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1 COMITÊ LATINO-AMERICANO E DO CARIBE PARA A DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER COMUNICAÇÃO AO COMITÊ SOBRE A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER AMICUS CURIAE por CLADEM Caso: ALYNE DA SILVA PIMENTEL Equipe de Petições Alto Comissariado para os Direitos Humanos Escritório das Nações Unidas em Genebra 1211 Genebra 10, Suiça e-mail: [email protected] SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO II - INTERESSE E LEGITIMIDADE DO CLADEM III - A MORTALIDADE MATERNA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL IV- VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE ALYNE PIMENTEL

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COMITÊ LATINO-AMERICANO E DO CARIBE PARA A DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER

COMUNICAÇÃO AO COMITÊ SOBRE A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER

AMICUS CURIAE

por CLADEM

Caso: ALYNE DA SILVA PIMENTEL

Equipe de Petições Alto Comissariado para os Direitos Humanos Escritório das Nações Unidas em Genebra 1211 Genebra 10, Suiça e-mail: [email protected] SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO

II - INTERESSE E LEGITIMIDADE DO CLADEM

III - A MORTALIDADE MATERNA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL À

LUZ DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL

IV- VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE ALYNE PIMENTEL

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O Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da

Mulher (CLADEM), representado por sua coordenadora regional, Norma Enríquez

Riascos, e pela responsável de seu programa de litígio internacional, Valéria

Pandjiarjian, com o patrocínio da Dra. Maria Beatriz Galli e da Dra. Carmen Hein de

Campos, advogadas e integrantes do CLADEM-Brasil, com relação à comunicação

apresentada pelo Centro de Direitos Reprodutivos (CRR) e Advocacia Cidadã pelos

Direitos Humanos (Advocaci) no caso Alyne da Silva Pimentel contra Brasil;

assinalando como domicílio processual a sede do CLADEM localizada em Jr. Estados

Unidos 1295, Dpto. 702, Jesús Maria, Lima 11, Peru, telefone (51 1) 463.9237 e fax (51

1) 463.5898; vem, respeitosamente, solicitar ao Comitê sobre a Eliminação da

Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW) admitir o presente AMICUS

CURIAE no caso Alyne da Silva Pimentel vs. Brazil apresentado pelo Center for

Reproductive Rights (CRR) e Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos

(ADVOCACI).

O Amicus Curiae apresenta standares de direito internacional dos direitos

humanos e dados específicos de pesquisas que acreditamos irá subsidiar este Honorável

Comitê na análise e resolução das questões apresentadas na presente comunicação. O

Amicus Curiae está baseado nos direitos humanos à vida, à saúde, à igualdade e não

discriminação, previstos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher (CEDAW), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis

e Políticos (PIDCP), no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e

Culturais (PIDESC), na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação Racial (CERD), na Convenção Interamericana para Prevenir,

Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), bem

como em outros relevantes documentos internacionais.

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I - INTRODUÇÃO

“A tragédia da morte materna não é somente o fato de ocorrer em um momento de expectativa e alegria; é uma das formas mais terríveis de morrer. A mulher pode ver a si mesma sangrando até a morte sem nenhuma ajuda capaz de fazê-la cessar o sangramento.” 1

A mortalidade materna é uma tragédia desnecessária no Brasil. O Banco Mundial e o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) declararam a taxa de

mortalidade materna no Brasil como sendo de 110 mortes maternas por 100.000

nascidos vivos.2 Em contraste, o Ministro da Saúde no Brasil apresentou estimativas

mais baixas, de 54 mortes por 100.000 nascidos vivos.3 Como apontado por Sandra

Valongueiro Alves, os dados do Ministério da Saúde são muitas vezes retirados

diretamente de estatísticas vitais, sem qualquer avaliação da sua sub-notificação.4

Entretanto, até o governo reconheceu que existe uma “subavaliação da taxa de

mortalidade materna, de pelo menos, duas vezes.”5 Tais resultados diferentes revelam a

dificuldade de estimar a magnitude da mortalidade materna no Brasil, tendo em vista o

tamanho do país e as significativas diferenças na assistência à saúde e nas estatíticas

vitais nas diferentes regiões geográficas.6

As tentativas do governo de reduzir as taxas de mortalidade materna tem sido

insuficientes para assegurar os direitos humanos das mulheres relacionados à gravidez,

parto e pós-parto. No Brasil, o risco de morbidade e mortalidade materna varia de

1 Cook R.J., Dickens B.M., Fathalla M.F., Reproductive Health and Human Rights, 2002, página 394 (tradução e grifos nossos). 2 Banco Mundial, BRAZIL: MATERNAL AND CHILD HEALTH, REPORT NO. 23811-BR ¶ 1.3 (2002) [a partir de agora Banco Mundial Saúde Materna e Infantil World Bank; United Nations Development Program (UNDP), Human Development Report 2006: Brazil Fact Sheet, (2006) disponível em: http://hdrstats.undp.org/countries/country_factsheets/cty_fts_BRA.html. 3 See e.g., Sandra Valongueiro Alves, Mortalidade Materna em Pernambuco, Brasil: o que mudou em dez anos? (“Maternal Mortality in Pernambuco, Brazil: what changed in ten years?”) 15(30) Reproductive Health Matters, 134-144 at 134 (2007) [hereinafter Valongueiro, Mortalidade Materna]. 4 Ibid. 5 Tribunal de Contas de União (TC), Evaluation of Maternal Mortality Monitoring and Prevention ¶1.7 (2000) available at http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/programas_governo/areas_atuacao/saude/Mortalidade_Materna_Monitoramento_1.pdf. 6 Valongueiro, Mortalidade Materna, supra note ¡Error! Marcador no definido., at 134.

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acordo com a região geográfica do país, raça, etnia, e condição sócio-econômica. As

mulheres não morrem somente pela falta de acesso aos serviços de saúde, mas também

devido à má qualidade da assistência que recebem durante a gravidez e o ciclo

puerperal. Uma grande quantidade de profissionais de saúde não recebe treinamento

suficiente para lidar de forma apropriada com situações de emergência obstétrica. A

situação se agrava com a má gerência dos serviços de saúde, a falta de infra-estrutura na

assistência à saúde, incluindo falta de leitos, equipamentos e transporte unidades de

saúde melhor equipadas. O caso Alyne é um exemplo vívido de como uma assistência

inadequada à emergência obstétrica, e um sistema de saúde frágil, contribui para as altas

taxas de mortalidade materna no Brasil. Portanto, a relevância desse Amicus Curiae por

parte do CLADEM

II - INTERESSE E LEGITIMIDADE DO CLADEM

O Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

(CLADEM) é uma organização não governamental, com 20 anos de atuação, cuja

finalidade é articular os esforços de pessoas, grupos e organizações nos países da região

para a promoção, vigilância e defesa dos direitos humanos das mulheres. O CLADEM

atua desde uma perspectiva feminista e sóciojurídica para combater a discriminação de

gênero e a violência, e para garantir direitos sexuais e reprodutivos nos âmbitos nacional

e internacional.

Fundada no ano de 1987, a organização conta com Status Consultivo na categoria II

perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) desde 1995. Em

2002, o CLADEM foi autorizado a participar nas atividades da Organização dos Estados

Americanos. O CLADEM tem a sede regional na cidade de Lima, da República do Peru

e atualmente conta com representações em 14 países da região, incluindo o Brasil, aonde

tem a sua sede no Instituto Antígona, em Florianópolis (Santa Catarina). O CLADEM atua

no Brasil desde 1992, e tem atuado em diferentes frentes para promoção dos direitos

humanos das mulheres, reunindo integrantes a título individual, e organizações, como a

Themis/Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Instituto Antígona e IPE/Instituto para

Promoção da Equidade. As intervenção do CLADEM, são nas áreas estratégicas:

monitoramento internacional, litígio internacional e formação em direitos humanos das

mulheres nos âmbitos nacional e regional.

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As atividades do CLADEM incluem pesquisa, advocacy, educação e informação,

reforma legislativa, e litígio. O CLADEM promove a elaboração e aprovação de

instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, e responsabiliza os

governos pela falta de implementação dos standares de direitos humanos das mulheres

através da apresentação de casos emblemáticos no âmbito nacional e internacional.

