Ana Cristina Cesar - Literatura não é documento - Cromos do país

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    t C'(ZSArLJ ANA C I \ , C T l , v A .e ~Cc.v~;I'1-r-o Q~0

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    possivel no Interior do pr6prio ginaro. Em segundo lugar, pela eseolha doobleto a sar documentado: autor llterllrlo, mat6rla curricular. Em termos deeseola, 0 comprorri,atimento 4 mals dlreto do que no caso de outra produ~ocultural. Os profes~ores abrem os olhos para os atratlvos lumlnosos do cinama.H4 dois surtos distlntos na produ~o de documendrios sobre autor-

    IIter4rlo no Brasll.rUm, mais dlretamente IJgado a aflrma~o amano-curricularde vul tos nacionais; outre, .vinculado, contradltorlamente ou nio, a sua aflr-ma~io extracurricular, Informal.lzanta, modarnlzanta. Em IInguagam oticial, 0pr.tmelro surto ISmilis "educativo", 0 segundo, mats "cultural".o primeiro liga-~e a produ~lo da curtasmetragens educativos produzidosem massa palo INCE a dirigldos pelo seu entlo chefe do Servi~o da TdcnicaClnematograflca, Humberto Mauro, a partir de 1937. Mais do que surto, essesprimairos fllmes configuram um grupo, .revelam uma uniformidade, se Inte-

    1 1 gram a uma ofens Iva oticial no campo da educa~o escolar e da cultura. Uma~~ ofens iva digamos e~adonovista, embora seJa mais exato referi-Ia dlretamente1 . ' . ~ a Gustavo Capanema.~ 0 segundo ISreeente, p6s-70, como que acompanhando interesse an410go, ,::: em produzir filmes,de fic~lo baseados em obras Iiteririas. Os docementarlesr ,~i" de 70 configuram,mais um surtce menos um bloco patrocinado. Depois de.~ um hiato em 50/6Q, irrompe a preferincia pelo autor de literatura. Por hip6-f tese, esse preferintt!a, essa op~o de obJeto documental articula-se a um me-

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    I: "Segunda drstin~a:o:as produ~6es independentes em termos de lingua.gem, e as produ~:aesf~tlchlzantes, patroclnadas pelo grande capital. Deum la.do, os ~lImes q~'8-traduzem uma concep~io oficlal, escolar, exaltadora depersonahdades, ~trav's de uma IInguagemconservadora e da enfase nos dadosbi~gr6ficos. Do outre, uma produ~io que pretende penetrar e interpretar 0umverse IIterarlQ, deslocando a flgura do autor do centro das aten~6es e~ondo em cena algum tipo de rela~io com 0 texto literario. E ficanum certolimbo uma produ~ao que nlo se encaixa bem nam em uma nem em outra,porque parece esposar um pouco de cada uma, como 0 Lima Barreto.

    Documentarlo decepclonante ISaquele subvencionado pelo grande ca.pital? ~ decepclonante gra~as6 origem da sua subven~lo? Fllme patroclnadopela grande empresa (estatal oU'nlo) reflete uma "ideologla oficlal" da eultu-ra, dado asslm claramente identlflcav617A origemdo financiamento determl-na a Iinguagemdo produto? Para nl~ ~Ir na correspondencla imediata entre subven~o oficial/Ideologla domlnante,. ou no seu reverso inexpl(cito.. ISpreciso considerar eu-tras determina~oes. A primeira dessas detarmina~6es tern a vercom a historiado cinema no Brasil,sempre lutando com dlficuldades financeiras e precariaestrutura industrial, e qua a partir de 1966, com a crla~io do INC passaa sercada vez mais area de interessedo Estado. Serla necessario examln~ra rela~io~o Esta~o com 0 "campo da cultura", eulmlnando na definit;io de uma PoU.ttca Naelonal de Cultura no governo Geisel.

