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  • Ana Paula Louo Martins

    Dificuldades de Aprendizagem: Compreendero Fenmeno a Partir de Sete Estudos de Caso

    Maro de 2006

    Universidade do MinhoInstituto de Estudos da Criana

  • Maro de 2006

    Ana Paula Louo Martins

    Dificuldades de Aprendizagem: Compreendero Fenmeno a Partir de Sete Estudos de Caso

    Universidade do MinhoInstituto de Estudos da Criana

    Tese de Doutoramento em Estudos da Criana,rea de Educao Especial

    Trabalho efectuado sob a orientao de

    Professor Doutor Lus de Miranda CorreiaInstituto de Estudos da Criana, Universidade do Minho, Portugal

    Professor Doutor Daniel P. HallahanCurry School of Education, University of Virginia, EUA

  • DECLARAO

    Nome: ANA PAULA LOUO MARTINS

    Endereo Electrnico: [email protected] Telefone: 253 601 233

    N. do Bilhete de Identidade: 8160595

    Ttulo da Tese de Doutoramento: Dificuldades de Aprendizagem: Compreender o Fenmeno a Partir de Sete Estudos de Caso

    Orientadores:

    Professor Doutor Lus de Miranda Correia

    Professor Doutor Daniel P. Hallahan

    Ano de concluso: 2006

    Ramo de Conhecimento do Doutoramento:

    Estudos da Criana, rea de Educao Especial

    DE ACORDO COM A LEGISLAO EM VIGOR, NO PERMITIDA A REPRODUO DE

    QUALQUER PARTE DESTA TESE/TRABALHO.

    Universidade do Minho, / /

    Assinatura:

  • i

    AGRADECIMENTOS

    Durante os ltimos trs anos fiz um trajecto com muitos apeadeiros de

    alegria, de enamoramento, de amor, de trabalho, de emoo, de frustrao, de

    conhecimento prprio e alheio, de desespero, de prazer, de lazer. s muitas

    pessoas que gastaram energia, saber e tempo a partilhar comigo algumas

    destas paragens quero prestar os meus sinceros e profundos agradecimentos:

    queles que na Fundao para a Cincia e a Tecnologia, me concederam a

    bolsa de estudo durante os trs semestres em que estive nos EUA. Ao

    Professor James Patton por me ter dado o primeiro empurro para a

    problemtica da identificao das dificuldades de aprendizagem em termos de

    fenmeno a investigar. Paula Canavarro pela inspirao ao nvel da

    redaco que me fez sobreviver a uma daquelas fases em que tudo parecia

    escuro e sem resoluo. Ao Professor Covert por me ter despertado para o

    paradigma naturalista. Ao Professor Osrio pela facilitao do programa

    NVivo, pelas preciosas sugestes, incentivos e inmeras perguntas de difcil

    resposta. Ao Professor Varela de Freitas pelas valiosas sugestes que fez ao

    captulo da metodologia. Ana Serrano pela amizade e pela leitura final que

    fez a este documento. Ana Paula Pereira pelo incentivo, sugestes e

    confiana amiga que sempre me deu. Maria Maria da Luz, Sandra, ao

    Ernesto, ao Dr. Miguel e ao Dr. Loureno pelo apoio dado naquelas fases em

    que a impresora se revoltava. Anabela pelo apoio bibliogrfico de ltima

    hora proporcionado de l do outro lado do Atlntico e pela amizade de longa

    data. Helena pelas longas conversas sobre as coisas da vida e sobre as

    coisas do doutoramento, que tanto me fizeram rir e me ajudaram a libertar

    fantasmas e a seguir em frente. Ao Joo Flix pelas excelentes sugestes e

    ensinamentos na edio deste documento escrito. Aos Professores John Lloyd

    e James Kauffman pelo que me ensinaram sobre a educao especial, as

    dificuldades de aprendizagem e a actividade de docente e de investigadora.

    Ao Professor Daniel Hallahan pela disponibilidade que sempre teve para me

    orientar, ensinar, baralhar e incentivar. Ao Professor Lus de Miranda

  • ii

    Correia, um pioneiro, um especialista, um defensor dos alunos com

    dificuldades de aprendizagem em Portugal, pela amizade e pelo apoio pessoal

    e profissional que sempre me concedeu. Aos meus amigos Cindy, Josh, Jin,

    Stephen, Caty, Sujith, Kevin, Antnio, Kelly, Olga, Amy, Jeramy, Cenk,

    Cynthia, Ben, Seungah, Ilka e Filipa que vindos de partes diferentes do globo,

    me acompanharam em experincias emocional e culturalmente carregadas de

    ingredientes valiosos que me tornaram mais autntica e me levaram a

    aprofundar as minhas razes. Ana pela amizade, pelos almoos e jantares de

    comida portuguesa comprada na internet, pelos passeios e pelas vrias idas ao

    movie club. Vera e ao Ricardo pelos momentos de lazer que to bem

    organizaram e me proporcionaram, e para onde muitas vezes me tiveram de

    arrastar, e especialmente pela amizade e pelo carinho, pois sem eles o ltimo

    ano e meio teria sido mais triste. Vera, agradeo ainda a preciosa e

    indispensvel ajuda na verificao do texto final e a disponibilizao de um

    lugar sossegado onde pude terminar esta jornada. Ana Boavida que com

    imensa amizade, alegria, simpatia, empatia, disponibilidade e sabedoria

    emocional e cientfica me ajudou a superar momentos de cansao, de

    desanimo ou de desorientao, bem como a desfrutar de momentos de alegria.

    A Ana, o Joo e o Z Boavida tornam a minha vida menos solitria e mais

    feliz. Aos sete Professores que colaboram no estudo, conversando,

    partilhando perspectivas e validando os resultados. Sem a enorme

    disponibilidade e saber que todos demonstraram, este trabalho no teria sido

    possvel. Aos meus pais que com pacincia e compreenso souberam apoiar-

    me durante este tempo.

    Estas pessoas contriburam de forma preponderante para o conhecimento

    que hoje tenho sobre o tema das dificuldades de aprendizagem, mas

    contriburam igualmente para o conhecimento que fiz do meu eu. As prximas

    pginas so um reflexo deste duplo conhecimento. A todas, muito obrigada.

    Paula

  • iii

    RESUMO

    Este trabalho tem por finalidade contribuir para a sistematizao e o

    aprofundamento do conhecimento que existe em Portugal sobre o campo das

    dificuldades de aprendizagem. Estudei as transformaes educativas

    observadas ao longo do tempo, a terminologia, as definies, os critrios de

    identificao, o apoio a prestar aos alunos, as perspectivas internacionais que

    predominam e os desafios que se apresentam ao campo. Influenciada pelo

    paradigma naturalista, tal como defendido por Lincoln e Guba, desenvolvi

    uma investigao bsica que assentou nas realidades percepcionadas de sete

    profissionais doutorados que leccionam, investigam, fazem clnica e escrevem

    sobre dificuldades de aprendizagem. Os dados foram recolhidos atravs de

    entrevistas parcialmente estruturadas, de resposta aberta, e de anlise de

    documentos. O conhecimento adquirido sintetizado, primeiro, sob a forma

    de sete estudos de caso, nos quais apresento factualmente as perspectivas

    individuais dos participantes, utilizando o mais possvel a sua voz. Depois sob

    a forma de cruzamento dessas perspectivas, trao as diferenas e as

    similaridades entre os participantes e interpreto e discuto, luz da investigao

    e do debate internacional, as suas perspectivas enquanto grupo. Por fim, este

    conhecimento sistematizado sob a forma de concluses.

    De acordo com os resultados deste estudo, o campo das dificuldades de

    aprendizagem em Portugal, visto atravs das perspectivas dos participantes,

    evidencia escassa progresso devido ausncia de envolvimento

    governamental e de defesa dos direitos dos alunos, supremacia das teorias de

    ensino que valorizam a maturao e o construtivismo e a determinadas

    caractersticas da populao portuguesa. O termo dificuldades de

    aprendizagem polissmico e sinonmico, tendo associado trs conceitos,

    cinco termos sinnimos e seis possveis combinaes de critrios de

    identificao. consensual que a identificao dos alunos com dificuldades

    de aprendizagem deve ter por base o sentido clnico dos profissionais e a

  • iv

    participao dos pais. Existe falta de consenso em relao ao estatuto legal da

    definio de dificuldades de aprendizagem, unanimidade quanto necessidade

    de apoio especializado nas escolas, para beneficio dos alunos e da sociedade, e

    varincia quanto forma de conceptualizao desse apoio. Esta disperso na

    conceptualizao do apoio aos alunos apresenta pontos de discordncia e

    pontos de concordncia. Os desacordos so relacionados com o local onde o

    apoio proporcionado, com quem deve ser responsvel por o organizar e o

    prestar e com o tipo de formao dos profissionais envolvidos. Os consensos

    referem-se ao facto de, apesar de o professor titular de turma ter uma funo

    primordial no apoio, no poder sozinho lidar com a diversidade da turma, de

    ser difcil prestar uma interveno especfica individual na sala de aula, e de

    ser necessrio que especialistas colaborem nesse apoio. Como desafios para o

    futuro, os participantes indicam a formao, a conceptualizao do apoio aos

    aluno nas escolas, a investigao, a produo de materiais, testes e programas,

    a consciencializao social e poltica, a desconstruo de modelos tradicionais

    de conceptualizao das dificuldades de aprendizagem, o aumento da

    responsabilidade do sistema educativo no que respeita o sucesso dos alunos e a

    disseminao de informao cientfica.

