Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

270
ISSN 1679-6306 XVI SEMANA DE GEOGRAFIA O mundo em movimento: cidade, ambiente, migração Número 5 2008 ANAIS Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO Guarapuava / Irati - Paraná - Brasil www.unicentro.br

Transcript of Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Page 1: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

ISSN 1679-6306

XVI SEMANA DE GEOGRAFIA

O mundo em movimento: cidade, ambiente,

migração

Número 5 2008

ANAIS

Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTROGuarapuava / Irati - Paraná - Brasil

www.unicentro.br

Page 2: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

ANAIS

XVI SEMANA DE GEOGRAFIA

O mundo em movimento: cidade, ambiente, migração

Publicação do Departamento de Geogra$ a

Setor de Ciências Agrárias e Ambientais

Universidade Estadual do Centro-Oeste

Centro Politécnico

Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03

Cx. Postal 3010 Cep 85040-080 Guarapuava/PR

Fone: (0xx42) 3629-8100

www.semanageo.pop.com.br

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na Publicação

Fabiano de Queiroz Jucá – CRB 9/1249

Biblioteca Central da UNICENTRO, Campus Guarapuava

Notas: O conteúdo dos trabalhos completos e resumos destes Anais são de responsabilidade de

seus autores. Os trabalhos foram editados conforme recebidos de seus autores.

Semana de Geogra$ a (16 : 2008 : Guarapuava)S471a Anais – XVI Semana de Geogra$ a: O mundo em movimento: cidade, ambiente,

migração/ Departamento de Geogra$ a da Universidade Estadual do Centro-Oeste. -Guarapuava: UNICENTRO, 2008. 280 p.

Irregular

ISSN 1679-6306

Contém programação e resumos de artigos

1. Geogra$ a – seminários. I. Título

CDD 20ª ed. 910.01

Page 3: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

ANAIS

XVI SEMANA DE GEOGRAFIA

O mundo em movimento: cidade, ambiente, migração

Realização:Departamento de Geogra$ a

UNICENTRO

Coordenação Geral:Profª. Drª. Sandra Lúcia Videira

Prof. Dr. Sergio Fajardo

Comissão Organizadora:Sandra Lúcia Videira

Sergio FajardoMárcia Cristina da Cunha

Pierre Alves CostaMarquiana Freitas Vilas Boas Gomes

Patrícia dos Santos

Comissão Cientí' ca:Edivaldo Lopes + omazLeandro Redin VestenaLuiz Gilberto Bertotti

Márcia da SilvaMárcia Cristina da Cunha

Marquiana Freitas Vilas Boas GomesMaurício Camargo Filho

Paulo NobukuniPierre Alves Costa

Sandra Cristina FerreiraSandra Lúcia Videira

Sergio Fajardo

Monitores: Adriano Araújo do Amaral; César A. de Abreu Vaz; Dalvani Fernan-des; Gerson Lange; Eliton Angrewski; João Carlos Batista Morimitsu; João Eduar-do Hones; Leandro de Almeida Lima; Robison Tiago Coradeli; Rodrigo Penteado; Cléberson Gonçalves.

Page 4: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

ANAIS

XVI SEMANA DE GEOGRAFIA

O mundo em movimento: cidade, ambiente, migração

ReitorVitor Hugo Zanette

Vice-ReitorAldo Nelson Bona

Diretor do Campus de GuarapuavaOsmar Ambrosio de Souza

Diretor do Campus de IratiMário Umberto Menon

Diretor do Centro de Ciências Agrárias e AmbientaisMaurício Osvaldo Moura

Departamento de Geogra' aChefe: Edivaldo Lopes + omaz

Vice-Chefe: Márcia da Silva

EdiçãoEditora UNICENTRO

Beatriz Anselmo Olinto

DiagramaçãoEduardo Oliveira

RevisãoRosana Gonçalves

ImpressãoGrá$ ca da UNICENTROLourival Gonschorowski

Arte Grá' caCapa: Lucas Gomes + imóteo

Desenho: Edson Alves e Elizeu GrzeszezyenArte do logotipo: Kleyton Kleber Knüppel, Ricardo Zolinger Zanin.

Page 5: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Apresentação

O Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO alcançou, nos últimos anos, uma posição de destaque na instituição em virtude da elevação vertiginosa em termos de quali$ cação e produtividade do seu corpo docente. A organização das Semanas de Geogra$ a acompanha esse momento de expansão.

A temática apresentada pela XVI Semana de Geogra$ a: “O mundo em movimento: cidade, ambiente, migração”, abrange algumas das discussões mais relevantes nos dias atuais para o pensamento geográ$ co. Elemento chave da materialização da territorialidade, o espaço urbano se vê entrelaçado ao rural e ao meio físico criando um só ambiente. A dinâmica das ações humanas no território re@ ete na mobilidade da população sobre planeta. Elementos de ordem econômica, política, social e cultural alavancam processos que resultam na rede$ nição espacial global e local. Colocar esses temas em debate junto aos acadêmicos, com apresentação e compartilhamento de novas tendências, estudos e pesquisas, e ainda com o intercâmbio de experiências, possibilita a assimilação do papel ativo que têm a cumprir: conhecer, reconhecer e agir sobre o planeta em que vivem, construindo uma visão de mundo.

As atividades realizadas no evento, que incluem palestras, debates, $ lme, peça de teatro, espaços de diálogo e minicursos, englobam a diversidade temática da Geogra$ a e representam espaços para pesquisadores (docentes e acadêmicos) divulgarem seus trabalhos e compartilharem experiências. Por outro lado, ainda signi$ ca uma porta que o curso abre para a comunidade e aos pro$ ssionais de Geogra$ a e áreas a$ ns de outras instituições.

Guarapuava, 09 a 13 de junho de 2008

A Comissão OrganizadoraXVI Semana de Geogra$ a - UNICENTRO

Page 6: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Sumário

Artigos

Entre tradição e modernidade: a casa de madeira do Faxinal AntaGorda – Prudentópolis-PR ...........................................................................15HAURESKO, Cecília

Orientações teóricas sobre o tema “Centro das cidades” ........................27FERREIRA, Sandra Cristina

Roteiro básico e prático para elaboração de projeto de pesquisa ..........37TURRA NETO, Nécio

A divisão regional o' cial: equívocos e confusões das regionalizaçõesno estado do Paraná .......................................................................................53FAJARDO, Sérgio

Boa Ventura de São Roque no contexto da microrregião dePitanga-PR........................................................................................................67BINDA, Andrey LuisSCHMIDT, Lisandro Pezzi

Estudo geo-histórico de Mamborê-PR .......................................................79CUNHA, Márcia Cristina da

Caracterização da pluviosidade na bacia hidrográ' ca doErnesto - Pitanga-PR ...................................................................................... 89LANGE FILHO, GersonVESTENA, Leandro Redin

Grupos juvenis na cidade e na escola: saberes e práticas parapensar o ensino de geogra' a. ......................................................................101OCTAVIANO, Elisangela MariaTURRA NETO, Nécio

A geohistória do desenvolvimento no Brasil .......................................... 109COSTA, Pierre Alves

O capital estrangeiro no Brasil: algumas considerações ...................... 123VIDEIRA, Sandra Lúcia

A teoria do caos e a geogra' a: fundamentos e perspectivas ............... 137VESTENA, Leandro Redin

Page 7: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Interpretação geográ' ca de um evento pluviométricoexcepcional ocorrido em abril de 1998, Guarapuava-PR ..................... 151AMARAL, Adriano Araújo doTHOMAZ, Edivaldo Lopez

Análise teórica das migrações: enfoques tradicionais e novosenfoques de aporte social ........................................................................... 165BRUMES, Karla RosárioSILVA, Márcia da

O estudo da reestruturação urbana do bairro Vila Carli apartir da pedagogia de projetos: uma contribuição ao ensinode geogra' a ................................................................................................... 175SANTOS, Patrícia dos

Comparação de taxas de in' ltração mensuradas com in' ltrômetrosde anel único e anel duplo .......................................................................... 187PEREIRA, Adalberto Alves THOMAZ, Edivaldo Lopes

Sociedade de risco e poluição hídrica ...................................................... 197SANTOS, Ariodari Francisco dosBERTOTTI, Luiz Gilberto

O desenvolvimento urbano-industrial de Duque de Caxias-RJnas décadas de 1940 a de 1980 ....................................................................207BUENO, Karoline

COSTA, Pierre Alves

Políticas territoriais no Brasil: criação e extinção do TerritórioFederal do Iguaçu .........................................................................................217CORADELI, Robison TiagoFERREIRA, Sandra Cristina

A globalização no contexto local e global: modernidadee complexidade ..............................................................................................229BERTOTTI, Luiz GilbertoSANTOS, Ariodari Francisco dos

O estudo geográ' co das festas como manifestações culturais ............243SIDOR, Simone de Fátima

Page 8: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Resumos

Museu de Ciências Naturais de Guarapuava: um espaço deinformação, cultura e lazer ........................................................................ 259VERONEZZI, Fernando

Monitoramento hidrogeomorfológico do Faxinal Anta Gorda -Prudentópolis-PR ........................................................................................ 260KOLISKI, Carlos AlbertoTHOMAZ, Edivaldo Lopes (Orientador)

Metodologia da observação participante ................................................ 261KUHN, ClaudeteOCTAVIANO, Elisangela MariaTURRA NETO, Nécio (Orientador)

Considerações entre bioturbação e gênese de erosão em túneis emmédia e baixa encosta, Guarapuava-PR ...................................................262BAZZOTTI, Diego MaikonSILVA, Wellington Barbosa daPIETROBELLI, Gisele (Orientadora)

Meio ambiente e recursos hídricos ............................................................263FRANDOLOZO, Marcos Augusto

Geogra' a, história, medicina: a multidisciplinaridade nosescritos de Eurico Branco Ribeiro .............................................................264NASCIMENTO, Diego da Luz eGONÇALVES, Camila MotaTECCHIO, CarolineGANDRA, Edgar Ávila (Orientador)

O poder local a partir do estudo de grupos político-econômicosem Guarapuava-PR .......................................................................................265ANGREWSKI, ElitonSILVA, Márcia da (Orientadora)

A inserção da pequena produção agropecuária no espaçoregional: a mesorregião centro-sul paranaene ........................................266OLIVEIRA, Leisiane deFAJARDO, Sergio (Orientador)

A problemática da água como representação social ..............................267FAGUNDES, Beatriz

Page 9: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Políticas públicas e planejamento: condições básicas parao desenvolvimento sócioespacial em novos municípios:o caso de Goioxim-PR ..................................................................................269ZORZANELLO, Liamar BonattiFERREIRA, Sandra Cristina (Orientadora)

O novo modelo agricola nos municipios de São Carlos doIvai e São Jorge do Ivai e seus impactos ambientais ...............................270BONIFÁCIO, Cássia MariaSERRA, Elpídio (Orientador)

Áreas verdes e políticas públicas em Guarapuava-PR ...........................271VAZ, Cesar Antonio De AbreuGOMES, Marquiana de Freitas V. B. (Orientadora)

Concentração bancária no Brasil: um re3 exo da privatizaçãodos bancos públicos ......................................................................................272LUZ, Ivoir daVIDEIRA, Sandra Lúcia (Orientadora)

Depressões no terreno associadas à estruturas de abatimentoem encosta afetada por erosão em túneis em Guarapuava-PR ............273HOLOCHESKI, CleversonPEREIRA, Simão GonçalvesSILVA, Wellington Barbosa daPIETROBELLI, Gisele (Orientadora)

O capital e o Estado enquanto categorias clássicas na análiseda produção do espaço urbano ..................................................................275FERREIRA, Sandra Cristina

Territorialização no campo: o caso do assentamento 08 de abril–PR ......276DENEZ, Cleiton CostaOLIVEIRA, Éderson Dias de BERNARDINO, Virgílio Manuel Pereira (Orientador)

Identi' cação da 3 ora e fauna do litoral paranaense: o caso daIlha do Mel-PR ...............................................................................................277PUSSINI, NilmarFREDER, AmarildoFERREIRA, JulianoFERREIRA, Sandra Cristina (Orientadora)

Page 10: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Identi' cação dos minerais coletados na escarpa da esperança -Guarapuava-PR .............................................................................................278SILVA, Felipe Alexandre daZANCANARO, GrasielaPASSOS, Jaquelime Rodrigues dosBUENO, KarolineLEAL, Tatiane

Page 11: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Artigos

Page 12: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Entre tradição e modernidade: a casa de madeira do Faxinal Anta Gorda – Prudentópolis-PR

HAURESKO, Cecília1

Resumo: Trata-se neste trabalho da casa de madeira, contudo, não apenas da casa, como abrigo, mas o signi$ cado sociocultural que a ela é atribuído. Através da entrevista com os moradores do faxinal Anta Gorda – no município de Prudentópolis no Paraná, pretendemos mostrar como a “casa de madeira” pode ser uma categoria de análise que permite compreender as concepções de mundo dos seus moradores.

Palavras-chave: tradição; modernidade; casa de madeira.

Introdução

Existem muitas discussões sobre o período que nós vivemos. Estaríamos na modernidade? Na pós-modernidade? Ou seríamos uma sociedade pós-tradicional? Teríamos uma sucessão desses períodos, mediante a anulação do precedente com o advento do próximo? Ou quem sabe poderíamos pensar na permanência de alguns aspectos de cada período e a anulação daqueles que não se ajustaram às ordens sociais vigentes? Neste trabalho vamos discutir Tradição e Modernidade, tendo como referências autores que mostram de que forma a modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a. A tradição, da mesma forma, não é impermeável à mudança. As tradições evoluem com o passar do tempo, mas também podem ser modi$ cadas repentinamente.

O objetivo do trabalho é, a partir da discussão sobre a interação e/ou oposição entre tradição e modernidade, analisar a “casa de madeira”, no espaço rural, tendo como norte o faxinal2 Anta-Gorda localizado em

1 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR. Doutoranda em

Geogra$ as pela UNESP, Rio Claro.2 O faxinal se caracteriza por uma forma de organização sócio-espacial bastante peculiar no Estado

do Paraná. Neste a ocupação do território social foi determinada pelo uso da terra em comum, apesar da terra ser de propriedade - particular/privada – de seus moradores. Internamente, o que caracteriza o faxinal são: o sistema de criações soltas e a presença das cercas separando áreas de lavouras de áreas de criação. Sua formação data do $ nal do século XIX, e atualmente essas comunidades são responsáveis por contribuírem com a manutenção da paisagem @ orestal nativa do Bioma Floresta com Araucária, e especialmente, com um modo de vida tradicional de suas populações representado por sociabilidade particular, derivadas do uso comum da terra e das relações de parentesco (Anais do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, 2005).

Page 13: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

16

Prudentópolis, município da região Centro-Sul do Estado do Paraná. Neste faxinal aproximadamente 90% dos moradores vivem em casas de madeira.

Entendemos que as casas rurais, sejam de madeira ou alvenaria, atendem às necessidades fundamentais do homem como abrigo, vida familiar e trabalho, orientadas segundo as exigências da produção agrícola, porém, com este trabalho aspiramos ir além do caráter funcional da casa rural. Pretendemos mostrar como a “casa de madeira” pode ser uma categoria de análise que permite compreender as concepções de mundo dos seus moradores.

Tradição e modernidade: oposição ou interação?

Segundo Giddens (2000), foi o Iluminismo do século XVIII na Europa que depreciou a tradição, e por isso encontramos in$ ndáveis discussões sobre a modernização e sobre o que signi$ ca ser moderno, mas poucas são as discussões que tratam da tradição. Pouco ou quase nada se falou ou se pensou sobre o papel da tradição na sociedade. Para muitos a tradição representa tão somente o lado sombrio da modernidade, que pode ser facilmente descartada.

Giddens (2000) argumenta que as raízes lingüísticas da palavra “tradição” são antigas. A palavra inglesa “tradition” tem origem no termo latino tradere, que signi$ ca transmitir, ou con$ ar algo à guarda de alguém. Um exemplo bastante esclarecedor sobre Tradere é citado por Giddens. Esta palavra foi originalmente usada no contexto do direito romano, em que se referia às leis da herança. Considerava-se que uma propriedade que passava de uma geração para outra era dada em con$ ança – o herdeiro tinha obrigação de protegê-la e promovê-la.

Ao falar de tradição no direito romano, a impressão que temos é que a noção de tradição da época é a mesma que reina entre nós hoje. Giddens lembra que o termo “tradição” como é usado hoje é, na verdade, um produto dos últimos dois séculos na Europa. A noção geral de tradição não existia nos tempos medievais, dado que não era necessária, pois estava em toda parte. Assim, a idéia de tradição, salienta Giddens (2000), “é ela própria uma criação da modernidade”. Mas, o que efetivamente é Tradição, quais são as suas marcas?

Por tradição, entende-se tudo aquilo que mantém as ordens sociais em sociedades pré-modernas. “Na tradição a noção de tempo é fundamental, considerando que a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada in@ uência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada in@ uência sobre o presente” (GIDDENS, 2001, p. 31).

Page 14: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

17

O futuro também está incluso, posto que a repetição é a forma que a tradição encontra para organizá-lo sem considerá-lo como um território separado. Há, então, inscrita à tradição uma noção de persistência e de memória coletiva com uma força de agregação tanto moral quanto emocional. Com isso, o passado não pode ser considerado em sentido de preservação, mas em constante reconstrução, parcialmente individual, mas fundamentalmente social ou coletiva. Por isso, podemos dizer que a tradição é um meio organizador da memória coletiva (GIDDENS, 2001, p. 32).

Em sua de$ nição, Giddens (1991) enfatiza na tradição seu caráter ritual que, ao ser interpretado, estabelece uma verdade formular, a que apenas alguns têm acesso, aqueles que passam a serem seus guardiões, conforme sua competência. Por $ m, há ainda o conteúdo normativo ou moral da tradição, que indica o que se é e o que se deve ser, mas também oferece uma segurança ontológica aos que aderem a ela. O autor admite: a questão do que é uma sociedade tradicional permanece sem solução. Giddens (2001, p. 35), a$ rma que sociedade tradicional é aquela em que a tradição exerce um papel dominante.

Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais por sua vez são estruturados por práticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1991, p.37-8 apud HALL, 2002, p. 14-15)

Nas condições da modernidade, o ritual é reinventado e reformulado. A modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a, e, neste sentido, também expressa continuidade. Grande parte dos valores relacionados à tradição permanece e se reproduz no âmbito da comunidade local. Porém, a modernidade teve que “inventar” tradições e romper com a “tradição genuína”, isto é, com aqueles valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno. A modernidade, neste sentido, expressa descontinuidade, a ruptura entre o que se apresenta como o “novo” e o que persiste como herança do “velho”. A modernidade expressa a ruptura com a idéia de comunidade (uma e corpori$ cada no dirigente) e passagem à idéia de sociedade, onde nada mais é harmônico, os interesses são con@ itantes, as classes são antagônicas e os grupos diversi$ cados.

Para Giddens (1991, p.11), a modernidade rompe com o referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por

Page 15: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

18

organizações muito maiores e impessoais. “O indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecido em ambientes mais tradicionais”. (GIDDENS, 2002, p. 38)

Hobsbawm (1997) a$ rma que as tradições muitas vezes parecem ou são consideradas antigas, mas que na verdade são bastante recentes, quando não são inventadas. “O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca inde$ nido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez” (HOBSBAWM,1997,p.09).

Giddens (2000) sustenta que, nenhuma sociedade tradicional era inteiramente tradicional, e tradições e costumes foram inventados por uma diversidade de razões. Não deveríamos supor que a construção consciente da tradição é encontrada apenas no período moderno. Além disso, as tradições sempre incorporam poder, quer tenham sido construídas de maneira deliberada ou não. Reis, imperadores, sacerdotes e outros vêm há muito tempo inventando tradições que legitimem seu mando. Uma tradição completamente pura é algo que não existe. O que de$ ne uma “tradição inventada”

é um conjunto de práticas , normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado (HOBSBAWM, 1997, p.09).

Giddens (1991) argumenta que, na modernidade, algumas instituições são radicalmente novas, como por exemplo o Estado Nação, a mercantilização de produtos e o trabalho assalariado, ou elas têm uma enganosa continuidade com as formas anteriores (por exemplo, a cidade), mas são organizadas em torno de princípios bastante diferentes.

Neste sentido, buscaremos a seguir discutir as casas de madeira como estruturas tradicionais do Sul do Paraná e, posteriormente, falaremos sobre as alterações que estas sofreram.

Page 16: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

19

As casas de madeira no Sul do Paraná

A casa tradicional do sul do Paraná, a “casa de madeira” é parte da herança de imigrantes europeus, em sua maioria eslavos que para cá vieram, e têm sua existência intimamente relacionada a um elemento: a araucária. Segundo Cataldo (1959, p.115), “a abundância dos pinheirais na região sul, madeira facilmente trabalhada, é a causa principal da difusão desse tipo de habitação, que é um aspecto tradicional do sul do Paraná.

A casa que estamos analisando tem um estilo que marca a paisagem do sul do Paraná, sendo considerado tradicional, embora seja uma construção bastante recente, de $ ns do século XIX ao século XX. Neste caso, as casas de madeira passam a serem chamadas como tradicionais, a partir do momento em que as casas de alvenaria começam a aparecer no meio rural. É o “novo” tido como “moderno” e o “velho”, o precedente, é tido como “antigo, tradicional”. A casa da madeira passa por uma espécie de desprestigiamento enquanto que a casa de alvenaria passa a signi$ car progresso, poder, prestígio social.

A madeira sempre foi uma matéria – prima bastante utilizada na construção de habitações. No Brasil, as habitações indígenas são os primeiros exemplos do emprego desse material na construção de suas casas.

Segundo Wachowicz (1989), os caboclos (que também habitavam a região centro-sul) viviam em ranchinhos de pequenos troncos cobertos com folhas de bambu. Se possuíam alguma madeira industrializada em sua construção eram lascas de pinheiro. Muitos cobriam as casas com tabuinhas lascadas também do pinheiro. Nas décadas de 1920 e 30, quase todas as casas eram de chão, não havia assoalhos de madeira.

Com base em Garcia; Guernieri; Pereira et al., (1987), no período colonial, algumas casas eram construídas em alvenaria de pedra, possuindo divisórias internas em pau-a-pique - processo construtivo no qual se associam a madeira, como elemento estrutural, e o barro amassado, como vedação. Nas casas mais simples essa técnica construtiva era empregada em toda a edi$ cação. Entretanto, as estruturas complementares - telhados, requadro e fechamento de vãos, assoalhos e varandas - eram geralmente executados em madeira.

A evolução das técnicas construtivas no Brasil ocorreu em função das características do material predominante em cada região geográ$ ca, sendo que no Paraná, e mais precisamente no Sul do Paraná, predominou durante longos anos a construção de casas de madeira do Pinheiro (Araucária angustifólia). Estas construções apresentam uma variedade de formas, adornos e cores características, particularmente, após a vinda de colonos imigrantes europeus para este Estado.

Page 17: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

20

A diversidade cultural dessa nova população trouxe modi$ cações nas soluções arquitetônicas, evidenciadas pelo uso de diferentes técnicas e materiais de construção. Garcia; Guernieri; Pereira et al., (1987) a$ rmam que os imigrantes alemães construíram suas casas com enxaiméis - estrutura de madeira com peças diagonais de travamento, cujos intervalos são preenchidos por tijolos. Os poloneses e italianos, de origem camponesa, estabeleceram-se em colônias próximas às cidades. As casas dos imigrantes italianos eram construídas em alvenaria de tijolos. Os poloneses empregavam troncos de árvores sobrepostos horizontalmente, com encaixes nos cantos das paredes. Os imigrantes ucranianos construíram suas primeiras casas em madeira encaixada.

Ao $ nal do século XIX, a intensi$ cação e mecanização da exploração madeireira e a instalação de serrarias, onde a matéria-prima era abundante, permitiram a padronização de elementos construtivos e o aumento e difusão das construções em madeira. Gradativamente, a simplicidade inicial foi modi$ cada pelo acréscimo de novos espaços aliada à criatividade de cada construtor ou cada morador. Acrescida de espaços e ornamentos peculiares às famílias que as constroem, as casas de madeira passaram a ser expressão arquitetônica de uma tradição cultural do sul do Paraná.

Martins (1989) lembra que a tradicional casa de madeira, foi precedida pela casa de taipa e sapé, levantada perto dos rios, mal coberta, mal fechada, insalubre e úmida, tão primitiva quanto a do seu contemporâneo brasileiro, referindo-se certamente ao caboclo. Importante chamar atenção para este fato. As casas de hoje têm pouca semelhança com as primeiras casas dos europeus e talvez menos ainda com as casas que os imigrantes europeus deixaram em seus países. A narrativa a seguir poderia talvez con$ rmar o que estamos dizendo: Martins (1989) narra o episódio da visita de D. Pedro II a Curitiba, em 1880. - D. Pedro diante de uma casa de três andares perguntou: De quem é esta casa? Ao que lhe responderam: De um alemão. Depois indicou uma casa de dois andares e ainda mais uma vez o dono era um alemão. E sua majestade, sem esconder um secreto contentamento de Habsburgo “Então são só os alemães, que constroem casas tão bonitas?

Segundo Martins (1989), não, não eram só os alemães, e nem sempre seriam casas bonitas, mas todas elas atestavam e atestam a presença desse vasto e profundo fenômeno de aculturação. Defende o autor que se trata de um fenômeno no mais legítimo sentido da palavra, porque as in@ uências locais são igualmente impositivas, de tal forma que Emilio Willems, acreditava que essas casas, transportadas para uma paisagem alemã,espantariam pelo seu exotismo. Não há no Paraná uma “casa alemã”,

Page 18: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

21

ou uma “casa polonesa” ou uma “casa italiana”, ou uma “casa suíça”, mas uma casa paranaense que é uma mistura indeterminada e em graus variáveis de elementos típicos dessas culturas. Neste sentido, Giddens (2000) lembra: uma tradição completamente pura não existe.

Martins (1989), porém, assinala que, no Paraná, Pierre Denis já registrara que salvo algumas colônias polacas em que uma antiga arquitetura de madeira, importada da Europa, preside ainda a construção da igreja, todas essas aldeias do interior são do mesmo modelo, situadas na vertente de uma colina, com as suas casas baixas, pintadas com uma aguada, a branco, rosa ou verde. Todavia, é inegável a in@ uência de estilos ou de gostos europeus na arquitetura paranaense. Há pouco tempo, era possível traçar, segundo Martins, um limite, o mesmo que separa o primeiro planalto do litoral: a serra do mar.

Outro ponto importante a salientar é que devido à grande oferta de madeira no sul Paraná, toda “paisagem construída” (casas, estábulos, vendas, igrejas) pelos então paranaenses era de madeira, dado que os preços da mesma eram ín$ mos. Por isso, o bom tom da burguesia da cidade rezava que a madeira devia ser evitada. Os argumentos sobre as virtudes climáticas, psicológicas ou culturais da madeira não existiam. Usava-se porque era barato. E por muito tempo, entrando pelos anos 1970, em Curitiba, construção de madeira signi$ caria falta de dinheiro e posição social inferior. Para os legisladores, uma urbe civilizada era uma urbe moldada com alvenaria. Segundo Ira (2001), em relação às residências de madeira, estava previsto no Código de Posturas de 1919, no parágrafo 7º do Artigo 61º, seguinte: “Sejam as abas dos telhados, exceto as do fundo, guarnecidas de lambrequins. O decorativismo era evidente, sem calhas à disposição, os lambrequins se justi$ cavam, como pingadeiras, nas arestas por onde as águas das chuvas @ uíam, impedindo que a água escorresse pelos beirais. Mas as posturas municipais passaram a exigir os lambrequins em todas as abas visíveis a partir da rua. Os lambrequins resultaram em uma das lendas curitibanas. O autor diz que de desconhecimento em desconhecimento, acreditou-se que os lambrequins eram uma prova clara e claríssima da in@ uência germânica ou italiana, pois os construtores alemães eram os mais ativos da cidade no $ nal do século XIX. Mas como alemães e italianos habitavam em outras partes do Brasil, onde os lambrequins não eram tão triviais, a solução foi inventar genealogias que acabaram ligando os lambrequins aos poloneses. Ora, se a maioria dos poloneses que imigraram para o Brasil se estabeleceu na região de Curitiba, e como só em Curitiba todas as casas de madeira foram decoradas com lambrequins, o lambrequim só podia estar relacionado aos poloneses ou, pelo menos, esta

Page 19: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

22

seria a “origem mais provável”, sem que outras hipóteses fossem formuladas. E, assim, o modismo que se transformou numa imposição legal inexistente em outras cidades brasileiras seria divulgado como uma particularidade cultural da arquitetura de Curitiba, in@ uenciada por um grupo étnico.

No meio rural, como não havia e não há exigências do Código Municipal de Posturas, os moradores tinham livre arbítrio para construir a sua casa.

De acordo com Martins (1989, p. 277):

Cada colono, fora da área urbana, pode dar vazão aos seus gostos, às suas capacidades particulares. A casa rural [...] é assim produto do seu proprietário espontaneidade essa que sofreu a in@ uência de tradições ancestrais trazidas do país de origem, mas que vieram a desenvolver-se num quadro inteiramente novo.

Concordamos com Martins (1989), quando ele diz que é o próprio colono (se referindo ao colono europeu quando chega ao Paraná) que edi$ ca a sua casa, utilizando-se de material encontrado no lote, como: varas, madeiras, barro, sapé, etc. O estrangeiro, mais por uma questão sentimental, procura criar a sua casa, e na paisagem que a circunda, um ambiente que lhe relembre a terra natal. Só assim é que se justi$ cam as formas arquitetônicas, injusti$ cáveis no clima paranaense como são exemplo, as inclinações tradicionais dos grandes telhados europeus.

Quando falamos em casas de madeira de estilo europeu, certamente, a primeira imagem que nos vem à cabeça é de uma casa colorida com cores quentes, e enfeitada com lambrequins, um telhado longo de duas águas. Entretanto, há uma variedade enorme de casas de madeira relacionada com o grau de prosperidade do proprietário e de acordo com as relações que a família estabelece com a sociedade em geral.

As casas de madeira no Faxinal Anta Gorda– Prudentópolis-PR

A pesquisa realizada demonstrou que as casas não são vistas apenas como um lugar para morar, mas também uma forma de diferenciação social entre os moradores. Para os moradores as casas, são objetos materiais de status social, progresso e prestígio. Esse prestígio desaparece se a casa for de madeira. As modi$ cações feitas nas casas, como a incorporação de churrasqueiras, banheiros (símbolos da modernidade para eles) são fatores que distinguem os moradores uns dos outros. Com algumas exceções, os

Page 20: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

23

atuais moradores do faxinal iniciaram sua moradia na área em condições semelhantes, ou seja, vivendo em modestas casas de madeira. Este fato dava àquelas pessoas, naquele momento, um status social homogêneo.

Com o passar do tempo, entretanto, alguns $ zeram melhorias em suas casas, aumentaram o tamanho da casa, pintaram com melhores tintas, etc. Outros simplesmente substituíram-nas por casas de alvenaria, “mais modernas”, segundo eles, e “ é uma casa para sempre”. “As casas de madeira apodrecem”. A vontade dos moradores com menor poder aquisitivo é ir “devagarinho”, substituindo partes da casa de madeira por alvenaria. É nesse processo de troca do material de construção da casa que as famílias mostram aos demais moradores sua transformação e ascensão social.

A casa de madeira foi, no $ nal do século XIX e XX, um marco da homogeneidade da comunidade faxinalense. Todos os moradores tinham uma casa, que, segundo os moradores mais idosos, eram bastante simples. Esse fato os aproximava mais, porque todos moravam nas mesmas condições e todos eram pobres. Hoje, disse-me uma moradora “todo mundo quer desmanchar a casa de madeira, porque é feia, antiga”. Observamos que é constante a preocupação dos faxinalenses em melhorar as condições da casa, em especial, quando a família tem $ lhos trabalhando na cidade. Este fato força as famílias a se adequarem aos padrões citadinos. O banheiro no interior da casa é re@ exo e resultado da vivência dos $ lhos nas cidades.

A diferença entre os moradores “bem de vida” e os “pobres”, pode ser facilmente identi$ cada, segundo a moradora. “A casa do rico é de muro, bem pintada, janela de vidro”

O progresso aparece quando troca-se a madeira pelo tijolo, isto é trocar a madeira que é um material (orgânico) de baixa durabilidade, para um material (arti$ cial) de longa vida.

Numa descrição bastante simpli$ cada, a fachada da casa é o lado principal e é onde está a entrada mais importante. A entrada do fundo ou das laterais, sempre menos conservada, é de uso exclusivo dos moradores ou pessoas próximas, parentes, amigos, vizinhos íntimos. Essas casas têm outro detalhe muito interessante, a fachada sempre tem duas ou mais janelas, além da porta que geralmente dá entrada para a sala de visita. A fachada geralmente é a parte da casa que recebe melhores cuidados, pois $ ca exposta, à “todos aqueles que chegam e que passam por aqui e por isso a gente cuida”, disse-me uma entrevistada. A porta frontal tem, para o morador rural, importantes funções: receber pessoas ilustres, religiosos como o padre, freiras; servir para a saída da $ lha noiva, no dia de seu

Page 21: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

24

casamento; facilitar em dia de velório3 a retirada do familiar falecido; para receber a comunidade no natal com cânticos natalinos; no ano novo, para acolher crianças que jogam sementes (trigo) desejando fartura para o ano vindouro. Essas são algumas das funções enumeradas pelos entrevistados.

