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ANA GABRIELA COLANTONI DE MATOS QUANDO DIZER É AGIR MORALMENTE Uma análise dos atos de fala morais em Hare Dissertação, na linha de pesquisa ética e conhecimento, apresentada como requisito à obtenção do título de mestre em Filosofia, da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal de Uberlândia. Orientador: Professor Dr. Alcino E. Bonella Uberlândia 2010

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ANA GABRIELA COLANTONI DE MATOS

QUANDO DIZER É AGIR MORALMENTEUma análise dos atos de fala morais em Hare

Dissertação, na linha de pesquisa ética e conhecimento, apresentada como requisito à obtenção do título de mestre em Filosofia, da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal de Uberlândia.

Orientador: Professor Dr. Alcino E. Bonella

Uberlândia2010

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ANA GABRIELA COLANTONI DE MATOS

QUANDO DIZER É AGIR MORALMENTE

Dissertação, na linha de pesquisa ética e conhecimento, apresentada como requisito à obtenção do título de mestre em Filosofia, da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal de Uberlândia.

Aprovada pela banca examinadora em 21 de Julho de 2010

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________

Prof. Dr. Alcino Eduardo Bonella – UFU/MGOrientador

_________________________________________________Prof. Dr. Marco Antônio Oliveira de Azevedo – IPA/RS

Arguidor

___________________________________________Prof. Dr. Leonardo Ferreira Almada – UFG/GO

Arguidor

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Ao Hare, pela teoriaAo Nelson Mandela, pela prática

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, principalmente, ao Prof. Dr. Alcino Eduardo Bonella, meu orientador,

por me ter apresentado o autor em suas disciplinas, por ser tão claro e profundo em

suas aulas, por sugerir bibliografias, por corrigir este texto e sugerir modificações, por

fazer perguntas que me levaram à reflexão.

Agradeço ao Prof. Dr. Marco Antônio Oliveira de Azevedo que aceitou fazer parte

desta banca. De certa forma, ele influenciou este trabalho com suas perguntas dirigidas

a mim, na ANPOF de 2008. Além disso, um de seus artigos faz parte da bibliografia

dessa dissertação.

Agradeço ao Prof. Dr. Leonardo Ferreira Almada, também por ter aceitado fazer

parte dessa banca. Agradeço-o ainda por ter me fornecido um material interessante

produzido pelos bibliotecários do Senac/RS com a finalidade de orientar na elaboração

técnica dos trabalhos acadêmicos.

Agradeço à minha amiga de infância e especialista em lingüística Letícia Cunha

Rocha, por ter feito o abstract.

Agradeço também, aos meus professores e amigos, especialmente àqueles que

demonstraram algum tipo de interesse por meu trabalho: Mariana, Eduardo Arantes,

Carol Lacerda, Nádia, Leila, Vanilda, João, Carol Gomes, Michele, Amélia, Sandra,

Lina, o Prof. Alex, Prf. Humberto Guido, Profa. Sílvia, meu chefe Nelson e às

doutorandas Cleide e Marilda.

Aos demais, agradeço por todo o aparato que gerou a tranqüilidade necessária

para o desenvolvimento dessa dissertação: pelas amizades, pelos reforços e coerções,

pelo amor... Assim, agradeço ao meu esposo Fábio, à minha mãe Margareth, a minhas

tias mais próximas Regina, Clelinha e Beth, à minha avó Luzia, ao meu irmão Milton e

ao meu padrasto Luiz.

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“Coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz!Coragem! Eu sei que você pode mais!”

RAUL SEIXAS

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RESUMO

Esta dissertação trata da relação entre informação e ação nos juízos morais.

Primeiramente é explicitado o problema lógico, denominado de antinomia, presentes

nas teorias éticas descritivistas que não admitem o fator prescritivo dos juízos morais.

Em segundo lugar, é apresentado o problema lógico, denominado de paradoxo,

presente na teoria lingüística de Austin (que deu origem ao prescritivismo ético) a qual

não admite o fator descritivo dos juízos morais. Posteriormente, a teoria de Hare é

apresentada como síntese, que une o fator descritivo e o prescritivo, e que, por isso,

não comete os mesmos erros das teorias desenvolvidas anteriormente. Porém, alguns

críticos – Geach, Sen e Azevedo – acusaram Hare de ser um descritivista existencial.

Mais precisamente: Sen e Geach o acusaram de ser descritivista; ao passo que Sen e

Azevedo o acusaram de ser existencialista. Este trabalho mostra que estas acusações

ocorrem pela falha na interpretação da relação entre fator descritivo e prescritivo na

formulação de Hare sobre os juízos morais. Para o autor, a superveniência (que

garante que as escolhas morais devem ser as mesmas, quando apresentados os

mesmos elementos fatuais) é o fundamento da universalizabilidade (que garante que a

ação moral deve ser a mesma independente dos papéis representados na ação moral).

Mas, essas formulações não impedem que o autor do juízo moral reúna novas

informações e passe a agir de forma diferente, o que não seria possível para um

descritivista. Por isso, formulamos um modelo simbólico, o qual relaciona padrão

cultural, padrão prescrito e valor; e, além disso, que mostra os aspectos temporais e de

mudança. Outra questão gira em torno da necessidade do pensamento crítico, para

Hare, na formulação de uma ética universal. Dessa forma, neste trabalho ficará

explicitado os motivos pelos quais Hare não poder ser chamado de descritivista

existencial.

Palavras-chave: Hare, descritivo, prescritivo, ética.

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ABSTRACT

This dissertation treats about the relation between information and action in moral

judgments. First of all, we explicit the logical problem, called antinomy, present in the

descriptive ethics theories which do not admit the prescriptive factor of the moral

judgments. Secondly we present the logical problem, called paradox, present in Austin’s

linguistic theory (which gave rise to the ethical prescriptivism) that does not admit the

descriptive factor of moral judgments. After that, we present Hare’s theory as synthesis,

which gathers descriptive and prescriptive factors, and, because of this, does not make

the same mistakes of the theories previously developed. Although, some critics - Geach,

Sen and Azevedo – accused Hare of being an existential descriptivist. More precisely,

Sen and Geach accused him of being descriptivist, whereas Sen and Azevedo accused

him of being existentialist. This work shows that those accusations occur because of the

failure in the interpretation of the relation between descriptive and prescriptive factors on

Hare’s formulation about moral judgments. For the author, the supervenience (which

guarantees that the moral choices must be the same when the same factual elements

are presented) is the fundament of the universalizability (which guarantees that the

moral action must be the same independently of the roles played on the moral action).

However, these formulations do not prevent that the author of the moral judgment gather

more information and start acting differently, which would not be possible for a

descriptivist. Because of this, we formulated a symbolic model, which relates cultural

pattern, prescribed pattern and value; and, moreover, which shows the temporal aspects

and the change aspects. Another issue is about the necessity of the critical thought, for

Hare, in the formulation of universal ethics. So, this work will explicit the reasons why

Hare cannot be called existential descriptivist.

Keywords: Hare, descriptive, prescriptive, ethics

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 9 1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................................. 9 1.2 METODOLOGIA E OBJETIVO ......................................................................................... 11 1.3 ALGUNS PRESSUPOSTOS DO DISCURSO MORAL .................................................... 12

2 O PROBLEMA LÓGICO DO DESCRITIVISMO ÉTICO ........................................................ 17 2.1 ANTINOMIA ....................................................................................................................... 17 2.2 DESCRITIVISMO ÉTICO .................................................................................................. 18 2.3 O ERRO DO NATURALISMO ÉTICO .............................................................................. 21 2.4 NATURALISMO SUBJETIVISTA E INTUICIONISMO .................................................. 23 2.5 IMPORTÂNCIA DO DESCRITIVISMO ............................................................................ 26

3 O PROBLEMA LÓGICO DO PRESCRITIVISMO ÉTICO ...................................................... 29 3.1 PARADOXO ........................................................................................................................ 29 3.2 TEORIA DE AUSTIN E INTERPRETAÇÃO DE HARE .................................................. 31 3.3 PROBLEMA LÓGICO DA TEORIA DE AUSTIN ............................................................ 36 3.4 EMOTIVISMO: IMPORTÂNCIA E PROBLEMAS .......................................................... 39

4 HARE .......................................................................................................................................... 44 4.1 REQUISITOS PARA UMA SOLUÇÃO ............................................................................. 44 4.2 A SOLUÇÃO DE HARE ..................................................................................................... 48

4.2.1 A teoria de Hare: Prescritivo e Descritivo ..................................................................... 48 4.2.2 Proposta de sistematização da defesa de Hare ............................................................... 52 4.2.3 Geach: bom e o significado descritivo (natural) ............................................................ 61 4.2.4 Questionamento de Sen: Hare seria um descritivista? ................................................... 75 4.2.5 Defesa de Hare especialmente em relação a Sen ........................................................... 78 4.2.6 Universalizabilidade e Universalidade .......................................................................... 81

4.3 CONSEQUÊNCIAS PROJETADAS DE SUA TEORIA .................................................... 86 5 CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 90 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 93

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1 INTRODUÇÃO

1.1 JUSTIFICATIVA

Lima Vaz diz concordar com Paul Ricoeur ao atribuir o termo “mestres da

suspeita” a Marx, Nietzsche e Freud. É fato que as contribuições desse trio foram

decisivas para a “crise da ética”, porque para esses autores, a ética não passa de uma

construção do homem, que funciona como mecanismo de manipulação. Para Marx, a

ética é ideologia, que oculta a face verdadeira dos interesses do grupo social

dominante, ao mesmo tempo em que justifica e universaliza esses interesses. Para

Nietzsche, a ética está no campo dos valores que se originam no ressentimento;

portanto, é instrumento dos fracos criado para repreender a força ativa dos fortes. Para

Freud, a ética, no campo das neuroses, tem função de controlar a libido1 .

Portanto, pode-se dizer que o estudo da ética tem passado por uma crise. Se

antes o problema moral girava em torno do julgamento sobre o que era certo ou errado,

na contemporaneidade é difícil dizer até mesmo se existe o certo e o errado.

Hare deixa transparecer que conhece os problemas que poderiam levar a ética

ao descrédito. Ele mostra que nenhum sistema moral de princípios unicamente factuais

poderia cumprir a função de regular a conduta. Mostra também que sistemas baseados

em princípios autoevidentes também não conseguem cumprir essa função, pois não se

pode denominar um princípio geral de conduta como “autoevidente”2. Disso decorreria a

impossibilidade do estudo racional da moral (HARE, 1996, p. 19-46). Porém, isso

apenas comprova que a ética não está pronta e acabada, de tal forma que, para se

saber a forma correta de agir, não basta a dedução de axiomas ou teoremas já

1 Acrescenta-se a esses “mestres da suspeita” o pensador Durkheim, que influenciou toda a sociologia e antropologia. Para Durkheim, os deveres são fatos sociais, exteriores aos indivíduos que agem sob forma coercitiva, ou seja, a ética é uma construção social imposta.2 Para que um princípio seja impossível de ser rejeitado, sua rejeição tem que ser autocontraditória; mas, isso só ocorre se ele for analítico. O princípio analítico, pela própria definição, não pode acrescentar nada, logo, não pode orientar sozinho uma conduta.

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existentes. Por outro lado, não significa que o estudo da ética seja algo que deva ser

deixado de lado.

Em um contexto de niilismo ético, em que o relativismo3 torna-se um

pressuposto culturalmente admissível, Hare possui um papel essencial para a filosofia:

resgatar a possibilidade do estudo racional da ética. É verdade que de fatos não se

pode implicar juízos morais, mas existe entre eles uma relação mais imprecisa que a

implicação (HARE, 1996, p. 46).

Com isso, o objetivo deste trabalho é analisar a sistematização de Hare. Ele

mostrou a subdivisão de dois elementos presentes nos juízos morais: o descritivo e o

prescritivo – que ao invés de se excluírem mutuamente, coexistem e se correlacionam

de uma maneira bastante peculiar.

A ação vinculada aos valores, ou melhor, a prescritividade segundo Hare,

impede alguns erros lógicos cometidos por áreas influenciadas pelo logicismo, como é

o caso do naturalismo ético, mas não garante a universalidade. Contudo, Hare não

elimina a parte descritiva dos juízos morais e garante a consistência não alcançada

pelo prescritivismo radical (emotivismo) na análise da moralidade.

Ao mostrar a coerência da teoria de Hare, o discurso ético pelo menos é

permitido. A racionalidade existe. Talvez não tenhamos o conhecimento suficiente dos

fatos para chegarmos a uma conclusão definitiva. Por isso a investigação séria sobre os

mesmos, a fim de universalizar as ações em tipos semelhantes de circunstâncias, é

necessária. Mas, esse é o papel transferido à ética prática e aos discursos de primeira

ordem.

Nesse sentido, a teoria de Hare segue de acordo com a de Hudson, que afirma

que ao estudar metaética, não se estuda diretamente problemas práticos, mas se

espera que o leitor que se aprofunda nela seja capaz de pensar sobre os problemas

práticos de forma mais clara do que antes. (HUDSON, 1970, p. 32).

3 Para alguns pensadores, o estudo da moral é inapropriado, como foi mostrado acima. Nesse sentido, ela é relativa à ideologia (Marx), ou à força do indivíduo (Nietzche), ou à neurose (Freud). Outros, apesar de buscarem objetividade em suas teorias éticas, acabam por levá-la ao relativismo de acordo com a concepção de Hare, como é o caso dos descritivistas. Eles não são capazes de julgar neutramente sobre determinado argumento. Além disso, argumentos incompatíveis são admissíveis por não serem vinculados à prática. No item 4.1 serão discutidos, em maior detalhe, os requisitos de uma teoria ética adequada capazes de garantir o não-relativismo ético, conforme Hare.

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1.2 METODOLOGIA E OBJETIVO

As correntes de filosofia da linguagem influenciaram e, inclusive,

fundamentaram as teorias éticas contemporâneas. “[...] Wittgenstein y J. L. Austin,

respectivamente. Sobre estas opiniones se fundamentan las teorías éticas de los

prescritivistas y de los descriptivisas.” (HUDSON, 1970, p. 35)4.

Para logicistas como o primeiro Wittgenstein, apenas os enunciados indicativos

estariam acima de qualquer suspeita sobre a questão do significado, como se o

significado só pudesse ser dado ao que pudesse ser verificado como verdadeiro ou

falso. O que não pudesse ser “traduzido” na forma indicativa, pertenceria a uma classe

inferior de enunciados. Assim, descritivistas éticos utilizam-se desse princípio, e

defendem que para saber se algo é certo ou errado, basta entender o significado das

palavras em dada cultura linguística.

De um lado completamente oposto, o filósofo da linguagem Austin mostrou

exatamente o contrário: para ele, até mesmo os indicativos possuem características

similares aos imperativos. Ele procura mostrar as prescrições implícitas nas frases

descritivas. Com isso, conclui que nenhuma frase pode ser julgada como verdadeira ou

falsa, justamente por ser ato.

Por esses aspectos, estruturaremos este trabalho da seguinte forma: no

segundo capítulo, será feita uma análise sobre os problemas lógicos gerados por

teorias éticas descritivistas, fundamentadas pela teoria linguística de Wittgenstein. No

terceiro capítulo será tratado do problema lógico da teoria linguística do próprio Austin,

que fundamentou o prescritivismo ético, bem como dos problemas do emotivismo,

fortemente influenciado por esse autor. Posteriormente, no capítulo 4, será mostrado a

teoria sobre a moral de Hare, que não comete os mesmos erros dos descritos

anteriormente, mas os soluciona.

Para tanto, antinomia e paradoxo são os erros lógicos analisados no segundo e

terceiro capítulos e atribuídos ao descritivismo ético e à teoria de Austin (pai do

prescritivismo), respectivamente. Ambos os termos definidos de forma bem estrita:

4 Tradução: ...Wittgenstein e J. L. Austin, respectivamente. Sobre estas opiniões se fundamentam as teorias éticas dos prescritivistas e dos descritivistas.

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antinomias como estruturas que se apresentam com conclusões contraditórias partindo

do mesmo princípio; e paradoxo como proposições que levam a conclusões que não

podem ser verdadeiras nem falsas. Pode-se dizer que Hare foi mais minucioso ao

transpor a teoria de Austin para a ética: ele defende que juízos morais possuem

características prescritivas, mas, ao analisar os valores, ele defende que também

possuem o significado descritivo. Com isso, ele verifica que a linguagem moral possui

uma lógica, mas não deixa de apontar suas características peculiares, como a

importância do elemento prescritivo.

Com isso, a proposta deste trabalho é, primeiramente, a de investigar aspectos

da teoria de Hare como uma síntese do naturalismo ético e da teoria radical de Austin,

síntese que descarta problemas dessas teorias anteriores e garante o desenvolvimento

da ética como atividade racional.

Em segundo lugar, deseja-se explicitar a relação existente entre as

características descritivas e as características prescritivas dos atos morais, e mostrar

que a forma interpretativa dessa relação é essencial para entender a teoria de Hare.

Alguns filósofos cometeram erros graves, e até intitularam Hare de descritivista,

justamente por não atentarem aos detalhes fundamentais de sua teoria.

1.3 ALGUNS PRESSUPOSTOS DO DISCURSO MORAL

Nem todo valor é moral. Alguns discursos tentam ser morais, sem atingir seus

objetivos. Abaixo, procuramos descrever alguns pressupostos do discurso moral, que

não foram explicitados por Hare, mas que são coerentes com sua teoria. Esses

pressupostos são peculiares, necessários e, somados todos juntos, são suficientes para

garantir a fala moral.

Um deles é a escolha. Apenas usamos a fala moral para direcionarmos a

escolha dos outros ou as nossas, ou seja, julgamos os fatos e agimos de acordo com

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esse julgamento. Só fazemos escolhas porque somos livres5. Por exemplo, imagine um

casal que não tem relacionamento aberto, ou seja, que possui o acordo de não ter

relações sexuais com outras pessoas. Se a mulher é forçada a ter relação sexual com

um terceiro, num caso de estupro, não se pode dizer que ela não agiu moralmente. Isso

significa que a escolha é um pressuposto para um dizer e agir de forma moral.

Também relacionada às escolhas livres, está a questão do “poder”. A

possibilidade de mudança da situação geralmente não está nas mãos das vítimas que

sofrem ações amorais. O máximo que as vítimas podem fazer é protestar, para que

governantes, chefes, participantes de bancas de processos seletivos e o ladrão que

está com a arma em sua cabeça consigam analisar os fatos de forma clara,

perceberem suas injustiças e mudarem de atitudes. Ou seja, para se fazer escolhas é

preciso ser livre e ter poder, de uma certa forma.

Apesar do poder de escolha ser uma pressuposição necessária para os atos

morais, não é condição suficiente. Às vezes fazemos escolhas corriqueiras, que não

possuem correlação com a moral. Por exemplo, a escolha da cor de minha roupa.

Assim, um outro pressuposto é a circunstância. Observe o exemplo que

acabamos de dar: a escolha da cor da roupa é obviamente um exemplo não moral.

Porém, só é um exemplo não moral porque pressupomos implicitamente a

circunstância: o dia-a-dia, em uma situação corriqueira, no Brasil. Se a circunstância for

um casamento em que sou convidada, não deverei escolher a cor branca. Não por

causa simplesmente da cor, mas devido à atribuição de significado cultural que foi

construído por todos: se uma convidada usa um vestido completamente branco, então

ela quer competir com a noiva. Seria uma ofensa para a família e para os amigos da

personagem principal da festa. Por outro lado, no Panamá, não se pode usar preto.

Pois ao preto se atribui o significado de luto, e todos pensariam que eu não concordo

com o casamento.

O tempo é um elemento particular da circunstância, que dá o sentido de

movimento aos juízos morais. Minha escolha pode ser diferente da escolha do passado,

e as novas escolhas possuem tendência de serem mais maduras, por terem passado

5 O conceito de liberdade usado nesse contexto é bastante estrito e intimamente relacionado ao conceito de escolha. Se podemos fazer alguma escolha, temos a liberdade para fazê-la, ainda que não sejamos totalmente livres e que as possibilidades sejam limitadas.

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por um tempo maior de reflexão, desde que eu tenha a predisposição de agir

moralmente.

A pessoa é outro elemento da circunstância. Uma pessoa faz julgamento

diferente das outras. Cada indivíduo que procura agir de acordo com a moral reúne um

conjunto de argumentos decisivos para se utilizar da linguagem moral. Mas, se uma

pessoa tem um julgamento e age de modo contraditório a outra pessoa, então uma

delas fez o julgamento corretamente, isto é, uma delas reuniu melhor os fatos e utilizou-

se melhor dos argumentos. Com isso, o conhecimento insere-se nesse quesito. Se vou

a um casamento no Panamá e uso preto, sem ter o conhecimento do péssimo

significado de não concordância com o casamento, a ofensa à família dos noivos foi

realizada, apesar de não ter sido intencional.

Apesar da circunstância ser um pressuposto, a universalizabilidade, conforme

nos é apresentada explicitamente por Hare, também é. Se algo é escolhido como

errado, em determinada circunstância, então, em outra circunstância, com a mesma

característica, em que “eu” ocupe papéis diferentes, o mesmo algo deve ser

considerado errado, logicamente. Caso contrário, o discurso e o ato são imorais.

Seguindo o exemplo anterior, em todas as culturas, é errado desrespeitar a família, os

amigos e os noivos, em uma cerimônia de casamento. O que é errado moralmente não

é a cor da roupa, mas a ofensa. Ou seja, a cultura é importante apenas na atribuição de

significado para as coisas, mas não interfere no julgamento dos atos morais.

Por outro lado, se não tenho conhecimento dos fatos, por exemplo, de que usar

preto em casamento no Panamá é uma ofensa, então, particularmente aplicaria a

universalizabilidade, usaria preto, e ainda assim não seria um ato ético. Logo, a

universalizabilidade também não é suficiente. Apesar de Hare não fazer distinção entre

universalizabilidade e universalidade, julgamos que essa diferenciação seja necessária,

visto que a universalizabilidade não acarreta a universalidade e que os atos éticos

precisam ser universais.

Esse exemplo cor da roupa é bastante simples e pouca ou nenhuma reflexão

exige. A maioria das pessoas age conforme o esperado, e quando ocorre uma exceção,

as consequências geralmente não são tão graves. Com isso, pouca relevância tem para

a ética. É apenas um bom exemplo para ilustrar os quatro pressupostos: poder de

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escolha, circunstância, universalizabilidade e universalidade. (Discutiremos, com maior

detalhe, a diferença entre esses dois últimos conceitos no item 4.2.6).

Por outro lado, os exemplos que possuem relevância para a ética prática são

polêmicos e não óbvios. São exemplos em que não foi possível construir um consenso,

e que, por isso, é preciso reflexão e cuidado no esclarecimento dos fatos, como é o

caso do aborto, da eutanásia e da abstinência da carne. Nesses exemplos é comum

existir pessoas dispostas a agir moralmente e, entretanto, defenderem atitudes

diferentes. Isso ocorre pela dificuldade no esclarecimento dos fatos pelas diferentes

crenças das pessoas. Ou seja, a universalidade é o quesito mais difícil de ser atingido,

embora seja bastante necessário para se atingir a suficiência dos requisitos para a fala

moral.

Uma pessoa que acredita na existência da alma, que ela precisa de um corpo

para evoluir, e que ela está presente junto ao corpo desde a concepção, dificilmente

aceitaria que o aborto é certo. Sob a mesma linha, se uma pessoa acredita que o

homem é superior aos animais por causa da alma, e que os animais estão no mundo

como seres inferiores para servir a humanidade, dificilmente essa pessoa deixaria de

comer carne pela causa animal; e mesmo universabilizando, ela julgaria certo comer

carne, mesmo se estivesse no lugar de um animal.