    "Creio que 0 surto de doeumentilrio sobre autor naeional faz parte deum dos. "objetivos naeio~ais':~Sabemos que a produ4;io do curta.metragemno Brasil 6 eoi~a.para dlletante, nao 6 levada a s4rio, mas em determinadomomento foi atrelada isustenta4;io ideol6gica da chamada 'cultura naeio-nal brasilelra'. COmotudo que era produ4;io slmb6lica fol atrelado a necessi.dade de estabilizar ideologleamente 0 regime, 0 curtametragem acabou ra-bocado." (3)O_utradetermina~io importante IS0sistema de favor e 0aventureirismo

    alnda tao em Yogano pars.A produ4;iode curtametragam, essa coisa diletan-te, e a~tambim grande parte da produ~io cinematogriifica em geral, ISaindano mals das vezes resultado de um impulso aventureiro de realizadores coagi., dos pela precariedade de recursos. Dentro dessa precarledade, conta multoq.ue0ME~ esteja interessado em projetos culturais, e conta um certo c6lculo,alnda que Impreciso, sobre os "padr6es deseJados". Por outro lado e e issoque balanea as correspondencias economlcistas, esse calculo , sem~re maisva~odo que se pode super, Ladoa lado com a aventura, 0sistemado eompe-dno e do favor alnda vlgora no Brasil, alnda ISmola Institucional,0que pode

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    ( 31 SOUZA . M6 rc lo : . v o r d e p ol mo nt o a no xo ,12

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    impedir que muito projeto bem-comportado saja aprovado.,A secreta e pro-vinciana hist6ria do compadrio resta ser contada.o objeto "autor naeienal" integra os objetivos da poUtica cultural oficial, como veremos com mais detalhes. No entanto, se essaofensivaastimulaa produ(:ao de documentarios sobre personalidades destacadas ou biografiasde escritores, niotem 0poder, no seu n(velde generalidade,de determlnar alinguagem desses decumentarlcs, 0dirigismocultural 6 menos determinantedo que se pode Pensar. ou melhor. depende de uma colabora~o estreita doprodutor cultural, produtor ou utilizador ~e linguagens.lo document'rio --interessa como prom~io de uma po!(tica porque fixs Imagens, registra acarinha do autor, 0monumento nacional. No que seopta por esseregistro.0aproveitamento ideol6gico do registro podera ser ate inaVitiiV~A qlJestloque nlo se considera ISque todo documentilrio, maisdo que faar de um.ob-(jeto que Ihe ISextemo. fala fundamentalmente da rela~60 entre 0 seu produ .tor e seu.objeto. Articula uma 'IisSo sobre esseobjeto, e nlo capta a sua rea-lidade pura. A iludo documental eenslste em ler 0 filme documentiirio comoaquelemodo fotogri\ficoque mant6m, mais fiel do que qualquer outro, a inte Igridade do real, que deixa a realidade mostrarse a 5imesmasem intervent;O~iI! no documentario que a literalidade da fotografla vem a baila com maisfor4;a.~ como se estiv6ssemosdiante do proprio real. duma analogia parfeita.duma pura denota~o. 'e mito da objetividade e refor(:ado pela proposta ~documental, que sabe bem encobrir a suamanipul~lc~dTalvez nao se possa identificar dentro da produ~io de document'rio$sobre autor naeional um tipo de produto difereneiado que veiculeuma er(tiearadical IIvisio circulante da Iiteratura. Issoporqua~ produto geralmantepar- -te de pressupostos indiscutfveis: a fun~o documentiirio, a funr;lo autor e 0conceito de cultura nacional. Sao pressupostos auto-evidentes. logo, emude-cidos, a partir dos quais se com~ a produzir: a fun~o document'rio fundamenta a abordagem did6tica, expositiva, que instaura uma rela~io de esclarecimento .construtivo/informa~o objetiva com 0 esp~dor (ou, em algunscasos especfficos, de esclarecimento "comovedor", que remete para um con-ceito da inefabilidade do objeto) e uma rela(:io de apropriar;io e reprodu~iofided,ignado seu objet0.:JAfunt;:ioautor velculaumconceito harmonizante deIiteratura e de hist6ria: A hist6ria 6 feita por personagensilustres, merecede-res de bustos na~nossas pr~s e filmes nas nossasfilmotecas. A literatura ISum dos grandes feitos nacionais desses grandes vultos, manifesta~io superiordo ,esprrito, bem cultural de prestrgio, espelho da nossanaclonalidade. entendida como essencia amalgamadora. Quem escreveu'a Morenlnha7 Umtexto ISantes de tu.do um Nome, origem e explica~lo dassuassigniflca~oes.centro desua coerincia, chave controladora das suas inquie~oes.Seria possrvel Introduzir dlferen~as no Interior do sistema document6rio/autor IIteriirio/culturanacional?