As metas do CLADEM e o trabalho que vem realizando na região da América Latina e

do Caribe, e especialmente no Brasil, explica o profundo interesse em apresentar

argumentos de fato e de direito em favor da comunicação apresentada no caso Alyne da

Silva Pimentel, uma vez que tal caso de morte materna evitável revela as condições que

impactam desproporcionalmente as vidas de mulheres pobres, jovens, afrodescendentes,

que vivem nas regiões desprivilegiadas no país. Infelizmente, padrões similares de

violações podem ser encontrados em cada país da região latino-americana. A

comunicação apresentada para o Comitê, e os argumentos expostos no presente escrito,

apontam para um padrão sistemático de discriminação por motivos de sexo e gênero,

classe social, raça e etnia e local de residencia que impede o acesso a serviços de saúde

reprodutiva de qualidade. O caso retrata, entre outras, as falhas do sistema de saúde em

termos de qualidade da assistência oferecida durante o pré-natal e em situações de

emergência obstétrica em unidades de saúde, e revela violações aos direitos humanos

das mulheres consagrados na legislação nacional e nos tratados internacionais de

direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.

A mortalidade materna é uma das principais causas de morte prematura e incapacidade

de mulheres em países em desenvolvimento e indica múltiplas violações dos direitos

humanos das mulheres. Em uma sociedade que a maternidade é altamente valorizada,

mas as altas taxas de morte materna por causas evitáveis são aceitas, é imperativo atacar

o “desafio de romper com a cultura da naturalização da morte materna, que a percebe

como evento natural a integrar o destino inexorável das mulheres e não como uma

grave violação aos direitos humanos”.7

7 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável. Maria Beatriz Galli (coord.), Flávia Piovesan, Valéria Pandjiarjian. Rio de Janeiro: ADVOCACI, 2005, p. 14

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III - A MORTALIDADE MATERNA NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a morte materna como a morte da

mulher ocorrida durante a gestação, parto ou até 42 horas após o parto,

independentemente da duração e da localização da gestação, derivada qualquer causa

relacionada ou agravada pela gravidez, mas não derivada de causas acidentais ou

incidentais.8

Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2005, estimou a taxa de morte

materna na América Latina e no Caribe, em 130 mortes por 100 mil nascidos vivos.9

Nesse mesmo ano, 15 mil mulheres morreram na região como resultado de mortalidade

materna evitável. Portanto, o risco de uma mulher morrer durante o parto ou devido as

complicações de parto na América Latina é de 1 em 290, enquanto na Irlanda o risco de

morte materna é de 1 em 47.600.10

A mortalidade materna na América Latina e no Caribe, e particularmente no Brasil é,

portanto, uma situação grave. O Brasil registra 30% do total de mortes maternas que

ocorrem na região. As estatísticas mais recentes demonstram que, aproximadamente,

4.100 mulheres morrem todos os anos no Brasil 11 como resultado da mortalidade

materna, comparado ao total de 1200 mortes maternas na Colômbia,12 1300 na

Guatemala, 13 e 1500 no Peru.14

Em 2000, a Declaração do Milênio da ONU foi adotada e os países se comprometeram

em realizar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), tais como a redução

da pobreza e a eliminação de desigualdade entre homens e mulheres. O quinto Objetivo

do Milênio é melhorar a saúde materna e reduzir a mortalidade materna em 75% até o

ano 2015. De acordo com a ONU, entretanto, pouco progresso tem sido feito nesta área. 8 Organização Mundial de Saúde (OMS), The Tenth Revision of the International Classification of Diseases (ICD-10), Genebra (1992). 9 Organização Mundial de Saúde (OMS), Mortalidade Materna em 2005: Estimativas desenvolvidas pela OMS, UNICFEF, NNFBA e Banco Mundial, 16 (2007) World Health Organization (WHO), MATERNAL MORTALITY IN 2005: ESTIMATES DEVELOPED BY WHO, UNICEF, NNFBA AND THE WORLD BANK, 16 (2007), disponível em http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789241596213_eng.pdf. 10 Ibid. 11 Ibid. 24. 12 Ibid, 23 13 Ibid, 24. 14 Ibid, 25.

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De acordo com a ONU, pouco progresso tem sido feito para atingir esse importante

objetivo. No âmbito global, a mortalidade materna diminui somente 1% entre 1995 e

2005, muito longe dos 5,5% necessários para atingir a meta. O Relatório sobre o

Desenvolvimento dos Objetivos do Milênio (2008) demonstra que a América Latina e o

Caribe só reduziram a mortalidade materna em cerca de um quarto e, assim, longe de

atingir o quinto Objetivo do Milênio. 15

Embora tenha havido alguma redução da mortalidade materna na América Latina, os

indicadores não tem demostrado resultados satisfatórios. A ONU salienta que para

atingir a meta proposta, as melhorias devem acelerar-se em toda a região em todos os

aspectos da saúde reprodutiva, com particular atenção para os serviços obstétricos.16

Para reduzir as mortes maternas é crucial que as mulheres sejam atendidas por

profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e atendentes) qualificados durante o

parto. Uma assistência apropriada, com profissionais treinados, equipamentos

adequados e serviços de referência para complicações e emergências durante a gravidez

e o parto deviam ser o procedimento padrão se a mortalidade materna é para ser

reduzida.17

Nos últimos anos, a mortalidade materna na América Latina tem sido um tema de

preocupação para os organismos de supervisão dos tratados internacionais de direitos

humanos das Nações Unidas. O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a

Mulher (Comitê CEDAW) tem sido especialmente vocal sobre o tema na região.18

O Comitê CEDAW emitiu Observações Finais sobre o tema da mortalidade materna

para os seguintes países: Argentina,19 Bolívia,20 Brasil,21 Chile,22 Colômbia,23

15 Nações Unidas, Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, Relatório, THE MILLENNIUM DEVELOPMENT GOALS REPORT, 25-26 (2008), disponivel em: http://www.un.org/millenniumgoals/pdf/The%20Millennium%20Development%20Goals%20Report%202008.pdf.

República

16 Ibid 25. 17 Ibid..25. 18 Ver Jurisprudencia sobre Derechos Humanos de las Mujeres. Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colombia, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguay, Peru, República Dominicana, Uruguay. Comités Monitores de Naciones Unidas, Consejo de Derechos Humanos de Naciones Unidas, 2008. Programa de Monitoreo, CLADEM. Lima, Peru, 2009. 19 Observações Finais do Comitê CEDAW: Argentina, 1997, ¶¶ 304 e 318, CEDAW/C/ARG/2 e CEDAW/C/ARG/3; 2002, ¶¶ 360 e 361, CEDAW/C/ARG/4 e CEDAW/C/ARG/5; 2004, ¶¶ 380 e 381, CEDAW/C/ARG/5/Add.1.

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Dominicana24, Equador25, Guatemala,26 Honduras,27 México,28 Nicarágua29, Paraguai,30

Peru,31 Uruguai32

.

O Peru, por exemplo, mesmo sendo um país bastante diferente do Brasil em tamanho,

apresenta alguns paralelos em temos de discriminação no acesso e qualidade da

assistência à saúde. A população do Peru era de aproximadamente 28 milhões em 2005,

47% dos quais era de indígenas.33 Apesar de ser um país de recursos moderados, mais

de 50% da população vivem em situação de pobreza, e 24% vivem em pobreza extrema.

Em geral, a população está concentrada nos centros urbanos. Entretanto, a maioria da

população indígena vive nas regiões rurais, e particularmente nas regiões rurais

pobres.34 Mais de 50% da população rural vive em pobreza extrema, em contraste com

somente 9.7% da população urbana. As disparidades geográficas, sócio-econômicas e

raciais no país cruzam com o gênero e afetam o acesso das mulheres e meninas à

educação e à assistência em saúde.35

20 Observações Finais do Comitê CEDAW: Bolívia, 2008, ¶¶ 11-13, ¶ 43, CEDAW/C/BOL/2a4, em seu 40º período de sessões.

As desvantagens estruturais são evidentes no

acesso com iniqüidade às intervenções necessárias para prevenir as mortes maternas:

