Ana Maria Machado - Amigo Comigo

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AMIGO COMIGOANA MARIA MACHADO

O que ter um amigo de verdade? Que prazeres e deveres resultam das relaes de amizade? Podemos nos enganar a respeito do amigo? O que sentimos quando o amigo se esquece de ns? Por que certas pessoas tm tanta dificuldade em fazer amizades? O que mantm viva a amizade?

Em Amigo comigo, de Ana Maria Machado, a histria ficcional d elementos para discutir o tema da amizade.

Se a amizade um dos bens maiores de que podemos desfrutar, por que no fcil cultiv-la? Por que o interesse, a inveja, o desejo de poder se sobrepem a ela? Essas questes remetem importante tarefa de identificar e clarificar valores para que, por meio do desenvolvimento do juzo moral, cada um possa decidir por si mesmo em situaes de conflito.APRESENTAO

Alguma vez na sua vida voc j quis comprar tudo o que aparece na tev, sem se preocupar com quem vai pagar? J teve problemas com amigos fofoqueiros ou j delatou algum na escola? J mentiu, j "passou cola" em prova? J foi acusado injustamente de uma coisa que no fez? J enfrentou um valento e obedeceu a suas ordens com medo de apanhar dele? J teve cimes dos pais, inveja de algum, foi humilhado e se viu sozinho e com medo do fracasso?

Parabns! Se voc respondeu no a todas essas perguntas, voc no tem motivo pra ficar orgulhoso (at porque, nem deve entender o que orgulho). Voc deve ser o mais novo robozinho da indstria ciberntica.

Parabns! Se voc respondeu sim a algumas dessas perguntas, voc no tem motivo nenhum pra ficar envergonhado. Voc humano.

E ser humano ter dvidas. saber que o Bem e o Mal (assim, com letras maisculas) no existem de maneira solta, no ar, como se fossem passarinhos. So coisas difceis de compreender. Difceis de definir no dia-a-dia. Mais difcil ainda saber optar quando enfrentamos uma situao que nos obriga a tomar uma posio e a gente no tem muita certeza se vai agir certo ou errado naquela hora.

Essas decises difceis contribuem para a formao da conscincia moral. Verdade: a gente aprende a formar uma opinio sobre o que certo e errado. No nascemos sabendo isso nem podemos jogar nas costas dos outros (pais, professores, sacerdotes, parentes, amigos mais velhos) a responsabilidade de decidirem por ns.

Antigamente, no tempo dos avs, era comum que o patriarca da famlia olhasse feio e pronto! Os filhos calavam a boca, se encolhiam, obedeciam em tudo... Ser que por isso os filhos sabiam o que era certo ou errado? Ou s agiam por medo?

Hoje, tem muita gente que acha que o jovem e a criana j tm de saber sozinhos o que certo ou errado. E se um adolescente faz uma bobagem, culpa dele. H tambm quem acuse a prpria escola, como se ela tivesse obrigao de ensinar moral para os alunos.

Sabe de uma coisa? A escola tem sim uma grande obrigao moral para com seus alunos. Mas no como um substituto daquele vov autoritrio. No para oferecer o nico lugar onde os jovens podero descobrir certezas no seu comportamento. Na verdade, a escola deve ser o espao de discusso de temas morais. Lugar onde se possam colocar situaes de conflito para se discutir e refletir sobre valores, para que cada um chegue a uma concluso prpria, autnoma, sobre o que deveria ser feito. Mesmo porque, apenas voc ser responsvel pela sua deciso.

Para enriquecer essa discusso, a Editora Moderna lanou Est na Minha Mo! Viver Valores. O nome j diz tudo: est na sua mo, leitor, optar por uma soluo para questes muito srias, que envolvem temas morais.

A srie constituda por pequenos romances inditos, escritos por autores experientes da literatura infanto-juvenil, e apresenta personagens da sua idade, que enfrentam verdadeiras barras: delao, injustia, consumismo, inveja, amizades desfeitas, insegurana, agressividade... Puxa! Quanta coisa esses personagens tiveram de enfrentar, e quantas dvidas a respeito da melhor deciso...

Vamos compartilhar dos seus problemas? Ao discutir sadas, poderemos perceber que o dilogo entre pessoas interessadas na construo de valores como justia, liberdade, dignidade, respeito vida o caminho para nosso aperfeioamento e meta para um mundo mais justo.

Mareia Kupstas e Maria Lcia de Arruda AranhaSUMRIO 1. Minha melhor amiga

2. Amigo pra essas coisas

3. Bate-papo e bate-bola

4. Mo amiga

5. Amigo coisa pra se guardar

6. Amigo do rei

1. MINHA MELHOR AMIGANo sei muito bem como que eu posso mostrar a entonao desse assim. Talvez devesse acrescentar um ponto de exclamao no final. Escrever tudo inclinadinho, para lembrar a boca torta com que ele pronuncia a palavra. E mais: ir variando o tamanho das letras, e ainda repetir o /' e o m do final, para mostrar como a voz dele vai subindo e se prolongando num espanto s. E a sobrancelha levantada que acompanha a pergunta. Um ar de critica, reprovao, o mais profundo desprezo.

Voc vai sair assiiimmm?!Pode parecer esquisito escrever uma palavra desse jeito. Mas isso no nada, comparado com a esquisitice ambulante que eu fico me sentindo toda vez que estou prontinha para sair, j me despedindo, e ouo o comentrio assassino.

Porque um comentrio, por mais que parea ser s uma pergunta. Mas tambm uma forma de assassinato, j que mata toda a minha animao, por melhor que seja o programa que me espera. Muitas vezes, um programa que levei dias esperando. Para o qual eu me preparei no maior capricho.

s olhar para o monte de roupa em cima da minha cama depois que acabei de me vestir, e j d para ter uma idia de como eu experimentei blusa e cala, provei saia e vestido, tentei ver como ficava esta ou aquela pea, decidir se uma cor combinava com outra. No, usando esta cala, no posso vestir uma blusa folgada. Com este top no d, vou sentir frio, e nenhum casaco combina com a cor dele. Este outro aperta um pouco o peito e faz a barriga parecer maior do que . E se eu trocar de cala? Esta aqui, no, chama a ateno para um pouquinho de celulite que posso ver bem no alto da coxa, apesar de todo mundo dizer que sou magrela e que menina da minha idade quase nunca tem celulite. Mas meu espelho me diz diferente. Quer dizer, eu acho. Afinal, tenho a obrigao de observar meu prprio corpo mudando, antes de todo mundo perceber. Com sorte, antes mesmo de que o espelho mostre.

E sempre assim. Vou pensando essas coisas, conversando comigo mesma, s vezes at resmungando e xingando em voz alta. E vou puxando cabides do armrio, revirando gavetas, botando e tirando roupa, jogando tudo pelo avesso em cima da cama. Vou vendo aquele bolo de roupa crescendo e vai me dando uma aflio: eu sei que devia arrumar tudo antes de sair, para no ter que enfrentar aquela montoeira de pano quando chegar da festa com sono e querendo dormir. Mas no adianta. A essa altura, sempre, j est quase no horrio que combinei. Mais uma vez, o negcio deixar como est, fechar aporta do quarto para ningum ver quando eu sair (e torcer para no abrirem) e depois, quando voltar cansada e quiser ir direto para a cama, jogar tudo no cho. Porque, antes de sair, j sei que no vai dar tempo. E ainda tenho outras preocupaes. Fico olhando para o relgio a todo instante, aflita porque ainda no comecei a me maquiar. Nem vi que jeito vou dar neste cabelo, que, para variar, formou a maior onda, deve dar para algum surfar. E preciso ver se descubro um sapato legal no armrio de minha me, principalmente quando vou usar uma saia porque ento no quero ir de tnis e acabo sempre saindo com a mesma sandlia.

Em resumo: levo sculos para resolver a roupa, anos para consegui um cabelo mais ou menos satisfatrio, horas me maquiando para parecer bem natural e quase sem maquiagem, como todas as revista aconselham. E, no fim de toda essa produo, quando me olho no espelho antes de apagar a luz e sair do quarto, quando tenho sorte o estou num dia feliz, acho que at que no ficou to mal assim, pode se que desta vez eu no me sinta a mais desajeitada e horrorosa da turma; A passo pela sala para me despedir dos meus pais e ouo:

Voc vai sair assimmm?!Quem me conhece, j sabe quem falou. sempre ele, o R. Me irmo Rodolfo, na verdade Luis Rodolfo, dois anos mais velho do que eu. Especialista em me botar para baixo e fazer eu me sentir um lixe

Assim, como? Est uma gracinha... Minha me tenta salvar minha noite.

Em geral, nesse ponto, o R comea a argumentar que minha blusa est decotada demais, que a saia justa demais, o vestido grudado demais, ou transparente demais. Sei l, tudo demais mas nunca daquele jeito maravilhoso e incomparvel que evidentemente j virou elogio, de quem suspira e diz: Puxa, ela demais!

No, com o R no nada disso. sempre um sinal de que passa dos limites e estou com uma roupa absurda demais. To demais que as pessoas (no sei quais, mas ele sempre diz "as pessoas") vo achar que eu sou o que no sou.

Mas, desta vez, ele no tem o que dizer. No estou nada demais. S posso estar de menos. Vou sair com uma roupa supercomportada Vesti at um camiso xadrez de meu pai, por cima da blusa e da cala, largo, como se fosse um casaco.

Est ridcula. Ainda bem que no est indo comigo, ia ser maior mico. Parece at um desses caras que vo a baile funk. S falta uma cala enorme e o bon com a aba para trs fulmina o R. -Vai acabar criando confuso.

D uma risadinha, para aproveitar a pausa, e acrescenta, como ; estivesse explicando:

Desse jeito, periga os caras confundirem a Tti com algum c uma galera rival.

Pronto! Deu certo! J estou me sentindo um lixo, feia, com jeito de garoto. Assim nenhum menino vai olhar para mim.

E nem da tempo para trocar de roupa agora. O pai da Dri j chegou para me apanhar. J buzinou l embaixo umas trs vezes, e ele fica todo bravo quando a gente se atrasa.

Entro no carro meio esbaforida.

Puxa, Tti, voc est demais! Essa roupa ficou superlegal. Devo estar mesmo um horror. Aposto que a Dri percebeu de cara

que eu estou precisando de umas palavrinhas de apoio e est dizendo essas coisas s para me consolar. E continua:

A gente devia ter combinado de voc ir se vestir l em casa e me dar uns toques. At liguei para saber com que roupa voc ia, mas o telefone s dava ocupado.

Era meu irmo, com uma daquelas namoradas dele expliquei.

Imaginei disse a Dri. Mas fiquei insistindo, porque queria pelo menos te pedir uns palpites.

Para mim? E eu l posso dar palpite em roupa dos outros? Logo eu, este lixo?

Claro que pode, Tti, que idia! Todo mundo sempre se veste igual. Parece at uniforme. Voc, no. Pode at repetir a mesma camiseta ou cala, mas sempre consegue inventar um jeito diferente de se arrumar. Eu estava lendo sobre isso outro dia na Ternura. Tem gente que assim, lana moda, Inventa coisas que da a pouco todo mundo est usando. um dom especial, um talento prprio. Voc assim. Voc tem estilo, Tti. assim que se chama, menina: estilo.

Grande Dri! Adriana, minha melhor amiga. No sei como eu sobreviveria sem ela. Quer dizer, hoje em dia. Porque na verdade, at que vivi um bom tempo sem nem saber que ela existia. Afinal de contas, faz menos de dois anos que somos amigas.

Para falar a verdade, antes a gente nem se conhecia. Ela nem morava aqui em Palmeiral. Mas, tambm, eu era uma pirralha, s tinha aquelas amiguinhas bobas de criana. Quando conheci a Dri que nesse tempo todo mundo ainda chamava de Adriana que fui vendo como pode ser uma amiga de verdade.