Algumas casas têm a cozinha dissociada do restante da casa, inclusive, o que se notou durante a pesquisa de campo, é que cozinha não é casa. Quando os moradores convidam para a casa, convidam para a sala de visita, parte da habitação onde $ cam a sala (de visita) e os quartos. Na parte dissociada, como um apêndice da habitação, $ ca a cozinha.

O fato de morar numa casa de alvenaria proporciona um sentimento de satisfação, demonstrado por uma moradora que construiu recentemente a tão sonhada casa, no sistema casa pré-fabricada. Porém, nem todos os moradores estão transformando suas casas. Encontramos moradores que moram em casas de madeira construídas ainda pelos seus pais há mais de 50 anos e têm com elas uma nítida relação de afetividade e respeito, pois segundo eles “aqui está o suor dos nossos familiares que já morreram”

Ao explicar a conquista material das casas de alvenaria, os moradores apontam as fontes que contribuíram para tal: citam PRONAF (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar), a cultura do fumo e a ajuda dos $ lhos que trabalham na cidade.

Considerações ' naisA descrição acima nos mostra que a casa é um dos objetos materiais

que situam o morador no ranking social de sua comunidade. É por meio da casa que as pessoas manifestam suas conquistas pessoais e sociais.

O aspecto físico da casa é particularmente revelador de distinções de seus moradores. A transformação da casa de madeira para alvenaria, de pequena para maior, implica a transformação social dos faxinalenses. Veri$ ca-se que a casa não é apenas lócus de relações de parentesco, mas também a expressão material de diferenciações sociais entre os moradores, tais como progresso, prestígio social.

Observamos que a casa tem historicamente permitido uma variedade de imagens e signi$ cados, seja ela um abrigo, espaço simbólico de pertencimento social, de intimidade e segurança, além do prestígio social.

3 Em muitas localidades rurais, ainda realizam-se os velórios na sala da casa onde a pessoa falecida

residia. Vale registrar que nos velórios são servidos: café da manhã, almoço, para todos aqueles que vêm despedir-se do falecido. Em respeito ao trabalho e a vida do ente falecido a família serve o melhor alimento, não se importando com as despesas que $ carão.

Page 22: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

25

A casa é um objeto sinalizador da renda familiar, ocupação e escolarização. A pesquisa permitiu observar como o espaço residencial está associada às relações sociais estabelecidas pela família.

Em se tratando de uma categoria analítica, a casa nos oferece pontos de referência importantes, pois é manifestação material de concepções de mundo tanto nas sociedades tradicionais como nas sociedades modernas.

Referências

BALHANA, A. P. Roteiro para estudo da Casa Rural no Sul do Brasil. In: Boletim Paranaense de Geogra' a. nº 6 e 7. Maio de 1962.

CATALDO, D. M. Casas de madeira do Paraná. In: Revista Brasileira de Geogra' a. Janeiro- Março de 1959.

DUDEQUE, Ira. Espirais de madeira: uma história da arquitetura de Curitiba. São Paulo: Studio Nobel - FAPESP, 2001.

GARCIA, F. S.; GUERNIERI, M. S.; PEREIRA, G. de F.;WEIHRMANN, S. Arquitetura em madeira : uma tradição paranaense In: Scientia et Labor, Curitiba, 1987.

MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná. São Paulo: Martins fontes

WACHOWICZ. R. C. Paraná, Sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985.

Page 23: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Orientações teóricas sobre o tema “Centro das cidades”

FERREIRA, Sandra Cristina 1

Resumo: O artigo, apresenta uma discussão teórica sobre o tema “centro das cidades”. As cidades, com suas diferentes constituições históricas, apresentam, em comum, um espaço tido como tradicional ou principal, apontado por alguns autores como o coração das urbes por ser, geralmente, o local de origem do núcleo urbano e englobar valores históricos, econômico-social, político e cultural. A $ m de contemplar os objetivos do artigo, que consistem em apresentar orientações teóricas e metodológicas para pesquisas sobre a área central das cidades, elegemos e apresentamos algumas abordagens teóricas importantes para a compreensão desse relevante tema no âmbito da Geogra$ a Urbana. Discutimos a temática a partir das re@ exões embasadas por tais referências. Para tanto, recorremos a estudos elaborados por autores clássicos e contemporâneos, que se envolveram com a temática, tendo por análise cidades norte-americanas e européias, mas, principalmente, brasileiras. Para a análise do centro de uma cidade é fundamental entender a dinâmica da estruturação urbana, os processos que re@ etem as mutações pelas quais a urbe passa e sua diferenciação conforme o potencial de expansão do espaço urbano. O centro urbano representa enquanto ponto de uni$ cação das partes, na medida que se estendem as vias de comunicação da cidade até esse recorte espacial urbano, como algo que interliga-a, por sua in@ uência histórica, funcional, econômica e social. Isso é, acontece na medida em que essa área constitui-se, “no foco principal não apenas da cidade, mas também de sua hinterlândia. Nela concentram-se as principais atividades comerciais, de serviços, da gestão pública e privada, e os terminais de transporte inter-regionais e intra-urbanos.” (CORRÊA 1989, p.38). Considerando a importância que tal recorte temático e espacial representa para a Geogra$ a Urbana, objetivamos construir uma base teórica com encaminhamento metodológico para o entendimento do papel do centro na produção sócioespacial da cidade.

Palavras-chave: centro; cidade; sociedade.

1 Docente do Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO-PR. Doutoranda pelo Programa de Pós

Graduação em Geogra$ a – UNESP de Presidente Prudente-SP. e-mail: [email protected].

Page 24: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

28

Introdução

As cidades, com suas diferentes constituições históricas, apresentam, em comum, um espaço tido como tradicional ou principal, apontado por alguns autores como o coração das urbes por ser, geralmente, o local de origem do núcleo urbano e englobar valores históricos, econômico-social, político e cultural.

A $ m de contemplar os objetivos do artigo, que consistem em apresentar orientações teóricas e metodológicas para pesquisas sobre a área central das cidades, elegemos e apresentaremos algumas abordagens teóricas importantes para a compreensão desse relevante tema no âmbito da Geogra$ a Urbana. Discutimos a temática a partir das re@ exões embasadas por tais referências. Para tanto, recorremos a estudos elaborados por autores clássicos e contemporâneos, que se envolveram com a temática, tendo por análise cidades norte-americanas e européias, mas, principalmente, brasileiras.

Metodologia

Para a análise do centro de uma cidade é fundamental entender a dinâmica da estruturação urbana, os processos que re@ etem as mutações pelas quais a urbe passa e sua diferenciação, conforme o potencial de expansão do espaço urbano considerando que:

[...] as relações espaciais integram, ainda que diferentemente, as diversas partes da cidade, unindo-as em um conjunto articulado cujo o núcleo de articulação tem sido tradicionalmente o centro da cidade [...] CORRÊA (1989,p.08)

Outro encaminhamento metodológico, parte do entendimento da importância que o centro urbano representa enquanto ponto de uni$ cação das partes, na medida que se estendem as vias de comunicação da cidade até esse recorte espacial urbano, como algo que interliga-a, por sua in@ uência histórica, funcional, econômica e social. Isso é, acontece na medida em que essa área constitui-se,

[...] No foco principal não apenas da cidade mas também de sua hinterlândia. Nela concentram-se as principais atividades comerciais, de serviços, da gestão pública e privada, e os terminais de transporte inter-regionais e intra-urbanos. Ela se destaca na paisagem da cidade pela sua verticalização. (CORRÊA 1989, p.38)

Page 25: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

29

Considerando a importância que tal recorte temático e espacial representa para a Geogra$ a Urbana, seguiremos visando construir uma base teórica com encaminhamento metodológico para o entendimento do papel do centro na produção sócioespacial da cidade.

Caminhos que levam ao centro: convergência e concentração

Ao descrever o centro da cidade, destaca-se a relevância que tal área representa para a população desta, como um ponto de contato tradicional, o papel integrador e o poder de atração que exerce à maioria das pessoas pela concentração de transportes coletivos, de atividades comerciais, serviços e lazer, além do aspecto residencial que, em muitas cidades, principalmente médias e grandes, tem diminuído enquanto que, em cidades pequenas, é mais comum residir na área em pauta.

Caberia aqui a questão da deteriorização da área central, suas causas e conseqüências, revitalização desta, entre outros eixos de pesquisa na mesma temática, sendo que nesse trabalho, nos ateremos ao centro no sentido amplo.

Contudo, ao fazer uma comparação entre centro de cidades pequenas com os de grandes metrópoles, deparamo-nos com a seguinte a$ rmação:

[...] os centros das cidades podem apresentar diferenças, notadamente se compararmos centros de cidades pequenas com o das grandes metrópoles, mas muitas são as características comuns que tornam identi$ cáveis essas áreas (JOHNSON, 1974, p.25).

Uma das características apontadas por este autor, refere-se aos papéis desempenhados, seja pela concentração de serviços, poder econômico de gestão e conforme a complexidade de elementos que engloba, in@ uenciando no valor do solo conforme seu uso. Nesse sentido, as características comuns do centro são, “[...] a acessibilidade, a elevada densidade de utilização do solo, a escassa população residente, paralelamente à crescente concentração de atividades comerciais [...]” (JOHNSON, 1974, p.107).

Diante das características descritas anteriormente, as atividades comerciais são responsáveis pela elevação do @ uxo de pessoas e automóveis, assim como a densa verticalização residencial e comercial que tende a concentrar oportunidades de empregos. Embora o processo de verticalização brasileira seja tipicamente residencial, no que diz respeito ao comércio, é

Page 26: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

30

concentrada em avenidas ou bairros das grandes metrópoles do país, sendo que no caso das grandes e médias cidades, este fato prevalece nitidamente na forma de residências (MENDES,1992).

Após a Segunda Guerra Mundial, modi$ cações nos papéis urbanos são notados, principalmente, na utilização dos meios de transporte. O automóvel passou a ser utilizado também para realizar compras. Sobretudo nas cidades norte-americanas, ocorreu a mudança da classe média e alta para os subúrbios, assim como a proliferação de SC (Shopping Centers), que passaram a fazer parte dos hábitos familiares dessa época, alteraram as relações com a área central e no,

[...] CBD (Central Busines District), por seu turno, concentraram-se empregos, sobretudo no setor terciário, além do abrigo, do ponto de vista residencial, dos antigos moradores – que não puderam se locomover para áreas mais valorizadas – e dos pobres – incluindo as minorias étnicas ( negros latinos, certos grupos de orientais Etc.) -, num cenário deteriorado e marcado por altas taxas de criminalidade. (JACKSON, 1985, p.24)

Analisado sob esse aspecto, com o processo de expansão territorial da cidade, o centro tende a transformar-se em uma área marginalizada, com problemas sócioespaciais, chamando a atenção para a necessidade de revitalizá-lo. FRÚGOLI (2000), ao estudar a centralidade paulistana, percorreu caminhos pretéritos, conduzindo a uma re@ exão sobre a deteriorização do centro principal e coloca que,

[...] A questão da revitalização urbana das áreas centrais está conectada, por sua vez, ao surgimento dos subcentros, ou sob outro prisma, à con$ guração de um contexto multipolar, dentro do qual o centro tradicional passa a competir com os demais, principalmente do ponto de vista econômico. O processo de expansão metropolitana, portanto torna a questão da centralidade ainda mais complexa. Em alguns casos os subcentros guardam certas relações de complementaridade com o núcleo central, mas passam muitas vezes a competir economicamente de forma mais acirrada com o centro tradicional (FRÚGOLI, 2000, p.25).

Essa competição mencionada pelo autor propicia uma conseqüente necessidade de renovar alguns aspectos no centro tradicional, uma vez que muitas empresas de prestações de serviços e comércios permanecem nessa área, assim como alguns setores com habitações. Certamente, tal

Page 27: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

31

constituição varia conforme o processo histórico ao qual cada cidade foi construída e sua realidade sócioeconômica, sendo que algumas apresentam dispersão, ou seja, formação de muitos subcentros diminuindo, mas não eliminam o valor do centro tradicional, enquanto que em outras se evidencia a decadência das atividades centrais.

As diferenças consistem nas relações estabelecidas entre o homem enquanto ser social e político e o espaço sobre o qual ele atua. Essa relação intensi$ ca-se perante a presença de alguns fatores como: o desenvolvimento tecnológico, a alta produção e consumo de mercadorias, as divergências entre classes sociais, a competição acirrada pelo poder. O fator locacional ganha sentido, acirrando a disputa pelo controle sobre espaços privilegiados.

Alguns autores colocam o espaço urbano como palco de transformações, mas, pode-se considerá-lo também, como ator, parte da dinâmica regida pela aplicação de recursos, seja proveniente de investimentos privados ou públicos. Neste sentido “[...] o centro se tornou uma área de comércio especializado para a cidade e uma área de serviços para região [...]” (VANCE apud VAZ 1991, p.12).

De um lado, as características da área central que marcam as grandes cidades de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Canadá são: “[...] a marginalização dos pobres e a reestruturação das atividades centrais” (LÉVY, 1985, p.12).

Por outro lado, o centro de países subdesenvolvidos, apresenta características marcantes como a de,

[...] construir o módulo principal da rede de vias urbanas (quanto a este ponto) pode haver vários centros dentro de uma mesma cidade, e de apresentar uma forte concentração de todos os níveis principalmente comerciais (SANTOS, 1981, p.193).

Estudos da área central em cidades brasileiras evidenciam várias facetas, ou seja, ela não se caracteriza em apenas um centro de negócios (CBD), ou centro cultural Down-Town. Geralmente comporta, além de residências, o aspecto cultural, comercial, $ nanceiro, serviços, religioso, englobando uma série de papéis os quais convivem simultaneamente, inclusive com o lado marginal. Esse caráter complexo revela que:

[...] o modelo brasileiro de urbanização assim desenvolvido, é um excesso de verticalização no centro e um excesso de dispersão na periferia, processo esse caracterizado por um aumento excessivo dos custos de operações [...] e que as atividades especializadas tendem a localizar-se no centro (CORDEIRO, 1980, p.35).

Page 28: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

32

Os estudos referentes ao centro devem preocupar-se também com a articulação entre as partes que compõem a cidade, com a maneira que o todo socioespacial in@ uencia a dinâmica da área central.

[...] a complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que faz via incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densi$ cação do uso do solo, deteriorização de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infra-estrutura e mudança, concetiva ou não, do conteúdo social econômico de determinadas áreas da cidade (CORRÊA, 1989, p.11).

As diversas transformações na estrutura espacial urbana surgem como resultado da articulação no espaço de agentes modeladores. Segundo dinâmicas próprias, o centro atrai investimentos com intensa alteração na forma e no conteúdo das atividades. Em áreas deterioradas, os projetos de renovação e consecutiva valorização envolvem, na maioria das vezes, rede$ nições destinadas ao comércio e/ou prestação de serviços. Conforme a intensidade das transformações e a dinâmica populacional, tal área é expandida, ultrapassando aos limites tradicionais da primeira delimitação que geralmente acontece,

[...] através da absorção de área/setores limítrofes ao centro, através do afastamento de sua população residencial e a transformação de seu uso do solo em comercial e serviços, via demolição de construções residenciais e construções de novas edi$ cações adequadas aos comércios e/ou serviços (SPOSITO, 1991, p.09).

Essa substituição de antigas formas por novas, com a mesma ou diferente função, representa a preocupação com a imagem e a funcionalidade que se estabelece através da arquitetura moderna e funcional, eliminando o aspecto deteriorado e marginalizado que alguns pontos apresentam. Em grandes cidades do Brasil, o esvaziamento do centro tradicional ocorre uma vez que,

[...] em função de suas dimensões e da alta densidade durante o dia e da baixa densidade durante a noite o centro das cidades grandes constitui-se inadequado para o uso residencial expulsando-o muitas vezes bem antes que a própria área central tenha a capacidade de absorver estes setores para o uso do solo comercial ou de serviços [...] (SPOSITO, 1991, p.09).

Page 29: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

33

Entretanto, observa-se que, diferentemente das grandes cidades européias e norte americanas, residências no centro em cidades brasileiras ainda são comum, sendo que tais áreas ainda concentram moradores por diferentes razões e imóveis em diferentes valores e tipos. No centro, podem-se encontrar imóveis em áreas valorizadas e outras degradadas com alta periculosidade, principalmente no período noturno.

Antigos imóveis são freqüentemente objeto de renovação de seu uso, do residencial a escritórios, consultórios, clínicas entre outros. Áreas deterioradas também são destruídas, sendo em alguns casos o espaço utilizado como estacionamentos, enquanto se aguarda o momento ideal para investir em construção. O estacionamento no centro constitui-se um dos desa$ os para os administradores públicos, devido à alta concentração de veículos.

Mesmo que muitos centros brasileiros verticalizados ainda tenham as funções residencial, de comércio e serviços, em coexistência, há a predominância das atividades econômicas, destacando-se que são devido a elas que tal área atrai a população de modo geral. A área central apresenta-se como o local de convergência de vias de acesso e maior concentração de equipamentos urbanos para a prestação de serviços. Essa dinâmica de distribuição espacial das atividades revela que,

[...] as cidades inseridas em um sistema capitalista de produção moderna, possuem uma dinâmica especi$ ca que responde as exigências de produção, do próprio sistema. Essa dinâmica refere-se a uma série de processos de mudanças de caráter estrutural e funcional, que determina que o solo urbano seja constantemente ampliado ou reaproveitado (GOUVÊA, 1982, p.42).

Muitas vezes, esse reaproveitamento ou ampliação consiste na introdução de novos equipamentos ao espaço urbano central, assim como novas maneiras de comercializar. Estratégias de localização e marketing transformam áreas esquecidas em locais privilegiados. Uma dessas estratégias de recuperação e valorização de espaços tem sido bem representada pela edi$ cação de galerias comerciais e SC.

Os processos de transformação e expansão do centro ocorrem não somente por interesses privados ou públicos, mas também, expressa que a cidade apresenta condições econômicas para que a expansão e inovação aconteçam. Desta forma, “[...] o desenvolvimento do centro principal por uma área em decomposição, cria condições para que a especulação imobiliária ofereça aos serviços centrais da cidade nova área de expansão” (SINGER, 1979, p.49).

Page 30: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

34

Argumentando sobre a expansão e renovação de áreas no centro, deve-se salientar, que o comércio não se resume a esse espaço. A ampliação do número e extensão de avenidas e ruas, associado ao desenvolvimento dos transportes, favorece a descentralização residencial acompanhada pela comercial, de serviços e lazer, que se estabelecem em áreas afastadas do centro.

São alterações que intensi$ cam as articulações entre os espaços intraurbanos ativando o @ uxo de pessoas, mercadorias, veículos e informações, dando vida à cidade e:

[...] ao negar a concepção de centro único e monopolizador, recria a centralidade, multiplicando-a através da produção de novas estruturas que permitem novas formas de monopólio, porque (re) especializam e (re) espacializam as atividades comerciais e de serviços reproduzindo em outras áreas da cidade as condições centrais (SPOSITO, 1991, p.11).

Com o crescimento da cidade, novos espaços são incorporados e ocupados, sejam residenciais, comerciais ou destinados à indústria. No entanto, antigas áreas passam por renovação, tornando-se tão atrativas quanto as novas, tendo em seu favor, muitas vezes, a localização, acesso e a familiarização dos transeuntes com o local. Assim, a população pode usufruir de:

[...] novas localizações dos equipamentos comerciais e de serviços concentrados e de grande porte que determinam mudanças de impacto no papel e na estrutura do centro principal ou tradicional, o que provoca uma rede$ nição de centro, de periferia e da relação centro-periferia (SPOSITO, 1998, p.28).

Essa relação, que favorece a mobilidade constante das pessoas, é fortalecida pela disposição das vias de tráfego interno, ao transporte coletivo e à utilização do automóvel. O processo renovador do centro pode propiciar o surgimento de áreas selecionadas que se destinam a um ou outro tipo de atividade, constituindo setores especializados e,

[...] este processo primeiramente tende a setorizar as próprias atividades do centro e, num segundo momento pode especializá-lo de$ nindo padrões com predominância de algumas atividades segregando as outras (VAZ, 1991, p.38).

Page 31: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

35

Considerações ' nais

Um dos principais pontos favoráveis ao movimento de pessoas no centro, deve-se à localização de terminais de transportes urbanos. Tal infra-estrutura propicia a circulação de pessoas de diferentes classes sociais e poder aquisitivo. Usufruem dos serviços, lazer e principalmente do comércio em geral, constituindo o que CASTELLS (1975, p.7) denomina como variedade social na área central, além, claro, da quantidade de pessoas que trabalham nessa área.

O caminhar pelo centro constitui-se em uma forma de lazer em função da diversidade de mercadorias oferecidas e apreciadas, mesmo que apenas visualmente. As lojas distribuídas, tornam-se atração, e “[...] substituem o lazer ou viram lazer” (CARLOS 1993, p.80).

O centro acompanha a evolução urbana e está intimamente ligado à dinâmica política, econômica e social da cidade,

[...] é elemento transformador das relações sociais no que toca ao espaço urbano, enquanto produtor de uma nova estrutura urbana e não somente como simples lugar de encontro no mero elemento funcional [...] e de não considerar o centro como meio de integração, mas como meio de criação cultural (CASTELLS, 1975, p.192).

Ao realizar levantamentos bibliográ$ cos sobre o centro da cidade, veri$ ca-se que existem semelhanças e diferenças quanto à natureza da constituição e desenvolvimento da área. Tal fato deve-se às distintas ações político-econômicas e sócioespaciais que acontecem desigualmente no espaço e no tempo. No entanto, esse processo de formação e transformação,

[...] é diferentemente apreendido pelos vários segmentos sociais, pois re@ etem sua participação, compulsória ou não, num processo de trabalho que é desigual em sua formulação e em seus resultados, dando ao centro várias delimitações e dimensões. O centro é a tomada de monumentalidade que transcende a sua base física (WHITACKER, 1998, p. 56).

O centro urbano apresenta a capacidade de englobar, articular, absorver e expulsar de seu espaço e de sua história muito mais do que formas e conteúdos. Ao mesmo tempo consegue preencher-se com a diversidade de transformações induzidas, planejadas ou espontâneas. Essa dinâmica é fruto dos movimentos socioespaciais e da forte atração que eles exercem sobre as pessoas, acentuando sua importância no contexto urbano.

Page 32: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

36

Referências

CARLOS, A. F. A. A cidade. São Paulo: Contexto, 1993.

CASTELLS, M. O centro urbano. In: Problemas de investigação em sociologia urbana.São Paulo: Martins Fontes, 1975.

CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. São Paulo: Ática S/A, 1989.

CORDEIRO, H. K. O centro da metrópole paulistana. São Paulo: USPI-IG,1980.

FRÚGOLI, J. H. Centralidade em São Paulo: trajetórias, con@ itos e negociações na metrópole. São Paulo: Cortez: Editora da UNESP, 2000.

GOUVEA, S. R. Espaços reconstruídos: Mudanças de usos, Mudanças de classes. Revista Geogra' a e Ensino. Belo Horizonte: 1 (2), Set. 1992.

JOHNSON, J. H. El centro de la ciudad. In: Geogra' a urbana. Barcelona: OIKOS - TAU, 1974.

LÉVY, J. Centro da cidade: todas as direções.São Paulo: Terra Nova,1985.

MENDES, C. M. O Edifício no Jardim: Um plano destruído. A verticalização de Maringá. Tese (Doutorado em Geogra$ a) – USP, São Paulo, 1992.

SANTOS, M. Manual de geogra' a urbana. São Paulo: HUCITEC, 1981.

SINGER, P. O estudo do solo urbano na Economia Capitalista. In: MARICATO, E.(org). Apropriação capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa Omega, 1979.

SPOSITO, M. E. B. O centro e as formas de expressão da centralidade urbana. IN: Revista Geogra' a, UNESP, nº10, São Paulo:1991.

______. A gestão do território e as diferentes escalas da centralidade urbana. IN: Território 4, Rio de Janeiro, Laget/UFRJ/jan/jun.1998.

WHITACKER, A. M. A produção do espaço urbano em Presidente Prudente: uma discussão sobre a centralidade urbana. Presidente Prudente. 1997. Dissertação (Mestrado em Geogra$ a) – UNESP, Presidente Prudente,1997.

VAZ, Nelson P. O centro histórico de Florianópolis: espaço público do ritual. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1991.

Page 33: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Roteiro básico e prático para elaboração de projeto de pesquisa

TURRA NETO, Nécio 1

Resumo: A atividade de pesquisa é um empreendimento difícil, exige método, rigor, objetivos bem delimitados, muita imaginação e, até, um pouco de sorte. Pesquisa é uma atividade que, voltada a responder questões que brotam de inquietação diante da realidade, conduz a elaboração de um conhecimento novo, que auxilia na sua compreensão. Trata-se de um trabalho meticuloso, que exige um planejamento anterior, antes de ser executado. A este planejamento da pesquisa denominamos Projeto de Pesquisa. Este planejamento nada mais é do que de$ nir o que se vai pesquisar, que questões se quer responder, com que $ nalidade, por que, com quais instrumentos metodológicos. Sua função é traçar o campo de atuação e o caminho a ser percorrido. Para tratar desta fase tão importante da pesquisa – a elaboração do seu planejamento que se materializa num projeto de pesquisa –, seguimos suas várias etapas constituintes, a $ m tornar mais didáticos, aos iniciantes, os vários passos deste difícil trabalho intelectual. Portanto, o texto procura explicar de forma detalhada cada item de uma possível estrutura de projeto de pesquisa: título, introdução, problemática da pesquisa, objetivos, justi$ cativa, plano provisório de assunto, metodologia, cronograma e referências. Além disso, apresenta, em apêndice, um roteiro básico de leitura de texto cientí$ co, de forma a tornar esse procedimento sistemático e meticuloso; pois lemos para conhecer o pensamento do/a autor/a e não apenas para buscar nele aquilo que nos interessa. A partir desse roteiro apresento, portanto, a idéia do que seria uma “boa leitura” e de como ela deveria ser feita. Ambos os textos visam, assim, contribuir com as/os estudantes de graduação de Geogra$ a no processo de construção de projetos de pesquisa e nas leituras, tanto para o projeto, quanto para a pesquisa em si. Tais procedimentos são indispensáveis para a formação universitária, sobretudo quando estamos falando de um campo cientí$ co, no qual força motriz deve ser a produção do conhecimento, seja entre os/as pro$ ssionais geógrafos/as que vão atuar no campo do ensino, seja entre aqueles/as que atuarão no campo das políticas públicas.

Palavras-chave: projeto; problema de pesquisa; leitura.

1 Professor do Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO – Campus de Guarapuava; doutorando

em Geogra$ a pela UNESP- Presidente Prudente.

Page 34: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

38

Introdução

A atividade de pesquisa é um empreendimento difícil, exige método, rigor, objetivos bem delimitados, muita imaginação e, até, um pouco de sorte.

Como de$ ne Pádua (1997), pesquisa é uma atividade que, voltada a responder questões que brotam de inquietação diante da realidade, conduz a elaboração de um conhecimento novo, que auxilia na sua compreensão.

Trata-se de um trabalho meticuloso, que exige um planejamento anterior, antes de ser executada. A este planejamento da pesquisa denominamos Projeto de Pesquisa (RUDIO, 1996). Este planejamento nada mais é do que de$ nir o que se vai pesquisar, que questões se quer responder, com que $ nalidade, por que, com quais instrumentos metodológicos. Sua função é traçar o campo de atuação e o caminho a ser percorrido.

Sem este caminho de$ nido, sem o projeto de pesquisa, o pesquisador e pesquisadora lançam-se numa improvisação, fazem um trabalho confuso e percorrem um caminho como que pisando em ovos, dada a insegurança com que realizariam seu percurso (RUDIO, 1996).

Para Lakatos e Marconi (1989, p. 99), todo projeto de pesquisa deve responder às “[...] clássicas questões: o que? Por quê? Para que e para quem? Como, com que, quanto? [...]”, às quais acrescentamos outras: onde? Quando? (CORRÊA, s.d.).

A problemática do projeto responderia às questões, o que? Onde? E quando? Além de nos dizer das questões que serão colocadas à realidade assim delimitada. A questão o que? Refere-se ao tema da pesquisa (o recorte temático), e as outras duas (onde? Quando?) aos seus recortes espacial e temporal (CORRÊA, s.d.).

Contudo, para se chegar à construção de um problema de pesquisa, exige-se muito estudo prévio: leituras e levantamentos preliminares em campo. Assim, temos que para construir um projeto de pesquisa é preciso também uma pesquisa.

Para tratar desta fase tão importante da pesquisa – a elaboração do seu planejamento que se materializa num projeto de pesquisa –, vamos seguir suas várias etapas constituintes, a $ m tornar mais didáticos, aos iniciantes, os vários passos deste difícil trabalho intelectual. E, como um projeto se faz a partir de leituras (além de pesquisas de campo), julgamos pertinente apresentar também um pequeno roteiro de como (pensamos que) deve ser realizada uma leitura nos moldes do rigor acadêmico. Esse roteiro, como não faz parte do roteiro propriamente dito do projeto de pesquisa, aparece aqui nesse texto como um apêndice, que poderá ou não ser consultado.

Page 35: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

39

Estrutura comentada do projeto

Não há consensos, entre os estudiosos que elaboraram manuais de pesquisa, sobre um modelo único de projeto. Há várias propostas de formato, de estrutura, ainda que todas estejam voltadas a responder as mesmas questões já apresentadas acima.

Além disso, quando for o caso de submeter o projeto a uma instituição para receber avaliação, deve-se atentar para o fato de que, via de regra, toda instituição tem seu modelo próprio de projeto de pesquisa, indicando, inclusive, o número máximo de páginas.

O que apresentaremos a seguir é, então, apenas uma proposta possível de modelo e é como tal que deve ser encarada.

Antes de chegar a construir a estrutura do projeto, contudo, alguns procedimentos são fundamentais e anteriores: delimitação do tema, construção do problema, estabelecimento dos objetivos, leitura bibliográ$ ca, estabelecimento dos materiais e métodos da coleta de dados, consideração do tempo disponível para a pesquisa. A redação $ nal do projeto deve conter todas estas operações, e cada uma delas se refere a uma ou mais partes do projeto.

Somente depois de se construir mentalmente e por meio de anotações o projeto é que se pode, en$ m, partir para sua redação. Após redigido, o projeto deve ser lido e relido, para que nesse processo ocorra a lapidação do texto.

Título

Como a$ rma Eco (2002, p. 82), “um bom título já é um projeto”. Ele se constitui após a escolha do tema da pesquisa e é resultado de uma delimitação deste, pois o tema é demasiado amplo, precisa ser mais recortado. O tema envolve a questão “o que pesquisar?”. O título além desta última, envolve já também as outras – “quando e onde?”.

Também Lakatos e Marconi (1989, p. 101), discutindo sobre a apresentação da pesquisa, a$ rmam que “o título, acompanhado ou não por um subtítulo, difere do tema. Enquanto este último sofre um processo de delimitação e especi$ cação, para torná-lo viável à realização da pesquisa, o título sintetiza o conteúdo da mesma.” Por isso, o título é o último item a ser de$ nido. Porém, deve-se caminhar na construção do projeto com títulos provisórios que vão sendo ultrapassados, readequados, lapidados, até se chegar ao título de$ nitivo.

Page 36: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

40

Introdução

Todo trabalho, toda produção de texto, deve apresentar uma introdução, ainda que ela não venha separada como um item especí$ co do trabalho. No caso de um projeto de pesquisa não poderia ser diferente. Cabe saber, então, qual o seu papel num projeto.

A introdução visa apresentar a idéia da pesquisa ao leitor. Já nela o pesquisador e a pesquisadora devem indicar o seu recorte de problemática – o que, onde, quando – e apontar as motivações pessoais que os conduziram a realizar este recorte na realidade. A introdução, portanto, apresenta o objeto de estudo já delimitado e as razões desta delimitação.

Além disso, a introdução apresenta o projeto em si, como ele está estruturado e o que o leitor e leitora podem esperar encontrar em cada uma de suas partes. Por isso, ela é, em termos de redação, a última parte do trabalho a ser escrita, ainda que apareça no início.

Problemática

Há um consenso entre as pessoas que escrevem manuais de pesquisa de que a delimitação do problema é a parte mais importante e ao mesmo tempo mais difícil na construção de um projeto de pesquisa.

Leal (2002, p. 230) assim conceitua problema de pesquisa:

Nem todos os problemas com que nos deparamos se prestam necessariamente à pesquisa cientí$ ca. Um problema de pesquisa supõe a possibilidade de buscar informações a $ m de esclarecê-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou contribuir para sua solução. Um problema de pesquisa, portanto, não é um problema que possa ser resolvido pela intuição, pelo senso comum ou pela simples especulação.

Sua construção se inicia logo após a de$ nição do tema geral. Os recortes espaciais e temporais já são processos envolvidos na construção da problemática. São, por assim dizer, sua parte inicial. Na seqüência deve-se proceder à elaboração de questões para a realidade. A problemática de pesquisa de$ ne, em síntese, o objeto de pesquisa do projeto.

Qual o objeto de estudo; o que se quer saber dele; de onde surgiram estas questões; qual a relevância delas para entender o objeto? São questões que devem ser respondidas na problematização da pesquisa. Nesse sentido, nela se de$ ne não só o objeto, mas também os objetivos.

Page 37: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

41

Na linguagem de Eco (2002), é preciso de$ nir qual será “o núcleo e a periferia da tese”, o que requer que se conheça o material disponível. Por isso, um passo importante e primeiro para a construção da problemática, de$ nido o tema e seus recortes, é a pesquisa bibliográ$ ca.

