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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CIÊNCIAS JURÍDICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NÍVEL MESTRADO ANA PAULA DE ALMEIDA LOPES A JUDICIALIZAÇÃO DO PROCESSO POLÍTICO E A POLITIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO: Uma análise da intervenção do Supremo Tribunal Federal no processo político partidário. São Leopoldo 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

NÍVEL MESTRADO

ANA PAULA DE ALMEIDA LOPES

A JUDICIALIZAÇÃO DO PROCESSO POLÍTICO E A POLITIZAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO: Uma análise da intervenção do Supremo Tribunal Federal no processo

político partidário.

São Leopoldo

2009

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ANA PAULA DE ALMEIDA LOPES

A JUDICIALIZAÇÃO DO PROCESSO POLÍTICO E A POLITIZAÇÃO DO PODER

JUDICIÁRIO: Uma análise da intervenção do Supremo Tribunal Federal no processo

político partidário.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Área das Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Luis Bolzan de Morais

São Leopoldo

2009

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Catalogação na Publicação: Bibliotecário Vladimir Luciano Pinto - CRB 10/1112

L864j Lopes, Ana Paula de Almeida A judicialização do processo político e a politização do poder

judiciário : uma análise da intervenção do Supremo Tribunal Federal no processo político partidário / por Ana Paula de Almeida Lopes. – 2009.

137 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) -- Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2009.

“Orientação: Prof. Dr. José Luis Bolzan de Morais”.

1. Política partidária . 2. Judicialização da política. 3. Politização da justiça. 4. Controle de constitucionalidade - Supremo Tribunal Federal. 5. Cláusula de barreira. I. Título

CDU 329.8

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Aos meus pais, Maria de Fátima e Antonio Maria, dedico

este trabalho de dissertação. Meus exemplos de vida, fontes

inesgotáveis de estímulo e admiração.

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AGRADECIMENTOS

É cediço que desde a escolha do programa de mestrado e delimitação do tema a ser

pesquisado até a conclusão de uma dissertação, muitas pessoas concorrem para seu término,

contribuindo direta ou indiretamente. Não mencioná- las seria negar a relevância dos subsídios

recebidos.

Inicialmente, agradeço a Deus por sua graça, que me proporcionou esta oportunidade;

Aos meus pais, Antonio e Fátima, pelo amor incondicional, apoio e dedicação de

sempre;

Á minha avó, Leda, pelo amor e incentivo que sempre me proporcionou;

Aos meus irmãos, Eduardo e Mariana, pela ternura e apoio incondicional;

Ao meu namorado, Guilherme, pelo amor e paciência em todos os momentos e

principalmente naqueles que me furtaram de sua companhia;

Aos meus amigos, e que se tornaram verdadeiros irmãos: Ariel Ferreira Gomes, Arlon

Cunha, Cícero Krupp da Luz, Fabiane Costa, Fernando Diniz, Guilherme Azevedo, Juliani

Leal, Kátia Lampe, Lisane Belló, Luis Fernando Moraes de Mello, Mario De Conto, Martine

Medeiros, Ricardo Menna Barreto, Oseias Amaral, Raquel Peruzzo Jardim, Tatiane Bagatine,

Tobias Mugge, Ulisses Costa;

Aos meus colegas e amigos do mestrado: Carolina Suptitz - minha grande amiga e

conselheira nesta reta final, Carla Schaffer, Daniele Soligo, Fernanda Braghirolli, Francele

Marisco, Geralda Magella, Gustavo Pereira, Patrícia Maino, Priscila Werner;

Ao Professor Doutor José Luis Bolzan de Morais, pela orientação e dedicação;

Ao Professor Doutor Rodrigo Stumpf González, pela amizade e valiosa contribuição

para a confecção deste trabalho;

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, minha

admiração e gratidão pelos ensinamentos e inspiração na produção de idéias para a

composição deste trabalho;

Por derradeiro, expresso a todos, que de alguma forma contribuíram para minha

formação intelectual e pessoal meu afeto e eterna gratidão.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar o controle de constitucionalidade do

Supremo Tribunal Federal no tocante ao processo político partidário, tendo em vista o reflexo

de suas decisões na interação dos elementos constitutivos do sistema real de governo, tais

como sistema eleitoral e partidário, com o ambiente sócio-político sobre os quais opera. Para

tanto, utilizou-se o método indutivo de pesquisa, partindo-se da análise dos julgamentos das

Adins nº 1.354 e 1.351, ajuizadas por pequenos partidos para impedir a vigência da cláusula

de barreira, prevista no artigo 13 da Lei nº 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos. Ambos os

julgamentos tiveram votações unânimes, apesar das divergentes decisões. De tal modo, em

sede cautelar, indeferiu-se a declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira, e no

julgamento da ação principal foi julgado o seu deferimento. A partir disso, para avaliar as

implicações jurídicas e políticas dessas decisões para a democracia brasileira, são

investigados dois efeitos: a judicialização da política e a politização da justiça. Assim, este

trabalho é dividido em duas partes. Na primeira, examina-se as dimensões institucionais da

democracia representativa brasileira e suas peculiaridades. Na segunda parte, são avaliados os

fenômenos de judicialização do processo político, caracterizado pela intervenção do Supremo

na arena política, e da politização da justiça a fim de avaliar os fatores políticos que

influenciaram a decisão do Supremo nos dois julgamentos. Por fim, através desse panorama,

busca-se ponderar o impacto político do STF na definição das regras do regime democrático

não apenas como “guardião da Constituição Federal”, o que implica uma certa neutralidade

nas suas decisões, mas também pela influência de questões de conveniência política

decorrentes da composição do governo federal e do Congresso Nacional.

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ABSTRACT

The main focus of this study is to analyze the control of constitutionality of the Supremo

Tribunal Federal (STF) in regard to the partisan political process, having in sight the

consequences of its decisions in the interaction of the constituent elements of the real system

of government, such as electoral and party system, with the social political environment on

which it operates. For in such a way, it is applied the inductive method of research, starting

from the analysis of the Adins (Direct Act of Unconstitutionality) n. 1.354 and 1.351, led to

judgment by small parties to hinder the validity of the clause of barrier, foreseen in article 13

of the Federal Law n. 9.096/95 – Law of the Political Parties. Both judgments had unanimous

votings, although divergent decisions. In such way, when it was judged the writ of prevention,

it was declared the constitutionality of the barrier clause, whereas in the judgment of the main

action, the declaration of unconstitutionality was granted. From this, to evaluate the political

and legal implications of these decisions for the Brazilian democracy, two effects can be

investigated: the judicialization of the political process and the politicization of justice. Thus,

this work is divided in two parts. In the first one, it is examined the main institutional

dimensions of the Brazilian representative democracy and its peculiarities. Already the second

part aims to evaluate the phenomenons of the judicialization of the political

process,characterized for the intervention of Supremo in the political dispute, and of the

politicization of justice, in order to evaluate the factors that influenced the way that the

Supremo Tribunal Federal decided in the two judgments. Finally, through this panorama, it is

inquired the political impact of the STF in the definition of the rules of the democratic system,

not only as the “guard of the Federal Constitution”, which implies a certain neutrality in its

decisions, but also by the influence of convenient political matters, decurrent of the

composition of the federal government and the National Congress.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................................................................11

2. A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA CONTEMPORÂNEA E A

INSTITUCIONALIDADE DEMOCRÁTICA..............................................................................................16

2.1. EVOLUÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CONCEITO DE DEMOCRACIA ..................16

2.1.1. A democracia das elites em Schumpeter.............................................................................................19

2.1.2. Teoria democrática pluralista: a análise de Robert Dahl.........................................................23

2.1.3. A democracia procedimentalista de Norberto Bobbio ...............................................................26

2.2. A DEMOCRACIA LIBERAL E A NOVA INSTITUCIONALIDADE...........................31

2.2.1. Os princípios constitutivos dos sistemas eleitorais proporcional e majoritário ........34

2.2.2. ... As proposições de Duverger e Sartori acerca dos efeitos do sistema eleitoral sobre

o sistema partidário .......................................................................................................................................................41

2.2.3. Os efeitos do sistema eleitoral sobre o sistema partidário no Brasil..................................44

2.2.4. Natureza dos partidos políticos .................................................................................................................39

2.2.5. O sistema partidário brasileiro .................................................................................................................49

2.2.6. O regime presidencialista no Brasil ........................................................................................................52

2.3. A REFORMA POLÍTICA E O PAPEL DA CLÁUSULA DE BARREIRA....................57

2.3.1. A Constituinte de 1988 e a reforma política......................................................................................57

2.3.2. A cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil...........................................................................65

2.3.3. A discussão política da cláusula de barreira no sistema eleitoral brasileiro ................69

3. OS REFLEXOS DO JULGAMENTO DAS ADINS Nº 1.354 E 1.351 PARA A

DEMOCRACIA BRASILEIRA.............................................................................................................................73

3.1. O DIREITO E A POLÍTICA: ANÁLISE DO CONSTITUCIONALISMO

DEMOCRÁTICO NO BRASIL ...............................................................................................73

3.1.1. Aspectos históricos da Corte Constitucional ....................................................................................76

3.1.2. O papel político das Cortes Constitucionais .....................................................................................79

3.1.3. O papel político do Supremo Tribunal Federal..............................................................................81

3.1.4. A organização e composição do Supremo Tribunal Federal..................................................84

3.2. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA FRENTE À INTERVENÇÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL NA REGULAÇÃO DA DISPUTA PARTIDÁRIA.........................87

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3.2.1. A decisão do Supremo Tribunal Federal nas Adins nº 1.354-8 e 1.351-3 .......................87

3.2.2. As diferentes interpretações dos princípios constitucionais que fundamentaram as

Adins nº. 1.351 e 1354 ...................................................................................................................................................89

3.2.3. A judicialização da política e o constitucionalismo democrático no Brasil ...................95

3.2.4. Abordagem analítica do processo de judicialização da política no Brasil .....................97

3.2.5. Democracia majoritária ou ditadura da maioria?..................................................................... 100

3.2.6. A democracia constitucional .................................................................................................................... 106

3.2.7. A decisão da Adin nº. 1.351-3 e a questão da governabilidade ........................................... 109

3.3. A POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA E AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS SOBRE A

DECISÃO DO STF NAS ADINS Nº 1.354 E 1.351..............................................................114

3.3.1. A reforma política a partir da promulgação da Lei dos Partidos Políticos ............... 115

3.3.2. A influência das mudanças no cenário político do Congresso Nacional nas decisões

do Supremo Tribunal Federal.............................................................................................................................. 120

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................... 123

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................................ 128

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1. INTRODUÇÃO

O subdesenvolvimento partidário tem sido apontado como uma causa de notoriedade

do Brasil frente aos demais países da América Latina. Fragilidade, efemeridade e fracas raízes

na sociedade, ao mesmo tempo em que ilustram as principais características dos atuais

partidos políticos brasileiros, foram também peculiaridades dos tantos sistemas partidários

quantos foram os regimes políticos que se sucederam no Brasil desde o Império. Com efeito,

os sistemas partidários obedeceram a três etapas bem definidas na história do país: o regime

monárquico, o regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário

que se desdobrou no sistema atual. 1

No entanto, o arcabouço institucional em que se processa a atuação dos partidos

políticos brasileiros tem sido praticamente o mesmo desde 1945, não obstante a interrupção

do processo político partidário pela ditadura a partir de 1964. Assim, comporta quatro

elementos principais: a ordem federativa, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional

e o pluripartidarismo.

De tal modo, a reforma política tem sido assunto permanente na agenda do Congresso

Nacional desde a redemocratização do Estado brasileiro, após a Era Vargas. Em 1946, os

debates tinham como foco a discussão dos seguintes temas: a representação proporcional com

lista aberta; a cassação do Partido Comunista; eleições majoritárias por maioria simples; os

recadastramentos de eleitores; a introdução da cédula única; e um breve parlamentarismo. Já

no período da ditadura militar, a partir do golpe de 1964, as reformas se focaram nas

cassações de partidos políticos, proibição de coligações, eleições indiretas para presidente e

governadores, os senadores “biônicos”, e fidelidade partidária.2

Com a abertura democrática iniciada no governo Figueiredo em 1979, e a volta do

multipartidarismo, houve mudanças significativas, dentre as mais importantes o critério da

maioria absoluta e a reeleição para quadros executivos. E, posteriormente, durante o governo

Sarney, a volta dos partidos comunistas. No entanto a crise do PMDB, no final da década de

1 DULCI, Otávio Soares. A incômoda questão dos partidos no Brasil. In: In: BENEVIDES, Maria Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio. Reforma política e cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. 2 FLEISCHER, David. Análise política das perspectivas da reforma política no Brasil, 2005-2006. In: FLEISCHER, David; ABRANCHES, Sérgio, et al. Cadernos Adenauer. Reforma política: agora vai? Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, n. 2, p. 13-38, 2005.

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80, resultou na cisão partidária que levou à criação do PSDB e também na migração deste

quadro para outros partidos, ocasionando a alta fragmentação do sistema partidário brasileiro.3

Essas tentativas de reforma têm como objetivo principal tratar de particularidades do

sistema eleitoral e partidário brasileiro que prejudicam de forma irremediável a constituição e

o funcionamento dos partidos políticos. Dentre elas, Tavares pontua a bizarra associação do

voto único em candidatura individual a uma fórmula eleitoral proporcional. Da mesma forma,

outra fonte de distorção, mantida desde a Constituição de 1937, é o preceito de representação

proporcional que estatui um número fixo de oito e máximo de 70 deputados federais por

Estado e pelo Distrito Federal (artigo 45 da Constituição Federal). 4

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 manteve o modelo de democracia

representativa estatuído nos Códigos Eleitorais de 1935, 1950 e 1965, com pequenas

modificações. 5 Desta forma, manteve o mesmo modelo de representação proporcional

adotado em 1945 e facilitou ao máximo a criação de partidos como uma reação à ditadura

militar. Resultou disso a composição do quadro partidário atual por um excessivo número de

agremiações (vinte e sete no total), caracterizadas por um baixo nível de institucionalidade, ou

seja, sem raízes partidárias profundas na cultura da sociedade, o que foi uma das

conseqüências do golpe militar de 1964, ao interromper o processo de consolidação do bloco

partidário até então existente.

Desta forma, os prolongados anos de ditadura influenciaram a Constituinte de 1987,

também sob a inspiração do primeiro texto da Constituição portuguesa e das lições de

Canotilho, a preponderar a restauração da democracia e a inauguração de uma tradição

constitucionalista.6 Porém, a partir de 1990 a prioridade passou a ser outra. Diante das novas

tendências do capitalismo que alteraram o panorama mundial no período recente, bem como

das reformas que surgiram na agenda do governo FHC, o objetivo principal da Revisão

Constitucional de 1993-4 consistia no melhoramento da máquina estatal e a preocupação com

a sua eficiência administrativa. 7 Segundo Jairo Nicolau, “virou lugar comum a sentença que

3 GONZÁLEZ , Rodrigo Stumpf. O impacto da reforma política sobre a democracia no Brasil. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lênio Luiz. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Unisinos, 2001. p. 263-79. 4 TAVARES, José Antonio Giusti. Sistemas eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 5 FERREIRA FILH O, Manoel Gonçalves. Constituição e governabilidade: ensaio sobre a (in) governabilidade brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995. 6 REIS, Fábio Wanderley. Engenharia e decantação. BENEVIDE, Maria Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio. Reforma política e cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. 7 REIS, Fábio Wanderley. Engenharia e decantação. In: BENEVIDES, Maria Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (orgs.). Reforma política e cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

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afirma que a reforma política é condição necessária para a consolidação da democracia

brasileira.” 8

Do ponto de vista das instituições políticas, autores como Filomeno Moraes e

Wanderly Guilherme dos Santos denunciaram a Revisão Constitucional como uma tentativa

de buscar interromper o processo de democratização partidária em curso. 9 Não obstante os

prós e contras das propostas de emenda apresentadas, em seu Parecer nº 36, o então Deputado

Nelson Jobim, relator da matéria, trouxe de volta a discussão sobre a cláusula de barreira,

propondo que só teriam representação na Câmara dos Deputados os partidos políticos que

obtivessem 5% dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, apurados em nível nacional,

devendo ser distribuídos em um terço dos Estados e atingir o percentual de 2% em cada um

deles. 10 Apesar deste Parecer não ter obtido a aprovação do Congresso Revisor, a cláusula de

barreira foi introduzida no teor da Lei nº 9.096/95, nas mesmas condições. A aplicação desta

cláusula, a princípio, reduziria em torno de 50% o número de partidos representados na

Câmara dos Deputados. Apesar disso, não afetaria as alianças de governo, pois os partidos

que alcançam a barreira de 5% são responsáveis por pelo menos 80% dos votos nacionais.11

Contudo, a discussão do tema é levada pelos partidos de oposição 12 para a arena

judicial via Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), a fim de impedir a vigência da

cláusula de barreira. Com efeito, em 7 de fevereiro de 1996, é julgada a medida cautelar,

Adin nº 1.354-8, declarando a constitucionalidade da cláusula de barreira, por unanimidade,

sob a alegação de que o referido artigo 13 não ofende os princípios consagrados na

Constituição Federal. Ao contrário, afirmou-se que os dispositivos impugnados “são

mecanismos de proteção para a própria convivência partidária.”

Por outro lado, no julgamento da ação principal, Adin nº. 1351-3, em 7 de dezembro

de 2006, isto é, dez anos depois, o Supremo declara inconstitucionalidade da cláusula de

barreira, também por unanimidade. O fundamento desta decisão embasou-se no argumento de

que o referido dispositivo “afasta o funcionamento parlamentar e reduz substancialmente o

tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.”

8 NICOLAU, Jairo. A reforma da representação proporcional no Brasil. In: BENEVIDES, Maria Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (orgs.). Reforma política e cidadania. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. 9 MORAES, Filomeno. A Constituição do Brasil de 1988 e a reforma política. Pensar, Fortaleza, p. 43-51, abr. 2007. Edição Especial. Dispo nível em: http://www.unifor.br/notitia/file/1613.pdf [Acesso em 11 de novembro de 2008] 10 CARVALHO, Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar, Op. Cit., 2003. 11 MACHADO, Sérgio. Reforma político partidária. Brasília, Senado Federal, 1998. Relatório Final. 135p. 12 A saber o PSC (Partido Social Cristão), PC do B (Partido Comunista do Brasil), PDT (Partido Democrático Trabalhista) entre outros.

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De ambos os julgamentos podem ser extraídos dois efeitos – judicialização da política

e politização da justiça, cujas análises se consubstanciarão no objetivo deste trabalho de

pesquisa. Assim, para pautar as implicações jurídicas e políticas de ambos os fenômenos o

método de pesquisa utilizado foi o indutivo, apoiado em metodologia de pesquisa

bibliográfica. Deste modo, o processo de judicialização da política, caracteriza-se pela

notável expansão do poder judicial a partir do fim da II Guerra Mundial na Europa Ocidental,

cuja influência no Brasil é identificada, principalmente, por autores como Castro e Werneck

Vianna. Apesar dos variados usos dessa expressão, no caso em tela será denominada por

judicialização do processo político 13, uma vez que o Supremo Tribunal Federal passa a

regular judicialmente a disputa política democrática a partir do julgamento da ação principal

na Adin nº 1.351-3, perpassando o habitual processo de judicia lização das relações sociais e

políticas públicas, proveniente das mudanças trazidas pelo Welfare State. Deste modo, será

analisado o impacto político da decisão do STF sobre o processo político democrático, ao

extinguir um instituto procedente dos debates de reforma política que estava em pauta há mais

de onze anos na agenda do Congresso Nacional, levando-se em consideração aspectos de

governabilidade que foram deixados à margem na decisão do Supremo.

Nesse sentido, o segundo foco de análise é o evento que ficou conhecido como

politização da justiça, ou seja, os fatores políticos que influenciaram a forma como o STF

decidiu e, por evidência, a causa de seus divergentes julgamentos, na Adin nº 1.354 e 1.351.14

Para tanto, adotar-se-á como método de análise o cenário político que se vislumbrava no

Congresso Nacional e Presidência da República, principalmente no tocante à base governista

formada nos dois regimes presidenciais ao tempo do proferimento de ambas as decisões, em

1996 e 2006.

13 Houve poucas decisões dessa espécie pelo STF, desde a promulgação da atual Constituição Federal. Em avaliação feita pela revista Análise das 110 decisões mais relevantes do STF, no período de 1998 a 2006, encontram-se apenas três que versam sobre organização partidária. A Adin nº. 3.685, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que questiona a aplicação da EC nº 52/2006, que põe fim à verticalização nas coligações partidárias, nas eleições de 2006. O entendimento do STF foi no sentido de que deve ser obedecido o principio da anterioridade eleitoral do art. 16 da Constituição Federal. Outra questão proposta foram as Adins nº. 3345 e 3365 a respeito da resolução do TSE que fixou o número de vereadores nos municípios brasileiros. A decisão da Corte foi de manter a resolução do TSE, sem prejuízo para a composição atual das câmaras. In: O Supremo Tribunal Federal, segundo suas decisões. In: ANÁLISE – JUSTIÇA. São Paulo: Análise Editorial, 2007, p. 50-71. Além disso, há a decisão sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, em que o STF decidiu que CPIs podem ser instaladas pelas minorias parlamentares, bem como a recente decisão sobre fidelidade partidária, em que o STF estabeleceu que o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar eleito. 14 Utilizou-se a concepção de politização da justiça aplicada por Marcelo Paiva Santos na análise da interferência e condicionamento do direito por parte do regime militar, instaurado a partir de 1964 até a promulgação da Constituição de 1988. In: SANTOS, Marcelo Paiva dos. A história não contada do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2009.

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Para alcançar o desenvolvimento do tema recém delineado, a presente dissertação esta

dividida em duas partes, que dispõe o conteúdo da maneira a seguir exposta.

A primeira parte trata das dimensões institucionais da democracia representativa

brasileira e suas principais peculiaridades, o que se caracteriza como o “pano de fundo” do

processo da reforma política a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim,

inicialmente, far-se-á uma revisão do conceito de democracia contemporânea a partir de

autores clássicos como Schumpeter, Robert Dahl e Norberto Bobbio, a fim de proporcionar

uma pré-compreensão de preceitos fundamentais da teoria da democracia. A seguir, serão

traçadas as principais características do arranjo institucional brasileiro para definir as bases da

reforma política, bem como o papel da cláusula de barreira nessa reforma.

Na segunda parte, trataremos da relação entre Direito e Política, com o objetivo de

apresentar alguns aspectos de sua concepção e fundamentação em alguns períodos do seu

ciclo histórico-evolutivo, os quais incidem no atual paradigma de interpretação constitucional

e organização do STF. A partir disso, será avaliada a decisão da Adin nº 1.351 sob o prisma

metodológico da judicialização do processo político, em razão de que a intervenção do

Supremo na arena política só se deu a partir do julgamento do mérito da ação principal,

quando declarou a inconstitucionalidade da cláusula de barreira. Após, serão examinados, sob

o enfoque da politização da justiça, os fatores políticos que influenciaram a decisão do

Supremo no julgamento do pedido liminar e da ação principal, Adins nº 1.354 e 1.351,

respectivamente. Através desse panorama, busca-se avaliar o impacto político do STF na

definição das regras do regime democrático não apenas como “guardião da Constituição

Federal”, o que implica uma certa neutralidade nas suas decisões, mas a influência de

questões de conveniência política decorrentes da composição do governo federal e do

Congresso Nacional.

Por fim, cabe destacar que, em razão de seu enfoque constitucional- institucional sobre

a reforma política brasileira, este trabalho de pesquisa está vinculado à linha de pesquisa

“Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos”, integrante do Programa de Pós-

Graduação, Mestrado em Direito, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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2. A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA CONTEMPORÂNEA E A

INSTITUCIONALIDADE DEMOCRÁTICA

“As instituições e não o homem constituem o tema de estudo

próprio da política.”

John Plamenatz

2.1. EVOLUÇÃO CONTEMPORÂNEA DO CONCEITO DE DEMOCRACIA

Antes do século XIX, mais especificamente no mundo antigo, nasce a democracia em

Atenas, celebrizada por Péricles.15 Não obstante a riqueza de seu significado etimológico que

em grego significa demokratia, cujas raízes são demos (povo) e kratos (governo), ou seja,

uma forma de governo na qual o povo governa, ela desapareceu por um período e ressurgiu

como tema controverso nos séculos XVIII e XIX, para ser finalmente reconceituada no século

XX.16

Observa-se que a experiência ateniense foi a mais duradoura prática de democracia

direta na história da humanidade. No entanto, outras experiências foram limitadas no tempo,

não podendo ser consideradas democráticas.

É o caso, por exemplo, da República Romana onde também existiram procedimentos

que incluíam a participação do povo, como plebiscito e o referendo, que influenciarão as

concepções contemporâneas de democracia. Contudo, perdurou um governo aristocrático,

depois substituído pela monarquia, e finalmente pela República.17

Assim, após o fim da experiência ateniense de democracia, só voltam a existir no final

do século XIX formas de organização política que são identificadas como democracia. Estas

são o resultado de um processo de transição marcado pelas antigas e recorrentes tensões entre

o liberalismo econômico dominante no século XX e a democracia. 18

Nesse sentido, a evolução da democracia que eclodiu no século XX atendeu às

reformas liberais econômicas, como a eliminação dos monopólios de exploração e concessão 15 MACPHERSON, C.B. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. 16 GONZÁLEZ, Rodrigo Stumpf. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas: uma análise comparativa.. Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - UFRGS, 2000. Tese de Doutorado. 17 JAGUARIBE, Hélio. O experimento democrático na história ocidental. In: JAGUARIBE, Helio; IGLÉSIAS, Francisco, et al. Brasil, sociedade democrática. Rio de Janeiro:Olympio, 1985. p. 19-118. 18 TAVARES, José Antônio Giusti. Reforma política e retrocesso democrático: agenda para reformas pontuais no sistema eleitoral e partidário brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.

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das atividades econômicas pelo Estado, que precederam as reformas liberais políticas,

consubstanciadas na edificação de instituições políticas que operam a desconcentração da

soberania, as quais constituem em seu conjunto o constitucionalismo. Porém, essas reformas

políticas, apesar de terem alcançado uma série de prerrogativas, como a separação dos

poderes, os direitos e garantias individuais, o bicameralismo, entre outras, ficaram restritas a

um círculo privilegiado, que eram os proprietários. Assumiu-se a concepção lockeniana da

democracia, segundo a qual caberia a essa elite dominante eleger dentre os seus pares o

governo; os membros do demos eram alijados da participação política. 19

Num segundo momento, de forma muito lenta, iniciou-se a expansão democrática de

participação política, isto é, foram incorporados ao eleitorado, progressivamente, os não-

proprietários, os trabalhadores, os pobres e também as mulheres. Deste modo, foram sendo

eliminados os requisitos anteriormente exigidos para o eleitorado, como a capacidade

tributária, a aquisição de propriedades, e até mesmo a residência continuada por alguns anos. 20 Esses fatores juntamente com as mudanças trazidas pelas duas grandes Guerras Mundiais

cooperaram para a reconceituação da democracia ao longo do século XX.

Nesse sentido, o século XX pode ser considerado o grande triunfo da democracia, em

razão das diversas conquistas através da derrubada de regimes autocráticos ou ditatoriais pelo

regime democrático. A necessidade das instituições básicas da democracia foi, aos poucos,

aderindo-se ao senso comum, trazendo, principalmente aos países mais empobrecidos,

aspirações por sociedades mais justas e igualitárias. Assim, não apenas sobreviveram as

democracias existentes, como “novas democracias apareceram ou reapareceram onde jamais

haviam existido ou haviam sido eliminadas por ditaduras políticas ou militares.” 21 A

democracia tornou-se, portanto, o denominador comum de todas as questões politicamente

relevantes.

Para Paul Hirst, a democracia representativa está hoje mais consolidada nos países

ocidentais do que na maior parte do século XX. Na década de 1930, a democracia na Europa

foi seriamente ameaçada pelo fascismo e stalinismo sob a crítica de que era uma forma presa

ao “liberalismo burguês”. Após a derrota das potências do Eixo em 1945, o stalinismo e os

regimes que o sucederam na União Soviética continuaram o “trabalho” de ameaça

institucional à democracia na Europa do Leste.22

19 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrátic, Op. Cit., 1998. 20 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit, 1998. 21 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 9 ed. p.9. 22 HIRST, Paul. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

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Observa-se, deste modo, o fracasso das democracias nascentes frente às dificuldades

econômicas e da I Guerra Mundial. A grande maioria foi derrubada por regimes autoritários,

que prometiam soluções mais rápidas e eficientes para os problemas sociais emergentes. 23 Ao

passo que na II Guerra Mundial, com a derrota do nazi- fascismo, este quadro é modificado,

sendo que mesmo o mais autoritário governo passa a ser democrático. Inicia-se um processo

de reconceituação da democracia, marcado pelo conflito ideológico entre o bloco soviético e o

norte-americano. 24

Como resultado disso, acumularam-se na Europa Ocidental condições econômicas e

políticas, de forma sucessiva, para a efetivação do terceiro movimento que era a incorporação

do povo aos benefícios oferecidos pelo Estado. Isso se deve, principalmente, à modernização

industrial que trouxe conjuntamente conquistas como a diminuição da jornada de trabalho e a

elevação do nível de vida da classe proletária. Iniciava a fase do Welfare State.25

Esta fase foi marcada pela emergência de novos detentores de direito, especialmente

pelo movimento operário, que, segundo Werneck Vianna, “deu fim à rigorosa separação entre

o Estado e a sociedade civil, nos termos da tópica liberal da liberdade negativa” 26 Assim,

dada a centralidade do tema do trabalho na sociedade industrial, o Direito do Trabalho acabou

mudando a concepção ortodoxa do liberalismo, inserindo no campo do direito um argumento

de justiça que buscava compensar as partes menos favorecidas economicamente. 27

Esse ciclo percorrido pelos países da Europa Ocidental viabilizou, lentamente, a

democracia e, ao mesmo tempo, possibilitou a realização de grandes reformas sociais ao final

do século XIX. 28

Não obstante os avanços da democracia no século XX, Sartori aponta que a teoria da

democracia encontra-se cada vez mais fragmentada e difundida em idéias erradas,

principalmente após as diversas transformações sofridas pelo conceito de democracia nos

23 GONZÁLEZ, Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit, 2000. 24 GONZÁLEZ, Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit, 2000. 25 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit, 1998. 26 WERNECK VIANNA, Luiz; CARVALHO, Maria Alice; et. al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 27 Nesse mesmo sentido, Hannah Arendt chama a atenção para o fato de que as sociedades modernas promoveram o labor, que é destinado unicamente para a manutenção da vida humana, à estatura de coisa pública, alterando inteiramente o mundo habitado através do desencadeamento de um crescimento artificial do natural. In: ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. 28 Ao contrário do processo de evolução da democracia na Europa Ocidental, José Murilo de Carvalho ressalta que no Brasil os direitos sociais precederam os direitos civis e políticos, ocasionando uma supervalorização do Poder Executivo, bem como uma ação política voltada para a relação direta com o governo, sem ser mediada pela representação, o que mantém vivo o fenômeno do populismo. In: CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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anos 50. Isso levou o autor a escrever a obra A Teoria da Democracia Revisitada 29, a fim de

atualizar o seu livro Teoria Democrática, sob a justificativa de que para falarmos em

democracia, antes, precisamos saber o que ela realmente significa.

Sabe-se que quando falamos em democracia não estamos lidando com um conceito

unívoco. Porém, apesar da confusão conceitual em que acabou se tornando o conceito de

democracia contemporânea, conforme identificou Sartori 30, pode-se dizer que há um conceito

geral que permanece fiel a um mínimo necessário, seguindo a lição de Bobbio. 31 Obedecendo

a uma estrutura que repousa nas idéias e ideais do discurso intelectual que começou na Grécia

Antiga, em seu próprio sentido epistemológico está arraigada à soberania do povo. Cada

conceito de democracia poderá propor diferentes esquemas de direitos e deveres inerentes à

sociedade e sua organização política, que poderá ser representativa ou não. Contudo deverão

fazer uma conexão com aquilo que é próprio do conceito de democracia, recusando distinções

arbitrárias que caracterizem o seu desequilíbrio.

Nessa linha, para compreendermos melhor as diferentes nuances e perspectivas das

transformações do conceito de democracia no século XX, analisaremos alguns dos principais

autores que se destacaram no debate democrático nesse período. A saber, a discussão da

democracia das elites preconizada por Max Weber e Schumpeter, a democracia pluralista de

Robert Dahl e, por fim, o modelo de democracia procedimentalista de Norberto Bobbio.

2.1.1. A democracia das elites em Schumpeter

A teoria de democracia proclamada por Schumpeter seguiu um fio condutor desde o

sociólogo Max Weber, cujas idéias contribuíram para a reflexão a respeito das tendências de

personalização do poder e da democracia moderna nas sociedades de massas. 32

Ao mesmo tempo em que apóia e aplaude o processo de elitização da política, Weber

aponta seus inconvenientes, dos quais alguns são: a subordinação dos indivíduos ao líder,

ocasionando o que denomina de “perda da alma” dos partidários, devido à despersonalização

e ausência de opiniões próprias; a política baseada na emoção de massas ao invés da razão, o

que pode representar grande perigo já que para Weber as decisões políticas devem ser fruto de

29 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada: debate contemporâneo. São Paulo: Editora Ática, 1994. Vol I. 30 SARTORI. A teoria da democracia revisitada, Op. Cit., 1994. Vol I. 31 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004. 32 GONZÁLEZ, José M. Crítica de la teoria econômica de la democracia. In: GONZÁLES, José M.; QUESADA, Fernando (coords.). Teorias de la democracia. Barcelona: Antrophos, 1992, p. 311-54.

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decisões claras e frias, incólumes a decisões momentâneas e irracionais; a elitização da

política também pressupõe o domínio do Executivo sobre o Legislativo, o que acabaria por

anular o exercício das funções básicas do Parlamento. 33

Mesmo diante da observância de todas essas dificuldades características da

democracia de elites, Max Weber não tem dúvidas ao propor um modelo de democracia

cesarista, no qual as decisões do líder eleito têm grande peso nas decisões políticas. 34 Nessa

linha, na busca de uma definição para o conceito de democracia, Schumpeter estabelece

como ponto de partida o seguinte:

A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. 35

A fim de reforçar a idéia de que a democracia não pode ser vista como um fim em si

mesma, Schumpeter aponta, ironicamente, que a perseguição de dissidentes religiosos, a

queima de hereges na fogueira, a caçada às feiticeiras e o massacre dos judeus foram ações

realizadas por comunidades que a maioria de nós reconheceria como democráticas.36

Segundo González, Schumpeter, na obra Capitalismo, socialismo e democracia, de

1942, afirma que a doutrina clássica de democracia apresentada como “governo do povo” não

corresponde à realidade. Esta idéia deve-se ao fato de que seria impossível chegar a uma

vontade geral do povo, quando não é real atribuir ao indivíduo uma independência e

racionalidade de escolha. Sua principal crítica à teoria clássica é de que o povo já tem uma

opinião definida e racional sobre todos os temas e ele torna efetivas suas opiniões, elegendo

representantes que tentarão executar tais opiniões. 37

Para manifestar a sua vontade, o homem tem que saber de maneira definida o que

deseja defender, ou seja, precisa observar e interpretar corretamente os fatos que estão ao

alcance de todos, e selecionar de forma crítica as informações sobre os que não estão. Por

último, baseado nisso, chega a uma conclusão de acordo com as regras de inferência lógica e

33 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 34 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 35 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 295-96 36 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961. 37 GONZÁLEZ, Rodrigo. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit., 2000.

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com alto grau de eficiência geral. O cidadão-modelo deverá realizar isso tudo sozinho,

independente da pressão de grupos e de propaganda.38

No entanto essa determinação e independência da vontade do eleitor é irrealizável,

sabendo-se que o ser humano é tão sensível à publicidade e outros métodos de persuasão que,

muitas vezes, os próprios produtores parecem antes orientar do que serem orientados pelos

consumidores. A título de elucidação, historicamente, o desejo de ter um sapato pode ter sido

provocado por um produtor que fabricou um calçado atraente e fez o possível para vendê- lo.39

Na vida diária, as decisões são tomadas dentro do pequeno campo que a mente do

homem pode abarcar com plena compreensão de sua realidade. Consistem das coisas que são

diretamente importantes para o indivíduo, como família, trabalho, amigos, cidade, igreja, etc.

Assim, este possui a capacidade de influenciar e decidir diretamente sobre os fatos que lhe são

familiares, tendo também sobre eles certa responsabilidade. Porém, as grandes questões

políticas acabam se tornando distantes e tomam seu lugar na economia psíquica do cidadão

juntamente com os seus interesses nas horas de lazer, geralmente com assuntos sem

importância. 40

O autor afirma que esse senso reduzido de realidade acaba refletindo em um senso

reduzido de responsabilidade, bem como na ausência de uma vontade eficaz. As emoções do

indivíduo não chegam a ser aquilo que chamamos de vontade, isto é, “o correspondente

psíquico da ação responsável e intencional.” Faticamente, o cidadão que medita sobre a sua

situação nacional, acaba não encontrando espaço para a efetivação da sua vontade, muito

menos uma tarefa em que ela possa se desenvolver. “Ele é membro de um comitê incapaz de

funcionar – o comitê formado por toda a nação.” 41

Deste modo, as decisões coletivas estão sujeitas à irracionalidade, mas apesar disso

sobrevive a idéia que sustenta a possibilidade de um “governo do povo”. O autor identifica

três razões para a sobrevivência desta doutrina clássica: se não suportada por fatos empíricos,

é suportada por uma crença religiosa; as formas e fases da democracia clássica são apoiadas

por eventos históricos que tiveram apoio de uma grande maioria, como, por exemplo, a

revolução americana; os padrões sociais a que se remete a doutrina clássica estão associados a

pequenas comunidades, onde, talvez, não houvesse grandes questões para decidir. 42

38 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961. 39 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961. 40 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961. 41 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961.p. 318. 42 GONZÁLEZ, Rodrigo. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit., 2000.

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Além disso, afirma o autor que por mais que as opiniões e desejos do cidadão sejam

frutos de uma condição perfeitamente independente e definida que pudesse ser utilizada no

processo democrático, estas teriam a possibilidade de chegar a um acordo quando a

divergência fosse em questões quantitativas, tal como gastos com o desemprego. Mas em

questões qualitativas, como entrar ou não numa guerra, isto seria impossível. Neste caso uma

decisão proveniente de uma agência não democrática poderia ser muito mais satisfatória do

que uma decisão tomada pela maioria. 43

Diante dessas dificuldades, propôs uma nova teoria mais realista, segundo a qual “o

método democrático é um sistema institucional para a tomada de decisões políticas, no qual o

indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor.” A

explicação desta idéia está fundamentada nos seguintes pontos: a) a vontade e o bem estar do

povo foram servidos, historicamente, de forma muito melhor por governos considerados

antidemocráticos; b) esta nova teoria democrática reconhece o papel vital da liderança,

relegada pela teoria clássica, constituindo-se, assim, de características observáveis; c) na

medida em que existirem vontades coletivas autênticas, estas são colocadas de maneira exata

no papel que realmente desempenham; d) limitação da concorrência na esfera política, isto é,

formação de uma concorrência livre pelo voto livre, através da eliminação da concorrência

desleal ou fraudulenta; e) demonstração da relação existente entre democracia e liberdade,

possibilitando com que todos possam concorrer à liderança política; f) a função do eleitorado

não se restringe meramente em formar o governo, mas também em dissolvê- lo; g) por último,

lança luz sobre uma velha controvérsia: a vontade da maioria é apenas a vontade da maioria, e

pode não ser a vontade do povo. Deste modo, mesmo que a vontade do povo seja real e

definida, a decisão por simples maioria poderia deturpar e jamais executar esses desejos. 44

Ainda, segundo essa teoria, o indivíduo não é mais considerado como sujeito racional

e capaz de tomar, conscientemente, suas decisões políticas, mas sim como ignorante e débil

em juízo a respeito das questões políticas nacionais e internacionais. O cidadão torna-se

novamente primitivo. Por conseguinte, o processo político é redefinido como a luta

competitiva das elites pelo voto de um eleitorado passivo. A vitória, na verdade, não é fruto

de uma competição baseada em uma escolha racional e política, mas produto da propaganda e

meios de comunicação de massas. 45

43 GONZÁLEZ, Rodrigo. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit., 2000. 44 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961.p. 326. 45 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992.