Desde a primeira vez em que a gente conversou, num dia frio do inverno, cheio de vento e nublado, deu pra saber que a gente se entendia.Foi nas frias de julho. Eu tinha ido at o calado na beira da praia bem em frente minha rua, para ver se o R estava jogando futebo porque minha me queria falar com ele. Ventava tanto que no havi ningum. S aquela menina que eu nunca tinha visto, sentada na areia De blusa de l, casaco e at gorro! No primeiro momento, pensei que era uma figura esquisita. Mas ai ela sorriu e at achei simptica, quand< me perguntou se eu no queria brincar com ela.

De qu?

U, de qualquer coisa. Do que voc quiser. Eu no estoi mesmo fazendo nada. No posso, tenho que voltar para casa. S vim at aqui porqw minha me me mandou procurar meu irmo. Tenho que ir dizer a ele que no encontrei.Na verdade, eu achava que no tinha nada a ver, isso de um menina meio esquisita e estranha me chamar pra brincar com ela. A menina foi levantando e dizendo:

Ento vou com voc. Depois que voc falar com a sua me, gente brinca.

Foi exatamente o que aconteceu. Ela foi para casa comigo, acabo ficando para almoar, brincamos o dia inteiro. A essa altura, eu j ner costumava mais brincar, j no estava mais na idade dessas criancice: Preferia ouvir msica, ver vdeo, jogar algum jogo, ler... Mas, alm de ur bichinhos de pelcia, ainda tinha alguns jogos e brinquedos no quartc Com a companhia de minha nova amiga, fui me animando. Comeamos a brincar de teatro, a nos maquiar e vestir umas coisas diferentes.

Foi muito divertido. Nem vimos o tempo passar. Adriana s volto para casa depois que anoiteceu.

Minha me comentou:

Meio largada, essa menina... Se no lhe pedisse para telefonar pr casa na hora do almoo, ela ia ficando... Assim, sem pedir a ningum, agora s foi embora porque eu disse que j estava tarde.

Era mesmo, pensei. Lembrei que a menina tinha vindo comigo ser avisar nenhum adulto. Alis, no havia nenhum adulto com ela na praia.Talvez minha me tivesse razo, e ela fosse mesmo meio largada, sem ningum que se importasse muito com o que fazia. Mas tambm podia ser que s fosse mais independente. Se continussemos a nos ver, eu a ficar sabendo.

Mas ser que ainda amos nos encontrar? Eu no sabia onde Adriana morava. No tinha combinado nada com ela para nos vermos outro dia. Nem tinha dado meu telefone. Bom, sempre podia tentar a praia outra vez...

Mas nada disso foi preciso.

No dia seguinte, bem cedo, eu ainda estava meio dormindo quando minha me abriu a porta do meu quarto e disse:

Tatiana, aquela menina est a... Que menina?

Aquela de ontem, a Adriana. Quer que eu mande voltar mais tarde ou voc j est levantando?Dei um pulo da cama disse:

Pode dizer a ela que j estou indo. Ou ento, me, mande ela vir at aqui.

No. Se quiser ir brincar com ela, trate de se levantar. Quando cheguei na sala, minha me j tinha sado para o trabalho e Adriana estava sozinha na frente da televiso, vendo um gato correr atrs de um rato num desenho animado. E estava dando uma risadinha tima, meio entrecortada. A cena era divertida e eu dei uma risadona. Num instante, estvamos as duas s gargalhadas, passando manteiga no po e nos servindo de chocolate e leite frio. E mais uma vez, passamos juntas o dia inteiro.

Ficamos inseparveis o resto das frias. Soube que ela tinha se mudado para a nossa rua naquela semana e morava no prdio em frente. Vinha de outro bairro e no conhecia mais ningum por ali. Os pais tambm saam cedo para trabalhar e ela ficava o dia inteiro sozinha com a empregada, que no se incomodava se ela sasse. Por isso, ela praticamente se mudou l para casa. Ainda mais porque minha me s faltou adotar a Adriana, com aquela mania de achar que ela vivia largada.

Coitadinha, ningum liga para o que ela faz, onde est, com quem anda... Um absurdo! Essa menina precisa de ateno, de carinho, coitada. muito carente...

Minha me tambm trabalhava, sempre trabalhou fora, analista de sistemas, vive num escritrio cheio de computador. Mas quase sempre vinha almoar em casa. E, mesmo quando no vinha, ficava telefonando e controlando de longe. No me deixava ir em casa de gente que ela no conhecia. Se eu quisesse ir a algum lugar, tinha que pedir antes a ela ou a meu pai, explicar onde era, com quem eu ia, a que horas voltava, deixar o nmero do telefone de onde estava. Enfim, no me dava tanta liberdade como a me da Dri, que eu achava o mximo.

Quando as aulas comearam no segundo semestre, ainda tnhamos mais um motivo para viver grudadas: a Adriana foi para o meu colgio. No somos da mesma turma, nunca fomos. Agora, eu estou na 6- A e ela na 5- C. Mas passamos a nos encontrar no recreio, amos e voltvamos juntas da escola, muitas vezes acabvamos almoando uma na casa da outra. E como eu fui fazer dana na mesma academia que ela, que entrou no meu curso de Ingls e no mesmo horrio, a gente ficou ainda mais unida. Foi nessa poca que ela comeou a ser minha melhor amiga.

Eu nunca tinha tido uma melhor amiga assim, de verdade. Tinha um monte de amigas no colgio, s vezes a gente saa no fim de semana. Ou estudvamos juntas para alguma prova. Alm disso, nas frias, quando iamos para o stio da minha av, eu encontrava minhas primas e era sempre superdivertdo. Mas uma grande amiga mesmo, que me colocasse em primeiro lugar em tudo na vida dela, e com quem eu soubesse que podia contar para tudo... ah, isso era uma novidade. Uma novidade maravilhosa, alis.

A Dri j tinha bem mais prtica de amizade. No bairro onde ela morava antes, no outro colgio, j tinha tido uma grande amiga, a Rafaela. Contou que elas eram muito ligadas, quase como a gente estava sendo agora mas um pouquinho menos. Ainda bem, porque eu acho que amizade igual nossa nunca ia poder existir. Nem podia ter existido antes. Mas a Rafaela fez uma coisa horrvel com a Adriana, e justamente na hora em que ela mais precisava. Por isso, elas deixaram de ser amigas.

At hoje me lembro da cara da Dri, chorando, quando me contou o que tinha acontecido. Um choro muito misturado, de tristeza e de raiva. Pois o que houve foi que a Rafaela, que sempre tinha sido sus amiga, deu uma grande festa de aniversrio quando fez 10 anos. Sabe aquelas festas em clube, que tm tudo, at sorteio de brindes legais, DJ e discoteca? Pois foi uma festa dessas. A Dri tinha ajudado a Rafaela a pensar em todas as coisas que devia haver numa festa, e elas fizeram uma lista. E mais outra lista, com o nome de todos os meninos que deviam ir as meninas a gente sempre sabe que me acaba dando um jeito de convidar todas, at as chatas que a gente prefere dispensar. Mas Adriana e Rafaela trataram de organizar tudo o que puderam. Deram palpites nas roupas que cada uma ia vestir. Escolheram juntas as msicas que iam tocar, o lugar da festa, o melhor dia, tudo!

claro que, como sempre, tiveram que mudar umas coisinhas. O pai da Rafaela cortou umas idias, porque disse que daquele jeito a festa ia custar um dinheiro, tinha que ser num lugar mais barato... E a me dela disse que o dia escolhido por elas o sbado logo depois do aniversario, lgico no era bom, porque elas deveriam estar estudando para as provas da semana seguinte. Jogou para uns trs sbados adiante, quando j estariam de frias. Mas, de qualquer jeito, a festa foi o mximo! Todo mundo ficou falando dela, contando como foi maravilhosa, como todo mundo se divertiu, como tinha tanta comida gostosa, tanto menino bonito, tanta msica legal. S que, no fim das contas, a Dri no foi convidada! J pensou?

Quando ela contou, chorava:

Acabei ficando de fora da festa que eu mesma ajudei a organizar! E bem na hora em que eu mais precisava... Por qu? perguntei, meio aflita, sem saber o que fazer ao ver os olhos de minha amiga se enchendo de lgrimas. Porque eu estava me mudando de l, saindo do colgio onde 2u estudei a vida toda (o Santa Rita era comove fosse a minha casa...). Eu estava trocando de turma, perdendo todos os colegas e amigos... Drecisava de consolo, de amizade. E ela me jogou fora, como se eu io servisse para mais nada, no tivesse mais lugar na vida dela! Vquela vaca! No, no perguntei por que voc estava precisando. Perguntei )or que ela fez isso... insisti. E eu l sei? Deve ter achado que no precisava mais de mim, j |ue eu ia mesmo me mudar para longe... Meu pai no ia mais dar carona para ela ir ao colgio como fazia todo dia... Eu no ia mais chamar para ver vdeo na minha casa, ou convidar para passar o fim de semana com a gente l em Santa Helena. Ento eu no servia para mais nada... Interesseira, o que ela ... E eu que pensava que ela fosse minha amiga... Tambm, estou pouco ligando...

Adriana falava, dava de ombros, fazia uma carinha de desprezo. Mas dava pra ver que estava ligando, sim. E muito! As lgrimas escorriam pelo rosto e num instante ela estava soluando. Eu tentava consolar. Passava o brao em volta do ombro dela, alisava o cabelo, falava com carinho:

Esquece isso tudo. Sou sua amiga, Dri, de verdade... Voc no precisa da Rafaela. Deixa ela pra l.

Furiosa, ela xingava:

Aquela vaca loura! Tambm, nunca mais falei com ela. Cansou de telefonar e eu no atendi.

Ela ainda teve a coragem de telefonar? perguntei, espantada.

Um monte de vezes. Mas tambm, quando minha me me obrigou a atender, desliguei com o dedo e fiquei s fingindo que estava falando.

Mas o que foi que a Rafaela disse? insisti, curiosa.

No sei, nem quero saber, e tenho raiva de quem sabe. Devia era querer pedir perdo, inventar uma desculpa qualquer. Mas no tem perdo. Uma coisa dessas no d pra desculpar. Nunquinha. Nunca mais quero ver a cara dela na minha frente.

Claro que no d concordei. No chamar a melhor amiga para o aniversrio!

Meu tom de voz dizia muito mais do que isso. Era uma espcie de promessa de que eu nunca faria nada parecido, jamais. Um juramento de amizade fiel e eterna. Como eu tinha certeza de que a nossa seria.

2. AMIGO PARA ESSAS COISAS

A festa no foi nada do outro mundo, mas deu pra se divertir. Apesar de umas garotas meio chatas l do colgio. Principalmente a Dbora, que se acha o mximo e se joga pra cima dos meninos de um jeito que eles acabam sempre ficando com ela. Sabe o tipo? Na hora de cumprimentar ela sempre d beijos. Fala meio mole. D risadinha a toda hora, como se as coisas que o menino estivesse dizendo fossem sempre as mais divertidas do mundo e ele fosse o supra-sumo da inteligncia. S falta babar de admirao. De vez em quando, faz um ar de cansao, de dengo, e deita a cabea no ombro ou no colo do garoto que est ao lado. E pra se despedir ento!... Leva horas se despedindo de um por um, dizendo mais uma coisinha no ouvido, toda cheia de segredinhos. Detesto a Dbora! uma idiota, ignorante, sem assunto e toda problemtica j repetiu de ano duas vezes e foi expulsa do outro colgio de onde veio. E ainda fica rindo de quem estuda.