    No global, as perspectivas dos participantes permitem-me concluir que

    em Portugal, embora com diferentes designaes, as dificuldades de

    aprendizagem so reconhecidas como um fenmeno real, que a sua

    identificao conceptualizada mediante a utilizao de um modelo clnico e

    que o apoio aos alunos considerado necessrio, embora conceptualizado de

    diferentes formas. Paralelamente, conclui-se a existncia de um campo no

    qual subsiste a supremacia da teoria e do cientfico sobre o poltico, o social e

    o educativo, e onde pertinente a criao de um Instituto Portugus para o

    Estudo das Dificuldades de Aprendizagem, que promova e assista a

    investigao e a disseminao dos seus resultados, bem como a advocacia.

    Palavras Chave: Dificuldades de Aprendizagem, Portugal, EUA,

    Paradigma Naturalista, Mtodos Qualitativos.

  • v

    ABSTRACT

    With this study I intend to contribute to the systematization of the

    existing knowledge in the field of learning disabilities in Portugal and to add

    to that knowledge. Therefore, influenced by the naturalistic paradigm, I

    developed research based on the multiple realities of a purposive sample of

    seven educational theorists who teach, research, conduct clinics, and write

    about learning disabilities. Using partially structured open-ended interviews

    and documents as data gathering sources I addressed themes that included the

    evolution of the learning disabilities field, terminology, definitions, the

    identification criteria to be used, educational services delivery

    conceptualization, the international perspectives that may be influencing the

    national field, and future challenges. The knowledge I obtained from this data

    collection was analyzed and then synthesized and reported in order to reflect

    the themes of the study. First, in a seven case studies format, which were

    written in a factual analytic level using, as much as possible, the natural

    language of the respondents. Second, in a cross case format, in which I

    pointed similarities and/or differences between participants perspectives and

    interpreted it within the international research and debate context. Finally, I

    present the conclusions to reflect what I found and had to say in what concerns

    the knowledge gained about the field of the learning disabilities in Portugal.

    The results of this study suggest that the learning disabilities field in

    Portugal has had a small evolution due to lack of involvement by

    governmental and parental and/or professional advocacy groups, the

    supremacy of the constructivist conceptual model, the use of the

    developmental theory in our schools, and a permissive cultural pattern. It also

    shows that the learning disabilities term has associated five synonyms terms

    and three types of concepts, and that there are six different combinations of

    students identification criteria. There is consensus that the identification must

    be based on clinical judgment with parental participation, instead of

    qualitative measurements based on cutoff criteria. There is not agreement

  • vi

    concerning the legal status for a definition, but all the participants support the

    need of services for students with learning disabilities, due to benefits for them

    and to the society. However, there is variance in this service delivery

    conceptualization. Specifically there is disagreement on the environment

    where the service must be delivered, on who must be responsible for the

    service delivery, and on teacher preparation. There is agreement that although

    the regular teacher has primary participation in the service delivery, she or he

    can not alone deal with the class diversity, that it is difficult to individualize an

    intervention for students with learning disabilities in the classroom

    environment, and that specialists are needed in intervention. The participants

    indicated the following challenges for the learning disabilities field in

    Portugal: to improve teacher preparation, to conceptualize a service to support

    students with learning disabilities in schools, to produce research, materials,

    tests, and programs, to increase social and political concern for students with

    learning disabilities, to deconstruct traditional models of understanding

    learning disabilities, to provide a more responsible educational system when

    concerning students with learning disabilities, and to produce and disseminate

    scientific information.

    At the conclusion of this study, I found that all the participants view

    learning disabilities as a real phenomenon, that the proposed identification

    process is based on clinical judgment, that all agree on the need for support for

    students with learning disabilities, and that there is no agreement on how these

    support should be organized. Furthermore, the findings show that the learning

    disabilities field is more theoretical than political, social, or educational, and

    that there exists the need for a Portuguese Institute for the Study of Learning

    Disabilities.

    Key Words: Learning Disabilities, Portugal, EUA, Naturalist Paradigm,

    Qualitative Methods.

  • vii

    NDICE

    AGRADECIMENTOS ................................................................................................................ I RESUMO................................................................................................................................... III ABSTRACT................................................................................................................................. V INTRODUO..........................................................................................................................15

    A UNIVERSALIDADE DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM .. .................16 FINALIDADE, OBJECTIVOS E PRESSUPOSTOS ....................................................18 ORGANIZAO E CONTEDOS................................................................................20

    A NATUREZA DO CAMPO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGE M ...................23 EVOLUO TERMINOLGICA, CONCEPTUAL E OPERACIONAL... ..............26

    Perodo da Fundao Europeia (18001920)..............................................................26 Perodo da Fundao Norte-Americana (19201960)................................................28 Perodo da Emergncia Norte-Americana (19601975) ............................................29

    Gnese do Termo Dificuldades de Aprendizagem e Elaborao das Primeiras Definies ..............................................................................................................30 Envolvimento do Governo .....................................................................................35 Dinamizao do Minimal Brain Dysfunction: National Project on Learning

    Disabilities in Children..............................................................................................35 Criao do National Advisory Committee on Handicapped Children................40 Introduo da definio conceptual de dificuldades de aprendizagem na

    legislao....................................................................................................................43 Proliferao de Programas de Interveno.............................................................44 Fundao de Associaes de Pais e de Profissionais .............................................45

    Perodo da Solidificao Norte-Americana (19751985)...........................................46

    O Estatuto Legal que Garante a Elegibilidade para Servios de Educao Especial: A Aceitao da Noo de Insucesso Acadmico Especfico e Inexplicvel..........................................................................................................47 As observaes clnicas de Hinshelwood, de Morgan e de Orton.......................48 A investigao de Rutter e Yule...........................................................................57

    A Definio Conceptual e os Critrios Federais de Elegibilidade: A Adopo da Noo de Discrepncia......................................................................................59 Mtodos Estatais para a Quantificao da Discrepncia........................................63 Reaco do National Joint Committee on Learning Disabilities Definio Federal....................................................................................................................67 Produo de Investigao.......................................................................................71

    Perodo da Turbulncia Norte-Americana (19852000) ...........................................73

    Consolidao da Definio Conceptual .................................................................73 Definio da Association for Children and Adults with Learning Disabilities...74 Definio do National Joint Committee on Learning Disabilities.......................80 Definio da Individuals with Disabilities Education Act, re-autorizao de

    1997............................................................................................................................81 Produo de Investigao.......................................................................................82 Preocupao com os Procedimentos de Identificao: Crtica Quantificao da Discrepncia ......................................................................................................86 Debate Sobre a existncia de um continuum de ambientes educativos..................95 Ps-modernismo.....................................................................................................95 Preocupao com os Procedimentos de Identificao: A Aco Governamental ..97

  • viii

    Perodo da Iniciativa Norte-Americana para as Dificuldades de Aprendizagem (20002005) ..................................................................................................................98

    Iniciativa Para as Dificuldades de Aprendizagem: A Preparao..........................99 Iniciativa Para as Dificuldades de Aprendizagem: O Debate Sobre a Identificao dos Alunos......................................................................................100 A avaliao dos processos intrnsecos como modelo de identificao ..............100

    A complexa tarefa de definir o termo processos intrnsecos................................102 Dfices no processamento intrnseco como causa ...................................................103 das dificuldades de aprendizagem ...........................................................................103 Problematizao da utilizao dos processos intrnsecos ........................................104 como modelo de identificao .................................................................................104

    A resposta interveno como modelo de identificao ...................................106 As razes ..................................................................................................................107 As quatro fases da interveno baseada na discrepncia dupla ...............................109 A validao emprica da discrepncia dupla............................................................117 Problematizao da utilizao da resposta interveno ........................................121 como modelo de identificao .................................................................................121

    Iniciativa Para as Dificuldades de Aprendizagem: Os Consensos........................128 Iniciativa Para as Dificuldades de Aprendizagem: As Recomendaes...............134 Definio e Critrios Federais: Individuals with Disabilities Education Improvement Act, re-autorizao de 2004 (P.L. 108-446)...................................136

    PENSANDO A SITUAO EM PORTUGAL A PARTIR DA REALIDA DE DOS EUA...................................................................................................................................139

    As Aces Governamentais.........................................................................................141 A Aco Conjunta de Pais e Profissionais.................................................................150

    METODOLOGIA ....................................................................................................................157

    A INFLUNCIA DO PARADIGMA NATURALISTA.............. .................................158 O DESIGN DO ESTUDO ...............................................................................................178