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Fica claramente demonstrada a constatação do autor de que a soberania popular

consiste na entrega do poder à elite que conta com o maior apoio dos indivíduos. “O princípio

da democracia, então, significa apenas que as rédeas do governo devem ser entregues àqueles

que contam com maior apoio do que outros indivíduos ou grupos concorrentes.” 46

Por fim, o mais interessante é que essa nova perspectiva reconcilia a perspectiva

elitista com a democracia, consistindo esta no próprio processo de seleção das elites. O que

caracteriza a democracia não é o seu conteúdo, mas o tipo de ação exercida pelos governantes

e se ela está de acordo com a vontade popular. 47

A seguir será analisada a obra de Robert Dahl, que apresenta a democracia sob uma

perspectiva pluralista, a ser aplicada no campo da competição pela liderança política, com o

objetivo de impedir o domínio da maioria sobre a minoria.

2.1.2. Teoria democrática pluralista: a análise de Robert Dahl

Partindo do pressuposto de que não existe uma nação plenamente democratizada, Dahl

apresenta a democracia como um fim a ser conseguido, cujo procedimento envolve a

poliarquia, ou a democracia em seu estágio realmente existente, podendo ser caracterizada

como um regime relativamente democrático, que foi substancialmente popularizado e

apresenta ampla abertura à contestação pública. 48

Assim, a principal preocupação do autor está na intensidade das preferências,

buscando evitar com que a minoria seja subjugada pelas preferências intensas da maioria. Esta

minoria seria formada por pequenos grupos existentes na sociedade, partindo-se do princípio

de que a maioria das pessoas não apresenta interesse de envolvimento direto na política, a não

ser uma pequena minoria que se dedica de forma permanente a questões políticas. 49

Nesse sentido, revela-se uma das condições chaves da poliarquia que é a exigência de

competição dos líderes pelo apoio dos não- líderes, alterando o predicado da competição

política, passando a ser um procedimento de competição não entre elites, mas entre grupos

que representam os interesses existentes na sociedade. Para Dahl, segundo González, as

“condições chave para o seu funcionamento seriam a exigência de competição entre os líderes

46 SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democracia, Op. Cit., 1961. p. 332. 47 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 48 DAHL, Robert A. Poliarquia : Participação e oposição . 1. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. 49 GONZÁLEZ, Rodrigo. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit., 2000.

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pelo apoio dos não líderes e a possibilidade dos não- líderes transferirem seu apoio de um líder

para outro.” 50

Deste modo, a poliarquia seria a solução para um dos problemas fundamentais da

política, qual seja o controle dos líderes pelos não líderes. Para que isso seja possível, destaca

alguns critérios importantes:

a) a maioria dos adultos tem a oportunidade de votar livremente, isto é, sem

recompensas ou penalidades vinculadas ao ato de votar simplesmente;

b) as autoridades não-eleitas são subordinadas a líderes eleitos na elaboração da

política de organização;

c) da mesma forma, os líderes eleitos são subordinados aos não- líderes, podendo

aqueles serem substituídos por líderes alternativos, sempre que um número maior

de eleitores der seu voto a favor de líderes alternativos;

d) os membros da organização podem utilizar fontes alternativas de informação sem

incorrerem em penalidades impostas pelos líderes governamentais ou seus

subordinados;

e) os membros da organização que aceitam essas normas têm a oportunidade, através

de delegados, de apresentar políticas e candidatos rivais sem sofrerem penalidades

severas por assim agirem.

Para que estas condições sejam introduzidas ao procedimento de competição política e

controle dos líderes pelos não líderes, é necessária a observância de alguns pré-requisitos, tais

como: o pluralismo social; a possibilidade de alternância e criação de novas lideranças; uma

sociedade com considerável nível de segurança psicológica; uma disparidade limitada de

riquezas; além de uma abertura do sistema político para a oposição e competição. Isso

consolida uma das características chaves da democracia, que para Dahl é “a contínua

responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente

iguais.” 51

Além disso, o autor denomina como “Regra”, aquilo que pode ser considerado como o

“máximo atingimento da igualdade política e da soberania popular”, resumindo-se no

princípio de que na escolha de alternativas, a preferida pelo maior número é a escolhida. 52

50 GONZÁLEZ, Rodrigo. Democracia e conselhos de controle de políticas públicas, Op. Cit., 2000. p. 49. 51 DAHL, Poliarquia : Participação e oposição, Op. Cit., 1997. p. 26. 52 DAHL, Poliarquia : Participação e oposição, Op. Cit., 1997. p. 73.

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Logo, para explicar o cerne de sua argumentação a respeito da Regra, Dahl apresenta

duas problemáticas: 1) Que atos consideraremos suficientes para constituir uma manifestação

de preferências individuais em um dado estágio do processo decisório? 2) Considerando-os

como manifestação de preferências, que eventos temos que observar a fim de determinar a

extensão em que a Regra é empregada na organização que estamos examinando? 53

Para respondê- las, é necessário distinguir a fase eleitoral e aquela entre as eleições. A

saber, a fase eleitoral consiste em três períodos: o da votação, o anterior a ela e o posterior.

Durante o período da votação devem vigorar três condições:

a) todos os membros de uma organização devem manifestar sua preferência entre as

alternativas apresentadas, isto é, votam;

b) o peso de cada voto deve ser idêntico para todos os indivíduos;

c) a alternativa com o maior número de votos deverá ser considerada a vencedora.

No entanto, um plebiscito totalitário poderia satisfazer essas três condições ainda

melhor do que uma eleição nacional ou decisão legis lativa de um governo denominado como

democrático. Isto se deve ao fato de que todas as decisões humanas podem ser consideras uma

escolha consciente ou inconsciente da alternativa preferida dentre as apresentadas para o

indivíduo. Ora, como distinguir o voto de um camponês soviético que lança seu voto pela

ditadura, de um vagabundo subornado, de um fazendeiro que escolhe o candidato

comprometido a manter altos os preços dos produtos agrícolas, ou do consumidor que vota no

candidato contrário ao imposto de circulação de mercadorias? Infelizmente, na opinião do

autor, a essência de toda política competitiva consiste no suborno do eleitorado pelos

políticos. 54

Deste modo, a poliarquia destaca-se como uma forma de controle deste suborno,

fazendo com que a competição no campo da liderança política seja, ao mesmo tempo,

controlada pelos não- líderes através da subordinação daqueles a estes, sob pena de serem

votadas as suas substituições de acordo com as regras. Isto faz vicejar o processo de

democratização, procedendo ao cumprimento da Regra, ou seja, o alcance máximo da

igualdade política e da soberania.

Será analisado, no próximo item, o conceito de democracia procedimentalista de

Norberto Bobbio, que igualmente defendeu o modelo de democracia pluralista.

53 DAHL, Robert A. Um prefácio à teoria democrática. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 54 DAHL, Um prefácio à teoria democrática, Op. Cit., 1996.

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2.1.3. A democracia procedimentalista de Norberto Bobbio

Bobbio desenvolve o seu conceito de democracia influenciado por um contexto

político conturbado na história da Itália, no século XX. Este país encontrava-se devastado pela

II Guerra Mundial. Para se reerguer, no período pós-guerra, construiu uma democracia

parlamentarista, dominada por mais de quarenta anos pela Democracia Cristã, a qual foi

esfacelada por denúncias de corrupção e envolvimento com a Máfia. 55

Além disso, a esquerda, neste mesmo país, estava representada por um dos mais fortes

partidos comunistas da Europa Ocidental - o Partido Comunista Italiano, além de um Partido

Socialista moderado. Este mesmo partido comunista origina o Partido de la Sinistra e a

Refundazzione Comunista após o fim do bloco soviético. 56

Somam-se ainda a esses sobressaltos a revolta estudantil de 1968, a ação das Brigadas

Vermelhas, nos anos 70, e a morte do ex-primeiro ministro Aldo Moro. Interessante que

apesar disso, a Itália sai da destruição econômica provocada pela II Guerra Mundial e torna-se

um ícone, na posição de uma das nações capitalistas mais desenvolvidas do mundo. 57

Diante disso, Bobbio, um intelectual de corte liberal58 e cético em relação ao

socialismo, desenvolve sua análise a respeito da democracia. Saliente-se que este ceticismo de

Bobbio em relação ao socialismo difere de antagonismo. Ele simplesmente não vê uma

relação natural da democracia com este regime, acredita que esta relação precisa ser

demonstrada, ao contrário da relação que se desenvolve com o liberalismo e a democracia. 59

Malgrado sua defesa do modelo de democracia liberal, Bobbio aproximou-se da

esquerda no período pós-guerra. Este período, inevitavelmente, impulsionou na Itália um

encontro com a cultura comunista. No entanto, antes de socialista, era um liberal, resultando

disso uma visão socialista liberal diferenciada daquilo que “costumeiramente” é conhecida.

Isso porque o liberalismo de Bobbio não provém de uma admiração pelo mercado livre, mas

de uma grande dedicação ao Estado constitucional. Sua visão é política, não econômica. 60

O autor dá o conceito mínimo de democracia, ou seja, uma definição que mais

facilmente se pode concordar, em sua obra O futuro da democracia: 55 GONZÁLEZ, Rodrigo Stumpf. . O conceito de Democracia em Norberto Bobbio. In: Albertinho Luis Gallina; Ricardo Bins di Napoli. (Org.). Norberto Bobbio - Direito, ética e política. 1 ed. Iju i: Unijui, 2005, p. 145-157. 56 GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005. 57 GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005. 58 O liberalismo de Bobbio origina-se da tradição política, não da econômica. Conforme Rodrigo González, “sua base é a defesa intransigente da liberdade contra a opressão. As promessas da distribuição das riquezas, do melhor dos mundos, na versão soviética do paraíso são rejeitadas por ele.” In: GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005, p. 147. 59 GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005. 60 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992.

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Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.61

Deste modo, Bobbio apresenta uma concepção de democracia procedimentalista, isto

é, que defende as regras do jogo, a fim de que sejam escolhidos governantes para representar

a sociedade, não apenas os interesses individuais. 62

Para o autor, há uma grande disparidade entre aquilo que um governo democrático

deveria ser e aquilo que ele é, “a democracia perfeita não pode existir, ou de fato jamais

existiu.” Isto se demonstra pelo fato de que os valores últimos da democracia – igualdade e

liberdade, com base na distinção entre governos democráticos e não democráticos, são

incompatíveis entre si. Ora, para serem protegidas todas as liberdades em uma sociedade será

inevitável o surgimento de uma profunda desigualdade. Ao mesmo tempo, uma sociedade que

adote medidas distributivas, tornando todos os cidadãos iguais perante a lei terá que,

inevitavelmente, restringir muitas liberdades. Esta realidade ficou demonstrada na experiência

dos últimos cinqüenta anos, através da oposição irredutível entre as sociedades capitalistas e

as sociedades coletivistas, cujo apaziguamento só será possível através de medidas de

compromisso.63

Outra razão da oposição entre democracia real e ideal está na argumentação quanto ao

fundamento ético da democracia. A principal razão que nos permite ver a democracia como

melhor forma de governo é o reconhecimento da autonomia do indivíduo, isto é, ele passa a

ser visto como o melhor juiz do seu próprio interesse. Mas, que indivíduo é esse? De acordo

com a tradição de todo o pensamento democrático, trata-se de um indivíduo racional no

sentido de ser capaz de avaliar as conseqüências imediatas e futuras de suas ações, e, portanto,

avaliar os seus próprios interesses em relação aos interesses dos outros. Contudo esse homem

racional é um ideal-limite, fazendo da democracia também um ideal-limite. A alusão de

democracia como uma meta a ser atingida é manifestada pelo autor nas seguintes palavras:

Aquilo que hoje chamamos democracia, (...), não é uma meta, é uma via, uma via da qual talvez estejamos apenas no início, não obstante tenha sido tentada pela primeira vez há muitos séculos, tentada e mil vezes interrompida.(...). Uma via da qual não sabemos nem ao menos onde vai dar, como de resto não sabemos onde vai dar a história humana em seu todo, mas

61 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 9 ed. p. 30. 62 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 63 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 422.

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que ao menos como via nos parece mais praticável e mais tratável do que as outras, ou talvez apenas menos desesperada. 64

Essa idéia de democracia como uma via torna menor a disparidade entre democracia

ideal e real, pois retoma a definição minimalista de democracia descrita por Bobbio, a qual já

se tornou de domínio comum. Além disso, essa tese se confirma no processo de

reconceituação, já citado anteriormente, da democracia no século XX, através da sua derrota

inicial antes da I Guerra Mundial e de sua predominância nos governos de quase todas as

nações a partir da II Guerra Mundial.

Ainda, o autor apresenta certos “universais processuais”, que apesar de serem

puramente formais, dão um significado restrito de democracia. Admite que a observância

dessas regras não basta para que um Estado seja verdadeiramente democrático, mas basta

inobservância de um desses preceitos para que um governo não seja democrático. Esses

preceitos universais são enumerados da seguinte forma: 65

a) todos os cidadãos que tenham alcançado a maioridade etária sem distinção de raça,

religião, condição econômica, sexo, devem gozar de direitos políticos (...);

b) o voto de todos os cidadãos deve ter igual peso;

c) todos aqueles que gozam dos direitos políticos devem ser livres para poder votar

segundo sua própria opinião formada, ao máximo possível, livremente, isto é, em

uma livre disputa entre grupos políticos organizados em concorrência entre si;

d) devem ser livres também no sentido de que devem ser colocados em condições de

escolher entre diferentes soluções, isto é, entre partidos que tenham programas

distintos e alternativos;

e) seja para as eleições, seja para as decisões coletivas, deve valer a regra da maioria

numérica, no sentido de que será considerado eleito o candidato ou será

considerada válida a decisão que obtiver o maior número de votos;

f) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria,

particularmente o direito de se tornar por sua vez maioria em igualdade de

condições.

Além disso, o autor sugere outras duas características menos formais do sistema

democrático, quais sejam a democracia como mercado e a democracia como compromisso. 64 BOBBIO, Dicionário de política , Op. Cit., 2000, p. 425. 65 BOBBIO, Dicionário de política , Op. Cit., 2000.

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A democracia como mercado divide-se em grande mercado, que seria o pacto entre os

partidos, e o pequeno mercado, que seria a conversão do eleitor em cliente, sendo um reflexo

disso a diminuição do voto de opinião e o aumento do voto de intercâmbio. Afirma que a

força de um partido é medida pelo número de votos no pequeno mercado, da relação entre o

partido e os eleitores. Por outro lado, no grande mercado, além do número de votos, conta-se

também as alianças partidárias, que oportunizam a um pequeno partido a formação de uma

maioria. 66

No que tange a democracia como compromisso, esta se dá em três níveis: o pacto entre

os partidos que compõe a maioria para formar o governo; o pacto entre a maioria e a oposição 67 e, por fim, o pacto entre as diversas forças sociais para chegar a um consenso sobre

assuntos fundamentais de convivência. 68

Contudo, uma das reflexões mais importantes da teoria política de Bobbio sobre a

democracia são suas críticas ao seu funcionamento cotidiano, o que denomina de democracia

real. Ao tratar dos limites do princípio da maioria, conclui que nem a regra de maiorias, nem

o sufrágio universal definem a democracia, pois não são exclusivos dos sistemas

democráticos. Só podemos falar em democracia quando as decisões coletivas são adotadas

mediante a participação dos cidadãos. 69

Nesse sentido, apresenta em sua obra, O Futuro da Democracia, as promessas não

cumpridas da democracia. 70 Para Bobbio, o projeto político foi idealizado por uma sociedade

muito menos complexa que a atual, e, por isso, as promessas democráticas não foram

cumpridas devido a obstáculos que não estavam previstos ou que emergiram em decorrência

das mutações da “sociedade civil”. Por esta razão, são promessas que não poderiam ser

cumpridas. A saber, algumas delas podem ser elencadas da seguinte forma:

a) Individualismo versus pluralidade de indivíduos no poder. Embora a democracia

tenha nascido de uma concepção individualista de sociedade, isto é, sem

intermediários com o governo, o que se vê é uma pluralidade cada vez maior dos

mais distintos grupos (partidos, sindicatos, organizações, entre outros) no poder.

66 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 67 Bobbio sofre críticas nesta classificação. De acordo com GONZÁLEZ (1992), o autor cometeu um deslize ao propor um nível de acordo entre a maioria e a oposição, pois isto o levaria a subverter o princípio liberal-democrático, que é a base de sua própria concepção de democracia, transformando-a em uma democracia ‘consociativa’. 68 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 69 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 70 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2000.

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b) A separação de interesses. Na democracia moderna, também conhecida como

democracia representativa, os representantes devem buscar os interesses gerais da

nação e não os interesses particulares de seus representados, estando, assim,

sujeitos a um mandato imperativo. Contudo, a proibição do mandato imperativo

tem sido constantemente violada através da própria representação dos partidos no

Parlamento.

c) Persistência das oligarquias. O poder oligárquico conseguiu redefinir a

democracia como uma competição entre elites através do voto popular, conforme

já previsto por Schumpeter.

d) Democracia política e democracia social. A democracia não conseguiu ocupar

espaços em que se exercite um poder que tome decisões vinculantes a todo um

grupo social. Por outro lado, os grandes blocos de poder nas sociedades avançadas

não se vêem ameaçados pela democratização.

e) O poder invisível. Contrariamente à sua promessa de extinção do secreto e controle

dos cidadãos, tem aumentado a capacidade de controle do Estado sobre o cidadão,

através do grande avanço da tecnologia, e diminuído o controle dos cidadãos sobre

o Estado.

f) A aprendizagem da cidadania. O valor atribuído à educação na participação

eleitoral tem, cada vez mais, sido banalizado. O que existe hoje é uma apatia

política, refletida por uma cultura de subalternos entre os votantes, ao invés de

uma cultura participante, característica de eleitores comprometidos com a

articulação das demandas e a formação das decisões. 71

Em suma, Bobbio defende uma concepção de processo democrático procedimentalista,

de base normativa, para a participação dos indivíduos na eleição dos governantes que

representarão a sociedade. Seu ideal de democracia parte da visão kantiana da representação

como busca de um bem comum acima dos particularismos, por isso sua crítica contra os

grupos de interesse da sociedade capitalista, a representação funcional dos sindicatos, e,

ainda, o mandato imperativo proposto pelos socialistas. 72

A novidade em sua teoria se deve, principalmente, ao fato de sua análise ser centrada

na experiência italiana, ou seja, um país que se encontrava dotado de uma esquerda real,

sendo esta o seu foco central. Ora, o autor não almejava combater a alternativa de esquerda,

71 GONZÁLEZ, Crítica de la teoria econômica de la democracia, Op. Cit., 1992. 72 GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de Democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005.

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mas, sim, propor meios que contribuíssem para a construção de uma esquerda democrática,

através do seu convencimento de que a democracia liberal abarca procedimentos mínimos

passíveis de serem objeto de acordo.73

Tomando por base o processo de legitimação do conceito de democracia que associa

processo eleitoral e democracia a partir da influência de autores como Schumpeter, Dahl e

Bobbio, analisaremos as alterações provocadas pelo regime democrático adotado pela

Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, adotaremos o conceito de democracia

representativa liberal, que se caracteriza pela realização de eleições livres e periódicas na

escolha de representantes para os cargos de direção política, tendo como organização

principal, para esta finalidade, o partido político.

Não obstante o conteúdo substancial da democracia, especialmente associado à

concretização dos direitos fundamentais, esta será analisada neste trabalho de pesquisa sob o

enfoque institucional. Assim, no próximo item trabalharemos o funcionamento de seus

elementos institucionais fundamentais no caso brasileiro: sistema eleitoral, sis tema partidário,

e regime presidencialista.

2.2. A DEMOCRACIA LIBERAL E A NOVA INSTITUCIONALIDADE

Inicialmente, existem duas versões atinentes à representação parlamentar. A primeira é

de inspiração liberal, seguindo a linha do contratualista John Locke, e a segunda é de

orientação democrática, que teve como porta-voz Jean-Jacques Rousseau. Ambas reconhecem

à sociedade a titularidade primeira de soberania, apesar de entrarem em conflito quanto ao

perfil exato do cidadão. Isso porque para a corrente liberal, além de limitador dos poderes do

Estado, o Poder Legislativo é o depositário natural da soberania; ao passo que para a corrente

democrática, a única forma legítima de expressão da soberania é a participação ativa e direta

dos cidadãos.74

Apesar dessa disparidade entre as duas correntes, nos últimos dois séculos elas

confluíram para um ponto em comum, ou seja, consolidou-se um conjunto de liberdades

defendido pelos autores liberais, ao passo que também foi estendido à coletividade o direito à

cidadania, que é a principal reivindicação da corrente democrática. Por conseguinte, o

73 GONZÁLEZ, Rodrigo, O conceito de Democracia em Norberto Bobbio, Op. Cit., 2005. 74 CARVALHO, Nelson Rojas. Representação política, sistemas eleitorais e partidários: doutrina e prática. In: LIMA JUNIOR, Olavo Brasil de (org.). Sistema eleitoral brasileiro: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, IUPERJ, 1991. p. 39-97.

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parlamento torna-se a via pela qual se procura cumprir os pontos principais do projeto liberal,

como também da agenda democrática. Assim, passou a acumular funções de governo, tendo

em vista que se estendeu de corpo consultivo para a instância deliberativa.75

Essa união entre as correntes liberal e democrática demonstra claramente a

necessidade, já consolidada, da representação parlamentar. No entanto, retomando a definição

mínima de democracia de Bobbio já apresentada76, a existência de regras e procedimentos em

conjunto com um elevado número de cidadãos que tenham o direito de participar não é

suficiente para uma definição mínima da democracia contemporânea. Para Bobbio, há uma

terceira condição indispensável que é a existência de alternativas reais de escolha para aqueles

que têm o dever de decidir. Ou seja, é necessário que sejam garantidos, aos chamados a

decidir, os direitos de liberdade, de opinião, de expressão, etc.

A garantia desses direitos, à base dos quais nasceu o Estado liberal, se dará por meio

do seu reconhecimento constitucional. Diante do que a Constituição torna-se o pressuposto

necessário para o correto funcionamento dos próprios mecanismos e procedimentos que

caracterizam o regime democrático. Por esta razão, Bobbio define as normas constitucionais

não propriamente como as regras do jogo, mas como “regras preliminares que permitem o

desenrolar do jogo.” 77

Portanto, o Estado liberal não só é pressuposto histórico como também jurídico do

Estado democrático. Ambos são interdependentes na medida em que certas liberdades são

necessárias para o correto funcionamento democrático, da mesma forma que é necessário

poder democrático para garantir a existência e proteção às liberdades fundamentais. Conforme

explica Bobbio:

É pouco provável que um Estado não-liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não-democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que o Estado liberal e Estado democrático, quando caem, caem juntos.78

Assim, dadas e aceitas as regras do jogo político democrático, é necessária a existência

de atores e instrumentos que conduzirão o jogo. Esses atores são os partidos e o modo

principal de fazer política é a eleição. Dito de outro modo, “regras do jogo, atores e

75 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991. 76 “Por regime democrático entende-se um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados.” In: BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004, p. 22. 77 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004, p. 32. 78 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004, p. 33.

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movimentos são solidários entre si, pois atores e movimentos devem sua existência às

regras.”79

Igualmente, Tavares destaca a interdependência funcional entre o sistema de governo e

os sistemas eleitoral e partidário. Para ele, o sistema real de governo é composto por quatro

elementos: o sistema eleitoral, o sistema partidário, o sistema formal de governo, e a forma

unitária ou federativa do Estado. Assim, a sua funcionalidade dependerá de como o instituidor

conseguirá antecipar os efeitos da interação estratégica entre esses diferentes elementos em

conjunto com a cultura política e o ambiente sócio-político sobre os quais opera.80

Sob esse ponto de vista, o propósito mais importante das eleições é formar um quadro

institucional estável para a expressão das diversas opiniões. Em face disso, Tavares define as

instituições políticas, os sistemas eleitoral e partidário como os instrumentos estratégicos por

excelência para operar a intervenção política de sujeitos individuais e coletivos. Ressalta que

“é a intervenção política que tece e desfia a estrutura de dominação social.” 81

Observa-se, portanto, o papel decisivo exercido pelas instituições eleitorais e

partidárias para o desenvolvimento da democracia constitucional e representativa 82. A análise

do objeto desta pesquisa – o controle de constitucionalidade sobre a disputa política - requer a

compreensão da natureza e funcionamento desses elementos, conforme passaremos a analisar.

79 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004, p. 81. 80 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 81 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 26. 82 Cabe definir aqui o que é representação, já que, segundo Sartori, esse termo abarca três significados diferentes, a saber: a idéia de mandato, que deriva do direito privado e pertence ao contexto da representação jurídica; a idéia de representatividade, que tem sua origem num contexto sociológico e existencial, sendo que a representação é basicamente uma questão de afinidade ou semelhança; e a idéia de responsabilidade, no sentido de prestação de contas. Neste trabalho, apesar de nos ocuparmos apenas com a representação política, esta não pode ser trabalhada em desconexão com as demais formas de representação, pois está associada com a representação sociológica, por um lado, e com a jurídica, por outro. In: SARTORI, Giovanni. Sistemas de representacion. Enciclopedia Internacional de las Ciencias Sociales. Madrid: Aguilar, 1976. V. 9. p. 305-312.

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2.2.1. Os princípios constitutivos dos sistemas eleitorais proporcional e majoritário

As eleições exercem papel fundamental para a estabilidade da democracia

constitucional e representativa, eis que se trata de instrumento capaz de promover um quadro

institucional estável para a expressão de diversos pontos de vista. Nesse sentido, aponta

Tavares:

Nas democracias constitucionais e representativas, sistemas eleitorais são conjuntos articulados e coerentes de regras, de procedimentos e de mecanismos que convertem sufrágios, atribuídos pelos eleitores a partidos e a candidatos, em cadeiras legislativas ou em outros postos eletivos a serem ocupados por partidos e por candidatos.83

Nesse sentido, o objetivo dos sistemas eleitorais é garantir, de um lado, a

representação política de tendências diversas e projetos públicos relevantes no interior da

sociedade e, de outro, a constituição de um governo coerente, sólido e estável o tanto quanto

possível.

Sob um viés constitucional, Canotilho assinala que “os princípios fundamentais

relativos ao sistema eleitoral não foram deixados à liberdade de conformação do legislador”,

pois se trata de direito constitucional formal. Deste modo, na relação do sistema eleitoral com

os elementos constitutivos do princípio democrático estabelece-se uma prevalência e uma

reserva de constituição. Isto é, o princípio da igualdade designadamente é um elemento

constitutivo do princípio democrático e, consequentemente, do sistema eleitoral. Portanto, o

conteúdo da igualdade eleitoral não pode ser regulada pelo legislador; ao contrário, “o

princípio da igualdade, juntamente com outros princípios constitucionais , possui um carácter

constitutivo para a definição e conformação de todo o sistema eleitoral.” 84 Apesar desta

limitação quanto ao seu conteúdo material, interessante a observação de Canotilho de que a

Constituição portuguesa não deixou espaço para a escolha do próprio sistema eleitoral.

Com efeito, nas democracias ocidentais contemporâneas funcionam dezenas de

sistemas eleitorais diferentes que, porém, operam segundo um dentre os dois princípios

fundamentais: o princípio majoritário e o princípio proporcional.85 Uma diferença

fundamental entre sistema proporcional e sistema majoritário significa que, tradicionalmente,

a representação por maioria é quando o candidato é eleito por ter atingido uma maioria

83 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 204. 84 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1995, p. 439. 85 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991.

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(absoluta ou relativa) de votos, enquanto que a representação proporcional é quando a

representação política distribui igualmente os votos, o mais exatamente possível, entre os

partidos. Nesse sentido, Nohlen aponta que embora os sistemas eleitorais estejam corretos não

são simétricos, eis que por um lado referem-se ao princípio majoritário de decisão e, por

outro, ao resultado ele itoral, respectivamente.86

Esses dois sistemas eleitorais possuem objetivos políticos determinados e que se

situam em extremos opostos. 87 Segundo Nohlen, a demanda pela representação proporcional

surgiu, ao final do século XIX, com as transformações socia is provocadas, principalmente,

pela ascensão dos partidos dos trabalhadores e com a introdução do sufrágio universal. Assim,

para demonstrar a bipolaridade de ambos os sistemas eleitorais, importa diferenciar os seus

objetivos políticos.

Para Nohlen, no caso da representação por maioria ou sistema majoritário, o objetivo é

“alcanzar uma mayoría parlamentaria para un partido o una alianza de partidos.” 88 Em outras

palavras, o importante é que mesmo que um partido não tenha alcançado a maioria absoluta

de votos, possa formar uma maioria de partidos em quantidade de cadeiras parlamentares,

podendo ser a sua função básica resumida na sua capacidade de produzir governos.

Outro traço fundamental que distingue os sistemas majoritário e proporcional é que no

primeiro o candidato vitorioso é o único a ganhar a eleição, enquanto que no segundo, a

vitória eleitoral é partilhada e exige-se apenas um número mínimo de votos (quociente).

Assim, sob o preceito dos sistemas majoritários, pode-se falar em três modalidades de

arranjos institucionais no sistema eleitoral: o sistema de maioria simples de votos em distritos

uninominais, conhecido no Brasil por sistema distrital; o sistema de voto em dois turnos, e o

sistema de voto alternativo. O sistema distrital tem sua origem na Inglaterra e acabou

restringindo-se aos países que estiveram sob sua influência. Consiste na divisão do país em

distritos eleitorais e na escolha, por maioria relativa, de um único representante para cada

distrito. Desenvolveu-se, inicialmente, como um instrumento de representação de territórios,

ou seja, “o território era a unidade natural de representação e não os segmentos da população,

as correntes de opinião e muito menos os partidos políticos.” 89

86 NOHLEN, Dieter. Sistemas electorales y partidos políticos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994. 87 Nohlen aponta que ao se examinar a história das idéias políticas, os princípios de representação são muito mais antigos que os sistemas eleitorais. Este princípio teria sido elaborado sobre a concepção de Mirabeau da representação como “espelho da nação”, e da “melhor” opção de um sistema eleitoral para encontrar a verdadeira vontade da nação. Assim, esses ideais de representação foram elaborados pelos racionalistas franceses do século XVIII, muito antes da criação de sistemas de representação proporcional. In: NOHLEN, Sistemas electorales y partidos políticos, Op. Cit., 1994, p. 96. 88 NOHLEN, Sistemas electorales y partidos políticos, Op. Cit., 1994, p. 98. 89 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991. p. 43.

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Com o surgimento da política de massas, e a emergência de novos partidos, que se

deve grandemente à classe operária, o sistema distrital se não foi superado, foi pelo menos

exposto a fortes críticas. Estas se direcionavam, principalmente, ao resultado desproporcional

produzido pelo sistema distrital na conversão de votos em cadeiras, que tinha a forte tendência

de sub-representar os pequenos partidos e sobre-representar os grandes. A alternativa que a

Inglaterra encontrou foi outra versão de sistema distrital, a qual ficou conhecida por block

vote, conseguindo exponenciar os efeitos descritos. Pelo sistema de voto em bloco, cada

distrito elegeria três representantes, e o eleitor também teria três votos. Caso os eleitores

seguissem a orientação partidária, um partido, por maioria relativa, acabaria conquistando três

cadeiras.90

As fórmulas de voto em dois turnos e voto alternativo foram adotadas,

respectivamente, pela França e Austrália. Ambas as fórmulas prevêem a eleição do

representante distrital por maioria absoluta das preferências. De acordo com a modalidade de

voto em dois turnos, um segundo escrutínio é realizado quando o candidato não alcançou a

maioria absoluta de votos em primeiro turno. Na Austrália, o sistema de voto alternativo

impede que o representante se eleja no distrito com minoria de votos. Trata-se de um sistema

de voto preferencial, num único turno. Ou seja, cada eleitor, com seu voto, hierarquiza os

candidatos numa única escala de preferências. Caso nenhum candidato consiga maioria

absoluta na primeira contagem, os menos votados são eliminados e as segundas preferências

do eleitor são redistribuídas. Esse procedimento é repetido até que um dos candidatos obtenha

maioria absoluta de votos.91

Carvalho chama a atenção para o fato de que as fórmulas de maioria absoluta podem

produzir uma representação justa no âmbito de um distrito específico, o que, porém, não

ocorre na representação dos partidos no parlamento nacional ou nas assembléias regionais.

Isso porque nos sistemas de maioria absoluta, o desempenho de um partido não depende

somente do número de votos obtidos, mas também de como esses votos serão distribuídos.

Assim, na atual Constituição brasileira, o método majoritário é utilizado na eleição dos

representantes do Poder Executivo, assim como o Prefeito, o Governador do Estado e o

Presidente da República.92 Segundo Souza e Lamounier, o modelo majoritário pode ser mais

efetivo para a governabilidade do que o sistema proporcional, pois:

90 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991. 91 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991. 92 Arts. 29,II; 32, § 2º; 77, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

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tende a ser mais efetivo e inteligível para o cidadão comum, do que o modelo consociativo. A razão é que a obtenção do consenso entre atores com poder de veto para que sejam tomadas decisões relevantes é mais administrável em um sistema majoritário. 93

Em relação ao sistema proporcional, o seu principal objetivo é “reflejar, con la mayor

exactitud posible, las fuerzas sociales y grupos políticos en la población.” 94 Esta é a sua

função básica e seu critério de eficácia. Não obstante os diferentes objetivos apresentados

pelos sistemas de representação, Nohlen enfatiza que o resultado buscado pela representação é

mais importante do que a fórmula de decisão que se aplica. Segundo Carvalho, ao contrário

do que ocorre nos sistemas majoritários, “as eleições (proporcionais) representam

essencialmente um instrumento de registro da preferência popular.” 95

Nesse sentido, Canotilho trabalha o sistema proporcional também como elemento

constitutivo do princípio democrático, talvez por ser o mais próximo ao princípio da

igualdade já que pode ser resumido facilmente em “dar a cada um o que lhe é devido” 96,

devendo a percentagem de mandatos ser idêntica a percentagem de votos.

Os sistemas proporcionais podem ser distribuídos na modalidade do sistema de voto

preferencial em distritos, ou nas formas variadas do sistema de lista. Designado por Single

Transferable Vote (STV), o primeiro sistema constitui uma versão anglo-saxônica de sistema

proporcional. Criado na Inglaterra, no século passado, como primeiro sistema proporcional

para a representação de indivíduos e não de territórios, foi defendido como uma alternativa às

fórmulas majoritárias. Uma outra singularidade deve-se à sua mecânica, pois o STV orienta o

voto não só na direção dos partidos, mas também dos indivíduos, o que o diferencia do

sistema de lista, em que o voto pretende traduzir a preferência partidária do eleitor. 97

Além disso, no STV a proporcionalidade é alcançada facilmente, pois todo voto que

não contribui para a eleição de um candidato é transferido para o segundo ou terceiro

candidato da lista de preferência do eleitor. Observa-se que esse sistema proporciona l dá

ampla margem de escolha ao eleitor, pois permite a escolha entre os candidatos de um mesmo

partido, e também entre partidos distintos.

93 SOUZA, Amaury de; LAMOUNIER, Bolívar. O futuro da democracia: cenários político-institucionais até 2022.Estudos Avançados, São Paulo, v.20, n.56, 2006. Dis ponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142006000100005&lng=en&nrm=iso [Acessado em 09 de julho de 2008] 94 NOHLEN, Sistemas electorales y partidos políticos, Op. Cit., 1994, p. 99. 95 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991, p. 46. 96 CANOTILHO, Direito Constitucional, Op. Cit, 1995, p. 439.. 97 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991.

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Em contraposição ao sistema STV, aparece os sistemas de lista, os quais foram

empregados em todos os países da Europa Ocidental com exceção da França. Dividem-se

quanto a permitir ou negar ao eleitor o direito de optar entre os candidatos do partido de sua

preferência. Nos sistemas de lista fechada o eleitor vota na lista de candidatos ordenada pelo

partido, sem qualquer possibilidade de alterá- la. Já nos sistemas de lista aberta, a lista de

candidatos não é ordenada pelos partidos, ou seja, os candidatos são dispostos em ordem

alfabética e cabe ao eleitor indicar os candidatos de sua preferência. Carvalho chama a

atenção para o fato de que nos sistemas de lista “embora o eleitor se ache eventualmente

autorizado a expressar uma preferência de natureza individual, seu voto tem, necessariamente,

uma destinação partidária.” 98

Os sistemas proporcionais ainda podem variar de acordo com a percentagem mínima a

ser alcançada pelos partidos eleitorais para se tornarem parlamentares, o que será tratado

adiante, especificamente no item destinado à análise da cláusula de barreira.

Ainda, há que se destacar uma objeção quanto ao argumento de que os sistemas

proporcionais são os mais favoráveis à proteção das minorias quanto aos abusos da maioria,

pois torna sobremaneira problemática a constituição de uma maioria governamental.

Conforme aponta Emanuele Marotta:

A instabilidade do governo (...) é acentuada também pela indisciplina partidária dos deputados. E onde o partido se impõe, os deputados não se sentem responsáveis para com o eleitorado por causa da presença filtrante do aparelho de que depende a sua reeleição.99

Igualmente, Giusti Tavares coloca em relevo a incoerência entre manter um governo

forte e coeso e, ao mesmo tempo, satisfazer a variedade de tendências provenientes do interior

da sociedade:

(...) os sistemas eleitorais devem prover, conciliando-os e integrando-os entre si, dois objetivos entre os quais há contradição e tensão: de um lado, a representação política da variedade de tendências e projetos públicos relevantes no interior da sociedade e do sistema político e, de outro, a constituição de um governo tão coerente, coeso, sólido e estável quanto possível. 100

98 CARVALHO, Representação política, sistemas eleitorais e partidários, Op. Cit., 1991, p. 49. 99 MAROTTA, Emanuele. Sistema Eleitorais (verbete). In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, et. al. Dicionário de política. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. 5 ed. 2 v., p. 1176. 100 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 203-204.

