nos contratos abstratos de transmissão de domício, próprios do direito alemão t1 a promessa de dívida e reconhecimento abstrato de dívida.

Page 269: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 269/359

15. A causa no direito brasileiro.Qual a orientação do direito brasileiro?

 Nosso Código Civil, à semelhança do alemão, não adotou expressamente a causa comoelemento do negócio jurídico, deixando Clóvis Beviláqua de inseri-la como requisito devalidade dos negócios jurídicos, no art. 82 do Código Civil de 1916. O nosso legislador 

sustentava a desnecessidade e até inconveniência da causa como elemento do ato jurídico, em face das dificuldades e controvérsias que marcaram o direito civil francês, a partir de seu código. E a referência do art. 90 desse Código, ao dispor que "só vicia oato a falsa causa, quando for expressa como razão determinante ou sob forma decondição" — o que aliás se torna supérfluo em face dos elementos acidentais donegócio, a condição, o termo e o encargo, que são precisamente os instrumentos

 jurídicos com que o agente adapta os efeitos futuros do ato aos seus motivos, propósitos pessoais — quer significar apenas os motivos psicológicos do ato.A inexistência de dispositivo legal referente à causa como elemento do negócio jurídiconão significa que ela não se faça presente no sistema de nosso ordenamento jurídico, se

 bem que de modo implícito. Figura no art. 69, como causa solvendi, no art. 62 como

causa donandi, no art. 564, I e II, como causa credendi, no art. 564, III, como causaindebiti, e ainda nos arts. 876, 879, 861, 863, 864, 869, 873, 540, 476 e 461, deobrigações e contratos.95A evolução doutrinária do nosso direito tem-se orientado porém no sentido dereconhecê-la e admiti-la, principalmente no aspecto de sua função social, próprio daconcepção objetiva. Se não chega a ser considerada como elemento ou requisito donegócio jurídico, a causa é aceita nas hipóteses legais já especificadas. A interpretação

 jurisprudencial, por sua vez, tem-se processado no sentido de impedir a causa ilícita ouimoral nos atos jurídicos.96 E o Código Civil disciplina, como fonte da obrigação deindenizar, o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886).O direito brasileiro adota, assim, uma posição de transigência,97 não se furtando àindagação da causa quando necessário à realização da justiça.----------------------92 O objeto jurídico é a resposta à pergunta quid debetur?, enquanto a causa é aresposta à pergunta cur debetur?.93 Barbero, op. cit., I, p. 538.94 Diez-Picazo, op. cit., p. 169.95 Silvio de Macedo, op. cit., p. 177.96 RTJ 124/752, RT 624/251, RT 599/185, RT 590/92.97 Caio Mário, op. cit, n- 87.----------------------

CAPITULO XIIIRepresentação

Sumário: l. Introdução. Conceito. Razão de ser. Fundamento. Pressupostos. 2. Notíciahistórica. 3. Espécies de representação. 4. A representação voluntária. O poder derepresentação. Conceito. Natureza. Fonte. 5. Conteúdo do poder de representação.Poderes gerais e especiais. 6. Exercício do poder de representação. 7. A procuração. 8.Os sujeitos na procuração. 9. A forma da procuração. 10. A relação jurídica darepresentação. O elemento subjetivo. 11. O elemento objetivo. 12. O conteúdo darelação jurídica. Direitos e deveres. 13. O substabelecimenlo. 14. O contrato do

representante consigo mesmo. A autocontratação. 15. Extinção da representação. 16. A procuração irrevogável e a procuração em causa própria.

Page 270: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 270/359

1. Introdução. Conceito. Razão de ser. Fundamento. Pressupostos.Os direitos adquirem-se por ato do próprio adquirente ou por intermédio de outrem.Temos então que a declaração de vontade pode ser feita pelo próprio interessado ou por outra pessoa, em nome dele, isto é, como se fosse o próprio a declarar. Configura-se,

assim, o instituto da representação e quem pratica o ato é o representante, e a pessoa emnome de quem ele atua é o representado.Isso ocorre, por exemplo, quando A, em nome de B, e nos limites do poder que este lheconcedeu, vende a casa de B a C. Quem pratica o ato é A, o representante, mas de modoque os efeitos do negócio se verifiquem na esfera jurídica de B, o representado.Representação é, assim, a atuação jurídica em nome de outrem1. Concretiza o poder queuma pessoa tem, o representante, de praticar atos jurídicos em nome e, geralmente, nointeresse do representado, de modo que os efeitos do ato se verifiquem na esfera deste.É uma verdadeira legitimação para agir por conta de outrem.2 Esse poder nasce da lei,no caso da representação legal, que é a dos pais, tutores, curadores, síndicos,administradores etc., ou decorre de negócio jurídico específico, a procuração.

Discute-se em doutrina se o interesse do representado é pressuposto da representação, seesta é a prática não só no nome mas também no interesse dele, vale dizer, com afinalidade de lhe proporcionar vantagens de natureza patrimonial ou moral. A defesa dointeresse do representado não é elemento do conceito de representação, diz Larenz.3"Para existir a representação, basta que o negócio seja concluído em nome dorepresentado, não sendo já necessário, contrariamente ao que por vezes se supõe, que oseja no interesse do representado."4 A representação legal tem sempre lugar no interessedo representado, enquanto a voluntária ou convencional pode realizar-se no interesse do

 próprio representante, como ocorre, por exemplo, na procuração em causa própria.A representação como instituto, como conjunto unitário de normas jurídicas queregulamentam a atuação jurídica, de alguém em nome de outra pessoa, é comum avários ramos do direito, pelo que o seu estudo compete à teoria geral. Mas é no campodo negócio jurídico que encontra maior aplicação, como demonstram as regras arespeito contidas nos mais importantes códigos da atualidade.3 No direito civil

 brasileiro, por influência do francês, sua disciplina está principalmente nas disposiçõesdo contrato de mandato (CC. art. 653), embora não se confundam mandato erepresentação.Em face desses aspectos, distingue-se a representação direta da indireta. Arepresentação direta, própria ou imediata, é aquela cm que o representante pratica o atoem nome do representado, com a mesma eficácia como se fosse este a praticá-lo.6 Arepresentação indireta, imprópria ou mediata, ou de interesses, segundo a doutrina

alemã, é aquela em que o representante age em nome próprio mas no interesse deoutrem, como ocorre nos contratos de comissão, ou de mandato sem representação, emque o mandatário age em nome próprio embora por conta do mandante. Tal diferençaleva setores ponderáveis da doutrina a reconhecer a impossibilidade de tratamentounitário das duas figuras, reconhecendo-se como verdadeira representação apenas adireta, que é objeto aqui do nosso estudo. Como figura e como instituto jurídico é arepresentação a resposta do direito ao problema da cooperação dos sujeitos na conclusãode seus negócios jurídicos. Funciona como importante instrumento de dinamização davida jurídica e, conseqüentemente, do processo de desenvolvimento econômico e social,

  permitindo que as pessoas M-substituam na sua atividade, realizando negócios  jurídicos sem a presença física dos respectivos agentes. Sob o ponto de vista da

técnica, consiste, pois, a representação, na prática de um ato por pessoa diversa da dotitular, que é parte substancial da relação jurídica. O representante, embora praticando

Page 271: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 271/359

o ato, não assume a titularidade da relação, nem é, de regra, o destinatário de seusefeitos, nem responsável por sua execução.7A representação pode verificar-se quando o agente declara a sua vontade, como tambémquando recebe a que é emitida por outrem. No primeiro caso diz-se ativa, no segundo,

 passiva.

Seu fundamento é a liberdade jurídica das pessoas, a autonomia privada, que permite adelegação de poderes do representado ao representante para que este atue em nome dele.Pressupõe, por tudo isso: a) a substituição de uma pessoa (representado) por outra(representante) na prática de um ato jurídico: b) atuação deste em nome do representado(contemplatio domini); c) dentro dos limites do poder de representação concedidos aorepresentante.2. Notícia histórica.O instituto da representação resulta, na sua configuração atual, de um longo processohistórico em que se conjugam elementos de direito romano, de direito canônico e dedireito medieval, dando todos a seu tempo, e de modo diverso, resposta aos problemas

 jurídicos que iam surgindo em cada uma "das sucessivas fases da cultura ocidental e

européia".8O direito romano não conhecia a representação como hoje se apresenta. Sendo esseinstituto, como os demais do sistema jurídico, uma resposta da doutrina e do direito

 positivo às exigências da vida econômica e social, não tinha a sociedade romananecessidades que o justificassem conforme se apresenta nos ordenamentos jurídicosmodernos e contemporâneos. Razões de ordem econômica, como a existência de umcomércio primitivo a caracterizar uma atividade primária; razões de ordem jurídica,como a concepção personalíssima das obrigações, que atuavam exclusivamente entre as

  partes vinculadas, e ainda o formalismo das fontes e das obrigações, que eraincompatível com o mecanismo da representação; e também razões de ordem familiar,como no caso do pater famílias poder servir-se dos filhos, escravos e das pessoas sobseu poder como auxiliares de sua atividade jurídica,9 de modo que os efeitosrepercutissem no patrimônio dele — tudo isso a tornava dispensável em Roma.Todavia, embora não empregasse a representação direta, utilizava já a indireta emalgumas hipóteses. E também, excepcionalmente, a representação direta como no casoda aquisição da posse e, através dela, da propriedade, em que se admitia a aquisição por terceiro, assim como também no caso do institor, correspondente à figura atual dogerenu-ou feitor, ou do magister navis (capitão do navio), cuja atividade obrigava o

 proprietário ou dominus negotti. A regra geral era, todavia, a de que ninguém poderiaadquirir por outrem (per extraneam, jx-r liberam personam nemo adquiri potest) .10 Oato jurídico só produ/ia efeitos entre os participantes, no seu patrimônio na sua esfera

 jurídica.Foi com o direito romano da Idade Média, o chamado direito comum, e, principalmente,com o direito canônico, que se começou a contestar a proibição da representação direta.Por força das necessidades econômicas e sociais, e também dos interesses da igreja, essaregra coinr-çou a ser contrariada, vindo o Código de Direito Canônico a permitir arepresentação direta no título De diversis regulis iuris (potest quis per alium quod potestfacere per se ipsum).}l A investidura de um benefício eclesiástico, no caso de ausênciado cônego beneficiado, assim como a celebração do matrimônio, na ausência dosnubentes, tornam-se possíveis por meio de mandatário especial.12É, porém, no século XIX, com os juristas alemães, que se elabora definitivamente ateoria geral da representação.

A doutrina da representação começa, na verdade, com Domat e Pothier, que influíramno trabalho dos redatores do Código Civil francês, principalmente no contrato de

Page 272: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 272/359

Page 273: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 273/359

assistido por seu representante legal. Sua fonte mais freqüente é o mandato comrepresentação (CC, art. 653). Tem por finalidade viabilizar a ajuda de uma pessoa nagestão ou defesa de interesses alheios, superando as dificuldades de ordem material queimpeçam a atuação própria do principal interessado, o representado. Enquanto arepresentação legal tem a função de facilitar a prática de atos que o representado

sozinho não---------------------1 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 61; Pontes de Miranda.Tratado de Direito Privado, III, p. 231 e Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p.377 e segs.; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, p. 426 e segs.;Werner Flume. Allgemeiner teil dês Bürgerlichen Rechts, p. 749 e segs.; Andreas vonThur. Teoria General dei Derecho Civil Alemán, III, 2- parte, § 84, p. 3 e segs.; LudwigEnneccerus. Tratado de Derecho Civil, vol. I p. 166 e segs.; Carlos Alberto da MotaPinto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 535 e segs.; Luis Diez-Picazo. LaRepresentación en ei Derecho Privado, p. 125 e segs.; Manuel Garcia Amigo.Instituciones de Derecho Civil, I, Parte General, p. 771 e segs.; José Castan Tobenas.

Derecho Civil Espanol, Comum y Foral, p. 736 e segs.; C. Massimo Bianca. Dirittocivile. II contrato, p. 72 e segs.; Roberto de Ruggiero. Istituzioni di diritto civile, p. 240e segs.; Pietro Perlingieri, Manuale di diritto civile, Napoli, p. 352 e segs.2 Bianca, op. cit., p. 74.3 Karl Larenz. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, p. 509.4 Mota Pinto, op. cit., p. 411. Cfr. A. Lopez-V. L. Montes (coords.), Derecho Civil.Pane General, p. 587 e segs., para quem a doutrina mais recente põe ênfase no interesse,mais do que na atuação do representante em nome do representado.5 Código Civil alemão, §§ 164 a 181; Código Civil italiano, arts. 1.387 a 1.405;Código Civil português, arts. 2582 a 2692.6 Bianca, op. cit., p. 73; Orlando Gomes, op. cit., p. 377.7 Bianca, op. cit., p. 76.8 Diez-Picazo, op. cit., p. 25.9 Castan Tobenas, op. cit., p. 739.10 Diez-Picazo, op. cit., pp. 29 e 30.11 "Qualquer um pode fazer por meio de outro o que pode fazer por si mesmo."12 Código de Direito Canônico, Cânones 1.104 e 1.105.13 Friedrich Karl von Savigny. Sistema dei Derecho Romano Atual, § 113.14 Bernardo Windscheid. Diritto delle pandette, I, p. 280; Código Civil alemão(Bürgerliches Gesetzbuch), § 164.15 Código Civil italiano, art. 1.388.

16 Código Civil português, art. 258°.17 Código Civil brasileiro, arts. 653 a 692. No direito reinícola, as OrdenaçõesFilipinas eram extremamente lacunosas na matéria, referindo-se a ela apenas nadisciplina do mandado judicial. Ordenações, livro l2 Tomo 48, § 15, e Livro 3-, Tomo29, princípio. Cf. Teixeira de Freitas. Consolidação das Leis Civis, nota l ao art. 456.18 Garcia Amigo, op. cit, 778. O trust é um negócio jurídico pelo qual uma pessoaentrega bens ou valores a outra para serem administrados em favor da primeira ou deoutrem por ela indicada. Também na agency, uma pessoa (agent) age no interesse deoutra, contratando e dispondo como se fosse ela.19 Castan Tobenas, op. cit., p. 742.---------------------

  pode concluir, na representação voluntária, o representante nada pode fazer que orepresentado também não possa. Nesta, o poder de representação é concedido pelo

Page 274: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 274/359

representado, que pode revogá-lo potestativamente, praticando ele próprio os atos queincumbira ao representante.Tanto em uma como em outra, não pode haver conflito de interesses entre representadoe representante, que torne incompatível o poder representativo e a finalidade ou funçãodesse poder. Na hipótese, pouco estudada, de representante e representado, na

representação voluntária, praticarem separadamente atos diversos, com o mesmoobjetivo, por exemplo, praticando o representado o ato para o qual tinha nomeadorepresentante, agindo este de igual modo, qual dos atos deverá prevalecer, e os seusefeitos? Como a outorga do poder de representação não tira do representado o direito deele próprio praticar o ato, em princípio, o ato que primeiro se concluir é o que seráválido e eficaz, ficando o outro sem efeito por falta de objetivo, ressalvada aresponsabilidade do representado ou do representante, em caso de culpa ou erro.20Dispõe o Código que, no tocante à representação legal, seus requisitos e efeitos são osestabelecidos nas respectivas normas, enquanto que os da representação voluntária estãofixados na Parte Especial (art. 120).Parte da doutrina admite ainda outra espécie de representação, a judicial, outorgada, na

forma da lei, pelo juiz, nos casos de falência, concordata, inventário etc. Na verdade,nada mais é do que uma representação legal, pois prevista em lei.Outra espécie seria ainda a orgânica, compreendendo aspectos da representação legal eda voluntária.21Representação orgânica é a que compete aos órgãos externos com que uma pessoa

  jurídica atua. Caracteriza-se pela circunstância de o órgão representativo ser parteintegrante da própria estrutura, agindo não individualmente mas como parte do próprioente. Sendo, porém, a declaração de vontade emitida pela pessoa física encarregada derepresentar o ente, para o que deve estar devidamente qualificada, a distinção entre essa

 pessoa física, que atua como órgão de representação, e a pessoa jurídica propriamentedita, explica a alegada representação orgânica. Outros entendem que a hipótese é apenasde representação legal, já que, na forma da lei, as pessoas jurídicas devem ter órgãosque manifestem a sua vontade. A opinião dominante é no sentido de que a chamadarepresentação orgânica consiste apenas na atuação da própria pessoa jurídica por meiodos seus órgãos (CC. art. 46, III), não constituindo, de per si, espécie autônoma dofenômeno da representação. Como diz Pontes de Miranda, "o órgão da pessoa jurídicanão é representante legal. A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de representação,que ele UM n, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica, por isso mesmo r dentro e segundo o que se determinar no ato constitutivo, ou nas deliberações

  posteriores". "Quando o órgão da pessoa jurídica praticar o ato (...), não hárepresentação, mas presentação."22

4. A representação voluntária. O poder de representação. Conceito. Natureza. Fontes.A representação voluntária pressupõe uma declaração de vontade, um negócio jurídicounilateral, com que o declarante concede a outrem o poder de representá-lo na prática deatos jurídicos.Poder de representação é o poder que alguém (o representado) concede a outrem (orepresentante), para agir, com eficácia jurídica, em nome do concedente. Caracterizauma situação jurídica atribuída ao representante, na qual este pode atuar com eficácia naesfera jurídica alheia.23Quanto à sua natureza jurídica, divergem as teorias. Para alguns/''1 o poder derepresentação é um desdobramento da capacidade de fato. Assim como a pessoa temaptidão para agir no âmbito de sua própria esfera jurídica, também o pode fazer na de

outrem, desde que se lhe outorgue poder de representação. Segundo outros/5 o poder derepresentação seria um direito subjetivo. Para outros ainda,26 seria um poder funcional

Page 275: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 275/359

a serviço do interesse de terceiros. Tais concepções são criticáveis. Considerar o poder de representação como manifestação da capacidade de fato do repre-sentado é ampliar as dimensões dessa capacidade, o que não é correto, considerando-se o caráter 

  personalíssimo desse atributo. Equiparar o poder de representação a um direitosubjetivo não parece mais aceitável, o que aliás se manifesta na doutrina alemã, onde

"existe grande incerteza acerca da situação jurídica criada pela representação". São doisconceitos inadequados entre si. O direito subjetivo é um poder de agir e de exigir deoutrem determinado comportamento. É categoria jurídica definida e precisa, a serviçodos interesses do próprio titular. Tal não ocorre com o poder de representação, que nãoestá a serviço de um titular, nem é completamente livre. Do mesmo modo quanto aodireito potestativo. Aceitável seria considerar esse poder como instrumento decooperação social, com poder de agir em nome e no interesse do representado. Seria umconceito funcional. Para outros ainda, a representação configuraria uma outorga delegitimidade, uma autorização concedida a alguém para atuar juridicamente na esfera

 jurídica do autorizante,27 como "exercício de um direito alheio".O poder de representação tem sua fonte na autonomia privada (representação

voluntária), na lei (representação legal) ou em decisão judicial (representação judicial), para os que distinguem esta última espécie. Na primeira, é a vontade do outorgante,expressa no negócio jurídico da procuração. Só há representação se o representadoquiser. Na segunda, é a própria lei que outorga os poderes representativos, como noscasos do pátrio poder, da tutela, da curatela, limitando-os e disciplinando-lhes orespectivo exercício. Finalmente, existem casos em que é o juiz que designa "a pessoaque, em determinadas circunstâncias, deve representar outra", como nas hipóteses dosíndico, do comissário, do liquidante e do inventariante nos processos de falência,concordata, dissolução de pessoas jurídicas ou inventário.5. Conteúdo do poder de representação. Poderes gerais e especiais. Conteúdo do poder de representação são as faculdades de atuação de que dispõe o representante.Classificam-se, conforme a sua extensão e eficácia, em poderes gerais e especiais (CC,art. 660).Poderes gerais são os conferidos para os atos de administração ordinária, isto é, os atosde gerência que não implicam em alienação, salvo no caso de bens de fácil deterioraçãoe dos destinados especificamente à venda.28 Seu objetivo é a conservação das coisas cdos direitos do representado. Existem, porém, atos de disposição que são atos deadministração, como a venda dos frutos e produtos obtidos pelo administrador, assimcomo dos materiais inservíveis. Poderes especiais são os que se concedem para certo edeterrni nado ato jurídico, precisando-se o bem objeto do ato, assim como a natureza

 jurídica deste.29 Sendo exceção, constituem sempre uma exigência da lei, como no caso

de celebrar-se um casamento poi procuração. Outro aspecto distintivo está em que "ocaráter especial de poder permite um tipo de revogação tácita, como a designação de umnovo procurador para o mesmo negócio" (CC, art. 687), o que não se verifica no caso de

 poderes gerais. A lei refere-se expressamente a alguns atos para os quais são necessários  poderes especiais, como para alienar (vender, doar), hipotecar, transigir, assimcomo quaisquer outros que exorbitem da administração ordinária (CC, art. 661, par. 1°).A regra geral é a necessidade de poderes especiais para os atos que saiam do âmbito daadministração ordinária, por exemplo, assinar compromisso judicial ou extrajudicial,receber e dar quitação, confessar dívida ou obrigação, remitir dívidas, renunciar adireito, fazer novação, contrair empréstimo, fazer opção, emitir, endossar e avalizar títulos de crédito, receber-lhes os juros, casar e praticar, em geral, qualquer ato de

direito de família, prestar fiança, tomar posse, dar queixa-crime ou denúncia, assinar escritura de constituição de sociedade, participar de assembléia-geral de sociedade por 

Page 276: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 276/359

ações, requerer naturalização, receber citação, confessar, arrematar, adjudicai ou remir  bens, desistir da ação ou de qualquer recurso, ratificar, requerer homologação de cartade sentença, requerer falência, assinar termo de inventariante ou de testamenteiro,

 prestar declarações no inventário e contas da testamentaria, fazer partilha amigável,requerer 

20 Ruggiero, op. cit., p. 245. Com opinião contrária, no sentido de verificar-se umarevogação tácita quando o representante pratica, ele mesmo, o ato para que constituírarepresentante, Clóvis Beviláqua em comentário ao art. l. 316 do Código Civil.o registro de marcas de indústria e comércio, constituir bem de família, aceitar doaçãocom encargo, recusar doação com ou sem encargo, emprestar, abrir créditos em bancos,aceitar ou repudiar herança, empenhar ou penhorar bens, reconhecer filho natural.30Os poderes especiais interpretam-se restritivamente; é a opinião dominante,31 porqueconstituem exceção.Conforme a natureza dos poderes concedidos, a procuração é geral quando se destina atodos os negócios do outorgante, não distinguindo os atos a cuja prática se destina, eespecial quando se destina, determinadamente, a um ou mais atos (CC, art. 660).

6. Exercício do poder de representação.O representante deve agir em nome do representado, de modo a produzir efeitos

 jurídicos na esfera jurídica dele, configurando vantagens de qualquer espécie (CC, art.116). Se o representante ultrapassar os limites da procuração, haverá excesso de poder;se agir sem o necessário poder, caracterizará a hipótese do falso ou aparente

 procurador.32 É por isso que o Código Civil determina que o mandatário apresente a procuração às pessoas com quem tratar em nome do mandante, sob pena de responder aelas por qualquer ato que lhe exceda os poderes (CC, art. 118). Neste caso, seráconsiderado mero gestor de negócios enquanto o representado não lhe ratificar os atos(CC, art. 665).Pode surgir um conflito de interesses quando os do representante forem incompatíveiscom os do representado. A hipótese mais conhecida é a do contrato consigo mesmo, (v.item 14) aquele em que "o representante assume posição de parte substancialcontraposta ao representado, ou estipula, representando as partes contrapostas". Nessecaso, "a vontade de uma só pessoa regula dois interesses em contraposição".O exercício do poder de representação compreende uma série de atos jurídicos, da maisvariada espécie, que o procurador pratica em nome e geralmente no interesse dorepresentado. Essa atividade jurídica deve ser exercida, em princípio, pelo próprio

 procurador, em virtude da confiança nele depositada pelo representado. Daí falar-se emum "ingrediente fiduciário", um intuitus personae na relação jurídica representativa,33do que resulta o aspecto personalíssimo da obrigarão de fazer que o representante

assume perante o representado. E o procurador, pessoalmente, quem deve cumprir aobrigação, o que não impede que ele se utilize de terceiros, às vezes indispensáveis, para o cumprimento da prestação.A questão da possibilidade, ou não, de o representante se substituir por terceiro nocumprimento da sua obrigação orienta-se por dois princípios fundamentais. O primeiroé aquele segundo o qual a essência da representação é a confiança do representado noseu representante, do que decorre o caráter personalíssimo da atuação deste. O segundoé o da "máxima eficácia da representação e tia conveniência da fungibilidade da atuaçãorepresentativa".De acordo com o primeiro princípio, a confiança do representado no seu representante éa base da relação jurídica, pelo que deve ser esse, pessoalmente, a executar as tarefas

que lhe foram confiadas, podendo eventualmente transferi-las a outrem, se e como orepresentado autorizar. Segundo o outro princípio, o da eficácia máxima e da possível

Page 277: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 277/359

fungibilidade da atuação representativa, deve permitir-se a substituição do representantesempre que ele não possa atuar, como, por exemplo, no caso de se encontrar doente,viajando, ou de qualquer modo impedido de executar a prestação devida.E evidente que a qualquer momento o representado pode substituir o representante, noexercício de um seu direito potestativo. O problema que se levanta é o da substituição

do representante feita por ele mesmo, por meio do chamado substabelecimento. Km quelimites e sob que condições é válida a substituição do representante, que transfere aoutrem a sua obrigação de representar o outorgante, e quais as conseqüências no caso detal substituição ultrapassar tais limites? (v. item 13)7. A procuração.

 Na representação voluntária, o poder de representação nasce r se exerce por meio da procuração, negócio jurídico unilateral com---------------------------21 Garcia Amigo, op. cit., p. 783; Bianca, op. cit., p. 79.22 Pontes de Miranda, p. 233.23 Diez-Picazo, op. cit., p. 125.

24 Oertmann, Beitzk, Kohler, Eichler, apud Diez-Picazo, op. cit., p. 126.25 Krome e Von Thur, idem, ibidem.26 Carnelutti, Invrea, idem, ibidem.27 Diez-Picazo, op. cit., p.128.28 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 1.295; João Luís Alvos.Comentários ao art. 1.295.29 Diez-Picazo, op. cit., p. 173.30 Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVIII, pp 173/179.31 Pontes de Miranda. Tratado, vol. 3, p. 257.32 Walter d'Avanzo. htituzioni di dirítto privato, p. 46.33 Diez-Picazo, op. cit., p. 191.---------------------------que uma pessoa (dominus negotii) outorga voluntariamente a outra o poder derepresentação.Quanto à sua natureza jurídica, a procuração é negócio jurídico unilateral, receptício eabstrato; negócio jurídico por ser declaração de vontade, preceito de autonomia privadadirigido à regulamentação de uma situação de interesses; unilateral porque, para a suaexistência, validade e eficácia, necessita apenas da declaração de vontade do outorgante,independentemente da aceitação do outorgado representante; receptício no sentido deque a declaração de vontade dirige-se a determinada pessoa, estabelecendo entre ela e orepresentado a relação jurídica representativa.

 No que diz respeito à sua causa, desde que fixada a diferença entre o negócio unilateralda procuração e o bilateral do mandato, cuja existência requer a aceitação domandatário, considera-se a procuração como negócio jurídico abstrato, independente deoutras relações entre representante e representado, ainda que determinantes, como nocaso de sociedade, mandato, prestação de serviços, contrato de trabalho etc. Sua eficáciadecorre apenas da concessão do poder pelo representado, e não de relações jurídicassubjacentes, porventura já existentes entre ambos.A tese da procuração como negócio jurídico abstrato baseia-se em duas premissasfundamentais: a diferença entre mandato e representação, e a diferença entrerepresentação e procuração, o negócio jurídico que cria.34 Disso resulta que a

 procuração existe e é eficaz ainda que não exista, ou seja ilícita, uma relação jurídica

subjacente a que esteja diretamente ligada, como, por exemplo, um mandato.

Page 278: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 278/359

A tese da procuração como negócio jurídico abstrato facilita a circulação de direitos e,no caso de conflito de interesses entre o dominus negotii e terceiro que contrata com orepresentante, prevalece o interesse do terceiro. Não é de admitir-se que este devainvestigar ou preocupar-se em conhecer a relação existente entre representado erepresentante, desde que, evidentemente, o terceiro esteja de boa-fé.

Embora o direito positivo brasileiro não adote a teoria da procuração como negócio jurídico abstrato, considerando-o como instrumento do mandato que lhe serve de causa(CC, art. 653), visa também proteger o terceiro de boa-fé, em face do qual "a procuração

 produz seus efeitos independentemente da relação jurídica subjacente". Ao contrário,  para quem não estiver de boa-fé, a relação subjacente repercute na eficácia da  procuração. Exemplo da proteção ao terceiro de boa-fé está na hipótese legal do pagamento a credor putativo (CC, art. 309), assim como na eficácia do negócio jurídicocelebrado com mandatário que ignore a extinção do mandato, por morte ou outra causa,do mandante (CC, art. 689).8. Os sujeitos na procuração.Podem outorgar procuração todas as pessoas capazes mediante instrumento público ou

 particular (CC, art. 654), podendo figurai um ou vários agentes, como representantes ourepresentados.Haverá pluralidade de outorgantes no caso de co-titularidade de direitos, como nahipótese de condôminos, co-herdeiros, co-credores etc. Ao darem procuração, fazem-node modo conjunto, em uma ou várias declarações de vontade, configurando um sónegócio jurídico.A procuração outorgada por duas ou mais pessoas para o mesmo negócio implica emsolidariedade ativa, vale dizer, cada uma delas fica solidariamente responsável perante o

 procurador por todos os compromissos e efeitos da procuração, garantido o direito deregresso entre os outorgantes pelas quantias pagas (CC, art. 680).Pode também haver pluralidade de representantes. Neste caso, o poder de representação

 poderá ser exercido por todos em conjunto, individualmente, ou por alguns somente.Diz a lei que na hipótese de pluralidade de procuradores, nomeados no mesmoinstrumento, qualquer deles poderá exercer os poderes outorgados, se não foramexpressamente declarados conjuntos, nem especificamente designados para atosdiferentes ou subordinados a atos sucessivos (CC, art. 672). Significa isso que os

  procuradores são nomeados para que atuem uns na falta dos outros. No caso de procuradores declarados conjuntos, será ineficaz o ato praticado sem interferência detodos, salvo havendo ratificação, que retroagirá à data do ato (CC, art. 672).O representante deve ter capacidade de fato para praticar os atos em nome dorepresentado. A lei brasileira admite porém, como representante convencional, o maior 

de dezesseis anos não-emanci-pado (CC, art. 666), sendo que o representado só poderáreclamar contra o menor, assim como o terceiro que com ele contrata, na medida do seuenriquecimento.359. A forma da procuração.Existe plena autonomia na escolha da forma do instrumento, guardadas as disposiçõesimperativas da lei.A procuração pode ser expressa ou tácita, verbal ou escrita (CC, art. 656). Para os atosque exigem forma escrita, isto é instrumento público ou particular, não se admite aforma verbal (CC, art. 657). E necessário que a procuração tenha a mesma forma donegócio a cuja celebração se destina (CC, art. 657). Não obstante a independência da

 procuração (o Código Civil alemão dispõe, no 167, que "a procuração não precisa da

forma estabelecida para o negócio a que o poder se refere"), o Código Civil brasileiroatual diversamente do anterior, exige que a procuração adote a mesma forma do negócio

Page 279: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 279/359

a que se destina, pelo que não pode constituir-se um procurador por instrumento particular para representar alguém na assinatura de um instrumento público.A procuração é expressa quando se utiliza da forma escrita ou verbal, isto é, um

 processo destinado à comunicação com outras pessoas. É tácita quando a outorga do poder de representação se deduz do comportamento do declarante, dos chamados fatos

concludentes, como ocorre, por exemplo, no caso dos empregados domésticos, que se  presumem representantes de seus patrões para a prática dos atos que entram noexercício normal de sua profissão,36 ou no caso da gestão continuada de uma empresa,com aquiescência do proprietário. Também a aceitação do representante pode ser expressa e tácita. Neste caso, pode deduzir-se do começo de execução da atividade paraque lhe foi conferida (CC, art. 659).A aceitação da procuração tácita consagra a teoria da aparência nos atos jurídicos, valedizer, é idônea para suscitar em terceiro a confiança ou a representação mental de quedita aparência corresponde à realidade. É a aplicação da concepção objetiva dainterpretação jurídica que, entre os interesses do representado e os de terceiro, visa

 proteger preferencialmente rstr último, o que é mais conforme aos interesses gerais da

dinâmica jurídica e aos princípios Urrais cia boa-fé e da segurança do tráfico jurídico. Oque tem valor, assim, é o significado objetivo do comportamento adotado.3710. A relação jurídica da representação. O elemento subjetivo.O poder de representação realiza-se na prática de atos jurídicos em nome dorepresentado, do que resultam três espécies de relações jurídicas: uma, entre esse(dominus) e o representante, outra, entre o representante e terceiros, na qual orepresentante é parte rui srntido formal, e uma outra ainda, entre esses e o dominus, qur (• parte em sentido material.A relação jurídica entre o representado e o representante, objeto do nosso estudo, devetraduzir as faculdades outorgadas a esse, qur deve respeitar e agir dentro dos respectivoslimites.A relação estabelecida entre representante e terceiros decorre da atuação dorepresentante, que age como parte, mas em sentido formal.A terceira relação é a que se estabelece entre terceiros e o dominus, por efeito daatuação do representante em nome e no interesse deste, que surge como parte emsentido material. Para que isso ocorra, é necessário porém que o representante tenhaagido em nome do representado (contemplatio domini).A expressão contemplatio domini significa, portanto, a vontade consciente, o elemento

 psicológico, a intenção comum dos agentes — que participam do negócio jurídico emque uma das partes atua como representante — de produzir efeitos jurídicos para orepresentado. Tão importante é que o art. 663 dispõe que "sempre qiir o mandatário

estipular negócios expressamente ern nome do mau damnte, será este o únicoresponsável; ficará porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprionome, ainda qur o negócio seja de conta do mandante" Se não há contemplatio domini,não há representação não há eficácia. A atuação em nome do representado é, portanto,requisito de qualificação do ato como repre-sentativo.38

 Na relação jurídica entre o representado e o representante, o primeiro é a pessoa emnome e, geralmente, no interesse de quem atua o segundo e sobre quem recaem osefeitos jurídicos dessa atuação. E o dono do negócio (dominus negotti). O ausente podeser representado (CC. art. 22) destinando-se a curadoria de ausentes a proteger-lhes osinteresses. Também o nascituro pode ser representado, com a mesma finalidade (CC.

arts. 1.778 e 1.779). Na representação voluntária, porém, o representado deve ser  plenamente capaz para que possa outorgar a outrem sua representação (CC. art. 654). O

Page 280: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 280/359

incapaz não pode constituir procurador e o relativamente incapaz poderá fazê-lo comassistência do seu representante legal.

  No caso de o representado ser pessoa jurídica, existe um problema teórico oudogmático, que é o de se saber se as pessoas físicas que atuam em nome ou por contadas pessoas jurídicas são seus representantes ou apenas órgãos de entidade. Segundo a

tese da "representação orgânica", já vista anteriormente, a pessoa jurídica "possuiórgãos permanentes" com essa função, independentemente da possibilidade de outorgar a terceiros o direito de representá-la no campo de sua atividade jurídica. Essa é adoutrina dominante na Alemanha, a Organtheorie, que considera a pessoa jurídica comoum ser com plena capacidade de atuar por meio de seus órgãos, de tal maneira que osatos realizados por eles nos seus limites de competência valem como atos da pessoa

 jurídica, sem qualquer intermediação. A pessoa considerada como órgão é a mesma pessoa jurídica atuando. Já, de acordo com a teoria da representação, a pessoa jurídicasó pode atuar por meio de um representante, sendo incapaz de agir por si mesma. Aimportância prática da distinção está na responsabilidade por ato ilícito. Se consideradaa pessoa jurídica como incapaz, o seu representante, não ela, será o responsável, pois ela

só pode ser representada nos limites da representação, vale dizer, no âmbito dosnegócios jurídicos, não na prática de ato ilícito. E seu órgão de representação extrapolar os seus poderes, a pessoa jurídica não se obriga.O direito brasileiro parece adotar nesta matéria a teoria orgânica ao referir-se àrepresentação nos atos judiciais e extrajudiciais das pessoas jurídicas no art. 46, III, doCódigo Civil e no 12, VI, do Código de Processo Civil.Talvez fosse melhor falar de uma representação necessária, nem legal nem voluntária,estabelecida pelos próprios membros da pessoa jurídica no exercício de sua autonomia

  privada,39 estabelecida no respectivo estatuto. Seria uma representação orgânica,enquanto diversa cia representação legal e da voluntária, o que não exclui que a pessoa

 jurídica tenha também esta modalidade.Pode uma pessoa jurídica ser representante de outra.l l. O elemento objetivo.Objeto da representação é o serviço que o representante deve prestar, caracterizandouma obrigação de fazer, na defesa de um bem jurídico ou de um interesse dorepresentado. Tal obrigação consiste em emitir ou receber uma declaração de vontadeque se imputará ao representado, no exercício de uma representação ativa ou passiva.A atuação do representante pode verificar-se na prática de negócios e de atos jurídicos,

  podendo requerer, reclamar, interpelar, notificar, constituir em mora o devedor dorepresentado, interromper a prescrição, escolher a obrigação alternativa que interesse aorepresentado credor, receber e fazer pagamentos etc.

O objeto deve ser, todavia, como de toda a relação jurídica, possível, lícito edeterminado ou determinável. Regra geral é que todos os interesses do representanteadmitem representação no campo do direito patrimonial. Proibições ou impedimentossão, portanto, de natureza excepcional.

 Nos atos de direito de família é restrita a representação convencional por tratar-se dematéria onde quase não vige o princípio da autonomia privada. Inadmissível, em

 princípio, no exercício de di reitos personalíssimos, não cabe também nos casos queimpliquem mudanças de estado. Admite-se porém a representação no casamen to,mediante procuração, por instrumento público, que conceda poderes especiais aorepresentante para receber, em nome do ou torgante, o outro contraente (CC. art.1.542). Pode haver representação na emancipação, na adoção, no pacto antenupcial.

