Amazônia - 2005 - O SOLO COMO REGISTRO DA OCUPAÇÃO.pdf

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O SOLO COMO REGISTRO DA OCUPAÇÃO HUMANA PRÉ-HISTÓRICA NA AMAZÔNIA (1) Nestor Kämpf (2) & Dirse C. Kern (3) (1) Apresentado como palestra no IX Congresso Brasileiro de Geoquímica, Belém (PA), 2 a 9 de novembro de 2003. (2) Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. CEP 90001- 970 Porto Alegre (RS). E-mail: [email protected] (3) Pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG Belém (PA). E-mail: kern@museu- goeldi.br Introdução ................................................................................................................................ 278 Ocupação Humana Pré-Histórica na Amazônia .................................................................. 279 Desenvolvimento cultural ........................................................................................................... 281 Evidências históricas ................................................................................................................. 284 Registro da Ocupação Humana Pré-Histórica nos Solos: Diversidade ............................ 284 Origem da Terra Preta ................................................................................................................ 285 Ocorrência e extensão das Terras Pretas ................................................................................ 288 Características das Terras Pretas ............................................................................................. 290 Ação Humana Pré-Histórica na Formação dos Solos ......................................................... 295 Formação de Terra Preta e Terra Mulata: requisitos e pressupostos ..................................... 296 Exemplo da dinâmica da formação de Terra Preta e Terra Mulata ......................................... 299 As Terras Pretas na fase pós-colombiana ................................................................................ 300 Organização do Conhecimento: Classificação de Solos Antrópicos Antigos ................... 300 Estudos arqueológicos e pedológicos ...................................................................................... 302 Classificação de solos antrópicos antigos ............................................................................... 304 Legenda de classificação de Arqueo-antrossolos ................................................................... 305 Considerações Finais ............................................................................................................. 310 Implicações para o desenvolvimento contemporâneo da Amazônia ..................................... 310 Agradecimentos ...................................................................................................................... 312 Literatura Citada ...................................................................................................................... 312

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    (1) Apresentado como palestra no IX Congresso Brasileiro de Geoqumica, Belm (PA), 2 a 9de novembro de 2003.

    (2) Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. CEP 90001-970 Porto Alegre (RS). E-mail: [email protected]

    (3) Pesquisadora do Museu Paraense Emlio Goeldi MPEG Belm (PA). E-mail: [email protected]

    Introduo ................................................................................................................................ 278Ocupao Humana Pr-Histrica na Amaznia .................................................................. 279

    Desenvolvimento cultural ........................................................................................................... 281Evidncias histricas ................................................................................................................. 284

    Registro da Ocupao Humana Pr-Histrica nos Solos: Diversidade ............................ 284Origem da Terra Preta ................................................................................................................ 285Ocorrncia e extenso das Terras Pretas ................................................................................ 288Caractersticas das Terras Pretas ............................................................................................. 290

    Ao Humana Pr-Histrica na Formao dos Solos ......................................................... 295Formao de Terra Preta e Terra Mulata: requisitos e pressupostos ..................................... 296Exemplo da dinmica da formao de Terra Preta e Terra Mulata ......................................... 299As Terras Pretas na fase ps-colombiana ................................................................................ 300

    Organizao do Conhecimento: Classificao de Solos Antrpicos Antigos ................... 300Estudos arqueolgicos e pedolgicos ...................................................................................... 302Classificao de solos antrpicos antigos ............................................................................... 304Legenda de classificao de Arqueo-antrossolos ................................................................... 305

    Consideraes Finais ............................................................................................................. 310Implicaes para o desenvolvimento contemporneo da Amaznia ..................................... 310

    Agradecimentos ...................................................................................................................... 312Literatura Citada ...................................................................................................................... 312

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    Evidncias arqueolgicas indicam que atividades humanas antigas noshabitats amaznicos transformaram significativamente as paisagens navizinhana dos seus assentamentos, notadamente no pr-histrico tardio.Em muitas regies, sociedades indgenas formaram extensos depsitos derejeitos que alteraram as propriedades do solo (Lehmann et al., 2003b).Em plancies de inundao (Maraj no Brasil, plancie costeira das Guianas,Lhanos de Moxos na Bolvia) algumas sociedades edificaram grandesconstrues de terra para assentamento e uso agrcola (Erickson, 1995,2000; Roosevelt, 2000, 2002). Por meio de suas atividades, os povos pr-histricos favoreceram e, ou, inadvertidamente introduziram ou atraramcultivares ou certas espcies particulares nas reas que habitavam ou nassuas proximidades. Em decorrncia disso, a biodiversidade da floresta,geralmente atribuda a padres de clima, relevo e solos, est associadaem parte com culturas humanas, vestgios culturais e solos antrpicos(McCann, 1999a,b; Roosevelt, 2000, 2002; Hecht, 2003). Devido a essaintensa interao entre os povos pr-histricos e a paisagem amaznica,muitos aspectos da Amaznia atual assumidos como sendo naturais so defato resultantes dessa atividade humana (Roosevelt, 2000; Neves et al., 2003).

    Solos afetados pela atividade humana em stios de assentamento soubquos na paisagem amaznica. Muitos stios arqueolgicos soidentificados pelas qualidades distintas desses solos em relao aoambiente circunvizinho. Alm da sua alta fertilidade qumica resultante daprolongada ocupao humana, as modificaes nesses solos estoconsistentemente associadas com fragmentos de artefatos cermicos elticos, restos de fauna e flora, bem como com padres distintos da vegetao.Em virtude da colorao escura da camada superficial, esses solos soconhecidos por designaes como terra preta (TP), terra preta de ndio,terra preta antropognica e terra preta arqueolgica, alm de uma variantemenos divulgada, a terra mulata. A expresso terra preta est fortementeassociada a propriedades do solo contrastantes com os conceitos de umaAmaznia pouco afetada pela ao humana devido a limitaes impostaspelo ambiente hostil, na forma de solos pobres e cidos, segundo Meggers(1996). Em razo da diversidade na colorao (do preto ao cinzento) dessessolos antrpicos, foi proposto o termo genrico terras escuras para suadesignao em substituio expresso terra preta (Woods & McCann,1999; Lehmann et al., 2003b). No presente texto, preferiu-se manter o termooriginal terra preta, por ser historicamente arraigado regio amaznica e

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    familiar ao pblico interessado nesse tema do caboclo ao cientista enas suas implicaes locais.

    O estudo das Terras Pretas (TPs) tem merecido interesse crescente dacomunidade cientfica, tanto nacional quanto internacional, em anosrecentes, gerando um elevado nmero de publicaes. Duas destas,organizadas por Lehmann et al. (2003b) e por Glaser & Woods (2004),reunindo trabalhos de especialistas de vrias reas do conhecimento, souma fonte de consulta essencial para os interessados no tema. A presentereviso aborda diversos tpicos dessas e de outras publicaes, objetivandodivulgar e estimular o interesse no estudo dos solos antrpicos pr-histricosda Amaznia, lembrando que as reas de ocorrncia de TPs so stios depreservao da herana cultural (IPHAN, 1988).

    O enfoque desta reviso o registro das atividades humanas pr-histricas nos solos terra preta e congneres, destacando-se a importnciada interao entre especialistas de diferentes reas na pesquisa desse tema,os procedimentos adequados sua caracterizao e a importncia dessesestudos no diagnstico da viabilidade agrcola da Amaznia contempornea.

    A ocupao humana pr-histrica na Amaznia tem sido fonte deconsidervel debate, notadamente quanto dicotomia entre assentamentosde vrzea e terra firme e ao desenvolvimento ou no de sociedadesindgenas populosas e sedentrias. Fundamentada em suas pesquisasarqueolgicas, Meggers (1996) considera que a pobreza de recursosambientais na Amaznia o fator limitante para a subsistncia e a expansopopulacional indgena, impedindo sua evoluo social em nveis maiscomplexos e organizados. Ou seja, o habitat bsico dos povos indgenaspr-histricos, caracterizado como floresta tropical mida densa com soloscidos e pobres em nutrientes, submetidos a intenso intemperismo qumico(alta pluviosidade e altas temperaturas), considerado incapaz deproporcionar aos caadores-coletores uma abundncia de animais e plantascomestveis, alm de inadequado para a adoo de uma agricultura intensivaque permita um modo de vida mais sedentrio. Nessas condies, ter-se-ia desenvolvido uma agricultura itinerante em clareiras, mediante derrubadae queima, seguindo-se o cultivo por perodos curtos e longo pousio. Estaforma de cultivo representaria uma adaptao s condies de solo e clima,

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    requerendo a manuteno de uma concentrao relativamente baixa dapopulao e uma permanncia limitada em cada local, condicionando assimum desenvolvimento cultural limitado (Meggers, 1996). Nesse contexto, aetnografia indgena, na forma de populaes esparsas, a agricultura simplese a organizao poltica e social rudimentar so interpretadas como acontinuidade dos tempos pr-histricos e, por tanto, como padrocaracterstico da adaptao ao ambiente amaznico. Culturas avanadas,como as registradas na Ilha do Maraj (discutidas mais adiante), foramconsideradas de origem andina e ter-se-iam deteriorado aps se radicaremna Amaznia. Dessa forma, as limitaes ambientais teriam impedido odesenvolvimento de culturas amaznicas mais complexas, em acordo coma concepo de determinismo ecolgico pelo qual o nvel de cultura dassociedades condicionado pelo potencial agrcola do ambiente que ocupam(Meggers, 1996).

    Na realidade, as condies ambientais na Amaznia so muito maisdiversificadas do que as generalizaes anteriormente assumidas. A ampladiversidade das condies climticas acompanhada por variaes navegetao, nos tipos e nas propriedades dos solos (Sombroek, 2000). Emrelao aos seus habitantes, isso indica que os tipos de alimentos, suaproduo e as estratgias de sobrevivncia e de consumo tambm noso homogneos na regio (Neves et al., 2003). Em consonncia comesses aspectos, uma outra viso da pr-histria amaznica (Roosevelt,1994, 2002), baseada em trabalhos arqueolgicos recentes e na reavaliaoda etno-histria, no sustenta a interpretao generalizada de ocupaestemporrias limitadas por um ambiente pobre em recursos, revelando umadescontinuidade social e cultural entre as sociedades pr-colombianas eas sociedades indgenas amaznicas contemporneas. H evidncias deque a Amaznia foi ocupada por uma grande variedade de povos e culturas,em uma longa e dinmica trajetria de desenvolvimento. As pesquisasarqueolgicas mostram ocupaes humanas diversificadas, incluindo algunsdos primeiros caadores-coletores e agricultores incipientes at agoraconhecidos no Novo Mundo, culminando no perodo pr-histrico tardio emsociedades indgenas populosas complexas em algumas reas. Nessecontexto, o padro cultural e ecolgico dos indgenas contemporneos nopode ser explicado como simples adaptao ao ambiente, mas comoconseqncia das mudanas que ocorreram no decorrer da conquista daAmaznia pelos europeus: dramtica queda da densidade populacional(dizimada por doenas, escravizao), desarticulao dos complexospoltico e militar dos nativos, disperso dos sobreviventes, eliminando assim

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    a necessidade ou a possibilidade da explorao mais intensiva do solo(Roosevelt, 1994; Whitehead, 1994; Porro, 1994).