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Sartori põe em relevo a desproporcionalidade do sistema proporcional quando trata da

classificação dos sistemas eleitorais proporcionais ou de pluralidade. Para ele, quando

dizemos “pluralidade” significa um critério eleitoral, ao passo que “representação

proporcional” indica um resultado proporcional, isto é, “um corpo representativo que reflita

de algum modo a distribuição de votos de ‘forma proporcional’”. 101

2.2.2. Natureza dos partidos políticos

A necessidade de organização é, segundo Michels, uma das causas determinantes de

ordem técnica e administrativa para a existência de partidos políticos. Uma classe que

apresenta reivindicações concretas e apresenta um conjunto de ideais derivados da função

econômica que exerce tem, naturalmente, a necessidade de se organizar a fim de criar a

vontade coletiva. Contudo, a necessidade de chefes para a sua organização é, para o autor,

uma das principais causas da oligarquização dos partidos democráticos. Ou seja, os chefes

partidários surgiriam, num primeiro momento, de forma espontânea, mas ao longo do tempo

tornar-se- iam estáveis e inamovíveis. 102

Por outro lado, com o reconhecimento constitucional dos partidos políticos e de sua

influência para a formação da “vontade política”, pretendeu-se que os partidos exercessem

funções de um órgão constitucional. 103 Segundo Canotilho, “‘a constitucionalização dos

partidos’ ou ‘incorporação constitucional dos partidos’ (Hesse) se implica que eles deixem de

ser apenas uma realidade sociológico-política de modo algum corresponde à sua

‘estatização’”. 104

Nesse sentido, o autor não atribui aos partidos a natureza de órgãos estaduais ou

constitucionais, nem mesmo de corporação de direito público, pois seu estatuto jurídico

101 SARTORI, Giovanni. Engenharia constitucional: como mudam as constituições. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. 102 MICHELS, Robert. Os partidos políticos. São Paulo: Senzala, 19... Para efeito de esclarecimento, o termo partido entrou em uso, substituindo gradualmente a palavra “facção”. Etimologicamente ambas as palavras não têm o mesmo significado. Facção vem do verbo latino facere e passou a indicar um grupo político empenhado em um facere danoso, de comportamento excessivo. Partido, por sua vez, vem do verbo latino partire, que significa dividir. Porém, transmitia basicamente a idéia de parte, o que torna “partido” sujeito a duas derivações semânticas: “a derivação de partire, dividir, de uma lado, e a associação com tomar parte, e portanto com participação, do outro.” Diversos autores se ocuparam do problema, assim como Voltaire, Bolingbroke, Hume, Burke e também alguns protagonistas das Revoluções Francesa e Americana. In: SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Rio de Janeiro: Zahar, Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982. p. 24. 103 Saliente-se que os partidos só adquiriram definição legal após a II Guerra Mundial, e mesmo assim em poucas constituições. In: SARTORI, Partidos e sistemas partidários, Op. Cit., 1982. 104 CANOTILHO, Direito Constitucional, Op. Cit, 1995, p. 448.

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subjetivo deriva de sua “caracterização como associações de direito privado às quais se

reconhecem direitos fundamentais (na medida em que sejam aplicáveis a pessoas colectivas).” 105 Além disso, também não classifica os partidos como órgãos do povo, em razão de que se

tratam de organizações aglutinadoras do interesse coletivo, ou de classes sociais, sendo,

portanto, incorreto classificá- los como órgãos do que denomina como uma “unidade místico-

espiritual” reconduzível ao povo. Assim, a sua função de mediação política entre a expressão

da vontade popular e a influência na formação do governo indica uma qualidade jurídico-

constitucional que diferencia as associações partidárias das associações privadas. Logo,

“como elementos funcionais de uma ordem constitucional, os partidos situam-se no ponto

nevrálgico de imbricação do poder do Estado juridicamente sancionado com o poder da

sociedade politicamente legitimado.”106

Nesse mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto no Acórdão da Adin nº

1.351-3, seguindo a linha de Dieter Grimm, atribuiu aos partidos políticos a função funcional

singular de mediação entre o Estado e a sociedade:

Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral. 107

Igualmente, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como cond ição de

elegibilidade a filiação partidária (art. 17, CF), atribuindo inegável importância à participação

dos partidos políticos no processo eleitoral. Contudo, a função mediadora dos partidos entre o

povo e o Estado requer um esclarecimento: o que explicaria o número de partidos numa

democracia? Segundo Jairo Nicolau, existem três interpretações: a ideológica, a sociológica e

a institucionalista. 108

A interpretação ideológica afirma que a principal função dos partidos é a expressão

das diversas opiniões existentes na sociedade. Desta forma, o número de partidos decorre do

número de opiniões relevantes. Na interpretação sociológica, os partidos são canalizadores de

interesses de segmentos da sociedade. Assim, uma sociedade com uma estrutura sócio-

econômica complexa terá mais partidos do que aquela com menor divisão social. Por fim, a

105 CANOTILHO, Direito Constitucional, Op. Cit, 1995, p. 448. 106 CANOTILHO, Direito Constitucional, Op. Cit, 1995, p. 449. 107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3. Partido Comunista do Brasil e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário de Justiça 30.03.2007. p. 117-18. 108 NICOLAU, Multipartidarismo e democracia, Op. Cit., 1996.

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abordagem institucionalista tem por escopo o impacto da estrutura institucional sobre o

sistema partidário. De acordo com esta avaliação, os fenômenos partidários devem ser

compreendidos a partir de “atributos endógenos à política”, sobretudo derivados da natureza

das instituições democráticas – sistema eleitoral, sistema de governo, estrutura do Estado

(federalista ou unitário).

A partir disso, a relevância do partido político está associada à sua capacidade de

representar opiniões e interesses proeminentes na sociedade. Da mesma forma, Sartori

estabeleceu duas regras para o fim de avaliar a necessidade de existência de um partido

político: a) a sua necessidade na composição de uma coalizão; b) quando afeta a tática de

competição dos partidos que se orientam a favor do governo. 109 Assim, o impacto da

competição entre os partidos políticos sobre a institucionalidade brasileira é tema do qual nos

ocuparemos nos próximos itens, em razão do que iniciaremos com a abordagem da

conjugação do sistema eleitoral com o sistema partidário, para adentrarmos especificamente

no caso brasileiro.

2.2.3. As proposições de Duverger e Sartori acerca dos efeitos do sistema eleitoral sobre

o sistema partidário

Sartori destaca a pouca importância que tem sido atribuída aos sistemas eleitorais,

fundamentada na defesa de argumentos de que eles não constituiriam uma variável

independente, ou da incerteza de seus efeitos. Para o autor, os resultados dos sistemas

eleitorais podem sim ser determinados, verificado que eles têm duplo efeito – sobre o eleitor e

sobre o número de partidos, razão pela qual os sistemas eleitorais podem ser considerados o

instrumento político mais passível de manipulação. 110 Esses efeitos, contudo, devem ser

avaliados separadamente, porquanto o número de partidos não deriva apenas do

comportamento dos eleitores, mas também da forma como os votos são transformados em

cadeiras parlamentares. 111

Diante disso, Maurice Duverger que foi o primeiro autor a abordar questões referentes

aos efeitos dos sistemas eleitorais, formulou duas proposições que ficaram conhecidas como

as “Leis de Duverger”: a) o sistema majoritário de um só turno tende ao bipartidarismo; b) o

109 SARTORI,Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996. 110 SARTORI, Sistemas de representacion, Op. Cit., 1976, p. 310. 111 SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996.

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sistema majoritário de dois turnos e a representação proporcional tendem ao

multipartidarismo. Contudo, duas exceções – o Canadá e a Áustria - colocaram em cheque a

validade das proposições de Duverger. Com efeito, o Canadá utiliza a representação

majoritária e, consequentemente, deveria apresentar um sistema bipartidário. Porém apresenta

um sistema de dois partidos e meio, com dois grandes partidos (Liberal e Conservador) e um

terceiro de médio porte (Partido da Nova Democracia). A Áustria, por sua vez, utiliza o

sistema proporcional e, portanto, deveria apresentar um sistema multipartidário, o que

também não ocorre já que a Áustria apresenta um sistema com apenas dois partidos

expressivos. 112

Nesse sentido, alguns autores tentaram reformular as “Leis de Duverger”, a fim de

torná- las mais flexíveis, dentre os quais está Giovanni Sartori, o qual propõe duas leis

tendenciais: a) fórmulas de maioria simples favorecem um formato bipartidário e,

inversamente, dificultam o multipartidarismo; b) fórmulas de representação proporcional

favorecem o multipartidarismo e, inversamente, dificilmente produzem o bipartidarismo.113

Além disso, para o autor, é preciso que as leis que postulam efeitos sobre o número de

partidos existentes estabeleçam como esse número é determinado, uma vez que nem todos os

partidos devem ser contados num sistema partidário, ou seja, a distinção entre partidos

relevantes e irrelevantes é crucial para determinar os efeitos do sistema eleitoral sobre o

sistema partidário. 114 Com efeito, para Sartori, o sistema presidencialista funciona melhor

com um número menor de partidos e, portanto, os partidos que contam são apenas aqueles que

fazem diferença quando se trata de apoiar ou obstruir a eleição do presidente, e também que

fazem com que ele tenha ou não apoio majoritário nas assembléias legislativas.

Apesar das críticas, as leis de Duverger podem manter o seu poder analítico se forem

interpretadas como leis no sentido probabilístico e tendencial, e não no sentido causal. Porém,

a constatação da influência dos modelos de representação sobre a configuração do sistema

partidário não trata dos mecanismos que fazem essa influência operar, diante do que é

fundamental a análise dos efeitos mecânico e psicológico de Duverger.115

112 NICOLAU, Jairo Marconi. Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema partidário brasileiro (1985-94). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. 113 NICOLAU, Multipartidarismo e democracia, Op. Cit., 1996. 114 Para Sartori, do ponto de vista da governabilidade, sustenta que tanto nos sistemas parlamentaristas quanto nos sistemas presidencialistas: “os partidos só são importantes se têm um mínimo de disciplina. Sem disciplina parlamentar, não faz muita diferença se há dois partidos ou mais.” Neste último, o presidente majoritário que não tem apoio de seu partido enfrenta os mesmos problemas de um presidente sem maioria. Ou seja, em ambos os casos os presidentes precisam negociar individualmente com o parlamento para obter os votos de que necessitam. In: SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996, p. 190. 115 NICOLAU, Multipartidarismo e democracia, Op. Cit., 1996.

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Nesse sentido, o efeito mecânico de Duverger consiste na tendência de todos os

sistemas eleitorais em favorecer os maiores partidos em detrimento dos menores. Basta que

o(s) partido(s) obtenha(m) votação inferior ao quociente eleitoral mínimo, fazendo com que

os partidos maiores recebam mais cadeiras que votos quando comparados em termos

percentuais. Jairo Nicolau observa que “a tendência dos sistemas eleitorais de produzirem sub

ou sobre-representação dos partidos opera mecanicamente e está livre de qualquer cálculo

estratégico, dependendo exclusivamente das regras estip uladas para transformar votos em

cadeiras parlamentares.” 116

Em decorrência do efeito mecânico instituído pelo quociente eleitoral, os partidos

menores que não o atingem são punidos pelo comportamento estratégico dos eleitores na

eleição seguinte. Ou seja, para não desperdiçar o seu voto eles deixam de votar no partido

sub-representado na eleição anterior, o que poderá produzir um efeito cascata também na

próxima eleição. Esse efeito ficou conhecido como efeito psicológico de Duverger, o qual

diferentemente do efeito mecânico, necessita de pelo menos duas eleições para ocorrer. Este

efeito atua também sobre o comportamento dos dirigentes partidários no sentido de que eles

definirão as suas estratégias de campanha eleitoral de acordo com a intensidade de votos na

última eleição.

Diante disso, Jairo Nicolau conclui que a causa da fragmentação partidária 117 brasileira

não consiste num efeito mecânico direto da representação proporcional. Na verdade, os

sistemas eleitorais de representação proporcional puros 118 eliminam os obstáculos à atividade

da elite partidária e também os constrangimentos às manifestações das primeiras opções do

eleitorado com a suspensão dos efeitos mecânico e psicológico. Sumariamente, o

multipartidarismo e fragmentação partidária não são efe itos da representação proporcional, e,

portanto, se o fossem seria melhor propor o seu fim.

Assim, antes da cláusula de barreira ser um mecanismo que provoque a exclusão de

partidos políticos minoritários, ou até mesmo a sua “morte por inanição”, os efeitos mecânico

e psicológico de Duverger já são por si próprios fatores que provocam a redução do número

de partidos eleitorais. Isto é, os partidos que recebem votação inferior ao quociente eleitoral

mínimo ficam afastados da representação parlamentar e, consequentemente, terão menos

116 NICOLAU, Multipartidaris mo e democracia, Op. Cit., 1996, p. 45. 117 Giovanni Sartori e Jairo Nicolau entendem a fragmentação partidária como sinônimo de multipartidarismo. 118 Sistemas eleitorais puros são aqueles que operam com mecanismos que tornam o sistema eleitoral altamente proporcional, a saber, distritos de alta magnitude, fórmulas proporcionais e distritos compensatórios. Do outro lado estão os sistemas de representação proporcional impuros, ou seja, que apresentam mecanismos restritivos aos menores partidos, tais como distritos de baixa magnitude e cláusula de exclusão. In: NICOLAU, Multipartidarismo e democracia, Op. Cit., 1996.

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chances de obterem votos na próxima eleição em decorrência do efeito psicológico. Para

compreendermos a dimensão de desigualdade ou desequilíbrio provocada pela cláusula de

barreira no sistema eleitoral brasileiro analisaremos, a partir de agora, os efeitos do sistema

eleitoral sobre o sistema partidário no Brasil, especificamente.

2.2.4. Os efeitos do sistema eleitoral sobre o sistema partidário no Brasil

O sistema eleitoral em vigor no Brasil tem suas origens no sistema adotado pela

Assembléia Constituinte de 1934, e que foi incorporado à legislação eleitoral posterior. Até

1930, o Brasil elegeu seus representantes para a Câmara dos Deputados através do modelo de

representação majoritário. Em 1932, adotou-se o sistema misto, isto é, com parte dos

representantes eleitos pelo método proporcional e parte pelo sistema majoritário.119 Apenas

em 1945, adotou-se o modelo de representação proporcional integralmente, sendo que a

legislação eleitoral só sofreu duas mudanças desde então: a do critério para distribuição de

cadeiras não ocupadas na primeira alocação; e da exclusão dos votos em branco do cálculo do

quociente eleitoral. 120A única chance de mudança para o sistema eleitoral majoritário foi em

1965-66 quando foi institucionalizado o sistema bipartidário pelo AI-2, o que não ocorreu.

Saliente-se que, ao assimilar o sistema proporcional, o Brasil incluiu nele mais um elemento,

o da individualização do voto. 121

119 Segundo Giusti Tavares, um sistema eleitoral misto não é misto porque combina os dois princípios dos sistemas eleitorais majoritário e proporcional, “mas porque combina regras, mecanismos e procedimentos procedentes de dois ou mais sistemas eleitorais, dos quais um pelo menos obedece à lógica majoritária e outro à lógica proporcional.” Ainda, os efeitos produzidos pelo sistema misto podem ser sobre a natureza da representação política, bem como sobre a distribuição da força parlamentar entre os partidos, e com base na conversão de votos partidários em cadeiras legislativas que podem obedecer a lógica majoritária ou proporcional. In: TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 205. Também nesse sentido, Sartori aponta que muitas vezes o conceito de sistema misto é aplicado erroneamente, “se temos um parlamento bicameral em que as duas casas, alta e baixa, são eleitas mediante sistemas diferentes, isto não quer dizer que se trate de sistema misto. Os verdadeiros sistemas mistos são só aqueles que elegem uma mesma câmara combinando critérios proporcional e de pluralidade.” In: SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996, p. 17. 120 NICOLAU, A reforma da representação proporcional no Brasil, Op. Cit., 2003. 121 Cf. David Fleischer , à época o então presidente Castelo Branco, que havia até mesmo encomendado um estudo para o TSE, teria sido pressionado pelos ex-udenistas sob a alegação de que “numa eleição distrital uninominal (proposto pelo TSE) a 15 de novembro de 1966, ‘nós udenistas seremos massacrados pelo ex-PSD que tem um controle eleitoral melhor no interior.’” O autor acredita que se o presidente tivesse insistido na associação entre os sistemas bipartidário e distrital uninominal, a história da política brasileira teria sido outra. In: FLEISCHER, David. Reforma do sistema eleitoral brasileiro: análise das alternativas frente às experiências e casuísmos recentes. In: TRINDADE, Hélgio (org.). Reforma eleitoral e representação política: Brasil anos 90. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1992. p. 186.

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Durante o processo de transição para a democracia, iniciado no governo Geisel, as

medidas fundamentais adotadas foram o fim do bipartidarismo e a liberalização das

exigências para a organização de novos partidos, dando início a um sistema partidário

totalmente novo, uma vez que nenhum dos partidos do período pré-64 reapareceram na fase

de redemocratização.122 Preocupado com os prognósticos das eleições para governador de

1982, o governo militar mudou a legislação eleitoral com o “pacote de novembro”, em 1981,

o qual impunha três mudanças: proibia as coligações eleitorais para a disputa dos cargos de

senador e governador, de modo que cada partido deveria concorrer sozinho; instituiu o voto

vinculado, obrigando o eleitor a escolher candidatos do mesmo partido para todos os postos,

sob pena de anulação de voto, o que acabou sendo um forte motivo para se votar em um

grande partido; por último, obrigava os partidos a apresentarem uma chapa completa em todos

os municípios, sob pena de serem excluídos do pleito local. A Carta de 1988 introduziu

algumas mudanças na legislação eleitoral, sendo a mais importante a exigência de maioria

absoluta nas eleições para presidente da República, governador e prefeito. 123

Nesse sentido, buscar-se-à elucidar os principais efeitos do sistema eleitoral sobre o

sistema partidário brasileiro, alicerçados principalmente nos aspectos formais da competição

eleitoral no Brasil, ou seja, aquilo que diz respeito às regras do jogo para o registro de partidos

e candidatos, as fórmulas eleitorais, o mecanismo de lista, etc.124

Primeiramente, um dos aspectos fundamentais do sistema eleitoral é a fórmula

utilizada para distribuir cadeiras parlamentares entre os partidos em uma eleição. O Brasil, a

exemplo da maioria das democracias proporcionais, utiliza a fórmula de D´Hondt das

maiores médias, o que favorece os partidos mais votados em detrimento dos menos votados. 125 Além disso, a inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente eleitoral acaba

122 Segundo Scott Mainwaring, as causas desse desaparecimento dos partidos existentes na fase pré-autoritária deve-se a três fatores fundamentais: a) a vigência de novos partidos com alguma legitimidade e capacidade de organização durante os treze anos de ditadura militar ajudou a desfazer a identidade dos partidos anteriores, ou seja, quando a ARENA e o MDB foram extintos, já contavam com um tempo de vida quase tão longo quanto os partidos de 1945-64; b) os países existentes antes do golpe de 64 tinham raízes pouco sólidas na sociedade, além de suas ligações com as elites políticas serem muitas vezes superficiais; c) a longevidade do regime autoritário e a rapidez da mudança demográfica ocasionaram mudanças de vulto no sistema partidário brasileiro. In: Sistemas partidários, Op. Cit., 2001, p. 133. 123 MAINWARING, Sistemas partidários, Op. Cit., 2001. 124 DIAS, José Luciano de Mattos. Legislação eleitoral e padrões de competição político-partidária. In: LIMA JUNIOR, Olavo Brasil (org). Sistema eleitoral brasileiro: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., IUPERJ, 1991. p. 65-98. 125 Para elucidar o funcionamento desta fórmula, utilizaremos aqui o exemplo citado por Janílson Bezerra de Siqueira: “os partidos A, B e C obtiveram numa eleição proporcional 8.970 votos, 4.567 votos e 1.813 votos, respectivamente, de um total de 15.350 votos apurados e 7 (sete) cargos a preencher. O quociente eleitoral, resultante da divisão do número de votos válidos pelas vagas em disputa, é 2.193 (15.350 : 7 = 2.193). Aplicada a cláusula de exclusão representada pelo quociente eleitoral, apenas os partidos A e B poderão concorrer aos cargos eletivos, já que o partido C obteve menos que 2.193 votos, ou seja, não atingiu o quociente eleitoral, ou

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elevando artificialmente o quociente, ou seja, quanto mais votos em branco, mais alto o

quociente eleitoral em relação ao quociente sem os votos em branco.126

Outra característica importante é que além de votar em um partido, o eleitor também

pode escolher um candidato individual. O voto preferencial possibilita que os eleitores

apóiem entre diversos candidatos de um partido o seu predileto. Assim, mesmo sem saber,

primeiro os eleitores escolhem partidos e, portanto, uma lista de candidatos de partido ou

coligação e, dentro daquela lista o eleitor dará preferência ao candidato.127 Ocorre que, diante

da realidade cultural e política da sociedade brasileira, esse sistema enfrenta diversos

obstáculos, sendo um deles a falta de apreensão da lógica desse sistema pela comunidade

política brasileira, conforme a análise de João Gilberto Lucas Coelho:

Pequena parcela do eleitorado realmente vota de acordo com critério básico do nosso sistema proporcional, ou seja, primeiro escolhe uma lista, depois escala o indivíduo dentro da lista. Em geral, as pessoas chegam à lista pelo voto individual. Dá-se um processo contrário, e, portanto disvirtuando (sic) o que seria a base da representação, de parcelas do espectro político da sociedade. 128

Nesse sentido, a originalidade da lei eleitoral brasileira está na mistura de escrutínio

uninominal e de representação proporcional para a Câmara Federal, Assembléia Legislativa e cláusula de exclusão. De acordo com os quocientes partidários (votos dos partidos divididos pelo quociente eleitoral), o partido A tem direito, num primeiro momento, a 4 cadeiras (resultado da divisão de 8.970 votos por 2.193 = 4,0 de quociente partidário, desprezada a fração) e o partido B, a 2 cadeiras, também neste primeiro momento (divisão de 4.567 por 2.193 = 2,0 de quociente partidário, desprezada a fração).Preenchidos apenas 6 (seis) cargos, e restando uma vaga a distribuir, pela utilização do método das médias mais fortes, deverá preenchê-la o partido que, dentre os que tenham atingido o quociente eleitoral, obtenha maior média pela divisão dos respectivos votos pelo número de vagas já obtidas de acordo com a fase anterior, mais um. Na hipótese, a média do partido A seria de 1.794 (resultado da divisão de 8.970 votos pelas 4 vagas obtidas, mais uma, ou seja, por 5); e a média de B observaria o mesmo procedimento, resultaria 1.522 (4.567 dividido por 2 vagas mais uma, ou seja, por 3). Como se vê, a maior média entre as chadas remanescentes foi obtida pelo partido A, com 1.794, contra 1.522 do partido B. A chapa C, entretanto, excluída da distribuição pela barreira do quociente eleitoral contaria média superior às obtidas pelos dois partidos concorrentes, uma vez que a divisão dos seus 1.813 votos pelos ‘cargos já obtidos’ (no caso, zero), acrescido de 1 (zero mais um), totalizaria 1.813. Essa média de votos não contados seria superior, portanto, à média do partido A (1.794) e do partido B (1.522).” Segundo o autor, isso provocaria uma ‘injusta expropriação dos votos de uma corrente política em virtude do critério adotado’, sendo o privilégio de participação na disputa das sobras outorgados apenas aos partidos que atinjam o quociente eleitoral, de acordo com o art. 109, § 2.º, do Código Eleitoral. In: SIQUEIRA, Janílson Bezerra de. Quociente eleitoral e barreira nas eleições proporcionais do brasil: incompatibilidade com a constituição? Disponível em: http://www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina207.doc) [Acesso em 13 de setembro de 2008] 126 NICOLAU, Multipartidarismo e democracia, Op. Cit., 1996. 127 Nesse sentido, David Samuels aponta que , no Brasil, a representação proporcional com listas abertas produz incentivos individualistas, porque os candidatos concorrem não só com os concorrentes dos outros partidos, mas com os seus próprios correligionários. In: SAMUELS, David. Determinantes do Voto Partidário em Sistemas Eleitorais Centrados no Candidato: Evidências sobre o Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n . 3, 1997. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300008&lng=en&nrm=iso [Acessado em: 30 Aug 2008]. 128 COELHO, João Gilberto Lucas. Sistema proporcional versus sistema majoritário. In: TRINDADE, Hélgio (org.). Reforma eleitoral e representação política: Brasil anos 90. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1992. p. 256.

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Câmaras Municipais, conforme preceitua o art. 45 da Constituição Federal. Porém, a

incoerência do voto uninominal, introduzido pelo Código Eleitoral de 1935, está na ausência

de uma lista partidária, o que acaba privando o partido do poder de hie rarquizar as

probabilidades de eleição de seus próprios candidatos, as quais devem depender

exclusivamente da relação daqueles com os seus eleitores.129

Assim, o voto em candidato individual é contabilizado para a legenda e, quando da

existência de coligações partidárias, pode ser transferido para outras legendas, tornando-se

equivalente ao voto numa lista partidária virtual que constituirá um resultado aleatório. Ao

final, o voto acaba constituindo um efeito compósito 130 e aleatório, tendo em vista que nem o

eleitor nem o partido têm controle sobre o destino do voto e a sua ordem de precedência.131

Outro obstáculo é o problema da combinação de coligações interpartidárias com o

voto uninominal, ou seja, instalada a legislatura, pode ocorrer a possibilidade de que o

mandato torne-se vago e acabe sendo ocupado por representante de um outro partido. Isso

altera arbitrariamente a composição partidária da Câmara Legislativa e aumenta as

possibilidades de o mandato tornar-se vago.132

Nesse sentido, Fabiano Santos afirma que o voto personalizado não pode funcionar no

Brasil, porque os deputados brasileiros acabam não conhecendo a sua verdadeira constituency

eleitoral, ou seja, não sabem de onde vieram os votos para a sua eleição, sendo- lhes vedado

conhecer as preferências de seu eleitorado. Logo, em face de tal ignorância, como saberão o

melhor comportamento a adotar tendo em vista não saberem quem são seus eleitores e quais

as suas preferências?133

O resultado será a incidência das expectativas de desempenho governamental sobre o

presidente, sendo que as posições tomadas pelos deputados frente às políticas indicadas pelo

129 Deste modo, é necessário precisar alguns elementos do sistema eleitoral adotado no Brasil, tais como: a) o número de votos válidos; b) o quociente eleitoral; c) o quociente partidário, d) a técnica de distribuição de restos ou sobras; e) o critério a ser adotado na falta de obtenção do quociente eleitoral. O número de votos válidos são os votos conferidos à legenda partidária e ao candidato. Não são computados os votos brancos e nulos. O quociente eleitoral traduz o índice de votos a ser obtido para a distribuição das vagas; é obtido através da divisão do número de votos válidos pelos lugares a serem preenchidos na Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa, ou Câmara Municipal. O quociente partidário indica o número de vagas alcançado pelos partidos; é calculado através da divisão do número de votos conferidos aos partidos pelo quociente eleitoral. A distribuição de restos ou sobras ocorre quando, após a distribuição inicial, houverem vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes para atingir o quociente eleitoral. 130 O efeito compósito é o resultado da combinação da norma, ou instituição em questão, com as demais normas ou instituições às quais se associa, isto é, trata-se do resultado de interação estratégica sob condições de incerteza com a totalidade do ambiente sócio-econômico e da cultura política. In: TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 24. 131 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 132 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 133 SANTOS, Fabiano. Instituições eleitorais e desempenho do presidencialismo no Brasil. Dados, 1999, vol.42, no.1, p.111-138.

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Executivo serão a sinalização para o seu eleitorado, isto é, o Presidente torna-se o

intermediário entre o representante e seus representados. 134

A participação da sociedade civil, por sua vez, é dificultada em face de que as regras

do jogo democrático acabam sendo definidas pelas elites em função de seus interesses

particulares. 135 Além disso, o sistema de representação proporcional com transferência de

votos veda o cidadão do seu direito de escolha, pois o voto que confiou a um determinado

candidato acaba contribuindo para a escolha de outro candidato que, muitas vezes, pode

representar interesses divergentes dos seus. Outro limitador da soberania popular é o fato de

que as grandes decisões não chegam aos órgãos representativos, e caso cheguem são tomadas

em sedes onde a grande maioria dos cidadãos não tem a menor voz ativa.136

Nesse sentido, adequada é a constatação de Paul Hirst acerca das atuais instituições

democrático-representativas, na obra ‘A democracia representativa e seus limites’: “A

democracia representativa moderna tem funcionado predominantemente como um meio de

legitimação do poder governamental, e não como meio de obrigar efetivamente o governo a

prestar contas a se abrir à influência da população.” 137

Apesar das evidentes limitações do sistema representativo no Brasil, segue-se a análise

de Bobbio (1979), no sentido de que o principal problema da democracia não é o fato de ser

representativa, mas de não sê- la o suficiente. Portanto, o objetivo não deve ser a extinção do

sistema de representação, mas de aperfeiçoá-lo mesmo dentro de uma sociedade capitalista e

neoliberal, proporcionando condições que possibilitem a interferência do cidadão nas decisões

sociais e econômicas por meio de órgãos de decisão política. Nessa linha, dada a importância

do sistema eleitoral para a estruturação do sistema partidário e seu impacto sobre o número de

partidos, passaremos agora a analisar a história e a estrutura do sistema partidário brasileiro.

134 SANTOS, Fabiano. Instituições eleitorais e desempenho do presidencialismo no Brasil, Op. Cit., 1999. 135 BOBBIO, Norberto. Quais as alternativas para a democracia representativa. In: O marxismo e o Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1979. Pp. 33-54. 136 CABRAL NETO, Antônio. Democracia: velhas e novas controvérsias . Estud. psicol. (Natal). jul./dez. 1997, vol.2, nº.2. 137 HIRST, A democracia representativa e seus limites, Op. Cit., 1992, p. 9-10.

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2.2.5. O sistema partidário brasileiro

O primeiro sistema partidário 138 nacional relativamente estável surgiu em 1946 139,

com três partidos fortes – PTB, PSD e UDN, sabendo-se que o PCB foi colocado na

ilegalidade.140 Segundo Carlos Arturi, este sistema partidário estava em processo de

consolidação, o qual foi interrompido com o golpe militar de 1964, através da imposição do

sistema bipartidário. 141 Assim, os únicos partidos legais passaram a ser a ARENA e o MDB

que, frise-se, não tinham poder efetivo de participação nas decisões do governo militar que

presidia à época.142

Arturi assinala que os militares jamais tentaram construir um regime que substituísse

em definitivo a ordem liberal-democrática. Ao contrário, mantiveram o arcabouço

institucional democrático, mesmo com alta dose de autoritarismo. Com efeito, o Congresso

Nacional foi mantido em funcionamento, apesar da cassação dos parlamentares e do

enfraquecimento de suas prerrogativas, além de ter sido mantida a presença de partidos

políticos e um calendário eleitoral.143

Por conseguinte, a influência do regime militar no sistema partidário aumentou a

dependência dos partidos ao Estado, eis que centralizou o poder no Executivo e diminuiu

tanto as funções representativas quanto governativas dos partidos políticos. Esses

acontecimentos acabaram consolidando uma característica secular de nosso sistema partidário

eleitoral, qual seja a combinação da “lógica liberal” com a “práxis autoritária”, e que também

é responsável “por uma cultura política resistente à democratização da esfera pública e à

expansão da cidadania.” 144

138 Segundo o conceito clássico de sistema partidário construído por Sartori, este corresponde necessariamente a uma institucionalização, ou seja, a competição entre os partidos é uma variável dicotômica e, portanto, ou é institucionalizada ou não é e, neste caso não constitui um sistema partidário. Razão pela qual define que não existem sistemas partidários no Brasil e na Colômbia. In: SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. 1. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1982. Por outro lado, Mainwaring entende que a institucionalização do sistema partidário representa um processo e, portanto, não pode ser tratado como uma alternativa estritamente dicotômica. Assim, avalia o sistema partidário a partir de quatro variáveis: a estabilidade dos padrões de competição partidária; o vigor das raízes sociais dos partidos; o grau de legitimidade que os atores políticos conferem aos partidos; e, por fim, a medida em que os partidos são decisivos no comportamento do sistema político e na definição das políticas públicas. In: MAINWARING, Scott P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil (trad. Vera Pereira). Porto Alegre: Mercado Aberto, 2001. 139 Por fins didáticos não será analisado o sistema partidário anterior à abertura política em 1946, uma vez que no período de 1930 a 1945 prevaleceu, no Brasil, a concepção de estado burocrático estatal o que implicava na substituição dos partidos pela eficiência administrativa do Estado. 140 GONZÁLEZ , O impacto da reforma política sobre a democracia no Brasil, Op. Cit., 2001. 141 ARTURI, Carlos S. As eleições no processo de transição à democracia no Brasil. In: BAQUERO, Marcelo (org.). Brasil:transição, eleições e opinião pública. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995. 142 GONZÁLEZ , O impacto da reforma política sobre a democracia no Brasil, Op. Cit., 2001. 143 ARTURI, As eleições no processo de transição à democracia no Brasil, Op. Cit., 1995. 144 ARTURI, As eleições no processo de transição à democracia no Brasil, Op. Cit., 1995, p. 13.

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Além disso, o processo de transição democrática no Brasil foi um fator decisivo para a

determinação das características da nova ordem política. Iniciado pelo governo Geisel que,

num primeiro momento, almejava um processo lento, gradual e seguro de abertura

democrática, com a finalidade de promover a liberalização do sistema político e a

recomposição da base de apoio do governo, acabou aumentando os limites da ordem política

inicialmente projetada pelo regime autoritário. 145 Razão pela qual o resultado político da

transição no Brasil, em comparação com os demais países latino-americanos, foi o mais

favorável aos antigos dirigentes, até mesmo porque não foi realizada nenhuma reforma sócio-

econômica que atingisse os interesses das classes dominantes.146

Dando continuidade ao projeto de seu antecessor, o general João Figueiredo

prosseguiu com o processo de abertura democrática. Nesse contexto, as eleições e os partidos

políticos ganharam uma importância maior do que tinham nos governos anteriores. Em

novembro de 1979, o governo extingue os dois partidos – ARENA e MDB – e impõe uma

nova legislação eleitoral com a finalidade manter a ARENA intocada, que também foi alvo de

críticas por possibilitar a instabilidade e um número excessivo de partidos políticos.147

Saliente-se que essa reforma, introduzida no governo do general João Figueiredo, foi

em decorrência da descrença de que a ARENA poderia obter vitória com as regras eleitorais

vigentes. Portanto, a única maneira de vencer a oposição seria dividindo-a em vários partidos,

o que acabou ocorrendo. Por conseguinte, conforme aponta Mainwaring, o general Figueiredo

“impôs uma nova legislação eleitoral destinada fundamentalmente a manter a ARENA

intocada (mas com um novo nome, PDS – Partido Democrático Social) e dividir a oposição

em vários partidos.” 148 Embora a reforma eleitoral e partidária, que incluísse um sistema

multipartidário, fosse uma antiga reivindicação da oposição, o governo vigente acabou

usando-a em proveito próprio.

145 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002. 146 Nesse sentido, Jorge Zaverucha chama a atenção para a situação intermediária entre um regime democrático e um regime autoritário que sucedeu ao processo de transição democrática no Brasil. Ou seja, combina elementos democráticos com práticas autoritárias, principalmente, pela significativa presença militar no aparelho do Estado. O autor coloca em relevo o fato de que as Forças Armadas vêem a si mesmas como responsáveis pela lei e ordem política do país, e não o poder político legalmente constituído. A título de exemplo, pode-se aludir ao ato do ex-ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que, ao descobrir que a Carta Magna de 1988 retirava o poder das Forças Armadas como guardiãs da lei e da ordem, ameaçou terminar com o processo constituinte. O resultado foi a consolidação do art. 142 que, até os dias de hoje, não foi objeto de revisão constitucional. In: ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares (1990-1998) . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 147 MAINWARING, Scott P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil (trad. Vera Pereira). Porto Alegre: Mercado Aberto, 2001. 148 MAINWARING, Sistemas partidários em novas democracias, Op. Cit.,2001. p. 128.

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A identificação com os partidos cresceu nos anos em que as eleições tornaram-se

praticamente plebiscitárias, ou seja, as pessoas votavam contra ou a favor do governo militar.

Contudo, ao invés de promover o desenvolvimento partidário, a primeira década de

democracia contribuiu para a sua fragilização. Com efeito, quando os presidentes Sarney e

Collor fizeram a revisão das legislações eleitoral e partidária, adotaram normas institucionais

desfavoráveis ao desenvo lvimento dos partidos.

Em maio de 1985, foi aprovada uma emenda constitucional que reformou o sistema

eleitoral. Essa lei aboliu a obrigatoriedade do voto de chapa, permitiu a livre troca de partidos

pelos parlamentares, e também extinguiu a cláusula de exclusão nacional para alcançar

representatividade no Congresso Nacional. Enfim, os partidos só precisariam atingir o

quociente eleitoral em um estado, o que fomentou a criação de novos partidos em quase todos

os estados da federação. 149

A criação de novos partidos é também acentuada pela crise do PMDB, no final da

década de 80, a qual resultou na cisão partidária que levou à criação do PSDB e também na

migração deste quadro para outros partidos, ocasionando a alta fragmentação do sistema

partidário brasileiro. Porém, o número de partidos representados na Câmara dos Deputados

nas eleições de 1986 a 2002 não se altera, permanecendo a média de 18/19 partidos

representados e sete/oito recebem mais de 5% das cadeiras.150 Resulta disso que o sistema

partidário brasileiro atual apresenta um bloco de partidos relativamente consolidado, o qual

inclui a maioria dos partidos surgidos em 1979, entre eles: PMDB, PDT, PTB, PT. 151

Importante observar que a Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988 acontece

num ambiente marcado por uma migração sem precedentes entre os partidos políticos. A nova

carta constitucional é promulgada em 3 de outubro de 1988 e introduz outras mudanças na

legislação eleitoral. Dentre elas, a mais importante foi a exigência de maioria absoluta nas

eleições para presidente da República, governador e prefeito das cidades com pelo menos 200

mil eleitores. Mainwaring observa que, desde as eleições municipais de 1988, o Brasil tem

tido um dos sistemas partidários mais fragmentados do mundo.152

Diante disso, o autor conclui que o sistema partidário brasileiro é pouco

institucionalizado, a partir de três critérios fundamentais que definem o que vem a ser um

sistema institucionalizado. O primeiro critério que distingue um sistema institucionalizado é a 149 MAINWARING, Sistemas partidários em novas democracias, Op. Cit.,2001. 150 NICOLAU, Jairo. Notas sobre as eleições de 2002 e o sistema partidário brasileiro. In: NICOLAU, Jairo; SANTOS, André Marenco dos; MENEGUELLO, Rachel, et al. Cadernos Adenauer. Eleições e partidos . Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, n. 1, p. 11-20, 2003. 151 GONZÁLEZ, O impacto da reforma política sobre a democracia no Brasil, Op. Cit., 2001. 152 MAINWARING, Sistemas partidários em novas democracias, Op. Cit.,2001.

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estabilidade dos padrões de competição entre os partidos. Ao contrário, o que ficou

demonstrado a partir da reforma partidária em 1979, foi uma extrema volatilidade eleitoral

caracterizada por um sistema partidário frágil e incapaz de manter um eleitorado estável e fiel.

O segundo critério é a existência de raízes partidárias mais profundas na sociedade, de modo

que a maioria do eleitorado identifique-se com um partido e vote de acordo com suas

preferências partidárias. Porém, no Brasil, a filiação partidária não é um fator tão relevante na

hora de votar, principalmente quando se trata de eleições para cargos do Executivo, onde a

personalidade dos candidatos tem maior importância. E, por último, o terceiro critério é que

os partidos e as eleições tenham legitimidade pública, ou seja, que tenham credibilidade

perante o público. Contudo, vá rias pesquisas demonstram que os partidos políticos brasileiros

têm menos legitimidade em comparação com os demais partidos do Cone Sul. 153

Essas constatações apontam para a necessidade de uma reforma eleitoral no sistema

proporcional de representação brasileiro, o que, de fato, a partir de 1985 foi motivação para

diversas propostas, dentre as quais as principais são: a) redução do número de partidos; b)

aumento de proporcionalidade e correção das distorções; c) aumento do controle do partido na

definição dos candidatos a serem eleitos; d) vinculação do representante a determinadas

regiões geográficas. Apesar disso, a inexistência de projetos detalhados sobre o assunto é um

obstáculo para a sua concretização. A cláusula de barreira, juntamente com a proibição das

coligações eleitorais, seria um mecanismo para a redução do número de partidos, uma vez que

a alta fragmentação partidária dificultaria a governabilidade.154 No entanto, este instituto será

aprofundado posteriormente, pois antes faz-se necessário trabalhar a relação do sistema

partidário com o regime presidencialista no Brasil.