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    Um produto diferenciado nao se explica por sua relac;io coerente comuma cobertura !inan~eira .independente ou prec6ria. Nro se explica tampoucopela "oposic;io ideol6gica" que instaura contra 0 "Poder", ou se)a, por umaideologia dominada que contrapi5e a uma dominante. Mais ainda porque, emtermos de cul~~ brasileira, 0 conceito oficial e 0 conceito das esquerdas an -da mais pr6xim'0 -do que se pode imaginar. AS esquerdas constituidas tambemnao tem posto em dClvida a func; io mission4ria, educadora, que se materializa com justeza no documentirio padrao, dados conteCidos esquerdizantes~e.6 poss(vel localizar fllmes diferenciados no interior da produc;ao de documen.tarios sobre Iiteratura, seriam filmes que produzem tensIJesespeclficas no sis-tema que parece predetermin6lo: tensi'o entre a subvenc;fo oficial e a discus~sao da visio of icial; entre a pressuposta missao educativa do document6rio eelementos' que rompem 0 aparato dld6t1co-objetlvo ou did6tico-comovedor;entre esses elementos e a alianc;aque todo document6rio estabelece com seupClblico (esclarecer, mostrar); entr.e 0 educativo (dar aula sobre um autor) eointerpretativo (trabalhar sobre textos~ Nio sel se algum desses filmes conse- .

    . gue eliminar estas contradic;l5es e sltuarse com pureza no lugar da Contesta .C;io.0documentir io se faz so~ 0 peso da pr6pr ia palavra e missio, que defineuma relac;io do poder com 0real (copi6lo, document6lo) e com 0espectador(instrui lo, inform6lo, esclarecelo). E numa 6poca de ofensiva cultural daparte do Estado, mesmo com linguagem "arrojada e experimental" pode serreintegrado ao padrio, ao circular 'como documentlr(o sobre um sutor que4 nacional. 0que se pode identlficar' a adelincia impl (cita, Indiscutida, aesses conceitos, ou entio a produc;io de tensoes e resistencias maiores oumenores, mais. ou menos coerentes, que posslbilitariam a discuss io dessesmesmos pressupostos.

    A partir de 1964, a "leglslac;lo cerrada, 0cerco ideol6glco e 0 impulsoeeonemlco" encaminham gradual mente a expllcltac;io de uma polit ica naclo-nal de cultura. Essa poJ( tica se express8 em termos de subveno de cultura ede detinic;io decultura. 0 problema Ii que a sUbvenc;aode cultura nlo tem 0poder de despertar, por si s6, no interior dos produtos especificos que subvenciona, uma d.efinic;io de cultura. Seria interessante verlficar se h6 filmesque, aprovei tan~o a subvenc;io, nao rat iftcam a deflnic;ao oficial de cultura,ou seja, produzem resistencias: resistencias poss(veis, necess4rias, improv6veis,espontaneas, pla~eJadas, irreconctll6vels, prontas ao compromisso, interessadas, fadadas ao ~acr ifrcio, etc. Ou entio se h4 f llmes que, mesmo fora da sub-venc;ao da grande empresa, podem ader ir a uma determinada definlc;ao de.cultura, eliminalldo na especificidade as poss(vels ambtgQldades dos crlt6rlosdas concorrinclas ou as poss(veis brechas dos generalizantes textos oficiais.

