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Anais da Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435 XXII Semana de Pedagogia X Encontro de Pesquisa em Educação 05 a 08 de Julho de 2016 ¹ Acadêmica bolsista do Programa de Educação Tutorial PET- Pedagogia/UEM ² Professora Doutora Docente Temporária do Departamento de Lingua Portuguesa/UEM O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: reflexões iniciais a partir das concepções de linguagem RODRIGUES, Ana Paula Aires¹ [email protected] SILVA, Darkila Camila Xavier da [email protected] BAZZA, Adélli Bortolon² [email protected] Universidade estadual de Maringá (UEM) História e Historiografia da Educação INTRODUÇÃO É inquestionável o papel que a linguagem exerce no desenvolvimento da sociedade humana, a grande maioria das produções científicas que versam sobre a constituição e organização da nossa sociedade atribuem à linguagem um papel de destaque. Partindo dessa afirmação, consideramos que a linguagem no ambiente escolar deve ser tratada como um aspecto relevante no processo de ensino e de aprendizagem. Portanto, ressaltamos a necessidade de que os/as profissionais envolvidos na educação formal compreendam a importância de conhecer de maneira analítica os materiais didáticos a serem utilizados nesse processo. Especialmente os livros didáticos, que em última instância não são frutos de escolhas autônomas dos/as docentes. Contudo, para que possamos realizar qualquer análise dos livros didáticos e suas propostas, devemos considerar o percurso do ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Segundo Doretto e Beloti (s/d), “o ensino de língua portuguesa iniciou-se com os jesuítas, com o intuito de alfabetizar e catequizar os nativos”. Porém segundo as autoras, Durante o período colonial, a língua mais utilizada no Brasil era o Tupi. Depois, dada a interação dos colonizados e colonizadores, passou-se a ter a Língua Geral. Somente com a expulsão dos jesuítas em 1759, pelo Marquês de Pombal, é que a Língua Portuguesa se

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Anais da

Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435

XXII Semana de Pedagogia

X Encontro de Pesquisa em Educação

05 a 08 de Julho de 2016

¹ Acadêmica bolsista do Programa de Educação Tutorial PET- Pedagogia/UEM

² Professora Doutora Docente Temporária do Departamento de Lingua Portuguesa/UEM

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: reflexões iniciais a partir das

concepções de linguagem

RODRIGUES, Ana Paula Aires¹

[email protected]

SILVA, Darkila Camila Xavier da

[email protected]

BAZZA, Adélli Bortolon²

[email protected]

Universidade estadual de Maringá (UEM)

História e Historiografia da Educação

INTRODUÇÃO

É inquestionável o papel que a linguagem exerce no desenvolvimento da sociedade

humana, a grande maioria das produções científicas que versam sobre a constituição e

organização da nossa sociedade atribuem à linguagem um papel de destaque. Partindo dessa

afirmação, consideramos que a linguagem no ambiente escolar deve ser tratada como um

aspecto relevante no processo de ensino e de aprendizagem. Portanto, ressaltamos a

necessidade de que os/as profissionais envolvidos na educação formal compreendam a

importância de conhecer de maneira analítica os materiais didáticos a serem utilizados nesse

processo. Especialmente os livros didáticos, que em última instância não são frutos de

escolhas autônomas dos/as docentes.

Contudo, para que possamos realizar qualquer análise dos livros didáticos e suas

propostas, devemos considerar o percurso do ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Segundo

Doretto e Beloti (s/d), “o ensino de língua portuguesa iniciou-se com os jesuítas, com o intuito

de alfabetizar e catequizar os nativos”. Porém segundo as autoras,

Durante o período colonial, a língua mais utilizada no Brasil era o

Tupi. Depois, dada a interação dos colonizados e colonizadores,

passou-se a ter a Língua Geral. Somente com a expulsão dos jesuítas

em 1759, pelo Marquês de Pombal, é que a Língua Portuguesa se

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tornou o idioma oficial do Brasil e, então, obrigatório o seu ensino (

DORETO e BELOTI s/d).

Portanto, percebemos que houve um grande trajeto até que a Língua Portuguesa se

constituísse como língua oficial, e mais ainda até ser inserida no currículo educacional. De

acordo com Soares apud Pietri,

[...] durante as primeiras quatro décadas do século XX, com a progressiva

perda do valor do ensino de latim, assumiu autonomia o ensino da gramática

do português. A retórica também sofre modificações no período, quando se

substituiu, como objetivo da disciplina, o falar bem, algo já não tão valorizado

socialmente, pelo escrever bem, então exigência social (SOARES apud

PIETRI, 2010, p.70).