Diferentemente, uma outra pessoa, que não acredita em alma, mas apenas na

complexidade cerebral, e que, além disso, observa as mulheres morrendo de infecção

por fazerem aborto com agulha de tricô clandestinamente, sem a menor condição de

criar seus filhos, provavelmente defenderia o direito ao aborto, mesmo se estivesse no

papel do feto.

Esses são exemplos típicos de problemas metafísicos, no âmbito da filosofia da

mente, que influenciam fortemente a ética. Hoje, os fatos estão difíceis de serem

alcançados em sua plenitude; e pode-se dizer que o acesso completo a eles é

praticamente impossível. Mas, nem por isso deve-se dizer que a ética deve ser deixada

de lado. É justamente por não estar completa e acabada, que ela precisa ser estudada.

O discurso moral surge com o intuito de educar, ou seja, de formar cidadãos e

modificar condutas. Mas, para educar é preciso conhecer. O certo moralmente deve ser

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construído, e a ação do próprio indivíduo, que procura conhecer o que é certo, pode ser

modificada.

A meta-ética, por ser um discurso de segunda ordem, não tem a pretensão de

defender ou condenar atos específicos, mas pretende analisar como esses discursos

da ética prática são construídos, para poder propor uma solução com forma de

construção coerente.

Esse trabalho, na linha da meta-ética, pretende discutir sobre os diferentes

paradigmas éticos e procura mostrar o quão consistente é a teoria do prescritivismo

universal de Hare. Pois, a obtenção de um modelo consistente garante a possibilidade

de uma análise imparcial sobre as questões práticas. E, a análise imparcial, se feita

pelos detentores de poder, permite mudanças nas atitudes habitualmente amorais e

reforça as ações corretas universalmente.

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2 O PROBLEMA LÓGICO DO DESCRITIVISMO ÉTICO

2.1 ANTINOMIA

Paradoxos são estruturas não-consistentes que não nos deixam responder à

pergunta “a proposição é verdadeira?”; por outro lado, a detecção de paradoxos é uma

ferramenta importante na construção do conhecimento. A resolução desse tipo de

problema tem por consequência a eliminação de erros e a formalização do pensamento

logicamente consistente. É uma ferramenta usada desde a Grécia Antiga e cada vez

mais explorada, pois o ser humano continua a desenvolver ideias e a contrapor

princípios aparentemente legítimos e fundamentais.

Porém, existe um tipo específico de paradoxo que merece destaque neste

capítulo, chamado antinomia, que designa simplesmente um conflito entre duas

proposições. Mais precisamente, antinomia designa o conflito gerado entre a tentativa

de validar duas ou mais consequências advindas da mesma proposição.

Observaremos, no decorrer desta apresentação, que não se pode assumir

princípios morais como descrições sem que haja conflito necessário com outros

princípios morais, ou seja, sem que seja detectado o impasse. O problema do

descritivismo, apontado por Hare nas teorias morais chamadas de naturalismo e

intuicionismo, enquadra-se perfeitamente nos moldes da antinomia. Hare denomina

esse problema de “relativismo”, gerado pela interpretação descritivista dos juízos

morais.

É importante destacar que esse tipo de problema lógico é observado ao que

Hare denomina de descritivismo, e não a um autor descritivista específico. Esse tipo de

generalização também é feita por Hudson.

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2.2 DESCRITIVISMO ÉTICO

Wittgenstein influenciou o positivismo lógico. “Wittgenstein nunca fue un

miembro del Círculo, pero tuvo relaciones con Schlick, y su Tractatus influyó mucho en

el Círculo” (HUDSON, 1970, p. 45)6. Os positivistas lógicos julgavam que o significado

das palavras estava na verificação lógica das mesmas: “Su formulación clásica dice que

el significado de una proposición es el modo de su verificación” (HUDSON, 1970, p.

46)7. Com isso, afirmavam que a ética era desprovida de significado, ou tinha um

significado diferente do significado literal (HUDSON, 1970, p. 49).

Teorias éticas descritivistas são as teorias éticas influenciadas pelos positivistas

lógicos, que tentam dar um significado objetivo aos juízos morais e defendem que

palavras valorativas também podem ser verificadas como verdadeiras ou falsas. É

também chamada de teoria “definicionista”: “[...] a posição definicionista, segundo a

qual o Deve pode se definir em termos de É, e o Valor, em termos de Fato [...] os juízos

éticos e de valor são, sob disfarce, um tipo qualquer de asserção de fato” (FRANKENA,

1981, p. 116-117).

Hare, ao tratar da taxonomia das teorias éticas, enuncia sua definição:

O descritivismo ético, como uma primeira aproximação, é a concepção de que o significado de um enunciado moral é inteiramente determinado por suas condições de verdade, isto é, pelas condições sob as quais seria correto dizer que ele é verdadeiro. Nesta concepção, os enunciados morais obtêm seu significado da mesma forma que os enunciados factuais ordinários. (HARE, 2003,78).

Hare, em seu livro Ética: problemas e propostas, destaca dois tipos de teorias

descritivista – o naturalismo e o intuicionismo. O Naturalismo, apresenta a característica

de que essas condições de verdades que determinam o significado moral são

propriedades não morais, ou seja, são propriedades naturais, sejam elas objetivas (para 6 Tradução: Wittgenstein nunca foi um membro do Círculo [de Viena], mas manteve relações com Schlick, e seu Tratactus influenciou muito o Círculo.7 Tradução: Sua formulação clássica diz que o significado de uma proposição é o modo de sua verificação.

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o naturalismo objetivistico) ou subjetivas (para o naturalismo subjetivístico). Ao passo

que para os intuicionistas, essas condições de verdade são propriedades morais “sui

generis”.

Frankena também subdivide os descritivistas: “Quem como Perry, diz que eles,

sob disfarce, são asserções de fato empírico é um naturalista ético, quem os encara

como asserções disfarçadas de um fato metafísico ou teológico é chamado de moralista

metafísico” (FRANKENA, 1981, p. 117)

Assim, a questão problemática do descritivismo ético está sobre a necessidade

(que parece não existir) de uma forma alternativa para narrar a mesma coisa, e se isso

poderia ser feito sem um vocábulo especial que indicasse a prescrição (FRANKENA,

1981, p. 120).

Hare, realizou esse experimento, e mostrou que somente os imperativos

substituem o sentido de “dever” de ensino e aconselhamento. Muitas vezes, para o

ensino moral, é utilizado imperativos ao invés de “dever” (HARE, 1996, p. 206-207).

Se o significado dos enunciados morais são “inteiramente” determinados pelas

condições de verdade, então, imperativos, que não podem ser julgados como

verdadeiros ou falso, ficariam desprovidos de significado, e consequentemente, pelo

que Hare mostrou, as palavras de valor que poderiam ser substituídas por imperativos,

também ficariam desprovidas de significado.

Posteriormente, Hare detalha sua definição:

Um descritivista é alguém que pensa não meramente que um enunciado moral tenha condições de verdade (pois os não-descritivistas podem concordar com isso, como veremos), nem que o significado de um enunciado moral seja inteiramente determinado por suas condições de verdade (pois, como já vimos, isso não é verdade com respeito a quaisquer sentenças), nem que propriedades sintáticas ou gramaticais de sentenças expressando enunciados morais façam suas forças ilocutórias serem tais que elas tenham de ter condições de verdade e sejam, portanto, enunciados no sentido há pouco usado (com isso o não-descritivista também pode concordar), mas, mais do que isso, que essas condições de verdade são tudo de que se necessita adicionalmente para determinar o significado das sentenças (HARE, 2003, p. 81).

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Quando ele diz que um descritivista não pensa meramente que o significado

seja inteiramente determinado por suas condições de verdade, como ele havia usado

para definir anteriormente, ele destaca a importância da sintaxe na determinação do

significado e não somente a importância da semântica (definida de forma restrita, como

aquela parte do significado que é determinada pelas condições de verdade). “Por

exemplo, se um enunciado for da forma sujeito-predicado, isso determina, em parte,

seu significado, e nós podemos saber disso antes de sabermos quais são suas

condições de verdade” (HARE, 2003, p. 78).

Quando Hare afirma que um descritivista não pensa meramente que as

propriedades sintáticas ou gramaticais façam sua forças ilocutórias terem condições de

verdade, ele refere-se aos casos que o mesmo exemplo pode expressar “forças

ilocutórias” diferentes, dependendo da circunstância. “’Você vai ir’ poderia expressar

uma predicação, mas poderia (pelo menos no Exército britânico) expressar um

comando” (HARE, 2003, p. 80). No item 3.2 mostramos a definição de Austin sobre

ilocutório ou ilocucionário, e explicamos a interpretação de Hare sobre essa parte da

teoria de Austin, destacando as divergências de definição entre ambos.

Assim, a grande diferença entre os descritivistas e os não-descritivistas é que

os primeiros não consideram a possibilidade de alguém contradizer outra pessoa,

apenas com a propriedade da aprovação ou desaprovação, mantendo-se as

características descritivas, ou seja, os descritivistas analisam os juízos morais da

mesma forma que analisam uma frase descritiva comum. Observe o exemplo que Hare

usa para esclarecer esse fato, de como os não-descritivistas interpretam os juízos

morais:

Ou seja, se concordamos a respeito do estado descritivo do céu e concordamos com nosso uso das palavras, não nos resta nada sobre o que possamos discordar. No caso da “boa pessoa” poderia ser que concordássemos exatamente sobre como a pessoa se comportou (o que ela fez) e sobre o significado (valorativo) de “boa”, mas que estivéssemos nos contradizendo por estar avaliando diferentemente pessoas que fizeram tal coisa ou se comportaram de tal maneira.[...] Desde que valorar sempre se faz de acordo com padrões, sempre “haverá” condições de verdade, mas o significado não é esgotado pelas condições de verdade e, assim, o que resta do significado (o elemento valorativo) é suficiente para suscitar uma contradição entre as duas partes mesmo que elas estejam usando as palavras

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com significados descritivos diferentes. Essa é a porção extra de “input” que mencionei anteriormente (HARE, 2003, p. 90-91).

Para Hare, os descritivistas erram justamente por não considerarem como parte

do significado esse elemento valorativo. Vejamos na sessão seguinte, em detalhes, as

falhas acarretadas por esse tipo de interpretação descritivista, a saber, pelos

naturalistas objetivistas, pelos naturalistas subjetivistas e pelo intuicionismo.

2.3 O ERRO DO NATURALISMO ÉTICO

Todo o erro gerado pelo naturalismo ético ocorre por desconsiderar o

significado prescritivo dos termos morais. “Quando fazemos apenas asserções factuais,

não estamos, por isso, adotando qualquer atitude pró ou contra aquilo de que falamos;

não estamos recomendando ou ordenando” (FRANKENA, 1981, p. 119).

No naturalismo, especificamente no objetivista, os juízos morais são analisados

da mesma forma pela qual todas as palavras descritivas são analisadas: pela

averiguação de seu uso correto. Por exemplo, sei que o caderno é vermelho, porque

olho para ele, vejo aquela cor, e sei que nessa cultura as pessoas chamam essa cor de

vermelho. Se uma pessoa diz que o caderno não é vermelho, então ela não conhece o

uso correto da língua, ou ela tem alguma deficiência na visão. Do mesmo modo,

segundo essa teoria, para saber se o ato de “subjugar uma mulher” é certo ou errado,

bastaria verificar como essa cultura aplica a palavra “errado” a esse ato. No Brasil, se

uma pessoa diz que o ato de subjugar a mulher é certo (ou seja, possui a característica

descritiva de ser “certo”), então ela não conheceria o uso correto da língua.

Mas, não se pode reduzir questões morais (sobre como agir) a questões da

linguagem (sobre como dizer), caso contrário, o relativismo seria inevitável, pois, isso

permitiria que atos moralmente divergentes, não caracterizassem uma inconsistência

moral. Apresentamos, agora, um exemplo para clarificar o tipo de inconsistência que

pode ocorrer: suponha que, em uma cultura, se usa “blue” para identificar a cor que em

no nosso país é azul. Assim, se o visitante da primeira cultura fosse visitar nosso país,

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ele teria que usar a palavra “azul” para se comunicar adequadamente em português.

Então, seguindo a linha naturalista, e transpondo isso para a moral, poderíamos pensar

em uma cultura na qual se tem o costume de se retirar o clitóris das meninas e em

outra que não: quando o membro da primeira cultura fosse visitar o país da segunda,

ele teria que dizer para se comunicar adequadamente: “retirar o clitóris da menina é

errado”, ainda que continuasse a praticar esse ato, pois errado seria a descrição

adequada para o ato de retirar o clitóris. Certamente haveria um problema grave de

comunicação.

Um outro tipo de problema se dá com relação aos protestos morais, que não

teriam sentido dentro da ética naturalista. Não seria possível explicar como uma pessoa

no Brasil, que é fluente na língua, pode perfeitamente defender que o aborto é correto,

mesmo que o padrão cultural atual seja, em nossa língua, que o aborto é comumente

descrito como errado.

Mais difícil ainda seria explicar uma mesma cultura que em uma época aceita a

inquisição e em outra época a condena, do mesmo modo que seria difícil explicar como

um mesmo indivíduo julga como certo comer carne, em determinada época de sua vida,

e, posteriormente, julga esse ato errado. Se os valores são vistos como descrições,

para a ética naturalista, não deveria ser difícil aceitar a mudança da descrição de “certo”

para “errado” para os mesmos fatos, como não é difícil aceitar que o sentido conotativo

da expressão “que gato!” tem o mesmo significado de “que pão!” em outra época da

mesma cultura, ou consistentemente, em um mesmo indivíduo, por uma mera

transposição linguística.

Esse aspecto do descritivismo explicitado por esses exemplos merece destaque

para conclusões futuras neste trabalho: para os naturalistas, um padrão culturalmente

construído é suficiente para dizer se algo é “certo” ou “errado”. Assim, não seria

possível defender a mudança de atitude, apenas de conceito. O padrão é constatado, e

“certo” é o que está de acordo com o padrão.

Assim, não se podem assumir princípios descritivistas sem que haja colisão

com outros princípios. Hare denomina de relativismo a questão problemática do

naturalismo ético, que permite a aceitação de dois atos morais contraditórios. Observa-

se que esse relativismo se caracteriza como antinomia.

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A antinomia, como já foi dito, é um tipo específico de paradoxo, que designa o

conflito gerado entre a tentativa de validar duas ou mais conseqüências advindas da

mesma proposição. No caso naturalista, foram apresentados três tipos de

circunstâncias problemáticas, quando se comparam costumes morais diferentes:

primeiro entre culturas diferentes; segundo, entre indivíduos diferentes; terceiro, no

mesmo indivíduo. Nesses três casos, o princípio de um choca-se com o princípio do

outro: ambos consequências lógicas do princípio naturalista o qual afirma que as

convenções linguísticas culturais determinam os valores de verdade das proposições

morais.

A antinomia naturalista é gerada pelo fato de não ter sido considerado que

quando se analisa questões morais, não se faz isso para descrever fatos, mas sim para

a orientação da conduta.

2.4 NATURALISMO SUBJETIVISTA E INTUICIONISMO

O naturalismo subjetivista diferencia-se do naturalismo objetivista, pois se refere

à teoria a qual defende que existem sentimentos de aprovação ou desaprovação de

atos propostos, e esses sentimentos são “fatos psicológicos”. Mas não significa dizer

que esses “fatos psicológicos” contenham termos morais. Ao contrário, são fatos

empíricos verificáveis por introspecção ou por observação do comportamento. Se uma

pessoa diz que algo é errado e a outra diz que não é, cada uma está fazendo afirmação

sobre seus estados psicológicos. Porém, as afirmações opostas sobre os estados

psicológicos de cada uma (“o estado psicológico de uma é de que esse algo é errado”;

“o estado psicológico da outra é que esse algo é certo”) são consistentes, enquanto as

afirmações avaliativas (“algo é certo”, “algo é errado”) não são consistentes entre si.

Sob esta ótica, até mesmo os imperativos poderiam ser expressos

transformando-os em afirmações sobre a mente dos falantes: “Feche a porta” poderia

ser transformado em “Quero que você feche a porta”. Isso possui conseqüências

filosóficas desastrosas, pois se uma pessoa diz: “Feche a porta” e a outra diz “Não

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feche a porta”, significaria que elas não estariam se contradizendo, visto que apenas

estariam sendo expressos estados mentais dos falantes (que poderiam ser diferentes,

sem problema). Porém, a dificuldade está em que a expressão “Feche a porta” se

refere a uma ação de fechar a porta, e não a estados mentais dos falantes. Além disso,

na prática “Quero que você feche a porta” não é uma afirmação sobre a mente do

falante, mas sim, uma maneira mais educada de dizer o imperativo: “Feche a porta”.

Apesar dos subjetivistas perceberem alguns erros na teoria naturalista

objetivista, eles não souberam propor uma solução consistente.

Os intuicionistas também perceberam que algo errado havia nas teorias

naturalistas objetivistas. Pois palavras como “belo”, “bom”, “mau”, “certo”, “errado”, “o

dever”, “o que deve ser feito”, etc; possuem características diferentes dos “fatos

naturais”. Assim, denominaram essas características como “suis generis”.

Eu disse que o naturalismo é a concepção segundo a qual as condições de verdade dos enunciados morais, que, de acordo com o descritivismo, determinam seu significado, têm de ser a posse de propriedades não morais por parte de ações, pessoas etc – ou seja, de propriedades especificáveis em termos moralmente neutros. O intuicionismo, ao contrário, é a concepção de que elas consistem na posse de propriedades especificamente morais, sui generis, que não podem ser definidas sem introduzir algum termo moral no definiens (HARE, 2003, p.119)

Porém, Hare mostra que essa teoria também apresenta problemas, pois essas

propriedades não-naturais podem ser identificadas de forma diferente de uma pessoa

para outra. Geach também faz sua crítica ao intuicionismo – que considera os termos

“bom” e “mal” como uma complexa briga de ambiguidade, denominando os defensores

desta teoria simplesmente por objetivistas:

The Objectivists’ own theory is that ‘good’ in the selected uses they leave to the Word does not supply an ordinary, ‘natural’, description of things, but ascribes to them a simple and indefinable non-natural attribute. But nobody has ever given a coherent and understandable account of what it is for an attribute to be non-natural. I am very much afraid that the Objectivists are just playing fast and loose with the term ‘attribute’. In order to assimilate ‘good’ to ordinary predicative adjectives like ‘red’ and ‘sweet’ they call goodness an attribute; to escape undesired consequences drawn from the assimilation, they can always protest, ‘Oh no, no like that. Goodness isn’t a natural attribute like redness and sweetness. It’s a non-natural attribute.’ It is just as though somebody thought to escape the force of Frege’s arguments that number 7 is not a figure, by saying

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that it is a figure, only a non-natural figure, and that this a possibility Frege failed to consider (GEACH, 1967).8

Percebe-se então, que também não conseguiram desenvolver uma teoria

consistente. Isso pode ter ocorrido porque não entenderam o conceito de

superveniência9 das palavras de valor em relação às características descritivas.

Vejamos um exemplo não-moral claro sobre a superveniência das palavras de valor,

que não é admitido pelos intuicionistas. Primeiramente, suponhamos um caso em que,

ao descrever uma flor, dizemos que ela possui pétalas sobrepostas, de tamanho

pequeno e de cor rosa; nesse contexto, podemos dizer certamente que outra flor é

igual, exceto que se difere no fato de que a outra possui cor branca. Mas, se temos

duas flores com pétalas sobrepostas, de tamanho pequeno e de cor rosa, não podemos

dizer que uma é bela e a outra não. Ou seja, uma característica descritiva pode se

diferenciar de um objeto para o outro, sem que exista outra modificação nas demais

características, enquanto características valorativas sempre possuem relação de

superveniência com as demais características. Mas, para os intuicionistas, as palavras

valorativas possuem a mesma relação que as demais características. Exemplo: se

dissermos que uma flor possui as características de possuir pétalas sobrepostas, de

tamanho pequenas, de cor rosa e de ser bela, para um intuicionista, poderíamos afirmar

que uma outra flor apresenta as mesmas características da primeira e se diferencia

somente pelo fato de não ser bela.

Isto é, eles não percebem a relação de superveniência do valor com as demais

características fatuais da flor, como Hare aponta. E então, ocorre o mesmo problema do

relativismo: como saber se essa flor deverá ser a escolhida para ser oferecida à mãe?

Ou seja, como o “belo” irá determinar a ação de escolher determinada flor? Observa-se 8 Tradução: A teoria própria dos objetivistas é que a “bom”, nos usos selecionados, não foi deixado nenhum sentido ordinário, ‘natural’, de descrição de coisas, mas relaciona-se à palavra um simples e indefinido atributo não natural. Mas ninguém nunca deu uma explicação coerente e compreensível do que significa um atributo ser não-natural. Eu estou muito receoso de que os objetivistas estejam apenas em um jogo leviano e descuidado com o termo “atributivo”. Em ordem, para assimilar “bom” ao adjetivo predicativo ordinário, como “vermelho” e “doce” eles chamam a bondade de um atributo; para escapar das consequências indesejadas atraídas pela assemelhação, eles podem sempre protestar, “Oh não desse jeito. Bondade não é um atributo natural como vermelhidão ou doçura, é um atributo não-natural.” É exatamente como apesar de alguém ainda escapar da força do argumento de Frege que o número 7 não é uma figura, por dizer que é uma figura, porém uma figura não-natural, e que esta é uma possibilidade da falha de Frege a considerar.9 Superveniência é o conceito que Hare utiliza para explicar parte da relação de dependência entre juízos e fatos. Esse conceito é a base da universalizabilidade (ver item 4.2.6).

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que é inevitável a antinomia. O princípio de qual pessoa, ou de qual momento, é o

correto?

Outro problema do intuicionismo está na dificuldade em reconhecer a classe de

ações “suis generis” que as pessoas chamam de “certo” ou “errado”. Essa

indeterminação é a responsável pela antinomia. As pessoas freqüentemente possuem

“intuições” divergentes, que não podem ser consideradas erradas, nem uma, nem a

outra, pela própria teoria. O intuicionismo tropeçou no mesmo erro do naturalismo por

não ser possível fornecer o modo de determinar qual das intuições seriam falhas.

2.5 IMPORTÂNCIA DO DESCRITIVISMO

Apesar dos descritivistas terem errado por acharem que os fatos eram

suficientes na determinação dos juízos de valor, ou seja, que os fatos sozinhos

resolveriam qualquer problema moral, eles deixaram como legado importante a

descoberta de que existem fatos não morais que justificam a escolha de um juízo moral.

Em quase todos os problemas morais práticos descobriremos que a imensa maioria das questões que têm de ser respondidas antes de podermos resolvê-los são questões factuais. Isso tem levado alguns filósofos a pensar que as “únicas” questões que têm de ser respondidas antes que possamos resolvê-los são desse tipo – que, uma vez conhecidos todos os fatos, não restará nenhum problema adicional; a resposta à questão moral será óbvia. Isso, entretanto, não é assim, como veremos em seu devido tempo. Mas, certamente, as questões factuais são as que causam 99% da dificuldade. Poderemos ver isso se examinarmos quaisquer duas pessoas discutindo a respeito de uma questão moral: quase sempre veremos uma questionando os fatos da outra, e vice-versa (HARE, 2003, p. 61).

Uma das características dos juízos morais para Hare é a superveniência, que

garante a relação entre os fatos e o valor. ”Essa propriedade dos enunciados morais,

sua superveniência sobre os enunciados não morais, é crucial para um entendimento

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deles” (HARE, 2003, 174). Para Hare, a superveniência é fundamento da

universalizabilidade. (Assunto tratado em detalhe no item 4.2.6).