21 Observações Finais do Comitê CEDAW: Brasil, 2003, ¶¶ 126-127, A/58/38; 2007, ¶¶ 29-30, CEDAW/C/BRA/CO/6. 22 Observações Finais do Comitê CEDAW: Chile, 1995, ¶ 158, CEDAW/C/CHI/1; 1999, ¶ 8, CEDAW/C/CHI/2 e CEDAW/C/CHI/3; 2006, ¶¶ 19-20, CEDAW/C/CHI/4. 23 Observações Finais do Comitê CEDAW: Colômbia, 1996, ¶ 612 aos Segundo e Terceiro Relatórios conjuntos; 1999, ¶¶ 393-394 ao Quarto Relatório; 2007, ¶¶ 22-23, aos Quinto e Sexto Relatórios conjuntos, CEDAW/C/COL/CO/6. Ver Jurisprudencia sobre Derechos Humanos de las Mujeres (CLADEM, 2009: 159, 165, 171, 172). 24 Observações Finais do Comitê CEDAW: República Dominicana, 2004, ¶ 309, A/59/38. 25 Observações Finais do Comitê CEDAW: Equador, 2008, ¶¶ 38-39, CEDAW/C/ECU/CO/7. 26 Observações Finais do Comitê CEDAW: Guatemala, 2002, ¶ 193 CEDAW/C/GUA/3-4 e CEDAW/C/GUA/5; 2006, ¶ 33 CEDAW/C/GUA/6. 27 Observações Finais do Comitê CEDAW: Honduras, 2007, ¶ 25, CEDAW/C/HON/6. 28 Observações Finais do Comitê CEDAW: México, 2002, ¶ 445, CEDAW/C/MEX/5; 2006, ¶¶ 32-33, CEDAW/C/MEX/6. 29 Observações Finais do Comitê CEDAW: Nicarágua, 2007, ¶¶ 17-18, CEDAW/C/NIC/CO/6. 30 Observações Finais do Comitê CEDAW: Paraguai, 1996, ¶ 131, A/51/38; 2005, ¶¶ 32-33, CEDAW/C/PAR/CC/3-5. 31 Observações Finais do Comitê CEDAW: Peru, 1998, ¶¶ 46-47, A/53/38Rev.1, CEDAW/C/PER/3-4; 2002, ¶¶ 482-483; 2007, ¶¶ 24-25, CEDAW/C/PER/5. 32 Observações Finais do Comitê CEDAW: Uruguai, 2008, ¶ 38, CEDAW/C/URY/7. 33 Médicos pelos Direitos Humanos, Physicians for Human Rights, DEMORAS FATAIS NO PERU: UMA PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS PARA A MATERNIDADE SEGURA (Deadly Delays: Maternal Mortality in Peru: A human rights perspective for safe maternity) 6 (2007), available at http://physiciansforhumanrights.org/library/documents/reports/mortalidad-materna-en-peru.pdf. 34 Ibidem 6. 35 Id. Ibidem 7&38 (Por exemplo, o número de meninas que vivem em situação de pobreza e estão na escola é 20% menor do que o número de meninos na mesma situação. As meninas que vivem nas areas rurais experimentam uma disparidade ainda maior. Aproximadamente 17% das meninas com mais de seis anos de idade não recebem nenhuma forma de educação em absoluto, e aproximadamente 40% não concluem o ensino primário.

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profissionais qualificados, acesso à assistência nas emergências obstétricas e ao sistema

de referência e contra-referência.36

As principais causas de mortalidade materna no Peru são as mesmas do que aquelas em

outros países do mundo: hemorragia, toxemia (pré-eclampsia e eclampsia),

complicações derivadas de aborto e infecção.37 O acesso à assistência qualificada e à

emergência obstétrica é extremamente limitada nas áreas rurais. Por exemplo, somente

21% das mulheres em Huancavelica e 27.8% em Puno (áreas rurais com pequenos

centros urbanos) receberam assistência qualificada. O impacto da falta de assistência

qualificada é demonstrado através das variações nas taxas de mortalidade materna no

país. Em Lima, capital do Peru, a taxa de mortalidade materna é 55 por 100.000,

enquanto que em Huancavelica e Puno as taxas são 302 e 367 respectivamente.38

Em 1998, o Comitê CEDAW expressou preocupação em relação à situação no Peru,

observando que: “as taxas de mortalidade materna são altas (...) e as doenças evitáveis

são comuns, tudo o que contribui para graves falhas no sistema de saúde peruano. O

Comitê observa que o fator principal que afeta principalmente as mulheres dos setores

mais desfavorecidos é a falta de recursos para contarem com assistência médica

quando necessitam com a rapidez necessária.”39. Assim, o Comitê recomendou ao Peru

que “todos os esforços sejam feitos, de forma que tais mulheres possam exercer o seu

direito à saúde e receber a atenção adequada e a informação necessária do pessoal

médico e paramédico como parte do respeito básico pelos seus direitos humanos”. 40 O

Comite reiterou a sua preocupação com as altas taxas de mortalidade materna no país na

sua revisão periódica em 2002. 41

O mesmo tema da discriminação no acesso a qualidade na assistência à saúde é

encontrado em toda a região latino-americana, e tem sido observada com preocupação

pelo Comitê CEDAW em inúmeras observações finais, por exemplo, para a Colômbia

em 2007: “O Comitê expressa sua preocupação com a alta taxa de mortalidade

36 Ibidem. 37 Ibidem 13. 38 Ibidem 37. 39 Comitê CEDAW Observações Finais: Peru, 1998, ¶ 46, A/53/38Rev.1, CEDAW/C/PER/3-4. 40 Ibidem. 338. 41 Comitê CEDAW Observações Finais: Peru, 2002, ¶482, U.N. Doc. A/57/38.

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materna, especialmente entre as mulheres pobres, rurais, indígenas e

afrodescendentes”.42

O Comitê CEDAW chegou às mesmas conclusões com relação à Guatemala em 2006,

e à Bolívia em 2008. No caso da Bolívia, o Comitê declarou que “as condições de

pobreza das mulheres se refletem no seu (…) acesso precário à assistência à saúde,

incluindo a saúde sexual e reprodutiva, levando às altas taxas de mortalidade

materna”.43 Deve ser observado que na Guatemala, as mulheres indígenas sofrem um

risco de mortalidade materna três vezes maior do que as mulheres não

indígenas,44enquanto a Bolívia tem uma das mais altas taxas de mortalidade materna da

América Latina, de 230 por 100.000 nascidos vivos. A taxa aumenta para 887 por

100.000 nascidos vivos em algumas partes do planalto alto rural, aonde a população é

principalmente indígena.45

O Comitê CEDAW recomendou ao Estado boliviano “integrar uma perspectiva de

gênero em sua política nacional de saúde, em consonância com a Recomendação Geral

24 e melhore o acesso aos serviços de saúde para os grupos mais vulneráveis de

mulheres, em particular, as mulheres rurais e indígenas”.46 O Comitê CEDAW

determinou ao Estado “atuar sem demora e adote medidas eficazes para resolver o

problema da alta taxa de mortalidade materna garantindo um adequado pré-natal,

parto e pós-parto e assegurando o acesso às unidades de saúde e a assistência médica

prestada por profissionais treinados em todas as zonas do país e, em particular, nas

zonas rurais.”47

Em 2006, no exame periódico em relação ao México, o Comitê expressou que

continuava “preocupado em relação o nível das taxas de mortalidade materna,

42 Comite CEDAW Observações Finais: Colômbia, 2007, ¶ 22, U.N. Doc.CEDAW/C/Col/CO/6. 43 Comitê CEDAW Observações Finais: Bolívia, 2008, ¶ 11, U.N. Dco. CEDAW/C/BOL/CO/4. Observações Finais do Comitê CEDAW: Guatemala, ¶ 33 CEDAW/C/GUA/6. 44 Population Reference Bureau, Mortalidae Materna na Guatemala: uma tragédia evitável, MATERNAL MORTALITY IN GUATEMALA: A PREVENTABLE TRAGEDY (2003), disponível em: http://www.prb.org/Articles/2003/MaternalMortalityinGuatemalaAPreventableTragedy.aspx 45 International Midwifery, Tratando da Mortalidade Materna na Bolívia, ADDRESSING MATERNAL MORTALITY IN BOLIVIA (2006), disponível em: http://findarticles.com/p/articles/mi_m0KTL/is_3_19/ai_n17214691/. 46 Comitê CEDAW Observações Finais: Bolívia, 2008, ¶ 43, U.N. Doc. CEDAW/C/BOL/CO/4.. 47 Ibidem;

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particularmente das mulheres indígenas, que é consequencia de cobertura insuficiente,

acesso a serviços de saúde, incluindo assistência à saúde sexual e reprodutiva.” 48 O