Além da pesquisa bibliográ$ ca, alguns/as autores/as vão argumentar que faz parte desta etapa, também, uma investigação preliminar no campo, na realidade, em busca de alguns dados que nos familiarizem com o universo empírico da pesquisa. Esta fase da construção da problemática se chama pesquisa exploratória (LEAL, 2002; PÁDUA, 1997; RUDIO, 1996).

Para Pádua (1997), o ponto de partida é uma situação problema que o pesquisador e pesquisadora encontram na realidade. O processo que conduz da situação problema ao problema de pesquisa passa pelo levantamento de fatos e pela busca de explicações (teoria), ou seja, uma pesquisa exploratória inicial.

Já Leal (2002) vai argumentar que um problema de pesquisa é formulado a partir da mistura de conhecimentos e valores. O/a pesquisador/a parte de uma percepção sua da realidade, sempre guiada pelos seus valores, e lança-se em busca de informações sobre as questões que o/a inquietaram. Como resultado, dispõe de um conjunto de conhecimentos, formado por “fatos brutos” e “fatos construídos ou generalizações”, que são o que Pádua (1997), acima, chamou de levantamento de fatos e busca de explicações. Os primeiros – fatos brutos – são buscados num contato inicial com a realidade que se quer estudar, com o campo, onde, por meio de conversas informais, aplicação de algum questionário, levantamento de dados estatísticos, construção de mapas, obtemos uma visão geral e inicial sobre o nosso recorte espacial. Os “fatos construídos” são as explicações dadas por outros autores aos processos e/ou fenômenos que estamos tentando estudar, o que nos remete à biblioteca, ao levantamento bibliográ$ co, às leituras e aos $ chamentos – uma parte fundamental para identi$ carmos quais os conceitos mais trabalhados para cercar o problema que estamos construindo, quais os autores mais importantes, o que cada um diz e pensa. Este levantamento, só resumidamente apresentado aqui para delinear o problema, deverá posteriormente ganhar sistematização no item Referencial Teórico do projeto de pesquisa.

En$ m, na pesquisa exploratória investimos em duas direções: no campo e na biblioteca. Ambos os caminhos nos produzirão informações e conteúdos que serão articulados na construção da problemática.

Ainda sobre a pesquisa exploratória, Rudio (1996, p. 43) nos traz uma importante contribuição para o entendimento da questão. Segundo ele, os “estudos preliminares” têm o objetivo de equacionar o problema

Page 38: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

42

“[...] fornecendo subsídios para a orientação da pesquisa ou identi$ cando obstáculos que evidenciam a inviabilidade do projeto”. E, mais adiante, a$ rma que os esforços serão dirigidos em três direções importantes: a) “conhecimento teórico”; b) “conhecimento prático”, obtido por meio de observação e conversas informais; c) “adequação ao projeto dos elementos selecionados”, ou seja, os elementos encontrados e selecionados nos plano teórico e no plano prático devem ser avaliados e articulados para compor o problema de pesquisa.

Em síntese, podemos dizer que os/as autores/as citados falam da mesma situação, com terminologias diferenciadas. Todos/as reconhecem a importância da pesquisa preliminar na construção do problema de pesquisa – que não pode jamais ser confundido com a situação problema – e admitem que ela se constitui de uma investida ao campo e outra à biblioteca.

Em termos de redação do item problemática no projeto de pesquisa, este deve conter, de forma narrativa, o processo intelectual que conduziu o/a autor/a do projeto à delimitação do tema e aos recortes que elaborou; uma aproximação teórica do tema e uma aproximação empírica do recorte espacial e temporal; além das principais questões que serão colocadas à realidade de$ nidas à luz da teoria e das informações preliminares do campo.

Objetivos

Os objetivos brotam da problemática. As questões colocadas à realidade aparecem aqui na forma de intenções a serem perseguidas pelo projeto. Não importa que aqui se repita o que já foi dito. O importante é que se diga, em poucas palavras, qual o centro e a periferia da pesquisa. O centro constitui o objetivo geral e a periferia, os objetivos especí$ cos. Estes últimos não podem estar dissociados do primeiro, mas devem ser mais concretos, indicando pequenas respostas que devem conduzir à resposta maior. Para Bastos e Keller (1996, p. 57), o objetivo geral deve conter “o que pretende o pesquisador no desenvolvimento do assunto [...]” e os objetivos especí$ cos são uma “abertura do objetivo geral em outros menores, que constituirão possíveis capítulos no decorrer da estruturação do trabalho”.

Por sua vez, Lakatos e Marconi (1989) assim de$ nem objetivo geral e objetivos especí$ cos:

Page 39: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

43

Objetivo geral

Está ligado a uma visão global e abrangente do tema. Relaciona-se com o conteúdo intrínseco, quer dos fenômenos e eventos, quer das idéias estudadas. Vincula-se diretamente à própria signi$ cação da tese proposta no projeto (p. 102).

Objetivos especí# cos

Apresentam caráter mais concreto. Têm função intermediária e instrumental, permitindo, de um lado, atingir o objetivo geral e, de outro, aplicar este a situações particulares (p. 102).

Em termos de redação, recomenda-se que os objetivos, tanto geral quanto especí$ cos, venham escritos em tópicos e iniciados com o verbo no in$ nitivo – reconhecer; identi$ car, mapear, explicar; compreender...

Justi' cativa

A justi$ cativa é a parte do projeto em que o/a pesquisador/a explica por que o trabalho de pesquisa merece ser feito. Qual a sua intenção? Quais contribuições a pesquisa pode trazer tanto para o debate teórico a respeito do tema, quanto para o conhecimento da realidade, ampliando o conhecimento do local sob o aspecto que se pretende enfocar.

A justi$ cativa difere da revisão bibliográ$ ca e, por este motivo, não apresenta citações de outros autores. Difere, também, da teoria de base, que vai servir de elemento uni$ cador entre o concreto da pesquisa e o conhecimento teórico da ciência na qual se insere. Portanto, quando se trata de analisar as razões de ordem teórica ou se referir ao estágio de desenvolvimento da teoria, não se pretende explicitar o referencial teórico que se irá adotar, mas apenas ressaltar a importância da pesquisa no campo da teoria [bem como no campo da prática] (LAKATOS e MARCONI, 1989, p. 103).

Page 40: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

44

Referencial teórico

Neste item, o pesquisador e a pesquisadora apresentam o resultado da sua pesquisa bibliográ$ ca preliminar, indicando ao leitor um conhecimento sobre algumas referências bibliográ$ cas e sobre os principais conceitos que irão trabalhar na pesquisa, já num esforço de precisar suas de$ nições.

Ela é fundamental num projeto para evidenciar que o pesquisador e a pesquisadora já têm o mínimo de familiaridade com os debates e conceitos chaves que giram em torno da temática selecionada.

Nesta etapa, o levantamento bibliográ$ co inicial, necessário para construir o problema de pesquisa, deve ser mais vagarosamente sistematizado.

Metodologias

As metodologias respondem a questão “como?” (CORRÊA, s.d.). Como proceder na pesquisa para atingir os objetivos esperados e responder, de forma satisfatória, as questões levantadas na problemática?

Aqui o/a pesquisador/a evidencia sua inspiração epistemológica, pois se refere ao melhor caminho para atingir o conhecimento da realidade. Ainda que esta inspiração o informe em todo o processo de construção do projeto, visto que tem relação com seus valores, com sua visão de mundo, orienta-o no recorte da realidade e na construção das questões, é na metodologia que ela ganha maior visibilidade.

A esta preocupação mais geral e abstrata soma-se outra de ordem mais prática, que se refere às técnicas de coleta de dados. Estas são múltiplas e variam de acordo com a posição epistemológica.

Pádua (1997, p. 50), no item “coleta de dados”, a$ rma que:Os principais recursos técnicos que poderemos utilizar são:

- pesquisa bibliográ$ ca

- pesquisa experimental

- pesquisa documental

- entrevistas

- questionários e formulários

- observação sistemática

- estudos de caso

- relatórios (de pesquisa, de estágio etc.)

Page 41: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

45

A autora ainda argumenta que estes recursos não se excluem, podendo aparecer articulados numa mesma pesquisa. Para ela, “a coleta e o registro dos dados pertinentes ao assunto tratado é a fase decisiva da pesquisa cientí$ ca, a ser realizada com o máximo de rigor e empenho do pesquisador” (PÁDUA, 1997, p. 50), por isso deve ser bem planejada e este planejamento já deve aparecer no projeto.

Plano provisório de assunto

O plano provisório de assunto é um item que raramente aparece nos roteiros de projetos de pesquisa. É mais usual em projetos de teses e dissertações, quando o/a autor/a tem muita clareza da dimensão que seu trabalho poderá tomar. Ele vai aqui como uma possibilidade que pode ser inserida ou não no projeto.

Segundo Eco (2002, p. 81), “[...] redigir logo o índice como hipótese de trabalho serve para de$ nir o âmbito da tese [...]”. E o plano provisório de assunto nada mais é do que uma proposta de índice para o trabalho $ nal da pesquisa.

Quando se concluir a pesquisa, quantos capítulos ela poderá ter? Quais seriam estes capítulos? O que seria tratado em cada um deles?

Para Eco (2002), o índice provisório indica a seqüência que o trabalho pode tomar e o que deve ser feito para cumprir cada etapa estabelecida. Facilita também na hora de buscar informações, tanto bibliográ$ cas quanto empíricas, que já podem aparecer indicadas a que parte do índice provisório se referem. Ou seja, o livro $ chado pode contribuir com a construção de que capítulo do trabalho? Esta informação pode já constar na $ cha. O mesmo vale para entrevistas, questionários, documentos e outros instrumentos de coleta de dados.

Cronograma

O cronograma de pesquisa lida com o fator tempo. Apesar dele aparecer quase no $ nal do projeto, o tempo de que se dispõe para realizar a pesquisa deve ser levado em consideração tanto no delineamento da problemática, quanto no estabelecimento dos objetivos.

Ninguém vai propor um problema de pesquisa muito amplo, nem objetivos muito ousados se dispor de apenas seis meses para realizar a pesquisa. Donde se conclui que a abrangência da pesquisa depende do tempo que se tem para executá-la. Questão de planejamento, questão de projeto.

Page 42: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

46

Eco (2002, p. 16) estabelece alguns requisitos para uma pesquisa que tem apenas seis meses para ser executada. Entre eles, aquele que mais nos interessa para os $ ns desse artigo é o que se refere à circunscrição do tema. Para que a pesquisa seja exeqüível dentro do prazo disponível, o tema deve ser muito claro e objetivamente circunscrito. O que indica que a preocupação com o tempo já deve aparecer na própria seleção do tema da pesquisa e no estabelecimento dos recortes (espacial e temporal), o que, por si só, também exige uma pesquisa preliminar.

Entrando agora na questão do cronograma em si, podemos perguntar: Qual sua função no projeto e como deve ser construído?

Toda pesquisa é dividida em partes, cujas principais são, segundo Pádua (1997): planejamento – projeto; coleta de dados; análise dos dados; redação $ nal.

Ainda que elas possam andar paralelamente, sobretudo as três últimas – visto que o projeto antecede a todas e deve ser realizado em separado –, ninguém vai analisar dados sem os coletar, muito menos redigir o texto $ nal do trabalho sem ter coletado e analisado os dados, feito a pesquisa bibliográ$ ca, as leituras e os $ chamentos... Todas essas atividades podem e devem aparecer de forma seqüencial no cronograma, de modo a prever o tempo necessário para realizar cada uma delas.

Para Pádua (1997), o cronograma deve ser constantemente revisitado para que o/a pesquisador/a possa avaliar o processo de desenvolvimento da pesquisa: se está caminhando conforme o previsto; se houve atrasos em uma etapa mais do que o esperado; se é necessário refazer os objetivos, reestruturar a proposta... E isso é tão mais importante quando se admite que “a disciplina intelectual que o trabalho de pesquisa exige faz com que o pesquisador se organize para escalonar, no tempo disponível, as etapas do processo e as tarefas que cada etapa comporta” (PÁDUA, 1997, p. 46).

Em termos de sua construção no projeto, ele deve aparecer em forma de quadro/tabela, em que no eixo horizontal superior apareçam os meses do ano e no eixo vertical esquerdo as atividades que serão realizadas do início ao $ nal da pesquisa. Veja o exemplo:

Mês/Atividades agosto setembro outubro novembro dezembro

Levantamento bibliográ$ co; seleção, leitura e $ chamento do material

XXXX XXXX XX

Coleta de dados no campo XX XXXX XX

Análise dos dados XX XXXX

Redação $ nal XX XXXX

Page 43: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

47

Referências bibliográ' cas

Todas as referências bibliográ$ cas utilizadas na construção do projeto, e citadas nele, devem aparecer aqui referenciadas, em ordem alfabética pelo sobrenome do autor; sejam elas artigos de revistas, matéria de jornal, livro completo, artigo de livro, censos do IBGE, INCRA, IPARDES, ou mesmo textos extraídos da internet.

Como exemplo, apresentamos na seqüência as referências bibliográ$ cas que utilizamos para a construção deste texto que você acaba de ler. As referências que se seguem não estão aqui apenas para lhe fornecer um exemplo de como elas são construídas, mas sim por uma obrigação mesma de todo trabalho cientí$ co que lida com textos de outros autores.

Referências

BASTOS, C.; KELLER, V. Pesquisa cientí$ ca. In: ______. Aprendendo a aprender: introdução à metodologia cientí$ ca. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 54 – 65.

ECO, U. Plano de trabalho e $ chamento. In: ______. Como se faz uma tese. 17. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 81 – 112.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A.. Projeto e relatório de pesquisa. In: ______. Metodologia do trabalho cientí' co. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1987. p. 99 – 135.

LEAL, E. J. M. Um desa$ o para o pesquisador. A formulação do problema de pesquisa. Contraponto, Itajaí, ano 2, n. 5, p. 227-235, maio/ago. 2002.

PÁDUA, E. M. M. de. O processo de pesquisa. In: ______. Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática. Campinas: Papirus, 1997. p. 29 – 89. (Coleção Práxis).

RUDIO, F. V. O projeto de pesquisa. In: ______. Introdução ao projeto de pesquisa cientí' ca. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 43 – 54.

Apêndice – Roteiro de leitura

Para uma boa apreensão das referências bibliográ$ cas lidas, é necessário realizar uma leitura em profundidade, tentar acompanhar a linha

Page 44: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

48

de raciocínio do/a autor/a, a sua seqüência de idéias. Tentar identi$ car seus objetivos, seus principais conceitos e também suas principais referências bibliográ$ cas, ou seja, quais os autores/as sob os quais ele constrói seu pensamento, quais os mais citados.

A partir de uma leitura assim, atenta, que busque estas informações no texto, pode-se dizer que você realizou uma boa leitura do texto.

Esta leitura deve, imprescindivelmente, vir acompanhada de um $ chamento detalhado do texto, no qual se realize paráfrases honestas das idéias do autor ou autora lidos e se realize citações dos trechos mais importantes, que poderão, posteriormente, compor o texto $ nal do trabalho de pesquisa.

Para tentar contribuir com uma boa leitura sugiro o seguinte roteiro:

Referência bibliográ# ca completa

Seguindo as normas da ABNT.É o que abre o $ chamento.

Apresentação do autor

Ajuda a entender de que lugar o autor fala, quem é ele, quais suas temáticas preferenciais de pesquisa e qual o nível do trabalho: se relatório, se fala numa mesa redonda, se parte da tese de doutorado, mestrado, especialização etc.

Objetivos do texto

Geralmente, na introdução do artigo ou do livro, o/a autor/a apresenta os motivos, as intenções que persegue ao redigir o texto que ora você lê. É importante conhecer esta intencionalidade, pois ela ajudar a entender o por que de o texto ser construído, suas potencialidades e limites, – limites pois todo objetivo seleciona, opera um recorte no que poderia ser abordado, mas não o foi, dados os objetivos.

Tese(s) ou hipótese(s) central(is)

Identi$ car as idéias chave que o/a autor/a defende. As idéias que ele apresenta para a discussão. Geralmente, é para fundamentar estas idéias, dar-lhes consistência teórica e fundamentação empírica que ele/a organiza o texto.

Page 45: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

49

Estrutura do texto

Qual a seqüência de idéia do texto. Geralmente, também apresentada na introdução. Um texto é um conjunto coerente com começo, meio e $ m, organizado de acordo com objetivos de$ nidos e para fundamentar uma tese. Conhecidos os objetivos e as teses, não $ ca difícil acompanhar esta seqüência, que é a linha de raciocínio do/a autor/a.

Conceitos mais importantes

Quais conceitos são desenvolvidos pelo/a autor/a para construir seu argumento/raciocínio. Geralmente, os termos principais são seguidos de de$ nição. Identi$ cá-los é útil também para que quando formos construir nossos textos sabermos quais conceitos vamos articular e onde podemos encontrá-los, ou seja, que autores ou autoras os discutem e os de$ nem.

Principais referências teóricas utilizadas

Os autores e autoras mais citados, aqueles que foram fundamentais para o/a autor do texto que estamos lidando construir seu argumento, seu raciocínio, seus conceitos e suas teses.

Principais dados que fundamentam a análise

No caso de o texto apresentar resultados de pesquisa empírica, as conclusões e teses serão baseadas nos dados apresentados. É importante identi$ cá-los, sobretudo quando o assunto tratado for semelhante àquele que pensamos em desenvolver, pois nos permite ter informações sobre outras realidades.

Possíveis contribuições para a pesquisa.

Aqui, com comentários pessoais, você deve identi$ car no texto se ele pode contribuir ou não para sua pesquisa, e em que aspectos ele contribui; em que partes do seu trabalho o texto estudado pode ser melhor empregado como fundamentação teórica, como comparativo de dados, como fonte para precisar conceitos que serão trabalhados na pesquisa.

Page 46: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

50

Resumo do texto, com paráfrases e citações dos trechos mais importantes

Feito isso, pode-se dizer que você se apropriou da totalidade do texto lido, que você o conhece no seu conjunto e que quando for se valer de algum trecho dele, por paráfrase ou por citação, você saberá de qual contexto você estará tirando aquela idéia. Só assim você poderá produzir também um texto seu, coerente, articulando outros textos, que você conhece em profundidade, fugindo do risco de construir um “Samba do Crioulo Doido”.

PONTE PRETA, Stanislaw. Samba do crioulo doido. In: AUGRAS, Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 219.

“Foi em Diamantina

onde nasceu JK

que a princesa Leopoldina

arresolveu se casá

Mas Chica da Silva

Tinha outros pretendentes

E obrigou a princesa

A se casar com Tiradentes.

La la la la

O bode que deu vou te contar (bis)

Joaquim José

Que também é da Silva Xavier

Queria ser dono do mundo

E se elegeu Pedro Segundo.

Das estradas de Minas

Seguiu para São Paulo e falou com Anchieta

O vigário dos índios aliou-se a d. Pedro

E acabou com a falseta

Page 47: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

51

Da união deles $ cou resolvida a questão

E foi proclamada a escravidão (bis)

Assim se conta a história

Que é dos dois a maior glória

Dona Leopondina virou trem

Dom Pedro é uma estação também

Ô o o o o o o

O trem tá atrasado ou já passou.”

(versão publicada por Edigar de Alencar, 1979)

Page 48: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

A divisão regional o' cial: equívocos e confusões das regionalizações no estado do Paraná

FAJARDO, Sérgio 1

Resumo: O trabalho discute as divisões regionais o$ ciais efetuadas pelo IBGE que são utilizadas como parâmetro dos estudos regionais e do planejamento. O reconhecimento e a identi$ cação dos recortes regionais se fazem necessários como elementos norteadores das políticas públicas. É fato que a diversidade de regionalizações, apesar de ser válida no sentido de atender a objetivos e áreas especí$ cas, provoca confusões na identi$ cação das regiões não apenas no indivíduo comum, como também nos meios acadêmicos, sobretudo, fora do âmbito da Geogra$ a. No caso do Estado do Paraná esses equívocos são comuns.

Palavras-chave: divisão regional; regiões; estado do Paraná.

Introdução

As divisões regionais o$ ciais permitem uma orientação geral para de$ nição de recortes espaciais com as mais diversas $ nalidades. No âmbito governamental estas têm servido como base referencial do território para o planejamento e aplicação de políticas públicas, bem como para formação de conjunto de informações e dados estatísticos sobre o país.

Admitindo-se que é necessário esse parâmetro de recortes regionais, é primordial o conhecimento das divisões regionais o$ ciais. Caso contrário, a confusão e os equívocos na de$ nição das regiões tendem a surgir como elemento complicador das ações e do planejamento.

As divisões regionais brasileirasA noção de diferenciação de áreas constitui a base da compreensão

conceitual da região. No decorrer da história do pensamento geográ$ co a tradição corográ$ ca, ou seja, dos estudos de área, representou um dos principais enfoques da Geogra$ a (PATTISON, 1976). Com Ritter, Hettner, La Blache, Hartshorne, e outros, a região foi, sob vários enfoques, tratada

1 Professor Adjunto do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO. Doutor em Geogra$ a pela

UNESP. e-mail: [email protected].

Page 49: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

54

como objeto central dos estudos geográ$ cos. Assim, a região recebeu vários adjetivos e classi$ cações: região natural, região histórica, região-paisagem, região econômica (DOLFUS, 1982). A aplicação dos conceitos de região nas divisões administrativas materializou os processos de regionalização e as de$ nições regionais. Os recortes regionais passam a compor as políticas públicas voltadas ao planejamento da organização territorial.

O território brasileiro teve na sua ocupação inicial, ainda como colônia, uma divisão em doze capitanias hereditárias. O Brasil já foi Principado em 1763, Vice-Reino em 1815, Reino com a Independência e passou a República em 1889. Em 1891 as Províncias se convertem em Estados e o Município Neutro (Rio de Janeiro) passa a constituir o Distrito Federal (IBGE, 1980). Um tipo de regionalização que predominou, pelo menos enquanto nomenclatura, do período colonial até a República Velha fora as Freguesias ou Paróquias que existiam enquanto unidades administrativas do país (SILVA; LINHARES, 1995). Alterações consecutivas acontecem no século XX na medida em que são desmembrados Estados, criados e extintos territórios (Tabela 1).

Os recortes que formam a divisão territorial brasileira são diferenciados segundo dinâmicas distintas de atualização, atendendo a diversas demandas e interesses distintos (LIMA, 2002). No entanto, a única orientação geral (ainda que nem sempre seja ideal) que permite padronização e parâmetros utilizados atualmente pela maioria dos órgãos públicos é a regionalização o$ cial levada a cabo pelo IBGE.

Tabela 1 – Alterações na divisão territorial-administrativa brasileira

Ano Alteração na divisão territorial-administrativa

1903 Criação do Território Federal do Acre

1942 Criação do Território de Fernando de Noronha

1943Criação dos Territórios Federais do Amapá, Guaporé (Rondônia), Rio Branco

(Roraima), Ponta Porã e Iguaçu.

1946 Extinção dos Territórios de Ponta Porã e Iguaçu.

1956Mudança de denominação de Território Federal do Guaporé para Território Federal de

Rondônia

1960Mudança da Capital Federal para a recém inaugurada Brasília. Rio de Janeiro é dividido em

duas unidades da Federação, com a criação do Estado da Guanabara.

1962Elevação do Território Federal do Acre à condição de EstadoTerritório do Rio Branco passa a ser denominado Roraima

1974Fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (transferência da capital estadual

de Niterói para Rio de Janeiro)

Continua

Page 50: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

55

1977 Estado do Mato Grosso é dividido em dois: Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

1981 Elevação do Território Federal de Rondônia à condição de estado

1986 É criado o Estado de Rondônia

1988Com a Constituição, Territórios são convertidos em Estados. Criação do Estado de

Tocantins. Fernando de Noronha é incorporado a Pernambuco.

Fonte: IBGE (1980; 1989; 2008)

Desse modo, as primeiras divisões regionais o$ ciais no Brasil são elaboradas logo após a criação do IBGE. Em 1938, há uma divisão inicial do espaço brasileiro que, com a preocupação de integração econômica do território priorizou o critério da localização (DUARTE, 1980).

Em 19412, há uma divisão regional mais precisa. O Brasil é dividido em grandes regiões. Basicamente, a divisão regional do território brasileiro em macro-espaços constituiu-se num quadro único que continha espaços de hierarquia menor numa sucessão escalonada. Como enfatiza Geiger (1970) as grandes regiões correspondiam às extensões designadas atualmente como Macrorregiões.

O país $ cou dividido em cinco seções correspondentes as cinco grandes regiões e, em 1945 são estabelecidas as unidades menores, chamadas “zonas $ siográ$ cas” (IBGE,1989). O geógrafo Fabio de Macedo Soares Guimarães foi o responsável pela divisão, in@ uenciado por Giuseppe Ricchieri (italiano) e por Delgado de Carvalho (ANDRADE, 1987).

Para as Grandes Regiões utilizou-se de critérios físicos que caracterizam as “regiões naturais”. Os critérios orientaram-se no sentido de estabelecer uma identi$ cação de “regiões elementares” levando em conta aspectos geológicos, do relevo, do clima e da vegetação. Nesse caso, aceitava-se que esses elementos, além de in@ uenciarem às vezes, até mesmo dominavam uns sobre os outros. Ressaltava-se que, conseqüentemente, o fato de que na Amazônia há a predominância do fator botânico, da mesma forma que nos Alpes predomina o fator relevo e o fator clima no Saara.

Especi$ camente, para a de$ nição das chamadas “Zonas Fisiográ$ cas”, houve a in@ uência da escola francesa, de nomes como Jean Brunhes e Camille Valloux (IBGE, 1989), considerando assim os aspectos humanos (históricos e econômicos). Entretanto, no caso das macrorregiões, o critério principal usado como recorte dos espaços foi a diferenciação do quadro

2 Essa regionalização foi ofi cializada no início de 1942, por meio da Circular n° 1 da Presidência da

República de 31/01/1942, conforme Ministério do Planejamento (2006, p. 25).

Page 51: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

56

natural. Isso é bastante nítido quando se observa atualmente a diferenciação entre o Nordeste semi-árido, o Norte dominado pela @ oresta Amazônica ou o sul de clima mais ameno. Os recortes, no entanto, respeitariam os limites administrativos das unidades da federação.

Tendo como base as diferenças naturais, essa primeira divisão regional re@ ete muito mais que uma tradição geográ$ ca naturalista. Para Castro (1994), havia entre os brasileiros uma incapacidade de se perceber, à época, diferenças que não sejam paisagísticas, pois isso signi$ caria abalar o mito consagrado da unidade territorial. A necessidade de se prevalecer um sentimento de unidade territorial era base para unidade política e para o nacionalismo.

O fator natural foi também empregado para dividir as regiões em sub-regiões (espaços mesorregionais). No caso dos espaços microrregionais, a criação das regiões denominadas “zonas $ siográ$ cas” utilizou como critérios, aspectos históricos e sócio econômicos. Essas zonas representavam um nível hierárquico inferior.

De acordo com Geiger3 (1970), o maior problema ao conceber unidades espaciais econômicas menores, determinadas por unidades físicas maiores, estava no fato de que essa antiga divisão regional freou a compreensão dos amplos mecanismos econômicos e sociais que integram as diversas partes do território nacional num sistema nacional.

Em 1968, é apresentada pelo IBGE uma nova divisão regional do Brasil. Foram criadas as então denominadas microrregiões homogêneas, como agregados espaciais do território nacional. O Brasil contava com 22 Estados, 4 Territórios e o Distrito Federal, além de 361 microrregiões homogêneas que retratavam a realidade sócio-econômica da época, utilizando informações dos censos de 1960 e estatísticas da produção agrícola e industrial de 1965 (IBGE, 1989). E, a partir do Censo de 1970, as estatísticas censitárias começam a ser divulgadas pelas microrregiões homogêneas, que substituíram as zonas $ siográ$ cas.

Foram individualizadas áreas que se identi$ cam por certa forma de combinação dos elementos geográ$ cos sempre dentro de determinado nível de generalização. O País foi dividido em unidades homogêneas que passaram a ser denominadas Microrregiões

3 Pedro Pinchas Geiger foi um dos geógrafos responsáveis no então IBG, Instituto Brasileiro de Geogra$ a,

pela realização da divisão regional do Brasil no $ nal dos anos 1960. Em seu texto original, apresentado na I Conferência Nacional de Geogra$ a e Cartogra$ a, realizada no Rio de Janeiro em setembro de 1968, o autor faz argumentações que demonstram o problema da desatualização da então divisão regional do Brasil. Ele propõe ainda que a divisão ideal para os macro-espaços brasileiros seria a partir do reconhecimento dos três blocos geoeconômicos: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul, o que na prática nunca ocorreu o$ cialmente, $ cando restrita às análises econômicas do território.

Page 52: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

57

Homogêneas. A $ nalidade dessa divisão regional é servir de base para a tabulação dos dados estatísticos, em substituição às antigas Zonas Fisiográ$ cas. Se bem que fatores de ordem econômica não tivessem sido omitidos, a delimitação das zonas foi baseada fundamentalmente em critérios de natureza $ siográ$ ca e de posição geográ$ ca (AMERICANO et al., 1976, p. 172).

Somente em 19774 é criado o nível intermediário denominado mesorregião. O agrupamento das microrregiões homogêneas resultou nas mesorregiões homogêneas. Essa divisão só se altera em meados dos anos 1980 com a divisão do Estado do Mato Grosso que representou uma reorganização das meso e microrregiões homogêneas nesses Estados.

A revisão completa dessa divisão regional ocorre em 1989. O IBGE justi$ cava as mudanças apontando as inúmeras transformações veri$ cadas na organização sócio-econômica do país. A reorientação da estrutura produtiva do território nacional deixava a divisão regional de 1968 desatualizada e anacrônica em relação às atuais formas de organização do espaço, não correspondendo com a realidade brasileira (IBGE, 1989).

Os critérios para identi$ cação das microrregiões, denominadas “geográ$ cas” a partir de então, incluíam os parâmetros: processo social (determinante); quadro natural (condicionante); e rede de comunicação e de lugares (articulação). Vale ressaltar que a idéia de uma região que considera elementos do planejamento e aspectos da articulação são encontrados, por exemplo, nas regiões polarizadas, que no Brasil tem como exemplo as regiões metropolitanas criadas na década de 1970 (ANDRADE, 1976).

Resultado dessa atualização foi uma readequação de muitas das meso e microrregiões às novas realidades. Por exemplo: um município foi incorporado a uma determinada mesorregião em razão da similaridade e homogeneidade pelo predomínio de certo tipo de produção agrícola, mas com o desenvolvimento da estrutura produtiva essa identi$ cação não fazia mais nenhum sentido. Uma série de variáveis estatísticas relativas à produção agropecuária e industrial, serviços, trabalho e população foram utilizadas na de$ nição das micro e mesorregiões geográ$ cas (IBGE, 1989).

Além dessa regionalização o$ cial, há a identi$ cação de espaços regionais, historicamente construídos e de$ nidos no território. Retomando a idéia de Geiger (1970), Corrêa (1997) reconhece a existência de uma nova organização regional do espaço brasileiro resultante de processos sociais e econômicos, que divide o país em três grandes regiões: Centro-Sul, Nordeste

4 Outro fato relevante foi a institucionalização pelo IBGE das regiões metropolitanas em 1974, com

a divisão regional do Brasil em regiões funcionais urbanas (AMERICANO et al., 1976).

Page 53: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

58

e Amazônia. No entanto essa divisão, na prática, é utilizada para $ ns de planejamento, como por exemplo, quando de$ ne áreas de abrangência de órgãos, instituições e superintendências de desenvolvimento (casos da SUDAM e SUDENE). Além disso, essa divisão tem demonstrado ser uma das mais analisadas caracterizações sócio-espaciais do país.

Aspectos da divisão regional do ParanáNo Estado do Paraná, o primeiro problema para sua de$ nição regional

está no fato da disputa territorial com Santa Catarina. A área administrativa do Estado correspondia a um espaço muito maior do que seu território atual ocupando quase toda a parte oeste catarinense (Figura 1).

Na evolução das divisões administrativas do território paranaense, em algumas décadas multiplicou-se o número de municípios. Nota-se que a divisão municipal interfere diretamente na divisão regional já que a base de uma região é a unidade municipal.

A fragmentação do Estado do Paraná pela instalação de novos municípios levou a uma nova con$ guração regional. Alguns com extensas áreas abrangendo espaços com enorme diversidade natural, cultural ou demográ$ ca5. Cessadas as ligações entre espaços, costumes e tradições se vêem afetados no uso de terminologias que promovam uma identidade regional.

Figura 1 - Divisão administrativa da Província do Paraná em 1853

Fonte: Padis (1981, p. 34)

5 Vale mencionar os casos de Castro e Guarapuava.

Page 54: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

59

Figura 2 - Divisão administrativa do estado do Paraná em 1950

Fonte: Padis (1981, p. 98)

Quando a identi$ cação de uma região por meio de um aspecto paisagístico natural coincide com a divisão o$ cial, como no caso dos Campos Gerais (a mesorregião Centro-Oriental Paranaense), o impacto é menor. Entretanto quando o recorte se limita à designação da localização, a confusão e os enganos @ orescem. Foi o que ocorreu com as porções Norte (casos de Londrina, Maringá e Paranavaí) com o advento da terminologia Noroeste na divisão em micro e mesorregiões geográ$ cas a partir de 1989 (Figura 3). Outro caso foi o ocorrido na área central do Estado, cujas divisões o$ ciais divergem da compreensão do senso comum.