Além disso, Hare diz que os naturalistas objetivistas escolheram o projeto

correto, pois apostavam que a linguagem moral deveria ser interpretada de forma

objetiva e cognitiva, evitando assim o relativismo. Não conseguiram executá-lo, mas

não se pode deixar de dar destaque para o projeto, que é exatamente o que Hare

busca com a formulação de sua teoria.

Hare aponta que os naturalistas subjetivistas não perceberam as verdades

deixadas pelos objetivistas, mas deixaram uma importante marca: disseram que existia

uma relação entre a atitude e a formação de um enunciado moral. (HARE, 2003, p.

175). Isso foi o primeiro passo para o desenvolvimento do prescritivismo, que também

será tratado posteriormente.

Também o intuicionismo tem sua importância. Esse tipo de teoria é

perfeitamente aplicável no cotidiano, apesar de não servir para situações mais

polêmicas, que exigem reflexões mais complexas (HARE, 2003, p. 175).

Hare procura utilizar todas essas contribuições em sua teoria. E, de forma

alguma desmerece o significado descritivo nela. Mas é preciso entender exatamente o

que ele chama de significado descritivo, que muitas vezes, neste trabalho, chamamos

de fatos, elementos fatuais, ou argumento (não no sentido filosófico de silogismo, mas

no sentido de argumento dissertativo). Vejamos sua definição:

O significado descritivo é, de fato, a mesma coisa que as condições de verdade somadas à exigência, feita a um enunciado moral pelo fato de ter a força ilocutória de um enunciado, de que ele tem de ter condições de verdade para ter significado [...]. O significado descritivo é, também, a mesma coisa que a semântica do enunciado; ele determina a que podem ser corretamente aplicados os termos descritivos de um enunciado e a quais objetos se deve considerar que as expressões referenciais nele usadas estejam se referindo. Como conseqüência, o significado descritivo de fato determina univocamente as condições de verdade do enunciado (HARE, 2003, p. 82).

É com base nesse significado descritivo que Hare faz a diferenciação entre

descritivistas e não-descritivistas. Enquanto que, para os descritivistas, a mudança do

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significado descritivo, acarreta, necessariamente, a mudança do significado do

enunciado moral como um todo, para os não-descritivistas, existe a possibilidade da

mudança no significado descritivo sem que haja a mudança no significado valorativo.

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3 O PROBLEMA LÓGICO DO PRESCRITIVISMO ÉTICO

3.1 PARADOXO

Paradoxos10 são construções contraditórias, em que não é possível se chegar

a nenhum juízo de verdade sobre elas. Assim como a ciência da computação, a filosofia

também possui interesse específico no estudo dos paradoxos, pois ambas trabalham

com linguagem. A primeira, principalmente com linguagens artificiais e a segunda com

os dois tipos de linguagem, artificiais e naturais.

Cientistas da computação estudam os paradoxos para evitar o desenvolvimento

de programas que contenham loop (em que uma linha de comando remete a uma

segunda, e que esta segunda remete à primeira), sem previsão para o final da

execução. Ou seja, paradoxos são estudados para evitar o desenvolvimento de

sistemas que possam ficar inoperantes quando processados.

Em filosofia, paradoxos são estudados principalmente para evitar construções

teóricas inconsistentes. O rigor formal filosófico não admite teorias que não possam ser

julgadas como adequadas ou inadequadas.

Observemos agora um exemplo de paradoxo na literatura e denominemo-lo de

“o paradoxo de Dom Quixote”. No capítulo 51, Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom

Quixote, torna-se governador de uma ilha, quando um forasteiro apresenta a ele uma

questão complicada:

– Senhor: um rio caudaloso dividia dois campos de um mesmo senhorio... (atenda-me Vossa Mercê, porque o caso é de importância e bastante dificultoso). Nesse rio havia uma ponte, ao cabo da qual ficava uma porta e uma espécie de tribunal em que estavam habitualmente quatro juízes que julgavam segundo a lei imposta pelo dono do rio, da ponte e das terras, que era da seguinte forma: ‘Se alguém passar por esta ponte, de uma parte para a outra, há de dizer primeiro, debaixo de juramento, onde é que vai; e se jurar a

10 Paradoxo propriamente dito, diferentemente da antinomia usada no capítulo anterior

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verdade, deixem-no passar, e se disser mentira morra por elo de morte natural, na forca que ali se ostenta, sem remissão alguma’. Sabida esta lei, e a sua rigorosa condição, passaram muitos, e logo, no que juravam, se mostrava que diziam a verdade, e os juízes, então, deixavam-nos passar livremente. Sucedeu, pois, que tomando juramento a um homem, este jurou e disse que faria este juramento só para morrer na forca que ali estava, e não para outra coisa. Repontaram os juízes com o caso e disseram: ‘Se deixarmos passar este homem livremente, ele mentiu no seu juramento e, portanto, deve morrer; e, se o enforcamos, ele jurou que ia morrer naquela forca, e, tendo jurado a verdade, pela mesma lei deve ficar livre’. Pergunta-se a Vossa Mercê, senhor governador: que hão de fazer os juízes a este homem, acerca do qual estão ainda até agora duvidosos e suspensos? (SAAVEDRA, 1981, p. 515).

Os juízes da ilha deveriam perguntar a cada visitante o motivo da visita. Se o

visitante respondesse a verdade, estaria livre. Mas caso mentisse, o visitante seria

enforcado. O problema (o paradoxo) ocorreu quando um visitante respondeu que

visitava a ilha para ser enforcado. Então surgiu o dilema: o visitante deveria ou não ser

enforcado? Se não o enforcassem, ele teria mentido: portanto deveria ser enforcado.

Mas se o enforcassem ele teria falado a verdade: porém, neste caso, não deveria ser

enforcado. O paradoxo é esse impasse, em que a atribuição de “valor de verdade” é

impossível.

A maioria dos paradoxos apresentam suas conclusões no formato “P ↔ ┐P”,

como é o caso do paradoxo de Dom Quixote. Com o mesmo formato, temos também o

paradoxo do mentiroso: “esta frase é falsa”. Primeiramente, admitimos que a frase é

verdadeira. Mas, se ela é verdadeira, e ela nos diz em seu significado que a frase é

falsa, então a frase é falsa. Mas, se ela é falsa, então a interpretação do significado

dela nos diz que a frase é verdadeira, logo, ela teria que ser verdadeira. Ou seja, o

paradoxo do mentiroso é um tipo autoreferente e circular.

Com isso, o propósito deste capítulo é fazer uma análise da Teoria de Austin

em seu livro How to do things with words. Primeiramente, será apresentada sua teoria

de forma breve. Posteriormente serão apresentadas provas de que sua teoria é um

paradoxo do mesmo tipo do paradoxo de Dom Quixote e do paradoxo do mentiroso.

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3.2 TEORIA DE AUSTIN E INTERPRETAÇÃO DE HARE

Inicialmente, Austin distingue dois conceitos: o de constativo11 e o de

performativo. Constativos são falas aparentemente descritivas, por exemplo: o gato

está sobre a mesa. Por outro lado, performativos são atos de fala, ou seja, são frases

que quando são ditas pelo sujeito, não são meramente descritivas, mas realizam uma

ação. Por exemplo: aceito dito pela noiva (pessoa certa), de forma sincera, em uma

cerimônia de casamento (circunstância adequada), não é apenas uma descrição

(apesar de ser uma frase no indicativo), mas sim uma ação, pois ela está se

modificando ao se casar.

Para clarificar o conceito de performativo, Austin distingue os seguintes atos de

fala: locutório é o ato de ao mesmo tempo emitir certos ruídos (ato fonético), pronunciar

palavras (ato fático), e utilizar determinadas palavras com referência e sentido (ato

rético); ilocutório é a força ao se dizer algo; e perlocutório consiste em se obter certos

efeitos pelo ato de dizer algo, ou seja, é a consequência do ilocutório.

Austin justifica detalhadamente a necessidade de distinguir o locutório do

ilocutório, anteriormente. Enquanto o locutório resume-se na emissão de sons com

sentido, o ilocutório representa a força dessas palavras.

Quando realizamos um ato locucionário, utilizamos a fala. Mas de que maneira a estamos usando precisamente nesta ocasião? Porque há inúmeras funções ou maneiras de utilizarmos a fala, e faz uma grande diferença para o nosso ato [...] a maneira e o sentido em que estávamos ‘usando’ a fala nessa ocasião. Faz uma grande diferença saber se estávamos advertindo ou simplesmente sugerindo, ou, na realidade, ordenando se estávamos estritamente prometendo ou apenas anunciando uma vaga intenção, e assim por diante. Estas questões penetram um pouco e não sem confusão, no terreno da gramática (ver acima), mas as discutimos constantemente, considerando se certas palavras (uma certa locução) tinha a força de uma pergunta, ou se deveria ter sido tomada como uma estimativa. Etc. Expliquei a realização de um ato nesse novo sentido como sendo a realização de um ato ‘ilocucionário’, isto é, a realização de um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de dizer algo (AUSTIN, 1990, p. 88-89).

11 Danilo Marcondes de Souza Filho utiliza a palavra “constatativo” em sua tradução. Outros autores como Paulo Ottoni e Rajagopalan preferiram o termo “constativo”. De acordo com o dicionário de Francisco da Silveira Bueno tem-se: “Constar, v. int. Boatejar; deduzir; passar por certo; por seguro; dizer-se; inferir-se” e “Constatar, v.t. Estabelecer; verificar; comprovar. É galicismo que deve ser banido da língua por inútil”(BUENO, 1976, p.292). Pelo significado, “constativo” foi o termo escolhido para ser utilizado neste trabalho, a não ser, é claro, nas citações em que aparecem “constatativo”.

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Hare, apesar de intitular sua teoria ética como influenciada pela teoria

linguística de Austin, apresenta uma interpretação errada da expressão ilocutório e

perlocutório de Austin. Diz Hare: “O efeito perlocutório de um proferimento [utterance] é

o que você está fazendo ou tentando fazer por fazê-lo (perlocutionen). Tem de ser

diferenciado, diz Austin, do que você está fazendo ao dizer o que diz (in locutione), o

ato ilocutório” (HARE, 2003, p.153). Apesar de Hare ter usado as preposições “ao”

(relacionado ao ilocutório) e “por” (relacionado ao perlocutório) de acordo com Austin,

nos exemplos que ele dá, fica clara a divergência na interpretação:

Por exemplo, retornando ao nosso mestre-escola sádico: o que ele estava fazendo ao dizer “Fiquem quietos” era dizer aos meninos que ficassem quietos; isso era o que suas palavras significavam. Mas o que ele estava tentando fazer por dizer isso era levá-los a falar e, dessa forma, levá-los a seus apetites excêntricos (HARE, 2003, p. 153).

Austin diria que o que ele estava fazendo ao dizer, seria: o mestre-sala tentou

fazer com que os meninos não ficassem calados, e o que ele fez por dizer, seria a

consequência: o mestre-sala conseguiu a realização de que os meninos não ficassem

calados. Ou seja, o ilocutório de Hare corresponde ao locutório da definição de Austin,

que representa o significado das palavras. E o perlocutório de Hare corresponde ao

ilocutório da teoria de Austin, que corresponde à força ao se dizer algo. Vejamos agora,

o exemplo dado por Austin, para confronto com o exemplo anterior de Hare, e

fundamentação do que está sendo dito:

Ato (A) ou LocuçãoEle me disse, ‘Você não pode fazer isso’.Ato (B) ou IlocuçãoEle protestou contra meu ato.Ato (C.a) ou PerlocuçãoEle me conteve, me refreou.Ato (C.b) Ele me impediu, fez-me ver a realidade, etc.Ele me irritou.

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Da mesma maneira podemos distinguir o ato locucionário ‘ele disse que...’ do ato ilocucionário ‘ele argumentou que...’ e do ato perlocucionário ‘ele me convenceu que...’ (AUSTIN, 1990, p. 90).

Enquanto para Austin, o ilocutório é a força do ato de falar, na interpretação de

Hare o perlocutório é que seria a força. E o perlocutório de Austin, fica sem

correspondente na teoria de Hare. Para Austin, o perlocutório diferencia-se do ilocutório

justamente por ser a conseqüência do ato de fala, que depende dos ouvintes, e não a

força de expressão do emitente:

Dizer algo freqüentemente, ou até normalmente, produzirá certos efeitos ou consequências sobre os sentimentos, pensamentos, ou ações dos ouvintes, ou de quem está falando, ou de outras pessoas. E isso pode ser feito com o propósito, intenção ou objetivo de produzir tais efeitos. Em tal caso podemos dize, então, pensando nisso, que o falante realizou um ato [...] Chamaremos a realização de um ato desse tipo de realização de um ato perloucucionário ou perlocução.[...] Temos, portanto, que separ bem a ação que fazemos (no caso de uma ilocução) de sua consequência (AUSTIN, 1990, p.89-97).

Se essa diferenciação na interpretação de Austin por Hare não for destacada,

um erro de interpretação da teoria de Hare pode ser inevitável. Veja o seguinte trecho:

Contudo, uma vez que vejamos que a explicação correta dos significados tanto de palavras morais como de imperativos é em termos de sua força ilocutória, não de seu efeito perlocutório, vemos também que é possível dizer que enunciados morais e imperativos são variedades diferentes do tipo de ato de fala denominado prescrever e que, já que seu significado pode ser assim caracterizado em termos de sua força ilocutória, ele de fato determina regras para seu uso e, assim, gera uma lógica. Assim, pode haver argumentação moral racional embora os juízos morais sejam prescritivos (HARE, 2003, p. 161).

Se interpretássemos perlocutório de acordo com a definição de Austin, no

trecho de Hare acima, poderíamos dizer que o autor estivesse fazendo uma crítica ao

consequencialismo, pois, ele estaria explicitando a impossibilidade de interpretar os

juízos de acordo com o efeito perlocutório, ou seja a impossibilidade de interpretar o

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significado dos juízos, levando em consideração suas possíveis consequencias. E, por

coincidência, essa é uma das principais críticas direcionadas aos consequencialistas:

A crítica mais recorrente ao consequencialismo aponta para uma suposta incongruência entre os pressupostos da moral consequencialista e a psicologia do homem comum, ou do agente moral. A teoria consequencialista representaria, segundo os críticos, uma ficção, incapaz de responder a situações reais, a práticas cotidianas orientadas por agentes nem um pouco ideais e demasiadamente humanos, com todas as limitações que isso possa acarretar para o universo da moral (DIAS, 2007, p. 274).

De fato, isso não ocorre, inclusive, sabemos que Hare é um consequencialista.

O que Hare diz, no trecho anterior sobre o significado dos juízos morais, é totalmente

diferente: ele apenas destaca o fato da interpretação dos juízos morais ser possível

graças também à existência do sentido descritivo, presente no que ele chama de

ilocucionário. O sentido descritivo e o prescritivo unem-se para gerar uma lógica nos

discursos morais.

Porém, depois de toda essa distinção, Austin conclui que cada vez que se diz

algo, verifica-se que sempre são realizados dois atos em conjunto: o locutório e o

ilocutório. E são exatamente por esses atos que é feita a distinção entre o dizer e o

fazer. Logo, a subdivisão entre constativos e performativos não pode mais existir.

Nossa discussão subseqüente, relativa ao fazer e ao dizer, certamente parece levar à conclusão que cada vez que “digo” algo (exceto, talvez, quando emito uma simples exclamação como “Poxa” ou “Arre”) realizo conjuntamente atos locucionários e ilocucionários, e esses dois tipos de atos parecem ser precisamente o que tentamos usar como meio de distinguir, com a denominação de “fazer” e “dizer”, performativos de constatativos. Se geralmente estamos fazendo ambas as coisas de uma vez, como pode subsistir a nossa distinção? (Austin, 1990, p. 111).

Hare parece não se lembrar desta passagem, apesar de ter o livro de Austin em

sua bibliografia: “Um exemplo é o traço que distingue sentenças imperativas de

sentenças indicativas tal como existe na maioria das línguas. Inclino-me a duvidar que o

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próprio Austin tivesse discordado disso [...], mas alguns de seus discípulos parecem

fazê-lo” (HARE, 2003, p. 80).

Por outro lado, em outro trecho, Hare diz que a distinção entre locutório e

ilocutório de Austin não deveria ser sustentada. “I shall [...] concentrate on the other,

between locutionary and illocutionary acts – a distinction to which Austin attached equal

importance, but which to me is so unclear tha I am tempted to say that it cannot be

sustained” (HARE, 1971, p. 100)12. Essas duas citações anteriores são outra prova de

que Hare não interpreta locutório e ilocutório de acordo com a definição de Austin

(apesar de pensar que assim o faz). Se assim fosse, as citações seriam contraditórias,

pois, na primeira citação, diz que a distinção entre sentenças imperativas e indicativas é

um traço da língua; e na segunda citação, ele diz que locutório e ilocutório não devem

ser distinguidos, (mas, observe que esse é exatamente o argumento que Austin utiliza

para dizer que não existe diferença entre imperativos e indicativos, considerando-se,

grosso modo, imperativos como performativos e indicativos como constativos). De

qualquer forma, é necessário destacar que a distinção não deve ser sustentada por

causa da conclusão final da teoria de Austin, de que falar é fazer; e não por falta de

clareza da distinção dos conceitos como interpretado por Hare, que ao contrário, como

mostrado anteriormente, a distinção é explícita.

A conclusão de Austin aponta evidentemente para as seguintes consequências:

que quando falamos algo, não meramente emitimos sons (locutório), mas,

necessariamente agimos: existe uma força ao dizermos algo (ilocutório). Portanto,

constativos não existem: são performativos implícitos ou como ele prefere dizer:

“performativo primitivo”.

“O constativo, cuja existência era a única certeza que havia no início das

reflexões [de Austin], nada mais é do que um performativo que conseguiu se disfarçar

muito bem e enganar muita gente durante muito tempo” (Rajagopalan,1990, p. 238).

Todo “performativo deveria ser capaz de ser reduzido, expandido ou analisado

de modo tal que se obtivesse uma forma na primeira pessoa do singular do presente do

12 Tradução: Eu devo me concentrar em outra [distinção], entre atos locutório e ilocutório – uma distinção a que Austin dá igual importância, mas que para mim é tão sem clareza que eu estou incitado a dizer que ela não pode ser sustentada.

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indicativo da voz ativa” (Austin, 1990, p. 62)13. Por exemplo: o constativo o gato está

sobre a mesa, nada mais é que o implícito do performativo: eu digo que o gato está

sobre a mesa. Ou seja, dizer algo é um ato que depende completamente do indivíduo

que diz, ou melhor, de sua ação.

3.3 PROBLEMA LÓGICO DA TEORIA DE AUSTIN

Hare não aponta problemas na teoria de Austin, ao contrário, faz várias

referências e traz para sua teoria aspectos deixados por esse autor. Mas, nesse

capítulo serão explicitados os erros causados pelo radicalismo de Austin.

Conforme mostrado no subitem anterior, para Austin, até mesmo os constativos

são performativos. Mas, se todo tipo de fala é um performativo, então todo tipo de fala é

ação. Ação não pode ser julgada como verdadeira ou falsa; mas apenas como feliz, se

ela for realizada, ou infeliz, se ela não for realizada (mais abaixo serão explicitadas as

condições de felicidade dos performativos). Se todo tipo de fala é ação, segundo a

teoria do próprio Austin, então, inclusive sua teoria é uma ação. Mas, observe a citação,

em que Austin diz que ações não podem ser ditas verdadeiras nem falsas:

Estes exemplos deixam claro que proferir uma dessas sentenças (nas circunstâncias apropriadas, evidentemente) não é “descrever” o ato que estaria praticando ao dizer o que disse, nem declarar que o estou praticando: é faze-lo. Nenhum dos proferimentos citados é verdadeiro ou falso; considero isto tão óbvio que sequer pretendo justificar. De fato, não é necessário justificar, assim como não é necessário justificar que “Poxa!” não é nem verdadeiro nem falso (AUSTIN, 1990, p. 24-25).

13 Nas páginas seguintes Austin diz que a redução a um performativo explícito nem sempre é possível (Austin,1990, p. 67). Mas que é importante a clarificação feita através da explicitação, que é exigida pela “sofisticação e o desenvolvimento de formas e procedimentos sociais” para evitar a “ambigüidade ou o equívoco” (Austin, 1990, p. 69).

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Assim, fazemos a seguinte observação: a teoria de Austin, que foi proferida em

conferências, e, por isso, também é ato de fala, é também ação. Mas, se sua teoria é

ação, então ela não pode ser dita verdadeira ou falsa. Desta forma, está claro que sua

teoria é um paradoxo.

Para explicitar o paradoxo, serão apresentadas provas de que sua teoria é um

performativo (é ação). Primeiramente, aplicaremos a teoria de Austin nela mesma,

através de exemplos de locutório e ilocutório.

O locutório: Austin nos disse: O constativo nada mais é do que um performativo

implícito; ocorre concomitantemente ao ilocutório: Austin nos instigou a aceitar que

sempre que dizemos, fazemos algo. Portanto, sua teoria não só descreve que quando

dizemos, fazemos; mas além disso, acaba por transformar a fala em ação. Se sua

teoria não é meramente descritiva, mas é uma ação de transformar a fala em ação,

então sua teoria é um performativo.

Agora, será apresentada uma segunda prova de que sua teoria é um

performativo. Mas, que, além de ser um performativo, é um performativo explícito,

conforme as regras que ele mesmo estabelece.

Observe as seis condições de felicidade para o performativo explícito:

(A.1) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito, que apresente um determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas, em certas circunstâncias; e além disso, que (A.2) as pessoas e circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao procedimento específico invocado.(B.1) O procedimento tem que ser executado por todos os participantes, de modo correto e(B.2) completo.(Γ.1) Nos casos em que, como ocorre com freqüência, o procedimento visa às pessoas com seus pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por parte de alguns dos participantes, então aquele que participa do procedimento, e o invoca deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada, e, além disso,(Γ.2) devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqüente (Austin, 1990, p. 31).

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Ora, é verificado como cada uma dessas condições são satisfeitas quando

aplicadas à própria teoria do filósofo. Veja-se então:

Ao se aplicar a exigência A.1 para ser performativo, à teoria de Austin, as

conferências enquadram-se como o “procedimento convencionalmente aceito”. O

“efeito convencional” é a disseminação de sua teoria. O “proferimento de certas

palavras” é a própria teoria. A “pessoa” é Austin, e a “circunstância” é a série de

“Conferências William James”.

Ao aplicar a exigência A.2, podemos afirmar que a pessoa de Austin é

“adequada” de acordo com o que é exigido em sua teoria, afinal ele é considerado um

dos filósofos mais importantes de Oxford, como Wittgenstein o foi em Cambridge. A

circunstância: série de “Conferências William James” também é “adequada”, pois

aconteceu na conceituada Universidade de Harvard, em 195514.

A execução foi “correta” e “completa”, como exigido em B.1 e B.2, que culminou

com a publicação do livro How to do things with words. Considerar-se-á o livro referido

como o “operativo” – termo utilizado para cobrir os casos dos performativos contratuais

(Austin, 1990, p. 25). Tomá-lo-á como “execução completa” porque, no ato da

conferência não é necessário que os ouvintes deem uma resposta imediata; porém,

cabe averiguar se eles realmente aceitaram os proferimentos como teoria, o que

faremos posteriormente com a análise da exigência Γ.2.

Austin não demonstrou ser dissimulado a ponto de expressar publicamente uma

teoria formal em que ele não acreditava, portanto, a condição Γ.1 também é cumprida.

