Amaral_Ilídio - Acerca de Paisagem

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    Car le paysage, support de la vie, concernechaque habitant qui en est lhritier, lauteur,lutilisateur et, bien sr, lobservateur admiratifou constern (Jean-Robert PITTE, Histoire dupaysage franais, 1983, I, p. 24)

    I. NOTAS PREAMBULARES

    No se trata de um artigo sobre paisagem porque, para isso, me faltamengenho e arte, mas apenas um conjunto de apontamentos, nem sempre bemconcatenados, para um debate.

    Do latim pagus, significando o campo ou territrio cultivado, proveio ofrancs pays e daqui paysan e paysage. Em italiano, com a mesma origem,resultoupaesaggio e em espanholpaisaje. Nas lnguas germnicas, em ingls eem alemo, de uma raiz comum, land, com significado idntico ao de pagus,

    e tambm de regio e pas, se formaram landscape eLandschaft. Em holandsa palavra landschaf e em sueco landskap. Interessante notar que a formainglesa antiga, da Idade Mdia, era landscipe, usada para um territrio perten-cente a um senhor ou habitado por um grupo particular de gente.

    A utilizao de landscape data de finais do sculo XVI ou princpios doXVII, quando a influncia de pintores paisagistas holandeses encorajou o renas-cimento e redefinio de paisagem para referir as representaes de cenas,sobretudo as rurais, e depois panoramas, em geral ou um aspecto particular(Preston James, The terminology of regional description,Annals, Associationof American Geographers, 1934, 24, pp. 78-86). Sem artigo, landscape significa omundo visvel, tudo o que pode ser visto da superfcie terrestre por algum queesteja, ele prprio, nessa superfcie; e com artigo, a landscape, j se refere aum pedao da superfcie terrestre que pode ser visto num relance de olhos.

    1 Gegrafo, Professor Catedrtico Jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,um dos fundadores de Finisterra, seu colaborador e tambm do Centro de Estudos Geogrficos.Director do Centro de Geografia do Instituto de Investigao Cientfica Tropical.

    Finisterra, XXXVI, 72, 2001, pp. 75-81

    ACERCA DE PAISAGEM:

    Apontamentos para um debate

    ILDIO DO AMARAL 1

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    Em portugus paisagem no parece ter sido aquisio directa atravs depagus, mas a importao e adaptao do francs paysage em meados dosculo XVII.

    Em linguagem corrente paisagem tem o significado de extenso de terri-trio abarcada pelo campo de viso de um observador nearly everything wesee when we go outdoors (Peirce Lewis, ed., Visual blight, Association AmericanGeographers, 1973, Resource Paper 23) , podendo ser diferentes as formascomo este exprime o visualizado. Por isso a utilizao da palavra em campos todiversos como das cincias naturais, das humanidades e cincias sociais, dasartes. Tambm se pode acrescentar a paisagem interior, de um estado de esp-rito, ou emocional. O neurologista Antnio Damsio usa a expresso paisagemcorporal como resultado de dois mecanismos ou sinais de modificao doestado corporal, sendo representada, subsequentemente, nas estruturas soma-

    tossensoriais do sistema nervoso central (A. Damsio, O Sentimento de Si.O Corpo, a Emoo e a Neurobiologia da Conscincia, Lisboa, 2000, p. 321).

    II. PROCURA DE UMA DEFINIO GEOGRFICA

    H quem defenda que a Geografia, tendo como objectivo o estudo dasrelaes entre o homem e a natureza, assuma a responsabilidade pelo da pai-sagem, um domnio ainda mal estruturado, que no reclamado por qualqueroutra disciplina. Na formulao da paisagem, ou em qualquer outro tipo deanlise, a Geografia compromete duas variveis fundamentais: o espao e otempo. Da que a maioria das definies a relacionem com organizao ouarranjo do espao, dando grande ateno anlise estruturada das sua trans-formaes. H quem considere que, virtualmente, todas as paisagens foramafectadas, de algum modo, pela aco ou percepo humana desde o Neoltico;logo, a expresso paisagem cultural no dever ser utilizada para significarum determinado tipo de paisagem, mas sim uma maneira de vera paisagemque releva a interaco entre os seres humanos e a natureza ao longo dostempos (Institute for Cultural Landscapes Studies, Harvard University). Destemodo, at que ponto valer pena insistir na antinomia paisagem natural epaisagem cultural?