2.2.6. O regime presidencialista no Brasil

Da mesma forma que os sistemas eleitorais podem ser divididos em majoritário e

proporcional, os sistemas de governo político democráticos podem ser divididos em

presidencialista e parlamentarista. Genericamente, pode-se afirmar, segundo Sartori (1996)

que o sistema presidencialista puro consiste na existência de três condições fundamentais: a) o

presidente é escolhido em eleição popular; b) durante seu mandato não poderá ser demitido

por votação parlamentar; c) chefia ou de alguma forma dirige os governos que nomeia. 153 MAINWARING, Sistemas partidários em novas democracias, Op. Cit.,2001. p. 127. 154 NICOLAU, A reforma da representação proporcional no Brasil, Op. Cit., 2003.

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Para o autor, com a exceção dos Estados Unidos, que foi o criador do sistema

presidencialista, este sistema de governo de modo geral não tem funcionado bem, sucumbindo

a golpes e quebras de continuidade. Na América Latina, por exemplo, onde se concentra a

maioria dos sistemas presidencialistas é também onde se registra um grau preocupante de

instabilidade e fragilidade. Essas características estão associadas, naturalmente, a fatores

como a estagnação econômica, a extrema desigualdade e a herança sociocultural.

Desse modo, a alusão ao sistema presidencialista como um modelo forte, de governo

enérgico, torna-se uma ilusão nos países que tentam imitar o modelo norte-americano. O fato

de um sistema presidencialista estar assentado sobre um “mau” sistema partidário torna-se um

problema difícil de solucionar. Ou seja, o dualismo estrutural e funcional entre o Presidente e

o Congresso Nacional introduz um conflito equilibrado que pode resultar no enfraquecimento

ou fortalecimento do Poder Executivo. O enfraquecimento ocorrerá em decorrência do

multipartidarismo congressual que tende a introduzir uma instabilidade e fragmentação das

coalizões partidárias, impedindo a formação de uma maioria parlamentar estável de

sustentação ao governo. Por outro lado, o fortalecimento do Executivo gira em torno do

fragmentismo do corpo eleitoral, que se desenvolve a partir da incapacidade do Congresso –

multipartidário - de assegurar uma representatividade forte e coesa do seu eleitorado,

recrudescendo, assim, o poder presidencial.155

Nesse sentido, o sistema presidencial bipartidário adotado nos Estados Unidos traz à

existência um único partido parlamentar de oposição, reforçando a separação constitucional

de poderes e limitando, ainda mais, os poderes presidenciais. O Congresso passa a ser

constituído por um grande partido de sustentação governamental e um grande partido de

oposição, sendo ambos homogêneos. José Antônio Giusti Tavares chama a atenção para o

seguinte obstáculo da democracia presidencial multipartidária:

Efetivamente não há entre as democracias constitucionais estáveis nenhuma que associe presidencialismo, representação proporcional e pluripartidarismo. As democracias proporcionais e multipartidárias são todas parlamentaristas, com a exceção da Finlândia e de Portugal, que adotam o sistema de executivo dual, e da Suíça, que adota o governo colegial.156

Igualmente, para Sartori é difícil, ou praticamente impossível de conciliar o sistema

presidencialista com o multipartidarismo e, por conseguinte, com a representação

proporcional: 155 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 156 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 57.

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É um erro combinar presidencialismo com representação proporcional. Como sabemos, um sistema partidário forte, estruturado solidamente, pode bloquear por si mesmo a proliferação dos partidos. Mas a regra é que, se se deseja a representação proporcional, não se deve pretender o presidencialismo. Até mesmo o semipresidencialismo – a despeito da sua adaptabilidade às maiorias divididas – tende a encontrar mais dificuldades do que o normal, se não dispõe de um sistema eleitoral majoritário. A fórmula que pode funcionar em qualquer arranjo eleitoral é a do presidencialismo alternado. Inversamente, a fórmula mais prejudicada pela representação proporcional é a presidencialista. 157

Diante disso, a peculiaridade do caso brasileiro é o presidencialismo de coalizão158, ou

seja, a combinação entre o sistema presidencialista, a representação proporcional de lista

aberta e sistema parlamentar fragmentado. Esse conjunto de fatores produz alguns efeitos

prejudiciais para a governabilidade brasileira, bem como para o equilíbrio entre os três

poderes. Segundo Santos, isso geralmente leva o Presidente da República a distribuir pastas

ministeriais entre os membros dos principais partidos, na esperança de obter em troca a

maioria no Congresso.159

Nesse sentido, Santos ressalta que no período 1946-64, o Legislativo possuía

considerável poder de orçamento, consoante o artigo 75 da Constituição Federal de 1946,

especificamente no capítulo relativo à capacidade de criar despesas dos congressistas. Logo, a

lei do orçamento fazia com que os deputados não ficassem tão dependentes do Executivo para

promoverem suas carreiras políticas, sendo que poderiam recorrer a instrumentos

procedimentais a fim de evitar a manipulação dos prazos por parte do presidente para impor

suas preferências ao Congresso. Com o golpe de 64, houve uma transferência de poderes

específicos para o Executivo, e que foi ratificada pela Constituição de 1988. Segundo o autor,

isso “criou um forte incentivo à organização dos deputados federais em partidos

parlamentares, resultando no aumento da disciplina e da previsibilidade do plenário em

relação ao que ocorria antes de 1964.” Ou seja, a única fonte de benefícios é o próprio

Executivo, sendo necessária a cooperação entre parlamentares com os seus partidos a fim de

157 SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996, p. 191. 158 Segundo Tavares e Santos, o estudo pioneiro sobre o assunto foi o artigo de Sérgio Hudson Abranches intitulado “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, publicado em 1988. 159 SANTOS, Fabiano. Partidos e Comissões no Presidencialismo de Coalizão. Dados , Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582002000200003&lng=en&nrm=iso>. [Acesso em 8 de Setembro de 2008]

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fortalecer o seu poder de barganha diante do chefe do Executivo. Resulta disso a transição de

um sistema presidencialista faccional para um sistema presidencialista de coalizão.160

Conseqüentemente, há uma diferença, segundo Santos, no padrão de relacionamento

entre o Presidente da República e a Câmara dos deputados no período 1946-1964 e pós-1988. 161 No primeiro, a estratégia para a busca de apoio do Presidente era a patronagem, ou seja, a

sua negociação com os partidos de oposição, dado que o sistema partidário era ainda mais

fragmentado do que o atual em razão da maior autonomia do Poder Legislativo para a

propositura de projetos de lei.162 Ao contrário, no período pós-1988, a coesão e a disciplina

partidária aumentaram significativamente, em razão do aumento de prerrogativas do

Presidente da República, tais como a possibilidade de pedir, de maneira unilateral, urgência

para a tramitação de seus projetos, e o monopólio sobre a emissão de projetos que fixem o

efetivo das Forças Armadas e do sistema financeiro. Disso resulta a diferença entre a agenda

compartilhada entre os Poderes Executivo e Legislativo, no período 1946-64, e a agenda

imposta pelo Executivo, no período pós-1988.

Nesse sentido, o período pós-1988 apresenta um governo dotado de inúmeros

instrumentos de intervenção nos trabalhos legislativos, bem como líderes partidários dotados

de poderes que lhes proporcionam vantagens estratégicas no processo de encaminhamento dos

projetos de lei à votação no Plenário. Santos apresenta como explicação para este cenário o

fato de que, no Brasil, a transição para o regime democrático ocorreu “dentro de limites

estabelecidos por agentes políticos que apoiavam o regime autoritário anterior” 163, de modo

que o processo de produção de políticas públicas não teve a sua natureza alterada. Diante

disso, afirma o autor que a concentração de poderes em mãos do Executivo e de lideranças

partidárias resulta numa combinação de multipartidarismo com sistema presidencialista que

apresenta uma lógica de governabilidade:

Quando a transição é feita segundo uma lógica negociada, como de fato ocorreu em nosso país, está-se optando, de maneira mais ou menos implícita, pela governabilidade e pela diminuição dos custos da mudança a curto prazo; por isso, prefere-se manter a rotina do processo decisório. 164

160 SANTOS, Partidos e Comissões no Presidencialismo de Coalizão, Op. Cit., 2002, p. 245-6. 161 A alusão a esses dois períodos decorre do fato de que são idênticos em termos de sistemas eleitoral e de governo, ou seja, ambos baseiam-se na representação proporcional – RP de lis ta aberta com voto personalizado, e no sistema presidencialista. 162 Saliente-se que a Constituição de 1946 não previa a prerrogativa de pedido de urgência por parte do Presidente da República, ao contrário do que foi determinado na Constituição de 1988. 163 SANTOS, Fabiano. Em defesa do presidencialismo de coalizão. In : SOARES, G. A. D. & RENNÓ, L. (orgs.). Reforma política: lições da história recente. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 282. 164 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 282.

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Assim, tendo em vista que o tema da reforma política tem como foco a questão da

governabilidade, Santos propõe um caminho diverso que é o aperfeiçoamento da

institucionalidade brasileira. Assim, entende que a necessidade de uma mudança institucional,

no sentido de reduzir o número de partidos ou do controle do Executivo, não seja a verdadeira

solução para a coexistência do sistema representativo proporcional, multipartidário, com o

sistema presidencialista no Brasil. Para ele, é preciso reduzir os instrumentos de

governabilidade em mãos do Executivo, levando em consideração também a existência de um

elo necessário na conduta dos partidos em relação a este Poder.165 Em outras palavras, não se

trata somente de uma questão institucional, mas também de fatores que possibilitam uma

maior intervenção do Presidente na agenda parlamentar. A tabela abaixo demonstra a

diferença quanto à capacidade de intervenção do Presidente no processo legislativo nos

períodos de 1946-1964, e pós-1988:

Quadro 1 Constituições Brasileiras Comparadas 1946 e 1988: Poderes Legislativos do Presidente

1946 1988 Leis de Iniciativa Exclusiva do Executivo

Leis que criem empregos em serviços existentes em sua esfera, aumentem vencimentos ou modifiquem, no decurso de cada legislatura, a lei de fixação das Forças Armadas (§ 2º, do art. 67)

Leis sobre fixação ou modificação dos efetivos das Forças Armadas; criação de cargos, funções ou em-pregos públicos; organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da adminis tração dos Territórios; servidores públicos da União e Territórios; organização do Ministério Público e demais ministérios (§ 1º, do art. 61).

Urgência Inexistente A pedido do presidente, seus projetos devem ser apreciados em um prazo total de cem dias. Não havendo manifestação nesse prazo, o projeto passa à ordem do dia, à frente dos demais assuntos (art. 64). O presidente pode, ainda, adotar medida provisória com força de lei e vigência imediata. O Congresso tem trinta dias para apreciá-la. Não o fazendo, ela perde a eficácia, cabendo ao Congresso "disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes" (art. 62).

Poder de Veto

O presidente pode vetar parcial ou totalmente os projetos saídos do Congresso. O Congresso, para derrubar o veto, precisa dos votos de 2/3 dos deputados e senadores presentes (art. 70).

O presidente pode vetar parcial ou totalmente os projetos saídos do Congresso. O Congresso, para derrubar o veto, precisa dos votos da maioria absoluta dos deputados e senadores presentes, em escrutínio secreto (art . 66).

Fonte: Brasil (1988); Campanhole e Campanhole (1986).166

165 SANTOS, Fabiano. Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira. Dados , Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300007&lng=en&nrm=iso [Acesso em 25 de Setembro de 2008] 166 Quadro retirado do artigo: SANTOS, Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira, Op. Cit, 1997.

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Até aqui analisamos as principais dificuldades institucionais enfrentadas no Brasil.

Estas consistem, sobretudo, na alta fragmentação do sistema partidário brasileiro e a

dificuldade de sua coexistência com o regime presidencialista. Por conseguinte, o tempo para

a deliberação de uma proposição, a tensão entre Executivo e Legislativo, e a necessidade de o

poder Executivo liberar recursos aos parlamentares para aprovar as suas proposições

dificultam a governabilidade.167 Conforme já apontado, existem propostas para uma reforma

política, apesar de não serem, em geral, bem fundamentadas. Assim, a cláusula de barreira é

introduzida na lei infraconstitucional como uma alternativa para impedir a proliferação de

partidos políticos que não tivessem um significado ideológico relevante ou até mesmo que

pudessem ser utilizados como legendas de aluguel, dificultando o processo decisório.

2.3. A REFORMA POLÍTICA E O PAPEL DA CLÁUSULA DE BARREIRA

2.3.1. A Constituinte de 1988 e a reforma política

A transição para a democracia no Brasil cumpriu a aspiração do governo Geisel,

quando este se referiu a um processo lento, gradual e seguro de abertura democrática.

Contudo, isso não se deve somente à vontade política dos governos sucessores, pois a

oposição também não tinha força suficiente para modificar o ritmo da transição democrática,

nem o governo militar estava desgastado de forma suficiente para provocar o seu colapso.

Além disso, não provocou grandes abalos sociais na medida em que sustentou a

máscara de conciliação entre praticamente todos os atores políticos, facilitando o continuísmo

de práticas antidemocráticas. Retrato deste processo de transição é, segundo Zaverucha, a

existência de uma democracia tutelada, isto é, uma situação intermediária entre um regime

democrático e um regime autoritário. Portanto, trata-se de uma democracia híbrida já que

combina elementos democráticos com práticas autoritárias, principalmente pela significativa

presença militar no aparelho do Estado. 168

167 NICOLAU, A reforma da representação proporcional no Brasil, Op. Cit., 2003. 168 ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares (1990-1998) . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. Para o autor, surgem três possibilidades diante do processo de transição democrática: a) a transição é satisfatória quando a influência militar é significativamente reduzida, tendo em vista que os civis conseguem controlar, democraticamente, o comportamento dos militares; b) a transição falha totalmente quando os militares ou civis, através do apoio militar, golpeiam as instituições democráticas; a transição não se completa, nem é um fracasso total quando os militares passam o governo para os civis, mas

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Bolzan de Morais e Espíndola ressaltam, nesse sentido, que a “Nova República” foi o

resultado de um pacto “secreto” entre os dirigentes da Aliança Democrática com as cúpulas

militares. O apoio dado a Tancredo Neves (PMDB) e José Sarney, como seu vice, 169 na

disputa sucessória no Colégio eleitoral, contra Paulo Maluf (PDS), ocorreu sob a condição de

que não seria abalada “a estabilidade dos organismos essenciais do poder de Estado.” 170

Segundo Zaverucha, isso se evidencia pelo fato de que as Forças Armadas vêem a si

mesmas como responsáveis pela lei e ordem política do país, e não o poder político

legalmente constituído. Como exemplo, pode-se aludir ao ato do ex-ministro do Exército,

Leônidas Pires Gonçalves, que, ao descobrir que a Carta Magna de 1988 retirava o poder das

Forças Armadas como guardiãs da lei e da ordem, ameaçou terminar com o processo

constituinte. O resultado foi a consolidação do art. 142 171 que, até os dias de hoje, não foi

objeto de revisão constitucional. 172

Nesse ínterim, com a morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985, antes de sua

posse, ocupou a Presidência da República José Sarney, na qualidade de vice-presidente eleito

pela Aliança Democrática, apesar de diversas dúvidas a respeito da constitucionalidade do

ato. Em 28 de junho do mesmo ano, Sarney propõe a convocação de uma Assembléia

Nacional Constituinte, que resultou na Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de

1985.

O passo seguinte de Sarney foi o Decreto nº. 91.450, de 18 de julho de 1985, que

instituía a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, cuja presidência foi do insigne

jurista Afonso Arinos de Melo Franco. Esta era composta de 50 membros - os “notáveis”, que

se empenharam na elaboração de um anteprojeto constitucional, o qual foi entregue ao

Presidente da República em 18 de setembro de 1986. Contudo, o tratamento dado pelo

governo ao referido anteprojeto foi, talvez, de um relatório ou documentário, eis que Sarney

continuam mantendo áreas autônomas de poder político à margem da fiscalização democrática. Assim, o Brasil se enquadraria na terceira opção – uma transição incompleta, devido à demasiada importância atribuída ao papel desempenhado pelas Forças Armadas na organização política do país. 169 A figura de José Sarney era vista com restrições pelo PMDB, pois tinha sido uma das principais figuras políticas do PDS, partido pelo qual fora eleito senador e de que fora presidente. Nada tinha a ver com a bandeira de democratização levantada pelo PMDB. Contudo, o Partido da Frente Liberal (PFL), proveniente de uma cisão com o PDS e que acabou se aproximando do PMDB, formando a Aliança Democrática em oposição ao Maluf, fechou a questão em torno de Sarney, e o PMDB foi obrigado a ceder. In: FAUSTO, História do Brasil, Op.Cit., 2002. 170 BOLZAN DE MORAIS; ESPINDOLA, O Estado e seus limites, Op. Cit., 2008. 171 Art. 142, CF/88 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. 172 ZAVERUCHA, Frágil democracia, Op. Cit., 2000.

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simplesmente o enviou, por despacho presidencial, ao Ministério da Justiça, onde

provavelmente foi arquivado. 173

Outrossim, não houve a eleição de uma constituinte exclusiva que deveria dissolver-se

após a conclusão da tarefa, mas sim a delegação de poderes ao Congresso Nacional. Tratava-

se, portanto, de uma convocação dos deputados e senadores para se reunirem,

unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte a partir de 1º de fevereiro de 1987.

Inaugurados os trabalhos da Constituinte, conforme relatam Bonavides e Andrade, esta

se encontrava diante de uma perplexidade, ou seja, “não sabia por onde principiar, não

dispunha de um texto que lhe servisse de base ou de ponto de apoio, não tinha método, por

onde levar a cabo a difícil incumbência.” Pode-se afirmar, diante disso, que foi a situação

mais desconfortável do que todas as antes vistas nas Constituintes anteriores. 174

Para resolver esse problema, fez-se como na Constituinte de 1946, isto é, criou-se uma

grande comissão constitucional, que teria por tarefa inicial a elaboração de um anteprojeto, o

mais rápido possível, a fim de remetê- lo ao Plenário para debate. Assim, foram criadas oito

comissões, cada qual subdividida em três subcomissões. Todo o trabalho dessas oito

comissões convergiria para uma comissão central, a chamada Comissão de Sistematização, da

qual deveria nascer o esboço articulado de anteprojeto.175

Em 9 de julho de 1987, emerge da Comissão de Sistematização o tão aguardado

projeto de Constituição, cujas falhas são reconhecidas pelo relator, o constituinte Bernardo

Cabral, como resultado da “ausência de um fio condutor filosófico.” 176 Com efeito,

apresentava 501 artigos, sendo que as intervenções corretivas e aperfeiçoadoras seriam feitas

num segundo momento pelas emendas populares, que deveriam ser entregues até 12 de agosto

de 1987. A Comissão de Sistematização recebeu mais de um milhão de assinaturas em favor

da reforma agrária, bem como 500.000 pela estabilidade no emprego. Assim, o novo projeto

de Constituição em que também se propunha o parlamentarismo como forma de governo foi

entregue ao presidente da Assembléia Constituinte, Ulysses Guimarães, em 18 de setembro de

1987.

173 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 3 ed. Segundo relatam os autores, o motivo de o Poder Central não ter enviado o chamado “Projeto dos Notáveis” à Constituinte foi unicamente em razão de que consagrava o parlamentarismo como sistema de governo. Logo, o Presidente Sarney não estava disposto de abrir mãos dos poderes que seriam transferidos ao primeiro-ministro. 174 BONAVIDES e ANDRADE, História Constitucional do Brasil, Op. Cit., 1991, p. 454-55. 175 BONAVIDES e ANDRADE, História Constitucional do Brasil, Op. Cit., 1991. 176 Bernardo Cabral apud BONAVIDES e ANDRADE. In: História Constitucional do Brasil, Op. Cit., 1991, p. 459.

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Um clima tenso se criou na Assembléia com a formação do Centro Democrático

(Centrão), o qual tinha o apoio do poder executivo. Tratava-se de uma composição

suprapartidária, de perfil conservador, e que era composto por um grupo majoritário dentro da

Assembléia. Nasceu através de uma proposta de reforma regimental iniciada por um grupo de

deputados insatisfeitos com o trabalho da Comissão de Sistematização. Segundo Bonavides e

Andrade, apesar de ter exercido forte influência em algumas votações, não foi capaz de

subjugar a vontade do Plenário.

Assim, o projeto de Constituição que chegava ao Plenário para a primeira votação, em

27 de janeiro de 1988, foi reduzido para 334 artigos. Com respeito ao sistema de governo, a

preferência da Assembléia recaiu sobre o presidencialismo. Quanto ao sistema eleitoral e

partidário não houve menções na bibliografia consultada. Ao contrário, parece que o tema da

reforma política e partidária havia sido relegado, na confiança de que a “vitória” do

pluripartidarismo, a partir da reforma política de 1979, seria suficiente para consolidar um

sistema democrático operante.

Ademais, a ação partidária foi enfraquecida durante o processo constituinte, tendo sido

substituída pela movimentação dos grupos, o que a imprensa acusou como organização de

lobbies (dos governadores, das multinacionais, da Igreja Católica, das mulheres, etc.) de

interesses influenciadores e deformadores da vontade da Constituinte. Nesse sentido, o

próprio governo formou o seu grupo de ação - o Centrão, o qual articulou vários

agrupamentos partidários e apartidários a votarem com o Planalto, especialmente nos

dispositivos que adotava o sistema de governo presidencialista e que fixava o período de

mandato presidencial. Segundo Bonavides e Andrade: “o enfraquecimento da ação partidária

trouxe por conseqüência o fortalecimento dos grupos com os quais o governo começou a

dialogar e a formular propostas ou encaminhar soluções de maioria para as votações.” 177

Desta forma, os partidos não foram reformulados para essa fase constituinte. Ao

contrário, permaneceram sem qualquer modificação de seus programas, ou ajustamento de

suas práticas partidárias. Bonavides e Andrade trazem à lume a observação de que, em países

como França e Estados Unidos, os partidos reprocessam os seus procedimentos e sua estrutura

segundo a evolução dos acontecimentos culturais, políticos e econômicos. De fato, o

bipartidaridarismo norte-americano consiste numa estrutura estável e centenária, que

possibilita o revezamento no poder e a interferência da força política e partidária nas decisões

nacionais. Ao passo que no Brasil é difícil definir um perfil ideológico como o da composição

177 BONAVIDES e ANDRADE, História Constitucional do Brasil, Op. Cit., 1991, p. 473.

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da Assembléia Constituinte, já que não havia coerência ideológica entre as siglas e os

conteúdos programáticos dos principais agrupamentos partidários.

Por conseguinte, a reforma política e partidária ficaria postergada para a Revisão

Constitucional em 1993, o que também não trouxe mudanças concretas. Pode-se dizer que a

permissividade para a formação de novos partidos, bem como determinadas leis eleitorais

podem ser atribuídas a uma espécie de reação à ditadura militar que forçou os políticos a

unirem-se a partidos “artificiais”. Ademais, a perda de mandato por infidelidade partidária,

introduzida no Brasil pela Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/1969, que alterou a redação

do art. 152 da Constituição de 1967, foi extinta através da Emenda Constitucional nº 24, de

1985. Esta suprimiu as hipóteses de perda de mandato por infidelidade partidária, em

consonância com o clima de redemocratização que predominava no país. Deste modo, a

Assembléia Constituinte da Constituição de 87-88 também deu maior importância em destruir

as instituições oriundas da era ditatorial, do que em construir instituições substitutas que

fossem sustentáveis. 178

Assim, a preocupação fundamental desta Constituinte concentrou-se em assegurar os

direitos e garantias individuais, paralelamente à responsabilidade do Estado por programas de

bem-estar social, através da ampliação dos compromissos do Estado com a saúde, a

seguridade e previdência social, e a educação. Conforme o discurso de Ulysses Guimarães,

em resposta às críticas do então Presidente José Sarney, o qual estava temeroso de uma

suposta ingovernabilidade que seria provocada pela nova Constituição, defendeu que a

governabilidade estava no social, com o combate à fome, à miséria, à ignorância e à doença

inassistida.179

Nesse sentido, o texto constitucional de 88 atribuiu ao Estado, em múltiplas matérias,

a função de compensar os prejuízos causados pelo mercado, acionando um número infinito de

intervenções estatais compensatórias, ou seja, cada vez que era introduzido um novo dano,

deveria este ser compensado. Em crítica ao texto constitucional de 88, Tavares refere que:

As preocupações e perspectivas assumidas pelos constituintes de 88 refletiram-se na estrutura formal, pesada e extensa, da Constituição. Falta ao texto constitucional economia e concisão: ocupa-se exaustiva e detalhadamente de um número incontrolável de temas específicos e pequenos,

178 POWER, Timothy J. Why Brazil slept: the search for political institutions, 1985-1997. In: LATIN AMERICA ASSOCIATION STUDIES, 1997, Guadalajara, México. Anais. Disponível em: http://136.142.158.105/LASA97/power.pdf. Acesso em: 25 de abril de 2006. 179 BONAVIDES e ANDRADE, História Constitucional do Brasil, Op. Cit., 1991. Ver nesse sentido também: PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica, e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora Puc-Rio, 2008.

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que não possuem natureza constitucional permanente, deixando pouco espaço a disciplinar para a legislação. Por outro lado, a grande parte deste hiperdetalhismo normativo está a serviço da perpetuação constitucional de benefícios particularistas, de natureza clientelística, cartorialista, corporativa e patrimonialista.180

Além disso, ao mesmo tempo em que era promulgada a Constituição, operava-se uma

mudança na concepção das elites políticas. Com efeito, o ciclo percorrido pela Nova

República brasileira condensou os três movimentos liberal, social e democrático numa

seqüência inversa e descendente comparado aos países da Europa Ocidental. Com a vitória do

regime democrático na Constituição de 1988, a democracia juntamente com as reformas

sociais, introduzidas pelo Estado Social, foram se contraindo de forma lenta para,

sucessivamente, serem substituídas pelo liberalismo de mercado. Assim, ao mesmo tempo em

que era promulgada a nova Constituição, iniciava uma mudança na concepção das elites

políticas, que assumiu uma fisionomia liberal e cosmopolita181. Esta se tornou inconcussa

frente às tendências legislativas da Câmara dos Deputados e da parte renovada do Senado que,

no ano de 1990, assumiriam a responsabilidade do Congresso Revisor. 182

O primeiro projeto de reforma econômica neoliberal foi concebido somente em 1993

por Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda. Observa-se que naquele

momento a sociedade estava num estágio avançado de articulação democrática e de expansão,

não só pelos mecanismos de participação popular consagrados no texto constitucional, mas

também pelo acesso aos benefícios sociais providos pelo Estado. Este projeto de reforma

neoliberal assumiu como propósitos: a) atenuar os preceitos constitucionais que consagram

proteção à empresa de capital nacional; b) eliminar ou reduzir os encargos sociais do Estado;

c) racionalizar e modernizar a administração pública, eliminando a ociosidade e a desfunção

dos servidores; d) por último, o requisito político essencial para minimizar o potencial de

resistência popular à consumação das metas precedentes, qual seja a introdução de reformas

institucionais – o voto facultativo, o sistema eleitoral misto e a diminuição do número de

representantes na Câmara dos Deputados.183 Logo, a reforma institucional não foi planejada

com fins de consolidar um sistema de governo funcional e eficaz, mas sim garantir a

concretização de metas neoliberais que consistiam em “reduzir a intensidade, o âmbito e o

180 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p. 36. 181 Na concepção de José Antonio Giusti Tavares, liberal por atribuir maior eficácia aos mecanismos automáticos de mercado do que à intervenção estatal na economia; e cosmopolita por atribuir o crescimento econômico à integração do mercado e produção nacional à economia, ao capital e à tecnologia estrangeira. (1998; p. 36) 182 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 183 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998.

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escopo do Estado e da política, despolitizando, em última instância, não só as relações

econômicas, mas o conjunto da interação social.” 184

Nesse sentido, sem uma projeção detalhada e consistente, a reforma política tem tido

permanência na agenda do Congresso Nacional desde a redemocratização em 1946.

Igualmente, a tentativa da Assembléia Constituinte em determinar uma nova estrutura para o

Sistema Partidário foi de pequeno porte. No entanto, em face das inúmeras propostas de

emendas constitucionais e projetos de lei em tramitação, criou-se, em 1995, no Senado

Federal, uma Comissão de Reforma Político Partidária. Dentre as principais questões que

foram abordadas estão as seguintes:

1. Cláusula de barreira. Prevista no art. 13 da Lei 9.096/95, com vigência a partir de

2004, prevê um desempenho mínimo de 5%, distribuídos em pelo menos um terço

dos Estados e com no mínimo 2% em cada um deles, para o efetivo funcionamento

parlamentar. Contudo esta cláusula de barreira já existe através do cociente eleitoral

exigido para eleger candidatos no Legislativo, a qual varia de 1,7% para São Paulo a

12,5% para Estados com o número mínimo de deputados.

A aplicação desta cláusula reduzirá em torno de 50% o número de partidos

representados na Câmara dos Deputados. Apesar disso, não afetará as alianças de

governo, pois os partidos que alcançam a barreira de 5% são responsáveis por pelo

menos 80% dos votos nacionais.

2. Sistema eleitoral misto. É semelhante ao sistema eleitoral alemão; consiste na

adoção de um sistema misto entre proporcional e majoritário. O maior empecilho

estaria na continuidade do sistema de lista aberta com voto uninominal185, conforme

tem sido utilizado no Brasil. Assim, o sistema misto acabaria unindo as vantagens

do sistema majoritário com características do sistema proporcional.

3. Proibição das coligações partidárias para as eleições proporcionais. Trata-se de uma

tentativa dos grandes partidos de barrar as pequenas legendas, principalmente as

ideológicas; acaba sendo um reforço para a cláusula de barreira. Uma das propostas

184 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998, p.41. 185 Numa tentativa de solucionar este problema, foi aprovada pela Comissão Especial, em 2003, a mudança para o sistema de lista fechada. Segundo este sistema, cada partido apresentará à Justiça Eleitoral uma lista de candidatos pré-ordenada, cabendo ao eleitor apenas a escolha de qual partido ou coligação destinará o seu voto. Através disso, as mudanças determinantes para a eleição de um candidato passam a ser: 1) o seu partido ou coligação ter uma apelação forte o suficiente para arrecadar um grande número de votos; 2) o candidato estar numa posição suficientemente alta na lista pré-ordenada para estar entre os eleitos. In: FLEISCHER, David; ABRANCHES, Sérgio, et al. Cadernos Adenauer. Reforma política: agora vai? Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, n. 2, p. 13-38, 2005.

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do PT é proibir as coligações, mas permitir que todos os partidos sejam

considerados na distribuição das cadeiras remanescentes, e não apenas os que

atingiram o cociente eleitoral.

Outra proposta é a criação de uma “federação de partidos”, isto é, continuaria o

mecanismo de aliança partidária para as eleições proporcionais, porém com lista

fechada. Além disso, esta federação teria que permanecer em funcionamento

obrigatoriamente por três anos, sob pena dos partidos que a compunham perderem o

direito ao funcionamento parlamentar. 186

4. Fidelidade partidária. Embora esta proposta não faça parte do relatório da Comissão,

é objeto do projeto de lei n. 187/99, aprovado pelo Senado Federal, que aumenta o

tempo de filiação partidária para quatro anos para aqueles que concorrerão a cargos

eletivos e que já tenham sido filiados a um partido. Contudo esta regra não vale para

os casos de fusões, sendo uma saída para as pequenas siglas. Também dificultará o

aumento das bancadas parlamentares para os partidos maiores e mais conservadores

em que a transferência de parlamentares de outros partidos é comum.187

5. Voto facultativo. Por um lado, a adoção de tal medida seria inútil, tendo em vista

que o voto obrigatório não existe, mas sim o alistamento do eleitor. Este pode

abster-se de votar através da anulação, voto em branco, e justificação da ausência.

Ademais, a obrigatoriedade do alistamento é um estímulo à participação popular,

pois chama a atenção do cidadão para os problemas políticos do Brasil e,

principalmente, para a representação parlamentar dos seus próprios interesses, o que

é inerente ao fortalecimento da democracia.

Por outro lado, conforme a posição de Dahl, o fato dos adultos terem a

oportunidade de votar livremente, ou seja, vinculados estritamente ao ato de votar

186 FLEISCHER, David. Análise política das perspectivas da reforma política no Brasil, Op. Cit., 2005. 187 O debate político e judicial sobre a fidelidade partidária ganhou importância quando o Partido da Frente Liberal - PFL formulou ao Tribunal Superior Eleitoral a Consulta nº 1.389/DF, que consiste na seguinte indagação: “Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleitor por um partido para outra legenda?”. Assim, na Sessão de 27/03/2007, o TSE respondeu positivamente à supracitada Consulta (Resolução 22.526/2007). Com base nesta Resolução, o Partido Popular Socialista – PPS, o Partido Social da Democracia Brasileira – PSDB, e o Democratas – DEM impetraram mandados de segurança perante o STF contra a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, que indeferiu requerimentos formulados pelos referidos partidos de que fosse declarada a vacância dos Deputados Federais que haviam mudado de filiação partidária (MS 26.602 (PPS), 26603 (PSDB) E 26604 (DEM). A maioria do Plenário do STF votou, em 4 de outubro de 2007, pelo indeferimentos dos mandados de segurança, com base no entendimento de que o instituto da fidelidade partidária deve vigorar a partir da data da resposta dada pelo TSE à Consulta 1398, em 27 de março de 2007. In: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=74006&caixaBusca=N [Acesso em 3 de junho de 2008]

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simplesmente, sem recompensas ou penalidades, seria uma forma de exercer o

controle dos líderes pelos não- líderes.188

6. Financiamento público das campanhas eleitorais. Esta proposta foi aprovada no

senado Federal, conforme o projeto de lei n. 353/99. O principal objetivo é evitar a

corrupção na captação de recursos das campanhas eleitorais. Isto porque, muitas

vezes, a iniciativa privada acaba pressionando os eleitos em busca de favores e

negócios superfaturados em troca da ajuda concedida.

A cláusula de barreira aparece dentre as questões abordadas no relatório final da

Comissão. Prevista no art. 13 da Lei nº. 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos, com vigência a

partir das eleições de 2006, reduziria em torno de 50% o número de partidos representados na

Câmara dos Deputados. Porém, a sua eficácia ou não frente às vicissitudes do sistema

partidário e eleitoral brasileiros é tema que se desenvolve no próximo item, iniciando-se pelo

estudo comparativo à cláusula de barreira aplicada na Alemanha, modelo este que influenciou

à sua institucionalização no Brasil.

2.3.2. A cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil

Segundo Giovanni Sartori, “a cláusula de exclusão, ou Sperrklausel, consiste em se

estabelecer um limite mínimo à admissão e à representação.” 189 Igualmente, para Kátia de

Carvalho, a cláusula de barreira pode ser definida como “a disposição normativa que nega ou

existência, ou representação parlamentar, ao partido que não tenha alcançado um determinado

número ou percentual de votos”. 190

No direito comparado, a cláusula de barreira está inserida no ordenamento de países

como a Alemanha, França, Espanha, Itália 191, Grécia, República Tcheca, Polônia e Hungria.

188 DAHL, Poliarquia : Participação e oposição , Op. Cit., 1997. 189 SARTORI, Partidos e sistemas partidários, Op. Cit., 1982. 190 CARVALHO, Kátia. Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar [on-line]. Fevereiro/2003. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. p. 3 Disponível em: http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/publicacoes/estnottec/pdf/300188.pdf [Capturado em 17 de junho de 2008] 191 Em reportagem recente, publicada no site Política para Políticos, a respeito da instabilidade política, fragmentação partidária e separatismo no caso nas eleições italianas foi ressaltado que, de 1945 a 2008, a Itália, que adota o regime parlamentar, teve 61 primeiros ministros, o que significa uma média de um gabinete por ano. Esta instabilidade política é atribuída por analistas políticos e juristas italianos ao sistema partidário.Segundo eles, “o sistema eleitoral proporcional, sem cláusula de barreira, favorece a multiplicação de pequenos partidos, que hoje gira em torno de vinte. Com isto, para que os gabinetes ministeriais se sustentem os primeiro-ministros são obrigados a negociar, quase que individualmente, o apoio a projetos de interesse do governo.” Logo, esses

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Porém, especialmente o sistema eleitoral da Alemanha, que serve de base para as

modificações realizadas na legislação brasileira, o número de representantes de cada Estado

não é fixo, tendo em vista que o voto é facultativo e, portanto, o número de eleitores não é

regular.192 Assim, a cláusula de barreira foi introduzida na legislação eleitoral alemã em 1953

e alterada em 1956, estabelecendo que só podem ter representação no Parlamento Federal

Alemão (Bundestag) os partidos que alcançarem, no mínimo, 5% dos votos (lista partidária)

em nível nacional ou três mandatos diretos no primeiro voto (ma joritário distrital), sendo, por

conseguinte, desconsiderados os votos dos partidos que não cumprirem esses requisitos. 193

Segundo o cientista político João Paulo Saraiva Leão Viana, esse sistema vigora até os

dias de hoje e, portanto, comprovou ser um elemento fundamental na estabilidade política da

República Federal da Alemanha. Nesse sentido, a crítica de que a cláusula de barreira seria

uma “exterminadora” de partidos não se sustenta na medida em que partidos pequenos

conseguiram superar a barreira de 5%, a exemplo dos Verdes e do PDS. O autor ressalta que

naturalmente a cláusula exerceu influência em relação ao eleitorado no que se refere à escolha

do partido, tendo em vista que “os eleitores passaram a atribuir seus votos a partidos que

tivessem chances de ultrapassar a barreira dos 5%, além de procurarem uma agremiação

partidária com a qual se identificassem ideologicamente.” 194 O autor considera, portanto, a

cláusula de barreira um elemento fundamental para o fortalecimento, na Alemanha, de uma

cultura político-partidária indispensável na democracia representativa.

analistas apontam como solução uma reforma política que adotasse a cláusula de barreira, de modo que os partidos que não atingissem um percentual de 4 ou 5% dos votos nacionais estariam excluídos da representação parlamentar. Observa-se que a cláusula de barreira é vista como necessária para o fim de facilitar as negociações e propiciar aos gabinetes ministeriais coalizões mais consistentes. In: POLÍTICA PARA POLÍTICOS. O significado das eleições italianas: o pleito serviu como sinal de alerta para as democracias modernas [on-line]. 17 de julho de 2008. Disponível em: http://www.politicaparapoliticos.com.br/imprimir.php?t=755762 [Acessado em 17 de julho de 2008] 192 Saliente-se que o sistema de governo alemão é parlamentarista, sendo que, no sistema eleitoral, o eleitor tem dois votos: primeiro o distrital, no qual o eleitor vota no candidato e, no segundo escrutínio, o eleitor vota na lista partidária estadual, em que os partidos nomeiam seus candidatos dentro cada Estado numa determinada seqüência. O cientista político alemão Dieter Nohlen define esse sistema como “representação proporcional personalizada”. In: NOHLEN, Sistemas electorales y partidos políticos, Op. Cit.,1998, p. 223. 193 SANTANO, Ana Cláudia. A questão da cláusula de barreira dentro do sistema partidário brasileiro. [on-line] Revista Paraná Eleitoral. Jan. 2007. nº 63. Disponível em: http://www.paranaeleitoral.gov.br/imprimir_texto.php?tipo_texto=impresso&cod_texto=235 [Capturado em 02 de julho de 2008] Nesse sentido, de acordo com o voto do Ministro Gilmar Mendes, a Corte Constitucional alemã fez com que a legislação baixasse o percentual para 0,5% dos votos para o pagamento de indenização pelo desempenho dos partidos, eis que: “entendeu que essa cláusula era sim violadora do princípio da igualdade de oportunidades, porque impedia que os partidos políticos com pequena expressão conseguissem um melhor desempenho, tendo em vista que eles não teriam acesso à televisão muito menos aos recursos públicos.” In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3. Partido Comunista do Brasil e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário de Justiça 30.03.2007. p. 127. 194 VIANA, João Paula Saraiva Leão. Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil. Porto Velho: EDUFRO, 2006, p. 60.

