América Colonial

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América Colonial: agentes históricos Não se deve pensar a História como o estudo de fatos isolados no passado. Cada um destes fatos ocorreu dentro de um processo histórico e assim, para estudar um acontecimento, é necessário buscar entender os fatores que deram início a este processo, bem como os efeitos do acontecimento em épocas posteriores. O motor dos acontecimentos é, justamente, uma combinação de diversos fatores, sendo estes da mais variada natureza. Os processos históricos só se dão através da ação, do pensamento, vontade de agentes históricos e para que sejam bem compreendidos, é necessária uma análise destes agentes. Assim como a História, os agentes históricos não podem ser analisados como seres isolados de seu tempo e, portanto, é requerida uma investigação acerca da sociedade em que se encontraram suas visões de mundo, seus costumes. Os agentes históricos então, são capazes de moldar e determinar o que será a História de um processo e, por isso, a História pode ser analisada conforme a ótica de diferentes agentes. A história da colonização espanhola sob o Novo Mundo é, por exemplo, um processo histórico onde há diversos agentes: a Coroa espanhola, os colonizadores, os missionários, os índios, os criollos, os funcionários da coroa residentes na América, os escravos negros. O período é definitivamente entendido de modo diferente por cada um destes agentes. Tomando-os como exemplo, é possível dividi-los em dois grupos, devido ao fato de que, entre estes agentes, apenas a Coroa espanhola encontra-se em outro território, para o outro lado do Oceano Atlântico. Assim, a presença física dos outros agentes, fez com que fosse criada uma dinâmica social, econômica e política que, apesar de ser permeada pelos quereres e ordens da Coroa, não era totalmente controlada pelo poder régio e seus funcionários1. Em cada momento deste processo histórico, descobrimento, montagem do sistema colonial e sua prática, há diferentes agentes envolvidos e que, apesar de estarem ligados a um projeto comum, liderado pela Coroa espanhola, o de colonização do Novo Mundo, tinham interesses, ambições

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América Colonial: agentes históricosNão se deve pensar a História como o estudo de fatos isolados no passado. Cada um destes fatos ocorreu dentro de um processo histórico e assim, para estudar um acontecimento, é necessário buscar entender os fatores que deram início a este processo, bem como os efeitos do acontecimento em épocas posteriores. O motor dos acontecimentos é, justamente, uma combinação de diversos fatores, sendo estes da mais variada natureza. Os processos históricos só se dão através da ação, do pensamento, vontade de agentes históricos e para que sejam bem compreendidos, é necessária uma análise destes agentes. Assim como a História, os agentes históricos não podem ser analisados como seres isolados de seu tempo e, portanto, é requerida uma investigação acerca da sociedade em que se encontraram suas visões de mundo, seus costumes. Os agentes históricos então, são capazes de moldar e determinar o que será a História de um processo e, por isso, a História pode ser analisada conforme a ótica de diferentes agentes.A história da colonização espanhola sob o Novo Mundo é, por exemplo, um processo histórico onde há diversos agentes: a Coroa espanhola, os colonizadores, os missionários, os índios, os criollos, os funcionários da coroa residentes na América, os escravos negros. O período é definitivamente entendido de modo diferente por cada um destes agentes. Tomando-os como exemplo, é possível dividi-los em dois grupos, devido ao fato de que, entre estes agentes, apenas a Coroa espanhola encontra-se em outro território, para o outro lado do Oceano Atlântico. Assim, a presença física dos outros agentes, fez com que fosse criada uma dinâmica social, econômica e política que, apesar de ser permeada pelos quereres e ordens da Coroa, não era totalmente controlada pelo poder régio e seus funcionários1.Em cada momento deste processo histórico, descobrimento, montagem do sistema colonial e sua prática, há diferentes agentes envolvidos e que, apesar de estarem ligados a um projeto comum, liderado pela Coroa espanhola, o de colonização do Novo Mundo, tinham interesses, ambições próprias agiam de modo a fim de concretizar suas utopias.