 Nesse ramo do direito não se admitem poderes gerais de representação, só especiais.---------------

Page 281: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 281/359

Page 282: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 282/359

Pela inexecução total ou parcial desses deveres responde o representante por perdas edanos, aplicando-se-lhe as regras gerais da inexecução das obrigações (CC, arts. 389 a404) e as especiais, do contrato de mandato (CC, art. 667).Quanto ao representado, tem ele o dever de proporcionar ao representante os meiosnecessários para o perfeito exercício da representação (CC, art. 675), cumprindo as

obrigações por este assumidas em nome e no interesse do dominus, assim como o dever de pagar a remuneração ajustada (CC, art. 676), os juros do que o representante adiantar (CC, art. 677) e o ressarcimento das perdas que sofrer com o cumprimento darepresentação (CC, art. 678).13. O substabelecimento.Substabelecimento é o ato pelo qual o representante transfere a outrem os poderesconcedidos pelo representado. Seu objetivo é facilitar a gestão representativa, sempreque o representante não possa, ele próprio, praticar os atos a que se obrigou.O Código Civil disciplina a matéria no art. 667, §§ 1° a 4°. Quatro hipóteses podemsurgir: a) o representante pode substabe-lecer (CC, art. 667, par. 2°); b) o representantenão tem poderes para fazê-lo; c) o representante está expressamente proibido de fazê-lo

(CC, art. 667, par. 3°); d) a procuração é omissa quanto ao substabelecimento (CC. art.667, par. 4°).Se a procuração permite o substabelecimento, realizado este, o procurador não éresponsável pelos atos do substabelecido, salvo, no caso de culpa in eligendo, se tiver escolhido para substituí-lo pessoa de evidente incapacidade ou insolvência, ou infaciendo, se lhe der instruções para a gestão representativa. Havendo poderes desubstabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelosubstabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele(CC, art. 667, par. 2°)Se o representante não tem poderes para substabelecer, e o fizer, será responsável

  perante o representado pelos atos culposos do substabelecido. O Código prevê ahipótese do substabelecimento sem autorização, como se deduz da parte final do art.667. A conseqüência é a responsabilidade do procurador pelo procedimento culposo dosubstabelecido. O procurador responde "por culpa sua ou daquele a quem substabelecer,sem ter poderes especiais e expressos para isso".42Se a procuração expressamente proibir o substabelecimento e, no entanto, orepresentante o fizer, o procurador é responsável pelos danos verificados na gestão dosubstabelecido, embora decorrente de caso fortuito, salvo provando que o caso teriaocorrido ainda que sem substabelecimento (CC, art. 667, § l2).Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelosubstabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à

data do ato. Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador seráresponsável se o substabelecido proceder culposamente.  Não há forma especial para o substabelecimento, podendo ser por instrumento particular, ainda que a procuração tenha sido por instrumento público (CC, art. 655).Quanto aos poderes transferidos, o substabelecimento pode ser feito com reserva de

 poderes, o que significa dizer que o transmitente reserva para si iguais poderes, podendoagir separadamente ou em conjunto com o substabelecido; e sem reserva de poderes,quando a transferência é definitiva, eqüivalendo à renúncia, ao poder de representaçãoque lhe fora outorgado.43 Os poderes substabelecidos podem ser iguais ou menores doque os concedidos ao representante, jamais superiores, e podem ser revogados pelorepresentado ou pelo próprio representante, nos limites do que foi concedido a este.

Sendo a relação jurídica criada pelo substabelecimento (acessória da originariamenteestabelecida entre representado e representante), sua existência, validade e eficácia

Page 283: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 283/359

dependem da relação principal. Assim, a revogação ou a renúncia do poder derepresentação extin-guem também o substabelecimento.14. O contrato do representante consigo mesmo. A autocontratação.O negócio jurídico do representante consigo mesmo, também chamado deautocontratação, surge quando o procurador pratica o ato com dupla qualidade, a de

representante e a de parte, em negócio jurídico bilateral. Por exemplo, "A", procurador de "B", compra em nome próprio o objeto que está vendendo em nome de "B".4'1 Amesma pessoa tem poder dispositivo sobre dois patrimônios independentes, o seu e o dorepresentado.Sua origem está na prática mercantil das cidades medievais italianas e alemães, em queos banqueiros e comerciantes em geral, intitulando-se representantes de seus clientes,contratavam, pessoalmente, em nome deles, consigo mesmos. Embora inicialmentecondenada pelos juristas, essa prática generalizou-se, podendo dizer-se que,teoricamente, nada há que impeça a construção de tal figura jurídica.O Código Civil brasileiro parece condenar, a priori, a autocontratação, ao proibir, nosarts. 1.749 e 497, a compra, ainda em hasta pública, pelos representantes legais,

convencionais ou judiciais, dos bens confiados à sua guarda e administração. O Códigode Processo Civil é expresso, nesse sentido, ao proibir a arrematação pelos mandatáriosquanto aos bens, de cuja administração ou alienação estejam encarregados (CPC, art.690, II). Vem-se admitindo, porém, esse negócio jurídico, quando a representação éconvencional e o representante tem poderes para administrar ou vender a coisa.45 Nocaso de outorga de outros poderes, não haverá impedimento para essa aquisição.46Além disso, Código não proíbe a compra, pelos mandatários, dos bens cujaadministração ou alienação estejam encarregados (CC, art. 497).São pressupostos da autocontratação, um negócio jurídico bilateral, uma intervenção doagente com dupla qualidade, isto é, em seu próprio nome e interesse, e em nome do seurepresentado, vale dizer, um negócio com duas partes e uma declaração de vontade deum só agente.Embora teoricamente possível na teoria geral do direito, e praticamente utilizada, afigura da autocontratação sofre restrições por parte de alguns setores doutrinários quenão a aceitam, dada a possibilidade de conflito entre os interesses do representado e osdo representante. Se impossível tal conflito — e não se ponha em risco a imparcialidadedo representante ou ainda, se existir autorização do dominus negou — não há razão parase inadmitir tal figura. O autocontrato é válido, portanto, sempre que existaconcordância do representado, ou não haja conflito de seus interesses com os dorepresentante, sendo impossível o abuso da confiança neste depositada. E o consagradonos mais recentes Códigos Civis, como o italiano, art. 1.395, e o português, art. 2612. A

concordância do representado pode ser anterior ou posterior ao ato (ratificação). Inexiste possibilidade de conflito quando o re-presentante, realizando o autocontrato, segue asrecomendações do representado quanto às condições contratuais, designadamente, aforma, o preço e as condições de pagamento, o prazo contratual etc. Neste caso, orepresentante, adquirindo a coisa do representado, fá-lo nas mesmas condições quequalquer outra pessoa.O Código Civil de 2002, todavia, dispõe ser anulável o negócio jurídico que orepresentante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo, salvose o permitir a lei ou representado (CC, art. 117). Complementa-se esse dispositivo como art. 119, segundo o qual é anulável o negócio concluído pelo representante emconflito de interesse com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de

quem com aquele contatou. Os interesses do representante são incompatíveis com os dorepresentado.

Page 284: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 284/359

15. Extinção da representação. Não contendo o Código Civil brasileiro uma disciplina autônoma da representação,estabelecendo apenas princípios gerais no.s atls. 115a 120, na matéria do negócio

 jurídico, é no capítulo do mandato que se devem buscar as regras pertinentes à extinçãodo poder de representação.

Extinguem o poder de representação a sua revogação, a renúncia, a morte ou interdiçãode uma das partes, a mudança de estado que inabilite o mandante para conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer, e o término do prazo ou a conclusão donegócio.Figuram em primeiro lugar a revogação e a renúncia, corno demonstração inequívocado caráter personalíssimo da relação representativa e da confiança que nela deve existir.Faltando esses elementos, extingue-se a representação, por decisão unilateral(revogação e renúncia), ou pela mudança da situação subjetiva ou clc qualquer das

 partes (morte, interdição, mudança de estado), ou ainda circunstâncias que modifiquemsubstancialmente a base objetiva do negócio,47 como término do prazo ou a conclusãodo negócio.

Distinguindo-se o mandato da representação, também se distinguem a revogação de ume de outro. Mas como o nosso Código Civil não os separa, revogado o primeiro,revogada está a segunda,A revogação é o ato pelo qual o representado priva de eficácia a procuração,extinguindo o poder do representante.48 É decisão unilateral do representado, baseadaexclusivamente no seu arbítrio pessoal. O ato de revogação, mais do que exercício deum direito potestativo, é negócio jurídico unilateral e receptício.49 Negócio---------------40 Diez-Picazo, op. cit., p. 90.41 Súmula n2 165 do STF: Sobre a compreensão e amplitude dessa Súmula, cfr.Roberto Rosas, Direito Sumular, 11a edição, revista e atualizada, São Paulo, MalheirosEditora Ltda, 2002, p. 81.42 Carvalho Santos, op. cit, p. 242.43 Orlando Gomes. Contratos, p. 398.44 Mota Pinto, op. cit., p. 416; Diez-Picazo, op. cit., p. 205.45 RT 32/40; Wilson Bussada. Código Civil Brasileiro Interpretado pelos Tribunais,vol. 4, tomo IV, pp. 266, 302.46 RT 489/76.47 Diez-Picazo, op. cit, p. 293.48 Bianca, op. cit., p. 103.49 Pontes de Miranda, op. cit., p. 308; Diez-Picazo, op. cit., p. 299.

--------------- jurídico por ser ato de autonomia privada, no que tem de criador de uma nova situação jurídica, extinguindo a que nasceu com a procuração; unilateral, porque formado comuma só manifestação de vontade, e receptício porque necessariamente dirigido a uma oumais pessoas.A revogação pode ser expressa e tácita, considerando-se que a lei não estabelece formaespecial para esse ato. Expressa, quando manifestada inequivocamente, e tácita, quandodedutível de um "comportamento incompatível com a vontade de manter norepresentante o poder de representação", como ocorre, por exemplo, quando orepresentado outorga a outrem poder de representação para a prática dos mesmos atos(CC. art. 687), ou quando o representado realiza, ele mesmo, a atividade para que

constituíra representante.50

Page 285: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 285/359

Deve a revogação ser comunicada ao representante e a terceiros, pelo que se dizreceptícia, sem o que será ineficaz, isto é, a procuração produz efeitos até o momentoem que representante e terceiros fiquem cientes da revogação. Desconhecendo estes arevogação, e estando assim de boa-fé, são válidos os atos que praticarem com basenessa representação, ficando o representado "obrigado para com os que trataram com o

 procurador destituído" (CC, art. 686), podendo agir contra este. É irevogável o mandatoque contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quaisse ache vinculado. Deve-se frisar, porém, que o Código Civil não exige expressamente anotificação, a terceiros, da revogação. A revogação pode ser ainda, total e parcial,objetivando, neste caso, apenas alguns poderes concedidos.A renúncia é ato unilateral do representante que extingue o vínculo representativo. É,também, declaração de vontade receptícia, pois deve ser comunicada ao representado, afim de permitir que este tome as providências necessárias, quer substituindo o renun-ciante, quer assumindo a gestão do próprio negócio. Qualquer prejuízo decorrente dainoportunidade da renúncia, ou da falta de tempo para substituir o representante, cria

 para este a obrigação de indenizar o representado, salvo se provado não poder manter-se

a representação sem prejuízo considerável para o representante a quem não era dadosubstabelecer (CC, art. 688). Pode, todavia, obrigar-se este a não renunciar durante certo

 período,51 respondendo por perdas e danos se descumprir a obrigação assumida.A morte do representado ou do representante extingue o vínculo representativo devidoao caráter personalíssimo deste, salvo no caso de ser condição de um contrato bilateralou meio de cumprir obrigação contratada (CC, art. 684), como ocorre na hipótese do art.674, em que o representado deve concluir o negócio já começado se houver perigo nademora.Se falecer o representante, pendente o negócio a ele cometido, os herdeiros devemavisar o representado, tomando as providências necessárias ao cumprimento darepresentação. Devem limitar-se, porém, às medidas conservatórias, ou continuar osnegócios pendentes de modo a evitar prejuízos para o representado (CC, arts. 690 e691), nos limites dos poderes concedidos ao representante.Também a interdição extingue a representação, pela mudança de estado que acarreta

 para qualquer das partes (CC, art. 682, II), impedindo a prática pessoal de atos jurídicos. Necessária, porém, a sentença que interdita o representante ou o representado.A mudança de estado que inabilite o representado para conferir os poderes ou orepresentante para os exercer significa a incapacidade superveniente de qualquer deles

 para a prática dos atos da vida civil, o exercício dos direitos, o que hoje em dia resume-se, basicamente, à hipótese já considerada da interdição, estando revogadas as restriçõesantigamente existentes para a mulher casada e o falido.

Extingue também a representação o término do prazo ou implemento de condiçãoresolutiva a que esteja subordinada, assim com a conclusão do negócio para que tenhasido concedida.Extinta a representação, não pode o representante agir em nome e no interesse dorepresentado, a não ser para conduzir o negócio já começado, se houver perigo nademora (CC, art. 674). São válidos, quanto aos contraentes de boa-fé, os atos com elesajustados pelo representante, ignorando este a extinção da representação. As causas deextinção da procuração são assim inoponíveis aos terceiros de boa-fé, que a ignoramsem culpa (CC, art. 686).l6. A procuração irrevogável e a procuração em causa própria.A revogabilidade da procuração é a regra (CC, art. 682, I) por ser a outorga do poder de

representação um ato de autonomia privada. A irrevogabilidade seria contrária a tal princípio, assim como ao da igualdade recíproca das partes.

Page 286: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 286/359

A doutrina e a legislação moderna aceitam, porém, a irrevogabilidade da procuração,sendo expresso o Código Civil nesse sentido, no art. 683. A procuração é, entãoirrevogável quando convencionado que o outorgante não possa revogá-la, ou for emcausa própria a procuração dada; nos casos, em geral, em que for condição de umcontrato bilateral, ou meio de cumprir uma obrigação contratada, ou ainda, quando

conferido ao sócio, como administrador ou liqui-dante da sociedade, por disposição docontrato social, salvo se diversamente se dispuser no estatuto, ou em texto especial delei (CC, art. 1.019).A irrevogabilidade da procuração poderá decorrer então de ter sido convencionada emcláusula expressa da procuração. Nesse caso, se o representado a revogar, responderá

 por perdas e danos (CC, art.683). É também irrevogável a procuração em causa própria(in rem propriam, in rem suam), espécie em que se outorgam poderes ao procurador 

 para administrar certo negócio, como coisa sua, no seu próprio interesse,52 como, por exemplo, na procuração conferida ao credor para vender um bem do representado, e

 pagar-se com o preço da venda. Caracteriza-se por ser irrevogável pelo constituinte,irrenunciável pelo procurador, pois que a "renúncia implicaria a devolução do negócio

ao constituinte", inextinguível pela morte de qualquer das partes, pela liberação dorepresentante de prestar contas e por ser título de transferência de direitos pessoais. A

 procuração em causa própria pode ser outorgada para alienação de bens móveis eimóveis, podendo o representante transferi-los para si mesmo, desde que obedecidas asformalidades legais (CC, art. 685). Pode ser feita por instrumento particular, quando nãoexigível escritura pública, e substabelecida, desde que sem reserva de poderes, pois queisto desnaturaria o próprio instituto.------------50 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 1.316. Com opinião contrária,Ruggiero. Cf. nota 20.51 Idem, comentário ao art. 1.320.52 Domingos Sávio Brandão de Lima. Origens e Evolução da Procuração em CausaPrópria, p. 85.------------

CAPÍTULO XIVElementos Acidentais do Negócio Jurídico Condição. Termo. Encargo.

Sumário: 1. Introdução. O negócio jurídico no plano de sua eficácia. Os elementosacidentais. 2. A condição. Conceito e razão de ser. 3. A natureza jurídica da condição. 4.Atos condicionáveis e atos puros. 5. Condição voluntária e condição legal. 6. Condição

e pressuposição. 7. Elementos da condição. 8. Espécies de condição. 9. Condiçõescasuais, potestativas e mistas. 10. Condições possíveis e impossíveis. 11. Condiçõeslícitas e ilícitas. 12. Condições suspensivas e resolutivas. 13. Condições positivas enegativas. 14. Pendência da condição. 15. Implemento da condição. 16. O problema daretroatividade da condição. 17. As teorias acerca da retroatividade da condição. 18. Odireito brasileiro. 19. O termo. 20. Espécies de termo. 21. Os prazos e sua contagem. 22.Modo ou encargo.

1. Introdução. O negócio jurídico no plano de sua eficácia. Os elementos acidentais.A constituição, modificação ou extinção das relações jurídicas são os chamados efeitosdo negócio jurídico e formam, assim, o plano da eficácia.

O negócio jurídico existe no momento em que se reúnem os seus elementos estruturaisou essenciais, a manifestação de vontade, o objeto c a forma. Tal existência é

Page 287: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 287/359

momentânea;1 o que se prolonga no tempo são os respectivos efeitos, acontecimentosou fatos que traduzem mudanças de situações jurídicas externas. Tais efeitos, vale dizer,a eficácia jurídica, são produto e medida da autonomia privada das partes queestabelecem os efeitos que desejam produzir, nos limites estabelecidos pelo direito.Enquanto a existência do negócio jurídico depende da reunião de seus elementos

estruturais, por isso mesmo ditos essenciais, a sua eficácia pode ser modificada por outros elementos à disposição do agente que os utiliza, de acordo com os seus motivos einteresses particulares. Tais elementos são acidentais, não no sentido de seremindiferentes ao direito, pois que, uma vez inseridos no negócio jurídico, têm o mesmovalor dos elementos essenciais, mas no de que são estranhos ao esquema típico que a lei

 prevê.2 Distinguem-se dos primeiros por depender a sua inclusão no negócio da vontadedas partes, enquanto naqueles é a lei que os determina.Elementos acidentais são os que se acrescentam à figura típica do ato para mudar-lhe osrespectivos efeitos. São, assim, instrumentos de eficácia à disposição do agente paraadaptar os efeitos de sua manifestação de vontade a circunstâncias futuras.Esses elementos acidentais são expressos em cláusulas acessórias, modificativas, donde

também chamar-se-lhes modalidades. Seu número é infinito, mas os mais freqüentes, e por isso mesmo disciplinados em lei, são a condição, o termo e o modo ou encargo, queas partes podem incluir nas cláusulas dos negócios jurídicos.2. A condição. Conceito e razão de ser.Condição é o acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio

 jurídico. Da sua ocorrência depende o nascimento ou a extinção de um direito.3 Sob oaspecto formal, apresenta-se inserida nas disposições escritas do negócio jurídico, ra/ão

 por que muitas vezes se define como a cláusula que subordina o efeito do ato jurídico aevento futuro e incerto (CC. art. 121).São exemplos de negócios jurídicos sujeitos a condição uma compra e vendasubordinada à existência do objeto em determinada quantidade [CC. art. 459), (umasafra de arroz), a venda a contento (CC, art. 509), uma doação subordinada a umdeterminado evento pessoal, uma disposição em testamento condicionada à verificaçãode certo acontecimento, o contrato de alienação fiduciária em garantia, em que a

 propriedade do adquirente se condiciona ao pagamento total do preço etc.O termo condição, aqui utilizado em sentido estritamente técnico, pode ser empregadocom outro significado, como freqüentemente também se faz para designar apenas assimples disposições que formam um contrato ou um testamento, o que maiscorretamente devia ser denominado de cláusulas apenas. Com este sentido muito maisgeral, não técnico, encontram-se inúmeras referências no Código Civil4.A condição utiliza-se apenas nos negócios jurídicos, porque apenas estes são o

instrumento da autonomia privada, aplicando-se, por analogia, a alguns atos jurídicos. Não há condição sem autonomia privada.5Os atos que não admitem condição denominam-se atos puros.6 Rigorosamente, apenasentre os negócios jurídicos poder-se-iam encontrar atos puros, pois os atos jurídicos nãosão, em princípio, suscetíveis de condicionamento pela vontade particular, porque nãosão atos de autonomia privada.A razão de ser da condição está na circunstância de ela constituir-se em instrumento datécnica jurídica com que se assegura a importância dos interesses ou motivos

 particulares do agente, em princípio juridicamente indiferentes na prática do negócio jurídico.7 O direito reconhece-a como "instrumento jurídico à disposição do agente paraadaptar os efeitos de sua declaração de vontade a circunstâncias especiais,

imprevisíveis, futuras, de modo que, ocorrendo certos fatos, nasçam ou se extingamcertos direitos".

Page 288: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 288/359

Page 289: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 289/359

efeitos. Por outro lado, a condição não é acessória, mas elemento integrante do negócio.Temos então que, no tocante à relação vontade-condição, no negócio jurídicocondicionado não há vínculo de subordinação da primeira à segunda. São os efeitos, nãoa vontade negociai, que dependem do evento condicionante.Também quanto à questão da unidade ou dualidade volitiva, o que existe é uma só

vontade, nela se integrando a condição, que limita os efeitos, não a vontade.4. Atos condicionáveis e atos puros.A regra geral é a admissibilidade da condição em todas as espécies de negócio jurídico.São condicionáveis os contratos, as disposições testamentárias e transferência da posse e

 propriedade de coisas móveis ou imóveis, a constituição, transferência ou extinção dosdireitos reais de modo geral, enfim, os atos de autonomia privada, como, por exemplo avenda com pacto de retrovenda, a venda a contento, a venda com reserva de domínio.15Mas a lei, a natureza dos interesses a proteger e a própria consideração devida à partecontrária, estabelecem limitações a essa regra, criando várias exceções. Não comportam,assim, condição os negócios jurídicos unilaterais que devam ter eficácia imediata, nãoadmitindo incerteza, como a aceitação e renúncia de herança (CC, art. 1.808, 1a parte),

ou de legado, a aceitação ou impugnação de inventariante ou testa-menteiro, acompensação (CC, art. 368), os títulos de crédito, a revogação, a denúncia,16 aexistência de pessoa jurídica.17 Também não comportam condição a procuração

 judicial, a interpelação, ;\ gestão de negócios, a escolha nas obrigações alternativas.1Uma outra categoria, a dos atos jurídicos em senso estrito, cm que é irrelevante ointento das partes, também inadmite a condição, precisamente porque os efeitos sãodeterminados em lei, diversa mente do negócio jurídico cuja eficácia é ex voluntate.São, assim, incondicionáveis o casamento, a ratificação de casamento anulável, oexercício dos direitos e deveres conjugais, o reconhecimento da filiação, a adoção, aemancipação, a aceitação de tutela e de curatcla, o exercício do poder familiar, o regimematrimonial. Compreende-se que assim seja. Sendo a condição elemento acidental donegócio jurídico e este, por excelência, o instrumento da autonomia privada, os atos dedireito de família, onde quase não há campo para essa autonomia, são incondicionáveis.Também não admitem condição os atos pertinentes ao exercício dos direitos subjetivos

 personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à honra, à dignidade pessoal, à liberdade de locomoção, à segurança, à legítima defesa, à liberdade de crençae de opinião, ao direito de propor ação, invocando a tutela jurisdicional do Estado.Pode-se dizer, sinteticamente, que são incondicionáveis:a) os negócios jurídicos que, por sua função, inadmitem incerteza; b) os atos jurídicoslícitos; c) os atos jurídicos de família, onde não atua o princípio da autonomia privada,

 pelo fundamento ético social existente; d) os atos referentes ao exercício dos direitos

 personalíssimos.Os atos jurídicos que não comportam condição denominam-sr atos puros (actuslegitimi}.19 Na verdade, somente os negócios ju-----------------------1 Domenico Barbero. Sistema dei diritto privato italiano, p. 565.2 Giuseppe Stolfi. Teoria dei negozio giuridico, p. 169: Francisco Messineo.Manuale di dirito civile e commerciale, i, p. 478.3 Lacerda de Almeida. Obrigações, p. 137; Eduardo Espínola. Manual do CódigoCivil Brasileiro, Das Modalidades do Ato Jurídico, p. 51; Pontes de Miranda. Tratadode Direito Privado, V; Vicente Ráo. O Direito e a Vida dos Direitos; Orlando Gomes.Introdução ao Direito Civil. Cap. 27, XIX; do Autor. Da Irretroatividade da Condição

Suspensiva no Direito Civil Brasileiro, p. 77; Carlos Alberto Dabus Maluf. AsCondições no Direito Civil, Doutrina e Jurisprudência, p. 4.; Andreas Von Thur. Teoria

Page 290: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 290/359

general dei Derecho Civil alemán, vol. III; Karl Larenz, Algemeiner Teil dêsBürgerlichen Rechts,25; Jacques Ghestin. Traité de Droit Civil. La formation ducontraí; Henri de Page. Traité élémentaira de droit civil belge. I e II; Bruxelles. ÉmileBruylant, 1962; p. 224 e segs.; Domenico Barbero, Condizione in Novíssimo digestoitaliano, III, p. l .097; Piclro Rescigno, Condizione in Enciclopédia dei diritto, VIII,

Milano, Giuffrè, 1961, p. 775.4 Como disposição ou cláusula encontra-se no Código Civil brasileiro nos a rt if,< >s167, II, 278, 436, parágrafo único. Significando circunstâncias, requisitos, formnlidades, nos arts. 46, VI, 61, par. 2°,1.717, 202,11, 1.617, 1.737, 1.288, 1.322,33.5, II,515, 654, par. 2°, 823, 932, II, 854, 855, 856, 859. Referindo-se a estado e acircunstâncias pessoais, arts. 152, 1.565, caput, 1.634, VII, 1.740,1, 1.412, 872, 965,1.Tecnicamente, nos artigos 6°, par. 2° da Lei de Introdução, e arts. 140,121, 122, 123, I,II, III, 125, 127 e 128, 129, 130, 126,135, 136, 199, l, l.WJS, 11,1.613, 234, 332, 876,455, 450, par. único, 456, 457, 458 a 461, 481, 485,486, 489, 482, 492, 494, 490, 491,495, 496, 497, I, II, III, IV, par. único, 498, 500, par. 1°, 503, 504, 505, 507, 508, 509,511, 1.808, par. I°e2°, 1.924, 1943,1.949, 1.951 e 1.958. Significando restrição, arts.

1.693, III, 1.320, par. 2", 347, II, 1.900, I, 1.848, todos do Código Civil. Cf. NehemiasGueiros, Da Condição em face do Código Civil, p. 42, e Pontes de Miranda, op. cit,tomo V, p. l 77.5 Pontes de Miranda, op. cit., p. 105; Von Thur, op. cit, III, p. 305, nota 5.6 Ver item ns 4.7 Rescigno, op. cit., p. 765.8 Quanto à pressuposição ver item n2 6.9 Von Thur, op. cit., pp. 305 e 306.10 Oertman. Die Rechtsbedingung, p. 28, apud Larenz, op. cit., p. 680. Quanto àcondição legal ver item n° 511 Falzea. La condizione e gli elementi dellatto giuridico, p. 71.12 Windscheid. Diritto delle pandette, p. 3413 Cariota Ferrara. // negozio giuridico nel diritto privato italiano, p. 669.14 Pontes de Miranda, op. cit., pp. 99 e 216.15 Código Civil brasileiro, arts. 505, 509 e CPC de 1939, arts. 343 e 344.16 Denúncia é, em direito civil, a notificação ou ciência que se dá a alguóin d;iexistência de uma ação ou processo, a fim de que venha a participar de k1.17 Von Thur, op. cit., p. 323, explicitando-se em nota que o estatuto pode dispor que aduração da associação ou da fundação dependa de uma condição resolutiva.18 Idem, ibidem.----------------------

rídicos é que poderiam ser considerados puros, pois neles é que'se aprecia o problemada oponibilidade ou não da condição. Os atos jurídicos em senso estrito, onde não hácampo para o exercício da autonomia privada, não deveriam suscitar o problema. Noentanto, a doutrina que aborda o assunto, contemporaneamente, engloba atos e negóciosna perspectiva comum da incondicionalidade.A condição nesses atos é tida em princípio como inexistente. O ato vale e a restriçãonão é aceita. No casamento, porém, a declaração matrimonial não pode ser condicionada sob pena de nulidade.20 Do mesmo modo, a adoção. Na emancipação quedecorre da lei, eventual condição que lhe oponha por vontade das partes é tida comoinexistente, porque ineficaz; na que decorre da outorga dos pais, a condição anula-a.215. Condição voluntária e condição legal

Distingue-se a condição voluntária (condido facti) da condição legal {condido iuris}.

Page 291: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 291/359

Ambas as figuras são requisitos de eficácia do negócio jurídico. A condição voluntária éevento futuro e incerto de que dependem os efeitos do negócio jurídico. São as partesque a estabelecem. Já a condição legal é também um evento condicionante da eficácianegociai, só que estabelecido por lei. A condição legal não é uma condição jurídico-negocial, é um requisito de eficácia do negócio jurídico, inexistente no momento da

celebração mas de possível aposição posterior22 por exemplo, a aprovação de umcontrato pelos órgãos públicos competentes, ulterior à celebração, como ocorre emmatéria de seguros, importação, exportação, transporte público, mineração etc.

 No Código Civil encontram-se algumas condições legais, como, por exemplo, a mortedo testador antes do legatário, para que o legado produza o seu natural efeito (CC, art.1.939, V).6. Condição e pressuposição.Figura próxima à condição, com elementos idênticos, é a pressuposição. Ambastraduzem a subordinação da eficácia do negócio a um acontecimento incerto,correspondente aos motivos individuais que levaram o agente a praticar tal negócio,mas, no caso da pressuposição, o evento é "não-declarado (pretérito, presente ou

futuro), porém resultante das circunstâncias sem as quais o negócio não se teriarealizado e cuja falta, por conseguinte, o rescinde".23 A pressuposição não resulta dadeclaração de vontade, mas das próprias circunstâncias do caso, representando aaplicação do princípio c In boa-fé, já que seu pressuposto "é que a circunstância cujanão-veri-ficação deverá rescindir o negócio, ainda que não declarada, era, não obstante,tão implícita, nas condições de tempo e lugar em que ocorreu o negócio, que a outra

 parte não pode, de boa-fé, afirmar não ter entendido que a eficácia do negócio estava aela subordinada".24 Foi Windscheid quem deu forma a essa figura da técnica jurídica,definindo-a como uma condição não-desenvolvida,2S um meio-termo entre o motivo ea condição. "O declarante quer que se verifique o efeito somente no caso de existir determinada circunstância, mas ele não chega a subordinar e efeito ao evento."26 Nãose verificando tal circunstância, deve resolver-se o negócio.De modo sintético, pode dizer-se que a condição diferencia-se da pressuposição nosseguintes aspectos: a) enquanto a primeira se formula expressamente, a segunda estáimplícita na vontade negociai; b) a condição é acontecimento necessariamente futuro eincerto, enquanto na pressuposição o evento pode ser também passado ou presente; c)na condição, a produção dos efeitos, ou permanência, depende da verificação do evento,enquanto na pressuposição o negócio é puro e simples e produz os seus efeitos desdeque nasce.27A pressuposição só teria interesse quanto a fatos futuros, pois que, quanto aos passadosou presentes se confundiria com o erro na declaração de vontade. E no caso de não se

verificar, qual a conseqüência? Deve-se resolver o negócio?O direito brasileiro não aceitou objetivamente essa figura, embora, quanto acircunstâncias futuras, lhe dê certo acolhimento, como no caso da resolução de contratos

  por onerosidade excessiva (CC, art. 475). Modificou-se, desse modo, a rigidez do princípio da força obrigatória do contrato, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, sendo manifesta porém tal recusa no disposto do art. 90, em que "só vicia o ato afalsa causa (motivo), quando expressa como razão determinante ou sob forma decondição".7. Elementos da condição.A existência de uma condição pressupõe os seguintes elementos: voluntariedade,futuridade, incerteza e possibilidade. As partes devem querer e determinar o evento. Se

a eficácia do negócio jurídico for subordinada por determinação de lei, não haverácondição e sim, condido iuris (CC, art 121). O evento há de ser futuro. Se já verificado

Page 292: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 292/359

ou contemporâneo à prática do negócio, não o condiciona.28 Há de ser também incerto, podendo verificar-se ou não. A incerteza deve ser objetiva, subsistente para todos. Oacontecimento certo não é condição, é termo, e o direito decorrente do negócio nãocondicional, mas certo. A incerteza pode manifestar-se no se e no quando (se o Papavier ao Rio de Janeiro, dies incertus an, incertus quando], no se, mas não no quando (se

o Papa governar 25 anos, dies incertus an, certus quando], somente quando (no dia emque o Papa morrer, dies certus an, incertus quando]. A condição configura-se nas duas primeiras hipóteses; na terceira, um termo.29 A futuridade e a incerteza conjugam-se,sendo inter-relacionadas.O evento há de ser natural e juridicamente possível. Se impossível, não há incerteza enão se verificará o estado de pendência, próprio do ato condicionado. A condição diz-seimprópria. A possi bilidade está em função da seriedade no querer, pois subordinai' ;\eficácia do negócio jurídico a um evento impossível significa não querer.As condições fisicamente impossíveis têm-se por inexistentes quando resolutivas (CC,art. 124), desde que sejam originárias, isto é, quando já o eram no momento da práticado negócio. Sc- ;i impossibilidade for superveniente, a condição será falha, não se

verificará, e o ato vale.A impossibilidade jurídica assemelha-se à ilicitude.30Condições ilícitas são as contrárias à ordem pública, às normas imperativas, aos bonscostumes.As condições física ou juridicamente impossíveis, quando sus-pensivas, invalidam osatos a elas subordinados (CC, art. 123, I).31 A impossibilidade difere da contrariedade,que significa ilogicidacle entre a vontade e o evento, isto é, incompatibilidade entre acondição e a vontade, o que caracteriza as condições contraditórias ou perplexas,incompatíveis com o negócio jurídico, defesas em nosso direito, por privarem o ato detodo efeito (CC, art. 122). Tais condições "pressupõem um fato inconciliável com asubsistência do efeito jurídico querido, produzindo uma contradição na declaração devontade". Os exemplos são históricos.32 Sua ocorrência produz a nulidade do ato.-------------------19 Sobre os actus legitimi, cf. do Autor. Da Irretroativida.de da Condição Suspensiva,

 p. 85, nota 32.20 Pontes de Miranda, op. cit., vol. VII, p. 384; Espínola, op. cit., p. 74; Ráo, op. cit.,

 ps. 293 e 296.21 Ráo, op. cit., p. 296.22 Barbero, in Novíssimo digesto italiano, p. 1.103.23 Barbero. Sistema dei diritto privato italiano, p. 573.24 Idem, p. 574.

25 Windscheid, op. cit., p. 97.26 Rescigno. Enciclopédia dei diritto, III, p. 787.27 Rescigno, op. cit., p. 788. São casos de pressuposição: "a) a caducidade <lutestamento, feito na convicção de não ter ou não poder ter filho o testador; b) resoluçãode uma venda por existirem vícios redibitórios; c) rescisão da promessa de venda de umterreno, decorrente da impossibilidade ulterior de edilicar, poi proibição da autoridade;d) ineficácia de verba testamentária por erro na causa expressa da disposição". OrlandoGomes op. cit., p. 361. E ainda: a) compra de imóveis por um casal de noivos, paramontar sua casa, embora sem comunicar esse motivo ao vendedor. A não-realização domatrimônio não leva ao desfazimento da compra; b) o aluguel de uma janela por uma

 pessoa que dela quer assistir a um desfile, sem dar expressamente a conhecer esse

motivo. A não-realização do desfile pode ensejar o desfazimento do contrato? Sendoevidente, pelas circunstâncias, que tal locação se subordinava ao desfile, e estando o

Page 293: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 293/359

locador de boa-fé, deveria ser desfeito o contrato. Cf. Barbero. // sistema dei diritto privato, p. 267. 28 "Condido in praeteritum, non tantum in praesens tempus relata,statim aut peremit obligationem aut omnino non differt", Digesto, 45, l, 100. (Acondição referida ao passado, não somente ao presente, ou extingue imediatamente aobrigação, ou não a suspende em absoluto).

29 Giorgi, Teoria de Ias obligaciones, IV, p. 312.30 Rescigno. Enciclopédia dei diritto, VIII, p. 791. Contrariamente, Bianca, op cit, p.518.31 Ráo, op. cit, p. 310.32 Digesto, XXVIII, tít. 7, fr. 16; Si Titius heres erit, Seius heres esto; si SVíii/.vheres erit, Titius heres esto (Se Tício for herdeiro, Seio seja herdeiro; se Seio lor herdeiro, Tício seja herdeiro).-------------------8. Espécies de condição.As condições classificam-se: a) quanto à participação da vontade, em casuais,

  potestativas e mistas; b) quanto à possibilidade física do evento, em possíveis e

impossíveis; c) quanto à licitude do evento, em lícitas e ilícitas; d) quanto ao modo deatuação, em suspensivas e resolutivas; e) quanto à verificação em si mesmo, em

 positivas e negativas; f) quanto ao fato da condição ser declarada ou não, em condiçõesexpressas e tácitas.9. Condições casuais, potestativas e mistas.As condições podem ser casuais, quando a verificação depende do acaso ou da vontadede terceiro; potestativas, quando o acontecimento depende da vontade ou do poder deuma das partes; puramente potestativas, se exclusivamente do arbítrio da parte, esimplesmente potestativas, se não dependem exclusivamente da vontade de quem seobriga; mistas, se dependem, ao mesmo tempo, da vontade das partes e do acaso. Nocaso de condição puramente potestativa, a permanência ou a resolução do negóciodependem da vontade da parte que tem poder de decisão sobre a eficácia, ou não, doato, equivalente a verdadeiro poder de resolução ou revogação. As puramente

 potestativas são proibidas em nosso direito (CC, art. 122), se forem suspensivas e da parte do devedor, como na hipótese deste ceder o seu contrato de locação sob condiçãode sua transferência, e esta depender exclusivamente de seu pedido, pois obrigando-sealguém dessa forma, na verdade não se obriga, e nulo será o ato jurídico por falta demanifestação de vontade. Note-se que o arbítrio é do devedor, não do credor. Em suma:a) só é defesa a condição puramente potestativa suspensiva, que sujeita a eficácia donegócio jurídico ao arbítrio do devedor. A resolutiva não, pois que não impede aformação do negócio nem a produção de seus efeitos; b) da parte do credor a condição

vale, seja pura ou simplesmente potestativa.33É lícita a condição potestativa da parte do devedor sempre que não seja de puroalvedrio, mero capricho. "Ao sistema do nosso Código Civil não repugna a idéia de umacondição potestativa pendente da vontade do devedor. O que se deve concluir é quesomente às condições denominadas puramente potestativas pelos cornenta-doresfranceses, e meramente potestativas pelos italianos, se refere a condenação do art. 122,quando diz defesas as condições que sujeitarem o ato ao arbítrio de uma das partes.34As condições casuais, potestativas e mistas têm especial importância nos negócios

 jurídicos gratuitos, como a doação, o comodato, o testamento.10. Condições possíveis e impossíveisA condição é possível quando nada impede sua verificação.

Page 294: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 294/359

A impossibilidade é física ("dou-te este carro se fores a Júpiter"), ou jurídica ("dou-teuma casa se casares antes da idade legal", "deixo-te esta casa em testamento se tambémme nomeares teu herdeiro"), conforme haja impedimento material ou legal.As condições fisicamente impossíveis, bem como as de não fazer coisa impossível ("seManuel se abstiver de ir a Júpiter") têm-se por inexistentes quando resolutivas (CC. art.