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Quanto ao Brasil, foi introduzida no sistema eleitoral brasileiro pelo art. 148 do

Código Eleitoral de 1950, que “previa o cancelamento do registro do partido que não

conseguisse eleger ao menos um representante para o Congresso Nacional, ou que não

obtivesse ao menos 50 mil votos” e, posteriormente, no art. 5º do Decreto-Lei nº 8.835/56. 195

Porém, foi revogada antes que entrasse em vigor, sendo reintroduzida na Constituição

de 1967 196, durante o regime autoritário e, depois, na Emenda Constitucional de 1969, na

forma do art. 152, inciso VII, no capítulo sobre a organização, o funcionamento e a extinção

dos partidos políticos, in verbis: “exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado

na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete

Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles”. 197 Saliente-se que, no inciso

VIII, eram proibidas as coligações partidárias, o que demonstra uma clara preocupação em

manter uma maioria coesa da representação parlamentar no Congresso Nacional.

Confirma-se, a partir disso, que a facilidade para a formação de novos partidos pode

ser atribuída a uma espécie de reação à ditadura militar que forçou os políticos a unirem-se a

partidos “artificiais”, e também impôs drásticas normas de fidelidade partidária. Deste modo,

o Congresso Constituinte deu maior importância à destruição das instituições oriundas da era

ditatorial do que na construção de instituições substitutas que fossem sustentáveis 198, não se

preocupando com a inserção de cláusulas de barreiras mínimas ou exclusão no sistema de

representação proporcional. 199

Em análise da legislação partidária do período de 1985 a 1995, Jairo Nicolau aponta

algumas características que se inclinavam para a cláusula de exclusão institucionalizada pela

Lei nº. 9.096/95. Com efeito, a Lei nº. 5.682 de 1971, no seu artigo 7º, estabelecia como

critério para a organização de partidos o seguinte: “só poderá pleitear a organização o partido

político que conte, inicialmente, com 5% do eleitorado que haja votado na última eleição 195 CARVALHO, Claúsula de barreira e funcionamento parlamentar, Op. Cit., 2003, p.3. 196 Observe-se que na Constituição de 1967, a barreira era ainda mais rígida, numa tentativa evidente de banir o multipartidarismo, conforme preceitua o art. 149, VII – “exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento de Senadores.” 197 BRASIL. Emenda Constitucional de 1969. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/InfDoc/novoconteudo/legislacao/republica/Leis 1969vVIIp848/parte-11.pdf [Capturado em 2 de julho de 2008] 198 POWER, Timothy J. Why Brazil slept: the search for political institutions, 1985-1997. In: LATIN AMERICA ASSOCIATION STUDIES, 1997, Guadalajara, México. Anais. Disponível em: http://136.142.158.105/LASA97/power.pdf. [Capturado em 25 de abril de 2006] 199 Por outro lado, o ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto na Adin 1.351, aponta que a cláusula de barreira passou a ter status constitucional “dentro de um quadro eminentemente bipartidário” 199, isto é, contrário aos valores fundamentais de autonomia partidária e pluripartidarismo previstos na Constituição Federal de 1988. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3. Partido Comunista do Brasil e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário de Justiça 30.03.2007. p. 96.

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geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em sete ou mais estados, com no mínimo 7%

em cada um deles.” A substituição desta lei pela Lei nº. 6.767 de 1979, não alterou esse

quadro, eis que para o funcionamento dos partidos, poderiam funcionar imediatamente

aqueles que “tiverem entre os seus fundadores pelo menos 10% dos representantes do

Congresso Nacional, ou o apoio expresso em votos de pelos menos 5% do eleitorado que haja

votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados por nove estados, tendo obtido,

no mínio, 3% em cada um deles.” 200

A discussão sobre o tema só foi retomada na Revisão Constitucional de 1993, quando

o então Deputado Nelson Jobim, relator da matéria, em seu Parecer nº 36 201, trouxe de volta a

discussão sobre a cláusula de barreira, propondo que só teriam representação na Câmara dos

Deputados os partidos políticos que obtivessem 5% dos votos válidos, excluídos os brancos e

nulos, apurados em nível nacional, devendo ser distribuídos em um terço dos Estados e atingir

o percentual de 2% em cada um deles. 202

Apesar deste Parecer não ter obtido a aprovação do Congresso Revisor, a cláusula de

barreira foi inserida no art. 13 da Lei nº 9.096/95, tendo, a princípio, por objetivo principal a

correção de distorções no sistema democrático representativo. Sua vigência iniciaria com a

legislatura de 2007, devendo ser obedecida durante esse interregno a regra de transição,

segundo a qual cada partido deveria atingir 1% dos votos, elegendo pelo menos um deputado

em cinco diferentes estados, para ter direito à representação parlamentar. 203

Por conseguinte, a cláusula de barreira ao mesmo tempo em que reduziria o número de

partidos, inviabilizando a participação no Congresso Nacional de partidos minoritários, entre

200 NICOLAU, Jairo Marconi. Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 1996. p. 11-12. 201 Este parecer do então deputado Nelson Jobim teve o objetivo de, a partir da instituição da cláusula de barreira no texto da Constituição, fortalecer a governabilidade através do apoio às decisões governistas de uma maioria congressual e acabar com as “legendas de aluguel”, conforme se extrai do texto da íntegra do documento: “não se justifica a representação, na Câmara dos Deputados, de um partido que não tenha obtido apoio de significativa parcela do eleitorado, como reflexo do interesse despertado por suas propostas. Tal preocupação se traduz, também, na intenção de erradicar as ditas "legendas de aluguel", que desmoralizam nossas instituições políticas.” In: CONGRESSO NACIONAL. Parecer n° 36 da Revisão Constitucional de 1993. Dispõe sobre o artigo 17 da Constituição Federal de 1988 e sua revisão constitucional. Relator: Deputado Nelson Jobim. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp/ [Capturado em 9 de julho de 2008] 202 CARVALHO, Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar, Op. Cit., 2003. 203 Art. 57 da Lei nº. 9.096/95 - No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte: I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação, tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representantes em duas eleições consecutivas: a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos; (...)

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os quais aparecem legendas de aluguel 204, também restringiria a participação de correntes

ideológicas 205. Ou seja, o partido que não atendesse as condições impostas pelo art. 13 da Lei

nº 9.096/95 teria participação em apenas 1% do fundo partidário, o qual deveria ser rateado

com todos os demais partidos na mesma condição 206, além de ter acesso à realização de um

programa em cadeia nacional, com duração de dois minutos, por semestre.207 Enquanto que os

partidos que atingissem as condições impostas pelo artigo 13, teriam dez minutos de

propaganda eleitoral somados à utilização de um tempo de vinte minutos em inserções de

trinta segundos, também semestrais.

De acordo com Leão Viana, no substitutivo de reforma política apresentado pelo

deputado Rubens Otoni (PT-GO), haveria uma redução de 5% para 2% na cláusula de

barreira, bem como a retirada da exigência de funcionamento parlamentar, permanecendo

apenas a proibição de acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito, o que não

aconteceu.

2.3.3. A discussão política da cláusula de barreira no sistema eleitoral brasileiro

O debate a respeito da eficácia da cláusula de barreira no sistema eleitoral brasileiro

dividiu a opinião de cientistas políticos, partidos e parlamentares por diversos motivos.

Assim, analisaremos os principais argumentos contra e a favor da cláusula de barreira.

Dentre os argumentos a favor da cláusula, segundo Leão Viana, estão: o

multipartidarismo exacerbado, com uma extrema facilidade para a criação de legendas

204 Segundo Carvalho, as legendas ou siglas de aluguel são compreendidas como pequenos partidos que “sobrevivem da troca de minutos na mídia por vagas na chapa partidária.” In: CARVALHO, Eder Aparecido de. O sistema eleitoral brasileiro e as distorções vigentes . Disponível em: http://www.geocities.com/politicausp/M6-Carvalho.doc [Capturado em 2 de julho de 2008]. Nesse sentido, Mainwaring chama a atenção para um aspecto não comum do sistema brasileiro de representação que é o fato de admitir coalizões em eleições proporcionais, o que “reduz substancialmente as barreiras à representação dos partidos pequenos.” In: MAINWARING, Sistemas partidários em novas democracias, Op. Cit., 2001, p. 172. 205 No Brasil, segundo Peres, na linha de Figueiredo & Limongi, os critérios para a classificação das ideologias partidárias direita/centro/esquerda baseiam-se “na dinâmica dos comportamentos parlamentar e partidário no Congresso Nacional.” In: PERES, Paulo Sérgio. Sistema partidário e instabilidade eleitoral no Brasil. In: PINTO, Céli Regina Jardim; SANTOS, André Marenco dos (orgs.). Partidos no Cone Sul: novos ângulos de pesquisa. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2002. p. 23. 206 Art. 41, II da Lei nº 9.096/95 – O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios: II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. 207 Art. 48 da Lei nº 9.096/95 – o partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral, que não atenda ao disposto no art. 13, tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.

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partidárias; a fragmentação político- ideológica como empecilho na formação de maiorias

aptas a governar; o excessivo poder de barganha a legendas eleitoreiras, que servem apenas ao

interesse de poucos políticos; o número elevado de partidos confunde o eleitor, além de

provocar o descrédito dos mesmos; a inexistência no Brasil de clivagens étnicas, lingüísticas e

religiosas, sendo, dessa forma, desnecessário um sistema político voltado à representação de

minorias; e, por fim, poucos partidos seriam suficientes para aglutinar todas as ideologias.208

Ainda, o quadro ideológico confuso de nosso sistema partidário, reforça a idéia

apresentada por Ives Gandra, segundo Viana, de que “os quase 300 partidos ao longo de nossa

história republicana servem como resposta ao argumento de que não possuímos partidos,

somente legendas.” 209 Nesse sentido, para Torres e Longo, o principal fundamento da

cláusula de barreira é o fato de que a “existência de pequenas bancadas no Congresso e a

dispersão partidária representariam um obstáculo para a formação de maiorias sólidas para

votação de questões relevantes na legislação.” 210

Para Bonavides, o emprego da cláusula de exclusão ajuda a tolher a excessiva

fragmentação partidária vinculada ao sistema de representação proporcional, sendo que, no

caso da Alemanha, tem funcionado como “instrumento de salvaguarda do regime democrático

contra a agressão político- ideológica das organizações extremistas”. 211 Contudo, ressalta a

ameaça de um emprego abusivo dos percentuais mínimos, cujo objetivo poderia ser embargar

a representação de minorias políticas, fazendo do instituto da representação proporcional o

privilégio das organizações partidárias mais fortes.

Por outro lado, os argumentos contra a cláusula de barreira têm como principal

fundamento a defesa das minorias e o pluralismo partidário, sendo os principais os seguintes:

o multipartidarismo com direito à representação das minorias como essência do nosso sistema

político; a exigência de uma cláusula de barreira fecharia nosso sistema político em favor dos

grandes, expulsando partidos históricos e ideológicos; fim das coligações em eleições

proporcionais como medida suficiente para expulsar do sistema político legendas de aluguel;

partidos historicamente fortes em alguns estados e fracos em outros; existência de na

realidade cerca de oito legendas efetivas na Câmara dos Deputados, não possuindo as demais

208 VIANA, Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil, Op. Cit., 2006, p. 60. O autor cita os seguintes analistas políticos como a favor da cláusula de barreira: Francisco Weffort, Fernando Henrique Cardoso, Antônio Octávio Cintra, Paulo Costa Leite, Antônio Giusti Tavares, Maria D’Alva Kinzo, e o jurista Ives Gandra Martins. 209 VIANA, Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil, Op. Cit., 2006, p. 100. 210 TORRES, David; LONGO, Moacir. Reformas para desenvolver o Brasil: Reforma política para avançar no aperfeiçoamento da democracia. Disponível em: http://www.library.com.br/Reforma/Pg012ReformaPoliticaDemocracia.htm [Capturado em 18 de abril de 2006] 211 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, 10ª ed., p. 256.

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poder algum de decisão; a introdução de uma cláusula de barreira comprometeria a

representatividade em detrimento de uma proposta de melhorias na governabilidade. 212

Nesse sentido, para aqueles que se colocam contra a cláusula de barreira o cociente

eleitoral já seria por si mesmo uma cláusula de barreira estadual. Porém, esse dispositivo

acaba sendo deturpado em razão da existência de coligações proporcionais, o que poderia ser

sanado através da proibição de tais coligações, tornando desnecessária a cláusula de exclusão.

Além disso, o fato de ter sido adotado, no Brasil, um sistema de representação proporcional, a

adoção da cláusula o tornaria sem sentido, uma vez que teríamos minorias incapazes de

representação, num sistema criado com a finalidade de incentivá- las.

Em relação ao debate dentro do Congresso Nacional, a cláusula de barreira representa

um dos pontos mais polêmicos do projeto de reforma política. A possibilidade de perder o

acesso ao funcionamento parlamentar 213, bem como o acesso ao fundo partidário e horário

eleitoral gratuito preocupou, sobretudo, os líderes de pequenos partidos da base governis ta.

No caso do PSOL, partido que foi fundado em setembro de 2005, ou seja, dentro da legislação

atual e, portanto, ciente dos riscos da cláusula de barreira, observou-se um grande esforço

para atingir o percentual exigido por lei. Um exemplo foi a campanha “De olho na cláusula de

barreira”, coordenada pela presidente do partido, a senadora Heloísa Helena.214

Sumariamente, pelo debate exposto, a implementação da cláusula de barreira teria

como objetivo principal a formação de maiorias capazes de governar e a exclusão de nosso

sistema político de siglas eleitoreiras que serviriam para apenas o interesse de um número

ínfimo de políticos. Por outro lado, o nosso sistema proporcional estimula a criação de um

número elevado de partidos políticos, sendo que a aplicação da cláusula de barreira

dificultaria o surgimento de pequenas siglas com idéias inovadoras e conteúdos programáticos

relevantes. Viana ressalta que na Alemanha, por exemplo, os partidos que atingirem 0,5% da

votação possuem acesso ao fundo partidário e não há exigência para obter participação no

212 VIANA, Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil, Op. Cit., 2006, p. 105. Dentre os analistas políticos que se colocam contra a cláusula de barreira, o autor cita Jairo Nicolau, Kátia de Carvalho, Rodrigo Schimitt, Leôncio Martins Rodrigues, Renato Lessa, Marcus Ianoni. 213 Saliente-se que funcionamento parlamentar, sistema político brasileiro, significa o direito a formar uma bancada, com direito a escolher livremente um líder, ter acesso ao fundo partidário, a propaganda gratuita no rádio e na televisão e a participar das diversas instâncias da Câmara, como da Mesa Diretora e das comissões permanentes, tomando como base o princípio da proporcionalidade de eleitos por partido. In: BALTAZAR, Antonio Henrique Lindemberg. A inconstitucionalidade da cláusula de barreira, 14 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=2004 [Acesso em 11 de outubro de 2008] 214 PENA NETO, Mair. Heloísa Helena encerra campanha de olho na cláusula de barreira. Jornal da Uol, 27 de setembro de 2006. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2006/09/27/ult27u58004.jhtm [Acesso em 11 de outubro de 2008]

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horário eleitoral gratuito, enquanto que no Brasil esses partidos não contariam com tais

benefícios. 215

Diante disso, a análise dos principais problemas que envolvem a institucionalidade

brasileira demonstra que a cláusula de barreira não corrigiria todos os obstáculos que se

impõe aos sistemas partidário e eleitoral, ou seja, a reforma política precisa adotar outros

mecanismos que atuem em conjunto. Dentre eles, ressalta-se a fidelidade partidária, o fim das

coligações em eleições proporcionais e o financiamento público de campanhas. Ainda, existe

a proposta de adoção do sistema distrital misto, tendo a cláusula de barreira como elemento

principal, o que também seria uma maneira de aglutinar os partidos em grandes blocos

ideológicos.

Contudo, o debate que durou onze anos no Congresso Nacional a respeito da

adequabilidade da cláusula de barreira ao nosso sistema eleitoral e partidário foi encerrado

pelo Supremo Tribunal Federal em decisão unânime do Plenário, na data de 7 de dezembro de

2006, que declarou a sua inconstitucionalidade. De modo que os efeitos desta decisão sobre a

democracia brasileira, bem como da coerência lógica da decisão do Supremo com os

interesses políticos predominantes à época da decisão são objetos de análise do próximo

capítulo.

215 VIANA, Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil, Op. Cit., 2006.

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3. OS REFLEXOS DO JULGAMENTO DAS ADINS Nº 1.354 E 1.351 PARA A

DEMOCRACIA BRASILEIRA

"Sempre que falarmos de liberdade e de direitos, não devemos nunca nos esquecer de perguntar: liberdades ou direitos para quem?"

Robert Dahl

Em face dos problemas institucionais que foram analisados na primeira parte desta

pesquisa, será avaliada, nesta segunda parte, a decisão do STF na Adin nº 1.351-3 sob dois

prismas metodológicos: a) a judicialização da política; b) a politização da justiça. Apesar da

fluidez conceitual de ambos os fenômenos, observar-se-à a judicialização da política no

sentido da abrangência da jurisdição constitucional para a arena política brasileira, através do

julgamento da referida Ad in, levando-se em consideração aspectos de governabilidade que

foram deixados à margem na decisão do Supremo. Em relação à politização da justiça, serão

avaliadas as decisões do Supremo a partir da influência de fatores políticos externos na

ocasião do julgamento das ações cautelar e principal, Adins nº 1.354 e 1.351,

respectivamente.

Para tanto, adotar-se-á como método de análise o cenário político que se vislumbrava

no Congresso Nacional e na Presidência da República ao tempo do proferimento de ambas as

decisões, isto é, em 1996 e 2006. Antes, para abordarmos a relação entre Direito e Política no

âmbito da Adin nº 1.351, faz-se necessário apresentar alguns aspectos de sua concepção e

fundamentação em determinados períodos do seu ciclo histórico-evolutivo, os quais incidem

no atual paradigma de interpretação constitucional do STF, bem como na sua organização e

comportamento.

3.1. O DIREITO E A POLÍTICA: ANÁLISE DO CONSTITUCIONALISMO

DEMOCRÁTICO NO BRASIL

A decisão do Supremo na Adin nº 1.351, que deferiu o pedido de declaração de

inconstitucionalidade do dispositivo da cláusula de barreira em decisão unânime, teve como

fundamento o conflito deste dispositivo com a Constituição Federal que “em face da gradação

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de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz,

substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do

Fundo Partidário.” 216 Já em relação à decisão, também unânime, proferida em sede de

liminar, na Adin nº 1.354, o Supremo decidiu pela constitucionalidade da cláusula de barreira,

uma vez que o art. 13 da Lei nº 9.096/95 “não ofende o princípio consagrado no artigo 17,

seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal.” 217

A divergência na interpretação de princípios constitucionais equivalentes

(principalmente a igualdade e pluralismo partidário) denotam o caráter político das decisões

proferidas pelo STF, sobretudo se forem observadas questões políticas circunstanciais à época

de cada julgamento, o que põe em dúvida o caráter estritamente constitucional das decisões do

Supremo. De tal modo, para observarmos a influência da Política 218 sobre o Direito e vice-

versa, mais especificamente em relação ao papel político do Supremo, analisaremos algumas

conotações diversas que essa relação assume, na medida em que forem revisitadas no decorrer

deste capítulo. Dentre elas, a influência do regime imperial romano a partir do período pós-

Clássico do Direito romano; o papel político dos tribunais constitucionais; as discussões

travadas entre Kelsen e Schimitt sobre a guarda da Constituição; o controle de

constitucionalidade das leis enquanto controle político; e a forma da composição dos tribunais

constitucionais.219

Considera-se que, em pleno século XXI é cada vez maior a dificuldade em se

estabelecer limites imanentes ao político, que anteriormente eram fundados pela remissão do

conceito de Estado ao conceito de político. Essa idéia é entendida por Carl Schimitt como

incorreta e enganosa, na medida em que Estado e sociedade se interpenetram, sendo que todos

os assuntos até então políticos tornam-se sociais e vice-versa. Assim, as áreas até então

216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3. Partido Comunista do Brasil e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário de Justiça 30.03.2007. 217 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos Políticos. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.354-8. Partido Social Cristão e Congresso Nacional. Relator: Ministro: Maurício Corrêa. 7 fev. 1996. Diário da Justiça de 25/05/2001. 218 Em seu sentido clássico a Política designava obras dedicadas ao estudo da esfera de atividades humanas relacionadas com o Estado. Já na época moderna expandiu seus ramos, não permitindo que o Direito ficasse imune aos seus influxos, podendo ser definida da seguinte forma: Atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado. Dessa atividade a pólis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à esfera da Política atos como ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar ou transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc...; outras vezes ela é objeto, quando são referidas à esfera da Política ações como a conquista, a manutenção, a defesa, a ampliação, o robustecimento, a derrubada, a destruição do poder estatal, etc. In: BOBBIO, Norberto. Verbete Política. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, Vol. 1 e 2, 11ª ed. Versão eletrônica. 219 SANTOS, Marcelo Paiva dos. A história não contada do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009.

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“neutras”, como religião, cultura, educação e economia, deixam de ser “neutras” no sentido

não-estatal ou não-político, dando origem ao Estado total. Nele, segundo o autor, “tudo é,

pelo menos potencialmente, político, e a referência ao Estado não mais consegue fundamentar

um marco distintivo específico do ‘político’.” 220

Nessa linha, a própria extensão do texto da Constituição Federal de 1988 é um reflexo

da expansão do político, bem como da interpenetração da Política com o Direito. Ou seja, não

obstante ter ensejado muitas críticas pelo seu caráter utópico e também pela prolixidade do

seu texto, segundo Streck, optou-se por constitucionalizar todas essas diferentes áreas pela

exata razão da inefetividade do sistema jurídico. Assim, as diferentes correntes de opinião e

grupos que participaram do processo constituinte, principalmente ligados ao

constitucionalismo comunitarista, acreditaram que se seus anseios fossem colocados

diretamente no texto constitucional, as regras passariam a ser cumpridas. 221

Em razão disso, a ampliação de atribuições e competências do Supremo Tribunal é

notória a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, principalmente pelo

paradigma do Estado Democrático de Direito, no qual se fundou, preambularmente, a

Constituição. Assim, segundo Bolzan de Morais e outros, este modelo delimita “as abstenções

dos poderes públicos frentes às garantias individuais dos cidadãos, bem como as obrigações

de fazer do Estado a fim de satisfazer os direitos sociais de sua população.” 222 Essa

concepção substancialista entende como necessária a relativização do princípio da separação

de poderes, seguindo a linha de Eduardo Garcia de Enterria, como forma de garantir a

efetivação dos direitos sociais constitucionalizados, não havendo, portanto, limitação à

intervenção do Poder Judiciário.

Por outro lado, levando-se em consideração que a natureza da decisão na Adin nº.

1.351 é política- institucional, ou seja, diz respeito à harmonia na interação de elementos

institucionais fundamentais como o sistema partidário, eleitoral e forma de governo, uma vez

que interfere diretamente no número de partidos atuantes no Congresso Nacional, adotaremos,

para esta análise, uma concepção de democracia procedimental. Assim, abordaremos aspectos

acerca da estrutura institucional da Corte Constitucional, como a sua origem, organização, e

220 SCHIMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 47. Nesse sentido, ver também a brilhante exposição de Hannah Arendt sobre adistinção entre esfera pública e privada na obra ‘A Condição Humana’. In: Arendt, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. 221 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma Nova Crítica do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 222 BOLZAN DE MORAIS, José Luis; COPETTI, André; WULFING, Juliana, et al. A jurisprudencialização da Constituição. A construção jurisdicional do estado democrático de direito. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lênio Luiz. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Unisinos, 2002. p. 331-332.

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composição, a fim de verificar se devem ou não ser estabelecidos limites à atuação do

Supremo Tribunal Federal. Iniciaremos com a análise do processo histórico da relação entre

Direito e Política que culmina no paradigma de atuação do Supremo Tribunal Federal.

3.1.1. Aspectos históricos da Corte Constitucional

Para encontrarmos os paradigmas da atuação do Supremo Tribunal Federal

analisaremos alguns aspectos históricos das formas de fundamentação e interpretação do

Direito. Cabe a ressalva de que não se pretende uma análise exaustiva dos períodos

abordados, mas apenas expor algumas concepções que o direito foi adquirindo no decorrer da

história, principalmente no período Clássico da sociedade romana e na Escola da Exegese que

culminou no positivismo jurídico francês e, conseqüentemente, influenciou o modelo

jurisdicional brasileiro.

O período Clássico da sociedade romana constitui-se num dos primeiros exemplos da

influência política sobre o direito no pensamento ocidental. Durante esse período, Roma

vivenciava o regime político republicano, o que propiciava uma atuação livre dos juristas.223

Segundo Ovídio Baptista, o direito era criado pelos juristas (pretor) e não pelos magistrados,

sem contar com um sistema jurídico organizado legislativamente: “As leis escritas eram raras,

não existiam, como agora, os códigos, surgidos paulatinamente, para assumir a relevância

apenas nos últimos períodos do direito romano, para depois tornarem-se institucionalizados

nos sistema europeu.” 224

Desta forma, ao invés de serem aplicadas as normas abstratas ao caso concreto, era

através da iurisdictio que a norma individual era literalmente criada pelo pretor. Cabe aqui

esclarecer que a função do Praetor era de indicar a norma que regularia o caso concreto,

exercendo a função de iurisdictio para, a seguir, delegar poderes para o juiz privado (iudex)

aplicar o direito já indicado pelo pretor, exercendo, assim, a função de julgar (iudicare).

Saliente-se que quando o Pretor indicava a norma a ser aplicada no caso concreto, não

significa que dispunha de um sistema legal consolidado. Ao contrário, a jurisdição pretoriana

era uma atividade análoga a do legislador; era como se o Pretor legislasse para o caso

concreto.

223 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009. 224 SILVA, Ovídio A. Baptista. A jurisdictio romana e a jurisdição moderna, 2007. p. 4. Disponível em: http://www.baptistadasilva.com.br/artigos013.htm [Acesso 8 de novembro de 2008]

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No período de Justiniano (527 a 565 a.C), ou Baixo Império, a lei transformou-se na

fonte exclusiva do Direito, e o Imperador no seu único intérprete, desaparecendo a prática

jurisprudencial do período Clássico do Direito romano. Gaio incluiu dentre as fontes de

Direito além da lei, os pareceres dos prudentes, possibilitando, desta forma, um caráter

criativo da jurisprudência. Talvez essa seja a distinção mais importante entre o período

clássico e o período político do Dominato ou Baixo Império, isto é, de que durante o período

clássico o direito era sim um instrumento, só que do direito material, do caso concreto; ao

passo que durante a formação e expansão do Império Romano, o direito passou a ser um

instrumento estatal, a serviço do governo. Nesse sentido, Ovídio Baptista esclarece que a lei

passa a ser a manifestação concreta da vontade do soberano, ou do Poder estatal,

consolidando o seu monopólio do poder:

Ao contrário de nosso direito, em que a lei tornou-se sua fonte exclusiva, para o período do direito romano clássico as fontes eram várias e a principal delas não era constituída por uma norma geral e abstrata, cuja observância fosse, como agora, imposta pelo soberano.225

Na fase do período pós-Clássico se deu a decadência do Direito Romano, uma vez

que, com a implantação do regime absolutista, o imperador passou a controlar todo o sistema.

Assim, o regime imperial descaracterizou por completo o Direito romano do período Clássico,

tornando o direito uma propriedade exclusiva do Estado. Logo, a substituição dos direitos

costumeiros medievais pelo direito produzido exclusivamente pelo Estado, primeiramente

pelos monarcas, e depois pelo Poder Legislativo, tirou a autonomia do Direito, atribuindo- lhe

uma função meramente reguladora e funcional da sociedade, a qual foi categorizada e

naturalizada numa realidade abstrata. 226

Nesse sentido, Tocqueville chama a atenção para o fato de que os mesmos povos que

derrubaram o Império Romano e formaram as atuais nações modernas, contraditoriamente,

utilizaram-se do próprio Direito Romano para formar um direito comum uniforme: “(...) a

grande sociedade européia fracionou-se em mil pequenas sociedades distintas e inimigas,

vivendo separadas umas das outras. Entretanto, desta massa incoerente saíram repentinamente

leis uniformes.” 227 Este processo histórico ocorreu quando os príncipes estabeleciam de

maneira sólida o seu poderio absoluto com a finalidade de destruir os particularismos das

225 SILVA, A jurisdictio romana e a jurisdição moderna, Op. Cit., 2007. p. 2. 226 SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 2 ed. 227 TOCQUEVILLE, Alexis. O antigo regime e a revolução. São Paulo: Hucitec, 1989. 3 ed. p. 63

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instituições locais da Idade Média, substituindo-os por um direito substancialmente idêntico

na Europa Ocidental. 228

Igualmente, para Michel Foucault, a “ressurreição do Direito Romano foi efetivamente

um dos instrumentos técnicos e constitutivos do poder monárquico autoritário, administrativo

e finalmente absolutista.” 229 A partir disso, o autor denuncia as relações entre o Direito e o

poder real com a constatação de que, nos séculos seguintes, o que se questionará são os

limites do poder do rei, que acabará refletindo na organização do sistema jurídico ocidental

em torno dele, dos seus direitos, limites e poder.

A partir disso, podemos identificar outro marco histórico de nosso sistema jurídico que

foi a Escola da Exegese, erigida a partir do Código Civil francês de 1804. Este desenvolveu

um papel fundamental na nova forma de interpretação do Direito, que culminou no

positivismo jurídico francês. Segundo Santos, os idealizadores do Código Civil francês eram

jusnaturalistas e defendiam a idéia de que, em caso de lacunas, deveria se recorrer aos

princípios do Direito Natural e à equidade para a solução dos casos. Por esta razão, inseriram

um Livro inicial a fim de que o intérprete se utilizasse desse recurso hermenêutico. No

entanto este Livro foi suprimido quando da aprovação do Código. 230

A solução a partir da referida supressão do Livro inicial viria da interpretação do

dispositivo: a impossibilidade dos juízes deixarem de dizer o Direito aos casos que lhe eram

submetidos, era o princípio do non liquet. Logo, os juízes deveriam julgar com base somente

nos Código de Napoleão.231 Ademais, o próprio Napoleão quis vedar a interpretação de seu

Código para evitar o desvanecimento de seu poder, a fim de que as classes dominadas fossem

impedidas de “roubar” o poder das elites dominantes.232

Um fator determinante para a afirmação do positivismo jurídico foi a Revolução

Francesa e a racionalização do ordenamento jurídico que, segundo Santos, “substituiu o poder

pessoal e dinástico pelo poder fundado na soberania popular; aquela que teve sua expressão

máxima nos códigos e na abolição da pluralidade de fontes.” 233 O autor ressalta que num

movimento contrário aos ideais revolucionários franceses, isto é, por meio do

conservadorismo, o qual nasce dos interesses absolutistas da nobreza, é que emerge a

concepção de tribunais constitucionais. 228 SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 2 ed. 229 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. 2007, p. 180. 230 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009. 231 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009. 232 SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 2 ed. 233 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009.

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Desta forma, os tribunais constitucionais surgiram através de um movimento

conservador que tinha por finalidade principal proteger os interesses da nobreza e do clero

afetados pela Revolução. Assim, a garantia da proteção desses interesses se daria, sobretudo,

se a composição desses tribunais pudesse ter a interferência de seus idealizadores. Para

Santos, trata-se de um vício na origem que “radica a legitimidade dos referidos tribuna is,

tendo em vista as diretrizes do princípio democrático.” 234

3.1.2. O papel político das Cortes Constitucionais

O controle de constitucionalidade sobre o comportamento de órgãos subordinados ao

Estado corresponde, segundo Kelsen, ao princípio da máxima legalidade da função estatal.

Contudo a conveniência de tal prerrogativa pode ser vista por diferentes pontos de vista, uma

vez que não é pacífico o entendimento de que este controle deva ser atribuído a um órgão

jurisdicional. De um lado, Carl Schmitt afirma que o papel de guardião da Constituição

pertence ao chefe de Estado republicano, uma vez que, supostamente, este seria detentor de

um poder neutro (pouvoir neutre). Assim, parte do pressuposto de que entre as funções

jurisdicionais e políticas existiria uma contradição essencial e que, portanto, a anulação de leis

inconstitucionais e a decisão sobre constitucionalidade das leis consistem num ato político, e

não jurisdicional. 235

Do outro lado, Kelsen critica o posicionamento de Schmitt, afirmando que “o caráter

político da jurisdição é tanto mais forte quanto mais amplo for o poder discricionário que a

legislação (...) lhe deve necessariamente ceder” 236, de modo que o legislador autoriza o juiz a

avaliar e decidir, dentro de certos limites, conflitos que digam respeito ao interesse de um ou

de outro. Assim, o simples fato de que as partes não queiram que o conflito seja decidido por

uma instância objetiva, mas através de um tribunal, já torna o conflito político. Por sua vez, o

tribunal constitucional teria um caráter político muito maior do que outros tribunais, de modo

que “nunca os defensores da instituição de um tribunal constitucional desconheceram ou

negaram o significado político das sentenças deste”. 237

Para Santos, o ponto de convergência entre Schmitt e Kelsen consiste justamente no

reconhecimento do elevado caráter político dos tribunais constitucionais. Segundo o autor, o

234 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009, p. 46. 235 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 236 KELSEN, Jurisdição constitucional, Op. Cit., 2003, p. 251. 237 KELSEN, Jurisdição constitucional, Op. Cit., 2003, p. 253.

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Poder Judiciário expressa-se através do exercício de uma função e, por exercer uma função

própria de um dos Poderes estatais, torna-se uma função política, 238 o que, de certa forma,

remete ao anacronismo do tradicional princípio da “separação de poderes” apontado por

Lowenstein. Segundo ele, este princípio está vinculado ideologicamente com o liberalismo

constitucional do século XVIII, pelo que prefere a expressão “separação de funções.” 239

Igualmente, Streck e Bolzan de Morais observam a transformação nas relações

mesmas entre as funções estatais tradicionais quando, por reflexo da perda de exclusividade

do exercício de suas funções, uma delas se projeta sobre aquilo que tradicionalmente seria a

atribuição de outra, ou quando a idéia de atribuições distintas passa a ser substituída por uma

unidade comprometida. Diante disso, dada a função política assumida pelo Judiciário é

evidente o anacronismo do atual sistema de separação dos Poderes, o que Streck e Bolzan de

Morais classificam como “processo de interpenetração de funções”, conforme se pode extrair

do seguinte trecho:

Atualmente, seria preferível falarmos em colaboração de Poderes, particularmente no âmbito do parlamentarismo e de independência orgânica e harmonia dos Poderes, quando do presidencialismo, embora mesmo isso sofra os influxos da organização sócio-política-econômica atual, podendo-se melhor falar em exercício preponderante de certas atribuições por determinados órgãos do poder público estatal ou, como é o caso das funções executiva e jurisdicional no campo da aplicação do direito ao caso concreto, onde o que diferencia é a maior ou menor eficácia conclusiva do ato praticado ou da decisão. (grifado no original)240

A colaboração ou expansão de poderes diz respeito principalmente ao papel assumido

pelo Poder Judiciário com o crescimento do Estado Social 241 na Europa Ocidental, a partir da

segunda metade do século XX, o que reverteu alguns postulados básicos do direito. Dentre

eles, a pressuposta neutralização política do Poder Judiciário, fruto da teoria liberal da

separação de poderes. Segundo Ferraz Júnior, essa neutralização não significava, na

concepção liberal, tornar o Judiciário imune a pressões de ordem política, mas se dava a nível

de expectativa institucionalizadas, ou seja, “ainda que de fato haja pressões políticas, estas

238 SANTOS, A história não contada do Supremo Tribunal Federal, Op. Cit., 2009. 239 LOWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona: Editora Ariel, (1952). 240 STRECK, Lênio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 153. 241 BOLZAN DE MORAIS e ESPÍNDOLA esclarecem que a his tória do Estado Social pode ser dividida em duas grandes fases. A primeira que se deu a partir do seu surgimento, no Século XX, como “resposta ao novo tratamento da chamada questão social, a qual deixa de ser um caso de polícia para tornar-se um caso de políticas públicas (sociais), com o objetivo de enfrentamento dos dilemas da escassez, sobretudo no que se refere às carências” E a segunda que emerge no início dos anos 1970, com o “esgotamento de suas estratégias”, em face da crise da matriz energética, do desenvolvimento tecnológico e da transformação da economia capitalista. In: O Estado e seus limites, Op. Cit., 2008.

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institucionalmente não contam.” Contudo, o advento do Estado Social, na Europa Ocidental,

implicou uma desneutralização do Judiciário, tendo em vista que a responsabilidade do juiz

agora alcançaria “o sucesso político das finalidades impostas aos demais poderes pelas

exigências do Estado do Bem-estar social.” 242

3.1.3. O papel político do Supremo Tribunal Federal

A atribuição do Supremo Tribunal Federal de guardião dos direitos fundamentais foi

introduzida na cultura jurídico-política brasileira com a divulgação da obra The American

Commonwealth de James Bryce, por Rui Barbosa. 243 Contudo, Álvaro R. de Souza Cruz

destaca que ao contrário dos Estados Unidos em que o controle de constitucionalidade nasce

como fruto da interpretação judiciária 244, no Brasil surge pela via do direito positivo, através

de sua inclusão formal no texto constitucional, da mesma maneira com que foram

introduzidos os direitos fundamentais na Constituição de 1988.

Assim, o caráter político do Supremo Tribunal Federal deve-se à sua prerrogativa de

declarar o sentido e o alcance das regras jurídicas, assegurada pela Constituição Federal de

1988. 245 Apesar disso, a competência do STF no novo texto constitucional foi tema de

intenso debate. Segundo Gisele Cittadino, nos meses que antecederam a Constituinte de 1987

era considerável o número de juristas que protestavam, através da imprensa, a necessidade de

conferir ao Supremo Tribunal Federal atribuições jurídico-políticas de uma Corte

Constitucional. 246 Em declaração ao jornal Folha de São Paulo, em 9/10/1986, Miguel Reale

Junior considerou que “as atribuições do STF deveriam ser predominantemente

242 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista USP – Dossiê Judiciário. São Paulo, março-maio/1994, nº 21, p. 12-21. 243 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Breve histórico do Supremo Tribunal Federal e do controle de constitucionalidade brasileiro. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. Crise e desafios da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 209. 244 O controle de constitucionalidade nos Estados Unidos foi iniciado com o caso Marbury versus Madison, de 1802, em que o Chief Justice John Marshall fixou aquilo que foi chamado precisamente de supremacia da Constituição , bem como institucionalizou o dever-poder dos juízes de negarem a aplicação de leis que entendessem contrárias à Constituição. Por outro lado, a Suprema Corte Norte-Americana adota o critério de controle difuso, ou seja, só pode se pronunciar sobre um caso ou controvérsia real, de modo que não existe controle de normas abstrato. Apesar da decisão não ser tomada em relação a um caso concreto, o efeito não é inter partes, isso porque, no sistema common law, os precedentes têm força vinculante (stare decisis) . In: CAPPELLETTI, O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado, Op.Cit., 1984. 245 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. 3 ed. 246 CITTADINO, Pluralismo, direito e justiça distributiva, Op. Cit., 2004. 3 ed.

