Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Pesquisa Na Escola e Produção de Conhecimento

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AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM, PESQUISA NA ESCOLA E DOCÊNCIA Israel da Silva Aquino UFRGS Tatiana dos Santos Sequeira UFRGS Dóris Maria Luzzardi Fiss UFRGS RESUMO: Este trabalho foi desenvolvido na Disciplina Educação Contemporânea: currículo, didática, planejamento (2011/01) e consistiu no planejamento e realização de uma pesquisa do tipo Estudo de Caso, numa escola da rede pública estadual de ensino em Porto Alegre, usando o Ambiente Virtual de Aprendizagem Pbworks como espaço de interação e produção compartilhada e colaborativa. Buscou-se, na investigação, estabelecer conexões entre práticas observadas na instituição e o referencial teórico estudado a fim de se compreender as dinâmicas produzidas nos espaços escolares e alternativas de trabalho coerentes com demandas identificadas. Com igual importância, buscou-se, também, compreender se a possibilidade de registro da memória do grupo e da produção compartilhada entre os sujeitos, através dos recursos digitais, enfatiza o saber plural e o debate. A investigação foi empreendida por meio de observação de aulas, entrevistas semiestruturadas, dirigidas a professores e alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental, e análise documental do Projeto Político Pedagógico e Regimento da Escola. Os resultados das entrevistas foram sistematizados e discutidos à luz dos referenciais teóricos propostos pela disciplina, baseando-se em autores como Juarez Dayrell e Boaventura de Sousa Santos, e apresentados como trabalho de conclusão da mesma a partir dos registros feitos no PbWorks. Quanto à escola observada, no que se refere à estrutura física e equipamentos, pode-se depreender que está em situação privilegiada em relação a outras da rede pública, todavia, quanto à dimensão pedagógica, apesar dos esforços dos professores entrevistados, ainda se percebe relativa distância entre conteúdos trabalhados, métodos empregados, interesses e realidade dos alunos. No que concerne ao uso de um AVA como recurso de aprendizagem, ele desempenhou papel fundamental para o desenvolvimento de todas as atividades de pesquisa, funcionando como ferramenta principal de interação e trabalho o que evidencia os benefícios exercidos por este tipo de recurso para a produção de conhecimentos pelos alunos. Palavras-Chave: Currículo. Pesquisa. Ambiente Virtual de Aprendizagem. Docência. Produção de conhecimento. CONTEXTUALIZAÇÃO A Disciplina Educação Contemporânea: currículo, didática, planejamento se organiza a partir de dois eixos interligados que traduzem as suas finalidades: a discussão de fundamentos e conceitos-chave a respeito da escola, do exercício da docência, de currículo, cultura e sociedade bem como da organização didático-metodológica; e a investigação em um espaço escolar e/ou não-escolar a respeito dos principais elementos para o planejamento dos processos de ensino e aprendizagem bem como organização de proposta de intervenções didático-pedagógicas, tendo como base os resultados da

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Este trabalho foi desenvolvido na Disciplina Educação Contemporânea: currículo, didática, planejamento (2011/01) e consistiu no planejamento e realização de uma pesquisa do tipo Estudo de Caso, numa escola da rede pública estadual de ensino em Porto Alegre, usando o Ambiente Virtual de Aprendizagem Pbworks como espaço de interação e produção compartilhada e colaborativa. Buscou-se, na investigação, estabelecer conexões entre práticas observadas na instituição e o referencial teórico estudado a fim de se compreender as dinâmicas produzidas nos espaços escolares e alternativas de trabalho coerentes com demandas identificadas. Com igual importância, buscou-se, também, compreender se a possibilidade de registro da memória do grupo e da produção compartilhada entre os sujeitos, através dos recursos digitais, enfatiza o saber plural e o debate. A investigação foi empreendida por meio de observação de aulas, entrevistas semiestruturadas, dirigidas a professores e alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental, e análise documental do Projeto Político Pedagógico e Regimento da Escola. Os resultados das entrevistas foram sistematizados e discutidos à luz dos referenciais teóricos propostos pela disciplina, baseando-se em autores como Juarez Dayrell e Boaventura de Sousa Santos, e apresentados como trabalho de conclusão da mesma a partir dos registros feitos no PbWorks. Quanto à escola observada, no que se refere à estrutura física e equipamentos, pode-se depreender que está em situação privilegiada em relação a outras da rede pública, todavia, quanto à dimensão pedagógica, apesar dos esforços dos professores entrevistados, ainda se percebe relativa distância entre conteúdos trabalhados, métodos empregados, interesses e realidade dos alunos. No que concerne ao uso de um AVA como recurso de aprendizagem, ele desempenhou papel fundamental para o desenvolvimento de todas as atividades de pesquisa, funcionando como ferramenta principal de interação e trabalho – o que evidencia os benefícios exercidos por este tipo de recurso para a produção de conhecimentos pelos alunos.