    Participantes................................................................................................................179 Recolha e Anlise dos Dados......................................................................................182

    Recolha dos dados..............................................................................................183 Anlise dos dados...............................................................................................189 Reduo dos dados.............................................................................................190

    APRESENTAO DOS RESULTADOS.....................................................................193

    APRESENTAO DAS CONCLUSES E DAS RECOMENDAES..................195

    CONFIDENCIALIDADE...............................................................................................195 CRITRIOS DE CONFIANA.....................................................................................197

    Mtodos para Assegurar a Credibilidade.................................................................198 Triangulao ......................................................................................................199 Sesses de resumo ..............................................................................................200 Validao pelos participantes ............................................................................201

    Mtodos para Assegurar Transferibilidade..............................................................202 Descrio minuciosa do contexto.......................................................................202

    Mtodos para Assegurar a Confirmabilidade e a Dependabilidade.......................203 O dirio reflexivo ...............................................................................................203

  • ix

    APRESENTAO DOS RESULTADOS: AS PERSPECTIVAS DOS SETE PARTICIPANTES...................................................................................................................205

    ALFA................................................................................................................................207 A Pessoa .......................................................................................................................207 O Percurso Profissional..............................................................................................208

    A Formao inicial e ps-graduada na rea das dificuldades de aprendizagem ..208 A investigao no mbito das dificuldades da leitura, da escrita e dos problemas de comportamento ..............................................................................209 As dificuldades de aprendizagem na docncia universitria................................212

    Perspectivas Sobre a Evoluo do Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Fala-se Mais do Que se Faz ........................................................................................215 Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem.........................217

    Diferenciao entre dificuldades de aprendizagem e distrbios de aprendizagem .......................................................................................................217 A definio de distrbios de aprendizagem includa em decreto-lei: Sim, porque no? ..........................................................................................................221 Uma definio que me parece bastante equilibrada da Associao para Crianas e Adultos com Distrbios de Aprendizagem.........................................223

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem ..................................................................................225

    Apoiar os alunos com distrbios de aprendizagem imprescindvel...................225 O apoio aos alunos com distrbios de aprendizagem pode ser dado pela educao especial .................................................................................................226 Trs critrios de identificao ..............................................................................229

    Perspectivas Sobre a Terminologia: Prefiro o Termo Distrbios de Aprendizagem .............................................................................................................234 Perspectivas Sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Equipas Especializadas e Diversificadas no Apoio s Escolas.....235 Em Sntese ...................................................................................................................236

    BETA................................................................................................................................238

    A Pessoa .......................................................................................................................238 O Percurso Profissional..............................................................................................239

    A formao em psicologia educacional como dinamizadora do interesse pela rea das dificuldades de aprendizagem ................................................................240 As publicaes como servio de apoio comunidade .........................................241 A prtica clnica e a docncia universitria..........................................................242 As parcerias nacionais..........................................................................................243

    Perspectivas Sobre a Evoluo do Campo das Dificuldades de Aprendizagem: No Tem Havido uma Poltica Continuada e Sria .................................................244 Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem.........................247

    As competncias no acadmicas fazem parte do meu conceito de dificuldades de aprendizagem...................................................................................................247 A definio de dificuldades de aprendizagem em decreto-lei: Era fundamental e constituiria um grande passo em frente .............................................................250 A definio que utilizo mais a da Lei Pblica americana..................................253

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem ..................................................................................254

    Os alunos so os que mais beneficiam da existncia de um apoio formal ...........255 O acompanhamento aos alunos deve, em geral, ser feito por professores titular de turma com formao........................................................................................255 Dois critrios de identificao..............................................................................256

  • x

    Perspectivas Sobre a Terminologia: O Termo Dificuldades de Aprendizagem Perceptvel, Mas Cabe L Muita Coisa .....................................................................260 Perspectiva sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da Produo de Critrios de Identificao Formao de Professores ...................................................................................................................261 Em Sntese....................................................................................................................262

    GAMA...............................................................................................................................264

    A Pessoa........................................................................................................................264 O Percurso Profissional ..............................................................................................265

    A formao inicial em educao fsica e a ps-graduada em dificuldades de aprendizagem........................................................................................................265 A actividade na rea da psicopedagogia e da psicomotricidade...........................267 A regncia e docncia da disciplina de dificuldades de aprendizagem ................269 A investigao no mbito da psicomotricidade, da educao cognitiva e das dificuldades de aprendizagem...............................................................................271 As parcerias nacionais e internacionais ................................................................272

    Perspectiva Sobre A Evoluo do Campo das Dificuldades de Aprendizagem: H Muito a Fazer.........................................................................................................275 Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem .........................277

    A componente no verbal faz parte do meu conceito de dificuldades de aprendizagem........................................................................................................277 A legislao deve ser clara ...................................................................................281 A definio que rene a minha aprovao a do National Joint Committee on Learning Disabilities.............................................................................................283

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem...................................................................................284

    Se no tratamos desta situao comprometemos o desenvolvimento do pas ......284 A partilha como chave do sucesso do sistema de apoio .......................................285 Seis critrios de identificao ...............................................................................287

    Perspectivas sobre a Terminologia: H que Fazer um Grande Esforo para que o Termo no Estigmatize ............................................................................................292 Perspectiva sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da Formao Disseminao da Informao...............................293 Em Sntese....................................................................................................................297

    DELTA .............................................................................................................................299

    A Pessoa........................................................................................................................299 O Percurso Profissional ..............................................................................................300

    A formao em Psicologia, a docncia e a investigao ......................................300 A rede europeia de investigao sobre dificuldades de aprendizagem.................302

    Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem .........................303 O conceito de dificuldades de aprendizagem pressupe a existncia de dois subgrupos..............................................................................................................303 No compete legislao definir o que uma dificuldade de aprendizagem ......306 Em relao definio de dislexia identifico-me com a perspectiva inglesa.......311

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade Para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem...................................................................................311

    Apoiar para que o desenvolvimento humano se processe ....................................311 Fazia sentido a existncia de um tutor..................................................................312 O sentido clnico dos profissionais como critrio de identificao ......................314

    Perspectivas Sobre a Terminologia: Os Termos Internacionalmente Aceites so Dislexia e Discalculia...................................................................................................316

  • xi

    Perspectiva Sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da Adequao de Materiais Responsabilizao do Sistema.....317 Em sntese ....................................................................................................................319

    ZETA................................................................................................................................321

    A Pessoa .......................................................................................................................321 O Percurso Profissional..............................................................................................322

    A formao em Psicologia ...................................................................................322 A regncia e a docncia de disciplinas na formao de professores e de psiclogos.............................................................................................................323 A investigao no mbito dos problemas de comportamento e de aprendizagem325 O servio de apoio comunidade ........................................................................326 As parcerias nacionais e internacionais................................................................326

    Perspectiva Sobre A Evoluo do Campo das Dificuldades de Aprendizagem: No Atendimento Estamos Mais ou Menos na Mesma .............................................327 Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem.........................329

    As dificuldades de aprendizagem s existem porque existe escola .....................330 Uma certa postura legislativa pelo menos empurra as pessoas para qualquer lado.......................................................................................................................332 Apresento dois tipos de definies.......................................................................334

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem ..................................................................................335

    A existncia da definio adequada importante para a promoo atempada do apoio.....................................................................................................................336 um servio de educao regular e no de educao especial............................336 Quatro critrios de identificao ..........................................................................343

    Perspectivas Sobre a Terminologia: A Substituir, s por Problemas de Aprendizagem .............................................................................................................349 Perspectiva sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da Importncia dos Primeiros Anos de Escolaridade Aposta no Apoio Precoce.........................................................................................................349 Em Sntese ...................................................................................................................351

    CAPA................................................................................................................................353

    A Pessoa .......................................................................................................................353 O Percurso Profissional..............................................................................................354

    A formao e prtica no mbito da Psicologia e da Psicopedagogia em Portugal, Frana e Inglaterra ................................................................................354 O Centro de Orientao e Observao Mdico-Pedaggica: Um Centro plurisisciplinar......................................................................................................357 A docncia universitria: A construo de um centro de investigao e a valorizao de parcerias nacionais e internacionais.............................................360

    Perspectivas Sobre a Evoluo do Campo das Dificuldades de Aprendizagem: No tenho visto grande progresso ao longo do tempo.............................................361 Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem.........................364

    As dificuldades de aprendizagem so na sua maioria dificuldades de ensino......364 Seria muito perigoso existirem orientaes legislativas sobre a definio de dificuldades de aprendizagem ..............................................................................369 Gosto de seguir definies abrangentes...............................................................371

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento de Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem ..................................................................................372

    Se no existir uma interveno pluridisciplinar o impacto negativo.................372

  • xii

    A preveno resolve a maior parte das dificuldades de aprendizagem, excepto as de um grupo mais restrito.................................................................................372 O que me agrada so instrumentos do tipo da Classificao Internacional da Funcionalidade, da Incapacidade e da Sade .......................................................377

    Perspectivas sobre a Terminologia ............................................................................380 Perspectiva sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da necessidade de se Desconstruirem os Modelos Tradicionais Necessidade dos Professores Ensinarem Todos os Alunos ......................................381