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    B AR BARO , N OSSO

    Machado de Assis (1939), Euclides da Cunha (1944), Vicente de Carvalho(1945), Martins Pena (1947), Castro Alves (1948) e Ru.VBarbosa (1949): asprimeiras "personalidades Iiter6rias" focalizadas por cUl1asmetragens no Bra-sil. A iniciatlva e oficial e Integra um grande projeto de produc;io de f ilmeseducativos cobrindo as diversas materias escolares. 0realizador. Ii HumbertoMauro, um dos fundadores do INeE (1936), e entre os seus colaboradoreseentem-se "nomes ilustres da vida artrstico-cultural braslleira: Pedro talmon,Portinari, Santa Rosa, Vil laLobos, Roquet tePinto e Francisco Venineio FiIho" (1).Cinema pedag6gico e "dlrigido". Ligado a uma preocupac;io oficial coma modernizat;io da educat;io escolar; e a um minlstro da EduC84;loque atral eprotege artistes e intelectuals, Integrandoos a um esque""a de amparo oticlal,no interior do contradit6rio regime estadonovlsta. A InstituiC;!o e proliferac;lodo cinema educativo se vincula ao (mpeto modernlzante, organizante e een- "t ralizador do momento, num contexto emque a efic4cla 'polftica pareee defi. - . ; r . : : ; - baslcamente por um impulso de organizac;io sistemAtica, de "raclonalidade administrativa", e por uma expansio teenoburocr4t ica centralizadora.Ate a criac;io do INCE, em 1936, "0 cinema educativo ainda nlo .tinha noBrasil uma organizat;'o sistemAtica com finalldades e recursos que garantlssemcompleto exito", opina um ercnlsta da 'poca, locali1ando na gerencia discipl il )adora da' autarquia estatal a posslbllidade de exi to do empreendimentocultural (2). .Se os filmes educativos eram empregados eventualmente em instituic;i5esde ensino, nao havia medidas legislativas que enquadrassem e dirigissem essautilizac;ao. A primelra iniciativa legal nesse sentido Iide 1929, quando Fernan-'do de Azevedo, diretor do Departamento de Educac;A'odo Distrito Federal,determina 0 emprego do cinema em todas as escolas prim6rias do Distrito Federal. Esta determinac;io Integra reforma educaclonal geral no Rio de Janeiro:

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    (11 LEAL Wills. E,cr/tortl' brB,IIt1lror no clntlma. Jol 'o Pessoa, s.ed., 1969, p. 15.(2) RIBEI'RO, Adalberto Marlo. 0 Instltuto Naclonal de Cinema Educatlvo. RtlV;1t8 doSt1rv/~DPcJbl l cD , Rio de Janeiro, 3 (71,mar. 1944.

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    "As es~olas de ensino ~rim6rio, normrJOm6stico e prafissional,q~ando funclonarem ell '! edl f(~IOs pr6prios, terio salas destinadas a lnstala-coes de a~arelhos de pr~J~io flxa e anlmada para fins meramente educativos,N 0 clnem~ ,~~rctut lhz~do exclusivamente como instrumento de educa.:.;:aoe como auxihar do e nsmo, p ar a que faciUte a a.; :iodo mestre sem subst' .~~~ : I

    .0cinema 'seri uti lizado, sobretudo, para 0 ensino cient(fico geog.J.f'.co, hlst6rico e art(stico. ' Ia IA proje9ioanima~a sera aproveitada como aparelho de vulgariza9io edemon~tr~9io de ccnheelrnentos, nos cursos populares noturnos e cursos de

    conferenclas,A Oiretoria Geral de Instru. ;:io PCJbl icaorientali e procurari desenvol.ver por todas as form as, e mediante a a980 direta dos inspetores escolares 0movimentc em favor do cinema educativo", ', J6 se esboea no texto legal 0 conceito do cinema educativo como facioht~~or da tarefa pedag6~ica, colaborador do ensino e, mais do que motiva9io,al, lvla.para ~m apre~dizado penoso, Mas IS atrav6s da SOCEBA _ SociedadeCJne-Ed~catlva Bras! I Ltda, -, firma criada em 1932 para "suprlr a falta de'uma entldade especlalmente de~icada ao Cinema Educativo em nosso pais",,que me!horNse formula ..o entusiasmo dos pedagogos por um instrumento demoder.",za9ao e atenua9ao dos r!gores ditos "medievais" da escola. 0interessepe~o c,lnema aparec~ desde cedo como manifesta9io da secreta consciencia dafalencla ou anacrOOlsmo do mlnguado sistema escolar brasileiro. "Utilizar 0 cinema, C?~O auxiliar educativo 6, h4 anos, d~sejo do magis-

    t6rl~ em todo 0m~ndo clvlhzado '. Embora ainda imperfeito, a consideradoo CI~e~a Educatlvo, por sua incontes tavel importancia educacional, uma,uxiho Indls~ensayeilis escolas que queiram estar a altura da epoca". Com 0frlme educatlvo, p,erdurari na memoria da crian9a "'agl'adavel recorda9ao daescola, tomando.~ mais facilmente suportavel" (3).