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  • AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM,

    PESQUISA NA ESCOLA E DOCNCIA

    Israel da Silva Aquino UFRGS Tatiana dos Santos Sequeira UFRGS

    Dris Maria Luzzardi Fiss UFRGS

    RESUMO: Este trabalho foi desenvolvido na Disciplina Educao Contempornea:

    currculo, didtica, planejamento (2011/01) e consistiu no planejamento e realizao de

    uma pesquisa do tipo Estudo de Caso, numa escola da rede pblica estadual de ensino

    em Porto Alegre, usando o Ambiente Virtual de Aprendizagem Pbworks como espao

    de interao e produo compartilhada e colaborativa. Buscou-se, na investigao,

    estabelecer conexes entre prticas observadas na instituio e o referencial terico

    estudado a fim de se compreender as dinmicas produzidas nos espaos escolares e

    alternativas de trabalho coerentes com demandas identificadas. Com igual importncia,

    buscou-se, tambm, compreender se a possibilidade de registro da memria do grupo e

    da produo compartilhada entre os sujeitos, atravs dos recursos digitais, enfatiza o

    saber plural e o debate. A investigao foi empreendida por meio de observao de

    aulas, entrevistas semiestruturadas, dirigidas a professores e alunos dos Anos Finais do

    Ensino Fundamental, e anlise documental do Projeto Poltico Pedaggico e Regimento

    da Escola. Os resultados das entrevistas foram sistematizados e discutidos luz dos

    referenciais tericos propostos pela disciplina, baseando-se em autores como Juarez

    Dayrell e Boaventura de Sousa Santos, e apresentados como trabalho de concluso da

    mesma a partir dos registros feitos no PbWorks. Quanto escola observada, no que se

    refere estrutura fsica e equipamentos, pode-se depreender que est em situao

    privilegiada em relao a outras da rede pblica, todavia, quanto dimenso

    pedaggica, apesar dos esforos dos professores entrevistados, ainda se percebe relativa

    distncia entre contedos trabalhados, mtodos empregados, interesses e realidade dos

    alunos. No que concerne ao uso de um AVA como recurso de aprendizagem, ele

    desempenhou papel fundamental para o desenvolvimento de todas as atividades de

    pesquisa, funcionando como ferramenta principal de interao e trabalho o que evidencia os benefcios exercidos por este tipo de recurso para a produo de

    conhecimentos pelos alunos.

    Palavras-Chave: Currculo. Pesquisa. Ambiente Virtual de Aprendizagem. Docncia.

    Produo de conhecimento.

    CONTEXTUALIZAO

    A Disciplina Educao Contempornea: currculo, didtica, planejamento se

    organiza a partir de dois eixos interligados que traduzem as suas finalidades: a discusso

    de fundamentos e conceitos-chave a respeito da escola, do exerccio da docncia, de

    currculo, cultura e sociedade bem como da organizao didtico-metodolgica; e a

    investigao em um espao escolar e/ou no-escolar a respeito dos principais elementos

    para o planejamento dos processos de ensino e aprendizagem bem como organizao de

    proposta de intervenes didtico-pedaggicas, tendo como base os resultados da

  • pesquisa realizada e as leituras feitas ao longo do semestre. Nesse sentido, a construo

    de um Pbworks, por Grupos de Trabalho (GT) necessariamente interdisciplinares, com

    exigncia de que participem da composio de cada grupo alunos-representantes das

    diferentes reas de saber presentes na turma, se traduz em exerccio que instiga a

    produzir aes que articulam os dois eixos supracitados, uma vez que o Pbworks

    possibilita elaborao compartilhada: da proposta de pesquisa escolhida ou construda