    SIGMA..............................................................................................................................383

    A Pessoa........................................................................................................................383 O Percurso Profissional ..............................................................................................384

    A actividade no mbito da educao fsica e da psicomotricidade.......................384 A docncia como dinamizadora do interesse pelo campo das dificuldades de aprendizagem...............................................................................................................385

    A investigao no mbito das dificuldades de aprendizagem no verbais ...........386 As parcerias nacionais e internacionais ................................................................387

    Perspectivas Sobre o Conceito de Dificuldades de Aprendizagem .........................387 Mais importante que o conceito que o aluno encontre uma resposta para as suas dificuldades...................................................................................................388 A definio de dificuldades de aprendizagem em decreto-lei: Sim, mas duvido que tenhamos estruturas para seleccionar as crianas ..........................................389 A definio mais consensual a do National Joint Committee on Learning Disabilities............................................................................................................390

    Perspectivas Sobre o Estabelecimento da Elegibilidade para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem...................................................................................390

    importante intervir precocemente......................................................................391 O apoio deve ser dado pela educao especial .....................................................391 Diferenciao entre critrios de identificao a usar na investigao e na prtica escolar...................................................................................................................395

    Perspectivas Sobre a Terminologia: -me indiferente, desde que nos entendamos e que os alunos tenham apoio................................................................401 Perspectivas Sobre os Desafios Futuros no Campo das Dificuldades de Aprendizagem: Da Compreenso de que as Dificuldades de Aprendizagem so Respostas Especficas Importncia da Ontognese...............................................402 Em Sntese....................................................................................................................403

    APRESENTAO DOS RESULTADOS: O CRUZAMENTO E A DISCUSSO DAS PERSPECTIVAS DOS PARTICIPANTES...........................................................................405

    A EVOLUO DO CAMPO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGE M ........406 A DEFINIO CONCEPTUAL E A OPERACIONALIZAO DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM....................................................................410

    A Polissemia e a Sinonmia do Termo Dificuldades de Aprendizagem..................412 As Componentes do Conceito de Dificuldades de Aprendizagem...........................416 A Operacionalizao do Conceito de Dificuldades de Aprendizagem em Ambientes Educativos.................................................................................................421 A Operacionalizao do Termo Dificuldades de Aprendizagem em Investigao426 As Influncias Internacionais.....................................................................................427 O Estatuto Legal do Conceito....................................................................................429

    A ORGANIZAO ESCOLAR E O DESENVOLVIMENTO DOS ALUNO S COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ................... ......................................433

    A Necessidade de Servios de Apoio aos Alunos.......................................................433

  • xiii

    A Conceptualizao dos Servios de Apoio para os Alunos com Dificuldades de Aprendizagem.............................................................................................................435

    OS DESAFIOS DE UM FUTURO INCERTO.............................................................440 Em Sntese........................................................................................................................442

    CONCLUSES E RECOMENDAES..............................................................................447 PONTES PARA O FUTURO .................................................................................................464 REFERNCIAS.......................................................................................................................467 ANEXOS...................................................................................................................................487

    NDICE DE FGURAS

    Figura 1. Modelo bi-dimensional para o estudo da evoluo histrica (1800-1974) do campo

    das dificuldades de aprendizagem (Wiederholt, 1974, p. 105). ..........................................24 Figura 2. Perodos histricos (1800-2000) do campo das dificuldades de aprendizagem

    (Hallahan & Mercer, 2001). ................................................................................................25 Figura 3. Padro de desenvolvimento da investigao naturalista (adaptado de Lincoln &

    Guba, 1985, p. 188)...........................................................................................................159 Figura 4. Processo seguido na escrita dos resultados (adaptado de Yin, 2003b, p. 50). ............172 Figura 5. Modelo interactivo de anlise de dados (adaptado de Miles & Huberman, 1994, p.

    12). ....................................................................................................................................189 Figura 6. Sistema de categorias e subcategorias. .......................................................................193 Figura 7. Resumo das perspectivas de Alfa. ..............................................................................237 Figura 8. Resumo das perspectivas de Beta...............................................................................263 Figura 9. Resumo das perspectivas de Gama.............................................................................298 Figura 10. Resumo das perspectivas de Delta............................................................................320 Figura 11. Resumo das perspectivas de Zeta. ............................................................................352 Figura 12. Resumo das perspectivas de Sigma. .........................................................................404 Figura 13. Aspectos que impediram a evoluo do campo das dificuldades de aprendizagem

    em Portugal. ......................................................................................................................406 Figura 14. Relao entre os trs grupos de alunos....................................................................413 Figura 15. Seis combinaes de critrios de identificao. ......................................................422 Figura 16. Duas combinaes de critrios de identificao em investigao. ...........................426 Figura 17. Sntese das perspectivas dos participantes sobre a existncia de uma definio

    legal de dificuldades de aprendizagem..............................................................................432 Figura 18. Cinco formas de conceptualizar o apoio...................................................................436 Figura 19. Desafios para o campo das dificuldades de aprendizagem......................................440 Figura 20. Sntese das perspectivas dos sete participantes. ......................................................446 Figura 21. Continuum de um apoio escolar s dificuldades de aprendizagem com base no grau

    de resposta interveno (adaptado de Gresham, 2002, p. 503). .....................................457

  • xiv

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1. Guia de Classificao, Sndromas de Disfuno Cerebral (Clements, 1966, p.10).....37 Quadro 2. Proporo dos No Respondentes no Fim do Estudo, Identificados pelo Critrio da

    Discrepncia Dupla, pelo Critrio de realizao e pelo Critrio de Taxa de Crescimento (adaptado de McMaster et al., 2003) .................................................................................120

    Quadro 3. Estabelecimento de confiana: Comparao entre paradigmas (adaptado de Lincoln e Guba, 1985, p. 328 e de Erlandson et al., 1993, p. 133) .................................................197

    Quadro 4. Eventos que Contribuiram para o Desenvolvimento do Campo das Dificuldades de Aprendizagem (Adaptado de Ariel, 1992; Bender, 2004) .................................................409

    Quadro 5. Perspectiva Sobre a Alterao do Termo Dificuldades de Aprendizagem e Sugestes ...........................................................................................................................414

    Quadro 6. Definies Internacionais Mais Utilizadas................................................................428

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    15

    INTRODUO

    Neste estudo abordo o tema das dificuldades de aprendizagem,1 que tem

    intrigado e desafiado muitos profissionais do campo da medicina, da

    psicologia e da educao e que muitos tm considerado dos mais

    incompreendidos, controversos e complexos. A meu ver, se j muitos o

    disseram e escreveram, poucos o tero explicado como Ysseldyke e Algozzine

    o fizeram num artigo intitulado LD or not LD: Thats not the Question!,

    publicado nos EUA, em 1983, no Journal of Learning Disabilities. Como

    nota introdutria os dois autores referem que, quando lhes pediram para

    preparar um pequeno artigo sobre a definio de dificuldades de

    aprendizagem, estremeceram. Depois, indicam que quando quiseram

    responder questo, Quem tem dificuldades de aprendizagem?, aquilo que

    primeiro lhes ocorreu foram as seguintes linhas de uma cano dos Beatles:

    Her name was McGill. And she called herself Lil. But everyone knew her as

    Nancy. A mim ocorre-me dizer que, tal como acontece com a personagem da

    1 No presente trabalho, traduzo para a lngua portuguesa o termo ingls learning disabilities (LD), por dificuldades de aprendizagem, seguindo o que fazem, por exemplo, Correia (1991; 1992; 1997; 2002; 2004b; 1999), Cruz (1999) ou Fonseca (1984; 1999). Entendo-o, sempre, no sentido do conceito norte-americano, excepto nos momentos em que introduzo a voz dos sete participantes que neste estudo comigo partilharam as suas perspectivas sobre o fenmeno das dificuldades de aprendizagem em Portugal.

  • Introduo

    16

    cano dos Beatles, tambm sobre as dificuldades de aprendizagem, aqui e

    alm, existem olhares mltiplos. sobre estes olhares mltiplos que o

    presente trabalho incide.