    "Ele ~io se'educa os alunos como tambem Ii0maior propagandista da~~~::~~!~alndo p~~aela gerais simpatias e desfazendo 0carrancismo da escolad "Tlrar da ~scola a mascara que a faz amarga para todos, torna.la alegre

    mo e~na e frequentada c:om prazer a um belo programa para um pedago ~~ ~ n . ; . ~ ~ b ~ ~ ( : ; .aracumprr-Io, nenhum melhor 'auxi liar que 0 CINEMA ED~.A .S~~EBA"~er~a 0 precursor privado e efemero do INCE. A Sociedadese Co~stl tulrla apes dlagnosticar que "apesar da boa vontade demonstrada pe-

    10governo e per a.I,~ns ~edagogos conhecedores do assunto, diferentes mon-v~s de ordem tkn.'ca, flnanceira e administrativa nao tim permitido ata 0presente" 0 desenv~lvimento do cinema educativo no pais . Junto com a ideo-C3 1Rell{stll do C~nem~Educadllo. R io d e J an eir o, 1 C 11 .8g0, 1932.(41 Rel/llta do Cinema, Educadl/o, R IDd e J en el ro , 2 (2), me lo 1 93 3.16

    logia modernizadora civilizat6ria (estar a alturada epoca, desfazer carran-clsmo da escola medieva!), implicita a idehi de que nao bas ta boa vontade dogoverno. mas sim interven9,io tacnicafinanceiraadministrativa, para garantiro funcionamento e a expansio da indClstria de cultura. Interven980 esta que seprecisara no contexto corporativizante do Estado Novo.

    "Era esta a situaoao" - sem organizaoio sistem6tica. sem intervenoaooficial centralizadora - "quando 0Ministro Gustavo Capanema levou ao Presidente GetCilioVargas a sua exposi9io de motivos referente IICria9aOdo INeE.a titulo de ensaio e em car6ter de comissao. Por ato de 10 de maroo de 1936,no despacho do processo nQ5.882, de 1936, do Ministro da EducaC;io, 0Pre-sidente GetCilioVargas criou a comissao do I'l.$.tituto NacioWlI de Cinema Edu-cativo". 0 INCE passa a existir oficialmente a 13 de janeiro de 1937, atravesdo artigo 40 da lei nQ378. 0regime incorpora a proposta cultural e organizadora de Bequette-Plnto:

    "Art. 40. Fica criado 0 Institute Nacional de Cinema Educativo, desti-nado a promover e orientar a util iza9io da cinematografia, especialmente co-mo processo auxiliar do ensino e ainda como meio de educa9io em geral.FINALIDADE. 0Instituto Nacional de Cinema Educativo. diretamentesubordinado ao Minis tro de Estado da Educa.;:io e SaCide. de acordo com alegisla9ao, IS 0 6rgao orientador da uti lizac;ao da cinematografia como meioauxiliar de educa980 e ensino.Compe:telhe:a) Editar filmes educativos populares (standard) e escolares (substandard) assim como diafilmes para serem divulgados dentro e forado territ6rio nacional;b) Pres tar assistancia ciendfica e t6cnica II iniciativa particular desdeque a sua produ9io indus trial ou comercial seja de cinematograf iapara fins educativos.Para desempenhar sua finalidade 0 Ins tituto rnantera uma filmoteca:divulgara os f ilmes de sua propr iedade, cedendo-os por emprestlmc ou portroca as insti tulc;oes eul turals e de ensino, oficiais e particulares, nacionais eestrangeiras; e fari publicar uma revista consagrada especialmente it educac;iopelos modernos processos t&cnicos (cinema, fon6grafo, "ridlo etc.)".