    pelo grupo e dos dados coletados; da anlise dos dados luz dos referenciais discutidos

    em aula; da produo de comentrios crtico-reflexivos a partir da anlise dos dados na

    articulao com os referenciais e desde um princpio de autoria coletiva que pressupe a

    necessria participao e contribuio de todos os integrantes do grupo; da construo

    das intervenes didtico-pedaggicas desde uma perspectiva de currculo integrado

    segundo a qual as diferentes reas de saber rompem com as relaes hierrquicas,

    estabelecendo possibilidades transversais de dilogo e de trabalho com alunos dos Anos

    Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio.

    O trabalho articulador de pesquisa e docncia, apresentado neste artigo, foi

    desenvolvido no primeiro semestre de 2011, como exigncia da referida Disciplina e

    parte de Projeto de Pesquisa desenvolvido por professor da Faculdade de Educao

    (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre as funes

    desempenhadas pelas Tecnologias da Informao e da Comunicao nos processos de

    produo de conhecimento por alunos universitrios. Ele se organiza a partir de

    orientaes fornecidas aos alunos da Disciplina e tem como suporte o Ambiente Virtual

    de Aprendizagem Pbworks, envolvendo as seguintes etapas: (1) formao de grupos

    interdisciplinares segundo critrios de aproximao definidos pelos alunos da turma; (2)

    produo pelo grupo de Projeto de Trabalho que articula Docncia e Pesquisa; (3)

    execuo do Plano de Trabalho segundo orientaes fornecidas: construo do Pbworks

    do grupo; envio de convite para todos os colegas e para a professora; aproximao do

    espao escolar ou no-escolar no qual ser realizada a investigao; coleta de dados

    acompanhada de postagem dos mesmos no Pbworks e de sua anlise pelos integrantes

    do grupo; definio de categorias interpretativas; dilogo com referenciais discutidos

    nas aulas durante o processo de anlise dos dados; produo de mapas conceituais e

    snteses interpretativas; elaborao de Projeto de interveno junto realidade

    pesquisada a partir do trabalho de coleta e anlise dos dados; estabelecimento de

    interlocuo com o espao escolar ou no-escolar, verificando a possibilidade de

    execuo do Projeto de interveno; socializao do trabalho junto aos colegas de turma

  • em data a ser definida; (4) acompanhamento de todo o trabalho pela professora e pelos

    colegas por meio da postagem de comentrios nos Pbworks em datas definidas junto

    com a turma.

    SOBRE A PESQUISA NA ESCOLA

    O trabalho de aproximao de uma escola tomou a forma de uma pesquisa do

    tipo Estudo de Caso, que implicou na anlise de prticas realizadas numa instituio da

    rede pblica estadual de ensino em Porto Alegre e seu registro e retrabalho num

    PbWorks construdo por um grupo de licenciandos dos Cursos de Letras, Histria e

    Cincias Sociais. Segundo Trivios (2009), Estudo de Caso uma categoria de

    pesquisa cujo objeto uma unidade que se analisa aprofundadamente (p. 133) e [...]

    deve pretender construir um saber em torno de sua particularidade, portanto, o seu

    propsito no representar o mundo, mas representar o caso (2009, p. 133). Este

    mtodo de pesquisa caracterizado por ser descritivo, interpretativo e explicativo e est

    em dilogo com a finalidade das anlises estabelecer conexes entre prticas

    observadas nas instituies e o referencial terico estudado a fim de se compreender as

    dinmicas produzidas nos espaos escolares e alternativas de trabalho coerentes com

    necessidades e demandas identificadas.