    Sendo o registo da paisagem um processo cerebral, uma percepo quepode ser transmitida pela fala, pela escrita, pela pintura ou pela msica, cadaum dos agentes produtor de espaos e tambm seu utilizador. A representao sempre polissmica e a figura geogrfica, organizada por geogramas, desti-

    nada a convencer, , por natureza, funcional e deve ser visivelmente persuasiva(Augustin Berque, Gogrammes pour une ontologie de faits gographiques,LEspace Gographique, 1999, 4, p. 321).

    Tem sido questionado o relevo dado ao tema paisagem e h vrias defi-nies para geografia da paisagem. Segundo Paul Claval, reconhecendo a suainquestionvel popularidade entre os gegrafos contemporneos, afirma que

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    ele oferece a possibilidade de abordar num mesmo movimento todas asquestes candentes do futuro da geografia: as que giram volta do peso do meioe dos constrangimentos ecolgicos na organizao do espao, as que nascem dofuncionamento de instituies sociais e de tenses e conflitos que elas ali-mentam, e as que permitem perceber em que que o homem difere deum ponto a outro e o exprime por uma organizao do espao diferente(P. Claval, Gographie humaine et conomique contemporaine, Paris, 1984,pp. 341-342). Ainda segundo o mesmo autor, durante algum tempo pareceramconfundir-se anlise de paisagens e estudos regionais, quando se pensavapoder descrever a terra como um mosaico de reas homogneas. Contudo,dissipou-se tal esperana com a descoberta da complexidade das paisagens ea tomada em conta, na organizao do espao, das relaes, dos fluxos e dosaspectos funcionais. Mas os dois domnios tm em comum oferecer aos ge-

    grafos contemporneos a oportunidade de recorrer a todos os aspectos dadisciplina. Assim se ver melhor como se combinam os modelos do meio, osmodelos do social e os modelos do homem (P. Claval, Idem, p. 354).

    No menos interessante a definio de Jean-Robert Pitte, antecedendo deum ano a de Paul Claval: a paisagem a expresso observvel superfcie daterra, pelos sentidos, da combinao entre a natureza, as tcnicas e a culturados homens. Ela , essencialmente, mudvel e no pode ser apreendida senona sua dinmica, isto , no quadro da histria que lhe restitui a sua quartadimenso. Se a ecologia lembra que a natureza tem as suas leis fundamentais eque oneroso transgredi-las, a histria ensina que o homem tem as suas razesque a natureza ignora. A paisagem acto de liberdade; uma poesia caligrafadana folha branca do climax (Jean-Robert Pitte, Histoire du paysage franais. I.Le Sacr: de la Prhistoire au XVe sicle, Paris, 1983, p. 24).

    III. UTOPIA E REALIDADE

    Vejamos alguns exemplos em que esto presentes dois aspectos fundamen-tais que se relacionam no s com as noes de tempo e espao, mas tambmcom a de tempo-espao: a utopia e a realidade.

    inegvel que Lus de Cames, em Os Lusadas (1572), associou ao seusaber de poeta pico a compreenso geogrfica das coisas da superfcieterrestre. Sirvam de exemplo, entre muitos, o rigor da descrio de uma trombamarinha vista antes da passagem do cabo de Boa Esperana (Canto V, estr.18-19) e a descrio sumria da Europa (Canto III, estr. 6-20). Mas o que aqui

    nos interessa a descrio da Ilha dos Amores, suave e deleitosa (Canto X,estr. 51-63), que o poeta sugere algures na zona tropical: Trs formosos outei-ros se mostravam, [] Que de gracioso esmalte se adornavam, [] Claras fontese lmpidas manavam/ Do cume, que a verdura tem viosa; / Por entre pedrasalvas se deriva/ A sonora linfa fugitiva. / Num vale ameno, que os outeirosfende, / Vinham as claras guas ajuntar-se, / Onde uma mesa fazem, que se