    Desenvolvimento culturalAs primeiras evidncias de culturas amaznicas datam da transio do

    Pleistoceno tardio ao Holoceno recente, sendo encontradas numa amplitudede habitats, em terras altas e vrzeas, em florestas, em cerrados e alagados(Roosevelt, 1994, 2002; Oliver, 2001). A presena de bandos de caadores-coletores paleondios indicada por numerosos stios pr-cermicos:dataes de radiocarbono (no-calibrado) entre cerca de 11.400 e10.000 anos AP(4) (Roosevelt et al., 1996), com base em materiais lticosdiversos no stio Caverna da Pedra Pintada, no municpio de Monte Alegre,baixo Amazonas, representam o mais antigo registro. Resduos de plantase animais mostram que esses habitantes faziam uso intensivo de produtosdas rvores da floresta e de palmeiras (aa, juta, tarum, castanha, sacuri,tucum e outros), de moluscos, peixes e tartarugas fluviais, e bem menosde mamferos terrestres. Outros stios pr-cermicos tardios, citados porRoosevelt (1994), tm materiais lticos com dataes de 10.000 e 7.000 anosAP nos escudos das Guianas e Brasileiro; de 8.000 a 6.000 anos a.C. nosul de Gois; de 9.250 a 8.000 anos AP no stio Pea Roja, na AmazniaColombiana (Mora, 2003); de 9.900 a 8.000 anos AP, na Guiana Francesa,conforme citao de Meggers & Miller (2003); e cerca de 8.000 anos AP, nacaverna Gavio na Serra de Carajs (Magalhes, 1994).

    Dataes por radiocarbono e termoluminiscncia (no-calibrados) de8.000 a 6.000 anos AP em materiais cermicos de sambaquis no mdio ebaixo Amazonas evidenciam o desenvolvimento das sociedades ceramistasmais antigas do hemisfrio ocidental, 3.000 anos antes das sociedadesandinas (Roosevelt, 1991), baseadas numa economia de coleta aquticaintensiva. A abundncia de peixes e mariscos nas plancies e esturiosamaznicos propiciou o estabelecimento de aldeias grandes e sedentriasdesses forrageadores ribeirinhos, conforme atestam numerosos sambaquiscermicos, principalmente no mdio e baixo Amazonas, algumas vezesalcanando altura de 10 a 20 m e ocupando at 20 ha em rea (Roosevelt,1994). Essa adaptao antiga de forrageio intensivo manteve-se comosistema auto-sustentvel durante 4.000 anos, aparentemente at ahorticultura de mandioca se tornar suficientemente produtiva como fonteprimria de calorias (Roosevelt, 1991).

    (4) AP = anos antes do presente (antes de 1950, utilizado em datao com radiocarbono).

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    Entre cerca de 4.500 e 2.000 anos atrs, ao longo das principais vrzeasda Amaznia houve estabelecimento de numerosas aldeias permanentesde horticultores ocupando os terraos elevados. As evidncias sobaseadas em grandes stios arqueolgicos com densos depsitos dedetritos, ricos em cermica, como na regio de Santarm e do Xingu(Heckenberger et al., 1999). Artefatos de cermica decorados e lticosatestam a prtica da horticultura e o processamento de mandioca paraalimentao. Os vestgios biolgicos e as propores isotpicas dosesqueletos humanos desses stios sugerem que as primeiras sociedadesamaznicas com cermica elaborada dependiam principalmente do cultivopara obteno de calorias e obtinham sua protena principalmente daabundante fauna ribeirinha (Roosevelt, 1991, 2002).

    H cerca de 2.000 anos (entre 1.000 anos a.C. e 1.000 d.C.) desenvolveu-se em grande parte da vrzea amaznica e partes das terras altas umaocupao mais densa e mais permanente do que as anteriores, perdurandoat a chegada dos europeus nos sculos 16 e 17 (Roosevelt, 1994). Dadosetno-histricos e arqueolgicos evidenciam o desenvolvimento generalizadode sociedades complexas cacicados com agricultura intensiva, comstios nucleados em escala urbana, com arquitetura de terra e cerrosmonumentais e aterros agrcolas em algumas reas. O cultivo de milhoingressa na subsistncia dessas sociedades durante o primeiro milnioa.C., tornando-se um alimento importante em vrios locais, tanto nasvrzeas como nas terras altas, h cerca de 1.000 anos (Roosevelt, 1994).Em decorrncia dessa ocupao, muitas pores da paisagem nas vrzeasou suas imediaes e nos interflvios apresentam numerosas e extensasreas cobertas de lixeiras, com evidncias de moradias, abundncia deartefatos e, em algumas reas, extensas e monumentais construes deterra abandonadas (Roosevelt, 1991). Na rea de Santarm, que deve tersido o centro do cacicado Tapajnico, stios espessos de rejeitosestratificados do pr-histrico tardio atestam uma populao numerosaassentada em aldeias, vilas e povoados extensos, margeando as vrzeaspor quilmetros (Nimuendaj, 1952; Roosevelt, 1991). Segundo dataopor termoluminiscncia, a cermica de Santarm foi produzida de 900 a1.200 anos d.C. (Gomes, 2001). As cermicas do cacicado Tapajnico,geralmente considerado de localizao ribeirinha, tambm so encontradasem solos TP nas reas de terra firme, dezenas de quilmetros afastadosdos rios Amazonas, Tapajs e Arapiuns (McCann, 1999).

    Na Ilha do Maraj, com a cultura Marajoara (500 a 1.500 anos d.C.) houveincremento do nmero e do tamanho dos assentamentos (stios Camutins

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    e Fortaleza), desenvolvendo-se reas de 10 a 20 km2 com agrupamentosde 20 a 40 aterros artificiais (conhecidos como tesos), contendo numerososcemitrios, vestgios de casas multifamiliares e solos antrpicos TP(Roosevelt, 1991, 1994). Os aterros maiores foram construdos peloconstante acrscimo de terra trazida de reas adjacentes e do fundo decrregos prximos, inicialmente como proteo s inundaes anuais,servindo para moradia e agricultura, adquirindo posteriormente significadopoltico e cerimonial (Schaan, 2001). As dataes e a estratigrafia mostramque muitos stios marajoaras foram ocupados continuamente por 500 a1.000 anos. Por razo ignorada, essa cultura desapareceu completamenteantes da chegada dos europeus (Roosevelt, 1991, 1994).

    Tanto a natureza como a cronologia da adaptao e do desenvolvimentocultural na Amrica do Sul no sustentam a hiptese de que as culturasdas Terras Baixas tropicais derivaram das culturas andinas (Roosevelt,1991). Com base nas suas grandes populaes, obras pblicas,assentamentos diferenciados, arte cerimonial elaborada, comrcio de longadistncia e simbolismo elitista, supe-se que essas sociedades tenhamsido cacicados complexos. Isso apoiado pelos relatos de exploradoreseuropeus nos sculos 16 e 17, descrevendo lideranas organizadas comextensos domnios, atividades guerreiras e diplomticas de grande escala,classificao elitista baseada em descendncia de ancestrais humanosdeificados, e sistemas amplos de comrcio inter-regional e de tributos(Roosevelt, 1991, 1994; Whitehead, 1994).

    O estabelecimento de assentamentos permanentes, extensos enumerosos, formando sociedades complexas, com estratificao social eespecializao, pressupe a sua dependncia do desenvolvimento de umaagricultura intensiva (Denevan, 2001). Apesar de discordarem quanto aodesenvolvimento de sociedades populosas complexas, tanto Meggers(1996) como Roosevelt (2000) consideram que a agricultura pr-histricateria sido viabilizada pelos solos de vrzea, cuja fertilidade renovadaperiodicamente pelas inundaes anuais, em contraste com os solos cidose pobres de terra firme. Entretanto, a dependncia agrcola de grandesassentamentos exclusivamente dos frteis solos de vrzea limitada pelasua pequena extenso e pela restrio dos cultivos (e dos assentamentos),devido a inundaes peridicas dessas reas. Numerosas evidncias etno-histricas e arqueolgicas comprovam que os terraos elevados marginais(situados acima do nvel das inundaes), contendo solos cidos e pobresequivalentes aos da terra firme, eram locais de assentamento e manejadospara uso agrcola intensivo permanente ou semipermanente (Denevan,

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    2001). Nessa condio, o uso agrcola dos solos de vrzea propriamenteditos, juntamente com os recursos da fauna aqutica, teria um cartercomplementar na produo de alimentos.

    Assim, em contraste com uma projeo de aproximadamente 3 milhesde habitantes na viso tradicional de Meggers (1996), a viso atual,baseada em arqueologia recente e evidncias histricas (Roosevelt, 1994,2002), descreve para o pr-histrico tardio a existncia de determinadasreas com uma populao numerosa, alcanando de 5,7 a 10 milhes(Denevan, 1992, 2001), assentada em aldeias e povoados grandes epermanentes, praticando uma agricultura intensiva de razes e gros,compondo uma sociedade complexa (cacicados).

    Evidncias histricasOs relatos dos primeiros cronistas a percorrerem o rio Amazonas

    fornecem alguma indicao da localizao topogrfica, tamanho edistribuio dos assentamentos indgenas, entre os quais se incluemCarvajal, em 1542; Salinas de Loyola, em 1557; a equipe de Pedro de Ursa,em 1561; Laureano de la Cruz, em 1647; Acua, em 1641; Heriarte, em1661; e Fritz, em 1689-91 (Roosevelt, 1994; Porro, 1994, 2002). As aldeiase povoados so descritos como localizados em pores elevadas dapaisagem, grandes, numerosos, lineares e contnuos por 12 a 30 km(conforme Carvajal), cada qual contendo de 7 a 10 mil ndios. A localizaodas aldeias e dos povoados uma indicao da sua interao com a planciealuvial, enquanto a interao dos assentamentos com a terra firme interior indicada pelo registro de estradas (conforme Carvajal, 1542; Nimuendaj,1952; Ursa, 1561). As localizaes histricas de assentamentos soconfirmadas pelas ocorrncias de TPs, ao passo que a evidncia deagricultura intensiva basicamente inferencial, considerando que aldeiasgrandes e permanentes requerem agricultura produtiva e estvel (Denevan,2001).

    Segundo Denevan (2001), o registro da ao humana pr-histrica nosolo pode ser na forma de modificaes: (1) visveis na superfcie do terreno,como construes de terra (ou outros materiais, p.e., sambaquis) ou

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    escavaes (canais, fossos e estradas), e (2) no visveis na superfcie doterreno, mas detectveis por estratigrafia, anlise qumica do solo,palinologia e outros procedimentos arqueolgicos. Outras evidnciasassociadas de modificaes podem ser arqueolgicas, histricas eagroflorestais. Dessa maneira, o principal registro da ao humana pr-histrica no solo resulta de assentamento e da prtica da agricultura(Denevan, 2001). Nos stios de assentamento so concentrados grandesvolumes de materiais orgnicos resultantes da atividade humana. Essesmateriais podem ser de origem animal, como ossos, conchas, sangue,carapaas, fezes, etc., ou de origem vegetal, como as palmeiras. Estas,especificamente, tinham e ainda tm inmeras utilidades para ascomunidades caboclas e indgenas: na cobertura e paredes de casas e naconfeco de camas, redes, balaios, cestos, esteiras para dormir ou sentar.Por meio de estudos etnogrficos e relatos de viajantes naturalistas, sabe-se que os povos indgenas que habitaram ou que ainda habitam a regioamaznica construam suas casas com folhas de palmeiras como babau,buriti, bacaba, caran, etc. (Kern, 1996). Segundo informaes de caboclosque moram em Caxiuan, as casas com cobertura de palha apresentamem mdia trs anos de durao, tempo relativamente curto e com grandequantidade de material orgnico que permanece no local (Kern, 1996).Ainda, entre as prticas agrcolas, o uso do fogo no preparo da terra paracultivo era amplamente difundido, deixando no solo um resduo de carvoe de cinzas rico em nutrientes.