    A pesquisa foi o ponto de partida da disciplina, sendo entregue aos alunos trs

    roteiros de investigao para o trabalho inicial de observao de prtica pedaggica em

    espaos escolares e/ou no escolares. Na Primeira Proposta, foi sugerido aos discentes

    que informassem as caractersticas fsicas da instituio, seu sistema de avaliao, sua

    forma de organizao, sendo realizada tambm uma anlise documental. Foram

    propostas duas entrevistas: uma dirigida aos professores, e outra, aos estudantes,

    focando o planejamento adotado pelo educador, a identidade do aluno e como ambos

    enxergam a relao professor-aluno Na Segunda Proposta, as entrevistas deveriam ser

    focadas nos educadores de cada rea de conhecimento presente no GT (Grupo de

    Trabalho), sendo parte importante da pesquisa o reconhecimento de caractersticas dos

    estudantes e professores relacionadas identidade, linguagem e identificao com as

    reas de conhecimento especficas. J, na Terceira Proposta, a base da pesquisa de

    campo deveria ser a questo da interdisciplinaridade, a importncia de cada disciplina

    no contexto escolar e o modo de organizao da instituio, levando em considerao as

    diferenas de idade dos alunos e a metodologia empregada pelos professores nas

    disciplinas.

  • Independentemente da proposta escolhida ou criada pelo GT, os alunos

    precisavam informar em que tipo de instituio o trabalho de campo seria realizado,

    sendo que cada proposta daria destaque a um determinado tema. Apesar da apresentao

    desses roteiros por parte do professor responsvel pela disciplina, eles deveriam apenas

    servir de base para o trabalho, possibilitando aos alunos que acrescentassem suas

    prprias questes e dvidas e, inclusive, misturassem, como melhor lhes conviesse,

    questes das trs propostas, possibilitando a criao de outros roteiros de entrevistas

    coerentes com os objetivos do GT.

    Seria dizer que os Guias de Observao correspondiam a sugestes de

    encaminhamento da investigao no espao escolar ou no-escolar. Mas, em momento

    algum, encarceravam os alunos em um trabalho de campo pr-programado. Todos

    tinham a oportunidade de levar a campo suas dvidas sobre a docncia e seus desafios.

    Sendo assim, o grupo realizou a pesquisa tendo como base a primeira proposta

    oferecida, mas adicionou a ela elementos das outras propostas e questes prprias

    consideradas importantes para a realizao do estudo. As tcnicas utilizadas pelo grupo

    envolveram observao de aulas, entrevistas semiestruturadas, dirigidas a 02

    professores de Histria e 10 alunos do 7 Ano do Ensino Fundamental, e anlise

    documental do Projeto Poltico Pedaggico e Regimento da instituio.

    A escola em que se realizou a pesquisa se constitui em referncia de ensino na

    regio, conforme relatos de ex-alunos, se diferenciando em alguns aspectos. A escola

    recebe alunos de diversos bairros. Como diferencial, possui um jornal peridico, editado

    pelos professores, e um site. As entrevistas com os professores possibilitaram constatar

    que: (1) estes dois professores se diferenciam de alguns de seus colegas pelo entusiasmo

    em aula, permitindo maior aproximao com os alunos, que se identificam com eles,

    mas tambm provocando maior agitao, o que no resultou em problema; (2) a

    participao dos alunos incentivada e exercida, inclusive no que toca s indagaes

    prprias dos estudantes sobre assuntos extra-classe; (3) apesar de receber alunos de

    vrios bairros diferentes, percebeu-se certa identidade socioeconmica comum

    maioria dos alunos; (4) apesar de ser uma escola pblica estadual, ela consegue manter

    um padro minimamente diferenciado em termos de estrutura fsica.

    As conversas e entrevistas realizadas permitiram perceber certas tentativas de

    trabalhos que apontam para a interdisciplinaridade, embora restritas a poucos

    professores. Alm disso, poca das visitas, estava-se preparando uma atividade

    relacionada com a passagem do aniversrio da escola, em conjunto com uma instituio

  • cultural da comunidade, na qual se pretendia trabalhar com a biografia pessoal da

    personagem que lhe empresta o nome, abrindo-se a a oportunidade de um esforo

    coletivo e comum entre as diferentes reas do conhecimento, embora pontual.

    Quanto s vivncias e experincias dos adolescentes e jovens, transparece, nas

    entrevistas, por um lado, uma idia do espao escolar como espao de convivncia e

    relacionamento, tal como afirma Dayrell (1996; 2007). Por outro lado, presente

    tambm, entre os discursos dos alunos, a percepo da escola como espao provedor de

    um futuro melhor, como necessria a uma boa colocao profissional, o que

    demonstra o quanto esse discurso est presente nessa gerao o que est sistematizado

    na Tabela 1 (Anexo 1).