    Segundo os termos da lei,o INCE se subordinava diretamente ao minls-tro da Educa9io. Gustavo Capanema foi ministro da Educac;So de 1934 a1945. Nio se pode falar de uma poUtica CUltural definida na sua gestio, nemde uma articulac;io coerente das . suas interven90es com a ideologia nacio-nalistaestadonovista. 0 que 6 cer to IS que por seu interm6dlo 0Est8do, alemde reformar a educaOio escolar, incent iva e renova cultura, mobil iza jovensartlstas e Intelectuais. No interio~ do regime autoritario, a aiuac;ao do minis-tro da Educac;ao 6 qualificada como esc/arecida, avan~da, renovadora, pio-neira. Capanema reestrutura a Universidade do Rio de Janeiro em Universi-dade do Brasil, eria 0 Servi90 Nacional do Patrim6nio Hist6rico e ArtisticoNacional e 0 Instituto Nacional do Livro. Autoriza 0 funcionamento da

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    IF"_

    .. Faculdade Naeional de Filosofia. Cria a Faculdade Nacional de Arqui tetura ea Faculdade de Cieneias Economicas. Reforma 0 ensino secundArio. Prestiglaa nova arqui tetura.no Brasil ao convidar Niemeyer e outros jovens arquitetospara colaborar com Le Corbusier no projeto do pr4dio do Minist4rio da Educacio. "0mesmo ministro que tinha Carlos Drummond de Andrade por chefede gabinete e convidava candido Portinari para decorar as paredes do edif(cio,ilhado por jardins de Roberto Burle Marx e escul turas dos arti stas mais avan-eados da epoca" (5).

    Nao sio poucos os intelectuals e artistas que sio cobertoS e dio cober-tura ao Estado Novo. Fica alnda por fazer a an4l ise dessa colaboracio, mesmose posteriormente convertida em reslstincla; 0 tema , inc6modo e pouco dls-cutido. De qualquer forma, a crlacio do INCE tern como pano de fundo essequadro: a tendencla corporatlvlsta, tecnoburocr4tica, centralizadora do regime;a atuacao modernizadora e renovadora de Capanema, incentivador de cul turae implantador de uma reforma centrada no ensino secundario; a contradit6ria_mobi1izaei'o._~eintelet:!uais e_artistas, cuja produeio nao pode;a ser analisadasimplesmente COmC);'eflexo de urn ide4rio estadonovistafaseista. Num me-~.~nto_ ~e. afirmaQio da Nacionalldade, 0 Estado acirra a promocio e a organi.zaeao da cultura. _

    No interior do INCE, procurava-se desde logo formular a funcio, ascaracterlsticas e os padroes desejados para um fllme educativo. Segundo essanormatizacio, todo filme produzido no Instituto deveria ser:

    19 ) nltido,minucioso, detalhado;291 cliro, sem d....iedades para.a interpretaclo dos alunos;39 ) 16glco'no encadeamento de suas sequenclas:49) mevlmentado, porque no dinamismo existe a primeira justificativado cinema; r59 ) Interessante no seu conJunto estetico e nas suas minucias de exeeu-

    eio, para atrair em vez de aborrecer (6).Estes cinco Itens resumem a expectativa oflclal em relaeio IIlingua gemdo film.e document4rio ou did4t1co. N(tida, clara, 16glca, sem amblgUidade,

    essa ,Unguagem sera essenclalmente raclonal, expositiva, sequencial. Ou seja,ser4 tao-somente uma reduplJcaelo mals atraente, pols movlmentada, da Iln-guagem do ensalc, do livro did4tico, do verbete enciclop4dlco. Em forma defllme, "0 livro sai -da estante e abre-se is multidl5es, chelo 'de luz, som e eleri-dade". Nao deverA'deixar 0 lugar seguro da exposlCi'o racional e un(voca dossaberes escolares. Esta exposl~, a n(vel cinematogr4fico, 58 realiza atravis danarracio em off, por um locutor de voz cultlvada e enf4tica, e de Imagens quelIustram 0 texto da narraei 'o: a voz possante do mestre e a visualizacio eficaz,

    II(5) CHACON, Vamlrah. Estsdo II POlIO no Srl lSil - lIS tUtptlrllncl.do Estado Nol lO II daDIImocTlJt:ia Populists: 1937/1964, Rio de Janeiro, JOM Olymplo 1977 P o 92-7(6) Citado por Adalbarto Marlo Ribeiro, op. cit. ' , 18