    Origem da Terra PretaEstudos de solos tm sido uma contribuio importante para a

    reconstruo da pr-histria amaznica (Smith, 1980; Andrade, 1986; Kern& Kmpf, 1989; Mora et al., 1991; Woods, 1995; Lehmann et al., 2003b;Glaser & Woods, 2004), associando com ocupao e atividade humana aformao de solos conhecidos por terra preta (TP). Atualmente, a influnciada ao humana pr-histrica na formao das TPs, fundamentada emevidncias arqueolgicas e pedolgicas, amplamente aceita no meiocientfico. Todavia, isso um fato relativamente recente, que foi precedidopor vrias outras hipteses, brevemente mencionadas a seguir. SegundoHartt (1885), as TPs teriam sido locais de antigas moradias de ndios,atrados pela alta fertilidade desses solos. Devido presena de artefatos,Katzer (1944) descreve as TPs como locais de antiga colonizao deaborgenes, considerando-as uma camada cultivada; menciona que aelucidao da sua origem necessitaria de maiores estudos, mas enfatiza a

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    sua similaridade com reas sedimentares de antigos igaps. Para Faria(1946), a origem da TP puramente geolgica, a partir de sedimentosdepositados em fundos de lagos j extintos ou pela decomposio de rochasvulcnicas. De acordo com Gourou (1950), as TPs so de origemarqueolgica, hiptese essa reforada por Hilbert (1955). Para CunhaFranco (1962), as TPs se formaram a partir de antigos lagos, cujas margenseram habitadas por ndios durante longos perodos do ano, que jogavamnas guas grande parte dos fragmentos de cermica e lixo da aldeia; esteautor fundamentou sua hiptese na configurao das reas e na distribuioem profundidade, considerando seu formato aproximadamente circular delente enterrada com a parte plana na superfcie. A interpretao maiscomum at a dcada de 1970 era de que os artefatos encontrados emstios de TP evidenciavam que os indgenas escolhiam esses solos devido sua alta fertilidade original, concepo ainda divulgada em publicaorecente (Meirelles Filho, 2004). J Sombroek (1966) menciona que afertilidade desses solos deve-se unicamente ocupao indgenaprolongada, comprovado pela similaridade entre a textura, a composioda frao argila e a profundidade do horizonte C dos perfis de TP e solosadjacentes. Alm desse autor, Ranzani et al. (1962) e Smith (1980) tambmdestacaram a influncia antrpica na alta fertilidade das TPs, fato incomumnos solos da regio amaznica. A partir de ento, a origem antrpica dasTPs confirmada por diversos estudos pedolgicos de stios arqueolgicose solos circunvizinhos (Eden et al., 1984; Pabst, 1985; Andrade, 1986; Kern,1988). Estudos mais recentes tm trazido significativa contribuio para oentendimento da formao das TPs (Kern, 1996; Lima et al., 2002; Lehmannet al., 2003b; Glaser & Woods, 2004).

    As terras pretas, por mostrarem a local izao dos ant igosassentamentos, constituem o mais bvio vestgio dos habitantes pr-histricos da Amaznia (Petersen et al., 2001). As TPs so locais de antigosassentamentos contendo artefatos culturais, cuja colorao escura se deveprincipalmente ao material orgnico decomposto, em parte na forma decarvo, como resduo de fogueiras domsticas e de queimadas para usoagrcola do solo. Por isso, o teor de carbono orgnico (CO) nas TPs elevado, bem como o de P, Ca e Mg, resultantes de cinzas, de resduos depeixes, conchas, caa e dejetos humanos. Em conseqncia, a fertilidadeda TP significativamente superior da maioria dos solos amaznicos,que so lixiviados e cidos, no afetados pela atividade humana pr-histrica(Eden et al., 1984; Kern & Kmpf, 1989; Rodrigues, 1993; Woods & McCann,1999; McCann et al., 2001; Lima et al., 2002).

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    O incio da formao das TPs difcil de precisar por diversas razes,como o provvel desaparecimento dos primeiros stios por mudanas napaisagem (elevao do nvel dos rios, eroso e outras alteraes), alm deevidncias arqueolgicas ainda escassas (Neves et al., 2003). As evidnciasarqueolgicas sugerem que a formao de TP deu-se durante a histriapr-colombiana tardia da Amaznia, geralmente datando de pelo menos1.000 a 2.000 anos antes da chegada dos europeus regio. De acordocom Roosevelt (2000), a formao de TPs iniciou h cerca de 3.000 anosAP pelos povos coletores horticultores, aproximadamente 1.000 anos antesda fase dos cultivos agrcolas intensivos. O estabelecimento de assentamentospermanentes populosos a partir do primeiro milnio d.C. impulsionou aformao desses solos, por meio do descarte de resduos domsticos e deprticas agrcolas. H alguns registros mais antigos de stios TP pr-cermicos datando de aproximadamente 4.800 anos AP (Miller, 1999), bemcomo de formaes mais recentes, com base em dataes nos stios Osvaldo(1.290 a 1.350 anos AP), Hatahara (960 a 1.300 anos AP) e Lago Grande(950 a 1.260 anos AP), prximos a Manaus (Neves et al., 2004). O rpidodeclnio das populaes nativas aps o contato (1.500 a 1.600 anos d.C.)com os exploradores europeus resultou na interrupo da formao de TP.

    Em vrias situaes foram registrados stios de TPs circundados porsolos de cores bruno-acinzentadas com alto teor de MO, porm com teoresde P e Ca mais baixos, e com poucos ou mesmo ausncia de artefatos. Ascaractersticas desses solos tambm diferem daquelas dos solos no-perturbados adjacentes, sendo interpretadas como resultado de atividadeagrcola pr-histrica, permanente ou semipermanente, e identificados comoterra mulata (TM) (Sombroek, 1966). Ocorrncias extensas de TM foramregistradas em Belterra, Amazonas (Sombroek, 1966), e em Araracuara,na Colmbia (Andrade, 1986; Mora et al., 1991). Outras ocorrncias sorelatadas por Woods et al. (2000) e Kern et al. (2003). Em sntese, as TMsrepresentariam reas agrcolas permanentes ou semi-intensivasenriquecidas por aditivos orgnicos, como ser visto adiante, queproduziram a cor brunada, situadas nas adjacncias ou na circunvizinhanadas reas de assentamento permanente (TPs), geralmente com coloraomais escura, mais profundos, com mais P e Ca, e mais artefatos culturais(Andrade, 1986; Mora et al., 1991; Woods et al., 2000; McCann et al., 2001).Pelo fato de poucos solos antrpicos do tipo TM terem sido descritos eanalisados sistematicamente at o presente, a sua distino de TPslegtimas e de solos naturais ainda deve ser mais bem elaborada.

    Stios de sambaquis, de ocupao humana pr-histrica mais antiga eprolongada na Amaznia, tm sido objeto de intensa pesquisa arqueolgica

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    (Simes, 1981; Kern et al., 2002), mas at o presente tm sido poucocontemplados em estudos pedolgicos. Os indcios dessa ocupao sograndes depsitos de conchas e ossos, muitas vezes apresentandoenterramentos primrios (Simes, 1981). Kern et al. (2002) relataramevidncias de modificaes nas caractersticas originais em solos daplancie costeira do Estado do Par, identificando horizontes A antrpicos,decorrentes da ocupao por grupos pr-histricos de coletores-pescadoresceramistas.

    Ocorrncia e extenso das Terras PretasStios de ocupao humana pr-histrica na Amaznia esto comumente

    localizados prximos a cursos de gua, ocupando vrzeas, elevaesmarginais adjacentes e terra firme interior, em extenses de menos de umhectare, disseminados em solos de terra firme, at centenas de hectaresao longo de rios e interflvios. A localizao desses assentamentos favoreceo acesso aos recursos de diferentes ambientes, alm do controle das viasde acesso e visibilidade para defesa (German, 2004). A ocorrncia de TPs ampla na Amaznia brasileira, sendo tambm conhecidas na Colmbia,Equador, Guiana, Peru e Venezuela. So encontradas ao longo dosprincipais rios, conforme exemplifica a figura 1, mostrando a distribuiode stios com TP na regio do rio Caxiuan, Par (Kern, 1996); outros mapasconstam em Kern et al. (2003). Sombroek et al. (2003) estimam que as TPscobrem 0,1 a 0,3 % ou 6.000 a 18.000 km2 da Bacia Amaznica (6 milhesde km2). As TPs ocorrem em uma variedade de classes de solos,usualmente de fertilidade natural baixa, como Latossolos, Argissolos,Neossolos Quartzarnicos, Espodossolos e outros, porm mais comumentenas duas primeiras classes, que cobrem cerca de 70 % da Amaznia(Rodrigues, 1996). Esse fato indica que o tipo de solo parece no ter sidofator determinante para o estabelecimento de grupos pr-histricos.

    O tamanho dos stios de TP localizados em terraos elevados paralelosaos rios varia de menor que 1 a 500 ha (Smith, 1980; Roosevelt, 1987;Denevan, 2001). O stio Tapajs, prximo a Belterra, possui cerca de 200 hade TP e 1.000 ha de TM (Sombroek, 1966); o stio de Santarm temaproximadamente 400 ha (Roosevelt, 2000); e trs stios de TP em Autuba,no baixo rio Negro, perfazem cerca de 300 ha (Heckenberger et al., 1999).Outros registros de stios de TP extensos so: Oitavo Bec (120 ha), ao sulde Santarm (Woods & McCann, 1999); Comunidade Terra Preta (200 ha),entre o baixo Tapajs e o rio Arapiuns (Smith, 1999); e Caxiuan, no Par(> 100 ha; Kern, 1996). A ocorrncia de TPs de grande extenso um

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    argumento que apia a concepo de grandes stios de assentamento pr-histrico ocupados por longos perodos de tempo.

    Numerosos stios com TP foram registrados em florestas da terra firme(Denevan, 2001), geralmente menores que os stios em terraos (0,3 a5 ha, mdia de 1,4 ha; Smith, 1980) e menos profundos, talvez indicandoperodos de ocupao mais curtos. Eles tendem a ser circulares eprovavelmente representam uma nica casa comunal ou um anel de casasmenores. Estes stios TP pequenos suportam os argumentos para aldeiasmuito pequenas, permanentes, nos interflvios e, provavelmente, aldeiasmaiores temporrias que no formaram TP. Entretanto, recentemente,grandes stios de TP e TM foram descritos em terra firme da Bacia do Xingusuperior (Heckenberger et al., 1999), datados de 1.000 a 1.500 anos d.C. ecom extenso de 30 a 50 ha. Essas aldeias apresentam anis de fossosdefensivos e teriam abrigado de 1.000 a 2.500 pessoas, suportadas por

    Figura 1. Distribuio de stios com Terra Preta na regio do rio Caxiuan,Par.

    Fonte: Kern (1996).