    A UNIVERSALIDADE DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

    A investigao tem evidenciado que a problemtica das dificuldades de

    aprendizagem universal, ou seja, ocorre em todas as lnguas, culturas e

    naes do mundo (Lerner, 2000). A literatura sobre esta problemtica

    produzida na Austrlia, no Canad, na Alemanha, na Inglaterra, nos EUA, no

    Japo, na Holanda, na Sucia, na Finlndia, na Noruega ou em Portugal (ver,

    por exemplo, Bravo-Valdivieso & Muller, 2001; Correia, 2004b; Elkins, 2001;

    Fonseca, 1996; Gunther, 2001; Klassen, 2002; Lundberg & Hoien, 2001;

    Masayoshi, 2001; Stevens & Werkhoven, 2001; Vianello & Moniga, 1996;

    Vogel, 2001; Wedell, 2001; Wong & Hutchinson, 2001), em conjunto com a

    investigao comparativa, tem, igualmente, mostrado que existem muitas

    diferenas na forma como cada pas compreende o fenmeno das dificuldades

    de aprendizagem, na terminologia usada e no modo como a escola se organiza

    para responder s necessidades e caractersticas dos alunos. Adicionalmente,

    tem revelado que, mesmo quando a terminologia utilizada coincide, as

    definies conceptuais e operacionais podem ser diferentes. Tem, igualmente,

    revelado que, num mesmo pas, existem diversas definies utilizadas em

    simultneo e que h alguma similaridade na histria inicial do campo em

    alguns destes pases (Vianello & Moniga, 1996; Vogel, 2001). No que

    respeita Portugal, a lei omissa em relao definio e aos critrios de

    identificao desta problemtica e, como tal, o conjunto de alunos com

    dificuldades de aprendizagem no , formal e explicitamente, beneficirio de

  • Introduo

    17

    um qualquer apoio especializado nas escolas regulares. Paralelamente,

    existem professores doutorados que nas Universidades portuguesas se tm

    dedicado formao, investigao e produo de literatura neste mbito.

    Assim, embora nas universidades se tenha vindo a produzir conhecimento

    cientfico sobre o tema, a nvel poltico parece no haver reconhecimento da

    existncia destes alunos.

    Contactei com o tema das dificuldades de aprendizagem, pela primeira

    vez, h cerca de 14 anos atravs da frequncia da disciplina Dificuldades de

    Aprendizagem na Faculdade de Motricidade Humana. Esta disciplina marcou-

    me, quer pela complexidade da temtica, quer pelo entusiasmo que o professor

    colocava na forma como nos ensinava. Mais recentemente, a docncia desta

    disciplina a professores do 1 Ciclo do Ensino Bsico, na Universidade do

    Minho sob a orientao do Professor Lus de Miranda Correia, potenciou o

    meu interesse pelo campo. De facto, a leccionao desta e de outras

    disciplinas relacionadas, as formaes que promovi para professores ou para

    equipas de apoio educativo, as conferncias a que assisti, as conversas que tive

    com colegas, com pais e com crianas, proporcionaram-me valiosas

    experincias que me alertaram para o facto de, dia aps dia, os alunos com

    possveis dificuldades de aprendizagem lutarem constantemente com a leitura,

    a matemtica, a escrita, a frustrao, a baixa de auto-estima e at as retenes.

    Paralelamente, toda esta experincia fez-me ouvir professores que no tinham

    com quem colaborar, que no sabiam que critrios utilizar para identificarem

    os alunos, que no tinham materiais para usar, que no conheciam estratgias

    para ensinar; fez-me escutar depoimentos de pais que no percebiam o que se

    passava com os seus filhos ou no encontravam solues satisfatrias no

    sistema de ensino pblico.

    O conhecimento intuitivo do fenmeno das dificuldades de

    aprendizagem em Portugal, o qual fui adquirindo com as experincias

    anteriormente mencionadas, juntamente com o conhecimento racional sobre a

    falta de sistematizao e de informao sobre o que caracteriza o campo das

  • Introduo

    18

    dificuldades de aprendizagem, sobre o escasso conhecimento das perspectivas

    daqueles que tm investigado, tm ensinado e podem exercer alguma presso

    sobre o poder poltico, sobre a inexistncia de uma definio formal, de

    critrios de identificao e de servios especializados de apoio aos alunos com

    esta problemtica, impulsionou o meu interesse pelo tema e justifica a

    pertinncia deste trabalho, cuja finalidade, objectivos e pressupostos apresento

    de seguida.

    FINALIDADE, OBJECTIVOS E PRESSUPOSTOS

    No seu global, a presente dissertao representa o culminar de um

    trabalho que tem por finalidade contribuir para a sistematizao e o

    aprofundamento do conhecimento do fenmeno das dificuldades de

    aprendizagem em Portugal. Fao-o olhando para as perspectivas de sete

    professores universitrios doutorados, que fazendo investigao, clnica,

    ensinando e/ou escrevendo sobre o assunto, podem compreensvel e

    abrangentemente abordar os temas em estudo e contribuir, de uma forma

    mpar, para ajudar a caracterizar o campo das dificuldades de aprendizagem

    em Portugal. O termo perspectivas aqui entendido como a maneira de

    considerar, de ver, de encarar o tema em estudo. Assim, relativamente aos sete

    participantes, tive por objectivos conhecer, descrever, compreender e explorar:

    - Como observam e sentem o que se tem passado ao longo do tempo no

    campo das dificuldades de aprendizagem, em Portugal?

    - Como tm, no contexto nacional, denominado, definido e

    conceptualizado as dificuldades de aprendizagem?

    - Como conceptualizam, no contexto nacional, a educao dos alunos

    com dificuldades de aprendizagem?

  • Introduo

    19

    - Como perspectivam, internacionalmente, o conceito de dificuldades de

    aprendizagem?

    - Quais os desafios que visionam para o futuro do campo das

    dificuldades de aprendizagem em Portugal?

    Este estudo representa uma investigao bsica, na medida em que

    procurei conhecer e compreender a natureza de um fenmeno sobre o qual

    pouco se tem investigado (Patton, 2002). Fi-lo, partindo de uma viso

    naturalista tal como a que proposta por Lincoln e Guba (1985) e,

    consequentemente, aceitando que as realidades existentes no que diz respeito

    ao fenmeno em estudo so mltiplas, construdas e holsticas. Fi-lo

    consciente de que ao investigar as perspectivas dos sete participantes, iria,

    inevitavelmente, encontrar divergncias, levantar questes mais do que

    encontrar respostas, e ter dificuldade em fazer previses ou controlar

    determinados aspectos, embora pudesse chegar a um determinado nvel de

    compreenso do que estava a estudar. Fi-lo consciente, tambm, de que este

    estudo lida com realidades percepcionadas, na medida em que a realidade de

    cada participante conhecida a partir do seu ponto de vista, sempre parcial e

    incompleta, organizada a partir de experincias tidas junto de um nmero

    limitado das partes que constituem o todo, e passvel de ser interpretada

    diversamente quando vista por diferentes prismas. Fi-lo, ainda, aceitando que

    existe uma relao, uma interaco e uma influncia mtua entre mim e cada

    um dos participantes; tenho a noo de que esta interaco e influncias no

    podem ser eliminadas do processo de investigao, pelo que as utilizei como

    oportunidades a explorar para valorizar este trabalho, procurando que, em

    conjunto, crissemos os dados e os resultados da investigao. Alm disso, fi-

    lo aceitando a generalizao naturalistaintuitiva, psicolgica e construda

    com base em conceitos como o da cognio, da abstraco e da compreenso,

    por aqueles que esto interessados em faz-lo. Por fim, fi-lo aceitando que os

  • Introduo

    20

    meus valores (no sentido de critrios, de perspectivas) influenciam este estudo

    e que, por tal, tenho de os ter em conta e de lidar com as suas influncias.

    ORGANIZAO E CONTEDOS

    Este trabalho est organizado em cinco captulos que se seguem

    Introduo. O primeiro dedicado anlise e sntese de informao

    resultante da investigao, da prtica e da teoria que, internacional e

    nacionalmente, tm permitido a acumulao de conhecimento sobre o

    fenmeno das dificuldades de aprendizagem. Constatando que nos EUA se

    tm debatido com grande paixo as questes das dificuldades de aprendizagem

    e produzido muita investigao (Klassen, 2002) que serve como referncia em

    vrios pases, incluindo Portugal, descrevo e analiso a evoluo que se tem

    operado ao longo do tempo nos EUA no campo das dificuldades de

    aprendizagem. Com base no trabalho de Hallahan e Mercer (2002) procuro

    fazer sobressair o conjunto de eventos, de perspectivas e de influncias que

    tm promovido o aparecimento e o aperfeioamento de aspectos relacionados

    com a terminologia, com o conceito, com os critrios de identificao e com o

    apoio aos alunos com dificuldades de aprendizagem. Assim, trao o historial

    do campo, primeiro na Europa e depois nos EUA, e caracterizo a actualidade,

    nomeadamente a origem, o desenvolvimento e os resultados da The Learning

    Disabilities Initiative2 (Iniciativa para as Dificuldades de Aprendizagem). Ao

    longo desta abordagem, olho e fao sobressair, os aspectos que melhor se

    adaptam, complementam, ou valorizam os temas que procuro estudar atravs

    das perspectivas dos sete participantes nacionais. Termino este captulo, tendo

    2 A The Learning Disabilities Initiative, financiada pelo Office of Special Education Programs, decorreu nos EUA em 2000 e 2001, com o objectivo de promover um debater alargado sobre campo das dificuldades de aprendizagem.

  • Introduo

    21

    por referncia a anlise da realidade dos EUA, para reflectir sobre a situao

    portuguesa, referindo e problematizando as aces do governo e dos pais.