Assim, a língua portuguesa como disciplina escolar pode ser compreendida como fruto de um

processo histórico longo e complexo, permeado por discussões educacionais e alternância de

concepções e objetivos.

Contudo, o que pretendemos com este trabalho é expor de maneira sintética as principais

concepções de linguagem que estiverampresentes no processo de constituição da língua portuguesa no

Brasil. Considerando que o livro didático faz parte do material distribuído para as escolas e constituem

parte fundamental dos planejamentos de aulas da maioria dos/das professores/as, objetivamos

apresentar uma análise, em caráter inicial, de uma unidade de um livro didático, afim deperceber como

se fazem presentes essas concepções nos materiais utilizados pelos/as professores em sua prática

pedagógica no ensino de LP.

Para tanto o livro escolhido foi: “Novo Tempo: Português/ 4 ano” de Maria Helena Correa e

Bernadette Simas Nascimento, editora Scipione publicado em 2010, do qual selecionamos

apenas uma unidade devido às limitações desse trabalho e por se tratar de uma pesquisa de

pequeno porte, em fase inicial.

AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

De acordo com Alba Maria Perfeito (2010), as concepções de linguagem relacionadas

ao ensino da língua portuguesa são abordadas e discutidas por diversos autores. Entre estes

destacam-se Geraldi e Castilho.

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Geraldi (1994) propõe três modos de conceber a linguagem: como Expressão do

Pensamento; como Instrumento de Comunicação e como uma Forma de Interação. Em

contrapartida Castilho (1998) denomina a concepção de linguagem com três modelos teóricos:

como Atividade Mental, como Estrutura e como uma Atividade Social.

Em síntese, Geraldi e Castilho (apud Perfeito, 2010) fazem as mesmas reflexões em

relação as formas de conceber a linguagem, porém com denominações diferentes. Utilizando

os termos de Geraldi (1994), Perfeito (2010) esclarece cada concepção, tendo em vista as

abordagens de ensino apresentadas em cada modelo, ou seja, apresenta o ensino da língua

portuguesa na gramática, na leitura e na produção textual.

A linguagem como expressão de pensamento é compreendida como um recurso que

torna possível a expressão do pensamento de cada sujeito, em outras palavras, significa que a

linguagem é a tradução do pensamento. Este modo de compreender a língua deriva da

tradição gramatical grega, depois foi aderida pelos latinos, na Idade Média e também na

Modernidade.

A linguagem como expressão do pensamento fundamenta os estudos tradicionais, em

que a linguagem é vista como sendo de natureza da racional e por isso o ser humano pensa

conforme regras universais: classificando, ordenando, e entre outros meios próprios da

racionalidade.

No que tange ao ensino da gramática, a concepção de linguagem como expressão do

pensamento, enfatiza o ensino da gramática teórico-normativa, isto é, conceituar, classificar,

dar atenção à concordância, à regras de pontuação e demais regras gramaticais. Em suma, no

ensino da língua prevalece a aprendizagem e o exercício das normas.

No ensino da leitura, a prioridade está no contato com modelos de textos que

apresentam a norma clássica da escrita, ou seja, a aplicação das normas gramaticais com

perfeição. Podemos compreender que a arte do escrever bem pressupõe o falar bem, e para

isso os textos clássicos são apresentados de forma enfática com pressuposto de que o aluno,

ao ver a forma correta de falar e escrever, possa fazer com a mesma qualidade. Contudo, é

importante esclarecer que a interpretação, isto é, a extração do sentido fica a cargo do

professor. Dessa forma, a alfabetização ocorre por meio da aprendizagem da combinação dos

fonemas, e a leitura prioriza a fixação de sentidos já disseminada.

O exercício da produção textual integra a concepção da arte de falar e escrever bem,

com isso há um cuidado excessivo a reprodução e imitação das normas. Uma das estratégias

de ensino é o professor apresentar a estrutura do texto, definir tema e por vezes se limitar na

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construção de frases, pois possibilita a execução da gramática. Sendo assim, as produções são

na maioria das vezes descontextualizadas. De modo geral, no ensino pela concepção da

linguagem como expressão do pensamento, o professor apresenta exemplos do que é esperado

na aprendizagem do aluno e ele deve se espelhar nos bons exemplos.