124) e os atos a elas subordinados valem como puros. As físicas ou juridicamenteimpossíveis invalidam os atos a elas subordinados se suspensivas (CC, art. 123, I) poisnão há incerteza.35A impossibilidade física é originária, se já existente no momento do ato, esuperveniente, se aparece depois. Neste caso, a condição será falha, impedindo aaquisição do direito, diferentemente da condição originariamente impossível, queinvalida o ato.O Código Civil não distingue a impossibilidade física relativa (para certas pessoas edurante certo tempo) da absoluta (para todas e sempre). Quanto à impossibilidade

 parcial, deve atender-se à vontade do estipulante ou do testador.A impossibilidade física e a jurídica provocam a nulidade total ou parcial do ato,

conforme a condição se refira a todo o ato ou apenas a alguma disposição. Se acondição for suspensiva, o ato será nulo e desprovido de efeitos jurídicos; mas se for resolutiva, o ato será eficaz e o direito adquirido não se resolverá, pela impossibilidadede verificação do evento futuro e incerto.36Invalidam também o ato as condições perplexas ou contraditórias, pela impossibilidadelógica nelas contidas ("instituo A meu herdeiro universal, se B for meu herdeirouniversal"), assim como as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita (CC, art. 123, II).11. Condições lícitas e ilícitas.Existindo o princípio da liberdade de condicionar o nascimento ou a extinção dedireitos, são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ouaos bons costumes; entre as condições proibidas se incluem as que privarem de todoefeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao arbítrio puro de uma das partes (CC, art.122). A ilicitude implica a nulidade do ato (CC, art. 123). Imorais são as contrárias aos

 bons costumes. As puramente potes-tativas sujeitam o ato ao arbítrio de uma das partes,como já visto. As casuais, de verificação independente da vontade das partes, não sãomorais nem imorais.37 A moralidade ou a imoralidade não reside no fato em si, mas nascircunstâncias do caso. Só haverá nulidade se os efeitos dependerem da condição imorale essa ter determinado a vontade das partes.A sanção não atinge, porém, atos jurídicos subordinados à condição de ato ilícito

 praticado por outrem (v.g. o contrato cie seguro contra roubo ou furto). Nos contratos ailicitude se constata na formação, enquanto no testamento, no momento da morte do

autor, quando adquire eficácia.3812. Condições suspensivas e resolutivas.Condição suspensiva é aquela a que se subordina a eficácia do ato jurídico. Verificando-se o acontecimento futuro e incerto, o ato produz efeitos e o direito nasce; enquanto nãose verificar, não se terá o direito a que ele visa (CC, art. 125). Pendente a condição, háapenas expectativa de direito ou um direito condicional. Difere este do direito eventual,que depende de acontecimento futuro, essencial para sua existência, decorrente do

 próprio interessado, enquanto a expectativa de direito depende de evento não-decorrentedo interessado.Condição resolutiva é aquela cuja verificação extingue a eficácia do negócio jurídico.Os efeitos do ato terminam com o evento.

 Na condição suspensiva, a eficácia do ato está suspensa; ocorrendo o evento, começamos efeitos. Na resolutiva, a eficácia é imediata e, enquanto não se realizar a condição,

Page 295: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 295/359

vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se o direito por ele estabelecido.Verificado o evento, cessam os efeitos (CC, art. 127).A condição suspensiva e a resolutiva não constituem um conceito unitário. São denatureza diversa, tanto na sua posição estrutural quanto na sua função. Estruturalmente,a condição suspensiva é como que uma concausa de eficácia, atuando no interior da

declaração de vontade, enquanto a condição resolutiva é um fato autônomo, que atuaextremamente e após ter já produzido efeito. Tal concepção liga-se à antiga tradição dodireito romano clássico, que não conhecia a condição resolutiva, somente a suspensiva.A condição resolutiva não se resolve na suspensiva; não são faces da mesma moeda.39---------------------33 No conhecido exemplo "dou-te esta casa se quiser", não há condição. O ato dependedo credor, e a vontade deste é elemento essencial, não acidental. Cf. do Autor.Modalidade condicional (Atos jurídicos), Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. 53, p.56. Nehemias Gueiros, obra citada, p. 134, excetua da validade da condição potestativaresolutória a hipótese de doação, na qual a reversão só é permitida nas doações propter nuptias em que a não-realização do casamento constitui condição, ou nas doações

mortis causa em que é condição a pré-moru-do donatário ou a sobrevivência do doador (art.546 e 547 do Código Civil).34 Espínola, obra citada, p. 176; Teixeira de Freitas. Esboço, arts. 592 r 593.Aplicação prática da admissibilidade da condição potestativa se observa na cláusula

  penal, obrigação acessória subordinada ao inadimplemento da obrigação principal,assim como na venda a contento (Cód. Civ., art. 509) e na preempção ou preferência(Código Civil, art. 513). Cf. ainda, Código Civil, arts. 252, 409, l .92!) e 1.932.35 Vicente Ráo, obra citada, p. 310. "Condição impossível. Ação de oxivucâo por nota promissória. Rejeição dos embargos. Descabimento de defesa fundada em nãocumprimento de condição que o próprio devedor reconhece impossível." Ap. n* 91.362,da 6ª Câm. Cível, do TJRJ, Rev. Jur. do TJRJ, 42/214.36 Teixeira de Freitas. Esboço, art. 586; Ráo, obra citada, p. 313.37 A moralidade ou a imoralidade não reside no fato em si, mas nas circunstâncias docaso. Só haverá nulidade se os efeitos penderem da condição imoral e dessa tiver sidodeterminante a vontade das partes. Cf. Giorgi, op. cit., p. 337.38 Rescigno, op. cit., p. 794.39 "A condição resolutiva a que uma das partes se subordina não corresponde a umacondição suspensiva para a outra parte". José Carlos Moreira Alves, /Vi AlienaçãoFiduciária em Garantia, p. 175.---------------------13. Condições positivas e negativas.

Quanto à verificação do evento, as condições são positivas ou negativas. Condição positiva é a que subordina a eficácia do ato jurídico a um acontecer. Condição negativaé a que subordina eficácia do ato a um não-acontecer.4014. Pendência da condição.O negócio jurídico condicionado apresenta duas fases distintas, a da pendência dacondição e a da ocorrência ou não do evento. Denomina-se pendência da condição o

 período que vai da prática do negócio jurídico até o momento do implemento ou não doevento condicionante. Suscita quatro espécies de questões: a natureza do direitosubjetivo, a sua proteção, a possibilidade de sua disposição e o problema daretroatividade de condição. Os efeitos são, porém, diversos, conforme se trate decondição suspensiva ou de condição resolutiva.

Se a condição for suspensiva, os efeitos do negócio jurídico só se verificam com oimplemento, a realização da condição. Até lá, o período é a pendência, e o direito sob

Page 296: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 296/359

condição, isto é, o direito do credor, dependente da verificação do evento condicionante,denomina-se expectativa de direito, ou direito condicional, ou direito expectativo (V.Cap. V, item 13).É uma situação jurídica que nasce em favor do sujeito interessado no implemento dacondição. E mais do que um simples poder de fato e não é ainda um pleno direito

subjetivo. É um direito expectativo, que traduz um direito ao direito, direito à aquisiçãoou à extinção de um direito.Quanto à sua natureza jurídica, consiste em um estágio preliminar do direito esperado,ou, ainda, uma possibilidade juridicamente reconhecida de "adjudicação" de um direitosubjetivo patrimonial,41 que consiste em uma fase prévia, uma forma de manifestaçãoainda não desenvolvida de um direito cuja aquisição se aguarda.

 Não existe direito adquirido/2 mas sim direito condicional adquirido, uma expectativade direito,43 que pode ser protegida por atos conservativos (CC. art. 130), como por exemplo, o registro do título, o reconhecimento de firma, exames e vistorias, cauções,interrupções de prazos prescricionais, enfim, qualquer medida cau-telar. Essaexpectativa é transferível intervivos e mortis causa, (• caucionável, penhorável e

suscetível de garantia por fiança,44 hipoteca, penhor. Entra em concurso de credores45e pode ser objeto de ação decla-ratória e novação.46A obrigação condicional não é, porém, exigível, e quem a receber fica obrigado arestituir (CC, art. 876). Não é também compensávc-l (CC, art. 369) nem está sujeita à

  prescrição (CC, art. 199, I). Sc for obrigação de dar coisa certa e esta se perder, pendente condição suspensiva, resolve-se a obrigação para ambas as partes (CC, art.234).Se a condição for resolutiva, os efeitos do negócio verificam-se logo. Praticado o ato,adquire-se o direito e seu titular dele pode dispor, exercendo os poderes que formam oconteúdo desse direito, assim como as respectivas ações. Os atos de disposiçãosubordinarn-se, porém, à mesma condição, pois "nemo plus iuris ad alium transferre

 potest quam ipse haberet".47São exemplos de lei a propriedade resolúvel, o fideicomisso, a doação com cláusula dereversão.48Temos então que, no tocante à possibilidade do exercício do seu direito ou da suaexpectativa, na condição suspensiva o alienante, e na condição resolutiva o adquirente,devem abster-se de qualquer ato que possa prejudicar a legítima expectativa do credor.Este, por sua vez, pode praticar atos de conservação do seu direito, e dele dispor,ficando porém os atos de disposição também condicionados ao implemento da mesmacondição.4915. Implemento da condição.

Verificação ou implemento da condição é a ocorrência do evento, ou a certeza de quenão ocorrerá.Se potestativa a condição, ou consistindo em fato de terceiro, o evento só pode ocorrer durante a vida da pessoa indicada (devedor, credor ou terceiros). Se potestativa negativa(ex.: "se não casares"), só poderá considerar-se verificada com a morte dessa pessoa.Até lá, pode ocorrer o fato positivo proibido.50 Não havendo prazo para o implemento,considerar-se-á não-realizada a condição quando for certo que não mais se poderáverificar.Se negativa, considera-se realizada a condição desde que o evento não ocorra no tempodevido, ou, antes disso, havendo certeza de que não se verificará.O tempo durante o qual ou depois do qual devam realizar-se as condições decorre da

natureza do evento, da vontade das partes, ou da lei, como na venda a contento (CC,arts. 509. Não havendo limitações no tempo, e sendo a condição potestativa suspensiva,

Page 297: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 297/359

é admissível a assinação de prazo para o cumprimento da condição, evitando-se que setransforme em puramente potestativa.Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que elase opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a suarealziação, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já

 praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente r conforme aosditames da boa-fé (CC, art. 128). Na condição resolutiva, sem prazo determinado, ela opera por interpelação judicial. Odireito brasileiro não aceita a subordinação permanente de alguém à vontade de outrem,

 para a verificação de evento condicional resolutivo.Se as condições forem potestativas ou, sendo casuais, consistirem na ação de terceiro,

 poderão ser cumpridas por outra pessoa sempre que tal ação for imposta como fato quedeve existir e não como fato exeqüível por pessoa determinada.51

 Não se verificando a condição, isto é, se o evento não se realizar no período previsto, ousendo certo que não poderá realizar-se, a condição diz-se falha. Se a condição for suspensiva, o ato não produzirá efeitos, não mais subsistindo os até então verificados.

Cessa a expectativa de direito. O credor devolve o que recebeu, com acessórios. Odevedor restitui o preço recebido, com juros, legais ou convencionais.Se a condição for resolutiva, os efeitos tornam-se definitivos. O ato, que eracondicionado, considera-se simples.Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, suspensiva ou resolutiva,cujo implemento for maliciosamente obs-tado pela parte a quem desfavorecer.Considera-se, ao contrário, não-verificada a condição maliciosamente levada a efeito

 por aquele a quem aproveita o seu implemento (CC, art. 129). A lei estabelece, dessemodo, a ficção do implemento da condição para o caso de o devedor do direitoexpectativo descumprir o dever de agir com boa-fé, frustrando o implemento dacondição ou provocando-o maliciosamente. Tal ficção não se aplica nos casos decondição legal."16. O problema da retroatividade da condição.O problema da retroatividade da condição consiste em vcrili car-se se o implemento dacondição produz efeitos retroativos ou-------------------------40 Exemplo clássico de condição positiva: si navis et Ásia venerit, si Capitoliumascenderis (se o navio chegar da Ásia, se subires o monte Capitólio); exemplo decondição negativa: se non nupseris (se não casares).41 Pontes de Miranda, op. cit., p. 174; Larenz, op. cit, p. 188.42 Direito adquirido é a conseqüência de uma lei por via direta ou intermédio de fato

idôneo que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não sefaz valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto. Cf. R. limongi França.Direito Intertemporal, p. 432. Não existe contradição entre o art. 125 do Código Civil eo art. 6-, § 2-, da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe considerar-se adquiridoo direito cujo começo de exercício tenha condição preestabelecida inalterável, a arbítriode outro. Trata-se, neste caso, dr disposição de direito intertemporal, que visa proteger os direitos ainda que em formação, da aplicação da lei nova, disposições diversas da dedireito civil, material.43 A doutrina não é uniforme quanto à denominação. Contra os que aceitam ;isinonímia entre direito condicional e expectativa de direito, como Beviláqua c João LuísAlves levanta-se Gondim Neto. Cessão de Crédito, p. 49, apud Nehetnins Gueiros, obra

citada, p. 149.44 Código Civil, art. 821. Espínola, obra citada, p. 289; Ráo, obra citada, p. 333.

Page 298: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 298/359

45 Lei de Falências, art. 25, § 2°.46 Pontes de Miranda, obra citada, p. 175. Nehemias Gueiros, obra citada p. 155; JoséSoriano Neto, Da Novação, 117.47 Digesto, 50, 17, 54. Nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse haberet(ninguém pode transferir mais direito do que tiver).

48 Código Civil, arts. 1.359, 1.951, 1.953 e 547.49 Código Civil brasileiro, art. 126; Código Civil português, art. 273-, Código Civilitaliano, art. 1.357.50 Cf. do Autor, Caução muciana, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 13, p. 508.51 Teixeira de Freitas, op. cit, art. 626.52 Rescigno, op. cit., p. 798.-------------------------não, ex tunc ou ex nunc. No primeiro caso, existe retroeficácia e os atos praticados pelodevedor sob condição, criando direitos para terceiros, de modo prejudicial aos direitosdo credor, perdem sua validade e eficácia, de modo inverso, os atos praticados pelocredor condicional convalidam-se assim com os direitos deles decorrentes para

terceiros.53Admitida a retroeficácia, o ato condicional é como se fosse puro e simples desde aorigem.O princípio da retroatividade da condição concretizou-se no Código Civil francês, queinseriu tal princípio no art. 1.179, para a condição suspensiva, e no art. 1.183, para acondição resolutiva. E por efeito da influência do direito francês, passou para aslegislações posteriores. A retroatividade não tem sido, porém, unanimemente aceita peladoutrina e pela jurisprudência francesas, que reconhecem, nessas regras, caráter meramente dispositivo, excluindo de sua aplicação os atos de administração, de

 percepção de frutos e os riscos da coisa. O princípio da retroatividade da condição nodireito francês está assim, praticamente limitado à extinção dos atos dispositivos

 praticados pelo devedor.O sistema contrário, da irretroatividade, é o do Código Civil alemão, do Código dasObrigações suíço, do Código Civil polonês, do Código Civil colombiano, do CódigoCivil chileno, do Código Civil grego, do Código Civil japonês.A questão tem menos importância prática quando se verifica que ambos os sistemasasseguram a proteção ao credor condicional. Enquanto que no sistema da retroatividade,como o francês, ela é expressa, no alemão inexiste disposição idêntica, embora, de igualmodo, se protejam os direitos expectativos, tornando ineficazes os atos com elesincompatíveis. O Código da Obrigações suíço, é, todavia, expresso quanto àirretroatividade.

17. As teorias acerca da retroatividade da condição.Os estudos doutrinários nessa matéria têm-se concentrado em três pontos: o problema,histórico, de saber da existência da retroatividade da condição no direito romano; o

 problema da sua nature/a e fundamento; e o problema dos efeitos de sua aplicação. No direito romano não houve retroatividade da condição no período clássico, embora jáexistisse o princípio segundo o qual, nas relações jurídicas reais, os atos deadministração praticados pendente condicione, não deviam prejudicar a expectativa dedireito do credor condicional.54

 No período justineâneo já teria sido aceita em algumas relações jurídicas quanto àcondição resolutiva. A famosa passagem do direito romano heredes obligatos esse quasi

 jam contracta emptione in prae-teritum, como fundamento da retroeficácia, resulta de

mero engano. "

Page 299: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 299/359

Quanto à natureza e fundamento, quatro concepções; para a primeira, a eficácia e% tuncdo implemento da condição seria mera confirmação de um direito já existente, porémcondicional.56 O ato jurídico estaria perfeito, com todos seus elementos essenciais,desde a sua prática.A condição, dele integrante também como essencial, retardaria apenas a execução, não a

existência do ato. E o implemento não faria nascer o direito, apenas o confirmaria, peloque seria normal que os efeitos dessa confirmação se aplicasse ao passado, à prática doato. Ocorre que o negócio jurídico condicionado não faz nascer direitos plenos,consolidados, mas simples direitos sob condição, expectativas de direito (condiçãosuspensiva) ou expectativa de sua conservação (condição resolutiva). Além disso, a

 proteção jurídica que se dispensa a essas expectativas independe da existência, ou não,de retroatividade. Por outro lado, essa tese apresenta grave inconveniente, que é nãocomportar as exceções que a lei e a jurisprudência têm criado nos sistemas jurídicos queadotam a retroatividade como regra.Para a segunda, a retroatividade justifícar-se-ia como vontade presumida das partes37cujos interesses, adaptados a circunstâncias futuras, e verificadas essas, seriam

satisfeitos. Nada mais consentâneo com essa vontade que a produção dos efeitos do ato jurídico como se ele fosse puro e simples. Haveria situação jurídica idêntica à de um ato puro e simples. Logo, a retroeficácia corresponderia à vontade das partes e, paradeterminá-la, teria a lei de resumir essa vontade.Esse ponto de vista é, também, inaceitável. Em primeiro lugar, as partes podemlivremente afastar a retroatividade da condição. Em nenhum sistema jurídico a norma écogente. Ora caso se possa decidir contrariamente à retroatividade, não há por queconsiderá-la como vontade presumida, para o caso de não ser afastada.Em segundo lugar, aceitar-se esse ponto de vista implica em tirar à condição o caráter de incerteza, que é um dos seus elementos fundamentais.Presumindo-se a eficácia ex tunc como vontade das partes, não haveria negócio sobcondição.Em terceiro lugar, poderia sempre surgir contradição entre essa vontade presumida eeventual pretensão do credor prejudicado, de anular atos de disposição em favor deterceiros praticados pelo devedor médio tempore, ou entre a vontade presumida e osatos praticados pelo devedor, incompatíveis com o direito do credor.Em quarto lugar, essa teoria tem cunho premonitório, de adivinhação. A fattispecie legal

  basear-se-ia em mera presunção de vontade. Em quinto lugar, essa teoria seriainaplicável na condição resolutiva. Como se poderia imaginar terem as partes

 pretendido a ineficácia dos atos praticados médio tempore, quando o negócio jurídico játeria feito nascer o direito, posto que resolúvel? A retroeficácia visa os atos praticados

na pendência da condição prejudiciais ao credor. Ora, na condição resolutiva, o credor estaria já satisfeito, em tese, com a simples prática do negócio.Temos, depois, a terceira doutrina, que considera a iclioatividadc da condição comosimples ficção legal.58Segundo essa teoria, tudo se passa como se o ato jurídico los.se puro e simples desde oinício, e o evento condicionante vnil irado, contemporâneo à prática do ato. Processocontrário à lógica jurídica, pode conduzir a soluções inadequadas e inaceitáveis. Comorecurso do legislador, a retroatividade-ficção leva ao reconhecimento t;u ilo dairretroatividade como decorrência natural dos latos, pois que, houvesse retroatividadenestes, não seria preciso tal recurso.

 Não é, porém, necessário o recurso à ficção para justificar-sc a retroatividade. A regra

tradicionalmente aceita, "nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse haberet"é suficiente, sem necessidade de se recorrer à irrealidade da ficção. Além disso, a

Page 300: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 300/359

matéria situa-se no âmbito da autonomia privada, não podendo a lei dispor de formacogente, a não ser em caso de ordem pública, que não é o caso.Finalmente, outra teoria afirma ser a retroeficácia da condição, conseqüência natural donegócio jurídico condicionado, conseqüência necessária decorrente da própria naturezada condição.59 É a tese da realidade jurídica, imposta pela norma, diversa da realidade

natural. Como diz Barbero, a lei não pode, não quer, não tenta destruir a natureza, mas pode determinar uma certa ordem de efeitos jurídicos contrários à ordem cronológicados fatos.O que se pretende, com todas essas concepções teóricas, é dar substrato científico a umdogma que se formou pela inércia da tradição, e que não encontra nos sistemas jurídicosoutro fundamento que não a própria necessidade de justificar esse dogma. E as exceçõesque mesmos sistemas admitem ao princípio são tantas que a própria admissibilidade dodogma passa a contestar-se como regra fundamental. E nenhuma dessas teorias é imunea críticas.18. O direito brasileiro.Contrariando a linha do direito anterior ao Código, Clóvis Beviláqua reconhecia

inexistir o princípio da retroatividade da condição na sistemática do direito brasileiro,embora o identificasse como critério orientador para o intérprete. Adotou-o, entretanto,no Código Civil, nos arts. 122 e 647 a que correspondem, no Código atual, os arts. 126e 1.359, referentes à condição suspensiva e à resolutiva.Admitindo-o, também, em sua obra doutrinária, Beviláqua excetua-lhe a aplicação nocaso de frutos percebidos na pendência da condição, de bens móveis fungíveis e demóveis adquiridos de boa-fé e também imóveis, se do título transcrito não constar acondição. Não o aplica também aos contratos reais, que só se concluem com atradição.61A doutrina posterior ao Código, posto que nela se encontram alguns defensores desse

 princípio, apresenta muitas contribuições em sentido contrário. Enquanto CarvalhoSantos, Washington de Barros Monteiro, San Thiago Dantas e Limongi França aceitama retroeficácia da condição, Carvalho de Mendonça, Espínola, Pontes de Miranda,Vicente Ráo, Serpa Lopes, Sílvio Rodrigues, Orlando Gomes e Caio Mário da SilvaPereira crêem que o sistema do nosso direito positivo não acolhe tal princípio.62A posição da doutrina brasileira contrária à retroativadade da condição baseia-se nasseguintes razões de direito:1) nos sistemas jurídicos, como o francês, que admite a eficácia real do contrato, aretroatividade da condição é conseqüência lógica, devendo afetar a coisa e seus frutos;nos sistemas em que o contrato tem apenas eficácia obrigacional, como no romano, noalemão, no brasileiro, a retroeficácia da condição é ilógica e antinatural;

2) os juristas que, influenciados pelo direito francês, admitem a retroeficácia dacondição acham que a regra do art. 122 do nosso Código Civil é interpretativa,conduzindo à retroatividade. Ora problema é saber se esse dispositivo se aplica em casode dúvida < em caso de falta de manifestação de vontade;3) o nosso direito não estabelece a retroeficácia em matéria de direitos reais; nos decrédito, o estabelecimento é conforme a conveniência das partes. E se adotada, suaeficácia é apenas pessoal, não afetando terceiros, de modo que haverá retroatividade seassim for convencionado;4) antes do implemento da condição não há efeito do ato; a condição suspensivasomente opera quando ocorre, e a rcsolulivii extingue os efeitos do ato condicionado

 por meio de um mecanismo

que lhe é peculiar;

Page 301: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 301/359

5) é sempre e% nunc o implemento da condição nas convenções de trato sucessivo,como a locação, a sociedade, o mandato, a lianca, a constituição da hipoteca, o usufruto,o uso, a habitação, o penhor, a anticrese e a enfiteuse;6) o que importa é conhecer-se o estado do direito enquanto pende a condição, pois oobjetivo de ambas as teorias é proteger o direito condicional.

Conclusão:De tudo o que foi exposto conclui-se que: a) as normas jurídicas sobre as condições sãomeramente dispositivas ou supletivas, por integrarem o sistema normativo da autonomia

  privada; b) o Código Civil brasileiro não adota o princípio da retroatividade dacondição, filiando-se, por isso, ao sistema do Código Civil alemão, embora proteja, damesma forma que o sistema francês, os atos porventura incompatíveis com aexpectativa de direito, guardadas as limitações do sistema de direito positivo pertinentesa relações jurídicas típicas mais freqüentes; c) a norma jurídica do art. 126, fonte detoda a controvérsia, é de natureza dispositiva, interpretativa-integrativa, estabelecendolimitações ao poder de disposição do alienante condicional, como decorrênciainexorável do respeito ao princípio objetivo da boa-fé, limitação essa modificável a

critério das partos; d) houvesse o sistema brasileiro adotado a retroeficácia da condição,as normas dos arts. 126 e 1.359 seriam plenamente dispensáveis, em respeito, pelomenos, ao princípio de que não devem existir disposições supérfluas na lei.------------------------53 Exemplos de retroatividade da condição teríamos no caso de atos de administração(como na locação), de percepção de frutos, de celebração de contratos reais (como odepósito, o comodato, o mútuo), todos praticados pelo proprietário ou possuidor naqualidade de devedor condicional, isto é, pendente uma condição suspensiva. Se taisatos fossem prejudiciais ao credor, e admitida a retroatividade da condição, oimplemento desta torná-los-ia ineficazes. Na verdade não existe uma regra geral deretroeficácia da condição suspensiva em nosso direito, devendo examinar-se cada casode per si. Cf. do Autor. Da Irretroatividade da Condição Suspensiva no Direito CivilBrasileiro, p. 108 e segs. e 214 e segs.54 Riccardo Orestano, Condizione in Novíssimo digesto italiano, III, Torino, UTET,1957, p. 1.096; Gian Gualbert Archi Condicione, Enciclopédia dei diritto, VIII, Milano,Giuffrè, 1961, p. 751. Sobre a matéria, concluindo pela irretrunii vidade da condição nodireito romano, é clássica a monografia de Bernard Winds cheid. Die Wirkung der erfüllten Bedingung, Basel, 1851.55 A inclusão do princípio da retroatividade no Código Civil francês c, por viu deconseqüência, nos demais códigos por esse influenciados, deve-se aprnu.s ;">interpretação errônea de textos romanos, por Pothier, pai desse código, principalmente

as seguintes passagens do Digesto: Heredes obligatos esse quasi iam con tractaemptione in praeteritum (D. 18, 6, 8, pr. Os herdeiros são obrigados como por umacompra contraída no passado) e Cum enim semel condido extitit, perinde habetur, ac seillo tempore, quo stipulatio interposita est, sine condicione jacta assei (D. 20, 4, 11, pr.I.Uma vez que a condição existe, assim se mantenha, como se não houvesse condição notempo em que ela foi posta).56 Orlando Gomes, op. cit, n- 233.57 É a teoria de Giorgio Giorgi. Teoria de Ias Obligaciones, IV, p. 35, dos redatores doCódigo Civil francês (Portalis, Maleville, Bigot de Ia Préameneu e Tronchei) e deGuilherme Alves Moreira. Instituições de Direito Civil português I, pp. 481 e 482.59 É a concepção de Barbero, Dernburg, Coviello, Demolombe, Cf., do Autor, op.

cit., p. 111.

Page 302: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 302/359

58 É a teoria de De Page, Colin et Capitant, de Ruggiero, Scialoja, Mc-ssim-o, VonThur, Oertman, Esser, Demogue, Filderman, Verdier, Alvarez Vigaray. Cf., Autor, op.cit., p. 109. E ainda Ângelo Cario Pelosi. La proprietà risolubile nella teoria dei negoziocondizionato, p.1760 Barbero, op. cit., p. 1.106; Ângelo Falzea, op. cit., p. 132, nota 86.

61 Do Autor, op. cit., p. 189.62 Do Autor, op. cit., pp. 197 a 213.-----------------------19. O termo.Termo é o momento em que começa ou se extingue a eficácia de um ato jurídico.Enquanto a condição é acontecimento futuro e incerto, o termo é acontecimento futuro ecerto. O critério distintivo reside na certeza ou na incerteza do evento (do se), não nacerteza ou incerteza do tempo (do quando). Por exemplo, quando se condiciona onascimento de um direito à morte de uma pessoa determinada, o evento funciona comotermo, pois que é certo, embora incerta a data de sua ocorrência.

 Nos negócios jurídicos sob condição suspensiva, existe uma expectativa de direito; nos

sob condição resolutiva, um direito resolúvel. No caso de termo, o direito é adquiridoimediatamente, podendo ficar suspenso apenas o seu exercício (CC, art.131). Com maisrazão, o titular do direito a termo pode sobre ele exercer atos conservatórios.E possível conjugar-se uma condição e um termo no mesmo negócio jurídico ("dou-teum escritório se te formares em direito até os 25 anos"). A incerteza reside no evento,neste caso. Mas poderá ocorrer que a previsão do evento seja feita não para condicionar a relação jurídica mas para fixá-la no tempo ("devolverei o empréstimo que me é feitoquando obtiver o financiamento"). Nesse caso é preciso interpretar-se a vontade das

 partes para se verificar qual o seu intento, subordinar o negócio jurídico a uma condiçãoou a um termo, observando-se a regra segundo a qual se deve preferir a solução menosgravosa para a parte obrigada.63Conseqüência importante da diferença entre condição e termo está no fato de que quem

 paga uma obrigação condicional antes do implemento da condição faz um pagamentoindevido, podendo pedir a restituição (CC, art. 876), o que não ocorre no caso de termo,em que a obrigação existe e está perfeita, sendo apenas inexigível.Há negócios e atos jurídicos que não admitem termo, como a aceitação ou a renúncia àherança (CC, art. 1.808), a adoção, a emancipação, o casamento, o reconhecimento defilho (CC, art. 1.613), que não admitem condicionalidade ou incerteza, a confissão, adesistência do pedido, a transação, a nomeação de herdeiro ou legatário (CC, art. 1.898),a legítima (CC, art. 1.846).Além dessas hipóteses previstas em lei, é inoponível o termo sempre que seja

incompatível com a natureza do direito a que visa, como os de personalidade, os defamília e os que, de modo geral, "reclamam execução imediata". Aposto um termo nosatos que o inadmitem, a sanção é a respectiva nulidade, em princípio.20. Espécies de termo.Há várias espécies de termo.O termo diz-se inicial ou suspensivo (dies a quo] quando consiste no momento em que onegócio começa a produzir efeitos, e inicial ou resolutivo (dies ad quem] quando fazcessar os efeitos do ato. Ao termo inicial e final aplicam-se as disposições relativas àcondição suspensiva e resolutiva, no que couberem (CC, art. 135). Assim, o titular dedireito a termo inicial, tendo já adquirido o direito embora não o exerça, pode praticar atos conservatórios de seu direito, não podendo ser prejudicado por eventual ato de

disposição do ex-titular.64 Se o termo for final, enquanto não ocorrer, vigorará o

Page 303: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 303/359

negócio jurídico. Verificando-se, cessa o exercício do direito ou o cumprimento dasobrigações sem qualquer eficácia retroativa.O termo pode ainda ser certo e incerto (rectius, determinado e indeterminado). É certoou determinado quando indica uma data precisa; incerto ou indeterminado, no casocontrário. Alguns autores condenam a expressão "termo incerto" em virtude de a

incerteza ser própria da condição.65O termo diz-se ainda essencial quando o efeito pretendido deva ocorrer em momento bem preciso, sob pena de, verificado depois, não ter mais valor. Exemplo: em umcontrato que determine a entrega de um vestido para uma cerimônia, se o vestido for entregue depois, não tem mais a utilidade visada pelo credor.21. Os prazos e sua contagem.Prazo é tempo decorrido entre a manifestação de vontade e a superveniência dotermo,66 ou, também, o intervalo entre dois termos (dies a quo e dies ad quem}.O prazo diz-se certo ou incerto conforme também seja o termo determinante.A unidade de tempo é o dia, período entre duas meias-noites.67 Os dias contam-se por inteiro, da meia-noite à meia-noite seguinte. A maior idade não se alcança na hora

correspondente à do nascimento, mas à meia-noite do dia respectivo.68O Código Civil estabelece as seguintes regras:a) salvo disposição em contrário, disposição legal ou convencioanl, computam-se os

  prazos, excluído o dia do começo e incluindo o do vencimento [dies a quo noncomputatur in termino; dies ad quem computatur in termino) (CC, art. 132). Assinadoem contrato no dia l-, o dia 2 é o primeiro dia do prazo. O dia de vencimento faz partedo prazo, podendo-se praticar durante o seu curso o ato devido;

 b) se o vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguintedia útil. São feriados nacionais os dias: l2 de janeiro, 21 de abril, l- de maio, 7 desetembro, 15 de novembro e 25 de dezembro e o dia em que se realizam eleições geraisem todo o país.69 Para efeito forense são feriados os domingos, os feriados nacionais, odia 8 de dezembro, a terça-feira de carnaval, a Sexta-Feira Santa; e os dias que as leisestaduais designarem,70 como a Semana Santa em alguns Estados;c) considera-se meado o décimo-quinto dia de cada mês;d) considera-se mês o período de tempo contado do dia do início ao dia correspondentedo mês seguinte;71 o prazo de um mês que comece no dia 15 de fevereiro termina nodia 15 de março seguinte;e) considera-se ano o período de doze meses contados cio dia do início ao dia e mêscorrespondente do ano seguinte; quando, no ano ou mês do vencimento não houver odia correspondente ao do início do prazo, este findará no primeiro dia subseqüente (CC,art. 132, par. 3°);72 um contrato de locação de um ano, a começar no dia l- de janeiro,

terminará no dia l- de janeiro do ano seguinte; um contrato de locação comercial com prazo de cinco anos que comece no dia 30 de janeiro de 1990 terminará no dia 30 de jam-iro de 1995;f) os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto (o que tem importânciaem matéria de registro civil, pois a hora de nascimento pode ser decisiva nasucessão);73g) nos contratos, os prazos presumem-se a favor do devedor, r nos testamentos, a favor do herdeiro (CC, art. 133).h) os negócios jurídicos sem prazo estabelecido são exeqüíveis desde logo (CC, art.331), salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo (CC,art. 134).

22. Modo ou encargo.

Page 304: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 304/359

Modo (do latim modus, i, limite, termo, medida) é o ônus imposto a uma liberalidadecom o fim de limitá-la. É manifestação de vontade aposta ao negócio jurídico, criando

 para o onerado uma restrição à vantagem decorrente desse ato. Essa limitação podeconstituir-se em obrigação de dar ("instituo-te meu herdeiro com a obrigação de daresR$ 10.000, 00 por ano aos pobres"), de fazer (dou-te este imóvel com a obrigação de

construíres um albergue para os necessitados"), ou de não fazer ("deixo-te esta casa,mas não poderás derrubar a estátua do jardim").O modo tem, assim, a função de dar relevância ou eficácia jurídica a motivos ouinteresses particulares do autor da liberalidade. Não é por outra razão que Windscheid oconsiderava uma pressuposição.74 Distingue-se porém da condição pela circunstânciadesta suspender a aquisição e o exercício do direito, se suspensiva, e de resolvê-lo, seresolutiva, enquanto o modo não suspende a aquisição e o exercício do direito, emboraobrigue. A condição suspende mas não obriga, enquanto o modo obriga mas nãosuspende.75 O autor do encargo pode, todavia, impô-lo como condição suspensiva, masde modo expresso (CC, art. 136).

 Não se confunde, também, com a condição resolutiva potestativa, porque esta opera de

 pleno direito enquanto o inadimplemento do encargo para ter efeitos precisa de umasentença judicial. É claro que se o cumprimento, ou não, do encargo se deixa à simplesvontade do onerado, com cláusula expressa de resolução da liberalidade em caso deinadimplemento, está-se em frente de verdadeira condição potestativa resolutiva.A prestação modal deve ser lícita e possível. Se fisicamente impossível, ou não séria,tem-se como inexistente. Se o seu objeto for ilícito e constituir-se em razãodeterminante da liberalidade, o negócio é integralmente nulo.Também como sanção, considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo seconstituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio

 jurídico (CC, art. 137).O modo reduz os efeitos da liberalidade, cabendo, apenas, nos negócios a título gratuito(doação, constituição de renda, promessa de recompensa, instituição de herdeiro),

 jamais em negócio a título oneroso, pois neste eqüivaleria a uma contraprestação.O Código Civil refere-se ao modo no art. 136, na Parte Geral, onde se realça a suacaracterística de modalidade acessória do negócio jurídico, e disciplina-o nos arts. 553 e1.938 da Parte Especial, referentes, respectivamente, à doação e aos legados. De acordocom tais disposições, os beneficiários são obrigados a cumprir os encargos da doação oudo legado, cumprimento esse que pode ser exigido pelo doador, pelo terceiro

 beneficiado e pelo Ministério Público, depois da morte do doador, se este não o tiver feito. Além da ação para exigir o cumprimento do encargo, pode o doador promover arevogação da doação por inadimplemento, desde que caracterizada a mora do donatário,

vale dizer, o atraso no cumprimento da obrigação que o modo encerra. No caso delegado, podem exigir-lhe o cumprimento, o testamenteiro, o beneficiado e o MinistérioPúblico, se o encargo for do interesse geral.-------------------------63 Ráo, op. cit., p.363.64 CC, art.131: o termo inicial suspende o exercício mas não a aquisição tio direito.Esse direito pode receber garantias reais ou pessoais (aval, fiança), pode ser dado emgarantia, é transmissível intervivos ou mortis causa, mas uno (• compensável (CC, art.369) nem é retroativo. Antes de seu vencimento, não podo o credor exigir o pagamento,

 pelo que contra ele não corre prescrição (CC, ;ul 199, II).65 Ráo, op. cit., p. 364. Os juristas romanos, combinando as várias hipóteses do

certeza ou de incerteza de um dado acontecimento, elaboraram quatro tipos do termo(dies): a) dies certus an et quando (termo certo, o dia \° de janeiro do 1988); b) dies

Page 305: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 305/359

certus an incertus quando (termo incerto, o dia da minha morto); c) dies incertus ancertus quando (o dia da tua maioridade); d) dies incertus <m incertus quando (o dia doteu casamento). Os dois primeiros são termos, o lorooiro é condição, desde que não sejaoutro o intento das partes, o quarto, condição. ('l Barbero, op. cit., p. 588, Roberto deRuggiero, Instituições de Direito Civil, l, p 265.

