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REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO 7(1) | P. 341-352 | JAN-JUN 2011 341 : 13 T ratando-se de um livro hetero- doxo, como é o The New Global Economy and Developing Countries – making openness work, de Dani Rodrik, talvez uma maneira aceitável de iniciar uma resenha seja justamente apresen- tando o argumento de outros autores. Não por nenhum lampejo de erudição estéril, mas apenas para aproximar o debate proposto por Rodrik de algu- mas outras abordagens com as quais seu argumento é convergente. Por estes meios, acredita-se que, se, ao menos, a resenha não se tornar consis- tente, o autor, que não é economista, estará protegido, já que as suas referên- cias iniciais serão justamente trabalhos de dois professores de Direito, com os quais Rodrik tem apresentado um fér- til diálogo: Charles Sabel e Roberto Mangabeira Unger. Pois bem, em uma conferência, ocorrida em 2004, sobre a ética protestan- te e o espírito do capitalismo, o historiador econômico e professor da Columbia Law School, Charles Sabel, apresentou um instigante paper a respeito das estratégias bem sucedidas de crescimento econômi- co. A tese do autor é de que os países detentores de trajetórias exitosas de Mario Gomes Schapiro AMARRANDO AS PRÓPRIAS BOTAS DO DESENVOLVIMENTO: A NOVA ECONOMIA GLOBAL E A RELEVÂNCIA DE UM DESENHO JURÍDICO-INSTITUCIONAL NACIONALMENTE ADEQUADO doing up the development shoelace: the new global economy and the relevance of a judicial-institutional sketch nationally suitable RESENHA RODRIK, DANI. The New Global ecoNomy aNd developiNG couNTries: makiNG opeNNess work. WASHINGTON: OVERSEAS DEVELOPMENT COUNCIL, 1999.

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Tratando-se de um livro hetero-doxo, como é o The New GlobalEconomy and Developing Countries

– making openness work, de Dani Rodrik,talvez uma maneira aceitável de iniciaruma resenha seja justamente apresen-tando o argumento de outros autores.Não por nenhum lampejo de erudiçãoestéril, mas apenas para aproximar odebate proposto por Rodrik de algu-mas outras abordagens com as quaisseu argumento é convergente. Porestes meios, acredita-se que, se, aomenos, a resenha não se tornar consis-tente, o autor, que não é economista,

estará protegido, já que as suas referên-cias iniciais serão justamente trabalhosde dois professores de Direito, com osquais Rodrik tem apresentado um fér-til diálogo: Charles Sabel e RobertoMangabeira Unger.

Pois bem, em uma conferência,ocorrida em 2004, sobre a ética protestan-te e o espírito do capitalismo, o historiadoreconômico e professor da Columbia LawSchool, Charles Sabel, apresentou uminstigante paper a respeito das estratégiasbem sucedidas de crescimento econômi-co. A tese do autor é de que os paísesdetentores de trajetórias exitosas de

Mario Gomes Schapiro

AMARRANDO AS PRÓPRIAS BOTAS DO DESENVOLVIMENTO: A NOVA ECONOMIA GLOBAL E A RELEVÂNCIA DE UM DESENHO

JURÍDICO-INSTITUCIONAL NACIONALMENTE ADEQUADO

doing up the development shoelace: the new global

economy and the relevance of a judicial-institutional

sketch nationally suitable

RESENHA

RODRIK, DANI. The New Global ecoNomy aNd developiNG

couNTries: makiNG opeNNess work. WASHINGTON: OVERSEASDEVELOPMENT COUNCIL, 1999.

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desenvolvimento são justamente aquelesque basearam as suas apostas em umdesenho institucional nacionalmenteadequado. A ideia força do artigo é bemtraduzida pela metáfora de seu título,Bootstrapping Development, cuja aproxima-da tradução seria: desenvolvendo-se porconta própria ou amarrando as própriasbotas do desenvolvimento1.

O argumento que Sabel desenvolveneste trabalho é uma fundamentada pro-vocação às proposições que se forjaramno mainstream internacional, desde mea-dos da década de 1990, acerca das corre-tas estratégias de desenvolvimentoeconômico e que são, via de regra, sugeri-das como medidas corretas a serem adota-das pelos países retardatários. Desde quefoi forjado um novo consenso teórico-prático entre policy makers, pesquisadorese representantes de órgãos multilate-rais de crédito, como o Banco Mundial eo Fundo Monetário Internacional2, aspropostas de um modelo nacional dedesenvolvimento foram encurraladas emantidas sob uma intensa artilharia de crí-ticas e condenações.