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constitucionais, como nos Estados Unidos da América.” 247 Assim, foi no âmbito da Comissão

da Organização de Poderes e Sistema de Governo, na Subcomissão do Poder Judiciário e do

Ministério Público que se iniciou o debate sobre o papel e a competência do STF na nova

Constituição brasileira.

O primeiro relatório, seguindo as orientações dos Anteprojetos de José Afonso e da

Comissão Arinos, instituía a Corte Constitucional, que seria dedicada às questões

constitucionais, e o Superior Tribunal de Jus tiça, o qual deveria incorporar as demais

atribuições do STF. A reação contrária da maioria conservadora no âmbito da Subcomissão

foi imediata. As principais reclamações giravam em torno da “tradição positivista do nosso

direito” e do fim da “garantia sagrada da vitaliciedade no direito brasileiro.” Assim, a

alternativa encontrada foi manter o Supremo Tribunal Federal, mas com atribuições de Corte

Constitucional, transferindo para o novo Superior Tribunal de Justiça algumas das suas

antigas atribuições. 248

Observe-se que a pressão do Judiciário e ação coordenada dos ministros foi sentida no

âmbito da Assembléia Constituinte. Com efeito, o Anteprojeto da Comissão da Organização

dos Poderes e Sistema de Governo dispunha que o STF seria integrado por 16 ministros,

sendo 5 indicados pelo Presidente da República, 6 indicados pela Câmara dos Deputados e 5

indicados pelo Presidente da República dentre integrantes de listas tríplices, organizadas para

cada vaga pelo STF. No entanto, o segundo substitutivo do Relator demonstrou o resultado

desta pressão: o STF continuaria a ser integrado por onze ministros, todos indicados pelo

Presidente da República, ouvido o Senado Federal.

Apesar do STF não ter sido transformado em Corte Constitucional, foi- lhe atribuída a

função de “guardião da Constituição” (art. 102, CF) e parte de suas antigas atribuições foram

transferidas para o novo Superior Tribunal de Justiça. Assim, a Constituição Federal de 1988

manteve a fórmula de controle misto de constitucionalidade, ou seja, difuso, na figura do Juiz

Singular, e concentrado, na figura do Supremo Tribunal Federal, bem como a remessa ao

Senado no julgamento de Recurso Extraordinário.249 Inspirado no constitucionalismo

português e iuguslavo, agregou apenas a ação de inconstitucionalidade por omissão.250

247 REALE JUNIOR, Miguel apud CITTADINO, Pluralismo, direito e justiça distributiva, Op. Cit., 2004, p. 60. 248 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. 3 ed., p. 61. Vide também, nesse sentido, a entrevista de Plínio de Arruda de Sampaio para o Memorial do Ministério Público. In: BISCHOFF, Álvaro Walmrath; AXT, Gunter; SEELIG, Ricardo Vaz. Histórias de vida do Ministério Público do Rio Grande do Sul: A Constituinte de 1988. Porto Alegre: Procuradoria-Geral de Justiça , Memorial do Ministério Público, 2006. p. 259-92. 249 Nesse sentido, ver STRECK, Lenio Luiz; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo de Andrade; et. al. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da

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Nesse sentido, Cittadino observa o caráter político do Supremo Tribunal Federal de

acordo com a dimensão comunitária. Ou seja, por pertencer ao STF um papel

preponderantemente político, ele deve recorrer a “procedimentos interpretativos de

legitimação de aspirações sociais” e orientar a interpretação pelos valores éticos

compartilhados.251 Esses valores são compartilhados em razão da participação jurídico-

política de uma ampla comunidade de intérpretes, seguindo a linha de Peter Haberle,252 que

pode ser identificada no artigo 103 da Constituição Federal. 253 Desse modo, Cittadino

entende que pelo fato do constitucionalismo norte-americano ter por objetivo apenas a

jurisdição do caso concreto, a Suprema Corte não tem a função de “guardiã dos valores que

integram o sentimento constitucional da comunidade.” 254

Há de se ressaltar a diferença daquilo que diz respeito ao caráter político do STF e o

que indica o fenômeno de politização das decisões proferidas por esta Corte. Com efeito, o

caráter político do Supremo diz respeito ao exercício de uma função estatal destinada à guarda

da Constituição por meio do controle misto de constitucionalidade das leis, o que pressupõe

uma certa neutralidade valorativa na solução desses conflitos, uma vez que as decisões devem

ser fundamentadas estritamente no conteúdo do texto constitucional e seus princípios. Por

outro lado, a politização da Justiça implica a contaminação política da suposta neutralização

legitimidade da jurisdição constitucional. Disponível em: www.leniostreck.com.br [Acesso em 20 de agosto de 2008] 250 STRECK, Jurisdição Constitucional, Op. Cit., 2004. O autor remete suas críticas à existência do controle difuso desacompanhado de mecanismos de extensão dos efeitos das decisões, uma vez que este tipo de controle “retira do órgão de cúpula do Poder Judiciário o monopólio do controle de constitucionalidade, servindo de importante mecanismo de acesso à justiça e, consequentemente, à jurisdição constitucional.” (p. 456) 251 Para a corrente comunitária, a Constituição passa a ser um projeto social integrado por um conjunto de valores compartilhados, a qual traduz um compromisso com certos ideais. Em contraposição, a corrente liberal opta por uma concepção de “Constituição-garantia”, cuja finalidade é preservar um conjunto de liberdades negativas e ao mesmo tempo garantir a autonomia moral dos indivíduos. Observe-se que a primeira está vinculada a idéia de um consenso ético a respeito dos valores compartilhados, enquanto que a segunda acredita na possibilidade de um julgamento imparcial de conflitos de interesse com base em princípios constitucionais. In: CITTADINO, Pluralismo, direito e justiça distributiva, Op. Cit., 2004, p.46. 252 Para Haberle, a interpretação constitucional não se trata de um “evento exclusivamente estatal”, tendo em vista que nela estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, e todos os cidadãos e grupos, sendo, portanto, impossível estabelecer um elenco taxativo dos intérpretes da Constituição. No entanto, atualmente, dela tomam parte somente “intérpretes jurídicos ‘vinculados às corporações’ e aqueles participantes forma is do processo constitucional.” In: HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: constribuiçãopara a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição (trad. Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p.13. 253 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional. 254 CITTADINO, Pluralismo, direito e justiça distributiva, Op. Cit., 2004, p. 10.

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do Judiciário e, in casu, do Supremo, por se tratar de órgão composto por membros indicados

pelos chefes do Poder Executivo.

Por esta razão, procurar-se-à demonstrar a partir da análise das decisões proferidas no

julgamento do artigo 13 da Lei nº 9.096/95 que a Política pode definir os rumos do Direito,

mesmo fora de um regime de exceção, ainda que se afirme que o poder político não seja

fundamento das decisões do Supremo Tribunal Federal.

3.1.4. A organização e composição do Supremo Tribunal Federal

Conforme já analisado, a partir da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal

Federal evoluiu para um tribunal onde coexistem características próprias do sistema

americano e europeu de jurisdição constitucional. Não obstante o hibridismo de sua

jurisdição, a organização do STF permanece fiel ao modelo norte-americano, ou seja, juízes

vitalícios que são indicados livremente pelo Presidente da República e nomeados após a

confirmação pelo Senado Federal, sendo o órgão de cúpula do Poder Judiciário. 255

Deste modo, o sistema adotado no Brasil convoca a participação integrada dos Poderes

Executivos e Legislativos, o que garantiria o caráter democrático ao processo, uma vez que o

Presidente da República e Senadores são eleitos diretamente pelo povo. Para Tavares Filho, a

motivação para a livre escolha dos Ministros do STF reside na convicção de que o papel dos

Ministros não tem caráter apenas jurisdicional, mas também político na estrutura dos Poderes.

Logo, em função de seu peculiar papel político, o Supremo é colocado fora da carreira da

magistratura, não sendo acessível num plano de promoções. 256

A liberdade dada ao Presidente da República e ao Senado Federal permitiria a escolha

de candidatos que possuíssem não apenas o saber jurídico e a reputação ilibada que a

Constituição requer expressamente, mas também a habilidade de lidar com as implicações

políticas das questões trazidas ao julgamento do Tribunal, fundados em sua experiência

jurídica e em sua vivência como cidadãos e indivíduos. Ainda, a vitaliciedade dos Ministros

do STF decorre, principalmente, da garantia da independência deste órgão, eis que os

255 Consoante a Constituição brasileira atual, podem ser nomeados Ministros do STF os cidadãos que preenchem as seguintes condições (art.101): ter mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada. 256 TAVARES FILHO, Newton. Democratização do processo de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. 2006. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/publicacoes/estnottec/tema6/2006_469.pdf [Acesso em 21 de outubro de 2008]

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Ministros estariam livres de prestar contas àqueles que os nomearam, ou seguir- lhes as

orientações.

No entanto, apesar de sua longa tradição, este sistema não está livre de abusos por

diversos fatores. Primeiramente, o cumprimento dos requisitos constitucionais de notável

saber jurídico e reputação ilibada é uma das principais dificuldades enfrentadas na história

constitucional brasileira. 257 Em segundo lugar, a inércia do Senado quanto à aprovação dos

nomes torna protocolar o exame da indicação, uma vez que aprova de modo automático a

designação que lhe é submetida pelo Presidente. Em terceiro lugar, a influência dos laços de

amizade e compromisso entre os indicados e o Presidente da República ou a sua base

parlamentar não é estranha à nossa atual prática constitucional. Por fim, os magistrados tanto

do Supremo Tribunal Federal quanto dos demais Tribunais Superiores podem reingressar na

vida política após a sua aposentadoria como Ministros. 258

Com efeito, Tavares Filho ressalta que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva já teria

nomeado sete Ministros para o Supremo Tribunal Federal: três advogados (Carlos Ayres

Britto, Eros Grau e Carmem Lúcia), um juiz egresso da magistratura estadual (César Peluso),

um desembargador estadual (Ricardo Lewandowski), um membro do Ministério Público

Federal (Joaquim Barbosa), um Ministro aposentado do STJ (Menezes Direito). Essa

peculiaridade do governo Lula deu ensejo a acusações de “aparelhamento” e “partidarização”

do Tribunal, eis que suas escolhas podem redefinir a orientação ideológica do Supremo.

Por outro lado, tomando-se como parâmetro o modelo europeu de Tribunal

Constitucional, que se disseminou pela Europa a partir de 1920, o controle de

constitucionalidade é entregue exclusivamente a um tribunal situado fora da estrutura

judiciária.259 Assim, para a análise do modelo europeu, tomaremos como modelo os casos da

França e da Alemanha, sendo que na primeira o órgão de controle de constitucionalidade tem

caráter não-jurisdicional, enquanto que na segunda o Tribunal é composto por juízes, porém

indicados por diferentes órgãos institucionais.

A França, segundo Cappelletti, é o país que oferece o maior número de exemplos de

um controle político. Na Constituição francesa de 1958 é previsto um Conseil Constitutionnel

composto pelos ex-Presidentes da República e por outros nove membros. Destes, três são

nomeados pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assemblée Nationale, e três 257 A Constituição de 1891 não era específica quanto ao saber jurídico, tanto é que o Marechal Floriano Peixoto indicou o pediatra Eduardo Ribeiro e dois generais para o cargo de Ministro do STF. 258 TAVARES FILHO, Democratização do processo de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Op.Cit., 2006. 259 TAVARES FILHO, Democratização do processo de nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Op.Cit., 2006.

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pelo Presidente do Senát. Assim, é reconhecida por numerosos estudiosos franceses a

natureza não jurisdicional ou política da função exercida pelo Conseil Constitutionnel, a qual

se revela na escolha dos membros que dela fazem parte, nas diversas competências do próprio

órgão, mas especialmente pelo seu caráter necessário no controle das leis orgânicas, que se

desenvolve sem um recurso ou impugnação de parte.260

Na Alemanha, o sistema de controle de normas está concentrado no Tribunal

Constitucional Federal (BundesverfassungsgerichtI), cuja lei disciplinadora acabou por tornar

usual a denominação “controle abstrato de normas”. Nesse sentido, o Tribunal é constituído

por dois Senados, compostos por oito juízes cada, eleitos pelo Parlamento Federal

(Bundestag) e pelo Conselho Federal (Bundesrat). Os Senados encontram-se no mesmo plano

hierárquico, dispondo de Câmaras compostas por três juízes para a realização do exame

prévio sobre o cabimento de recursos constitucionais. 261

Nessa linha, os juízes do Bundesverfassungsgericht devem contar com pelo menos

quarenta anos e preencher os requisitos exigidos para a carreira de juiz, apesar de que na

Assembléia Constitucional foi contemplada a possibilidade de se proceder à nomeação de

não-juristas para a Corte Constitucional. Assim, três membros de cada Senado são escolhidos

dentre os juízes que integram outros Tribunais Federais. Os juízes eleitos pelo Conselho

Federal (Bundesrat) são escolhidos mediante eleição direta, na qual os votos de cada Estado

são dados de forma unitária; enquanto que para os juízes escolhidos pelo Parlamento Federal,

deve-se fazer uma eleição indireta por colégio composto de doze parlamentares e formado

segundo as regras da eleição proporcional. Os integrantes desse colégio são eleitos para uma

legislatura, não podendo ser destituídos, sendo que as decisões devem ser tomadas por

maioria qualificada de 2/3, o que torna imperioso um consenso dos dois grandes partidos.

Para Mendes, torna-se “inevitável, pois, que a composição do Tribunal reflita a

representatividade parlamentar dos partidos políticos.” 262 Ademais, a nomeação do juiz eleito

é da competência do Presidente da Republica, cujo ato tem significado meramente

declaratório.

Com base nisso, uma das alternativas de mudança na composição do STF que possa

oferecer uma participação democrática no processo se sua composição é transformá-lo em

corte constitucional pura e, portanto, fora do sistema judiciário e com competência exclusiva

260 CAPPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984. 261 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1999. 3 ed. 262 MENDES, Jurisdição Constitucional, Op. Cit., 1999, p. 5.

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para questões constitucionais.263 Contudo esta seria a solução mais radical para o nosso

sistema atual, sendo que outra seria forçar o Senado a ter uma participação mais ativa na

escolha dos Ministros do STF, através da fixação de quorum mais elevado para a confirmação

das indicações feitas pelo Presidente da República, em sessão aberta, sendo vedado o voto

secreto. Tavares Filho ressalta que o risco dessa mudança seria a possibilidade de paralisar o

processo e nomeação até que fosse atingido um consenso.

Apresentadas algumas das principais nuances do Supremo Tribunal Federal no que diz

respeito ao controle de constitucionalidade das leis, passaremos à análise de das decisões

proferidas nas Adins nº 1.354-8 e 1.351-3 sob os prismas de dois fenômenos – a

judicialização da política e a politização da justiça.

3.2. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA FRENTE À INTERVENÇÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL NA REGULAÇÃO DA DISPUTA PARTIDÁRIA

3.2.1. A decisão do Supremo Tribunal Federal nas Adins nº 1.354-8 e 1.351-3

Logo após a promulgação da Lei dos Partidos Políticos, o Partido Social Cristão –

PSC e, posteriormente, a Mesa da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia ingressaram

com ações diretas de inconstitucionalidade contra a eficácia dos artigos 12, 13 e 57 desta lei.

264

O Plenário da Adin nº 1.354-8 265, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa, em decisão

unânime, julgou o pedido de liminar, indeferindo-o, sob o argumento de que o funcionamento

parlamentar deve estar subordinado ao que regulamentar a lei, já que os limites estão impostos

263 Nesse sentido, Cappelletti reconhece que “até um judiciário inicialmente dedicado à proteção da liberdade dos cidadãos, pode terminar, malgrado seu, por se transformar em instrumento de tirania, se privado por longo tempo de legitimação democrática.” In: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 94. 264 CARVALHO, Cláusula de barreira e funcionamento parlamentar, Op. Cit., 2003. 265 Ao tempo do julgamento da Adin nº 1.354-8, em 1996, a composição do STF, bem como do Plenário era a seguinte, considerando-se a indicação presidencial e o ano da posse: Ministro Presidente José Paulo Sepúlveda Pertence (Presidente José Sarney, 1989), José Carlos Moreira Alves (Presidente Ernesto Geisel, 1975), José Néri da Silveira (Presidente João Figueiredo, 1981), Luiz Octavio Pires e Albuquerque Gallotti (Presidente João Figueiredo, 1984), Sydney Sanches (Presidente João Figueiredo, 1985), José Celso de Mello (Presidente José Sarney, 1989), Carlos Mário da Silva Velloso (Presidente Fernando Collor, 1990), Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (Presidente Fernando Collor, 1990), Ilmar Nascimento Galvão (Presidente Fernando Collor, 1991), João Francisco Rezek (Presidente Fernando Collor, 1992), Maurício Corrêa (Presidente Fernando Henrique, 1994).

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no art. 17 da Constituição Federal, e que não há afronta ao princípio da igualdade pelo art. 13

da Lei dos Partidos Políticos, conforme a ementa in verbis:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SUSPEIÇAÕ DE MINISTRO DA CORTE: DESCABIMENTO. PARTIDOS POLÍTICOS. LEI Nº 9.096, DE 19 DE SETEMBRO DE 1995. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 13 E DAS EXPRESSÕES A ELE REFERIDAS NO INCISO II DO ART. 41, NO CAPUT DOS ARTS. 48 E 49 E AINDA NO INCISO II DO ART. 57, TODOS DA LEI Nº 9.096/95. [...] 2. O artigo 13 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que exclui do funcionamento parlamentar o partido político que em cada eleição para a Câmara dos Deputados, não obtenha o apoio de no mínimo cinco por cento dos votos válidos distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles, não ofende o princípio consagrado no artigo 17, seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal. (grifado no original) 3. Os parâmetros traçados pelos dispositivos impugnados constituem-se em mecanismos de proteção para a própria convivência partidária, não podendo a abstração da igualdade chegar ao ponto do estabelecimento de verdadeira balbúrdia na realização democrática do processo eleitoral. (grifado no original) [...] 6. A norma contida no artigo 13 da Lei nº 9.096/95 não é atentatória ao princípio da igualdade; qualquer partido, grande ou pequeno, desde que habilitado perante a Justiça Eleitoral, pode participar da disputa eleitoral, em igualdade de condições, ressalvados o rateio dos recursos do fundo partidário e a utilização do horário gratuito de rádio e televisão – o chamado “direito de antena” -. Ressalvas essas que o comando constitucional inscrito no artigo 17, § 3º, também reserva à legislação ordinária a sua regulamentação. 7. Pedido de medida liminar indeferido.266

Pode-se observar que as insurgências contra a cláusula de barreira foram alijadas em

virtude do julgamento da liminar da Adin nº 1.354-8 que, por unanimidade, reconheceu a sua

constitucionalidade, sob o fundamento de que o art. 13 não viola o princípio da igualdade,

pois os partidos concorrem em igualdade de condições, ressalvada a participação no fundo

partidário e o “direito de antena” para aqueles partidos que não preencherem as condições do

dispositivo.

266 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos Políticos. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.354-8. Partido Social Cristão e Congresso Nacional. Relator: Ministro: Maurício Corrêa. 07 fev. 1996. Diário da Justiça de 25/05/2001.

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Por outro lado, o julgamento da Adin nº 1.351-3 267 conseguiu modificar o “quadro de

desigualdade”, entre os partidos políticos, provocado pela inserção da cláusula de barreira.

Proposta pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B e Partido Democrático Trabalhista –

PDT, dentre outros partidos, com a finalidade de declarar a inconstitucionalidade do art. 13 da

Lei nº 9.096/95, e dos seus reflexos contidos nos arts. 41, 48, 49, 56 e 57. Referida demanda

foi julgada em 7 de dezembro de 2006, ou seja, antes da legislatura que iniciaria em 2007.

Conforme a decisão unânime do tribunal pleno do Supremo Tribunal Federal, cujo Relator foi

o ministro Marco Aurélio, “a gradação de votos obtidos por partido político, afasta o

funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária

gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.” 268

Assim, restou o entendimento de que os efeitos decorrentes da aplicabilidade da

cláusula de barreira ensejam a desigualdade em relação à distribuição do fundo partidário e do

tempo disponível para propagandas partidárias, o que favoreceria o domínio de uma “elite” 269

partidária nas bancadas do Congresso Nacional em detrimento dos partidos menores. Estes

últimos, tendo em vista a falta de recursos e propaganda, ficariam condenados ao

esquecimento e à inanição, para o que chamaram a atenção o Ministro Relator Marco Aurélio

juntamente com os Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes no supracitado acórdão.

3.2.2. As diferentes interpretações dos princípios constitucionais que fundamentaram

as Adins nº. 1.351 e 1354

Tratando-se o tema fundamental de ambos os acórdãos da defesa das minorias à luz da

Constituição Federal de 1988, dois foram os princípios norteadores dos julgamentos nas

Adins nº 1.354 e 1.351: a igualdade partidária e o pluripartidarismo político. Desta forma, os

mesmos princípios fundamentaram tanto a declaração de constitucionalidade quando de

267 A composição do Plenário no julgamento da Adin nº. 1.351-3, em dezembro de 2006, considerando a indicação presidencial e o ano da posse, era a seguinte: Presidente Ministra Ellen Gracie (Presidente Fernando Henrique Cardoso, 2000), Sepúlveda Pertence (Presidente José Sarney, 1989), Celso de Mello (Presidente José Sarney, 1989), Marco Aurélio (Presidente Fernando Collor, 1990), Gilmar Mendes (Presidente Fernando Henrique Cardoso, 2002), Cezar Peluso (Presidente Lula, 2003), Carlos Britto (Presidente Lula, 2003), Eros Grau (Presidente Lula, 2004), Ricardo Lewandowski (Presidente Lula, 2006), Carmem Lúcia (Presidente Lula 2006). 268 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3. Partido Comunista do Brasil e Congresso Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário de Justiça 30.03.2007. p. 19. 269 Termo utilizado por Scott Mainwaring quando se refere aos partidos que buscam conquistar um maior número de votos (catch-all parties), atraindo os eleitores situados nos mais diversos espectros de preferências políticas. São, na verdade, partidos “descentralizados, indisciplinados e individualistas.” In: MAINWARING, Sistemas partidários, Op. Cit., 2001, p.34

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inconstitucionalidade, respectivamente. De tal modo, dentre outros aspectos, buscar-se-à

comparar as fundamentações de ambos os acórdãos em relação aos seguintes pontos: o

princípio da igualdade; o funcionamento parlamentar; o pluripartidarismo; a liberdade de

criação dos partidos.

Conforme já narrado, no julgamento da Adin nº. 1354-8, o Plenário do STF indeferiu,

por unanimidade, o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº

9.096/95. 270 O entendimento predominante foi de que o artigo 13 da Lei nº 9.096/95 se

tratava de um mecanismo de proteção para a própria convivência partidária, ao passo que a

abstração da igualdade, conforme asseverou em seu voto o Ministro Relator Maurício

Corrêa, estabeleceria uma “verdadeira balbúrdia na realização democrática do processo

eleitoral.” Desta forma, não se considerou a norma contida no artigo 13 como atentatória ao

princípio da igualdade, tendo em vista que “qualquer partido, grande ou pequeno, desde que

habilitado perante a Justiça Eleitoral pode participar da disputa eleitoral, em igualdade de

condições, ressalvados o rateio dos recursos do fundo partidário e a utilização do horário

gratuito de rádio e televisão.”

Em outras palavras, igualdade de condições foi interpretada, neste acórdão, como a

igual possibilidade de existência para todos os partidos, mas não diz respeito à igualdade de

condições na disputa política. Conforme argumentou em sua manifestação a Advocacia-Geral

da União, e foi também a tese adotada pelo Plenário do Supremo, o “caráter nacional”,

condição exigida no inciso I do artigo 17 da Constituição Federal, já é por si um óbice para a

criação de partidos, uma vez que partidos regionais não obteriam a habilitação, sendo,

portanto, a exigência do artigo 13 útil para a verificação periódica e automática do

cumprimento do dispositivo constitucional.

No que toca a exclusão do funcionamento parlamentar dos partidos que não atingirem

o percentual da cláusula de barreira, entendeu-se que os limites legais impostos estão

definidos no próprio artigo 17 da Constituição, e não no artigo 13 da referida Lei

infraconstitucional. Afirmou-se que a Constituição Federal de 1988 não indicou quando o

partido se torna nacional, ao contrário do que dispunham as normas constitucionais revogadas 271. Por não conceituar o partido de caráter nacional, ou definir o funcionamento parlamentar e

regulamentar o que é fundo partidário, teria deixado essas matérias para a legislação

270 No caso da cautelar, não é dispensada a votação em plenário, com a presença de no mínimo oito ministros, sendo que o quorum continua sendo de maioria absoluta, ou seja, o mesmo quorum exigido para a votação do mérito da ação. In: STRECK, Jurisdição Constitucional, Op. Cit., 2004. 271 Mais especificamente, conforme já citado, a Constituição de 1967, em seu artigo 149, VII, e a Emenda Constitucional de 1969 no artigo 152, inciso VII.

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infraconstitucional. Na verdade, o que assegura a Carta de 1988 é a autonomia para os

partidos definirem sua estrutura interna, organização e funcionamento, consoante o §1º do

artigo 17, e, portanto, o dispositivo impugnado não interferiria nessas matérias. O êxito do

partido na disputa eleitoral, refletido na preferência do eleitorado, é o que lhe atribuirá, ou

não, o caráter nacional.

Igualmente não haveria violação ao princípio do pluralismo político. O Ministro

Relator Maurício Corrêa, citando Fávila Ribeiro, entendeu que a essência do pluralismo é que

“os partidos sejam instituídos como germinações espontâneas das forças sociais, não bastando

para caracterizá- los a multiplicidade de partidos em funcionamento, não sendo meras

engrenagens reproduzindo satelitização autoritárias.” 272 A partir disso, o pluralismo

partidário é entendido não como o mero registro de partidos, mas como participação eficiente

no processo político. Portanto, a cláusula de barreira não teria a finalidade de restringir a

participação no processo eleitoral, mas de regulamentar o direito de funcionamento

parlamentar, o que teria sido feito dentro dos limites da razoabilidade.

Com efeito, o multipartidarismo teria sido realizado com excessivo liberalismo no

período pós-ditadura, o que teria desencadeado, segundo o Ministro Relator, uma

“democratização desenfreada, praticamente sem fronteiras, para a formação de partidos

políticos, descaracterizando teleologicamente as verdadeiras bases para a prática e a cultura

do autêntico pluripartidarismo.” Logo, a multifacetada composição dos partidos políticos não

estaria promovendo a “revitalização de segmentos representativos das diversas tendências de

espírito ideológico”, mas sim a repetição de programas já existentes. Observe-se que o

significado de partido político é uma das principais preocupações dos ministros ao julgarem

esta liminar, ou seja, o registro no TSE proporciona sim a autonomia, organização e

funcionamento partidário, os quais devem ser revistos e controlados pela lei

infraconstitucional em tela, por meio da cláusula de barreira, sob pena de os partidos políticos

nacionais transformarem-se em “partidos inorgânicos, vazios e fisiológicos.” No

entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira, citado no acórdão em tela:

a multiplicação de partidos minúsculos, esfarinhando a opinião pública, de modo algum fortalece a democracia. Na opinião da mais abalizada doutrina, o que convém para esta é a pluralidade de partidos, mas uma pluralidade que

272 RIBEIRO, Fávila apud CORRÊA, Mauricio. Voto. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos Políticos. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.354-8. Partido Social Cristão e Congresso Nacional. Relator: Ministro: Maurício Corrêa. 07 fev. 1996. Diário da Justiça de 25/05/2001, p. 210.

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compreenda alguns poucos partidos fortes, com profundas raízes, fiéis a programas nítidos e definidos. 273

Comparativamente ao Uruguai e à Argentina, observou-se que os partidos políticos

desses países ganharam consistência ao longo do processo democrático, ao contrário do Brasil

onde não perdurou qualquer tradição partidária, uma vez que interrompida pelo golpe de

1964. Logo, o objetivo da legislação infraconstitucional deve ser de propiciar substância

programática e ideológica aos partidos políticos brasileiros.

Em suma, o entendimento em sede de pedido liminar foi de que o artigo 13 não viola o

principio da igualdade, uma vez que o registro definitivo dos partidos políticos, perante o

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), coloca-os em igualdade de condições perante a lei.

Segundo o Relator, essa igualdade supõe a igualdade de fato, ou seja, um partido menor

jamais irá dispor do mesmo tempo de propaganda eleitoral gratuita que um partido maior,

uma vez que isso violaria o princípio da proporcionalidade. O pluripartidarismo partidário,

por sua vez, não estaria sendo violado, pois o conceito de partido político adotado é de

partidos que representem segmentos da sociedade com base ideológica, o que tem sido

impedido em face do excesso de liberalismo para a formação de partidos políticos.

Ao finalizar o seu voto, o Ministro Relator Maurício Corrêa afirmou que se poderia

pensar, num plano utópico, em igualdade dos direitos de todos os partidos políticos, sem

distinções entre grandes e pequenos. Porém, na atual realidade partidária do Brasil, isso

representaria o caos. Por conseguinte, diante do excessivo liberalismo do nosso ordenamento

para a formação de partidos, a cláusula de barreira “ganha conteúdo imperativo como forma

terapêutica e didática para se evitar uma tormenta para o cidadão ou um verdadeiro incômodo

para o eleitor, por ocasião da realização das eleições.” Por fim, afasta a invocação do ato

jurídico perfeito ou do direito adquirido, pois o registro do partido confere-lhe os direitos

previstos em lei, que podem ser alterados no que diz respeito ao regime desses mesmos

partidos, “não há direito adquirido a regime jurídico instituído por lei.”

No julgamento da ação principal, Adin nº. 1.351-3, onze anos depois, o entendimento

foi outro. A cláusula de barreira foi julgada inconstitucional, pois “em face da gradação de

votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz,

substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do

273 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves apud CORRÊA, Mauricio. Voto. In:BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos Políticos. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.354-8. Partido Social Cristão e Congresso Nacional. Relator: Ministro: Maurício Corrêa. 07 fev. 1996. Diário da Justiça de 25/05/2001, p. 211.

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Fundo Partidário.” O Ministro Relator Marco Aurélio entendeu que as condições impostas

pela lei infraconstitucional, para que o partido político alcance o funcionamento parlamentar,

restringem os direitos e liberdades fundamentais de grupos minoritários de participarem

plenamente da vida pública.

Desta forma, além do coeficiente eleitoral que, segundo o Ministro Relator, por si, já

afastaria o partido que não lograsse êxito nas urnas do contexto parlamentar, somar-se-iam a

isso os requisitos impostos pelo artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos. Essas condições

consubstanciam-se em: obtenção de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos

Deputados, considerada a votação em todo o território nacional, afastados os brancos e os

nulos; distribuição desse percentual mínimo, em pelo menos um terço dos Estados brasileiros;

conquista, em cada um dos nove Estados, da percentagem mínima de dois por cento.

Assim, o dispositivo da cláusula de barreira traria a desigual divisão entre “partidos de

primeira e segunda classes”, cisão que não se coaduna com o texto da Constituição, sendo que

o artigo 17 diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído. Não

obstante o argumento do Ministro Relator, ressalte-se que essa divisão já existia em razão do

próprio êxito dos partidos nas urnas, não tendo sido provocada pelo instituto da cláusula de

barreira.

No que toca a igualdade partidária, devido à suposta ênfase atribuída pela

Constituição Federal às minorias, esta seria violada pela cláusula de barreira. Contudo o

Ministro Marco Aurélio não explicita o que seriam essas minorias, ou seja, se estariam

enquadradas na terminologia qualquer grupo partidário que obtivesse registro no TSE, ou

partidos que representassem segmentos ideológicos da sociedade. Saliente-se que a proteção

de minorias pelo texto constitucional é resultado da interpretação de um princípio inerente ao

Estado Democrático de Direito, pois não consta de forma expressa no texto constitucional, a

não ser no artigo 89 incisos IV e V, que se refere à participação no Conselho da República

dos líderes da maioria e minoria da Câmara e do Senado. Igualmente, o princípio do

pluralismo político é observado de forma abstrata, com fundamento na ênfase dada pela

Constituição Federal às minorias.

Ainda, é apontada a necessidade de razoabilidade, tendo em vista a impropriedade da

existência de partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar

cabível, o que resultaria no esvaziamento da atuação das minorias. Com efeito, o deputado

Aldo Rebelo (PCdoB – SP) presidia à época a Câmara dos Deputados, sendo uma

incoerência, segundo o Ministro Relator, a perda de seu mandato ante a incidência do artigo

13 na legislatura de 2007. Deste modo, ou o deputado migraria para outro partido, ou teria que

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desistir de concorrer à reeleição. Ainda, sob o ângulo da razoabilidade não seria aceitável que

somente sete partidos dividissem os 99% do que viesse a ser arrecadado pelo Fundo

Partidário, e os vinte e nove partidos registrados no TSE, incluídos esses sete, dividissem um

por cento.

O Ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para o fato de que, diversamente do

modelo adotado no sistema alemão, “a fórmula adotada pela legislação brasileira restringe o

funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição do representante”.

Deste modo, não há repercussão direta sobre mandatos dos representantes por agremiação

partidária que não satisfaça a cláusula de barreira. No entanto, o cerne de seu voto é o que diz

respeito ao princípio da proporcionalidade e o princípio de igualdade de chances.

A aplicação do princípio da proporcionalidade é observado pela falta de espaço

deixado para a atuação partidária pelo legislador brasileiro, sendo que além da cláusula de

desempenho, os partidos políticos teriam também que transpor o obstáculo dos quocientes

eleitoral e partidário. Em relação ao princípio de igualdade de chances, segue a linha de

Herman Heller e Carl Schimitt, cuja formulação inicial teria sido na República de Weimar, e

que consiste no dever de assegurar “a todas as agremiações e partidos igual possibilidade

jurídica de lutar pela prevalência de suas idéias e interesses.” Nesse sentido, Carl Schmitt, na

obra Legimidad y Legalidad, critica a matemática das maiorias, em razão de sua indiferença

quanto ao conteúdo do resultado:

Pero aunque este procedimiento neutral e indiferente en cuanto al contenido se lleve a sus últimas consecuencias, llegando al absurdo de uma mayoría fijada simplemente por via matemática y estadística, no obstante tiene que presuponerse siempre um principio de justicia material, si no quiere ver desmoronarse em el mismo momento todo el sistema de la legalidadad: tal principio es el de la “igualdad de chance” para alcanzar esa mayoría, abierta a todas las opiniones, a todas las tendencias y todos los movimientos concebibles. 274 (grifo do autor)

Interessante ainda observar que o Ministro Sepúlveda Pertence, o qual teve argüida a

sua suspeição, em sede da Adin nº. 1.354 275, para que fosse impedido de participar da sessão

de julgamento da ação, como também de despachar o pedido, em razão de “ter se manifestado

reiteradamente e em várias oportunidades, contra a existência dos pequenos partidos”,

acompanhou o voto do Ministro Relator Marco Aurélio no julgamento da Adin 1.351.

Sustentou que, levado à reflexão nos últimos anos, “não havia, ao tempo do julgamento da

274 SCHIMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. Madrid, Espanha: Aguilar, 1971. p. 43-44. 275 O entendimento do STF foi no sentido de que não pode o Ministro dar-se por impedido ou suspeito em sede de ação direta de inconstitucionalidade.

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liminar, sequer rastro de periculum in mora, dada a longa vacatio legis a que se submeteu a

eficácia desta cláusula de barreira ou cláusula de desempenho.” 276 (grifado no original)

Sumariamente, no julgamento da Adin nº 1.351-3, demonstrou-se o entendimento de

que a cláusula de barreira seria o “corredor da morte das minorias políticas”, conforme

afirmou o Ministro Eros Grau, citando Marcelo Cerqueira, uma vez que sua eficácia violaria

princípios constitutivos do Estado Democrático de Direito como a igualdade e o pluralismo

político. Ou seja, partiu-se de uma perspectiva ideológica e pouco pragmática, pois, ao

fundamentar a decisão na proteção de minorias (partidárias), deixou de estabelecer um

vínculo com as circunstâncias históricas e políticas da institucionalidade brasileira.

3.2.3. A judicialização da política e o constitucionalismo democrático no Brasil

No capítulo anterior, foram analisados os conceitos de democracia predominantes no

século XX, a saber a democracia das elites de Schumpeter, que avalia a democracia como

método político ou arranjo institucional para a tomada de decisões políticas, isto é, a

democracia não se caracteriza pelo seu conteúdo, mas sim pelo tipo de ação exercida pelos

governantes e se ela está ou não e acordo com a vontade popular; a democracia pluralista de

Dahl que apresenta a democracia como fim a ser atingido através da poliarquia, isto é, a

formação de pequenos grupos na sociedade para a tomada de decisões; e, por fim, a

democracia procedimentalista de Bobbio, demonstrando-a por um conceito mínimo, qual seja

um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com

quais procedimentos.277 Observe-se que os modelos apresentados avaliam a democracia sob o

prisma procedimental, ou seja, como método de distribuição do poder político que, ao mesmo

tempo, traga os princípios de liberdade e igualdade como seus valores últimos.

No entanto, a notável expansão do poder judicial em várias democracias ocidentais, a

partir da segunda metade do século XX, enseja que a discussão sobre a democracia seja feita

também através da ótica político-jurídica que, segundo Bolzan de Morais, coloca a

democracia como uma referência constitucional fundamental. 278 Deste modo, a inclusão dos

276 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Partidos Políticos. Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.354-8. Partido Social Cristão e Congresso Nacional. Relator: Ministro: Maurício Corrêa. 07 fev. 1996. Diário da Justiça de 25/05/2001. 277 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004, p. 30. 278 BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Crise do Estado, Constituição e Democracia Política: a “realização” da ordem constitucional! E o povo... In: COPETTI, André; STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica: programa de pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 91–111.

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tribunais no cenário político, através do controle normativo sobre os demais poderes,

propiciou uma nova arquitetura institucional, que viabilizou a participação do Poder

Judiciário nos processos decisórios.279 Por outro lado, retomando o que analisamos no item

anterior, a ampliação do controle normativo do Judiciário tem sido alvo de muitas críticas e

discussões, principalmente pela polêmica que gera em torno dos princípios de separação de

poderes e da neutralidade política do Poder Judiciário, o que implicaria a desvinculação do

espaço público das clássicas instituições político-representativas. 280

Este fenômeno ficou conhecido como “judicialização da política”, apesar da fluidez de

seu aspecto conceitual, tendo em vista a multiplicação dos usos e sentidos desta expressão.

Para Oliveira, esse fenômeno só ocorreria ao julgamento do mérito da ação, isto é, quando o

Poder Judiciário interfere na política, o que concretamente ocorreu no julgamento da Adin nº.

1.351. 281

Nesse sentido, Carvalho sintetiza as duas formas de abordagem da judicialização da

política da seguinte maneira: a) normativa, a qual trata da supremacia da Constituição sobre

as decisões parlamentares majoritárias. Esse debate avalia os dilemas da evolução do

constitucionalismo sobre a democracia. Entre os que são a favor da judicialização estão

Dworkin e Cappelletti, e os que são a favor desde que expressos certos limites estão

Habermas e Ely Garapon; b) analítica, que se preocupa com a análise do ambiente político e

institucional, a fim de definir, medir e avaliar o processo de judicialização da política. 282

Em razão deste método de abordagem tratar da intervenção do Poder Judiciário na

regulação da disputa política, que também pode ser compreendida como judicialização do

processo político, apresentaremos, num primeiro momento, a abordagem analítica do

processo de judicialização, a fim de analisar se no Brasil existem as condições políticas para a

realização deste fenômeno, principalmente no que toca à regulação da disputa político

partidária.