Foi ela quem comeou a dizer que sou "metida a falar difcil", s porque usei uma palavra que eu tinha lido (nem lembro qual foi, na certa alguma coisa como esse "supra-sumo" ai em cima) e ela nem sabia o que queria dizer. Quando ela est por perto, sempre sei que a qualquer hora algum pode rir de mim. Ou vo fazer grupinhos para cochichar, olhar para mim, e sairem de perto. Morro de raiva! J chorei muito por causa dela.

Mas antigamente era muito pior. Antes de eu ser amiga da Adriana. Jma festa dessas, se eu no estivesse com a Dri, podia ter sido um lorror. Eu ficava meio perdida, jogada s feras. Mas, com minha amiga, is coisas ficam diferentes. Posso ter companhia e sair de perto, como ;e no estivesse ligando a mnima. Amigo pra essas coisas.

Foi o que fizemos dessa vez. Fomos para outro lado, mesmo deixando para l a maioria dos meninos que a gente conhecia, l do colgio. Tudo em volta da Dbora, feito mosca em volta de doce melado.

At acabamos vendo um garoto bonitinho, meio isolado, no terrao. Est bom, no era exatamente bonitinho. Mas tinha um olhar simptico.

Numa hora em que a Dri foi atrs de um garom com uma bandeja de refrigerantes, ele at puxou conversa comigo.

Estava o maior calor l dentro...

... concordei.

Por isso que eu vim aqui pra fora...

... est mais fresco.

Voc amiga da Carla?

Sou. A gente estuda na mesma escola. E voc?

Eu sabia que ele no estudava l. Se estudasse, eu j tinha visto. No ia deixar de reparar num garoto com um olhar daqueles. E, pelo menos de vista, conheo todo mundo do Anita. Afinal de contas, no um colgio to grande assim e eu j estou l h um tempo.

No. Sou primo dela.

Onde que voc estuda?

No Cruzeiro.

Fiquei na maior dvida. Falo? No falo? Sempre assunto para continuar a conversa: falo!

Que coincidncia! Meu irmo tambm estuda l...

Quem seu irmo?

O Lus Rodolfo, no sei se voc conhece...

No, no conhecia, ainda bem. Se fosse amigo dele, era um desastre.

Quando a Dri voltou com dois copos de refrigerante, s tinha dado para descobrir que ele era dois anos mais velho que eu e se chamava Diego. Apresentei os dois, aproveitei para dizer meu nome, mas a conversa no foi adiante. No sei se ele achou a Dri com cara de pirralha (ela mais nova mesmo e, como baixinha, parece mais criana ainda), se j tinha se cansado da conversa ou se ficou sem jeito de conversar com duas meninas ao mesmo tempo. Mas num instante pediu licena e entrou. Sumiu. A Carla mora numa casa mesmo, de dois andares. E acho que o Diego deve ter se metido em algum lugar l em cima, provavelmente com o Vtor, que irmo da Carla, lindo e mais velho, mas no deu as caras na festa nem um minuto. Se o Diego era primo dele, devia ser intimo da casa.

S que na festa tinha muita gente mais. E ns duas danamos, conversamos, andamos de um lado para o outro vendo as pessoas.

No tinha ningum muito interessante. De menino, que o que interessava mesmo. Estavam divididos em dois grupos fora o Diego, completamente desenturmado, mas que logo sumiu, como eu contei. Os mais velhos eram aquele bando de moscas em volta da Dbora. Os outros uma pirralhada comearam a fazer batalha de pipoca, a jogar batata frita uns nos outros, acabaram at fazendo concurso de embaixada (com sanduche), quicando pozinho redondo no alto do p como se fosse uma bola de futebol, no meio da maior gritaria, todos contando para ver quem conseguia mais vezes sem deixar cair. E aquela coisa se desmilngindo toda com os chutes. No consigo ver que graa menino acha nessas porcarias. Um nojo!

Mas claro que uma festa sempre d o maior assunto para conversa. No dia seguinte, quando eu estava tomando caf, a Dri me telefonou. Tnhamos um monte de coisa para comentar da vspera. S que era domingo, meus pas estavam em casa no meio de um mar de jornais espalhados na sala, e minha me foi logo dizendo:

V se no fica a vida inteira nesse telefone.

Mal a gente tinha comeado a falar, meu pai passou por perto, mostrando o relgio no pulso esquerdo e batendo no mostrador com um dedo da mo direita sinal para no demorar. Eu j sabia, no ia mesmo levar um tempo falando.

Mas, logo em seguida, ele estava de volta:

Tatiana, vocs j esto h mais de quinze minutos nesse papo furado.

Acabei tendo que desligar. Ser que ningum entende que a Dri minha melhor amiga e a gente tem milhes de coisas para conversar? Na casa dela diferente, os pas no ficam toda hora cortando a alegria da filha no telefone.

Essa outra coisa que eu posso reclamar com minha amiga:

Puxa, meus pais so um p no saco! Pra tudo eles querer horrio. Se eu cismar de levantar s onze horas num domingo, no posso. No adianta falar que domingo, no tenho aula, posso fazer que quiser. Quer dizer, deixar eles at deixam, mas a mesa do caf no fica posta at mais tarde, e tenho que me virar sozinha...

Voc podia dormir aqui todo sbado props ela. Aqui em casa no tem disso. Tem sempre uma empregada que no est de folga no domingo. Ningum se preocupa com horrio de acordar.

Eu at tentei. Na primeira vez foi bem divertido. Mas na segunda vez, acordei sozinha s oito. Estava na casa dos outros, no podia me levantar e comear a mexer nas coisas. No ia acender a luz, pegar um livro, ir at a sala e ligar a TV... Fui ao banheiro, escovei os dentes experimentei arrumar o cabelo numa poro de penteados novo; prendi, fiz trana, soltei de novo... Olhei no relgio e ainda nem eran nove horas... Voltei para a cama e fiquei deitada esperando, olhando o quarto e pensando na vida. Sculos depois, olhei as horas outra vez, no tinham passado nem quinze minutos.

Se estivesse na minha casa, j

tinha levantado, estava na cozinha ajudando minha me a preparar o caf ou na mesa com todo mundo (n; certa, o R implicando comigo mas a essa altura nem fazia mai ; era divertido...). E se ningum tivesse levantado, eu j podia ter pegado um leite na geladeira feito uma torrada com manteiga ou gelia, e na certa estava bem refestelada no sof da sala continuando a ler meu livro, acompanhando o que a famlia March ia vivendo, ai, uma maravilha! No sei se voc j leu Mulherzinhas... Se leu, no me conte c final. Se no leu, pode ir procurar, timo! a histria de quatro irms at fizeram um filme, Adorveis mulheres.Pois naquela vez em que dormi na casa da minha amiga Adriana, fiquei de manh deitada na cama extra do quarto dela, esperando algum acordar, e imaginando o que a Jo March ia fazer em seguida, no prximo captulo do livro que eu tinha deixado em casa.

Quando estou no meio de uma leitura boa, muitas vezes fico assim. Custo a sair da histria quando fecho o livro. E fico querendo comentar com todo mundo. uma pena que a Dri no goste de ler. Mas se gostasse, a que a gente levava mesmo meu pai ao desespero! Iamos ficar ainda com muito mais assunto para conversar e passar horas ao telefone.

De qualquer jeito, no faz mal. A gente amiga, mas uma no obrigada a gostar de tudo o que a outra gosta.

Por exemplo, ela curte filme de terror, e eu no suporto. Cada vez que vamos ver vdeo na casa dela, j sei que vamos ter que assistir a umas coisas feito Pnico, Meia-noite de sexta-feira, ou A maldio do morto-vivo. Para mim, uma perda de tempo. Na hora, tudo to idiota que fica at engraado e bem que pode ser divertido quer dizer, de vez em quando, um filme s. Vendo mais de um, d pra sacar que tudo igual. Os mesmos sustos, as mesmas caras horrorosas. Mas depois no sobra nada, no fica nada de bom na memria, entende?

At pelo contrrio. De vez em quando, no meio da noite, quando acordo para beber gua ou ir ao banheiro, fico lembrando daquelas imagens idiotas e no consigo mais dormir, fico um tempo sem querer apagar a luz. No exatamente medo, mas uma coisa desagradvel, como se minha pele estivesse prontinha para ter um arrepio a qualquer momento e eu ficasse s esperando um susto para dar um grito.

Sei que ridculo me sentir assim, mas no consigo controlar. De dia, posso ver que divertido. Mas no meio da noite, e sozinha, bate uma coisa esquisita.

Tentei explicar isso Adriana, mas ela achou graa. No faz a menor idia do que sinto. Mas eu tambm no consigo imaginar como ela pode achar que livro uma chatice, por mais que ela diga que d sono, que no v a menor graa numa poro de letrinha sujando um papel, que sempre pula um monte de palavra que no entende, ou se distrai, esquece o que aconteceu antes, sei l... que somos diferentes, e pronto!

Em outras coisas tambm. Logo que nos conhecemos e ela foi l para o Anita (o nome do meu colgio Anita Garibaldi), no se conformava porque eu queria ficar jogando vlei depois da hora da sada.

No sei que graa voc acha nisso. Francamente, Tti... Ficar toda suada numa quadra de cimento, esperando algum dar uma cortada e te acertar uma bola... Tem coisas muito mais divertidas na vida!

No isso, Dri... um jogo superempolgante.

Empolgante coisa nenhuma! Tem que se atirar no cho para pegar a bola. Quando erra, todo mundo vaia e reclama. Quando aceita, outro jogador erra logo em seguida e estraga todo o seu esforo... Voc quase se matou, para nada. Uma idiotice.

Mas eu adorava vlei. No ia deixar de jogar s por causa dela.

S depois que descobri que no era nada daquilo. A Adriana s reclamava porque no sabia jogar. O time de vlei do Santa Rita (o antigo colgio dela) era to bom que ela nunca tinha vez. Com o tempo e as aulas de Educao Fsica do Alcides foi aprendendo e hoje at gosta. De vez em quando ela me diz:

Se no fosse por sua causa, Tti, eu nem jogava vlei...

Acho que verdade. E tambm sou obrigada a reconhecer que, se no fosse por causa dela, eu talvez nem danasse.

Eu sempre tive a maior vontade de danar bem, achava o mximo! Mas no sabia danar e preferia dizer que no gostava. Nunca ningum tinha me ensinado. Quando eu tentava, me achava dura, esquisita, uma coisa muito diferente daquelas moas leves e lindas que a gente v danando na televiso, umas gracinhas. E bem diferente das garotas que fazem sucesso, como a Dbora, sou obrigada a reconhecer.

Bem que eu j tinha tentado, e muitas vezes. Quer dizer, s quando tinha muita gente danando ao mesmo tempo e eu achava que ningum ia reparar numa desajeitada ali no meio da multido, todo mundo se sacudindo ao som da msica. Mas at mesmo a Cris, que era minha melhor amiga antes da Adriana, no conseguia disfarar o riso:

Ai, Tti, como que pode? Voc no leva mesmo o menor jeito... Chamava as outras meninas:

Gente, olha s a Tti danando...

Eu ficava furiosa, mas fingia que no me importava. Elas riam, come-cavam a mostrar:

assim, olha...

Solta o corpo, mexe bem a bunda...

Faz assim com o p.

Balana desse jeito... Olha aqui...

Eu tentava, mas ficava toda preocupada em ver bem onde que ia botar o p, como ia mexer o brao ao mesmo tempo... no conseguia! Elas riam. Eu ficava toda chateada, louca para ser igual a elas. Tinha que reconhecer que a Cris tinha razo: devia parecer um rinoceronte no salo, como ela disse uma vez.

A Cris sempre teve essa grande qualidade a franqueza. Sempre me deu toques incrveis sobre os meus defeitos. Eu at admirava. Doa, mas admirava. Tinha que reconhecer que ela estava sendo honesta, por mais furiosa que eu ficasse. E acho at que a minha raiva maior era por reconhecer essa franqueza e nem ao menos poder ficar com raiva. uma grande qualidade, e muito rara. Eu tinha mesmo que admirar. Complicado, n? Mas era isso que eu sentia.