    No que se refere, especificamente, aos significados atribudos pelos estudantes

    escola e importncia que conferem ao estudo, constataram-se algumas recorrncias

    que podem ser assim apresentadas: (1) escola como possibilidade de futuro melhor 5

    vezes; (2) escola como via de entrada no mercado de trabalho 4 vezes; (3) escola

    associada ideia de ser algum na vida, ser melhor 4 vezes; (4) escola associada

    ideia de que estudar importante 4 vezes; (5) escola associada possibilidade de ver

    amigos 4 vezes; (6) escola associada possibilidade de aprender e ampliar

    conhecimentos 3 vezes; (7) escola como espao de lazer 1 vez. Complementando

    essas respostas, os alunos referiram o que gostariam que fosse discutido na escola

    (Anexo 2).

    As respostas evidenciam que os alunos desejam que sejam trabalhados temas de

    seu interesse e, tambm, questes articuladas s relaes que se constituem na escola

    (por exemplo, violncia na escola) o que significa que h um conjunto variado de

    expectativas e significados rondando a escola e que os alunos gostariam de poder

    participar de sua construo. Isso lembra o que Dayrell (1996; 2007) chama de escola

    homogeneizante e de escola polissmica (2007, Dayrell, p. 9). Se, por um lado, a

    escola homogeneizante no olha para os alunos como sujeitos diversos, mas como

    alunos homogneos dos quais se espera modos de comportamento padro, por outro

    lado, e estabelecendo zonas de tenso, a escola polissmica se revela a partir de seus

    mltiplos sentidos, de sentidos que so diferentes para cada um, sentidos que, muitas

    vezes, so ignorados pela organizao oficial (2007, Dayrell, p. 2), que se rene para

    decidir contedos e conversar sobre a instituio sem que isso envolva necessariamente

    os alunos.

  • As respostas permitiram constatar que os alunos constituem inmeros saberes, e

    que o papel da escola potencializar este processo, problematizar questes, trazer

    desafios. Como diz Dayrell (1996; 2007). Apreender a escola como construo social

    implica, assim, compreend-la no seu fazer cotidiano, onde os sujeitos no so apenas

    agentes passivos diante da estrutura (Dayrell, 2007, p. 2), percebendo os alunos como

    construtores da histria da prpria escola em que esto inseridos e de sua comunidade.

    A experincia de voltar a uma sala de aula fez pensar tambm sobre se o

    contedo e a forma como ele trabalhado so realmente teis. Muitas correntes

    tericas, incluindo a de Boaventura de Sousa Santos (2008), questionam o paradigma

    dominante que se caracteriza por ser um modelo global de racionalidade cientfica [...],

    um modelo totalitrio [...] que nega o carter racional de todas as formas de

    conhecimento que no se pautarem pelos seus princpios epistemolgicos e pelas suas

    regras metodolgicas (Santos, p. 21). Santos (2008), ao aprofundar tal discusso,

    contrape a este paradigma o emergente que, segundo o autor, acredita em um

    conhecimento no dualista, um conhecimento que se funda na superao das

    distines (p. 64), no qual cincias naturais e cincias sociais esto integradas. Desde

    esta compreenso, o conhecimento tomado como total e local, ou seja, Constitui-se

    em redor de temas que em dado momento so adoptados por grupos sociais concretos

    como projectos de vida locais [...]. Os temas so galerias por onde os conhecimentos

    progridem ao encontro uns dos outros (Santos, 2008, p. 76). Voltar sala de aula,

    acompanhar o trabalho docente, conversar com professores e alunos, na instituio que

    contribuiu com este estudo, evidenciou a necessidade de ruptura em relao a alguns

    elementos do paradigma dominante que tm produzido distanciamento entre os

    contedos, a dinmica de ensino e os interesses e necessidades dos alunos.