A condição Γ.2 é um pouco mais complexa de ser analisada. A condução real

da teoria, já não depende única e exclusivamente de Austin, mas também daqueles que

o ouviram e que leram o seu livro. A repercussão de sua teoria faz com que o ato seja

consumado. Cito aqui dois pequenos exemplos das inúmeras teorias que Austin

influenciou: Eliane de Fátima Manenti Rangel, Mestranda em Letras da UFRGS, conclui

que não existe sentido literal da linguagem. (RANGEL, 2004); e Paulo Ottoni, Professor

Associado do Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de

Campinas, afirma que Austin revolucionou a lingüística enquanto ciência autônoma

14 Apesar de parecer um argumento de autoridade irracional, é somente uma parte do ritual, como todas as condições de felicidade do performativo explícito.

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(OTONNI, 2002). Assim, podemos dizer que sua teoria se conduziu de “maneira

subsequente”.

Austin ainda mostra que é necessário fazer uma análise do ponto de vista das

infelicidades com relação a cada condição de felicidade apresentada anteriormente.

Assim o faremos.

Com relação às condições A e B, verificamos que não houve “desacertos” (atos

pretendidos, mas nulos), portanto, houve a realização da ação, o ato foi pretendido. De

A, concluímos ainda, que não houve “más invocações”, ou “ato rejeitado”. De B,

percebe-se que não houve “más execuções”, ou “ato prejudicado”. Tampouco houve

“insinceridades” e, conseqüentemente, não houve “desrespeito” ao procedimento ou

“abusos” de acordo com Γ.1. Não foi um “ato vazio”, muito pelo contrário, “repercussão”

não faltou. Desta forma, Γ.2 foi cumprida também. Ele transformou pensamentos, criou

atitudes, sofreu críticas. Teve direito a tudo que uma conceituada teoria tem direito.

Portanto, o proferimento de sua teoria é feliz, isto é, a ação foi realizada. Logo,

sua teoria é um performativo explícito.

Em resumo, ao analisar a teoria de Austin, a partir de sua própria teoria, temos

duas conseqüências. A primeira refere-se ao significado: se sua teoria é um

performativo, então Austin não descreveu que não existem constativos (e que eles são

performativos implícitos), mas sim, ele transformou os constativos em performativos, ou

seja, Austin transformou o mundo em ação.

A segunda consequência é de caráter lógico: se, até mesmo a teoria de Austin é

ação, então ela não pode ser dita verdadeira ou falsa, o que configura um paradoxo.

Supomos que o autor não se preocuparia com essa conclusão, uma vez que acredita-

se que ele pretendia desvincular a lingüística do estudo da lógica.

3.4 EMOTIVISMO: IMPORTÂNCIA E PROBLEMAS

Hare afirma que muitos emotivistas modernos cometem erros que não são

próprios das teorias emotivistas, então ele constrói uma versão do emotivismo para

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destacar seus pontos fortes e críticar seus fracos (HARE, 2003, p. 146). Para tanto,

explicita dois aspectos que os emotivistas acrescentaram à análise dos enunciados

morais de forma a não torná-los puramente descritivos: o “expressivo” (quando enuncio

um juízo, expresso minha atitude de aprovação15 ou desaprovação) e o “causativo”

(quando enuncio um juízo moral, induzo atitudes ou influencio a conduta) (HARE, 2003,

p. 147-151).

E sobre esse aspecto “expressivo”, Hare deixa claro que é importante distinguir

o que geralmente é confuso: expressar não é o mesmo que enunciar, pois essa é a

diferença entre emotivistas e subjetivistas. Enquanto subjetivistas enunciam que

possuem certas atitudes ou sentimentos, os emotivistas os expressam, nesse sentido

íntimo com eles.

Comparemos duas pessoas, uma das quais diz, num calmo tom de voz: “Estou muito zangado com você pelo que fez”, e a outra que diz: “Seu burro idiota”. A primeira está declarando que tem um sentimento (raiva); a segunda o está expressando. É importante entender que não há nada errado, em um sentido, em dizer que quando fazemos um enunciado moral estamos expressando uma atitude (HARE, 2003, p. 148).

Mas, deve-se ter o cuidado em especificar o tipo de expressão, pois, no uso

moral, não se usa “sentidos transferidos”, como Hare exemplifica:

O uso de “Hell!” como uma expressão de raiva é um uso metafórico ou transferido. Esse não é o caso com “not” como uma expressão de negação. A esse respeito, expressões de atitudes morais se assemelham a “not” mais do que “Hell!”. “Not” expressando negação não parece ser um uso transferido; de onde poderia ser transferido? É apenas a palavra que temos em inglês para negar (HARE, 2003, p. 149).

Assim, juízos morais expressam aprovação ou desaprovação. E,

especificamente, a atitude de aprovação indica uma disposição a agir do modo ao qual

15 Hare resume a concepção de Stevenson da seguinte forma “aprovação é uma disposição a agir de modo aprovado e a encorajar os outros a agir do mesmo modo” (HARE, 2003, p. 150).

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a palavra aprovação se refere, e a encorajar os demais a agirem dessa mesma forma.

É nesse ponto, que o aspecto “expressivo” une-se ao causativo, o qual representa o

aspecto dos juízos morais, pelo qual a função deles é induzir ou influenciar a conduta

(HARE, 2003, p. 150).

Como já foi dito anteriormente, a teoria de Austin fundamentou as teorias éticas

prescritivistas, e consequentemente, a primeira delas: o emotivismo. Assim, teorias

éticas emotivistas apresentam um ponto forte: não cometem o mesmo tipo de erro

lógico (antinomia) das teorias descritivistas (naturalismo e intuicionismo), porque

enfatizam esse elemento não factual no pensamento moral – a prescritividade. Juízos

morais não somente descrevem, mas orientam uma conduta. Considerar algo como

certo obriga ao agir condizente. Assim, se digo que algo é certo, minha ação deve

estar de acordo com esse juízo, e isso impede interpretações relativistas como as dos

naturalistas éticos, em que juízos como “certo” e “errado” eram meros qualificadores

interpretativos da língua, de tal forma que atitudes contraditórias poderiam representar

o “certo”. Hare, de uma certa forma, procura reconstruir o pensamento daqueles que

não admitem que os juízos morais possam estar relacionados a argumentos lógicos,

bem como procura conjecturar sobre as conseqüências disso:

Não obstante, é razoavelmente óbvio que se possam descobrir todos os fatos que alguma pessoa queira citar e ainda assim ficar na dúvida sobre o que se deve fazer. Podemos ver isso mais claramente se supusermos que há dois convocados e que eles estão discutindo entre si sobre a questão. É óbvio que eles poderiam concordar, por exemplo, que se entrassem para as Forças Armadas e obedecessem a suas ordens, se encontrariam matando um monte de civis no decorrer de ataques contra objetivos militares. Um deles poderia achar moralmente indefensável matar civis no decorrer de uma luta (especialmente se os civis nada tivessem a ver com a luta, mas fossem espectadores inocentes). O outro poderia achar que isso, embora em si mesmo um mal, teria de ser feito se fosse necessário a fim de assegurar algum bem maior. Podemos concordar a respeito de um fato, mas discordar sobre sua relevância para uma questão moral. Entretanto, não está absolutamente claro o que se segue disso. Alguns filósofos partiram direto dessa premissa para a conclusão de que há juízos de valor inelimináveis, os quais não estão logicamente relacionados a questões de fato, de forma que se pode concordar a respeito dos fatos e ainda assim discordar a respeito das questões de valor. E essas pessoas, geralmente, prosseguem dizendo que não se pode argumentar a respeito de questões de valor. Toda a argumentação que se pode fazer sobre uma questão moral consiste em estabelecer os fatos; uma vez que estes estejam estabelecidos, pode-se ainda discordar quanto a questões de valor. E, então, não há nada que se possa fazer senão concordar

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com o fato de que há uma divergência, ou tentar influenciar-se reciprocamente por meios não racionais de persuasão ou, como último recurso, lutar um contra o outro (HARE, 2003, p. 61-62).

É desta forma que os emotivistas não acreditam no argumento moral, nem na

racionalidade dos discursos de valor. Com isso, eles eliminam a relação dos juízos com

os fatos. Isso ocorre porque procuram explicar o significado dos juízos morais em

termos da pragmática somente (HARE, 2003, p. 157).

Hare entende o argumento dos emotivistas, mas não concorda com eles. “É

ainda mais absurdo dizer que a função essencial dos enunciados morais – o que lhes

dá seu significado – é ‘fazer com que’ pessoas façam coisas” (HARE, 2003 p. 158).

Observe o exemplo:

[...] posso tentar afrouxar a tampa do vidro de geléia aquecendo-a, entretanto, se alguém quisesse explicar o que é aquecer, não poderia fazê-lo dizendo que é tentar afrouxar – em parte porque se pode aquecer por muitas outras razões e em parte porque poderia haver outros modos pelos quais alguém poderia tentar afrouxar (HARE, 2003, 155).

O problema teórico do emotivismo é herança da teoria lingüística de Austin.

Austin mostrou que toda fala é ação. Logo, se toda fala é ação, então, inclusive sua

teoria, que também é fala, é ação. Mas, as ações, por si só, não podem ser julgadas

como certas ou erradas, segundo o próprio Austin, pois as ações são felizes – se

procederem conforme o esperado – , ou infelizes (malogradas) – caso não forem

realizadas conforme a intenção do ato. “Em tais casos não devemos dizer de modo

geral que o proferimento seja falso, mas malogrado” (AUSTIN, 1990, p. 30).

O emotivismo, influenciado por Austin, também não aceita o elemento descritivo

e não considera a importância da racionalidade no discurso. Sem a exigência da

coerência lógica e de reflexão dos fatos, a universalizabilidade não ocorre.

Hare, apesar de prescritivista, não compactuou com esse tipo de exposição:

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Se alguém pensa que imperativos, e atos de fala prescritivos em geral, têm significado em virtude de seu uso para fazer com que pessoas façam coisas, então esse alguém está tentando explicar o significado deles em termos de seu efeito perlocutório. No entanto, o efeito perlocutório não tem essencialmente nada a ver com convenções ou regras para o uso correto de expressões. De fato, é por isso que, em princípio, ele não poderia ser usado para explicar o significado. A lógica, porém, enquanto aplicada a uma classe de expressões, deve sua existência e validade a essas regras e convenções que governam o uso de expressões (HARE, 2003, p. 160).

O que Hare critica no emotivismo é o fato de colocarem todo o sentido dos

juízos morais no perlocutório, que, de acordo com sua conceituação, representa a força

por dizer um enunciado moral. O problema de colocar todo o sentido nessa força, é a

conseqüente irracionalidade no discurso, porque, como já foi dito, “a força por dizer”

não pode ser controlada por leis lógicas.

No próximo capítulo, será apresentada a teoria ética de Hare, que também é

prescritiva, e que pretende fazer justiça ao aspecto racional presente nos juízos morais.

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4 HARE

4.1 REQUISITOS PARA UMA SOLUÇÃO

Conforme apresentado, ficou claro e explícito que tanto o descritivismo, quanto

o prescritivismo radical não são boas propostas de teoria ética. Primeiramente, no

capítulo 2, foram mostrados os problemas do descritivismo ético, cujas formas

apresentam erros enquadrados no problema lógico da antinomia. Posteriormente, no

capítulo 3, foram mostradas as ineficiências das teorias prescritivas radicais que

também não conseguiram chegar a soluções consistentes, por apresentarem

construções paradoxais.

Perante esse cenário, é preciso considerar os requisitos para uma solução de

problemas paradoxais: “que ela deva propiciar uma teoria formal consistente, [...] e que

ela deva, além disso, fornecer alguma explicação por que aquela premissa ou aquele

princípio é, apesar das aparências, atacável” (HAACK, 2002, p. 189-190).

Nos capítulos anteriores, foi mostrado que princípios da ética descritivista e o

fundamento do prescritivismo são “atacáveis”. Agora, a proposta é apresentar a teoria

consistente de Hare, como resolução desses problemas. Pode-se dizer que16 Hare

resolveu a antinomia do descritivismo ao introduzir um elemento essencial no

significado dos valores morais: o sentido prescritivo. E que o paradoxo de Austin foi

resolvido por Hare por não ter descartado a característica descritiva dos juízos morais –

além do sentido ligado à ação, os valores também possuem uma parte do sentido que é

descritiva, que permite a argumentação lógica.

Por isso, a teoria de Hare é vista nesse trabalho como uma síntese robusta de

ambos os tipos de teoria, ou, como ele mesmo prefere denominá-la, um tipo de

“ecletismo”, que culmina na constituição da “lógica prescritiva”:

16 O problema do descritivismo ético é resolvido por Hare de forma consciente e explícita: é o próprio Hare que aponta as inconsistências e propõe soluções. Por outro lado, Hare não verifica problemas na teoria de Austin (isso é originalidade deste trabalho), mesmo assim não comete os mesmos erros em sua teoria.

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Um bom político tenta roubar a roupagem de seus inimigos, e um bom filósofo faz o mesmo. Ele examina com cuidado todas as teorias que foram formuladas e se pergunta o que é verdadeiro em cada uma delas; se puder, então, apoderar-se dessas verdades e evitar os erros que também provavelmente existam, terá uma teoria defensável. ‘Veritati omnia consentiunt’. Isto é, obviamente, difícil porque na maioria das teorias as verdades estão estreitamente emaranhadas com os erros e é difícil separá-los. Os adeptos das teorias, os quais não viram que as verdades não acarretam os erros, sempre resistirão a esse tratamento, mas se alguém puder alcançar esse tipo de ecletismo benigno será um filósofo bem-sucedido (HARE, 2003, p.173-174).

Para resolver problemas morais, é preciso compreender a linguagem pela qual

esses problemas são colocados e respondidos. Hare concorda com Austin ao analisar

os valores morais e verificar seus significados intimamente ligados à ação, (que

anteriormente eram atribuídos somente aos imperativos), pois aprovam ou condenam

atos. Com isso, para juízos de valor pode ser feita analogia com os imperativos

universais, que expressam posturas para determinada conduta.

Manter uma postura de “aprovação moral” para uma prática é ter disposição

para pensar que ela é certa e agir de acordo com ela. (HARE, 1996, p. 13). Nesse

ponto, Hare ultrapassa Austin, que não aceitava que ações pudessem ser verificadas

como certas ou erradas.

Um requisito adicional de uma solução de paradoxos é que “ela não deve ser

tão ampla de forma a mutilar raciocínios que querem preservar [...] mas deve ser ampla

o suficiente para bloquear todos os argumentos paradoxais relevantes”. (HAACK, 2002,

p. 190). Por isso Hare elimina dos dois tipos de teoria tudo que é supérfluo e errado, e

mantém o que é mais importante de ambos.

Também, o próprio Hare especifica os elementos de uma teoria ética adequada:

Primeiramente, tal teoria deve mostrar, por um exame dos significados e da lógica das palavras morais, como podemos raciocinar a respeito de questões morais. O lugar da lógica na teoria será crucial, pois sem ela não pode haver raciocínio. Em segundo lugar, deve mostrar como podemos fazer enunciados morais por causa das propriedades não morais das ações etc. sobre as quais estamos falando. Em outras palavras, deve fazer justiça à consequencialidade ou à superveniência das propriedades morais, que está ligada à universalizabilidade dos enunciados morais. Em terceiro, deve fazer justiça ao fato de que, ao fazer um enunciado moral, o falante está, ele próprio,

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contribuindo com alguma coisa. A moralidade não é uma percepção passiva ao mundo. [...] Por último, enquanto rejeita o descritivismo, como os emotivistas, e insiste que há algo extra para a construção de um enunciado moral além da descrição de uma ação ou de uma pessoa em concordância com as condições de verdade, uma teoria ética adequada deve dar uma explicação desse ingrediente extra nos enunciados morais que seja consistente com o fato de estarem sujeitos a um controle lógico. Esse ingrediente extra é a prescritividade dos enunciados morais, em conjunção com a percepção de que esta não conflita com sua logicidade (HARE, 2003, p. 176).

Para tanto, o autor enumera os requisitos que são necessários para uma teoria

ética adequada (neutralidade, praticidade, incompatibilidade, logicidade, arguibilidade e

conciliação), e os explica ao mostrar quais tipos de teoria os satisfazem e quais não os

satisfazem.

A neutralidade é o requisito garantidor de que a explicação das palavras morais

deve ser aceita por ambas as partes envolvidas na argumentação. Esse requisito

apenas não é satisfeito pelos naturalistas objetivistas. (HARE, 2003, p. 164).

Penso que o naturalismo objetivístico é a única teoria, dentre as examinadas, que não passa nesse teste. Não passa porque uma explicação objetivística das condições de verdade de enunciados morais que seja, ao mesmo tempo, naturalista (ou seja, que as formula em termos de propriedades não morais) está destinada a introduzir estipulações morais substanciais na teoria e, se alguém não gostar de estipulações, rejeitará a teoria (HARE, 2003, p. 164).

A praticidade garante que sempre que um juízo for chamado de errado, ele não

deve ser praticado, ou seja, garante o vínculo da análise dos fatos com a ação. Esse

requisito não é cumprido por nenhuma teoria descritivista (naturalismo objetivista,

naturalismo subjetivista e intuicionismo), mas é cumprido pelo emotivismo (HARE,

2003, 164-165).

O requisito que garante a realidade dos desacordos é o da incompatibilidade,

que não foi satisfeito pelos naturalistas. Para eles, um aparente desacordo apenas

representava estados mentais diferentes das pessoas (conforme os subjetivistas), ou

representa um desacordo meramente verbal (conforme os objetivistas). Por outro lado,

para Hare, se uma pessoa diz que algo é errado, isso é incompatível com um possível

46

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dizer sobre esse mesmo algo como certo. Apesar de Hare não ter incluído os

naturalistas objetivistas como não cumpridores do requisito da incompatibilidade no

quadro taxonômico (HARE, 2003, p. 67), posteriormente ele os inclui (HARE, 2003, p.

165)17.

Da mesma forma, se anteriormente ele havia apontado apenas os emotivistas

como não cumpridores da logicidade no quadro taxonômico (HARE, 2003, p. 67),

posteriormente ele inclui também os descritivistas, ao mostrar que a incompatibilidade é

um tipo de relação lógica. De qualquer forma, ele destaca que aqueles que não

cumprem o requisito da logicidade, mas que cumprem o da incompatibilidade, são os

emotivistas, que utilizam os argumentos morais somente em função de seus efeitos

práticos, sem se preocuparem com a lógica dos mesmos (HARE, 2003, p. 166).

O requisito responsável por resolver desacordos é o da arguibilidade (HARE,

2003, p. 167-168), que é cumprido apenas por teorias prescritivistas racionalistas,

assim como o requisito da conciliação, que Hare destaca por ser um requisito prático e

não teórico, de habilitar os discordantes a alcançar um acordo por meio de uma

discussão racional (HARE, 2003, p. 166-168).

Penso que a teoria ética que vou apresentar a vocês satisfaz todos os meus seis requisitos e todos os outros de que tenho ciência – o que não quer dizer que seja a última palavra em teoria ética porque, como sempre, permanecem problemas. Contudo, penso que seja a teoria ética mais adequada que encontrei até agora (HARE, 2003, p. 171-172).

Com isso, Hare procura eliminar os erros cometidos em teorias éticas anteriores,

sejam os cometidos por teorias descritivistas, sejam os cometidos pelo emotivismo,

para desenvolver sua própria teoria, de modo a aproveitar as “verdades” das outras. Já

mostramos o que ele rejeita nas teorias, agora mostraremos o que ele aprova de cada

uma delas (HARE, 2003, p. 174-176).

17 Apenas uma observação sobre esse requisito, é que talvez fosse melhor chamá-lo de “compatibilidade”, e não “incompatibilidade”, pois uma teoria ética deve garantir que seus argumentos tenham compatibilidade.

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Hare apreende o projeto (não conquistado ) do naturalismo objetivista, de criar

uma teoria objetiva, livre do relativismo. Além disso, manteve que enunciados morais

possuem razões. E essas razões são fatos não-morais. Embora não tenha concordado

que a relação entre os juízos morais e os fatos não-morais fosse de acarretamento, ele

desenvolveu, a partir dessa teoria, esse conceito. Assim, assume a expressão vinda do

intuicionistas – “superveniência”, intimamente ligada à consequencialidade – e a

desenvolve.

Iniciado de forma simplista pelos subjetivistas, e melhorado pelos emotivistas,

Hare se apropria da idéia de que algo relacionado às atitudes do falante influenciam a

formação dos enunciados morais. Deve ser destacado que, juntamente com os

emotivistas, rejeita todas as teorias descritivistas.

Também herda do intuicionismo a idéia de que “eu devo” contradiz “eu não

devo”, e absorve quase que totalmente essa teoria para o uso prático no dia-a-dia,

apesar de não julgá-la como adequada para o pensamento crítico e reflexivo.

Na confiança de que Hare, com sua teoria ética, apresenta uma boa solução

para os dois tipos de paradoxos vistos em ambos os capítulos anteriores; a proposta

deste capítulo é apresentar o conteúdo básico de sua teoria e explicitar a forma com

que Hare resolve esses problemas.

4.2 A SOLUÇÃO DE HARE

4.2.1 A teoria de Hare: Prescritivo e Descritivo

De acordo com as gramáticas temos que “modo indicativo: apresenta o fato

como certo, preciso, seja ele passado, presente ou futuro... modo imperativo: exprime

uma ordem ou um pedido” (TERRA, 1995, p. 146) e também “se se considera o que é

falado ou escrito uma certeza, utilizam-se as formas do modo indicativo [...] o verbo

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pode exprimir um desejo, uma ordem, um apelo: nesse caso, utilizam-se as formas do

modo imperativo...” (INFANTE, 1995, p.147). Nesse sentido, Hare também faz sua

definição a princípio:

Assim, também podemos caracterizar provisoriamente a diferença entre afirmações e comandos dizendo que, embora o assentimento sincero ao primeiro envolva acreditar em algo, o assentimento sincero ao segundo implica (na ocasião adequada e se estiver ao nosso alcance) fazer algo (Hare, 1996, p. 22).

Disso poderíamos deduzir que, gramaticalmente, as frases no modo indicativo

expressam descrições; bem como as frases no modo imperativo expressam

prescrições. Assim, juízos morais, por estarem quase sempre no indicativo, deveriam

ser considerados como fatos.

Porém, Hare discorda dessa dedução e defende que todas as palavras de valor

(bom, mau, ruim, bem, mal, dever, certo, errado, etc) apresentam tanto o sentido

descritivo que comunica informações sobre as características fatuais; quanto o sentido

prescritivo ou avaliativo que recomenda ou desaprova essas informações comunicadas

pelas características descritivas. Hare se diferencia das demais teorias por admitir

esses dois sentidos e por considerar a relação entre eles. Esse diferencial da teoria de

Hare é destacado por Hudson:

Hare ha formulado las “tres verdades más importantes sobre los juicios morales” de la siguiente manera: (i) Son um tipo de juicios prescriptivos. (ii) Se distinguen de otros juicios prescriptivos en que son universalizables. (iii) La racionalidad del pensamiento y de la argumentación morales es posible porque son posibles las relaciones lógicas entre los juicios prescritivos (HUDSON, 1970, p. 163).18

18 Tradução: Hare tem formulado as “três verdades mais importantes sobre os juízos morais” da seguinte maneira: (i) são um tipo de juízos prescritivos. (ii) Se distinguem de outros juízos prescritivos por serem universalizáveis. (iii) A racionalidade do pensamento e da argumentação moral é possível porque são possíveis as relações lógicas entre os juízos prescritivos.