Mais tarde, depois que conheci a Dri, um dia ela me disse:

Acho o maior barato esse teu jeito de se vestir diferente de todo mundo...

E, de repente, esse comentrio parecia um arco-ris no cu. Ou um monte de sininhos tocando. Porque, de uma hora para a outra, como um raio que cai, ou uma luz que se acende na escurido, eu percebi que a franqueza da Cris era sempre de um s tipo: a sinceridade de mostrar meus defeitos e me botar para baixo. Mas, em muitos anos de amizade afinal, ramos colegas desde o maternal , ela nunca tinha usado aquela franqueza para ver uma coisa boa em mim. Nunca! Sabe l o que Isso? No era possvel que eu no tivesse uma nica coisa que merecesse ser elogiada! Ou, se eu tinha qualidades e a Cris no conseguia enxergar, era porque no era minha amiga de verdade...

Claro, eu no sabia mesmo danar. Isso nem a Dri podia negar. E no negou. Mas na primeira vez em que me viu danar, no falou nada ia hora, nem na frente dos outros.

Esperou uma tarde em que estvamos sozinhas na casa dela e props:

- Que tal a gente danar um pouco? Eu no curto danar me desculpei.

No possvel, Tti! superlegal! a mesma coisa que algum dizer que no gosta de musica, ou no curte praia.

Mas eu no gosto mesmo.

No acredito, Tti. Todo mundo gosta. uma das melhores coisas do mundo! Voc j viu bebezinho quando ouve musica? No fica se balanando? Pois ento, isso! Danar uma coisa natural, como andar ou correr. No tem essa de dizer que no gosta, no curte...

que no levo multo jeito, sabe?

Ento falta de prtica. Tem que treinar. Vamos, eu lhe mostro... Escolheu um CD, ligou o som e comeou a me mostrar como era... No comeo, fiquei morrendo de vergonha. Mas depois a gente comeou a fazer isso sempre. Eu fui me animando. Descobri que muitas daquelas danas que o pessoal danava nas festas tinham uma coreografia que as meninas s sabiam porque treinavam antes, umas com as outras. Menino, no. Vai ver que por isso que eles- danam menos nas festas, tambm ficam com vergonha de no saber. A me da Dri gostava muito de sair noite para danar. Aprendia os passos todos, treinava em casa, ensinava para a filha. Foi me ensinando tambm.

Hoje eu me viro. Posso no ser a Madona, mas no pago mico. Acabei at entrando numa academia de jazz e dana moderna. Junto com a Dri.

3. BATE- PAPO E BATE BOLAInterminaaaaavel.

Meu pai diz que antigamente passava na televiso um anuncio de uma gilete que os caras garantiam que durava mais do que todas as outras porque era assim: interminaaaaavel.

Acho que a conversa dessas duas deve ser do tipo dessa gilete. Uma tagarelice interminaaaaavel comentou ele no sei com quem, neio falando sozinho, depois de atender ao telefone. L vai comear de novo.

Nem reparou que eu j vinha entrando na sala, porque gritou l )ara dentro do corredor:

Tti, telefone!

Em voz mais baixa, explicou:

a Adriana, claro.

S mesmo implicncia de pai para chamar de tagarelice uma troca de idias entre duas pessoas que compartilham vrios interesses (puxa, linda caprichei nesse argumento, para dar uma resposta antes de atender, e ele nem se tocou).

Mas porque, na verdade, ele estava de sada. Teras e sextas assim, ele chega um pouco mais cedo, muda a roupa e sa correndo para jogar futebol que eu tenho o respeito de no chamar de bate-bola com os amigos numa quadra de areia que eles fazem na praia, bem em 'ente nossa rua. Fica um monte de gente no calado olhando.

Ainda bem. Porque como minha me chegou na hora de sempre, a Dri e eu pudemos conversar mais vontade. Deu para comentar as principais coisas que tinham acontecido no colgio, o novo corte de cabelo da Luana, o teste-surpresa de Matemtica na turma dela, o trabalho de grupo que o professor de Histria mandou fazer na minha turma, e mais uma poro de coisas.

Eu sei que, se estivessem por perto, meus pais iam ficar reclamando: "Por que em vez desse bate-papo todo, vocs no partem para um bate-bola?" ele pergunta s vezes. "Vo se mexer, ao ar livre, praticar um esporte, em vez de ficar nesse tititi..."

Ou ento ficam perguntando se a gente no teve tempo suficiente na escola pra botar o papo em dia. Mas no tivemos mesmo. Primeiro, porque muito assunto. Segundo, porque no estamos juntas o tempo todo, a gente nem da mesma turma... No d pra ficar conversando durante as aulas. Terceiro, e mais importante, porque algumas coisas so meio delicadas. No d pra falar com um monte de gente em volta, interrompendo a toda hora ou bisbilhotando. Sernpre pode ter algum ouvindo. E, pode no parecer, mas essa falta de privacidade pode acabar causando uns problemas srios.

Hoje, o caso que queramos comentar umas coisas da Cris. E no dava pra ser na escola.

Voc deve estar lembrando dela. J falei que a Cris era minha melhor amiga antes da Adriana. Depois me toquei que ela s tem franqueza contra, nunca a favor. E me afastei um pouco. At mesmo porque fiquei conversando mais com a Dri. Mas gosto da Cris e continuo amiga dela. S que ultimamente ela deu pra implicar um pouco com a Dri.

Nem sei se implicar a palavra certa. E tenho certeza de que ela no faz por mal. Mas a Cris fala meio sem pensar, tudo o que vem na cabea. S que a maioria do que passa pela cabea dela besteira. Quer dizer, na maioria das vezes, no uma coisa agressiva, maldosa. Ela no quer prejudicar ningum. uma pessoa legal, seria incapaz de fazer isso de propsito. Posso garantir. Mas to irresponsvel que faz um estrago. E de vez em quando cria um clima meio estranho.

Outro dia, por exemplo, teve uma reunio no auditrio do colgio, juntando vrias turmas. Era pra discutir um projeto de parceria que a gente desenvolve com a Escola Pblica Ana Nri, da Favela da Teimosia, que fica bem atrs do nosso colgio. Uma coisa que j dura anos. Tem um professor deles que mestre de capoeira e vem dar aulasna nossa escola. Uma vez por ms, os alunos de l tambm vm e a gente faz uma roda conjunta, o mximo! Por outro lado, ns nos comprometemos a ser responsveis por uma sala de leitura para eles. Ento todo ano fazemos umas campanhas para arrumar dinheiro, vamos a uma livraria, escolhemos livros, compramos, damos a eles, temos umas equipes que vo l uma vez por semana contar histrias para os pequeninos. E depois organizamos debates com os mais velhos sobre os livros. muito legal mesmo e a gente tem conhecido um pessoal incrvel.

Mas o caso que nessa reunio surgiu uma idia de se ampliar o trabalho para incluir meninos de rua. Pronto! Na mesma hora, comeou todo mundo a falar ao mesmo tempo, ficou o maior debate. Alguns pontos levantados:

Se isso no ia comprometer a nossa meta atual, que era de desenvolver em seguida um projeto de parceria em Informtica, aproveitando que o governo tinha dado uns computadores para o pessoal da Ana Nri.

Se valia a pena correr o risco de trabalhar em vrias frentes e dispersar o esforo.

Se a esta altura essa nossa parceria j no virou uma coisa s de amigos e estamos com essa animao toda porque estamos curtindo muito, e j nem mais para ajudar algum.

Se, na verdade, transformar solidariedade em amizade no exatamente a melhor conseqncia desse projeto e o negcio ir cada vez mais fundo nisso.

Se, pelo contrrio, assim no estaramos deixando de lado querr mais precisa.

Se, para tentar incluir meninos de rua, no Iramos precisar de um; ajuda mais especializada de adultos, alm dos professores quer dizer assistentes sociais, essa coisa toda, porque, por mais que a gente queira no temos condies de sair pela cidade afora tentando juntar menor e abandonados... para fazer o qu? E se eles no forem abandonados e forem s pobres que esto pela rua brincando ou indo para algun lugar? Como que a gente faz pra saber sem ofender? Fica vigiando pra ver onde eles dormem de noite? Pergunta? Meio ridculo, n? J imaginou: "Oi, desculpe, eu sou a Mariazinha, da Escola Anita Garibaldi, queria saber se voc um legtimo menino de rua".

Enfim, d pra imaginar como a tal reunio estava pegando fogo. C professores tentavam organizar, a coordenadora estava a ponto de mudar de nome (de tanto que no coordenava nada), os alunos todos davam palpites.

Pois bem, enquanto o pau quebrava e de todo lado se ouvia fali em criana carente e no sei que mais, a Cris resolveu disparar:

O que que voc acha, Dri? Podia ajudar muito, porque esse negcio de menor carente com voc mesma, n? Por experincia prpria...

O que vale que a confuso era tanta que pouca gente ouviu. M a Adriana ficou com os olhos cheios dgua. Levantou de repente e saiu do auditrio.

Eu ainda tentei dar uma bronca na Cris, mas ela comeou a justificar, como se tivesse feito o comentrio mais natural do mundo Deixe de bobagem, Tti. No tem essa de vir me dar lio de mo s porque fui sincera. A sua me mesma vive dizendo que a Dri mu carente, coitadinha, que ningum liga pra ela. Todo mundo sabe que mesmo. s uma brincadeira. Na vida precisa ter senso de humor, sabe.Achei melhor nem discutir. Fui atrs da Dri, que disfarava corredor, bebendo gua e dizendo que tinha um cisco no olho. Respeitei a vontade dela de no falar no assunto, mas eu sabia que o comentrio tinha machucado e fiquei muito chateada com a Cris.

Na semana passada, ela aprontou outra, de tipo muito diferente, ara explicar, tenho que comear contando umas coisas de antes. Se no, nem d pra entender. E tenho que falar do Fbio.

Eu acho o Fbio um nojo. Mas ele se acha lindo e gostoso, s porque anda numa turma de gatos. E, como vive no meio de uns meninos lindos, tem sempre menina em volta. S que ele nem desconfia que no por causa dele, por causa dos outros. Ou ento, desconfia sim, sabe perfeitamente, e usa os outros de isca, s para ficar com as sobras. Tem muita gente assim. At eu, que no tenho assim tanta experincia dessas coisas, j conheci alguns. s reparar que a gente descobre.

De qualquer jeito, o caso que o Fbio um horror. Um carinha metido a ser o mximo e, ainda por cima, um tremendo puxa-saco. Vive na casa da Carla, porque todo amigo do Vtor, irmo dela esse, sim, um gatao! Mas deve nos achar umas pirralhas, porque nem olha pra ns. Bem o Fbio diz que muito amigo dele. Acho que no nada disso, s porque o pai do Vtor e da Carla o Vc Bellini, sabe? Ele mesmo! vocalista do Razes Ocultas... Aquele louro de cabelo comprido e olhos azuis que toda hora aparece na televiso e nas revistas. Minha me disse que ele foi multo bonito e excelente msico. Eu no sei, pra mim meio velho, no d muito para imaginar, mas pode ser. Quer dizer, at que d pra acreditar. Porque o Vitor deve ter puxado dele bonito esmo, demais! Mas um cara todo sossegado, bom aluno, tem uma morada firme, a Mantinha, da mesma turma dele...

Enfim, voltando ao Fbio, tenho certeza de que ele nem amigo de verdade do Vtor, quer s ficar por perto para pegar o respingo do brilho do pai dele aquela coisa de viver l, ficando ntimo dos outros artistas que sempre aparecem, ficam ensaiando, e toda hora pedem hora ele ajudar, ir buscar alguma coisa...

Nem quero perder muito tempo falando do Fbio, s quero contar da Cris. Do que falei, j deve ter dado pra voc imaginar a pea.