66 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 237.67 Pontes de Miranda, op. cit., p. 202.68 Alberto Trabucchi. Istituzione di diritto civile, p. 123.69 Lei 662, de 06. 04. 49: Lei 1.266, de 08. 12. 50; Lei 4.737, de 15. 07. 65, art. 380;Lei 6.802, de 30. 06. 80; Decreto-Lei 86, de 27. 12. 66.70 Lei 1.408, de 09. 08. 51, art. 5°. Os períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de

  julho são férias coletivas nos tribunais (não no primeiro grau de jurisdição). LeiComplementar 35, de 14. 03. 79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), art. 66, § R 71 Código Civil, art. 132, par. 3°.72 Idem.73 Pontes de Miranda, op. cit., p. 213. A Lei dos Registros Públicos, Lei 6.015, de

31.12.73, no art. 54, determina que o assento do nascimento deve conter, entre outrasinformações, a hora certa se possível determiná-la, ou aproximada do nascimento.74 Windscheid, op. cit., p. 97, nota 2.75 Trabucchi, Istituzioni di dirítto civile, p. 189.-----------------------

CAPITULO XV Defeitos do Negócio Jurídico

Sumário: l. Introdução. 2. Notícia histórica. 3. Erro. 4. Erro essencial. 5. Erro sobre osmotivos. 6. Transmissão errônea da vontade. 7. Dolo. 8. Coação. 9. Estado de perigo elesão. 10. Fraude contra credores. 11. As hipóteses legais de fraude. 12. A açãorevocatória ou pauliana.

1. Introdução.Elemento fundamental do negócio jurídico é a vontade que, manifestando-secorretamente por meio de sua declaração, proclti/, o nascimento, a modificação ou aextinção das relações jurídicas,Para ser juridicamente eficaz, a vontade tem de ser livre c incondicionada no seunascimento e correta na sua expressão. Podem ocorrer, todavia, defeitos no seu processoformativo, no caso de o agente ter falsa noção das pessoas, dos objetos ou dos demaiselementos do ato que pratica, ou defeitos na sua declaração, se houver divergência entre

o que o agente quer e o que efetivamente1 declara.Defeitos do negócio jurídico são as imperfeições que neles podem surgir, decorrentes deanomalias na formação da vontade ou na sua declaração. Os primeiros são os chamadosvícios da vontade, caracterizando as figuras típicas do erro, se o agente tem uma falsanoção dos elementos ou circunstâncias do negócio, pelo desconhecimento natural damatéria; do dolo, se ele é maliciosamente induzido em erro, e da coação, quandomanifesta sua vontade sem liberdade, sob ameaça de outra pessoa. Os segundos, quetraduzem uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, caracterizam asimulação, que ocorre quando o agente declara uma vontade que efetivamente não tem,em conluio com outrem para enganar terceiros.A essas quatro figuras acresce ainda o Código Civil a fraude contra credores, que,

embora não seja especificamente vício da vontade ou da declaração, dele se aproxima pela má-fé do agente que usa de "artifício malicioso para prejudicar terceiro".1

Page 306: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 306/359

A exigência de segurança nas relações jurídicas impõe que a manifestação de vontadeseja livre e espontânea, em uma afirmação do princípio da autonomia privada e até da

  justiça comutativa, no sentido de que as partes do negócio se beneficiem de modoequivalente ao dispendido. Sendo assim, existe uma série de normas jurídicas quedisciplinam a matéria dos vícios da formação e da declaração de vontade, matéria essa

que, juntamente com as regras sobre a incapacidade, protege a integridade do querer doagente, o elemento dinâmico do negócio e do mundo jurídico.Considera ainda a doutrina, como manifestação defeituosa da vontade, a do agente quese encontra em estado de perigo, situação que o leva praticar um ato para salvar-se degrave dano pessoal ou familiar, assumindo obrigação excessivamente onerosa, e aquelaem que o agente pratica o ato em estado de necessidade ou de inexperiência, do quedecorre uma lesão no seu direito, isto é, um prejuízo resultante da desproporção entre as

 prestações das partes.2. Notícia histórica.A teoria dos defeitos do negócio jurídico, principalmente no que diz respeito aos víciosda vontade, resulta de um processo histórico ideológico que acompanhou a gênese e

evolução do princípio da autonomia da vontade. No direito romano imperava o formalismo. A validade de certos atos jurídicos dependiada forma juridicamente reconhecida, de observância essencial para a validade e eficáciado ato, independentemente da vontade do agente. Era o predomínio da forma sobre avontade. Já no início da época clássica, porém, verifica-se um declínio do formalismoem favor do consensualismo, aparecendo os primeiros contratos consensuais, isto é, osque se constituíam independentemente de forma especial.

 No primeiro século a.C., com a exceptio doli e a exceptio mctus, permitia o pretor romano que o contratante, vítima de dolo ou de violência, se recusasse a cumprir ocontrato, podendo ainda, no c aso de já o ter cumprido, obter a restitutio in integrum.2Com a influência do Cristianismo, que pregava o respeito à palavra dada, e odesenvolvimento do comércio medieval, marcado pela realização de grandes feirasinternacionais, veio a admitir-se progressivamente a força obrigatória dos contratos,formados pelo simples acordo de vontades e sem recurso às formas do direito romano.3Era o consensualismo em sua plenitude, levando porém à preocupação e à pesquisa dainfluência do erro ou da coação sobre a vontade manifestada. Sendo a vontade oelemento essencial do ato jurídico, impunha-se que fosse consciente e livre, sendoanuláveis os atos em que houvesse erro ou violência. Por outro lado, a.s recomendaçõescanônicas dominantes no direito contratual, pregando a justiça comutativa, pela qualcada um devia receber o equivalente ao que dava, conduziam à necessidade de se

 proteger a parte que, sem ser negligente, fosse vítima de sua fraqueza ou ignorância, e

de se punirem os contratantes desleais, o que era reforçado pelos princípios da boa-fé eda responsabilidade.Com o advento do racionalismo, a partir do séc. XVIII, começa a formar-se a teoria dosvícios da vontade, ligada porém à teoria da causa, vindo a concretizar-se em disposiçõesdo Código Civil francês (arts. 1.110, 1.111, 1.112, 1.113 e 1.116} mais ligado àconcepção subjetiva do ato jurídico, e no Código Civil alemão (§ § 119,120,123), queadotou uma solução de compromisso entre a teoria da vontade e a teoria da declaração.4O Código Civil brasileiro de 1916 foi influenciado, nessa matéria, principalmente peloEsboço de Teixeira de Freitas, e pelos Códigos Civis francês, português e alemão.3. Erro.Erro é a noção falsa que o agente tem de qualquer dos elementos do ato jurídico ou do

negócio. Consiste em uma falsa representação de realidade.5

Page 307: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 307/359

 No erro há também divergência, não entre a vontade e a declaração, mas entre a vontaderealmente declarada e uma vontade hipotética, a que existiria no agente se não estivesseem erro.O erro difere da ignorância, que é a completa ausência de conhecimento. O direito civilconsidera-os, porém, sinônimos, pois têm a mesma importância sobre a manifestação de

vontade. Todavia, refere-se especialmente o Código à ignorância nos arts. 850, 443 e1.974.O erro apresenta-se sob várias modalidades, de maior ou menor importância para odireito.Em primeiro lugar, a doutrina distingue o erro vício ou erro motivo, que se manifesta no

 processo formativo da vontade, do erro obstáculo, referente à declaração.O erro motivo diz respeito à formação da vontade da parte. "Torna defeituosa mas nãoelimina a vontade". Trata-se de erro sobre as razões psicológicas que determinaram amanifestação de vontade. O erro obstáculo diz respeito à declaração da parte. A vontadenão corresponde à declaração. O agente forma corretamente sua vontade mas transmite-a de modo inexato e divergente.*' Por exemplo, quero escrever 100 e escrevo 1.000, por 

distração.Distingue-se ainda o erro de fato, que incide sobre qualquer circunstância ou elementodo negócio (pessoa, objeto, qualidade, quantidade etc.), do erro de direito, que é o falsoconhecimento ou ignorância da norma jurídica respectiva. Este não pode ser alegado

 para subtrair alguém à disciplina legal, salvo no caso em que quem o invoca não pretende fugir à aplicação da lei, demostrando ter sido o desconhecimento de uma regradispositiva que o levou à prática de um ato que não se realizaria se houvesseconhecimento cia realidade (CC, art. 139, III).7 Não se admite o desconhecimento ou oerro de direito quando o que se pretende é contrariar o princípio da obrigatoriedade dalei, mas admite-se o erro ou a ignorância no caso de tratar-se de pressuposto reclamado

 pela própria lei para a validade do ato jurídico, podendo alegar-se no caso de anulaçãode ato jurídico de que tenham sido causa, ou ainda para a obtenção dos efeitosresultantes da boa-fé. No Código Civil, o art. 877, relativo ao pagamento indevido, e oart. 2.027, da anulação da partilha, dispõem sobre matéria a que se aplica o erro dedireito.8O erro de fato pode ser essencial, ou substancial, e acidental, distinção consagrada nosistema legal brasileiro (CC, arts. 138 e 142).4. Erro essencial.Erro essencial, também dito substancial, é aquele de tal importância que, sem ele, o atonão se realizaria. Se o agente conhecesse a verdade, não manifestaria vontade deconcluir o negócio jurídico. Diz-se por isso, essencial, porque tem para o agente

importância determinante, isto é, se não existisse, não se praticaria o ato.O erro substancial diz respeito a qualidades essenciais da pessoa a quem se refira adeclaração de vontade, ao objeto principal da declaração ou a alguma de suas qualidadesessenciais, ou ainda à própria natureza do ato (CC, arts. 139). Também o erro de direito

 pode ser essencial quando tenha sido a razão principal ou única do negócio. Admite-senesse caso. Erro substancial sobre a pessoa (error in personá) é o que incide sobre aidentidade ou qualidade essenciais da pessoa a que se refira a declaração de vontade, eque sejam determinantes dessa declaração. Tem especial importância no casamento(CC, art. 1.557) e nos atos a título gratuito, como na doação e no testamento, e nosonerosos, onde a prestação devida consiste em mera atividade técnica e naquelesfundados na confiança, como nos contratos de mandato, prestação de serviços e de

sociedade. Não tem importância maior nos negócios bilaterais onerosos, onde existecontraprestação.

Page 308: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 308/359

Erro substancial sobre o objeto principal de declaração (error in corpore ou error insubstantia) é o que recai sobre a identidade ou as qualidades da coisa. Na primeirahipótese, o objeto não era o que estava no pensamento do agente como, por exemplo, nahipótese de ele querer comprar uma casa X quando, na verdade, comprou a casa Y. Nasegunda, o objeto não tinha as qualidades que o agente esperava, como no caso de fazer 

um contrato de permuta de uma casa por um terreno que acreditava estar em situaçãodiversa da real, ou de comprar um anel de prata pensando que era de ouro.Temos ainda o erro substancial sobre a natureza do ato (error in negotium) quando sequer praticar um ato e, efetivamente, se realiza outro, como, por exemplo, quandoalguém empresta uma coisa a alguém que a recebe como doação, ou no caso de umalocação que é tida como venda a prazo. É o erro obstáculo da doutrina francesa,surgindo quase que apenas no campo contratual.Intima relação com esta modalidade de erro têm os chamados vícios redibitórios,defeitos ocultos da coisa que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhediminuem o valor (CC, arts 441 a 446). Todavia, enquanto o erro é de naturezasubjetiva, rererindo-.sr às qualidades que o agente imaginava que a coisa tivesse, os

vícios são de natureza objetiva, constituindo-se concretamente na ausência dequalidades que a coisa deveria ter.9Erro acidental, ou sanável, é o que recai sobre qualidades secundárias do objetivo ou da

 pessoa, como, por exemplo, o erro sobre o nome da pessoa ou da coisa a que se refere adeclaração de vontade, desde que pelo contexto e pelas circunstâncias se possaidentificar a coisa ou a pessoa cogitada (CC, arts. 142 e 1.903). O erro acidental não édeterminante do ato como é o substancial. Influi apenas nos termos em que o negócio sefaz. O agente praticaria o mesmo ato se tivesse ciência do erro, só que em condiçõesdiversas. Pode incidir tanto na qualidade como na quantidade.10O erro essencial torna o ato jurídico anulável, podendo ser erro de fato ou de direito,neste caso desde que tenha sido a razão única ou principal do negócio (CC, art. 139, III)e incida sobre normas dispositivas, não cogentes, porque, se cogentes, o ato será nulo.Mas além de essencial deve o erro ser desculpável, isto é, não pode ser conseqüência daculpa ou falta de atenção daquele que alega o erro para tentar anular o ato que

 praticou,11 para o que concorrem diversas condições, como a idade, a profissão e aexperiência do agente. Não dispõe a lei sobre a escusabilidade do erro pelo fato de olegislador considerar implícito tal elemento no próprio conceito de erro.125. Erro sobre os motivos.Há que considerar ainda o erro sobre os motivos, simples representações psíquicasinternas que levam à execução do ato mas que não são a sua causa determinante, tendo-se em conta a irrele-vância dos objetivos internos as razões psicológicas que levam a

 pessoa a praticar o ato, e que são estranhos ao objeto do negócio. É clássico o exemplode funcionário que adquire um apartamento em determinada cidade por acreditar ter sido para lá transferido, o que, na verdade, não ocorreu. "Salvo no caso de inserção deuma condição suspensiva ou resolutiva, a nulidade por erro não pode ter comoconseqüência transferir 'outra parte um risco estritamente pessoal do interessado naanulação".13 É a doutrina do art. 140 do Código Civil brasileiro, segundo o qual " sóvicia o ato a falsa causa quando expressa como razão determinante, ser sob forma decondição". Causa significa, aqui, motivo, razão psicológica.6. Transmissão errônea da vontade.Pode ocorrer também erro na transmissão de vontade, por instrumento (correio,telégrafo, telex etc.) ou por pessoa intermediária (núncio, mensageiro). Verifica-se falta

de concordância entre a vontade e a declaração, pelo que o ato é anulável como setratasse de uma declaração direta (CC, art. 141), desde que o erro seja substancial. Essa

Page 309: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 309/359

regra só se aplica, porém, no caso de "ser a diferença entre a declaração emitida e acomunicada, procedente de meroJacques Ghestin. op. cit., p. 484. É a doutrina romana Ignorantia emptori prodest, quaenon in supinum hominem cadit (D. 18,1, fr. 15 § l2). Bussada. Código Civil BrasileiroInterpretado pelos Tribunais, vol.l, Tomo II, n2 384, p. 14, n2 389, p. 16; Silvio

Rodrigues, op. cit. Teixeira de Freitas. Esboço art. 466: A ignorância ou erro de fato nãoaproveitará aos agentes, sempre que da parte deles tenha havido negligência ouimprudência, sem a qual o ato ilícito não teria sido praticado. 13 Ghestin, op. cit., p.473. "Se a aquisição de um fundo de comércio teve por motivo determinante a

 perspectiva de boa e numerosa freguesia, garantida e apontada pelo vendedor no própriocontrato, tem-se aí o que se denomina em direito o pressuposto ou razão determinantedo negócio. Não se concretizando aquela perspectiva, o contrato é anulável por erro."Revista dos Tribunais, 231/189, apud Silvio Rodrigues, op. cit., p. 84.Defeitos do Negócio Jurídico505acaso ou de algum equívoco. Não se trata de errônea, infiel, inexata transmissão de uma

declaração de vontade, quando o intermediário intencionalmente comunica à outra parteuma declaração diversa da que lhe foi confiada".147. Dolo.Dolo é o artifício ou expediente astucioso empregado para indu/.ii alguém à prática deum ato que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.15 Concretiza-se emsugestões ou artifícios que se empregam para induzir ou manter em erro o autor dadeclaração de vontade.O dolo difere do erro no sentido de que este é espontâneo, enquanto aquele é a

 provocação intencional do erro.16 A rigor, o dolo não é vício de vontade, mas causa dovício de vontade.17Sendo o dolo vontade de enganar, levando o agente à prática de ato prejudicial, vicia-lheo consentimento e torna anulável o negócio jurídico.O dolo apresenta-se sob várias modalidades. Pode ser positivo ou comissivo, quandoconsiste em uma ação enganadora, e negativo ou omissivo, quando se traduz em umaomissão, um silêncio, do declaratário ou de terceiro, do erro do declarante, quandoexistia dever de elucidá-lo. Neste caso, é preciso que o silêncio intencional----------------------1 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 277.2 Exceptio doli era a defesa oponível ao demandante que tivesse praticado um atocom dolo para o fim de impedir o prosseguimento da ação baseada nesse ;ito (Gaio 4,117; J, 4, 13, 9; D, 44, 4). Exceptio metus era a defesa oponível na ação em que o autor 

exigia o cumprimento de deveres nascidos de um ato praticado com medo pelo réu (G.4. 117. I, 4, 13, 1; D, 44, 4). Restitutio in integram, restituição integral, medida jurídicaque consistia no cancelamento dos efeitos tio um ato, com restabelecimento da situaçãoanterior, com se tal ato não tivesse sido praticado (Paulo, l, 7; D. 4. 1). FaustinoGutiérrez-Alviz y Armarino. Diccionario de Derecho Romano, pp. 232, 234 e 604.3 "Pegam-se os bois pelos chifres e os homens pelas palavras; tanto vale um:isimples promessa quanto as estipulações (contratos) do direito romano", Loysol apudJacques Ghestin. Traité de droit civil. Lê formation du contraí, p. 331.4 Ludwig Enneccerus-Hans Carl Wipperdey, Tratato de Derecho Civil, vol, II l-

 parte, p. 313.5 Eduardo Espínola. Dos jactos jurídicos in Manual do Código Civil Brasileiro de

Paulo de Lacerda, vol. III, R parte p. 201 e segs.; Silvio Rodrigues. Dos Vícios doConsentimento', Álvaro Villaça Azevedo. Erro in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.

Page 310: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 310/359

32, p. 481 e segs.; Ferrer Correia. Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, p.33 e segs.; Carlos Alberto da Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 505 e segs.;C. Massimo Bianca. Diritto civile. II contratto, p. 606 e segs.; Alberto Trabucchi,Errore, in Novíssimo digesto italiano, VI, p. 665 e segs.; Pietro Barcellona, Errore, inEnciclopédia dei diritto, XV, p. 246 e segs.; Luiz Diez-Picazo y Antônio Gullon.

Sistema de Derecho Civil, I, Madrid Editorial Tecnos, 1975, p. 479 e segs.; SantosCifuentes. Negócio Jurídico, p. 329 e segs.6 Alberto Trabucchi. Istituzioni di diritto civile, p. 158. Exemplo de c-no obstáculo:quero alugar e escrevo vender. Exemplo de erro motivo: a compra de um apartamento

 pelo fato de o comprador acreditar ter sido transferido de cidade'. Bianca, op. cit., p.606.7 Silvio Rodrigues, op.cit., pp. 97 a 101. Para uma teoria do erro de dircMto nos atos

 jurídicos, cf. Cifuentes, op. cit., p. 382. Exemplo de ignorância da lei: alguém instituioutrem herdeiro de metade dos seus bens, afirmando não o instituir herdeiro universal

 porque a lei lhe impõe o dever de guardar para os irmãos ;\ outra metade, o que não é juridicamente correto.

8 Espínola, op.cit. p. 2909 Fubini, apud Espínola, op cit, p.250.10 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, I, p. 306.11 "Ação de anulação de ato jurídico. Erro. O erro para viciar a vontade precisn ser substancial. E mais ainda necessário seja também escusável e real. Deve ser escusável,no sentido de que há de ter por fundamento uma razão plausível, ou ser de tal monta quequalquer pessoa inteligente e de atenção ordinária seja cap;r/. de cometê-lo." ApelaçãoCível n2 501/77.TJPR. Jurisprudência Brasileira, n" 29. Curitiba, Juruá Editora. 1979,

 p. 291. " O erro que dá causa à anulação do controlo é o erro escusável, cumprindo aesse propósito examinar as condições pessoais da parte que o alega. Não o podeinvocar, em relação ao terreno comprado c que não serve para construção, em virtude derecuo determinado pela Municipalidade, o construtor que deve, por força de suaatividade, estar a par das deliberações da Prefeitura no tocante à sua especialidade"Revista Forense n£ 110 p. 438, Cf. ainda Revista Forense tf 101, p. 321; Revista dosTribunais, 119/829, 241/138, 181/307, apud Silvio Rodrigues, Direito Civil, I, pp. 165e 166.12 "O erro inescusável do autor impede-lhe obter a anulação do contrato",14 Espínola, op. cit., p. 268.15 Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 219. O dolo é omnem calliditatem, fallaciam,machinationem, ad circumveniendwn, fallendum, decipiendum, alterum adhibilam (D.4, 3, l, 2); Teixeira de Freitas Esboço, art. 470: Julgar-se-á ação dolosa, para induzir ou

entreter em erro, qualquer asserção do que for falso, ou positiva dissimulação do que for verdadeiro, qualquer artifício, maquinação, astúcia, sugestão ou captação, por onde oautor do dolo tenha conseguido a realização do ato. Cf. Espínola op. cit., p. 305; Biancaop. cit., p. 624; Trabucchi, in Novíssimo digesto italiano, IV, p. 149 e segs.; C.A.Funaiolli, Dolo (diritto civilé), in Enciclopédia dei diritto, XIII, p. 738 e segs.16 No caso do dolo pode o seu autor ser condenado a indenizar os prejuízos que

 porventura tiver causado com seu comportamento astucioso. Tais as razões por que a leidisciplina separadamente erro e dolo (Coviello apud Espinola, op. cit., p. 307.17 Castro Mendes. Direito Civil, Teoria Geral, III, p. 158.----------------------da parte seja de tal importância que, sem ele, o ato não se teria celebrado (CC, art. 147).

O legislador brasileiro equiparou a omissão dolosa à ação dolosa.18

Page 311: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 311/359

Pode ser dolus malus e dolus bônus. A primeira espécie é a que se manifesta na vontadede iludir, com intuito de prejudicar. Já o dolus bônus consiste em práticas usuais ounormais do comércio, de que são exemplos os exageros utilizados na publicidadecomercial. E considerado de somenos importância e, assim, tolerado.A principal distinção é a que existe entre o dolo principal ou determinante ou essencial

{dolus causam dans) e o dolo incidental ou acidental (dolus incidens]. Verifica-se o primeiro quando é determinante do ato. E dolo vício. Sem ele não haveria declaração devontade. A sanção é a anulabilidade do ato. O segundo é o que — não se constituindoem razão determinante do ato, pois que sem ele, ou apesar dele, o negócio se teriarealizado, embora em condições diversas —, não torna anulável o ato (CC, art. 146).19Leva apenas à indenização por perdas e danos, pela ilicitude do comportamento do seuautor. Compete ao prejudicado a prova do dolo. Se for bilateral, isto é, se ambas as

 partes agirem com dolo, nenhuma delas poderá alegá-lo para anular o ato ou reclamar indenização (CC, art. 150). Se o dolo principal for do representante de uma das partes, orepresentado é por ele responsável até o limite do proveito que teve. Se, porém, o dolofor de representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele

 por perdas e danos (CC. art. 149). A parte prejudicada pode anular o ato e/ou pedir indenização pelos prejuízos sofridos. Sendo acidental o dolo, só obriga a perdas edanos. Respondendo civilmente, tem o representado, porém, ação regressiva contra o re-

 presentante.Se o dolo provier de terceiro e, sendo principal, for conhecido por uma das partes que oaceitou e dele se beneficiou, pode também anular-se o ato. O benefício pode consistir nosimples interesse na realização do negócio, embora sem vantagem patrimonial. Senenhum dos contratantes tinha ciência desse dolo, o ato é válido mas o prejudicado podeexigir indenização do autor do dolo. O dolo consiste em "ato lesivo da liberdadenegociai" e, como tal, é causa dr anulabilidade do ato, desde que seja determinante emalus.2(] Não se verifica, portanto, no casamento e nos demais atos que não sejammanifestação de autonomia privada.8. Coação.A coação é a ameaça com que se constrange alguém à prática de um ato jurídico.21 Ésinônimo de violência, tanto que o Código Civil usa indistintamente os dois termos (CC,arts. 171, II, 1.814, III).22 A coação não é, em si, um vício da vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de querer do agente. Configurando-se todos os seus requisitos legais, é causa de anulabilidade do negócio jurídico (CC, art.171, II).Figura de grande relevo no direito romano e no direito medieval, em face do predomínioda vontade privada nas relações jurídicas, a coação perdeu grande parte de sua

importância, passando a ter hoje especial significado nos atos jurídicos praticados emsituações de dependência econômica, podendo-se até vislumbrar nessa figura o motivode condenação das cláusulas abusivas dos contratos de adesão.23 A coação, ouviolência, é defeito do negócio jurídico porque impede a livre manifestação de vontade.Diz-se absoluta [vis absoluta) quando consiste na utilização de violência física de talmodo que impede a formação da vontade negociai, e relativa, quando não elimina avontade do agente, apenas vicia-a, de modo que esse perde a espontaneidade no querer.É a chamada coação moral (vis compulsiva}. Na primeira, o agente não manifesta suavontade, mas sim a de quem o obriga à prática do ato e, não havendo vontade, o negócio

 jurídico é inexistente ou nulo. Na segunda, o agente tem vontade própria e manifesta-a,só que viciada pela pressão moral que sobre ela exerce o coator, induzindo ou obrigando

a praticar o ato para evitar o mal com que o ameaçam.

Page 312: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 312/359

Para que se configure a coação com vício do consentimento, defeito do negócio jurídico, é necessário reunirem-se os requisitos que a lei estabelece, pertinentes à vítima,ao autor, e à própria violência.São requisitos da coação (CC, art. 151):a) a ameaça como causa determinante do ato;

 b) um temor de dano à pessoa, à família ou aos bens do coato;c) que esse temor seja fundado e injusto.A vítima é a pessoa que declara a vontade, praticando o negócio jurídico pelo receio desofrer um dano na sua pessoa, nos seus bens, ou na sua família. A ameaça é a causa doato. Pode ocorrer, entretanto, hipótese em que haja intimidação sem relação decausalidade com o ato, quando a vítima manifesta sua vontade independentemente daameaça sofrida.O receio de dano à pessoa do coato ou de sua família refere-so a dano moral ou

 patrimonial. É moral quando se ameaça a vida, a integridade física, a liberdade, a honra,o decoro e o bom nome da vítima; é patrimonial quando visa atingir os valoreseconômicos. Por família entende-se o conjunto de pessoas ligadas por laços do

consangüinidade ou de comparável afetividade, como no caso do um amigo ou noivo.A referência à família no art. 151 tem, assim, uma interpretação ampliativa, pelo que avítima pode ser um terceiro.Sendo a coação uma forma de violência, é de considerar-se1 a espécie de pessoa que arecebe. Estabelece, por isso, o Código, no art. 152 que, ao apreciar-se a coação, ter-se-áem conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e demaiscircunstâncias que possam influir na gravidade. Adota-se, aqui, critério subjetivoconcreto de considerar cada caso de per si, abandonando o critério abstrato, do direitoromano, de avaliar-se a ameaça em relação a um homem médio e moral.24Autor da coação pode ser o outro sujeito da relação jurídica, ou terceiro interessado nosefeitos do negócio viciado. Neste caso, se a parte a quem aproveita a coação delasouber, responderá, solida-riamente com o coator, pelo dano causado (CC, art. 154. Senão souber, sendo inocente, somente o terceiro, coator, será responsável por perdas edanos, podendo o negócio jurídico subsistir (CC, art. 155).O temor deve ter fundamento. A vítima acredita realmente que pode sofrer um danoinjusto, ilegítimo, ilícito. Não é coação a ameaça do exercício normal de um direito(CC, art. 153), como o do credor de executar o devedor, com título vencido e

 protestado. Também não se considera produto de coação o temor reverenciai que sótraduz no estado de "sujeição psicológica" de alguém em face de determinadas pessoas,

 pela posição que ocupam na família, no trabalho ou no ambiente social.25O dano deve ser considerado iminente, atual, inevitável. A ameaça de um dano remoto,

ou evitável, não constitui coação.9. Estado de perigo e lesão.A ameaça ou violência que na coação provém de uma pessoa interessada na prática doato pode decorrer de simples circunstâncias de fato que exerçam notável influênciasobre a vontade do agente. Caracteriza-se assim o chamado estado de perigo ou denecessidade, situação de receio ou temor que leva o necessitado a praticar um ato queem outras condições não faria.26 O agente que pratica o ato "forma a sua vontade emconseqüência desse temor ou receio",27 dispondo o Código Civil que "configura-se oestado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa desua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigaçãoexcessivamente onerosa" (CC, art. 156). Tratando-se de pessoa não pertencente à

família do declarante, o juiz decidirá segundo as circuntâncias (CC, art. 156, par.único).28 O estado de perigo pode nascer de fato humano ou de fato natural. Se

Page 313: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 313/359

decorrente de fato humano, distingue-se da coação sempre que o estado de perigo nãotenha sido criado com o fim de se exigir da vítima a conclusão do negócio. Se deriva defato natural, não tem qualquer ponto de contato com a coação. Os negócios jurídicoscelebrados em estado de perigo são anuláveis (CC, art. 171, II).A lesão é o prejuízo econômico que resulta da desproporção entre as prestações de um

contrato. Uma das partes recebe menos do que dá.29 Já conhecida no direito romano,que previa uma ação de rescisão para venda de imóveis em que o vendedor recebessemenos da metade do justo preço (lesão enorme, laesio enormis), c cultivada peloscanonistas medievais que a reconheciam em matéria de usura, a lesão não foi recebidano Código Civil brasileiro de 1916, tendo sido porém acolhida na legislação especialque se lhe seguiu, particularmente em matéria de locação, repressão à usura, lotea-mento e venda com reserva de domínio, tabelamento de mercadorias e economia

 popular. O Código de 2002, dispõe que se verifica a lesão quando uma pessoa, sob  premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamentedesproporcional ao valor da prestação oposta (CC. art. 137). Aprecia-se a desproporçãodas prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio

 jurídico (CC, art. 157, par. l0).30 Sua razão de ser está, portanto, na necessidade de proteger a parte contratual mais fraca, em situação de inferioridade. A existência delesão verifica-se no momento da celebração de contrato oneroso e comu-tativo,31incidindo sobre o objeto principal do contrato e não sobre suas cláusulas acessórias.Dois são os fundamentos jurídicos: a) a concepção subjetiva, ligada ao princípio daautonomia da vontade, segundo a qual a lesão faz presumir um vício do consentimentoda parte prejudicada; b) a concepção objetiva, ligada ao princípio da justiçacontratual32, para a qual o que importa é o equilíbrio entre as prestações, concepçãoesta que se afasta do dogma da autonomia------------------------18 São requisitos do dolo negativo, essencial, do art. 147 do CC: a) intenção doinduzir o outro contratante a praticar o ato jurídico; b) silêncio sobre uma circunstânciaignorada pela outra parte; c) relação de causalidade entre a omissão intencional e adeclaração de vontade; d) ser a omissão do contraente e não de terceiro. Espínola, op.cit., p. 337; "Provado que o compromitente vendedor ocultou a existência de trincas no

 prédio objeto do contrato, julga-se procedente a ação de anulação deste, considerado osilêncio como omissão dolosa", RT 190/218; Maria Helena Diniz. op. cit., p. 227.19 O Código Civil brasileiro dispõe sobre três espécies de dolo; a) o dolo essencial(dolus causam dans], causa determinante do ato, cujo efeito é a anulabilidade deste, por ser vício do consentimento; b) o dolo acidental (dolus incidens}, que não impediria, seconhecido, a constituição do negócio jurídico, não torna anulável o ato, mas obriga à

satisfação das perdas e danos; c) o dolo tolerado que não prejudica a formação do atonem produz efeitos especiais, Espínola, op. cit., p. 323. O art. 150 do CC compreendetanto o dolo por omissão como por comissão, tanto o dolo principal quanto o acidental.Spencer Vampré apud Espínola, op. cit., p. 353.20 Não se anula o casamento por dolo. Nos negócios unilaterais, como a doação, odolo essencial anula o ato, seja qual for a pessoa que o pratique. O CC brasileiroestabelece hipóteses de anulação de liberalidade nos arts. 1.900, I, 1.801 e l .802.21 Espínola, op. cit., p. 392 e segs., Silvio Rodrigues, op. cit., p. 225 e segs.;Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. Parte Geral, p. 198 o segs.;Orlando Gomes, op. cit., p. 372 e segs.; Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., p. 362 esegs.; R. Limongi França. Manual de Direito Civil, I, p. 259 e segs.; Maria Helena

Diniz, op, cit., p. 229 e segs. Cf. ainda Antônio Chaves, Coação, in EnciclopédiaSaraiva do Direito, vol. 15 p. 228 e segs., Trabucchi ViolifIM (vizio delia volonta),

Page 314: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 314/359

inNovissimo digesto italiano, vol. XX p. 941 e segs.; Bianca, op. cit., p. 619 e segs.;Santos Cifluentes, op. cit., p. 435 e segs.22 Teixeira de Freitas empregava violência como gênero, compreendendo trêsespécies: a força (vis absoluta), a intimidação por constrangimento corpóreo i1 ;iintimidação por ameaças. Esboço, art. 488: Haverá força, quando alguém tiver 

imediatamente empregado contra o agente um constrangimento corpóreo, polo qual oreduza a instrumento passivo do ato. O sistema do Código Civil abrange: a) violênciafísica absoluta, que impede a formação do ato jurídico, por falta de consentimento; b) acoação física que constrange o agente a dar uma declaração contrária à sua vontade; c) acoação moral que, incutindo no espírito do paciente fundado temor de grave dano, leva-o a manifestar um consentimento não-querido; Espínola, op. cit. p. 393. Só as duasúltimas espécies são consideradas no art. 151 e seguintes e se compreendem sob adenominação comum de vis compulsiva ou violência moral em sentido lato. Espinola,op. cit., p. 392.23 Ghestin, op. cit., p. 362. O direito romano conhecia duas espécies de violência: avis absoluta ou força, e a vis compulsiva ou metus.

24 "Ao apreciar a coação deve o juiz ter em vista o sexo, a idade, a condição, ;i saúde eo temperamento da paciente. No caso, trata-se de moça que contraiu matrimônio com

 pouco mais de 16 anos, tendo presunção legal da ausência di1 discernimento, em facede outras circunstâncias". RT 136/239.25 Bianca, op. cit., p. 622. RT 60/339; RT 274/333; RT 476/258.26 Alguns juristas distinguem o estado de necessidade do estado de perigo.Caracteriza-se este quando se pratica um ato para salvar-se a si ou a sua família de umgrave dano pessoal, assumindo obrigação excessivamente onerosa, e aquele, quando serealiza um contrato em virtude da situação de dependência do sujeito necessitado. Cf.Messineo. Manuale di diritto civile e commerciale, III, p. 676. É exemplo de estado de

 perigo o caso de salvamento marítimo com promessa excessiva. Bianca, op. cit., pp.645/648.27 Manuel Andrade, op. cit., p. 278.28 Cfr. Ghestin, op. cit., p. 568, onde cita casos da jurisprudência francesa,nomeadamente a invocação do estado de necessidade por israelitas franceses obrigadosa vender por preço irrisório os seus bens, durante a ocupação alemã, de 1940 a 1944, emrazão da discriminação racial e da perseguição social.29 Ghestin, op. cit., p. 763.30 Caio Mário da Silva Pereira, Lesão nos contratos, 4a edição, Rio de Janeiro,Editora Forense, 1993, p. 121.31 Sobre contratos onerosos e comutativos, Cfr. Capítulo XI, n2 8. A distinção entre

comutativos e aleatórios tem especial interesse no que diz respeito S losfio, porquesomente nos comutativos se aplicam as regras que a disciplinam. Nos aleatórios não seconhece, de antemão, a proporcionalidade das prestações. A álea impede a lesão.Ghestin, op. cit., p. 776; Caio Mário, op. cit., p. 197.32 O princípio da justiça contratual, ou comutativa, é aquele segundo o qual cadauma das partes deve receber o equivalente ao que ela dá. Ghestin, op. dl., p. 228.------------------------da vontade e que é hoje dominante.33 Efeito da lesão é a possibilidade de rescisão docontrato. O Código Civil estabelece como sanção a anulação do negócio jurídico, a qualnão será decretada se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecidaconcordar com a redução do proveito (CC, art. 157, par. 2°).

10. Fraude contra credores.

Page 315: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 315/359

O Código Civil inclui ainda no elenco dos defeitos do negócio jurídico a fraude contracredores, não como vício do consentimento, mas como vício social, desconformidadeentre a declaração de vontade e o ordenamento jurídico.34Considera-se fraude contra credor o negócio que lhe é prejudicial por tornar o devedor insolvente, já ter sido praticado em estado de insolvência ou tornar insuficiente garantia

 já concedida (CC, art. 158). A sanção é a anulação do ato (CC, art. 171, II), visando, proteger o direito do credor, que tem no patrimônio do devedor a garantia da realizaçãodo seu crédito. Limita-se, desse modo, o poder de disposição que o devedor tem sobreseus bens, na medida em que o respectivo exercício pode prejudicar os credores. Aplica-se aí, necessariamente, o princípio da boa-fé.Os bens do devedor compõem o seu patrimônio e constituem a garantia de pagamentodos seus credores. Para que essa garantia não diminua ou desapareça, dispõe a lei que osnegócios jurídicos do devedor prejudiciais aos credores são anuláveis se praticados emfraude contra esses, configurando-se esta sempre que o devedor pratique negócio

 jurídico prejudicial ao credor, por tornar o primeiro insolvente ou ter sido praticado emestado de insolvência.