Comitê recomendou ao Estado mexicano “ampliar a cobertura dos serviços de saúde,

incluindo a assistência à saúde reprodutiva”, e “enfocasse as barreiras que impediam

as mulheres de ter acesso a tais serviços.” 49 Tais obstáculos foram identificados como

status sócio-econômico, a falta de educação e localização geográfica. Além disso, as

mulheres que vivem predominantemente nas áreas indígenas sofrem mais do que o

dobro o risco de morte materna. 50

Nas suas Observações Finais de 1996 em relação ao Paraguai, o Comitê CEDAW

destacou “a urgência para o Estado-parte tomar medidas para lidar com o alto índice

de mortalidade materna.” 51 Uma década depois, o Comitê continua “preocupado com a

persistência das altas taxas de mortalidade materna”, e recomendou ao Estado do

Paraguai “agir sem demora..para implementar medidas eficazes para lidar com a alta

taxa de mortalidade materna.” 52

A situação da mortalidade materna no Brasil não é diferente dos outros países latino-

americanos. As falhas do sistema de saúde incluem a distribuição desigual de recursos e

pessoal pouco qualificado. 53 As disparidades regionais e de renda também afetam o

risco de mortalidade materna das mulheres, 54 enquanto as desigualdades sociais cruzam

com as de raça e genero afetando o acesso à educação, emprego e saúde. 55

48 Comitê CEDAW Observações Finais: Mexico, ¶ 32, U.N. Doc. CEDAW/C/MEX/6.

As mulheres

afro-descendentes, por exemplo, têm menos acesso à educação, baixo status sócio-

econômico, piores condições de moradia e maiores chances de morrer durante a

49 Id. ¶ 33. 50 Gabinete de Desarrollo Humano y Social (Ministry of Human and Social Development, Mexico), LOS OBJETIVOS DEL DESAROLLO DE MILENIO EN MÉXICO, INFORME DE AVANCE, 81 (2005), available at http://www.undg.org/archive_docs/5932-Mexico_MDG_Report.pdf. 51 Comitê CEDAW Observações Finais: Paraguai, 1996, ¶ 131, U.N. Doc. A/51/38. 52 Comitê CEDAW Observações Finais: Paraguai, 2005, ¶¶ 32-33, U.N. Doc. CEDAW/C/PAR/CC/3-5. 53 World Bank, GOVERNANCE IN BRAZIL’S UNIFIED HEALTH SYSTEM (SUS): RAISING THE QUALITY OF PUBLIC SPENDING AND RESOURCE MANAGEMENT, REPORT NO. 36601-BR, 56 (2007). 54 Banco Mundial, MATERNAL AND CHILD HEALTH, supra note 2, 20-21. 55 See e.g., IPEA/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Institute of Applied Economic Research), SPM/Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (Special Secretary of Women’s Policies) and UNIFEM/Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (United Nations Development Fund for Women), RETRATO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA NO BRASIL (Portrait of Gender and Race Inequalities in Brazil), (3d ed. 2008), disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/081216_retrato_3_edicao.pdf [hereinafter IPEA et. al., RETRATO DA DESIGUALDADE].

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gravidez. 56 Um estudo examinando o risco de mortalidade materna devido à raça

apontou que as mulheres negras têm um risco de morte sete vezes maior do que as

mulheres brancas. 57 As disparidades regionais também jogam um papel importante, com a

região Nordeste tendo níveis de morte materna maiores do que a região Sudeste. 58

Após examinar o primeiro relatório nacional consolidado (período 1985-2003), o

Comitê CEDAW expressou preocupação com “o impacto da pobreza sobre as mulheres

brasileiras afro-descendentes, as mulheres indígenas, as mulheres chefes de família e

outros grupos de mulheres socialmente excluídos ou marginalizados e sobre sua

posição de desvantagem em relação ao acesso (...) à saúde”.59 O Comitê expressou sua

preocupação especial “pela alta taxa de mortalidade, em particular nas regiões mais

remotas aonde o acesso aos serviços de saúde é muito limitado. Também expressa

preocupação pelas condições de saúde das mulheres de grupos em desvantagem (...)”.60

O Comitê recomendou que “fossem adotadas medidas adicionais para garantir o

acesso efetivo das mulheres à informação sobre assistencia em saúde e serviços, em

particular, relacionados à saúde sexual e reprodutiva, incluindo as mulheres jovens, as

mulheres de grupos em desvantagem, e as mulheres rurais”. Segundo o Comitê, “tais

medidas são essenciais para reduzir a mortalidade materna”.61

Na sua recente revisão em relação ao Brasil (2001-2005), o Comitê CEDAW expressou

novamente a sua preocupação ao Estado brasileiro afirmando “que a taxa de

mortalidade materna continua alta, indicando condições sócio-econômicas precárias,

baixos níveis de informação e educação, dinâmicas familiares associadas à violência

doméstica e, em particular, dificuldade de acesso a serviços de saúde de qualidade.” 62

O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Comitê DESC) tem

enfocado o problema da mortalidade materna na região com observações finais

56 Ver e.g., Alaerte Leandro Martins, Mortalidade materna das mulheres negras no Brasil, 22 (11) Cad. Saúde Pública, 2473-2479 (2006). 57 Ibidem 2476. 58 Ibidem. 59 Comitê CEDAW Observações Finais: Brasil, 2003, ¶ 110, A/58/38. 60 Ibidem, ¶ 126. 61 Ibidem, ¶ 127. 62Comitê CEDAW Observações Finais: Brasil, 2007, ¶ 29, U.N. Doc. CEDAW/C/BRA/CO/6.

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direcionadas à Argentina, Bolívia, Brasil, Republica Dominicana, Guatemala, México,

Panamá e Paraguai. 63

Em suas observações finais aos países latino-americanos, o Comitê DESC manifestou,

por exemplo, expressou a sua preocupação em relação às altas taxas de mortalidade

materna na Argentina e recomendou ao Estado reavaliar as suas políticas públicas de

saúde da mulher. 64 Igualmente, o Comitê DESC expressou preocupação sobre a

situação da mortalidade materna na Bolívia em 2001, aconselhando ao Estado boliviano

a tomar medidas para reduzir a mortalidade feminina causada por partos sem

assistência. 65 Em 2008, o tema continuou na lista de observações finais, e o Comitê

recomendou que a Bolívia “continue com seus esforços para diminuir a mortalidade

materna”. 66

Considerando as taxas de mortalidade materna na Guatemala, em 2003, o Comitê

demonstrou preocupação que “a situação atual de saúde reprodutiva e sexual das

mulheres e a incidência de mortalidade infantil e mortalidade materna é relativamente

alta”. O Comitê recomendou ao Estado tomar medidas para reduzir a incidência de

mortalidade materna. 67

Em 2001, o Comitê DESC observou com preocupação a situação no Panamá,

declarando que “o progresso significativo alcançado na redução da mortalidade

infantil não foi acompanhado por uma redução similar da taxa de mortalidade

materna”, que tem se mantido constante por 17 anos. O Comitê recomendou ”medidas

urgentes voltadas para reduzir a taxa de mortalidade materna excessivamente alta, o

aumento da disponibilidade e acessibilidade da informação em saúde sexual e

reprodutiva e serviços (...)”68

63 Ver CLADEM, DERECHOS HUMANOS DE LAS MUJERES, supra note 18; See also UNDP and OHCHR, COMPILACIÓN DE OBSERVACIONES FINALES DEL COMITÉ DE DERECHOS ECONÓMICOS, SOCIALES Y CULTURALES SOBRE PAÍSES DE AMÉRICA LATINA Y CARIBE: 1989-2004 [hereinafter UNDP, COMPILACIÓN DE OBSERVACIONES FINALES].

. Em países do Caribe, como a República Dominicana, o

Comitê DESC também expressou preocupação de que “a taxa de mortalidade materna

64 Comitê DESC Observações Finais: Argentina, 1999, ¶ 24, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.38. 65 Comitê DESC Observações Finais: Bolívia, 2001, ¶¶23, 43, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.60. 66 Comitê DESC Observações Finais: Bolívia, 2008, ¶ 27f, U.N. Doc. E/C.12/BOL/CO/2. 67 Comitê DESC Observações Finais: Guatemala, 2003, ¶¶25, 43, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.93. 68 Comitê DESC Observações Finais: Panamá, 2001, ¶¶ 20, 37, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.64.