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    estende, / To bela quanto pode imaginar-se [] Mil rvores esto ao cusubindo, / Com pomos odorferos e belos, etc. Perante estas palavras, ainda queimpregnadas de bucolismo potico, o leitor sugestionado a compor, mental-mente, uma imagem ou paisagem da ilha. S que esta poro de espaoinsular foi, pura e simplesmente, uma inveno potica de Cames, numdaqueles momentos em que substituiu a apreenso da realidade geogrfica pelatradio mitolgica. Cames pretendeu fazer ver uma paisagem idlica servindode quadro a aventuras arcadianas, no estilo das representaes paisagsticasde Giorgione, discpulo dos Bellini, de Ticiano e de outros ilustres pintores quin-hentistas. O Conde de Ficalho, emA Flora dos Lusadas, 1880, pode demonstrarque o gracioso esmalte, entenda-se verdura, e as mil rvores, as frutas, amaior parte nada tinha de tropical; as espcies arbreas mencionadas porCames (lamos, loureiros, pinheiros, ciprestes, etc.), bem como as fruteiras

    (cerejeiras, amoreiras, pessegueiros, romzeiras, videiras) eram da flora medi-terrnea, talvez porque tivesse considerado ser esse o cenrio mais adequadopara as deusas e ninfas que iam receber os cansados marinheiros da frota deVasco da Gama.

    Outro exemplo retirado do livro segundo de The New Island of Utopia, deThomas More (1. edio em latim, 1516, o ttulo muito maior): a descriode Amaurotum, capital da repblica insular de Utopos, construda sobre umavertente pouco declivosa da margem do rio Anydrus. Uma cidade muralhada,com fossos profundos e largos cheios de sebes e silvados, de planta quadran-gular, com ruas largas convenientemente dispostas e orientadas, ladeadas porcorrentezas de casas de trs andares, belas e bem construdas, de paredesreforadas com vigas de madeira e revestidas, no exterior, de pedra, gesso outijolo, em cujas traseiras havia vastos jardins e pomares tratados com muitahabilidade e grandes cuidados. As janelas tinham vidros ou painis de tecido delinho muito fino embebido em azeite ou mbar, de modo a deixar entrar a luz.Mas nem sempre fora assim. A cidade, milenria, comeara como uma povo-ao de cabanas construdas com bocados de madeira, paredes de lama amas-sada e telhados de colmo.

    Tambm neste caso a descrio clara e atraente de Amaurotum, comple-mentada com a forma da sua administrao, conduz o leitor construomental de uma imagem ou paisagem da cidade. S que a descrio resultouda imaginao frtil de Thomas More, no acto de criao literria de um modelode reino de paz e justia social e econmica (situado em nenhures, a utopia), emoposio aos de desordem e injustia que imperavam na Europa (a realidade),de que a Inglaterra de quinhentos era um exemplo. Recordemos que Utopia

    uma obra de crtica arrasadora e consciente da situao social e econmicadeste pas (livro primeiro), que o autor pode fazer com base em conhecimentosdirectos, dada a sua posio social e cargos de responsabilidade desempen-hados, e o projecto de propostas para a construo de uma sociedade mais equi-tativa e equilibrada (livro segundo). No humor non sense que permeia os doislivros, to do gosto de Thomas More, contam muito as palavras por ele forjadas

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    propositadamente. Assim, por exemplo, foi buscarAmaurotum a amauros (esfu-mado, nevoento, bao), o adjectivo que Homero aplicou viso esfumada que,num sonho, Penlope teve de Atenas (Odisseia, IV, 824, 835); a traduo poderser castelo no ar ou cidade de sonho.Anydros vem de a(sem) e hudor(gua),logo, o absurdo de rio sem gua.

    IV. FORMAS DIFERENTES DE VER OU SENTIR A REALIDADE

    A noo de paisagem aparece na Europa com os tempos modernos,ligada, intimamente, s transformaes que, do sculo XV ao XVII, produzirama perspectiva dita clssica (recuperao da plstica helenstica), em substituioda perspectiva monocular, o mtodo experimental de Francis Bacon, com uma

    nova concepo da maneira de interrogar a natureza, o dualismo de Descartes,a geometria das projeces, o desenvolvimento da cartografia, etc. Em resumo,a abstraco do sujeito fora do seu meio, a qual reduziu este, progressivamente,a uma coisa objectivvel e manipulvel. Na sia Oriental, por exemplo, noJapo, a noo deshanshui ao mesmo tempo os montes e as guas e o quadroque os representa muito mais antiga e implica uma fuso csmica do homeme do universo.