    BRASIL

    4 0 4 8 Km

    2o 15

    2o 00

    2o 45

    1o 30

    2o 15

    2o 00

    2o 45

    1o 30

    52o 00 51o 45 51o 30 51o 15

    52o 00 51o 45 51o 30 51o 15

    PA-GU-14

    PA-GU-13PA-GU-12

    PA-GU-11PA-GU-04

    PA-GU-03PA-GU-02

    PA-GU-07 PA-GU

    -06

    PA-GU-09PA-GU-10 PA-GU-05

    PA-GU

    -08

    PA-GU-01

    Caxiu

    an B

    ay

    Caxiuan River

    Caxiuan Rive

    r

    Rio Anapo

    PA-PO

    -05PA

    -PO-04

    PA-PO-06PA-PO-03

    PA-PO-07

    PA-PO

    -02

    PA-PO-12PA-PO-10

    PA-PO

    -11

    PA-PO

    -09

    PA-PO-08PA-PO-13

    PA-PO-14

    N

    Fonte: IBAM A-DF, 1997

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    hortas de mandioca intensivas e adjacentes em solos melhorados (TM); asreas de TP localizam-se atrs das habitaes anelares, originadasprovavelmente do acmulo de resduos domsticos.

    Caractersticas das Terras PretasConforme diversos autores (Kern & Kmpf, 1989; Kern, 1996; Lima, 2001;

    Embrapa, 2001, 2002), os solos TP so usualmente bem drenados,profundos, com textura variando de arenosa a muito argilosa, apresentandoum horizonte A mais escuro (de cor preta a bruno-acinzentada muito escura:N2/; 5YR 2,5/1; 7,5YR 2/0 a 3/1; 10YR 2/0 a 3/2) e mais espesso do quenos solos circunvizinhos. Uma comparao de propriedades selecionadasdo horizonte A superficial (Quadros 1 e 2) evidencia que as TPs (Quadro 1)se distinguem por apresentarem usualmente valores mais elevados de pH,CO, P disponvel, Ca + Mg, T e saturao por bases (V), em relao aosLatossolos e Argissolos amaznicos (Quadro 2). Quanto presena demicronutrientes, horizontes A de TPs apresentaram teores de Zn e Mn maiselevados em relao aos horizontes subjacentes e a solos no-antropognicos de terra firme (Kern & Kmpf, 1989; Kern & Costa, 1997;Lima et al., 2002). Em conseqncia da sua alta fertilidade, em contrastecom os solos naturais geralmente pobres em nutrientes e cidos, os stiosde TP so usualmente conhecidos pelos caboclos amaznicos e, por isso,procurados para uso agrcola.

    As caractersticas morfolgicas, fsicas e qumicas da TP podem variardentro de cada stio e entre stios, dependendo do padro da(s)comunidade(s) pr-histrica(s) ocupante(s). A variabilidade entre os

    Quadro 1. Estatstica descritiva de propriedades selecionadas do horizonte Ade solos Terra Preta amaznicos (n = 27)

    Estatstica Profundidade CO P disponvel Ca2+ + Mg2+ pH T V Argila

    cm g kg-1 mg kg-1 cmolc kg-1 cmolc kg-1 % g kg-1

    Mdia 47 38,9 507 9,4 5,6 17,4 53 240DP 23 22,4 591 6,1 0,8 6,0 25,7 156

    CV (%) 50 57 116 65 15 34 48 66Mnimo 23 4,6 8 0,4 3,7 9,1 5 20Mediana 41 34,6 223 9,8 5,5 17,6 56 204Mximo 100 98,0 2.145 22,9 7,1 38,4 97 740

    Fonte: Andrade (1986); Embrapa (2001, 2002); Falesi (1970); Kern & Kmpf (1989); Kern(1996); Lima (2001); Vieira (1975).

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    horizontes antrpicos pode ser visualizada genericamente pela amplitudedos valores mnimos e mximos (Quadro 1) das propriedades qumicas.Mais especificamente, essa diversidade evidenciada pela amplitude dosteores de P disponvel (ou P total), Ca trocvel e CO nos horizontes A dediferentes perfis de TP em diversos stios, registrados por vrios autores(Quadro 3).

    Quadro 2. Estatstica descritiva de propriedades selecionadas do horizonte Ade Latossolos e Argissolos amaznicos (n = 19)

    Fonte: Rodrigues (1996).

    Estatstica CO P disponvel Ca2+ + Mg2+ pH T V Argila

    g kg-1 mg kg-1 cmolc kg-1 cmolc kg-1 % g kg-1

    Mdia 16,4 1,7 1,4 4,5 8,2 17 450DP 7,3 0,8 2,1 0,8 3,3 21 280

    CV % 44 46 152 18 40 122 610Mnimo 6,7 1 0,1 3,5 3,5 2 120Mediana 15,5 2 0,4 4,2 8,5 6 350Mximo 29,5 3 8,1 6,6 14,5 79 930

    Amplitude ou teor Local Fonte

    mg kg-1 Fsforo70 a 320 Oriximin PA Kern & Kmpf (1989)

    140 a 3.900 Iranduba AM Lima et al. (2002)at 1.370 Caxiun PA Kern & Costa (1997)

    8 a 450 AM Embrapa (2001, 2002)45 a 625 Araracuara Colmbia Andrade (1986)

    at 1.430 (P total) Belterra PA Zech et al. (1979)

    cmol kg-1 Clcioat 38 Monte Alegre PA Falesi (1970)at 52 Belterra PA Pabst (1991)

    13 a 20 Oriximin PA Kern & Kmpf (1989)3,8 a 14 Iranduba AM Lima et al. (2002)

    at 16 Caxiuan PA Kern & Costa (1997)0,4 a 16,6 AM Embrapa (2001, 2002)0,2 Araracuara Colmbia Andrade (1986)

    g kg-1 C orgnico23 Manacapuru Falesi (1970)

    at 220 Belterra Pabst (1991)33 a 77 Oriximin PA Kern & Kmpf (1989)18 a 35 Iranduba AM Lima et al. (2002)18 a 77 AM Embrapa (2001, 2002)10 a 33 Araracuara Colmbia Andrade (1986)

    Quadro 3. Amplitude ou teor de fsforo disponvel, clcio trocvel e C orgniconos horizontes A de diferentes perfis de Terra Preta, em diversos stios

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    Alm do teor mais elevado de CO, Lima et al. (2002) constataram que,em relao a solos no-antropognicos, as TPs de Iranduba apresentaramo domnio de fraes fortemente humificadas (humina e cido hmico -HAF) e menores teores da frao cidos flvicos, resultando em altas razesHAF/FAF. Isso explicado em parte pelo elevado teor de carvo (Cpirognico) incorporado nas TPs (Glaser et al., 2001) durante sua formao.Ruivo et al. (2004) no observaram diferena na razo HAF/FAF entre TPse solos no-antropognicos de Caxiuan, mas relataram uma relao C/Nmais alta nas TPs.

    Segundo Glaser et al. (2001, 2002), a presena ubqua de carvo nossolos TP (Sombroek, 1966) e de substncias hmicas altamente aromticas(Zech et al., 1990) indica que resduos de combusto incompleta (Cpirognico ou carvo) contribuem para a MO desses solos. Os altos teoresde C pirognico indicam uma elevada e prolongada adio de materialorgnico carbonizado (processo de carbonizao), provavelmente devido produo de carvo em fogos domsticos de baixa intensidade,comumente usados pela populao nativa para preparo de alimentos,aquecimento e queima de lixo.

    Outra contribuio importante a queima incompleta de resduos davegetao quando do preparo de reas agrcolas (Denevan, 2001). Emrazo da sua estrutura aromtica policclica, o C pirognico qumica emicrobiologicamente estvel e persiste no ambiente durante sculos. A oxidaolenta (bitica ou abitica) durante esse perodo produz grupos carboxlicosnas arestas do ncleo aromtico, aumentando a CTC e a reatividade do C nosolo. O processo de carbonizao, alm de liberar menos CO2 para a atmosfera,contribuindo para o seqestro de C, ainda contribui para uma reserva deMOS estvel, com alta capacidade de reteno de nutrientes, que persisteno ambiente durante sculos (Glaser et al., 2001). Em contraste, o usualprocedimento de derrubada e queima, apesar de oferecer perspectivaspromissoras na agricultura sustentvel, libera grande quantidade de CO2na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa, enquanto somente pequenaquantidade de C transformada em carvo (Fearnside et al., 1999).

    A comparao de perfis de solos TP (identificados no campo pelapresena de fragmentos de artefatos cermicos e, ou, materiais lticos)(Quadro 4) mostra que o impacto da ao antrpica no se limita aoshorizontes superficiais, mas pode alterar significativamente o solo at grandeprofundidade, contando com a contribuio de processos pedognicos(melanizao, lessivagem, bioturbao) subseqentes. Considerando oambiente de alta pluviosidade e a elevada porosidade dos solos (usualmente

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    Latossolos e Argissolos caulinticos de textura mdia e NeossolosQuartzarnicos), o transporte (em suspenso, soluo ou por bioturbao)de constituintes no perfil favorecido. Em conseqncia, os perfis de TPpodem mostrar alta concentrao de P, Ca, etc. tambm nos horizontessubjacentes (Quadro 4). As diferenas entre perfis de TP so atribuveiss condies do pedoambiente e intensidade das atividades humanas decada local (Figura 2a,e). interessante observar que o P, consideradopouco mvel no solo, apresenta elevados teores, alcanando profundidade

    Quadro 4. Algumas caractersticas de perfis de solos Terra Preta (TP). Todosos perfis contm fragmentos de artefatos e, ou, materiais lticos nohorizonte A; a classificao taxonmica refere-se ao perfil de TP analisado

    Horizonte Profundidade Cor pH CO P Ca2+ Mg2_ T V Argila

    cm g kg-1 mg kg-1 __________ cmolc kg-1 __________ % g/kg

    Argissolo, Ponta Alegre, Caxiuan PAA1 05/7 7,5YR 2/0 5,3 29,7 2.201 15,6 2,6 20,8 90 210A2 31 7,5YR 2/0 5,7 20,0 2.090 9,7 1,9 15,5 77 260AB 38 10YR 2/1 6,0 13,5 1.715 8,0 1,4 13,2 74 270BA 60/70 10YR 2/1 6,3 7,5 1.100 3,8 0,7 7,0 64 500B 147 7,5YR 4/6 6,1 2,3 485 3,3 0,5 5,9 64 410

    Latossolo Amarelo (Lima, 2001)A1 030 2,5Y 2/0 6,2 34,6 1.991 14,1 1,3 22,0 71 350A2 60 2,5Y 2/0 6,2 2.935 14,0 0,5 20,8 70 360A3 100 10YR 3/1 6,4 3.921 9,3 0,4 14,2 70 410AB 130 10YR 3/1 6,5 3.537 6,7 0,4 11,0 65 460Bw 150 10YR 3/6 6,5 1.567 4,4 0,3 8,1 59 490

    Cambissolo (Lima, 2001)A1 015 10YR 2/0 6,3 35,3 1.332 6,6 1,0 14,8 53 300A2 40 10YR 2/1 6,4 2.032 5,6 0,4 11,9 52 360A3 55 10YR 3/4 6,3 816 2,3 0,9 6,8 48 400Bi1 110 5YR 5/8 6,4 115 0,7 0,1 2,6 30 340Bi2 180 2,5YR 5/8 6,0 92 0,5 0,1 2,2 31 320

    Neossolo Quartzarnico, Maraj PAAp 013 10YR 3/2 5,9 1,4 93 2,3 0,7 5,4 57 50A1 47 10YR 3/1 5,3 4,6 311 4,5 0,8 13,1 43 60A2 85 10YR 3/1 5,2 12,9 223 4,1 1,0 12,8 43 60AC 110 10YR 4/3 5,9 2,3 154 3,1 0,5 7,4 50 50C 170 2,5YR 8/4 5,7 5,3 321 4,6 0,5 11,0 48 60

    Latossolo Amarelo, Perfil 34, Apu AM (Embrapa, 2001, 2002)A1 020 7,5YR 3/1 3,7 18,3 12 0,4 10,0 5 101A2 50 7,5YR 3/1 4,6 6,2 19 0,1 5,0 2 101AB 60 10YR 4/3 4,8 3,3 11 0,1 3,2 3 100BA 74 10YR 4/4 4,7 2,6 7 0,1 3,4 3 141Bw1 113 10YR 4/6 4,6 2,3 3 0,1 3,4 3 161Bw2 150 10YR 5/6 4,8 1,4 3 0,1 2,7 4 161Bw3 180 10YR 6/8 4,8 1,1 2 0,1 2,4 4 161

    Perfil 28, Araracuara Colmbia (Andrade, 1986)A1 010 10YR 2/2 6,5 33,6 230 0,2 0,2 15,3 5 20A2 32 10YR 3/1,5 5,5 19,5 625 0,2 0,2 13,3 5 20A3 50 10YR 3/1,5 5,5 10,0 375 0,2 0,2 16,4 5 40A4 82 10YR 3/2 5,0 7,3 362 0,2 0,2 11,2 7 40B? 100 10YR 3/3 4,5 8,7 350 0,2 0,2 13,2 6 60

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    Figura 2. Perfis de Terra Preta (a, b, c, d, e) e perfil de Terra Mulata (f).