Page 55: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

60

Figura 3 - Mesorregiões geográ* cas do estado do Paraná

Fonte: Adaptado de Ipardes (2004, p. 7)

No Paraná, como em muitas áreas do Brasil, enganos decorrentes da não utilização de uma divisão regional padronizada levam a situações curiosas, quando não confusas. É comum serem veiculadas na mídia identi$ cações equivocadas dos recortes regionais. Por exemplo, quando determinado fato ocorre na região de Maringá a identi$ cação regional daquele município é apresentada equivocadamente como “Noroeste”, sendo que na realidade a mencionada região é a Mesorregião Geográ$ ca Norte Central Paranaense, que incorpora ainda Londrina e Apucarana. A própria designação de Noroeste é mais recente e engloba desde a divisão regional de 1989 as microrregiões de Paranavaí, Umuarama e Cianorte.

O mesmo acontece com os municípios de Guarapuava e Irati. Tradicionalmente, Guarapuava foi conhecida por estar localizada no Centro-Oeste do Paraná, mas essa identi$ cação, apesar de fundo histórico já que a área do município abrangeu por muito tempo boa parte da porção central e oeste do Estado, por essa razão era o único município na faixa centro-oeste6, é totalmente informal. Mesmo na antiga regionalização que

6 Se antes de 1941, ou seja, da primeira divisão regional o$ cial do IBGE, Guarapuava por muito

tempo constituía um dos poucos municípios nas partes central e oeste do Paraná, quando da regionalização essa realidade estava modi$ cada. Conclui-se que o$ cialmente, pelas divisões

Page 56: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

61

vigorou até 1968, a zona $ siográ$ ca onde estava localizada Guarapuava já separava esse município de qualquer vínculo com Oeste ou Centro-Oeste e isso permaneceu entre 1968 e 1989 quando a microrregião homogênea de Guarapuava, denominada “Campos de Guarapuava” substituiu a zona $ siográ$ ca. Na regionalização o$ cial, a única região que pode ser chamada de “Centro-Oeste” seria a mesorregião Centro-Ocidental que tem como município mais importante Campo Mourão. No caso de Irati a confusão é mais atual. O município pertence à Mesorregião Geográ$ ca Sudeste Paranaense, e por vezes sua localização é confundida, pela proximidade, como integrante do Centro-Sul (que abrange Guarapuava e Palmas).

Obviamente, empresas e instituições públicas e privadas possuem suas próprias regionalizações. Entretanto, as mesmas não podem servir de parâmetro geral. O que se propõe é o reconhecimento das corretas divisões o$ ciais para evitar equívocos nas pesquisas de âmbito acadêmico. Quando a universidade se apóia num engano, por desconhecimento ou falta de informações, tende a propagar esse mesmo equívoco. As instituições públicas servem como referência na sociedade e nada mais do que justo que estejam muito bem embasadas.

Considerações ' naisA divisão regional constitui um importante mecanismo da administração

e do planejamento público. Considerando a diversidade de regionalizações praticadas individualmente por iniciativa pública ou privada, faz-se necessário reconhecer um parâmetro geral de divisão regional que oriente e identi$ que os estudos e pesquisas, bem como para as políticas públicas. Cabe, portanto, à regionalização o$ cial organizada e atualizada pelo IBGE esse papel.

O geógrafo tem como uma de suas atribuições legais a regionalização, e desempenha isso nas instituições em que exerce suas atividades, como IBGE, IPARDES, prefeituras, universidades, etc. Também um dos papéis da Geogra$ a no meio acadêmico é de orientar, segundo as contribuições especi$ camente geográ$ cas, para uma melhor compreensão espacial do território. Nesse sentido a vocação regional da Geogra$ a começa na identi$ cação e delimitação da própria região onde se insere. Como a divisão regional o$ cial tem um caráter $ xo por se constituir um quadro rígido, como lembram Silva e Linhares (1995), o maior problema está na necessidade de atualização já que os critérios com os

regionais do IBGE, Guarapuava jamais pertenceu a uma região Centro-Oeste, a não ser enquanto unidade municipal que abrangia mais da metade do território estadual muito antes da criação do IBGE. Ou seja: esse município nunca pertenceu a alguma região Centro-Oeste, mas a posição geográ$ ca de sua área englobava o centro e o oeste do Paraná (Figura 1).

Page 57: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

62

quais a Geogra$ a trabalha são dinâmicos. O questionamento acadêmico dos recortes regionais ou a proposição de reavaliação dos mesmos devem, então, ser embasados no conhecimento das divisões regionais, seus critérios e usos.

Referências

AMERICANO, Renato Pacheco (et al.). IBGE: 39 anos divulgando o Brasil. Revista Biblioteconomia, Brasília, v. 4, n. 1, jan./jun. 1976.

ANDRADE, Manuel Correia de. Espaço, polarização e desenvolvimento. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1987.

______. O planejamento regional e o problema agrário no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1976.

BRASIL. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Boletim de serviço: 1763 (suplemento). Rio de Janeiro, jul. 1989.

______. Divisões regionais: mapas interativos – divisão territorial. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geogra$ a/default_div_int.shtm > . Acesso em: 19 abr.2008.

______. Divisão territorial do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1980.

______. Estatísticas do século XX. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxhtml.shtm>. Acesso em: 11 abr. 2008.

BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Estudo da dimensão territorial do PPA: regiões de referência em escala nacional. Documento preliminar para discussão. Brasília, out. 2006.

CASTRO, Iná Elias de. Visibilidade da região e do regionalismo. In: LAVINAS, Lena; CARLEIAL, Liana Maria; NABUCO, Maria Regina. Integração, região e regionalismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

CORRÊA, Roberto L. Trajetórias geográ' cas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

DOLFUS, Olivier. O espaço geográ' co. 4. ed. São Paulo: Difel, 1982.

Page 58: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

63

DUARTE, Aluizio Capdeville. Regionalização: considerações metodológicas. Boletim de Geogra' a Teorética, Rio Claro v. 10, n. 20, p. 5-32, 1980.

FAJARDO, Sergio. Aspectos da ocupação, da formação da estrutura produtiva e das transformações na paisagem regional no território paranaense. Caminhos da Geogra' a, Uberlândia, v. 7, n. 2, Fev. 2007, p. 89 – 101.

GEIGER, Pedro Pinchas. Divisão regional e problema regional. Rio de Janeiro: IBGE, 1970.

IPARDES – INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Leituras regionais: mesorregiões geográ$ cas paranaense (sumário executivo). Curitiba: Ipardes, 2004.

LIMA, Maria Helena Palmer (org.). Divisão territorial brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

OLIVEIRA, Lívia de. Percepção espacial e regionalização. Cadernos da UNB. Publicação do Seminário sobre a organização regional no Brasil, Brasília, 9-13, out. 1978.

PADIS, Pedro Calil. Formação de uma economia periférica:o caso do Paraná. São Paulo: Hucitec, 1981.

PATTISON, William. As quatro tradições da geogra$ a. Boletim Carioca de Geogra' a, v. 1, Rio de Janeiro, 1976.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira; LINHARES, Maria Yedda L. Região e história agrária. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n.15, 1995, p. 17-26.

Page 59: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

64

Anexo

Cartograma: Brasil - Evolução das unidades político-adminstrativas - divisão regional

Page 60: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

65

Page 61: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008
Page 62: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Boa Ventura de São Roque no contexto da microrregião de Pitanga-PR

BINDA, Andrey Luis1

SCHMIDT, Lisandro Pezzi2

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo caracterizar o município de Boa Ventura de São Roque no contexto da microrregião de Pitanga. Para isso, utilizou-se de dados secundários, principalmente os disponíveis pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) que culminaram na elaboração de grá$ cos e quadros de diferentes informações. Além disso, foram realizados mapas temáticos, com auxílio do so+ ware SPRING versão 4.3.3. Neste sentido, inicia-se o texto com a apresentação do per$ l geral da microrregião de Pitanga como um todo, sendo seguido pela caracterização físico-econômica e social do município de Boa Ventura de São Roque. Dessa forma, pretende-se chegar a um quadro geral do papel do município de Boa Ventura de São Roque, na microrregião de Pitanga.

Palavras-chave: microrregião de Pitanga; Boa Ventura de São Roque; desenvolvimento.

Introdução

A preocupação com o desenvolvimento local tem assumido grande importância no debate acadêmico nos últimos anos e tem direcionado o conhecimento e avanço nas propostas de intervenção por parte das políticas públicas.

Constata-se que, a despeito do imenso progresso e avanço tecnológico alcançados pela humanidade nos últimos cem anos, o modelo de desenvolvimento adotado gerou também ampliação da desigualdade na distribuição de bens e serviços e nas condições de vida da população, além de profunda degradação ambiental (NAHAS, 2005).

1 Licenciado e Bacharel em Geogra$ a pela Universidade Estadual do Centro Oeste-UNICENTRO

– Guarapuava-PR. Discente do Programa de Pós-Graduação em Geogra$ a – Nível Mestrado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE – Fco. Beltrão-PR. Bolsista da DS da CAPES, e-mail: [email protected].

2 Docente do Departamento de Geografi a da UNICENTRO. Doutorando em Geografi a pela

Universidade Federal de Santa Catarina, e-mail: [email protected].

Page 63: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

68

O presente trabalho constitui resultados parciais de um levantamento físico e social realizado no ano de 2007 nos municípios que compreendem a microrregião de Pitanga. Nesse caso, a interpretação dos dados apresentados tem como foco o município de Boa Ventura de São Roque, considerando o conjunto de condições físicas e sociais e pelas demais características levadas em efeito para análise.

O texto apresenta algumas características da microrregião de Pitanga, seguido da caracterização física, econômica e social do município de Boa Ventura de São Roque e, em seguida, o contexto desse município na microrregião de Pitanga.

Materiais e métodos

A seleção dos indicadores foram orientados para a busca de uma caracterização física e social dos municípios da microrregião de Pitanga. Para a realização da pesquisa, buscou-se compilar diferentes dados de natureza secundária, tais como: Índice de Desenvolvimento Humano, Grau de Urbanização, Produção Agrícola, Atividades Econômicas, entre outros; disponíveis pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e também dados a respeito das características físicas do município (bases cartográ$ cas e mapas temáticos - IPARDES).

Para alcançar o objetivo, realizou-se os seguintes procedimentos:

- reunião de dados secundários e revisão bibliográ$ ca

- trabalho em gabinete e laboratório: após a compilação e classi$ cação dos dados mais relevantes à pesquisa, elaborou-se grá$ cos e quadros. Além disso, foram elaborados mapas temáticos através da utilização do so� ware SPRING.

- trabalho de Campo: a partir dos dados levantados nas duas primeiras etapas, realizou-se um trabalho de campo no município de Boa Ventura de São Roque, no sentido de realizar veri$ cações in loco e a aplicação de entrevistas com representantes das Secretarias da Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal.

Page 64: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

69

Resultados e discussões

A microrregião de PitangaA microrregião de Pitanga está localizada no extremo norte da

mesorregião Centro-Sul paranaense (Figura 1). É composta por seis municípios (Pitanga, Palmital, Santa Maria do Oeste, Boa Ventura de São Roque, Laranjal e Mato Rico) que juntos perfazem uma área territorial de aproximadamente 4904,634 km2. A con$ guração territorial da microrregião de Pitanga é relativamente recente, visto que os municípios que a compreendem são em sua maioria (com exceção de Pitanga e Palmital) de instalação recente (menos de 15 anos), desmembrando-se, sobretudo, na década de 90 (IPARDES, 2007).

Figura 1- Localização do município de Boa Ventura de São Roque-PR

A cobertura @ orestal natural da microrregião é composta predominantemente pela Floresta Ombró$ la Mista, embora haja a ocorrência de segmentos da Floresta Estacional Semi-decidual. Cerca de 70% de suas terras situam-se entre 600 a 1000 m de altitude. No que tange às classes de declividade da microrregião de Pitanga, $ ca evidente que a maior parte da área (47,10%) situa-se entre 20 e 45%, ou seja, em áreas com relevo fortemente ondulado (IPARDES, 2003a).

A população total da microrregião de Pitanga, segundo dados do censo de 2000, é de aproximadamente 84.855 mil pessoas. No entanto,

Page 65: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

70

conforme trabalho realizado pelo IPARDES (2000) onde foram realizadas projeções referentes às populações até o ano de 2010, percebe-se nitidamente o processo de esvaziamento populacional da microrregião.

Considerando a população por zona de residência, nota-se para a microrregião de Pitanga um quadro predominantemente rural, exceção feita ao município de Pitanga onde é possível perceber um grau de urbanização de 51,14%. O município de Palmital pode ser considerado a caminho da urbanização visto seu grau de urbanização de 42,28%. Os demais municípios apresentam um grau de urbanização entre 14,50 a 23,28% (IPARDES, 2007).

No que se refere aos Índices de Desenvolvimento Humano dos municípios (IDH-M) que compõem a microrregião de Pitanga, os valores variam de 0,640 (Mato Rico) a 0,743 (Pitanga). Fato interessante ocorre comparando os municípios da microrregião com a classi$ cação paranaense de IDH-M. Fica evidente que se trata de uma área com baixíssimos IDH-M, visto que quatro de seus municípios estão entre os quinze mais baixos IDH-M do Paraná (Palmital 387°, Santa Maria do Oeste 392°; Laranjal 394° e Mato Rico 397°) e mesmo considerando-se os demais municípios (Boa Ventura de São Roque 301° e Pitanga 186°), percebe-se que a microrregião encontra-se entre as mais carentes do Estado (IPARDES, 2003b).

Quanto à economia da microrregião de Pitanga, pode-se a$ rmar, pautado nas tabulações realizadas com os dados do IPARDES (2007), que o setor primário é a base econômica da microrregião. Assim, a agricultura e a pecuária despontam como as principais atividades realizadas na microrregião .

Caracterização do município de Boa Ventura de São RoqueO município de Boa Ventura de São Roque localiza-se a leste da

microrregião de Pitanga (Figura 1), fazendo divisas com o município de Turvo (Sul), Pitanga (Norte), Santa Maria do Oeste (Oeste) e Cândido de Abreu (Leste), este último pertencendo à mesorregião Norte Central Paranaense. O acesso à cidade é feito por estrada pavimentada que faz entroncamento com a PR 460. O município apresenta uma população total de 6780 pessoas (IBGE, 2000), distribuída desigualmente entre a área urbana 15,93% e rural 84,07%. Tal fato re@ ete a alta taxa de pessoas ocupadas em atividades econômicas voltadas, sobretudo à agricultura e à pecuária. O distrito de Boa Ventura de São Roque desmembrou-se de Pitanga e foi elevado ao grau de município no início do ano de 1997.

Considerando os aspectos geológico-geomorfológico do Estado do Paraná, o município de Boa Ventura de São Roque está localizado no terceiro

Page 66: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

71

planalto paranaense, mais especi$ camente no bloco planáltico de Campo Mourão (MAACK, 2002). Os principais rios que drenam a área territorial do município de Boa Ventura de São Roque, são: Rio Marrequinha, Rio Bonito, Rio Pedrinho, Rio do Corvo, Rio Carazinho, Rio do Tigre, Rio das Antas, entre outros.

Observa-se que a maioria dos rios acima mencionados nascem no extremo sul do município correndo no sentido sudoeste-nordeste em direção à calha do Rio Ivaí, o principal rio da região, exceção feita a alguns rios, tais como: Rio Araguaí, Arroio Corrente e Arroio Buriti, que nascem no reverso dos divisores d’água do rio Ivaí e correm em direção ao Rio Piquiri.

A altitude do município de Boa Ventura de São Roque varia aproximadamente entre 440 a 1140 m, ou seja, com uma amplitude altimétrica de cerca de 700 m, porém cerca de 61,03% de suas terras situam-se entre altitudes que vão de 860 a 1040 m. Cotas altimétricas abaixo dessas ocorrem em 33,32% e superiores ocorrem em apenas 5,65%. A Figura 2 espacializa as classes hipsométricas para o município de Boa Ventura de São Roque.

Figura 2 - Mapa de hipsometria de Boa Ventura de São Roque

O relevo do município de Boa Ventura de São Roque pode variar de plano a ondulado, embora, em algumas áreas principalmente próximas ao Rio Ivaí, ocorram relevos fortemente ondulados a montanhoso. Dessa forma, a topogra$ a do município tem íntima relação com a intensa dissecação dos vales, o que condiciona a ocorrência de duas regiões bem de$ nidas no município: uma dela corresponde à metade sul, caracterizada por declividades

Edição e elaboração: Andrey Luis Binda (2007)Fonte: Cartas Topográ$ cas {1:100.000} SG. 22 - V-B-V {2821} SG. 22 - V-B-VI {2822} SG. 22 - V-D-II {2837}

Page 67: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

72

médias de 0 a 20%, e a outra referente à metade norte com declividades superiores a 20% exceto nos topos planos dos morros. A $ gura 3 mostra de maneira geral a espacialização das principais classes de declividade.

Figura 3 - Mapa de declividades

O clima do município é Subtropical Úmido Mesotérmico do tipo C� da classi$ cação de Köeppen, caracterizado por verões frescos e a ocorrência de geadas severas nos meses mais frios, sem estação seca, com temperaturas que variam de 22°C nos meses mais quentes e 18°C nos meses mais frios, sendo a média em torno de 20°C e precipitação entre 1600 a 1900 mm (MAACK, 2002; PEREIRA, 2003; IPARDES, 2004). No entanto, segundo o IPARDES (2004), em locais de baixa altitude ao longo do vale do Rio Ivaí podem ocorrer microclimas do tipo Subtropical Úmido Mesotérmico, ou Cfa, com verões quentes, geadas infreqüentes, e chuvas com tendência de ocorrer principalmente durante o verão.

A cobertura vegetal do município é formada pela Floresta Ombró$ la mista, mais conhecida como “Floresta de Araucárias” que se desenvolve nas áreas mais altas do município, além desta é possível encontrar principalmente próximo à calha do Rio Ivaí segmentos da Floresta Estacional Semidecidual (IPARDES, 2004).

Segundo dados do Censo Demográ$ co realizado pelo Instituto Brasileiro de Geogra$ a e Estatística (IBGE) no ano de 2000, o município de

Edição e elaboração: Andrey Luis Binda (2007)Fonte: Cartas Topográ$ cas {1:100.000} SG. 22 - V-B-V {2821} SG. 22 - V-B-VI {2822} SG. 22 - V-D-II {2837}

Page 68: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

73

Boa Ventura de São Roque tem uma população total de 6780 pessoas, que representa uma densidade demográ$ ca de 10,91 habitantes por Km2. No entanto, estas pessoas estão distribuídas desigualmente no município, pois apenas 1080 pessoas têm suas residências na zona urbana, sendo que as demais 5700 pessoas residem na zona rural. Este fato demonstra um grau de urbanização municipal na faixa de 15,92%.

No que tange à distribuição da população por faixa etária, nota-se um grande percentual de crianças e adolescentes com idades entre 0 a 19 anos, que correspondem a cerca de 46,49% da população total. Em relação à população por sexo, há 3536 homens (52,15%) e 3244 mulheres (47,85%) (IPARDES, 2007). O grá$ co 1 mostra a população por faixa etária e sexo para o município de Boa Ventura de São Roque.

Grá* co 1 - População segundo as faixas etárias e sexo (2000)

Fonte: IBGE (2000). Org. Binda (2007)

Em trabalho realizado pelo IPARDES (2000) sobre as projeções da população por município, Boa Ventura de São Roque aparece como um município que apresenta um dé$ cit populacional no período de 2000-2010 da ordem de 27,92%, ou seja, uma redução da população total para mais de 4000 pessoas.

Devido à predominância da população na zona rural, as atividades predominantes são ligadas ao campo, como a agricultura e pecuária.

Page 69: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

74

Segundo dados do Censo Demográ$ co de 2000 (IPARDES, 2007), acerca das atividades econômicas desenvolvidas pela população do município, aproximadamente 69% das pessoas estão ligadas a atividades relacionadas à agricultura, pecuária, silvicultura, exploração @ orestal e pesca, ao passo que atividades urbanas, tais como comércio, restringem-se a 4%.

A agricultura do município de Boa Ventura de São Roque é baseada na pequena propriedade e pautada principalmente no trabalho familiar. Segundo Pereira (2003), a área média das propriedades é de aproximadamente 20 ha. Dentre os principais produtos agrícolas elaborados nas pequenas propriedades estão o milho, soja e feijão; dentre os principais produtos de origem animal está o leite e a seda (Secretaria da Agricultura Municipal, 2007).

Em relação aos principais produtos agrícolas produzidos no município de Boa Ventura de São Roque, conforme os dados do IBGE da Produção Agrícola Municipal (2005), merecem destaque a soja com 44% da produção total, o milho com 43% e a cevada com 4%, sendo que os demais produtos juntos somam apenas 9%.

No que tange à pecuária, os principais rebanhos do município são os de bovinos e suínos, com 28.881 e 19.368 cabeças respectivamente. A produção de galináceos também merece destaque com um número de aproximadamente 42.000 animais (IPARDES, 2007).

O município de Boa Ventura de São Roque apresenta um IDH-M segundo dados do IPARDES (2003b) de 0,711 que o coloca na 301° colocação na classi$ cação paranaense e segundo na classi$ cação da microrregião, $ cando somente atrás do município de Pitanga com um IDH-M de 0,743.

Porém, há de se evidenciar que mesmo se tratando de um município pequeno, Boa Ventura de São Roque sofre com problemas semelhantes de cidades médias e grandes.

Os dados do IPARDES (2003) sobre as taxas de pobreza por município paranaense trazem informações signi$ cativas para Boa Ventura de São Roque. Em tal estudo, o IPARDES considera como famílias pobres aquelas cuja renda per capita é de até ½ salário mínimo. Estes dados evidenciam para o município um número de 800 famílias pobres distribuídas em 1991 na zona urbana e 709 na zona rural, que corresponde a uma taxa de pobreza que atinge cerca 47,33% da população.

Embora não se possa falar em favelização na sede urbana do município, já é possível veri$ car a formação de área carente, como a Vila Gloeden. Segundo informações obtidas com a Prefeitura Municipal de Boa Ventura de São Roque (2007), as pessoas que ocupam esse bairro, provêm da zona rural, que, na ilusão de uma vida mais próspera, venderam suas

Page 70: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

75

pequenas propriedades e se estabeleceram na cidade, onde desenvolvem serviços sem muita quali$ cação.

O município de Boa Ventura de São Roque no contexto da microrregião de Pitanga

O município de Boa Ventura de São Roque, com uma área de 621,319 km2 corresponde a aproximadamente 12,67% da área total da microrregião de Pitanga, o que o coloca na quarta colocação, somente à frente dos municípios de Laranjal (11,38%) e Mato Rico (8,09) e atrás dos municípios de Pitanga (33,96%), Santa Maria do Oeste (17,24%) e Palmital (16,66%).

O município mais populoso da microrregião é Pitanga, que sozinho representa mais de 42% da população. Boa Ventura de São Roque corresponde a 7,99% da população total da microrregião $ cando somente à frente de Mato Rico com 5,30%. O quadro 1 apresenta os dados por município.

Quadro 1 - População total por município e percentual em relação à microrregião, 2007

Município População %Boa Ventura de São Roque 6780 7,99Laranjal 7121 8,39Mato Rico 4496 5,30Palmital 16958 19,99Pitanga 35861 42,26Santa Maria 13639 16,07Total 84855 100

Fonte: IPARDES (Cadernos Municipais, 2007). Org. Binda (2007)

Esta diversidade de extensões territoriais e taxas de população confere a cada município diferentes taxas de densidade demográ$ ca. Pitanga e Palmital apresentam as maiores taxas de densidade demográ$ ca, com valores de aproximadamente 20 hab/Km2. Boa Ventura de São Roque se caracteriza como a mais baixa taxa de densidade demográ$ ca, com pouco mais de 10 hab/Km2. O grá$ co 2 mostra um comparativo entre as taxas de densidade demográ$ ca por município.

Com relação à produção agrícola (Produção Agrícola Municipal – 2005 – IBGE apud IPARDES, 2007), o município de Boa Ventura de São Roque se destaca no cenário da microrregião, principalmente com as culturas de milho, soja e cevada com uma contribuição respectivamente de 14,73%, 23,58% e 34,66% da produção total em toneladas da microrregião,

Page 71: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

76

$ cando somente atrás do município de Pitanga que desponta com mais de 50% nessas culturas.

Grá* co 2 - Densidade demográ* ca por município

Fonte: IPARDES (Cadernos Municipais, 2007). Org. Binda (2007)

A pecuária (Pesquisa Pecuária Municipal – 2005 – IBGE apud IPARDES, 2007) do município no quadro da microrregião tem nos efetivos de suínos e ovinos o seu maior destaque. O efetivo de suínos corresponde a 15,41% do total da microrregião $ cando apenas atrás de Pitanga com 44,25%. O rebanho de ovinos compreende mais de 19% do total, atrás dos municípios de Pitanga e Palmital, com mais de 20%. Mas é com o efetivo de ovinos tosquiados que o município de Boa Ventura de São Roque desponta como o maior rebanho da microrregião, contribuindo com mais de 32% do total à frente de municípios como Palmital (25,77%) e Pitanga (20,62%). No entanto, o município de Boa Ventura de São Roque apresenta baixos valores no contingente de bovinos (8,96%) e galináceos (7,43%), o que o coloca em último colocado e penúltimo respectivamente, da produção da microrregião.

Page 72: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

77

Considerações ' nais

O município de Boa Ventura de São Roque, embora seja de instalação recente, tem bons resultados nos setores de economia e bem estar social. Isto se re@ ete na importante participação do município na agricultura e pecuária da microrregião.

No entanto, a microrregião de Pitanga carece de políticas em conjunto, que promovam o desenvolvimento desta parcela do estado do Paraná, que conta com os mais baixos IDH-M. Além de pensar no desenvolvimento municipal, é de suma importância que os municípios que compõem a microrregião invistam em políticas públicas para o desenvolvimento microrregião.

Isto é fundamental, principalmente no presente momento de implementação dos Planos Diretores, e é nesse viés que espera-se que este trabalho venha a contribuir, no sentido de evidenciar as potencialidades, mas também de ressaltar as di$ culdades encontradas, a$ m de que estas possam ser melhor entendidas e que se busquem alternativas para o seu desenvolvimento.

Referências

BRASIL. Fundação Instituto Brasileiro de Geogra$ a e Estatística – IBGE. Censo Demográ' co 2000. Disponível em: <http://ibge.gov.br/home/

estatistica/populacao/censo2000/universo.php?tipo=31&paginaatual=1&

uf=41&letra=G>. Acesso em: 26 mar. 2007.

IPARDES, Instituto Paranaense de desenvolvimento Econômico e Social. Paraná: projeções das populações municipais por sexo e idade 2000-2010. Curitiba: IPARDES, 2000.

IPARDES, Instituto Paranaense de desenvolvimento Econômico e Social. Indicadores e mapas temáticos para o planejamento urbano e regional. Curitiba: IPARDES, 2003a.

IPARDES, Instituto Paranaense de desenvolvimento Econômico e Social. Índice de desenvolvimento humano municipal – IDHM – 2000: anotações sobre o desempenho do Paraná. Curitiba: IPARDES, 2003b.

IPARDES, Instituto Paranaense de desenvolvimento Econômico e Social.

Leituras Regionais: Mesorregião Centro-Sul Paranaense. Curitiba: IPARDES/BRDE, 2004.

Page 73: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

78

IPARDES, Instituto Paranaense de desenvolvimento Econômico e Social. Cadernos Municipais (Municípios de Boa Ventura de São Roque, Pitanga, Santa Maria do Oeste, Laranjal, Mato Rico, Palmital), 2007.

MAACK, R. Geogra' a física do estado do Paraná. 3. ed. Curitiba: Imprensa O$ cial, 2002.

NAHAS, Maria Inês Pedrosa. Indicadores intra-urbanos como instrumentos de gestão da qualidade de vida urbana em grandes cidades: discussão teórico-metodológica. Curitiba: Ipardes, 2005 (Texto para discussão).

PEREIRA, A.C. Desenvolvendo ecoturismo rural em Boa Ventura de São Roque. Campo Mourão: MR Grá$ ca e Editora, 2003.

Page 74: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Estudo geo-histórico de Mamborê-PR

CUNHA, Márcia Cristina da1

Resumo: Este trabalho faz parte de um projeto maior cujo tema é “Cidades pequenas, mapeamento urbano, histórico e cultural”, e trata da microrregião de Campo Mourão. Nele, foram estudadas as pequenas cidades com a $ nalidade de mapear suas características físico-ambientais e sócio-culturais, além de sua história. No caso especí$ co desta pesquisa, observamos que se trata do município de Mamborê, para o qual voltamos nossa atenção no processo investigativo. O presente trabalho trata de um estudo a respeito de espacialidades urbanas e que, neste caso, em particular, trata da cidade de Mamborê, a qual pertence à região da COMCAM (Comunidade dos municípios da região de Campo Mourão). Os passos da pesquisa estão direcionados primeiramente para o levantamento da história e do planejamento urbano, para posteriormente se investigar a cultura Mamboreense. Esta pesquisa se propõe estudar uma pequena cidade, Mamborê, a que pertence à microrregião de Campo Mourão com o intuito de obter informações destacando seus aspectos geo-históricos. Foram analisados diversos fatores, desde a ocupação até os dias atuais, as mudanças ocorridas e o crescimento urbano. O Município de Mamborê localiza-se na região Centro Oeste do Estado do Paraná 750 metros acima do nível do mar. Situa-se a 24º17’30” de latitude e a 52º31’36” de longitude. Com uma superfície de 798,6Km2, Mamborê corresponde a 0,4% da área do Estado. Sua população, no ano de 2000, era de 15.287 habitantes, sendo 8.033 na área urbana e 7254 na área rural. Limita-se, ao norte com Campo Mourão e Farol, ao Sul com Nova Cantu e Campina da Lagoa, ao leste com Luiziana e ao oeste com Boa Esperança e Juranda. Mamborê está localizado na região Centro-Oeste do Estado do Paraná. Sua história começou por volta de 1918 com a procura de erva-mate. Surgiram então Companhias Exportadoras de erva-mate e com elas os acampamentos de Lupaí, Memória, Bocaí, Central Santa Cruz, Porto Piquiri e Natividades, compostos por paraguaios e argentinos. Foi a Companhia paraguaia Alica que formou o acampamento chamado de Hamam-amburê. Hamam, na língua tupi-guarani signi$ ca Local Distante e Amburrê: Reunião de pessoas. Simpli$ cado com o tempo, o nome então: Mamburê

Palavras-chave: cidade; projeto urbano; território.

1 Geógrafa. Professora e pesquisadora do Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO.

Page 75: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

80

Introdução

O espaço urbano estudado é caracterizado por uma dinâmica que pode ser modi$ cada ou transformada com o passar do tempo. Mas apesar das várias transformações que possam vir a ocorrer, uma pequena cidade, no caso, Mamborê (vide mapa 1), terá sempre seu encanto, assim como tantas outras cidades, sejam elas pequenas, médias ou grandes. Com essa perspectiva, as cidades muitas vezes têm seu sentido de acordo com os olhos que a observam; Marco Pólo, em Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino descreve a Kublai, a cidade Ândria,

Segundo ele:

Ândria foi construída com tal arte que cada um de suas ruas segue a órbita de um planeta e os edifícios e os lugares públicos repetem a ordem das constelações e a localização do astro mais luminoso: Antares, Alpheratz, Capela, Ceifeidas. O calendário da cidade é regulado de modo que trabalhos e ofícios e cerimonias se disponham num mapa que corresponde ao $ rmamento daquela data: assim os dias da terra e as noites nos céus se espelham2.

A cidade apresenta, portanto, características e sentidos diferentes mudando suas formas com relação às diferentes observações e, ao mesmo tempo, é capaz de preservar a clareza de seus traços nas formas que foram previamente traçadas. Nesse sentido, propõe-se a estudar o planejamento urbano, a ocupação, enfatizando a cultura dos habitantes Mamboreenses e considerando seus aspectos geo-históricos.

As cidades trazem consigo uma bagagem que foi acumulada ao longo do tempo; assim como o homem tem uma memória que foi arquivada dia após dia; ambos têm uma história, um passado uma relação envolvendo diferentes sentimentos. Por isso, é importante a realização de um estudo mais aprofundado das pequenas cidades em individual, para que se obtenha um conhecimento mais especí$ co e objetivo dos municípios pertencentes à Micro região de Campo Mourão (ver mapa 1). Cada elemento estudado merece uma expressiva atenção, pois oferece informação sobre o município, seu comércio, qual o tipo de atendimento à saúde, como são conduzidas as propostas de educação, o traçado de suas ruas, como foram planejadas, assim como, qual o nível de vida da população.

2 CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi, São Paulo: Companhia das Letras,

1990, p.52.

Page 76: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

81

O município de Mamborê foi caracterizado pela exploração da erva-mate, isso o torna importante para a região, sendo este um dos principais fatores que contribuíram para o início da exploração do município. Muitos são os objetivos que levam à ocupação de um município fazendo com que cresça o número de seus habitantes.

No caso de Mamborê, a exploração da erva-mate e da madeira trouxe aos moradores a oportunidade da formação de um município que, aos poucos, foi se desenvolvendo. Essa exploração foi importante para o município, permitindo assim o início de sua formação.