De acordo com Zanini (1999), essa concepção foi muito marcante na década de 1960,

quando o ideal era dominar informações e acumular conhecimento. O aluno/a nesse contexto

era compreendido como um receptor do conhecimento do professor/a. Além disso, os

conteúdos não estavam necessariamente relacionados com o contexto social do aluno/a.

Desse modo, o ensino priorizava a aprendizagem das normas e dos conceitos, com isso

esperava-se que o/a estudante deveria alcançar o domínio de conhecimentos científicos.

Somente o conhecimento científico era considerado relevante, e por isso o/ aluno/a tinha

contato com livros clássicos que apresentavam a norma culta de escrever e falar corretamente.

Na sala de aula, não havia inclusão dos conteúdos apreendidos no cotidiano dos/as alunos/as,

nem a consideração do contexto social dos/as mesmo/as.

Ao tratar da segunda concepção de linguagem, isto é, a linguagem como instrumento

de comunicação, Perfeito (2010) deixa claro que a língua é compreendida como sistema de

signos expressos em códigos para transmitir uma mensagem. Sobre isso, a autora apresenta

Saussure, o criador da linguística, que afirma que aos poucos a língua passou da comunicação

linguística para função informativa.

O ensino, sob esta perspectiva, foi tratado com destaque para os materiais didáticos,

no período histórico que corresponde à ditadura militar no Brasil, no qual houve o predomínio

da concepção tecnicista. Os livros apresentavam modelos que o aluno deveria repetir. Em

síntese, a aprendizagem da língua era reduzida ao treino e não como expressão de

pensamento, mas aplicação de técnicas para apresentar informações e comunicar-se.

A partir dessa segunda concepção de linguagem, o ensino da gramática direciona para

o estudo dos fatos linguísticos com objetivo de conduzir à internalização inconsciente de

hábitos linguísticos, ou seja, por meio da repetição a aplicação das regras gramaticais se

tornaria automatizada.

Nessa concepção estruturalista, de acordo com Perfeito (2010), especificamente no

que concerne a leitura, o texto é compreendido como portador de sentidos. Sobre isso a autora

cita Goodman (1987), o qual afirma que, partindo da visão do falante universal, pode-se

inferir que também há um leitor universal. Com isso, as estratégias para a leitura, isto é, para

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compreensão, estão direcionadas para o exercício da seleção, antecipação, inferência e

verificação. Esse conjunto de estratégias permite ao leitor abstrair sentidos do texto.

Levando em consideração esse aspecto tecnicista da aprendizagem da língua, de

acordo com Perfeito (2010), podemos afirmar que a produção textual está voltada para ensino

de habilidades que proporcionem fluidez, ou seja, no ensino apresenta-se a estrutura de

determinados textos e o aluno aplica a técnica apresentada para produzir seu texto. Com isso,

a narração, a descrição e a dissertação são gêneros textuais mais exercitados e aplicados na

vida escolar do aluno.

Sobre esta concepção, Zanini (1999) afirma que era predominante na década de 70,

quando se vivia um contexto social de ditadura na qual era essencial que o ensino não

abordasse reflexão, mas aplicação de técnicas para facilitar a aprendizagem. Em outras

palavras, isso significava aprender rápido na lógica de produção.

A terceira concepção de linguagem é denominada como uma forma de interação.

Nesse sentido, percebe-se que o termo interação está relacionado com visões e concepções

advindas da psicologia interacionista. Isso significa que o ensino e aprendizagem da língua

são tratados de uma forma flexível, correspondendo às necessidades e interesses educacionais,

que envolvem a relação dos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem.

Com isso, indica-se que a contextualização se torna um elemento educacional

marcante, pois no ensino abordam-se vários gêneros textuais levando em consideração as

relações sociais. Neste caso, uso da técnica e das normas gramáticas, a arte do bem falar e

bem escrever, apresentadas nas concepções anteriores não são predominantes nesta concepção

de linguagem.

Perfeito (2010) cita alguns teóricos que discutem sobre esta terceira concepção de

linguagem, destacando Bakhtin, que compreende a linguagem como uma interação entre a

língua e o sujeito de modo que dependendo do contexto assume diversidade de sentidos.

Sobre isso a autora escreve

Bakhtin considera o homem um ser histórico e social, carregado de valores,

e a língua na qual e pela qual se constitui, como reflexo das relações estáveis

entre os falantes. De acordo com a época e com os grupos sociais, em

determinada situação concreta, há o domínio de uma variante sobre outra,

existindo, pois, diferentes e inúmeros modos de dizer ( BAKHTIN apud

PERFEITO,2010,p.23).