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é inaceitavelmente alta”. 69 Relatórios apontaram que “as altas taxas de mortalidade

materna declaradas relacionadas com a ampla disponibilidade de assistência no pré-

natal e no parto disponivel na Republica Dominicana indicam uma deficiência na

qualidade dos serviços de saúde.” 70

O Comitê DESC também examinou a situação no Brasil. Em 2003, o Comitê observou

“com preocupação a alta taxa de mortalidade materna em decorrência de abortos

ilegais, em particular na região norte, aonde as mulheres têm acesso insuficiente a

serviços de atenção à saúde”. 71 O Comitê DESC, ainda, solicitou ao Brasil “continuar

com os seus esforços de prevenção e assistencia no campo da saúde fornecendo

serviços de saúde sexual e reprodutiva à população, com atenção especial às mulheres,

jovens e crianças”. 72

Em 2009, o Comitê DESC novamente expressou a sua preocupação sobre a situação no

Brasil e o fato de que “as taxas de mortalidade materna permanecem extremamente

altas e que o risco de morte materna afeta desproporcionalmente as comunidades

marginalizadas, particularmente afro-brasileiras, mulheres indígenas e mulheres das

áreas rurais. Além disso, o Comitê observa que estas disparidades são atribuíveis, em

parte, à distribuição desigual dos serviços de emergência obstétrica e ao fato de que o

financiamento da assistência à saúde falha em prestar atenção adequada às populações

em situação de desvantagem. O Comitê está particularmente preocupado em que a

maioria das mortes maternas é evitável com assistência médica adequada (art. 12.1 e

12. (d))”. 73

Baseado neste comentário, e levando em conta o Comentário Geral No. 14

(2000), sobre o Direito à Saúde, o Comitê DESC recomenda ao Estado brasileiro:

(a) Fortalecer as medidas para reduzir as taxas de mortalidade materna;

(b) Aumentar o financiamento para a assistência à saúde para as populações em

69 Comitê DESC Observações Finais: República Dominicana, 1996, ¶ 22, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.6. 70 Banco Mundial, Uma revisão de temas de gênero na República Dominicana, Haiti e Jamaica, 13 (2002) A REVIEW OF GENDER ISSUES IN THE DOMINICAN REPUBLIC, HAITI AND JAMAICA, disponível em: http://www-wds.worldbank.org/external/default/main?pagePK=64193027&piPK=64187937&theSitePK=523679&menuPK=64187510&searchMenuPK=64187283&siteName=WDS&entityID=000094946_03030704005682. 71 Comitê DESC Observações Finais: Brasil, 2003, ¶ 27, U.N. Doc. E/C.12/1/Add.87. 72 Ibidem. ¶ 62. 73 Comitê DESC Observações Finais: Brasil, 2009, ¶ 28, U.N. Doc. E/C.12/BRA/CO/2.

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situação de desvantagem;

(c) Assegurar que as pessoas vivendo na pobreza tenham acesso à atenção

primária gratuita;

(d) Estabelecer sistemas de assistência à saúde materna comunitários

particularmente para as emergências obstétricas;

(e) Assegurar a disponibilidade com equidade dos serviços de saúde,

particularmente as unidades obstétricas, entre as populações em desvantagem

econômica;

(f) Assegurar que as populações em desvantagem econômica tenham acesso com

equidade, em particular, à assistência em saúde sexual e reprodutiva, tomando as

medidas necessárias para fornecer serviços obstétricos de alta qualidade; e

(g) Fornecer, no próximo relatório periódico, informação detalhada e

atualizada, incluindo dados estatísticos e indicadores desagregados, para avaliar

o nível do progresso alcançado nessa área.74

O Comitê sobre os Direitos da Criança, 75 e o Comitê de Direitos Humanos76

também enfocaram o tema da mortalidade materna em vários países latino-americanos,

expressando preocupação sobre as altas taxas de morte materna e recomendaram a

adoção de medidas eficazes para reduzir de tais taxas, incluindo a assistência adequada

no pré-natal e pós-parto, entre outras.

Está claro que as altas taxas de mortalidade materna em quase todos os países da

América Latina tem sido um tema de preocupação dos organismos de monitoramento da

ONU. Vários fatores comuns podem ser identificados como resultado desse padrão de

violação aos direitos humanos das mulheres na região, incluindo altas taxas de

mortalidade materna, o fato de que as mulheres de grupos socialmente excluídos são

desproporcionalmente afetadas (pobres, jovens, negras, indígenas, rurais etc.) e a falta de

74 Ibidem. 75 Ver e.g., Comitê dos Direitos da Criança Observações Finais: Argentina, 2002, ¶ 47(b), U.N. Doc. CRC/C/70/Add.70; Chile, 2002, ¶¶ 39-40(b), U.N. Doc. CRC/C/15/Add.173; Chile, 2007, ¶ 55, U.N. Doc. CRC/C/CHL/CO/3; Colombia, 2000, ¶ 48, U.N. Doc. CRC/C/15/Add.137; Paraguay, 2001, ¶ 38 (b), U.N. Doc. CRC/C/15/Add.166; Peru, 2000, ¶ 24, U.N. Doc. CRC/C/15/Add.120; Peru, 2005, ¶¶ 46 (a) and (b), 47 (b). Ver também CLADEM, DERECHOS HUMANOS DE LAS MUJERES, supra note 18. 76 Ver e.g., Comitê de Direitos Humanos Observações Finais: Paraguai, 1995, ¶ 28, U.N. Doc. CCPR/C/79/Add.48; Paraguai 2005, ¶ 10, U.N. Doc. CCPR/C/PRY/CO/2 (manifestando-se sobre preocupação atual sobre a alta mortalidade infantil e as taxas de mortalidade maternal, especialmente nas áreas rurais); Peru, ¶ 20, 2000, U.N. Doc. CCPR/CO/70/PER.

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serviços de saúde materna adequados e de qualidade. A situação revela múltiplas formas

de discriminação que as mulheres vivenciam e que só agravam ainda mais as violações

de seus direitos humanos.

No Brasil, as taxas de mortalidade materna continuam muito altas. Não há sinais de que

o país seja capaz de atingir a Meta de Desenvolvimento do Milênio de reduzir a

mortalidade materna em 75% no ano 2015. Nesse sentido, a capacidade e da liberdade

das mulheres de viverem vidas satisfatórias e perseguirem os seus projetos de vida são

restritas. Para levarem uma vida plena, as mulheres devem ser capazes desfrutar o seu

direito a uma de vida sexual e reprodutiva saudável e satisfatória, com informação plena

e autonomia, livre de discriminação, coerção ou violência, e, acima de tudo, livre de

morte materna evitável77

. Infelizmente, o caso emblemático de Alyne da Silva Pimentel

exemplifica a trajédia contínua da mortalidade materna no Brasil e na América Latina

como um todo.

IV - VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE ALYNE DA SILVA PIMENTEL Direitos humanos e mortalidade materna: direito à vida, direito à saúde, direito à igualdade e não discriminação

A. Aplicação das normas de direitos humanos à mortalidade materna e morbidade

A recente Resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre Mortalidade

Materna Evitável e Morbidade e Direitos Humanos78

77 A propósito, ver o conceito de saúde reprodutiva consagrado no Programa de Ação do Cairo (item 7.2) e na Plataforma de Ação de Beijing (parágrafo 94), o qual compreende “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não de mera ausência de enfermidade ou doença, em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e suas funções e processos”. A saúde reprodutiva inclui o direito de mulheres e homens: a) a desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem risco; b) a procriar, com liberdade para decidir fazê-lo ou não, quando e com que freqüência; c) à informação e ao acesso a métodos seguros, eficientes e exeqüíveis de planejamento familiar de sua escolha; d) ao acesso a serviços de acompanhamento na gravidez e no parto sem riscos, garantindo-lhes as melhores possibilidades de terem filhos sãos.

reconheceu que a mortalidade

materna e a morbidade são temas de direitos humanos urgentes e que enfocar tais

questões requer proteção efetiva dos direitos humanos das mulheres e meninas,

incluindo o direito à vida, à igualdade e a não-discriminação, aos benefícios do

78 U.N. H.R.Coun. Res. on Preventable Maternal Mortality and Morbidity and Human Rights, 11th Sess., U.N. Doc. A/HRC/11/L.16 (June 12, 2009).

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progresso científico e à saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva. 79 O Ministério

da Saúde do Brasil também reconheceu que a mortalidade materna constitui uma

violação aos direitos humanos das mulheres e crianças no Brasil. 80 Alicia Yamin e

Deborah Maine, especialistas no campo dos direitos da saúde sexual e reprodutiva,

definiram este assunto como “o direito de viver livre de morte materna evitável” , e

declararam que o tema da mortalidade materna abrange um espectro de direitos

humanos, incluindo, mas não se limitando, ao direito à vida, o direito à saúde, e os

direitos à igualdade e não discriminação. 81

1. O Direito à Vida

A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

(Convenção CEDAW) protege os direitos fundamentais das mulheres, incluindo o

direito à vida, proibindo e buscando eliminar a discriminação contra a mulher. O Artigo