A caracterização da fraude contra credores pressupõe dois elementos, um objetivo, queé o próprio ato prejudicial ao credor, e outro, subjetivo, que é a má-fé do devedor, aconsciência de prejudicar terceiros, sendo que, nos atos de transmissão gratuita, basta oelemento objetivo. Este, tradicionalmente conhecido como o eventus damni, consiste

  precisamente no ato praticado por devedor Insol vente, ou por ele reduzido àinsolvência, entendendo-se esta como o estado patrimonial da pessoa em que o ativo éinferior ao passivo. O elemento subjetivo, o consilium fraudis, é a má-fé, a ciência cioestado de insolvência, que se presume quando a insolvência é notória (CC, art. 159),mas que se dispensa nos atos gratuitos (CC, art. 158). A má-fé independe, porém, daintenção de prejudicar.11. As hipóteses legais de fraude.O Código Civil estabelece as espécies de negócios jurídicos passíveis de fraude nosarts. 158, 159, 162 e 163:a) atos de transmissão gratuita de bens (doação, renúncia a direitos patrimoniaisadquiridos) — Se o devedor é insolvente, ou suas dívidas já igualam o ativo, não podedesfalcar seu patrimônio doando ou renunciando a direitos patrimoniais, tais comoherança, usufruto etc. porque, fazendo-o, estará criando o risco de prejudicar seuscredores;

 b) remissão de dívidas — Remitir é perdoar. Se o credor perdoa seus devedores, seu patrimônio se desfalca e assim diminuem as garantias de seus credores. A remissão pode consistir na devolução do título representativo da dívida ao devedor, ou na

utilização desse mesmo título ou ainda na quitação da dívida não-paga. Todavia, arecusa do devedor à doação que se lhe faz não é ato fraudulento, pois não importa nadiminuição do seu patrimônio. Nos casos de transmissão gratuita de bens pelo devedor,não se exige o conhecimento, pelo beneficiado, do estado real do transmitente;c) contratos onerosos — Neste caso, embora haja contrapresta-ção, o Código presume afraude desde que a insolvência seja notória, ou haja motivo para ser conhecida pelooutro contratante. A insolvência é notória quando o devedor tem títulos protestados ou éréu em ações de cobrança. É presumida quando as circunstâncias indicam que oadquirente conhecia o estado de insolvência do alienante. Se, entretanto, ficar provadoque o adquirente estava de boa-fé, desconhecendo a insolvência do devedor, o negócio éválido, não se revoga. No caso de alienação de bens, se o adquirente dos bens do

devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o

Page 316: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 316/359

corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos osinteressados (CC, art. 160).d) pagamento antecipado de dívidas — Dispõe o art. 162 do Código Civil: "O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda nãovencida, ficará obrigado a repor, em proveito de acervo sobre que se tenha de efetuar o

concurso de credores, aquilo que recebeu".Credor quirografário é o que tem seu crédito decorrente de um título ou documentoescrito.35 Pelo princípio de igualdade dos credores, os quirografários devem ter asmesmas oportunidades de receber seus créditos. Se o devedor paga dívidas não-vencidas, contraria aquele princípio, devendo o credor beneficiado devolver o querecebeu, se instaurado concurso de credores. Essa regra não se aplica ao credor 

 privilegiado, pois que este teria o seu direito sempre a salvo;e) concessão de garantias preferenciais. Os credores podem ser quirografários e

  preferenciais. Aqueles têm seus créditos representados por documentos escritos;estes têm-nos garantidos por valores materiais, coisas; são os direitos reais de garantia(penhor, anticrese, hipoteca) que vinculam certos bens ao pagamento de dívidas, e

concedem preferência aos respectivos credores, pois as coisas vinculadas estãodestinadas ao pagamento dos respectivos débitos. Constituindo o devedor insolventealguma dessas garantias, quebra-se o princípio de igualdade dos credores, ficando o

 beneficiado com primazia sobre os demais, o que a lei considera fraude contra credores(CC, art. 163).12. A ação revocatória ou pauliana.Podem-se anular os negócios jurídicos fraudulentos (CC, art. 171, II) por meio de açãorevocatória ou pauliana (CC, art. 161), assim denominada como referência a Paulo,

 pretor romano que a introduziu nos textos legais.36 A ação revocatória visa tornar ineficaz o ato praticado em fraude contra credores. E uma ação pessoal, dirigida contraos que participam do negócio jurídico fraudulento, e ainda terceiros adquirentes de má-fé (CC, art. 161). Seu objetivo é conservar o patrimônio do devedor insolvente,mantendo-o como garantia dos demais credores. Não é, na realidade, caso de anulai)!-lidade. Não obstante, textualmente lhe confere esse caráter o arl. 171, II, do CC, aodeclarar anulável o negócio jurídico quando praticado com fraude.A ação revocatória só pode ser proposta por quem já era credor ao tempo dos atosfraudulentos, e credor quirografário (CC, art. 158).O credor com garantia real não tem interesse, pois seu crédito está assegurado, salvo seinsuficiente a garantia. Devem ser réus nessa ação o devedor insolvente, a pessoa quecom ele celebrou o negócio jurídico fraudulento e terceiros adquirentes de má-fé, dc-vendo-se citar todas as pessoas intervenientes no ato, integrantes clr um litisconsórcio

necessário.37A má-fé, o elemento subjetivo (consilium fraudis) da ação, consiste no conhecimentoque o adquirente tem do estado de in-solvência do devedor. É presumida no caso dosnegócios onerosos, quando a insolvência for notória ou quando houver motivo para ser conhecida pelo adquirente (CC, art. 159). É notória-quando conhecida de todos, pública,como no caso de já haver contra o devedor protesto de títulos, ajuizamento de ações deexecução, protestos judiciais etc. Presume-se também que seja conhecida no caso decertas circunstâncias, como, por exemplo, a clandestinidade do ato, a continuação dos

 bens alienados na posse de devedor, quando deveriam estar com terceiro, a falta decausa do negócio, o parentesco entre devedor e terceiro adquirente, o preço vil, aalienação de todos os bens38 etc.

Page 317: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 317/359

Tratando-se de transmissão gratuita de bens, ou de remissão de dívida (CC, art. 158),dispensa-se a má-fé, bastando o elemento objetivo, o eventus damni, exigindo-se apenasna prova de insolvência.Pode, entretanto, o adquirente evitar a propositura da ação pauliana, ou extingui-la, se,ainda não pago o preço e este for aproximadamente o corrente no mercado, depositá-lo

em juízo requerendo a citação por edital de todos os interessados. Se inferior esse valor ao preço do mercado, o que faz supor a malícia do adquirente, podem os credoresreclamar a devolução da coisa vendida ou o respectivo preço real do tempo daalienação.39O credor quirografário que eventualmente receba de devedor insolvente o pagamento dedívida ainda não vencida, fica obrigado a repor o recebido (CC, art. 162) em favor doacervo sobre que tenha de se efetuar o concurso de credores (CC, arts. 955 a 965).As garantias reais que o devedor insolvente tiver dado a qualquer credor reputam-sefraudatórias (CC, art. 163), tendo-se em vista a vantagem do credor beneficiado, e aconseqüente quebra do princípio da igualdade dos credores. Valem tais garantias,

 porém, se constituídas antes da insolvência do devedor.

Presumem-se, todavia, praticados de boa-fé, e por isso válidos, os negócios ordinários,indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, agrícola ou industrial dodevedor (CC, art. 164), inclusive a constituição de garantias reais.Anulados os atos fraudulentos, a vantagem resultante reverte em proveito do acervo queserá objeto de concurso de credores. E no caso dos atos revogados terem por únicoobjetivo atribuir direitos preferenciais, mediante a constituição de hipoteca, anticrese ou

 penhor, sua nulidade importará somente na anulação da preferência ajustada (CC, art.165 e par. único), restabelecendo-se a igualdade entre os credores. Em matériacomercial encontramos o mesmo instituto disciplinado pela lei de falências,40 de modomais rigoroso, visando aos atos de disposição ou comprometimento patrimonial

 praticados pelo falido durante o período suspeito da falência.A fraude contra credores, defeito do negócio jurídico, não se confunde com a fraude deexecução, que é incidente do processo judicial.41------------------------33 Ghestin, op. cit., p. 792. Com opinião diversa, Caio Mário, op. cit., p. 164.34 A fraude contra credor é pertinente à matéria do direito das obrigações, na partereferente às medidas conservatórias do patrimônio do devedor, com garantia do

 pagamento de suas dívidas.35 Do latim chirographarius, do grego cheirographos, significando o escrito eassinado pela própria pessoa, sem intervenção de outrem. Cf. De Plácido e Silva.Vocabulário Jurídico.

36 Silvio Rodrigues. Ação pauliana ou revocatória, in Enciclopédia Saraiva doDireito, 3, p. 286 e segs.; Caio Mário, op. cit., no. 93; Cifuentes, op. cit, Cap. IX, p. 547e segs.; Ugo Natoli, Azione revocatória, in Enciclopédia dei diritto, IV, p. 888 e segs.;Giovanbattista Impallomeni, Azione revocatória, in Novíssimo digesto italiano, II, p.147 e segs.; segundo o qual o nome pauliana não é clássico, aparecendo em um só textodo Digesto (L. 38, § 4, D. de usuris, 22,1), que foi objeto de glosa, aparecendo emoutros textos posteriores à compilação de .lusti-niano. Como ação revocatória, é referidano Código, VIII, 75, e no Digesto, X 1,11, 8, e 22, l, 38, 4.37 RT 106/552; Silvio Rodrigues, op. cit., p. 291.38 Induzem à presunção de insolvência os contratos em que haja: a) clandestinidadedo ato; b) continuação dos bens alienados na posse do devedor, quando segundo a

natureza do ato, deviam passar para o terceiro; c) falta de causa; d) parentesco ou

Page 318: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 318/359

afinidade entre o devedor e o terceiro; e) preço vil; f) alienação de todos os bens, apudSilvio Rodrigues, op. cit, p. 205.39 Clóvis Beviláqua, op. cit., p. 108.40 Decreto-Lei 7.661 de 21 de junho de 1945, art. 55.41 Fraude de execução é o ato prejudicial ao credor praticado pelo ilcvrdoi quando já

em curso uma ação de execução contra ele. É matéria de direito público, direito processual, sendo regida pelo Código de Processo Civil, art. 593.------------------------

CAPITULO XVIInvalidade do Negócio Jurídico

Sumário: l. Introdução. A invalidada dos atos e dos negócios jurídicos. A teoria dasnulidades. 2. Existência, validade e eficácia. 3. Nulidade. Conceito. Fundamentohistórico-ideológico. 4. Espécies de nulidade. 5. Causas da nulidade. 6. Simulação.Conceito e âmbito de aplicação. 7. Elementos da simulação. 8. Espécies de simulação.9. Simulação absoluta e relativa. Simulação total e parcial. 10. As hipóteses legais desimulação. 11 Efeitos da simulação. 12. A ação de nulidade. Efeitos. 13. Característicasdo negócio jurídico nulo. 14. Anulabilidade. Conceito. Fundamento. Origem. 15.Causas da anulabilidade. 16. A ação de anulação. 17. Confirmação do ato anulável. 18.Características do negócio jurídico anulável. 19. Conversão do negócio jurídico.

1. Introdução. A invalidade dos atos e dos negócios jurídicos. A teoria das nulidades.A teoria do negócio jurídico constrói-se no século XIX, com princípios e normasreferentes aos elementos e requisitos do ato, positivando-se nos códigos civis em regrasde ordem pública e de natureza imperativa, destinadas a proteger os interesses do sujeitoe de terceiros, eventualmente afetados pelos efeitos negociais. Cuidava-se, assim, de

 preservar o princípio da autonomia da vontade na plenitude de sua realização e eficácia.O descumprimento de tais normas, levando à desconformidade dos atos com osrespectivos preceitos legais, torna irregular a declaração de vontade e, por isso mesmo,suscetível de sofrer a sanção prevista no sistema legal, que é a invalidade e,conseqüentemente, a ineficácia, impossibilitando a declaração de vontade de produzir osefeitos desejados.

Objeto agora de nosso estudo é a invalidade, como categoria aplicável à generalidadedos atos e dos negócios jurídicos (CC, art. 185).  Negócio jurídico inválido é o que não vale para o direito, por não preencher osrequisitos legais, não se lhe reconhecendo o poder de produzir as relações jurídicas

 pretendidas.1 Consiste na medida jurídica que traduz não só uma sanção do sistemalegal para o descumprimento da norma jurídica, pertinente à formação do ato, comotambém, e principalmente, um julgamento, um juízo de valor acerca da conveniência da

 própria existência e eficácia da declaração da vontade.A invalidade é, assim, a sanção que o direito estabelece para a prática do ato jurídico aque falte qualquer dos seus requisitos. Como tal, caracteriza-se: a) por ser fixada em lei(CC, arts. 166, 167 e 171), no que se distingue de outras causas de extinção do ato,

também sanções, como a resolução, a rescisão, a resilição etc., que decorrem da vontadedos agentes intervenientes; b) por privar o ato de seus efeitos próprios, específicos, e c)

Page 319: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 319/359

 por ser devida a causas anteriores ou contemporâneas à prática do ato, como defeitocongênito, o que também a distingue das demais sanções que privam o ato de eficácia,decorrentes de causas superveniente à celebração do ato.2O conjunto de princípios, conceitos e disposições que se formou em torno dessa matériaconstitui a chamada teoria das nulidades. Essa construção teórica, elaborada com a

 preocupação de preservar a existência, a validade e a eficácia do negócio jurídico, e por isso mesmo concebida, essencialmente, em torno dos seus elementos constitutivos,ressente-se hoje da impossibilidade de uma perfeita sistematização, capaz de fixar amatéria em algumas regras gerais que proporcionem ao intérprete segura orientação,3dada a multiplicidade de normas limitadoras da autonomia privada, o que dificulta afixação de princípios comuns a todas as espécies. Se o direito moderno (séc. XIX) podeelaborar um esquema racional e sistemático das nulidades, com sua própria teoria, odireito atual revela uma tendência inversa, a da atomização das nulidades, no sentido demúltiplas hipóteses de nulidade, cada uma com regra específica. Q direito civilcontemporâneo, fragmentado em sua matéria e pluralista nas suas fontes, revela, assim,fraturas crescentes na sua sistemati cidade, permitindo o surgimento de regimes

especiais de nulidade,'' (como o do casamento, o dos atos da Administração Pública) r figuras atomísticas, como por exemplo, a nulidade da incorporação (CC, art. 1.122), ada doação (CC, art. 548), a da transação (CC, art. 840), a das disposições testamentárias(CC, art. 1.900), a dos legados (CC, art. 1.912), a dos atos dos pais (CC, art. 1.691, par único). Não obstante, os critérios fundamentais para o intérprete em tal matéria sãohoje: a) a consideração da nulidade como sançãc e b) a natureza dos interesses a

  proteger, interesses gerais qiu justificam a nulidade absoluta do ato e interesses particulares que levam à anulabilidade, no caso de transgressão das respectivas norma: protetivas. Isso não impede, todavia, o permanente esforço do; juristas no sentido deestabelecer estabelecer princípios básicos t li orientação e de fixar as características dosatos irregulares ou i n vá lidos, embora evitando as construções artificiais e a idéia deum; completa sistematização.A invalidade compreende a nulidade e a anulabilidade e difere da inexistência e daineficácia, planos distintivos na patologia do ati jurídico.2. Existência, validade e eficácia.O negócio é eficaz quando produz os efeitos que o agente pretende. Eficácia é,

 portanto, a possibilidade de produzir os efeitos desejados no todo ou em parte.O problema da eficácia do negócio jurídico e, conseqüentemente, o da ineficácia, leva-nos a apreciá-lo em três planos diversos e independentes, o da existência, o da validadee o da eficácia em senso estrito.Sob o ponto de vista lógico, para que exista um negócio jurídico são precisos certos

elementos: manifestação de vontade, objeto e forma. Reunidos, fazem com que amanifestação de vontade passe do universo dos fatos para o mundo do direito. Semqualquer um deles, o ato é inexistente.Ato inexistente é aquele a que falta um elemento essencial à sua formação,4 nãochegando a constituir-se. E puro fato, sem existência legal.É concepção teórica positivada em alguns códigos como o francês e o português.5 Nãoincluída no Código Civil brasileiro, tem sua utilidade na distinção, com rigor lógico, doato nulo. O ato inexistente não produz efeitos jurídicos, enquanto o nulo pode produzir alguns, embora diversos do que especificamente a lei ou a vontade das partes lheatribui. Além disso, a invalidade é posterior à existência,6 pois só é válido ou inválido oque existe.

A matéria é controversa, havendo quem considere a inexistência uma concepção inútil, pelo fato de serem suficientes as regras da nulidade para privarem de eficácia jurídica o

Page 320: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 320/359

ato inexistente.7 Outros a defendem, alegando ser a inexistência jurídica uma categoriadiversa da nulidade, com aplicação em determinadas situações da vida real.1 Hádiferença entre um ato jurídico nulo e uma situação de fato cm que não se configura oato,9 como ocorre, por exemplo, entre- um casamento nulo e um simulacro em que umdos nubentes se substitui por outra pessoa. A conclusão a que se pode chegar, quanto a

esse problema em nosso direito, é que não há interesse prático em distinguir ainexistência da nulidade, salvo em matéria de casamento, levando-se em conta que oinexistente não produz quaisquer efeitos, enquanto o nulo poderá produzi-los, se de boa-fé.Para que o negócio jurídico além de existir seja válido é precise que aos elementosreferidos se juntem determinados atributos oi requisitos: a manifestação de vontadedeve partir de agente capa/, o objeto deve ser lícito e possível e a forma deve ser 

 prescrita oi; não proibida em lei (CC, art. 104). Temos então um ato valide), c que pressupõe a sua existência.O negócio jurídico válido pode ser eficaz ou não, isto é, produ/.ii ou não os efeitos

 pretendidos e correspondentes à espécie de ate praticado. O ato pode existir, ser válido e

todavia não ser eficazPor exemplo, o testamento celebrado de acordo com a lei (CC, art. 1.887), é negócio

  jurídico válido, porém ineficaz enquanto o testador for vivo. Também o negócio jurídico sob condição suspensiva é válido, porém ineficaz enquanto não realizada acondição, no que lhe disser respeito. Os atos praticados pelo falido são ineficazes

  perante a massa falida. O contrato de compra e venda de imóvel sem o registroimobiliário é ineficaz perante terceiros, embora produza efeitos entre as respectivas

 partes. Nesses casos, a ineficácia é relativa, existe apenas em face de certas pessoas.Visualizam-se, assim, três categorias ou planos distintos, o da existência, o da validadee o da eficácia em sentido estrito. Se o acontecimento existe no mundo jurídico, seráválido se observar os requisitos legais, e poderá ser eficaz, produzindo os efeitos

 jurídicos normais que os sujeitos pretendem. Não existindo ou não sendo válido, nãoserá eficaz.Se a validade do negócio significa a sua conformidade com o ordenamento jurídico, ainvalidade é, portanto, uma irregularidade jurídica. O ato não se pratica de acordo com oque a lei estabelece. A conseqüência imediata é a ineficácia, a impossibilidade de

 produzir os efeitos pretendidos.Sendo o negócio jurídico uma criação do direito, um instrumento que o sistema legal

 põe à disposição dos sujeitos para a realização de seus interesses, não pode ter senãouma vida conforme à lei; ou reúne todos os requisitos legais e é negócio jurídico, ou nãoreúne e não o é.10 Não apresentando tais requisitos, incorre em sanção, que é a

invalidade, sendo ineficaz e fazendo com que as coisas fiquem como estavam antes da prática do ato.O conceito de invalidade é vasto e abrange o de nulidade e o de anulabilidade. A

 primeira decorre da falta de qualquer dos requisitos legais da formação do ato ou deexpressa disposição da lei. A segunda é sanção de grau menor, resultante daincapacidade relativa do agente ou de vício de vontade. O critério distintivo deve ser,

 porém, o da titularidade dos interesses a proteger. Tratando-se do interesse geral, o casoé de nulidade, se o interesse for particular, é de anulabilidade.113. Nulidade. Conceito. Fundamento hislórico-ideológico.O Código Civil estabelece no art. 104 que a validade do negócio jurídico requer agentecapaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

De modo correspondente, dispõe no art. 166 ser nulo o negócio jurídico quando  praticado por pessoa absolutamente incapaz, quando for ilícito, impossível ou

Page 321: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 321/359

indeterminável o seu objeto, quando o motivo' determinante, comum às partes, foiilícito, quando n;io revestir a forma prescrita em lei, quando for preterida algumasolenidade que a lei considere essencial para a sua validade, quando tiver por objetofraudar lei imperativa, ou quando taxativamente a lei o declarar nulo ou proibir-lhe a

 prática sem cominar sancõies.

A nulidade é a sanção legal para os atos praticados sem o .s necessários requisitos, doque resulta a inidoneidade do ato para a produção dos efeitos que lhe são próprios.12Os romanos não conheciam a nulidade ou o negócio jurídico nulo como categoriaespecífica, confundindo-a com a inexistência." Formalista por excelência, o direitoromano primitivo ligava a eficácia do ato à observância das formalidades legais.Cumpridas tais formalidades, o ato era inatacável. Se descumpridas, o ato não tinhaexistência jurídica.Com a evolução do direito passou-se a considerar que os vícios da vontade tinhaminfluência na validade do ato, começando a surgir, com a atividade do pretor, e depoisconsagrada na prática jurisdicional da Idade Média, a figura da nulidade relativa, aquelaque somente determinadas pessoas podiam alegar, em contraposição à nulidade

absoluta, que qualquer um podia invocar. Chegou-se assim à teoria clássica dasnulidades, que se baseava na distinção entre as nulidades absolutas e as nulidadesrelativas.É somente com a pandectística alemã que se alcança maior sistematização da matéria,no âmbito da teoria geral do negócio jurídico a que o problema da nulidade estáestreitamente vinculado, tendo por base a vontade e o nexo causai entre essa e os seuseleitos jurídicos, desde que observados os esquemas formais da lei. Desse modo, afunção do ordenamento jurídico consistiria precisamente------------------------1 Bernard Windscheid. Diritto delle pandette, p. 264; Pontes de Miranda. Tratadode Direito Privado, tomo 4, p. 16 e segs.; Eduardo Espínola, Dos fatos jurídicos. Dasnulidades, in Manual do Código Civil Brasileiro, III, parte 4-, p. 42 e segs.; JacquesGhestin. La formation du contraí, 3e édition, 1993, p. 629 e segs.; Massimo Brutti,Invalidità (storia), in Enciclopédia dei diritto, XXII, p. 560, e segs.; RaffaeleTommasini, Invalidità (diritto privato}, ibidem, p.575 e segs.2 Santos Cifuentes. Negócio Jurídico. Estrutura. Vícios. Nulidades. p. 574.3 Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, p. 408.4 Espínola, op. cit., p. 140; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil,

  p. 448; Antônio Junqueira de Azevedo. Negócio Jurídico. Existência, Validade eEspécie, p. 63.5 Código Civil português, art. 1.6282: "É juridicamente inexistente: a) o casamento

celebrado perante quem não tinha competência funcional para o acto, salvo tratando-sede casamento urgente; b) o casamento urgente que não tenha sido homologado; c) ocasamento cuja celebração tenha faltado a declaração de vontade de um ou ambos osnubentes, ou procurador de um deles; d) o casamento contraído por intermédio de

 procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ouquando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ouquando seja nula por falta de concessão de poderes especiais para o acto ou dedesignação expressa de outro contraente; e) o casamento contraído por duas pessoas domesmo sexo."6 C. Massimo Bianca. // contratto, p. 579.7 Orlando Gomes, op. cit., p. 397; Caio Mário, op. cit., p. 447. O Código Civil

 brasileiro não segue a teoria da existência, validade, eficácia. Cfr. José Cario, MoreiraAlves. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro, p. 101.

Page 322: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 322/359

8 Cifuentes, op. cit., p. 580. A noção de inexistência consiste em uma tercoin causade ineficácia do ato jurídico, para os juristas que a admitem. Na falta cit um elementointrínseco à sua formação, ele não seria nulo mas inexistente, lís.s, noção surgiu noséculo passado a propósito das nulidades do casamento, par. contornar certasconseqüências absurdas da regra "en matière de mariage il n' \ a pás de nullité sans

texte", como poderia ocorrer, por exemplo, no caso di casamento de pessoas do mesmosexo, hipótese não-prevista no texto legal. O ali não seria, assim, nulo, poréminexistente. Posteriormente essa noção estendeu-si às demais espécies de ato jurídico.Foi Zacharia von Lighental jurista alemão, t autor dessa teoria, a partir da intervençãode Bonaparte nos trabalhos preparatório do Code Civil, a respeito do art. 146, ocasiãoem que o Primeiro Cônsul decliiroii "É preciso não misturar os casos em que ocasamento não existe com aqueles i-n que ele pode ser anulado." Depois dessaintervenção é que se teria adotado fórmula do art. 146 do Código Civil francês: "// n'y a

 pás de mariage lonqn'1 ríy a pás de consentement." Essa teoria tem sido combatida, porém, por inútil ' inexistente. Cf. Mareei Planiol et Georges Ripert. Traitépratique dedroít /nuiçau tome II, pp. 201 e 202; Henri Leon et Jean Mazeaud. Leçons de droit civil

tom premier, troisième volume, p. 158.9 Luigi Cariotta Ferrara. II negozio giurídíco nel diritto privato italiano, p. 33 .10 Alfredo Fedele. Uinvalidilà dei negozio giuridico di dirilto privato, p. 32.11 Ghestin, op. cit., p. 626.12 Bianca, op. cit., p. 596.13 Antônio Masi, Nullità (storia), in Enciclopédia dei diritto, XXVIII, p. 859.------------------------em receber e garantir "as transformações jurídicas produzidas pela vontade

 particular",14 sendo o negócio jurídico o instrumento legal da criação das relações jurídicas, no processo de circulação e consumo dos bens, fora de qualquer controleexterno que não o dos requisitos de validade impostos em lei para proteger os própriossujeitos, dando-lhes a certeza jurídica necessária ao funcionamento do processoeconômico.15 Conseqüentemente, a nulidade surge como sanção para o ato jurídico emque a vontade aparece comprometida ou se realize em contraste com o esquema legal.Superada esta concepção voluntarista e subjetiva, a nulidade passa a instrumento de

 proteção de interesses gerais,limitando à livre disposição das partes e garantindo maisigualdade e solidariedade nas relações jurídicas.A tendência atual nesta matéria caracteriza-se pela aproximação dos diversos elementosdo regime das nulidades, estabelecendo como critério distintivo a natureza dos diversosinteresses a proteger, de natureza pública ou particular.164. Espécies de nulidade.

Já vimos que as duas categorias fundamentais são a nulidade e a anulabilidade.Quanto à nulidade, ela pode ser absoluta e relativa, total e parcial, textual e virtual, outácita.A nulidade diz-se absoluta quando afeta a todos e pode ser alegada por qualquer interessado; e relativa quando afeta apenas determinadas pessoas, sendo que somenteestas podem invocá-la. A nulidade relativa não se confunde com anulabilidade; a

 primeira é espécie de nulidade que só determinadas pessoas podem invocar. A segundaé sanção de grau inferior àquela.A nulidade absoluta é a regra, enquanto a figura da nulidade relativa é controversa nadoutrina, não sendo de aceitação geral.17Exemplos de nulidade relativa teríamos os dos arts. 49(5, 497 r .533, II, do Código

Civil, casos em que somente determinadas pessoas estariam legitimadas para requerer adecretação de nulidade do ato. É precisamente a titularidade dos interesses a proteger 

Page 323: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 323/359

que constitui o critério distintivo das duas espécies. Enquanto a nulidade absolutaatende ao interesse geral, a relativa visa proteger o interesse de determinadas pessoas,diretamente afetadas pela prática do ato proibido em lei, como nas hipóteses dos artigossupramencionndos. Poder-se-ia dizer que a nulidade absoluta protege imediatamente ointeresse público e de modo mediato o interesse privado, enquanto a nulidade relativa

 protege imediatamente o interesse privado c mediatamente o interesse público.A nulidade pode ser total e parcial, conforme atinja todo <> negócio jurídico ousomente parte. A nulidade parcial do ato não prejudicará na parte válida, se esta for separável (utile per inulile von vitiatur)(CC. art. 184). É a regra da incomunicabilidadeda nulidade que se baseia no princípio da conservação do ato.18 Deve tratar-se, porém,de um negócio unitário, passível de divisão em partes que não possam, individualmente,desnaturar o ato, e que seja suscetível de subsistir independentemente da parte nula.

  Negócio unitário e divisível, permanecendo os interesses das partes devidamenteresguardadas com a parte válida do ato.19 No testamento, a nulidade da cláusula nãocontamina o resto do negócio, salvo se houver íntima conexão com as demais cláusulas,de modo que uma não possa vigorar sem a outra (CC, art. 1.910).20

Casos há em que a lei veda a nulidade parcial do ato, como ocorre na hipótese detransação em que o negócio será nulo se qualquer de suas cláusulas o for, salvo exceçãolegal (CC, art. 84S).A nulidade da obrigação principal implica a nulidade da acessória, mas a desta nãoconduz à da obrigação principal (CC, art. 184). Nulo o contrato de locação, nula arespectiva fiança. Nula a obrigação, nula a respectiva cláusula penal considerando-se asua natureza de obrigação acessória (CC, art. 184). É o princípio de que o acessóriosegue o principal, na sua existência, validade e eficácia.A nulidade diz-se textual, se vem declarada na lei, e virtual ou tácita, se, não sendoexpressa, é dedutível das normas ou dos princípios do sistema jurídico. As nulidadestextuais têm especial importância no direito de família, no qual o casamento só é nulonos casos precisos da lei,21 enquanto a nulidade de um contrato se depreende dos

 princípios gerais estabelecidos nas normas do art. 166 do Código Civil. Essa diferença éuma das razões que dificultam a sistematização da matéria das nulidades. Aos negócios

 jurídicos, que são instrumentos da autonomia privada e que, por isso mesmo, pertencemao âmbito das relações jurídicas econômicas ou patrimoniais, aplicam-se as nulidadesvirtuais, enquanto que aos atos jurídicos em senso estrito, como os de família, excluídosdo campo da autonomia privada, as nulidades textuais. São os chamados regimesespeciais de invalidade, a que se refere o Código Civil português (art. 285°).5. Causas da nulidade.O Código Civil estabelece no art. 166 as causas determinantes da nulidade do negócio

 jurídico. Este é nulo quando o agente for absolutamente incapaz, o objeto for ilícito,impossível ou indeter-minável, o seu objeto, o motivo determinante comum a ambas as partes, for ilícito, não revestir a forma prescrita em lei, for preterida alguma solenidadeque a lei considere essencial para sua validade, tiver por objetivo fraudar lei imperativa,ou ainda quando a lei, expressamente, o declare nulo ou proibir-lhe a prática, semcominar sanção (CC, art. 166). A essas causas de nulidade acrescenta o Código, asimulação (CC, art. 167).Outros sistemas jurídicos, como o francês e o italiano, consideram ainda como razão denulidade a inexistência de causa, mas isso em matéria de obrigações.Agente absolutamente incapaz são as hipóteses do art. 3-, menores de dezesseis anos, osque, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento

 para a prática desses atos, e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Os absolutamente incapazes poderão todavia praticar negócios jurídicos

Page 324: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 324/359

  por meio dos seus representantes legais, pais, tutores e curadores. A incapacidadeverifica-se no momento da prática do ato. A incapacidade aqui é a de fato, não dedireito. Protegem os incapazes as disposições do art. 182.O objeto é, em termos imediatos, a constituição, modilicacao ou extinção de umarelação jurídica, e em termos mediatos, aquilo sobre que incidem tais relações, vale

dizer, coisas ou fatos que se pretende obter com a prática do ato, tudo isso conforme asdisposi ções do sistema jurídico, ou seja, possibilidade legal e não contra riedade à lei.O objeto significa, então, o conteúdo do ato, as relações que o sujeito visa a constituir,não o objeto material, a coisa ou o fato sobre que em termos mediatos incidem taisrelações. É de objeto ilícito o ato jurídico que atenta contra a lei, a ordem pública ou os

 bons costumes, por exemplo, os atos que visem a restringir a liberdade profissional,industrial, comercial ou a liberdade de contratar, ou ainda, a corretagem matrimonial.22São exemplos de negócios jurídicos contrários à ordem pública a renúncia a alimentosfuturos, a promessa de voto, o contrato de realização de um dano contra terceiros.23Além da licitude, deve-se incluir entre os requisitos do objeto a possibilidade física e adeterminabilidade. Vige nesta matéria o princípio da autonomia da vontade, salvo

disposição legal em con trário. A impossibilidade física ou jurídica verifica-se ao tempoda conclusão do ato.24Outra causa de nulidade donegócio jurídico é a existência de um motivo determinante,ilícito comum a ambas as partes.Os motivos são fatos psicológicos, via de regra irrelevantes paia o direito, quer porquenão se manifestam, quer porque o declarante deles não faz depender a realização donegócio. Só viciam a declaração de vontade quando expressas como razão determinante(CC, art. 140). Têm porém sua influência quando atuam sob forma de condição.À semelhança do que estabelece o direito italiano (Códice Civile, art. 1.343), olegislador brasileiro incluiu o motivo no elenco das causas de nulidade do negócio

 jurídico, quando fosse determinante do ato, ilícito e comum a ambas as partes.Motivo ilícito é o contrário a normas imperativas, à ordem pública ou aos bonscostumes. Por exemplo, um contrato de mútuo, que se destina ao jogo, sendo essemotivo comum ao mutuante e mutuário, ou um contrato de locação cuja razão de ser seja a exploração do meretrício, são negócios jurídicos nulos, por força do art. 166, III.Outro exemplo é a nulidade da doação que tem, como razão determinante, e de comumacordo, a recompensa de uma atividade ilícita.Forma prescrita em lei é a forma estabelecida para os casos de maior relevância, queexigem certa solenidade e publicidade, como nas hipóteses dos arts. 108 e 109 doCódigo, em que é necessária a presença do tabelião e obrigatória a escritura pública.

 Não vale o ato que deixar de revestir a forma especial determinada em lei. A nulidade

do instrumento não induz a do ato sempre que este puder provar-se por outro meio (CC,art. 183). É nulo ainda o negócio jurídico quando for preterida alguma solenidade que alei considere essencial para a sua validade, entendendo-se como tal as exigências que alei estabelecer como necessárias à validade do ato, por exemplo, a autorização judicial

 para um pai vender imóvel de seu filho.25Além da ilicitude, deve considerar-se também nulo o negócio que vise a fraudar norma

  jurídica imperativa,26 no mais das vezes utilizando um negócio lícito para atingir resultado positivo, combinando-se com outros negócios jurídicos. E, finalmente, étambém nulo o negócio jurídico quando a lei taxativamente o declarar nulo, é nulo nãoem virtude da simulação em si, mas por constituir o negócio real uma venda deascendente a descendente sem a aquiescência dos demais descendentes. Nulidade

independente da prova de simulação." STF, 2^ T., RE 100.440-1, J. em 04.10.83.6. Simulação. Conceito e âmbito de aplicação.

Page 325: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 325/359

Simulação é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso doostensivamente indicado.27 Não é vício dr vontade, pois não a atinge em sua formação.É antes uma disfotini dade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a

 pessoa a quem se destina, com o objetivo de enganar terceiros. Não existe defeito navontade, mas no ato concreto de sua declaração, para o fim de se obter efeito diferente

do que a lei estabelece, pelo que não se inclui essa figura no elenco dos defeitos donegócio jurídico, juntamente com os vícios do consentimento, como fazia o Código de1916, (CC, arts. 102 a 105), mas sim nas hipóteses de nulidade (CC, art. 167). O atosimulado é nulo porque a declaração das partes não corresponde ao que na realidade

 pretendem.Para a doutrina dominante, a simulação consiste em divergência intencional entre avontade e a declaração, decorrente de acordo entre as partes (declarante e declaratário),com o propósito de enganar terceiros.28 O negócio simulado caracterizar-se-ia, dessemodo, pela divergência proposital que se estabelece entre a vontade real das partes e aque efetivamente declaram, sendo que, de acordo com a concepção voluntarista ousubjetiva do negócio jurídico, tal divergência levaria à anulação do ato, pela inexistência

de uma vontade correspondente à declaração.Concepção mais moderna, no âmbito da teoria objetiva do negócio jurídico, apresenta asimulação como vício da própria causa do negócio, resultando da incompatibilidadeentre esta e a finalidade prática desejada concretamente pelas partes,29 que desejariam,na verdade, atingir um objetivo diverso da função típica do negócio.-------------------------14 Tommasini, op. cit., p. 875.15 Pietro Barcellona. Intervento statale ed autonomia privata nella disciplina deirapporti economia, p. 21 e segs.16 Ghestin, op. cit., p. 633.17 Não só a distinção entre a nulidade absoluta e a nulidade relativa, como toda ateoria das nulidades, está sendo objeto da crítica jurídica contemporânea. Cf. OrlandoGomes, op. cit., p. 407. Sobre nulidade absoluta e relativa, cfr. (ionclim Filho, NulidadeRelativa, in Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Uri ilr, 1929, p. 302.18 Francesco Santoro-Passarelli. Dottrine generalli dei diritto civile, p. 301.19 Cifuentes, op. cit., p. 606. CCB, art. 153.20 Carlos Maximiliano. Direito das Sucessões, II, p. 136.21 É o princípio do direito matrimonial francês segundo o qual "en matière demariage, U riy a pás de nullité sans texte".22 Espínola, op. cit, pp. 507 e 519.23 Bianca, op. cit., p. 584.

24 Pontes de Miranda, op. cit., p. 103.25 Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, III p. 249.26 Pontes de Miranda, op. cit., p. 193. "Nula é a venda que contraria a proibiçãoexpressa no art. 1.132 do CC. Aí, o ato ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção,

  por exemplo, a doação de todos os bens (CC, art. 548). "Venda de ascendente adescendente (Código Civil, art. 1.132). É ela nula, não simplesmente anulável.Precedentes do STF: RE 59.417, 76.054 e 79.109." "Recurso extraordinário não-conhecido." Recurso extraordinário ns 83.176, Jurisprudência Brasileira, ns 29. p. 171.27 Teixeira de Freitas. Esboço, art. 521; Clóvis Beviláqua. Código Civil Comeu tado,art. 102.28 Espínola, op. cit., p. 460 e segs.; Manuel de Andrade, op. cit., p 169; Custódio da

Piedade Ubaldino Miranda, Simulação (direito civil), in Enciclopédia Saraiva doDireito, vol. 69, p. 80 e segs.; Santos Cifuentes, op. cit., p. 493 e segs.

Page 326: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 326/359

29 Betti. Teoria Geral do Negócio Jurídico, II, p. 373 e segs.; Bianca, op. dl., p. 658.-------------------------Para outros ainda, a simulação seria um processo criativo de uma aparência enganadora,

 produzindo, com uma só intenção, duas declarações de vontade, uma secreta e outraostensiva.30 Mais do que uma divergência entre vontade e declaração, o que existe é

uma divergência entre um negócio aparente forjado por duas vontades combinadas entresi e a relação jurídica que efetivamente nasceu desse negócio. A divergência não é entrea vontade e a declaração, mas entre esta e os efeitos realmente desejados pelas partes.31Há, assim, um negócio externo e um acordo interno entre as partes, que traduz o desejode estas atingirem um efeito jurídico diverso do produzido pelo aparentemente

 praticado.Distingue-se a simulação dos defeitos do ato jurídico. Enquanto no erro a divergência éespontânea, tendo o agente uma falsa noção do objeto da relação, no dolo o agente émaliciosamente induzido em erro, e na coação o agente é constrangido a praticar o ato,na simulação há um acordo de vontades destinado a enganar terceiros. As partes donegócio querem a aparência mas não querem os efeitos do ato que demonstram realizar.