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Dessa maneira, explicita que há uma diversidade de textos e gêneros, que conversam

entre si e que por vezes se integram, como o jornalismo, pois além de envolver a reportagem

pode haver crônicas, tirinhas e etc. Neste sentido, no ensino da língua portuguesa, a proposta é

combinar, ampliar, transformar determinados gêneros textuais de acordo com o contexto dos

interlocutores.

Em suma, isto significa que para além do ensino da língua é preciso levar em

consideração a eficácia comunicativa em determinado contexto. O autor esclarece que “[...]

em termos pedagógicos a linguagem na percepção enunciativa, os gêneros discursivos,

segundo os PCN (BRASIL,1998) tornam-se objeto de ensino” (PERFEITO,2010, p.25). Com

isso, a autora explica que os documentos oficiais, assim como as Diretrizes Curriculares do

Paraná, tendem a exercer a transposição didática de acordo com as esferas sociais que a escola

possui.

O que se nota sobre a leitura na concepção interativa, é que o leitor assume a função

de atribuir sentido aos textos para além do autor, sendo que, dessa forma, agregam-se novas

formas de ver e avaliar o mundo em todas as relações interpessoais de locutor e interlocutor.

Sobre estes aspectos, Giraldi que afirma que “o texto não tem sentido fixo eúnico, contudo o

leitor não pode ser visto como categoria única no processo dialogal”. (GIRALDI,1991 apud

PERFEITO, 2010, p.27). No que tange a análise linguística é compreendida segundo Perfeito

(2010) como,

Processo reflexivo dos sujeitos-aprendizes em relação à

movimentação de recursos textuais, lexicais e gramaticais no tocante

ao contexto de produção e aos gêneros veiculados no processo de

leitura, de construção e de reescrita textuais (PREFEITO, 2010, p.29)

A partir destes apontamentos, podemos inferir que a análise linguística envolve vários

elementos que possibilitam a reescrita de um texto, sendo que o contexto estará vinculado

com os fatores normativos da língua, isto é, a gramática. Sendo assim, o texto assume novos

sentidos juntamente com a construção de vários gêneros textuais sem perder aspectos formais

da língua.

Ao trabalhar sobre a produção e refacção textuais, o/a professor/a torna-se mediador

entre o sujeito e o objeto de ensino de modo que este deve seguir uma sequência que

favorecem a rapidez na aprendizagem, ou melhor, reduzir a complexidade da tarefa. Contudo,

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nesse processo de reescrita do texto é importante proporcionar ao/a aluno/a uma observação

de seus problemas linguísticos discursivos e não uma forma de apontar erros e/ou substituir

elementos do texto produzido.

Para finalizar, essa terceira concepção de linguagem como forma de interação, nos

encaminhamentos metodológicos, os matérias didáticos bem como a postura do/a professor/a,

partem da exploração do que o/a aluno/a conhece sobre determinado assunto em questão. A

partir das respostas, o/a docente realiza a mediação acrescentando saberes. Além disso,

propõe exercícios que possibilitam a reflexão dos conteúdos aprendidos assim como a

aplicação dos mesmos por meio de atividades.

Zanini (1999) aponta que esta concepção como interação, faz parte do período

histórico de 1980, caracterizada como a época do discurso. Com isso, a participação dos/as

estudantes na aprendizagem a qual também é compreendida como descoberta, o/a professor/a

interage com a turma e estes interagem entre si e com o objeto de conhecimento.

Nota-se, que na década de 80, havia discussões sobre democracia, emancipação, bem

como a efervescência da elaboraçãoe divulgação de teorias psicológicas sobre o

desenvolvimento e aprendizagem, destacam-se nesse contexto a Epistemologia Genética de

Piaget e a abordagem Histórico-Cultural de Vigostsky, além de Saviani e Paulo Freire. Com

isso, pode-se dizer que para além do pensamento sobre educação, o contexto social influencia

de forma significativa as concepções de criança, de desenvolvimento, bem como de

encaminhamentos e organização do espaço escolar, desde a estrutura, papel do/a professor/a e

até os métodos e materiais didáticos.

Apresentação do livro escolhido para análise: “ Novo tempo: português: 4ª série”. São

Paulo: Scipione,2001.