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Por outro lado, Hare destaca que a relação lógica entre esses dois sentidos não

é a de implicação:

O argumento [...] estabelece que “bom”, sendo uma palavra usada para aprovar, não deve ser definida em termos de um conjunto de características cujos nomes não sejam usados para aprovar. Isto não quer dizer que não haja “nenhuma” relação entre o que foi denominado características “que tornam bom” e “bom”; quer dizer apenas que essa relação não é uma relação de implicação (HARE, 1996, p.101).

O autor diz que o sentido avaliativo é primário em relação ao significado

descritivo, porque ele é constante (sentido de aprovação ou reprovação), ao passo que

o descritivo pode ser modificado. Inclusive, pode-se utilizar o sentido primário para

modificar o secundário. (HARE, 1996, p. 126-127). Isso ocorre quando utiliza-se o

significado avaliativo para alterar o padrão, e que são duas as formas em que a

mudança no padrão pode ser consequência de mudança na língua:

A primeira é a que acabei de exemplificar19, o significado avaliatório de ‘bom’ é retido e utilizado para alterar o significado descritivo e, a segunda [...] [ocorre] para que a palavra seja gradualmente esvaziada de seu significado avaliatório pelo emprego cada vez mais freqüente numa forma que denominarei convencional ou ‘entre aspas’20; quando perdido todo seu significado avaliatório, passa a ser usada como palavra puramente descritiva para designar determinadas características do objeto, e, quando é necessário aprovar ou condenar objetos nessa classe, alguma palavra de valor bem diferente é tomada para esse propósito (HARE, 1996, p. 128).

Hare diz que existem palavras que possuem significado avaliativo secundário,

como é o caso de “caprichoso”. Complementa que, se o significado avaliativo de uma

19 O exemplo é referente aos automóveis, em que hoje, os critérios para chamar um automóvel de bom são diferentes dos critérios descritivos utilizados na década de 50, então, quando se diz que não haviam carros bons antes de 60, modifica-se o padrão (HARE, 1996, p. 127-128). 20 Hare dá como exemplo a expressão ‘eligible bachelor’ (‘solteiro elegível’), que devido aos critérios rígidos de elegibilidade, foi assimilada à essa expressão um significado descritivo de possuir propriedades e título de nobreza (século XVIII). Mas no século XX, em reação aos padrões rígidos, passou-se a usar a palavra ‘elegible’ entre aspas, como ironia, significando que isso era tudo que se podia dizer a respeito desse rapaz (HARE, 1996, p. 128-129).

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palavra passou de primário para secundário, então significa que o padrão tornou-se

convencional.

Além disso, a especificidade de possuir os significados avaliativo e descritivo

não pertence somente à linguagem moral, mas a todas as linguagens de valor.

Se, por exemplo, em um caso não moral, costumeiramente diz-se que “um

relógio é bom”, significa que ele possui algumas características que fazem com que ele

seja chamado de bom, ou seja, ele preenche os requisitos de um determinado padrão

culturalmente construído, como por exemplo: é à prova de choque, possui alta

durabilidade, é à prova d´água e é constituído de material nobre. Se, por exemplo, em

um caso moral, diz-se que “falar a verdade é bom”, apesar da palavra “bom” ser a

mesma, o padrão a ser cumprido é outro, como o estabelecimento da comunicação e

do entendimento entre as pessoas. Mas em ambos os casos, o sentido prescritivo é o

mesmo: aprova-se e recomenda-se tanto “o relógio” quanto “falar a verdade”.

Portanto, o sentido prescritivo refere-se ao sentido de aprovação e de ação, ou

seja, o de agir de acordo com o que foi aprovado, isto é, o de recomendação. O

descritivo refere-se aos fatos e às circunstâncias, isto é, ao conjunto de características

informativas que se atribui usualmente às palavras de valor – o padrão geralmente

aceito21 – “... quanto mais estabelecido e aceito o padrão, mais informação é

transmitida” (HARE, 1996, p.131). Porém, é importante destacar que isso flui: às vezes,

um padrão é usado como “bom” de forma tão habitual, que o sentido descritivo torna-se

mais forte. E esse “estabelecimento” de padrão de forma rigorosa não é saudável para

a linguagem moral:

Os princípios ou padrões morais são primeiramente fixados, depois tornam-se exageradamente rígidos e as palavras usadas para referência a eles tornam-se preponderantemente descritivas; sua força avaliatória tem de ser dolorosamente recuperada até que os padrões estejam fora de perigo. No curso da recuperação, os padrões adaptam-se a circunstâncias modificadas; realiza-se a reforma moral, e seu instrumento é o uso avaliatório da linguagem de valor. O remédio, na verdade, contra a estagnação e a deterioração moral é aprender a usar nossa linguagem de valor para o propósito para o qual foi idealizada; e isso envolve não meramente uma lição sobre falar, mas uma lição

21 Considera-se que, apesar de Hare ter usado a palavra “aceito” (por isso foi mantida), a melhor expressão é “padrão construído”, pois “aceito” tem um sentido prescritivo.

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sobre fazer o que aprovamos, pois, a menos que estejamos preparados para fazer isso, não estaremos fazendo mais do que repetir um padrão convencional sem crer nele (HARE, 1996, p. 158).

Logo a seguir, sugerimos uma sistematização da teoria de Hare, que relaciona

o significado prescritivo e descritivo, e que leva em consideração os principais aspectos

de sua teoria. Posteriormente, mostraremos também que, equívocos na forma com que

essa relação é interpretada, (cometido por alguns autores), pode gerar consequências

falsas sobre a teoria de Hare.

4.2.2 Proposta de sistematização da defesa de Hare

Ao analisar os componentes dos juízos morais, segundo Hare, observamos que

existe um entrelaçamento entre eles: o significado valorativo depende do significado

descritivo e vice-versa. Porém, essa relação não ocorre de forma direta.

Geralmente, acontecem ataques à teoria de Hare quando a relação entre esses

componentes é interpretada erroneamente de forma direta, a partir da lógica

proposicional, como é o caso de Sen, que explicita as características descritivas

acarretando no significado valorativo (apresentaremos isso detalhadamente mais

adiante, em 4.2.4). Isso não pode ser feito, porque o fator da possibilidade de mudança

das características descritivas dos juízos não pode ser deixado de lado.

Apresentamos a teoria dos descritivistas e a teoria de Hare. Agora, usaremos

um exemplo para confrontar e clarificar a distinção entre ambas as teorias. Para tanto,

usaremos para representar os descritivistas a teoria dos naturalistas objetivistas, com

os quais Hare é comumente confundido.

Sobre o juízo moral “o aborto é errado”, os naturalistas diriam que, para dizer

que a frase é verdadeira, basta que seja verificado como é a convenção linguística

culturalmente construída. Assim, aqui no Brasil, o padrão diz que esta frase é

verdadeira, e que posso dizer normalmente “o aborto é errado, mas vou fazer um

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aborto”, porque para os defensores do naturalismo, não existe vinculação dos juízos

morais com a ação, ou seja, a pessoa pode julgar “o aborto é errado” como verdadeiro,

e mesmo assim fazer um aborto, de acordo com esse tipo de teoria.

Hare diria que essa pessoa que diz “o aborto é errado”, mas que faz um aborto,

não julga “o aborto é errado” como verdadeiro, apenas diz isso no sentido entre aspas,

referindo-se às convenções culturais. Isso porque, em sua teoria, existe uma vinculação

do julgamento com as ações. Esse é o primeiro ponto de distinção entre Hare e os

naturalistas: enquanto que para os naturalistas, o padrão cultural determina o que é

julgado como “certo” ou “errado”, em Hare, cada pessoa possui um padrão, e julga e

age de acordo com esse padrão. Porém, para Hare, esse aspecto da linguagem da

moral não garante que as ações sejam morais. Significa que as pessoas podem usar a

linguagem moral, apesar de não se proporem a pensar, nem a agir moralmente.

Consequentemente, as pessoas podem julgar como certo o que não é moral, e

inclusive, podem mudar seus julgamentos e ações aleatoriamente, sem nenhuma regra.

Em Hare, aqueles que desejam agir moralmente, devem observar o requisito da

universalizabilidade: faria o mesmo julgamento e aprovaria a mesma ação,

independentemente dos papéis que estivesse ocupando, o do feto ou o da mãe? Se o

julgamento for o mesmo, então esta ação é universalizável. Neste âmbito é que são

gerados os principais erros de interpretação sobre a teoria de Hare. A

universalizabilidade determina que sempre que a circunstância for a mesma, que os

fatos forem semelhantes, que a parte descritiva for verificada da mesma forma, então o

julgamento moral e a ação moral devem ser os mesmos. Realmente, Hare poderia ser

considerado um descritivista, se isso fosse algo estático e não dinâmico. Mas, novas

informações podem ser reunidas e a pessoa pode modificar seu padrão e

consequentemente sua ação, não de forma aleatória como descrito no parágrafo

anterior, mas na busca de um padrão moral. Para nosso autor, os juízos morais servem

para reforçar ou mudar um padrão de conduta, e a mudança é o aspecto mais

importante das teorias prescritivas:

O significado valorativo é a recomendação (ou o contrário) contida no juízo. O significado descritivo são as base factuais do juízo, os critérios pelos quais ele

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é feito, ou suas condições de verdade. A característica mais importante das teorias prescritivistas é que fazendo a distinção entre esses dois aspectos do significado torna-se possível que o significado descritivo varie enquanto o significado valorativo permanece o mesmo (HARE, 2003, p. 11).

Ainda sobre o aspecto da possibilidade de mudança e da variação dos padrões,

observe a seguinte citação:

Se mudarmos as condições de verdade de um enunciado moral, mudaremos seu significado descritivo. Mas, se o significado valorativo permanecer o mesmo, teremos, ao fazer essa mudança, alterado nossos padrões morais. Recorremos a diferentes razões, por exemplo, para chamar um ato de errado, mas estamos chamando-o de errado no mesmo sentido, valorativamente falando. Ainda o estamos condenando ao tachá-lo de errado (HARE, 2003, p. 84-85).

Assim, fica explicado nosso interesse em mostrar que Hare não é um

descritivista: isso está intimamente ligado à relação existente entre o significado

descritivo e o significado prescritivo dos juízos morais, que é o nosso maior foco.

Para prosseguirmos, mostraremos que o modelo lógico proposto por Sen, para

explicar a teoria de Hare, é válido somente antes ou depois de ocorrem as mudanças

(que é o aspecto mais importante da teoria, conforme mencionado). Assim, para

completar a interpretação de Sen, propomos a construção de um novo modelo

simbólico que represente as mudanças ocasionadas pelas escolhas de novos padrões.

Esta nova proposta, ao invés de dois, relaciona quatro elementos, os quais

chamaremos da seguinte forma: valor do padrão moral, valor do padrão prescrito,

padrão moral e padrão prescrito. Mais adianta tornar-se-á mais claro, o motivo pelo qual

julgamos a necessidade dessa divisão, aparentemente redundante.

Segue-se, assim, as definições. Valor é o componente do juízo moral que pode

assumir apenas duas formas: o de prescrever ou o de rejeitar tal ato. Assim, sempre

que for um juízo moral, adotaremos a seguinte notação: se perguntarmos se prescreve

algo e a resposta for “sim”, então, será retornado o valor 1 que corresponde a

“verdadeiro”, caso contrário, se a resposta for a negação da prescrição, então o valor

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retornado será 0 que corresponde a “falso”. Desta forma, poderemos ter acesso ao

valor simbólico do valor prescrito e ao do padrão moral.

Quanto à característica descritiva temos que o padrão, em geral, representa um

conjunto de premissas (fatos, ou argumentos dissertativos) suficientes para acarretarem

uma atitude moral. Sugerimos a subdivisão em dois componentes: padrão prescrito e

padrão moral. Hare geralmente utiliza o significado descritivo como se fosse o padrão

construído (padrão moral). Mas, também diz que, quando se deseja alterar o padrão,

um novo sentido descritivo é utilizado (o qual denominaremos de padrão prescrito):

Mesmo quando estamos empregando a palavra ‘bom’ avaliatoriamente a fim de fixar um novo padrão, a palavra ainda tem um significado descritivo, não no sentido de que é empregada para comunicar informação, mas no sentido de que seu emprego na fixação do novo padrão é uma preliminar essencial – como a definição, no caso de uma palavra puramente descritiva – para seu emprego subseqüente com um novo significado descritivo (HARE, 1996, p. 130).

Julgamos que a divisão nesses quatro componentes é essencial para desfazer

a confusão sobre o enquadramento de Hare como um descritivista. A partir disso,

defendemos a idéia de que, a única forma de representar simbolicamente o juízo moral

na teoria de Hare, com todos os elementos não estáticos, mas sim, com elementos em

transformação, é por um algoritmo, que contém, em sua definição, a noção de

processos.

Para tanto, definimos como parâmetros de entrada: o valor prescrito (Vp), o

valor do padrão moral (Vm), a lista das características descritivas prescritas (Pp) e a

lista das característica descritivas do padrão moral (Pm), e tem como parâmetro de

saída, Vm e Pm:

Juízo moral(Vp, Vm, Pp, Pm: Vm, Pm)

Vp: inteiro;

Vm: inteiro;

Pp: texto;

Pm: texto;

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Início de Programa

1. Capturar (Vp; Vm; Pp; Pm);

1. Se ( (Pp <> Pm) ^ (Vp <> Vm)), então {

2. {Pm ←Pp

3. Vm←Vp}

4. Senão, se ((Pp <> Pm) ^ (Vp = Vm)), então

5. { Pm ←Pp}}

Fim de programa

Explicação do algoritmo:

1. Recebe as informações descritivas e prescritivas do padrão moral

consolidado (Vm e Pm) e do indivíduo que emite o juízo (Vp e Pp).

2. Se o padrão prescrito for diferente do padrão moral, e o valor

prescrito for diferente do valor do padrão moral, então

3. Ao padrão moral é atribuído o padrão prescrito (mudança do padrão

moral).

4. Ao valor do padrão moral é atribuído o valor prescrito.

5. Senão, se o padrão prescrito for diferente do padrão moral e o valor

prescrito for igual ao valor do padrão moral, então

6. Ao padrão moral é atribuído o padrão prescrito (mudança do padrão

moral sem alteração do valor moral).

Se dissermos que pode haver uma lógica que lide com enunciados valorativos, estaremos naturalmente pressupondo estar decidida a questão entre os que dizem que pode haver argumentação sobre questões de valor e os que dizem que não pode. Pois se há uma espécie de lógica que pode tratar de enunciados valorativos, pode-se obviamente, argumentar a respeito deles (HARE, 2003,63).

Neste trecho, Hare se refere e se contrapõe aos emotivistas que não aceitam

que os juízos morais possam ter argumentação lógica. Concordamos com Hare, que a

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argumentação lógica é possível e necessária para o estudo da ética. Mas,

especificamente, esse modelo, não tem a pretensão de ser um modelo lógico puro em

todos os graus de exigência de Frege, dentre outros logicistas mais radicais, para que

assim o designe; mas sim, um algoritmo que represente os processos de transformação

do juízo moral. Isso foi necessário, porque não há, nem na lógica modal, símbolos

suficientes para expressar a relação entre sentido descritivo e o sentido prescritivo da

teoria complexa de Hare, que reúna conceitos temporais, de projeção e de movimento.

Observemos o significado temporal: “Quando aprovamos ou condenamos

qualquer coisa, sempre o fazemos, ao menos indiretamente, para orientar escolhas,

nossas ou de outras pessoas, agora ou no futuro”(HARE, 1996, p. 135). Vejamos,

agora, um exemplo que Hare utiliza para expressar mudança de padrão, contendo

elementos temporais explícitos:

No presente estamos mais ou menos de acordo (embora apenas mais ou menos) quanto aos critérios necessários e suficientes para chamar bom um automóvel. Se acontecer o que descrevi, podemos passar a dizer ‘Nenhum dos carros dos anos 50 era realmente bom; não houve nenhum realmente bom antes de 1960’. Ora, aqui não podemos estar usando ‘bom’ com o mesmo significado descritivo geralmente usado hoje, pois alguns dos carros de 1950 indubitavelmente têm características que lhes dão direito ao nome ‘bom automóvel’, no sentido descritivo de 1950 dessa palavra. O que está acontecendo é que o significado avaliatório da palavra está sendo empregado para alterar o significado descritivo; se ‘bom’ fosse uma palavra puramente descritiva, poderíamos dizer que o que estamos fazendo é redefini-la. Porém não podemos dizer isso, pois o significado avaliatório permanece constante; estamos antes alterando o padrão (HARE, 1996, p. 128).

Neste exemplo, temos padrões culturais diferentes em tempos diferentes. Isso

ocorreu graças ao sentido avaliativo empregado, para prescrever um conjunto de

características diferentes das utilizadas em 1950. Esse é um exemplo da transformação

representada no item 6 do algoritmo. Hare dá destaque para este tipo caso, em que ele

fixa o sentido prescritivo e varia o descritivo: antes, bom carro tinha um significado

descritivo, agora, tem outro – significando que houve mudança de padrão. Por esse

motivo, ele insiste em dizer que o significado prescritivo é invariável, enquanto o

descritivo pode variar. Porém, se fixarmos o objeto de análise, no caso, o carro com as

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descrições que permitiam que ele fosse chamado de bom em 1950, ao analisarmos o

mesmo carro hoje, o sentido prescritivo é modificado, ou seja, se antes o

recomendávamos, hoje não o aprovamos, e consequentemente, se tivéssemos que

escolher para nosso uso entre o antigo e o novo, ficaríamos com o novo. Sob essa

ótica, estaríamos satisfazendo a condição do item 2 do algoritmo e realizando as

mudanças 3 e 4.

Além disso, com base nesse exemplo, pode-se dizer que, quando se usa uma

palavra no sentido avaliativo, o desejo e a escolha são pressupostos. Temos que

escolher o que é “bom”, o que “deve”, ou o que é “certo”. E, podemos dizer, pela práxis

e/ou no sentido ordinário, que o desejo do presente se concretiza nas escolhas do

futuro. Além do significado temporal, sua lógica contém o significado da projeção do

sujeito, sobre o que o emissor do juízo moral quer. A projeção representa o desejo do

emissor, que está intimamente interligado com o terceiro conceito: o da mudança.

Relembramos que, o sentido avaliativo pode ser instrumento de duas atividades

diferentes: ou para comunicar uma informação, quando se deseja ensinar um padrão;

ou para fixar um novo padrão, quando se deseja alterá-lo (HARE, 1996, p. 130). Assim,

quando se emite um juízo de valor com sentido descritivo diferente do sentido do

padrão, então existe uma obrigatoriedade sobre a mudança do padrão, e é exatamente

isso que o algoritmo representa, de acordo com o item 6 do algoritmo criado.

Em síntese: se se emite uma prescrição, com características descritiva iguais

ao do padrão estabelecido (Pp = Pm), então se pretende ensinar e reafirmar o padrão

(Pm). Mas, se se emite uma prescrição com características descritivas diferente do

padrão construído (Pp=Pm), então se pretende modificar o padrão (Pm ← Pp). O

projeto do emissor do juízo moral que apresenta padrão prescrito diferente do padrão

atual é que as “propriedades prescritas” se consolidem como “propriedades morais”.

Essa mudança de padrão pode ocorrer no âmbito pessoal ou coletivo (discutiremos

sobre isso mais tarde).

Vejamos um exemplo, para clarificar:

Pp é o padrão prescrito que, se aceito como verdadeiro, acarreta a atitude de

“não comer carne vermelha” (Vp = 0), em que a lista descritiva é a seguinte: p1 é “os

animais possuem consciência de seu ambiente, e sentem dor”, p2 é “a produção de

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grãos no mundo, para alimentação dos rebanhos é suficiente para acabar com a fome

do mundo”, p3: “a quantidade de gás metano produzida pelos rebanhos bovinos e

suínos agrava o efeito estufa”, p4: “na sociedade industrial, a proteína pode ser

substituída por outros tipos de alimento”;

Pm é o padrão cultural, que, se aceito como verdadeiro, acarreta a atitude de

“comer carne”(Vm=1), em que a lista descritiva é a seguinte: m1 é “carne é importante

na prevenção humana contra a anemia”, m2 “carne geralmente satisfaz o paladar

humano”; m3 “os animais existem para servir o homem”.

Assim, segue-se a execução do algoritmo

Sobre comer carne (Vp, Vm, Pp, Pm: Vm, Pm)

Vp: inteiro;

Vm: inteiro;

Pp: texto;

Pm: texto;

Início de Programa

1. Capturar (Vp; Vm; Pp; Pm);

Vp←0

Vm←1

Pp ← [p1,p2,p3,p4],

Pm ← [m1,m2,m3]

2. Se ( (Pp <> Pm) ^ (Vp <> Vm)), então {

Atende a condição.

3. {Pm ←Pp

4. Vm←Vp}

5. e 6. Não atende a condição.

Fim de programa

Assim, temos a seguinte interpretação: Se eu prescrevo o padrão de que não

se deve comer carne; e essa prescrição de que não se deve comer carne é diferente do

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padrão moral de que se deve comer carne, então eu projeto que ao padrão moral seja

atribuído o padrão de não comer carne, e o valor sobre o padrão moral é invertido.

Por outro lado, a relação dos naturalistas, que Hare tanto critica, é

simplesmente a seguinte:

Vp ↔ (Pp = Pc), em que temos os seguintes conectores e predicado ainda não

definidos anteriormente:

↔ é o conector que indica bi-implicação e tem resultado de valor “verdadeiro”

somente quando ambos os lados que ele interliga são verdadeiros.

= igualdade

Pc: padrão lingüístico, de acordo com a cultura.

Desta forma, a interpretação dos naturalistas descritivistas é a seguinte: o valor

prescrito é verdadeiro, se, somente se, o padrão prescrito é igual ao padrão cultural.

Essa relação, defendida pelos naturalistas, como se a prescrição dependesse

exclusivamente do uso da língua, não prevê a possibilidade de mudança nos padrões,

muito menos no comportamento, uma vez que não está vinculado à ação. Ao

compararmos com a teoria de Hare, podemos concluir que essa é uma relação

satisfatível somente nos casos em que Hare diz que a linguagem da moral serve

também para ensinar um padrão (quando ocorrem esses casos, o algoritmo recebe os

parâmetros, mas não ocorre nenhum processo e os parâmetros são retornados com os

mesmos valores de entrada, porque não atendem a nenhuma condição para execução).

Talvez esse seja o motivo da confusão gerada por alguns autores, porém esse aspecto

é o de menor interesse para Hare, uma vez que ele preocupa-se mais com a

possibilidade de mudanças.

Portanto, Hare não pode ser considerado descritivista. Os descritivistas não

usariam o significado moral com o sentido de mudança no padrão, mas apenas de

constatação.

Uma outra forma de representar a relação naturalista pode ser a seguinte: Vp

↔Vc, onde Vp é o valor prescrito e Vc é o valor cultural. Hare também havia criticado

os naturalistas objetivistas por terem confundido superveniência com acarretamento:

“Ele confunde superveniência com acarretamento, e assim, transforma em enunciados

analiticamente verdadeiros o que são realmente princípios morais substanciais” (HARE,

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2003, 174). Hare está mostrando que a relação que acabamos de propor para abstrair

o sentido naturalista, Vp↔Vc, não pode ser visto como um axioma, analiticamente

verdadeiro, como assim fazem os naturalistas, pois os princípios são construídos a

partir da experiência.

Se Hare está preocupado com a construção de juízos, os naturalistas agem

como se eles já estivessem prontos. Pressupomos que Hare está em uma fase de

reconhecimento de que a ética está em uma etapa inicial; enquanto os naturalista

partem do pressuposto de que ela já está acabada. Analisamos que a teoria de Hare

considera a ética em seu processo indutivo na construção de juízos, enquanto os

naturalistas julgam erradamente que os juízos estão acabados e que tudo que nos resta

é a dedução.