Os impérios costumam resultar de regiões economicamente prósperas, que detém abundantes recursos naturais e tecnológicos. Mas o império além-mar espanhol, inverteu essa lógica. Assim, como se explicaria o fato da Espanha, um território com escassos recursos, além de uma econômica subdesenvolvida, ter se tornado o pioneiro das empresas coloniais? Segundo Felipe Fernández-Arnesto2, o respaldo financeiro italiano, principalmente genovês foi fundamental, além do fato de que os ventos na região atlântica favoreciam as viagens entre Europa e América. O autor também aborda uma questão cultural, própria da Europa Ocidental, a cultura aventureira. Esta cultura teve influências da cultura cavalheiresca, amplamente descrita e cultuada nas obras literárias da época pelos trovadores. Fernández-Arnesto afirma que a cultura aventureira estimulava o imaginário de partes das sociedades, como as elites aristocráticas e, principalmente, os grupos sociais que aspiravam títulos nobres, fazendo-os sonhar em concretizar estas experiências relatadas. Outras culturas não tão ligadas à produção literária não tiveram esta importante motivação.

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O Novo Mundo, de certo modo, representava uma chance para os aventureiros de reinventar-se, de enriquecer, de ganhar poder e importância frente a uma sociedade onde a mobilidade social era muitíssimo custosa. É evidente que não houve motivações únicas para os que vieram se aventurar nas terras americanas, mas Steve J. Stern descreve três principais paradigmas dos conquistadores, da riqueza, da evangelização cristã e da preeminência social3. Segundo o autor, o primeiro paradigma vai além da riqueza que o ouro representava a sociedade europeia na época. Explica por meio de relatos4 que havia uma espécie de fetichismo, adoração exacerbada em relação ao metal precioso. O saque das comunidades indígenas, em um primeiro momento, foi o meio mais utilizado para adquirir o ouro.A ida de frades, sacerdotes e missionários se deve principalmente ao paradigma da evangelização cristã, pela qual se pretendia catequisar os índios e assim, expandir a fé cristã.O terceiro e último paradigma descrito por Stern, da proeminência social, ilustra talvez as principais vontades dos colonizadores: atingir uma posição de poder e autoridade, fugir das rígidas estruturas sociais da sociedade europeia e também mostrar prestação de serviços, para que suas recompensas e ascensão social fossem legitimadas pela sociedade e pela Coroa. Costuma-se pensar os colonizadores como um grupo homogêneo, que tinha em mente estes três paradigmas. Mas, na maioria das vezes, um destes paradigmas destacava-se nas fantasias e ambições de cada colonizador. Era claro que a colonização traria, de algum modo, benefícios e realizações para os colonizadores, mas a anseio por tais, fez com que a convivência entre diferentes sentidos da colonização se tornasse impraticável. O grupo dos colonizadores na verdade, foi ao contrário de homogêneo. Dividiu-se em facções que brigavam por suas próprias utopias, sendo algumas semelhantes às da Coroa, e também pelos círculos mais privilegiados de poder entre os conquistadores afinal, desde cedo, havia-se criado uma hierarquia entre estes agentes, fazendo a sociedade dos colonizadores cheia de intrigas e traições políticas. O cristianismo era unânime entre os missionários religiosos, mas havia grandes diferenças entre os grupos missionários presentes na América. Bartolomé de Las Casas, conhecido por lutar contra os maus tratos espanhóis sob os índios, critica até mesmo os missionários, dizendo que subverteram a missão cristã aliando-se aos colonizadores e que igualmente a eles, destruiriam toda a população indígena, sendo esta uma guerra injusta, cruel, tirânica e sangrenta5.Algumas décadas após a fase do descobrimento do Novo Mundo iniciou-se de fato a montagem do sistema colonial. As formas de trabalho foram organizadas, os engenhos foram implantados e a estruturas administrativas e de conselho também. Acerca da organização das formas de trabalho indígenas, antes realizadas apenas por encomienda, pode-se dizer que, em um primeiro momento, a mita ganhou extrema importância. Mas a partir do século XVII, começa a perder tal importância e os trabalhadores mingados, passam a predominar o cenário do mundo do trabalho indígena. O trabalho dos mingados não foi previamente planejado pelas instâncias superiores espanholas, assim, Stern6 afirma que a relação de trabalho modificou-se por uma pressão interna, vinda principalmente por parte dos indígenas, que resistiram e insistiram em uma nova forma de trabalho, pois