    O segundo captulo centra-se na metodologia que utilizei para realizar o

    estudo. Descrevo e justifico as opes metodolgicas que, com base na

    finalidade, nos objectivos, nos recursos e nas minhas caractersticas pessoais

    fui fazendo ao longo do estudo. Apresento o conjunto de directrizes e

    consideraes epistemolgicas que me orientaram e descrevo o processo de

    recolha e de anlise de dados, bem como a forma de apresentao de

    resultados, de concluses e de recomendaes. Por fim, indico quais os

    critrios e as tcnicas que utilizei para procurar garantir a credibilidade

    cientfica deste estudo de carcter naturalista.

    Os dois captulos seguintes so dedicados aos resultados obtidos com a

    investigao que realizei. No terceiro captulo apresento-os sob a forma de

    sete estudos de caso factuais, que procuram dar a conhecer as perspectivas

    individuais dos participantes sobre os temas em estudo. No quarto incluo-os

    num formato de cruzamento, de exame de diferenas e de similaridades, bem

    como de discusso no contexto do debate e da investigao internacional

    contidos no primeiro captulo deste documento.

    Dedico o quinto e ltimo captulo deste trabalho apresentao das

    concluses, procurando caracterizar o campo das dificuldades de

    aprendizagem em Portugal nas vertentes focadas na investigao, bem como

    construir pontes para investigaes futuras.

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    23

    A NATUREZA DO CAMPO DAS

    DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

    Desde o incio do sculo XIX que a problemtica das dificuldades de

    aprendizagem tem vindo a intrigar e a captar o interesse de vrios profissionais

    do campo da medicina, da psicologia e da educao. A anlise do trabalho

    produzido ao longo de mais de duzentos anos permite constatar que muitas das

    teorias, das tcnicas e das controvrsias que actualmente esto relacionadas

    com a identificao, a etiologia e a interveno na rea das dificuldades de

    aprendizagem tm prevalecido, de uma forma ou de outra, ao longo dos

    tempos. O trabalho sobre o historial norte-americano do campo das

    dificuldades de aprendizagem foi bem organizado e sintetizado por vrios

    investigadores (ver por exemplo Ariel, 1992; Bender, 2004; Hallahan &

    Mercer, 2002; Lerner, 1989, 2000; Mercer, 1997; Torgesen, 1991, 1998;

    Wiederholt, 1974). Destaco em primeiro lugar, aquele que considerado um

    clssico: a pesquisa e a sntese produzida por Wiederholt, em 1974. Este autor

    reviu a contribuio daqueles que entre os anos de 1800 e 1974 produziram

    literatura ou aplicaram tcnicas de diagnstico e de interveno em larga

    escala. Como resultado, elaborou um modelo histrico para o estudo do

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    24

    campo das dificuldades de aprendizagem (ver Figura 1) que compreende duas

    dimenses: uma relativa s fases de desenvolvimento do campofase da

    fundao, da transio e da integrao; e outra relativa ao tipo de

    problemticas que despertaram o interesse dos profissionaislinguagem

    falada, linguagem escrita e processos perceptivo-motores (Wiederholt, 1974).

    em vrias publicaes americanas sobre a histria do campo das

    Figura 1. Modelo bi-dimensional para o estudo da evoluo histrica (1800-1974) do

    campo das dificuldades de aprendizagem (Wiederholt, 1974, p. 105).

    Saliento, tambm, o trabalho informativo, exaustivo (Harry, 2002; E. W.

    Martin, 2002), srio e til para qualquer reformulao da legislatura, das

    polticas de orientao ou dos procedimentos de actuao (Britt, 2002) que

    Hallahan e Mercer apresentaram em 2001 no contexto da Iniciativa para as

    Dificuldades de Aprendizagem. Os dois investigadores, reconhecendo a

    influncia de outros profissionais (nomeadamente de Lerner, 2000; Mercer,

    1997; Wiederholt, 1974), conceptualizaram e organizaram a histria do campo

    das dificuldades de aprendizagem nos EUA em cinco perodos (ver Figura 2):

    Osgood 1953

    Wepman 1960

    Kirk 1961

    Myklebust 1954

    McGinnis 1963

    Eisenson 1954

    Monroe 1928

    Kirk 1940

    Gillingham 1946

    Spalding 1957

    Fernald 1921

    Lehtinen 1941

    Cruishank 1961

    Kepart 1955

    Getman 1962

    Barsch 1965

    Frostig 1964

    Gall 1802

    Bouillaud 1825

    Broca 1861

    Jackson 1864

    Bastien 1869

    Wernicke 1881

    Marie 1906

    Head 1926

    Hinshelwood 1917

    Orton 1925 Goldstein 1927

    Staruss e Werner 1933

    Campo das dificuldades de aprendizagem 1963-

    Fase da Fundao

    Fase da Transio

    Fase da Integrao

    Fases Tipo de Problemticas

    Linguagem falada Linguagem escrita Processos perceptivo-motores

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    25

    Perodo da fundao europeia (18001920), perodo da fundao (1920-1960),

    perodo da emergncia (19601975), perodo da solidificao (19751985) e

    perodo da turbulncia (19852000).

    Figura 2. Perodos histricos (1800-2000) do campo das dificuldades de

    aprendizagem (Hallahan & Mercer, 2001).

    Tal como sugerido por Hallahan e Mock (2003), cada um destes

    perodos ilustra os interesses, as teorias e os instrumentos que caracterizam o

    campo das dificuldades de aprendizagem em diferentes pocas. Em conjunto,

    eles evidenciam o progresso e servem de guia para aqueles que procuram

    distinguir o trigo do joio num campo to complexo como o das

    dificuldades de aprendizagem.

    No presente estudo incluo esta perspectiva histrica, essencialmente

    norte-americana, por quatro razes. Primeiro, porque concordo que

    imprescindvel conhecermos o passado para melhor compreendermos a

    natureza das dificuldades de aprendizagem (Kavale & Forness, 1995).

    Segundo, porque sem este conhecimento podemos repetir erros que outros

    cometeram ou at redescobrir ideias j bem documentadas. Terceiro, porque,

    assim, podemos mais eficazmente empenhar-nos no aumento e no

    aperfeioamento do conhecimento na rea das dificuldades de aprendizagem

    (Wiederholt, 1974). Quarto, porque a histria norte-americana do campo das

    dificuldades de aprendizagem ajudar-me- a pensar a realidade portuguesa.

    Saliento que, ao escrever estas pginas, me senti como uma espectadora que

    estava muito afastada daquilo que aconteceu no passado, muito prxima do

    18001920 Perodo da Fundao Europeia

    19201960 Perodo da Fundao

    19601975 Perodo da Emergncia

    19751985 Perodo da Solidificao

    1985 2000 Perodo da Turbulncia

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    26

    que acontecia no presente, e sem uma noo clara do que acontecer no futuro,

    no campo das dificuldades de aprendizagem. Por isso, seguindo o conselho de

    Kauffman (1981), alerto para o favorecimento de um pormenor em relao a

    outro ou para alguma superficialidade em certos aspectos.

    Assim, este captulo tem dois objectivos. O primeiro apresentar a

    evoluo terminolgica, conceptual e operacional do campo das dificuldades

    de aprendizagem, nos EUA. O segundo pensar a realidade portuguesa

    partindo da anlise que fao realidade norte-americana que descrevi.

    EVOLUO TERMINOLGICA, CONCEPTUAL E OPERACIONAL

    O trabalho de Hallahan e Mercer (2002) servir-me- de referncia na

    organizao desta seco, que tem por objectivo descrever o conjunto de

    eventos, de perspectivas e de influncias que tm promovido o aparecimento e

    o aperfeioamento de aspectos relacionados com a terminologia, com o

    conceito e com os critrios de identificao das dificuldades de aprendizagem.

    No final desta seco acrescento a esta referncia histrica de Hallahan e

    Mercer, a descrio do perodo actual, o qual denomino de Perodo da

    Iniciativa para as Dificuldades de Aprendizagem.

    Perodo da Fundao Europeia (18001920)

    Este primeiro perodo da histria do campo das dificuldades de

    aprendizagem foi dominado, por um lado, pela investigao no mbito das

  • Fundao Europeia (1800-1920)

    27

    leses cerebrais adquiridas por adultos em consequncia de acidentes cerebrais

    vasculares ou de incidentes em situao de guerra; e, por outro lado, pela

    procura da localizao das funes sensoriais, perceptivo-motoras e

    lingusticas no crebro humano (Hallahan & Mercer, 2002; Lerner, 1989,

    2000; Wiederholt, 1974). Os investigadores europeus descreveram as

    caractersticas comportamentais que encontraram em pacientes adultos que

    tinham perdido a capacidade de falar ou de ler. Paralelamente, a anlise

    postmortem feita ao crebro destes indivduos permitiu que se correlacionasse

    a funo perdida com a rea que evidenciava estar lesionada (Lerner, 1989,

    2000; Wiederholt, 1974). Embora tenham ocorrido vrias descobertas no

    campo da neurologia, este intervalo de tempo foi caracterizado pela existncia

    de teorias, de dados clnicos e de hipteses contraditrias relativamente

    localizao das funes cerebrais. Foi ainda caracterizado pela falta de

    entendimento entre os profissionais quanto etiologia e aos efeitos, no

    comportamento humano, de determinada leso cerebral (Wiederholt, 1974).