Num segundo momento, partindo da premissa de que a decisão na Adin nº 1.351 foi

contramajoritária, isto é, formalmente buscou assegurar a existência de minorias no plano

político, por meio da jurisdição constitucional, revistaremos o debate entre democracia

279 CARVALHO, Em busca da judicialização da política no Brasil, Op. Cit., 2004, p. 115. 280 CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes. In: WERNECK VIANNA, Luiz (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. 281 OLIVEIRA, Vanessa Elias de. Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política? DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 3, 2005. Pp. 559 a 587 . Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v48n3/a04v48n3.pdf [Capturado em 13 de julho de 2008] 282 CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 23, nov. 2004, p. 115-126.

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constitucional e democracia majoritária, tendo sob análise as teorias de Ronald Dworkin e Jeremy

Waldron.

3.2.4. Abordagem analítica do processo de judicialização da política no Brasil

Alguns fatores propiciaram o surgimento deste fenômeno que se tornou tão

característico das democracias contemporâneas, e que pode ser entendida, segundo Castro,

como uma expansão do escopo das questões sobre as quais os tribunais judiciais devem

formar juízos jurisprudenciais.283 Dentre os fatores que favoreceram o seu aparecimento

estão: a queda do comunismo no Leste europeu e o fim da União Soviética; o colapso do

socialismo real e o crescimento do capitalismo e suas instituições; a hegemonia dos Estado

Unidos; a evolução da jurisprudência constitucional; as guerras mundiais; os direitos

humanos; o neoliberalismo; entre outros.284

Além disso, seguindo o fio condutor de Tate, Carvalho avalia que o surgimento da

judicialização implica a existência de certas condições políticas, a saber: democracia,

separação de poderes, direitos políticos, uso dos tribunais por grupos de interesse, o uso dos

tribunais pela oposição e a inefetividade das instituições majoritárias. Deste modo, a

democracia é condição necessária, mas não suficiente, uma vez que um governo autoritário é

incompatível com a expansão judicial, conforme pode ser analisado na própria história do

Supremo Tribunal Federal. 285 A separação dos poderes propicia uma limitação e controle

maiores dos atos do Poder Executivo pelo Judiciário. A constitucionalização dos direitos

políticos pode significar um ponto forte contra a “supremacia da maioria”, porém não é

condição suficiente. Ainda, o uso dos tribunais pelos grupos de interesse deve-se ao fato de

que a judicialização da política é um processo que se alimenta da pressão de interesses

econômicos e sociais. Assim, esses grupos utilizam a possibilidade de veto do tribunal na

realização de seus objetivos. Carvalho ressalta que, até junho de 2003, das 2.813 ADINs

impetradas, um total de 740 (26,31%) foram por entidades de classe ou confederações

sindicais.

283 CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política.Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm [Acesso em 21 de outubro de 2008] 284 CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 23, nov. 2004, p. 115-126. 285 Sobre o tema, vide artigo de PAIXÃO, Cristiano; BARBOSA, Leonardo de Andrade. A memória do direito na ditadura militar: a cláusula de exclusão da apreciação judicial observada como um paradoxo. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Vol. 1, n. 6, 2008, p. 57-78.

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Os partidos políticos por sua vez, até junho de 2003, ocupavam o terceiro lugar no rol

dos impetrantes de ADINs (20,97%), só ficando atrás das confederações sindicais ou

entidades de classe, e governadores de Estado. Werneck Vianna constatou que, de 1988 até

1998, 74% das ADINs impetradas foram oriundas dos partidos de oposição.286 Diante disso,

para Carvalho, o uso dos tribunais pela oposição ocorre como uma alternativa para barrar as

alterações trazidas pela maioria, ou seja, esses partidos utilizam-se dos tribunais para

inviabilizar as alterações em curso. Igualmente, Araújo e Magalhães observam que o notável

desenvolvimento do controle de constitucionalidade em países como a França e Alemanha

decorre da exploração dos tribunais constitucionais desses países por atores políticos para fins

político-partidários, com o objetivo de ganharem aquilo que normalmente perderiam através

de processos legislativos normais.287

Nessa linha, a inefetividade das instituições majoritárias diz respeito à incapacidade

dessas instituições em darem provimento às demandas sociais, que acabam encontrando

dificuldade para serem efetivadas quando agregam alto custo ou não envolvam interesse

suficiente. Para Castro, “a judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados

a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos,

insuficientes ou insatisfatórios.” 288 Por outro lado, em momentos de grave crise, como a

ocorrida no Brasil no final dos anos 80 e início da década de 90, o STF optou pela não-

interferência, fenômeno este que foi denominado por Antonio Araújo, segundo Carvalho,

como “prudencialismo”, isto é, adotou uma posição de cautela nos momentos iniciais da

transição democrática, deixando que o regime democrático se consolidasse.

Desta forma, constata-se que quase todas as condições estão presentes no caso

brasileiro. Com efeito, a posição privilegiada que assumiu a jurisdição constitucional,

redefinindo o significado cultural e de determinação do papel institucional do judiciário, a

partir da Constituição de 1988, demonstra claramente a presença dessas condições no cenário

político-jurídico brasileiro. Por outro lado, Souza e Lamounier chamam a atenção para a

liberdade dos juízes em paralisar políticas públicas, bem como a sua atuação crescente na

arena política como uns dos males do fenômeno da “judicialização”:

286 WERNECK VIANNA, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, Op. Cit., 1999. 287 ARAÚJO, A.; MAGALHÃES, P.C. A justiça constitucional: uma instituição contra as maiorias? Análise Social – Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, Vol. XXXV (154-155), 2000, pp. 207/247. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218810451D6gVF8jb0Dg12PO1.pdf [Acesso em 6 de novembro de 2008] 288 CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm [Acesso em 21 de outubro de 2008]

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A liberdade de que desfrutam os juízes, até os de primeira instância, para tomar decisões diferentes em casos similares e o poder a eles concedido para paralisar políticas públicas vêm estimulando a sociedade a buscar no Judiciário a solução de seus conflitos sociais e políticos. O resultado tem sido os males gêmeos conhecidos no debate público como a "judicialização da política" e a "politização do Judiciário", males esses que sobrecarregam os tribunais e comprometem sua capacidade de ser imparciais. Em adição a isso, o alcance da verificação de constitucionalidade é tal que os tribunais são inevitavelmente dragados para a arena política. O Judiciário pode deliberar sobre a constitucionalidade não apenas de leis ordinárias aprovadas pelo Legislativo ou das medidas provisórias editadas pelo Executivo, mas até de emendas constitucionais, dado o seu poder de questionar qualquer um desses instrumentos em relação quer ao mérito quer ao método de deliberação pelo qual as decisões foram tomadas. 289

Desse modo, a expansão do Poder Judiciário para a arena política, especificamente no

caso da Adin nº 1.351, trouxe conseqüências diretas para o sistema político representativo e

partidário, porquanto diz respeito à intervenção do Judiciário no processo de reforma política

e, ainda, na determinação do modo operacional do sistema partidário. Retomando a lição de

Tavares, apresentada na primeira parte deste trabalho de pesquisa, o sistema eleitoral e

partidário são elementos que compõe o sistema real de governo, de tal modo que a sua

funcionalidade dependerá da interação estratégica entre esse elementos juntamente com a

cultura política e o ambiente sócio-político sobre os quais opera. 290

Em razão disso, não se trata do fenômeno de jud icialização da política procedente das

incertezas trazidas pelo Estado Social, conforme apresentado por Werneck Vianna. Segundo o

autor, a lei, originária do Poder Legislativo, precisaria ter seu significado completado pelo

Poder Judiciário quando provocado pelas instituições e pela sociedade civil em decorrência

das incertezas e efemeridades que acompanhavam o Estado Social, transformando o seu papel

em “legislador implícito”. 291 Já em relação ao caso em tela, os partidos de oposição, ou

minoritários, utilizaram-se da litigância constitucional como uma arma contramajoritária, com

o objetivo de barrar as alterações trazidas pela maioria.

Deste modo, a judicialização do processo político envolve aspectos institucionais que

se remetem diretamente à governabilidade do Estado, isto é, a sua “capacidade de efetivar a

política definida pelo Governo.” 292 No entanto, a apreciação desse aspecto nas decisões

proferidas pelo Supremo não é tema pacífico, uma vez que poderia se tornar uma ameaça à

supremacia da lei fundamental, conforme a avaliação do Ministro Marco Aurélio, questão que 289 SOUZA, O futuro da democracia: cenários político-institucionais até 2022, Op. Cit, 2006. 290 TAVARES, Reforma política e retrocesso democrático, Op. Cit., 1998. 291 WERNECK VIANNA, A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, Op. Cit., 1999, p.21. 292 FERREIRA FILHO, Constituição e governabilidade, Op. Cit., 1995.

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analisaremos de maneira mais detalhada posteriormente. Contudo, a polêmica em torno da

regra da maioria, a qual trata-se de uma das regras fundamentais quanto ao método de

decisão da democracia293, e que foi “violada” especificamente no caso da Adin nº 1.351,

impõe a necessidade de situarmos esse debate para o leitor sobre o prisma da democracia

majoritária e constitucional.

3.2.5. Democracia majoritária ou ditadura da maioria?

O caso da Adin nº 1.351, um reflexo empírico da expansão do Poder Judiciário para a

arena política, coloca em dúvida se a regra da maioria prevalece como método de decisão

democrático fundamental, conforme apontou Bobbio: “a regra fundamental da democracia é a

regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas as

decisões aprovadas pela maioria daqueles a quem compete tomar a decisão.” 294

Nesse sentido, Jeremy Waldron é um dos maiores defensores contemporâneos da

premissa majoritária. Assim, busca demonstrar na sua obra, A Dignidade da Legislação, uma

teoria filosófica da legislação, com a finalidade de desenvolver concepções adequadas de

autoridade e interpretação legislativa. Em outras palavras, explica que além de ser um método

eficaz de decisão, é também um processo respeitoso, eis que respeita e considera a realidade e

as diferenças de opinião.

Para tanto, seu ponto de partida são as parcas referências presentes nas obras de

Hobbes e Locke sobre a decisão majoritária. Critica a subteorização contemporânea deste

princípio, já que o método cotidiano de decisão em que a minoria aquiesce à vontade da

maioria foi encontrado, pela primeira vez, na democracia grega. E, apesar do desaparecimento

da democracia direta, “o princípio majoritário prevaleceu em quase todos os contextos em que

são tomadas decisões por corpos compostos por mais de dois ou três indivíduos que se

consideram iguais.” 295

Mesmo assim, não vincula a democracia ao princípio majoritário, já que, por si, o

princípio nada implica quanto ao sufrágio. Explica que os juízes na Suprema Corte dos EUA

também o utilizam quando discordam quanto a derrubar ou não um dispositivo da legislação.

293 BOBBIO, O futuro da democracia,Op. Cit., 2004. 294 BOBBIO, O futuro da democracia, Op. Cit., 2004. p. 31. 295 WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 152.

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Porém, para Waldron, existem fatos preocupantes quanto à determinação da legislação

que acabam ensejando a legitimidade das cartas de direito e da revisão judicial e, desta forma,

afrontam a dignidade da legislação como fonte legítima de decisão. Primeiramente, ressalta a

maneira com que leis têm sido promulgadas via decretos, ou seja, sem obedecer ao modo

específico para a respectiva decretação que é a câmara legislativa e a decisão majoritária. Em

segundo lugar, o avanço e o recuo de facções parlamentares na luta pela superioridade

numérica têm permitido a inconstância e a incoerência na promulgação das leis.296

Igualmente, Hobbes na obra De Cive trata sobre essa inconstância na produção de leis

quando dependem da votação de uma maioria:

Quando o poder legislativo encontra-se em assembléias como estas, as leis serão necessariamente inconstantes, mudando não conforme a alteração das circunstâncias, e tampouco conforme as transformações das mentes dos homens; mas sim conforme a maior parte, ora desta, ora daquela facção, o entender. Desta maneira, as leis flutuarão então cá e lá, como se estivessem sobre as águas. 297

Desta forma, para Waldron, o deslocamento da legislatura para o tribunal é apenas

uma questão de mudança de grupos constituintes, já que os métodos de decisão majoritária

também são utilizados nos tribunais. “Se votar produz resultados arbitrários sob o princípio da

decisão majoritária, então, boa parte do direito constitucional norte-americano é arbitrário.” 298

É o que se pode observar no julgamento da Adin nº 1.354-8 e nº 1.351-3 que julgaram

pela constitucionalidade, na ação cautelar, e incons titucionalidade do mesmo dispositivo no

julgamento da ação principal, respectivamente, em períodos não muito afastados e sob a égide

da mesma Constituição Federal. Embora ambas as decisões tenham sido unânimes, aquilo que

foi vencido numa sessão, tornou-se o posicionamento preponderante em outra.

Desta forma, a arbitrariedade que é atribuída ao consentimento majoritário é o que

Jeremy Waldron tenta combater nesta obra. Assim, utiliza-se, inicialmente, para explicar a

física do consentimento majoritário, da concepção da física e da ciência natural feita por John

Locke, na segunda etapa do contrato social:

Quando qualquer número de homens, pelo consentimento de cada indivíduo, constituiu uma comunidade, tornou, por isso mesmo, essa comunidade um corpo, com o poder de agir como um corpo, o que se dá tão-só pela vontade e

296 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003. 297 HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Cap. X. São Paulo: Martin Claret, 2006. p.148. 298 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 156.

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resolução da maioria. Pois o que leva qualquer comunidade a agir sendo somente o consentimento dos indivíduos que a formam, e sendo necessário ao que é um corpo para mover-se em um sentido, que se mova para o lado para o qual o leva a força maior, que é o consentimento da maioria, se assim não fosse, seria impossível que agisse ou continuasse a ser um corpo, uma comunidade, que a aquiescência de todos os indivíduos que se juntaram nela concordou em que fosse; dessa sorte todos ficam obrigados pelo acordo estabelecido pela maioria. 299 (grifei)

Observa-se que, para Locke, na natureza um corpo move-se de acordo com a maior

força, enquanto que na política, de maneira similar, um corpo também se move por força da

maioria. Essa expectativa de que o corpo irá mover-se de acordo com a maioria, pressupõe

três coisas, segundo a visão de Locke. Primeiro, que o corpo não irá se desintegrar ou se

romper. Segundo, que se alguns dos elementos do corpo estão se esforçando em uma direção

e outros elementos estão se esforçando em outra, o corpo irá mover-se para a direção que

representa a tendência do maior número de partes. Terceiro, pressupõe-se que a influência das

partes sobre o movimento do todo é igual. 300

Na política, esses três pressupostos têm um significado potencial. Em primeiro lugar,

mesmo que a maioria seja mais forte, o seu poder político só será eficaz na medida em que se

mantenha coeso. Waldron faz referência ao poder militar que, utilizado para frustrar qualquer

tentativa de secessão, poderia ser muito maior do que o representado por uma maioria política

simples. Segundo, o modelo resultante do movimento da tendência do maior número de partes

apresenta uma descrição melhor do resultado de um conflito político. Por último, a suposição

da igualdade reflete apenas as formalidades da política e, portanto, “ignora a intensidade com

a qual os indivíduos e as facções se esforçam para impor seu desejo e também ignora os

recursos políticos desiguais à sua disposição.” 301

Segundo Waldron, quando Locke usa a linguagem da força e do movimento não

pretende que isso seja utilizado de maneira fisicalista. Na verdade, deixa claro que a física que

tem em mente é a física do consentimento individual, não da força ou do poder individual.

Por outro lado, para Thomas Hobbes, “se o representante for constituído por muitos

homens, a voz do maior número deverá ser considerada como a voz de todos eles.” 302 De

acordo com Waldron, Hobbes propõe uma interpretação fisicalista do princípio majoritário.

Sendo assim, oferece a imagem de uma decisão política como um combate corporal, do qual o

299 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo (Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro). In: Locke (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1978. 2 ed. Cap. VIII, 96, p. 71. 300 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003. 301 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 161. 302 HOBBES, Thomas. O Leviatã (Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva). In: Hobbes (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1979. 2 ed. Cap. XVI, p.98.

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vencedor será aquele que conseguir manter-se de pé, ao final. Porém, a lógica desta

interpretação se dissolve quando os combatentes do lado menos numeroso forem mais

habilidosos ou mais fortes do que a parte contrária.

Desta forma, Waldron aponta que essa interpretação fisicalista do princípio majoritário

descrita por Hobbes só funciona se o corpo conseguir manter-se coeso. Porém, essa coesão, na

política, só é estabelecida através da conduta dos membros dos corpos em questão; não é

dada, como na ciência natural. Em outras palavras, a coesão não se dá por um fator numérico,

mas qualitativo.

Por esta razão, a versão fisicalista do princípio majoritário precisa ser complementada

por um argumento baseado na força em favor dessa coesão. “Perguntamos sobre a decisão

majoritária porque estamos interessados no respeito que deve ser conferido aos estatutos com

base na sua proveniência das decisões coletivas de uma assembléia representativa.” 303 Ou

seja, a descrição com base na força indicará como a minoria será obrigada e não como ela

deve ser obrigada.

Observa-se, portanto, que a teoria de Waldron a favor da premissa majoritária está

fundamentada principalmente no respeito à legislação, desmistificando a força do movimento

do corpo como resultado da força dessa maioria, mas sim como resultado do respeito e

consideração do corpo por esse movimento. “O consentimento não traz consigo a força física;

traz antes a força moral no que diz respeito aos fins para os quais se exige o consentimento.” 304

Nesse sentido, o autor chama a atenção para o aspecto de que o argumento de Locke

em favor da premissa majoritária encontra-se na seqüência imediata do contrato social, pois

este exige unanimidade no que diz respeito aos que são obrigados por ele. Assim, na primeira

etapa do contrato social de Locke, “a física do consentimento individual é um veto como

trunfo” 305, ou seja, aqueles que votam ainda têm o poder de veto no estabelecimento de

instituições legisladoras, pois decidem individualmente. Já na segunda etapa do contrato

social, a decisão é tomada como um ato da comunidade; as pessoas devem fazer o julgamento

de como as autoridades legislativas devem ser estabelecidas, e não se devem ser estabelecidas.

Assim, para Waldron, espera-se que o consentimento funcione não como uma força

motriz, mas como força de autorização e legitimação. Logo, não entra em questão a soma dos

consentimentos, mas a prevalência da última expressão.

303 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 164. 304 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 166. 305 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 166.

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Isso nos coloca diante da preocupação de que a legislação parece arbitrária quando

apresentada como resultado da decisão majoritária. O autor apresenta a dificuldade de se

encontrar uma solução para as decisões legislativas que não seja a autoridade dos números.

Segundo ele:

Quando estamos decidindo uma questão para a qual precisamos de uma decisão comum e há opiniões individuais díspares, a decisão majoritária pode parecer um procedimento político antes respeitável que arbitrário.306

Nesse sentido, para Habermas, aqueles que não toleram o positivismo legal devem

discutir as razões nas quais se apóiam a pretensão de legitimidade das leis criadas por maioria

parlamentar. Sustenta que Kant, ao extrair do próprio processo de legislação democrática o

ponto de vista da imparcialidade, tomou a universalidade como pedra de toque para a forma

jurídica de cada lei pública. Porém, acabou contribuindo para que surgissem e se

confundissem dois significados diversos da universalidade da lei: o semântico, da lei geral

abstrata; e o procedimental, que caracteriza a lei como expressão da vontade da maioria

reunida.307

Assim, essa confusão entre os dois significados de universalidade da lei contribuíram

para conseqüências desagradáveis quando do ressurgimento da discussão sobre a democracia,

nos anos 20, na Alemanha. Primeiro, era preciso mostrar como “na formação da vontade do

legislador, os discursos morais de fundamentação e os discursos políticos que giram em torno

de objetivos dependem sempre de um controle através de normas jurídicas.” 308 Em segundo

lugar, era preciso esclarecer como um acordo obtido argumentativamente se diferencia de

compromissos de negociação, e como o ponto de vista moral interfere nas condições de

equidade que orientam tais compromissos. E, por último, o mais importante:

era preciso reconstruir o processo de institucionalização da imparcialidade da formação da vontade legisladora, começando pela regra da maioria e passando pelas regras da agenda parlamentar, até chegar ao direito de escolha e de formação da opinião, isto é, da seleção e distribuição dos temas e contribuições na esfera pública política.Esta análise teria que orientar-se por um modelo capaz de representar os pressupostos comunicacionais necessários para a formação discursiva da vontade e para o balanceamento equitativo de interesses em seu conjunto. 309 (grifei)

306 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 183. 307 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade (trad. Flávio Beno Siebeneichler). Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1997. Vol. II. 308 HABERMAS, Direito e democracia, Op. Cit., 1997, p. 244. 309 HABERMAS, Direito e democracia, Op. Cit., 1997, p. 245.

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105

Por outro lado, Waldron critica o modelo deliberativo, apontando que a sua ênfase na

conversação e na unanimidade como valores processuais-chaves para alcançar um consenso

racionalmente motivado não é a mesma coisa que o consenso como resultado político

adequado. Para os teóricos da democracia deliberativa, deve haver algo errado na deliberação

se for necessária a contagem de votos. Sendo assim, “a autoridade da legislação consistirá na

sua proveniência legislativa, não nas suas credenciais majoritárias.” 310

Deste modo, o autor distingue justificativa e legitimidade, pois perguntar se uma

decisão é justificada significa perguntar se é, em seu mérito, a decisão correta. Porém,

perguntar se uma decisão é legítima significa perguntar se ela foi tomada de acordo com os

procedimentos, segundo os quais ela deve ser tomada. 311 Para ele, essa distinção é necessária

no contexto democrático, no sentido de ser uma maneira de distinguir as razões que os

eleitores têm para votar, e as razões que os servidores públicos (officials) têm para

implementar uma decisão depois que os votos foram contados.

Nesse sentido, de acordo com o princípio majoritário, a cláusula de barreira pode ser

vista não apenas como uma regra procedimental, mas como uma conquista legislativa que,

portanto, “reivindica autoridade e respeito como direito nas circunstâncias da política,

inclusive na circunstância da discordância quanto a ser um passo na direção certa.” 312

Logo, por se tratar de uma conquista legislativa, respeita as discordâncias que podem

haver entre os cidadãos quanto ao que deve ser feito pelo corpo político, o que é, na verdade,

uma das circunstâncias da política. Ou seja, o potencial para a discordância, quanto a qual

deve ser a decisão comum, é tão importante quanto a própria política, já que esta nasce em

decorrência da necessidade de existir uma decisão comum. 313

Desta forma, a discordância pode ser considerada um fundamento da autoridade e

dignidade da legislação, tendo em vista a dificuldade que existe para se obter uma ação

concertada e, portanto, que respeite as diferentes opiniões. Detém-se à realidade da

dificuldade que é encontrar uma maneira de escolher uma única política, da qual todos os

membros do corpo político possam participar apesar de suas discordâncias quanto ao mérito.

Sob esse prisma, o fato da vigência da cláusula de barreira ter sido o resultado de uma

aprovação no Congresso Nacional e da sanção pelo Presidente da República, não seria isto

suficiente para provê-la de autoridade e legitimidade para prevalecer como regra do Sistema

310 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 186. 311 WALDRON, Jeremy. Liberal rights: Rights and majorities: Rousseau revisited (Chapter 16). United States of America: Cambridge University Press, 1997. 312 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 189. 313 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003.

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Eleitoral? Porém, ao contrário disso, os pequenos partidos que ficaram prejudicados pelo

reduzido acesso ao fundo partidário, ou melhor, que discordaram da referida cláusula,

interpuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade frente ao Supremo Tribunal Federal que

julgou pela inconstitucionalidade dos dispositivos que violassem o princípio da igualdade

entre os partidos políticos. Em outras palavras, as minorias não respeitaram o “movimento do

corpo” (representação parlamentar) como o resultado do consentimento da maioria dentro de

um espaço que estaria aberto para a divergência de opiniões.

Retomando que todas as decisões, segundo o princípio majoritário, são tomadas apesar

do fato de haver discordância, o método majoritário, para Waldron, atribui um peso igual para

as opiniões de cada um, tornando cada opinião minimamente decisiva. Desta forma, segundo

esse princípio, o fato de ter sido proposta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o

instituto da cláusula de barreira já não respeita a necessidade de haver uma decisão comum

que respeita e considera as diferenças de opinião.

Em resumo, conforme a teoria da física do consentimento desenvolvida por Jeremy

Waldron, a dignidade da legislação está muito mais relacionada com o tipo de conquista que é

do que com a contagem numérica. Ela respeita o processo decisório acima do resultado

substantivo deste processo, o qual poderá “privilegiar uma opinião controvertida sobre o que

o respeito acarreta”, sendo, portanto, a decisão majoritária “o único processo decisório

compatível com o igual respeito nesse sentido necessariamente empobrecido” 314 No entanto,

um contraponto à premissa majoritária é a democracia constituc ional defendida por Ronald

Dworkin, o qual rejeita o ideal de democracia vinculado à vontade da maioria, conforme

analisaremos no item a seguir.

3.2.6. A democracia constitucional

A noção de jurisdição constitucional se engendra como um mecanismo de contenção

das maiorias, de modo que se a democracia for compreendida como prevalência da regra da

maioria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em que

tira das maiorias a prerrogativa de decidir determinadas matérias.315 Esta questão vem sendo

314 WALDRON, A dignidade da legislação, Op. Cit, 2003, p. 197. 315 STRECK, Lênio. Verdade e Consenso : Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007. 2 ed. rev. amp.

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abordada por autores como Ronald Dworkin, para quem a democracia constitucional tem a

função de colocar limites à eventuais maiorias que possam violar direitos fundamentais.

Assim, contrariamente a uma democracia majoritária, a proposta de Ronald Dworkin

baseia-se num outro modo de ler e de executar uma constituição política: a leitura moral. A

razão principal para esse método de interpretação é o fato de que a maioria das constituições

contemporâneas apresentam os direitos individuais perante o sistema de governo numa

linguagem ampla e abstrata e, portanto, enseja a necessidade de que o sistema de governo, que

incorpora tais princípios, decida quem terá a autoridade suprema para compreendê- los e

interpretá- los 316. No caso dos Estados Unidos, esta autoridade pertence aos juízes e, em

última instância, aos juízes da Suprema Corte.

Tal prerrogativa enseja muitas críticas à revisão judicial, no caso dos Estados Unidos,

sob a alegação de que entrega aos juízes o poder absoluto de impor as suas convicções à

população, sendo este ponto o objeto de refutação de Dworkin no decorrer da obra O direito

da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana 317. Segundo o autor, há um

descompasso entre a reputação da leitura moral e a sua aplicabilidade prática, pois parece

ainda constranger a soberania moral do povo ao entregar nas mãos de uma elite profissional o

poder de decidir as grandes questões que definem a moralidade política. Já que, muitas vezes,

para um juiz garantir a Constituição significa dizer à maioria da população o contrário do que

ela quer.

Assim, o entusiasmo pela leitura moral pode parecer elitista, antipopulista e

antidemocrático. Idéia que, para Dworkin, baseia-se num ideal de democracia vinculado à

vontade da maioria, pressuposto que o autor rejeita, tendo em vista que considera a leitura

moral indispensável para a democracia.

Em que pese a teoria de Dworkin ser voltada para uma teoria de direitos fundamentais,

antes, ele parte do pressuposto de que a interpretação constitucional deve ser coerente com a

história institucional da comunidade, bem como com a integridade constitucional, segundo a

qual os juízes não podem dizer que a Constituição expressa as suas convicções pessoais. Pois

bem, ao julgar a inconstitucionalidade da cláusula de barreira, o STF entendeu que ela violaria

os princípios de igualdade e pluralismo partidário, o que demonstra a aplicação do princípio

316 O autor avalia que nas últimas décadas muitos dos direitos que a Suprema Corte dos Estados Unidos identificou como constitucionais não estão enumerados pela Constituição como, por exemplo, o direito ao aborto. 317 DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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contramajoritário para uma suposta defesa de minorias partidárias. Eis o que enfatizou o

Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto:

a cláusula de barreira, tal como posta, atinge profundamente a garantia essencial, inerente a uma democracia representativa, que é a garantia de que as minorias encontrem efetiva expressão no plano político, sob pena de instaurar-se uma ditadura da maioria, sobretudo quando se estabelece, como no caso, restrições draconianas, irrazoáveis, desproporcionais para o acesso ao fundo partidário e ao tempo no rádio e na televisão. (grifei) 318

Não obstante o princípio do pluralismo político se tratar de um princípio fundamental

da Constituição Federal (art. 1º, V da CF/88), a sua aplicabilidade requer uma interpretação

que considere as circunstâncias políticas existentes no sistema partidário, tendo em vista a

intervenção na relação institucional entre sistema de governo e sistema partidário provocada

pela decisão do Supremo.

De tal modo, o próprio Dworkin diferencia duas classes de decisões políticas: as que

envolvem questões sensíveis à escolha, e as que envolvem questões insensíveis à escolha. As

questões sensíveis à escolha seriam aquelas que dependem do caráter e da distribuição de

preferências dentro da comunidade política, enquanto que as questões insensíveis à escolha

não dependem, de maneira substancial, do número de pessoas que aprovam ou não

determinada medida, como, por exemplo, a discriminação racial. Não obstante haver

discordância quanto àquilo que pode ser sensível ou insensível à escolha, o autor trata como

característica limítrofe aquilo que é tratado como questão de política e como questão de

princípio. Logo, as questões de política são sensíveis à escolha, enquanto que as questões de

princípio não são. 319

Nessa mesma linha, na obra Uma questão de princípio, o autor afirma que o debate

sobre a política judicial está fundamentado em dois tipos de argumentos políticos importantes:

os argumentos de princípio político, que recorrem aos direitos políticos de cidadãos

individuais, e os argumentos de procedimento político, que “exigem que uma decisão

particular promova alguma concepção de bem-estar geral ou de interesse público.” 320 De tal

modo, os juízes devem embasar seus julgamentos de casos controvertidos em argumentos de

princípio político e não de procedimento político.

Dessa forma, Dworkin reconhece que metas executivas do processo político, tais como

eficiência do governo e estabilidade política poderiam estar ameaçadas pelo controle de 318 Acórdão proferido na Adin nº 1.351-3, p. 97. Disponível em: www. stf.gov.br 319 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 320 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 6.

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constitucionalidade ou revisão judicial. No caso dos Estados Unidos, o autor ressalta que, pela

forma como foi institucionalizada, a revisão judicial não transgride nenhuma meta da

democracia, já que não obstrui a simetria do voto, e também não expressa qualquer

desconsideração por qualquer grupo da comunidade (no caso do Brasil, a falta de

embasamento histórico e cultura democrática oferece poucos recursos a este argumento). No

entanto, ressalta que o constitucionalismo só é um aperfeiçoamento da democracia apenas se

sua jurisdição estiver limitada a questões de princípios insensíveis à escolha, o que significa

que questões pertinentes à eficiência do governo e à estabilidade política não devem ser

objetos de revisão judicial.

Tendo em vista que no sistema norte-americano não existe controle abstrato de

constitucionalidade, portanto, somente serão objetos de revisão judicial casos concretos

individuais ou coletivos (class actions), tem-se que no Brasil, com o sistema misto de controle

de constitucionalidade, não há critérios quanto ao que deve ou não ser objeto de controle

judicial (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Não obstante a decisão de inconstitucionalidade da cláusula de barreira ter sido objeto

de decisão do Supremo especificamente no que tange a representação das minorias

partidárias, enaltecendo o princípio da igualdade partidária, não há como afastar os

argumentos de procedimento político, sob pena de enfraquecimento principalmente do Poder

Legislativo e, conseqüentemente, da democracia. Assim, faz-se necessário a análise da

referida decisão sob o prisma da governabilidade, a fim de esclarecer se metas executivas, tais

como eficiência de governo e estabilidade política, seriam atingidas pela decisão proferida

pelo Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo em que, por ele, teriam sido relegadas.

3.2.7. A decisão da Adin nº. 1.351-3 e a questão da governabilidade

A necessidade de se indagar não pela melhor constituição, mas por aquela que seria

exeqüível foi trazida por Aristóteles ao ensinar sobre a escolha da melhor constituição para

determinada comunidade. Segundo ele, “a maior parte dos estudiosos que se manifestam

sobre constituições, (...) fa lham completamente quanto à sua utilidade prática.” 321 De tal

modo, esse tema tem sido enfatizado na maioria das democracias constitucionais

contemporâneas, confrontadas pela necessidade de uma operação estável e democrática do

processo político. Segundo Santos, Huntington foi um dos precursores do debate da 321 ARISTÓTELES. Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, 3ª ed.1289a.

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“governabilidade” nas discussões contemporâneas, a partir do final dos anos 60. Para ele,

contudo, a crise de governabilidade deve-se ao excesso de participação e sobrecarga de

demandas, razão pela qual defende o reforço das instituições e da autoridade governamental.

Assim, sua ênfase é colocada na ordem, e não na democracia, pelo que defende o predomínio

do Executivo no processo decisório, bem como a obstaculização da participação social a fim

de garant ir a eficácia e a racionalidade das políticas públicas. 322

Essa tensão entre eficiência e democracia tornou-se ainda mais intensa a partir da

segunda metade do século XX. A mudança do sentido de constitucionalismo viria com a

promulgação de constituições assentadas no princípio da positivação dos direitos

fundamentais – privilegiadamente as Constituições mexicana de 1917 e de Weimar de 1919 –

que deram um reconhecimento constitucional à chamada questão social. 323

Bolzan de Morais e Espíndola identificam esse processo de institucionalização da

questão social com a “transição das proibições para as prestações, das punições para os

prêmios, das regras para os princípios”, que resultou na impossibilidade de realização das

promessas constitucionais. 324 Esse efeito do Estado Social é analisado por Bolzan de Morais

a partir de uma teoria das crises. 325 Dentre elas, o autor identifica a crise funcional com a

perda de exclusividade das funções dos órgãos institucionais no tocante à realização de suas

atribuições específicas, bem como da complexidade da sociedade contemporânea em face da

alteração na sua correlação com as funções classicamente atribuídas aos poderes públicos. 326

Diante disso, retoma-se a mudança no perfil clássico das funções estatais que foi produzida

pela fragilização do Estado frente à perda concorrencial de sua capacidade de decidir diante

de outros setores como o privado, nacional, local, internacional, etc.

No Brasil, a tensão entre democracia e eficiência pode ser apontada pelas perspectivas

que caracterizaram a Assembléia Nacional Constituinte (ANC) de 1987 e as discussões da

Revisão Constitucional de 1993-94. No caso da ANC, o problema tem caráter “clássico” e

“constitucional”, isto é, o objetivo principal era restaurar a democracia e inaugurar uma nova

322 SANTOS, Maria Helena de Castro. Governabilidade, Governança e Democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. Dados , Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300003&lng=&nrm=iso>. [Acesso em: 02 2008] 323 BOLZAN DE MORAIS, José Luis; ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. O Estado e seus limites: reflexões em torno dos 20 anos da Constituição Brasileira de 1988. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Vol. 1, n. 6, 2008, p. 207-38.. 324 BOLZAN DE MORAIS; ESPINDOLA, O Estado e seus limites, Op. Cit., 2008, p. 216. 325 BOLZAN DE MORAIS, COPETTI, WULFING, Juliana, et al. A jurisprudencialização da Constituição, Op. Cit., 2002. Nesse sentido ver também MORAIS, J. L. Bolzan de . Revisitando o Estado! Da Crise Conceitual à Crise Institucional (Constitucional). Anuário do Programa de Pós Graduação Em Direito da Unisinos, São Leopoldo, p. 69-104, 2000. 326 BOLZAN DE MORAIS, A jurisprudencialização da Constituição, Op. Cit., 2002.

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tradição de constitucionalismo, em razão do que foi ignorada a relação

Constituição/governabilidade. 327 Enquanto que na Revisão Constitucional de 1993, os

debates buscavam dar uma resposta aos problemas que emergiram naque le período e

alteraram o panorama mundial, sendo a sua meta principal o aprimoramento da máquina

estatal e a questão da eficiência.328

Nesse sentido, Faucher define governabilidade como “o grau em que os detentores do

poder conseguem tomar decisões, obter a concordância de todos os atores envolvidos (ou

torná- las impositivas) e implementá- las por meio de procedimentos estabelecidos.” 329 A

“fluidez” do sistema partidário é apontada por Faucher como uma das características da

democracia brasileira que compromete a governabilidade. Para o autor são três os principais

fatores dessa “fluidez”: aparecimento e desaparecimento de partidos segundo as ambições de

membros da elite política; alteração das legendas com o único propósito de ser tornarem

instrumento para canalização de apoio de uma determinada clientela para um candidato

específico; o interesse por recursos chega ao ponto em que partidos da oposição se

“transformam” em membros da coalizão governamental. Desta forma, essas práticas políticas

acabam por agravar a instabilidade institucional e também se reproduzem no decorrer do

tempo. 330

Do mesmo modo, Reis aponta a questão da autenticidade da representação dos

partidos políticos, ou seja, a identidade daquilo que eles realmente representam. Para o autor,

o sistema representativo proporcional não se justifica na medida em que votos são destinados

a partidos sem consistência real. Isso leva à indagação da própria concepção de partido

político, uma vez que podem ser distinguidas duas funções a serem cumpridas por estes,

transpondo para o sistema partidário a tensão entre os valores de representatividade

democrática e eficiência.

A primeira função seria a vocalização de interesses supostamente existentes e a sua

apresentação na arena política, o que significa a identidade dos partidos por referência à base

social que representam. Já a segunda diz respeito à necessidade de agregação de interesses

inicialmente fragmentados para, assim, dar- lhes viabilidade no processo eleitoral e condições

para se fazerem participantes das decisões governamentais, de modo que a identidade 327 FERREIRA FILHO, Constituição e governabilidade, Op. Cit., 1995. 328 REIS, Engenharia e decantação. Op. Cit.,2003. 329 FAUCHER, Philippe. Restaurando a Governabilidade: O Brasil (afinal) se Acertou?. Dados , Rio de Janeiro, v. 41, n. 1, 1998 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581998000100001&lng=&nrm=iso>. [Acesso em 29 de outubro de 2008]. 330 FAUCHER, Philippe. Restaurando a Governabilidade: O Brasil (afinal) se Acertou?. Dados , Rio de Janeiro, v. 41, n. 1, 1998 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581998000100001&lng=&nrm=iso>. [Acesso em 29 de outubro de 2008].

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partidária é diluída em proveito de imperativos eleitorais e de “eventual eficiência

governamental.” 331 Não obstante no Brasil predominar o mito de que para os partidos

políticos serem autênticos faz-se necessário serem também ideológicos, uma reorientação

pragmática é observada na trajetória do PT, principal partido de esquerda brasileiro, na

medida em que tenta conciliar princípios ideológicos com imperativos de eficiência tanto no

plano eleitoral quanto no exercício do governo.