    SOBRE O TRABALHO NUM AVA

    Nas visitas instituio escolar, tornou-se possvel a proposio de

    questionamentos e a produo de alguns saberes referentes docncia e aos seus modos

    de produo, tendo sido recolhido extenso material junto aos professores e alunos

    entrevistados. Para a construo desta investigao, desempenhou papel fundamental a

    utilizao do Ambiente Virtual de Aprendizagem PbWorks, como ferramenta principal

    de interao e trabalho. A descoberta de possibilidades tanto interacionais quanto

    informacionais oferecidas pela TIC remete ao que Alves (2010) destaca quando diz que:

  • Atravs dela podem-se intercambiar informaes, ideias,

    mensagens eletrnicas, servios etc. um espao de

    comunicao que rene pessoas que se encontram por vezes

    muito afastadas umas das outras no plano geogrfico, mas que

    se aproximam em torno de interesses comuns. [...] um espao de

    reunio e [...] um lugar onde se pode exprimir a solidariedade

    (Alves, 2010, p. 146).

    O ambiente virtual surgiu como uma ferramenta de desenvolvimento da proposta

    de trabalho, modificando o entendimento do grupo a respeito da prtica escolar no que

    tange aos efeitos da utilizao do AVA sobre as dinmicas estabelecidas pelos alunos, o

    que significou, tambm, mudanas no modo como se pensava a educao.

    Para o grupo de trabalho, o Pbworks foi responsvel pelo surgimento de um

    novo cenrio repleto de possibilidades de aprendizagens, marcando diferentemente cada

    um dos componentes do grupo que vinham de trs cursos distintos Letras, Cincias

    Sociais e Histria. Os estudantes se apropriaram do espao ciberntico de formas muito

    particulares, se adaptando, superando dificuldades surgidas com a nova ferramenta e

    construindo sua finalidade de forma muito individual. Enfim, criando trajetrias

    prprias de uso do Pbworks conforme suas reas de interesse ao mesmo tempo em que

    eram instigados a trabalhar com o contedo em equipe, utilizando o tema gerador como

    perspectiva interdisciplinar de planejamento da ao pedaggica. A necessidade de

    trabalhar em rede no apenas no sentido ciberntico, mas tambm no que diz

    respeito interdisciplinaridade auxiliava a desenvolver a capacidade de trabalhar em

    equipe, respeitando e dialogando com os colegas e suas diversas reas de conhecimento.

    De uma maneira pouco convencional, o ambiente virtual trouxe diversos

    encontros no programados, compartilhados pelos integrantes do grupo quando os

    mesmos acreditavam ter algo para expor. Isso permitiu que os educandos tivessem mais

    tempo para pensar o trabalho da disciplina, sem a obrigatoriedade de encontros

    presenciais para manifestar suas idias e dvidas, pois estas poderiam surgir e serem

    expostas a qualquer momento atravs do ambiente virtual. Por outro lado, como afirma

    Marta Leivas (2004), a presena ou a ausncia do outro no espao virtual parece ser

    mais sentida, visto ser a forma de participao nesses espaos eminentemente escrita, ou

    seja, a nica maneira de saber se algum est participando das discusses atravs de

    suas postagens. Alm disso, a possibilidade de registro da memria do grupo e da

    produo compartilhada entre os sujeitos atravs dos recursos digitais enfatiza o saber

  • plural e o debate. Com o auxlio de um ambiente propcio interao,

    independentemente dos participantes estarem conectados ao mesmo tempo ou prximos

    geograficamente, tornou-se possvel o estabelecimento de prticas de interao

    diversificadas, ampliando as possibilidades do trabalho e enriquecimento da produo

    como um todo.

    Os recursos oferecidos pelo Pbworks permitiram que os alunos gerenciassem

    suas prticas educacionais, revelando outras formas de trabalhar, de se comunicar, se

    relacionar, aprender e pensar o espao de aprendizado e de ao educacional. Foi

    atravs do ambiente virtual que os discentes revelaram a sua maneira particular de

    compreender os contedos e utiliz-los, se constituindo, portanto, em ferramenta para

    construir conhecimento por meio da interao (Coll e Monereo, 2010, p. 39) e do

    trabalho colaborativo, lembrando que, como esclarecem Onrubia, Colomina e Engel

    (2010), na colaborao, cada membro do grupo contribui para resolver conjuntamente

    o problema; a colaborao depende, por isso, do estabelecimento de uma linguagem e

    de significados comuns no que diz respeito tarefa, alm de uma meta comum para o

    conjunto dos participantes (p. 210).