1 da Convenção CEDAW define discriminação contra a mulher como qualquer ação

governamental que nega às mulheres gozar igualmente dos direitos humanos e das

liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural, civil ou em

outros campos. 82 Como somente as mulheres sofrem o risco de morte por causas

maternas, o Artigo 2 impõe um dever imediato dos Estados de adotar medidas

específicas que irão assegurar o seu direito igual à vida e à saúde em relação aos

homens. 83

79 Ibidem. ¶ 2. 80 Ministério da Saúde, Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal (versão preliminar), 2 (Março de 2004) available at: http://dtr2002.saude.gov.br/proesf/Site/Arquivos_pdf_word/pdf/Pacto%20Aprovado%20na%20Tripartite.pdf [hereinafter Ministério da Saúde, Mortalidade Materna e Neonatal]. 81 ADVOCACI, Mortalidade Materna e direitos humanos, supra note 7, at 11. Ver também o e.g., Cook R. & Dickens B., Advancing Safe Motherhood through Human Rights, WHO Occasional Paper 5 (2001). 82 Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women, adopted Dec. 18, 1979, G.A. Res. 34/189, UN GAOR, 34th Sess., Supp. No. 46 at 193, art. 1, U.N. Doc. A/34/46 U.N.T.S. 13 (ratified by Brazil Feb.1, 1984) [hereinafter CEDAW]. 83 ADVOCACI e CLADEM, Relatório Sombra de Monitoramento sobre a Situação de Mortalidade Materna no Brasil ao ComitÊ de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Abril de 2003) disponivel em: http://www.cladem.org/english/regional/monitoreo_convenios/descMMbrasili.asp; see also CEDAW, supra note 83, art. 2; CECSR Committee, General Comment 14: The Right to the Highest Attainable Standard of Health, ¶ 30, U.N. Doc. E/c.12/2000/4 (Aug. 11, 2000) [hereinafter CESCR General Comment 14]. (“Os Estados partes tem obrigação imediata em relação ao direito a saúde, como garantir que tal direito deverá ser exercido sem discriminação de qualquer forma:, a noção do mais alto padrão de saúde..leva em conta..as condições biológicas e sócio-econômicas.”) Ver também Comitê CEDAW Recomendação No. 14: Mulher e Saúde (CEDAW Committee, General Recommendation No. 24: Women and Health, 20th Sess., ¶ 12, U.N. Doc. A/54/38 (1999) .

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O Artigo 6 (1) do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo

Brasil, estabelece que: “Todo ser humano possui o direito inerente à vida. Este direito

deverá ser protegido por lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” 84

O Comitê de Direitos Humanos explicou que a expressão “direito interente à vida” não

pode ser interpretado de forma restritiva, e a proteção deste direito requer que o Estado

adote medidas positivas.” 85 Medidas positivas, de acordo com o Comitê de Direitos

Humanos incluem medidas necessárias para reduzir a mortalidade infantil e aumentar a

expectativa de vida. 86

A Comissão Européia de Direitos Humanos também afirmou os deveres dos estados de

implementarem medidas apropriadas e adequadas para proteger as vidas e a saúde dos

cidadãos e cidadãs. No caso Tavares vs. France,87

a Comissão Européia de Direitos

Humanos considerou uma denúncia alegando violação do direito à vida de uma mulher

que faleceu no parto. Apesar da denúncia não ter sido admitida por questões técnicas, a

Comissão afirmou que o direito à vida demanda aos Estados ações não só para prevenir

o assassinato intencional, mas tambeém para proteger a vida contra perdas não

intencionais.

O direito à vida e o direito à igualdade e à não-discriminação, também estão protegidos

no Artigo 5º da Constituição Federal brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...).88 O inciso I, do mesmo Artigo

dispõe: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

Constituição”. 89

O direito à vida no contexto da mortalidade materna evitável significa que o estado deve

assegurar “o direito de acesso a serviços apropriados de assistência à saúde que irão

84 International Covenant on Civil and Political Rights, adopted Dec. 16, 1966, G.A. Res. 2200ª (XXI), UN GAOR, 21st Sess., Supp. No. 16, at 52, art. 6(1), U.N. Doc. A/6316 (1966), 999 U.N.T.S. 171 (entered into force Mar. 23, 1976) [hereinafter ICCPR]. 85 Comitê de Direitos Humanos Comentário Geral 6: Direito à Via, (General Comment 6: Right to Life, ¶ 5, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.6 at 129) (2003). 86 Ibidem. 87 Tavares vs. France (1991), Eur. Comm. H.R., Application No. 16593/90 (não publicado). 88 Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05.10.1988, art. 5 [hereinafter Constitution of Brazil]. 89 Ibidem art. 5(I).

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permitir às mulheres passarem de forma segura pela gravidez e o parto e irão dar aos

casais chances maiores de terem uma criança saudável.” 90

No Brasil, as cinco principais causas de morte de mulheres ligadas à gravidez, são: a

hipertensão arterial, hemorragia, infecções puerperais, aborto e as doenças do aparelho

circulatório agravadas na gravidez, parto e puerpério. 91 Tais causas tem mais de 90% de

probabilidade de serem evitadas com assistência adequada e são diretamente

relacionadas à falta de acesso à assistência de qualidade. 92 O direito à vida é portanto

violado “cada vez que uma mulher morre de morte materna evitável no Brasil, devido à

falta de acesso a leito hospitalar ou a má assistência obstétrica no parto”93

Alyne sofreu uma morte materna evitável. Alyne buscou tratamento médico em

tempo suficiente para ter recebido o tratamento preventivo apropriado. O profissional de

saúde devia ter detectado imediatamente e prestado atendimento para a morte fetal intra-

uterina. Mas, em vez disso, a falta de acesso à unidade de emergência obstétrica e a

assistência flagrantemente negligente que ela recebeu a levou a ter hemorragia, que

causou a sua morte evitável.

2.Direito à Saúde

O Artigo 12 (1) da Convenção CEDAW, estabelece a obrigação do Estado de tomar

todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher no campo

da atenção à saúde, assim como a obrigação imediata de “assegurar as mulheres serviços

apropriados em relação à gravidez, parto e pós-parto , garantindo gratuidade dos serviços

quando necessário, bem como nutrição adequada durante a gravidez e lactação”. 94

90 Cook R. & Dickens B., Avançando para a Maternidade Segura através dos Direitos Humanos (Advancing Safe Maternity through Human Rights, WHO Occasional Paper 5) (2001), at 32-33. (traduzido pela CEPIA Setembro, 2003); Programa de Ação do Cairo, , supra nota 78, ¶ 7.2. 91 Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), MORTES MATERNAS NO BRASIL (2001), disponível em: http://www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/cpi/CPIMortalidade_Matern.htm. [hereinafter CPI Report]. (Capitula 2). 92 Ibidem Capitulo 2. 93 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável (ADVOCACI, 2005:85). 94 CEDAW, supra nota 83, art. 12(2).

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De acordo com o Comite CEDAW, “É dever dos estados partes assegurarem o direito à

maternidade segura e serviços de emergencia obstétrica e devem alocar para tais serviços

o máximo de recursos disponíveis sob seu alcance. 95 O direito à saúde e à proteção da

maternidade também estão expressamente garantidos na Constituição brasileira. 96

O direito à saúde, no contexto da mortalidade materna implica no Estado assegurar o

acesso das mulheres a procedimentos e serviços de saúde oportunos, seguros e eficazes

para prevenir mortes maternas evitáveis. Artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) estabelece que: “1. Os Estados-partes na

presente Convenção reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado

padrão de saúde física e mental (...)”. 97 O Comentário Geral No. 14 do Comitê de

Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Comitê DESC) desenvolve o conceito do

direito à saúde, detalhando seu alcance, características e componentes essenciais,

incluindo: a disponibilidade, a acessibilidade, a aceitabilidade e a qualidade das

instalações de saúde, bens e serviços. 98 A realização do direito à saúde protegido pelo

artigo 12 do PIDESC, requer acesso a profissionais treinados, equipamentos adequados,

bens e serviços suficientemente que são disponíveis, acessíveis e aceitáveis para a

população atendida – neste caso, as mulheres durante o pré-natal, parto e pós-parto. 99

Embora a avaliação da mortalidade materna no Brasil possa ser extremamente difícil

devido à falta de informação precisa nos registros médicos e às lacunas nas declarações

de óbito, 100 o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aponta falhas do

governo brasileiro em realizar os elementos do direito a saúde.101 O relatório aponta a

falta de assistência qualificada além de escassez de serviços de emergencia obstétrica

suficientes no Brasil. 102

95 CEDAW, Recomendação Geral, supra nota 84, ¶ 27.

A Comissão apontou, ainda, que não há bancos de sangue

96 Constituição do Brasil, supra nota 89, Art. 6. 97 Adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos, Centro de Estudos, Série Documentos n. 14, Dezembro 1996. 98Comitê DESC, Comentário Geral no. 14: O Direito ao mais alto padrão de saúde (General Comment No. 14: The Right to the Highest Attainable Standard of Health), U.N. Doc. e/c.12/2000/4 (Aug. 11, 2000). 99 Id. ¶¶ 13-14. 100 Ministério da Saúde, Mortalidade Materna e Neonatal, supra nota 81, 4. 101 Relatório da CPI, supra nota 92. 102 Id. (Atendimento profissional, Assistência institucional).