A simulação surge, assim, como um fenômeno de aparência negociai criadaintencionalmente.32Difere ainda a simulação da reserva mental, pelo fato de nesta não existir um acordoentre as partes para enganar terceiros, apenas uma atitude pessoal do agente, umadeclaração não conforme à sua vontade para o fim de enganar o declaratário.A importância da disciplina jurídica da simulação resulta da freqüência com que éutilizada na prática. Dela são exemplos, na vida corrente, a diminuição de preço deimóvel no contrato de compra e venda, para eventual diminuição do imposto detransmissão, a colocação de data anterior à verdadeira em contratos e títulos de crédito,a realização de compra e venda ou doação por interposta pessoa, a venda simulada deimóveis para facilitar o despejo do inquilino, a venda fictícia de bens para evitar sobreeles futuras execuções, a doação de bens à concubina sob a forma de venda, adeclaração ou escritura de venda de um imóvel alugado por um preço superior ao real

 para frustrar a terceiro o exercício do direito de preferência etc. Os contratos são ocampo natural da simulação, que também se pode verificar, embora mais raramente, nosnegócios jurídicos unilaterais, desde que se verifique o acordo simulatório entre odeclarante e o destinatário, entendendo-se como tal a pessoa que suporta os efeitos donegócio. De modo geral, podem ser objeto de simulação todos os negócios jurídicos

 bilaterais e unilaterais cm que exista declaração receptícia de vontade, isto é, a que sedirigi' a determinadas pessoas, produzindo efeitos a partir de sua ciência (v.g. promessade pagamento). Conseqüentemente, são insuscetíveis de simulação os negócio

unilaterais não receptícios (v.g. o testamento)33, e os atos normativos de direito público(lei, decreto, regulamento etc.), assim como os de reconhecimento constitutivo por ele,como no caso da personificação, de entes coletivos, o que não impede a existência de

 pessoas jurídicas simuladas, com utilização da autoridade estatal para fins ilegítimos.34Também os atos processuais dique participe o juiz, bem como, em princípio, os dedireito de família, não devem considerar-se como passíveis de simulação, pois não sãoatos de autonomia privada.7. Elementos da simulação.A simulação pressupõe três elementos: a) divergência intencional entre a declaração e oefeito pretendido; b) acordo simulatório entre o declarante e o destinatário da declaração(declaratário); e c) objetivo de enganar terceiro.

A intencionalidade da divergência reside no fato de as partes quererem a aparência donegócio praticado, estipulando no mais das vezes um contrato com a intenção precisa de

Page 327: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 327/359

que esse não corresponda ao que realmente pretendem obter. O acordo simulatório(pactum simulationis] é o conluio entre declarante e declaratário acerca da divergênciaentre o que se estipula e a efetiva relação jurídica que nasce.Como último elemento, a intenção de enganar terceiros (animus deficiendi), que não seconfunde, todavia, com o intuito de prejudicar (animus nocendi). Também este aspecto

serve para distinguir a simulação da reserva mental, pois nesta existe o propósito deenganar o declaratário enquanto na simulação só se quer enganar terceiros.8. Espécies de simulação.1) Simulação inocente e simulação maliciosa; 2) simulação absoluta e simulaçãorelativa; 3) simulação total e simulação parcial.A simulação inocente é a que se faz sem o intuito de prejudicar, como ocorre, por exemplo, no caso de um homem solteiro simular qualquer venda à sua companheira,ocultando na verdade uma doação, pois não há qualquer impedimento para este ato (CC,art. 550). Não tem relevância prática no direito civil. A simulação maliciosa,fraudulenta, muito mais freqüente, visa a prejudicar terceiros ou violar dispositivo legal,como se verifica nos exemplos acima.

A distinção é desprovida de qualquer importância, a não ser para efeitos criminais, pelafalsidade da declaração.9. Simulação absoluta e relativa. Simulação total e parcial.A simulação pode ser absoluta e relativa. No primeiro caso, as partes não queremrealmente praticar o ato, embora aparentem fazê-lo, como, por exemplo, se o devedor simula vender seus bens a parentes ou amigos. Só existe um negócio, que é o simulado.

  Na simulação relativa, as partes realizam o negócio, mas diverso daquele queefetivamente pretendem, como, por exemplo, no caso de um contrato de compra evenda esconder uma doação. Na verdade, nesta espécie de simulação existem doisnegócios: um aparente, o negócio simulado, ostensivo, que não é o verdadeiro, e outro,oculto, disfarçado, que é o realmente pretendido pelas partes, o negócio dissimulado.A simulação relativa apresenta duas modalidades, conforme o elemento do negóciosobre que incida. A simulação subjetiva, ou das pessoas, e a simulação objetiva, sobre oconteúdo do negócio, mais especificamente, sobre a natureza do ato ou sobre o seuvalor.

 Na simulação subjetiva ocultam-se os sujeitos, ou um deles, como é mais freqüente,verificando-se a interposição fictícia ou a interposição real da pessoa. No primeiro caso,a parte principal do negócio não é a que aparece como tal. Existe um acordo simulatóriode três pessoas participantes, em que uma delas, o "testa-de-feno" ou "homem-de-palha"serve apenas para emprestar seu nome, como na hipótese de Antônio vender um bem aJoão para que este venda a José, sabido que o negócio real, pretendido, embora

simulado, é a venda de Antônio para José. Havendo acordo entre os três, o caso é deinterposição fictícia. Se, porventura, o negócio for apenas cnt.iv Antônio e João, emborano sentido de o bem ser transferido posteriormente a José, a hipótese será deinterposição real, configurando verdadeiro mandato sem representação.35 Resumindo:enquanto na interposição fictícia a pessoa interposta, "testa-de-ferro", não c overdadeiro destinatário dos efeitos do negócio, sendo só aparente a sua intromissão,como parte, no negócio, na interposição real, ao contrário, "a pessoa interposta adquireos direitos decorrentes do contrato, embora com o objetivo de transferi-los a terceiro"."'A simulação objetiva, versando sobre o conteúdo do ato, é pertinente à natureza donegócio, como no caso de alguém vender para na verdade doar, ou ao respectivo valor ou preço fixado pelas partes para enganar o fisco, no caso de ser devido o imposto de

transmissão, como na alienação de bens imóveis, ou para enganar terceiro a quem

Page 328: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 328/359

competia direito de preferência, caso em que as partes simulam um preço superior aoque realmente se paga.A simulação é total, como nas hipóteses acima figuradas, quando referente à naturezaou existência do próprio negócio, e parcial, quando incide apenas sobre cláusula oucondição do ato, como, por exemplo, simulação no objeto, no preço, na data, nas

modalidades ou acessórios.10. As hipóteses legais de simulação.0 Código Civil, no art. 167, par. 1°, especifica as hipóteses cm que pode configurar-se asimulação.Haverá simulação nos negócio jurídicos quando:1 —aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas a quemrealmente se conferem, ou transmitem. É o caso de negócio jurídico por interposta

 pessoa, como ocorre, por exemplo, com a venda simulada que ascendentes fazem aterceiro para que este, por sua vez, a faça a descendentes daqueles, contornando odisposto no CC, art. 496. Idêntica hipótese a do art. 550 do mesmo diploma. Asimulação é relativa, por interposição fictícia de pessoa;

II —contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira. Nestahipótese, a simulação pode ser absoluta ou relativa, conforme não se queira produzir qualquer resultado ou se procure dar aparência diversa ao negócio realmente praticado;III —os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados,37 fato maisfreqüente nos contratos e nos títulos de crédito, nomeadamente o cheque, a letra decâmbio e a nota promissória. A simulação é relativa porque as partes visam umresultado diverso do indicado ao estabelecerem um momento diferente da efetivaconstituição ou extinção da relação jurídica, com o fim de enganar terceiros.11. Efeitos da simulação.Os negócios jurídicos simulados são nulos (CC, art. 167). Se a simulação é absoluta, oato não produz efeito entre as partes, é ineficaz, e, anulado o ato, restituir-se-ão as partesao estado anterior. Se for relativa, anula-se o negócio simulado, aparente, subsistindo odissimulado, oculto, se for lícito, e desde que preencha os requisitos de validade, desubstância e forma (CC, art. 167). Se a simulação for maliciosa, qualquer interessado ouo Ministério Público poderá demandar a nulidade dos atos simulados (CC, art. 168).Mas terceiros de boa-fé que adquirirem direitos com base no negócio simulado não são

 prejudicados (CC, art. 167, par. 2°). Em face deles, o negócio simulado é tido comoexistente e válido, de acordo com a teoria da aparência.38Sendo a simulação inocente, o ato também é nulo, pois o Código não distingue asimulação inocente da maliciosa. O princípio geral é contudo, o de que o negóciodissimulado supera o simulado, mantendo-se o princípio tradicional de que mais vale o

ato que na verdade se quis praticar do que aquele que foi simulado.12. A ação de nulidade. Efeitos.As nulidades previstas nos arts. 166 e 167 podem ser alegadas por qualquer interessado,ou pelo Ministério Público quando lhe couber intervir (CC, art. 168).Tem, assim, legitimidade para propor ação qualquer interessado, entendendo-se comotal a pessoa que tenha um interesse concreto para agir, isto é, a necessidade de invocar a

 prestação jurisdicional do Estado na defesa de seu direito, inclusive o próprio causador da nulidade. Tem ainda legitimidade o Ministério Público, nos casos em que a leiestabelece.Essa alegação pode fazer-se em ação própria ou no curso de qualquer procedimento

 judicial. A ação própria destina-se à declaração de nulidade do negócio jurídico, sendo

necessária quando o ato se apresenta como título válido,39 e com base nele o sujeito pretenda exercer direitos. Deve ser proposta contra todos os participantes do ato, contra

Page 329: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 329/359

todas as partes. A sentença é de natureza declaratória, porque se limita a declarar ainvalidade do ato, sem criação de um novo estado jurídico,40 com eficácia retroativa aomomento em que o ato foi praticado, ex tunc, portanto. Assim, anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes se achavam, e, não sendo possível restituí-las,serão indenizadas com o equivalente (CC, art. 182) em dinheiro. Quanto a terceiros,

declarada a nulidade do ato, desfaz-se o direito que acaso tenham adquirido comfundamento nesse ato. Isso não impede, todavia, que se apliquem as regras sobre a posse de boa-fé no tocante a frutos, produtos e benfeitorias realizadas na pendência donegócio poste riormente declarado nulo. É também exceção a esse princípio a norma doart. 181, segundo a qual ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada,

 pagou a um incapaz, se não provar que------------------30 Custódio Miranda, op. cit., p31 Trabucchi, op. cit., p. 152.32 Bianca, op., cit., p. 656.33 O Código Civil português dispõe no art. 2.200° ser anulável a disposição Iriln

aparentemtente a favor de pessoa designada no testamento, mas que, na realidade, e por acordo com essa pessoa, vise a beneficiar outra. Cfr. o art. 1.802 do Código Civil

 brasileiro.34 A teoria da desconsideração da pessoa jurídica deve-se à simulação praür:ul:i naformação de sociedades com o fim de enganar terceiros. Cf. CifuenU-s, o|> , cit., p. 505.35 Manuel de Andrade, op. cit., p. 187; Mota Pinto, op. cit, p. 361.36 Bianca, op. cit., p. 664.37 Instrumento ou título antedatado é o que recebe data anterior àquela em querealmente foi feito; pós-datado é o que recebe data posterior àquela em que foiefetivamente constituído. O chamado cheque pré-datado é, juridicamente, um título pós-datado.38 Bianca, op. cit, p. 667.39 Bianca, op. cit., p. 589.40 É a opinião comum na doutrina. Em posição diversa, considerando tal sentençacomo de natureza constitutiva-negativa, Pontes de Miranda, op. cit., p. 79.------------------a importância paga reverteu em proveito dele. É a chamada prova do benefício.Deve o juiz pronunciá-la de ofício, quando conhecer do negócio ou dos seus efeitos,desde que se encontre devidamente provada.O direito de propor a ação de nulidade não se extingue pelo decurso do tempo, emborase reconheça que a situação criada pelo negócio jurídico nulo se possa convalidar pelo

tempo decorrido, no prazo e na forma da lei.41 Não pode o juiz suprir a nulidade, isto é, remediá-la, ainda que a requerimento das partes, pelo que o negócio nulo não pode ser ratificado, confirmado (CC, art. 168, par.único). O único meio é praticá-lo de novo, com observância dos indispensáveisrequisitos de validade, a partir do que então o ato produzirá os efeitos desejados.13. Características do negócio jurídico nulo.De tudo o que foi exposto, vê-se que o negócio jurídico apresenta as seguintescaracterísticas:a) a nulidade é urna espécie de sanção que visa proteger o interesse público, quando oato jurídico se pratica sem a observância dos necessários requisitos de validade;

 b) o negócio jurídico nulo não produz os efeitos próprios da sua espécie (quod nullum

est nullum producit effectum), embora possa ser eficaz perante terceiros, como ocorre,

Page 330: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 330/359

 por exemplo, no caso de título aquisitivo de direitos, nulo, registrado, enquanto nãodeclarada a nulidade;c) qualquer interessado, ou o Ministério Público, pode alegar a nulidade, que deve ser declarada de ofício pelo juiz, independentemente da provocação da parteinteressada;

d) o negócio jurídico nulo não admite ratificação (confirmação);e) o negócio jurídico nulo não se convalida pelo decurso do tempo, o que não impede, porém, a usucapião (CC, arts. 1.238 e 1.242), e a prescritibilidade dos direitos pessoaiseventualmente surgidos de um ato nulo, quando não declarada a nulidade;f) a sentença de nulidade é simplesmente declaratória, com eficácia retroativa,restabelecendo-se a situação anterior. Não sendo isso possível, indenizam-se as partescom o equivalente, à custa do causador do dano.14. Anulabilidade. Conceito. Fundamento. Origem.Anulabilidade é a sanção prevista para os atos e negócios jurídicos praticados por agente relativamente incapaz ou em que exista vido de vontade, resultante de errro,dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Sua razão de ser está na proteção que o direito dispensa aos interesses particulares.Depende da manifestação judicial. Diversamente do negócio jurídico nulo, o anulável

 produz efeitos até ser anulado em ação (CC, art. 177), para a qual são legitimados osinteressados no ato, isto é, as pessoas prejudicadas e em favor de quem o ato se devetornar ineficaz. Além disso, o direito de propor a ação extingue-se pelo decurso detempo (CC, art. 178). O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvodireito de terceiros (CC, art. 172). O vício que o inquina pode causar-lhe a ineficácia,mas pode ser eliminado, convalidando-se o ato.42A distinção entre nulidade e anulabilidade foi estabelecida com mais nitidez pela

 pandectística alemã, mostrando a existência de duas espécies de sanção para os atos jurídicos praticados sem a observância dos requisitos legais de estrutura, ou com víciosou defeitos na formação ou na declaração de vontade. A sanção mais grave é a nulidade,aplicável aos atos em que predomina o interesse geral da comunidade. Sanção menor é aanulabilidade, para os negócios que afetam apenas interesses privados.A origem remota dessa definição encontra-se no direito romano. Como referido, essedireito não conheceu uma teoria sistematizada das nulidades. Sendo extremamenteformalista na sua primeira la.sr, a nulidade decorria precisamente da inobservância dosrequisitos formais do ato. Cumpridas tais exigências, o ato era válido. Não sendoinicialmente conhecida a anulabilidade, foi esta uma construção do direito pretoriano. O

 pretor, em face de um ato válido para o direito civil, por terem sido cumpridas asformalidades legais, porém celebrado com a vontade viciada, não podendo anulá-lo

devido à observância dos requisitos de lei, concedia ao lesado a restitutio in integrum(restituição por inteiro) restabelecendo a situação anterior como se o ato jurídico não setivesse praticado. Sem maior desenvolvimento no direito medieval, é a partir do séculoXVIII que tal distinção se consagra, com os juristas franceses que separavam a ação denulidade, para os casos de infração das regras fixadas no seu direito nacional (asnulidades de direito) da ação de rescisão, própria dos contratos válidos perante aqueledireito mas contra os quais o direito romano admitia a restitutio in integrum.Por outro lado, enquanto certas nulidades podiam ser alegadas por qualquer pessoa(eram as nulidades absolutas ou populares], outras somente podiam ser invocadas por certos interessados. De modo geral, mas não necessariamente, as primeiras eram asnulidades de direito, enquanto as segundas, chamadas de nulidades relativas, eram

objeto da ação de rescisão. Surgia assim a distinção entre nulidade e anulabilidade,sistematizada depois por obra da pandec-tística alemã.

Page 331: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 331/359

15. Causas da anulabilidade.O Código Civil estabelece no art. 171 as causas de anulabilidade do negócio jurídico:incapacidade relativa do agente e existência de vício na formação da vontade, resultantede erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.São incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer os maiores de 16

anos e menores de 18 anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o dissernimento reduzido, os excepcionais, semdesenvolvimento mental completo e os pródigos. A capacidade dos índios é reguladaem lei especial, que dispõe sobre a sua tutela e adaptação à vida civilizada.43É também causa da anulabilidade a falta de assentimento de outrem que a lei estabeleçacomo requisito de validade, como, por exemplo, nos atos que um cônjuge só pode

 praticar com a anuência do outro (CC, arts. 1.647 e 1.649).Quanto aos vícios da vontade e aos defeitos na declaração, reportamo-nos àmatéria do capítulo anterior.16. A ação de anulação.A ação de anulação tem por objeto desfazer o ato ou negócio jurídico eivado de

incapacidade ou de vício de vontade, restituindo as partes ao seu estado anterior.A anulabilidade não opera ipso iure, o juiz não pode alegá-la de ofício; deve ser alegada

 pelos interessados, em ação própria ou cm exceção.Tem legitimidade para propô-la o sujeito incapaz ou aquele cuja vontade foi viciada(CC, art. 171). Só os interessados podem alegar a anulabilidade aproveitandoexclusivamente aos que alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade(CC, art. 177), em que, por força do regime legal da obrigação solidária e da indivisível,que permite a exigência de cumprimento em sua integralidade, qualquer devedor,mesmo não sendo interveniente no ato anulável, pode invocá-la corno defesa.Entende-se como interessados todos aqueles que podem sofrer os efeitos do ato, assimcomo também seus sucessores, sub-rogados, credores e os terceiros prejudicados.44 Nocaso de interessado incapaz, atua o seu representante legal. Não pode porém o menor,entre 16 e 18 anos, que dolosamente ocultou sua idade para praticar o ato, invocá-la

 para anular o ato e fugir ao cumprimento das obrigações dele decorrentes (CC, art. 180),desde que de boa-fé a outra paru-.O prazo para a anulação é de decadência (CC, art. 178)A ação deve ser proposta, salvo exceções legais, no pra/.o de quatro anos, sob pena dese considerar sanado o negócio jurídico pelo simples decurso do tempo. No caso decoação, o prazo começa a correr do dia em que ela cessa; no de erro, dolo, fraude,contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se praticou o ato; no caso deincapacidade, do dia em que ela cessar (CC, art. 178).

Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de clois ano.s, a contar da data da conclusão do ato (CC,art. 179).A sentença proferida na ação de anulação ou de anulabilidade é de natureza constitutiva,

 pois modifica a situação jurídica das partes, visando o futuro e privando o negócio desua eficácia originária.Quanto aos efeitos da anulação, a sentença anulatória produz efeitos ex nunc, isto é, daí

 para a frente, respeitando os efeitos produzidos pelo ato até essa data, pois o atoanulável reputa-se válido até sua anulação judicial (CC, art. 177). Todavia, quanto àvalidade, decretada a anulação, a sentença retroage para restituir as partes ao estadoanterior ao ato (CC, art. 182). Ninguém pode, entretanto, reclamar o que, por uma

obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele aimportância paga (CC, art. 181).

Page 332: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 332/359

17. Confirmação do ato anulável.O negócio jurídico anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiros(CC, art. 172). Também o negócio relativamente nulo, isto é, no caso de nulidaderelativa.Confirmação ou ratificação45 é o ato com que se convalida o negócio jurídico anulável,

eliminando-se-lhe o vício que o inquinava. Os atos nulos não podem ser confirmados,só os anuláveis (CC, arts. 169 e 172).Quanto à sua natureza, a confirmação é negócio jurídico unilateral, não-receptício, comeficácia retroativa ao momento da prática do ato (CC, art. 172). Sendo unilateral,compete à parte legitimada para propor a ação de anulação, não necessitando, regrageral, da interveniência da outra parte. Não sendo receptício, dispensa também amanifestação de ciência ou até de concordância da outra parte.46Quanto à forma, a confirmação pode ser expressa e tácita. Expressa quando por meio dedeclaração em que se manifesta a vontade de confirmar o negócio jurídico anulável, etácita quando se cumpre voluntariamente a obrigação, no todo ou em parte, conhecendoo agente o vício (CC, art. 174). O que caracteriza, portanto, a confirmação ou ratificação

tácita é o comportamento do agente, incompatível com o propósito de promover aanulação cio negócio jurídico viciado, com uma atividade que dá prosseguimento aonegócio inválido,47 por exemplo, a percepção de juros, as modificações do contrato etc.São requisitos da confirmação expressa a substância da obrigação (CC, art. 173), isto é,a referência sintética ao conteúdo do negócio, e a vontade expressa de ratificá-la, isto é,a intenção de não invalidar o ato, removendo assim a "precariedade legal do negócioanulável".'IH Além disso, também se exige a observância da mesma forma legalnecessária para ato confirmado.Por destinar-se a confirmação a validar o ato anulável, é também expressão daautonomia privada.Quanto aos respectivos efeitos, a confirmação, expressa ou tácita, retroage à data do atoe implica a renúncia a todos os procedimentos judiciais contra a validade do ato (CC,art. 175). Exige, portanto, capacidade para renunciar, não havendo confirmação se nãoemanar da parte com direito de alegar ou demandar a anulação.4918. Características do negócio jurídico anulável.De modo sintético pode assim caracterizar-se o negócio jurídico anulável:a) a anulabilidade é sanção destinada a proteger o interesse privado, quando o negócio

  jurídico se pratica por agente relativamente incapaz ou com vício na formação davontade;

 b) o negócio jurídico anulável produz os efeitos visados até ser anulado;c) a anulação não opera ipso iure, devendo ser alegada pelos interessados, isto é, as

 pessoas diretamente afetadas pelo negócio jurídico e em cujo benefício se anula o ato;d) o negócio jurídico anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo o direito deterceiros;e) a anulabilidade e a nulidade relativa sanam-se pelo decurso do tempo, o qual,demonstrando a inércia do interessado, eqüivale à confirmação tácita. O prazo édecadencial, de quatro anos;f) a ação de anulação termina com uma sentença constitutiva, com eficácia ex nunc.Respeita os fatos anteriores do ato mas declara-o anulado, e a seus efeitos, desde que

 prolatada;g) anulado o ato, restituem-se as partes ao estado anterior. Não sendo isso possível,serão indenizados com o equivalente, observado, como para a nulidade, o disposto no

art. 182.19. Conversão do negócio jurídico.

Page 333: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 333/359

A conversão é o processo pelo qual o negócio jurídico, não o ato jurídico em sensoestrito, nulo pode produzir efeitos de um negócio diverso50. Baseia-se no princípiointerpretativo, que é o princípio da conservação dos atos jurídicos, segundo o qual, emcaso de dúvida, deve interpretar-se o ato no sentido de produzir algum efeito, e não nosentido contrário, de não produzir nada. Coerentemente com esse princípio, a doutrina

alemã da segunda metade de séc. XIX criou a figura da conversão do negócio jurídiconulo ou anulável, concretizando-a no par. 140 do Código Civil alemão.51A conversão é, assim, a transformação do ato que não reúne os elementos necessários

 para o fim a que se destina, em outro para o qual seja suficiente52, desde que tenha osrequisitos de substância e de forma previstos para este ato, e seja querida pelas partes,cientes da invalidade do primeiro.Consagrada em diversos códigos europeus53 foi, também, acolhida expressamente noCódigo Civil brasileiro de- 2002 (CC. art. 170), embora já conhecida pela doutrina.5/1O negócio a converter deve ser nulo ou anulável. Se nenhum ato se produziu, não háque pensar-se em conversão.55 Nega, assim, a doutrina dominante, que o instituto daconversão possa aplicar-se ao negócio inexistente.56

São requisitos de viabilidade da conversão: 1) identidade de substância e de forma entreos dois negócios (o nulo e o convertido), 2) identidade de objeto, e 3), adequação donegócio substitutivo à vontade hipotética das partes.57A conversão diz-se substancial quando importa em mudança de tipo do negócio, como,

 por exemplo, um comodato que se converte em locação; um título de crédito sem valor como tal, por vício de forma ou por estar prescrito, que vale como prova de obrigaçãoou até de confissão de dívida, uma deliberação nula de transformação de sociedade que

 pode valer como ato constitutivo de nova sociedade.58 Diz-se legal quando é a lei quedireta e especificamente a estabelece, como ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 431do Código Civil ("a aceitação fora do prazo, com adições, restrições ou modificaçõesimportará nova proposta"). Neste caso a conversão liga-se não à vontade das partes, masà lei, pelo que se diz imprópria, como ocorre, também, no caso da conversão formalquando "o ato convertido apresenta forma diversa da do ato originário, emboramantendo a mesma substância." Por exemplo, a escritura pública de compra e vendasem formalidades essenciais é nula, mas poderá admitir-se a sua conversão em ato decompra e venda por escrito particular.59-------------------41 V. o capítulo sobre a prescrição, n- XVIII. Contrariamente ao disposto no art. 169,do Código civil e à teoria geral das nulidades, a Lei 9.784, de 29.1.1999, dispõe, no seuart. 54, que o direito da Administração anular os atos administrativos de que decorramefeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos.

42 Clóvis Beviláqua. Teoria Geral do Direito Civil, p. 231.43 Lei 6.001, de 19.12.73, que dispõe sobre o Estatuto do índio.44 Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, art. 152.45 Ratificação, de ratificatio, significa aprovação ou confirmação de ato jurídico

 praticado por outrem, sem os necessários poderes. Por influência dos romanos paraquem a ratificação eqüivalia ao mandato (ratihabitio mandato comparatur), passou-se ausar esse termo para designar aprovação do mandato exercido sem poderes necessários.Cfr. Rui de Alarcão, Invalidade dos negócios jurídicos, p. 199-267.46 Cifuentes, op. cit., p. 675; com opinião diversa, Barbero, op. cit., n2 296, p. 640,que a considera negócio unilateral receptício.47 Santoro-Passarelli, op. cit., n2 55.

48 Bianca, op. cit., p. 636.49 Teixeira de Freitas. Esboço, art. 815.

Page 334: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 334/359

50 Giuseppe Gandolfi. La conversione delVatto invalido, p. 383; Vicenzo Roppo, op.cit., p. 543.51 Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch), p. 140: "Se um negócio jurídiconulo contiver os requisitos de outro negócio jurídico, vale este último, desde que seentenda que a sua validade seria querida, embora conhecida a nulidade."

52 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. 4, p. 63.53 BGB, p. 140: CC grego, art. 182; CC italiano, art. 1.424; CC português, art. 2932.54 Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico. Existência, Validade e Eficácia, \i. 67;Pontes de Miranda, op. cit., vol. 4, cap. IV; Carvalho Santos, Código CÍVÜ BrasileiroInterpretado, vol. III, p. 123; Vieira Neto, Conversão, in Enciclopédia Saraiva doDireito, vol. 20, p. 312; Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, c Invalidade dosnegócios jurídicos, pp. 199-267.55 Pontes de Miranda, op. cit., p. 63.56 Vicenzo Franceschelli, Conversione dei negozio nullo, in Digesto dellc DisciplinePrivatistiche, p. 378.57 José Abreu, Negócio jurídico e sua teoria geral, p. 337.

58 Franceschelli, op. cit., p. 380.59 Vieira Neto, op. cit., p. 314.-------------------

CAPITULO XVIIAtos Ilícitos. A Responsabilidade Civil

Sumário: 1. Introdução. O ato ilícito como categoria geral. 2. Ato ilícito. Conceito.Importância. Elementos. 3. A ação ou omissão do agente. 4. A ilicitude. 5. Exclusão deilicitude. 6. A culpa. Conceito. Elementos. Espécies. 7. Presunções de culpa. 8. O nexode causalidade. 9. O dano. Conceito. Espécies. 10. O dano moral. 11. A reparação dodano. 12. A responsabilidade civil. Conceito. Natureza. Importância prática e teórica.13. Notícia histórica. 14. Espécies de responsabilidade civil. 15. Responsabilidadecontratual e extracontratual ou aquíliana. 16. O sistema legal da responsabilidade civil.17. Responsabilidade subjetiva. 18. Responsabilidade por fato de terceiro. 19.Responsabilidade por fato da coisa. 20. Responsabilidade por fato de animal. 21.Responsabilidade objetiva.

1. Introdução. O ato ilícito como categoria geral. Na categoria geral dos fatos jurídicos temos os atos lícitos (atos jurídicos em sensoestrito e negócios jurídicos), conformes com o direito, e os atos ilícitos, ações humanas

que o ordenamento condena e sanciona.O ato ilícito pode ser penal e civil, conforme resulte da infração de norma de direito público penal, que visa defender a sociedade, prevenindo e penalizando a infração eretribuindo com a pena co minada, ou da infração de norma de direito privado, que tem

 por objetivo a defesa dos interesses particulares, de natureza pessoal (direitos da personalidade) ou econômica.O ilícito civil ainda se desdobra em ilícito contratual e extra-contratual, conforme aregra infringida esteja no contrato ou na lei. No primeiro caso (ilícito contratual)consiste no descumprimento ou cumprimento defeituoso de obrigação, violando direitosubjetivo relativo. No segundo (ilícito extracontratual) consiste no descumprimento deum dever geral de abstenção, violando direitos subjetivos absolutos, como os direitos da

 personalidade e os reais.Objeto do nosso estudo é o ato ilícito civil.

Page 335: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 335/359

2. Ato ilícito. Conceito. Importância. Elementos.Ato ilícito é o ato praticado com infração de um dever legal ou contratual, de que resultadano para outrem.1Seu conceito e elementos estruturais estão no art. 186 do Código Civil, que assim otipifica: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito, e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete atoilício." Esse dispositivo exprime, assim, a categoria geral do ato ilícito como atovoluntário, não fato,2 consistente em um comportamento ativo ou omissivo que, comculpa do agente, viola direito de outrem, causando-lhe prejuízo.Também comete ato iícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excedemanifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

 pelos bons costumes (CC, art. 187).A importância da caracterização, estudo e disciplina do ato ilícito reside no fato de eleser uma das principais fontes das obrigações, fazendo nascer uma relação jurídica cujoobjeto é o ressarcimento do dano causado, a indenização. E como a obrigação deindenizar inclui-se no conceito amplo de responsabilidade civil, um dos mais

importantes setores do direito contemporâneo, a importância do ato ilícito está, precisamente, no fato de ser o elemento fundamental da teoria da responsabilidade civil,conjunto de princípios e normas que definem o ato ilícito e a sua autoria e obrigam areparação do dano causado a outrem.Conforme o ato ilícito seja ou não contratual, teremos responsabilidade civil contratuale extracontratual, que é a divisão clássica nos sistemas de direito civil contemporâneo.3. A ação ou omissão do agente.Para que se configure o ato ilícito é necessária a conjugação dos seguintes elementos:ação ou omissão do agente, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano.Ação é o ato humano, voluntário e objetivamente imputávél, Sendo humano, exclui oseventos da natureza. Voluntário, no sentido de ser controlável pela vontade à qual seimputa o fato. Excluen^sc, portanto, os atos praticados durante o sono ou em outroestado de inconsciência (hipnose, delírio febril, ataque epilético) ou sob coaçãoabsoluta, porque não constituem ações em sentido jurídico, faltando-lhes a possibilidadede controle do agente,3 mas não se excluem os atos danosos praticados por distração.Imputávél no sentido de poder ser-lhe atribuída a prática do ato. Considera-se imputávéltodo aquele que possui discernimento e vontade, liberdade para determinar-se. Não éresponsável quem, no momento do fato, não tiver capacidade de entender ou de querer,como os absolutamente incapazes, salvo se o agente se tiver colocado, culposamente,nesse estado, sendo este transitório.O comportamento do agente pode consistir também em omissão, que será causa jurídica

do dano se houver dever de agir, de praticar o ato omitido como, por exemplo, no casodo ascendente que deixa de alimentar o descendente pelo qual é responsável; ou otécnico que deixa de prestar o auxílio a quem era obrigado. A omissão é mais freqüenteno campo da inexecução das obrigações, isto é, no campo da responsabilidadecontratual.4. A ilicitude.A ilicitude significa contrariedade a um dever jurídico, consistindo na ofensa a direitosubjetivo ou na infração de preceito legal, que protege interesses alheios,4 ou ainda noabuso de direito. O ato ilícito pressupõe, portanto, a lesão de direitos personalíssimos oureais, ou a violação de preceitos legais de tutela de interesses privados.5 Mas estaopinião que restringe o objeto do ato ilícito aos direitos absolutos não é unânime.6

O abuso de direito consiste no uso imoderado do direito subjetivo, de modo a causar dano a outrem. Em princípio, aquele que age dentro do seu direito a ninguém prejudica

Page 336: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 336/359

(neminem laedit qui iure suo utitur). No entanto, o titular de direito subjetivo, no usodesse direito, pode prejudicar terceiros, configurando ato ilícito e sendo obrigado areparar o dano. Nesse sentido dispõe o Código Civil no art. 187, constituir ato ilícito oato praticado com abuso de direito, isto é, o exercíco de um direito fora dos seus limitesintrínsecos, impostos pela própria natureza do direito e do seu objeto, pelo princípio da

 boa-fé e pela função ou destino econômico e social do próprio direito.75. Exclusão de ilicitude.A respeito da ação ou omissão ilícita do agente, o Código Civil estabelece, no art. 188,hipóteses de especial importância, a legítima defesa e o estado de necessidade comoexcludentes de ilicitude, isto é, razões que justificam o ato e o tornam lícito.A legítima defesa, como já visto na matéria de direito subjetivo, é a reação dirigidacontra agressão injusta, atual, inevitável, não excedendo o necessário à defesa.8 Nadefinição do Código Penal, consiste no uso dos meios necessários para repelir injustaagressão, atual ou iminente, a direito do agente ou de outrem.9 A defesa é legítima

 porque reconhecida aos particulares a faculdade de repelir agressões quando impossívelao Estado impedi-las. Não há dever de indenizar o prejuízo causado em legítima defesa,

quando infringido ao agressor, mas deve ser indenizado o dano causado a terceiro (CX'., art. 930, parág. único).O estado de necessidade caracteriza-se pela ação destinada a remover perigo iminente,com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou lesão a pessoa (CC, art. 188, II).Pressupõe que o alô seja absolutamente exigido pelas circunstâncias e que não excedaos limites do indispensável para a remoção do perigo. A ação não <• ilícita, mas não seisenta o agente do dever de indenizar, salvo se o dono da coisa danificada ou a pessoalesada for culpada do perigo determinante do estado de necessidade (CC, art. 929).Ainda como excludente de ilicitude, se bem que não-provisla no Código Civil, temos oconsentimento do ofendido [yolenli non fit injuria). Se o prejudicado consente na lesãoa seu próprio direito, não há ilicitude no comportamento do agente e o dano não éindenizável. Os direitos atingidos devem ser, porém, disponíveis. Esse princípio relevaas lesões que se verificam nas competições esportivas, salvo manifesta intenção decausar dano.6. A culpa. Conceito. Elementos. Espécies.A culpa consiste na violação de um dever que o agente podia conhecer e observar.10Seus pressupostos são um dever violado (elemento objetivo) e a culpabilidade ouimputabilidade do agente (elemento subjetivo). Esta, por sua vez, desdobra-se em doiselementos: a) possibilidade para o agente, de conhecer o dever (discernimento); b)

 possibilidade de observá-lo (previsibilidade e evitabilidade do ato ilícito)."Os autores alemães consideram a culpa como fenômeno exclu sivamente moral,

compreendendo o dolo, vontade consciente dirigida a resultado ilícito, e a culpa dodireito romano, entendida como a omissão do cuidado exigido na vida dos negócios,cuja observância evitaria o resultado ilícito, não-querido pelo agente. Na doutrinaservem-se do critério justiniano do bônus pater famílias.12O legislador brasileiro não definiu culpa, limitando-se a conceituar o ato ilícito (CC, art.186), onde se vislumbram as duas espécies de culpa: dolo e culpa em senso estrito. Doloé a ação ou omissão voluntária. Culpa é a negligência ou imprudência.Para a doutrina da vontade, dolo é a vontade encaminhada a produzir resultadoantijurídico. Para a teoria da representação, dolo é a previsão do resultado.

 Na maioria dos casos existe dolo do ponto de vista de ambas as teorias quando alguém pratica um ato prevendo o dano que vai causar, quer esse dano, ainda que atue com fim

diverso e considere a lesão como efeito acessório não desejável.13 Dolo, é, portanto, avontade consciente de violar direito.14

Page 337: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 337/359

 Negligência é a omissão, é a inobservância das normas que nos mandam operar comatenção, capacidade, solicitude e discerni-men-to. Imprudência é a precipitação,

 procedimento sem cautela.A culpa pode ser contratual, se o dever violado nasce de um contrato (CC, art. 389) eextracontratual ou aquiliana, quando consiste na violação de dever geral, que todos têm

de respeitar (CC, art. 186). A distinção importa no ônus da prova. Na contratual,demonstrado pelo credor o inadimplemento, o devedor é que tem de provar ainexistência de culpa, a ocorrência de caso fortuito, força maior ou outra excludente deresponsabilidade. O ônus da prova é do devedor. Na culpa aquiliana, cabe à vítima

 provar a culpa do agente causador do dano.A culpa diz-se ainda in eligendo, se decorrente da má escolha de representante ou

 preposto; in vigilando, se decorrente da ausência de fiscalização; in comittendo ou infaciendo, quando se age com imprudência; in omittendo, em caso de abstenção,negligência; in custodiendo, falta de cautela ou atenção na guarda de pessoa ou coisa; inconcreto, quando se toma em vista o agente e as circunstâncias do ato; in abstrato,quando se toma como paradigma o diligente pai de família. Em matéria de

responsabilidade pré-con-tratual, existe uma importante espécie de culpa, a culpa inconlraen-do, que se verifica no processo de formação de um contrato, quando uma das

 partes, injustificadamente, não o conclui, causando prejuízo à outra.O direito brasileiro adota, como critério, o da culpa in abstraio, na responsabilidadeextracontratual, isto é, aferindo-se o comportamento do agente pelo padrão do homemnormal.15Distinguiam-se antigamente três graus de culpa, hoje sem maior importância: culpa lataou grave, quase dolosa, por negligência im própria do homem comum; culpa leve, faltaevitável com atenção ordinária, falta de diligência habitual de bom pai de família eculpa levíssima, falta evitável com atenção extraordinária, omissão dr cuidado dediligentíssimo pai de família.Qual a importância da distinção entre dolo e culpa? Não há responsabilidade sem culpa,salvo disposição legal expressa, como na responsabilidade objetiva; havendo culpa, háobrigação de ressarcir, haja dolo ou culpa em senso estrito. Na responsabilidadecontratual, porém, há casos em que só o dolo ou só a culpa geram o dever de indenizar.Assim é que nos contratos benéficos, rsponde por simples culpa o contratante, a quem ocontrato aproveite, e por dolo aquela a quem não favoreça. Já nos contratos onerosos,responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções prevista em lei (CC. Art.392). Em matéria de acidentes de trabalho o patrão é responsável mesmo que oempregado aja com culpa, mas não se agir com dolo.167. Presunções de culpa.