Cada aspecto geo-histórico a ser estudado merece uma atenção minuciosa, sendo estes os pontos primordiais da pesquisa, trazendo informações concretas e objetivas com relação ao município. Vale lembrar que a sociedade tem uma participação ativa no desenvolvimento de um município, portanto, é de suma importância inter-relacionar sua atuação ao longo da história no município de Mamborê, bem como o crescimento urbano. Dessa forma, alguns objetivos se $ zeram necessários para o desenvolvimento do trabalho, tais como: Investigar o processo de ocupação e organização que se processou até o presente momento. Procurar identi$ car o tipo de planejamento urbano, identi$ car a área urbana, seus bairros, jardins, vilas, conjuntos, levantar informações com relação aos aspectos geo-histórico, e averiguar os tipos de festejos que fazem parte da cultura Mamboreense e sua relativa importância.

Figura 1 - Microrregião de Campo Mourão

Fonte: City Brazil (www.citybrazil.com.br/pr/mapapr.gif)

Page 77: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

82

Metodologia

Nessa pesquisa, o método aplicado foi o método investigativo, com leituras em obras como Carlo Ginzburg, mais especi$ camente sua obra “Mitos, Emblemas, Sinais”, As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, fazendo-se necessárias ainda leituras em várias outras obras, como “A Imagem da Cidade” de Kevin Lynch e outros. Foi realizado o levantamento fotográ$ co do município: ruas, comércio, escolas, lugares, também referentes ao passado e entrevista com os moradores mais antigos. Visita à prefeitura no setor da Secretaria de Planejamento Urbano, Cultura e outros que se $ zeram necessários. Foram feitos levantamentos junto ao IBGE3 para veri$ car o IDH4 da população.

Cada passo da pesquisa foi previamente traçado, com leituras, para obter um maior conhecimento sobre a cidade, depois visita à prefeitura para obter a carta do município e planta da área urbana. Consulta à fonte de Vilson Olipa que fala sobre a História de Mamborê mereceu uma investigação mais minuciosa. Na seqüência, foram feitas as entrevistas com os moradores mais antigos do município para investigar o tipo de ocupação. O planejamento urbano do município foi pesquisado junto à prefeitura, assim como as manifestações culturais, e também uma pesquisa de campo nas localidades de maior tradição do município com relação as suas etnias, com o objetivo de veri$ car sua importância para a população.

Discussões e resultados

A cidade pode ser veri$ cada pela sua estrutura, número de habitantes, cultura, en$ m. Alguns só consideram cidade aquela que possui certo número signi$ cativo de habitantes, mas mesmo quem mora em uma cidade pequena, considera o lugar onde mora como sendo uma cidade. E assim se torna muito relativo o conceito de cidade, sendo um simples aglomerado de pessoas ou milhares de habitantes em um determinado lugar.

Muitas vezes as cidades são formadas sem planejamento prévio, crescendo de forma desordenada e imprevista, dando novas formas à cidade pré-existente que aos poucos se renova. Uma cidade pode ser caracterizada pela sua história, vias, indústrias, turismo, forma, ou seja, ao se estruturar vão adquirindo formas e características ao longo do tempo que podem ou não desaparecer. Nesse sentido, a iniciativa de Vilson Olipa de publicar

3 IBGE: Instituto Brasileiro de Geogra$ a e Estatística.

4 IDH: Índice de Desenvolvimento Humano.

Page 78: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

83

o livro a História de Mamborê trouxe aos habitantes do município a oportunidade de compreender melhor a História do lugar onde moram.

Através de sua fonte percebemos a trajetória percorrida pelo município de Mamborê, desde a sua fundação até os dias atuais. As terras onde se localiza o atual município de Mamborê já foram território espanhol. Na época em que vigorava o tratado de Tordesilhas (Século XVII e XVIII), somente a parte Leste do estado do Paraná pertencia aos portugueses, mas as primeiras intervenções de exploradores na região só aconteceram por volta de 1918. Vale lembrar que é um caminho bastante famoso no estado do Paraná e tem sua importância também para o município de Mamborê, segundo Vilson Olipa:

O caminho de Peabiru tinha uma extensão de aproximadamente 3.000 mil quilômetros . Além desse marco principal, havia rami$ cações do caminho e uma passaria pela região de Campo Mourão. Há dúvidas quanto ao traçado exato dessa rami$ cação, mas apresentamos uma seqüência de municípios, que existem atualmente, pelos quais o caminho provavelmente tenha passado: Engenheiro Beltrão, Peabiru, Campo Mourão, Luiziana, Mamborê, Nova Cantu, Campina da Lagoa, e Ubiratã5.

O caminho de Peabiru foi de grande importância não só para Mamborê, mas também para vários outros municípios. A partir de então, com o passar do tempo, a exploração foi cedendo lugar à ocupação e dando origem a pequenos municípios, cada um com seu traçado próprio de forma ordenada ou não. No começo de sua ocupação, assim como tantas outras cidades, Mamborê era visto como um pequeno vilarejo, sem infra-estrutura, servindo como base de exploração para os moradores locais e exploradores da região, e dessa forma cada cidade foi aos poucos se transformando, direcionada por um traçado urbano ainda não determinado.

Para descrever uma cidade é necessário mais que observação, é necessário mínimos detalhes e compreensão de seus traços, não basta descrever uma cidade só por descrever, é preciso que se sinta parte desse ambiente, que se esteja inserido nesse meio. Para Ítalo Calvino, as cidades que Pólo descrevia á Kublai representam ambientes variados:

Recém chegado e ignorado totalmente as línguas do levante, Marco Pólo só podia exprimir extraindo objetos de suas malas: tambores, peixes salgados, colares de dentes de facoquerose

5 OLIPA, Vilson. História de Mamborê: [s.e], 1998:10.

Page 79: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

84

indicado-os com gestos, saltos, gritos de maravilha ou de horror, ou imitando o latido do chacal e o apoio do macho6.

Existem cidades que encantam com sua pureza, arborizarão ou algo mais que venha para contribuir com a cidade. Isso nos da à idéia de que cada cidade tem suas próprias características, encantos e segredos.

“A clareza ou legibilidade de cada cidade varia muito de acordo com sua estrutura, e é de grande valor e importância para sua identi$ cação7”.

A forma que toma uma cidade é muito importante e pode variar de município para município. Se este for planejado, provavelmente vai tomar a forma que lhe foi antecipada, como por exemplo, Brasília, que tem a forma de um avião ou pássaro dependendo da interpretação de cada um. Mas quando a cidade não é planejada, como o município de Mamborê no início de sua exploração, a forma nem sempre é a ordenada, pois muitas vezes as cidades que são ocupadas tendem a se estruturar de acordo com as necessidades que vão surgindo no decorrer da ocupação. E mesmo em algumas cidades planejadas as formas podem ir se modi$ cando com o tempo em razão de um crescimento desordenado de seu território.

O crescimento da cidade altera substancialmente sua estrutura urbana, à medida em que surgem novos bairros. A expansão da ocupação e o aumento da população estimulam o aparecimento de áreas voltadas ao comércio e à prestação de serviços. Este movimento pode ser considerado positivo, porque facilita o acesso aos serviços públicos e ao comércio, e negativo quando não planejada a ocupação de novos bairros, torna-se impulsionada a aglomeração da população. Dessa forma, o crescimento da cidade se deu de acordo com as necessidades impostas pelo mesmo. Atualmente com 14.509 habitantes, conforme estimativa do IBGE em 2006, e 11.074 eleitores, o município conta com importantes comunidades rurais, como Guarani, Pensamento, Canjarana, Gavião, entre outros. Com 980 metros de altitude, o clima é sub-tropical úmido mesotérmico, com verões caracterizados por altas temperaturas e baixa frequência de geadas durante o inverno. O Município de Mamborê localiza-se na região Centro Oeste do Estado do Paraná, a 750

6 CALVINO, Ítalo. As cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi, São Paulo: companhia das Letras,

1990:41.7 Kevin Lynch faz um estudo examinado a qualidade visual da cidade estadunidense por meio de

estudo da imagem mental que dela $ zeram seus habitantes, concentra-se na clareza ou legibilidade dada aparente da cidade. Dessa forma pretende indicar a facilidade com que as partes da cidade podem ser reconhecidas de forma legível, onde seus bairros, vias ou marcas, sejam facilmente reconhecíveis e organizados. LYNCHE, Kevin. A Imagem da Cidade. Trad. Je� erson Luis Camargo. São Paulo: MARTINS Fontes, 1997:227.

Page 80: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

85

metros acima do nível do mar. Situa-se a 24º17’30” de latitude e a 52º31’36” de longitude. Com uma superfície de 798,6Km2, Mamborê corresponde a 0,4% da área do Estado. Sua população, no ano de 2000, era de 15.287 habitantes, sendo 8.033 na área urbana e 7254 na área rural.

A cultura que se apresenta em uma cidade é de suma importância para seus habitantes; tradições, prato típico, vestuário entre outros aspectos, contribuem para a formação de uma cidade. Sendo assim, segue a relação dos principais eventos culturais do município de Mamborê.

Descrição de eventos e festividades populares:

- Exposição e Feira Agropecuária, (Expomam)

- Festa da Padroeira Nossa Senhora Imaculada Conceição.

- Festa das Comunidades, Ranchinho, Sununum, Água da Palmeira, Araçá, Pensamento, Canjarana, Lageado, Clauri, Água grande, Gavião e Guarani.

- Feira de Artesanato, Amaarte.

- Festa da Viola.

- Festa Junina.

- Concurso Quadrilha Mocrimam.

- Baile do Chope

- Festa da Igreja Alto da Glória.

- Festa da Igreja Ucraína.

- Cavalgada.

- Des$ le Cívico.

- Recital de Música.

- Baile do Município.

Lazer e entretenimento

- Mamborê Clube de Campo

Page 81: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

86

- CTG Galpão da amizade

- AABB

- ARCAM

- ARESMUM

- Comunidade Gavião

Atrações turísticas não exploradas

- Igreja subterrânea (Gavião);

- VI Cavalgada (ecoturismo);

- Artesanatos;

- Defumados

- Turismo de eventos;

- Rios;

- Pesque e Pague;

Eventos municipais

- XVI Feira Agropecuária e Industrial;

- Rodeio Crioulo, (CTG);

- Leilões de Pecuária;

- Junifesta (festas juninas);

- Festa da Padroeira;

- Festa Cívica;

- Festa Folclórica;

Agenda cultural

- Feira do Artesanato (duas vezes no ano);

- Festival da Viola (setembro);

Page 82: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

87

- Festas Juninas;

- Festa Folclórica;

Considerações ' nais

Em 1962, Mamborê foi o$ cializado como cidade com Perímetro Urbano. Somente nos anos 90 começam a surgir loteamentos como Jardim das Américas, Alto da Colina, Santa Luzia, Novo Horizonte, além dos rios que limitam o seu perímetro. Todavia, sua expansão deve se dar para o Oeste, que oferece todas as condições topográ$ cas e existência de infra-estrutura básica, onde está localizado o cemitério municipal, por onde deverá passar a futura perimetral, através da estrada ali existente, até a saída do Guarani.

Parcialmente, sua expansão deve se dar para o Leste, além de trechos inadequados em topogra$ a, presenciamos áreas com mata nativa ao Sudeste, além da rede de alta tensão ali marcante. Ainda a Leste, conferimos à existência do Clube, Estação da Copel e várias chácaras que devem referenciar a sua expansão em áreas de lazer. Ao Norte, limita-se também sua expansão, principalmente porque o novo perímetro deve $ car muito próximo das áreas consolidadas.

Mamborê é um municio que tem possibilidades de crescer tanto no aspecto de crescimento urbano quanto na qualidade de vida de seus moradores. Isso depende de fatores como: infra-estrutura, economia, educação, entre outros. Independente de sua possível melhora, o município já tem sua relativa importância para a região da COMCAM, no aspecto econômico, relacionado com a agropecuária, principal atividade do município. Dessa forma, nota-se que apesar de uma exploração desordenada e crescimento urbano não planejado, o município se desenvolveu atendendo às necessidades de seus habitantes.

ReferênciasCALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis: Tradução, Diogo Mainardi, São Paulo: Companhia das Letras, 1990).

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1 artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo, companhia de Letras, 1989.

Page 83: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

88

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Je� erson Luiz Camargo (trad). São Paulo: Martins Fontes, 1997.

OLIPA, Vilson. História de Mamborê. (Mamborê, s.n), 1998.

IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geogra$ a e Estatística.

Page 84: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Caracterização da pluviosidade na bacia hidrográ' ca do Ernesto - Pitanga-PR

LANGE FILHO, Gerson1

VESTENA, Leandro Redin2

Resumo: O presente estudo teve por objetivo analisar a pluviosidade na bacia hidrográ$ ca do Ernesto, localizada no município de Pitanga-PR. O recorte espacial foi determinado pela importância que a bacia hidrográ$ ca representa para a cidade de Pitanga, sendo o Rio Ernesto manancial daquela cidade. Os dados de pluviosidade utilizados foram os da estação pluviométrica, identi$ cada pelo código número 02451013, da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), localizada a 24º45’26” de latitude sul e 51º45’33” de longitude oeste, monitorada pela SUDERHSA (Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental), do período de 1966 a 2006. A metodologia adotada pautou-se na tabulação da pluviosidade diária, na obtenção da pluviosidade mensal, anual e sazonal, dos períodos de estiagem superior a 15 dias, e na análise dos índices estatísticos: freqüência, desvio padrão, coe$ ciente de variação. Os resultados obtidos foram que os anos de 1983 (2691,6 mm) e 1990 (2383,3 mm) foram os mais chuvosos, e os de 1988 (1214,9 mm) e 1977 (1229 mm) os mais secos. A pluviosidade mensal $ ca em torno de 90 a 200 mm. A pluviosidade média anual na BHE é de 1.765 mm, sendo os meses de julho e agosto os mais secos, e os de janeiro e outubro os mais chuvosos. Na BHE existem variações signi$ cativas na distribuição pluviométrica mensal e anual, representadas pelo coe$ ciente de variação, que variou entre 44,5 a 74,1%. As ocorrências de períodos de estiagem igual ou superior a 15 dias se dão mais freqüentemente na estação do inverno e outono, respectivamente. Apesar de o estudo ser preliminar, o mesmo denota a importância de se conhecer a heterogeneidade da precipitação, tanto quanto a quantidade total precipitada, visto que esta subsidia ações que busquem prevenir e amenizar os impactos da variabilidade, ou seja, dos períodos extremos. A escassez e/ou o excesso de água ocasionam impactos ambientais indesejáveis, enquanto, aquela

1 Bolsista do Programa Educacional Tutorial - PET em Geogra$ a da UNICENTRO. e-mail:

[email protected] Professor do DEGEO/UNICENTRO. e-mail: [email protected].

Page 85: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

90

ocasiona redução na quantidade hídrica, perda de produtividade agrícola, essa provoca inundações, assoreamento, movimentos de massa e erosão.

Palavras-chave: estiagem; pluviosidade; Pitanga.

Introdução

As principais características da água são a circulação natural (ciclo hidrológico ou ciclo da água), a variabilidade (heterogeneidade) espacial e temporal, apontam Kobiyama et al., (2007).

A precipitação em excesso pode causar sérios problemas ambientais, como inundações e movimentos de massas, enquanto sua escassez, queda na produtividade agrícola, racionamentos no abastecimento hídrico, entre outros.

De acordo com Ayoade (1991, p. 167), a distribuição sazonal da precipitação é tão importante quanto o volume total, independentemente da localização da área geográ$ ca estar em clima seco ou úmido.

A precipitação é in@ uenciada por diferentes fatores, dentre os quais se destacam a temperatura do ar, umidade relativa do ar, radiação solar, relevo, dinâmica atmosférica, entre outros.

O entendimento da heterogeneidade da precipitação torna-se indispensável nas atividades de planejamento ambiental, pois, fornece informações que subsidiam um uso mais correto e racional dos recursos naturais, principalmente os hídricos, visto que esta in@ uencia na disponibilidade hídrica.

Segundo Tucci e Beltrame (2000), a precipitação pode ser entendida como toda água proveniente do meio atmosférico que atinge a superfície terrestre. Neblina, chuva, granizo, saraiva, orvalho, geada e neve são formas diferentes de precipitações. O que diferencia essas formas de precipitações é o estado em que à água se encontra. Para Calasans et al., (2002), a precipitação, na forma de chuva, neve ou granizo, é o principal mecanismo natural de restabelecimento dos recursos hídricos da superfície terrestre. No entanto, para o presente trabalho, o enfoque será dado à precipitação em forma de chuva, sendo sua importância essencial, pois ela reside na recarga dos mananciais hídricos super$ ciais e subsuper$ ciais de onde dependem as quantidades demandadas da água para consumo humano, industrial, agrícola, doméstico e animal.

É convencional classi$ car a precipitação, de acordo com as condições atmosféricas que as originam em três tipos diferentes. De acordo com Ayoade (1991), as precipitações dividem-se em: Convectiva, Ciclônica e Orográ$ ca.

Page 86: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

91

A convectiva ou frontal pode ser entendida como causa do movimento vertical de uma massa de ar ascendente, usualmente mais intensa do que a precipitação orográfica ou ciclônica. A precipitação ciclônica é oriunda de movimento vertical do ar em grande escala, associada com sistemas de baixa pressão como as depressões. A precipitação é contínua e afeta áreas muito extensas à medida que a depressão se desloca. Freqüentemente, ela dura de 6 a 12 horas. A precipitação orográfica é usualmente definida como sendo aquela que é causada inteira ou principalmente pela elevação do ar úmido sobre terreno elevado (montanhas) (AYOADE, 1991).

A chuva destaca-se por ser um importante agente modi$ cador da paisagem, sendo medida diariamente em pluviômetro ou pluviógrafo, o total acumulado é registrado em milímetros (mm), assim, 1 mm de chuva corresponde a 1 litro de água em uma superfície plana de 1 m2.

No Brasil, Santos et al., (2001) a$ rma que a maioria absoluta da precipitação ocorre sobre a forma de chuva ou pluviosidade; diante disso, o presente estudo tratara da chuva ocorrida na bacia do Rio Ernesto, município de Pitanga-PR.

A escolha da bacia hidrográ$ ca do Ernesto, como recorte espacial deste estudo, deu-se por ser essa manancial da cidade de Pitanga, centro do Estado do Paraná e por apresentar dé* cit hídrico em períodos de estiagem. Neste contexto, o presente trabalho teve por objetivo avaliar a heterogeneidade temporal da pluviosidade na bacia hidrográ$ ca do Ernesto (BHE).

Materiais e métodos

Área de estudo

A BHE localiza-se na mesorregião centro-sul do Estado do Paraná, entre as coordenadas geográ$ cas 51º53’26” a 51º42’43” de longitude oeste e 24º49’38” a 24º45’00” de latitude sul, no município de Pitanga (Figura 1).

Page 87: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

92

Figura 1 - Localização da BHE no município de Pitanga-PR

O Rio Ernesto con$ gura-se como um dos a@ uentes do Rio Pitanga, inserido na bacia hidrográ$ ca do Paraná e na sub-bacia do Ivaí.

De acordo com Lange Filho e Vestena (2007), a BHE possui grandeza de 2ª ordem, segundo a classi$ cação de Strahler (1957). A área da BHE é de 13,03km2 e o rio principal possui 10,65km de comprimento e índice de compacidade (1,7), que apontam que a forma da bacia não favorece a concentração do escoamento @ uvial.

Page 88: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

93

A BHE, de acordo com Maack (2002), está inserida na região central do Estado, situada no 3º Planalto Paranaense, na transição do Planalto de Guarapuava com o de Campo Mourão. O terceiro planalto representa o plano de declive que forma a encosta da escarpa da Serra Geral do Paraná, sendo denominada Serra da Boa Esperança, ou escarpa mesozóica. Esta escarpa é constituída por estratos do arenito São Bento Inferior ou Botucatu, com espessos derrames de lavas básicas muito compactas do trapp do Paraná, que mais a oeste, atingem de 1100 a 1750 metros de espessura.

O clima na BHE é o Cfa-Subtropical Úmido Mesotérmico, de verões frescos e geadas severas e muito freqüentes, com as seguintes médias anuais: temperatura dos meses mais quentes inferior a 22ºC e dos meses mais frios inferior a 18ºC; temperatura geral 17ºC; e umidade relativa do ar 80% (SPVS, 1996).

Procedimentos metodológicos adotados

O delineamento da BHE foi realizado a partir da carta topográ$ ca SG 22-V-B-V, MI2821, do ano de 1973, na escala de 1/100000, da Divisão de Serviço Geográ$ co (DSG), como o auxilio do so+ ware Spring 4.3.2.

Os dados de pluviosidade adotados para representar a pluviosidade na BHE foram da estação pluviométrica localizada a 24º45’26” de latitude sul e 51º45’33” de longitude oeste, a 892m de altitude, identi$ cada pelo Código ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) com o número de 02451013, monitorada pela SUDERHSA (Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental) do período de 41 anos (1966 a 2006). A escolha deu-se por esta estar inserida na área da bacia e pela pequena área de drenagem da mesma (13,03 Km2).

Na tabulação, elaboração de grá$ cos e determinação dos índices estatísticos, como: média anual, mensal, distribuição da pluviosidade sazonal, desvio padrão, coe$ ciente de variação e períodos de estiagem superior a 15 dias, foi empregado o so+ ware Microso+ O< ce Excel versão 2003.

Resultados e discussão

A precipitação pluviométrica anual na BHE, entre os anos de 1966 e 2006, apresentou uma média de 1765 mm, sendo que o evento que apresentou maior volume pluviométrico dia foi de 157,3 mm/24 h em 28 de setembro de 1998. Nesse mês a pluviosidade foi de 395 mm e o evento representou aproximadamente 39,8 % do total mensal.

Page 89: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

94

Comparando-se à média histórica do período estudado, com a pluviosidade anual, os anos de 1983 (2691,6 mm) e 1990 (2383,3 mm) foram os mais chuvosos e os anos de 1988 (1214,9 mm) e 1977 (1229 mm) os mais secos (Figura 1).

Figura 2 - Pluviosidade anual comparada à média histórica

O ano mais chuvoso foi o de 1983 (2691,6 mm) e o menos chuvoso o de 1988 (1214,9 mm). Estes, quando comparados, apresentam uma amplitude de 1476 mm, o que representou duas vezes o volume médio anual de chuva, no ano de 1983.

A elevada quantidade pluviométrica ocorrida no ano de 1983 pode ser justi$ cada pelo fenômeno de grande escala que ocorre no Oceano Pací$ co tropical chamado El Nino, que ocasiona aumento nos índices pluviométricos no sul do Brasil (BERLATO e FONTANA, 2003).

A pluviosidade anual em 25% dos anos (10 anos) variou de 1700 a 1900 mm, enquanto, 22% da precipitação anual (9 anos) estão entre 1500 e 1700 mm. Apenas, em 4 anos (10%) ocorreram precipitações inferiores a 1300 mm; em 5 anos (12,5%), a precipitação $ cou entre 1300 e 1500 mm; em 7 anos (18%) a precipitação $ cou entre 1900 e 2100 mm; também em 5 anos (12,5%) a precipitação foi superior a 2100 mm (Figura 2).

Page 90: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

95

Figura 3 - Pluviosidade anual por classe

A pluviosidade média mensal varia entre 130 a 200 mm, à exceção dos meses de julho e agosto, que apresentam médias inferiores, ou seja, entre 105,2 e 97,8 mm, respectivamente. Os meses com maior média de pluviosidade foram janeiro (198,1 mm), e outubro (193,9 mm) (Figura 3).

Figura 4 - Pluviosidade média mensal

Apesar dos valores médios de pluviosidade não mostrarem períodos de estiagem e certa distribuição da pluviosidade ao longo do ano, é comum ocorrerem grandes desvios dos valores médios, tanto para menos como para mais. Destes, destacam-se os meses de outubro de 2005 (488 mm), dezembro de 1981 (452,4 mm), e maio de 1992 (435,7 mm). Os meses em

Page 91: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

96

que ocorreram desvios negativos foram abril de 1978, agosto de 1999 e junho de 2002, que não apresentaram pluviosidade (Anexo I).

De maneira geral, quando se avalia a distribuição da pluviosidade entre as estações do ano, não se percebe um regime sazonal na distribuição da chuva, portanto, não há um período seco, mas sim uma ligeira diminuição nos índices pluviométricos. A distribuição da pluviosidade média por estação no período avaliado foi de 543 mm (31%) no verão, 497 (28%) na primavera, 390 mm (22%) no outono e 345 mm (19%) no inverno (Figura 4).

Figura 5 - Distribuição da pluviosidade sazonal

Os meses que apresentaram maiores desvios padrão foram os de maio e setembro, enquanto, os de março e novembro, os menores. No que se refere ao coe$ ciente de variação mensal, constatou-se que os meses maio e julho foram os que apresentaram maiores variações, ou, contrário, os meses de janeiro e outubro, que apresentaram os menores desvios (Figura 5). Contatou-se que o mês de janeiro é o que apresenta maior média pluviométrica e menor coe$ ciente de variação.

Page 92: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

97

Figura 6 - Coe* ciente de variação mensal da pluviosidade

Na BHE, de modo geral, as chuvas de tipo convectiva predominam no verão, enquanto no inverno predominam as ciclônicas ou frontais, condicionadas pela ação da massa polar atlântica.

Para avaliar os períodos de estiagem, adotaram-se intervalos de tempo de 15 dias ou mais sem chuva, por constatar em campo que a partir deste intervalo de tempo ocorre considerável redução no índice de umidade no solo e na descarga @ uvial. Os períodos de estiagem foram tabulados mensalmente, sendo computados ao mês que apresentou maior número de dias sem chuva. Estes intervalos de tempo sem chuva foram mais freqüentes nos meses de Julho e Agosto, meses que apresentam geralmente menores índices pluviométricos mensais no decorrer do ano (Figura 6).

Figura 7 - Freqüência de períodos de estiagem superior a 15 dias

Page 93: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

98

Na $ gura 6, constata-se que a freqüência de períodos de estiagem igual ou superior a 15 dias ocorre nas estações do outono e inverno, e com menor freqüência na primavera e verão. Porém, observa-se também que períodos de estiagem igual ou superior a 15 dias ocorreram em todos os meses do ano, o que não descarta a necessidade de estudos mais detalhados das épocas que estes períodos ocasionam maior impacto a população local devido ao dé$ cit hídrico.

Conclusões e considerações

A pluviosidade média anual na BHE é de 1765 mm, sendo os meses de julho e agosto os mais secos, e os de janeiro e outubro os mais chuvosos.

Na BHE existem variações signi$ cativas na distribuição pluviométrica mensal e anual, constatadas principalmente pelo coe$ ciente da variação mensal, que apresentam valores entre 44,5 a 74,1%.

Os eventos extremos, como longos períodos de estiagem, afetam à disponibilidade hídrica, que conseqüentemente impõem reduções signi$ cativas na captação de água no manancial, enquanto grandes quantidades chuva em pequenos intervalos de tempo, como os ocorridos em 28 de setembro de 1998 (157,3 mm/24 h) favorecem a inundação, o assoreamento, os movimentos de massa e a erosão. Neste sentido, o entendimento da variabilidade pluviométrica subsidia ações que visem a prevenir e amenizar os impactos desta nos períodos extremos.

No entanto, cabe ressaltar que o presente estudo é preliminar e que futuros estudos devem avaliar os impactos da variabilidade pluviométrica nas atividades agrícolas e no regime @ uvial do Rio Ernesto.

Referências

AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1991.

BERLATO, M. A.; FONTANA, D. C. El Niño e La Niña: Impactos no clima, na vegetação e na agricultura do Rio Grande do sul; aplicações de previsões climáticas na agricultura. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

CALASANS, N. A R; LEVY, M. C. T dos; MOREAU, M. Inter-relações entre Clima e Vazão. In: SCHIAVETT, A.; CAMARGO, A. F. M. (org). Conceitos de bacias hidrográ' cas: teorias e aplicações. Ilhéus - BA: a autora, 2002. p. 67-90.

Page 94: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

99

KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M.; MORENO, D. A.; MARCELINO, I. P. O.; MARCELINO, E. V; GONÇALVES, E. F; BRAZETTI, L. L. P.; GOERL, R. F.; MOLLERI, G. S. F.; RUDORFF, F. M. Prevenção de desastres naturais: Conceitos básicos. Curitiba: Organica Trading, 2006.

LANGE FILHO, G.; VESTENA, L. R. Aspectos morfométricos da bacia hidrográ$ ca do Ernesto, Pitanga/PR. In: WORKSHOP REGIONAL DE GEOGRAFIA E MUDANÇAS AMBIENTAIS: DESAFIOS DA SOCIEDADE DO PRESENTE E DO FUTURO, 1., 2007, Guarapuava. Anais... Guarapuava: UNICENTRO, 2007. p. 211.

MAACK, R. Geogra' a física do estado do Paraná. 3. ed. Curitiba: Imprensa O$ cial, 2002.

S.P.V.S. Manual para Recuperação da Reserva Florestal Legal. Curitiba: Tempo Integral, 1996.

SANTOS, I.; FILL, H. D.; SUGAI, M. R. V. B.; BUBA, H.; KISHI, R. T.; MARONE, E.; LAUTERT, L. F. Hidrometria aplicada. Curitiba: Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, 2001.

STRAHLER, A. N. Quantitative analysis of watershed Geomorphology. Am. Geophys. Union Trans. 38 (6): 913-920, 1957.

TUCCI, C. E. M.; BELTRAME, L. F. S. Precipitação. In: TUCCI, C. E. M. Hidrologia ciência e aplicação. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ABRH), 2000. p. 35-51.

ANEXO

Quadro 1 – Dados de pluviosidade

Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total

1966 145,7 257,6 92,7 20,7 65,4 130,5 39,0 131,5 62,5 315,0 18,0 133,0 1411,6

1967 130,0 156,5 125,0 26,5 14,0 191,5 120,0 80,0 80,0 127,0 121,0 144,0 1315,5

1968 175,0 40,0 47,5 137,0 49,0 63,0 25,0 92,0 63,0 307,0 81,0 208,0 1287,5

1969 230,0 59,0 70,0 165,0 170,5 192,5 63,0 31,5 222,0 250,0 180,5 93,0 1727,0

1970 120,0 182,5 136,5 93,0 146,5 259,0 13,0 46,0 133,0 143,0 36,0 521,0 1829,5

1971 211,0 110,5 76,0 150,0 189,0 200,0 140,0 13,0 207,8 155,4 55,8 229,0 1737,5

1972 147,5 296,4 118,5 109,4 35,0 80,6 239,3 174,1 234,6 233,8 147,0 88,8 1905,0

Continua

Page 95: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

100

Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total

1973 372,6 120,9 112,0 65,8 103,6 204,0 137,2 218,8 118,3 183,6 82,1 91,0 1809,9

1974 193,7 175,3 119,6 57,1 137,3 175,2 17,5 228,1 32,5 197,2 67,9 121,3 1522,7

1975 172,8 62,0 119,4 37,0 89,1 92,6 59,2 137,9 165,5 175,8 153,0 222,4 1486,7

1976 189,5 67,5 119,9 101,8 212,9 145,5 56,0 157,2 146,1 91,4 182,1 152,4 1622,3

1977 79,0 66,7 123,6 81,4 20,2 73,7 90,0 62,9 117,6 114,3 243,4 156,2 1229,0

1978 88,4 48,6 205,5 0,0 108,6 56,4 311,0 90,9 177,5 63,3 91,8 160,9 1402,9

1979 97,0 291,4 39,1 94,2 261,5 14,0 87,2 163,7 312,7 223,9 132,4 189,3 1906,4

1980 240,2 117,6 127,4 113,6 193,4 104,2 151,2 156,2 319,9 95,5 98,1 390,3 2107,6

1981 98,9 268,4 66,4 168,8 59,7 99,7 9,2 31,4 74,6 316,9 151,9 452,4 1798,3

1982 105,7 69,1 98,3 58,5 114,3 389,8 288,2 94,4 32,4 285,4 341,9 277,0 2155,0

1983 206,7 184,5 259,3 293,0 426,7 327,2 180,2 1,3 320,0 241,5 156,4 94,8 2691,6

1984 223,5 114,9 190,4 230,7 111,8 61,3 43,5 180,3 179,1 96,0 281,9 263,4 1976,8

1985 87,9 94,1 148,3 322,3 128,3 43,3 68,6 27,7 64,4 97,7 47,6 113,1 1243,3

1986 171,6 200,4 96,1 202,7 266,4 20,8 11,0 246,4 104,0 85,2 69,0 220,8 1694,4

1987 202,7 257,6 74,3 217,5 409,9 122,1 71,0 53,1 56,2 132,9 190,6 151,0 1938,9

1988 195,0 133,4 55,7 160,4 255,9 125,6 16,0 2,1 16,5 113,7 29,0 111,6 1214,9

1989 371,8 250,8 177,2 78,8 134,3 91,9 258,9 148,6 229,2 178,9 181,2 102,8 2204,4

1990 421,0 48,8 163,6 180,7 141,3 180,3 199,6 199,6 344,6 225,2 141,3 137,3 2383,3

1991 121,0 78,3 106,2 79,6 68,1 206,6 34,9 115,9 120,1 182,0 130,4 306,8 1549,9

1992 122,2 185,6 214,7 156,4 435,7 93,0 144,1 121,1 185,3 152,8 126,3 89,0 2026,2

1993 204,4 169,0 146,1 84,9 270,6 111,9 193,7 12,3 333,6 155,7 160,2 216,0 2058,4

1994 158,9 164,3 77,4 75,9 202,4 222,4 148,4 6,1 52,8 162,0 158,6 167,0 1596,2

1995 377,3 97,6 135,1 116,0 44,4 122,6 98,8 24,1 275,4 265,5 95,5 132,1 1784,4

1996 265,8 126,5 209,8 38,3 39,0 70,2 39,9 113,5 116,1 240,5 135,4 198,3 1593,3

1997 321,3 287,7 30,0 38,5 78,0 260,7 97,3 102,6 244,0 289,1 170,0 245,0 2164,2

1998 162,5 273,2 211,1 309,1 96,8 88,8 52,9 182,3 395,0 268,6 21,7 121,3 2183,3

1999 189,8 188,0 166,8 149,1 135,4 198,2 61,9 0,0 147,7 76,9 53,8 184,1 1551,7

2000 157,1 141,1 144,4 24,7 82,1 157,9 107,0 133,2 177,7 179,9 150,6 196,9 1652,6

2001 249,6 328,1 67,4 137,9 156,3 132,6 128,9 123,9 220,2 190,8 158,6 146,8 2041,1

2002 370,8 117,7 34,1 21,4 385,4 0,0 91,7 107,1 153,4 208,0 202,5 198,9 1891,0

2003 240,7 207,0 79,7 120,1 61,7 95,4 120,3 33,3 91,9 205,0 139,2 166,1 1560,4

2004 98,1 170,2 87,1 89,8 360,6 124,9 167,3 13,4 74,6 341,6 193,6 52,1 1773,3

2005 196,5 17,9 42,9 144,1 175,0 143,1 83,0 48,1 312,9 488,0 89,3 136,7 1877,5

2006 211,6 74,0 51,4 68,3 8,7 30,6 64,7 93,7 249,0 92,9 149,3 390,6 1484,8

Média 198,2 153,7 116,3 117,6 157,2 134,2 105,6 97,5 169,8 193,9 132,1 189,6 1765,6

Máxima 421,0 328,1 259,3 322,3 435,7 389,8 311,0 246,4 395,0 488,0 341,9 521,0 2691,6

Mínima 79,0 17,9 30,0 0,0 8,7 0,0 9,2 0,0 16,5 63,3 18,0 52,1 1214,9

Des. Pad. 88,27 83,11 56,40 78,28 116,45 82,91 76,63 69,60 100,47 88,38 68,52 101,51 332,18

CV (%) 44,54 54,08 48,52 66,59 74,08 61,76 72,57 71,35 59,15 45,58 51,87 53,55 18,81

Page 96: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Grupos juvenis na cidade e na escola: saberes e práticas para pensar o ensino de geogra' a1

OCTAVIANO, Elisangela Maria 2 TURRA NETO, Nécio 3

Resumo: O presente artigo faz uma abordagem sobre a vida na cidade de jovens estudantes de oitava série do ensino fundamental de um colégio público de Guarapuava-PR. De que forma vivem nos espaços da cidade e como isso contribui para a formação desses/dessas jovens enquanto cidadãos guarapuavanos. Partindo disso, tentamos estabelecer um diálogo com os espaços de sociabilidade utilizados pelos/pelas jovens, onde são construídos saberes informais e, pretendemos somar esses saberes aos conhecimentos formais apreendidos na escola, através da intervenção da pesquisadora na turma.