De fato, a partir dos anos 1990, asestratégias de organização econômicacentradas no protagonismo do Estado ena defesa dos interesses nacionais caí-ram em desuso no rol de políticasconsideradas corretas, muito emboratenham alicerçado o crescimento deboa parte dos países da periferia e dasemiperiferia, nas décadas de 1960 e1970. De 1990 em diante, as recomen-dações para a abertura da economiaassumiram o papel de timoneiro seguropara transição dos países até patamares

ótimos de desenvolvimento. Bastava aospaíses mais empobrecidos que eliminas-sem as barreiras tarifarias e nãotarifárias, controlassem o déficit públi-co, diminuíssem o tamanho do setorprodutivo estatal, por meio de privati-zações, e os maus resultados verificadosna década de 1980, supostamente atri-buídos ao fracasso das políticas desubstituição de importações, seriamplenamente equacionados. Em síntese,tratava-se da necessidade de se realizarreformas orientadas para o mercado,que seriam capazes de garantir a atraçãode investimentos diretos externos –IDE, de aumentar o fluxo de exporta-ções e assim prover melhoresresultados para o futuro das comunida-des nacionais.

A base destas reformas contava comum certo padrão institucional. É dizer, asrecomendações articuladas pelo novoconsenso, estabelecido por acadêmicos eformuladores de políticas públicas, nocenário internacional, seriam respalda-das por reformas institucionais no âmbitonacional, que dariam suporte a umaeconomia aberta e de fluxo comercialirrestrito. Tais instituições seguiam umpadrão, uma fórmula de tipo one size fitsall, que era difundida para diversos e dis-tintos países, como os da América Latina,da Europa Oriental, Ásia e África.

Esta fórmula geral cingia-se a cons-trução de novas alternativas institucionais,que resumidamente significavam a substi-tuição dos mecanismos jurídicos deintervenção do Estado na economia, atéentão prevalecentes, por um padrão deorganização econômica identificado pelo

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arquétipo do Rule of Law. No caso, estaexpressão não é utilizada no mesmo senti-do jurídico de Estado de Direito3, mas,meramente, em alusão a “regras do jogo”.Trata-se, na verdade, da descrição de umpadrão de atuação do Estado e do Direitono cenário econômico, segundo o qual, asinstituições jurídicas, como o contrato oua propriedade, se comprometem com adefinição das macrobalizas, ou das regrasgerais, do funcionamento dos mercados.

Trata-se, pois, de se reformar oambiente institucional com vistas a supri-mir os instrumentos de ação do Estado esubstituí-los por uma espécie de standardregulatório, vinculado ao programa maisamplo do Consenso de Washington, para oqual, o papel do Estado e do Direito égarantir a segurança jurídica, ou as “regrasdo jogo” para o ambiente de negócios. Ospróceres deste consenso julgavam que,uma vez conformado um espaço econô-mico seguro, as economias nacionaisestariam corretamente conformadas epreparadas para sustentar um ciclo ascen-dente de desenvolvimento econômico.

É justamente este o ponto da discór-dia de Charles Sabel. Para o autor, oequívoco das análises do mainstream esta-ria em assumir o padrão institucional doRule of Law como se fosse uma espécie dedotação natural de fatores, uma fórmulacorreta e única para a organização dosprocessos econômicos. Em outros ter-mos, haveria nestas análises e proposiçõesreformistas de Washington, aquilo queRoberto Mangabeira Unger4 - um dosinterlocutores de Sabel e de Rodrik -designa como um fetichismo institucio-nal: uma crença de que haveria um leque

limitado de alternativas institucionaisadequadas e portadoras da capacidadede promover mercados eficientes, detal modo que, uma vez de posse destearcabouço, os países assumiriam rigo-rosamente uma rota proeminente decrescimento.

Na realidade, argumenta Sabel, se éinegável que o arranjo institucional éuma variável dos processos de desenvol-vimento, é absolutamente controversa anoção de que há um único padrão deorganização econômica adequada –transplantável para os mais distintos paí-ses. A rigor, o sucesso ou insucesso dospaíses está associado à sua capacidade dedesenhar um marco institucional articu-lado e adequado a cada contextoparticular. Desta maneira, os arranjosinstitucionais seriam, a um só tempo,capazes de incentivar as atividades eco-nômicas nacionais e seriam produto doambiente histórico, social e cultural. Nolimite, a imagem de se amarrar as pró-prias botas, para então poder caminhar,reúne a ideia de que a organização doespaço econômico responde às vicissitu-des nacionalmente construídas e, por talrazão, as instituições pressupostas sãolocalmente customizadas.