    Neste perodo, tanto os investigadores, como os pais, comearam a tomar

    conscincia de que os comportamentos exibidos pelos adultos com leses

    cerebrais eram, bastantes vezes, idnticos aos das crianas que experienciavam

    problemas nas aprendizagens escolares. Como resultado, levantou-se, pela

    primeira vez, a hiptese de estas crianas apresentarem leses cerebrais

    (Wiederholt, 1974).

    Saliento que, segundo Wiederholt (1974), as hipteses que comearam a

    surgir, neste perodo, relativas etiologia, classificao e ao tratamento das

    desordens perceptivo-motoras, da linguagem falada e da linguagem escrita,

    foram elaboradas com base em estudos clnicos exaustivos, cujos resultados

    foram depois generalizados para a populao. Embora limitadas pela

    tecnologia existente no sculo XIX, estas hipteses de trabalho elaboradas por

    diversos investigadores (ex., Franz Gall, John Bouillaud, Carl Wernick,

    William Broadbent, Adolf Kussmaul, Pringle Morgan, Paul Broca, John

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    28

    Hinshelwood) tm servido como pontos de referncia at aos dias de hoje

    (Hallahan & Mock, 2003). Igualmente importantes para a evoluo do campo

    foram os vrios artigos e livros sobre dificuldades de aprendizagem ao nvel da

    leitura publicados nos ltimos anos deste perodo (Hallahan & Mercer, 2002).

    Perodo da Fundao Norte-Americana3 (19201960)

    No perodo da fundao, que segundo Hallahan e Mock (2003)

    corresponde ao perodo de transio conceptualizado por Wiederholt (1974), o

    trabalho produzido pelos europeus comeou a interessar os profissionais dos

    EUA. Ainda que a investigao sobre as funes e as desordens cerebrais no

    tenha sido interrompida (Lerner, 2000; Wiederholt, 1974), os investigadores

    passaram, neste perodo, a focar-se nos ambientes educacionais, especialmente

    nos programas de interveno (Hallahan & Mock, 2003). Deste modo, durante

    os anos correspondentes a esta poca, os profissionais da sade, da educao e

    da psicologia pouco ou nada se ocuparam de adultos com leses cerebrais.

    Antes, empenharam-se na elaborao de programas de interveno para

    crianas com possveis leses cerebrais, ou, como eram popularmente

    denominadas na altura, com disfuno cerebral mnima (Wiederholt, 1974).

    Este trabalho, desenvolvido essencialmente ao nvel do diagnstico e da

    interveno, resultou no aparecimento de instrumentos de avaliao e de

    tcnicas de interveno que foram altamente pertinentes para o crescimento do

    campo das dificuldades de aprendizagem nos anos 60 e 70 (Hallahan & Mock,

    2003; Lerner, 1989, 2000; Wiederholt, 1974). Tais tcnicas e instrumentos

    foram, na sua maioria, produzidos com base em suposies emergentes no

    perodo histrico anterior e em experincia clnica individual dos

    3 designao que Hallahan e Mercer (2002) deram a este e aos restantes perodos acrescento o termo norte-americano.

  • Fundao Norte-Americana (1920-1960)

    29

    investigadores, existindo, assim, pouca investigao relativamente sua

    eficcia (Wiederholt, 1974).

    Os investigadores norte-americanos que se destacaram durante este

    perodo centraram-se no estudo das dificuldades da leitura e da linguagem

    ex., Samuel Orton, Grace Fernald, Marion Monroe, Samuel Kirk, bem como

    no das dificuldades da percepo, da perceptivo-motricidade e da ateno

    ex., Kurt Goldstein, Heinz Werner, Alfred Strauss, Laura Lehtinen, William

    Cruickshank, Newell Kephart (Hallahan & Mercer, 2002; Wiederholt, 1974).

    Perodo da Emergncia Norte-Americana (19601975)

    Tal como referi anteriormente, no final do perodo da fundao os

    investigadores tinham j desenvolvido instrumentos para a identificao e para

    a interveno junto de alunos com dificuldades de aprendizagem.

    Paralelamente, tinham tambm conhecimento suficiente para reclamarem um

    conceito especfico que, no tendo sido ainda referido como dificuldades de

    aprendizagem, prometia emergir no domnio pblico a qualquer momento

    (Hallahan & Mock, 2003). Como tal, durante o perodo que decorreu entre

    1960 e 1975, o campo das dificuldades de aprendizagem foi caracterizado pelo

    aumento do interesse e da ateno da sociedade civil e do governo, pela

    introduo de nova terminologia e definies, pela formao de associaes de

    pais e de profissionais e pela expanso de programas educacionais, com uma

    nfase particular no processamento psicolgico e no treino perceptivo

    (Hallahan & Mercer, 2002; Hallahan & Mock, 2003). Assim, foram muitos os

    esforos que, individualmente, ou em grupo, pais, profissionais e governo

    desenvolveram, no sentido de promoverem o crescimento do campo (Hallahan

    & Mock, 2003).

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    30

    Gnese do Termo Dificuldades de Aprendizagem e Elaborao das

    Primeiras Definies

    At aos anos 60, os termos disfuno/leso cerebral mnima, dificuldades

    de aprendizagem neuropsicolgicas, dislexia, ou dificuldades perceptivas,

    entre outros, foram utilizados pelos profissionais, quando se queriam referir a

    um conjunto de caractersticas que mais tarde seriam denominadas por

    dificuldades de aprendizagem (Correia, 1991; Cruickshank, 1981; Hammill,

    Leigh, McNutt, & Larsen, 1981, 1988; Kirk, 1963). Para uma melhor

    compreenso da dimenso dos termos que at aos anos 60 tm maior

    significado histrico, apresento de seguida parte de uma listagem elaborada

    por Fonseca4 (1984):

    - dificuldade de leitura adquirida (Lordat, 1843); - impercepo (Broadbent, 1872; Jackson, 1876); - cegueira verbal congnita (congenital word blindness)(Kussman, 1877; Hinshelwood, 1900);

    - dificuldades especficas da leitura (Morgan, 1896); - dislexia (Berlin, 1898); - dislexia especfica e estrefossimbolia (Orton, 1937); - distrbios perceptivos (Strauss & Lehtinen, 1942); - neurfrenia (Doll, 1951); - alexia congnita evolutiva; - sindroma de Strauss (Stevens & Birch, 1957); - aprendizagem lenta (slow learner) (Kephart, 1954); - dislexia (clumsy child); - dificuldades visuomotoras; - hiperactividade; e - disfuno cerebral (Bax & Mackeith, 1963). (p. 225-226)

    Uma vez que, na poca, nenhum destes termos era unanimemente aceite,

    a partir de certa altura tornou-se claro que era necessrio encontrar um outro

    que melhor descrevesse a problemtica em causa (Lerner, 2000). Samuel Kirk

    contribuiu largamente para o surgimento desta nova terminologia. Em 1962

    utilizou o termo dificuldades de aprendizagem (learning disabilities), na

    primeira edio do livro Educating Exceptional Children (Correia, 1991;

    4 Ver Clements (1966) ou Cruickshank (1981) para mais exemplos.

  • Emergncia Norte-Americana (1960-1975)

    31

    Hallahan & Keogh, 2000; Hallahan & Mercer, 2002; Hallahan & Mock, 2003;

    Hammill, 1990; Kirk, 1963; Kirk & Kirk, 1983), que se tornaria no manual

    acadmico mais utilizado na poca (Hallahan & Mercer, 2002). Neste livro, as

    dificuldades de aprendizagem, includas no captulo dedicado paralisia

    cerebral e s desordens associadas, foram definidas da seguinte forma:

    Dificuldades de aprendizagem referem-se a um atraso, a uma desordem ou a uma imaturidade no desenvolvimento de um ou mais processos da fala, da linguagem, da leitura, do soletrar, da escrita ou da aritmtica, resultantes de uma possvel disfuno cerebral e/ou distrbio emocional ou comportamental, e no resultantes de deficincia mental, de privao sensorial ou de factores culturais ou pedaggicos. (Kirk, 1962, p. 263)

    Em Outubro desse mesmo ano, este termo e esta definio (com

    pequenas alteraes) foram divulgados num artigo publicado na revista

    Exceptional Children, por Samuel Kirk e Barbara Bateman. Adicionalmente,

    neste artigo os autores apresentaram dois estudos de caso que personificavam

    o tipo de diagnstico para as dificuldades da leitura que ambos investigavam e

    proclamavam na altura (Kirk & Bateman, 1962).