Palavras-chave: juventudes; espaços de sociabilidade; cidade.

Introdução

Partindo de nossos conhecimentos empíricos, observações e algumas leituras sobre o assunto, traçamos uma linha de pesquisa comprometida em relacionar a vida cotidiana dos/das jovens estudantes de oitava série com o Ensino de Geogra$ a. A Geogra$ a busca continuamente conceituar a relação sociedade/natureza e nós buscamos, em nossa pesquisa, traçar um per$ l da relação do/da jovem com seu meio urbano. Para isso questionamos: Como se dá essa relação e como ela pode ser incorporada pelo Ensino da Geogra$ a? De que modo este estudo permite-nos perceber o processo de construção de identidades e sua relação com o lugar em que esse/essa jovem vive? E de que forma isso contribui na percepção de mundo do/da jovem e das outras culturas?

São essas as perguntas que inicialmente norteiam nossa pesquisa e que nos fazem pensar numa proposta de intervenção no Ensino posteriormente.

1 A pesquisa está vinculada à iniciação cienti$ ca bem como ao projeto de extensão universitária

Universidade Sem Fronteiras.2 Aluna do curso de Geogra$ a - UNICENTRO. e-mail: [email protected].

3 Professor do curso de Geogra$ a - UNICENTRO (orientador). e-mail: [email protected].

Page 97: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

102

Alguns pressupostos informam nossa proposta de pesquisa:

- os jovens e as jovens têm necessidade de formarem grupos de referência, pois a vivência de uma sociabilidade afetiva é particularmente importante nessa fase de vida;

- essa vivência juvenil é formativa de certos saberes sociais;

- elas acontecem tanto na escola, nos momentos extra-classe, quanto na cidade, em momentos de tempo-livre, sendo esses espaços não somente continentes das práticas de sociabilidade, mas também fatores importantes na qualidade dessas práticas, de modo que a cidade é também educativa, no sentido em que permite a construção de relações em que se desenvolvem aspectos formativos das identidades pessoais e coletivas;

- a educação é, portanto, uma prática sócio-espacial muito mais ampla que o espaço-tempo da escola, acontece em momentos e lugares, os mais variados;

- a escola pouco incorpora esses saberes informais.

Nossa pesquisa vem discutir, teórica e empiricamente esses processos formativos na cidade e na escola, a partir do acompanhamento de grupos juvenis que se formam nos momentos de sociabilidade.

A partir do reconhecimento desses saberes produzidos na vivência juvenil, estamos construindo uma proposta de conteúdos e contextos especí$ cos para o ensino de Geogra$ a. Ou seja, o desa$ o a que nos propomos é associar os “saberes da rua” aos “conhecimentos da escola”.

Nesta pesquisa, estamos trabalhando os espaços de sociabilidade utilizados pelo público jovem, estudantes da oitava série de uma escola pública, Liane Marta da Costa localizada num bairro de classe média em Guarapuava – Paraná, sendo que nem todos os alunos da turma estudada podem ser classi$ cados como pertencentes à classe média, justamente por a escola atender alunos de diversos bairros. Os espaços de sociabilidade utilizados por esses/essas jovens ainda estão sendo delimitados e o são a partir de um estudo em campo e avaliação dos espaços freqüentados por esses/essas jovens .

Nosso principal objetivo com o desenvolvimento da pesquisa é desvendar e problematizar as vivências e práticas espaciais/territoriais dos/das jovens estudantes, nos momentos de sociabilidade, entendidos como espaços e práticas em que se constroem saberes, para, a partir daí, pensar

Page 98: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

103

uma proposta para o ensino de Geogra$ a que seja resultado de uma escuta e de um esforço de diálogo com esses saberes informais.

Metodologia

Os procedimentos metodológicos básicos se constituem principalmente da observação participante com a inserção da pesquisadora em campo, na escola e na cidade para observar o cotidiano dos/das jovens pertencentes à turma estudada, aplicação de questionários para levantar o per$ l sócio-econômico e territorial dos alunos e alunas da escola-campo, bem como identi$ car suas redes sociais dentro da escola e fora dela.

Ao descrever as observações, a pesquisadora se utiliza de algumas das expressões pelos/pelas jovens utilizadas, como é falada mesmo, na tentativa de não confundir o sentido de algumas dessas expressões.

Em campo, a pesquisadora tem observado as redes de sociabilidade construídas dentro da escola e fora dela, sendo que pode ser observado principalmente que a sociabilidade dos jovens se difere da sociabilidade das jovens dessa turma, tendo em vista que na idade que estão, ainda se dividem em grupos de meninas e meninos, são raras as exceções em que meninas fazem parte dos grupos dos meninos e vice-versa.

Notou-se também que tanto os jovens quanto as jovens não vivem muito o espaço do bairro em si e menos ainda o da cidade. A turma é formada por sua grande maioria de alunos com quatorze anos, percebendo-se que esta é uma fase de transição, na qual os jovens começam se apropriar dos espaços da cidade.

Os jovens têm um pouco mais de liberdade que as jovens. Nota-se também outra diferenciação: as adolescentes se restringem mais a um determinado grupo e não conversam com os outros grupos de garotas, sociabilizam-se, nos períodos que não estão na escola, mais com as amigas que fazem na escola do que com outras do bairro e, geralmente têm poucas amigas no bairro. Saem bem menos de casa que os jovens, pois os pais têm um certo receio em deixar que elas $ quem nas ruas, pelo muito medo da violência, da idéia de cidade violenta e impregnada de drogas que a mídia divulga. Essas jovens então sem muitas opções, geralmente passam horas “penduradas” ao telefone com a amiga do colégio, ou vão à casa uma da outra para conversar assuntos variados, sendo que, geralmente, o assunto principal são os meninos. Vêem muita TV, navegam pela internet e cuidam dos irmãos menores, outro motivo para $ carem mais em casa.

Page 99: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

104

Já os adolescentes se sociabilizam mais com os amigos do bairro e menos com os da escola, além de saírem com mais freqüência de casa. Vão ao campo de futebol que têm no próprio bairro ou improvisam um na rua, usando os chinelos como se fossem as traves dos gols, vão à lan house e passam horas jogando em rede, batendo papo em chats, no orkut, en$ m, utilizam-se do que a eles é disponibilizado, juntam-se na casa de um dos amigos do bairro para jogar vídeo game, cuidam dos outros irmãos menores, têm uma série de atividades.

O que pode-se notar desde o início das observações é que para esses/essas jovens estar na escola é um imenso prazer, pois ainda é o único lugar que podem freqüentar com segurança, ou seja, os pais não os proíbem de ir até ela. Na escola a sociabilidade não tem limites e os momentos também não. Cada segundo é precioso. Conversam o tempo todo e trocam diversas informações, tais como: o time que está na liderança de determinado campeonato, algum CD de jogo que foi lançado recentemente, o garoto novo que entrou em determinada série, que causa polêmica tanto para meninas quanto para meninos, que se sentem ameaçados por ele, en$ m, os temas discutidos não têm limites.

Por conta dessa falta de liberdade para se sociabilizar nos momentos que não estão na escola, e por a escola ser para eles/elas o lugar ideal para desenvolver a sociabilidade, a professora mal consegue dar aula. Precisa fazer verdadeiros milagres para chamar a atenção da turma e conseguir que prestem atenção no conteúdo por ela explicado.

Os/as jovens em questão também alegam que não existem espaços de sociabilidade nos bairros onde moram. Os poucos espaços de sociabilidade que existem na cidade se concentram na região central, tornando-se inviável a ida até esses locais para utilizarem esses recursos de lazer. Mesmo as distâncias não sendo grandes, há necessidade de se utilizar o transporte coletivo, pago, que é mais uma di$ culdade. Outro problema que di$ culta o acesso, é o fato de os espaços que, na teoria eram para ser públicos, geralmente serem privados (seria interessante elucidar esta a$ rmação), tornando-se mais difícil ainda o acesso desses/dessas jovens a esses lugares.

Para obter dados mais concretos e para poder dividir a turma em grupos por bairro para posterior aplicação do plano de intervenção, está sendo ainda aplicado questionários aos alunos em sala de aula. O questionário possibilita perceber, também, o per$ l sócio-econômico, quais os acessos que este/esta jovem tem na cidade, os locais que conhecem, se trabalham, o que pensam sobre a escola, se gostam ou não de Geogra$ a e por quê, os materiais que o/a

Page 100: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

105

professor/professora utiliza nas aulas de Geogra$ a, se gostam da maneira que o/a professor/professora de Geogra$ a trabalha.

A partir de toda essa classi$ cação, a pesquisadora estará intervindo na turma, se utilizando dos dados coletados dos/pelos alunos para experimentar um método diferente em ensinar Geogra$ a, se embasando na realidade vivida por esses/essas jovens para trabalhar conteúdos direcionados e condizentes com a temática.

Discussões e resultados

As cidades oferecem diversas opções de sociabilidade e lazer, onde seus habitantes cultivam estilos particulares de entretenimento, mantêm vínculos de relacionamento, criam modos e padrões culturais diferenciados. Essas opções são lugares como: boates, lanchonetes, a rua, cinemas, livrarias, casa de jogos, a praça, restaurantes, cafés, barzinhos, pista de skate, dentre outros.

Em Guarapuava pode ser observada essa dinâmica, porém, numa proporção bem menor, por existir um número reduzido de espaços de sociabilidade. Os espaços nesta cidade oferecidos são, na sua quase totalidade privados, di$ cultando o acesso da população guarapuavana por se tratar de uma população não possuidora de muitos recursos $ nanceiros.

Procuramos discutir um pouco as relações que são construídas em torno das juventudes, assim mesmo, no plural, que é a idéia que sustenta nosso trabalho e que enfatiza a diversidade de modos de ser jovem existentes; e da cidade, enfatizando as experiências vividas no meio urbano por esses grupos sociais, ou não vividas. Partindo disso, traçamos uma proposta de intervenção no Ensino com conteúdos direcionados para essa questão.

Como a$ rma Carrano (2000, p. 11), “As cidades se apresentam como territórios privilegiados para a ação da juventude”, ou seja, é nas cidades onde as juventudes encontram respaldo para agir à sua forma, adquirindo suas próprias experiências, conhecimentos e aprendizados, as cidades são, nesse enfoque, um fator educativo.

Ainda nesse sentido, Magnani (2000, p. ) a$ rma que as

[...] grandes cidades constituem espaços privilegiados para estas experiências[...] dada a procedência de seus habitantes, a riqueza de suas tradições culturais, a variedade de seus modos de vida e, por conseguinte, a in$ nita possibilidade de trocas e contatos que propicia.

Page 101: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

106

Contrapondo o citado acima, faz-se necessário esclarecer que não trabalhamos com uma grande cidade e sim com uma cidade média, onde as opções de lazer são muito menores e os principais espaços de lazer concentram-se na região central da cidade. Porém, a pouca distância entre bairros e centro permite a concentração do lazer, ou seja, permite que jovens que moram nas periferias estejam no centro freqüentemente.

No desenvolver de nossa pesquisa, percebeu-se que, por se tratar de juventudes um pouco imaturas, estão na fase de ir tomando e conhecendo os espaços da cidade, que estes/estas jovens não possuem uma relação com a cidade, não viveram suas próprias experiências no meio urbano. Nota-se, no entanto, também, com clareza, uma diversidade em ser jovem para cada um/uma deles/delas. Existe uma heterogeneidade, cada qual tem seu próprio estilo em se vestir, em falar; as gírias e expressões são diferentes. Percebe-se que cada identidade é criada a partir de um modelo visto nos meios de comunicação, TV, revistas, en$ m, não assumem uma identidade por viver em determinado meio.

São também nos espaços da cidade, da rua, do bairro, do condomínio, que são traçadas a tramas do cotidiano: o dia-a dia, a troca de informações e de experiências, os inevitáveis con@ itos, entre outros. O espaço que estamos estudando não difere disso, tem a mesma dinâmica. São tecidas redes de aprendizados, trocas de experiências e pelo simples fato de estarem ali na rua, no pátio da escola, pelos corredores, na biblioteca, no “campinho de futebol”, na internet, os jovens desenvolvem sua sociabilidade.

Uma de$ nição preliminar de sociabilidade pode ser aquela trazida por dicionários populares: sociabilidade aparece então como algo que se associa, pessoas que gostam de viver em sociedade, que se dá para a vida social, maneira de quem vive a sociedade (FERREIRA, 2001, p. 642).

Ainda sobre sociabilidade, trabalhamos o conceito proposto por Simmel (1983, p. 170):

[...] a sociabilidade não tem propósitos objetivos, nem conteúdo, nem resultados exteriores, ela depende inteiramente das personalidades entre as quais ocorre. Seu alvo não é nada além do sucesso do momento sociável e, quando muito, da lembrança dele. Em conseqüência disso, as condições e os resultados do processo de sociabilidade são exclusivamente as pessoas que se encontram numa reunião social. Seu caráter é determinado por qualidades pessoais [...] tudo depende de suas personalidades, não é permitido aos participantes realçá-las de maneira demasiado evidente.

Page 102: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

107

Vemos o tempo livre como um tempo especí$ co para a sociabilidade acontecer, pois a sociabilidade se poupa de atritos com a realidade por meio de uma relação meramente formal com a realidade. O lazer para os/as jovens, aparece como um espaço especialmente importante para o desenvolvimento de relações de sociabilidade, das buscas e experiências através das quais procuram estruturar suas novas referências e identidades individuais e coletivas.

Dayrell (2004, p. 9) discute a forma com que a sociabilidade re@ ete na formação humana do/da jovem e a centralidade que ele/ela atribui às relações estabelecidas com seus pares, ou seja, as relações estabelecidas nos seus grupos culturais. Na nossa sociedade, o lazer foi capturado pelo capital, pela criação de práticas e espaços de lazer que estão intensamente associadas ao consumo o que interfere ligeiramente na formação da identidade do nosso objeto de estudo: as juventudes.

Nós vemos que as juventudes têm necessidade em se sociabilizar, criar vínculos com outras pessoas, do mesmo sexo, de outro sexo e, principalmente, da mesma idade. Suas referências culturais e identitárias geralmente baseiam-se nos irmãos mais velhos ou nos amigos.

Considerações ' nais

Nosso trabalho encontra-se em desenvolvimento, por isso não é possível tirar muitas conclusões ainda, no entanto, $ cou evidente qual o maior interesse para os/as jovens pela escola: a sociabilidade, por este ainda ser o principal lugar onde podem realizá-la.

Vale ressaltar que este trabalho é experimental. Trata-se de uma extensão universitária e que é partindo de nossas observações e conclusões dessas observações que traçaremos um plano de intervenção em sala de aula que traz como proposta trabalhar a Geogra$ a de uma forma um pouco diferente. Procuraremos nos utilizar dos dados obtidos em campo para proporcionar aulas direcionadas para o cotidiano dos alunos, sendo que foi observado que a maioria deles não conhece muito bem o próprio bairro onde mora, por não ter o contato com a rua.

A pesquisa encontra-se em pleno desenvolvimento e, por agora, essa é nossa contribuição. Assim que a mesma for concluída poderá trazer novas contribuições.

Page 103: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

108

Referências

FERREIRA, A.B.H. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 642.

CARRANO, P. C. R. Juventudes: as identidades são múltiplas. Movimento, Niterói, n. 1, p. 11-27, maio 2000.

CITY BRAZIL. Região de Campo Mourão. Disponível em: < www.citybrazil.com.br/pr/mapapr.gif >. Acesso em 09 abr. 2008.

DAYRELL, J. Juventude, grupos culturais e sociabilidade. Disponível em: <http://www.fae.ufmg.br/objuventude/textos/aba2004.pdf >. Acessado em: 30 nov. 2007.

MAGNANI, J. G. C. Quando o campo é a cidade: Fazendo Antropologia na metrópole. In: ______. (org.). TORRES, L.L. (org.). Na metrópole: textos de Antropologia urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. p. 15-87.

SIMMEL,G. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In: MORAIS FILHO, E. (org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 165-181.

Page 104: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

A geohistória do desenvolvimento no Brasil

COSTA, Pierre Alves 1

“O desenvolvimento desigual é no mínimo, a expressão geográ* ca das contradições do capital.” (SMITH, 1988, p. 217)

Resumo: O presente estudo aborda o tema do desenvolvimento no Brasil, que é uma importante temática para os cientistas sociais, economistas e historiadores. Iniciamos este artigo abordando de forma não extensiva as questões que permeiam o debate sobre o desenvolvimento econômico, autonomia e recursos naturais, e sugerindo o uso da palavra desenvolvimento sócio-espacial. Por último, apresentamos as considerações $ nais. Neste texto, cuja proposta está muito longe de ser conclusiva, aponta-se a importância e o desa$ o atual de analisar criticamente o tema do desenvolvimento (e subdesenvolvimento), a $ m de subsidiar com argumentação teórica na formulação de um projeto nacional de desenvolvimento, com justiça social.

Palavras-chave: desenvolvimento sócio-espacial; crescimento econômico; subdesenvolvimento.

Introdução

Pode parecer deslocado discutir o desenvolvimento econômico num momento caracterizado pela predominância da prerrogativa da política econômica, enquanto guardiã e pressuposto de qualquer outra política no espaço nacional, e de uma certa globalização como caminho único para todas as sociedades contemporâneas.

Partimos do suposto de que crescimento econômico é com certeza diferente de desenvolvimento econômico; podemos até adotar a bem conhecida formulação de que o crescimento econômico é condição necessária, porém não su$ ciente para atingirmos o desenvolvimento. Um dos nossos intuitos é destacar a permanência e o aprofundamento da nossa condição de subdesenvolvimento, agora fortemente quali$ cado ou, quem sabe,

1 Professor Assistente e Pesquisador do Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO-PR. Doutorando

em História pela UFF. e-mail: [email protected].

Page 105: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

110

(des)quali$ cado como um subdesenvolvimento globalizado2. Em seguida, apontaremos algumas considerações sobre a questão dos mitos, em especial o mito do desenvolvimento econômico, baseados em Furtado (1996).

Os mitos têm exercido uma inegável in@ uência sobre a mente dos Homens que se empenham em compreender a realidade social. O primordial intuito do mito é orientar, num plano intuitivo, a construção daquilo que Schumpeter chamou de visão do processo social, sem a qual o trabalho analítico não teria sentido.

Assim, os mitos operam como faróis que iluminam o campo de percepção do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao mesmo tempo em que lhe proporciona conforto intelectual, pois as discriminações valorativas que realiza surgem no seu espírito como um re@ exo da realidade objetiva (FURTADO, 1996, p. 8).

A literatura sobre desenvolvimento econômico entre 1950-1975 nos concebe um exemplo meridiano desse papel diretor dos mitos nas ciências sociais: pelo menos 90% do que aí encontramos se funda na idéia de que o modelo de desenvolvimento econômico que vem sendo praticado pelos países que lideraram a Revolução Industrial pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que os padrões de consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, sejam acessíveis às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado terceiro mundo. Essa idéia constitui uma continuação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da Revolução Burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial.

A condição de subdesenvolvimento como uma especi$ cidade brasileira engendrada pelo desenvolvimento capitalista e pela constituição de uma dada periferia, caracterizada então como uma má-formação estrutural, foi muito bem desenvolvida por Celso Furtado, especialmente no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). As di$ culdades da economia brasileira nos últimos vinte anos, além de não conseguirem alterar signi$ cativamente essa posição

2 A quali$ cação globalizado a esta etapa do subdesenvolvimento brasileiro foi introduzida (e

desenvolvida) por Oliveira, Francisco de. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003: p. 114-115.

Page 106: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

111

de subdesenvolvimento, agravaram-na, à medida que tivemos, especialmente na era FHC, uma política de integração da economia brasileira aos mercados mundiais de forma passiva. Nos anos noventa, a abertura comercial, a privatização das empresas estatais, a compra e/ou fusão de empresas nacionais por poderosos grupos multinacionais organizados sob a forma de $ rma-rede transformaram a estrutura produtiva brasileira e transferiram para esses grupos multinacionais importantes decisões sobre o nosso próprio padrão de crescimento, comprometendo ainda mais as nossas possibilidades de desenvolvimento. Tais evidências nos permitem propor que vivemos o subdesenvolvimento globalizado (CARLEIAL, 2004, p. 9).

O Governo Lula (2003-2006), detentor de aproximadamente 53 milhões de votos, resultante de uma luta de quase 25 anos que reuniu os movimentos sociais e parte signi$ cativa da sociedade civil brasileira, optou por negar a agenda para o qual foi eleito e aprofundar as chamadas reformas neoliberais iniciadas no governo Sarney (1985-90), e continuadas (e aprofundadas) pelos governos subseqüentes. Sua política macroeconômica assentada na reunião de livre mobilidade de capitais, taxa de câmbio @ utuante, superávit primário crescente e taxa de juro real elevada se evidencia incapaz de conduzir o País na direção do desenvolvimento econômico.

A idéia de desenvolvimento

Desenvolvimento econômico e autonomia

Celso Furtado, em O mito do desenvolvimento econômico3, diz que o

estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria. O custo, em termos de depredação do meio ambiente, desse estilo de vida é de tal maneira elevado que toda tentativa de generalizá-lo resultaria no colapso de toda uma civilização, pondo em risco a sobrevivência da espécie humana.

Temos assim a prova cabal de que o desenvolvimento econômico – a idéia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar

3 Escrito no início dos anos 1970, tendo sido publicado pela primeira vez em 1974, pela editora Paz

e Terra.

Page 107: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

112

das formas de vida dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas, como desconhecer que essa idéia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justi$ car formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe, portanto um simples mito. Graças a ela, tem sido possível desviar as atenções da tarefa básica de identi$ cação das necessidades que abrem ao homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos, como são os investimentos, as exportações e o crescimento. A importância principal do modelo de J e limits to growth é haver contribuído, ainda que não haja sido o seu propósito, para destruir esse mito, seguramente um dos pilares da doutrina que serve de cobertura à dominação dos povos dos países periféricos dentro da nova estrutura do sistema capitalista (FURTADO, 1996, p. 88-89).

Os próximos parágrafos serão baseados em Souza (1996).A redução do conceito de desenvolvimento ao desenvolvimento

econômico, manifestado através do crescimento econômico (por ex.: o crescimento do Produto Interno Bruto – PIB) e da modernização tecnológica, já foi diversas vezes criticada. Tal surpersimpli$ cação era típica das chamadas teorias da modernização e do crescimento, que tiveram seu apogeu nos anos 1960, e onde os efeitos sociais positivos do desenvolvimento econômico eram vistos como “conseqüências naturais” dos processos de crescimento e de modernização, sem se reconhecer a importância de políticas de distribuição da riqueza e de combate à pobreza.

Crescimento e modernização, se não forem acompanhados por distribuição da riqueza socialmente produzida e atendimento de necessidades materiais e não-materiais elementares, não devem, portanto, valer como indicadores de desenvolvimento em sentido estrito. Ressaltamos assim, a importância da substituição do conceito economicista de desenvolvimento das teorias da modernização por outro mais abrangente, social. Portanto, preferimos usar na temática deste artigo, a palavra desenvolvimento sócio-espacial.

Falar em “desenvolvimento”, atualmente, só tem sentido se afastar a conotação teleológica, etnocêntrica e capitalística que essa palavra

Page 108: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

113

tem carregado. É bastante difícil, reconheça-se, libertar a palavra desenvolvimento de seu ranço historicista, de sua carga ideológica marcada pela idéia de uma missão civilizadora do Ocidente capitalista e industrial. Entretanto, trata-se de uma tarefa necessária.

Ressaltamos que:

Toda e qualquer coletividade humana tenha a oportunidade de evitar ou de livrar-se do subdesenvolvimento, ou seja, da exploração, da opressão e da subordinação por parte dos interesses econômicos, poderes políticos e da pasteurização cultural representados pelo modelo civilizatório capitalista. Um conceito de desenvolvimento liberto do historicismo não pode, é evidente furtar-se a perseguir metas especí$ cas, o que será, no entanto, concebido como um processo histórico de luta e negociação, de competição entre concorrentes visões de desenvolvimento no bojo de um processo aberto à continência e onde o lugar da criatividade humana e da criação histórica é bem maior do que os teóricos da modernização (e também os marxistas) estão prontos a admitir (SOUZA, 1996, p. 10).

Os “economistas do desenvolvimento”, já nos 1970, percebem que o crescimento não traz, automaticamente, justiça social. A metáfora do “bolo” (“é preciso esperar o bolo crescer, para só então reparti-lo’) atribuída a Del$ m Neto tem a concepção hirschmaniana de desenvolvimento desigual. A estratégia de “redistribuição com crescimento” – com implementação de programas de redistribuição de renda conduzidos de cima para baixo como argumenta Chenery et ali apud Souza (1995, p. 102) é falha. Conforme Stöhr apud Souza (1995, p. 102), a satisfação das necessidades humanas inclui a participação, a liberdade, o acesso à cultura; e todas as necessidades básicas.

Para Souza (1995, p.102-103), a idéia de desenvolvimento de Stöhr é chamada de satisfação de necessidades básicas, em seu pensamento de um desenvolvimento de baixo para cima. Não obstante, ela esbarra nos limites ideológicos (liberalismo de “esquerda”), embaraço epistemológico e economicismo pequeno. Deve-se conceber a questão não só econômica como política, pois a questão do exercício do poder é determinante numa sociedade.

Foi a descoberta de pontos de apoio, nas condições econômicas da sociedade capitalista, para a realização do socialismo, a maior conquista da luta de classe proletária, no curso de seu desenvolvimento. Com isso, transformou-se o socialismo, de “ideal” sonhado pela humanidade há milhares de anos, em necessidade histórica (LUXEMBURGO, 1999, p. 69).

Page 109: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

114

Esta autora ressalta que a $ nalidade da socialdemocracia resulta tão pouco da violência vitoriosa da minoria quanto da superioridade numérica da maioria, e sim da necessidade econômica – e da compreensão dessa necessidade – que leva à supressão do capitalismo pelas massas populares, necessidade essa que se manifesta antes de tudo pela anarquia capitalista (Luxemburgo 1999, p. 75).

Por outro lado, dentro da busca/formulação de uma abordagem do desenvolvimento sócio-espacial, a autonomia aparece como um fundamental princípio ético e político norteador de uma reconstrução do conceito de desenvolvimento. As idéias colocadas a seguir terão como principal referência o texto “Introdução: Socialismo e sociedade autônoma” de Cornelius Castoriadis (1983), sendo que sua versão original é datada em 1952. Neste ensaio, o autor faz uma crítica ao regime socialista e propõe uma sociedade autônoma, reportando-se diversas vezes à Grécia antiga e sua sociedade democrática. Esta volta a sociedade democrática da Grécia antiga se explica pelo fato dessa sociedade ser a que mais se aproxima da concepção de sociedade autônoma de Castoriadis.

Podemos partir da idéia de que o indivíduo nasce ao mesmo tempo e pelo mesmo movimento do qual emerge a pólis, como coletividade autônoma. A Democracia (na Grécia Antiga) era, inicialmente igual a isonomia - a igualdade de lei para todos. A lei é a instituição da sociedade. Por outro lado, atualmente esta igualdade representa a máscara de uma desigualdade. Acrescentando, temos a propriedade privada e a liberdade de empresa como uma máscara institucional da dominação efetiva de uma pequena minoria. Os direitos individuais são parciais, inacabados, numa sociedade dividida entre dirigentes e executantes, dominantes e dominados.

A sociedade autônoma implica indivíduos autônomos - e reciprocamente; sociedade livre, indivíduos livres. A liberdade deve ser efetiva, social, concreta, com um espaço público de movimento e de atividade assegurado ao indivíduo pela instituição da sociedade. Dentro deste contexto, a questão primeira do “Estado” a ser pensada deve ser a questão da política. Contudo, a desigualdade social é sempre, também, desigualdade de poder, se transformando em desigualdade de participação no poder instituído. Com isso, deve-se ter a igualdade de participação de todos no poder (assegurado por instituições efetivas). Uma sociedade livre possui o poder exercido pela coletividade.

Page 110: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

115

A sociedade autônoma (autonomia individual) concorre com o Poder coletivo (coletividade). O movimento operário moderno contribui, dizendo que a participação dos Homens só pode ser igual se iguais forem as condições sociais efetivas e não somente as jurídicas, que são feitas para todos; e desenvolve a signi$ cação e a aspiração de democracia através da idéia de “República social”. O único modo concebível de organização da produção e do trabalho é a gestão coletiva por todos os participantes. Podemos adiantar neste ensaio que a gestão coletiva é diferente de autogestão (auto-organização).

A liberdade numa sociedade autônoma exprime-se por duas leis fundamentais: sem participação igualitária no estabelecimento da lei, não haverá lei. Uma coletividade autônoma tem por divisa e por autode$ nição: nós somos aqueles cuja lei é dar a nós mesmos as nossas próprias leis (aspecto ativo e positivo, estando ligado à questão da autonomia do indivíduo). Para que o indivíduo possa pensar livremente, é exigido a criação, a instituição de um espaço público de pensamento aberto à interrogação; o que exclui o estabelecimento da lei - da instituição - como imutável.

A instauração de uma sociedade autônoma implica um processo de mutação antropológica que não pode realizar-se única e centralmente no processo de produção. A luta pela autonomia, a criação de novas formas de vida individual e coletiva invadirão todas as esferas da vida social; e dentro deste contexto, a idéia de “determinação” é um contra-senso.

Conforme Platão, a lei é apenas o último recurso imposto pelos defeitos da natureza humana e em particular pela impossibilidade do “Homem real”. Por outro lado, ele redige as leis da cidade, as quais seriam justas. Conseqüentemente, temos a questão de eqüidade (realização $ nal de igualdade social efetiva). Na sociedade justa a questão da justiça permanece aberta, ou seja, existindo a possibilidade socialmente efetiva de interrogação sobre a lei e o fundamento da lei, desembocando assim num movimento de auto-instituição explícita.

Em toda a história da $ loso$ a política se desconhece a essência do social-histórico e da instituição, a relação entre a sociedade instituinte e a sociedade instituída, a relação entre a coletividade, a lei e a questão da lei. Na formulação da sociedade autônoma, Castoriadis defende a abolição da submissão da sociedade instituinte (as pessoas que fazem as leis) à sociedade instituída (Estado/sociedade civil/constituição/instituições). Esta idéia é defendida também por Souza (1994, p. 32).