    A oportunidade da presena simblica, por meio da ferramenta virtual, para a

    elaborao e acompanhamento do trabalho em grupo permitiu uma maior integrao,

    compartilhamento e transmisso de informaes, ideias e concepes, no apenas entre

    os integrantes do grupo de trabalho, mas tambm com os demais grupos da classe,

    desafiando os estudantes a desenvolverem hipteses, analisarem resultados, procurarem,

    selecionarem e explorarem informaes pertinentes, resolverem problemas e

    aprenderem independentemente do professor. Em resumo, a utilizao do ambiente

    virtual permitiu a troca rpida e facilitada de informaes entre diferentes grupos, o que

    no aconteceria sem este recurso. Revelou-se, tambm, um importante aliado a se opor

    segregao das disciplinas e possibilitou o exerccio da liberdade de expresso, dando

    espao individualidade respeitando as diferenas cognitivas e os diferentes modos de

    apropriao dos recursos e, ao mesmo tempo, trabalhando o conceito de coletividade

    nas decises e atuaes do grupo o que envolveu um processo de reconhecimento do

    conhecimento do outro.

    Jos Armando Valente (1993; 1997), nos textos O uso inteligente do

    computador na educao e Diferentes usos do computador na educao, estabelece

    diferenas no processo de ensino aprendizagem atravs do computador a partir do modo

    como ele utilizado: mquina de ensinar, ou seja, reprodutor do ensino tradicional, ou

  • ferramenta a partir da qual o aluno ensina o computador. O autor alerta que

    extremamente saudvel a coexistncia de ambas as modalidades, devendo, cada uma,

    ser utilizada em situaes de ensino aprendizagem para as quais mais se adquam. No

    caso do trabalho desenvolvido pelo grupo, a aprendizagem se concretizou atravs da

    execuo de tarefas por intermdio do computador, sendo o aluno o protagonista e o

    computador um instrumento que possibilitou este desenvolvimento. No entanto, no se

    limitou funo de mquina de ensinar, pois o ambiente virtual tornou possvel uma

    nova abordagem pedaggica a partir da qual o prprio PbWorks aparece como criador

    de condies de aprendizagem e principal meio de interao e construo coletiva do

    grupo.

    CONSIDERAES FINAIS

    Se, por um lado, a realizao da pesquisa na escola ofereceu aos integrantes do

    grupo de trabalho a possibilidade de reconsiderar suas concepes, atravs de debates e

    reflexes que enriqueceram o pensar sobre a educao, por outro torna-se indispensvel

    salientar a importncia que a utilizao do AVA PbWorks teve enquanto

    potencializador das atividades realizadas. A dinmica diferenciada oferecida por esta

    ferramenta de aprendizagem, na conduo das discusses e na sistematizao das

    informaes recolhidas, demonstrou de forma clara que a utilizao deste tipo de

    recurso amplia as possibilidades da pesquisa e do ensino, criando novas formas de

    interao e suscitando, mesmo, novos questionamentos e interesses de estudo. Em

    outras palavras, tanto a pesquisa quanto o trabalho num ambiente virtual permitiram a

    descoberta de outros modos de construo do saber, decorrendo disso novas formas de

    trabalho, de comunicao, de colaborao e compartilhamento, de aprendizado.

    Questes e temas foram problematizados, incentivando o debate, trazendo desafios,

    oferecendo ao educando a possibilidade de criao e apropriao de conhecimentos

    produzidos por ele mesmo.

    O trabalho de pesquisa com o uso do Pbworks exigiu dos alunos: adaptao s

    novas ferramentas utilizadas, superao das dificuldades relacionadas ao trabalho de

    campo, habilidade de sistematizao do contedo e um olhar crtico em relao ao

    espao da escola, instigando-os a enriquecerem sua produo atravs do conhecimento

    do outro, mas sempre respeitando as diferenas cognitivas e os diferentes modos de

    apropriao dos saberes. Identificou-se, por meio da investigao num espao escolar, a

    necessidade de dar importncia no somente identidade cultural do aluno e a como ele

  • trabalha o contedo, mas tambm do educador, considerando como ambos enxergam e

    constituem suas representaes no que concerne s relaes estabelecidas entre eles, os

    contedos, as dinmicas de trabalho e a realidade da escola.