Pois uma vez, alguns dias depois da festa que a Carla deu, o Fbio estava na sada do colgio com a Mareie e a Cludia (nem precisava eu r os nomes, elas so de outra turma e no vo ficar entrando nesta histria toda hora), e eles ficaram parados na calada conversando, enquanto no chegava a me da Cludia, que ia buscar a filha de carro. Como a Dri vinha saindo e justamente nesse dia o pai dela tinha dado uma carona para a Cludia ir ao colgio (ela mora pertinho da gente), foi natural que ela chamasse:

Oi, Adriana, quer uma carona para casa? Minha me no demora, j est chegando.

E foi assim que, num carro apinhado de gente com quem ela no tinha nenhuma Intimidade, a Dri ouviu o Fbio dizer:

Ainda bem que a Carla no me convidou para aquela festa...

Mas eu pensei que o Vtor ia te chamar disse a Mareie.

No, a festa no era dele. Era s daquela irm dele, com aquele bando de pirralhos.

Ah, por isso que voc no foi...

Ainda bem que eu no tinha que ir. Mas no foi s por isso, eu ia, se quisesse. No preciso de convite pra ir l, eu sou da casa; como eles mesmos dizem. Mas aproveitei para no ir, dizendo que era melhor que ela ficasse vontade l com os amiguinhos dela. J imaginou, ter que encarar a Carla? Falar com ela, essas coisas todas. Deus me livre, aquilo um jaburu, parece uma bruxa, se algum encontrar no escurinho at tem um treco, morre de pavor... No d n? P, ela a menina mais feia que eu j vi.

A Dri at levou um susto, misturado com a vergonha de estar ouvindo aquilo. Mas ele continuava:

E tem mais!

As outras fizeram um silncio, prestando ateno. Ele completou:

Vocs nem Imaginam, mas a Carla muito fedorenta. Quando ela chega bem perto assim, a gente sente aquele cheiro de suor azedo, de mau hlito, sei l o que . No assim um fedor forte, mas aquela inhaca que no vai embora, sabe? D at enjo na gente, vontade de sair correndo. Acho que ela no toma muito banho...

A Dri contou que achava que todo mundo sentiu o mesmo mal-estar que ela, por estar ouvindo aquelas coisas. Deve ter sido, porque no banco da frente, no volante, a me da Cludia rapidamente puxou outro assunto, engrenou outra conversa e ningum falou mais nada sobre aquilo. Mas no dia seguinte, na hora do recreio, enquanto a Adriana me contava essa conversa, toda horrorizada, a Cris chegou e quis saber q0 que a gente estava falando. A Dri contou de novo, desde o comeo A reao da Cris foi igual nossa. Ficou revoltada:

P, mas que carinha nojento esse Fbio! Vive metido na casa da Carla, diz que como se fosse da famlia, e vem com uma baixaria dessas contra ela, em pblico... Fedorenta? Francamente, nunca senti cheiro nenhum.

Claro que no sentiu, Cris, nada disso verdade. No mximo, pode ser que no use muito desodorante, ou use de uma marca que no funciona bem. Mas se houvesse mesmo algum cheiro, todo mundo ia sentir, no s o delicado nariz daquele porcalho do Fbio, evidente. E tem mais: s olhar pra ela com ateno que a gente descobre que ela no feia. De verdade. Pode parecer, mas no . A Carla at que bonita, s que diferente, no um tipo comum, igual a todo mundo. Ela tem uma cara forte, uns traos definidos, assim meio... fui tentando descrever.

No importa cortou a Dri. Mesmo que fosse horrorosa e imunda, o Fbio no podia fazer uma coisa dessas.

Se ele acha que ela tem mau hlito, ou precisa tomar mais banho, devia chegar pra ela e dizer, francamente... ia comeando a Cris, fiel a sua linha de defensora da franqueza.

Francamente, coisa nenhuma! interrompi. No tinha que falar nada. Esse tipo de franqueza a gente dispensa... Mas, afinal de contas...

No mximo, se fosse mesmo verdade, e ele quisesse ajudar, podia conversar com o Vtor, com jeito, na maior diplomacia e delicadeza, para ele dar um toque na irm sugeriu Adriana. Afinal de contas, ele no vive dizendo que os dois so to amigos?

Bem, isso ... concordou a Cris. De qualquer modo, o que eu estava querendo dizer que um absurdo o Fbio sair falando da Carla desse jeito por a. Ele no tem o direito! um grosso, um idiota!

Um babaco!

Um...

Ficamos, na mais perfeita unanimidade, encontrando adjetivos cada vez mais adequados ao Fbio. Estvamos as trs de acordo em nossas opinies sobre ele. E tudo podia ter ficado por a.

Acontece, porm, que, no dia seguinte, estvamos na fila da cantina comprar o lanche quando apareceu o Fbio. E a Cris resolveu ir tomar satisfaes:

Francamente, Fbio, como que voc tem coragem de falar da Carla do jeito que falou?

Ele fez cara de santo:

Eu? Da Carla? Est maluca, , menina? Ela ficou furiosa, comeou a falar mais alto:

Ainda nega? Vai dizer que no disse que a Carla a menina mais feia...

Esto falando de mim, ? interrompeu, toda sorridente (logo quem?!), a Carla, que vinha chegando, s ouviu seu nome e entrou na conversa.

Mal tive tempo de agarrar a Cris e sair com ela da fila antes que algum dissesse mais alguma palavra, enquanto a Dri ficava e desconversava como podia. Mas em seguida, quando a Carla se afastou, o Fbio caiu em cima da Adriana:

Sua papagaia! Repete tudo o que ouve, ? Voc mesmo uma pirralha fofoqueira... nisso o que d a gente ter conversa de adulto na frente de criana. Mas pode esperar que tem troco, isso no vai ficar assim. Voc vai ver s...

No adiantou ela negar, dizer que no sabia do que ele estava falando, garantir que no tinha dito nada. O mal estava feito.

Do outro lado do ptio, eu soltava a lngua na Cris. Num instante a Dri estava l conosco, ainda a tempo de ouvir, junto comigo:

Mas tambm, a culpa de vocs. Quem mandou contar coisas intimas sem pedir segredo? Se tivessem dito que era pra no comentar, eu ficava na minha...

_ E precisa, Cris? Tem coisas que so to evidentes que qualquer um percebe... - eu respondi.

Adriana no respondeu nada. S segurava um choro. A Cris continuava, se fazendo de ofendida com a minha bronca:

_ Todo mundo sabe que sou uma pessoa muito discreta, guardo qualquer segredo. Mas tambm, tem que me dizer que segredo. No Pra adivinhar. Se no segredo, eu posso falar, francamente, com qualquer um. Eu no fiz nada demais. Ele que...

Cris! interrompi. Quando que voc vai aprender que essa tal franqueza de que voc vive falando nem sempre uma qualidade? Tem horas que ela pode virar uma arma, sabe?

O qu? Voc agora quer que eu vire uma pessoa fingida? Uma covarde? Que veja algum como a Carla ser atacada pelas costas, coitada, por algum que se diz amigo, e no faa nada? Nem ao menos ente fazer alguma coisa em defesa dela?

No nada disso. S estou querendo dizer que agora mesmo, h pouquinhos minutos, voc podia ter ferido muito a Carla, machuca lo mesmo, feito sofrer, sabe o que isso? J imaginou o que seria? Ela chegando toda alegre e brincalhona, no meio de todo mundo, e ouvir que o Fbio disse que ela feia e fedorenta? Acha que no di, ? Que no ia causar um sofrimento que podia durar muito tempo, ficar com la por toda a vida? Pois era isso o que voc ia fazer. E eu sei que no por mal. s porque voc no consegue pensar um pouquinho ante e falar, medir as conseqncias do que vai dizer, sacar que as palavras tm um peso na vida das pessoas.

Mas a Carla nem estava ali, foi um azar ela chegar de repente. E no estava dizendo nada disso para ela ouvir. Foi um acidente ele legar bem na hora. Eu s queria mostrar ao Fbio...

Eu estava perdendo a pacincia. A Cris sempre apronta essas situa Des e dessa vez, eu no ia deixar passar. Insisti:

Pois no tinha nada que se meter. E se tivesse, no era pra se aqueles termos, naquele lugar, com todo mundo em volta ouvindo. Voc no pensou que todos que estavam na fila podiam sair dizendo que a Carla fedorenta? Nem que o Fbio podia ficar com raiva da Dri em que a Carla podia se machucar, ficar arrasada, passar a tarde e a noite chorando e ir mal na prova de amanh? Nem que isso pode estragar a amizade do Fbio e do Vitor? Sei l, tem tantas outras coisas que podem acontecer por causa de um comentrio desses, nem d pra pensar em tudo. Mas voc no pensou em nada, nunca pensa, a no ser em como legal fazer esse papel de herona, defensora dos coitados. Mas isso que voc chama de defesa acaba muitas vezes sendo aior ataque contra quem voc est querendo defender.

Com esse argumento, a Cris sossegou. No respondeu nada.Ficamos as trs em silncio. E sem lanche, porque a essa altura a fila da cantina j estava imensa, a gente tinha que entrar no final dela outra vez, e ningum estava com cabea para voltar l. Mas a Dri e eu aprendemos que h certas coisas que no se pode contar Cris. Coisas que nem podemos conversar no colgio. melhor guardar para falar no telefone.

Por Isso, o papo tem que ser interminaaavel...

Ainda mais nesta sexta-feira. Alm de comentar sobre todos os assuntos do dia, da vspera e da semana passada (sempre h ngulos novos e detalhes que escaparam de conversas anteriores), tnhamos um grande assunto futuro: a final do torneio intercolegial de vlei, marcado para amanh no Coqueiros.

Acho que aqui preciso explicar que Coqueiros o nome do melhor clube de Palmeiral. Um nome inteiramente sem graa, sem nada a ver. Acho que deram esse nome porque em So Paulo existe o Clube Pinheiros, Clube Palmeiras, sei l. Val ver, algum diretor achou que todo clube tem que ter nome de rvore. Ainda bem que no resolveu chamar de Bananeiras, ia ser mais ridculo ainda.

Mas, enfim, amanh a final do intercolegial de vlei no Coqueiros. E tem uma coisa chata-, a Dri no foi selecionada para o time. claro que tnhamos muito o que conversar sobre isso no telefone. E conversamos, um tempo, mesmo. Era importante.

_ Achei a maior injustia disse eu, quase concluindo, finalmente. _ Voc est jogando cada vez melhor.

_ Mas ainda no d, Tti. _ a ser o maior estmulo.

_ Deus me livre! _ Deixe de ter medo, sua boba.

Mas ainda no d para eu me meter no meio daquelas feras ali. Eu no ia dar conta.

_a, sim animei. Voc precisa confiar em si mesma. No falta de confiana. porque no d mesmo. Ainda tenho um pouco de medo de bola... Quer dizer, eu acho. Quando eu vejo que vem uma cortada, fico querendo me encolher toda e fechar os olhos. Ainda bem...

Ainda bem o qu?

Ainda bem que no vou ter que jogar...

Ser que a gente ganha?

No sei. No quero desanimar ningum, no. Mas o time do Santa Rita muito bom.

Eu sei. Por isso que eles chegaram na final junto com a gente, nosso time tambm muito bom. Os dois vo disputar a deciso do meio porque so os dois melhores.

Mas elas so melhores ainda.

Por que que voc est dizendo Isso?

Fiquei pensando: ser que a Dri estava aprendendo a ter ataques de riqueza tambm? Seria uma hora boa para tanta sinceridade? O que era melhor na vspera de um jogo decisivo? Ficar com a moral alta, falando que vai ganhar? Ou estar to preparada para um adversrio rigoso que at parece que vai ser impossvel derrot-lo?