    (a) Oriximin PA (b) Belterra PA

    (c) Rio Preto da Eva AM (d) Rio Preto da Eva AM

    (e) Iranduba AM (f) Belterra PA

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    superior a 100 cm. O acmulo de P nos horizontes subjacentes das TPs foiobservado por vrios autores (Pabst, 1985; Andrade, 1986; Kern & Kmpf, 1989;Kern, 1996; Costa & Kern, 1999), culminando em Iranduba com teores de Palcanando at 1.567 mg kg-1 a 150 cm de profundidade (Lima et al., 2002).

    Na figura 2 so ilustradas diferenas morfolgicas de alguns tipos deTP e de TM, formadas em Latossolos Amarelos: (2a) TP Oriximin, comfragmentos de cermica visveis no horizonte A; (2b) TP Belterra; (2c) TPRio Preto da Eva, com grande espessura de horizonte A, provavelmentedecorrente de melanizao favorecida pela textura arenosa do solo; (2d)TP Rio Preto da Eva de textura mdia, com menor espessura do horizonteA em comparao a TP 2c; (2e) TP Iranduba, em montculo de sepultamentocom elevada concentrao de fragmentos de cermica alinhados; e (2f) TMBelterra, adjacente rea da TP 2b, sem diferenciao morfolgica aparentede um Latossolo Amarelo sem influncia antrpica.

    G46

    Observaes em locais de antiga ocupao tm mostrado que aprolongada atividade humana das reas tende a imprimir uma variabilidadesistemtica aos solos, traduzida por mudanas graduais ou marcantes emsuas propriedades (Lutz, 1951; Griffith, 1980, 1981; Pettry & Bense, 1989).Ao ocupar um ecossistema j estabelecido, o ser humano traz consigoelementos da sua cultura (isto , o produto do seu trabalho ouconhecimento), que passam a atuar como variveis na formao do solo(Amundson & Jenny, 1991). Em decorrncia disso, de se esperar quehaja tambm uma variabilidade espacial das propriedades do solo nas reasde TP, resultante do padro de ocupao humana e que possa servir deassinatura da sua cultura (Andrade, 1986; Eden et al., 1984; Mora et al.,1991).

    Apesar do grande nmero de stios com TP analisados, as informaesquanto variabilidade das propriedades de solo nessas reas so escassas,usualmente limitando-se a indicar uma maior espessura e um teor maiselevado de nutrientes no centro delas (Falesi, 1972; Pabst, 1985). Em perfisamostrados ao longo de transees estabelecidas em stios de TP emCachoeira-Porteira (Oriximin, Par), a anlise dos teores de CO, Ca, Mg,P, Zn e Mn evidenciou uma distribuio espacial indicadora de reas de

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    deposio preferencial de resduos, refletindo a dinmica da ao antrpicapr-histrica no assentamento (Kern, 1988). Elevados teores de P e Mn aolongo das transees coincidiram com a delimitao arqueolgica das TPscom base na cor do horizonte A. Os demais elementos apresentaram umaabrangncia espacial mais restrita, notadamente Na, K, Zn e Mg. Nastransees perpendiculares aos cursos dgua a extenso dos elementosindicadores de TP era ligeiramente menor do que nas transees paralelas,concentrando-se nas proximidades dos cursos dgua.

    A diversidade nos elementos indicadores de ao antrpica antiga,conforme verificado por vrios autores (Lutz, 1951; Griffith, 1980, 1981;Pettry & Bense, 1989), , em parte, explicada pela composio original dossolos. Quando um elemento naturalmente abundante, como observadopara C, Ca e K em stio de Ontrio, Canad (Griffith, 1980), o efeito daao antrpica pode ser insuficiente para produzir diferenas marcantesem comparao s reas adjacentes no-afetadas. Na regio amaznica,devido ao intenso intemperismo vigente na fase pedognica anterior ocupao antrpica, os solos caulinticos geralmente possuem teores muitobaixos de bases trocveis e de P; assim, sua adio antrpica, por menorque seja, destacada e explica tambm o grande nmero de elementospossveis de serem usados como indicadores de Terra Preta (Kern, 1988,1996).

    Formao de Terra Preta e Terra Mulata: requisitos epressupostos

    A presena de cermicas, ossos, conchas, carvo e outros resduosdomsticos nos perfis de solos indica que as TPs so stios de ocupaohumana e, provavelmente, de uso agrcola. Os materiais fontes das TPsque tiveram o efeito cumulativo maior na MO e no contedo de nutrientesso provavelmente o carvo e os resduos de alimentos, como peixes, comalto contedo de Ca e P. Situaes em que as TPs contm elevado nmerode fragmentos de cermica sugerem sua formao em reas de descartede lixo, que ocorrem tipicamente atrs das habitaes. Em stios analisadosem Oriximin e Caxiuan (Kern, 1988, 1996), a variabilidade espacial e amaior espessura e concentrao de MO, P e Ca nas inflexes do terrenosugerem que o hbito principal do ocupante primitivo quanto disposiodos resduos foi o descarte em zonas marginais.

    A formao de TP nos stios de assentamentos pode estar associadacom atividades relacionadas ao preparo (resduos de fogos) e

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    processamento de alimentos (restos de peixe ou caa, frutas, vasilhames,etc.), resduos de alimentos ingeridos (excrementos), resduos de moradia(palhas ou folhas de palmeiras, etc.), de sepultamento (restos humanos,urnas, vestimentas, etc.) e vrias outras atividades (Neves et al., 2003). Oprocessamento de alimentos e a queima continuada das lixeiras soprovavelmente uma fonte importante de materiais orgnicos de combustoincompleta (C pirognico, carvo). Restos de alimentos como ossos depeixes e caa so particularmente ricos em P e Ca (Lehmann et al., 2003;Lima et al., 2002). Vasilhames de cozimento mostram freqentemente altasconcentraes de P derivadas da preparao de alimentos com alto teorde P, como peixes (Costa et al., 2003). Folhas de palmeiras utilizadas nacobertura de habitaes, que so renovadas periodicamente, podem seruma fonte importante de K, Ca, Mg, Zn e Mn nas TPs (Kern et al., 1999).

    No entanto, considerando as evidncias morfolgicas e qumicas, possvel que certos solos antrpicos do tipo TM sejam resultado do usoagrcola do solo ou at de um manejo antropognico proposital deste (Woods& McCann, 1999; McCann et al., 2001). Conforme mencionado, supe-seque a existncia de grandes aglomerados de populaes na Amaznia tenharequerido uma agricultura produtiva. Sabe-se que a TM no formadapelo sistema contemporneo de derrubada, queima e cultivo com pousiolongo (Pabst, 1991). Provavelmente h necessidade de vrias dcadaspara formar a TM, usando um sistema de cultivo semi-intensivo comqueimadas (carbonizao) freqentes. O processo contemporneo dederrubada e queima, seguido de cultivo e prolongado pousio, no seriaadequado para sustentar essas densidades populacionais. Com adisponibilidade apenas de machados de pedra, os agricultores pr-colombianos deveriam aproveitar clareiras naturais ou antigas reas decultivo com floresta secundria, evitando a necessidade do corte freqenteda vegetao de grande porte (Denevan, 1992).

    Para um cultivo sustentvel da maioria dos solos de terra firme de baixafertilidade (Latossolos, Argissolos), haveria necessidade de adiesimportantes de nutrientes. As provveis fontes desses nutrientes seriamadies orgnicas. Conforme Sombroek (1966) e Woods & McCann (1999),os solos antrpicos TMs contm teores de CO similares aos das TPs, masapresentam menores teores de P e Ca e poucos ou nenhum artefato. Issosugere que as TMs no so remanescentes de reas de descarte ouhabitao. Tanto a localizao como as caractersticas qumicas das TMstornam provvel que tenham sido manejadas intencionalmente para

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    produo agrcola, pois o seu teor de MO explicvel pelo manejo dequeimadas da floresta primria ou secundria e conseqente produo decarvo (Glaser et al., 2001; Lehmann et al., 200a). Alm disso,provavelmente houve alguma adio de nutrientes derivados de restos dealimentos que contm altos teores de Ca e P, conforme mencionado paraas TPs. Entre esses solos antrpicos antigos, TPs e TMs, a formaointencional das TMs por meio do manejo agrcola do solo deve ser maisbem elucidada. Nesse contexto, o sistema de manejo agrcola usado pelosKayaps contemporneos no Xingu, na forma de queimadas de baixaintensidade, adio de cinzas ao solo, cobertura vegetal, resultando emsignificativa elevao do pH e dos teores de P, K, Ca2+, Mg2+ e CO nossolos, com manuteno da produtividade ao longo dos anos, sugere prticasque podem formar TMs (Hecht, 2003).

    As TPs podem ser consideradas um reflexo das atividades humanasem determinado local. Assim, a colorao escura e a espessura da TP tmsido relacionadas com a durao da ocupao do stio e, ou, a densidadeda populao (Smith, 1980). Entretanto, a espessura da camada de TPdentro dos stios no uniforme e suas variaes so explicadas pordiferentes atividades, relacionadas ao preparo de alimentos, aos ciclosagrcolas e ao descarte de resduos orgnicos (Kern, 1988, 1996; Mora etal., 1991). Em conseqncia, essa variabilidade dificulta estabelecerinferncias confiveis da taxa de acumulao, do tempo de ocupao e dadensidade da populao que habitava o local.