No entanto, a falta de lucidez sobre as reformas políticas no país, principalmente no

que tange questões mais gerais tais como o debate entre presidencialismo versus

parlamentarismo, a representação proporcional ou majoritária e a reforma partidária, tem

resultado num enfrentamento bastante rígido entre os partidários de diferentes aspectos do

problema. 332 Podem ser observadas duas dimensões distintas: os adeptos da “engenharia

política”, confiantes na eficácia de uma ação legal deliberada; e os adeptos a uma perspectiva

“burkeana” 333, isto é, contrários aos “artificialismos” dos meios legais. Para estes o problema

principal é construir um aparelhamento institucional capaz de garantir o equilíbrio entre as

perspectivas de eficiência e democracia, definidas por Reis da seguinte forma:

A eficiência supõe fins dados ou não problemáticos, levando à indagação sobe como dispor de maneira apropriada os meios para alcançá-los. Já a democracia se distingue precisamente por problemas ou fins: quais os fins a serem buscados, quem os define, como compatibilizar ou hierarquizar fins diversos e eventualmente antagônicos propostos por diferentes atores? 334 (grifo do autor)

Deste modo, a questão que se coloca na decisão proferida na Adin nº. 1.351-3 é a

tensão entre eficiência e democracia no plano partidário. Por um lado, a defesa das minorias

como um valor democrático e constitucional a ser respeitado e, por outro, a questão da

eficiência e fortalecimento do sistema partidário brasileiro. Porém, o tratamento da questão da

governabilidade nas decisões do Supremo não é tema pacífico na Corte.

Como presidente do STF, no período de 2004 a 2006, Nelson Jobim enfatizou que a

governabilidade deveria representar um valor a ser considerado nas decisões dos ministros do

Supremo. Em seu discurso de posse no Tribunal Superior Eleitoral, em 2001, Nelson Jobim,

331 REIS, Engenharia e decantação, Op. Cit., 2003, p. 23. 332 REIS, Engenharia e decantação, Op. Cit., 2003. 333 Edmund Burke defendia a posição de que as constituições não poderiam ser feitas ou produzidas, uma vez que só pode surgir graças à experiência acumulada durante séculos. Nesse sentido, a sua crítica ao legalismo exacerbado e sua defesa à tradição como fundamento do texto constitucional. In: BURKE, E. Reflexões sobre a revolução na França. In: WEFFORT, Francisco (org). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2005. Vol. 2, 10 ed. 334 REIS, Engenharia e decantação, Op. Cit., 2003, p. 17.

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declara abertamente a importância da discussão do processo eleitoral como fator principal da

governabilidade do país:

É, exatamente, o esboroamento de um sistema de representação em que o partido é, nada mais, nada menos, do que o salvo-conduto de passagem ao processo eleitoral. Isso é tema de extraordinária relevância. A governabilidade e possibilidade de compromissos nacionais dele dependem.”335

Desse modo, para o atual Ministro da Defesa, a efetividade da democracia é

assegurada com a preservação da governabilidade nos âmbitos político e econômico. 336 Em

contraposição, o Ministro do STF, Marco Aurélio, e também Relator da Adin nº 1.351,

defende que a governabilidade não pode se sobrepor à lei fundamental, de modo que esta está

no ápice da pirâmide dos valores nacionais. 337

Deste modo, tal posicionamento traz incertezas quanto à necessidade e também

conveniência das decisões do Supremo em questões complexas que dizem respeito ao

processo político e estabilidade institucional, tratando-as como questão de princípio, como é o

caso da reforma partidária. Retomando a lição de Sartori, o objetivo da Constituição deve ser

de “assegurar o exercício do poder sob controle”, de modo que o fato de as constituições

modernas assegurarem a carta de direitos não significa que estariam incompletas se não

tivessem o feito. 338

Além disso, as divergentes decisões do Supremo nas Adins nº 1.354 e 1.351, em que

se julgou a constitucionalidade e a inconstituciona lidade da cláusula de barreira,

respectivamente, remete à outra questão: o grau de influência de circunstância s políticas

externas nas decisões do Supremo. Com efeito, ambas as decisões foram coerentes com

interesses governamentais ad hoc, isto é, relativas a necessidades políticas para se manter

coesa a base de sustentação do governo em momentos determinados, conforme passaremos a

analisar.

335 JOBIM, Nelson. Discurso de posse como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet: http://www.direitopublico.com.br [Acesso em 29 de outubro de 2008] 336FREITAS, Newton. O STF e a governabilidade democrática. Disponível em: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=254 [Acesso em 28 de outubro de 2008] 337 Marco Aurélio desanca Jobim. Minuto Político, 5 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://minutopolitico.blogspot.com/2006/02/marco-aurlio-desanca-jobim.html [Acesso em 29 de outubro de 2008] 338 SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996, p. 214.

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3.3. A POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA E AS INFLUÊNCIAS EXTERNAS SOBRE A

DECISÃO DO STF NAS ADINS Nº 1.354 E 1.351

Alguns autores, assim como Oliveira, entendem a politização da justiça como o fato

do Judiciário ser acionado para intervir no processo político. No entanto, a abordagem que

aqui se pretende não se restringe ao requerimento da tutela jurisdicional, mas volta-se ao

estudo dos fatores políticos que passam a influenciar a forma como o Tribunal decide.

Sabendo-se que a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da cláusula de

barreira (art. 13 da Lei nº 9.096/95), pela Adin nº 1.351-3, foi exatamente o oposto do

julgamento proferido na Adin nº 1.354-8, tendo sido realizada através da interpretação da

mesma lei e da mesma Constituição, faz-se necessário o exame das questões políticas que

estavam nos bastidores do julgamento de ambos os acórdãos. Deve-se lembrar que o Ministro

Relator Marco Aurélio na Adin nº 1.351-3, havia acompanhado o voto do então Ministro

Relator Maurício Corrêa no julgamento da Adin nº 1.354-8, no sentido de declarar a

constitucionalidade da cláusula de barreira. Diante disso, indaga-se: os argumentos utilizados

para a declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira, que antes fora declarada

constitucional, têm conotação constitucional ou política?

Além disso, a decisão do STF em manter o poder de barganha dos pequenos partidos

para a aprovação de projetos governamentais não torna desnecessária a formação de uma

maioria na Câmara dos Deputados, apesar do obstáculo que é o sistema eleitoral de lista

aberta. Com efeito, tem-se buscado, no Congresso Nacional, outros meios para o

restabelecimento da cláusula de barreira, com a finalidade de corrigir as distorções que foram

mantidas pela decisão do STF na Adin nº. 1.351.

Nesse sentido, foi aprovada, em 27 de fevereiro de 2007, pela Comissão de

Constituição e Justiça do Senado Federal, a proposta de mudança na Constituição que restaura

a cláusula de barreira da seguinte forma: passa a ser permitida a distinção entre partidos

pequenos e grandes, sendo que “grandes partidos” seriam considerados aqueles que

recebessem, no mínimo, 5% dos votos para a Câmara em pelo menos nove estados. Assim, os

partidos pequenos não poderiam participar de comissões do Congresso e também não

poderiam ser indicados para cargos de lideranças na Câmara e no Senado.

Desta forma, a decisão do STF será analisada nesta seção não mais sob o prisma de

sua atuação como “guardião da Constituição” - o que impõe certa neutralidade no julgamento

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proferido pela Corte -, mas a partir da perspectiva de sua suscetibilidade a pressões externas.

Nesse sentido, Plauto Faraco de Azevedo aponta que:

(...) a tentativa de influenciar o rumo das decisões judiciais é sensível nos tribunais superiores, nos quais os juízes são nomeados pelo chefe do Poder Executivo, com a ratificação do Senado Federal. As decisões dos tribunais superiores praticamente sempre importam à condução da política do Executivo, sendo muito humano sentir-se o magistrado grato a quem o nomeia, o que pode fazê-lo inclinar-se em favor da política que aquele deseja imprimir. 339

Como metodologia, foram analisadas reportagens publicadas nos principais jornais do

país a partir do ano de 2002, a fim de avaliar o interesse governamental quanto à

concretização da reforma política para, desta forma, verificarmos a provável relação das

decisões do STF, nas Adins nº 1.354 e 1.351, com o contexto político existente.

3.3.1. A reforma política a partir da promulgação da Lei dos Partidos Políticos

Ao assumir o governo em 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso não

encaminhou o projeto de reforma política ao Congresso Naciona l. Deixou para apadrinhar

mudanças como a cláusula de barreira quando já não teria mais tempo nem poder para se

impor aos grupos interessados no continuísmo,340 o debate sobre a reforma política seria

adiado para o governo Lula, a partir do que ocorreu nas eleições de 2002, com a eleição de

Enéas Carneiro, do Partido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), para deputado

federal.

O chamado “efeito Enéas”, como ficou conhecida a eleição de Enéas Carneiro para

deputado federal com mais de um milhão e meio de votos, acabou sendo uma das causas da

retomada do já esquecido debate sobre a reforma política. A obtenção dos votos de Enéas

resultou na eleição de outros cinco deputados da legenda, sendo que um deles obteve o apoio

de apenas 274 correligionários, o que pode ser considerado número inferior ao necessário para

eleger um síndico de condomínio ou presidente de clube social. Enquanto que candidatos de

outras legendas, que tiveram milhares de votos conquistados, foram derrotados em razão do

339 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Da politicidade do Poder Judiciário. Notícia do Direito Brasileiro. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, nº 10. p. 57. 340 O ESTADO DE SÃO PAULO. Ouvindo as preces dos fariseus. 16 de julho de 2003. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008]

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quociente eleitoral. 341 Para Ricardo Mendes, do Jornal de Brasília, “foi preciso Enéas se

tornar o deputado mais votado do mais rico e populoso estado brasileiro para líderes políticos

tradicionais e editoriais na imprensa descobrirem que há algo errado na forma como são

escolhidos os deputados.” 342 Em outras palavras, o que aconteceu nas eleições de 2002

evidenciou a aberração do modelo atual e a necessidade de uma reforma política, porquanto a

vitória de Enéas elegeu deputados que obtiveram menos de quatrocentos votos no estado mais

populoso do Brasil.

A partir disso, o que se observou foi um esforço do governo para impedir que as

bancadas do Prona e do Partido Verde (PV) perdessem funções no novo Congresso.

Primeiramente, porque o Prona elegeu Enéas Carneiro e mais cinco deputados nas eleições de

2002 e, em segundo lugar, o comando do PT teria prometido a José Sarney Filho (PV-MA) a

liderança do PV caso abandonasse o PFL. Assim como o Prona, o PV obteve mais de 1% dos

votos na última eleição, mas não conseguiu eleger um deputado em cinco diferentes estados,

ou seja, não teria alcançado a cláusula de barreira atinente à regra de transição prevista no art.

57 da Lei nº. 9.096/95 e, portanto, não poderiam ter representação parlamentar, ocupar cargos

em comissões permanentes e ter lideranças próprias. 343

Contudo, para resolver este impasse, foi negociada uma “flexibilização” da referida

regra transitória entre o então presidente da Câmara dos Deputados, deputado João Paulo

Cunha (PT-SP), e o presidente do Senado Federal, o senador José Sarney (PMDB-AP). O

objetivo da base governista era assegurar voz ativa ao grupo dos partidos nanicos que,

juntamente com o Prona e o PV era composto pelo PSD, PST, PSDC, PSL e PMN. 344

Saliente-se que a mesma norma de transição foi desobedecida durante a gestão dos ex-

presidentes da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS).

A necessidade de reforma política, porém, acabou caindo no esquecimento. Em

convocação extraordinária do Congresso Nacional, em julho de 2003, o governo nem mesmo

incluiu na pauta de 52 itens qualquer dos projetos referentes à reforma política, uma vez que o

“objetivo principal” seria trabalhar as reformas tributária e da Previdência nas duas comissões

341 O GLOBO. Efeito Enéas. 10 de outubro de 2002. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 19 de setembro de 2008] 342 JORNAL DE BRASÍLIA. O lado bom do efeito Enéas. 11 de outubro de 2002. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 17 de setembro de 2008] 343 Nas eleições de 2002, apenas sete partidos atingiram os 5% da cláusula de barreira : PT, PSDB, PFL, PMDB, PP, PSB e PDT. A proposta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados foi para amenizar para 2%, com a eleição de um deputado em pelo menos cinco estados, o que teria resultado no alcance de onze legendas. In: JORNAL DO BRASIL. Reforma política caminha em passos lentos. 23 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 344 JORNAL DE BRASÍLIA. Planalto dá sobrevida aos partidos nanicos. 5 de fevereiro de 2003. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 17 de setembro de 2008]

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especiais da Câmara. O presidente Lula foi acusado pelo relator da reforma política na

comissão especial da Câmara, deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), de ter cedido às pressões

de políticos do PL ligados à Igreja Universal. 345 Para confirmar a tentativa de protelar ainda

mais o assunto, o governo atuou para retirar assinaturas do requerimento que pretendia incluir

essa reforma na pauta de convocação.

Outro sinal do descaso dos petistas com a reforma política, o qual pôde ser entendido

até mesmo como um interesse encenado, foi a criação de uma comissão especial na Câmara

para tratar do assunto. Na verdade, se houvesse real interesse no tema teria sido mais simples

pedir urgência aos projetos já aprovados no Senado e que instituíam: a fidelidade partidária

pelo prazo de filiação; a proibição das coligações nas eleições proporcionais; a eleição dos

candidatos pelo sistema de lista; a criação da federação dos partidos; e o financiamento

público das campanhas. Não havia um acordo entre os partidos sobre as mudanças que

deveriam ser feitas. O partido petista, por exemplo, só apoiava a fidelidade partidária e o

financiamento público das campanhas, em razão da influência dos partidos que haviam se

coligado com Lula desde o primeiro turno, o PL e o PCdoB. Contrários ao fim das coligações

nas eleições proporcionais, esses partidos também se esforçavam para reduzir de 5% para 2%

a cláusula de barreira.346

Em 2004 também não houve grandes avanços. Contrários ao projeto de reforma

política, os partidos PTB, PL e PP ameaçaram obstruir a análise de dezessete medidas

provisórias que estavam na fila de votação do plenário, caso o presidente da Câmara, João

Paulo Cunha, levasse a proposta a plenário naquele ano. Desautorizado, também pelos efeitos

do caso Waldomiro Diniz 347, o presidente aceitou retirar a reforma de pauta do plenário. A

ameaça dos partidos da base aliada consistia também em três exigências: mudanças nas regras

de financiamento público de campanha e de listas fechadas, e retirada da urgência do projeto

de reforma política. 348

345 VALOR ECONÔMICO. Convocação exclui reforma política. 2 de julho de 2003. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008]. Sobre a atuação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), ligada ao PL, como base de sustentação ao governo Lula ver: ORO, Ari Pedro. A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, v. 18, n. 53, 2003 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092003000300004&lng=en&nrm=iso [Acesso em: 21 Sep 2008] 346 O GLOBO. Reforma esquecida. 27 de julho de 2003. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 347 Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência e assessor próximo do ministro José Dirceu, foi acusado de envolvimento com o jogo do bicho para financiar campanhas eleitorais do PT e da então governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus, em fevereiro de 2004. 348 CORREIO BRAZILIENSE. A reforma fica para depois. 10 de março de 2004. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008]

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No ano de 2005, chega-se a um consenso entre os presidentes da Câmara e do Senado,

Severino Cavalcanti (PP-PE) e Renan Calheiros (PMDB-AL), respectivamente, com os

líderes dos partidos da oposição e da bancada de apoio ao governo. A tendência era votar

reforma política “em fatias”, a começar pela aprovação da fidelidade partidária e do

financiamento público de campanha. A cláusula de barreira continuou não sendo prioridade

do projeto, apesar de já instituída por lei, e jamais ter sido respeitada a sua regra de transição

até as eleições de 2006. 349 Diante disso, fica evidenciado que a idéia de votar o projeto de

reforma política em etapas é em razão da falta de interesse político em mudanças, salvo

alterações que pudessem oferecer alguma conveniência eleitoral ou fisiológica.

Interessante observar que há uma tentativa de adaptação dos partidos menores à

cláusula de barreira e não uma tentativa de eliminá- la. Ou seja, partidos como o PCdoB, PDT,

PV, PSB, os quais não atingiram a barreira de cinco por cento, tentam diminuir o percentual

para dois por cento, por meio de pedido de interpretação do regimento pela Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ), que propôs amenizar a cláusula de barreira para 2% com a

eleição de um deputado em pelo menos cinco estados. Porém, esta alteração é vista como

inoportuna por alguns cientistas políticos e também por grandes partidos como o PFL e o

PSDB. Segundo a opinião do cientista político José Matias Pereira:

A intenção de alterar a cláusula de barreira, conforme manifestada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, reduzindo-a de 5% para 2% é preocupante. Entendemos que, caso a cláusula de barreira venha a ser reduzida, iria representar um retrocesso no sistema eleitoral brasileiro. A referida cláusula, caso venha a ser modificada, deveria ser para tornar-se mais rígida, e dessa forma funcionar, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos, como uma cláusula de bloqueio.350

Contudo foi preciso outro escândalo para ser retomado o debate sobre a reforma

eleitoral no ano de 2005, episódio que ficou conhecido como “mensalão” 351. Diante deste

acontecimento, o governo e o então presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PC

do B – SP) sentiram-se na obrigação de reverem suas posições em relação à Proposta de 349 JORNAL DO BRASIL. Reforma política caminha em passos lentos. 23 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 350 VALOR ECONÔMICO. A cláusula de barreira e a modernização eleitoral. 19 de agosto de 2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 351 Este termo foi pronunciado pela primeira vez pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), quando em entrevista à Folha de São Paulo, referindo-se a um suposto esquema de pagamentos mensais a deputados do PP e do PL, no valor de R$ 30 mil, com o objetivo de garantir a fidelidade e coesão destes partidos à bancada governista. Não foram apresentadas provas materiais sobre o fato, mas Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária do empresário Marcos Valério, informou sobre a circulação de malas de dinheiro na agência de publicidade onde trabalhava, além do freqüente contato de Valério com parlamentares de Brasília, bem como com o tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

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Emenda Constitucional (PEC) nº 446, proposta pelo deputado Ney Lopes, a qual prorrogava o

prazo de alteração da lei eleitoral que regeria a campanha de 2006 para 31 de dezembro de

2005. 352 O resultado foi que os deputados aprovaram, por unanimidade, em comissão

especial, a referida PEC, uma vez que os projetos de reforma política não seriam aprovados

até 30 setembro de 2005, isto é, um ano antes das eleições de 2006, conforme o disposto no

artigo 16 da Constituição Federal. 353

Finalmente, em 7 de dezembro de 2006, o Supremo Tribunal Federal derruba a cláusula

de barreira por unanimidade. Em seu voto, o ministro relator Marco Aurélio observou que os

partidos do presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B), e do vice-presidente, José Alencar

(PRB), não conseguiram atingir a cláusula de barreira. Pela interpretação do STF, só os

partidos PMDB, PT, PFL, PSDB, PSB, PP e PDT conseguiram cumprir os quesitos da

cláusula de barreira, sendo que os outros 22 partidos seriam alijados da disputa parlamentar.

As críticas à decisão foram contundentes.

O então presidente nacional do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), afirmou que o

STF manteve normas que levam a distorções e à corrupção, ferindo frontalmente a vontade do

Congresso Nacional: “quando o Poder Legislativo toma uma decisão amadurecida como essa

e o Supremo desfaz, não é bom para a convivência entre os Poderes. É péssimo para o

país.”354 Cabe salientar que, desde 1995, os partidos menores buscavam outros meios para não

“morrerem por inanição” conforme afirmou o ministro Sepúlveda Pertence no acórdão da

Adin nº. 1.531. Aqueles partidos que já não haviam deixado de existir, acabaram fundindo-se

com outras legendas.

Alguns críticos reconheceram que a principal falha da instituição da cláusula de barreira

no Brasil, foi a tentativa de copiar esta exigência de países que a adotam conjuntamente com o

sistema de listas fechadas, assim como a Alemanha, Espanha e Portugal. No Brasil, como é

adotado o sistema proporcional de lista aberta, se legislador estabelecesse a perda de

mandatos dos partidos que não cumprem o requisito, estaria punindo o próprio eleitor, que

votou em nomes, e não em partidos. 355

Por outro lado, Luiz Werneck Vianna, em entrevista para o jornal O Globo, avaliou que

a decisão do STF demonstrou a força política do Poder Judiciário e a incapacidade do Poder 352 O GLOBO. Contra o casuísmo. 3 de outubro de 2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 353 VALOR ECONÔMICO. Comissão aceita prorrogar lei eleitoral. 24 de novembro de 2005. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 354 FOLHA DE SÃO PAULO.‘É um choque do ponto de vista da moralidade.’ 8 de dezembro de 2006. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008]. 355 O GLOBO. Sons furiosos. 8 de dezembro de 2006. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008]

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Legislativo de se afirmar na sociedade: “o Judiciário firmou seu protagonismo na cena

política brasileira com essa decisão. Do outro lado, temos o Executivo muito forte e o

Legislativo, que é o poder soberano, não consegue reagir, assolado por escândalos.” Para ele,

trata-se de uma tragédia para a vida democrática o fato de o Congresso Nacional não

conseguir fazer sua vontade prevalecer, o que também demonstra a desvinculação da

sociedade da representação parlamentar. Chamou também a atenção para o fato de que um

dos reflexos imediatos da decisão do STF seria o de tornar viável a candidatura do deputado

Aldo Rebelo (PC do B) à reeleição na presidência da Câmara, já que o PC do B não havia

cumprido as exigências da lei, que foram derrubadas pelo STF. Ademais, um partido

minoritário presidindo a Câmara já é, por si só, uma situação esdrúxula. 356

3.3.2. A influência das mudanças no cenário político do Congresso Nacional nas

decisões do Supremo Tribunal Federal

Diante do que foi exposto, foi possível observar principalmente a posição da imprensa

em relação ao debate sobre a reforma política a partir do ano de 2002, ou seja, quando inicia a

legislatura do governo Lula. Nesse sentido, Fabiano Santos, com a intenção de observar a

capacidade do Poder Executivo de intervir na agenda do Legislativo (presidencialismo de

coalizão), faz uma análise científica do cenário anterior às eleições de 2002, do cenário

imediatamente posterior às eleições e, por fim, das modificações ocorridas no sistema

partidário após seis meses de governo Lula. A idéia central do autor parte do princípio de que :

(...) a governabilidade em nosso presidencialismo de coalizão é função da existência de um programa bem definido de políticas defendido pelos parceiros. A existência desse programa é função, por sua vez, da distância do status quo em relação às políticas ideais dos partidos que compõem a coalizão. 357

Nessa linha, no primeiro cenário, anterior às eleições de 2002, observou-se que a visão

prevalecente entre os parlamentares do PSDB, PFL, PPB e PMDB, tornou possível a

356 O GLOBO. 'O Judiciário firmou seu protagonismo na cena política brasileira', avalia Werneck Vianna. 8 de dezembro de 2006. Disponível em: http://clipping.planejamento.gov.br/ [Acesso em 20 de setembro de 2008] 357 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 285. Segundo Leão Viana, Santos vê, com isso, que o sistema multipartidário aliado com o sistema proporcional de lista aberta é o principal responsável pela prática de freios e contrapesos em nossa democracia, ou seja, nosso modelo de “presidencialismo de coalizão” é profundamente democrático. In: VIANA, Reforma política: cláusula de barreira na Alemanha e no Brasil, Op. Cit., 2006.

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aprovação da agenda de redução do setor público na economia e da reconfiguração da

máquina administrativa do Estado. No entanto, com o passar do tempo, essa concordância

diminuiu, gerando uma espécie de “paralisia decisória ou contexto de ingovernabilidade.” 358

As políticas aprovadas passam ser as do “varejo” e a manutenção da coalizão, instrumental.

Diante disso, surge a necessidade de os partidos se diferenciarem, marcando posição junto ao

eleitorado a fim de aumentar o seu capital político. Essa dinâmica marcou os últimos anos do

governo FHC, sendo um dos seus reflexos o rompimento da aliança entre os partidos PSDB e

PFL – pilar dos dois mandatos de Fernando Henrique na presidência. – que foi uma das

causas da vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002.

No segundo cenário, o imediatamente após as eleições de 2002, houve uma alteração

significativa na correlação de forças no interior da Câmara dos Deputados. O PT obteve o

maior crescimento na Câmara (33 cadeiras), ao passo que os dois principais partidos de

sustentação ao governo FHC, PSDB e PFL, sofreram as maiores derrotas, 28 e 21 cadeiras

perdidas. Dos sete grandes partidos, o PDT sofre a menor perda (4 cadeiras). Dentre os

pequenos partidos, o PL e PPS cresceram de maneira significativa em relação ao pleito de

1998. Nesse sentido, houve uma diminuição da força dos grandes partidos e um aumento no

número efetivo de partidos, o que para Santos significa uma “expressão clara da diminuição

do poder parlamentar de partidos como PSDB, PFL, PMDB e PPB, e da emergência de novas

forças, tais como PL, PSB, PCdoB e PPS” 359, formando um cenário de governo de minorias.

Logo, o comportamento de partidos de centro, como o PSDB e o PMDB, seria decisivo para a

governabilidade. Desse quadro resultou uma mudança no modelo de presidencialismo de

coalizão, ou seja, essa fragmentação no Câmara dos Deputados só seria superada se os

partidos “estivessem dispostos a negociar com o governo em torno de conteúdos das políticas

públicas propostas, e não mais em torno dos cargos e verbas a serem distribuídos, o que, por

sua vez, pressuporia um Congresso fortalecido em suas prerrogativas decisórias.” 360

No terceiro cenário, o governo Lula seguiu a normalidade da política brasileira, ou

seja, estimulou a troca de legendas de partidos originariamente de oposição em direção a

partidos aliados e convidou o PMDB, partido de centro, para fazer parte da base governista.

Em função disso, o governo Lula, que havia iniciado a sua administração controlando apenas

40% das cadeiras na Câmara dos Deputados, termina os primeiros seis meses com o apoio de

62% destas. Interessante observar que o PMDB foi um dos partidos membros da candidatura

358 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 286. 359 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 290. 360 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 290.

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contra a qual Lula se abateu no segundo turno das eleições presidenciais, e que passa, após

seis meses de governo, a fazer parte da coalizão de apoio ao novo presidente. Nesse sentido,

Santos enfatiza que “Lula optou por reduzir os custos de transação no Legislativo, montando

uma coalizão de ampla maioria, tornando a cooperação de partidos como o PSDB e o PFL

desnecessária para a definição e aprovação da agenda governamental.” 361

Observa-se, com isso, que a decisão do STF de derrubar a cláusula de barreira foi no

sentido de evitar também a perda da base aliada do governo, o qual tinha se afastado dos

partidos majoritários, mantendo a coalizão com pequenos partidos, com a exceção do PMDB.

Ou seja, a decisão foi de acordo com o interesse governamental, já que a cláusula de barreira

acabaria com a coalizão de partidos existente. Com efeito, conforme divulgado em pesquisa

realizada pela revista Análise, de 110 decisões analisadas do STF, dentre aquelas que

envolviam o interesse do governo, 59% foram favoráveis ao Poder Executivo.362

Por esta razão, ficou também demonstrada a pouca força do Congresso para fazer

cumprir uma lei promulgada há mais de onze anos quando da decisão do STF que declarou a

inconstitucionalidade da cláusula de barreira. Dito de outro modo, pequenos partidos, mesmo

que não tivessem cumprido a regra de transição, conseguiram obter cargos de lideranças como

foi a caso da ocupação da presidência da Câmara e de outras comissões por pequenos partidos

como o PCdoB.

361 SANTOS, Em defesa do presidencialismo de coalizão, Op. Cit., 2006, p. 292. 362 ANÁLISE – JUSTIÇA, Op. Cit., 2007.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É chegado o momento de findar esta dissertação, porém com a consciência de que esta

pesquisa não chegou ao seu fim. Como já bem disse Luiz Alberto Warat: “toda a pesquisa

implica em uma seleção arbitrária e fragmentada”, 363 de modo que existem ainda outros

pontos a serem discutidos e enfoques a serem dados ao problema ora apresentado. Todavia,

ante a necessidade de tecermos algumas considerações finais, apresentaremos os resultados

deste trabalho de pesquisa limitados às referências consultadas.

A democracia liberal contemporânea, resultado de uma confluência entre as correntes

liberal, preconizada pelo contratualista John Locke, e democrática, que teve como porta-voz

Jean-Jacques Rousseau, estabelece a necessidade de representação parlamentar, que, de forma

alguma equivale à definição de democracia contemporânea. Desta forma, foram analisados os

conceitos de democracia predominantes no século XX, a saber a democracia das elites de

Schumpeter, que avalia a democracia como método político ou arranjo institucional para a

tomada de decisões políticas, isto é, a democracia não se caracteriza pelo seu conteúdo, mas

sim pelo tipo de ação exercida pelos governantes e se ela está ou não e acordo com a vontade

popular; a democracia pluralista de Dahl que apresenta a democracia como fim a ser atingido

através da poliarquia, isto é, a formação de pequenos grupos na sociedade para a tomada de

decisões; e, por fim, a democracia procedimentalista de Bobbio, demonstrando-a por um

conceito mínimo, qual seja um conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a

tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. No entanto, ditas regras do jogo, não

teriam razão de existir se não estivessem associadas a um elevado número de cidadãos com

direito de participação e alternativas reais de escolha para aqueles que têm o dever de decidir.

Assim, a garantia desses diretos, à base dos quais nasceu o Estado Liberal, se dará por

meio de seu reconhecimento constitucional, o que se torna pressuposto necessário para o

correto funcionamento dos mecanismos e procedimentos que caracterizam o regime

democrático. Não obstante, o jogo democrático só seguirá seu curso ante a existência de

atores e instrumentos que o conduzam. Esses atores são os partidos e o modo principal de

fazer política é a eleição.

Diante disso, destacou-se a importância da eficiência institucional para a garantia dos

direitos e liberdades constitucionais. Para tanto, tomou-se como diretriz a perspectiva de

Sartori, segundo a qual o objetivo da Constituição deve ser “assegurar o exercício do poder

363 WARAT, Luís Alberto. O direito e sua linguagem. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. 2 ed., p. 7.

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sob controle”, pelo que afirma que o fato das constituições modernas assegurarem a carta de

direitos não significa que estariam incompletas se não tivessem o feito. 364 Igualmente para

Tavares, a funcionalidade do sistema real de governo depende da interação de seus quatro

elementos constitutivos - sistema eleitoral, sistema partidário, sistema formal de governo, e a

forma federativa do Estado - com a cultura política e o ambiente sócio-político sobre os quais

opera. Assim, considera decisivo o papel exercido pelas instituições eleitorais e partidárias

para a estabilidade da democracia constitucional e representativa, eis que se trata de

instrumentos capazes de promover um quadro institucional estável para a expressão de

diversos pontos de vista.

Desde 1945, o Brasil mantém o sistema proporcional de representação associado ao

regime presidencialista de governo, cuja interação tem resultado em diversos obstáculos para

o processo decisório. Dentre os principais, está o excessivo liberalismo para a formação de

partidos políticos após o período de ditadura militar (1964-1985), que foi um fator

determinante para o assentamento das características da nova ordem política. Com efeito, o

sistema partidário brasileiro atual demonstra ser pouco institucionalizado com base em três

critérios fundamentais: falta de estabilidade nos padrões de competição entre os partidos

políticos; inexistência de raízes partidárias mais profundas na sociedade; e, por último, os

partidos e eleições no Brasil não apresentam legitimidade pública, isto é, falta nesses

institutos credibilidade perante o público.

Além disso, a combinação de representação proporcional com presidencialismo induz

a um conflito equilibrado que pode resultar no enfraquecimento ou fortalecimento do Poder

Executivo. O enfraquecimento ocorrerá em decorrência do multipartidarismo congressual que

tende a introduzir uma instabilidade e fragmentação das coalizões partidárias, impedindo a

formação de uma maioria parlamentar estável de sustentação ao governo. Por outro lado, o

fortalecimento do Executivo gira em torno do fragmentismo do corpo eleitoral, que se

desenvolve a partir da incapacidade do Congresso – multipartidário - de assegurar uma

representatividade forte e coesa do seu eleitorado, recrudescendo, assim, o poder presidencial.

Deste modo, a peculiaridade do caso brasileiro é o presidencialismo de coalizão, ou

seja, a combinação entre o sistema presidencialista, a representação proporcional de lista

aberta e sistema parlamentar fragmentado. Esse conjunto de fatores produz alguns efeitos

prejudiciais para a governabilidade brasileira, bem como para o equilíbrio entre os três

poderes, tendo em vista que o Presidente da República é geralmente levado a distribuir pastas

364 SARTORI, Engenharia constitucional, Op. Cit., 1996, p. 214.

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ministeriais entre os membros dos principais partidos, na esperança de obter, em troca, a

maioria no Congresso.

Tratando-se de uma das propostas de reforma política feitas pela Comissão de

Reforma Político Partidária, criada pelo Senado, em 1995, a cláusula de barreira é instituída

no artigo 13 da Lei Federal nº 9.095/96 como uma alternativa para impedir a proliferação de

partidos políticos que não tivessem um significado ideológico relevante ou até mesmo que

pudessem ser utilizados como legendas de aluguel para, assim, formar uma maioria sólida no

Congresso Nacional, facilitando o processo decisório e, portanto, evitando barganhas entre o

Poder Executivo e Legislativo. Deste modo, o principal embate em torno deste instituto se deu

pelo fato de que ao mesmo tempo em que reduziria o número de partidos, inviabilizaria a

participação no Congresso Nacional de partidos minoritários, além de restringir a participação

de correntes ideológicas.

Em razão disso foi ajuizada, pelos partidos de oposição, Ação Direta de

Inconstitucionalidade a fim de afastar a eficácia da cláusula de barreira. Assim, em 07 de

fevereiro de 1996, é julgada a medida cautelar, Adin nº 1.354-8, declarando a

constitucionalidade da cláusula de barreira, por unanimidade, sob a alegação de que o referido

artigo 13 não ofende os princípios consagrados na Constituição Federal. Afirmando-se, ainda,

que os dispositivos impugnados “são mecanismos de proteção para a própria convivência

partidária.” Enquanto que, no julgamento da ação principal, Adin nº. 1351-3, em 7 de

dezembro de 2006, isto é, dez anos depois, o Supremo declara inconstitucionalidade da

cláusula de barreira, também por unanimidade. O fundamento desta decisão embasou-se no

argumento de que o referido dispositivo “afasta o funcionamento parlamentar e reduz

substancialmente o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do

Fundo Partidário.”

Sob o prisma do processo de judicialização da política, observou-se que o Supremo

Tribunal Federal não foi acionado com o objetivo de salvaguardar a Constituição Federal, mas

usado pela oposição partidária como uma alternativa para inviabilizar as alterações em curso

no que concerne a reforma política, isto é, para os partidos menores ganharem aquilo que

normalmente perderiam através de processos legislativos normais. Além disso, a

judicialização do processo político, no caso em tela, envolve aspectos institucionais que se

remetem diretamente à governabilidade do Estado, isto é, a sua capacidade de efetivar a

política definida pelo Governo, cuja apreciação não é tema pacífico no Supremo, tendo em

vista a polêmica gerada pelo debate entre eficiência e democracia.

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Nesse sentido, chamou-nos a atenção o posicionamento de Dworkin no sentido de que

metas executivas do processo político, tais como eficiência do governo e estabilidade política

poderiam estar ameaçadas pelo controle de constitucionalidade ou revisão judicial, em razão

de que os juízes devem embasar seus julgamentos somente em argumentos de princípio

político e não de procedimentos. Tendo em vista que no sistema norte-americano não existe

controle abstrato de constitucionalidade, isto é, somente serão objetos de revisão judicial

casos concretos individuais ou coletivos (class actions), tem-se que no Brasil, com o sistema

misto de controle de constitucionalidade, não há critérios quanto ao que deve ou não ser

objeto de controle judicial (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Por conseguinte, há controvérsias quanto ao fato de a cláusula de barreira tratar-se de

uma questão política ou de princípio, pois apesar de ter sido versada pelo Plenário do

Supremo como uma questão de princípio (a proteção das minorias partidárias), a decisão

proferida não deixa de tocar em aspectos que dizem respeito à estabilidade institucional

democrática, ou governabilidade. Ou seja, ao impedir que um dos projetos de reforma política

se concretizasse, manteve o fragmentado sistema partidário até então vigente, de acordo com

os interesses governamentais daquele momento. Portanto, pode-se afirmar que se trata de uma

decisão tão principiológica quanto funcional, e que a questão da governabilidade está sim

presente na referida decisão, mesmo que implicitamente.

Já em relação ao enfoque na politização da justiça dadas as divergentes decisões

proferidas nas Adins nº 1.354 e 1.351, analisaram-se os cenários políticos no período anterior

às eleições de 2002, o imediatamente posterior às eleições e, por fim, as modificações

ocorridas no sistema partidário após seis meses de governo Lula. Assim, observou-se que no

primeiro cenário a base governista era formada por partidos majoritários tais como PSDB,

PFL, PPB e PMDB, que superariam a barreira de 5%. No segundo cenário, o PT obteve o

maior crescimento na Câmara dos Deputados, ao passo que os dois principais partidos de

sustentação ao governo Fernando Henrique Cardoso, PSDB e PFL, sofreram as maiores

derrotas. Pequenos partidos como o PL e PPS cresceram de maneira significativa, o que

resultou na diminuição da força dos grandes partidos e um aumento no número efetivo de

partidos. No terceiro e último cenário, o governo Lula estimulou a troca de legendas de

partidos originariamente de oposição em direção a partidos aliados, e convidou o PMDB,

partido de centro, para fazer parte da base governista. Em função disso, o governo Lula, que

havia iniciado a sua administração controlando apenas 40% das cadeiras na Câmara dos

Deputados, termina os primeiros seis meses com o apoio de 62% destas. Esta estratégia

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tornou a cooperação de partidos como o PSDB e PFL desnecessária para a definição e

aprovação da agenda governamental.

Deste modo, caso a cláusula de barreira tivesse sido mantida pelo Supremo, a base de

sustentação ao governo Lula na Câmara dos Deputados não subsistiria. Além do que, o

próprio presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB – SP), perderia o

mandato. Também aumentaria a força dos partidos, agora de oposição, como PSDB e PFL,

dificultando a aprovação da agenda presidencial.

Assim, pôde-se constatar que as decisões do Supremo Tribunal Federal em períodos

distintos, 1996 e 2006, foram ad hoc, ou seja, de acordo com as necessidades políticas do

governo para manter e /ou aumentar a sua base governista em situações específicas. Sendo

assim, as decisões foram instrumentais, não obstante os argumentos fundamentados em

princípios apresentados pelo Plenário. Ademais, conforme foi observado nas reportagens

publicadas pela mídia, a própria declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira

não era esperada pela maioria dos partidos políticos, os quais buscavam realizar coligações, a

fim de se adaptarem à mudança que iniciaria com a legislatura de 2007.

Para finalizar, se adotarmos a concepção de Jeremy Waldron a respeito da dignidade

da legislação, o deslocamento da discussão da cláusula de barreira para o STF foi apenas uma

questão de mudança de grupos constituintes, já que os métodos de decisão majoritária

também são utilizados nos tribunais. Logo, a discussão sobre a constitucionalidade da

cláusula de barreira deveria ficar adstrita ao Congresso Nacional que, através da utilização do

método majoritário de decisão, atribui um peso igual para as opiniões de cada um, tornando

cada opinião minimamente decisiva, nada obstante o processo político legislativo também ser

palco de morosidades e trocas de favores políticos. De tal modo, o “prudencialismo” adotado

pelo Supremo no final dos anos 80 teve a intenção de permitir a consolidação do regime

democrático, através da sua não- interferência em momentos de grave crise. Tendo em vista

que a jovem democracia brasileira está ainda longe de ser consolidada, a interferência do

Supremo, em certas situações, pode ser a causa de enfraquecimento institucional,

principalmente quando advinda do favorecimento de interesses políticos governamentais,

tornando-se também um obstáculo ao livre curso do processo legislativo.

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