A dedução também é importante em Hare, após a construção do juízo. Ou seja,

depois da análise crítica e da eleição do princípio moral correto, pode-se aplicar o

modelo da universalizabilidade, e só então, o modelo que Sen utiliza para explicar a

teoria de Hare é aplicável.

4.2.3 Geach: bom e o significado descritivo (natural)

Geach, no artigo Good and Evil, critica o grupo que ele denomina por

“Moralistas de Oxford”, por não saberem a verdadeira distinção entre adjetivos

atributivos e adjetivos predicativos, além disso, realiza ataques direcionados à teoria de

Hare, não o citando, mas, inclusive, usando seus exemplos (GEACH, 1967. p. 64-73).

Segundo Hare, Geach teria lhe solicitado que escrevesse uma resposta a esse artigo, e

até mesmo forneceu-lhe o material. Completa ao dizer que, é exatamente por esse

pedido, que ele acredita que esteja enquadrado no grupo denominado de “Moralistas de

Oxford”, o que não seria tão óbvio, uma vez que Geach usa os exemplos de Hare tanto

quando pretende caracterizar o grupo a ser atacado, quando apresenta sua própria

justificativa para acusá-lo (HARE, 1972, p. 29-54). Desta forma, nesta primeira etapa

de seleção de acusações contra Hare, serão apresentados e comentados

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simultaneamente os argumentos de acusação de Geach e os argumentos de defesa de

Hare, conforme referências mencionadas acima.

Primeiramente, Geach apresenta suas definições, e as julga como logicamente

coerentes apesar de não coincidirem com a distinção gramatical. Para ele, adjetivos

predicativos são aqueles que podem ser ditos separados dos objetos. Por exemplo: de

um carro vermelho, pode-se fazer duas afirmações distintas: “é carro” e “é vermelho”.

Por outro lado, os adjetivos atributivos não podem ser ditos isoladamente. Por exemplo:

a partir de um pequeno elefante, não se pode fazer essas duas afirmações isoladas do

objeto: “é pequeno” e “é elefante”, porque o objeto em si não é pequeno, e pequeno só

tem sentido definido ao lado do substantivo que acompanha. Logo, as características

predicativas e atributivas diferem-se umas das outras por apresentarem uma

característica natural, ou seja, enquanto as primeiras podem ser ditas separadas dos

objetos que se referem, as segundas não podem. Para o autor, “bom” e “mal” são

atributivos nesse sentido, e por isso, de forma natural, diferem-se de “vermelho”.

Hare diz que não irá atacar sua tese principal, de que bom é um adjetivo

atributivo, porque ele concorda com ela, e ainda, em uma nota, diz que esse

pensamento é comum aos filósofos de Oxford, além de citar suas origens em Frege,

Baumann, Joseph e Aristóteles. Acreditamos que Geach realmente se equivocou ao

mencionar que o que ele apresentou estaria distante da aprovação geral do filósofos de

Oxford. Mas, por outro lado, talvez Hare não tenha inferido de forma correta a tese

principal de Geach, pois, o mesmo usa o fato de “bom” ser um adjetivo atributivo, para

dizer que esse tipo de adjetivo se difere dos demais por uma característica natural e

não por uma característica especial ou prescritiva. Portanto, mesmo concordando com

o fato de “bom” ser atributivo, eles divergem quanto à tese principal de Geach.

Geach ataca os “Moralistas de Oxford”, por transferirem a importância das

características descritivas para um âmbito secundário, e dizerem que “bom” possui uma

característica especial e primária de recomendação. E, realmente, Hare faz isso:

É hora de justificar o fato de eu dizer que o significado descritivo de ‘bom’ é secundário em relação ao significado avaliatório. Meus motivos para fazê-lo são dois. Primeiro, o significado avaliatório é constante para toda classe de objeto para a qual a palavra é usada. Quando denominamos bom um

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automóvel, um cronômetro, um taco de críquete ou um quadrado, estamos aprovando todos eles. Mas como estamos recomendado todos eles por razões diferentes, o significado descritivo é diferente em todos os casos. Temos o conhecimento do significado avaliatório de ‘bom’ desde os nossos primeiros anos, mas estamos constantemente aprendendo a usá-lo com novos significados descritivos, à medida que as classes de objetos cujas virtudes aprendemos a distinguir tornam-se mais numerosas. [...] A segunda razão para denominar primário o significado avaliatório é que podemos usar a força avaliatória da palavra para ‘modificar’ o significado descritivo em qualquer classe de objetos (HARE, 1996, p. 126-127).

Porém, Hare critica a forma como Geach apresenta a teoria dos “Moralistas de

Oxford”:

There “The Oxford Moralist” are said to hold the following position:(I) The function of “good” is primarily not descriptive at all but commendatory(II) “That is googd book” means something like “I recommend that book”.(III) “That is a good book” means something like “Chose that book”. It may be that Geach has not noiced the difference between commending and recommending (HARE, 1972, 30)22

Em nota, Hare mostra que, de acordo com o dicionário “commend” (que

traduzimos aqui por sugerir23) é algumas vezes usado com o sentido “recommend”

(recomendar); mas este uso não é comum, e não é este sentido que ele usa no livro A

Linguagem da Moral. Em inglês, de acordo com Hare, “recommend” é normalmente

usado quando uma coisa “particular” está em questão, mas “commend” quando uma

coisa está sendo mencionada de forma geral, isto é, “um valor de aceitação ou

aprovação”. Geach continua a explanar sobre a teoria dos “Moralistas de Oxford” ao

dizer que eles mantêm que embora a força primária de “bom” seja de sugerir, existem

muitos casos onde a força é puramente descritiva. Até esse ponto, não há o que

22 Tradução: Lá “Os Moralistas de Oxford” tiveram a seguinte posição:(I) A função de “bom” é primariamente não descritiva em tudo, mas sugestiva.(2) “Este é um bom livro” significa algo como “eu recomendo este livro”.(3) “Este é um bom livro” significa algo como “Escolha este livro”. Pode ser que Geach não percebeu a diferença entre sugestão e recomendação23 Na tradução brasileira do livro A Linguagem da Moral usou-se a palavra “aprovar” para traduzir “commend”. Mas, como esse capítulo se refere ao texto Essays on the moral concepts, em que Hare usa “aprovação” para definir a palavra “commend”, optamos por usar a palavra “sugerir”.

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questionar. Porém, logo em seguida, ele menciona um exemplo um tanto quanto

polêmico sobre metas em um jogo americano chamado críquete. O exemplo é o

seguinte: Geach diz que na frase “Hutton conquistou uma boa meta no jogo de

críquete”, em uma notícia de jornal, não significaria o mesmo que: “Que linda meta no

jogo de críquete Hutton conquistou. Você deve ter tais metas quando for sua vez”. De

início, ele menciona que dará um exemplo em que a força é puramente descritiva de

acordo com os próprios “Moralistas de Oxford”, depois ele se contradiz dizendo que os

moralistas de Oxford descreveriam tais casos dizendo que aqui “bom” é, como dizer, na

citação feita: Hutton conquistando uma “boa” meta, isto é, uma meta no jogo de

críquete como os fãs de críquete chamariam de “boa”, ou seja, recomendariam e

escolheriam.

Hare, chama a atenção para essa contradição cometida por Geach, ao

argumentar que esse não é o caso em que “bom” é usado no sentido “entre aspas”, em

que a força de bom é puramente descritiva, pois, apesar do jornalista ter a intenção de

descrever o tipo de meta que foi cumprida, existe uma suposição de que tanto o

jornalista quanto os leitores sejam fãs de críquete, e, por isso, aceitam o padrão de

sugestão que é usado na frase. Diz ainda que o falante está realmente sugerindo,

apesar de não estar fazendo outra coisa que Geach confunde com sugerir.

Ainda sobre esse exemplo, Geach afirma rejeitar o ponto de vista de que “bom”

não tenha uma força descritiva, pois alguém que não teve cuidado com dois pinos

sobre críquete, mas que entendeu completamente como o jogo funciona (uma

suposição não impossível), poderia fornecer um sentido puramente descritivo para a

frase “boa meta de críquete cumprida” sem levar em consideração o gosto dos fãs de

críquete. Na verdade, supomos que o sentido prescritivo de “bom” nesse exemplo, é o

de que se o jornalista tivesse que escolher para anunciar entre uma meta cumprida,

com essas características, e outra, com as características diferentes, o jornalista

escolheria essa; uma outra forma de dizer isso, seria que, prefere-se, ou é preferível

cumprir essa meta que outra. Mas Hare chama a atenção para outro aspecto: o

raciocínio de Geach depende da suposição que se pode provar que o significado de

uma expressão não seja primariamente avaliativo por fornecer um contexto no qual é

usado com um propósito descritivo, o que é evidentemente inválido.

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Geach passa a discutir outro exemplo: ele afirma poder mencionar “bom ladrão”

ou “bom cortador de garganta” sem recomendá-lo. Em resposta, Hare não comenta

explicitamente esse exemplo, mas, esse sim é um exemplo em que o sentido descritivo

é mais forte que o prescritivo, ou seja, neste exemplo, não se está usando “bom” no

sentido forte, mas sim no sentido entre aspas:

Deve-se observar que é mais fácil usar ‘bom’ num sentido entre aspas quando uma determinada classe de pessoas, que são suficientemente numerosas e proeminentes para que seus juízos de valor sejam bem conhecidos (e. g., ‘as melhores’ pessoas em qualquer campo), tem um padrão de aprovação rígido para aquela classe de objeto. Em tais casos, o emprego entre aspas pode aproximar-se de um emprego irônico, no qual não somente não é aprovação, mas o oposto. Se eu tivesse uma opinião ruim de Carlo Dolci, poderia dizer “Se você quer ver realmente um ‘bom’ Carlo Dolci, vá dar uma olhada naquele que está no...” Há um outro emprego no qual a ausência de conteúdo avaliatório não é suficientemente óbvia para o falante para que nós o denominemos emprego entre aspas ou irônico. É o emprego ‘convencional’, no qual o falante meramente sustenta uma convenção da boca para fora, recomendando um objeto ou dizendo coisas aprovatórias sobre ele simplesmente porque todas as outras pessoas fazem o mesmo (HARE, 1996, p. 133-134).

Segundo Hare, este sentido entre aspas ocorre quando existe um padrão

fortemente construído, e assim, maior quantidade de informação é transmitida, e/ou

quando se utiliza a figura de linguagem chamada ironia, como é o caso do exemplo

dado por Geach. Ainda seria possível usar “bom ladrão”, ou “bom cortador de garganta”

em um sentido de aprovação na classe de comparação técnica. Mas, nesse caso,

estaria presente a recomendação e não estaria satisfazendo a proposta de Geach de

mencionar sem recomendar.

Depois, Geach insiste em outros exemplos para contestar o sentido prescritivo,

ao mostrar que, se ele diz que você tem um bom olho ou um bom estômago, isso não

tem nada a ver com “jurado” de olho ou “torcedor” de estômago.

Supomos que Hare, se tivesse ainda mais paciência com o discurso de

Geach24, diria que “bom olho” ou “bom estômago” não tem a ver com “jurado” de olho

24 No artigo de Hare, Geach on murder and dodomy, nosso autor demonstra grande antipatia com Geach e chega a demonstrar agressividade para com o mesmo.

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ou “torcedor” de estômago, mas que, se ele pudesse escolher entre ter um “olho não-

bom” e um “bom olho”, ele escolheria ter um “bom olho”, ou, se tivesse que escolher

avaliadores de jóia, motoristas, ou trabalhadores para o caixa, escolheria aqueles que

tivessem “bom olho”.

Geach continua a comentar o argumento dos “moralistas de Oxford”, e mostra

que eles tentam evitar a falácia naturalista com a distinção entre sentido permanente e

sentido variável da palavra “bom”. Hare não concorda com a forma com que Geach

apresenta o argumento dos filósofos de Oxford, de forma geral, pois, apesar de estar de

acordo com Professor Stevenson e com os que foram influenciados por ele, não está

de acordo com o pensamento do próprio Hare25 (mais tarde, mostraremos que isso é

uma contradição em Hare). Geach apresenta o argumento dos “moralistas de Oxford”

da seguinte forma: “Bom” aplicado à faca expressaria os atributos UVW, “bom” aplicado

a estômago expressaria os atributos XYZ, e assim por diante; assim, se “bom” não é

meramente ambíguo, sua força primária deve ser tomada para ser a força invariável de

sugerir, não a indefinida variação da força descritiva. Porém, posteriormente diz que

esse argumento é também uma falácia, ou seja, induz a conclusão de que os filósofos

de Oxford resolveram uma falácia com a apresentação de outra.

A explicação de seu julgamento do argumento como falacioso, está no fato de

ele não concordar que o sentido descritivo de “boa faca” possa ser substituído por “faca

que é UVW”. Para isso, ele apresenta a seguinte argumentação pelo exemplo:

“triângulo com três lados iguais” significa o mesmo que “triângulo com todos os lados

iguais”, mas, não se pode cancelar triângulo como numa expressão matemática, para

igualar as demais partes, e dizer que “com todos os lados iguais” significa o mesmo que

“com três lados iguais”. Outro exemplo usado por Geach: “quadrado de 2” é o mesmo

que “dobro de 2”, mas não se pode fazer a interpretação separada do número 2 e dizer

que “quadrado de” seja o mesmo que “dobro de”. Geach diz que faz esta analogia com

25 Hare diz não concordar que a emissão de juízos morais serve para afetar ou influenciar escolhas. Posteriormente diz que isso não é consenso entre os filósofos de Oxford, mas que talvez esse problema começará a clarear quando o Professor Austin publicar algo sobre esta distinção geral entre força ilocucionaria e perlocucionaria (que está para dizer, entre o que nós estamos fazendo em dizer ‘p’ e o que nós estamos tentando dizer por dizer ‘p’). Conforme trabalhado no capítulo 3, essa é uma confusão que Hare precisaria resolver e não os demais, pois Austin deixou bem claro sua posição em How to do things with words.

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a matemática para clarear a explicação: não há número algum pelo qual você pode

sempre multiplicar um número para chegar ao seu quadrado, mas não segue também

que “quadrado de” é uma expressão ambígua significando algumas vezes “dobro de”,

algumas vezes “triplo de”, etc., ou que você tem que fazer alguma outra coisa que

multiplicação para encontrar o quadrado de um número. Similarmente, segundo ele,

não há uma descrição a qual todas as coisas chamadas de “boas essas ou aquelas”

responda; mas disso não segue também que “bom” é uma expressão muito ambígua ou

que chamar uma coisa de boa é algo diferente de descrevê-la.

Geach mostra que sabe qual seria a objeção dos “moralistas de Oxford”: pode-

se saber o significado de “bom higrômetro” sem o conhecimento do que sejam

higrômetros; e, neste caso, “bom” teria força de recomendação sem ter força descritiva.

Para fazer oposição ao aspecto “não-natural” de “bom”, Geach diz que se não se sabe

o que são higrômetros, então não se sabe o que “bom higrômetro” significa, apenas

sabe-se que o significado de “bom higrômetro” poderá ser encontrado após descobrir o

que são higrômetros; da mesma forma que se pode encontrar o “quadrado do número

de pessoas em Sark26” depois de descobrir o número de pessoas que habitam Sark.

Com esta comparação, Geach tenta mostrar que as características descritivas de “bom”

são tão previsíveis quanto as características descritivas de “quadrado de”; portanto, a

argumentação dos “moralistas de Oxford”, de que bom tem um significado especial

diferente do descritivo, não seria suficiente.

Hare menciona já ter fornecido uma boa resposta para esse tipo de argumento

no livro A linguagem da Moral, onde ele afirma que existe uma certa classe de palavras

chamada de “palavras funcionais”. A palavra é uma palavra funcional se, em regra para

explicar seu significado completo, nós temos que dizer para que serve o objeto a que se

refere, ou o que se supõe que ele faça. Então, Hare dá exemplos de palavras

funcionais: ”verruma”, “faca” e “higrômetro”. As definições de todas estas palavras

incluem uma referência a funções dos objetos assim chamados. Nesses casos, se

sabemos o significados de ‘bom’, e também o de ‘higrômetro’, estamos aptos a saber

qual a característica um higrômetro tem que ter, para em regra ser chamado de um

bom higrômetro (Hare complementa ao dizer que sabemos muito bem uma das

26 Sark é uma das ilhas Normandas no Canal da Mancha

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características das quais confeririam o direito de chamar um higrômetro de mau, a

saber, habitualmente registrando como medida de umidade de um gás uma medida

diferente da umidade atualmente possuída pelo gás). Acrescenta ainda que, onde ‘bom’

antecede uma palavra funcional, muito do que Geach diz está correto. Mas Hare aponta

que Geach passa de forma não crítica, no entanto, desta verdade sobre palavras

funcionais para a afirmação muito mais abrangente (o que é injustificado) de que o

mesmo pode ser dito de todos os usos de ‘bom’.

O que realmente acontece, segundo Hare, é que ‘Bom’ geralmente precede

palavras que não são funcionais. Em tais casos, em regra para saber quais

características as coisas em questão teriam que ter para serem chamadas de boas, não

é suficiente saber o significado das palavras. Nós temos também que saber qual o

padrão é adotado para julgar a bondade deste tipo de coisa; e este padrão não é, de

certa forma, (como nos casos das palavras funcionais), revelado pelo significado da

palavra que segue de “bom”. Hare ainda usa outro exemplo para clarificar: nós

podemos saber, não apenas o significado de ‘bom’, mas também o significado de ‘pôr-

do-sol’ (e assim saber o significado do conjunto ‘bom pôr-do-sol’), sem através disso ter

determinado para nós a característica que um pôr-do-sol deve ter em regra para ser

chamado de bom. Há, realmente, um geral acordo entre aqueles que são interessados

em olhar o pôr-do-sol, que um pôr-do-sol tem que ser como o que o faz ser chamado de

bom pôr-do-sol (tem que ser brilhante mas não ofuscante, e revestir amplamente a área

do céu com cores variadas e intensas, etc.); mas este padrão não está colado ao

significado de “pôr-do-sol”, muito menos ao significado de “bom”.

Hare enfatiza que esta diferença entre o comportamento de “bom” quando

precede uma palavra funcional, e seu comportamento quando precede uma palavra

não-funcional, não é devido a algumas diferenças no significado de “bom” por si só.

Pode-se dizer, do mesmo modo, que ele significa em ambos os casos “ter a

característica qualitativa (independente de qual seja) que é sugerida para o tipo de

objeto em questão”. A diferença entre os dois casos estaria no que a palavra funcional

faz: ela nos dá uma pista de como estas qualidades são, o que a palavra não-funcional

não faz. Isso ocorre porque, na classificação de uma coisa como um higrômetro, por

exemplo, temos já determinado qual avaliação dele deve ser de acordo com um certo

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padrão, enquanto na classificação de algo de forma diferente como um pôr-do-sol nós

não temos.

Nosso autor diz que a palavra “higrômetro” (por ser funcional) não é,

diferentemente da palavra “bom pôr-do-sol”, puramente descritiva. Para saber o

significado de ‘higrômetro’, nós não apenas temos que saber quais propriedades

observáveis uma coisa deve ter para ser chamada de um higrômetro; nós temos

também que saber algo sobre o que justificaria a nós sugerir ou condenar algo como

um higrômetro. Nada disso é verdade para ‘pôr-do-sol’; para saber o significado de ‘pôr-

do-sol’ temos meramente que saber que podemos dar este nome para o que vemos no

céu ocidental quando o visível sol abaixa-se no horizonte. Hare aponta como obvia para

a intenção de Geach de que o que ele diz sobre ‘bom’ em geral deve ser aplicado ao

uso moral da palavra, mas as palavras que sucedem ‘bom’ no contexto moral quase

nunca são palavras funcionais. Para o autor, a simples ocorrência de uma palavra

funcional depois de ‘bom’ é normalmente uma indicação de que o contexto não é um

contexto moral. Mas reconhece que há alguma possibilidade de exceção para esta

regra; por exemplo, a expressão “bom exemplo” ocorre nos contextos morais, e

“exemplo” em tais contextos é possivelmente uma palavra funcional, significando “coisa

para imitar”.

Apesar de existirem exceções, Hare diz que não precisa, para o propósito deste

argumento, manter que o contexto moral de ‘bom’ nunca é usado com palavras

funcionais, mas apenas que é algumas vezes usado com palavras não funcionais. Pois

assim fica mostrado que, nem todo ‘bom’ ele mesmo, nem em toda expressão na qual

ele ocorre, é puramente descritivo. Assim, Hare conclui dizendo que, se há um

significado comum de ‘bom’ que se tem em todos os casos, a explicação de Geach

sobre esse significado comum é inadequada. A partir de então, Hare continua a dar

mais exemplos para reforçar esse argumento e finaliza seu artigo sem comentar os

demais argumentos de Geach.

Apesar da resposta de Hare ter sido completa, um outro tipo de resposta

poderia te sido dada sobre esse argumento específico: Geach não levou em

consideração que “quadrado de” não exige nenhuma ação a partir do significado, e

essa é a grande diferença das palavras morais, por isso, esse tipo de argumento não

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pode ser aplicado aos juízos morais. Para Hare, dizer que algo é “bom” é um convite

para a ação condizente:

A razão pela qual as ações, de uma maneira peculiar, são reveladoras de princípios morais é que a função dos princípios morais é orientar a conduta. A linguagem da moral é uma espécie de linguagem prescritiva. E é isso que faz da ética algo que vale a pena estudar pois a pergunta ‘ o que devo fazer?’ é uma a que não podemos nos esquivar por muito tempo; os problemas da conduta, embora às vezes menos divertidos que palavras cruzadas, têm de ser resolvidos de forma diferente das palavras cruzadas (HARE, 1996, p. 2).

Por fim, Geach apresenta seu argumento mais forte, relacionado à questão da

akrasia: suponhamos que encontramos um significado descritivo claro para “bom ato

humano” e para “mau ato humano”, e temos mostrado que o adultério responde à

descrição de “mau ato humano”. Então ele faz os seguintes questionamentos: por que

estas considerações deveriam dissuadir um intencionado adúltero? Por que um passo

lógico nos faria passar da sentença descritiva “adultério é um mau ato humano” para o

imperativo “você não deve cometer adultério”? É inútil dizer “É sua responsabilidade

fazer o que é bom e evitar fazer o mau”, ou então “É sua responsabilidade” é uma força

imperativa não transportada pelos temos “bom” e “mau”? Esse argumento é bastante

convincente, mas Hare poderia objetá-lo dizendo que a pessoa adúltera assim é porque

não considera sinceramente o adultério errado. Para Hare, a pessoa age de forma

errada porque ela não conhece todos os argumentos que poderiam levá-la a agir de

forma correta. Ou então, ela pode até conhecer os argumentos morais contra o

adultério e até entender que ele não pode ser universalizado, mas ela continua achando

certo agir imoralmente. Assim, quando ela diz “adultério é um mau ato humano”, mas

não age de acordo com a afirmação, então, essa pessoa apenas diz isso de forma

convencional, “entre aspas”:

Observamos que é possível que pessoas que adquiram padrões muito estáveis de valores passem a tratar os juízos de valor mais e mais como puramente descritivos e a deixar que sua força avaliatória torne-se mais fraca. O limite desse processo é atingido quando, tal como o descrevemos, o

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juízo de valor ‘adquire aspas’ e o padrão torna-se completamente ‘ossificado’. Portanto, é possível dizer ‘Você devia ir visitar os fulanos’ sem pretender com isso absolutamente nenhum juízo de valor, mas simplesmente o juízo descritivo de que tal ação é necessária para a conformidade a um padrão que as pessoas em geral, ou uma determinada classe de pessoas não especificada, mas subentendida, aceitam. E, seguramente, se é essa a forma em que uma sentença de ‘dever’ está sendo empregada, ela não implica um imperativo; podemos certamente dizer sem contradição ‘Você devia ir visitar os fulanos, mas não vá’. Não desejo alegar que todas as sentenças de ‘dever’ implicam imperativos, mas apenas que o fazem quando estão sendo usadas avaliatoriamente (HARE, 1996, p. 176).