    A paisagem tem linhas e planos, tem luzes e cores. Neste sentido, recordoas obras de pintores paisagistas dos sculos XVII e XIX, no primeiro caso osholandeses Pieter Claesz e Willem Kalff, Jacob Van Ruysdael e Meindert Hob-bema, e no segundo os impressionistas Claude Monet, Camille Pissarro, AlfredSisley, Georges Seurat, Paul Czanne, e tantos outros. Estes, at serem cha-mados impressionistas, viam-se como realistas, de realismo relacionadocom as suas maneiras de ver o mundo, de modo no clssico, no literrio.

    Sendo demasiado longo referir de cada um o mais importante acerca depaisagem, fico por dois dos primeiros e pelos dois ltimos dos segundos. Aspaisagens de Van Ruysdael e do seu discpulo Hobbema no se limitam a repro-duzir particularidades topogrficas. Exprimem tambm o carcter mudvel danatureza: as nuvens ondeam, rastos de sombras deslizam sobre os campos, umavegetao vigorosa revela o interesse do estilo barroco pelo crescimento e omovimento. De Claude Monet refiro, sobretudo, o quadro As papoilas, pintadoem Argenteuil, em 1873, no qual convergem diversos elementos. Por um lado,se atendermos sua composio, o conhecimento que o autor tinha da estampajaponesa, da qual toma o gosto pelo grande primeiro plano de paisagem vegetal;por outro lado, do ponto de vista da tcnica, a definitiva vontade de captar

    impresses momentneas. O quadro corresponde ao propsito de perceber aaparncia cambiante da paisagem, o que exige uma execuo rpida e, natural-mente, a observao directa. Da instantaneidade do momento do f as quatrofiguras humanas, simplesmente delineadas, que transitam pelo lugar.

    Quanto aos dois ltimos, nas suas tcnicas de execuo encontram-semuitas afinidades com os processos de observao e registo grfico praticados

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    em Geografia. De Georges Seurat, o mais velho dos dois, pintor de paisagensfluviais e marinhas, sublinho a sua investigao dos problemas cromticos oudo contraste simultneo das cores e do valor das linhas construtivas. Quantoao cromatismo, substituiu os efeitos de luz-cor, que os impressionistas obti-nham com pinceladas justapostas, por uma sntese de touches divises, isto ,dos tons complementares que se efectuaria na retina do observador, criandoassim uma tcnica que outros viriam a definir como pointillisme (pontilhismoou divisionismo).

    As paisagens de Paul Czanne so de um grande rigor arquitectnico. Paraa sua elaborao costumava sentar-se perante o que via, estudava cuidadosa-mente o motivo antes de o trasladar para a tela; atendia aos valores plsticose escalonava os planos sucessivos, cuja situao exacta sublinhava por matizesde um colorido de tons finos, aplicado mediante sries apertadamente unidas

    de pinceladas paralelas, verticais ou oblquas, maneira dos sombreados de umesboo a lpis. As rvores, as casas os postes, as chamins, constituam outrostantos acentos rtmicos, que era preciso subordinar unidade do quadro.Olhando a realidade, era fcil ver que, podendo apontar-se algumas liberdadesdo pintor, os aspectos naturais essenciais esto registados em qualquer das suaspaisagens, recriados, magistralmente, com pinceladas ou toques de tinta comoelementos de construo emotiva. H quem aproxime o espao de Czannedaquele do shanshui. O estudo das suas paisagens constitui um bom exercciode anlise fractal.