Para ilustrar a sua tese, Sabel argu-menta que deve se passar no âmbito dasinstituições conformadoras do mercadoo mesmo processo de aprendizagem eadaptação que se passou na técnica deprodução industrial de automóveis.Lembra o autor que, a criação do siste-ma de produção just in time (ou padrãotoyotista), no Japão, foi um típico casode adequação empresarial à realidade

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nacional. Carentes dos mesmos patamaresde acumulação de capital para inversão deque dispunha a americana Ford Motors, osempresários japoneses não podiam apos-tar numa linha de produção de tipofordista, que implicava um elevadíssimoinvestimento em estoques de peças, parasustentar o padrão de produção em série.Esta dificuldade inicial foi contornadacom um novo padrão de organizaçãoindustrial, no qual a oferta de peças para amontagem dos automóveis era simultânea(just in time), o que evitava uma aplicaçãoexagerada de capitais em peças de esto-que. Com esta adaptação organizacional,não só o Japão pode constituir fábricasnacionais de automóveis, como suas fábri-cas fecharão o ano de 2006 vendendo maisautomóveis que a própria Ford no mer-cado americano. A moral desta históriaé clara: os países devem ter capacidadede aprendizagem e manufaturarem ins-tituições adequadas ao seu processoeconômico, para assim galgarem posiçõespositivas na corrida internacional.

Pois bem, esta história de chão defábrica e o resumo do argumento de Sabelapresentam-se como uma boa referênciapara se analisar um livro de um de seusmais relevantes interlocutores acadêmicos– o provocador e economista heterodoxo,Dani Rodrik. Em seu livro de 1999, inti-tulado The New Global Economy andDeveloping Coutries – making opennesswork, o professor de Harvard, vai justa-mente dialogar com os pretensoscânones atuais da economia do desenvol-vimento. Assumindo a premissa normativado mainstream de que as economias atuaisdevem funcionar de maneira aberta,

Rodrik discute o quanto de falacioso hána causalidade apontada pelo sensocomum, segundo o qual, uma vez garan-tidas as instituições reguladoras daabertura econômica, tudo o mais e demelhor viria a reboque. Ao inverter osinal deste vetor, Rodrik, assim como oseu parceiro intelectual Charles Sabel,acentua o papel das estratégias singular-mente nacionais e consequentementedos mecanismos nacional-específicos deorganização econômica. Em última aná-lise, mostra Rodrik, não é a aberturacomercial e a aderência ao padrão regu-latório internacional que garantecrescimento. É justamente o oposto: acapacidade de se despertar crescimentointerno leva as economias nacionais a umpatamar de desenvolvimento, cuja con-sequência é um percurso de sucesso naeconomia global.

A partir destes elementos, a propostadesta resenha é apresentar o argumentodo livro de Dani Rodrik e, a partir disso,buscar alguma reflexão sobre a trajetóriarecente do desenho institucional brasilei-ro. Para tanto, este trabalho está divididoem outras duas sessões, a próxima apre-sentará a tese do livro de Rodrik e, ainda,fará algumas referências sobre o padrãoinstitucional do Brasil, e a última sessãoprocurará trazer uma conclusão.

2 A ABERTURA ECONÔMICA EA NECESSIDADE DE INSTITUIÇÕESNACIONALMENTE ADEQUADAS PARAIMPULSIONAR O DESENVOLVIMENTONão seria equivocado resenhar o livro deDani Rodrik, The New Global Economy and

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Developing Coutries – making openness work,buscando-se com isso responder à seguin-te questão: diante de uma economiaaberta, por que países, com semelhantescondições de largada alcançaram posiçõesdesiguais no pódio da corrida do desen-volvimento, ocorrida ao longo da décadade 1990?

Embora o autor não tenha formula-do esta questão, ao menos não destamaneira, o argumento do livro soa comouma precisa e desconcertante resposta.Precisa porque se baseia em estudoscomparados de mais 42 países (estudoscross countries) e leva em conta diversosindicadores, como nível de produtivida-de, renda e crescimento anual do PIB.Desconsertante porque mostra que ospaíses bem-sucedidos nestes indicadoresnão foram aqueles que seguiram as pres-crições recomendadas pela vertentehegemônica de pensamento social sobredesenvolvimento econômico. O livroenfim é um justo reconhecimento aospaíses rebeldes.

Até então, perdurava, sem muita opo-sição teórica, a noção de que a abertura daeconomia e a integração dos mercadoseram, não só inevitáveis, como desejáveis.As apostas de desenvolvimento autárqui-co, isto é baseadas em estratégiasnacionais e fechadas à competição inter-nacional, eram identificadas comoultrapassadas e inadequadas. De acordocom as análises do (daquilo que Rodrikidentifica como) mainstream, os modelosde crescimento sustentados por políticasde proteção de mercados e de substituiçãodas importações, como registrado noBrasil, entre 1950 e 1990, foram mal

sucedidos, já que impediam o fluxo decomércio e assim não colaboravam paragarantir uma razoável captação de recur-sos externos, seja via investimento diretoexterno, seja via exportações.

O argumento ortodoxo, aliás, pare-ce até razoável, já que se tratam depaíses em desenvolvimento e como tais,acometidos da falta de recursos parainvestimentos. A superação desta intrin-cada situação passaria, então, pela buscaincessante de divisas estrangeiras, para oque seria necessária uma organização daeconomia voltada predominantementepara fora (outward orientation). De mais amais, diriam os partidários do consensoforjado em Washington, os países daperiferia, sobretudo, os latino-america-nos ao apostarem em estratégiasendógenas de desenvolvimento, como aspolíticas substitutivas de importações,comprometeram a produtividade de suaseconomias, que por serem fechadas nãoacompanhavam o ritmo da competitivi-dade internacional.

Como se sabe, o fundamento últimodesta avaliação repousa sobre a noçãoricardiana das vantagens comparativas, oque significa dizer que o comércio inter-nacional deteria como predicado apotencialidade de articular ganhos paratodos os players5. A manutenção dos pre-ços relativos corretos, isto é, isentos deintervenções regulatórias artificiais, per-mitiria que os países retardatários seespecializassem nos ramos nos quais sãonaturalmente competitivos, o que lhesfacultaria a capacidade de atração deinvestimentos e de geração de recursosvia trocas internacionais.

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De posse das certezas deste diag-nóstico conceitual e diante da criseeconômica que se arrastava desde mea-dos dos anos 1980, em diversos paísesem desenvolvimento, principalmente,naqueles do continente americano, osdiversos governos nacionais não hesita-ram em atender às recomendações domainstream internacional. O rol demedidas liberalizantes foi ampla e difu-samente aplicado, por meio dereformas institucionais extensas. Asempresas públicas foram privatizadas, apolítica fiscal e orçamentária foi rigida-mente disciplinada e, mais que tudo, asbarreiras tarifárias e não tarifáriasforam cortadas.

A esse respeito, e só à título de exem-plo, a tabela abaixo apresenta o ritmo deabertura econômica ocorrida no Brasil.Em 1991, o Ministério da Fazenda, pormeio da Portaria 58, de 31 de janeirode 1991, estabeleceu uma reforma tari-fária, indicando uma ampla e substancialredução das tarifas de importação, oque ocorreria até o ano de 1994. EstaPortaria, por sua vez, veio a ser substi-tuída pela Portaria 131/92, que reviu oprazo inicialmente estipulado, estabele-cendo, então, que a redução tarifáriaocorreria até 1993 e 1994 – o que de fatoveio a ocorrer6. Pode-se perceber que noprazo de dois anos, a média de tarifas deimportação caiu pela metade.

Mesmo assim, e adotando diversasoutras medidas do pacote de “boas prá-ticas”, como, por exemplo, a privatizaçãode mais de 37 grupos empresariais esta-tais, a retração da política industrial,como meio de evitar os rent-seekers, aconstituição de marcos regulatórios

estáveis para a atração de capital externo,a implementação de uma reforma geren-cial para reduzir os custos da máquinapública, entre outros, o Brasil, ao finalda década de 1990, passava por umacuriosa situação: em comparação compaíses como a Coreia do Sul, crescera

TABELA 01. EVOLUÇÃO DAS TARIFAS DE IMPORTAÇÃO

DATAS MÉDIA MEDIANA INTERVALO DESVIO PADRÃO

1990 32,2% 30 0-105 19,6

FEV/1991 25,3% 25 0-85 17,4

JAN/1992 21,2% 20 0-65 14,2

OUT/1992 16,5% 20 0-55 10,7

JUL/1993 14,9% 20 0-40 8,2

DEZ/1994 11,2% 9,8 0-24 5,9

DEZ1995 13,9% 12,8 0-55 9,5

Elaborada por David Kupfer7

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menos naquele período em que as “boaspráticas” de desenvolvimento foramaplicadas do que no contexto anterior,

em que vigeu o modelo endógeno dedesenvolvimento. A tabela abaixo apre-senta estes dados.

Aliás, não deixa ainda de ser inte-ressante notar que o volume deinvestimentos no setor produtivo brasilei-ro decresceu desde a década de 1970,período no qual o país apostou nas “práti-cas ruins”. O período 1972-1980 foi o queregistrou maior volume de investimentos,

ao passo que o período 1988-1993 res-pondeu pelas menores taxas de inversões.Somente no biênio 1995-1997 é que ataxa de investimentos na indústria voltoua ser a mesma que a verificada entre 1981e 1988, mas ainda inferior à da década de1970, como indica a tabela abaixo.

São situações como estas, dentre tan-tas outras, que RODRIK procura explicarem seu livro. Para tanto, o autor inverte acausalidade de fatores sustentada pelaabordagem ortodoxa. A rigor, não seria a

abertura econômica e a articulação deuma internacionalização da economia queper se responderiam pelo êxito ou fracas-so de determinadas nações. Na realidade,as economias de países emergentes que

TABELA 02. DESEMPENHO ECONÔMICO COMPARADO – BRASIL E COREIA DO SUL

BRASIL COREIA DO SUL

TAXA MÉDIA ANUAL DO PERÍODO 1950-1980 6,5% TAXA MÉDIA ANUAL DO PERÍODO 1950-1979 6,5%

TAXA MÉDIA ANUAL DO PERÍODO 1981-2000 1,6% TAXA MÉDIA ANUAL DO PERÍODO 1980-2000 5,4%

Elaborado por Luciano Coutinho8, com base em fontes nacionais, BIRD e FMI

TABELA 03. INVESTIMENTO INDUSTRIAL COMO PERCENTAGEM DO PIB(preços constantes de 1980)

PERÍODO % DO PIB

1972-1980 4,5

1981-1988 3,2

1988-1993 2,2

1995-1997 3,2

Fonte: David Kupfer9

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obtiveram ganhos no comércio inter-nacional foram aquelas que já seencontravam em um patamar adequa-do de desenvolvimento nacional. Emúltima análise, não seria a aposta namundialização o fator determinante dodesenvolvimento, mas a definição nacio-nal de uma trajetória de desenvolvimentoé que provoca uma corrida para a conquis-ta dos mercados internacionais.

A constatação do estudo de Rodrik éque o decisivo para o crescimento dospaíses investigados foi a definição e aimplementação de um desenho de insti-tuições que desse conta de duasatribuições:

i. a ampliação no nível deinvestimento privado e,ii. o gerenciamento dos conflitos distributivos.

Com relação ao impulso do investi-mento privado, é preciso ter em contaque esta é uma não questão para os pos-tulados da economia neoclássica, quesustenta, em última instância, as análisese recomendações do mainstream. Paraeconomia marginalista, assentada noindividualismo metodológico, o meca-nismo de mercado é assumido como umleilão, de tal modo que os preços são omeio de comunicação entre os ofertantese os demandantes. Supostamente, todasas demandas individuais serão sempreatendidas, já que acarretarão uma remu-neração justa para o produtor, que entãose dedicará à produção destes bens. Porextensão, ausente a noção de falha demercado, se passaria o mesmo com bens

de fruição coletiva, já que a busca dointeresse pessoal leva toda a comunidadea uma situação de prodigalidade.

Concretamente, isto significa que,por meio do mecanismo de mercado, aeconomia como um todo tende a umfuncionamento adequado. No entanto,esta não questão se torna um efetivoproblema para aquelas economias queteimam em escapar da tipologia científi-ca. Os países em desenvolvimentoapresentam falhas histórico-estruturaisem suas economias e, como lembraRodrik, nestes países verificam-sesituações em que a rentabilidade de uminvestimento privado muitas vezes nãocorresponde à sua demanda. Noutrostermos, a carência de recursos dispo-níveis nestes países e a ausência deempreendedores com larga capacidadede investimento faz com que inversõesnecessárias deixem de ser realizadas, jáque se mostram desinteressantes para oinvestidor. Em situações como esta, ospreços de mercado não são bons comu-nicadores e a sua defesa intransigente sógarante a inércia destas economias.

Não por outra razão que uma trajetó-ria de crescimento deve contar com umarranjo institucional capaz de articularganhos econômicos, ainda que artificial-mente, para aqueles investimentosrelevantes para o país. Os países emdesenvolvimento bem sucedidos, comoos tigres asiáticos, se esquivaram de man-ter os preços certos (definidos somentepelo jogo do mercado) e apostaram naintervenção do Estado para garantirretornos econômicos que não seriam pro-vidos pela lei da oferta e da procura.

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Em suma, o crescimento econômicoancora-se nas taxas de investimentonacional, que, em algumas situações, senão estimuladas, não ocorrem por contae risco da classe capitalista. O gargalo docrescimento, portanto, está em definirmecanismos regulatórios e políticas quesejam capazes de alavancar a capacidadede investimento nacional.

Estes argumentos tornam-se bastantepalpáveis com a comparação exemplifica-tiva que Rodrik faz entre doisparadigmas: o grupo dos rebeldes, Coreiado Sul, Singapura e Taiwan, com o bemcomportado Hong Kong. O grupo dosrebeldes contava com baixas taxas deinvestimento e a superação deste obstá-culo contou fortemente com o Estado,que orientou a alocação dos recursos,via créditos, como na Coreia do Sul, ouvia incentivos tributários, como emTaiwan, e assim articulou retornos eco-nômicos que incentivaram o aumento domontante de investimentos. Por sua vez,Hong Kong portou-se bem e deixou queo mercado funcionasse pelas suas pró-prias pernas. Isso desconfirmaria a tesede Rodrik? De modo algum diz o autor:Hong Kong, à distinção dos demaistigres, já contava com um patamar deinvestimentos privados nacionais eleva-dos, de tal modo que a participaçãoalavancadora do Estado era desnecessá-ria, diferentemente do que se passavacom os outros países da região. Nos ter-mos de Rodrik:

For countries with a well-established entrepreneurial classand an investment rate already at

or above, say, 25 percent, thispresumption may well be right. But for poorer countries with lowlevels of private investment andnondiversified production structures,more is likely to be needed. Thelesson from East Asia is clear: thethree East Asia ‘dragons’ with lowinvestments rates in the early 1960s– South Korea, Taiwan and Singapore– would not have been nearly assuccessful had their governments not given capital accumulation a big push by subsidizing, cajoling, and otherwise stimulating privateinvestors10.

Apesar de que a citação de Rodrikfaz explícita referência ao período inicialde desenvolvimento destes países, é con-veniente lembrar que o padrão deengajamento do Estado se manteve ativonestes países mesmo nos anos 1990. Atéo insuspeito Banco Mundial, em seurelatório de 1997, The East Asian Miracle,reconheceu as virtudes da configuraçãoinstitucional de países como a Coreia,que até os dias atuais define planos quin-quenais de desenvolvimento.

Em reforço a este ponto, algunsestudos recentes sobre os países emdesenvolvimento, igualmente sobre oleste asiático, têm chamado a atençãopara o fato de que nestas economias temsido relevante o papel do Estado comoparceiro do desenvolvimento. Em seucomentado livro sobre a Coreia do Sul,Alice Amsden11, por exemplo, argu-menta que a hipótese schumpeteriana,de que o desenvolvimento seria gerado a

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partir das inovações tecnológicas desen-volvidas pelos empresários inovadores,não é valida para os países da periferiaeconômica. Isto porque, o que qualificaestes países é a baixa capacidade empre-sarial de investir em progresso técnico,o que demanda um maior envolvimentodo Estado como indutor do desenvolvi-mento. Segundo a autora, a tarefa paraos Estados de países subdesenvolvidosextrapola a conformação do mercado(market conforming paradigm). Na realida-de, a evidência histórica coreana permiteconcluir que o desenvolvimento dependede uma atuação estatal verdadeiramentegeradora de mercado (market augmentingparadigm). Nas palavras de Amsden:“Growth in late-industrializing countriesdepends on government intervention toaugment supply and demand.”12

Da mesma forma, Ha Joon Chang13,ao reconstruir o conceito de um Estadoenvolvido no desenvolvimento econômi-co - o Developmental State -, faz referênciaà distinção existente nos processos deacumulação das economias periféricas emrelação às centrais, o que reclama, para oautor, uma distinta participação doEstado nestes processos econômicos. Taisdistinções partem do fato de que os paí-ses em desenvolvimento padecem defalhas econômicas estruturais, tais como:(i) a falta de volume de capital necessáriopara constituir as escalas necessárias paracompetitividade internacional; (ii) adefasagem entre o nível de acumulaçãointerna e o padrão de acumulação dasnações desenvolvidas; (iii) a ausência deagentes capitalistas com capacidadeempreendedora e (iv) presença de um

acentuado gap tecnológico. O resultadoobtido é o de uma situação econômicaentravada, em que a atuação privada nãoé suficiente para dinamizar a economia. Aseguinte passagem de Chang resume oseu argumento:

The developmental process require more than what I have justdecribed-namely, coordinating asimultaneous move from a low-equilibrium to a high equilibriumstate. This is because economicdevelopment, as Albert Hirschmansaid a long time ago in his critiqueof Big Push models, “depends notso much on finding optimalcombinations for given resourcesand factors of production as oncalling forth and enlisting fordevelopment purposes resourcesand abilities that are hidden,scattered, or badly utilised.14

A outra missão institucional assina-lada por Rodrik é relativa ao gerencia-mento dos conflitos distributivos. Deacordo com o autor, paralelamente àsestratégias de alavancagem do investi-mento privado, a capacidade de adminis-tração do conflito distributivo é umatarefa de relevância. A suposição querespalda esta abordagem é a de quequanto pior o estado da arte da distribui-ção da renda, menos estáveis se tornamos países e, assim, mais propensos amedidas econômicas que podem gerarum desequilíbrio macroeconômico. Umdesarranjo desta natureza, por sua vez, édeletério para o ambiente de negócios, e

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acaba impactando a disponibilidade deinvestimentos privados.

Portanto, o desenho institucionaldeve ter como tarefa a construção de umespaço de democracia materialmenteestável – única forma de se evitar pres-sões e desequilíbrios contraproducentespara o ambiente de investimentos.

CONCLUSÃOEmbora se trate de uma resenha, talvezseja interessante afirmar alguns pontoscomo uma conclusão. O primeiro delesé demonstrar a convergência entre asanálises de Sabel e de Rodrik, quanto àdesconfiança das fórmulas de tipo one sizefits all. Fórmulas estas que se baseiam, nomais das vezes, na defesa de mercadosseguros e abertos como meios de alcançaro desenvolvimento. Contra esse reco-mendacionismo, Sabel argumenta emfavor da capacidade de aprendizado insti-tucional e da customização nacional dosaparatos organizativos.

Essa defesa de Sabel é apoiada e inten-sificada pelos argumentos de Rodrik, que,

basicamente sustenta dois pontos: (i) avinculação entre crescimento e estratégiasnacionais de investimento e (ii) a organi-zação de mecanismos de estabilizaçãosocial que previnam as turbulênciasmacroeconômicas. O contato entre osautores está no fato de que tanto a alavan-cagem de investimentos privados, como aadministração dos conflitos, demandaestratégias nacional-específicas de organi-zação econômica e não se resolve comfórmulas institucionais fetichizadas.

Os países bem sucedidos foram justa-mente aqueles que reconheceram as suasfraquezas e foram capazes de delinear umambiente propício ao investimento priva-do – do que resultou um crescimentosustentado e um bom desempenho naeconomia global. Por assim dizer, aquelesque amarraram as próprias botas dodesenvolvimento, ao invés de permane-cer na condição de expectador dastendências internacionais, deram passosmais largos e mais consistentes. É o casoda Coreia do Sul, de Taiwan e deSingapura, mas não é o caso do Brasil e deboa parte da América Latina.

NOTAS

1 Vide SABEL, Charles. Bootstrapping Development:rethinking the role of public intervention in promoting grouth,paper apresentado na conferência Ética Protestante e oEspírito do Capitalismo, na Universidade de Cornell,mimeo, 2004.

2 A referência é ao que John Williamsondenominou por Consenso de Washington. Um conjunto de10 medidas acordadas pelos credores internacionais epelos formuladores de políticas públicas de entidadesmultilaterais, como o BIRD e o FMI, e que deveriam ser

AMARRANDO AS PRÓPRIAS BOTAS DO DESENVOLVIMENTO::352

REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO7(1) | P. 341-352 | JAN-JUN 2011

empregadas pelos países periféricos, sobretudo os latinos,como meio de solucionar a crise fiscal e econômica deseus Estados. As medidas eram: disciplina fiscal;reorientação de despesas orçamentárias; reformatributária; liberalização financeira; liberalizaçãocomercial; atração de investimentos diretos estrangeiros;privatização; desregulação econômica; fortalecimento dosdireitos de propriedade e viabilização de taxas de retornoeconômicas competitivas. Para mais detalhes, videWILLIAMSON, John. What Washington Means by PolicyReform, in WILLIAMSON, John. How Much Has Happened?,Washington DC, Institute for International Economics,1990, pp – 7-20.

3 Na tradição da teoria do direito e da teoria doEstado, a expressão Rule of Law é muitas vezes empregadapara traduzir o conceito de Estado de Direito, ou seja,uma específica forma de organização jurídica do poderpolítico, na qual o soberano está submetido à legalidade edeve respeitar direitos e garantias individuais. Trata-se,portanto, de um conceito mais abrangente do que outilizado pelo Banco Mundial, por exemplo. Para umaleitura do Rule of Law como “regras do jogo”, videTRUBEK, David. The Rule of Law in Development Assistance:past, present and Future, paper, mimeo, 2003, disponível emhttp://dev.law.wisc.edu//facstaff/trubek/ruleoflaw.htm,acesso em 16/10/2006.

4 Vide MANGABEIRA UNGER, Roberto. ODireito e o Futuro da Democracia, (Trad. Caio FarahRodriguez e Márcio Grandchamp) São Paulo, Boitempo,2004, pp – 18-21.

5 De acordo com David Ricardo, cada país deteriavantagens em um determinado ramo de atividade. Diantedisso, o caminho do sucesso passaria prioritariamente peloreconhecimento e pela concentração de esforços nestesnichos. O resultado seria um ganho econômico equalizadopara todos os países, já que naturalmente, sem qualquerintervenção artificial, cada nação produziria aqueles bensque lhe são mais pertinentes. Enfim, cada mercadonacional se especializaria naquilo que é o seu destinonatural, já que a economia resulta da espontaneidade das

forças privadas. Vide RICARDO, David. Princípios deEconomía Política y Tributación, Trad. Juan Broc, Nelly Wolffe Julio Estrafa, 1ª ed. Quinta Reimpressão, México, D.F,Fondo de Cultura, 1994.

6 Cf. SUZIGAN, Wilson & VILLELA, Annibal,Industrial Policy in Brazil, Campinas, Unicamp, 1997. pp -81-102

7 KUPFER, David. Trajetórias de Reestruturação daIndustria Brasileira após a Abertura e a Estabilização, mimeo,Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economiada UFRJ, 1998, disponível no site www.ufrj.br/ie

8 Vide COUTINHO, Luciano. Coréia do Sul e Brasil– paralelos, sucessos e desastres, in FIORI, José Luís (org)Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações, Petrópolis,Vozes, 1999, pp – 351-378.

9 KUPFER, David. A Indústria Brasileira após aAbertura, in CASTRO, Ana Célia et al. (orgs) Brasil emDesenvolvimento 1 – economia, tecnologia ecompetitividade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,2005, pp 202-231.

10 RODRIK, Dani. The New Global Economy andDeveloping Countries – making openness work, WashingtonDC, Overseas Development Council, 1999, p. 63.

11 Ver AMSDEN, Alice. Asia´s Next Giant - SouthKorea and Late Industrialization. New York, OxfordUniversity Press, 1989, pp - 139-155.

12 Cf. AMSDEN, Alice. Asia´s Next Giant… op. cit.pp - 139-155.

13 CHANG, Ha-Joon. The Economic Theory of theDevelopmental State in WOO-CUMINGS, Meredith. TheDevelopmental State. Cornell, Cornell University Press,1999, pp – 182-199.

14 CHANG, Ha-Joon. The Economic Theory of theDevelopmental State… op.cit. pp – 182-199.

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Mario Gomes SchapiroMESTRE E DOUTORANDO EM DIREITO ECONÔMICO PELA FACULDADE

DE DIREITO DA USP E PESQUISADOR DA FGV-EDESP