Mas isso não está de acordo com o que Geach pensa, pois ele defende que

devemos observar que a questão “por que eu deveria?” ou “por que eu não deveria?” é

uma questão racional que tem como resposta relevante somente um simples apelo

sobre o que o questionador quer. Não concordamos com isso, evidentemente.

Apesar dessa posição apenas nos explicitar que Gech não concorda com a

definição conceitual de Hare, (de que se uma pessoa não age de acordo com

determinado princípio, significa que ela não acredita que ele seja verdadeiro), esse tipo

de argumento nos leva a uma reflexão, que posteriormente será retomado na sessão

sobre universalidade: se todo homem tem que escolher, e se suas escolhas e suas

ações são divergentes, então, como garantir a universalidade dos atos morais?

Em um outro artigo chamado de Geach on murder and sodomy, Hare preocupa-

se em se defender dos ataques de Geach. Então, afirma que sabe o que está sendo

defendido quando diz que conclusões avaliativas sintéticas não podem ser validamente

derivadas somente de premissas não avaliativas; e ele supõe que essa é a tese que

Geach ataca.

Na verdade, Geach ataca justamente o contrário: que conclusões avaliativas

possam ser derivadas de premissas não avaliativas. Os dois estão defendendo a

mesma coisa, porém, o modo como dizem parece ser contraditório.

Hare diz que frases imperativas não podem ser deduzidas de frases não

avaliativas, então usa isso para mostrar que juízos morais são normalmente avaliativos,

uma vez que deles, decorre uma ação. Por exemplo, de uma frase afirmativa: “matar é

errado”, decorre o imperativo: “não mate!”. Mas isso ocorre somente pelo fato da

afirmação “matar é errado” ser um juízo moral. Com isso, ele generaliza e conclui que

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juízos morais são prescritivos. Mas, como Geach não aceita que juízos morais possuem

a característica especial de serem prescritivos, (pois, designa as características dos

juízos morais de características descritivas atributivas simplesmente, no modo como ele

designa atributivo, conforme já explicado anteriormente), ele interpreta que Hare está

descumprindo a lei de Hume, pois estaria ele deduzindo imperativos de juízos morais.

Além disso, Geach deseja mostrar que supostos juízos, quando derivados de

premissas fatuais, não são na verdade juízos, ou seja, quando se tenta derivar juízos

morais de premissas fatuais, o resultado é vazio. Para tanto, mostra dois exemplos de

decorrências, em que suas conclusões são o mesmo juízo de valor: “(8) If anybody who

commits an act of sodomy ought to be hanged, then anybody who commits murder by

poison ought to be hanged” (GEACH, 1976, p. 347).27 Porém, em um dos exemplos,

existe uma premissa claramente moral e no outro não há. Observe o primeiro exemplo:

(1) If anyone who commits a less grave offence ought to be hanged, then anyone who commits a graver offence ought to be hanged.(2) Murder by poison is a graver offence than an acto of sodomy.(3) Anybody who commits an act of sodomy ought to be hanged.Ergo(4) Anybody who commits murder by poison ought to be hanged. (GEACH, 1976, p. 346)28

Observemos agora, seu segundo exemplo:

(5) Anybody who commits murder by poison commits an act of sodomy.(6) Anybody who commits an act of sodomy ought to be hanged.Ergo(7) Anybody who commits murder by poison ought to be hanged (GEACH, 1976, p. 347).29

27 Tradução: (8) Se alguém que comete um ato de homossexualismo deve ser enforcado, então alguém que comete assassinato por envenenamento deve ser enforcado.28 Tradução: (1) Se alguém que comete uma ofensa menos grave deve ser enforcado, então alguém que comete uma ofensa mais grave deve ser enforcado.(2) Assassinato por envenenamento é uma ofensa mais grave que o ato do homossexualismo.(3) Alguém que comete um ato de homossexualismo deve ser enforcado.Então(4) Alguém que comete assassinato por envenenamento deve ser enforcado

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Ele quer concluir que, apesar de ser possível fazer uma construção em que

juízos morais decorrem de premissas não-morais, isso seria apenas um artifício, e que,

por isso, não se pode concluir que premissas morais decorrem de premissas não-

morais. Mas, Hare, ao observar a oposição de Geach a ele, interpreta que Geach usa

os dois exemplos para contradizer sua fala: que conclusões avaliativas podem ser

deduzidas de premissas não avaliativas.

Deixando de lado esse mal entendido entre ambos, passamos para outra

questão. Hare não concorda com a afirmação de Geach de que as propriedades lógicas

dos juízos avaliativos são exatamente as mesmas para as sentenças não avaliativas.

Se assim o fosse, seria necessário defender que as propriedades lógicas fossem

mantidas também para os imperativos de forma idêntica. Assim, para mostrar que as

propriedades lógicas não podem ser mantidas para imperativos, ele utiliza-se do

seguinte exemplo: “Você está comprando de mim cinco livros” acarreta a frase “Você

está comprando de mim qualquer quantidade menor que cinco livros”, ou seja, se você

está comprando cinco livros, então, logicamente, está comprando quatro livros. Mas,

não acarreta o imperativo “compre de mim uma quantidade menor que cinco livros”.

I have used imperative-entailment as one of the defining characteristics of evaluative judgment or value-judgments. A value-judgment is a universal or universalizable prescriptive judgment, and prescritptive judgment are by definition imperative-entailing. If that is how ‘evaluative’ is used, the it is impossible to maintain that evaluativity makes no difference to the logical properties of a sentence unless one holds that imperativity also makes no difference (HARE, 1977, p.468).30

29 Tradução: (5) Alguém que comete assassinato por envenenamento comete um ato de homossexualismo.(6) Alguém que comete um ato de homossexualismo deve ser enforcado.Então(7) Alguém que comete assassinato por envenenamento deve ser enforcado.30 Tradução: Eu tenho usado acarretamentos imperativos como uma das características definidoras de juízos avaliativos ou juízos de valor. Um juízo de valor é um juízo prescritivo universal ou universalizável. Se assim é como “avaliativo” é usado, então é impossível defender que avaliação não faça diferença para as propriedades lógicas das sentenças a menos que se mantenha que a imperatividade também não faz diferença.

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Observemos o trecho em que Geach defende exatamente o oposto de Hare,

sobre o qual Hare se refere:

I therefore reject the rule forbidding the inference of moral conclusions from nom-moral premises; it is logically unsound. This ought not to surprise anyone: the difference between the factual and the evaluative, or the moral and the non-moral, never did look like the sort of difference of which logic ought to take account, any more than there is a special logic of rudeness or obscenity. And the result is merely negative: I am not myself offering a deduction of something morally interesting from a true premise that is merely factual. I am only claiming to have shown that there is no logical foundation for the common philosophical view, that in principle no such deduction can be valid (GEACH, 1976, p. 347).31

Entre Geach e Hare é criado um impasse em que, além da dificuldade de

compreensão que um tem do outro por causa do paradigma que cada um segue, existe

a discordância em questões fundamentais, como essa defendida por Hare, de que é

necessário uma lógica especial para entender o significado dos juízos morais. Hare

julga que Geach, com seus exemplos, buscou efeitos para a tese da moral autônoma,

mas que seu argumento não é bem estruturado e não possui nenhuma relevância:

Consider now the even more jejune example:All Greeks are human beings;Then, if one ought never to eat human beings, one ought never to eat Greeks.This differs from the poisoner/sodomite example in that its premiss is true, whereas the statement that all poisoners are sodomites is almost certainly false. That is why, while the Greeks/humans inference looks innoucuous to a moral autonomist, the other inference can be used by Geach to what he thinks is good effect in his argument (HARE, 1977, p.471).32

31 Tradução: Eu então rejeito a regra proibindo a inferência de conclusões morais de premissas não morais; isso é logicamente enfermo. Isso não deve surpreender ninguém: a diferença entre o factual e o avaliativo, ou o moral e o não-moral, nunca apareceu como tipo de diferença da qual a lógica deve considerar, algo mais que há uma lógica especial de grosseria ou obscenidade. E o resultado é meramente negativo: eu não estou oferecendo uma dedução de algo moralmente interessante de uma premissa verdadeira que é meramente factual. Eu estou apenas afirmando ter mostrado que não há nenhuma fundamentação lógica para o ponto de vista filosófico comum, que em princípio nenhuma semelhante dedução pode ser válida.32 Tradução: Considere agora o exemplo paralelo mais sem graça:

Todos os Gregos são seres humanos;Portanto, se nunca alguém deve comer seres humanos, nunca alguém deve comer Gregos.Este difere do exemplo do envenenador/homossexual por esta premissa é verdadeira, enquanto

que a afirmação de que todos os envenenadores são homossexuais é provavelmente falsa. Acontece

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Por tudo isso, Hare diz preferir dar mais crédito às objeções de Sen: “I have

indeed been persuaded, not by Geach but by Professor Amartya Sen, that my own

thesis of universalizability commits me to allowing valid inferences from non-evaluative

premisses to logically complex evaluative conclusion” (HARE, 1977, p.469).33 Na sessão

seguinte, veremos detalhadamente a argumentação de Sen.

Independentemente disso, é importante destacar que a principal discordância

entre Hare e Geach ocorre em relação ao fator prescritivo dos juízos morais. Para

Geach, que é um descritivista, esse fator não existe.

Então, suponhamos que Geach esteja certo, e façamos o teste. Assim, temos

que considerar que a palavra “bom” tem sentido meramente descritivo e pode ser

substituído pelas características A, B e C. Com isso, é ensinado a uma pessoa, que se

uma broca tiver as características A, B e C, ela deve ser chamado de “boa broca”. Essa

pessoa é capaz de identificar qual broca é boa, mas se alguém pedir que ela escolha

uma broca para ser usada, ela não saberá qual deve ser escolhida.

Esse é exatamente o sentido prescritivo das palavras de valor, e

conseqüentemente dos juízos morais, que Hare identifica e destaca, e que, por outro

lado, os descritivistas não conseguiram perceber. A prescrição está intimamente ligada

às aprovações, às recomendações, e enfim, às orientações das escolhas.

4.2.4 Questionamento de Sen: Hare seria um descritivista?

Sen interpretou que a relação entre prescritivo e descritivo na teoria de Hare

seria a de bi-implicação34, e que por isso, Hare que tanto criticava os naturalistas éticos

não passava de um deles. Vejamos como Sen desenvolveu seu raciocínio no artigo

Hume´s Law and Hare´s Rule.

que, enquanto a inferência dos Gregos/humanos parece inofensiva para a moral autônoma, a outra inferência pode ser usada por Geach para o que ele pensa ser um bom efeito em seu argumento.33 Eu tenho realmente sido persuadido, não por Geach mas pelo professor Amartya Sen, que minha própria tese de universalizabilidade compromete-me a permitir inferências válidas de premissas não avaliativas para conclusões avaliativas logicamente complexas.34 Bi-implicação é a relação lógica que indica acarretamento mútuo. Nesse caso, o sentido prescritivo implica o descritivo, assim como o sentido descritivo implica o prescritivo.

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Primeiramente, ele afirma que a concordância de Hare à “Lei de Hume” entra

em conflito com o seu próprio “Prescritivismo Universal”. Ou, para expressar

diferentemente, se os juízos de valor são realmente universalizáveis, então há pelo

menos um juízo de valor que se segue de premissas exclusivamente fatuais.

Sen diz que, para manter o argumento simples, escolhe um caso de juízo de

valor não moral discutido por Hare, em que o modelo de universalizabilidade é claro.

Assim, ele denomina uma descrição chamada de C: “Este automóvel é exatamente

como o outro”; outra chamada de V: “O outro automóvel é tão bom quanto o primeiro”; e

a afirmação de Hare, de que não se pode dizer que o primeiro é bom, mas o outro, que

corresponde em tudo ao primeiro, não é bom. Acrescenta ainda ao exemplo, duas

construções: V*: “Este é um bom motor” e V**: “o próximo motor não é bom”. Assim,

Sen mostra que não se pode dizer: V*, C e ~V, de acordo com o próprio Hare. E que

não podemos admitir C e ~V, porque de acordo com o modelo de Hare, bom é

superveniente às outras características.

Então, o autor passa para a lógica proposicional, e conclui que ~ (C ۸ ~V), é o

mesmo que dizer ‘C →V’. Porém, isso significaria que há um juízo de valor que pode

ser derivado de uma premissa exclusivamente fatual.

Comenta que Hare aceita que valores não podem ser independentes dos

fatores descritivos, embora não admitisse uma relação entre fatores descritivos e suas

“bondades”, bem como criticava o naturalismo por representar juízos de valor

“analiticamente para um conteúdo exato”. Assim, Sen diz que pela universalizabilidade

Hare seria obrigado a aceitar que se dois objetos tem os mesmos fatores descritivos,

então eles não poderiam diferir na capacidade de ser bom. E isso viola a lei de Hume,

ao dizer que um juízo de valor não trivial decorre de uma afirmação fatual.

A partir de Hare, Sen define o que vem a ser um naturalista “... we can define a

naturalist as one who claims that the inferece from a factual statemente to a value

judgment is ‘due solely to the meaning of the words in it’” (SEN, 1966, p. 77)35. Desta

maneira, Sen classifica Hare como um naturalista existencial, em que a violação da “Lei

de Hume” se segue do jeito pelo qual a palavra bom funciona.

35 Tradução: nós podemos definir um naturalista como alguém que afirma que a inferência dos enunciados fatuais para um juízo de valor é ‘devido somente ao significado das palavras’.

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Sen procura precisar mais seu argumento, ao considerar os seguintes

conjuntos: S, T e U. O conjunto S é o conjunto de números que correspondem a

objetos, o conjunto T é o conjunto dos fatores descritivos; e o conjunto U é o conjunto

de números que correspondem a graus de bondade (quanto maior o número, maior o

grau de bondade). Em termos de enunciados de dever, significa que se alguém tem que

escolher entre dois objetos diferentes, sem poder ter os dois, então esse alguém deve

escolher o objeto com o número correspondente mais alto em U.

O naturalista universal acredita que exista somente um resultado da função de

T em U. Segundo Sen, Hare não defende isso, então, não defende o naturalismo

universal, o que Hare defende é que cada pessoa pode realizar uma transformação

diferente de T em U, e assim a fazendo, deve-se manter coerente a ela, ou seja, para

cada pessoa, existe somente uma transformação de T em U. Isso significa que se nós

temos dois objetos, isto é, dois elementos do conjunto S, que correspondem ao mesmo

elemento de T, então eles devem corresponder ao mesmo elemento em U, isto é, ser

“igualmente bons”, mas particularmente, e não universalmente. Esta é a violação da Lei

de Hume e que faz, segundo Sen, que Hare seja um naturalista existencial.

Disso decorre que dois objetos de S com as mesmas características em T,

deveriam ser considerados os mesmos (no que se refere à relevância para a escolha).

Mas temos que dois elementos em S, que correspondem ao mesmo T, podem

corresponder a diferentes U (o que significaria a quebra da “Lei de Hume” para Sen), ou

então, se dois objetos de S não podem ser considerados o mesmo, o princípio de Hare

da universalizabilidade é vazio de conteúdo.

Sen conclui seu argumento da seguinte forma: “It does not worry me unduly to

think that Hare’s universal prescriptivism implies an ‘existential naturalist’ position, but it

worries me to think that this implication is denied” (SEN, 1966, p. 79)36.

Sen utiliza-se desse argumento para focar na questão sobre Hare ser um

naturalista. Na sessão seguinte, mostraremos a defesa de Hare; e na sessão

subseqüente à próxima, mostraremos como a defesa de Hare deveria ter sido feita.

36 Tradução: Não é um tormento excessivo para mim pensar que o prescritivismo universal de Hare implica numa posição do ‘naturalismo existencial’, mas é um tormento para mim pensar que esta implicação é negada.

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Um outro pesquisador ainda mais contemporâneo, Marco Antônio de Oliveira

Azevedo, utiliza-se desse último argumento de Sen para focar na questão sobre Hare

ser um existencialista: “O que torna a posição de Hare uma posição ‘existencialista’ é

que não há nada (‘fora’ de cada um de nós, se quisermos) que exija a cada um de nós

realizar a ‘mesma’ transformação” (AZEVEDO, 2009, p. 251). Com isso, ele conclui

que, de acordo com a leitura de Hare, a moralidade se reduz a “decisões voluntárias” e

“arbitrárias”. E ainda comete uma certa confusão com a universalizabilidade:

Os agentes podem, de todo modo, seguir duas vias: uma via coerente, em respeito (acidental) à regra da superveniência, e outra, incoerente. Porém, que sigamos uma mesma moral passa a ser algo completamente sem explicação, a não ser que tomemos como explicação satisfatória a tese de que a moralidade comum resulta de uma coincidência absolutamente casual e arbitrária entre nossas vontades (AZEVEDO, 2009, p. 252).

Segundo Hare, é pré-requisito para que o argumento seja ético, que ele seja

coerente. Isso é garantido pela universalizabilidade. Porém, além disso, as escolhas

devem ser universais, logo, não poderão ser arbitrárias. Refutaremos a argumentação

de Azevedo e falaremos com maior precisão sobre a diferença entre

universalizabilidade e universalidade na sessão 4.2.6.

4.2.5 Defesa de Hare especialmente em relação a Sen

No livro Moral Thinking, Hare apresenta uma defesa contra Sen e outros

autores que o acusam de ser descritivista (HARE, 1992, p. 222-228).

Primeiramente, Hare mostra quais foram os possíveis motivos que o fizeram ser

chamado de descritivista. Assim, confirma ser uma verdade conceitual que, se se pode

prescrever algo quando estiver exatamente na mesma posição do outro com suas

preferências, deve-se, no atual momento, estar prescrevendo a mesma coisa com a

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mesma intensidade. Isso parece como se fosse possível uma inferência em graus

conceituais somente dos fatos sobre o que deve ser prescrito quando se estiver na

pessoa da presente “prescrição”. Também confirma que seria impossível para um

prescritivista radical admitir tal inferência.

Em sua primeira parte da defesa, ele defende que isso se modifica, se a opinião

sobre a identidade da pessoa que ele sugere estiver correta, e então o fato alegado

contém um elemento prescritivo. Pela identificação da pessoa na situação hipotética

como “eu mesmo”, eu devo, se esta opinião for aceita, já ser obrigado a prescrever que

as prescrições dele sejam satisfeitas. Então a sugerida opinião sobre a identidade

pessoal teria dois méritos do ponto de vista de Hare: de preservá-lo de alguma forma

de descritivismo e de manter a fundamentação de sua teoria. Essa fundamentação

representa a tese na qual para se estender que eu sei que isso é como para uma certa

pessoa estar prescrevendo ou preferindo algo na situação dele, e me identificar

hipoteticamente com ele, eu devo prescrever que aquelas prescrições devem no caso

hipotético ser satisfeitas. Para tanto, a moralidade exige argüição. Desde que, se eu

tivesse as preferências que ele tem atualmente, eu devo agora prescrever que elas

devam ser satisfeitas, e desde que a moralidade não admita relevância diferente entre

“eu” e “ele”, eu sou obrigado, a menos que eu me torne um amoral, a prescrever que

elas sejam satisfeitas. E o que estabelece a verdade sobre “se eu tivesse as

preferências que atualmente ele tem” é a implícita prescritividade da palavra ‘eu’.

Posteriormente, Hare admite que não tem sido sempre um não descritivista

também. Diz isso referindo-se ao fato de ter sugerido, no livro “Linguagem da moral”, a

regra em que nenhum imperativo pode ser deduzido de indicativos somente, e que isso

talvez exigisse limitações. Inclusive admite ter mostrado essas limitações na relação

chamada imperativos hipotéticos e algum outro imperativo composto, os quais podem

ser deduzidos de indicativos.

I have later allowed (H 1977b:469), in response to examples produced by Professor Sen and others, that other qualifications are needed, in particular that which is demanded by the thesis of universalizability itself, the admission of the inference from ‘A did exactly as B did’ to ‘If B did wrong, then A did wrong’. This latter is an inference to a moral judgement, and inferences of this sort cannot be made to plain imperatives, because they are not universalizable. Nevertheless, if moral judgements are a kind of prescriptions, this inference and

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others like it represent exceptions to the rule that there are no valid inferences from facts to prescriptions (HARE, 1992, p. 223-224)37.

Hare, diz que cometeu um erro, pois não havia contemplado anteriormente a

possibilidade da exceção. A partir de então, ele se questiona de forma mais severa, se

poderia realmente ser considerado um descritivista.

De qualquer forma, o ápice de sua resposta está na seguinte afirmação: “[...]

our preferences can change; and so also can other people’s. We have to remember that

preferences are not fixed but fluid” (HARE, 1992, p. 226)38. E complementa mais

adiante, ao concordar com Hume: “The effect of universalizability is to compel us to find

principes which impartially maximize the satisfaction of these preferences [...]” (HARE,

1992, p. 226)39.

Esses são os elementos básicos para sua defesa, que consideramos mais

importantes, conforme mencionados nas citações imediatamente acima: mudança das

preferências e imparcialidade. Como vimos no capítulo 2, para o descritivismo

(especificamente, para o naturalismo) não há possibilidade de mudanças, pois, os

juízos morais são interpretados como algo natural, de acordo com a convenção

lingüística. Sendo assim, alguém que diz algo contrário à convenção, seria um mero

desconhecedor dela. Esse aspecto leva ao segundo: por verificarem o valor verdade

dos juízos de acordo com as convenções, os naturalistas não conseguem atingir a

imparcialidade, que é também tão importante para Hare. A convenção de uma cultura

pode ser diferente de uma outra, e, se juízos são julgados a partir delas, então eles

também podem ser diferentes.

Mas, Hare não aceita que os juízos morais possam ser particulares ou relativos.

Inclusive, destaca que a importância de se atingir um bem estar universal:37 Tradução: Tenho por fim permitido (H 1977b:469), em resposta aos exemplos produzidos pelo Professor Sen e outros, que outras limitações são necessárias, em particular a que é demandada pela tese da universalizabilidade, a admissão da inferência de ‘A fez exatamente como B fez’, para ‘Se B fez errado, então A fez errado’. Essa segunda é uma inferência para um juízo moral, e inferências desse tipo não podem fazer parte dos imperativos simples, porque eles não são universalizáveis. Todavia, se os juízos morais são um tipo de prescrições, esta inferência e outras como ela representam exceções para a regra de que não há inferências válidas de fatos para prescrições.38 Tradução: nossas preferências podem mudar; e então também pode a das outras pessoas. Nós temos que lembrar que as preferências não são fixas mas fluem.39 Tradução: O efeito da universalizabilidade é nos obrigar a encontrar princípios que imparcialmente maximizem a satisfação dessas preferências.

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This process of reasoning is very similar to what economists cal the trasition from individual welfare (or utility) functions to a social welfare (or utility) function. It is my hope that the argument of this book has shed some light on the means of achieving this transition (HARE, 1992, p. 227)40.