O livro “Novo Tempo: português” é dividido em unidades de modo que, em cada

unidade, há três capítulos. Os capítulos são estruturados da seguinte forma: apresenta um

texto que introduz o tema, depois apresenta exercícios de interpretação oral e escrita, traz

textos complementares, propõe uma atividade lúdica envolvendo o tema abordado. A

produção de textos e a gramática são as últimas propostas de cada capítulo, e a produção de

texto engloba estudo de, ao menos, um elemento da gramática.

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Além desses itens, é possível verificar que o livro traz atividades para serem realizadas

evidenciando opinião e reflexão sobre o conteúdo, e no ensino da gramática, o livro prioriza a

ortografia, denominada como “ortografia aplicada”.

As autoras que escreveram e organizaram o livro foram Maria Helena Corrêa e

Bernadette Simas Nascimento. Maria Helena é licenciada em Língua Portuguesa pela

Universidade de São Paulo (USP). Ex-professora efetiva do Ensino Fundamental e do Ensino

Médio do estado de São Paulo. Autora, com Celso Pedro Luft, da coleção “A palavra é sua-

Língua Portuguesa (de 5ª a 8ª séries) pela Editora Scipione, obra vencedora do Prêmio Jabuti

de Melhor Livro Didático- 1996”.

Bernadette Simas é licenciada em Língua e Literatura Portuguesa pela Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras de Joinville (SC). Formada no curso de Magistério (de 1ª a 4ª

série) no Colégio Normal Novo Ateneu, Curitiba, especializou-se em Alfabetização no

Instituto de Educação do Paraná.O livro em estudo traz na apresentação, escrita pelo professor

Luiz Carlos Cagliari (Unicamp), aspectos evidentes da terceira concepção de linguagem.

Ao mencionar as considerações acerca da importância e validade do livro, o autor

escreve: “trata-se de um material que proporciona interação, integração entre o conhecimento

do aluno com novos conhecimentos, as atividades propostas possibilitam respostas pessoais

bem como abordam conhecimentos interdisciplinares”.

O/a professor/a é visto essencialmente como mediador/a entre o sujeito e

conhecimento, levando em consideração aspectos da ludicidade que englobam a criatividade e

a opinião e não apenas a repetição de modelos.

A unidade 3 foi escolhida para análise de forma aleatória. Nota-se que prevalece o

ensino dos gêneros textuais. Porém, em cada capítulo, aborda mais de três tipos de textos e

com questões de nível de compreensão do tema e do conteúdo em questão.

O primeiro capítulo da unidade 3 introduz o conteúdo com a variação linguística. Para

isso, apresenta um texto que mostra a origem da língua portuguesa bem como outros códigos

utilizados para representar a fala ou denominam coisas, situações e pessoas.

Após meia página de explicação sobre isso, um texto reflexivo sobre o assunto e

algumas atividades de descrição e identificação, o livro traz o gênero trovas e aponta para

uma interpretação oral subjetiva do conteúdo do texto. Além disso, sugere que os alunos

façam uma trova a partir da leitura que acabaram de fazer. Para tornar agradável e facilitar a

declamação da trova, a proposta é de incorporar melodias de rap na trova elaborada.

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Tendo abordado a trova, a identificação do sentido de algumas palavras, aponta, de

forma deslocada, para o gênero carta. Depois retoma as palavras diferentes, mas com

significados semelhantes entre Brasil e Portugal. Em seguida traz o gênero tirinha. Propõe

uma breve interpretação da história e inclui ensino da gramática. Podemos verificar que,

desde o primeiro gênero apresentado,as atividades são de seguir o modelo e ou interpretação

subjetiva. Seguem as imagens das propostas mencionadas,

Figuras 1 e 2

Com essas considerações, podemos destacar que apesar de ser introduzido o ensino de

um elemento da gramática, este não traz explicações consistentes, ao contrário, aponta

modelos e explica a diferença. Os gêneros apresentados não permitem que o aluno veja outros

modelos, nem tampouco aplique em forma de produção textual o que hipoteticamente

aprendeu com a gramática trabalhada a partir da tirinha.

O capítulo posterior retoma o gênero carta, mas sem apresentar a estrutura de uma

carta. Apenas apresenta uma carta enigmática, fazendo algumas atividades interdisciplinares

entre história e língua portuguesa. Pode-se perceber, até aqui, que não há uma linearidade nos

conteúdos e também não há conexões entre os mesmos.

As atividade referentes à interpretação possuem característica da terceira concepção de

linguagem, os exercícios referentes à gramática são predominantemente da concepção de

linguagem como instrumento de comunicação. Isso significa que os exercícios evidenciam a

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agilidade na execução da atividade, ou seja, características próprias do modelo tecnicista de

ensino da língua materna.