    Segundo vrios autores (Roosevelt, 1989, 2002; Mora et al., 1991;Herrera et al., 1992; Heckenberger et al., 1999), muitos stios extensosforam ocupaes permanentes ou semipermanentes de longa durao,permanecendo por vrios sculos. Ao contrrio, com base na observaode mudanas graduais na cermica arqueolgica em estudos de seqnciasde seriao cermica, Meggers (1990, 2001) argumenta que os stios queocupam grandes reas de superfcie representariam mltiplas reocupaesdurante centenas de anos, em vez de uma nica ocupao grande epermanente. Como conseqncia disso, a extenso superficial de stiosarqueolgicos no poderia ser usada para inferir o tamanho da aldeia, comofreqentemente assumido. Entretanto, anlises de DeBoer et al. (1996,2001) concluem que os procedimentos de amostragem usados por Meggersno suportam o argumento da reocupao nos stios. Mesmo assim,considerando que provavelmente ocorreram reocupaes, para a estimativadas populaes dos stios necessrio conhecer a durao e as dimensesdessas ocupaes.

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    Exemplo da dinmica da formao de Terra Preta e TerraMulata

    Para entender a complexa dinmica dos processos de formao da TPe TM em Araracuara, na Colmbia, Mora et al. (1991) avaliaram um grupode variveis que incluem, alm dos solos, mtodos agrcolas e a organizaoe estrutura dos grupos humanos ao longo do tempo. Anlises de solo,plen, fitlitos, restos vegetais e cermicos, alm da datao comradiocarbono, em solos de dois stios (identificados como stios 2 e 3) (Edenet al., 1984; Mora et al., 1991; Herrera et al., 1992), forneceram evidnciasistemtica da natureza do assentamento e do uso da terra. O relatosumarizado a seguir baseia-se no stio 3.

    O stio compreende uma extenso de 32 ha de solos modificados, emque 6 ha consistem em TP. Sua ocupao se estende do ano 1 d.C. at1.800 d.c., distinguindo-se, com base em estudos palinolgicos e de solos,duas fases com processos diferentes de formao do solo e uso da rea.Na primeira fase originou-se uma TP devido alta densidade populacionale presena de habitaes, com possvel alternncia entre locais dehabitao e de cultivo. Dos primeiros anos d.C. at o ano 800, pequenasreas foram cultivadas nas florestas, provavelmente usando um sistemaagrcola de derrubada e queima. O solo recebeu adio de materialorgnico, como resduo domstico, folhas mortas, madeira e ervas. Opadro de cultivo com mandioca (Manihot esculenta) e batata (Ipomeabatatas) foi caracterizado por curtos perodos de uso e longos pousios.Conforme a coluna palinolgica, a partir do ano 800 d.C. a agricultura foiintensificada, com reas maiores sendo usadas por perodos longos epousios curtos. Problemas de eroso teriam sido compensados com adiode material orgnico e sedimentos trazidos de alagadios fluviais.Juntamente com o melhoramento das propriedades agrcolas do solo, houveaumento na variedade de cultivares. Segundo Mora et al. (1991), essesaspectos permitem inferir a existncia de uma organizao baseada emuma liderana central, que coordenava essas atividades regularmente. Emresumo, o stio Araracuara fornece evidncias para assentamentos longose permanentes de grandes populaes; agricultura permanente, envolvendomanuteno artificial da fertilidade do solo, suplementada por formas deuso agroflorestal; e interao com a plancie aluvial adjacente. Os perfspalinolgicos dos stios TMs e TPs sugerem que nas TMs o cultivo foi maiscontnuo e nas TPs, junto com o cultivo, se conservou uma cobertura de floresta.Em Araracuara, a tecnologia agrcola foi efetiva e estvel por 900 anos,sem exigir a movimentao cclica do assentamento (Mora et al., 1991).

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    As Terras Pretas na fase ps-colombianaA formao de TPs geralmente cessou aps 1.500-1.600 d.C. devido ao

    rpido decrscimo da populao indgena, em decorrncia de epidemias,escravizao e outras formas de perturbao pelos europeus (Neves etal., 2003). Entretanto, a influncia da pedognese e da ao humana tevecontinuidade. O crescimento da floresta recobrindo os stios com TP apsseu abandono e os processos biolgicos, como o crescimento de razes eda fauna do solo, continuaram a alterar as propriedades das TPs, juntamentecom a perturbao de artefatos por bioturbao. Todavia, diversos estudosdas TPs tm mostrado que baixa a taxa de mineralizao do C pirognico(Glaser et al., 2003a,b), bem como as perdas de nutrientes por lixiviao(Lehmann et al., 2003a), o que tem contribudo para a preservao naturaldas TPs por vrios sculos.

    No entanto, a influncia humana ps-colombiana nas TPs tem sidosignificativa. Entre os agricultores no-nativos assentados na Amaznianos ltimos sculos, muitos valorizaram as TPs pela sua elevada fertilidade(German, 2003; Hiraoka et al., 2003). notvel que as diferenas culturaisentre sociedades produzam efeitos significativamente diferentes noecossistema. Assim, a ocupao humana moderna, atrada pela heranacultural (isto , alta fertilidade) da Terra Preta, com freqncia desenvolvidapor meio de uma agricultura extrativista, com remoo dos nutrientes pelasculturas e eroso do horizonte A antrpico. Alm disso, TPs tm sidomineradas e vendidas como terra de jardim em centros urbanos. Todasessas transformaes recentes, naturais e humanas, alteraram e atdestruram pores do registro arqueolgico preservado nas TPs. Emconseqncia, tm-se perdido oportunidades de entender a histria docomportamento humano pr-histrico na Amaznia.

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    O desenvolvimento deste tpico uma adaptao de Kmpf et al. (2003).Das diversas teorias sobre a gnese das terras pretas (mencionadasanteriormente), atualmente est confirmado que se formaram por atividadehumana relacionada a assentamentos e prticas agrcolas de indgenaspr-colombianos (Ranzani et al., 1970; Smith, 1980; Eden et al., 1984; Pabst,1985; Andrade, 1986; Correa, 1987; Mora et al., 1991; Kern, 1988, 1996).

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    Esse processo humano de formao do solo foi interrompido no incio doperodo histrico com o avano dos conquistadores europeus e aconseqente rpida dizimao (enfermidades, escravizao, etc.) dapopulao indgena (Moran, 1990).

    A formao de solos sob o ambiente natural via pedognese classicamente expressa como S = f (c, o, r, m, t), em que o solo (S) oproduto da interao dos fatores ambientais, clima (c), organismos (o), relevo(r), material de origem (m), atuando ao longo de um tempo (t). As atividadeshumanas podem ser includas no fator organismos, ou destacadas comoum fator antrpico (a) atuando na formao do solo. Para solos antrpicos,priorizando-se a atividade humana, a sua formao pode ser expressa comoS = f (a)c, o, r, m, t, com o reincio da pedognese em um novo tempo zero.

    O impacto da ao humana pr-histrica amaznica na formao dosolo, apesar de no estar completamente esclarecido, presumivelmentecompreende trs vias principais, com graus variveis de sobreposio ouinterao (Kmpf et al., 2003): (1) atividades antrpicas (no-intencionais),desenvolvidas por assentamento (habitao) a longo prazo com adiescasuais de resduos domsticos, conhecido como modelo lixeira (Smith,1980; Kern, 1988); (2) atividades antropognicas (intencionais), baseadasem cultivos intensivos corte-queima em clareiras (modelo mosaico;Denevan, 1998), com atividade agrcola (permanente ou semipermanente)de longa durao, com base em recorrente remoo da vegetao ecombusto incompleta de material orgnico (p.e., acumulao de Cpirognico ou carvo; Glaser, 1999), chamado de modelo agrcola (Woods& McCann, 1999; McCann & Woods et al., 2001); e (3) atividadesantropogeomrficas (intencionais), baseadas em construes de terra,edificao de aterros para assentamentos e sepultamentos, com cultivoem canteiros elevados, chamado de modelo construtor. Enquanto o modelolixeira originou a terra preta, o modelo agrcola formou a terra mulata(Sombroek, 1966; Andrade, 1986; McCann et al., 2001). Ambas soigualmente ricas em CO, mas a TP tende a apresentar uma colorao maisescura, sendo mais rica em P, Ca e outros elementos. Apresentam grandequantidade de restos culturais (cermicas, artefatos lticos), atestando,dessa forma, sua formao pela deposio de resduos domsticos. A TMtem tipicamente colorao bruno-acinzentada escura (10YR 4/2 ou maisescura), com teores de P e Ca similares aos dos solos naturais (no-antropognicos), escassos restos culturais e um teor mais elevado decarvo; estas propriedades indicam prticas de manejo do solo(especialmente corte da vegetao e queimadas) de longo prazo sob

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    agricultura intensiva (Woods & McCann, 1999). Criada por assentamentospermanentes ou semipermanentes associados com cultivos permanentesou semipermanentes, a TP provavelmente tambm foi cultivada, tal como o atualmente. Por sua vez, o modelo construtor abrange tambm solossem feies de TP, como os tesos da Ilha do Maraj, com assentamentos ecultivos em aterros artificiais (Roosevelt, 1991); a se incluem tambm oscamalhes e plataformas de cultivo nos Llanos de Moxos, da AmazniaBoliviana (Erickson, 1995), do Suriname e Guiana (Denevan, 2001), bemcomo edificaes de terra em escala menor, como montculos de sepulturascoletivas, escavaes de defesa e estradas (Heckenberger et al., 1999), eoutras.

    Presentemente, os solos TPs registram a influncia de antigos processosantrpicos, antropognicos e, ou, antropogeomrficos, associados aosprocessos pedognicos precedentes mais os subseqentes. Emconseqncia, as caractersticas das TPs (e de outros solos antrpicos)podem ser altamente variveis em todas as escalas, entre stios (Smith,1980) e dentro destes (Kern, 1988, 1996) (p.e., espessura da camadaescura, teores de CO, P e Ca; abundncia de artefatos culturais, etc.), dandoassim origem a diferentes tipos de indivduos de TP. Essas e outrasdiferenas, constatadas nos diversos stios de TP, tornam compreensvel omotivo pelo qual o termo geral terra preta tem significado distinto paradiferentes pessoas (arquelogos, antroplogos, etnlogos, gegrafos,agrnomos, pedlogos, caboclos), no raro dificultando o intercmbio deconhecimentos. Em sntese, a grande variabilidade de tipos de solosantrpicos requer uma organizao das informaes, o que pode seralcanado por meio de uma classificao de solos.

    Estudos arqueolgicos e pedolgicosCom notveis excees, stios de TP tm sido estudados de forma

    independente por arquelogos e pedlogos: o mesmo objeto sendocaracterizado por meio de diferentes procedimentos. O forte vis de muitosestudos foi condicionado pelos respectivos procedimentos de amostragem.Os arquelogos fazem uso das cores escuras das TPs amaznicas paraestimar a extenso e a profundidade dos stios arqueolgicos, enquanto aidentificao do stio baseada no seu registro arqueolgico. De acordocom os conceitos clssicos da arqueologia, as TPs so amostradasestratigraficamente, separando-se camadas com 10 cm de espessura, eos restos culturais so coletados por separao e descarte da frao terra

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    fina ( 2 mm), por peneiramento. Recentemente, a frao terra fina vemmerecendo uma ateno maior dos arquelogos que trabalham em stioscom TP (Mora et al., 1991; Heckenberger et al., 1999), empregandotrincheiras em transees, anlise qumica da terra fina, anlise palinolgica,dataes e outras (Mora, 2003).