    Em 6 de Abril de 1963, um conjunto de pais, preocupados com a

    escassez de programas educativos que fizessem face aos problemas dos seus

    filhos, reuniu-se numa conferncia que denominaram Exploration Into the

    Problems of the Perceptually Handicapped Child (Correia, 1991, 1992;

    Cruickshank, 1981; Hallahan & Mercer, 2002; Kavale & Forness, 1995; Kirk,

    1970; Wiederholt, 1974). Para esta conferncia foram convidados vrios

    oradores, entre eles Myklebust, Kephart e Kirk (Kirk, 1970). Segundo

    Hallahan e Mercer (2002), Kirk destacou-se de entre todos, ao fazer um

    discurso que ficou para a histria por introduzir, no domnio pblico, o termo

    e a definio de dificuldades de aprendizagem. Nesta sua comunicao,

    denominada de Behavioral Diagnosis and Remediation of Learning

    Disabilities, Kirk comeou por dizer que sabia que um dos principais

    objectivos da conferncia era encontrar um termo que se aplicasse no s a um

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    32

    determinado conjunto de crianas, mas que servisse, tambm, de denominao

    para a associao nacional que os pais pretendiam fundar (Kirk, 1963, 1970).

    Salientou, de seguida, que no sabia se podia ajudar a audincia, porque

    considerava que a terminologia a utilizar dependia dos objectivos especficos

    da associao. Logo, sugeriu que se o objectivo era investigar a etiologia dos

    problemas das crianas, ento deveriam utilizar um termo de cariz

    neurolgico, mas se o propsito era promover servios, ento, a denominao

    deveria ter um cariz educativo (Kirk, 1963, 1970). De seguida, Kirk discursou

    sobre a sua averso utilizao de rtulos e alertou os participantes para os

    perigos de tal utilizao:

    H algum tempo que tenho vindo a sentir que os rtulos que atribumos s crianas nos satisfazem, mas so de pouca importncia para elas. Parecemos ficar satisfeitos quando damos um nome tcnico a determinada condio. Tal transmite-nos a satisfao de encerrar um ciclo. Pensamos que conhecemos as respostas se pudermos dar um nome ou um rtulo crianalesionada cerebralmente, esquizofrnica, autista, deficiente mental, afsica, etc. . . . o termo leso cerebral, do ponto de vista da gesto e do treino tem pouco sentido para ns. Ele no me diz se uma criana esperta ou estpida, hiperactiva ou hipoactiva. Ele no me d qualquer tipo de pista para a gesto ou para o treino. . . . Adicionalmente no nos indica as causas, pois a designao de uma criana com leso cerebral no nos indica o porqu da criana ter adquirido essa leso, nem como que ela ficou assim. Muitas vezes me pergunto porque razo tendemos a utilizar termos tcnicos e complexos, quando mais exacto e mais significativo descrever o comportamento. . . Gostaria de vos alertar sobre a utilizao compulsiva de rtulos. (Kirk, 1963, p. 2-3)

    Ironicamente, no pargrafo seguinte do seu discurso, Kirk introduziu

    aquele que se viria a tornar, de longe, um dos rtulos mais utilizados na

    educao especial (Hallahan & Mercer, 2002, p. 22):

    Recentemente utilizei o termo dificuldades de aprendizagem para descrever um grupo de crianas que apresentam desordens no desenvolvimento da linguagem, da fala, da leitura, e das competncias de comunicao necessrios interaco social. Neste grupo, no incluo as crianas que apresentam handicaps sensoriais tais como a cegueira ou a surdez, porque temos mtodos para lidar e treinar os cegos e os surdos.

  • Emergncia Norte-Americana (1960-1975)

    33

    Tambm excluo deste grupo as crianas que apresentam deficincia mental generalizada. (Kirk, 1963, p. 3)

    Segundo Kirk (1963), utilizando esta definio, ele e os seus colegas

    estavam a desenvolver mtodos de avaliao e a descrever as caractersticas

    das competncias de comunicao das crianas com dificuldades de

    aprendizagem. Tal dar-lhes-ia, depois, pistas para a elaborao da

    interveno. No sentido de ilustrar o que estava a dizer, Kirk terminou o seu

    discurso com a apresentao de estudos de caso.

    Cruickshank (1981) considerou a introduo do termo dificuldades de

    aprendizagem um dos acidentes mais interessantes da nossa profisso (p.

    80). que Kirk, embora alertando para a sua averso aos rtulos, procurou

    responder quilo que eram os desejos do grupo que o ouvia: encontrar um

    termo para denominar a problemtica dos seus filhos e a associao que

    queriam formar. Desta forma, sublinhou que o termo dificuldades de

    aprendizagem chama a ateno para os problemas acadmicos das crianas e

    para a forma como elas so ensinadas, enquanto que o termo leso cerebral

    chama a ateno para a etiologia do problema (Kirk, 1963, 1970); ou seja,

    Kirk sugeriu que os rtulos mdicos no eram apropriados quando se

    queriam descrever dfices educativos (Kavale & Forness, 1995, p. 58).

    Nessa tarde, termos como leso cerebral e incapacidade perceptiva foram

    discutidos e ponderados pelos participantes, mas a votao acabou por

    terminar a favor do termo dificuldades de aprendizagem (Kirk, 1970).

    Consequentemente, a nova associao foi denominada de Association for

    Children with Learning Disabilities (ACLD) (Correia, 1992; Hallahan &

    Mercer, 2002; Hallahan & Mock, 2003; Hammill, 1993; Kavale & Forness,

    1995; Kirk, 1970, 1981; Wiederholt, 1974).

    Esta conferncia, em especial o discurso de Kirk, teve efeitos

    surpreendentes. O campo das dificuldades de aprendizagem tinha, ento, um

    nome genrico que podia abarcar uma variedade de problemas acadmicos, e

  • A Natureza do Campo das Dificuldades de Aprendizagem

    34

    uma organizao de pais e de profissionais dedicada defesa dos interesses

    dos indivduos com esta problemtica (Hammill, 1993). Pode dizer-se, com

    alguma certeza, que o campo das dificuldades de aprendizagem, enquanto

    entidade, comeou nessa altura (Hammill, 1993; Kavale & Forness, 1995;

    Kirk, 1981). Nos anos 70, durante um discurso em que reflectia sobre os

    pecados que considerava ter cometido no que respeita ao campo das

    dificuldades de aprendizagem, Kirk reconheceu que a advocacia que fez para a

    utilizao do termo, at altura, tinha provocado tantos problemas como

    trazido benefcios (Kirk, 1970).

    Em 1964, Barbara Bateman apresentou, numa conferncia no Kansas,

    uma definio de desordens de aprendizagem (learning desorders). Uma nova

    verso foi publicada em livro, no ano de 1965, num captulo que tinha por

    objectivo a descrio de um modelo de diagnstico para as desordens de

    aprendizagem:

    As crianas que tm desordens de aprendizagem so aquelas que manifestam uma discrepncia educativa significativa entre o seu potencial intelectual estimado e o seu nvel actual de realizao, relacionada com desordens bsicas no processo de aprendizagem, as quais podem, ou no, ser acompanhadas por disfunes demonstrveis no sistema nervoso central e que no so secundrias a deficincia mental generalizada, a privao educacional ou cultural, a distrbio emocional severo ou a perda sensorial. Frequentemente, estas desordens de aprendizagem incluem-se numa ou mais dos seguintes tipos de desordensproblemas de leitura, distrbios visuo-motores e desordens da comunicao verbal. (Bateman, 1965, p. 220)

    Esta definio de Bateman tem um grande valor histrico, na medida em

    que voltou a introduzir a ideia da utilizao da discrepncia entre a realizao

    actual e o potencial intelectual como modo de, formalmente, se identificarem

    alunos com dificuldades de aprendizagem. Esta noo de discrepncia, que

    tinha sido introduzida por Monroe no perodo da fundao com o objectivo de

    identificar alunos com dificuldades de leitura, mas que tinha sido pouco

    utilizada, passou a estar intimamente ligada identificao das dificuldades de

  • Emergncia Norte-Americana (1960-1975)

    35

    aprendizagem, aps a nfase que Bateman lhe deu (Hallahan & Mercer, 2002;

    Hallahan & Mock, 2003).

    Envolvimento do Governo

    No incio dos anos 60, o governo federal norte-americano comeou a

    demonstrar interesse pelo campo das dificuldades de aprendizagem,

    particularmente pela definio do conceito (Hallahan & Mercer, 2002;

    Hallahan & Mock, 2003). Desta forma, financiou o projecto Minimal Brain

    Dysfunction: National Project on Learning Disabilities in Children e fundou o

    National Advisory Committee on Handicapped Children (NACHC), cujas

    contribuies vou descrever nas duas seces seguintes deste trabalho.

    Dinamizao do Minimal Brain Dysfunction: National Project on Learning Disabilities in Children

    A 1 de Outubro de 1964, nasceu oficialmente o projecto Minimal Brain

    Dysfunction: National Project on Learning Disabilities in Children (Clements,

    1966). A denominao deste projecto nacional, por si s, reflectia a diviso

    que predominava no campo, relativamente validade e relevncia da

    atribuio de causas neurolgicas s dificuldades de aprendizagem (Hallahan

    & Mercer, 2002, p. 24). No mbito deste projecto, vrias agncias federais,

    em conjunto com a Easter Seal Research Foundation, co-fi