Porque eu conheo bem, Tti. Esqueceu que eu estudava l? O u, o professor de Educao Fsica deles, foi tcnico do Independente. Se tem coisa que ele sabe, treinar equipe de vlei.

De que lado voc est, Adriana? Agora vem dizer que o Edu maior? Insinuar que ele melhor do que o Alcides, s porque foi tcnico de time profissional? O Alcides pode muito bem ser um professor melhor, saber ensinar de um jeito que a gente aprende mais... Isso tambm importante, sabia? eu estava me irritando e subindo o tom voz. Afinal de contas, qual a sua? Vai torcer pelo Santa Rita ou o Anita Garibaldi?

Pelo Anita, claro! Mas tenho medo. Porque sei que aquele pessoal fissurado em vlei. Todo sbado tem jogo, todo dia tem umas turmas que ficam jogando depois da sada... No Santa Rita assim... Voc ento est me dizendo que acha que no d pra gente ganhar? De jeito nenhum?

_ Dar, d... Claro que d... Estou s dizendo que vai ser difcil.

_ Pelo jeito, vai ser difcil pra todo mundo. O R falou que o Cruzeiro tambm...

Que R? Meu irmo, Dri... Voc conhece outro R? Ou ser que esqueceu que ele do Cruzeiro e que na final da outra categoria o Anita vai ter que decidir com o Cruzeiro?

Ah, desculpe, s estava pensando na nossa...

Eu penso em todas, queria muito que a gente ganhasse pelo menos uma.

Ento, quem sabe se a gente no ganha do Cruzeiro?

Pelo que o R falou, no temos a menor chance. Se ns, na nossa categoria, no conseguirmos dar uma surra no Santa Rita, o que acontece que mais uma vez o Anita volta pra casa sem uma taa. Sempre com a eterna consolao do segundo lugar.

Sempre alguma coisa...

Mas, Dri, sabe l o que isso? Todo ano a gente fica na maior torcida e no passa do segundo. Nunca, em toda a histria do Colgio Anita Garibaldi conseguimos vencer nenhum torneio. Por mais que a gente queira ter esperanas, vai dando um desnimo...

Podia ser pior, Tti. Afinal de contas, tem muito colgio que nunca chegou final.

Desisti. Ela est h menos tempo no Anita, no como eu, que entrei l no maternal e nunca sai, como se fosse minha casa, minha famlia. Quero muito que a gente ganhe. Mas no quero me chatear em na vspera da deciso. Ainda mais com minha melhor amiga. Melhor inventar uma desculpa, cortar o papo e desligar de uma vez.

Bem a tempo.

Mal desliguei o telefone, deitei no sof e botei os ps para cima do encosto do brao, para continuar a leitura da Ilha do tesouro que numa hora emocionante, o garoto ouve o barulho de uma perna Pau se aproximando pelo meio da neblina quando o R chegou, m meu pai. Os dois sujos e suados do jogo de futebol.

Esse telefone estava fora do gancho? perguntou meu pai assim que abriu a porta.

No, por qu?

Ficamos tentando ligar e dava sempre ocupado. Sua me j chegou?

Ainda no respondi. Dei uma pausa e sugeri:

Vai ver, a linha est com defeito. Meu irmo foi verificar.

No, est fazendo aquele barulhinho normal.

Ento foi algum problema naquele orelho do calado concluiu meu pai, j tirando a camisa suada para entrar no chuveiro.

Ao mesmo tempo, ouvi a chave na porta da entrada. Minha me negava do trabalho. Antes que ela tambm comeasse aquela lengalenga de dizer que tinha tentado ligar para casa e o telefone estava ocupado, fui levantando e anunciando:

Vou pr a mesa.

Eu ajudo disse o R.

L dentro, na cozinha, pegando os talheres dentro da gaveta, ele olhou para mim e disse:

Tti, toma cuidado. Esse negcio de voc demorar esse tempo todo no telefone ainda pode dar uma grande merda.

No telefone? Quem? Eu? tentei disfarar. Ele insistiu, com firmeza:

Um dia desses, voc encara o pai de mau humor e ele pode egar pesado. Voc nem imagina como ele veio reclamando por causa isso pelo caminho todo, os trs quarteires da praia at aqui. A sorte que hoje ele fez um gol Incrvel e est nas nuvens, todo feliz. Quer tal sair para comemorar, jantar fora com a me, acho que era por isso que estava querendo telefonar, para ela ir se arrumando. Mas abre o lho, porque um dia sobra para o seu lado.

No sei do que voc est falando.

Com as mos cheias de talheres, ele fechou a gaveta, empurrando com o quadril direito, olhou bem para mim e falou num tom srio, orno se estivesse se dirigindo a uma criancinha:

Sabe, sim. Quando encostei o telefone no ouviao para ver se tinha algum defeito, deu perfeitamente para sentir que ele estava quente tanto tempo que voc ficou falando. Eu no disse nada, para te dar cobertura. No estou aqui para ficar entregando ningum. Mas de outra vez voc pode no dar essa sorte.

Fiquei quieta. Era uma ameaa? Ou um conselho de amigo? E se fosse? O que significava? Que meu irmo no estava mais sendo to implicante? Ou que estava nervoso por causa da final do torneio e queria minha torcida no momento decisivo? Negativo. Nunca que eu ia torcer contra meu colgio.

4. MO AMIGA_Puxa! Que dia!

O sbado da final do torneio de vlei teve tanta coisa acontecendo que nem sei como dar conta.

Pensei que primeiro devia fazer uma espcie de reportagem completa e descrever como foram as partidas propriamente ditas. Afinal, a deciso do intercoleglal que foi o principal acontecimento do dia.

O caso que nenhuma descrio ia conseguir mostrar como foram esses jogos decisivos. Se eu tentasse, a ficar que nem transmisso esportiva pela televiso, s que sem imagem, tentando passar para voc i emoo do que acontecia naquela quadra. No ia chegar nem dcima parte do que foi. Por mais que eu quisesse falar nas levantadas de bola incrveis da Luana, no saque com efeito que o Santa Rita mandava para cima da gente quando uma grandalhona de cabelo arrepiado estava no servio, ou na sorte que dei em conseguir colocar uma bola Indefensvel no cantinho, bem na hora de assegurar uma vantagem decisiva (que, alis, acabou virando ponto e nos levando conquista do segundo set nem sei como deu para eu perceber de repente que aquela rea estava descoberta e a jogadora deles no ia conseguir voltar i tempo para rebater). Mas, principalmente, sem ter estado l presente 10 melo da torcida, nunca que voc vai poder avaliar o papel decisivo la Cris nesse jogo uma gigante na quadra, cortando com uma preciso e uma velocidade de campe olmpica, bloqueando como se fosse a Muralha da China.

Enfim, foi um jogo emocionantssimo! Elas ganharam fcil o primeiro set, mas ns no perdemos a calma e, quando j estava 14 a 13 no segundo set, conseguimos virar e garantir que as coisas no iam ficar assim. No terceiro, finalmente, partimos pra cima delas com garra, fomos crescendo cada vez mais, numa empolgao s...

No se engane. No foi um passeio, nada disso, o time do Santa Rita mesmo de feras, mas o caso que, depois de um tempo em que o jogo estava superequilibrado, vantagem para l, vantagem para c, de repente, elas erraram um saque e em seguida fizemos um grande bloqueio, uma levantada exata e a Cris deu uma cortada genial, uma bola que at hoje elas devem estar perguntando por onde passou. Para defender, era preciso ser a prpria Santa Rita, que dizem ser a padroeira dos casos impossveis. Porque, se fosse depender de gente comum, assim feito ns, no dava mesmo.

Nem preciso dizer que a foi aquela festa. Apito final do juiz, quadra invadida, gritaria, abraos pra todo lado, choros, cantoria, torcida, batucada. L estvamos ns: pela primeira vez na histria, o Anita festejando um campeonato e trazendo a taa! A Cris foi at carregada nos ombros, numa volta pela quadra. Uma alegria sem fim.

A equipe masculina, na outra categoria, no teve a mesma sorte (ou a mesma capacidade, afinal uma vitria dessas no s uma questo de sorte) e tomou a surra tradicional e esperada: foi eliminada logo no segundo set, por 15 / 8 e 15/5. Rapidinho. O time do Cruzeiro era mesmo muito experiente, cheio de Jogadas espertas, ensaiadas, o nosso no dava nem pra sada. Eles tinham um tal de Bial que era um absurdo, no perdia uma, parecia jogador

de seleo. E eram mesmo os favoritos. A derrota do masculino do Anita no surpreendeu ningum, o pessoal no estava contando mesmo on a vitria. Para falar a verdade, com vitria nenhuma. A nossa que zebra.

Por tudo isso, a festana parece que foi ainda maior. E como o 6so jogo foi antes do da equipe dos meninos, depois ainda fomos ajudar a torcer por eles, mas no adiantou. Acho que os caras ficaram nervosos demais, sentindo a tenso da responsabilidade ainda maior pois da nossa vitria o que s piorou as coisas para o lado deles.Mas, para a histria que estou contando, esse momento na arquibancada teve coisas importantes.

Alis, acho que posso aproveitar essa ligeira pausa para explicar um aspecto importante disso que estou escrevendo, que o tempo. Por ia questo de honestidade com voc. s vezes falo (ou melhor, escrevo) "hoje" para me referir ao dia em que as coisas esto se passando. Por exemplo, no captulo anterior, fiz isso o tempo todo. Mas o quer dizer que esse "hoje" de verdade, que escrevi exatamente o dia em que aconteceu. s um jeito de contar. At falei com o Clovis, professor de Portugus, para saber um pouco dessas coisas. Ele explicou que existe um tal de "presente histrico", que os escritores usam para narrar as coisas como se estivessem ocorrendo na hora. Mas esse caso, eles usam o presente mesmo. Sabe como ? Em vez de en "Hoje a Dri me telefonou, etc...", eu a ter que escrever alguma coisa como "O telefone toca. Vou atender. a Dri...". E assim por diante.

No bem o que estou fazendo. Pelo menos, no o tempo todo. Estou s usando um artifcio de aproximar o passado do presente foi que o Clvis explicou. Mas toda a explicao dele foi em termos ais. Sobre tcnicas de narrativa, como ele diz. Porque eu no mostrei a ele este texto nem disse que estou escrevendo nada. uma coisa lha, ningum tem que saber. S quem sabe o Diego, e mesmo assim, s de um modo muito vago. Como vou lhe contar mais adiante, certo modo a idia de escrever isto surgiu por causa de uma conversa com ele.

Mas isso fica para depois, porque, neste ponto em que estou agora, o Diego mal entrou na histria. Agora que ele vai aparecer de novo.

Justamente na arquibancada do Clube Coqueiros, onde estava o pessoal -!JS assistia final do torneio intercolegial de vlei.

S que, antes do Diego, ainda vai aparecer de novo outra pessoa, p talvez voc nem imaginasse que ainda ia cruzar novamente o nosso caminho. Uma menina lourinha, de olhinhos brilhantes, jeito meio tmido cara simptica. Comeo ento falando dela. Quando acabou o jogo entre o Anita e o Santa Rita, foi aquela festa de que j falei. At o grito de guerra da torcida deles a gente conquistou para ns, porque eles sempre gritam:

a maior! A mais bonita! a vitria do Santa Rita!

E num instante, estava todo mundo gritando:

a maior! A mais bonita! Grande vitria a do Anita!

E mais outras variantes:Viva o Anita!

Acabou com o Santa Rita!