    No procedimento pedolgico, um perfil de solo representativo examinado at a profundidade de 1,20 m ou mais, os horizontespedognicos so caracterizados e identificados conforme descriopadronizada (Lemos & Santos, 2002) e as amostras da frao 2 mm socoletadas para anlise em laboratrio, para a usual caracterizao segundocritrios pedolgicos. Para o pedlogo, a camada escura superior da TPcompreende um horizonte A antropognico, que pode preencher osrequisitos de um horizonte diagnstico antrpico (Embrapa, 1999), umepipedon antrpico (Soil Survey Staff, 1998), um horizonte A fmico (FAO,1988) ou um horizonte hr tico (FAO-ISSS-ISRIC, 1998). Mesmoreconhecendo a grande variabilidade dos solos dentro dos stios de TP,usualmente tem sido selecionado como perfil de solo TP representativodo stio um (nico) exemplar que exemplifica a mxima expresso daatividade antrpica local. De fato, dada a amplitude de variao dos stiosTP, a sua caracterizao exige o exame de perfis de solos em transectos(Kern, 1988) ou grades (Kern, 1996), possibilitando uma anlise maisapurada da variabilidade espacial e da ao antrpica formadora. Alm domais, na pesquisa de solos TP, usual caracterizao pedolgica padro(morfologia e anlises fsicas e qumicas) devem ser associadosprocedimentos de amostragem e analticos (micromorfologia, palinologia,EDS, NMR, microbiolgicos, datao, etc.) adequados para testar as maisdiversas hipteses relacionadas com a formao das TPs (prticas de cultivoe manejo, fontes de nutrientes, estabilidade da MO, dinmica da populao,etc.). A aplicao desses procedimentos exemplificada por vrios autores(Mora et al., 1991; Roosevelt, 2000; Lima, 2001; Ruivo et al., 2003; Costa etal., 2003).

    Nesse sentido, a interao de arquelogos e pedlogos, denominadapedo-arqueologia, apesar de ser um fato relativamente recente na pesquisade solos antrpicos amaznicos (Smith, 1980; Eden et al., 1984; Andrade,1986; Kern, 1988, 1996; Woods, 1995; Heckenberger et al., 1999; Woods &McCann, 1999), j contribuiu para novas concepes desse tema desafiador.Uma coletnea de relatos sobre aplicaes da Cincia do Solo na pesquisaarqueolgica pode ser encontrada em Holliday (1992).

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    Classificao de solos antrpicos antigos

    O crescente conhecimento produzido por especialistas de diversas reasdo conhecimento (arqueologia, antropologia, etnologia, ecologia,geoqumica, biologia, cincia do solo, geografia, e outras) e a conscinciada diversidade de indivduos de TP tm gerado uma demanda para aorganizao das informaes, visando orientar a identificao e aclassificao de tipos de TPs amaznicas, alm de dar suporte pesquisa.

    Todavia, sendo concebidos para fins de levantamento de solos erespectivas interpretaes, principalmente para agricultura, os sistemasde classificao pedolgica tm se revelado pouco eficientes noagrupamento e distino dos diversos tipos de solos antrpicos antigos, naforma desejada pelos especialistas envolvidos na pesquisa desses solos.Isso se torna mais evidente quando lembrado que os sistemas declassificao pedolgica do maior nfase s propriedades dos horizontessubsuperficiais, por serem menos suscetveis a modificaes a curto prazopor atividades humanas atuais e futuras. Tanto no SiBCS (Embrapa, 1999)como no Soil Taxonomy (Soil Survey Staff, 1998), a influncia da atividadehumana (antiga e contempornea) de fato definida muito vagamente naforma de um horizonte diagnstico antrpico. Assim, por exemplo, quandono SiBCS as TPs so classificadas como Latossolos Amarelos distrficosantropognicos, a influncia antrpica est sendo reconhecida de formagenrica no quarto nvel hierrquico.

    Por outro lado, a legenda WRB (ISSS-ISRIC-FAO, 1998), por meio daclasse Antrossolos, distingue solos formados ou profundamente modificadospor atividades humanas chamadas de processos antropedognicos, comoadio de materiais orgnicos ou resduos domsticos, ou cultivo. Pordefinio, Antrossolos tm horizontes antropedognicos, onde os horizonteshrtico e plgico, e possivelmente trrico, so aplicveis na classificaode solos antrpicos amaznicos antigos. Apesar de a maioria dos pedlogosconcordar que as TPs compreendem diferentes tipos de AntrossolosHrticos (Sombroek et al., 2002), muitas delas no preenchem o requisitode uma espessura de 0,50 m ou maior para o horizonte diagnstico(Sombroek, 1966; Smith, 1980; Pabst, 1985; Andrade, 1986; Kern & Kmpf,1989; Kern, 1996; Lima, 2001), sendo, por isso, excludas da classeAntrossolos. Ainda, mesmo preenchendo o critrio de Antrossolo, osdiferentes tipos de TP no so distinguidos satisfatoriamente. Apesar de aquesto da admisso ou da excluso de um solo de um grupo especficoser inerente a todas as classificaes, do ponto de vista arqueolgico ou

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    antropolgico particularmente difcil aceitar que uma influncia antrpicano seja relevante na identificao (ou caracterizao) de um solo afetadopor atividades humanas.

    Conforme mencionado, as TPs podem ser identificadas e distinguidasdos solos circunvizinhos por algumas propriedades particulares, que soobservveis no campo (p.e., cores escuras; espessura da camada escura;presena de cermica, lticos, fragmentos de carvo; textura; etc.) e, ou,mensurveis no laboratrio (p.e., reao do solo (pH); teor de CO; teoresde P, Ca, Mg e microelementos - Mn, Zn, etc.). Essas propriedades, porconstiturem assinaturas antrpicas, possibilitam o estabelecimento decritrios para a identificao e a classificao especfica desses solos,independentemente das classificaes pedolgicas formais.

    Devido diversidade de procedimentos para caracterizao eidentificao de TPs usados pelos especialistas de diferentes reas doconhecimento, esses solos no podem ser definidos muito estreitamente.Nesse ponto, a sua classificao representa uma tentativa de combinarconcepes de vrias disciplinas para abranger a variabilidade e a variaocontnua das TPs. Assim, as definies das classes devem ser flexveis,reconhecendo tambm a variabilidade dentro e entre stios de TPs.

    Legenda de Classificao de Arqueo-antrossolosCom base no interesse multidisciplinar expresso no First International

    TPA Workshop (Manaus, julho de 2002), Kmpf et al. (2003) propuseramuma legenda de classificao para solos antrpicos antigos, nova eindependente, objetivando promover a interdisciplinaridade das vrias reasde pesquisa engajadas com ambientes desses solos. Os principais aspectosda legenda proposta so descritos a seguir; maiores detalhes constam emKmpf et al. (2003).

    A legenda utiliza um nico horizonte de referncia (ou diagnstico),chamado de horizonte arqueo-antropedognico, para identificar o grupodos Arqueo-antrossolos, que o termo proposto para designar a classe deantrossolos antigos. Ao contrrio das classificaes pedolgicas formaisvigentes (SiBCS, WRB, Soil Taxonomy e outras), a Legenda de Classificaode Arqueo-antrossolos (LCA) prioriza o horizonte da parte superior(usualmente horizontes A e AB) do perfil de solo, exceto quando soterradopor sedimentos (no-antropognicos) mais recentes. Por definio, ohorizonte arqueo-antropedognico (do grego arkhaios, antigo, anthropos,humano, e pedognese) um horizonte superficial (eventualmente

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    subsuperficial) produzido por atividades humanas antigas continuadas ede longa durao. As caractersticas e propriedades deste horizonte foramdesenvolvidas por adies e, ou, aplicaes de resduos e materiaisorgnicos ou terrosos durante um longo perodo de tempo, mais a influnciade processos pedognicos subseqentes (incluindo bioturbao). Ohorizonte arqueo-antropedognico tem, resumidamente, as seguintespropriedades:

    - espessura de 0,20 m ou maior, a partir da superfcie ou acumuladanos 0,60 m superiores do perfil de solo, ou soterrado por sedimentosmais recentes; e um ou mais dos seguintes requisitos;

    - presena de material arqueolgico (fragmentos de artefatos cermicos,lticos, etc.) em qualquer quantidade; e, ou

    - teor de P (Mehlich-1) de 65 mg kg-1 ou maior; altos teores de P noshorizontes mais profundos apiam efeitos antrpicos antigos; e, ou

    - teor de carvo de pelo menos 10 g kg-1; e, ou

    - teor de CO de 10 g kg-1 ou maior; e, ou

    - presena de fragmentos de conchas e outros organismos aquticos, ematerial cultural (cermicas, lticos, artefatos sseos, etc.), de pelomenos 10 g kg-1; e, ou

    - acumulao de composto terroso ou lama, ou adies de solo, com ousem materiais culturais; e, ou

    - associao espacial evidente do solo com atividades humanaspretritas (stios de habitao, lixeiras, construes de terra, lavouraspretritas, etc.).

    A identificao de um solo como Arqueo-antrossolo constitui o primeironvel da legenda de classificao. Os diferentes tipos (classes) de Arqueo-antrossolos so distinguidos por caractersticas diferenciadoras do horizontearqueo-antropedognico em trs nveis adicionais. Na designao dasclasses da LCA foram usadas adaptaes ou redefinies de termos usadosem sistemas de classificao formais (australiano, WRB, SiBCS). Nosegundo nvel so identificadas classes, ou suas combinaes, segundoatributos do solo relacionados a processos antrpicos, antropognicos e,ou, antropogeomrficos inferidos, resumidas a seguir:

    - grico (do latim ager, lavoura) - supe a formao deliberada porprticas agrcolas antigas, como derrubada e queima da vegetao, e,ou, adio de resduos ou composto orgnico durante longos perodos

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    de tempo. identificada por teor de CO 14 g kg-1; teor de carvo 10 g kg-1; baixo teor de P disponvel (< 50 mg kg-1 ); usualmentebaixos teores de Ca2+ + Mg2+ (< 4 cmolc kg-1); baixo teor de artefatos(< 10 g kg-1) . Compreende usualmente os solos identificados comoTM.

    - Cltico (do latim cultura, cultura humana expressa na forma deartefatos) - indica um alto contedo de restos culturais ( 100 g kg-1).Compreende usualmente montculos de sepultamento e outrosdepsitos de artefatos.

    - Hrtico (do latim hortus, horta) - supe prolongada habitao comadies casuais de resduos orgnicos domsticos e de material cultural.Apresenta teor de CO 14 g kg-1 e de P disponvel 65 mg kg-1. Possuiusualmente teores de Ca2+ + Mg2+ 4 cmolc kg-1 e presena de materialarqueolgico ( 10 g kg-1). Compreende as TPs legtimas.

    - Esclpico (de escalpelado, privado da camada superior) - indica umArqueo-antrossolo com perda total do horizonte de referncia, mas quemantm vestgios da condio original na parte remanescente do soloou nas suas imediaes. usado tambm em combinao com grico,Hrtico e outros. Identifica solos em stios de TP alterados.

    - Prtico (do grego proteros, precoce) - indica um estdio precoce dedesenvolvimento de um Arqueo-antrossolo, detectado por vestgios dehabitao humana antiga e, ou, atividades humanas antigas. usadotambm em combinao com grico, Hrtico e outros.

    - Tmbico (Shellic, no original) (de tambaqui ou sambaqui, depsito deconchas) - indica presena de fragmentos de conchas e outrosesqueletos aquticos, com associao de material cultural (cermica,artefatos de conchas e ossos). Compreende solos em terraossambaquis.