Há casos em que a lei, para facilitar a prova do ato ilícito, estabelece presunções deculpa, ficando a vítima exonerada do ônus da prova, que se transfere ao lesante.Presunções são as conseqüências que se tiram de um fato conhecido para provar umdesconhecido.----------------------1 Silvio Rodrigues. Direito Civil. Vol. I. p. 270; Orlando Gomes. Introdução aoDireito Civil. p. 414; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, l. p.451.2 Luigi Cariotta Ferrara. // negozio giuridico nel diritto privato italiano, p. 29.3 Karl Larenz. Derecho de Obligaciones. II, p. 564; Jaime Santos Bri/.. l.nResponsabilidad Civil, p. 24.

4 Andreas von Thur. Tratado de Ias Obligaciones. Vol. I. p. 265; Larenz, op. cit. p.568; Antunes Varela. Direito das Obrigações. Vol. I. p. 214.

Page 338: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 338/359

5 J. W. Hedemann. Derecho de Obligaciones, p. 530.6 Renato Scognamiglio, Responsabilità contrattuale e extracontrattuale, in

 Novíssimo digesto italiano. Vol. XV, p. 671.7 V. capítulo V, n- 17. A teoria do abuso de direito é, no direito brasileiro,construção jurisprudencial pela inexistência das disposições específicas. Cf. Li-mongi

França, Abuso de direito, in Enciclopédia Saraiva do Direito. Vol. 2. p. 45.8 Clóvis Beviláqua. Código Civil Comentado, art. 160.9 Código Penal, art. 25.10 René Savatier. Traité de Ia responsabilité civile en dwít français. na 163.11 Idem, ibidem.12 f ater familiae ou pater famílias era em Roma o cidadão titular, na sua plenitude, dedireitos e autoridade sobre sua casa, sua mulher e filhos.13 Von Thur, op. cit., p. 169.14 Agostinho Alvim. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, p. 256.15 Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil, p.39.

16 Lei dos Acidentes de Trabalho, Lei 5.316 de 14 de setembro de 1967, c Decreto61.784, de 28 de novembro de 1967.----------------------Tais presunções são iuris tantum, isto é, valem até que se prove o contrário.

 No direito pátrio presumem-se culpados (culpa in vigilando) os representantes legais ede direito de família por seus representados; o patrão, amo ou comitente, pelos danoscausados por seus empregados, serviçais e prepostos (culpa in eligendo, in instruendoou in vigilando), os donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados por esses aterceiros e o dono do edifício ou construção pelos danos resultantes da ruína. (CC, arts.932, 936 e 937).8. O nexo de causalidade.

 Nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre o fato e o dano. Constituielemento essencial ao dever de indenizar, porque só existe responsabilidade civil sehouver nexo causai entre o dano e seu autor, independentemente da culpa do agente.Pode existir um dano sem que se verifique a necessária relação de causalidade, comoocorre, por exemplo, quando é a própria vítima que o provoca (passageiro que desce doveículo em movimento, pessoa que se lança sob o veículo para suicidar-se).

 Nem sempre é fácil pesquisar a origem do dano. Como podem surgir várias causas,concomitantes, produzindo um só dano, ou sucessivas, produzindo vários, existemdiversas teorias a respeito, sendo as mais importantes a da "equivalência das condições",a da "causalidade adequada" e a da "causalidade imediata".

Para a primeira, também conhecida como da conditio sine qua non, existindo váriascircunstâncias que poderiam ter causado o prejuízo, qualquer delas poderia ser causaeficiente.17 Para a teoria da causalidade adequada, o fato de que resulta aresponsabilidade deve ser apto a produzir o dano causado. Não há essa adequação e nãohá, portanto, responsabilidade quando "o dano ocorra devido a circunstânciasextraordinárias que fogem à experiência corrente". O efeito deve ser adequado à causa,o que ocorre, por exemplo, si- o viajante, pelo fato de perder o trem, perde também aoportunidade de fechar um bom negócio.18Para a terceira, a teoria da causalidade imediata, é preciso que exista, entre o fato e odano, relação de causa e efeito, direta e imediata. É adotada pelo nosso direito (CC, art.403). Considera-se, portanto, como causa do dano, o fato de que deriva mais proxima-

mente. Imediatamente (sem intervalo) e diretamente (sem intermediário).19

Page 339: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 339/359

Inexiste nexo de causalidade e, conseqüentemente, dever de indenizar, no caso de culpaexclusiva da vítima, de força maior ou caso fortuito (CC, art. 393),20 salvo se o devedor estiver em mora (CC, arts. 394, 395 e 399).9. O dano. Conceito. Espécies.Dano é a lesão a um bem jurídico. Em sentido estrito é a efetiva diminuição que alguém

sofre no seu patrimônio, consistindo na diferença entre o valor atual e o que teria nãofosse a prática do ato ilícito. Em sentido amplo, é a diminuição ou subtração de um bem jurídico de valor patrimonial ou moral,21 o que permite considerar passíveis de dano osdireitos personalíssimos, como a vida, a liberdade, a honra, a integridade física, moral eintelectual.Existem várias espécies de dano. Patrimonial, quando apreciado monetariamente. Comosubespécies temos o dano emergente, quando efetiva a diminuição do patrimônio, que éo que se perdeu, e lucro cessante, o que se deixou de ganhar. E dano extrapatrimonial,ou moral, quando não incidente no patrimônio. Tal classificação não se baseia nanatureza do bem ofendido, mas no efeito da lesão. Dano moral é, portanto, a lesão de

 bem jurídico sem valor patrimonial.

Dano direto, o que resulta imediatamente do fato; dano indireto, o decorrente decircunstâncias ulteriores, que aumentam o prejuízo. Dano contratual, se resulta dodescumprimento de obrigação, e extracontratual, se decorrente da infração de dever legal.Danos previsíveis, os que se podem prever na celebração do contrato, comoconseqüência normal e legítima do seu descumprimento, e imprevisíveis, osinsuscetíveis de conhecimento antecipado.Conseqüência imediata da existência de dano é a obrigação de indenizar que nasce parao autor, sendo indiferente haver dolo ou culpa. E a indenização deve ser a mais ampla

 possível.10. O dano moral.Dano moral é a lesão a direito personalíssimo produzida ilicitamente por outrem.22 Nãoafeta, a priori, o patrimônio do lesado, embora nele possa vir a repercutir. A questão desaber se é ou não indenizável leva a posições antagônicas, embora prevaleça o ponto devista de sua ressarcibilidade. Discute-se acerca da possibilidade ou não de suareparação; caso afirmativo, se é indenização ou satisfação ao ofendido, se é pena oucompensação, e qual o fundamento da indenização.23 A tese contrária à reparação alegaa heterogeneidade de valores, referentes à dor e à estimativa pecuniária: é impossível afixação do pretium doloris, pelo que a dor não se indeniza.Aceitando-se, porém, a responsabilidade civil como sanção, não há por que recusar-se oressarcimento do dano moral, misto de pena e de compensação.

 No sistema legal brasileiro encontram-se dispositivos que reconhecem o dano moral e permitem a sua indenização, a saber, CF, art. 5° V e X; os arts. 186, 950, 953, par.único, do Código Civil; art. 81, do Código de Telecomunicações (Lei 4.117, de27.08.62) e art. 244, § l", do Código Eleitoral (Lei 4.737, de 15.07.65) art. 24 e segs. daLc-i dos Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19.2.98) e arts. 49 e 53 da IAM de Imprensa(Lei 5.250, de 9.2.67).A jurisprudência brasileira, por muito tempo contrária à repara bilidade do dano moral,mudou sua posição, dispondo a Súmula n-491 do STF que "é indenizável o acidente quecausa morte do lilho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". No campo daresponsabilidade contratual não se aceita, porém, a indenização cio dano moral sofrido

  pelo credor. No campo matrimonial, defende-se a indenização por dano moral

decorrente da violação de direitos personalíssimos do cônjuge, diversos dos quedecorrem do casamento (CC. art. 1.566), embora haja controvérsia.

Page 340: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 340/359

11. A reparação do dano.A existência do dano dá ao lesado o direito de exigir a respectiva reparação, que podeser a reconstituição do status quo anterior (sanção direta) ou uma indenização (sançãoindireta). Consiste esta no pagamento em dinheiro (prestação pecuniária), cujo valor deve ser fixado, por acordo entre as partes, pela lei ou pelo juiz.

Avalia-se o dano pelo cálculo da diferença entre o patrimônio atual e o que seria sem oato ilícito.A fixação do quantum devido denomina-se liquidação. É legal, quando determinada emlei, convencional, quando feita por acordo (transação), e judicial quando estabelecidaem sentença, por meio de arbitramento.A forma de liquidação legal está expressa no CC, arts. 948 a 954, compreendendo oscasos de homicídio (art. 948), lesões cor porais (arts. 949 e 950), usurpação ou esbulho(art. 952), obrigação de diligência (art. 951), e de dano moral (arts. 952, par. único e954, par. único).A liquidação judicial, incluindo as hipóteses dos dispositivos mencionados, faz-se por arbitramento, meio com que os técnicos (peritos) calculam o quantum a ser pago à

vítima.Todas as hipóteses de dano não previstas nos dispositivos supra referidos terão fixada arespectiva indenização também por arbiti.i mento, na forma do art. 946 do Código Civil.12. A responsabilidade civil. Conceito. Natureza. Importância Prática e teórica.A expressão "responsabilidade civil" pode compreender-se em sentido amplo ou emsentido estrito.24Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente dessa situação, ou, ainda, oinstituto jurídico formado pelo conjunto de normas e princípios que disciplinam onascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido estrito, designa oespecífico dever de indenizar nascido de fato lesivo imputável a determinada pessoa. Écivil porque a relação se estabelece entre particulares, deixando-se ao direitoadministrativo o problema da responsabilidade do Estado, pelos danos resultantes dofuncionamento dos serviços públicos.O instituto da responsabilidade civil traduz a realização jurídica de um dos aspectos do

 personalismo ético, segundo o qual ter responsabilidade, ser responsável, é assumir asconseqüências do próprio agir, em contrapartida ao poder de ação consubstanciado naautonomia privada. Não mais a concepção egoística do indivíduo em si, mas o indivíduocomo pessoa, comprometido com o social. A responsabilidade civil traduz, portanto, odever ético-jurídico de cumprir uma prestação de ressarcimento.Quanto à sua natureza, a responsabilidade civil é sanção indireta, de função preventiva e

restauradora. Indireta porque, na impossibilidade de se restabelecer a situação anterior ao evento lesivo, a lei determina a reparação do prejuízo causado. Preventiva porque,como toda sanção, destina-se a garantir o respeito à lei, e restauradora no sentido deque, violado o preceito jurídico e configurado o dano, o infrator se obriga a indenizar olesado. É, portanto, e simultaneamente, uma sanção e uma garantia de ressarcimento.A responsabilidade civil, como ato ilícito, é também importante fonte de obrigações, aolado dos contratos, das declarações unilaterais de vontade e das demais hipóteses que alei estabelece para esse fim.Seu estudo reveste-se de grande importância prática e teórica. Importância prática

 porque o sistema da responsabilidade civil constitui-se em um dos mais relevantessetores do direito contemporâneo. Todos os seus problemas configuram relações

 jurídicas em que uma das partes sofre um dano e a outra deve repará-lo. Esse conflito deinteresses entre o autor do dano e a vítima, que exige a composição do dano injusto, é o

Page 341: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 341/359

  problema fundamental da responsabilidade civil. Importância teórica pelodesenvolvimento da doutrina, da legislação e da jurisprudência, que provoca. Com o

 progresso da técnica t- o desenvolvimento da indústria, dos transportes e a aceleraçãodo processo de mudança social, multiplicam-se os prejuízos e as rés pectivas pretensõesde indenização. Cresce o número de relações jurídicas que nascem de fatos lesivos e que

têm por objeto unia prestação de ressarcimento. Tais eventos exigem respostas jurídicoaos problemas decorrentes da verificação de danos. Aumenta, assim o número de processos judiciais, hipertrofia-se a função jurisdicional do Estado com a crescenteintervenção dos tribunais, desenvolve-se a jurisprudência, renova-se a doutrina, tudocontribuindo para a formação de um novo ramo de direito que, embora não autônomo,representa a institucionalização do princípio fundamental que é o da obrigação dereparar o dano injusto (alterum non laederej. Enfim, aperfeiçoa-se a disciplina daresponsabilidade civil e desenvolve-se a respectiva teoria. Nisto consiste a suaimportância teórica, hoje aumentada pelo advento da sociedade teconológica, comnovas espécies de dano, como é o dano ambiental, o dano biotecnológico, o dano àsaúde em variados aspectos, etc.

13. Notícia histórica.Breve retrospectiva histórica é útil para a compreensão do fundamento, evolução eestado atual do sistema da responsabilidade civil.Fundamento da responsabilidade civil é a razão por que alguém deve ser obrigado areparar o dano causado a outrem. Na primeira fase do processo histórico foi a culpa e,

 posteriormente, o risco de um dano, como conseqüência de certas atividades produtivasdescn volvidas pelo agente causador do prejuízo.

 No processo histórico-evolutivo da responsabilidade civil podem-se constatar três fasesdistintas: o direito romano em senso estrito, a idade moderna, culminando com oCódigo Civil francês, e a fase contemporânea.-----------------------------------17 "Se o automobilista atropelou o peão, a morte deste pode ter resultado não apenas doacto de imperícia do condutor, mas também da constituição débil da vítima, da naturezado pavimento sobre o qual esta foi projetada, da demora do seu transporte para ohospital, da falta de meios adequados de tratamento, da pouca prática do cirurgião queoperou etc. Do mesmo modo, se a falta de cumprimento da obrigação causar graves

 prejuízos ao credor, pode o dano ter sido devido, não só à inadimplência do devedor,mas também à debilidade econômica do credor ao conjunto de obrigações a seu cargoque se acumularam na mesma data, à falta de compreensão dos seus credores que nãoanuíram à moratória por ele solicitada, à multiplicidade das obrigações que o devedor deixou acumular sobre o seu patrimônio etc." (João de Matos Antunes Varela. Das

obrigações em geral, vol. I, p. 838.)18 VonThur, op. cit., p. 70.19 Agostinho Alvim, op. cit., p. 70.20 Cf. Maria Helena Diniz, op. cit., ps. 83/86. Com ampla referência jurispin dencial.21 Manuel Ignácio Carvalho de Mendonça. Doutrina e Prática das Obrigações, vol.II. P. 472; Adriano de Cupis. // danno. Teoria generale delia responsahililú civile, ns 3 esegs.; Giovanni Formica, apud Alvim, op. cit., p. 171.22 Orlando Gomes. Direito das Obrigações, p. 330. Cf. Ainda Wilson Melo da Silva.Dano moral, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 22, p. 266.23 Jaime Santos Briz. La Responsabilidad Civil, p. 155.24 Do Autor, Responsabilidade Civil, in Enciclopédia Verbo da Sociedade e do

Estado, Vol. 5, p. 466.-----------------------------------

Page 342: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 342/359

O direito romano caracteriza-se pela ausência de um sistema de responsabilidade civil.  Nos tempos primitivos, a responsabilidade era coletiva, objetiva e penal. Coletiva porque as ofensas pessoais e patrimoniais reparavam-se com a vingança privada contrao ofensor ou seu grupo social. Posteriormente, esse procedimento foi substituído pelaentrega à vítima, pelo ofensor, de certa quantia em dinheiro, a título de pena (poena). O

Estado passa a intervir nesses conflitos particulares, fixando o valor do prejuízo eobrigando a vítima a aceitar a composição. A responsabilidade era simultaneamente decaráter penal e civil e independente da existência de culpa, donde a sua denominação deobjetiva.É a Lei das XII Tábuas que marca a transição entre a fase da composição voluntária e ada composição obrigatória, obrigando a vítima a renunciar à vingança privada e aaceitar a indenização fixada pelo Estado, como pena privada e como reparação, não sedistinguindo a responsabilidade penal da civil. Compreende-se assim por que o

 primitivo direito romano não teve um sistema ou até um princípio geral sobre a matéria,somente esboçado na Lex Aquilia (286 a.c.), a base da jurisprudência clássica sobre amatéria, de tal modo que a concepção da culpa característica do delito tomou o seu

nome "in lege Aquilia et levíssima culpa venit".25Outra justificativa para a ausência de um sistema legal sobre a matéria no direitoromano foi a existência de inúmeros delitos especiais, com suas correspondentes ações.Á medida que evoluía o direito, surgia a previsão e a disciplina de distintas hipóteses deato ilícito, o que levava ao casuísmo na solução dos conflitos, por meio de açõesespeciais, como as reipersecutórias, de finalidade indeniza-tória, as penais e as mistas,destinadas estas a fixar, ao mesmo tempo, uma pena e uma indenização. Aresponsabilidade era objetiva, até a Lei Aquilia, no sentido de que a culpa não era ofundamento da obrigação indenizatória, e penal no sentido de não distinguir a pena dareparação. Compreende-se, assim, por que o direito romano não criou um sistema

 jurídico para a responsabilidade, nem adotou, como seu fundamento, o princípio geralda culpa.Com o Cristianismo e, mais tarde, os canonistas interpretando os textos romanos à luzda moral cristã, separando o aspecto penal do civil, chega-se a uma síntese das soluçõesromanas com os princípios da moral cristã, e elabora-se o princípio clássico segundo oqual cada um deve responder pelos atos culposos que praticar e que produzam um danoinjusto a outrem.Já na época moderna, Domat, um dos maiores juristas franceses de todos os tempos, àluz do pensamento jusnaturalista, estabelece o princípio que vem a ser expresso noCódigo Civil francês, lontc de todo o direito moderno sobre o assunto: o fundamento daresponsabilidade civil é a culpa, a negligência ou a imprudência.''"

Fica assim, estabelecida a noção de responsabilidade e o seu fundamento, a culpa,tipicamente consubstanciada no ato ilícito praticado fora de uma relação jurídica preexistente (ilícito extra-contratual). E nesse contexto passou a considerar-se ato ilícitoo que afetava apenas os direitos absolutos de outrem, enquanto a ofensa a direitosrelativos caracterizaria o inadimplemento contratual, levando à clássica distinção entreresponsabilidade extracontratual ou aquiliana e responsabilidade contratual.Com a fixação do princípio da culpa, e com a já realizada distinção dos aspectos penaise civis do mesmo ato, a responsabilidade civil, que nos primórdios era coletiva, objetivae penal, passa a ser individual, subjetiva e civil.21

 Na fase contemporânea, com a revolução industrial e tecnológica, a difusão dos meiosde transporte, a complexidade crescente das relações sociais, o desenvolvimento da

civilização, enfim, surgem novas condições de vida e, com isso, a proliferação dosacidentes e a multiplicação das demandas judiciais.

Page 343: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 343/359

O princípio da culpa mostra-se insuficiente como fundamento da obrigação deindenizar. Surge a concepção de que o dano deve ser indenizado, independentemente daculpa do agente, ampliando-se os casos de responsabilidade civil não-decorrente de fato

 próprio do sujeito, mas proveniente do risco derivado da sua atividade econômica e produtiva. Desenvolve-se o sistema de seguros contra o risco de danos e com isso parte-

se para a socialização da responsabilidade civil, transferindo-se ou repartindo-se com asociedade o ônus da reparação dos prejuízos sofridos pelos indivíduos em razão deatividades econômicas que a todos beneficiam. Surge, assim, a classificação daresponsabilidade em subjetiva e objetiva, conforme se baseie, ou não, na culpa. Assiste-se, enfim, ao declínio da responsabilidade individual, ao mesmo tempo em que sedesenvolve o sistema da garantia coletiva, por meio dos seguros, num característico

 processo de socialização do dever de indenizar. E no que diz respeito especificamente ànormativa e à doutrina jurídica, surge uma teoria geral da responsabilidade civil,reunindo os princípios e os elementos comuns a todas as espécies aplicáveis a atividadesque, mais freqüentemente, geram a obrigação de indenizar. O que mais importa é aatividade profissional do agente causador do dano.

Mais recentemente surge a constituição de um novo método jurídico, a análiseeconômica do direito,28 para a qual o objetivo da responsabilidade civil é minimizar oscustos sociais dos acidentes culposos.A concepção tradicional da responsabilidade civil defende a reparação do dano pelo seuautor, no valor correspondente ao prejuízo efetivamente sofrido. Este mecanismocorresponde ao ideal da justiça corretiva. Em contraposição, a análise econômica dodireito procura incentivar a eficiência no comportamento social. A responsabilidadecivil teria a função de induzir os agentes a considerar os danos que seus atos, ou suasomissões, podem causar a outros. Esses danos, em linguagem econômica, são os custosexternos.

 Note-se a diferença entre a justiça corretiva e a eficiência. Aquela procura restabelecer asituação patrimonial preexistente à lesão. A eficiência procura desestimular a prática deatos que produzem dano. Em linguagem econômica dir-se-ia que a responsabilidadecivil, como instituto, teria a função de minimizar os custos sociais dos acidentesculposos, isto é, a soma dos custos de prevenção, do dano propriamente dito, e doscustos do ressarcimento.29 Desse modo, a teoria do nexo causai deveria ser uma "teoriade prevenção eficiente tio custo social dos acidentes."14. Espécies de responsabilidade civil.A evolução da responsabilidade civil é um processo que vai da responsabilidadecoletiva, objetiva e penal dos primórdios até uma responsabilidade individual, subjetivae civil dos tempos modernos, com a tendência contemporânea para a socialização do

dever de indenizar através do sistema de seguros.Essa responsabilidade individual tem sido sistematizada, desde o Código Civil francês,em função da natureza dos direitos subjetivos lesados pelo ato ilícito. Se este ofendedireito subjetivo relativo, nascido geralmente de contrato, a responsabilidade é ditacontratual. Se o direito lesado é absoluto, a responsabilidade é extracontratual, ouaquiliana, por influência da Lex Aquilia, que fixou a culpa como fundamento do dever de indenizar. Temos então que, quanto à espécie do direito subjetivo lesado, aresponsabilidade civil divide-se em contratual e extracontratual. Quanto ao fundamento,isto é, a existência ou não de culpa do agente, a responsabilidade divide-se em subjetivae objetiva, e quanto à natureza pública ou privada da norma infringida, aresponsabilidade é penal ou civil.

  No sistema dos códigos, a grande dicotomia é a responsabilidade contratual e aextracontratual.

Page 344: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 344/359

O Código Civil brasileiro também consagra a distinção da responsabilidade civil emresponsabilidade contratual e responsabildade extracontratual ou aquiliana, regulandoesta nos arts. 186 e 927 e 15. Responsabilidade contratual e extracontratual ouaquiliana.A responsabilidade contratual é a que decorre do não-cumpri-mento de obrigação

nascida de contrato, de negócio jurídico unilateral ou da própria lei.30O descumprimento da obrigação pode resultar de fato imputável ao devedor ou aocredor que agir com culpa ou dolo, ou de fato inimputável a qualquer deles, na hipótesede caso fortuito ou força maior. São, assim, causas do descumprimento a culpa dodevedor, o caso fortuito e a força maior (CC, arts. 389 e 393).Quanto aos efeitos, o não-cumprimento pode ser definitivo (ina-dimplemento), simplesretardamento culposo (mora) ou cumprimento defeituoso da obrigação. Verifica-se oinadimplemento quando a prestação se torna inútil para o credor e este a recusa; hásimples mora, que é o atraso culposo no cumprimento da obrigação, quando a prestaçãoainda é possível e útil ao credor.Conseqüência do descumprimento da obrigação é a responsabilidade do devedor, que

responde por perdas e danos (CC, art. 389).As perdas e danos compreendem o dano emergente e o lucro cessante. E nas obrigaçõesde pagamento em dinheiro consistem nos juros de mora e custas sem prejuízo de penaconvencional (CC, arts. 402 a 405).Caso fortuito e força maior são sinônimos na opinião doutrinária mais recente.Significam o fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (CC, art.393, par. único).A diferença que porventura se possa estabelecer entre essas expressões é a que decorrede considerar-se o caso fortuito como impedimento relacionado com a pessoa dodevedor ou com sua empresa, enquanto a força maior é um acontecimento externo(fenômenos naturais, ocorrências políticas etc.).Se o devedor agiu culposamente, deixando de cumprir a prestação devida, responde por 

 perdas e danos. Se o inadimplemento for, todavia, conseqüência de caso fortuito ouforça maior, o devedor fica isento de qualquer responsabilidade, salvo se expressamente

 por eles se responsabilizou, ou se estava em mora (CC, arts. 394, 395 e 399).A responsabilidade contratual resulta de ilícito contratual (não-cumprimento oucumprimento defeituoso de obrigação preexisU-n-te), e a extracontratual, aquiliana oudelitual, resulta de ilícito extracontratual (violação de deveres gerais de abstenção

 pertinente aos direitos absolutos). A primeira decorre da violação de direitos subjetivosrelativos, com a infração de um dever especial, enquanto a aquiliana nasce da ofensa adireitos subjetivos absolutos, com :\ infração de um dever geral de observância. A

expressão responsabilidade contratual é, porém, abrangente, porque tambémcompreende a infração de obrigações não decorrentes de contrato, como as nascidas dedeclaração unilateral de vontade ou da própria lei. C) efeito de ambas é a obrigação deindenizar, sendo elementos comuns o comportamento ilícito, a culpa, o dano e a relaçãode causalidade.Diferem as duas espécies nos seguintes aspectos:a) a responsabilidade contratual decorre de relação obrigacional preexistente, enquantona aquiliana a relação obrigacional surge pela primeira vez ao verificar-se o dano.

 Naquela, a prestação indenizatória é simples mudança do objeto da relação, enquanto nasegunda o dever de ressarcir é originário;

 b) a responsabilidade contratual pressupõe plena capacidade das partes que contratam

enquanto a aquiliana pode ser causada por ato de incapaz;

Page 345: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 345/359

c) na responsabilidade contratual, eventual solidariedade entrr os obrigados depende de prévio acordo, enquanto na aquiliana a previsão de solidariedade está na lei (CC, art.942);d) quanto ao ônus da prova, na responsabilidade contratual o devedor é que tem de

 provar a inexistência de culpa ou qualquer excludente do dever de indenizar, enquanto

na aquiliana cabe à vítima demonstrar a culpa do agente;Existem, porém, algumas notas comuns. Em ambas as espécies é possível a limitação ouexclusão convencional da responsabilidade*, desde que não se contrarie a ordem

 pública e os bons costumes,"----------------------------25 "Na Lei Aquiliana se compreende também a culpa levíssima", Ulpiano, D, 9, 2, 44,

 pr.26 Código Civil francês, art. 1.382: "Tout fait quelconque de I'homme qui rtà autrui un dommage, oblige celui par Ia faute duquel il est arrivé, à lê rcintin "(Qualquer fato humano que cause a outrem um dano obriga o culpado a rqnini li >.)27 Jean Carbonnier. Droit civil, Lês obligations, p. 316.

28 A análise econômica do direito é uma concepção doutrinária que surge inicialmentenos EUA, no início da década de 60, com o objetivo de "sistematizar os efeitoseconômicos das regras jurídicas", estudando como o direito orienta o comportamentoindividual e em que medida atinge seus objetivos sem ser alterada pelos destinatários.Para os economistas dessa escola a primeira questão que se apresenta em relação aqualquer regra de direito é saber qual o objetivo que ela pretende atingir, o que obriga o

 jurista a formular o fim social da regra, para que se possa avaliar se ela é eficaz narealização de seu objetivo. Fundamento de análise econômica do direito é a teoria microeconômica, ou neo-clássica, que estuda o comportamento dos agentes econômicos(indivíduos, produtores), ao contrário da análise macroeconômica, cujo objetivo éexplicar como se determinam a produção, o investimento, o consumo, etc, em escalanacional. No que diz respeito ao direito, a análise econômica é a aplicação da teorianeoclássica ao estudo dos comportamentos sociais regulados pelo direito, isto é, afunção das regras jurídicas. A crítica mais acentuada que se faz a essa nova concepção éo seu caráter positivista, a sua indiferença quanto aos critérios não racionais de escolha,a sua consideração do mercado como critério de legitimidade, as suas valoraçõesexclusivamente econômicas. Cfr. Ghestin, op. cit., p. 176 e segs.29 Guido Calabresi, The Cost of Accidents, apud Ghestin, op. cit., p. 184.segs. e 948, e aquela nos arts. 389 e segs., fazendo, todavia, concessão à teoria mistaque identifica, em ambas, elementos comuns.30 Antunes Varela, op. cit., p. 473.

31 Pessoa Jorge, A limitação convencional da responsabilidade civil, p. 29; cf. aindaJosé de Aguiar Dias. Cláusula de não indenizar, Antônio Pinto Monteiro. CláusulasLimitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil.----------------------------assim como igualmente se admite a ressarcibilidade de danos não-patrimoniais.Terceira concepção, de natureza intermediária, não considera fundamental a divisãoclássica da responsabilidade em contratual e extracontratual, pois a obrigação deindenizar traduz a violação de um dever preexistente de respeitar direitos subjetivosrelativos ou absolutos. Situam-se ambas no campo das fontes e dos efeitos dasobrigações, não existindo diferença quanto à sua natureza. Cientificamente, uma sóresponsabilidade civil, com regimes diversos porém. Embora mantida a dualidade nos

sistemas de direito positivo, vem-se evidenciando uma tendência doutrinária de superar tal dicotomia com a adoção de um regime misto, compreendendo uma teoria geral da

Page 346: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 346/359

responsabilidade civil, reunindo os princípios e os pressupostos comuns a toda ashipóteses, e regimes específicos, inerentes aos diversos ramos que se vêm construindono campo da lei e da jurisprudência, como, por exemplo, a responsabilidade peloexercício profissional,32 a dos produtores perante os consumidores,33 a decorrente deacidentes de trânsito,34 a dos transportadores,35 a dos construtores,36 a do Estado

legislador,37 a dos bancos,38 a dos administradores de companhia,39 a das atividades perigosas,40 a dos representantes legais,41 a do abuso de direito em geral.42Cabe ainda breve referência à responsabilidade pré-contratual e à cláusula de não-indenizar.Responsabilidade pré-contratual é aquela que se configura no caso de ruptura dasnegociações preliminares do contrato. Embora sem força vinculante, essa atividade,muitas vezes concretizada cm apontamentos ou minutas, cria para um dos interessados"a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas para possibilitar arealização do contrato". Se o outro interessado, sem qualquer motivo, põe termo àsnegociações, deve ser obrigado :\ ressarcir o primeiro dos danos que sofrem.43 Essedever de indenizar baseia-se na culpa in contrahendo, culpa do agente que induz outrem

a ajustar um contrato que não será celebrado, causando-lhe prejuízo. Essa culpa e essaresponsabilidade são extracontratuais.A cláusula de não-indenizar é a convenção acessória aposta a um contrato ou a umadeclaração unilateral de vontade pela qual uma das partes se exonera daresponsabilidade de indenizar a outra por dano eventual, afastando a obrigação deledecorrente. Suscitando forte controvérsia na doutrina a respeito de sua validade, ela éaceitável desde que seja bilateralmente ajustada e não contrarie lei expressa, a ordem

 pública e os bons costumes, e não tenha o agente causado o dano intencionalmente.4416. O sistema legal da responsabilidade civil.O instituto da responsabilidade civil se estabelece em torno da relação decorrente do atoilícito, contratual ou extracontratual. Seu objetivo é puramente reparatório, nãoalcançando, por isso, os benefícios eventualmente obtidos pelo autor do dano.45Enquanto para a doutrina ato ilícito é todo aquele contrário à norma jurídica, imposta

 pelo Estado (lei) ou pela autonomia privada (contrato), o Código Civil brasileirorestringe o respectivo significado, limitando-o ao teor do art. 186, dele separando oilícito contratual, ou inadimplemento obrigacional, referido no art. 389.O Código Civil brasileiro tem assim dois sistemas distintos, o que resulta de ato ilícito eo que resulta da inexecução contratual. A expressão "responsabilidade civil" significa,de ordinário, o primeiro, a que se referem os arts. 186 e 927; o sistema da contratualestá nos art. 389 e segs., compreendendo ainda a disciplina da mora (CC.arts. 394 a401).

Vê-se, então, que o legislador brasileiro, a exemplo do italiano, estabeleceu no art. 186uma noção particular de "ato ilícito", dando-lhe taxinomia própria e disciplinando-lhe osefeitos, de modo diverso da inexecução contratual. Justifica-se tal diferença pelo fato deque o inadimplemento obrigacional provoca simples mudança objetiva na relação

 jurídica, substituindo-se a prestação pelo "id quod interest" (ressarcimento). No ilícito previsto no art. 186, o dever de indenização não é aspecto novo de uma obrigação  preexistente, mas uma nova obrigação. "Praticado o ato, nasce para o agente' aobrigação de indenizar a vítima, tendo por objeto uma prestação por meio da qual odano causado é ressarcido." Essa diversidade de estrutura justifica a disciplina diversa.17. Responsabilidade subjetiva.A doutrina considera ainda uma outra distinção, conforme se dê relevo ou não à culpa

do agente. É a responsabilidade subjetiva e a objetiva. A primeira, que é a clássica, eque pressupõe a existência de culpa, consagrou-se no Código Civil francês, donde se

Page 347: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 347/359

irradiou para o direito moderno. Adota-a o Código Civil brasileiro no art. 186, queestabelece a ato ilícito como fonte da obrigação de indenizar. Denomina-se tambémresponsabilidade delitual. A responsabilidade objetiva, desenvolvidacontemporaneamente, mas já existente nos primevos do direito romano, dispensa aculpa. Baseia-se em uni princípio de eqüidade: quem lucra com uma situação responde

 pelo risco ou desvantagens dela decorrentes (ibi commoda, ibi incommo-da). Conhecidacomo responsabilidade legal, tem como fundamento a atividade que o agentedesenvolve, criando risco de dano para terceiro. Daí chamar-se "teoria do risco" aoconjunto de seus princípios. É legal porque imposta por lei, independentemente deculpa. O agente é obrigado a reparar o dano, ainda que isento de culpa, salvo no caso decomportamento doloso da vítima, como pode ocorrei1 em caso de acidente de trabalho.A responsabilidade subjetiva diz-se direta quando decorrente de fato próprio, do agente,e indireta ou complexa se resultante de fato de terceiros, de animal ou de coisa que seencontre sob a guarda do agente.18. Responsabilidade por fato de terceiro.

 No sistema de responsabilidade civil subjetiva encontramos três institutos diversos: o da

responsabilidade por fato próprio, o da responsabilidade por fato de terceiro e o daresponsabilidade por fato da coisa ou de animal.----------------------------------32 Quanto à responsabilidade civil dos advogados, Maria Helena Diniz, op. cit., pp.204/6; do médico Wanderby Lacerda Panasco. A responsabilidade civil, penal e éticados médicos, p. 27 e segs.; Teresa Ancona Lopez de Magalhães, Responsabilidade civildos médicos, pp. 309 a 330; Ulderico Pires dos Santos, A Responsabilidade Civil naDoutrina e na Jurisprudência, n2 53.33 Cf. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil do fabricante, pp. 28-44;Philippe Malinvaud, La protection du consommateur en droit français, p. 41 e segs.;Orlando Gomes. A Política Legislativa de Proteção ao Consumidor, ibidem, p. 30 esegs.; do Autor, As cláusulas contratuais gerais, a proteção ao consumidor e a lei

 portuguesa sobre a matéria, pp. 235-257; Eike von Hippel, Defesa do consumidor, p. 5 esegs.34 Elcir Castello Branco, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil e dosProprietários de Veículos Automotores; Wilson Melo da Silva, Da ResponsabilidadeCivil Automobilística.35 Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil [Transporte de pessoas), pp. 368-78;Octanny Silveira da Mota, Da Responsabilidade Contratual do Transportador Aéreo;Antônio Chaves, Responsabilidade do transportador por via aérea, pp. 1-23.36 lolanda Moreira Leite, Responsabilidade civil do construtor, pp. 125-148; Marco

Aurélio da Silva Viana. Contrato de Construção e Responsabilidade Civil; Hely LopesMeirelles. Direito de Construir; Helita Barreira Custódio, Dano causado por construçãoou edificação, pp. 232 e 248.37 J. Cretella Júnior. O Estado e a Obrigação de Indenizar, idem Responsabilidadecivil do Estado legislador, pp. 169-191; Yussef Said Cahali, Responsabilidade Civil doEstado, pp. 355-377; José Joaquim Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidadedo Estado por Actos Lícitos.38 Sérgio Carlos Covello, Responsabilidade dos bancos pelo pagamento de chequesfalsos e falsificados, pp. 257-288; Lauro Muniz Barreto. Direito Bancário; Wilson Meloda Silva, Cheques falsos; Arnaldo Wald. Estudos e Pareceres de Direito Comercial, vol.2; idem, A responsabilidade contratual do banqueiro, p. 95; Luís Roldão de Freitas

Gomes. Da responsabilidade civil dos administradores de instituições financeiras privadas em regime de intervenção ou liquidação extrajudicial no Brasil, pp. 146-155.

Page 348: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 348/359

39 Waldirio Bulgarelli, Responsabilidade dos administradores de companhias, pp.407-449; Roberto Rosas, Responsabilidade nas sociedades anônimas, p. 4; Wilson EgitoCoelho, Da responsabilidade dos administradores das sociedades por ações em face danova lei e da Lei 6.024/74, p. 37; Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade dosadministradores de sociedades anônimas, pp. 445-453.