Porém, ao final do capítulo, ao invés de concluir que justamente por esses

motivos ele não poderia ser um descritivista, ele afirma que não tem importância se ele

for chamado de descritivista, apenas não admite que digam que ele comete os mesmos

tipos de erros que os descritivistas.

4.2.6 Universalizabilidade e Universalidade

“... só usamos palavras de valor a seu respeito quando são conhecidas ou

concebíveis ocasiões em que nós, ou outras pessoas, teríamos de escolher entre

espécimes” (HARE, 1996, p. 136). Julgamos, partindo da teoria de Hare, que, nossas

escolhas devem ser coerentes na teoria e na prática, no indivíduo e no mundo. Por

isso, consideramos necessário distinguir dois termos que muitas vezes se confundem:

universalizabilidade e universalidade, apesar de Hare não fazer tal diferenciação.

Observemos, logo de início, o conceito mais detalhado por Hare: a

unviersalizabilidade. A universalizabilidade diz respeito à coerência para um indivíduo,

em um tempo sobre um assunto. Se a universalizabilidade não for respeitada, o

problema que ocorre é a quebra do princípio da não-contradição. Assim, basta a

coerência moral do indivíduo, para que a universalizabilidade seja garantida. E, em um

discurso racional, ela deve ser garantida.

40 Tradução: Este processo de raciocínio é muito similar ao que os economistas chamam a transição da função da bem-estar individual (ou utilidade) para uma função do bem-estar (ou utilidade) social. É minha esperança que o argumento deste livro tenha lançado alguma luz sobre os meios de realizar esta transição.

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Juízos morais são proferimentos prescritivos que possuem a característica de

serem universalizáveis, isto é, após o consentimento ao juízo, deve-se aplicá-lo em

qualquer circunstância em que a situação seja igual, seja ela tão específica quanto for.

Isso garante a igualdade e a imparcialidade dos juízos morais (HARE, 2003, p. 8-9).

Hare, ao conceituar a universalizabilidade, diz que seu fundamento é a superveniência.

Traduzimos esse conceito para o princípio da não-contradição da lógica, pois se a

argumentos descritivos foi dado um valor, quando tivermos os mesmos argumentos

descritivos, um valor diferente não poderá ser dado.

O lugar da lógica na teoria será crucial, pois sem ela não pode haver raciocínio. Em segundo lugar, deve mostrar como podemos fazer enunciados morais por causa das propriedades não morais das ações, etc. sobre as quais estamos falando. Em outras palavras, deve fazer justiça à consequëncialidade ou à superveniência das propriedades morais, que está ligada à universalizabilidade dos enunciados morais (HARE, 2003, p. 176).

Com isso, é trazido um caráter de objetividade para Hare, pois a

universalizabilidade garante a logicidade do discurso.

A Universalizabilidade ajuda os indivíduos a chegarem a uma melhor solução,

pois ela garante que o valor seja o mesmo independente de sua posição, seja como

agente, seja como paciente da ação. Por exemplo, se aprendi que não devo comer

carne, foi porque deixei meu “especismo” de lado e me coloquei no lugar do porco, que

sente dor, grita em sua morte, e se apavora ao ver seus iguais indo para o abate.

Assim, sobre o conteúdo descritivo do juízo moral, sempre que existir a circunstância

em que uma das partes possa ser chamada de “vítima”, a minha atitude (o conteúdo

prescritivo do juízo moral) será a de defender a “vítima”. Isso garante, em meu

comportamento, que, sempre que eu estiver em uma posição de possibilidade de ser

opressora, eu repense minha atitude e mude minha ação.

Essa característica garante que indivíduos sejam melhores em seus

julgamentos particulares, pois seus julgamentos devem ser sempre os mesmos em

qualquer circunstância. Pela universalizabilidade, não podemos desconsiderar o

contexto, ou seja, o indivíduo, o tempo e o assunto. Muitas vezes, pessoas diferentes

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tem acesso a argumentos diferentes. Por isso, a universalizabilidade não garante que

todos os indivíduos tenham a mesma ação.

Passemos ao outro conceito: a universalidade. Como já foi dito, Hare não

distingue explicitamente universalizabilidade de universalidade, mas julgamos essencial

fazer essa distinção. A universalidade diz respeito à coerência para todos que aceitam

a universalizabilidade como pressuposto. Se a universalidade não for alcançada, o

problema que ocorre é o relativismo prático. Assim, para que ela deixe de ser um ideal,

é necessário o consenso de todos que se propõe ao discurso ético. O correto objetivo

existe, porém, é necessário o exercício do que Hare chama de “pensamento crítico”41.

De qualquer forma, Hare aponta para um caminho de como atingí-lo teoricamente, na

tentativa de alcançar a universalidade:

A tarefa do pensamento crítico é examinar os vários padrões, ou condições de aplicação, ou critérios, ou condições de verdade, ou princípios que encontramos em determinada cultura e ver se podem ser defendidos. No pensamento crítico não pode haver apelo a intuições nem a significados descritivos. Eles são o que está sendo examinado. Confiar neles sempre nos levará ao relativismo. É por isso, finalmente, que temos de rejeitar todas as formas de descritivismo. O procedimento que nos habilita a examiná-los objetivamente, sem ficarmos aprisionados em nossa própria cultura, é o procedimento kantiano, a introdução da prescritividade e, em particular, da prescritividade universal. Esse requisito ‘formal’, comum a todas as culturas que fazem perguntas morais, é o que nos restringe objetivamente. É quando perguntamos ‘posso prescrever, ou querer, que essa máxima deva se tornar uma lei universal?’ que estamos em terra firme em nosso pensamento moral (HARE, 2003, p. 191).

Assim, o “pensamento crítico” nos permite pensar uma ética universal. E Hare

chega até a esse ponto. Mas, pela sua própria teoria, aprendemos que o pensamento

moral não pode estar desvinculado da ação moral. Assim, o pensamento ético universal

exige uma prática ética universal. A partir de então, defendemos que a única via, na

busca da ética universal, que une pensamento e prática, seja política. A política

enquanto forma de discussão que tem o objetivo de orientar uma conduta única por

todos. E nesse sentido, não se pode excluir a função persuasiva da ética.

Entretanto, Hare não concordaria com isso:41 Esse apecto da teoria de Hare prova que ele não é um autor existencialista, como Sen e Azevedo haviam sugerido.

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Se é um engano tentar explicar o significado de “imperativos” em termos de seu efeito perlocutório, é obviamente um engano ainda maior fazer isso com enunciados morais. É ainda mais absurdo dizer que a função essencial dos enunciados morais – o que lhes dá seu significado – é “fazer com que” as pessoas façam coisas do que dizer o mesmo a respeito de imperativos. Os opositores do emotivismo com freqüência apontam isso. Se alguém acaba de ser convocado para o Exército e, tendo tendências pacifistas, me pergunta se deve obedecer à convocação e alistar-se, e eu lhe digo “Sim, deve”, posso não estar “tentando fazer com que” se aliste no Exército. Ele poderia achar uma impertinência, ou pelo menos uma interferência não autorizada numa decisão pessoal, fazer uma coisa tal como tentar fazer com que se aliste no Exército. Ele pediu que o aconselhasse, não que o persuadisse ou induzisse (HARE, 2003, 158).

Sobre esse aspecto, fazemos uma crítica ao nosso autor. Se excluirmos o

caráter prático da persuasão, como a ética cumprirá seu objetivo de orientar condutas?

Se sabemos que algo é certo, é bem verdade que não podemos usar a força física na

tentativa de que outros tenham ações corretas também, mas temos que comunicá-lo,

para que, pelo menos, seja usada a força das palavras.

Uma teoria ética adequada tem de fazer com que seja possível que o discurso moral e o pensamento moral em geral cumpram o propósito que têm na sociedade. Isso é habilitar aqueles na sociedade que discordam a respeito do que deveriam fazer, especialmente em questões que afetam seus interesses divergentes, a alcançar o acordo por meio de uma discussão racional. Chamarei esse requisito, o de que a moralidade e a linguagem moral deveriam ser habilitadas por nossa teoria ética a preservar sua função de reconciliar interesses conflitantes, de requisito da “conciliação” (HARE, 2003, p. 168).

Se admitíssemos o argumento de Hare, apontado anteriormente, e

disséssemos que proferimos juízos morais sem querer mudar a conduta dos que agem

em desacordo com eles, estaríamos a descumprir o requisito da “conciliação”

enunciado pelo próprio autor.

A partir de então, faz-se necessário indicar outro paradigma de filosofia da

linguagem para influenciar a ética. A “ética da discussão” foi elaborada por Jürgen

Habermas juntamente com Karl-Otto Apel, como um modelo dialógico em

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contraposição ao modelo monológico, em que as máximas são aceitáveis como leis

universais “do meu ponto de vista” – e foi influenciada pela teoria de Hare. “A transição

da reflexão monológica para o diálogo explica uma característica de procedimento da

universalização que permaneceu implícita até o surgimento de uma nova forma de

consciência histórica, na virada do século XVIII para o XIX” (HABERMAS, p. 8-9, 2004).

O autor diz que, mesmo existindo uma pluralidade cultural e histórica, pode-se atingir

uma unidade epistêmica.

O discurso prático pode, assim, ser compreendido como uma nova forma específica de aplicação do Imperativo Categórico. Aqueles que participam de um tal discurso não podem chegar a um acordo que atenda aos interesses de todos, a menos que todos façam o exercício de “adotar os pontos de vista uns dos outros”, exercício que leva ao que Piaget chama de uma progressiva “descentralização” da compreensão egocêntrica e etnocêntrica que cada qual tem de si mesmo e do mundo (HABERMAS, p. 10, 2004).

Vale também destacar que Habermas utiliza-se de suas concepções sobre a

verdade para fundamentar sua teoria sobre a “ética da discussão”, e mostrar sua

relação intrínseca com a justificação.

A relação intrínseca entre verdade e justificação é revelada pela função pragmática de conhecimento que oscila entre as práticas cotidianas e o discurso. Os discursos são como máquinas de lavar: filtram aquilo que é racionalmente aceitável para todos. Separam as crenças questionáveis e desqualificadas daquelas que, por um certo tempo, recebem licença para voltarem ao status de conhecimento não-problemático (HABERMAS, p. 63, 2004).

Ou seja, a verdade é comunicável. E, para finalizar, cito um autor moderno que

já havia elaborado um discurso sobre esse aspecto da verdade e do bem: “[...] o

homem é levado a procurar os meios que o conduzem a essa perfeição; e assim a tudo

o que pode ser meio para alcançá-la se chama “bem verdadeiro”; e o “sumo bem” é

gozar, se possível com outros indivíduos, dessa natureza superior” (ESPINOSA, 2004,

p. 10). Esse é o único ponto conflitante em Hare: apesar do autor não concordar, pode-

se deduzir o seguinte de sua teoria: o que queremos dizer é que se a verdade sobre a

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moral pode ser determinada para melhor conduzir a conduta do “eu”, então ela deve ser

comunicada, a fim de conseguir-se a prática dessa moral, de forma universal, não

somente por esse “eu”, mas por todos.

4.3 CONSEQUÊNCIAS PROJETADAS DE SUA TEORIA

Em uma análise superficial sobre a prática moral, podemos supor que existe

uma gradação das atitudes, de forma que, ao infringi-las ou ao deixar de agir de acordo

com elas, comete-se erros menos ou mais graves. Especificamos a seguinte gradação:

atitudes ilegais e amorais, atitudes legais e amorais, atitudes ilegais e morais, e atitudes

legais e morais.

Como exemplo de atitudes ilegais e amorais, temos: matar, roubar, estuprar,

seqüestrar, etc. São atitudes que são previstas e proibidas pela lei e que são

claramente erradas moralmente. Apesar disso, existem ocorrências recorrentes, com

graves prejuízos para quem sofre com essas ações. Assim, ainda que pela minoria,

esse tipo de atitude ainda é prescrita. E só conseguimos entender isso, pelo particular.

Por exemplo: um nordestino chega em São Paulo em busca de emprego. Ele está

acostumado com pessoas gentis e solícitas, pois culturalmente, os nordestinos

geralmente são muito acolhedores. Porém, chega na cidade grande e, além de não

encontrar emprego, depara-se com o desprezo. Longe da família, sem nada a perder,

ele julga como certo matar para roubar, e age dessa forma.

Exemplos de atitudes legais e amorais, são: mentir, trair, ser arrogante, comer

carne, etc. São atitudes que não são previstas pela legislação, mas que são

consideradas erradas após reflexão. Para exemplificar atitudes ilegais e morais, temos:

o direito à eutanásia e ao aborto. São consideradas as questões mais polêmicas e de

estudo mais relevante para a ética prática. É exigido maior detalhamento dos fatos. E

atitudes legais e morais, temos: não comer carne, ajudar o próximo, etc. Apesar de

suas proibições não estarem previstas nas leis, elas não são obrigatórias. E, também,

essas atitudes não são tão assíduas. Também são de grande relevância para a ética

prática, no intuito de aumentar as atitudes positivas.

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Além desses tipos de gradação, dentro delas, pode haver outro tipo de

gradação assim classificados: ações que causam prejuízo a todos, ações que causam

prejuízo ao outro, ações que causam prejuízo a si mesmo, ações que causam benefício

a si mesmo, ações que causam benefício ao outro, e ações que causam benefício a

todos. Pelo primeiro tipo de gradação, sabemos que matar é amoral e ilegal, assim,

matar é uma ação amoral de gravidade extrema. Porém, de acordo com o segundo tipo

de gradação sugerido, matar a si mesmo é menos grave que matar o outro; e muito pior

é a realização de uma chacina.

As questões polêmicas são as que se apresentam em dificuldade de se definir

quem são os beneficiados e quem são os prejudicados. Por exemplo, no caso de

transfusão de sangue para testemunhas de Jeová: eles consideram que, se receberem

transfusão, terão suas almas perdidas, e que, por isso, preferem morrer. Nesse caso, a

morte por falta de transfusão, seria um prejuízo? Se for considerada um prejuízo, é

prejuízo para quem? A ética não está acabada. Ao contrário, por ser muito complexa,

os estudos devem ser feitos com maior cuidado e intensidade. É como se Hare tivesse

dado um pontapé inicial para que a ética fosse estudada a partir de uma nova

perspectiva, de tal forma, que as melhores soluções resultem na maximização das

melhores atitudes para a maioria das pessoas.

Em um sentido utópico, deduzimos que o ideal seria que não existissem leis, e

que todas as pessoas se preocupassem com a moral e agissem em conformidade com

um “certo universal”. Mas, em um sentido prático, deduzimos que o ideal seria que tudo

que fosse moral, também fosse legal; da mesma forma que, tudo que fosse imoral,

também fosse ilegal. É dessa forma que entendemos que a teoria de Hare se apresenta

como um duplo convite: teórico e prático. Teórico, no sentido da importância explícita

de se conhecer bem os fatos e contrapor argumentos, a fim de um aprofundamento das

questões éticas, na esperança da descoberta do que é correto fazer universalmente.

Prático, no sentido de que, após todas as discussões e chegada de um suposto

consenso, a teoria exige um comportamento condizente.

Por exemplo: quando eu era criança, tinha uma intuição de que nós não

devíamos matar qualquer animal para nos alimentar. Mas, imersa em uma cultura

carnívora, me ensinaram a comer carne vermelha. Ao freqüentar aulas de ética prática,

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esta questão é retomada racionalmente, e vários aspectos são discutidos, como:

necessidade de igual consideração entre homens e animais42; a questão ambiental do

aquecimento global provocado pelo excesso de liberação de gás metano nos rebanhos

suínos e bovinos; novas alternativas oferecidas pela sociedade industrial das proteínas

(de origem não animal) para a alimentação e nutrição humana; a questão social de que

a quantidade de grãos produzida para alimentar rebanhos é suficiente para acabar com

a fome do mundo, entre outros. Em fim, após o conhecimento dos fatos, conclui que

comer carne vermelha é errado e, conseqüentemente, parei de comer carne.

Após a investigação e a identificação de que um padrão cultural solidificado

estava errado, somos convidados a mudar nossa conduta. E isso se processa

psicologicamente da seguinte forma: “Eu entendi que é errado? Sim, então devo parar

de comer carne, senão eu não entendi ou estou usando a palavra ‘errado’ entre aspas.”

Além do mais, quando a resposta “sim” ocorre, passa-se a desejar que o padrão

cultural seja modificado e que consequentemente, sejam criadas leis mais

intransigentes com a tortura e com a matança dos animais. Simplificando, temos que,

após a análise dos fatos: se é certo, devo agir conforme; se devo agir conforme, então

é certo.

Passando de uma análise particular para uma mais geral, do nosso ponto de

vista, a partir de Hare, pode-se novamente unir a ética à política, que estava separada

na história da filosofia desde Maquiavel, em que a ética para o príncipe (o Estado) era

diferente da ética das virtudes.

Assim, é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade. [...] E ainda não lhe importe incorrer na fama de ter certos defeitos, defeitos êstes [sic] sem os quais dificilmente poderia salvar o govêrno [sic], pois que, se se considerar bem tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante (Maquiavel, 1995, p.79-80).

42 “O princípio básico da igualdade não requer tratamento igual ou idêntico, mas sim, igual consideração. A igual consideração por seres diferentes pode levar a tratamentos e direitos distintos” (SINGER, 2004, p. 4).

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Podemos acrescentar ainda, a partir de uma leitura de Hare, em que a verdade

e a ação estão intimamente relacionadas, que, se é certo e assim se deve conduzir,

então a legislação deve ser de acordo. É nesse sentido que Hare abre a possibilidade

de uma política ética. Mas isso, é uma especulação para trabalhos futuros.

Por agora, apenas observemos um exemplo político, em que uma nomeação,

que pode ser considerada como um tipo de descrição pode trazer consequências

práticas para o mundo: entrega do prêmio Nobel da Paz à Barack Obama, o presidente

dos Estados Unidos, no dia 09/10/2009.

Segundo o Jornal Nacional, passado na Rede Globo na mesma data da entrega

do prêmio, Obama disse que não esperava ganhar, porque tinha pouco a exibir no

plano dos fatos. Apesar da Casa Branca enfatizar a diplomacia, negociações e

coordenação com os aliados nas principais questões; apesar do presidente mudar a

postura americana frente aos problemas do meio ambiente (mesmo que não aprovada

no Congresso até a presente data); a conjectura que se apresentava na data da

entrega do prêmio era a seguinte: o referido presidente estava com a guerra do Iraque

para encerrar; com a do Afeganistão para ganhar; além das bombas atômicas do Irã e

da Coréia do Norte para eliminar. Portanto, o próprio presidente dos Estados Unidos,

disse que o Nobel é um convite à ação. Esse exemplo pode ser interpretado da

seguinte forma: se Obama é chamado de merecedor do prêmio Nobel da Paz, então,

ele deve fazer por sê-lo. E novamente, sentido descritivo e prescritivo relacionam-se de

tal forma que o descritivo desejado, aos ser refletido e emitido, é capaz de mudar um

conjunto de ações na esperança de um padrão de estado de coisas com maior número

de felicidades.

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5 CONCLUSÃO

Foi mostrado que teorias contemporâneas da ética sofreram forte influência de

teorias linguísticas. Enquanto no segundo capítulo foi apresentada uma crítica às

teorias éticas que sofreram influência do logicismo, de modo geral; no terceiro capítulo

a crítica é dirigida diretamente ao fundamento linguístico das teorias prescritivas e

posteriormente ao emotivismo.

No segundo capítulo foi provado que as teorias éticas formuladas e chamadas

por Hare de descritivistas apresentam o problema lógico da antinomia. Naturalistas

éticos, ao interpretar os valores como fatos, acabam por produzir conclusões

contraditórias – o mesmo valor é certo e errado (dependendo de onde ele é

pronunciado). Conclusões estas que partem do mesmo princípio: “para julgar o valor

verdade dos juízos morais, deve-se observar o uso culturalmente estabelecido”. Os

intuicionistas cometem o mesmo erro lógico, até mesmo entre membros da mesma

cultura, pois, apesar de contestarem o naturalismo ético e de mostrarem que valores

morais não são como os fatos naturais, designa-os como fatores “suis generis” que

podem ser diferentes de indivíduo para indivíduo.

No terceiro capítulo, foi provado o erro da teoria que fundamenta os

prescritivismo: a teoria de Austin. Esse erro foi denominado com o nome de: o paradoxo

da teoria de Austin. Observa-se que esse paradoxo também é do tipo circular e

autorreferente, assim como o paradoxo do mentiroso e o de Dom Quixote. Austin afirma

que sempre que falamos, agimos; logo, nossa linguagem não pode ser analisada de

forma verificacionista – ações não podem ser julgadas como verdadeiras ou falsas.

Mas, se nenhuma fala pode ser dita verdadeira, inclusive sua teoria também não pode.

Isso exclui a racionalidade e a objetividade (prescritiva), deixando-nos com o paradoxo.

Assim, nem as teorias éticas baseadas apenas em descrição, nem a teoria

linguística que fundamentou o prescritivismo podem ser tomadas como modelo. No

quarto capítulo, foi apresentada a teoria de Hare, que uniu a descrição e a prescrição

no significado da linguagem moral. E por não desvinculá-las, sua teoria é tão

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consistente. Com isso, este trabalho teve como especificidade analisar a relação entre

o significado descritivo e o significado prescritivo na teoria moral de Hare.

Apresentamos interpretações de filósofos que viram essa relação de acordo

com a lógica proposicional, e chegaram a estranhas conclusões: que Hare seria um

descritivista existencial. Mostramos que a lógica proposicional não é suficiente para

interpretar a relação entre significado descritivo e prescritivo na teoria de Hare, porque

sua teoria leva em consideração aspectos não abordados na lógica proposicional, como

a circunstância (subdividida em temporalidade, o indivíduo e o assunto), e a

possibilidade de mudança de comportamento e padrões.

Subdividimos a característica descritiva em dois padrões: padrão moral e

padrão prescrito e propomos a construção de um modelo que relaciona valor

prescritivo, valor moral, padrão prescrito e padrão moral, levando em consideração o

contexto. Esse modelo possibilitou a prova de que Hare não pode ser considerado um

descritivista.

Defendemos a diferença entre universalizabilidade e universalidade na teoria de

Hare, e que ambas são necessárias para a construção de um juízo universal. Essa

caracterização nos possibilitou provar que Hare não pode ser considerado um

existencialista.

A Universalidade garante a aplicabilidade lógica dos juízos morais

independente do local. Isso permite a coerência no discurso moral da teoria de Hare,

diferentemente dos prescritivistas radicais (emotivistas). E a prescritividade garante a

coerência mantida entre os dizeres e as ações dos indivíduos. Com isso, Hare construiu

uma teoria que possibilita o discurso moral racional sem ter como pressuposto

necessário o relativismo.

Em nosso trabalho, consideramos que a ética está em seu estágio inicial. A

linguagem da moral não garante a atitude moral, por isso é necessária a análise da

linguagem moral com base na universalizabilidade e na universalidade. Se a ética

passa por um momento de crise, em que muitos filósofos consideram que ela deveria

ser deixada de lado, a partir de Hare, muda-se a perspectiva: o certo moralmente existe

e estudos devem ser feitos em sua busca, para que a ação humana seja realizada de

acordo com ele. Além disso, a vinculação daquilo que é certo com a ação aumenta a

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responsabilidade do agente, pois o obriga a admitir que seus deslizes ocorrem por suas

escolhas imorais, e não por suas fraquezas.

Defendemos ainda que, a partir da teoria de Hare, pode-se projetar uma nova

ética, que retoma seu paralelismo em conjunto com a política, com base em um novo

paradigma de filosofia da linguagem: “a ética da discussão” de Habermas e Apel. Mas

isso, já representa a proposta de um trabalho futuro.

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