Page 111: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

116

O que falta na análise de Castoriadis sobre a sociedade autônoma é espacializá-la de uma forma efetiva (geogra$ camente), com uma territorialidade. Esta questão será muito bem tratada pelo geógrafo brasileiro Marcelo J. L. de Souza (1994), no texto “O subdesenvolvimento das teorias do desenvolvimento”, onde o autor procura contribuir para uma reconstrução radical dos conceitos de “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento”, sugerindo o conceito de territorialidade autônoma como princípio ético e político norteador de uma reconstrução do conceito de desenvolvimento (como desenvolvimento sócio-espacial).

Podemos dizer resumidamente que o princípio da autonomia é de fundamental importância na formulação de um “novo” conceito de desenvolvimento (que leve em conta não apenas a economia, mas também a política, a cultura, a sociedade e a ecologia). Este princípio, por isso, realiza uma análise além das relações do modo de produção, e o que talvez seja o mais signi$ cativo dele seja o fato de discutir a relação entre a sociedade instituinte e a sociedade instituída, onde deve-se ter a abolição da submissão da primeira à segunda.

Continuando, devemos ressaltar que a atualidade do debate sobre desenvolvimento econômico está fortemente determinada pela disseminação generalizada da interpretação de que a globalização neoliberal promove o crescimento econômico e é capaz de abranger, assimilar e dar conta também do desenvolvimento econômico. Isto é um forte engano. Os próximos parágrafos serão baseados em Carleial (2004).

O desenvolvimento sócio-espacial pode ser visto como um processo de expansão das possibilidades e alternativas de um país, porém compromissado com o processo evolutivo das condições humanas de vida. No aspecto especi$ camente econômico ainda pode ser compreendido como um processo que leva ao crescimento da produtividade com redução das desigualdades sociais e regionais. Portanto, o conceito se insere numa tradição de evolução das ciências sociais e de modernização das sociedades.

O surgimento da discussão de desenvolvimento econômico se faz num momento particular da história social recente, e é no pós-segunda guerra mundial4 que esse conceito toma forma. É importante ressaltar que se dá num momento no qual a teoria econômica já tinha sido capaz de demonstrar, através da contribuição Keynesiana, que o capitalismo e seu processo de acumulação exigiam a esfera pública e o gasto público como pressupostos. Nesse sentido,

4 1939-45 (nota do autor).

Page 112: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

117

o par – trabalho e mercado – propostos por Smith sob inspiração de Locke, como de$ nidor da modernidade, deixava em aberto a necessária mediação entre o indivíduo e o coletivo que, ao longo do desenvolvimento das forças produtivas, assumia concretamente a forma de gasto público, como argumentam os economistas, ou ainda, do ângulo das políticas sociais, de propriedade social” (CARLEIAL, 2004, p. 11).

Localizar a origem dessa discussão não nega que nos princípios da teoria econômica praticamente todos os economistas se perguntavam sobre quais as possibilidades de crescimento, riqueza e desenvolvimento para aquela fase da história da humanidade.

De maneira geral, a divisão do mundo em três, atribuindo-se ao terceiro as características de pré-desenvolvimento, é uma das formas de tratar a mesma questão e de estudar espaços diferenciados que estavam localizados, na sua grande maioria, na África, América Latina e Ásia. Do mesmo modo a oposição Norte-Sul, tecnologias de ponta e tecnologias básicas, desenvolvido-não desenvolvido e posteriormente, ainda, uma associação entre países subdesenvolvidos a países emergentes (ou mercados emergentes).

Em relação ao conceito de subdesenvolvimento, sua introdução é um marco relevante para este debate. De acordo com François apud Carleial (2004), foi o presidente Truman, em 1949, por ocasião de seu discurso de posse, referindo-se ao engajamento dos EUA a favor da melhoria dos países subdesenvolvidos, quem introduziu no cenário político mundial tal termo.

No campo teórico-acadêmico-prático, a relevância do subdesenvolvimento é muito grande. Conforme Celso Furtado, o subdesenvolvimento é uma especi$ cidade de uma dada sociedade e é uma produção do próprio desenvolvimento capitalista5. Nesse contexto, não se constitui numa etapa do processo de desenvolvimento; isto é, o subdesenvolvimento não ascende à condição de desenvolvido necessariamente. Desta forma, a situação de subdesenvolvimento pode continuar, pode aprofundar-se e pode ainda ser irreversível se não forem adotadas as medidas e políticas essenciais à sua reversão. Nesse contexto, mesmo que desejável, o desenvolvimento não necessariamente será atingido por todas as nações.

5 A trajetória de Celso Furtado inicia-se com sua tese de doutoramento em Paris, prossegue ao longo

dos anos na Cepal e continuou presente nos trabalhos que foram desenvolvidos nesta perspectiva (CARLEIAL, 2004).

Page 113: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

118

O ponto de partida da contribuição é o questionamento da teoria das vantagens comparativas ricardiana, a sua negação e a proposição de que o país necessitava viver um períoso de substituição de importações que internalizasse, no país, a indústria, e alterasse a correlação de forças entre desenvolvidos (que exportavam máquinas e equipamentos) em troca dos produtos primários dos subdesenvolvidos. Logo, o subdesenvolvimento brasileiro era engendrado pelo próprio movimento de acumulação de capital no nível mundial, condição que era reiterada permanentemente. As idéias de Celso Furtado e seu desenvolvimento na Cepal6 serviram de base para programas e projetos de desenvolvimento em vários países do mundo subdesenvolvido (CARLEIAL, 2004, p. 13).

Também é necessário fazermos um breve comentário, a seguir, sobre as relações entre recursos naturais, progresso técnico e desenvolvimento sócio-espacial.

Desenvolvimento e recursos naturais

Os próximos parágrafos serão baseados em Fajnzylber (1992). Para este autor (1992, p. 64) os recursos naturais

Oferecem potencialidades signi$ cativas em termos de geração de divisas, aprendizagem empresarial, superávits disponíveis para serem investidos em outras áreas, impulso à inovação tecnológica em atividades conexas e, em alguns casos, dinamismo elevado e sustentado. No futuro, os recursos naturais e a sustentabilidade ambiental estarão estreitamente ligados.

A crise do petróleo no início dos anos 1970 evidenciou a necessidade de tornar endógenas as disponibilidades e a e$ ciência no uso dos recursos naturais. A experiência de vários países centrais que dispõem de generosas fontes de recursos naturais evidencia que, nestes, a industrialização baseou-se fortemente na transformação desses recursos. Esta experiência estimula a formação de um novo conceito econômico que integre progresso técnico, recursos naturais e o meio ambiente, e o mais importante, de desencadear uma ampla gama de inovações tecnológicas fundamentais com essa $ nalidade.

6 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (nota do autor).

Page 114: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

119

A década de 1980 marcou na América Latina o início da conscientização sobre a necessidade de haver uma transição para uma nova fase do processo de industrialização, que favoreça a articulação produtiva e aumente a competitividade internacional, entendida como um desa$ o de caráter sistêmico, que exige uma aproximação convergente da indústria, recursos naturais, serviços e meio ambiente.

Na América Latina, a competitividade internacional está/estará vinculada à sustentabilidade ambiental e o fator determinante para compatibilizar ambas as $ nalidades (competitividade e sustentabilidade) é a incorporação e difusão do progresso técnico.

A incidência da competitividade sobre o crescimento, que é retroalimentado pelo apoio que este último concede à incorporação do progresso técnico, foi amplamente abordada e exempli$ cada num estudo da Cepal. Na ausência do progresso técnico, a competitividade e a sustentabilidade são difíceis de ser compatibilizadas, já que é impossível conseguir aumento de produção e redução dos danos ambientais ao mesmo tempo. Por outro lado, a incorporação do progresso técnico permite compatibilizar os aumentos de produção com a sustentabilidade ambiental.

A necessidade imperiosa de compatibilizar competitividade e eqüidade explicaria a relevância e centralidade que o progresso técnico adquire na proposta da Cepal, por conseguinte, a atenção especial prestada aos fatores que in@ uenciam a materialização da incorporação e da difusão do progresso técnico. Devemos destacar o sistema educativo e de capacitação, a base empresarial e a infra-estrutura tecnológica e de comunicação de que dispõem os países.

Concluindo, como desa$ o, Leroy e Acselrad (2000, p. 207-208) dizem que:

Frente à concentração de poder sobre os recursos naturais e o meio ambiente, propomos um caminho que considere a diversidade, permitindo que se a$ rmem diferentes formas culturais de relação com a natureza, diferentes estratégias e propostas para o futuro. Dessa forma, pensar o território torna-se importante para construir uma geogra$ a política alternativa.

Logo, é possível criar alternativas de desenvolvimento, onde se incorporem os marginalizados do atual modelo de desenvolvimento capitalista, reconhecendo que os impactos variam de acordo com o sujeito,

Page 115: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

120

afetando de maneira diferenciada os diferentes grupos sociais na condição dominante do desenvolvimento sócio-espacial.

(Não) Concluindo

É relevante lembramos as idéias do economista e grande pensador Celso Furtado. Ele defendia o desenvolvimento como responsabilidade central do Estado, o planejamento como método racional para imprimir sentido e coerência ao trabalho dos milhões de atores anônimos da economia, e a redução e a eliminação das disparidades regionais e sociais como condição de garantia de oportunidades iguais para a auto-realização de todos os brasileiros.

Em mensagem ao povo brasileiro, enviada para a inauguração da Unctad7 em junho de 2004, na cidade de São Paulo, Furtado dizia o seguinte:

A dimensão política do processo de desenvolvimento é incontornável. O avanço social dos países que lideram esse processo não foi fruto de uma evolução automática e inercial, mas de pressões políticas da população.8 São essas que de$ nem o per$ l de uma sociedade, e não o valor mercantil da soma de bens e serviços por ela consumidos ou acumulados.

O verdadeiro desenvolvimento – não o ‘crescimento econômico’ que resulta da mera modernização das elites – só pode existir ali onde houver um projeto social subjacente. É só quando prevalecem as forças que lutam pela efetiva melhoria das condições de vida da população que o crescimento se transforma em desenvolvimento.

O Brasil vivenciou um expressivo crescimento econômico ao longo do século passado (principalmente a partir dos anos 1930), mas que não se transformou em desenvolvimento sócio-espacial. Neste sentido, desejamos que, o debate sobre desenvolvimento (e subdesenvolvimento), presente neste artigo, possa contribuir na formulação de políticas territoriais (públicas), com os seguintes intuitos: diminuir as desigualdades regionais e sociais, implementar uma universalização qualitativa do ensino básico, eliminar o analfabetismo, realizar a efetivação da revolução agrária; realizar uma distribuição igualitária da riqueza nacional por toda a sua população; entre outros.

7 Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

8 Grifo do autor.

Page 116: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

121

Referências

CARLEIAL, Liana M. da F. Subdesenvolvimento globalizado: a resultante das escolhas da política econômica brasileira dos anos noventa. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba: IPARDES, nº. 106, 2004, jan/jul: 7-28.

CASTORIADIS, Cornelius. Introdução: Socialismo e sociedade autônoma. In : ______. Socialismo ou barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 11-34.

FAJNZYLBER, Fernando. Progresso técnico, competitividade e mudança institucional. In: VELLOSO, J. P. dos R. (coord.). A nova ordem internacional e a terceira revolução industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992, p. 27-81.

FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

LEROY, J. P. e ACSELRAD, H. Novas premissas para a construção de um Brasil sustentável. In: RATNNER, Henrique. (org.). Brasil no limiar do século XXI: alternativas para a construção de uma sociedade sustentável. São Paulo: Edusp, 2000, p. 207-208.

LUXEMBURGO, Rosa. Desenvolvimento econômico e socialismo. In: ______. Reforma ou revolução. São Paulo: Expressão popular, 1999, p. 69-79.

OLIVEIRA, Francisco de. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 114-115.

SMITH, Neil. O desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

SOUZA, Marcelo J. L. de. O subdesenvolvimento das teorias do desenvolvimento. Princípios, São Paulo,1994, n. 35, p. 27-33.

______. 1995. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: Castro, I. E. de. et alli (org.). Geogra' a: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p. 77-116.

______. Urbanização e desenvolvimento no Brasil atual. São Paulo: Ática, 1996.

Page 117: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

O capital estrangeiro no Brasil: algumas considerações

VIDEIRA, Sandra Lúcia1

Resumo: A questão da internacionalização da economia brasileira, embora mais discutida recentemente (duas últimas décadas), remonta há muito mais tempo, obviamente inserida dentro de outras determinações políticas, econômicas e sociais, mas que, a grosso modo, apresentam os mesmos interesses: ampliação da escala de acumulação. Assim, neste trabalho, procuramos apresentar algumas discussões que permeiam o processo da internacionalização da economia brasileira, com ênfase, principalmente a partir da década de 1990, momento em que a onda neoliberal se dissemina pelo Brasil e traz imbuída em si, processos de desnacionalização da economia, de fusões e incorporações. Assim, buscamos apreender como o capital estrangeiro veio inserindo-se em território brasileiro no contexto de uma economia internacionalizada.

Palavras-chave: capital estrangeiro; desnacionalização; internacionalização da economia.

Introdução

Estas re@ exões apresentam algumas discussões que percorrem o processo de internacionalização da economia brasileira, principalmente a partir de 1990, quando presenciamos políticas de desnacionalização da economia brasileira e a disseminação de fusões e aquisições nos mais variados setores, inseridas na onda neoliberal.

A internacionalização da produção, segundo Gonçalves (2003, p.24), “ocorre sempre que residentes de um país acessam bens e serviços com origem em não-residentes. Isso signi$ ca a existência de @ uxos internacionais de bens, serviços e capital”. Assim, a internacionalização da produção se dará na forma: de comércio (de bens e serviços), de relações contratuais (transferência de

1 Professora Doutora junto ao curso de Geogra$ a da UNICENTRO – Guarapuava-PR. e-mail:

[email protected].

Page 118: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

124

know-how ou direito de propriedade), e de @ uxos $ nanceiros (empréstimos, $ nanciamento, investimento externo direto - IED2).

O autor acima referenciado a$ rma ainda que, nas economias nacionais dos países desenvolvidos, quando não há absorção interna do excedente produzido (bens ou capital), resta procurar um destino para seu investimento, o mercado internacional.

Chesnais (1996) a$ rma que entre os grupos3 mais internacionalizados estão os do setor automobilístico e eletrônico, $ gurando ao lado dos grandes bancos e instituições $ nanceiras.

Capital estrangeiro: cenários e expansão

Gonçalves (1999) nos ajuda na reconstituição histórica da participação do capital internacional ao apontar as intensas relações do Brasil com o mesmo, neste sentido ele trabalha com quatro recortes temporais. O primeiro que se inicia no período colonial e vai até a 2ª Guerra Mundial; o segundo estende-se de 1945 a 1964 enfocando a industrialização e os investimentos externos. Em seguida destaca o período de 1964 a 1980, momento de crescimento econômico e abertura produtiva. E, por $ m, um quarto período que compreende de 1981 a 1993, fase de estagnação econômica e recuo estratégico da economia. Acrescentaríamos ainda um quinto período, que inicia-se após 1993, tendo como marco a abertura da economia brasileira.

O primeiro apreende a atuação do capital estrangeiro do período colonial até a Segunda Guerra Mundial. Nesse período uma economia agro-exportadora, controlada por empresas estrangeiras, mantinha no comércio internacional sua sobrevivência. Do $ nal do século XVI até o século XVIII, o período açucareiro brasileiro era concomitante ao período de expansão comercial e $ nanceira do capital holandês, logo cabia à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais a supremacia no montante do capital estrangeiro presente no país. Mas, este perde lugar para o capital britânico, que em seu auge, do século XIX até o início do século XX, passa a $ nanciar grande parte da infra- estrutura brasileira, como as estradas de ferro, portos e serviços

2 Segundo Gonçalves (2003, p. 24) “IED é todo @ uxo de capital com o intuito de controlar a empresa

receptora do investimento. O principal agente de realização do IED é a empresa transnacional – empresa de grande porte que controla ativos em pelo menos dois países”. Geralmente essas empresas possuem suas matrizes em países desenvolvidos, e através do IED, controlam subsidiárias e $ liais em outros países.

3 Morin (apud Chesnais, 1996, p.75) de$ ne grupo como “o conjunto formado por uma matriz

(geralmente chamada holding do grupo) e as $ liais controladas por ela”. A matriz lida com as decisões $ nanceiras e, as $ rmas sob seu controle exploram alguma atividade.

Page 119: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

125

de utilidade pública (companhias de gás, redes telefônicas, linhas de bonde, iluminação pública, produção e distribuição de energia elétrica) en$ m, equipamentos que davam suporte à produção/comercialização primária que era voltada para o exterior, a exemplo do café e da borracha.

Singer (2001, p.80) contribui ao discutir sobre a evolução da economia brasileira e sua vinculação internacional a$ rmando que o atraso econômico, entendido aqui enquanto a não industrialização, forçou o país a se voltar para fora:

Era do exterior que vinham os bens de consumo que fundamentavam um padrão de vida “civilizado”, marca que distinguia as classes cultas e “naturalmente” dominantes do povaréu primitivo e miserável. [...] E de fora vinham também os capitais que permitiam iniciar a construção de infra-estrutura de serviços urbanos, de energia, transportes e comunicações.

Gonçalves (1999) destaca que, a partir de 1850, empresas estrangeiras já dispunham de monopólios em certos segmentos da economia brasileira, como das ferrovias, companhias de gás e transporte urbano. Castro (apud GONÇALVES, 1999, p.53) cita “o caso da Western Telegraph Company, criada em 1889, detentora do monopólio das comunicações por meio de cabos submarinos do Brasil com o mundo”. A partir de 1870, quando o país começa a vivenciar os primeiros surtos de industrialização, a presença do capital estrangeiro não é signi$ cativa, restringindo-se a $ nanciamentos de algumas plantas industriais. Porém, após 1920, esse tipo de capital passa a desempenhar importante papel, tanto na expansão como na diversi$ cação industrial do país.

Conforme dados de Gonçalves (1999, p.53-54), no início do século XX o Brasil era um dos países com maior grau de internacionalização mundial, tanto por sua atividade exportadora como também pela presença do capital estrangeiro no país. Em 1913 liderava o 7º lugar quanto ao recebimento de investimentos britânicos, respondendo por 3,9% do estoque de investimento deles, investimentos estes que aumentaram em 23% entre 1913 e 1927, porém, nada comparado aos investimentos estadunidenses que aumentaram 852% no mesmo período, tendo em vista a expansão capitalista deste país no início do século, mas ainda, em 1930 a Grã Bretanha participava de 53% do estoque de investimentos estrangeiros no Brasil,

Page 120: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

126

contra 21% dos Estados Unidos, esse quadro só viria a mudar a partir de 1940, quando se consolida a hegemonia do capital estadunidense.

O período da industrialização brasileira, que foi calcada na substituição das importações, acabou por estimular o @ uxo de IED para o país, embora, em meados de 1930, tenha havido uma certa restrição do capital estrangeiro no Brasil em alguns setores, como mineração, petróleo e energia elétrica, por razões de segurança nacional. Entre as duas guerras, a presença de capital externo no país era signi$ cativa. Os britânicos controlavam algumas das principais empresas de: fumo, papel, fósforo, moinhos, indústrias têxteis e calçadistas. Os norte-americanos, indústrias de alimentos, equipamentos ferroviários, lâmpadas, transformadores, aparelhos domésticos, fonográ$ cos, sacos de papel e cimento. As empresas Ford, General Motors e Chrysler, aqui desde a década de 1920/30 desenvolviam também atividades manufatureiras de metalurgia, couro e vidro. O capital suíço estava presente no setor de curtumes e processamento de alimentos. Os franceses no setor químico. Os canadenses no setor de cimento. Argentinos em moinhos de trigo, processamento de algodão, cimento e outros setores. As empresas líderes no setor químico e farmacêutico eram britânicas, estadunidenses, francesas e alemãs (GONÇALVES, 1999).

Em 1930, o Brasil já alojava grandes empresas multinacionais, que dentro da política de substituição das importações também eram bem recebidas pelo governo brasileiro, encontrando aqui ambiente liberal e propício para sua instalação, o que estimulou a indústria doméstica. O crescimento do setor industrial revelou-se signi$ cativo, resultando numa diminuição de bens importados; no entanto, logo percebemos que atrativos $ scais, embora mais presentes nos $ ns da década de 1990 no que convencionou-se denominar Guerra Fiscal, estiveram presentes também em outras épocas, como os recebidos pela indústria de cimento estadunidense em 1933, como chama atenção Gonçalves (1999).

“Antes de 1930 o capital estrangeiro recebeu o mesmo tratamento que o capital nacional, e mesmo em alguns casos, chegou a receber privilégios especiais”, como taxas mais reduzidas ou isenções. “Nas constituições de 1934 e 1937, em virtude de fatores militares e estratégicos, houve restrições com relação à presença do capital estrangeiro na mineração, petróleo, energia elétrica, bancos, seguros, transporte marítimo e aéreo”. No $ nal da segunda Guerra Mundial, algumas restrições foram eliminadas, permitindo que entre 1946/62 o capital estrangeiro tivesse um ambiente liberal para atuação. A partir de 1964, com o golpe de Estado, o governo comprometeu-se com uma economia mais aberta (GONÇALVES, 1999, p.56-57).

Page 121: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

127

Mais precisamente, foi em 1953 que o capital estrangeiro volta a poder circular sem restrições tanto quanto à remessa de lucro como à repatriação4. Em janeiro de 1955, o governo a partir da Instrução nº 113 da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) deu incentivo especial aos investidores estrangeiros5, sendo que estes incentivos permanecem até 1961, conforme Gonçalves (1999).

Ainda, o autor em questão esclarece que em setembro de 1962, o governo instituiu a Lei nº 4.131 que tratava da presença do capital estrangeiro no Brasil e das remessas dos lucros para o exterior. Uma das principais características dessa lei foi não considerar como capital estrangeiro os lucros reinvestidos no país e limitar a 10% a remessa dos mesmos. No entanto, essa lei foi regulamentada somente em janeiro de 1964, poucos meses antes do Golpe de Estado, não sendo assim aplicada nos termos em que foi concebida. Em agosto de 1964, o novo governo aprova a Lei nº 4.390, que alterava artigos da Lei anterior (a 4.131). Ambos os instrumentos legais foram regulamentados pelo Ato Executivo nº 55.762 de fevereiro de 19656 e vigoram até hoje, com alterações mais signi$ cativas apenas nos anos 1990, com a Lei nº 8.383 de dezembro de 1991 e reforma constitucional de 1991. O principio básico dessa legislação é que o investidor estrangeiro volta a receber tratamento idêntico àquele dado ao capital nacional, como era antes, até a década de 1930.

O cenário que se apresenta nos anos 1970 é de uma economia com alto grau de internacionalização, fruto dos antecedentes legislativos que assim o permitiram. Gonçalves (1999) apresenta uma tabela com o grau de desnacionalização da indústria de transformação em vários países, no $ nal dos anos 1970, na qual o Brasil ocupa o 6º lugar no ranking, com 32% de suas indústrias nas mãos do capital estrangeiro, enquanto os EUA apresentam 11,5% e o Japão 4,2%. Embora pareça existir uma atuação generalizada

4 Entre 1947 e 1952, visando proteger o mercado interno, houve restrições quanto à remessa de

lucros, $ cando a 8% do capital registrado (GONÇALVES, 1999).5 Para maiores detalhes ver Gonçalves (1999, p. 59-60).

6 Outras regulamentações foram sendo implantadas após este período, mas sem grande notoriedade. No

entanto, vale destacar a CC5 (Carta Circular n.5 do Bacen de 27/02/1969) que permitia o depósito em uma conta especí$ ca no país, em qualquer banco, para que qualquer pessoa física ou jurídica pudesse movimentar e remeter livremente para o exterior, facilitando a livre movimentação de capitais entre a empresa estrangeira que estivesse aqui, com o exterior. A partir de 1996 (Circular 2.677 de 10/04/96) foram estabelecidos novos parâmetros para a CC5, agora as instituições $ nanceiras eram obrigadas a registrar no Banco Central essas operações com valores acima de US$ 10 mil. Em 2002 o governo reforça as normas quanto a remessa de dinheiro para o exterior, assim para estrangeiros movimentar dinheiro pelo CC5 são obrigados a se inscreverem no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF. A Circular 3.187 de 16/04/2003, também cumpre esse papel ao exigir identi$ cação do remetente e destinatário da remessa, além do motivo da mesma.

Page 122: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

128

dessas empresas no Brasil, vale lembrar que esta se concentrou em setores que demandavam mais tecnologia, como as de material elétrico, transporte, química e produtos farmacêuticos. Outro aspecto dessa discussão é que as empresas aqui instaladas não possuíam o mesmo patamar tecnológico que suas matrizes, aqui as subsidiárias lidavam com atraso tecnológico e também organizacional7.

No início dos anos 1980, diante um cenário de recessão econômica houve uma desaceleração do crescimento do capital externo no país. As empresas de capital estrangeiro, tentando se equilibrar com a estagnação econômica que se iniciava, criam novas estratégias de atuação, como expansão das exportações, racionalização dos custos, demissão de trabalhadores, exercício do poder de mercado, além da diversi$ cação dos investimentos em outros setores produtivos, mas também no setor $ nanceiro, como forma de ampliar seu capital no mercado especulativo, prática que passa a ser utilizada também por empresas de capital nacional8.

Uma reestruturação mais signi$ cativa nas empresas estrangeiras passa a acontecer a partir da década de 1990; a insistente crise iniciada na década anterior, paralelamente à abertura da economia nacional contribui para o processo de reestruturação industrial que envolve toda uma remodelação dos parques industriais e também das formas organizacionais, a eliminação de linhas de produção é agora substituída por produtos já importados; os processos de fusões e aquisições são cada vez mais presentes9.

Os anos 1990 têm como marco a abolição às restrições do capital estrangeiro no Brasil. As alterações na legislação, ocorridas entre 1991-93, estiveram orientadas ao favorecimento da saída do capital estrangeiro no Brasil, no que tange à remessa de lucros e pagamento de tecnologias. O $ m da Lei da Informática em 1994, que impedia a entrada do capital estrangeiro nesse setor também foi marco importante para o processo de abertura. Em 1995, a revisão constitucional permitiu que vários setores econômicos (a exemplo do petróleo, indústria extrativa, navegação de cabotagem, telecomunicação e serviços) tivessem as barreiras ao capital estrangeiro, eliminadas ou @ exibilizadas. O setor $ nanceiro viveu isso e pode deixar de lado o esquema de reciprocidade10 até então praticado. Grupos estrangeiros agora poderiam adquirir participação majoritária ou integral nos bancos,

7 Rattner (1980) apresenta com propriedade as implicações da transferência de tecnologia.

8 Gomes (2005) discute a formação desses conglomerados financeiros no Brasil.

9 Uma discussão mais profunda sobre a reestruturação produtiva da década de 1990 pode ser

encontrada em Araújo (s/d) e Egler (1991).10

Esse esquema pregava que uma instituição $ nanceira estrangeira teria autorização para funcionamento no país desde que uma instituição brasileira também o tivesse no país de origem da requerente.

Page 123: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

129

e o $ lão foram os bancos estaduais que começaram a passar por processos de privatizações, mas também outros setores, como as telecomunicações. Gonçalves (1999, p.107) reforça que de 1991 a abril de 1998 os investidores estrangeiros tiveram uma participação de 27,8% nas privatizações, e no que se refere ao país de origem dos investimentos, os EUA deteve 13,8% das participações, seguido pela Espanha, 4,5% e Chile com 2,3%.

No contexto das políticas neoliberais, esses processos aquisitivos por meio das privatizações estiveram presentes no $ m do século XX11 com bastante intensidade, contribuindo, também, para a elevação do estoque do capital estrangeiro no Brasil, que segundo Gonçalves (1999, p.74 e 125-126) passou de 45 bilhões em 1994 para 72 bilhões de dólares em 1997. Em 2000 esse total já ultrapassava 103 bilhões de dólares. Em 1995, os EUA eram o maior investidor no Brasil com 26,03% do estoque, enquanto a Alemanha possuía 13,98%, a Suíça 6,75%, o Japão 6,38% e a França 4,87%.

O Censo de Capitais Estrangeiros de 2000 mostra um cenário diferente, apesar de os EUA ainda permanecerem na hegemonia, ele apresenta uma queda do seu estoque no Brasil, em contrapartida, outros países ganham evidência, como Espanha, Portugal, Países Baixos e França, que aumentam consideravelmente seus investimentos no Brasil. Juntos, estes países representavam 9,43% do total de capital estrangeiro no país, conforme o Censo de 1995. No seguinte, de 2000, passam a representar 33,72% do total, um aumento de mais de 24 pontos porcentuais. A Tabela 1 mostra os países e suas participações no estoque de capital estrangeiro nos censo de 1995 e 2000.

Tabela 1 - Participação do capital estrangeiro no Brasil – (em US$ milhões)

PAÍS1995 2000

VALORPARTICIPAÇÃO

(EM %)VALOR

PARTICIPAÇÃO

(EM %)

EUA 10.852,20 26,03 24.500,11 23,78

ALEMANHA 5.828,00 13,98 5.110,24 4,96

SUIÇA 2.815,50 6,75 2.252,05 2,20

JAPÃO 2.658,50 6,38 2.468,16 2,40

11 Na década de 1980 os primeiros sinais das políticas neoliberais eram sentidos na Inglaterra por meio

das ações de Margaret + atcher. Segundo Ribeiro (1998, p.101) as formas de privatizações lá foram “variadas e tiveram um custo social e econômico elevado, além de privar o Estado de um patrimônio construído à custa da população. O bene$ ciário foi o capital $ nanceiro que passou a controlar o vasto setor de empreendimentos anteriormente estatal”. Tais processos foram fundamentais para a mundialização e a intensi$ cação da concentração do capital. Para um aprofundamento da política e ideologia neoliberal ver Boito Jr. (1999).

Continua

Page 124: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

130

FRANÇA 2.031,50 4,87 6.930,85 6,73

REINO UNIDO 1.862,61 4,47 1.487,95 1,44

PAÍS1995 2000

VALORPARTICIPAÇÃO

(EM %)VALOR

PARTICIPAÇÃO

(EM %)CANADÁ 1.819,00 4,36 2.028,30 1,97

ITÁLIA 1.258,60 3,02 2.507,17 2,43

ILHAS VIRGENS (BRITANICAS) 901,22 2,16 3.196,58 3,10

ILHAS CAYMAN 891,70 2,14 6.224,81 6,04

URUGUAI 874,10 2,10 2.106,62 2,04

BERMUDAS 853,10 2,05 1.940,05 1,88

PANAMÁ 677,40 1,62 1.580,41 1,53

SUÉCIA 567,20 1,36 1.578,47 1,53

BÉLGICA 558,20 1,34 656,65 0,64

ILHAS BAHAMAS 509,70 1,22 944,02 0,92

LUXEMBURGO 408,00 0,98 1.034,11 1,00

ARGENTINA 393,60 0,94 757,79 0,73

ESPANHA 251,00 0,60 12.253,09 11,90

PORTUGAL 106,60 0,25 4.512,10 4,38

DINAMARCA 84,91 0,20 478,10 0,46

BARBADOS 37,53 0,10 656,32 0,64

DEMAIS 3.909,65 9,38 6.296,20 6,12

TOTAL 41.695,62 100,00 10.3014,51 100,00

Fonte: Censo de capitais estrangeiros (1995 e 2000). Disponível em www.bacen.gov.br

A abertura, liberação e desregulamentação econômica em vários países latinos têm permitido uma ampliação dos investimentos estrangeiros na América Latina12, o aumento exorbitante dos valores investidos revela isso. Em 1990, a América Latina havia recebido 9,2 bilhões de dólares, passando para 86 bilhões em 1999, conforme dados da Cepal (apud Linha Bancários, 2001). Estes investimentos apresentam algumas novas características no que tange à importância relativa dos EUA ter diminuído, aumentando a participação de países europeus como Espanha, Inglaterra, Holanda e França. Vale ressaltar,

12 Fazio (1998) ao analisar a experiência chilena deixa evidente uma série de perdas pelas quais o seu

país passou a partir da década de 1980, quando a adoção da política neoliberal atrelada a abertura da economia para o capital estrangeiro se fez sentir na perda da capacidade decisória do país, tendo em vista o poder dos grandes grupos econômicos estrangeiros presentes. No entanto, quanto ao aspecto das privatizações, diferentemente do Brasil, o Chile não privatizou empresas estratégicas do país, como a Colbún (hidrelétrica), Codelco (produção cobre) e, ainda, manteve participações acionárias em outras empresas consideradas de segurança nacional e estratégicas para o país. Para uma análise destes mesmos aspectos na Argentina, Lozano (1998) é uma boa referência; uma contribuição para o entendimento deste processo no México, está em Sosa (1998).

Page 125: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

131

também, que os investimentos na área industrial têm cedido lugar aos serviços, principalmente telecomunicações, comércio varejista, energia e área $ nanceira. Neste panorama, as empresas espanholas têm se apresentado como os principais investidores. A Tabela 2 ilustra as grandes empresas espanholas na América Latina, parte delas, $ guradas entre os 100 maiores grupos por venda no Brasil, conforme a Revista Exame Maiores e Melhores de 2004.