    - Trrico (do latim terra, terra) - supe a formao por adio de materialterroso na forma de composto ou lama durante longo perodo ou porconstruo. Compreende solos em terraos ar tificiais (tesos),camalhes e outras edificaes de terra.

    - Tptico (do grego thaptos, enterrado) - indica que o horizonte dereferncia est enterrado a pelo menos 0,40 m de profundidade.

    - rbico (do latim urbanus, urbano) - indica vestgios de habitaes,alicerces, estradas e outros tipos de obras urbanas.

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    No terceiro nvel da legenda so identificadas classes segundo atributosdo hor izonte arqueo-antropedognico e processos pedognicossubseqentes relacionados com potencial agrcola, intensidade e tipo deuso, densidade populacional, tempo de ocupao, etc.: cor, textura,espessura, fertilidade, adio de materiais, degradao fsica. Alguns dostermos aplicados no terceiro nvel so resumidos a seguir:

    Crbico expressa elevados teores de CO ou carvo (a serem definidos).Cinzento (Grayic, no original) expressa cores Munsell (mida)acinzentadas com valor > 3 e croma 2.

    Crmico expressa cores Munsell (mida) mais claras, com valor 3 ecroma 2.

    Cumlico horizonte com espessura 0,60 m, desenvolvido poracumulao de MO.

    Dstrico expressa baixa fertilidade (ver utrico): baixos teores de Pdisponvel e de Ca2+ + Mg2+ e baixa saturao por bases.

    Ebnico tem cores Munsell (mido) escuras, com valor e croma < 3.Estrtico - apresenta, nos 0,60 m superfciais do solo, estratificaesde sedimentos elicos, ou materiais antrpicos de textura varivel; oteor de CO decresce irregularmente com a profundidade.

    utrico expressa alta fertilidade: teor de P (Mehlich-1) 150 mg kg-1;Ca2+ + Mg2+ 8 cmolc kg-1; pH 5; e saturao por bases 50 %.

    Flvico - indica presena de sedimentos fluviais recebidos a intervalosregulares ou no passado recente. O solo mostra estratificaes demateriais com diferente textura e, ou, teor de CO decrescendoirregularmente com a profundidade.

    Lptico horizonte com espessura < 0,30 m.

    Melnico expressa melanizao; tem colorao escura, com valor ecroma < 3, teor de CO 10 g kg-1 at a profundidade de 0,60 m emmateriais argilosos e 1,0 m em materiais arenosos.

    Msico horizonte com espessura de 0,30 a 0,60 m.

    Mesotrfico expressa fertilidade intermediria entre utrico e Dstrico.Esclpico expressa perda parcial do horizonte de referncia.

    Tmbico expressa presena de fragmentos de conchas em camadascom espessura 0,10 m.

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    Textura especificada na forma de classes texturais genricas:argilosa, mdia, arenosa, siltosa (SiBCS); e esqueltica: teor de cascalhoou outros fragmentos grosseiros entre 400 e 900 g kg-1 nos primeiros0,50 m de profundidade a partir da superfcie do solo.

    No quarto nvel da LCA so identificadas as principais caractersticaspedognicas (no-antropognicas) do solo, conforme um sistema declassificao pedolgica de solos a ser selecionado (WRB, SiBCS, outros).Assim, com base no sistema WRB podem ser aplicados nomes derivadosdos respectivos grupos de solos, como, por exemplo: arnico, cmbico,espdico, ferrlico, ntico e outros. Exemplos da aplicao da LCA a algunsperfis de TPs constam do quadro 5.

    Segundo Kmpf et al. (2003), a LCA foi concebida para atender asnecessidades combinadas dos especialistas das diversas reas doconhecimento interessados na identificao e na organizao dasinformaes sobre solos TP, TM e outros solos antrpicos antigos. Porisso, uma classificao que prioriza e enfatiza propriedades do solorelacionadas influncia de humanos antigos mais a pedognesesubseqente. A natureza dinmica, histrica e varivel dos solos antrpicosnos stios de assentamento requer uma classificao suficientemente flexvel

    Quadro 5. Classificao de perfis de solos Terra Preta conforme o SiBCS(Embrapa, 1999) e a Legenda de Arqueo-antrossolos

    SiBCS Fonte Legenda de Arqueo-antrossolos

    Latossolo Amarelodistrfico antropognico

    Perfil 32 (Embrapa, 2001,2002)

    Arqueo-antrossolo Hrtico, cinzento, franco,distrfico, lptico, ferrlico

    Latossolo Amarelodistrfico antropognico

    Perfil 63 (Embrapa, 2001,2002)

    Arqueo-antrossolo grico, epicinzento,argiloso, distrfico, msico, ferrlico

    Argissolo Amareloeutrfico antropognico

    Caldeiro CPAA/Embrapa,Iranduba-AM

    Arqueo-antrossolo Proto-hrtico, cinzento,franco, mesotrfico, msico, crico

    Latossolo Amarelodistrfico antropognico

    TPA-1 (Kern & Kmpf, 1989) Arqueo-antrossolo Hrtico, ebnico, franco,eutrfico, msico, ferrlico

    Latossolo Amareloeutrfico antropognico

    (Lima, 2001) Arqueo-antrossolo Hrtico, ebnico, argiloso,eutrfico, cumlico, ferrlico

    Latossolo Amarelodistrfico antropognico

    Perfil 14 (Embrapa, 2001,2002)

    Arqueo-antrossolo grico, ebnico, arenoso,distrfico, msico, ferrlico

    (no classificado) Perfil 28 Araracuara(Andrade, 1986)

    Arqueo-antrossolo Agro-hrtico, cinzento,arenoso, mesotrfico, msico, arnico

    (no classificado) Perfil 29 Araracuara(Andrade, 1986)

    Arqueo-antrossolo Tapto-grico, cinzento,arenoso, distrfico, cumlico, arnico

    Fonte: Kmpf et al. (2003).

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    e abrangente para representar essa diversidade de forma adequada. Noseu estdio atual, a LCA experimental e incompleta, refletindo asdificuldades e a insuficincia de informaes sobre os solos abrangidos; oaperfeioamento da sua operacionalidade e aplicabilidade depende do apoiocrtico de seus usurios. Todavia, seus autores esperam que, em futuroprximo, sistemas de classificao formais sejam adequados para umadistino satisfatria da variedade de solos antrpicos antigos.

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    Implicaes para o desenvolvimento contemporneoda Amaznia

    Considerando que qualquer atividade humana tem impacto sobre oambiente, as transformaes antropognicas da paisagem amaznicaprovavelmente iniciaram-se com os primeiros colonizadores da regio, hmais de 10.000 anos. Entre essas mudanas, os Arqueo-antrossolos tmimplicaes importantes para a interpretao e o entendimento da pr-histria e da histria da Amaznia. Nesse contexto, estudos arqueolgicose de solos tm contribudo para explicar e entender o passado da Amaznia,contestando a hiptese da ausncia de desenvolvimento cultural impostapor limitaes ambientais. As novas evidncias proporcionados por essesestudos mostram a viabilidade agrcola da Amaznia, com suas implicaespara o desenvolvimento contemporneo da regio.

    Evidncias arqueolgicas e paleoecolgicas sugerem que a ocupaohumana do baixo Amazonas resultou em progressivas transformaes davegetao e de solos nas reas ocupadas (Roosevelt, 2000). Assim, a razode istopos de C estvel (13C) mostrando valores mais negativos no Pleistocenoe Holoceno recente consonante com uma cobertura vegetal de florestatropical mida, enquanto as razes 13C menos negativas aps o incio daEra Crist indicam que no Holoceno tardio a cobertura florestal foi afetadapor derrubada e queima em reas prximas a assentamentos densos.Considerando que as evidncias paleoclimticas desse perodo so favorveis existncia da floresta mida, a explicao mais provvel uma significativadiminuio da cobertura florestal pela ao humana nas reas maisintensamente habitadas. A substituio da floresta por plantas cultivadasna vizinhana de assentamentos est baseada nas razes 13C menosnegativas em ossos humanos no pr-histrico tardio, sendo interpretada

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    como evidncia de uma maior dependncia de plantas C4 cultivadas, comomilho, nos ltimos 1.000 anos da pr-histria. A perturbao da floresta porhumanos no pr-histrico tardio tambm a provvel causa para a expansodas florestas de palmeiras da terra firme, o estabelecimento de castanhaise a expanso das reas com vegetao de cerrado (Roosevelt, 2000).

    Evidncias arqueolgicas, etno-histricas e etnogrficas recentesindicam que no pr-histrico tardio a populao indgena da Amaznia eramuito mais densa e numerosa do que a populao indgena atual,concentrando-se em assentamentos ao longo dos rios e em parte da terrafirme inter ior. Esses assentamentos foram mantidos por formasrelativamente intensas de agricultura permanente e semipermanente, emvez de cultivos itinerantes com longos pousios, usuais para a maioria dosindgenas contemporneos. Arqueo-antrossolos, conhecidos como terrapreta (TP) e terra mulata (TM), so registros desses assentamentosassociados com cultivos intensivos. A sua ocorrncia nas mais diversasclasses de solos mostra que solos antrpicos frteis suportando cultivosprodutivos podiam ser criados quase que em qualquer lugar. Isso indicaque as sociedades indgenas pr-histricas possuam sistemas agrcolasestveis e eficientes para sustentar populaes numerosas e densas,produzir excedentes e manejar resduos.

    Nesse contexto, a concepo de baixo potencial agrcola da Amazniadevido ao predomnio de solos cidos e pobres em nutr ientes(principalmente Latossolos e Argissolos), possibilitando apenas o cultivoitinerante e um desenvolvimento cultural limitado, no encontra suporte.Na realidade, o potencial agrcola (ou ambiental) no algo inerente natureza e independente da cultura dos seus habitantes. A agricultura, porser um fenmeno cultural, implica que o potencial agrcola em partedeterminado culturalmente, envolvendo uma interao entre tecnologia eambiente (Denevan, 2001). A ocorrncia de solos TP e TM em grandesextenses evidencia que na Amaznia pr-histrica havia assentamentosdensos e estveis fazendo uso de sistemas agrcolas sustentveis. Se foiassim no passado, o mesmo pode ser possvel na atualidade. Essastcnicas antigas podem orientar processos modernos, possibilitandosolues alternativas para pequenos agricultores quanto ao manejo de soloscom baixa fertilidade e baixa capacidade de produo. O modelo dedesenvolvimento sustentvel das TPs supe uma grande estabilidade dosassentamentos, a preservao da cobertura vegetal e a execuo detrabalhos contnuos de melhoramento do solo, com policultivos de gros,tubrculos e arbreas frutferas (Mora, 2001).

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    Entretanto, o conhecimento sobre os provavelmente mltiplos processose tcnicas associadas com o desenvolvimento e manuteno das terraspretas ainda insuficiente. Supe-se que a formao e a manutenodesses solos antrpicos antigos sejam o resultado de uma interaocomplexa e dinmica de cultura, assentamento, tecnologia e de estratgiasde produo. Isso significa que as terras pretas e terras mulatas no podemser estudadas unicamente como solos. A pesquisa multidisciplinar einterdisciplinar continuada a melhor forma de pesquisar esse fenmeno,envolvendo profissionais de reas especficas do conhecimento:antropologia, arqueologia, biologia, botnica, cincia do solo, ecologia,economia, geoqumica, histria, sociologia e outras (Madari et al., 2004).

    Fernanda Araujo Costa, pela leitura crtica e pelas sugestes.

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