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suficientes para atender apropriadamente a demanda dos hospitais103; isso é

particularmente problemático uma vez que a hemorragia é uma das causas mais comuns

de morte materna evitável. Além disso, os sistemas de referência e transporte

inadequados é endêmica no Sistema Único de Saúde brasileiro e impede as mulheres de

terem acesso aos serviços de saúde de forma rápida. 104

Direitos econômicos, sociais e culturais estão sujeitos a realização progressiva e

disponibilidade de recursos segundo o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos

Sociais e Culturais (PIDESC). Os estados, entretanto, têm a obrigação de garantir

imediatamente níveis mínimos do principal do direito, incluindo o acesso não

discriminatório as unidades de saúde, bens e serviços. 105 Obrigações de “prioridade

comparável” a uma obrigação principal que inclui a proteção da assistência de saúde

reprodutiva, materna e infantil, assim como treinamento apropriado do pessoal de saúde.

106 Além disso, o Brasil, como um estado mais desenvolvido, tem um dever maior em

relação à alocação de recursos107

para tratar do tema da mortalidade materna e

morbidade.

O caso de Alyne da Silva Pimentel exemplifica as falhas existentes no sistema de saúde

no Brasil e é representativo das violações sistêmicas ao direito à vida e à saúde das

mulheres no Brasil: o médico não forneceu o diagnóstico apropriado a tempo e, ainda,

Alyne não teve acesso adequado a serviços de emergencia obstétrica devido à

disponibilidade limitada das unidades de saúde na sua área e as demoras no sistema de

referência no serviço de saúde que ela teve acesso. Os médicos que atenderam Alyne

deviam primeiro ter detectado a morte do feto e imediatamente induzir o parto; em

seguida, certificarem-se de que os restos placentários não tinham sido removidos; e

então, imediatamente agendar a cirurgia em uma unidade de saúde com pessoal

qualificado e equipamento de emergência suficiente, que incluia material para

transfusão de sangue.

103 Id. (Pouca disponibilidade de sangue). O relatório aponta que em 1997 em Curitiba, Paraná, a cidade com mais recursos em comparação com o resto do país, era difícil obter sangue em 40% dos casos. 104 Id. (Dificuldade de Referência e Transporte). 105 Comitê DESC Comentário Geral 14, supra nota 83, ¶ 43(a). 106 Id. ¶ 44(a) and (e). 107 Relatório do Relator Especial sobre o direito de toda pessoa a gozar do mais alto padrão de saúde física e mental, Report of the Special Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health, 61st Sess., ¶ 55, U.N. Doc. A/61/338 (2006).

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Alyne sofreu todas as três demoras relacionadas à mortalidade materna

identificadas pela literatura de saúde pública: a demora na obtenção do diagnóstico

correto, a demora em receber tratamento apropriado na primeira unidade de saúde, e

finalmente, quando houve o agravamento do estado de saúde, a demora na transferência

para outra unidade de saúde mais bem equipada. 108

Tais demoras são evitáveis e representam os problemas sistemáticos dentro do sistema

de saúde brasileiro. A morte de Alyne devido as falhas evitáveis do sistema de saúde

demonstram a falha do estado em tomar medidas positivas e maximizar os recursos

disponíveis para cumprir com as suas obrigações segundo o Artigo 2 e 12 da

Convenção CEDAW.

3.Direito à Igualdade e Não-Discriminação

O dever de eliminar a discriminação do acesso a assistência à saúde segundo o Artigo

12 (1) da Convenção CEDAW deve ser examinado em conjunto com o Artigo 5 da

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

Racial (CERD), 109 que estabelece as obrigações fundamentais do Estado de “proibir e

eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de toda

pessoa, sem distinção de raça, cor e origem nacional ou étnica, à igualdade perante a lei,

notadamente para a realização dos seguintes direitos (...) iv) o direito à saúde pública,

(e) à assistência médica”. 110

O Brasil é um país de grandes disparidades regionais e sociais. Algumas populações e

grupos de mulheres podem estar sujeitos a múltiplos níveis de discriminação segundo o 108 Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), Comitê de Estudo de Aspectos Èticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher, Questões éticas em ginecologia e obstetrícia, Maternidade Segura, 64 (2006) ETHICAL ISSUES IN OBSTETRICS AND GYNECOLOGY, SAFE MOTHERHOOD, 64 (2006), disponível em: http://www.figo.org/files/figo-corp/docs/Ethics%20Guidelines%20-%20English%20version%202006%20-2009.pdf. (Mortes maternas são quase sempre relacionadas às três demoras em implementar assistência apropriada: a demora em reconhecer as complicações que causam risco de vida, demora na transferência para tratamento medico e demora em ter acesso a tratamento obstétrico apropriado). 109 Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Convention on the Elimination of All Forms of Racial Discrimination, G.A. Res. 2106 (XX), Annex, 20 U.N. GAOR Supp. (No. 14) at 47, U.N. Doc. A/6014 (1966), 660 U.N.T.S. 195 (ratified by Brazil Mar. 27, 1968) [hereinafter CERD]. 110 Id. art. 5(iv).

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nível de escolaridade, 111 condição socio-economica, 112 raça ou etnia, 113 local de

moradia, e disparidades regionais 114 e, por isso, são mais vulneráveis à mortalidade

materna e à morbidade. As mulheres residentes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-

Oeste correm um risco maior de morte materna do que as residentes em outras regiões

do país. 115

Alguns problemas de saúde são mais prevalentes entre grupos raciais e étnicos

específicos. Uma maior freqüência de miomas, hipertensão arterial e da anemia

falciforme é encontrada entre as mulheres negras. 116

Sendo a hipertensão arterial a

primeira causa de mortalidade materna infere-se que as mulheres negras são

particularmente mais vulneráveis à mortalidade materna e à morbidade resultante desta

condição. Medidas relativamente simples podem, entretanto, serem tomadas durante o

pré-natal para prevenir a mortalidade materna por hipertensão arterial.

Alyne inclui-se nas categorias de alto-risco mais comuns de mulheres suscetíveis à

morte materna evitável no Brasil: jovem (28 anos), baixa renda, baixo grau de

escolaridade, afro-descendente, vivendo no município de Belford Roxo, uma das áreas

mais pobres na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro.

Os Estados têm o dever de examinar o efeito de suas leis e políticas, 117 e têm obrigações

especiais em relação aos grupos marginalizados ou vulneráveis.118

111 Alearte Leandro Martins, Mortalidade materna de mulheres negras no Brazil. (“Maternal mortality among black women in Brazil”) Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22 (11) 2474, 2473-2479 (2006).

O fato que as taxas

mais altas de mortalidade materna ocorram entre as mulheres de tais grupos vulneráveis

demonstra que “a violação do direito à vida pela morte materna nessas condições

112 CPI Report, (Perfil Social da Mulher), supra note 92. Black women in Brazil earn 37.6% less than white women, and women in general earn approximately 63% of a man’s salary. 113 See IPEA et. al., RETRATO DA DESIGUALDADE, supra note 56. (De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), pobreza e indigência no Brasil varia de acordo com a raça da população (cor da pele). Em 2006, o Instituto encontrou que 41.7% da população negra Morava abaixo da linha de pobreza em contraste com 20% da população branca. Cerca de 17% da população negra recebe menos do que um quarto do salário mínimo per capita enquanto somente 6.6% da população branca vive nestas condições. 114 Relatório da CPI, (Perfil Social da Mulher), supra nota 92. (21% da população no Norte e 43% da população no Nordeste sofrem de pobreza em contraste com o Centro-Oeste e o Sul aonde 18% e 15% da população, respectivamente, sofrem de pob reza). 115 Relatório da CPI, (Perfil Social da Mulher), supra nota 92. 116 Id. (Cor/Raça). 117 Comitê CEDAW, supra nota 83, art. 1; Comitê CEDR, supra nota 110, art 1(1). Comitê DESC Comentário Geral 16: O direito igual de homens e mulheres a gozar de todos os direitos econômicos sociais e culturais (CESCR, General Comment 16: The equal right of men and women to the enjoyment of all economic, social and cultural rights, U.N.Doc. E/C.12/2005/3 (August 11, 2005). 118 CEDAW Committee, General Recommendation No. 24, supra note 84, at ¶ 6.

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ocorre, portanto, conjuntamente com a violação ao direito à igualdade e não-

discriminação, em especial, por motivo de sexo e gênero, raça/etnia e condição

socioeconômicas”. 119

O caso de Alyne é representativo da violação pelo Brasil dos direitos

à igualdade e não discriminação no acesso a assistência à saúde.