40 Carlos Alberto Bittar, Responsabilidade civil nas atividades perigosas, pp. 85-101.41 Antônio Junqueira de Azevedo, Responsabilidade civil dos pais, pp. 53-68; AlvinoLima. Da Responsabilidade Civil por Fato de Outrem; Munir Karam, Responsabilidadecivil dos pais pelo fato do filho, pp. 393-409.42 Maria Helena Diniz, op. cit., p. 377 e segs.; Antunes Varela, O abuso do direito nosistema jurídico brasileiro, p. 37 e segs.43 Orlando Gomes, Contratos, n- 36.44 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, n2 115; SérgioCavalieri filho, Programa de responsabilidade Civil, p. 451.45 Adriano de Cupis. II âanno. Teoria generale delia responsabilitá civile, n2 102.----------------------------------

A responsabilidade por fato próprio é a obrigação de indenizar decorrente da ação ouomissão culposa do agente, provado o nexo de causalidade e o dano (CC, art. 186).A responsabilidade por fato de terceiro pressupõe dois agentes: um, causador do

 prejuízo, outro, responsável pela indenização. É o que ocorre nas hipóteses do art. 932,segundo o qual são responsáveis os representantes legais de direito de família, osempregadores, os hoteleiros e os donos de educandários, pelos atos praticados pelosrespectivos representados, prepostos e hóspedes. É um caso de responsabilidade civilobjetiva (CC, art. 933). E todos, menores e seus representantes legais, responderão comsolidariedade (CC, art. 942, par. únic). A responsabilidade dos pais resulta do seu dever de guarda, não do poder familiar.46

  No caso dos empregadores, comprovada a relação de emprego, existem duasresponsabilidades, a do patrão, amo, ou comitente, e a dos empregados, serviçais e

 prepostos, que respondem por fato próprio.Quanto aos educandos, são responsáveis os diretores de colégios.Com exceção dos ascendentes, o que tiver ressarcido o dano tem o direito de regressocontra o respectivo agente (CC, art. 934).São casos especiais de responsabilidade por fato de terceiro a do proprietário de veículo

 por ato ilícito do condutor, não preposto, e a do médico, por ato de enfermeiro ouauxiliar. No caso de prejuízos causados por veículo conduzido por outrem que não o

 proprietário, este somente se exonera, se provar que o veículo entrou em circulaçãocontra vontade, como no caso de furto. Fora disso presume-se a culpa do condutor e a

do proprietário.Responde também o médico pelos atos ilícitos de seus auxiliares, enfermeiros etc., queagirem sob sua orientação, mas não responde pelo ato culposo, independente, doenfermeiro ou auxiliar, caso em que a responsabilidade é do nosocômio.4719. Responsabilidade por falo da coisa.

 Não é correta a expressão "responsabilidade por fato da coisa", pois esta, por si só, nãocausa dano para fins de responsabilidade. Trata-se do prejuízo causado por uma coisa deque o agente trm a guarda, como previsto no art. 937, que torna responsável o dono doedifício ou construção pelos danos resultantes de sua ruína, se esta provier de falta dereparos cuja necessidade fosse manifesta. K o caso de negligência do proprietário quenão conserva seu imóvel. Presume-se a culpa do proprietário, presunção que somente se

elide com a ocorrência de caso fortuito, força maior ou culpa da vítima, ou se o dono provar que a renúncia não decorre da falta de reparos, ou que a necessidade desses

Page 349: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 349/359

reparos não era manifesta. O ônus da prova é da vítima. Embora o dever de indenizar não abranja o caso fortuito ou força maior, trata-se de responsabilidade muito próximada responsabilidade objetiva.20. Responsabilidade por fato de animal.A responsabilidade pelo dano causado por animais decorre de simples presunção de

culpa, como prevista no art. 936 do Código Civil. O dono ou detentor do animalressarcirá o dano por esse causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. Existe presunção de culpa para o dono ou detentor do animal, da qual só se exonera se provar aocorrência de qualquer dos excludentes mencionados. Basta que a vítima demonstre odano e o ato causador, para configurar-se a responsabilidade do guarda. Há reversão doônus da prova, que passa ao dono ou detentor do animal.21. Responsabilidade objetiva.Responsabilidade objetiva é a que independe da culpa do agente.Desenvolveu-se com a teoria do risco, segundo a qual todo dano deve ser indenizadoindependentemente de haver ato ilícito. Resulta da constatação de que a concepçãotradicional, subjetiva, é insuficiente para resolver problemas de setores específicos da

vida con temporânea, onde a atividade econômica cria o risco de dano, que deve ser indenizado pelos beneficiários dessa atividade. Pressupõe sempre a possibilidade de um

  perigo, decorrente da atividade empresarial ou de circunstâncias objetivas, fora decontrole humano habitual. O fundamento da obrigação de indenizar, nesta espécie deresponsabilidade, não decorre da ilicitude do ato, mas de um princípio de eqüidade e de

  justiça comutativa, segundo a qual todo aquele que, na defesa de seus interesses prejudicar o direito de outrem, ainda que de forma autorizada, deve indenizar o danocausado.A responsabilidade objetiva não decorre de um princípio geral, como a subjetiva,

 previsto no art. 186. É imposta em lei para os seguintes casos:a) queda ou lançamento de coisa em lugar indevido (CC, art. 938);

 b) acidentes de trabalho (Lei 5.316, de 14.09.67, e Decreto 61.784, de 28.11.67);c) acidentes em estradas de ferro (Lei 2.681, de 01.12.12) e, por analogia, os acidentesde transportes coletivos;d) navegação aérea (Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7.565 de 19.12.86).e) dano ambiental (Lei 6.938, de 31.8.81, art. 14, p. 1°);f) dano nuclear (CF. art. 21, XVIII, c) Lei 6.453, de 17.10.77, art. 4°);g) prestação de serviço público (CF. art. 37, p. 6°; CC. art. 15); h) fato do produto e doserviço (Lei 8.078, de 11.9.90 art. 12, 14).-----------------------46 Antônio Junqueira de Azevedo, op. cit, p. 59; Maria Helena Diniz, op. cit, p. 342.

47 Alvino Lima. A Responsabilidade Civil pelo Fato de Outrem, n- 29.-----------------------

CAPÍTULO XVIIIPrescrição e Decadência

Sumário: 1. O tempo como fato jurídico. 2. A relação jurídica e seu conteúdo. 3.Exigibilidade e exercício de direitos. 4. Prescrição. Conceito. Fundamento. Objeto. 5.Decadência. Conceito. Fundamento. Objeto. 6. Prescrição e decadência. Comparação. 7.Regras gerais da Prescrição. 8. Renúncia da Prescrição. 9. Impedimento e suspensão.10. Interrupção da prescrição. 11. Prazos prescricionais. 12. Prazos de decadência. 13.

Os prazos prescricionais em matéria de Direito Intertemporal.

Page 350: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 350/359

1. O tempo como fato jurídico.O tempo é fato jurídico natural de grande importância nas relações jurídicas pelainfluência que pode ter na gênese, exercício e perda dos respectivos direitos.Desde a concepção do ser humano, o tempo influi nas relações jurídicas de que oindivíduo participa. Até o nascimento, o ser em potência já é centro autônomo de

direitos; para certos setores da doutrina c- da legislação mais recente tem, inclusive, personalidade jurídica. Até completar 16 anos é absolutamente incapaz; aos 18 atinge a plena capacidade de fato, que lhe poderá, entretanto, ser antecipada pela emancipaçãoaos 16 anos, (CC, art. 5-, I). Também com esta idade, o menor já pode exercer ocomércio, função pública e ser eleitor.1Para efeitos penais, o menor com menos de 18 anos é inimputável sendo objeto daaplicação de normas especiais, devendo ser internado em estabelecimento próprio, sedemonstrar excessiva periculosida-de.2 Na aplicação da pena, a idade é atenuante paraos menores de 21 e maiores de 70 anos. Para efeitos de cidadania, os maiores de 16 anos

 podem ser eleitores, mas só maiores de 18 anos podem ser eleitos vereadores, maioresde 21 anos, deputados federais ou estaduais e maiores de 35 anos, senadores ou

 presidentes da República.Para fins de exercício profissional, menores de 18 anos não podem trabalhar emindústrias insalubres, ou à noite; menores de 14 anos são impedidos de trabalhar, salvocomo aprendizes.3Embora tais condições sejam, na maioria, de direito público, é no campo do direito

 privado que se nota maior influência do tempo, tanto no nascimento quanto no exercícioe extinção dos direitos. Assim, por exemplo, nos negócios jurídicos a termo, inicial ouresolutivo, na abertura de sucessão provisória (CC, art. 26, CPC, art. l. 159) e em todosos casos em que o decurso do tempo provoque a extinção ou surgimento de direitos.A disciplina da influência do tempo nas relações jurídicas é objeto de três institutos dedireito civil, a usucapião ou prescrição aquisitiva, que leva à aquisição de direitos, a

 prescrição extintiva e a decadência, que levam à extinção. O primeiro estuda-se na partedos direitos reais, por ser forma de aquisição da propriedade. Os demais, referentes aosdireitos subjetivos in genere, disciplinam-se na parte geral do Código Civil.2. A relação jurídica e seu conteúdo.A compreensão da importância do tempo como fato jurídico pressupõe o conhecimentoda relação jurídica, na sua estrutura e função.Contem a relação jurídica várias espécies de direitos, correspondentes às diversasformas por que os sujeitos exercem o seu poder sobre o objeto da respectiva relação.As espécies mais importantes são o direito subjetivo, a pretensão, o direito potestativo eas faculdades jurídicas.

Direito subjetivo, como já estudado, é o poder que o ordenamento jurídico reconhece aalguém de ter, fazer ou exigir de oiitrcin determinado comportamento. É verdadeira permissão jurídica, ou ainda, é um poder concedido ao indivíduo para realizar seusinteresses. Representa a estrutura da relação poder-dever, em que ao poder de uma das

 partes corresponde o dever da outra.Da infração desse dever resulta, nas relações jurídicas patrimoniais, um dano para otitular do direito subjetivo. Nasce, então, p;u;i esse titular, o poder de exigir do devedor uma ação ou omissão, qur permite a composição do dano verificado. A esse direito deexiy.ir chama a doutrina de pretensão, por influência do direito alemão (BGB, § 194),

 principalmente Windscheid4, que transferiu para o direito substantivo privado a actio,direito subjetivo processual do direito romano e do antigo direito comum alemão.

Temos, então, a pretensão de direito privado distinta da pretensão de "proteção jurídica", ou "direito de ação", que é o direito subjetivo público de invocar a tutela

Page 351: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 351/359

 jurisdicional do Estado para a realização de sou direito, reparando-se o dano causado pelo agente infrator.A pretensão revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ação ouomissão. É, para alguns, sinônimo de direito subjetivo, embora com conotaçãodinâmica, enquanto aquele é estático e, para outros, ainda, uma situação jurídica

subjetiva5.A pretensão que nasce no momento em que o credor pode exigir a prestação, e esta nãoé cumprida, causando lesão no direito subjetivo, pressupõe, assim, a existência de umcrédito, com o qual não se confunde. Por exemplo, se o vendedor, em um contrato decompra e venda, se compromete a receber o preço em prestações mensais, vencíveis acada dia 30, no momento em que fez o contraio tornou-se credor, titular de um crédito,mas o direito de exigi r a prestação, que configura a pretensão, só nasce a cada dia 30,no respectivo vencimento, se não se verificar o pagamento.Embora a pretensão seja um conceito técnico jurídico aplicável às várias espécies derelações jurídicas, em tese, é nas obrigações que ele encontra a sua natural aplicação. Asua função mais importante é a de traduzir uma legitimação material para exigir uma

 prestação determinada, o que a relaciona intimamente com o direito processual civil.Contraposto ao conceito de pretensão existe o de exceção, direito que se tem de impedir a eficácia de um direito subjetivo de outrem. Funciona como um contradireito ou,tecnicamente, um direito de negar o cumprimento da prestação devida, correspondente à

 pretensão do credor. As exceções podem ser permanentes e transitórias ou dilatórias. As primeiras impedem a "imposição judicial" da pretensão perpetuamente; as segundas,temporariamente.

 Na hipótese de exceção permanente, o crédito a que corresponde a respectiva prestaçãocontrariada é tido como não subsistente, e o exemplo mais notório dessa hipótese é a

 prescrição.Existem, porém, direitos subjetivos que não fazem nascer pretensões, porque destituídosdos respectivos deveres. São direitos potestativos.O direito potestativo é o poder que o agente tem de influir na esfera jurídica de outrem,constituindo, modificando ou extinguindo uma situação subjetiva sem que esta possafazer alguma coisa se não sujeitar-se. São direitos potestativos o do patrão dispensar oempregado, o do doador revogar a doação simples, o do representado revogar a

 procuração, o do agente ocupar rés nullius, o de se aceitar ou não a proposta decontratar, o de se aceitar ou não herança, o de estabelecer uma passagem forçada para

 prédio encravado em outro.Como o direito potestativo é o dever de determinar mudanças na situação jurídica deoutro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente

a esse poder, chama-se, também, direito formativo ou de formação. O lado passivo darelação jurídica limita-se a sujeitar-se ao exercício de vontade da outra parte. E nãohavendo dever, não há o seu descumprimento, não há lesão. Conseqüentemente não há

 pretensão.O conceito de pretensão serve, assim, para distinguir os direitos subjetivos dos

 potestativos. Como estes não podem ser lesados, seus titulares não têm pretensão, comoocorre nos direitos subjetivos.As faculdades jurídicas são também poderes de agir contidos nos direitos subjetivos.Deles diferem porque neles estão contidas e, por isso, deles dependem. O direitosubjetivo configura-se, assim, como uma faculdade ou um conjunto delas.Prescrição e Decadência 577

3. Exigibilidade e exercício de direitos.

Page 352: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 352/359

Além dessas diversas espécies de direitos, outras noções se la/.cm indispensáveis para o  perfeito entendimento do que sejam a prescrição e a decadência, como a deexigibilidade e de exercício desses direitos. Exigibilidade é qualidade do direito que

 pode ser reclamado em pagamento. É típico das obrigações. Exercício é o uso que se fazde um direito.

Com o fim de proteger a segurança e a certeza, valores luiula-mentais do direitomoderno, limitam-se no tempo a exigibilidade- e o exercício dos direitos subjetivos,fixando-se prazos maiores ou menores, conforme a sua respectiva função.Para os direitos subjetivos, a lei fixa prazos mais longos, que podem ser suspensos einterrompidos, durante os quais se pode exigir o cumprimento desses direitos, oumelhor, dos respectivos deveres. Já para os direitos potestativos, os prazos são maisrígidos, isso porque esses direitos devem exercer-se em brevíssimo tempo.Tal distinção é fundamental.Para as faculdades jurídicas o tempo não conta. Como simples manifestações dosdireitos subjetivos em que se contém, a falta de seu exercício não prejudica essesmesmos direitos. As faculdades jurídicas não se extinguem pelo decurso do tempo. In

facultativis non datur praescriptio (nas ações facultativas não corre a prescrição).O tempo é, assim, fator de limitação do exercício dos direitos. E a figura técnica queexprime a extinção dos direitos e suas pretensões pela inércia do respectivo titular notempo devido. E a chamada caducidade. Esta, em sentido amplo, significa extinção dedireitos em geral, e em sentido restrito, perda dos direitos potestativos quando toma onome de decadência. Seu fundamento é o princípio da inadmissibilidade da condutacontraditória.64. Prescrição. Conceito. Fundamento. Objeto.Com os elementos referidos já é possível estabelecer-se o COM ceito da prescrição e dadecadência.Prescrição é a perda da pretensão em virtude da inércia do seu titular no prazo fixadoem lei (CC, art. 189). Se o lesado pelo descumprimento do direito subjetivo não agir no período legal, invocando a tutela jurisdicional do Estado para a proteção do seucrédito, extingue-se a sua pretensão de exigibilidade quanto ao seu direito subjetivo. Demodo geral a prescrição aplica-se apenas aos direitos subjetivos patrimoniais,especificamente às obrigações em sentido técnico.A exceção prescreve no mesmo prazo da pretensão (CC, art. 190).A obrigação prescrita transforma-se, desse modo, em obrigação natural, que é aquelaem que o credor não dispõe de ação judicial para exigir do credor o pagamento mas, nocaso deste ser feito, pode retê-lo.Para que se configure a prescrição é preciso que se reúnam os seguintes elementos: a)

um direito subjetivo lesado, do que necessariamente nasce uma pretensão deressarcimento; b) a não-exigência do cumprimento do respectivo dever, ou doressarcimento do dano; c) o decurso do prazo que a lei prefixa.Reunidos tais elementos, estabelece o direito a perda da pretensão não exercida.Justifica-se a prescrição pela necessidade de paz, ordem, segurança e certeza jurídica.

  Não houvesse tal instituto, a qualquer momento poder-se-ia voltar a superadas pretensões e a antigos litígios.Pode-se assim dizer que, de modo geral, o que se protege é o interesse público,7embora, de modo particular, se reconheça que a prescrição é imposta, tendo em vista,

 principal e imediatamente, o interesse do sujeito passivo e, secundária e mediatamente,o interesse geral. Com a prescrição pune-se também a negligência do titular do direito

subjetivo lesado.

Page 353: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 353/359

A prescrição refere-se, portanto, a direito subjetivo já fixado e constituído em relação jurídica preexistente, de natureza patrimonial.A prescrição ocorre, portanto, segundo respeitável opinião doutrinária, apenas no campodas obrigações,8 em direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis. Sua razão de ser estáem que a prescrição traduz a recusa da ordem jurídica em proteger a negligência do

credor, forçando o pronto exercício do seu direito, visando assim manter a certeza e asegurança nas relações jurídicas.A prescrição tem por objeto, então, direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis,

 basicamente as obrigações. Não afeta por isso os direitos personalíssimos, os direitos deestado e os direitos de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis. Os direitos ou asrelações jurídicas afetadas pela prescrição são objeto de ações condenatórias, que visamcompelir o devedor a cumprir sua obrigação ou a puni-lo no caso de inadimplemento.A prescrição não opera, porém, de pleno direito. Deve ser alegada pela parte interessada(CC, art. 193), como exceção, meio de de lesa.5. Decadência. Conceito. Fundamento. Objeto.Decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período

determinado em lei.Seu fundamento, como na prescrição, é a necessidade de certe/.a e segurança nasrelações jurídicas, com paz e ordem na sociedade. Seu fim predominante é o interessegeral, ao contrário da prescrição em que o interesse básico é individual, do devedor daobrigação.Seu objeto são os direitos potestativos, de qualquer espécie, disponíveis e indisponíveis,direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças naesfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenasuma sujeição.A decadência traduz-se, portanto, em uma limitação que a lei estabelece para oexercício de um direito, extinguindo-o e pondo termo ao estado de sujeição existente.Aplica-se às relações que não contêm obrigações, sendo objeto de ação constitutiva. Nadecadência, ainda, o prazo começa a correr no momento em que o direito nasce,surgindo, simultaneamente, direito e termo inicial do prazo, o que não ocorre na

 prescrição, em que este só corre da lesão do direito subjetivo. O que se tem em mira é,  portanto, o exercício do direito potestativo, não a sua exigibilidade, própria da prescrição. C) respectivo prazo é rigidamente fixado, sem possibilidade de interrupçãoou suspensão, e também menor do que o da prescrição.A decadência é estabelecida em lei ou pela vontade das partes em negócio jurídico,9desde que se trate de matéria de direito----------------------

1 A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, estabelece que o voto éfacultativo para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos f art. 14, 5 \-H, c).2 Constituição Federal, art. 228, e Lei 8.069, de 13.7.90, art. 104.3 Constituição Federal, art. l-, item XXXIII.4 Windscheid, Diritto delle Pandette, p. 183 e segs.5 André Fontes, A Pretensão como situação jurídica subjetiva, p. (i(> r s6 Heinrich Lehmann. Tratado de Derecho Civil, p. 522.7 Aníbal de Castro. A caducidade na doutrina, na lei e. na jurisprudência, p. 26.8 Dias Marques. Noções Elementares de Direito Civil, p. 108.9 Aníbal de Castro, op. cit., p. 25. Cf. Código Civil português art. 330°.----------------------

Page 354: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 354/359

disponível e não haja fraude às regras legais. Enquanto a prescrição deve ser alegada  pela parte interessada, a decadência não é "suscetível de oposição, como meio dedefesa".106. Prescrição e decadência. Comparação.Tanto a prescrição quanto a decadência são formas de extinção de direitos, constituindo-

se ambas em prazos extintivos. No entanto, a doutrina tem procurado estabelecer algunscritérios diferenciadores, apreciáveis quanto às semelhanças e quanto às diferenças. Nocaso das semelhanças, os pontos de identidade reúnem-se de acordo com três critérios, a

 própria natureza, o fundamento e o fator determinante.Quanto à sua própria natureza, ambas são institutos jurídicos que se constituem emcausa e disciplina da extinção de direitos. Quanto ao seu fundamento, baseiam-se no

 princípio de ordem pública que visa preservar a paz social, a certeza e a segurança nocomércio jurídico. Quanto ao fator determinante, na verdade dois, a inércia dos titularesdos direitos em questão e o decurso do tempo prefixado em lei.

 No que respeita às diferenças, há também que distinguir:a) quanto ao objeto, a prescrição atinge pretensões de direitos subjetivos patrimoniais

disponíveis (direito de crédito), não afetando direitos indisponíveis, como os de  personalidade, os de família, os de estado e também as faculdades jurídicas. Adecadência atinge direitos potestativos, disponíveis ou indisponíveis. Todavia a

 prescrição não opera de pleno direito, devendo ser alegada como exceção ou defesa, pelo devedor, ao ser-lhe cobrada a prestação devida; b) na prescrição, o legislador visa consolidar um estado de fato transformando-o emestado de direito; na decadência, limita-se no tempo a possibilidade de exercício dedireito, modificando-se uma situação jurídica;11c) com a prescrição, pune-se a inércia no exercício de pretensão que devia ser exercidaem determinado período; na decadência, priva-se do direito quem deixou de exercê-lona única vez que a lei concede.12 A decadência seria, portanto, decorrente dainobservância de um "ônus de observância peremptória de um termo, no exercício deum direito potestativo, e a prescrição, a falta do exercício do direito em certo tempo";d) na prescrição o prazo começa a correr quando o direito subjetivo é violado,momento em que nasce a pretensão do credor de ver cumprida a obrigação, ouressarcido o dano a ele imposto pelo devedor inadimplente; na decadência, o prazo corredesde que o direito nasce;13e) a prescrição supõe um direito (pretensão) nascido e eletivo, mas que pereceu pelafalta do exercício da ação contra a violação sofrida; a decadência supõe um direito que,embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício.14Quanto ao interesse que se visa proteger, como já exposto, a prescrição destina-se a

favorecer, em primeiro lugar, o interesse particular do devedor. A decadência contemplao interesse geral de paz, certeza e segurança nas relações jurídicas.Quanto à natureza das ações em jogo, na prescrição deixa de exercitar-se uma ação quevisa uma sentença destinada a permitir que o credor-vencedor possa exigir do devedor-vencido a prestação devida ou o seu equivalente valor, condenatória portanto, enquantona decadência a ação é constitutiva, isto é, dá origem a uma nova situação jurídica; por outro lado, a prescrição inviabiliza a ação creditória mas permite a retenção de eventual

 pagamento feito pelo devedor, o que transforma a dívida prescrita em verdadeiraobrigação natural.

 No que respeita à fluência dos respectivos prazos, a prescrição interrompe-se por qualquer das causas legais incompatíveis com a inércia do sujeito; a decadência opera

de maneira fatal, atingindo irremediavelmente o direito, se não for oportunamenteexercido.IS

Page 355: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 355/359

A decadência não se suspende ou interrompe pelas causas sus-pensivas ou interruptivasda prescrição (CC, art. 207). Os pra/os são peremptórios, fatais. Ainda quanto à funçãodo prazo estabelecido, no caso de prescrição, a lei fixa o período de tempo em que deveexercer-se o direito, enquanto na decadência o prazo limita o exercício do direito.7. Regras gerais da prescrição.

A prescrição está regulada na parte geral do Código Civil, arts. 189 a 206. Suas regrassão de ordem geral e de ordem especial. São de ordem geral as pertinentes à suaalegação e à extinção de direitos. Entre as primeiras temos:a) qualquer interessado, pessoa natural ou jurídica, pode alegar a prescrição, emqualquer grau de jurisdição (menos em recurso extraordinário, perante o SupremoTribunal Federal)16 (CC, art. 193); no caso de incapazes, a prescrição deve ser alegada

  por seus representantes. A possibilidade de invocar a prescrição constitui direitosubjetivo;

 b) o juiz não pode suprir de ofício a alegação de prescrição, salvo se favorecer aabsolutamente incapaz. (CC, art. 194).c) a prescrição começa a correr do momento em que nasce o direito de exigir 

(pretensão) a reparação do dano. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua acorrer contra seu sucessor (CC, art. 196), seja herdeiro legatário ou cessionário; é o

 princípio da accessio temporis]d) prescrito o direito principal, prescritos seus acessórios. Assim, prescrita a pretensãodecobrar a dívida, prescritos os juros e os direitos reais que a garantiam como penhor ou hipoteca.e) os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentesou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou a alegarem oportunamente.(CC, art. 195).8. Renúncia da prescrição.Entre as normas gerais da prescrição incluem-se ainda as que dizem respeito à renúncia.O devedor pode deixar de alegar a prescrição que o beneficia, a ela renunciando. É

 preciso, porém, que a prescrição esteja consumada e que a renúncia não prejudiqueterceiros. Prescrição consumada é a que teve seu prazo totalmente decorrido.A renúncia é o ato jurídico pelo qual o titular de um direito dele se desfaz,17constituindo-se em um modo geral de extinção de direito. Como ato jurídico que é,requer agente capaz.

 No caso da prescrição, a renúncia vale apenas se feita, sem prejuízo de terceiro, depoisde consumada, quando já integra o patrimônio do prescribente (aquele em favor dequem ocorre a prescrição) (CC, art. 191).Consumada a prescrição, o devedor tem seu patrimônio acres cido, pois deixa de

indenizar o dano causado ao credor, com o não-pagamento da obrigação. Pode,entretanto, renunciar a essa vantagem, desde que não prejudique terceiros, isto é,credores, os quais poderão opor-se a essa diminuição patrimonial que lhes reduz asgarantias de recebimento de seu crédito.A renúncia pode ser expressa e tácita. Verifica-se esta quando o interessado pratica atosincompatíveis com a prescrição, como, por exemplo, o pagamento total ou parcial dedívida prescrita, a oferta de garantias ao credor, o pedido de prazo para pagamento, anovação ou qualquer outro ato que implique reconhecimento do direito de credor.18 Arenúncia expressa é a que resulta de ato inequívoco do prescribente, para o que nãoimpõe a lei forma determinada.Sendo instituto de ordem pública as partes não podem convencionar, por exemplo,

renúncia à prescrição antes de decorrido o prazo legal. Não fosse assim, jamais seconsumaria a prescrição, visto que, se admissível renúncia antecipada, uma cláusula

Page 356: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 356/359

inserta nos contratos sempre impediria que a prescrição se verificasse. Tambéminadmissível convenção sobre aumento ou encurtamento dos prazos prescricionais (CC,art. 192).9. Impedimento e suspensão.O curso da prescrição pode ser impedido, suspenso e intcrrom pido por fatores diversos,

obedecendo o impedimento, a suspensão e a interrupção a normas jurídicas de ordem pública contidas no Código Civil, arts. 197 a 204.Impedimento da prescrição é o obstáculo ao curso do respectivo prazo, antes do seuinício. Constitui-se em um fato que não permite comece o prazo prescricional a correr.Suspensão é a cessação temporária do curso do prazo prescricional sem prejuízo dotempo já decorrido. Resulta de fato surgido após o início do curso do prazo

  prescricional, suspendendo-o enquanto permanecerem tais causas, e prosseguindoquando cessarem. Na suspensão, não se perde o tempo já decorrido. Cessando as causassuspensivas, a prescrição continua a correr, aproveitando-se o tempo anteriormentedecorrido. Os prazos de decadência não admitem impedimento, suspensão neminterrupção, a não ser nos casos previstos em lei (CC, art. 207).

Suspensa a prescrição, o direito subjetivo permanece inextinguí-vel pelo decurso dotempo, embora inerte seu titular. O devedor fica também impossibilitado de invocar a

 prescrição contra o credor. Relativamente a terceiros, a suspensão beneficia todos oscredores solidários, desde que a obrigação seja indivisível (CC, art. 201). Se não for,

 pode beneficiar apenas um desses credores.O impedimento e a suspensão são da mesma natureza pelo que, embora com diferençastécnicas, reúnem-se no mesmo complexo de regras, arts. 197-201 do Código Civil.A lei estabelece as hipóteses de impedimento do curso prescricional nos arts. 197; 198,I; 199, I, II e III, e de suspensão, no art. 198, II e III. O art. 197 determina não correr a

 prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedae conjugai; entre os ascendentes edescendentes, durante o poder familiar; entre tutelados e curate-lados e seus tutores ecuradores, durante a tutela ou curatela.O art. 198 dispõe ainda que não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes,os ausentes do País, em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios e,contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas em tempo de guerra, mas correa favor deles.19 Na verdade, a primeira hipótese é de impedimento quando se refere aosmenores de 16 anos, já que, contra esses, a prescrição jamais poderia começar a correr,

 podendo ser impedimento ou suspensão nos demais casos, conforme a incapacidade sejaanterior ou superveniente ao início do curso prescricional.O dispositivo destina-se a proteger os que não podem exercei seus direitos, de modoabsoluto, e os que se ausentam do país, por motivo de serviço ou de guerra (Contra non

volentem agere nu n currit praescriptio) .20O art. 199 completa os dois artigos anteriores, dispondo não correr a prescrição noscasos em que esteja pendente condição suspensiva, em que não esteja vencido o prazo,ou em que seja pendente ação de evicção. No primeiro caso, subordinada a aquisição deum direito à condição suspensiva, somente depois desta reali/ada é que se adquire odireito e seu titular pode agir, sujeitando-se ã prescrição eventual. Enquanto não existir o direito, não pode existir a pretensão e a respectiva ação que a assegura. No segundocaso a observação é semelhante. Enquanto não vencido o prazo prefixado, o direito nãose configura. Conseqüentemente, não há pretensão a prescrever.A última exceção do artigo significa que o adquirente de coisa não pode invocar a

 prescrição em seu favor, se terceiro propuser ação de evicção e enquanto não for essa

 julgada.

Page 357: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 357/359

O seguinte exemplo ilustra a hipótese: A compra um imóvel a B, o qual, apesar davenda, se nega a entregá-lo ao comprador A, que dispõe de ação competente para exigir a entrega do imóvel e a imissão na sua posse. A ação deve ser proposta no prazo de 10anos, conforme o art. 205 do Código Civil. Esse prazo não correrá, todavia, se terceira

 pessoa, C, mover ação de evicção contra A, alegando ser dono do imóvel. Evicção é a

 perda de um direito sobre uma coisa em virtude de uma sentença que reconhece terceirocomo titular desse direito.Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juí/.o criminal, não correrá a

  prescrição antes da respectiva sentença definitiva (CC, art. 200). Só após decisãocriminal, transitada cm julgada, é que começa a correr o prazo prescricional21.O art. 201 é o último a contemplar o impedimento e a suspensão da prescrição. No casode credores solidários, suspensa a prescrição em favor de um deles, só aproveitam osoutros se o objeto da obrigação foi indivisível, que é aquela cuja prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetível de divisão, por sua natureza,--------------------------10 Aníbal de Castro, op. cit., p. 152.

11 Cesare Ruperto. Prescrizione e decadenza, p. 422.12 Francesco Messineo. Manuale di diritto civile e commerciale, I, p. 193.13 Câmara Leal. Da Prescrição e da Decadência, p. 123.14 Idem, ibidem.15 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, I, p. 410.16 Washington de Barres Monteiro, Curso de Direito Civil. Parte geral, p. 286.17 Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil, art. 161 do Código de 1916.18 Clóvis Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, p. 329.19 Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado, III p. 408.20 "Não corre a prescrição contra os que não podem agir voluntariamente."21 Renam Lotufo, Código Civil Comentado, p. 539.--------------------------

 por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico (CC,art. 258).Além desses artigos do Código Civil, outros dispositivos existem, contidos em leisextravagantes, referentes a casos de impedimento e suspensão do curso da prescrição.10. Interrupção da prescrição.Interrupção da prescrição é o fato que impede o fluxo normal do prazo, inutilizando o jádecorrido. Só pode ocorrer uma vez (CC; art. 202). Difere do impedimento e dasuspensão pelos seguintes aspectos:a) no impedimento, a prescrição não corre; na suspensão, a prescrição corre até ser 

 paralisada. Cessada a causa da paralisação, o curso anterior prossegue, valendo o prazoanteriormente decorrido. Na interrupção, paralisado o curso da prescrição, inutiliza-se otempo anterior. Desaparecendo a causa interrompida, inicia-se novo prazo prescricional;

  b) no impedimento e na suspensão, os fatos que as determinam não dependem davontade humana, são fatos objetivos. Na interrupção, são fatos subjetivos, dependentesda vontade do agente.O Código Civil estabeleceu no art. 202 os fatos que interrompem a prescrição:I) despacho do juiz, mesmo incompetente, ordenando a citação, desde que o interessadoa promova no prazo de 10 dias (CC, art. 202, I combinado com o CPC, art. 219, §§ l* e2*);II) protesto nas condições do inciso antecedente;

III) protesco cambial;IV) apresentação do título de crédito ern inventário ou em concurso de credores;

Page 358: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 358/359

V) qualquer ato judicial que constitua o devedor em mora;VI) qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento dodireito pelo devedor.A prescrição interrompida recomeça a correr do ato que a interrompeu ou do último do

 processo para interrompê-la (CC, art. 202, par. único). Na verdade inexiste um processo

específico para interromper a prescrição. O processo a que a lei se refere é o mesmocuja citação inicial interrompeu a prescrição (art. 202, I). Desta forma, a prescriçãorecomeça a correr a partir do último ato do processo iniciado pela citação qur ainterrompeu. Tratando-se de interrupção, inutiliza-se o tempo já decorrido.Quanto à legitimidade para promover a interrupção da prescrição, qualquer interessado

 pode fazê-lo, por exemplo, o titular do direito em via de prescrever, o seu representantelegal, terceiro com legítimo interesse, como o credor do credor contra quem corre a

 prescrição, o fiador deste credor etc. (CC, art. 203).A prescrição não se interrompe, porém, com a citação nula por vício de forma, por circunduta, ou por se achar perempta a instância ou a ação. Citação nula por vício deforma é a que não obedece aos requisitos que a lei estabelece para a realização desse

ato. Comparecendo, porém, o réu para argüir a nulidade, e sendo esta decretada,considerar-se-á feita a citação na data em que ele, ou seu advogado, for intimado dadecisão (CPC, art. 214, § 2-}. Citação circundutg é a que não produz efeitos por ter sidofeita sem as prescrições legais, tendo caído em desuso essa denominação com o adventocio Código de Processo Civil. Perempção da instância significa a extinção do feito comabsolvição da instância. Perempção da ação significa perempção do direito.22São efeitos da interrupção da prescrição:a) inutiliza-se todo o tempo prescricional decorrido, começando a correr novo prazo. Oato interruptivo é normalmente instantâneo, mas a interrupção se faz por meio decitação pessoal ao devedor. O reinicio da prescrição começa do último ato do processo(art. 202, par. único);

 b) o direito subjetivo atingido é beneficiado pela interrupção, dilatando-se o período para composição do dano; essa vantagem para o titular do direito subjetivo ofendidocorresponde às desvantagens para o prescribente, que vê retardado o benefício que lhe

 poderia advir da prescrição;c) a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; igualmente, ainterrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica os demais co-obrigados (CC, art. 204).1. a interrupção por um dos credores solidários, aproveita aos outros; assim como ainterrupção efetuada contra odevedor solidário envolve os demais e seus herdeiros (CC,art. 204, § l-].

2. havendo solidariedade passiva, a interrupção contra um dos herdeiros de um dos co-devedores só prejudicará aos outros co-her-deiros e aos outros co-devedores solidários,se as obrigações forem indivisíveis (CC, art. 204, § 2*).3. a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador (CC, art. 204, §3^).11. Prazos prescricionais.O Código Civil brasileiro estabelece as regras e os prazos prescricionais na Parte Geral(CC, art. 205 e 206), deixando, em princípio, a disciplina dos prazos decadenciais para aParte Especial.Os prazos prescricionais dividem-se em duas espécies:Prazo geral (prescrição comum ou ordinária) e prazos especiais (prescrição especial). O

 primeiro, mais longo e único, destina-se às ações de caráter ordinário. Os segundos, acertos direitos expressamente mencionados.

Page 359: AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

8/4/2019 AMARAL,_Francisco_-_Direito_Civil_-_Introdução

http://slidepdf.com/reader/full/amaralfrancisco-direitocivil-introducao 359/359

O prazo geral da prescrição está previsto no art. 205 do Código: "a prescrição ocorre em10 (dez) anos, quando a lei não lhe aja fixado prazo menor."Os prazos especiais podem ser anuais, bienais, trienais, quadrienais e qüinqüenais, comodisposto no Código Civil, arts. 206, par. 1°, 2°, 3°, 4° e 5°.12. Regras gerais da decadência.

A decadência, como já visto, difere da prescrição, no sentido de que é a perda de umdireito potestativo, pela inércia do seu titular, no prazo que a lei estabelece. Ambas sãoformas de extinção de direitos. Salvo, porém, disposição em contrário, não se aplicam àdecadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (CC, art.207). No entanto, aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, I (CC, art. 208).Sendo matéria de ordem pública, dispõe a lei (CC, art. 209) que é nula a renúncia àdecadência fixada em lei, sendo de dmitir-se, a contrario sensu, ser válida a renúncia àdecadência estabelecida em negócio jurídico pela partes23.

 No caso de decadência legal, deve o jui/ conhecê-la de ofício (CC, art. 210). No caso de decadência convencional, o interessado, isto é, ;\ parte a quem aproveita, pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação

(CC, art. 211).13. Os prazos prescricionais em matéria de Direito Intertemporal.Interessante questão de direito intertemporal, diretamente ligada à exigibilidade dosdireitos, é o conflito de normas jurídicas no tempo, tendo por objeto a fixação de prazos

 prescricionais.O art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe sobre a matéria, estabelecendoque "A lei em vigor terá efeito imediato c geral, respeitados o ato jurídico perfeito, odireito adquirido c a coisa julgada." Idêntica disposição encontra-se na ConstituiçãoFederal, art. 5°, XXXVI. Consagram-se assim os dois princípios teóricos sobre amatéria, a) o do efeito imediato da lei, no sentido de que a lei nova se aplicaimediatamente, isto é, no momento em que se torna obrigatória, e b) o dairretroatividade, segundo o qual os fatos ocorridos na vigência da lei antiga continuam

 por ela regidos, em nome da segurança jurídica.Quando uma lei nova entra em vigor, configuram-se três espécies de situação jurídica:a) as pretéritas, iniciadas e findas antes da vigência da nova lei, b) as pendentes,iniciadas antes da vigência da lei e ainda não extintas, e c) as futuras, iniciadas após avigência da lei nova e ainda não concluídas.

 No que diz respeito aos prazos prescricionais, o problema surge nas situações jurídicas pendentes {jacta pendentia), quando a lei nova incide sobre um prazo em curso. Assituações pretéritas, já consolidadas, estão a salvo da lei nova. Com ela, também,consoli-dar-se-ão as situações futuras. Somente no caso das situações em curso é que

 podem surgir os conflitos de leis no tempo. No caso da nova lei não estabelecer as regras de solução para os problemas advindos dasua vigência, a doutrina aponta os seguintes critérios:24I — Se a lei nova aumenta o prazo de prescrição ou de decadência, aplica-se o novo

 prazo, computando-se o tempo decorrido na vigência da lei antiga.II — Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou de decadência, há que distinguir:a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido

 pela lei nova, adota-se o prazo da lei anterior; b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela lei anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigênciadesta.