AMAZÔNIA ENCANTADA: ÉTICA AMBIENTAL E IDENTIDADE …

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ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 72 RESUMO O RELACIONAMENTO ENTRE ÉTNICA AMBIENTAL E SISTEMA AGRÍCOLA É ANALISADA NA AMAZÔNIA CENTRAL E OCIDENTAL COM O INTUITO DE AVALIAR INTERPRETAÇÕES DO ESTRUTURALISMO ECONÔMICO, DO MARXISMO, DA ECOLOGIA ESPIRITUAL E DA ECOLOGIA POLÍTICA. VISÕES ENCANTADAS DA NATUREZA SÃO COMUNS ENTRE A POPULAÇÃO TRADICIONAL DA AMAZÔNIA E REFLETEM SÉCULOS DE FUSÃO ÉTNICO-CULTURAL AMERÍNDIA E EUROPÉIA. UMA RICA TRADIÇÃO EXISTE SOBRE ENTIDADES ESPIRITUAIS DA FLORESTA E DOS RIOS POSSIBILITANDO DISCUTIR A TESE CENTRAL DA ECOLOGIA ESPIRITUAL QUE SUSTENTA QUE RELAÇÕES RECÍPROCAS ENTRE ESPÍRITOS E HUMANOS FUNDAMENTADAS NUMA VISÃO VITALISTA DA NATUREZA REPRESENTAM UM ESCUDO IDEOLÓGICO EVITANDO O DESFLORESTAMENTO E A DESIGUALDADE SOCIAL PROVOCADO PELA AGRICULTURA MODERNA. POSIÇÕES MARXISTAS E ESTRUTURALISTAS, POR SUA VEZ, CONSIDERAM VISÕES ENCANTADAS DO MUNDO COMO MERO EPI-FENÔMENO QUE É FATALMENTE ELIMINADO PELO PROCESSO DE CAPITALIZAÇÃO/MODERNIZAÇÃO RURAL A MANEIRA QUE OS FENÔMENOS NATURAIS SÃO CONTROLADOS PELA TECNOLOGIA. AS DIFERENTES TESES DA RELAÇÃO ENTRE ÉTICA AMBIENTAL E MODERNIZAÇÃO SÃO EXAMINADAS COMO A CRENÇA EM ESPÍRITOS DA FLORESTA E DOS RIOS E NO VITALISMO DA NATUREZA, O GRAU DE DOMESTICAÇÃO DA PAISAGEM E AS TENDÊNCIAS DE EQUIDADE SOCIAL VARIAM DE ACORDO COM O SISTEMA AGRÍCOLA PRATICADO POR COLONOS, RIBEIRINHOS E AMERÍNDIOS. CONCLUI-SE QUE A ABORDAGEM HOLÍSTICA DA ECOLOGIA POLÍTICA EXPLICA MELHOR O RELACIONAMENTO ENTRE ÉTNICA AMBIENTAL E TRANSFORMAÇÃO RURAL DO QUE INTERPRETAÇÕES DETERMINISTAS DE BASE TECNOLÓGICA OU IDEOLÓGICA SOBRE O PAPEL DA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO DESENCANTAMENTO DA VISÃO DO MUNDO. PALAVRAS CHAVES: ÉTICA AMBIENTAL, PAISAGEM CULTURAL, AMAZÔNIA. AMAZÔNIA ENCANTADA: ÉTICA AMBIENTAL E IDENTIDADE CULTURAL SCOTT WILLIAM HOEFLE ALÉM DA VISÃO DUALISTA DA CONSCIÊNCIA COLETIVA TRADICIONAL E MODERNA ____________________ O relacionamento entre identidade cultu- ral, modernização rural e ética ambiental é anali- sada na Amazônia Central e Ocidental com o in- tuito de avaliar interpretações do estruturalismo e darwinismo econômico, do marxismo, da ecolo- gia espiritual e da ecologia política. Visões en- cantadas da Natureza são comuns entre a popula- ção tradicional da Amazônia e refletem séculos de fusão étnicocultural ameríndia e européia. Uma rica tradição existe sobre entidades espirituais da floresta e dos rios possibilitando discutir a tese central da ecologia espiritual que sustenta que as

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ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200972

RESUMO

O RELACIONAMENTO ENTRE ÉTNICA AMBIENTAL E SISTEMA AGRÍCOLA É ANALISADA NA AMAZÔNIA CENTRAL E OCIDENTAL

COM O INTUITO DE AVALIAR INTERPRETAÇÕES DO ESTRUTURALISMO ECONÔMICO, DO MARXISMO, DA ECOLOGIA ESPIRITUAL

E DA ECOLOGIA POLÍTICA. VISÕES ENCANTADAS DA NATUREZA SÃO COMUNS ENTRE A POPULAÇÃO TRADICIONAL DA

AMAZÔNIA E REFLETEM SÉCULOS DE FUSÃO ÉTNICO-CULTURAL AMERÍNDIA E EUROPÉIA. UMA RICA TRADIÇÃO EXISTE

SOBRE ENTIDADES ESPIRITUAIS DA FLORESTA E DOS RIOS POSSIBILITANDO DISCUTIR A TESE CENTRAL DA ECOLOGIA

ESPIRITUAL QUE SUSTENTA QUE RELAÇÕES RECÍPROCAS ENTRE ESPÍRITOS E HUMANOS FUNDAMENTADAS NUMA VISÃO

VITALISTA DA NATUREZA REPRESENTAM UM ESCUDO IDEOLÓGICO EVITANDO O DESFLORESTAMENTO E A DESIGUALDADE

SOCIAL PROVOCADO PELA AGRICULTURA MODERNA. POSIÇÕES MARXISTAS E ESTRUTURALISTAS, POR SUA VEZ, CONSIDERAM

VISÕES ENCANTADAS DO MUNDO COMO MERO EPI-FENÔMENO QUE É FATALMENTE ELIMINADO PELO PROCESSO DE

CAPITALIZAÇÃO/MODERNIZAÇÃO RURAL A MANEIRA QUE OS FENÔMENOS NATURAIS SÃO CONTROLADOS PELA TECNOLOGIA.

AS DIFERENTES TESES DA RELAÇÃO ENTRE ÉTICA AMBIENTAL E MODERNIZAÇÃO SÃO EXAMINADAS COMO A CRENÇA EM

ESPÍRITOS DA FLORESTA E DOS RIOS E NO VITALISMO DA NATUREZA, O GRAU DE DOMESTICAÇÃO DA PAISAGEM E AS

TENDÊNCIAS DE EQUIDADE SOCIAL VARIAM DE ACORDO COM O SISTEMA AGRÍCOLA PRATICADO POR COLONOS, RIBEIRINHOS

E AMERÍNDIOS. CONCLUI-SE QUE A ABORDAGEM HOLÍSTICA DA ECOLOGIA POLÍTICA EXPLICA MELHOR O RELACIONAMENTO

ENTRE ÉTNICA AMBIENTAL E TRANSFORMAÇÃO RURAL DO QUE INTERPRETAÇÕES DETERMINISTAS DE BASE TECNOLÓGICA

OU IDEOLÓGICA SOBRE O PAPEL DA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NO DESENCANTAMENTO DA VISÃO DO MUNDO.

PALAVRAS CHAVES: ÉTICA AMBIENTAL, PAISAGEM CULTURAL, AMAZÔNIA.

AMAZÔNIA ENCANTADA: ÉTICA AMBIENTAL E

IDENTIDADE CULTURAL SCOTT WILLIAM HOEFLE

ALÉM DA VISÃO DUALISTA DA CONSCIÊNCIA COLETIVA

TRADICIONAL E MODERNA ____________________

O relacionamento entre identidade cultu-

ral, modernização rural e ética ambiental é anali-

sada na Amazônia Central e Ocidental com o in-

tuito de avaliar interpretações do estruturalismo e

darwinismo econômico, do marxismo, da ecolo-

gia espiritual e da ecologia política. Visões en-

cantadas da Natureza são comuns entre a popula-

ção tradicional da Amazônia e refletem séculos de

fusão étnicocultural ameríndia e européia. Uma

rica tradição existe sobre entidades espirituais da

floresta e dos rios possibilitando discutir a tese

central da ecologia espiritual que sustenta que as

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relações recíprocas entre espíritos e humanos de-

correntes de uma visão animista e vitalista da Na-

tureza representam um escudo ideológico evitan-

do o desflorestamento e a desigualdade social pro-

vocados pela agricultura moderna.

Ao mesmo tempo, pelo sul, chega a grande

fronteira de expansão agrícola na Amazônia Cen-

tral e Ocidental, trazendo produtores de outras

regiões do país que podem praticar a agricultura

comercial moderna, ter níveis de escolaridade mais

elevados e ser protestantes ou mesmo acreditar em

cosmologia materialista científica, muito aquém da

cosmologia encantada do catolicismo popular dos

ribeirinhos. Essa transformação, por sua vez, cha-

ma atenção a posições darwinistas, estruturalistas

e marxistas, nas quais visões encantadas do mundo

são consideradas meras crendices, epifenômenos,

que são fatalmente eliminadas pelo processo de

capitalização rural. Uma vez que o controle téc-

nico dos fenômenos naturais diminui risco ambi-

ental são superadas explicações tradicionais à base

de agentes sobrenaturais.

Contudo, na área de estudo, nem todos os pro-

dutores localizados ao longo das rodovias utilizam

tecnologia moderna e vários deles têm origem ri-

beirinha de forma que mesclam visões de mundo,

existindo vários graus de crença e descrença em

entes encantados. Assim sendo, uma abordagem

dualista que foca apenas as situações uma aborda-

gem dualista que foca apenas as situações extremas

– o ribeirinho tradicional versus o produtor moder-

no de commodities – ignora a complexidade socio-

ambiental presente na Amazônia e aponta conclu-

sões simplistas, senão equivocadas, sobre a relação

entre modernização e ética ambiental (indicadas

com marca de interrogação na Tabela 1).

TABELA 1 – A VISÃO DUALISTA DO DETERMINISMO TECNO-ECONÔMICO

Agricultura Tradicional Agricultura ModernaPopulação ribeirinha Imigrantes sulistasAgricultura de queimada de subsistência (?) Agricultura moderna de “commodities”Desmatamento limitado Desmatamento extensivoContato com áreas florestadas Substituição da flora e faunaPouco domínio de processos naturais -> riscoambiental (?)

Controle técnico da Natureza -> supera riscoambiental (?)

Baixa escolaridade Alta escolaridadeCatolicismo popular encantado (?) Protestantismo desencantado (qual?)Natureza animada-vitalista Natureza e religião secularizada (?)

Por outro lado, o presente estudo também

vida a superar a abordagem folclórica com base

etrnográfica, na qual o pesquisador “coleta” con-

tos entre um número restrito de informantes, con-

truindo o conto “típico” supostamente presente

na “consciência coletiva” da população, mas não

necessariamente presente na sua totalidade na

mente de indivíduos específicos. Este procedimen-

to é duramente criticado tanto pela corrente in-

terpretativa pós-modernista (Geertz 1973, Cli-

fford 1986) quanto pela corrente epidemiológica

neo-darwinista (Sperber 1996), por destilar o tal

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conto típico, estabelecendo o que as diferentes

variantes têm em comum, preenchendo as “lacu-

nas” e omitindo contradições e complexidade.

Assim sendo, o presente estudo explora como

uma abordagem regional, baseada numa metodolo-

gia qualitativa sistemática, pode abrange a variação

socioespacial, vista pela diferenciação em lugar de

origem, sistema produtivo utilizado, nível de esco-

laridade, faixa etária, gênero e afiliação religiosa,

elaborando um modelo complexo do processo de

desencanbtamento da ética ambiental na Amazô-

nia, muito aquém do determinismo tecnológico e

do determinismo ideológico.

MODELOS DE DESENCANTAMENTO DE VISÃO DO

MUNDO _________________________________

Existem dois modelos opostos para explicar a

relação entre transformação social e ética ambien-

tal: 1) o do Estruturalismo Econômico, Neo-Mar-

xista, e Neo-Darwinismo Econômico e 2) o da

Ecologia Espiritual (Figura 1). Ambos modelos são

deterministas, o primeiro privilegiando a inova-

ção tecno-econômica como causa única da trans-

fomação ambiental e social e o segundo destacan-

do a importância de mudanças ideológicas que

promovem a secularização da visão de mundo pe-

rante a Natureza.

O modelo que privilegia a modernização téc-

nica se inspira na literatura clássica marxista e em

uma vertente do pensamento weberiano da teoria

de organização econômica e social. A transfoma-

ção de áreas naturais florestadas em espaços agrá-

rios e urbanos produtivos é vista como um proces-

so de desenvolvimento da exploração dos recur-

sos naturais A desigualdade social ocorre em fun-

ção do surgimento de uma classe inovadora, de-

tentora dos recursos produtivos da terra, capital e

conhecimento técnico. Nesse caso, a seculariza-

ção ideológica envolve a substituição de religião

e outras visões do mundo fundamentadas em agen-

tes espirituais pela visão científica com base em

fatores materiais e técnicos que permite o contro-

le e domínio da Natureza (Aron 1981, Foster 1972

(1964), Hunter (1969), Marx 1952 (1869), We-

ber 1964 (1919-20) ).

A Ecologia Espiritual se inspira em outra ver-

tente do pesamento weberiano: a da ética protes-

tante (Weber, 1970 (1904-5). Sucessivas reformas

religiosas, e finalmente, o surgimento da Ciência,

materialista e quantitativa, promoveram o desen-

cantamento ideológico que, em primeiro lugar,

elimina a crença nos espíritos da floresta e corta as

relações diretas com os espíritos do Além. Em

momento posterior, a educação universal promo-

ve a doutrinação das massas com uma visão cientí-

fica mecanista e reducionista que progressivamente

ridiculiza e finalmente elimina a “crença supersti-

osa” ou a transforma em “folclore” inócuo. Sem as

limitações espirituais nas relações com a uma Na-

tureza animista, surge a ética ambiental homocên-

trica, permitindo o desmatamento desenfreado. A

eliminação de normas e práticas sociais e intraco-

munitárias, como as limitações e obrigações mú-

tuas entre parentes e ancestrais, abre caminho para

valores e uso dos recursos de forma individualista,

estabelecendo uma ética ambiental egocêntrica,

que se associa à adoção de inovações tecnológi-

cas com base na acumulação do capital e na explo-

ração humana (Gottlieb 1996, Shneider, 1990,

Thompson, 1995).

O movimento transdisciplinar da Ecologia

Política, por sua vez, surge com uma posição

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teórica alternativa, rejeitando o determinismo

linear tecnológico e ideológico, em favor da

causalidade circular e interrelacionada, abran-

gendo, ao mesmo tempo, movimentos políti-

cosociais, ideologica, ética ambiental e sistemas

econômicos e suas instituições sociais. Dessa

forma, transformações ambientais e sociais po-

dem ocorrer através da modificação de qualquer

um dos componentes da cadeia de interrelações.

A exemplo, uma mudança técnica pode estimu-

lar movimentos políticos e sociais, ou, alterna-

tivamente, transfomações ideológicas podem

promover uma nova ética ambiental que, por sua

vez, provoca modificação técnica (Atkinson

1991, Merchant 2005, Pepper 2004, Zimmer

& Basset 2003).

FIGURA 1 - ÉTICAS AMBIENTAIS ENCANTADAS E DESENCANTADAS

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

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A abordagem da Ecologia Política, intergran-

do ambiente e cultura, sobressaídos principalmen-

te nas questões ideológicas e da ética ambiental,

pode ser fortalecida se integrada ao conceito de

paisagem cultural presente na geografia Cultural.

Assim sendo, pretende-se unir essas duas aborda-

gens da Geografia, aplicando as novas abordagens

sobre o relacionamento cutura-ambiente de auto-

res como Castree (2003), Claval (1999), Cosgro-

ve (2003), Philo e Wilbert (2000), Whatmore

(2000), Wolch et.a.lli. (2003). Nessa literatura, a

relação sociedade-natureza vai além da mera aná-

lise de impactos ambientais e sociais, explorando

o significado cultural do ambiente párea definir a

identidade humana perante a Natureza e a identi-

dade de diferentes grupos sociais entre si, defi-

nindo valores e a ética ambiental na apropriação

dos recursos e na convivência com o ambiente.

A PESQUISA QUALITATIVA SISTEMÁTICA DA ÉTICA

AMBIENTAL ________________________________

O presente estudo representa uma continua-

ção de trinta anos de pesquisa primária sobre o

relacionamento entre percepção ambiental e mo-

dernização em diferentes regiões do país. Através

dos anos os métodos de pesquisa mudaram de uma

abordagem etnográfica em direção a uma aborda-

gem qualitativa sistemática que visa a captar me-

lhor a variação socioespacial na relação entre se-

cularização da ética ambiental e a modernização

rural (Bicalho & Hoefle 2002, Hoefle 1983, 1990,

Hoefle, 2002).

Desde 1975 pesquisa-se mudança em sistemas

agrícolas e estilo de vida na Amazônia, tendo mais

de dois anos de trabalho de campo na região. Fo-

ram aplicados 527 questionários versando sobre

assuntos socioeconômicos junto a famílias de pro-

dutores e trabalhadores rurais em quinze municí-

pios do Estado do Amazonas, localizados em fren-

te de expansão agrícola ao longo de rodovias como

também em área de ribeirinhos, abrangendo uma

diversidade de produtores que pratica desde a agri-

cultura mais tradicional até a mais moderna. A par-

tir de 2005, a percepção ambiental também foi

pesquisa na Amazônia, aplicaram-se questionários

específicos sobre percepção espacial (n=48), et-

noagronomia (n=144) e ética ambiental (n=151)

em cinco áreas diferentes: 1) Humaitá e Lábrea,

2) Benjamin Constant e São Paulo da Olivença,

3) Itapiranga e Silves, 4) Parintis e 5) Manaus.

Humaitá está localizado na grande frente de

expansão agrícola ao longo das rodovias para onde

se direcionam imigrantes oriundos de regiões de-

senvolvidas do país, por via de Rondônia e do Mato

Grosso, do Nordeste, por via do Pará e Tocantins,

e da própria região. Assim sendo, o trabalho de

campo nesse município foi fundamental em fun-

ção da presença de grande diversidade de atores

sociais. Da mesma forma, vários produtores, ex-

plorando a horticultura moderna na periferia de

Manaus, chegaram de outras regiões do país ou de

áreas ribeirinha próximas, criando um complexo

quadro social. Por outro lado, a grande maioria

dos produtos de Benjamin Constant-São Paulo de

Olivença, Itapiranga-Silves e Parintis são ribeiri-

nhos ou ameríndios aculturados, presentes na

Amazônia de longa data, que praticam a agricul-

tura tipicamente campesina com orientação semi-

comercial ou de semisubsistência aos mercados

locais e regionais. Também há grande diversidade

cultural entre e dentro das cinco áreas de estudo,

de acordo com classe social, escolaridade, gêne-

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ro, faixa etária e afiliação religiosa, que permite

avaliar a influência de parâmetros culturais junto

com prática agrícola e origem regional na ética

ambiental.

A análise que segue é dividida em duas partes,

cada uma utilizando abordagem epistemológica

diferente. A primeira traça uma abordagem tipica-

mente interpretativa sobre o significado dos dife-

rentes espíritos e criaturas extraordinárias da flo-

resta e dos rios para definir identidade humana e

relações étnicas históricas na Amazônia. A princi-

pal diferença entre este estudo e outros do mes-

mo tipo, como por exemplo o de Slater (1994), é

o grande número de informantes entrevistados em

diferentes áreas da Amazônia, que permite intro-

duzir maior complexidade na análise.

A segunda parte do trabalho via a avaliar as dife-

rentes teses sobre ética ambiental e transformação

social. Para fazer isso, a abordagem teórica torna-se

mais empirista, senão racionalista, analisando as ten-

dências espaciais estatísticas da variação em crença e

descrença em entidades e forças espirituais, segundo

diferentes parâmetros socioambientais. Assim sendo,

a segunda parte representa uma ruptura com o trata-

mento etnográfico com ênfase em homogeneidade

cultural ou de sub-grupos culturais. Por causa da di-

versidade de atores sociais envolvidos, a necessida-

de de utilizar uma abordagem que capta a complexi-

dade cultural é bastante evidente em Humaitá, mas

veremos que esse procedimento também tem suas

vantangens nas outras áreas do estudo, que à primei-

ra vista aparentam “homogeneidade cultural”.

IDENTIDADE HUMANA E ÉTNICA _________________

Durante a pesquisa de campo quando os pro-

dutores “sulistas” foram perguntados sobre os espí-

ritos mato específicos da Amazônia, eles freqüen-

temente responderam que não sabiam de nada e

que seria melhor conversar com ribeirinhos, pois

estes os conheciam bem. Com isso, podemos per-

ceber como a visão do mundo encantada ou de-

sencantada reflete identidade regional. Além dis-

so, a aparência e o comportamento dos espíritos

expressam relações étnicas históricas, muitas ve-

zes identificando o ameríndio, e às vezes o negro,

como sendo menos humano, senão animalesco.

Assim sendo, a análise de contos sobre espíri-

tos e criaturas extraordinárias da esfera natural re-

vela idéias sobre a identidade cultural – do huma-

no versus o animal – e a identidade étnica – do

colonizador versus o colonizado.

ESPÍRITOS E CRIATURAS EXTRAORDINÁRIAS DA FLORESTA

Curupira (às vezes chamada de caipora) é o es-

pírito da floresta mais conhecido. É considerado

o “chefe da floresta” ou a “mãe da floresta” e como

tal feminina. Ela mora na floresta virgem, em áreas

interfluviais e nas cabeceiras dos rios, onde mora

pouca gente, de forma que só caçadores têm con-

tato com este espírito. Curupira come fruta nativa

e caça animais como gente. Como protetora dos

animais, porém, ela pode atrapalhar a caça, fazen-

do com que o caçador se perca na floresta ou de-

sarmando suas armadilhas. Geralmente, a curupira

se limita a bater no caçador e nos seus cachorros

com golpes invisíveis ou jogar pedras neles. Em

alguns contos, porém um caçador é achado mor-

to, amarrado numa árvore e isso é atribuído à cu-

rupira.

Curupira é um espírito encantado porque tem

a capacidade de se tornar invisível, mas quando

visto tem a forma de uma pequena cabocla ou ame-

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ríndia, embora em alguns relatos seja um homem

negro. Sua aparência e comportamento misturam

traços animais com humanos e os traços humanos

são ameríndios. Ela não veste roupa, tem cabelo

cumprido que cobre a cara e tem pêlo no resto do

corpo. Seus pés são para trás e na Amazônia Oci-

dental ela tem um pequeno rabo. Curupira não

tem capacidade de fala e só faz sons guturais. As-

sim sendo, ela apenas tem uma “semelhança huma-

na” e como tal ocupa uma posição intermediária

entre gente e animais. Um homem cabeludo, que

fica muito tempo no mato e que vomita sua comi-

da recebe o apelido “curupira”, insinuando que tem

aparência e comportamento não-humanos: clássi-

ca metáfora animal-humana (cf. Urton 1985).

Curupira adora fumo de rolo e particularmente

cachaça que um caçador pode deixar no mato para

que, em troco, ela não atrapalhe a caça. Isso pode

ser interpretado como um ato de reciprocidade,

limitando a caça predatória, como nas teses da

Ecologia Espiritual. Apesar disso, nenhum entre-

vistado expressou conscientemente essa idéia, di-

ferentemente do que é encontrado na literatura

para ameríndios (Reichel-Dolmatoff 1976) ou em

pesquisa anterior encontrado em área de Mata

Atlântica (Bicalho e Hoefle 2002). Por outro lado,

a idéia está presente num relato do Inferno como

um lugar onde os condenados são obrigados a

comer a carne podre de todos os animais que ma-

taram acima de suas necessidades alimentares.

O mapinguari é outra criatura noturna da flo-

resta virgem, que é menos conhecida do que a

curupira. Tem uma aparência similar a esta, ao pon-

to que alguns informantes o identificam como o

parceiro da curupira. Contudo, o mapinguari é

muito maior e perigoso, pois, mata e come caça-

dores que se aventuram na floresta à noite. Além

disso, o mapinguari tem sua boca na barriga, uma

carcaça à prova de bala e só pode ser morto quando

se atira em sua boca no momento em que ele grita.

Essa criatura é considerada muito feia e fétida de

forma que uma pessoa com mau cheiro ou hábito

de sair a noite recebe apelido de “mapinguari”.

O juma também conhecido como o índio juru-

pari, é um indígena muito alto com cabelo cum-

prido, olhos feios e apenas um grande pé defor-

mado. Eles podem formar casais que vivem na mata

distante. Jumas vestem roupa ameríndia, um pano

para o homem e tanga de miçanga para a mulher,

ou eles simplesmente andam nus. Algumas pessoas

acham que juma pode falar enquanto outros acham

que não, mas todos afirmam que ele assusta caçado-

res na floresta com um grito que parece um disparo

de espingarda. Alguns informantes consideram juma

inofensivo porque só assusta pessoas ou cospe se-

mentes nelas. Outros, ao contrário, afirmam que

juma ataca e come gente como mapinguari.

Martin é um espírito invisível que se manifesta

como um vento repentino na floresta profunda.

Como é invisível, somente um apito alto sinaliza

que está por perto. Esse ente vaga na floresta sem

lugar fixo e é relativamente inócuo, pois, no má-

ximo, só causa susto quando dá um lambido em

algum caçador.

Relatos de saci pererê são raros na Amazônia

ribeirinha e são mais comuns à zona de expansão

da fronteira agrícola onde se encontram imigran-

tes do Sul e do Sudeste mesmo se estes raramente

acreditam na sua existência. As histórias em Hu-

maitá são típicas daquelas regiões: saci é caracteri-

zado como um pequeno menino negro com uma

perna que veste shorts vermelhos e um chapéu

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preto, fuma um cachimbo e monta cavalo. Contu-

do, Há alguns relatos que “misturam” entes. Um

agricultor em Humaitá o chamou de “martin pere-

rê” e deu uma descrição de curupira. Outro produ-

tor na periferia de Manaus disse que saci existia aí

no passado quando ainda havia mata no local. Sua

caracterização combinou a aparência de saci com

o comportamento de curupira de fazer pessoas se

perderem na floresta e de se alimentar de caça.

Assim sendo, no nível de diferentes relatos indi-

viduais, são encontradas transformações e inver-

sões clássicas de traços e comportamento que, na

abordagem de “consciência coletiva”, seria consi-

derada a confusão de diferentes mitos “típicos”.

ESPÍRITO E CRIATURAS EXTRAORDINÁRIAS DOS RIOS QUE SE

TRANSFORMAM EM HUMANOS

A crença em cobra grande é muito comum no

alto Amazonas e baixo Madeira, uma figura de

destaque nas apresentações do Boi Bumbá. Nos

relatos, a cobra grande é de cor preta e seu tama-

nho varia de 30 metros até mais de 200 metros.

Tem olhos vermelhos em brasa e ataca pescado-

res, engolindo a canoa com todos dentro. Alguns

informantes afirmam que a cobra grande tem a ca-

pacidade de transformar-se em mulher, subir na

terra e carregar criança de volta para o rio.

Certos botos vermelhos (como a cor rosa é

percebida na Amazônia) também têm a capacida-

de de tranformar-se em pessoas e subir na terra.

Um lindo jovem branco, vestido todo de branco,

aparece de repente numa festa à noite ou de fren-

te para mulher lavando roupa ou tomando banho

no rio no fim do dia e a encantada. Alternativa-

mente, o boto pode aparecer com cabeça de boto

e corpo de homem vestido apenas de sapato, de

raia na cabeça como chapéu e de peixe elétrico

como cinto. Diferentemente de puxinã, o golfi-

nho cinza (“preto” localmente) que pode ajudar

pessoas se afogando, o boto rasga rede e é visto

como malvado pois “faz mal” engravidando mo-

ças. Ele enfeitiça as mulheres de forma que elas se

rendem, pulam no rio e o acompanham até seu lar

no fundo do rio, de onde elas nunca voltam. Tam-

bém, botos podem assustar um pescador aparecen-

do subitamente com um osso ou caveira humanos

trazidos do fundo do rio.

Bem como os deuses da mitologia grega, o boto

serve para explicar uma gravidez indesejada. Este

tipo de gravidez pode resultar na mistura de espé-

cies e na barriga da mulher a criança se movimen-

ta como um peixe e faz barulhos de boto. Em um

caso, a mulher foi dar à luz no hospital municipal

onde o “pai” foi buscar seu filho, talvez acobertan-

do o fato de que a criança foi dada em adoção. A

maioria das pessoas é descrente da existência do

boto, pois soa como uma desculpa muito conve-

niente para explicar uma gravidez fora do casa-

mento. Alguns informantes brincaram dizendo que

o boto foi inventado para não pagar pensão à cri-

ança. De fato, a crença serve para evitar conflito

em pequenas comunidades ribeirinhas onde todos

são parentes e amigos, pois projeta o problema

para fora, para a figura do boto, que alguns protes-

tantes identificam com o demônio, sendo o único

espírito do mato que não é Deste Mundo.

A crença na iara e na sereia é rara nesta parte

da Amazônia, mas, quando existe, é inversa à do

boto. A sereia é uma mulher branca ou indígena

muito bonita com metade do corpo pra cima em

forma humana e outra metade em forma de peixe,

às vezes com é de pato. A sereia pode ser encon-

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trada nos rios, mas geralmente ela vive no mar. Ela

seduz pescadores e os carrega para sua moradia no

fundo do mar de onde não voltam mais. Como o

boto, a sereia também pode transformar-se numa

mulher inteira e subir na terra atrás de um homem

para carregar consigo. Assim sendo, a sereia e o boto

foram um par de invenções simbólicas com forte

conotação sexual. O boto é um homem branco ou

meio peixe que seduz as caboclas, e a serei é uma

mulher branca ou indígena que seduz os caboclos.

PESCADORES QUE SE TRANSFORMAM EM ANIMAIS E ESPÍRITOS

Uma visage ou visagem é um espírito ou vulto

na forma de fantasma de uma pessoa morta que

não se “salvou” (não foi ao Céu). Vestida de cami-

sola branca e sem cabelo, aparece e desaparece

repentinamente ao longo de uma trilha escura ou

em volta da casa, à noite, e a pessoa que a vê fica

imóvel, petrificada de medo. A visagem não cos-

tuma atacar gente, mas o susto é terrível. O vul-

to é a alma perdida de alguém que era mal e

agora vaga na solidão de um inferno terrestre,

uma idéia comum ao catolicismo popular do

Nordeste (Hoefle, 1997).

A transformação de homem em lobisomem é

outro tipo de castigo divino, nete caso para quem

nunca foi batizado. Logo antes da meia noite, na

Quarta-Feira de Páscoa, o pescador é transforma-

do numa espécie de porco ou cachorro horroro-

so, que é obrigado a correr sete freguesias, o que

na Amazônia não é fácil, considerando o tamanho

das freguesias. Na sua corrida, o lobisomem pode

parar para roer ossos velhos de animal ou peixe e

para comer crianças encontradas no caminho. Com

a aproximação de um lobisomem, os cachorros fi-

cam nervosos e começam a latir, mas não ousam

atacar a criatura. Se o lobisomem é surrado, ele

volta à forma humana e qualquer ferimento sofri-

do durante a corrida aparece no corpo no dia se-

guinte, confirmando as suspeitas que as pessoas

podem ter sobre o comportamento estranho de

um vizinho.

IDENTIDADE HUMANA E RELAÇÕES ÉTNICAS COLONIAIS

No nível mais geral, a diferença entre as cria-

turas extraordinárias e ambíguas, em um lado, e a

gente, no outro, serve para definir o que é huma-

no em termos de aparência física e comportamen-

to social. Curupira tem alguns traços humanos, por

exemplo, andar em dois pés ou adorar fumo e ca-

chaça, mas ela ainda é peluda, não veste roupa,

tem força super-humana e o poder de invisibilida-

de. Mapinguari parece um pouco com a curupira,

mas é muito grande, possui uma boca no lugar er-

rado e fede terrivelmente. Gente veste roupa, toma

banho todo dia e só caçadores saem à noite.

Todas as criaturas descritas nas seções acima

perpetuam atos violentos ou pregam brincadeiras

assustadoras em pessoas. Mapinguari e cobra gran-

de são predadores que podem atacar e comer gen-

te como uma onça. Curupira reina sobre os ani-

mais silvestres que o homem caça, ela é um rival e

sua violência contra um caçador pode resultar na

morte do mesmo, porém ela não chega a comer

gente. Lobisomens, por sua vez, são homens que

temporariamente assumem aparência e comporta-

mento animal, e que foram castigados por não

observarem exigências religiosas. Também a visa-

gem sofre infelicidade e desgraça por causa de

pecados perpetuados quando uma pessoa era viva.

Botos e sereias são criaturas que se transformam

temporariamente em gente para tentar pessoas

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 81

sexualmente, fazendo com que eles abandonem

suas famílias para viver numa moradia no fundo do

rio ou do mar. Alguns relatos sobre curupira pos-

suem um teor sexual. Neles, ela tenta capturar um

caçador para ser seu parceiro, porém, como ela é

feia demais para segurar um homem, este deve ser

amarrado em uma árvore para não fugir.

A crença em almas perdidas fecha o círculo na

relação entre gente e criaturas extraordinárias

quando alguns informantes afirmam que os botos

encantados são as almas perdidas de pessoas que

se afogaram. Uma alma perdida geralmente apare-

ce para pedir que alguém termine uma tarefa ina-

cabada na Terra, como, por exemplo, cumprir uma

promessa. Além disso, a alma perdida aparece por-

que quer levar um vivo junto para ter companhia

no seu inferno solitário. No caso de uma alma per-

dida em forma de boto, esse inferno seria sua mo-

radia no fundo do rio.

Num outro nível, criaturas encantadas repre-

sentam as relações históricas entre grupos étnicos

na Amazônia. O boto encantado é um jovem bran-

co e como tal é considerado bonito. Juma é um

ameríndio deformado e a curupira uma cabocla

peluda. Ambos moram na floresta como selvagens.

Saci é um negro que vive no mato. Tais criaturas

são imagens inversas do colonizador europeu his-

toricamente dominante no país. Em história ofici-

al e popular, o colonizador é o civilizado que des-

bravou os sertões do país e arregimentou os ou-

tros grupos étnicos para este processo, enquanto

as criaturas encantadas representam ameríndios e

africanos vivendo no mato por fora da sociedade

colonial de dominação européia. Informantes co-

mumente fizeram afirmações como, “Mapinguari é

um índio transformado” ou “Curupira é uma velha

índia que se mudou para sua forma atual”, ou ainda,

“Curupira dominou os índios bravos e transformou

eles em caboclos”.

Finalmente, no nível de grupos sociais definidos

por região de origem, crença e descrença em criatu-

ras encantadas separam a população local dos imigran-

tes que chegam de outras regiões do país. Quando

perguntados sobre espíritos do mato específicos da

Amazônia, os imigrantes respondiam professando sua

descrença ou simplesmente dizendo que não os co-

nheciam e que tais crenças eram típicas dos ribeiri-

nhos e não deles. Os imigrantes podiam, por ventura,

amenizar sua atitude perante aos ribeirinhos dizendo

que quando eram crianças no Sul ou no Nordeste es-

cutavam histórias sobre encantados lá, mas que nunca

os tinham visto. O produtor de fora podia ainda res-

ponder que simplesmente não acreditava em encan-

tados de qualquer tipo, em qualquer lugar.

IDENTIDADE REGIONAL, MODERNIZAÇÃO RURAL E

DIVERSIDADE CULTURAL ______________________

A ética ambiental é associada à identidade

social e existe uma sutil variação desde crença até

a descrença nos elementos de uma visão de mun-

do encantada, que agora será explorada através da

experiência socioespacial de diferentes indivídu-

os. A análise da ética ambiental aqui analisada é

divida em três dimensões: 1) a crença nos espíri-

tos do mato que fazem parte Deste Mundo e que

geralmente só afetam caça e a pesca, 2) a crença

na interferência de forças sobrenaturais do Outro

Mundo, no caso de Deus e do diabo, e Deste no

caso do olho gordo (mal olhado), que afetam a

saúde da lavoura, dos animais e da gente e 3) a

crença num mundo visto como vivo,que pode

impor limites éticos à exploração agrícola.

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200982

A atuação dos espíritos do mato perante as ati-

vidades humanas é tratada acima, de forma que aqui

só é preciso descrever a atuação das forças sobre-

naturais e o vitalismo. Na ajuda divina, Deus vem

auxiliar o agricultor que sofre problemas naturais

(praga, etc.). No dano diabólico, o Satanás causa

a morte da lavoura e dos animais ou leva pessoas a

agir por ele. O olho gordo, o olhar de uma pessoa

geralmente invejosa, causa morte de lavoura, ani-

mais e pessoas. Finalmente, no vitalismo, a terra e

água são consideradas vivas porque alimentam as

plantas e os animais e se movimentam de um lugar

para outro, tornando necessários cuidados com sua

força vital para manter a fertilidade e capacidade

de sustentar a vida.

À primeira vista, comparando a população de

origem local, ao lodo dos rios e das rodovias e de

outros estrados do Norte e do Nordeste, num lado,

com população oriunda de regiões mais desenvol-

vidas, como o Centro-Oeste, Sudeste e Sul, num

outro, o uso de sistema agrícola tradicional ou

moderno parece fundamentar a ética ambiental.

Informantes de produtores de regiões onde se pra-

tica a agricultura tradicional acreditam bem mais

nos espíritos da floresta e dos rios, na atuação de

agentes sobrenaturais e espirituais na agricultura e

no vitalismo da terra e da água do que indivíduos

que chegam do Centro-Sul, apontando para tese

do determinismo tecno-econômico da ética am-

biental (Figura 2, 3, 4).

Contudo o alto nível de descrença da popula-

ção oriunda da zona urbana da Amazônia mostra

que a situação é bem mais complicada e que talvez

outros fatores como nível de escolaridade e posi-

ção de classes seja mais importante do que o su-

posto controle técnico de risco natural para agri-

cultura moderna. Indivíduos de origem urbana são

particularmente descrentes dos espíritos dos rios,

mas muitas pessoas têm suas dúvidas sobre o boto,

o que faz cair o nível global de crença neste tipo

de espírito quando comparado com a crença nos

espíritos da floresta.

FIGURA 2 – CRENÇA NOS ESPÍRITOS DA FLORESTA POR ORIGEM REGIONAL

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 83

A variação de crença e descrença na interfe-

rência divina e diabólica e a interferência do olho

gordo na agricultura é muito forte, embora menos

para a visão vitalista da Natureza, também suge-

rindo a importância do nível de escolaridade do

entrevistado. Somente para o olho gordo foram

encontrados alguns comentários ligando a descren-

ça ao uso da técnica agrícola moderna.

Quando a crença é relacionada aos sistemas

agrícolas específicos, fica evidente a importân-

cia de classe social e nível de escolaridade (Fi-

guras 5, 6). Produtores ribeirinhos de fato acre-

ditam mais nos espíritos em função de seu baixo

nível de escolaridade, e não por causa de menor

controle de processos naturais. A relação de cren-

ça sobe e desce de acordo com a posição social –

se o entrevistado for produtor ou trabalhador –

e, portanto, de acordo com condição financeira

que possibilita acesso a níveis mais elevados de

educação.

FIGURA 3 – CRENÇA NOS ESPÍRITOS DO RIO POR ORIGEM REGIONAL

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200984

FIGURA 4 – CRENÇA EM AGENTES SOBRENATURAIS E VITALISMO POR ORIGEM REGIONAL

Fonte: Pesquisa de campo (2005)

Na verdade, as atividades agrícolas de produ-

tores ribeirinhos de terra firme envolvem menor

risco natural e do mercado, como também é o caso

de produtores tradicionais de alimentos e de pe-

cuaristas ao longo das estradas. Agricultores de

alimentícios plantam cultivos tradicionais à Ama-

zônia bem adaptados aos riscos ambientais da re-

gião. A mandioca, em particular, é raramente ata-

cada por praga e , em conseqüência, são utiliza-

dos poucos insumos modernos que aumentam os

custos de produção e os riscos de mercado. Não

se ganha muito dinheiro plantando mandioca, mas

pelo menos a safra e a colocação no mercado são

certas.

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 85

FIGURA 5 – CRENÇA NOS ESPÍRITOS DA FLORESTA POR SISTEMA AGRÍCOLA E AMBIENTE

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

Já os cultivos altamente comerciais envolvem

grande risco ambiental e de mercado. A produ-

ção de hortaliças e de grãos para exportação é

muito exigente no uso de insumos modernos de

alto cutos, que nem sempre resolvem proble-

mas com as pragas que aparecem com maior fre-

qüência nessas lavouras, que ainda são sujeitas à

grande risco de mercado que tem um fundo am-

biental. A soja em particular envolve grande ris-

co de mercado que tem um fundo ambiental. A

margem de lucro é muito apertada de forma que,

se qualquer variação climática a produtividade

não atingir patamar elevado, o produtor tem pre-

juízo um problema que pode ser ainda mais agra-

vado pela valorização do real frente ao dólar

americano.

O uso de tecnologia moderna tem sua influên-

cia sobre ética ambiental, mas a influência é indi-

reta. Na grande produção de grãos, o uso de tec-

nologia moderna provoca extensivo desfloresta-

mento e disparidade social, que, por sua vez, le-

vam à perda da tradição oral sobre os espíritos do

mato. O caso excepcional de um jovem, da peri-

feria de Parintins, que acredita nos espíritos ape-

sar de sua alta escolaridade nos dá pistas. Ele afir-

mou que os espíritos existiam no local no passado

quando a área ainda era mais florestada. Naquela

época seu pai teve contato com eles e lhe contou

histórias a seu respeito. Hoje não exsitem mais

localmente, mas ele acredita que ainda existem em

zonas florestadas afastadas da cidade. Podemos ver

como a domesticação da paisagem eliminou a

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200986

moradia dos espíritos, de forma que o rapaz não

teve contato direito e possivelmente não contará

as histórias para seus filhos, fazendo com que na

terceira geração, após o desmatamento, as históri-

as de espíritos da floresta sejam perdidas na tradi-

ção oral. Os informantes que somente escutaram

histórias de seus avôs frequentemente tinham pou-

co conhecimento detalhado sobre os espíritos e,

às vezes, apenas conheciam o nome, sem saber mais

nada sobre eles.

FIGURA 6 – CRENÇA EM AGENTES SOBRENATURAIS E VITALISMO POR SISTEMA AGRÍCOLA

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

Contudo, no caso da horticultura praticada na

periferia das cidades maiores, talvez a principal

causa do desflorestamento não seja a agricultura

moderna e sim a expansão urbana. A família do

próprio rapaz da periferia de Parintins citado aci-

ma estava, no momento da entrevista, loteando

partes de sua propriedade para vender para mora-

dores da cidade. Além disso, a horticultura prati-

cada em locais mais distantes da cidade não pro-

move desflorestamento porque é uma atividade

agrícola intensiva praticada em pequenas áreas. A

pecuária extensiva, por sua vez, não é moderna e

provoca extensivo desflorestamento na Amazônia.

A relação mais linear existe entre nível de es-

colaridade e descrença nos espíritos e no vitalis-

mo (Figura 7, 8). Desde o nível primário, alunos

aprendem que os espíritos são “folclore”, apenas

contos populares sobre entes que não existem,

mesmo que tenham valor recreativo. A partir do

segundo segmento do primeiro grau (o antigo

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 87

ginásio), são ministradas matérias de Biologia e

outras ciências naturais que instilam uma visão de

mundo materialista e mecanicista. Nessa visão do

universo, o fenômeno é dividido em matéria or-

gânica e inorgânica e só é admitida à existência

empírica de processos materialistas, não- espiri-

tuais, sendo o resto domínio de filósofos e teó-

logos, senão superstição. Quanto maior o nível

de educação dos informantes , quanto mais eles

respondiam com veemência que não acreditavam

em tais tolices e ainda ficavam irritados com o

pesquisador por ter duvidado de sua racionalida-

de. Com isso, vemos que um elemento da esfera

ideológica – educação formal – provoca a secu-

larização de outro elemento ideológico – a ética

ambiental.

FIGURA 7 – CRENÇA NOS ESPÍRITOS DA FLORESTA POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200988

FIGURA 8 – CRENÇA EM AGENTES SOBRENATURAIS E VITALISMO POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

Contudo, o processo de secularização entre os

entrevistados de maior escolaridade não é total,

como mostra o caso excepcional de um técnico

do serviço de extensão agrícola que, por sua for-

mação universitária, é ciente do fato de que não

devida acreditar na agência de Deus no mundo

material, mas que por sua forte religiosidade, con-

tinua acreditando. Ele ainda observou que existe

grande fé na região de forma que a secularização

que ocorre é seletiva e a religião convive com a

ciência pregada na educação formal.

Agora, mesmo tendo destacada a importância

da educação formal no processo de secularização,

é interessante notar que sua influência também não

é perfeitamente linear. As mulheres e os jovens

são as pessoas que mais estudam de forma que era

de se esperar que eles tivessem maior descrença

em relação aos espíritos, o que, de fato, não acon-

tece. Por todas as faixas etárias, a crença nos espí-

ritos do mato é equilibrada, em torno de 50% dos

espíritos da floresta e 25% para os dos rios. Os

jovens om menos de 30 anos acreditam menos na

agência de forças sobrenaturais do que os velhos

com mais de 70 anos, mas eles acreditam mais do

que os indivíduos de meia idade, refletindo a mai-

or escolaridade de alguns informantes nessa faixa

etária. As mulheres, por sua vez, acreditam mais

nos espíritoos do mato do que os homens, um

pouco menos na agência de forças sobrenaturais,

mas um pouco mais na visão vitalista da Natureza.

Finalmente, a questão de afiliação religiosa e

crença nos espíritos reforça a importância do ní-

vel de escolaridade (Figuras 9,10). Nas últimas

décadas, o catolicismo popular há séculos na Ama-

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 89

zônia, sofre perda de fiéis para os grupos protes-

tantes, cuja visão do mundo pode ser desencanta-

da, na qual os espíritos do mato são considerados

manifestações do Diabo. Contudo, os pentecos-

tais e os cruzistas (uma seita católica dissidente

das reformas vaticanas dos anos de 1960 que na

prática é próxima ao fundamentalismo protestan-

te) acreditam mais nos espíritos do mato de que

os católicos. É verdade que os pentecostais acre-

ditam um pouco menos na agência sobrenatural

na prática agrícola, mas, por outro lado, eles têm

uma fixação na interferência diabólica na vida das

pessoas. Os poucos luteranos encontrados na área

de estudo pouco acreditam nos espíritos do mato

ou na interferência de agentes sobrenaturais na agrí-

cola, mas isso decorre de seu elevado nível de es-

colaridade e de sua origem regional do Sul, e não

porque sua religião demonizou os espíritos. Dos

outros grupos religiosos, o cruzista tem o menor

nível de escolaridade, seguido pelo pentecostal.

FIGURA 9 – CRENÇA NOS ESPÍRITOS DA FLORESTA POR AFILIAÇÃO RELIGIOSA

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 200990

FIGURA 10 – CRENÇA EM AGENTES SOBRENATURAIS E VITALISMO POR AFILIAÇÃO RELIGIOSA

FONTE: PESQUISA DE CAMPO (2005)

CONCLUSÃO ______________________________

A relação entre modernização rural e ética

ambiental na Amazônia Central e Ocidental é bas-

tante complexa, não podendo ser reduzida ao de-

terminismo tecno-econômico, nem ao determinis-

mo ideológico (Figura 11). Observa-se que en-

quanto foi constatada a relação direta entre mo-

dernização agrícola, desflorestamento e desigual-

dade social, a ética ambiental não é resultante di-

reta da modernização tecnológica. O uso da agri-

cultura moderna não provoca o desencantamento

porque possui maior controle de processos natu-

rais, pelo contrário, vimos que há maior risco am-

biental e de mercado na agricultura comercial. A

relação é indireta, atuando através da domestica-

ção da paisagem pelo desmatamento e o maior uso

do espaço, mesmo que sem mudança e intensifica-

ção técnica, como é o caso da pecuária extensiva.

Outro fator de forte influência na ética ambiental

é a disseminação de visão de mundo secularizada

e mecanicista pela educação formal. Assim, não é

simplesmente pelo controle de processo naturais

e pela diminuição de riscos ambientais pela técni-

ca moderna que ocorre a secularização ideológica

sobre o ambiente.

Veremos que a questão é muito mais comple-

xa, multi-fatorial, sobressaindo processos da rela-

ção de uso do espaço e de formação de conheci-

mento e exposição e absorção de novas ideologi-

as. Essas ideologias são disseminadas mais sistema-

ticamente no segundo e no terceiro graus, aos

quais somente as classes média e alta têm acesso

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 26, P. 72-92, JUL./DEZ. DE 2009 91

em ambiente urbano. A agricultura comercial e o

alto níveis de educação formal se reforçam de for-

ma que aspectos econômicos e ideológicos inte-

ragem, não havendo determinismo uni-direcional.

FIGURA 11 – UM MODELO COMPLEXO DE DESENCANTAMENTO

AGRADECIMENTO ___________________________

A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq

– Brasil), o Institut Français de Biodiversité (IFB – Fran-

ça) e o Institut de Recherche pour Le Développe-

ment (IRD – França). O trabalho de campo também

contou com o apoio logístico de transporte do Exér-

cito, do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário

do Estado da Amazonas (IDAM) e do Instituto Naci-

onal para Pesquisa Amazônica (INPA).

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ABSTRACT

THE RELATIONSHIP BETWEEN FARMING SYSTEMS, ENVIRONMENTAL ETHICS AND RELIGIOUS WORLDVIEWS IS ANALYSED IN

THE CENTRAL AMAZON COMPARING AND CONTRASTING MARXIST/STRUCTURALIST, SPIRITUAL ECOLOGIST AND POLITICAL

ECOLOGIST MODELS. ENCHANTED VIEWS OF NATURE ARE COMMON AMONG AMAZONIAN PEASANTS AND REFLECT

CENTURIES OF AMERINDIAN-EUROPEAN CULTURAL-ETHNIC FUSION. A RICH LORE OF FOREST AND RIVER SPIRITUAL

ENTITIES EXISTS SO THAT THE QUESTION ARISES AS TO WHETHER ACCORDING TO A SPIRITUAL ECOLOGY APPROACH

RECIPROCAL RELATIONSHIPS BETWEEN SPIRITS AND HUMANS PROVIDE AN IDEOLOGICAL SHIELD AGAINST PROBLEMS

WITH DEFORESTATION AND SOCIAL INEQUITY PRESENT IN MODERN FARMING SYSTEMS. MARXIST/STRUCTURALIST MODELS

IN COUNTERPOINT HOLD THAT ENCHANTED WORLDVIEWS ARE MERE IDEOLOGICAL EPI-PHENOMENA WHICH ARE SWEPT

AWAY DURING THE PROCESS OF RURAL CAPITALISATION/MODERNISATION, MAINLY BECAUSE UNPREDICTABLE NATURAL

PHENOMENA ARE TAMED WITH TECHNOLOGY. NON-CAPITALISED AND CAPITALISED FARMING SYSTEMS PRESENT IN THE

AMAZON ARE ANALYSED WITH REGARD TO THE BELIEF IN FOREST SPIRITS AND THE EVIL EYE, TO THE DEGREE OF FLORAL

AND FAUNAL ELIMINATION/SUBSTITUTION AND TO SOCIAL EQUITY. A HOLISTIC POLITICAL ECOLOGY APPROACH TO

ENVIRONMENTAL ETHICS AND RURAL TRANSFORMATION IS OFFERED AS AN ALTERNATIVE TO TYPICAL DETERMINISTIC

INTERPRETATIONS OF RURAL MODERNISATION AND WORLDVIEW DISENCHANTMENT.

KEY WORDS: ENVIRONMENTAL ETHICS, CULTURAL LANDSCAPE, AMAZON.

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