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esta apresentava melhores condições, como o salário em minério. Apesar das variáveis internas, como a luta de classe terrena, serem também responsáveis por mudanças nos sistemas planejados pela Coroa, seus funcionários e conselheiros, esta mudança no mundo do trabalho também está relacionada a variáveis externas, como afirma Wallerstein. A época de guerras com a Holanda enfraqueceu e economia a economia da Espanha. Neste momento o processo de amalgamação foi levado a América, fazendo com que a empresa da prata crescesse muitíssimo. Porém, este processo era extremamente degradante para os índios, pois passavam horas a fio pisando em uma mistura contendo mercúrio e isto era, claramente, uma desvantagem para a Coroa, que perdia seus trabalhadores mais rapidamente. Então, para Jason Moore, o decaimento do trabalho sob a forma de mita foi, na verdade, uma concessão aberta aos indígena, não só porque havia pressão interna para que isto ocorresse, mas também porque a perda de trabalhadores era um prejuízo para as a Metrópole. O que se pode ver é que as pressões internas definiam e cada vez mais definiriam dinâmica da Colônia, principalmente com a ascensão, em momento posterior, da elite nacional americana, mas a relação Colônia-Metrópole está sujeita a influências externas, pois, qualquer acontecimento que atingisse de alguma forma a Espanha, iria necessariamente afetar a América e vice-versa, já que esta relação não existe num vácuo, tornando possível que outros acontecimentos influenciem seus modos de agir.As estruturas administrativas do governo do Novo Mundo foram construídas de modo que fosse evitada, quase que obsessivamente, uma excessiva concentração de poder 7, culminando em uma estrutura onde os deveres de diferentes ordens fossem distribuídos. Havia os principais setores administrativos, como os vice-reis, funcionando como um alter-ego do rei, segundo Elliot, e o Conselho das Índias. Na esfera legislativa os oidores também tinha papel de assegurar eficácia das leis. Nas esferas administrativas mais locais, as vilas ou pequenos centros urbanos, havia conselhos próprios, onde havia juízes, conselheiros, chamados cabildos. As vilas só podiam possuir cabildos quando fossem decretadas capazes de se autogovernar. O intuito não é descrever longamente estas estruturas de poder administrativas, mas apenas exemplificar, para que fique evidente o quanto a estrutura de poder criada na Espanha e implantada na América, era fragmentada. Se por um lado esta excessiva fragmentação era um benefício para a Coroa, pois deste modo nenhum destes postos desfrutava de grande autonomia e também pelo da figura da Coroa assim estar presente em todas as esferas do mundo colonial, por outro, os ordens régias decididas juntamente ao Conselho das Índias, encontravam um longo caminho até chegarem à esfera administrativa mais próxima da população, para assim ser de fato posta em prática. Deste modo, Elliot afirma que as ordens vindas da Espanha passavam pelas diversas manobras de cada um dos grupos para moldá-las a favor de seu benefício individual, fazendo com que o poder real fosse filtrado, mediado e dispersado.As principais fases da relação América-Espanha foram determinadas por variáveis internas e externas, como foi discutido e brevemente exemplificado anteriormente. Na fase das grandes navegações e do descobrimento, a cultura cavalheiresca junto ao investimento genovês; durante a montagem do sistema colonial, as diferentes utopias dos conquistadores chocavam-se entre si e chocavam-se com as da Coroa; durante a prática do sistema, a dinâmica terrena da América em relação e, em alguns casos, contraposição aos

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quereres e ordens da Coroa, a estrutura de poder descentralizada que permitia certa autonomia, mas a burocratização atava a mão dos administradores, obrigando-os sempre a se remeter ao governo da Espanha. Assim, é possível perceber que apesar da Coroa espanhola ter mantido sua Colônia sob controle, sem grandes agitações políticas, sempre complementando sua economia, o que acontecia no terreno do Novo Mundo costumava ser diferente do que era idealizado pela Europa, pois, como anteriormente explicado, a convivência terrena, do dia-a-dia da população residente na América, fez com que fosse criada uma dinâmica relativamente própria.Não há História sem agentes históricos. Portanto, a história desta relação prova que os agentes envolvidos, sendo estes presentes na América ou na Espanha, são capazes de moldar a história, através de pressões, discursos, vontades, utopias, revoluções, alianças, enfim, de suas ações.