    Outra linguagem universal para exprimir a paisagem a da msica, querecordo com o exemplo da Sinfonia n. 6, Pastoral, de L. Van Beethoven, cujotema fundamental o da reconciliao do homem com a natureza. Escrita em1806-1808, foi publicada no ano seguinte com o ttulo de Sinfonia Pastoral, ourecordao da vida campestre (mais expresso de uma sensao do quepintura) e numa nota o autor escreveu que exprime-se nela, com cambiantespeculiares, as impresses que o campo pode suscitar no homem. Ao 1. anda-mento chamou despertar de sentimentos de alegria ao chegar ao campo, ao2. cena beira de um regato (quanto maior o regato, mais profundo o tom),ao 3. alegre reunio de camponeses, ao 4. trovoada; tempestade, e ao5. canto dos pastores, sentimentos de contentamento e gratido aps atempestade. impossvel ouvir Nas estepes da sia Central de Borodine, ouContos dos Bosques de Viena de J. Strauss, ou Pinheiros de Roma de Respighisem fazer desfilar mentalmente as paisagens sugeridas por essas msicas.

    V. DA FICO REALIDADE

    Vrios autores de todos os tempos ficcionaram vises da Terra a partir depontos de observao no espao, nomeadamente do seu satlite Lua. H cercade cem anos um cientista importante como E. Suess escreveu o seguinte:Se um observador no espao celeste pudesse, ao aproximar-se do nosso

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    planeta, afastar os mantos de nuvens de um castanho avermelhado que obscu-recem a atmosfera e contemplar a superfcie do globo, tal como ela se lhe apre-sentaria no decorrer de uma rotao. No adivinhava o autor da frase quantoisso mesmo e muito mais viria a suceder e a generalizar-se pouco mais decinquenta anos depois.

    A conquista do espao exterior foi inaugurada em Outubro de 1957, com olanamento do primeiro Sputnik, apenas com instrumentos diversos de mediode caractersticas fsicas da atmosfera. Quase seis anos depois, em Abril de1961, Yuri Gagarin foi o primeiro homem no espao ainda desconhecido,abrindo-se assim o caminho para outras experincias, que tiveram comomomento culminante a primeira descida do homem na Lua. A 21 de Julho de1969 o astronauta Neil Armstrong podia dizer a frase que marcou o memorvelevento: Thats one small step for a man, one giant leap for humanity.

    Pela primeira vez o homem via o seu planeta e a atmosfera envolvente apartir de vrios pontos da esfera celeste. As fotografias (orbitais) a cores feitaspelos astronautas das misses Gemini de 1965 e 1966 introduziram novos argu-mentos para as discusses em torno do conceito de paisagem. Mais impres-sionantes, porm, foram as sries de imagens fornecidas desde 1972 pelossensores dos satlites Ersts/Landsat, registando no s valores de energiaemanada pelos corpos da superfcie terrestre (terras e guas, formas de relevoe estruturas geolgicas, coberturas pedolgicas e vegetais, reas desrticas,quer geladas, quer arenosas e rochosas, campos cultivados, grandes aglome-raes urbanas, etc.), em diversos comprimentos de onda (domnios espectraisdo ultra-violeta ao UHF), mas tambm aspectos de uma determinada rea dasuperfcie do globo em vrios momentos ou tempos.

    Mostraram assim que s trs dimenses tradicionais de qualquer fenmenogeogrfico tinha de se juntar uma quarta: a energtica. E com esta foi a prprianoo de espao que se modificou. Evidenciaram, o que j se sabia, mas agorade forma mais expressiva e quantificvel, as modificaes das paisagens nodecorrer do tempo. No h realidades fixadas eternamente. Permitiram que,pela primeira vez, tivssemos meios para monitorizar e avaliar as nossas inte-races com a natureza em todas as suas inumerveis ramificaes.

    Hoje o mundo todo a nossa unidade de pensamento e aco. Nada podedesenvolver-se em isolamento: as alteraes numa paisagem produzemreaces nas outras vizinhas. Esta nova conscincia de mudana da realidade ,porventura, um dos maiores triunfos da conquista do espao.

    Em tempos de caminhada veloz da construo da sociedade dita da infor-mao, vista esta e a comunicao como factores essenciais de mudana, como

    o sistema nervoso das sociedades contemporneas, lembro, sem juntar quais-quer comentrios, os conceitos que se formulam de ciberespao e de ciber-tempo, h muito passados da fico cientfica para a investigao cientfica esua aplicao.

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