    ('das suas palavras. passo a passo. No entanto a mis~o ped~g6gi~ nao pode s~limitar ao informativo. Ao enciclop4dico, Alimpldez raclonahsta ~~ expOSI'~ao . . acrescenta.se a intenei'o formativa, que toma as cores do CIVlsmo,da"co~seiencia patri6tica", da interpretaQio correta e moraliz~d~ra d~s fato.s davida nacional, detida pela voz oficial do mestre/narradcm Hlst6r1as antlgas,como as dos bandeirantes, sio contadas de forma sl~ples e atr~ente pelocinema. Anchieta escrevendo na areia seu poema 'A Vlrge~', 'A Vida ~e Car-los Gomes', '0 Despertar da Redentora' e ago~a,:~ Vida de. Euclldes d.aCunha', em preparaeio, constituem vallosa contnbulcao do.lnstltuto ~o ensl-no e a divulgacio de fatos e epis6dios nacionais mal interpre~ados mUltas~ezes em leitura apressada ou ignorados por completo daqueles que n~o te.m

    I " 0 filme educativo "recordanos paginas formosas da nossa Hlst6na,esco a . . d rd' d de humabelas de em~6es clvicas, de sentimentos altrurstlcos,e so:, arle a na, em que a alma braslleira se expande em toda sua .nob~eza (1)~. . ( Lo autor Iiter4riQ.sera, nesse contexto, figura hlst6rlC8 cula Dlografla ~erA ,,-funcio edificante e exempla.r. ~ asslrn que circula .na escola e ser~pelo dida-tismo e pela exaltacao patriotica que passar4 ao fllme. A Ideolegla do vult~hist6rico e a apologia moderna do cinema educat ivo se cruzam para produzlrum certo tipo de decumentario. Hi padrCSesde linguagem desejados, h4 umclamor geral pela modernizaeao do ensino e movimentos de renovaeio de eul-t HAuma organizacao estatal montada para fazer vir Abaita 0 claro filme~ ~.~~eseolar, e sem maiores observaciies estes filmes parecem cons Iutr rdireta a expectativa oficial. -Esta resposta fica particularmente evidente no texto da narro., ;ao. E.n-ciclopedico, 0 texto biografa: data e local de na~im!'lnto do aut~r, familia,format;ao eseolar, amigos calebres, realizacCSes,traJetos, obras escntas, dat.a elocal da morte. 'Edificante, procura exaltar os seus feltos: Machado de Assis a"poeta e escritor perteito, ainda nlo igualado". A ob~~ de ?,stro AIV~SIi"um verdadeiro sol a Iluminar os camlnhos da l iberdade A Vidade Euclldesda Cunha ISum exemplo de "dedicacao aos mais elevados Ide~is humanos".Vicente de Carvalho, "1frieo dos mais emotivos e do,.mal~ colorldos d~s letrasdo Brasil, deixou ao lado de composit;C5eschelas de sentlmento e de~lcadeza,poemas de larga envergadura". Entremeando as blografias e exaltacoes, 0elog10 civico da :'Naeao Braslletra".. .Na relacio com a imagem desses primelros documentArios 50br~ euter,o reflexo direto fica menos cbvio ou mais ambrg~~. Se por Utmo'ade:e~al:~~~~ (/ __mantlSm-se fiel A f6rmula didatica do documentarlo, por o~ r r .-ven"'o especifica de Humberto Mauro. A f6rmula Ii segulda quando a una-gem, ao som de acordes grandiosOs ou segulndo 0 texto, pr~ura 05 rnonu-mentos e sinais da passagem do eseritor, tratados como reHqulas que conser-17) Citado por Adalbarto Marlo Ribeiro, op. cit .