    Nesse sentido, as Novas Tecnologias de Informao e Comunicao (NTIC)

    podem cumprir um papel de destaque em um momento em que se faz to necessrio

    repensar as prticas desde uma perspectiva em que se compreenda essas ferramentas

    como parte de um processo cujo protagonismo precisa ser desempenhado por sujeitos

    comprometidos com um modelo de ensino plural e democrtico. Entende-se ser esta

    uma via possvel para a incorporao das demandas e saberes dos educandos s prticas

    cotidianas das instituies de ensino, uma das muitas formas possveis de tornar a

    educao uma experincia mais atraente e significativa. Sempre levando em conta,

    claro, que a utilizao dessas ferramentas e tecnologias inovadoras no produzem

    mudanas por si s, mas funcionam como mediadoras em aes pedaggicas que podem

    levar as relaes de ensino-aprendizagem a outros patamares se partirem de uma ao

    refletida, consciente e comprometida com os educandos, sua cultura e suas histrias de

    aprendizagem.

    Conclui-se que a utilizao de um Ambiente Virtual de Aprendizagem ampliou

    as possibilidades do trabalho de pesquisa na escola, levando mesmo ao surgimento de

    questes, entre os participantes, quanto a utilizao e benefcios deste tipo de ferramenta

    para a prtica pedaggica. Ademais, a realizao do trabalho permitiu uma aproximao

    entre a teoria estudada e a prtica nos espaos escolares, bem como a reflexo sobre os

    desafios colocados para os futuros professores.

    REFERNCIAS

    ALVES, Snia Clia de Oliveira. Interao on-line e oralidade. In: MENEZES, Vera

    Lcia (org.). Interao e aprendizagem em ambiente virtual. Belo Horizonte: Ed. da

    UFMG, 2010. p. 145-170.

    COLL, Csar & MONEREO, Carles. Educao e aprendizagem no sculo XXI: novas

    ferramentas, novos cenrios e novas finalidades. In: ______ (orgs.). Psicologia da

    Educao Virtual: aprender e ensinar com as Tecnologias da Informao e da

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    DAYRELL, Juarez Tarcsio. Escola como espao scio-cultural. In: ______ (org.)

    Mltiplos Olhares sobre educao e Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

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    LEIVAS, Marta. Riscos & Bordados: o ensino de Histria e as tecnologias de

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    ONRUBIA, Javier; COLOMINA, Rosa; ENGEL, Anna. Os ambientes virtuais de

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    COLL, Csar & MONEREO, Carles. Psicologia da Educao Virtual: aprender e

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    TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introduo pesquisa em cincias sociais: a

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    revista pedaggica. Editora Artes Mdicas Sul. Ano 1, N 1, 1997, p. 19-21.

    ANEXOS

    Anexo I Tabela 1: Perfil dos estudantes e significados atribudos escola

    Mora com quem Por que vai escola O que quer fazer

    depois da escola

    Por que a escola

    importante

    1 Pai, me e irmos Futuro digno Faculdade, trabalhar Futuro melhor

    2 Pai, me e irmo Aprender e ser algum Estgios e

    faculdade

    Futuro melhor, ser

    algum

    3 Pai, madrasta e

    irm

    Gosta de jogar e ver

    amigos

    Ser piloto de avio no parar no tempo

    4 Pai, me e irmo Acha importante e

    gosta de ver amigos

    Faculdade de

    medicina

    sem estudo ningum nada

    5 Pai, me e irmos Estudar e encontrar

    amigos

    Engenharia ou

    medicina

    Para ter um bom

    futuro

    6 Me e irm Estudar importante Direito e carreira -

  • porque s vencem os melhores

    militar

    7 Padrasto, me e

    irmo

    Acha importante Fazer cursos e

    trabalhar

    Para conseguir

    emprego

    8 Pai e me Acha importante jornalismo Mercado de

    trabalho

    9 Pai e me Acha importante, ver

    amigos

    Trabalhar e fazer

    faculdade

    Define o futuro

    10 Pai, me e irmo Melhor colocao no

    mercado de trabalho

    Cursos, faculdade,

    trabalhar

    Amplia

    conhecimentos e

    colocao

    profissional

    Anexo 2 Tabela 2: Interesses de estudo

    Assuntos

    relacionados aos

    seus interesses

    No sabe

    responder

    Escola Atualidades

    Quantidade de

    Alunos

    4 2 3 1