Pois bem, no meio dessa confuso que tinha se formado depois do final do jogo, com um monte de colegas pulando e nos abraando, apareceu uma menina com a camisa do Santa Rita, se metendo tambm Para dar abraos e parabns. Ningum estava ligando muito, nem prestavam ateno nela direito, mas achei esquisito. Mais ainda, quando vi que ela estava falando alguma coisa com a Adriana, que fez cara de zangada, meio chorosa, empurrou a menina e sumiu, nem vi para onde ela foi. Como lembrei que a Dri tinha estudado no Santa Rita, achei que as duas deviam se conhecer de l e que a garota tinha vindo implicar com minha amiga. Fui tomar satisfaes. Me livrei como pude de todos aqueles cumprimentos minha volta e fui l perguntar:

O, garota... Voc no do Santa Rita? O que que est fazendo " no meio da gente? Desculpe respondeu ela, melo sem graa, com um ar de quem estava chateada -| vim dar os parabns, falar com uma amiga minha que no via h um tempo...

Com quem?

Com a Adriana, voc conhece? Conheo, sim. E, pelo que vi de longe, ela no estava muito querendo falar com voc. Por que no deixa ela em paz e vai cuidar da sua vida, hein?_ Desculpe repetiu ela, abaixando os olhos e engolindo em seco. Sei l, foi alguma coisa no jeito dela que me tocou. Perguntei: Voc amiga dela?A menina no disse nada. Insisti:

Eu te fiz uma pergunta, garota. No ouviu no, ?

Ela disse, meio baixo, de um jeito que quase no ouvi no meio da fritaria:

Nem sei mais. No sei o que aconteceu. A gente era muito imiga. Agora no sei. S sei que nunca mais a gente se viu. E eu estava :om saudade dela...

Qual seu nome? Rafaela.Ah, pensei... a do aniversrio, que fez minha amiga chorar tanto. Comecei a entender... Fiz outra pergunta:

E por que vocs deixaram de ser amigas?

No sei. Ela se mudou, saiu da escola, no foi minha festa, nunc mais quis falar comigo... Deve ter sido alguma coisa sria, mas no sei-.

E comeou a ficar com a boca tremendo, sabe?, como quem est quase chorando... Essa no! Criar um clima desses bem no meio maior festa esportiva que o Anita j teve? Fui logo cortando:

Escute, fique na sua que tenho uma idia. Eu conheo a Dri. Voc vai ficar por a?

Acho que vou. Bem que eu estava querendo ir embora, mas meus pas s vm me buscar no final.

Pois ento depois eu trago a Dri para conversar com voc. Mas agora e melhor voc ir para junto do pessoal do seu colgio, que a festa aqui nossa...

- T bem.

Foi saindo, mas mudou de idia e voltou. Eu j estava indo para o meio da batucada, ela puxou minha camisa para me virar e disse:

Desculpe, eu no queria atrapalhar a festa de vocs, s quis falar com a Dri porque adoro ela. E multo obrigada, viu? Voc foi muito legal.

E foi embora.

Voltei para o meio da minha turma e na hora nem pensei mais em nada disso. Ainda festejamos um pouco, depois fomos para o vestirio tomar uma ducha e trocar de roupa antes da cerimnia de entrega dos trofus e medalhas. Enquanto isso, comeava o jogo dos meninos contra o Cruzeiro.

Quando voltei, limpinha e cheirosa, toda produzida para subir no pdio na cerimnia final, fui sentar na arquibancada. A Dri tinha guardado um lugar para mim perto dela e ento lembrei da menina. Fiz sinal para a Adriana me esperar, fui at perto de onde estava o pessoal do Santa Rita e nem precisei procurar. A Rafaela saiu do meio do grupo e veio correndo para perto de mim:

_ J falou com ela? foi logo perguntando. _ Ainda no respondi. Antes de falar, quero que voc me explique que histria essa.

_ Bom, a gente era muito amiga, sabe? De verdade, a Dri um barato de pessoa, era minha minhamelhor amiga, eu adoro ela._ Isso voc j disse. S no disse foi o que aconteceu.

No posso dizer. Ela minha amiga repetiu a menina Desculpe, mas no vou ficar falando dela assim... S com ela mesmo. Porque, se eu falar com os outros, pode parecer que ela fez uma coisa que no foi legal, mas tenho certeza de que deve ter tido um bom motivo. E no quero que ningum pense mal da minha amiga.

Tai, gostei da resposta. Achei que era uma atitude leal, de quem gosta mesmo. De amigo verdadeiro. Ainda testei, provocando:

Amiga? Que fica dois anos sem falar com voc?

Como que voc sabe que so dois anos? reagiu ela. eu io falei quanto tempo era...

Eu j ouvi falar nessa histria. E, pelo que sei, bem diferente do que voc contou.

A firmeza dela me deixou admirada:

Ento me conte. Porque, para mim, exatamente como te disse Eu ia dar uma festa, a Dri me ajudou em tudo, cuidamos dos mnimos detalhes. E em cima da hora ela no foi, no telefonou, no deu sinal de vida. E nunca mais quis falar comigo.

Voc tem certeza de que convidou? provoquei, sempre na defesa da Adriana.

Voc no entende... como mesmo seu nome?

Tatiana. Pois olhe, Tatiana, no sei se voc j teve uma grande amiga, de verdade, dessas que a gente sabe que para sempre, pode contar para tudo, confiar em tudo. Como se fosse uma irm. Mais ainda. Porque mn a gente no escolhe, e amiga, sim. J tive, sim confirmei, sem dizer que era a mesma pessoa de quem ela estava falando. S no sei em que isso justifica a gente dar ima grande festa e no convidar essa amiga.

Mas o que estou explicando. Uma amiga assim uma pessoa nurto especial. Nem precisa de convite, claro que ela estava convid-la! A festa era nossa, de ns duas, to dela quanto minha... A, nos dois dias antes da festa, quando eu queria combinar os ltimos detalhe-unca tinha ningum na casa dela. Mas eu tinha certeza de que ela lesmo assim, no ia esquecer. S que no foi.

E por que voc no falou com ela depois?

Voc pensa que no tentei, Tatiana? Fiquei ligando para ela, porm atendia. Fui na casa dela, no tinha mais ningum, o porteiro disse que eles tinham se mudado. Eu era a melhor amiga da Adriana, ela se mudou e nem me disse para onde. No me deu o endereo novo nem o nmero do telefone. S pode ter acontecido uma coisa muito 5ha Tenho certeza. No quero que voc pense mal dela, ouvindo isso que contei.

Resolvi ajudar, estender uma mo amiga. Pelo jeito, a Rafaela merecia:

No vou pensar mal dela. Tambm gosto multo da Dri. E sei que ela sempre gostou muito de voc, s que ficou achando que no foi convidada para o seu aniversrio e se chateou. Vamos at l falar com ela. Tenho certeza de que vocs vo se entender.

Tnhamos que Ir logo, aproveitar o intervalo para poder trocar de lugar. E a caminho de onde estava a torcida do Anita na arquibancada, a Rafaela ainda contou mais:

Nem acredito que a gente vai poder esclarecer isso agora... Essa histria estragou minha festa de aniversrio, minhas frias, tudo. Quando as aulas recomearam, eu estava louca para conversar com a Adriana, e s a descobri que ela no estudava mais no colgio. Fiquei to chateada que vivia de mau humor, comecei a ter problemas na escola. Minha me foi at l, conversar com a coordenadora, acabou voltando com o nmero do telefone novo da Dri. S que no adiantou nada, ela no quis falar comigo. Minha me at se meteu de novo, falou com a me da Dri, ela velo at o telefone, cheguei a ouvir a voz dela dizendo "Al!". Mas, quando eu comecei a falar, ela desligou na minha cara! Ai tambm foi demais, n? Tenho ^eu orgulho, no la ficar me rebaixando, lambendo os ps de quem 92 uma coisa dessas comigo...

_ ... disse eu, sem saber o que dizer. Ainda bem que dava pra no dizer mais nada, s ir subindo pelo meio dos degraus e me encaminhando com a Rafaela para junto da Adriana, que nos olhava meio de boca aberta, sem entender o que estava acontecendo.

Tambm, a ocasio no era boa para entender nada. O intervalo da decisiva de um torneio, no meio da torcida!Mal tinha lugar para uma pessoa sentar ao lado da Adriana. Enquanto estvamos ali de p, vendo que jeito a gente dava, comeou o segundo set. A galera toda mandava a gente sentar. De repente, algum me cutucou num degrau acima e eu vi, ainda mais para o alto, um brao que saia da multido e se estendia na minha direo. Tipo mo amiga sabe como ? E voc nem imagina quem era o dono do brao. Era o Diego, fazendo sinal:

Oi, vem c, aqui tem um lugar!

No dava pra hesitar nem escolher. Subi e sentei. Ele explicou:

No tinha mais lugar do outro lado, na torcida do Cruzeiro, e acabei sentando aqui com o Penumbra. Nem reparamos que estvamos justamente no meio da torcida do outro time. Mas ele no agentou a presso do pessoal do Anita e foi embora.

Ainda bem. Porque Penumbra no pode ter dois. E o Penumbra que conheo um moreninho de olhar cado, assim meio de peixe morto. Um amigo do meu irmo, da turma dele. E para mim, por definio, todo amigo do meu irmo um chato.

Ficamos ali os dois, Diego e eu, sentados lado a lado, assistindo a uma final de campeonato como se estivssemos na igreja. Olhando para a frente, compenetrados, e em silncio. Eu, porque estava meio sem jeito, e naquela partida no tinha mesmo nenhuma jogada nossa to brilhante que me desse vontade de festejar, o time do Anita estava levando uma surra e no dava nem pra sada diante do adversrio. Alm disso, eu estava com um olho na quadra e outro na torcida, preocupada com o encontro entre a Adriana e a Rafaela mas, pelo jeito, elas estavam se entendendo, falando sem parar, sem nem olhar para o jogo. Quanto ao Diego, na certa aquele silncio tinha outra explicao: ele devia estar se controlando para no torcer pelo Cruzeiro no meio da torcida do Anita. Se ousasse comemorar os pontos deles era capaz at de apanhar.

Quase no fim do jogo, ele comentou:

Bom, parece que esse ai a gente ganha... Tambm, vocs no podem levar tudo! Alis, nem lhe dei os parabns. Voc jogou bem demais! Quando falei com voc outro dia na casa do Vtor, nem imaginei que estava conversando com uma campe...

_ ... hoje a gente deu sorte... uibbe eu, estourando de orgulho, mas tentando parecer modesta.

Sorte, nada! Foi categoria mesmo... insistiu ele.

Olhei bem para a cara dele e sorri. Como no sorrir diante de um comentrio desses de um menino at que quase bonitinho? E com um sorriso to... Simptico? No, no essa a palavra. Transformador, isso sim! Nos olhos dele, eu j tinha reparado antes. Mas foi nesse momento que descobri, assim de uma hora para a outra, uma coisa surpreendente e inesperada, que me pegou pelo p, de repente. que, quando o Diego sorri, o rosto dele se transforma por completo. Fica bonito, com os olhos meio apertadinhos e uns dentes muito brancos chamando a ateno no rosto bronzeado. A gente at esquece o nariz um tanto grande e a pele, assim... marcada, digamos. De certo modo, o sorriso reala os aspectos positivos dele: o olhar, os dentes e, sem dvida, o cabelo. Bem preto, liso, sempre caindo um pouco na testa.

Mas no cheguei a ter tempo de fazer multa coisa com essa descoberta. Todo mundo se levantava, tentava descer os degraus da arquibancada. Ns dois tambm. No meio disso, veio a Adriana em sentido contrrio, subindo e pedindo:

Voc tem uma caneta e um papel para me emprestar? Estou precisando anotar uma coisa.

Sentei de novo. Diego sentou ao lado. Mil pernas passavam em volta, empurravam, a maior confuso. Ele se virou para trs e reclamou com algum que empurrava, enquanto eu botava a mochila no colo e abria. Estava supercheia e, para pegar um caderninho que estava no fundo e arrancar uma folha, eu tinha que tirar algumas das coisas que estavam por cima. Entre elas, o livro que eu estava lendo, to emocionante que eu carregava pra todo lado, para ver se conseguia adiantar e ler um pouco no nibus, nos intervalos de qualquer coisa A ilha do tesouro, no sei se j falei nele, nem se voc j leu, demais!