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    yam a sombra e a memoria do heroi; estatuas e bustos em pra~a publica, edi-~es de suas obras, objetos pessoais aureolados de autenticidade: a pena, apoltrona, 0 tinte.iro, o-pinCe~ez de Machado de Assis ; a barraquinha que abri-g.ou Euclides p~ClJnha de intemp6ries e que 0 E,stado por sua vez preserva__,.. com cimento_~ imagem quer ter esse mesmo movlmento preservador, esse

    f gesto de museu, e$SCIlustra~ao atenciosa das palavras do professor-narrador.No entanto 0 cuidado buroeratlee se excede e de repente transborda, apon-tando para a lei tura "ingenua" de Humberto Mauro, atraves da manipula~aoartesanalmente sugestiva (e na~ mais documental, descri tiva) das image '!!JPara representar a,.viagem de Castro Alves ao Rio de Janeiro, basta 0plano domar agitado pelo movimento de um barco invlsrvel. Ou a sombra esti lizada deescravos no trabalho para indicar a emOQlo que 0catlveiro teria provocado nopoeta quando menino. Estas cenas na~ documentam nem comprovam a bio-grafia: sugerem-na metonimicamente, rompendo 0 estri to aparato do !ilme-conferencia,' --No seu primitivismo, os fi lmes de Humberto Mauro na~ disfar~m 0ar-tif(cio nem se pretendem verdade natural. Do que resulta um certo encanto

    "{ do primitivo, do que nao elabora suas inten~aes. Na procura de uma tknica,os seus filmes parecem escapar ao r(gldo dldatlsmo burocratleo quando 0evidenciam teatralrnente, represehtando-o (e nao pressupondo-o como dadoapagado na constru~ao fnmica) de forma que poderia ser considerada ingenuaem oposi~o a ' sofiStica~ao do~ document4rios atuals, que encobrem 0artif(-cio didatico e 0 integram numa maela fluencia "natural". 0fllme mais nota-vel nesse sentido e UmAp%go, de 1939. A flgura da professora de literatura,ao inves de continuar sa neutral izando na voz onipotente, procede a aula, deolho no espectador: "0ap610go foi publicado no volume Vdrias hist6rias. Era

    -. I uma vez " Ao era-uma-vez da professora segue-sa uma encena~io l iteral e! deliciosa do ap6logo, onde contracenam a agulha, a l inha e 0 alf inete . H~umaInven~io de bom humor nesse literalismo.

    No filme E uc li ti es d a C un ha tamb6m se evidencla 0 art if ic lo da aula cl-nematografica: aparece em cena urn exemplar de Os Sert6es, cujas folhasvio passando enquanto imagens do sert io se superpCSemao folhear . Ou entiose focaliza 0 mapa de Canudos e dentro do mapa, num quadro dentro do

    ~ quadro, 5e abre a imagem m6vel da cidada. ~ livro I4 na o , mais 0 fetiche do~ livro, flxado no plano descritivo da capa au da folha de rosto, tio recorrente. em tudo que Ii documentario sobre autor. ~ subitamente um brinquedo ma-

    ,.~ ) gico, caixa de Sl,lrpresas, objeto infantil que deixa escapar os bichos que gUar-dav~ 0mapa nao e apenas instrumento dldatico da exposi~ao, mas pretextopara uma superposl~o engenhosa e inveross(mil. Do ponto de vista de umaefic4cia cinemat,?graflca , de que adiantarla um mapa que fosse na tela apenasa repetl~io fotog~flca de um mapa? A aula continua no taxto da narra~o,mas a imagem j~ 5e situa alem, como que brincando de dar aula com indisfar-,.

    - .. ~ados truques de cinema.

    : '- .. ~}I I.

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    . .Hi ai uma busca artesanal de solu~oes, urn literal ismo maio b 'rba~o queI d Ca anema nem modemo como quer a poca.nao e cultoM como ~{r:uu~ i~tele~ual e ~m contador de hlstorias, que brincaHumberto auro nao ' com literatura co-com objetos, invanta sua efidcia cinematografica, e maxe r - na suam conta historias , encena personagens. Essa desnautra Iza~ao, .

    :~t~~I~ada, dilui a inte~ciio ideolo~ica aut:ri:r~:~t~~!:!r~:e~: :e: ~I:~:documentarios com tecOlca ass~ura ad:edq~ s 0 fHme sa mostra "sem que- \e varossfmil, mas tomadas I~cals e ven ~ e/~ ~ao como vardada documentalrer" como artif ic io construldo, encena 0,transparente que a tela transmitiria, neutra.

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