B. O Tratamento de Alyne pelos profissionais de saúde constitui Violência contra a

Mulher

O Comite CEDAW afirmou em sua Recomendação Geral 19 que a violência

contra a mulher constitui discriminação contra a mulher segundo a Convenção. 120 A

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

(Convenção de Belém do Pará, 1994), 121 ratificada pelo Brasil, estabelece

expressamente que o direito das mulheres a viver livre de violência abarca, o direito ao

respeito pela sua vida, 122 a sua integridade física, mental e moral, 123 e liberdade e

segurança pessoal; 124 o direito a não ser submetida à tortura; 125 o direito a ser

respeitada na sua dignidade inerente; 126 o direito à igualdade; 127 e o direito a viver

livre de todas as formas de discriminação. 128

A Convenção de Belém do Pará abrange a violência contra a mulher em todas as esferas

e expressamente inclui a violência que ocorre nos estabelecimentos de saúde. 129 Este

tratado também se refere especificamente à violência perpetrada ou permitida pelo

Estado e seus agentes, independente de onde ocorrer, 130

119 ADVOCACI, Mortalidade Materna e direitos humanos, supra note 7, at 85.

que se aplica à violência

institucional sofrida por Alyne no caso em questão. A Convenção também chama a

120 Comitê CEDAW Recomendação Geral 19: Violência contra a Mulher,( General Recommendation 19: Violence against Women, ¶ 6, U.N. Doc. A/47/38 (1993). (Na Recomendação Geral 19 o Comitê CEDAW define violência contra a mulher como “violência contra a mulher porque ela é mulher ou porque afeta as mulheres desproporcionalmente) 121 Convenção Americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Conveção de Belém do Pará) adotada em 9 de junho de 1994, (OAS Treaties Register A 61; 33 I.L.M. 1534) (1994), (em vigor em 5 de março de 1995). 122 Id. art. 4(a). 123 Id. art. 4(b). 124 Id. art. 4(c). 125 Id. art. 4(d). 126 Id. art. 4(e). 127 Id. art. 4(f). 128 Id. art. 6(a). 129 Id. art. 2(b). 130 Id. art. 2(c).

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atenção dos Estados para dar especial proteção as mulheres que são mais vulneráveis à

violência por sua raça, gravidez, ou condições sócio-econômicas, entre outras razões. 131

Alyne buscou assistência médica devido à dor intensa e às náuseas mas foi ignorada, e

castigada por ter procurado tratamento na unidade de emergência. Quando finalmente

admitida, Alyne foi deixada desassistida apesar de continuar com náuseas e estar em

estado grave. Após o parto ser induzido, a cirurgia necessária para remover todos os

restos placentários demorou 14 horas. Quando Alyne, subsequentemente, começou a ter

hemorragia e sentir-se desorientada, com fraqueza física extrema, o pessoal da unidade

de saúde não tomou as devidas providências para descobrir a causa do seu estado. Os

profissionais de saúde deixaram o estado de Alyne deteriorar durante um dia inteiro antes

de tentar transferi-la para uma unidade melhor. Quando finalmente foi transferida, foi

deixada praticamente desassistida por 21 horas em uma maca no corredor até a sua morte.

O tratamento negligente recebido por Alyne pelas mãos dos profissionais de saúde não só

violou a sua dignidade e integridade física, psíquica e mental mas também constitui uma

violência contra a mulher.

C. Responsabilidade do Estado

O sistema internacional de direitos humanos está fundamentado no princípio de que os

Estados partes signatários dos tratados de direitos humanos aceitam a responsabilidade

de assegurar a promoção e a proteção dos direitos humanos da população em seu

território. No caso Velásquez Rodriguez contra Honduras132, a Corte Interamericana de

Direitos Humanos sustentou que o estado não só tem a obrigação de respeitar e assegurar

a realização dos direitos protegidos133 e adotar todas as medidas necessárias para

assegurar a sua implementação na esfera pública, mas o estado tem o dever da devida

diligência para prevenir e responder às violações ocorridas na esfera privada. 134 Este

entendimento é igualmente aplicável ao contexto de mortalidade materna em um país

com altas taxas de morte materna por causas evitáveis135

131 Id. art. 9.

.

132 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Velásquez Rodriguez, julgamento de 29 de julho de 1988, série n. C. (Ver especialmente parágrafos 166, 172 e 174 a 177). 133 Id. ¶ 165-167. 134 Id. ¶ 172. 135 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável (ADVOCACI, 2005:29-30).

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O governo brasileiro ressalta a criação dos Comitês de Mortalidade Materna como uma

demonstração de seu compromisso em reduzir a mortalidade materna no país. O papel de

tais Comitês é monitorar e avaliar os casos de morte materna para determinar se tais

mortes eram evitáveis.136 Ainda, quando o Estado tentou aumentar o número e melhorar

o funcionamento dos Comitês de Mortalidade Materna, tais Comitês não alteraram a

taxa de mortalidade materna e continuam a trabalhar de forma inadequada na detecção e

prevenção de mortes maternas evitáveis. 137

Fulfillment of the right to health contains obligations of conduct, in terms of developing

health policies, but also of result in terms of actually achieving a reduction of maternal

mortality.138

Implementation of ineffective maternal mortality committees is insufficient

to meet Brazil’s obligations to reduce maternal mortality.

A realização do direito a saúde contém obrigações de conduta, em termos de

desenvolvimento de políticas de saúde, mas também de resultado, em termos de que de

fato haja uma redução na mortalidade materna. 139

A implementação de Comitês de

Mortalidade Materna ineficazes é insuficiente para cumprir com as obrigações do Brasil

de reduzir a mortalidade materna.

D. Conclusão

O caso de Alyne da Silva Pimentel claramente revela violações ao direito à vida, à

saúde, e à igualdade e não discriminação. 140

136 A propósito, em suas Observações Finais ao Brasil, em 2007, o Comitê CEDAW recomendou ao Brasil que: “ (...) siga de perto a execução do Pacto nacional para a redução da mortalidade materna em nível estadual e municipal, inclusive mediante o estabelecimento de comitês sobre mortalidade materna nos lugares em que ainda não existam” (Comitê CEDAW, Brasil, 2007, ¶ 30, CEDAW/C/BRA/CO/6.).

O Estado brasileiro “é responsável por

assegurar o direito das mulheres à igualdade e não discriminação em relação aos

137 Cook R.J. & Galli M.B. Invocando os Direitos Humanos para Reduzir a Mortalidade Materna, Invoking Human Rights to Reduce Maternal Deaths, 363 Lancet 73 (2004). See also CPI report, supra note 92. 138 Comissão Internacional de Juristas, International Commission of Jurists (ICJ), Maastricht Guidelines on Violations of Economic, Social and Cultural Rights, ¶ 7, 26 January 1997, available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/48abd5730.html. 139 Comissão Internacional de Juristas, International Commission of Jurists (ICJ), Maastricht Guidelines on Violations of Economic, Social and Cultural Rights, ¶ 7, 26 January 1997, available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/48abd5730.html. 140 ADVOCACI, Mortalidade Materna e direitos humanos, supra note 7, at 72.

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homens – e especialmente no que tange às mulheres que sofrem desvantagens

socioeconômicas. Deve o Estado, portanto, promover a valorização da vida destas

mulheres, de forma a romper com a cultura que naturaliza a morte materna, e enfrentá-

la como grave violação aos direitos humanos”.141

À luz do presente caso em exame, o Estado brasileiro deve cumprir com as suas

obrigações “de solucionar as falhas do sistema de saúde em prevenir mortes maternas

por causas evitáveis, devendo para isso tomar medidas para respeitar, assegurar os

direitos humanos e reparar as violações de direitos humanos derivadas da morte

materna evitável, através dos meios legais, administrativos, legislativos e judiciais

cabíveis”.142

O Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

(CLADEM) solicita a este Honorável Comitê CEDAW que admita este Amicus Curiae

e tome em consideração os argumentos apresentados quando da análise da comunicação

sobre o caso Alyne da Silva Pimentel. Este é um caso paradigmático para o Brasil e para

toda a região Latino-americana e do Caribe. A decisão desse distinto Comitê firmará um

precedente de grande relevância no sistema internacional de proteção aos direitos

humanos, com particular impacto nas ações dos Estados sobre a mortalidade materna.

Norma Enríquez Riascos Valéria Pandjiarjian Coordenadora Regional Programa de Litígio CLADEM CLADEM

Maria Beatriz Galli Carmen Hein de Campos Advogada Advogada CLADEM/Brazil CLADEM/Brazil

141 Idem, p.33. 142 Mortalidade Materna e direitos humanos: as mulheres e o direito de viver livre de morte materna evitável (ADVOCACI, 2005:33).

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