Apesar de o capítulo em estudo trazer várias representações linguísticas, gêneros

textuais e conteúdos interdisciplinares, o ensino se reduz ao exercício de aplicação de

modelos e isso influi de forma significativa na complexidade, pois estabelece um nível

mínimo de aperfeiçoamento e ampliação do conhecimento.

Figura3

Podemos avaliar que, apesar de o livro ter sido editado no ano de 2001, com

abordagens da linguagem como interação - conforme o professor Cagliari apresentou no

início do livro- as atividades propostas correspondem de forma predominante à concepção de

linguagem presente na década de 1970. Isso significa que o livro tem algumas características

do interacionismo, mas aborda de forma predominante concepções tecnicistas.

Com base em Zanini (1999), pode-se afirmar que o livro deixa evidente a repetição e a

cópia do modelo, mas, não faz a relação dos conteúdos com a realidade social dos educandos

como preconiza a concepção de linguagem como interação.

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Além disso, em análise das atividades propostas e da estrutura dos capítulos, pode-se

inferir que a mediação do professor supracitada na apresentação do livro, não corresponde ao

que se apresenta no decorrer do livro, de forma especifica na unidade em análise, pois as

explicações se reduzem a seguir modelos e não impulsiona complexidade para o raciocínio do

aluno. Sendo assim a intervenção do professor é mínima.

Em suma, podemos concluir que o livro tenta aplicar a concepção de linguagem como

interação, mas prevalece a linguagem como instrumento de comunicação. A interação está

presente no diálogo e na execução de algumas atividades lúdicas. A complexidade do livro é

regularmente baixa tendo em vista que se trata de um livro destinado ao 4º ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o processo histórico consolidação da língua Portuguesa como língua

materna e a sua inserção na educação formal como componente obrigatório, nota-se que

muitas formulações e reformulações foram postas em prática, e para tanto o livro didático

serviu como instrumento auxilador do/a professor/a nesse processo.

O estudo referente às concepções de linguagem presentes nos diferentes contextos

históricos no Brasil, bem como o exercício de percepção da qualidade do livro didático de

acordo com as intenções pedagógicas de ensino, é tema de extrema relevância para as

discussões no âmbito educacional. Além disso, a análise de um livro da língua portuguesa a

partir das concepções de linguagem, permite identificar as divergências que há entre essas

concepções materializadas em atividades e encaminhamentos metodológicos. Outro fator a ser

considerado é a contribuição para busca de seleção de materiais que possam complementar o

que falta nas atividades e conteúdos do livro, o que poderá instigar o/a professor/a a pesquisar

mais materiais e diponíveis para tratar de determinado conteúdo.

A análise do livro possibilitou a percepção de que, embora haja variações de

concepções de linguagem, estas foram desenvolvidas no decorrer da história da educação com

teorias e métodos de ensino e de aprendizagem diversos, e que em cada contexto social tal

concepção foi proposta como essencial e útil para ensinar a língua materna naquele momento.

Contudo, podemos inferir que, no contexto social atual, é possível indicar que

nenhuma da concepções apresentadas são suficientemente completas se aplicada sozinha.Uma

vez que, a partir da necessidade real da sala de aula o/a professor/a poderá identificar quais

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métodos fundamentados nessas concepções podem contribuir de forma significativa para

aprendizagem dos/as alunos/as e/ou ampliação das mesmas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Língua Portuguesa. Ensino

Fundamental. Terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF,1998.

DORETTO,Shirlei Aparecida. BELOTI, Adriana. Concepções de linguagem e conceitos

correlatos: a influência no trato da língua e da linguagem. Revista Encontros de Vista -

oitava edição Página 89-104.ISSN 1983-828X.

HINTZE, Ana; ANTONIO, Juliano. Variação linguística e o ensino de língua portuguesa

no primeiro ciclo do ensino fundamental. In: ______ Concepções de linguagem e ensino.

Ed. Eduem.

PERFEITO, Alba Maria. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de língua

portuguesa. In:_______ Concepções de linguagem e ensino. Ed. Eduem. 21 ed. Maringá,

2010. P.11-35.

PIETRI, Émerson de. Sobre a constituição da disciplina curricular de língua portuguesa

Faculdade de Educação Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 43 jan./abr. 2010.

ZANINI, Marilurdes. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino da língua

materna. Acta Scientiarum 21 (1): 79-88, 1999.