_ Est gostando? perguntou Diego.

_ Do qu? Da derrota? Ou dos empurres das pessoas? perguntei quase malcriada.

Ele sorriu de novo. Quase me esqueci do resto: o que era mesmo que eu estava fazendo ali no meio daquela multido, com uma mochila aberta no colo, puxando para fora dela um saco plstico com u uniforme de vlei sujo e suado? Do livro, claro... explicou ele.

Anda, Tti... Tem ou no tem? insistiu a Dri conseguind chegar perto e estendendo a mo.

Tenho, sim.

Achei o caderninho, peguei a caneta na bolsinha de fora da mochila e passei tudo para ela. Guardei de volta l dentro o que tinha tirado e levantei. Ao mesmo tempo, vi a cara do R, meu irmo, uns degraus abaixo. Estava todo animado, no meio de um monte de amigos do Cruzeiro, festejando, olhando em minha direo e chamando:

Anda, cara! Vamos l no vestirio falar com o Biel... No entendi nada. Cara, eu? E me meter no vestirio dos menino-

Com meu irmo? Para falar com o sebento do Biel? O R devia te ficado maluco... No dava mesmo pra entender.

Por um segundo.

Porque a percebi. No era comigo. Os amigos do R, em volta dele, gritavam:

Anda logo, Didi!

O Diego, descendo os degraus, se despediu rapidamente:

Tchau, Tti...

E gritou para o R:

T indo, Frajola...

Dd? Frajola? Essa no! Ento tudo aquilo que eu acabava de descobrir em volta do sorriso do Diego era apenas o Dldi? O famoso Didi amigo do meu irmo? Parte daquela turma infecta de Biel, Quico, Penumbra e no sei quem mais? O tal Dd que vivia ligando l para casa e deixando minha me furiosa quando mandava chamar o Frajola?

Mas a confuso em volta era enorme. A Dri e a Rafaela me chamavam. Todo mundo que ainda estava na arquibancada descia os degraus, com pressa de chegar quadra. Fui junto, quase empurrada.

As duas estavam todas contentes, rindo, abraadas, falando quase untas: Tti, voc nem imagina... No era nada daquilo... Foi s uma confuso... A gente est amiga de novo... No dava nem para distingui quem falava. Nem importava muito Em menos de um minuto eu tinha cado das nuvens e sido arrastada pela fora da correnteza.

Acho que quando a gente escreve tem que usar de vez em quando umas imagens assim, para o leitor poder entender melhor o que est acontecendo, numa comparao com outra coisa que ele conhece. Mas no tenho a menor experincia, no sei se isso ajuda a compreender ou atrapalha. Enfim, eu estava meio tonta com tudo aquilo, o que quero dizer. E tudo aquilo era formado por aquelas duas coisas que aconteceram bem seguidas, e mexeram comigo.

A primeira, claro, foi descobrir que o Diego at que era um menino muito interessante mas que no passava de um amigo do R, da turma daqueles nojentinhos todos. A segunda era ver que, na hora desse choque, eu nem podia contar com o apoio de minha melhor amiga, porque ela nem tomava conhecimento de que eu existia e precisava dela, mas estava toda sorridente e abraada com uma menina lourinha essa sim, a melhor amiga dela desde muito antes de me conhecer.

Elas comearam a me contar o que tinham conversado, mas eu nem conseguia prestar ateno, tive de perguntar tudo de novo mais tarde e ouvir a Dri me contar a histria toda outra vez, com calma. Por isso, tambm deixo para contar mais adiante. Naquele momento, aquilo tudo estava me dando a maior irritao. Ainda bem que a Luana passou e me chamou:

Tti, a gente estava te procurando. Vai ter a entrega do trofu e o Alcides quer o time completo no pdio.

Foi um alivio ter esse pretexto maravilhoso para sair dali.

Segui a Luana para o pdio. Bom, pdio exagero. No tinha nada daqueles degrauzinhos que a gente v na televiso no final das competies, onde os campees sobem e do um banho de champanhe em todo mundo. Mas tambm no tinha champanhe nem televiso. Tinha era muita confuso e alegria, e eu at esqueci qualquer chateao, o pblico todo tinha descido para a quadra e os professores de Educao Fsica chamaram os campees, que subiram alguns degraus nas arquibancadas, e ficaram mais em cima, meio como se fosse num palco, mais alto que todo mundo.

Ficamos todos festejando, falando ao mesmo tempo, enquanto espervamos a cerimnia comear e ainda demorou um pouco, at os meninos do Cruzeiro voltarem do banho para receber o prmio. Ai uns caras l disseram umas coisas, tipo discurso, falando na importncia da prtica esportiva e em "mente s em corpo so", essas coisas de sempre. Depois chamaram os capites das equipes vencedoras para receber as taas. E cada membro da equipe ainda ganhava uma medalha, presa numa fita larga, que ia sendo pendurada em nosso pescoo. No final, ainda cantamos o Hino Nacional.

Foi emocionante.

Nunca na minha vida eu tinha sido campe de nada. Nem sei s algum dia vou ser de novo. Foi mesmo uma sensao muito gostosa. L estvamos ns, com o corao batendo forte (do meu lado, as lgrimas escorriam pelo rosto da Crls, nossa maior figura na quadra), todo mundo srio cantando o Hino, aquelas caras todas l embaixo, todas as famlias olhando para a gente, umas mes enxugando os olhos, os pais com cara de orgulho...

Fui correndo o olhar pela platia, como se fosse uma cmera, focalizando um por um. Minha me. Meu pai. Os pais da Luana com os gmeos irmozinhos dela no colo. A av da Dbora (que sempre acha que a neta melhor que todo mundo mesmo) e mais o resto da famlia dela. Uma tia da Bebei que j foi da seleo estadual de vlei e s vezes vinha dar uma fora. A me da Carla e do Vtor (o Vc Bellini no veio porque estava numa turn com a banda). A famlia completa da Maria Freitas (e bota completa nisso, so seis irmos)... Tudo quanto era pai, me, irmo, dividindo conosco aquele grande dia.

Quando acabou o Hino, para encerrar, chamaram mais uma vez os capites das equipes para levantar as taas para o pblico. O tal Biel, do Cruzeiro, e a Cris, do Anita, subiram mais um degrau, destacados de todos, e foram aplaudidos no meio da maior gritaria. Olhei os dois l em cima, vi que a Cris estava mesmo segurando o choro um choro estranho, que parecia mais de tristeza do que de alegria, num rosto tenso, os olhos correndo pela plateia de um lado para o outro, o lbio de baixo tremendo. Virei-me e olhei para baixo, seguindo o olhar dela. Na certa estava olhando para os pais. Onde estavam? Procurei bem, no lugar reservado para as familias dos ganhadores. No havia ningum da familia dela. Mais uma vez! Por que eles sempre faziam Isso com a Cris? Me dava a maior raiva... Quando a gente fez uma pea de teatro, eles foram os nicos que no vieram. Nas festas de fim de ano, no davam as caras. Mas ali era demais, nem no torneio de vlei em que a filha brilhou?

A cerimnia acabou, o Alcides avisou:

Chamem os pais e vamos todos almoar na Pizzaria Vesvio. Tem uma sala especial, reservada. O Anita est convidando, para festejar.

Todo mundo foi saindo para o restaurante. A pizzaria ficava a duas quadras do Clube Coqueiros, foi aquele monte de gente andando pela calada. De repente, quando passamos pela esquina, vi a Cris parada num ponto de nibus na outra rua. Sozinha. Falei com minha me, me separei do grupo e fui at l.

Quando cheguei perto, vi que a Cris estava chorando! E logo percebi que no era s pela emoo da vitria.

No sabia o que dizer, passei o brao em volta do ombro dela.

O que foi, Cris? Nada. Vamos com a gente at a pizzaria. No estou no clima. Mas, Cris, voc foi a melhor jogadora do time, sem voc a festa no tem graa...

Obrigada, Tti, mas no estou a fim de comemorar nada... E desatou a soluar.

Fiquei perdida, sem saber o que devia fazer, mas sentindo o maior carinho pela Cris. Naquela hora, eu s queria consertar o mundo todo, para nunca existir nada que pudesse fazer algum se sentir do jeito que ela estava. S que, eu sabia, no podia fazer nada. No estava ao meu alcance.

Quando o nibus chegou, ela no tomou. Achei que era um bom sinal. Quer dizer, talvez houvesse uma chance de que ela ainda foss at a pizzaria. Insisti, perguntei se estava com algum problema, se e podia ajudar, se ela queria conversar.

Agora, no. Outra hora, talvez respondeu ela, j comeando a se acalmar, como se os soluos tivessem ajudado a desabafar um pouco.

Isso! concordei. Agora hora de comemorar. Venha conosco...

Todo mundo est com os pais, eu fico meio deslocada.

Que bobagem! S tem amigo, Cris... Somos ns, a sua turma, o seu time que voc acaba de levar a uma vitria histrica... um grande dia... Venha, voc senta perto de mim... Vamos...

Ela ainda hesitava, mas veio.

Quando entramos no restaurante, muita gente ainda estava em p, se ajeitando, andando entre as mesas, procurando lugares. Tinha uma mesa imensa e mais outras menores em volta. Fui levando a Cris par perto de onde meus pais estavam, para nos sentarmos juntas, mas Alcides chamou, disse que as jogadoras iam ficar perto dele e d diretora do Anita, no lugar de honra, na mesa principal.

Tudo bem. Estamos indo disse eu. E sussurrei para a Cris:

Passe antes no banheiro e lave o rosto, para ningum ver que voc chorou.

Enquanto ela fazia isso, fui atrs de um telefone. Liguei para a me da Cris e anunciei, na maior cara de pau:

a me da Cris? Aqui a Tti... Desculpe estar ligando, mas e queria dizer senhora que ns ganhamos o torneio e sua filha foi um fera na quadra. Estamos agora na Pizzaria Vesvio com a diretoria do Anita, comemorando. E mandaram chamar a senhora.

Obrigada, mas no sei se vou poder... De qualquer modo, parabns disse ela, gentil mas distante.

Estou s dando o recado. Mas, se eu fosse a senhora, no Derdia... Afinal de contas, uma festa especial para sua filha, que foi a oresena decisiva na quadra... uma homenagem da diretoria para ela. Todos os pais esto aqui, menos a senhora e seu marido. Pode pegar mal na escola, n?

E fim de papo.

Fui para meu lugar. Num instante a Cris chegou. Todo mundo comeou a pedir refrigerante. Os garons trouxeram po, manteiga, azeitonas. Ficou uma conversa animada, cada um comentava um lance do jogo. divertido isso, depois que a partida termina e a gente vai descobrindo que muitas vezes cada jogadora viu a mesma jogada de um ngulo, as lembranas so diferentes...

Era um rodizio de pizza, o garom ficava trazendo um pedao depois do outro, cada hora um sabor diferente queijo, presunto, lingia, tomate, e mais um monte de coisa. Foi muito divertido. No final, ainda tinha escolha de sorvete vontade, num balco refrigerado. Foi a maior confuso, todo mundo ficando em p, fazendo seu prprio sun-dae, caprichando nas coberturas mais esquisitas, banana com chocolate, morango com amendoim, marshmallow com granulado... Depois, de volta na mesa, cada um queria provar o sundae do outro, era um tal de passar colher com sorvete de l para c... Rimos muito, foi superdivertido.

No finalzinho, o Alcides deu umas pancadinhas com a faca numa garrafa, de leve, como se estivesse batendo uma sinetinha, e todo mundo ficou quieto. A ele se levantou e falou umas coisas muito legais, que acho que a gente no vai esquecer m