Tabela 2 - Principais empresas espanholas na América Latina – 2001EMPRESA RAMO

Repsol Petróleo

Telefônica de Espanha Telecomunicações

BSCH1 Financeiro

BBVA2 Financeiro

Endesa3 Energia Elétrica

Iberdrola Energia Elétrica

Fonte: CEPAL (apud Linha Bancários (2001)

Dos investimentos espanhóis diretos para os países na América Latina, o Brasil apresentou aumento exorbitante, passando de 8 para 52% no período de 1997 a 1998, os investimentos feitos no setor $ nanceiro são representativos destes índices. Esse intenso direcionamento do capital espanhol em direção a América Latina torna pertinente a re@ exão de Fazio (1998, p.115-116):

Cinco siglos después de que los conquistadores españoles pusieron un pie en América por primera vez, una nueva armada española desembarca en el Nuevo Mundo. Esta vez son los hombres de negocios y no los soldados los que lideran la reconquista, y que ven a América Latina como un nuevo El Dorado.

Esse aumento de IED a partir de 1995 é relevante na história econômica do país. No Brasil, o inusitado está atrelado, além do montante, ao fato do enfraquecimento dos blocos de capitais nacionais em oposição à crescente importância dos grupos estrangeiros; isso não quer dizer que os grupos nacionais perderam seus postos de mando13, mas sim que o número

13 Até mesmo porque, como mostra Corrêa (2004, p.125) alguns grandes negócios internacionais

envolveram empresas brasileiras na aquisição de empresas localizadas em outros países, como a compra da empresa argentina Perez Companc pela Petrobrás, do setor petroquímico, a participação da Ambev em 36,09% da empresa Quilmes do setor de bebidas, argentino; a compra de participação nas empresas canadenses Birmingham Southeast e Co-Steel pela Gerdau, no setor de metalurgia e siderurgia, entre outros exemplos.

Page 126: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

132

destes grupos diminuíram dada a crescente concentração de capital e também a associação destes grupos ao capital estrangeiro, fato tão comum em meados da década de 1990 quando das muitas privatizações.

Isto pode ser con$ rmado quando observamos o processo generalizado de desnacionalização que ocorreu no país em vários setores da economia. Gonçalves (1999, p.142) elenca algumas empresas de grande porte, de capitais privados nacionais e destaques nos seus setores de atuação que viveram tal processo, como a Metal Leve, Lacta, Refrigeração Paraná, Supermercado Bompreço, Cofap, Agroceres, Grupo Renner e os bancos Nacional-Excel, Garantia, Bamerindus, Real entre outras que passaram pelo processo de desnacionalização.

De certo estaríamos perguntando agora, mas por que o Brasil? O autor em questão nos auxilia na explicação. Além das políticas e estratégias de intensi$ cação das privatizações, na época adotadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil é a 11ª economia do mundo14, possui um grande porte continental e também um mercado consumidor com potencial para crescer, sendo que a única restrição para tal crescimento é a questão da concentração de riqueza e renda nas mãos de poucos15. Freitas (apud KHALIL, 2004) a$ rma que a relação entre o número de contas bancárias e o tamanho da população ainda é baixo no país; na Espanha existe uma agência para cada grupo de 1.100 pessoas; no Brasil, está proporção é de uma para 4.500. Nesse sentido, Costa (s/d) apresenta ainda uma outra consideração:

Em 2000, a PEA [...] urbana era composta de 63.418.686 pessoas, essa seria a clientela bancária em potencial. No mesmo ano, existiam 50,897 milhões de contas correntes de pessoas físicas na rede bancária brasileira. Como 95% das pessoas físicas concentram suas operações num único banco, podemos estimar que cerca de pouco mais de 48 milhões de brasileiros já

14 Conforme SPITZ (2006-A e B) o Brasil que já foi a oitava economia do mundo na década passada,

subiu da posição de 15ª para a 11ª em relação a 2005, $ cando à frente de todos os países da América Latina e, também à frente da Índia, Austrália, Rússia e Holanda. No entanto, considerando o PIB per capita, ocupa o 72º lugar, atrás da Costa Rica, Panamá e Argentina. A pesquisa considerou um universo de 155 países.

15 A mídia ventila as estatísticas que mostram a situação vergonhosa da distribuição de renda

brasileira, grosso modo a publicação do IPEA – Radar Social 2005, publicada com a $ nalidade de expor a situação sócia econômica brasileira con$ rma o lugar do Brasil nas mesmas. De 130 países o Brasil ocupa o 129º no ranking, com a segunda pior distribuição de renda, atrás apenas de Serra Leoa, um cenário brasileiro em que 50% dos mais pobres $ cam com 13,3% da renda nacional, enquanto 1% dos mais ricos $ ca com 13% dessa renda.

Page 127: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

133

têm acesso bancário. Restariam cerca de 15 milhões de clientes potenciais a serem conquistados.

Para Bielschowsky e Stumpo (1996, p.174), as empresas multinacionais vislumbram no Brasil um potencial “mercado futuro cujo crescimento em termos absolutos di$ cilmente pode ser ultrapassado por outra economia em desenvolvimento, à exceção da China, Índia e Rússia”. Segundo pesquisa dos autores, em 1990, a participação de capitais estrangeiros nas vendas internas e nas exportações industriais alcançavam respectivamente 33 e 34% no Brasil, participação que não é superada por nenhuma outra economia latino-americana e nem entre os países em desenvolvimento, possivelmente só por Cingapura.

Esse grande a@ uxo de capital estrangeiro nesse período (meados da década de 1990) coincide com as estimativas do FMI que apontam a existência de cerca de US$ 30 trilhões girando no sistema $ nanceiro internacional em busca de oportunidades de realização de novos lucros, mas principalmente coincide com as alterações no aparato regulatório, que passam a dar aval à atuação estrangeira no setor de serviços, uma vez que as restrições ao IED no setor primário e secundário eram poucas. Nesse sentido, justi$ ca-se a concentração de quase 95% do IED, em 1995, nos “segmentos: eletricidade e gás, intermediação $ nanceira, telecomunicação, seguro, previdência privada, informática, comércio de combustíveis, transporte terrestre e comércio varejista e atacadista” (GONÇALVES, 1999, p.106).

Por outro lado, se olharmos com mais a$ nco em algumas questões que ocorreram durante os processos de privatizações que transcorreram em meados da década de 1990, salta aos olhos a fragilidade dos aparatos institucionais e/ou regulatórios do país, que muitas vezes pareceram atender a alguns interesses oportunistas de grupos econômicos. O exemplo da privatização do sistema Telebrás é ilustrativo nesse sentido. Os grupos Jereissati e Andrade Gutierrez, que ganharam o leilão de uma das estatais de telefonia, não tinham o dinheiro para pagar a compra efetuada. Logo, o governo brasileiro, por meio do BNDES entrou com parte substantiva dos recursos e tornou-se sócio do consórcio que comprou a estatal.

O autor em questão (p.102-103) destaca que as privatizações no setor industrial tiveram seu ápice entre 1992-94 e não apresentaram grandes repercussões no que se refere ao @ uxo de IED; no entanto, a partir de 1994 há um intenso movimento de fusões e aquisições envolvendo empresas estrangeiras. Entre 1995-97, as empresas estrangeiras envolveram-se em 154 fusões e aquisições, enquanto as empresas nacionais apenas em 103. Esse

Page 128: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

134

número de participação estrangeira equivale a 60% dos processos efetuados no período referenciado, acima dos 42% do período de 1992/94. Se nos ativermos aos processos em geral de fusões e aquisições que ocorreram para o período de 1995/97, teremos um total de 423 operações, tendo as empresas estrangeiras participando de 251 delas, ou seja, um total de 70%16.

Considerações ' nais

Do exposto, $ ca evidente que dentro dessa dinâmica de internacionalização da economia, o papel do Brasil tem se dado muito mais de forma receptiva que expansiva; ou seja, o país recebeu mais empresas estrangeiras do que colocou as suas lá fora, con$ rmando que a globalização não é homogênea, mas seletiva, seja quanto aos lugares, seja quanto às empresas. O setor bancário é exemplar nesse caso, embora presenciamos poucos, mas grandes bancos nacionais nessa empreitada.

Referências

ARAUJO, Tânia B. de. Dinâmica regional brasileira: rumo à desintegração competitiva. s/l, s/d (texto mimeo).

BIELSCHOWSKY, Ricardo e STUMPO, Giovanni. A internacionalização da indústria brasileira: números e re@ exões depois de alguns anos de abertura. In: BAUMANN, Renato (org.) O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus/Sobeet, 1996.

BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Xamã, 1999.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Editora Xamã, 1996.

CORRÊA, Domingos S. Fusões e aquisições de empresas no Brasil: concentração de capital e desnacionalização da economia. Ciência Geográ' ca. Bauru. n.X, v.X (2), maio/agosto, 2004, p. 121-126.

16 Em Gonçalves (1999, p.142-152) existe farto e rico material sobre os processos de privatizações e a

participação do capital estrangeiro nestes processos.

Page 129: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

135

COSTA, Fernando N. da. Bancarização. s/d. Disponível em <http://www.eco.unicamp.br/artigos/artigo270.htm >. Acesso em: 06 jun. 2006.

EGLER, Claudio A. G. As escalas da economia, uma introdução à dimensão territorial da crise. RBG, jul./set. 1991, 3 (53): 229-245.

FAZIO, Hugo. Sistema Financiero y capital internacional: experiencia chilena. In: CARRION, Raul K. M.; VIZENTINI, Paulo G. F. (orgs) Globalização, neoliberalismo, privatizações. Quem decide este jogo? 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 1998.

GOMES, Márcio F. A territorialidade do Bradesco: de pequeno banco caipira a maior banco privado de varejo. São Paulo: USP, 2000 (Dissertação de Mestrado).

GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

______. O nó econômico. In: SADER, Emir (org) Os porquês da desordem mundial – mestres explicam a globalização. Rio de Janeiro: Record, 2003.

KHALIL, Zarif. Evolução dos padrões de localização das maiores redes bancárias estrangeiras no Brasil: 1996 a 2002. Florianópolis, 2004. Trabalho de conclusão de Curso (Graduação em Geogra$ a) Universidade Federal de Santa Catarina.

LINHA BANCÁRIOS. Reestruturação do setor bancário brasileiro e a inserção das indústrias $ nanceiras espanholas, 2001. Disponível em: <http://www.comfia.net/historico/actual/banca/banespa/insercao.pdf.> Acesso em: 16 jun. 2005.

LOZANO, Claudio. Los efectos del ajuste neoliberal: bloque dominante, desempleo y pobreza en la Argentina actual. In: CARRION, Raul K. M.; VIZENTINI, Paulo G. F. (orgs) Globalização, neoliberalismo, privatizações. Quem decide este jogo? 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 1998.

RATTNER, Henrique. Transferência de tecnologia. In: ______. Tecnologia e sociedade. São Paulo: Brasiliense, 1980.

SOSA, Ignácio. Globalización y desintegración social en México. In: CARRION, Raul K. M.; VIZENTINI, Paulo G. F. (orgs). Globalização, neoliberalismo, privatizações. Quem decide este jogo? 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 1998.

Page 130: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

136

SPITZ, Clarice. Veja o ranking das maiores economias do mundo. Folha Online. 30/03/2006-A. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u106421.shtml.> Acesso em: 13 jun. 2006.

______. PIB soma R$ 1,937 trilhão e Brasil torna-se 11ª maior economia do mundo. Folha Online. 30/03/2006-B. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u106420.shtml>. Acesso em: 13 jun. 2006.

Page 131: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

A teoria do caos e a geogra' a: fundamentos e perspectivas

VESTENA, Leandro Redin1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar os conceitos fundamentais da Teoria do Caos e destacar sua importância para a Geogra$ a. Ele aborda os principais aspectos que envolvem a geometria fractal na caracterização dos sistemas ambientais complexos.

Palavras-chave: caos; natureza; fractal; geogra$ a.

Introdução

Onde começa o caos, a ciência clássica pára. Desde que o mundo teve físicos que investigavam as leis da

natureza, sofreu também de um desconhecimento especial sobre a desordem na atmosfera, sobre o mar turbulento, as variações das

populações animais, as oscilações do coração e do cérebro.O lado irregular da natureza, o lado descontínuo e incerto, têm sido enigmas para a ciência, ou pior: monstruosidades (GLEICK, 1990, p. 3).

A ciência, de modo geral, é marcada por dois grandes paradigmas, o analítico e o holístico. No paradigma analítico, a ciência tem por objetivo explicar, generalizar e determinar as causas, de modo que as hipóteses sejam formuladas e veri$ cadas através de comparações e experimentos, a partir do estudo das partes do sistema. No holístico ou sistêmico, a ciência passa a ser entendida a partir do todo, o sistema é concebido como um todo integrado, ou seja, o todo é maior que o somatório de suas partes.

Os sistemas podem ser simples (lineares), onde as relações de causa e efeito entre as variáveis podem ser previstas com precisão; ou complexos (não lineares), onde as relações apresentam comportamento dinâmico e caótico. Os sistemas complexos passam a ser objeto de estudo da Teoria do Caos. Esta compreende o estudo de comportamentos instáveis e aperiódicos em sistemas dinâmicos determinísticos não-lineares (GLEISER, 2002).

1 Professor do DEGEO/UNICENTRO.

Page 132: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

138

A Teoria do Caos pode ser entendida a partir de pelo menos três conceitos básicos: a Teoria de Poincaré ou Efeito Borboleta; a Teoria de Lorenz; e a de repetições de um mesmo tipo de estrutura, as bifurcações ou rami$ cações (GLEICK, 1990).

A Teoria de Poincaré aponta que o bater das asas de uma borboleta, hoje numa região qualquer da Ásia, causa uma movimentação de ar que, vai crescendo de forma gradual, atravessando continentes e oceanos, podendo tomar forma de uma tempestade numa região especí$ ca da América.

A Teoria de Lorenz demonstra que pequenos erros mostram-se catastró$ cos. Lorenz, no início da década de 1960, ao tentar fazer a previsão meteorológica, vislumbrou a ordem do caos, da mesma forma que Poincaré e muitos outros depois dele, perceberam que uma pequena mudança nas condições do clima hoje pode produzir uma grande catástrofe mais à frente. Usando um computador para simular o comportamento da atmosfera e dos oceanos, Lorenz, com base em certas informações fornecidas à máquina na forma de números, previa o tempo para os dias e meses seguintes na forma de grá$ cos. Porém, num certo dia, ele quis que o computador repetisse uma determinada seqüência de grá$ cos, digitou os mesmos números iniciais, mas a máquina respondeu com grá$ cos diferentes (Figura 1). O motivo da discrepância estava nos números que ele havia digitado. Na primeira vez, o computador trabalhou com números com seis casas decimais. Na segunda, ele digitou números mais curtos, supondo que a diferença era desprezível. Ao comparar os dois grá$ cos, percebeu que eles divergiam progressivamente a partir de certo ponto. Isto é, pequenas diferenças se multiplicam, formando um efeito cascata. Pequenos erros se acumulam com o tempo.

Figura 1 - Como dois padrões de tempo divergem: das saídas impressas de Lorenz, de 1961

Fonte: (GLEICK, 1990)

Apesar da descoberta de Lorenz ter ocorrido por acaso, ele percebeu nela uma bela estrutura de aleatoriedade. Para encontrar meios ainda mais simples

Page 133: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

139

de produzir esse comportamento complexo, abandonou a meteorologia, e os encontrou nas chamadas equações não-lineares, as mesmas ensinadas nas aulas de geometria descritiva do antigo curso colegial. Os grá$ cos produzidos a partir dessas equações parecem, à primeira vista, a desordem pura, já que nenhum ponto se repete. Porém, se observar atentamente, pode-se perceber que eles encerram certo tipo de ordem.

A matemática clássica ou euclidiana consiste na descrição de objetos físicos que utilizam linhas, círculos, elipses, etc. Este tipo de geometria é apropriado para descrever sistemas simples, porém, imprópria para descrever padrões encontrados na natureza, que são signi$ cativamente mais complexos, ou seja, não lineares.

Mandelbrot (1983), a partir disso desenvolve a geometria fractal para descrever estas entidades naturais, ou seja, capaz de descrever os padrões irregulares, o caos e o aleatório, encontrados na natureza (XU et al., 1993).

Christofoletti (1997), associando a Teoria Fractal à Teoria do Caos, colocou que esta relata a história das coisas que acontecem nos sistemas dinâmicos à medida que evoluem ao longo do tempo, enquanto a geometria fractal registra as imagens de seu movimento no espaço, ou seja, descreve a trajetória deixada pela passagem dessa atividade dinâmica.

De acordo com Capra (1996), a geometria fractal, incorpora as relações e os padrões. “É mais qualitativa do que quantitativa e, desse modo, incorpora a mudança de ênfase característica do pensamento sistêmico” Ou seja, enquanto a matemática convencional (euclidiana) trabalha com quantidades e com fórmulas, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos lida com qualidades e com padrões.

Sendo assim, a Geometria Fractal apresenta grande importância à ciência geográ$ ca à medida que contribui para o entendimento dos padrões espaciais apresentados pela natureza. A Geometria Fractal, de acordo com Chistofoletti (2004), foi um dos mais importantes acontecimentos cientí$ cos do século XX.

No Brasil, e principalmente na Geogra$ a, restritos são os trabalhos que se fundamentam na Teoria do Caos para o entendimento da Natureza. Neste sentido o presente trabalho visa apresentar, de forma resumida e clara, os principais conceitos associados à Teoria do Caos e sua importância para a Geogra$ a.

A fractalidade na Natureza

Na natureza, os padrões fractais são facilmente observados, destaca Briggs (1992), por descrevem a rugosidade do mundo, sua energia, suas

Page 134: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

140

mudanças e transformações dinâmicas. O espalhamento das folhas de outono nos quintais e jardins; a fratura deixada pela vibração de um terremoto; a linha costeira sinuosa esculpida pela turbulência dos oceanos e erosão; os fragmentos irregulares do gelo à medida que as águas congelam; o espaçamento das estrelas no céu noturno; as nuvens e os penachos da poluição de uma usina energética espalhando-se na atmosfera, as rami$ cações de uma árvore, que marcam o processo de seu crescimento; a rede de drenagem desenvolvida numa determinada área; entre outros; todos eles são padrões fractais, sinais da atividade dinâmica trabalhando.

Para explicitar melhor um caso de fractalidade, pergunta-se: Qual o comprimento do litoral paranaense? A linha da costa é em geral calculada a partir de imagens de satélite. Mas se as fotogra$ as fossem tiradas de um avião, as irregularidades seriam mais visíveis e obter-se-ia um outro valor. Se, em vez de fotogra$ a, fossem medidas diretamente todas as saliências e reentrâncias, obter-se-ia um valor muito maior. Se, em seguida, fosse usada uma régua de um decímetro e repetindo a tarefa, obter-se-ia maior precisão nas medidas dos contornos rochosos, começando a levar em conta a irregularidade das pedras, e o comprimento $ nal obtido seria ainda maior.

Poder-se-ia repetir esta tarefa inde$ nidamente, mas sempre reduzindo a escala de medição da costa, que o seu comprimento iria aumentar, visto que o comprimento da costa de um país tende para o in$ nito, embora a área que a limita seja $ nita.

O comprimento do litoral depende de como ele é medido. Isto acontece porque o litoral, ao contrário do que você lê em muitos livros de geogra$ a, não é uma linha. Perguntar sobre seu comprimento não tem sentido.

A linha de costa é um exemplo de fractal que ocorre na natureza, exemplo este já destacado no início do tópico. A dimensão de uma curva fractal é o número que caracteriza a maneira na qual a medida do comprimento entre dois pontos aumenta à medida que a escala diminui.

Como é possível existir uma “linha” que une dois pontos, mas que não tem comprimento bem de$ nido? Para ver isso, comece com uma linha simples, um segmento de reta como o da $ gura 2A. Essa linha tem um comprimento bem de$ nido, por exemplo, três quilômetros. Agora, divida o segmento em três partes iguais e substitua a parte do meio por dois pedaços de igual tamanho, formando uma entrada ou cavidade (siga na Figura 2A), que você pode pensar como representando uma baía ou enseada no litoral. Qual é o comprimento dessa nova linha? É fácil ver que é simplesmente quatro quilômetros, pois cada pedaço vale um quilômetro. Em cada segmento, proceda do mesmo modo: divida cada segmento em três partes iguais e substitua a do meio por dois

Page 135: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

141

segmentos de mesmo tamanho, de modo que cada segmento original agora tem quatro pedaços iguais. Qual é o novo comprimento?

A linha total tem 16 pedacinhos, e cada um possui 1/3 km (lembre-se que cada pedaço de 1 km foi dividido por três). Logo, o comprimento deve ser 16 vezes 1/3, ou seja, 16/3 = 5,333... km. De novo, o comprimento aumentou, já que antes era 4 km. Mas esse comprimento ainda é bem de$ nido, nenhuma surpresa até agora. O que temos por enquanto é uma linha poligonal composta por certo número de segmentos de reta, cada segmento com um comprimento bem de$ nido.

Figura 2 - Curva de Koch

Fonte: (SERRA e KARAS,1997)

Para se obter um objeto fractal é só continuar repetindo isso, sem parar. Cada repetição do mesmo procedimento é chamada de “iteração”. O comprimento total vai aumentando sempre. É fácil ver por quê. Cada vez que você repete a formação da cavidade, o comprimento é multiplicado por 4/3 (ou seja, você $ ca com quatro novos pedaços, cada um com um terço do comprimento original). Mas 4/3 = 1,333... é um número maior que 1. Se você multiplica qualquer quantidade por um número maior que 1, e multiplica de novo, e de novo, sem parar, o resultado vai aumentando e tende ao in$ nito.

A complexidade in$ nita dos objetos fractais advém do fato de o processo gerador dos fractais ser recursivo, tendo um número in$ nito de iterações.

A natureza é mais criativa e sutil, o que alguns geógrafos descobriram mais tarde é que o litoral dos continentes e ilhas é mais parecido com a curva de Koch do que com uma linha suave ou poligonal. Assim, uma cavidade pode representar uma entrada do mar na terra (dependendo do tamanho

Page 136: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

142

da cavidade, chamamos de golfo, baía ou enseada) que por sua vez tem suas pequenas baías, que têm suas pequenas enseadas e assim por diante. Porém, parecido, mas não idêntico, porque o litoral é irregular enquanto que a curva de Koch é um fractal regular. Mas isso é fácil de resolver, pois é possível fazer curvas de Koch irregulares, por exemplo, escolhendo aleatoriamente qual dos três pedaços deve ser substituído pela cavidade formada por dois segmentos (Figura 2B).

A diferença mais importante entre o litoral real e uma linha imaginária como a curva de Koch é que chega um momento em que os detalhes são tão pequenos (por exemplo, o espaço entre duas rochas à beira-mar) que não tem mais sentido perguntar onde começa a terra e onde termina o mar. E isso sem falar em outras complicações, como as ondas e as marés, que fazem com que a linha de separação entre terra e água seja ainda mais mal de$ nida, ou seja, o litoral real é ainda mais complicado que um fractal: seria melhor descrevê-lo como um fractal que muda com o tempo.

Se a curva de Koch (e, de certa forma, o litoral) não tem comprimento, se ela não é um objeto unidimensional (uma linha), o que ela é a$ nal? Intuitivamente ela parece ocupar “mais espaço” do que uma linha, mas certamente não é um objeto bidimensional que tem uma área medida em metros quadrados. A curva de Koch é mais que uma linha, porém menos que uma superfície. De alguma forma, ela parece ter uma dimensão entre um e dois, ou seja, uma dimensão fracionária.

Assim, conclui-se que os objetos fractais não possuem comprimento, área ou volume, mas uma outra medida, que se passou a chamar de dimensão fractal. E ela pode ser calculada da seguinte forma:

Ou seja,

Logo,

Page 137: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

143

Isto é,

sendo: R a razão na qual dividimos cada segmento da $ gura (coe$ ciente de redução); N o número de partes resultantes da transformação de um segmento da $ gura anterior, em cada iteração; e d a dimensão fractal. Destaca-se apenas que o processo acima descrito é válido para $ guras com auto-semelhança exata.

Existem diversos métodos para se determinar à dimensão fractal (ver Gao e Xia, 1996). Um método geral para se determinar a dimensão fractal espacial, não sujeito ao requisito da existência de auto-similaridade, e aplicável a qualquer espécie de $ gura é o de contagem de caixas (Box Counting), que, no caso de uma $ gura plana, reduz-se a uma contagem de quadrículos (Serra e Karas, 1997). Cobre-se a $ gura com uma malha de quadrículos de lado e contam-se quantos quadrículos contêm pelo menos um ponto da $ gura. Seja esse número. Se a malha de quadrículos for muito larga a cobertura será pouco precisa, pois alguns quadrículos conterão apenas uma porção diminuta da $ gura, $ cando vazio o resto de sua área. A precisão aumentará se a malha é reduzida, diminuindo o lado , fazendo-o tender pra zero. A dimensão fractal no limite é dada pela equação:

A dimensão fractal

Uma das ferramentas proposta para a análise dos sistemas complexos é a dimensão fractal. Ela é de$ nida como sendo a medida do grau de irregularidades em diferentes escalas; e é relacionada com o aumento da medida de um objeto enquanto a escala do instrumento de medida diminui.

Serra e Karas (1997) descreveram os fractais como geralmente $ guras de grande complexidade, com detalhes que se multiplicam em suas partes mais ín$ mas, propriedades e características peculiares que os diferenciam das $ guras geométricas habituais.

Page 138: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

144

Um fractal possui três características muito particulares: a sua auto-semelhança; a sua dimensão; a sua complexidade in$ nita.

A auto-semelhança de um fractal baseia-se no fato de o conjunto ser constituído por pequenas cópias de si mesmo. Assim, pode dizer-se que todas as escalas são indicadas para representar um fractal: a sua forma é independente da escala considerada. No entanto veri$ camos que esta a$ rmação tem limites quando abandonamos os modelos matemáticos e consideramos objetos naturais.

Distinguem-se, assim, dois tipos de auto-semelhança: a exata e a aproximada (ou estatística). A auto-semelhança exata é uma abstração, só existe no seio da matemática.

Nota-se, na $ gura 3, que o relevo do litoral contém estruturas encaixadas em outras, ou seja, o relevo do litoral não muda sua aparência quando observado em diferentes escalas. A propriedade de auto-semelhança possui extrema importância na mensuração dos padrões espaciais. Neste nível de compreensão, a estrutura espacial de um fenômeno geográ$ co em uma dada escala, pode ser extrapolada para outra, isto é, os arranjos espaciais mensurados em uma dada escala, podem apresentar estruturas auto-similares ou equivalentes em outras escalas, destaca Milne (1990).

Figura 3 - Relevo de Costa: exemplo de auto-similaridade

Fonte: (PEITGEN et al., 1992)

Os objetos naturais não possuem (como já foi dito) auto-similaridade perfeita. Formalmente, uma $ gura possui auto-semelhança exata se, para qualquer dos seus pontos, existe uma vizinhança que contém uma parte da $ gura semelhante à sua totalidade.

Page 139: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

145

Relativamente à auto-semelhança aproximada, embora não seja também real, pois estamos limitados à escala visível, encontra aproximações surpreendentes em formas da natureza.

Serra e Karas (1997) citaram como um gênero da propriedade de auto-similaridade dos objetos fractais a propriedade de auto-a$ nidade encontrada em muitos objetos da natureza.

Contudo, os fractais são igualmente formados por mini-cópias, mas estas não mantêm $ xas as proporções originais, ou seja, eles são invariantes sob transformações anisotrópicas. Isso ocorre quando uma porção menor do todo parece ter sofrido diferentes reduções de escala nas direções longitudinais e transversais. Esse escalonamento desigual resultará em distorções na réplica menor.

Nikora (1994), considerando a estrutura física da bacia de drenagem, procurou mostrar o multiescalonamento de sua estrutura (Figura 4), discutindo as propriedades de auto-similaridade e auto-a$ nidade dos objetos fractais. Nesse estudo, utilizou redes de drenagem obtidas em mapas topográ$ cos e com base nas leis de Horton demonstrou as vantagens destas propriedades. Para o mesmo autor, uma bacia de drenagem inclui em suas transformações bacias menores ao longo de seus a@ uentes, ou seja, ao dividir uma bacia in$ nitamente, no “limite”, obtém-se um conjunto fractal de pontos sobre a superfície. Na natureza, esse procedimento termina com as bacias de drenagem de primeira ordem, cujos tamanhos determinam a fractalidade da escala interna.

Figura 4 - Estrutura de multiescalonamento fractal das bacias de drenagem. Os limites são mostrados para bacias de drenagem de ordem n, (n -1) e (n -2)

Fonte: (NIKORA, 1994)

Neste contexto, a dimensão fractal da rede de drenagem, por exemplo, segundo Vestena e Kobiyama (2008), é importante para os hidrólogos por

Page 140: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

146

caracterizar as propriedades da escala e indicar a associação existente entre medida e escala, visto que as medidas geomorfológicas, comprimento dos cursos @ uviais, densidade de drenagem e declividade são tipicamente mensuradas de mapas e usadas na modelagem hidrológica.

Lam et al., (1992), ao observarem as questões relativas à escala, resolução e análise fractal, colocam que a escala e a resolução têm sido chave de muitas questões de mapeamento cientí$ co. Para os pesquisadores, os vários dilemas metodológicos de mapeamento envolvem a questão da escala e resolução. Diferentes processos espaciais operam em escalas diferentes, assim a interpretação fundamentada nos dados de uma escala não pode ser necessariamente aplicada para outra escala, dessa forma, um padrão espacial pode parecer bem de$ nido de acordo com uma escala; mas com pouca de$ nição em outra.

Gao e Xia (1996) consideraram um fractal como estrutura física que tem forma irregular ou fragmentada em todas as escalas de medida, sendo uma de suas características o escalonamento ou invariância geométrica sob certas transformações. A independência escalar dos fractais é decorrente de suas propriedades: auto-similaridade e auto-a$ nidade. A auto-similaridade é um atributo do fractal exato, onde cada cópia do objeto é escalonada do todo pela mesma razão, em toda coordenada cartesiana. A propriedade de auto-a$ nidade é um atributo daqueles objetos que mesmo sofrendo transformações longitudinais ou transversais conservam a$ nidade com a $ gura original.

Por sua vez, Christofoletti (1997) citou como atributos dos fractais, o escalante e a aleatoriedade. Para o pesquisador, o escalante se encontra relacionado com o grau de detalhamento em diferentes escalas de observação do objeto e a aleatoriedade com as dinâmicas caóticas dos sistemas, assinalando a imprevisibilidade da forma especí$ ca a ser gerada.

Um fractal é um conjunto espacial que manifesta uma relação escalar, entre o número de seus elementos constituintes e a sua classe de mensuração (tamanho, densidade e intensidade). Essa de$ nição inclui fenômenos dinâmicos que podem ser espacialmente representados e, portanto, fractalmente mensurados. O fractal, usado como adjetivo, signi$ ca a qualidade do objeto de manifestar essa regularidade escalar. Assim, a propriedade de escalonamento se tornou característica inerente da fractalidade e a espacialidade, característica do fenômeno analisado.

Logo, uma das formas talvez mais simples de de$ nir um fractal diz respeito à condição de invariância geométrica do objeto quando observado em escalas diferentes.

Page 141: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

147

De acordo com Christofoletti (1997), a alteração na escala de observação dos fractais determina uma quantidade de elementos similares que ocorrem também de forma diferente. A seqüência de alterações estabelece a noção de escalonamento que pode ser analisado como sendo a relação entre o tamanho e a quantidade de ocorrências nos diversos níveis de observação. Sendo assim, a dimensão fractal é o valor do expoente do escalonamento, relacionando o número de ocorrências desses elementos com a categoria de seus diversos tamanhos.

A dimensão da curva fractal, por exemplo, é um número que caracteriza a maneira na qual a medida do comprimento, entre dois pontos, aumenta à medida em que a escala de observação diminui. Nesse caso, a dimensão fractal quanti$ ca a complexidade ou irregularidade de um objeto fractal, mas não sua forma. Portanto, um objeto com menor dimensão fractal é menos complexo do que um objeto com uma maior dimensão fractal.

Para Christofoletti e Christofoletti (1994), a signi$ cância dos fractais residiu em possibilitar concepções mais amplas a propósito da dimensionalidade de um objeto. Os pesquisadores enquadraram os valores do escalonamento da dimensão fractal de modo genérico em:

- Valores entre 0 e 0,99: neste intervalo encontram-se as estruturas com base em pontos como, por exemplo, o fractal de uma série temporal de dados sobre a precipitação em determinado lugar;

- Valores fractais entre 1,0 e 1,99: neste intervalo incluem-se as estruturas espaciais de lineamentos, no caso curvas irregulares, como as tortuosidades e as sinuosidades das linhas costeiras e os meandros dos cursos @ uviais.

- Valores entre 2,0 e 2,99: inserem-se as estruturas espaciais de representação bidimensional que uma superfície irregular possui. Incluem-se aqui a análise do formato de bacias hidrográ$ cas e a modelagem digital do terreno;

- Valores de 3,0 e 3,99: correspondem às estruturas espaciais de representação volumétrica de uma categoria de ocorrência no interior de outro conjunto volumétrico. Por exemplo, servindo como aplicação para o cálculo de reservas em jazidas minerais em determinada unidade espacial ou para determinar o volume total de nuvens em uma unidade volumétrica (local ou regional) da atmosfera.

Page 142: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

148

Na tabela 1, mostra-se uma relação de várias estruturas observadas na natureza com suas correspondentes dimensões fractais, medidas com aproximações variáveis, dentro do domínio de escalas em que a propriedade de similaridade está presente.

Tabela 1 - Dimensões fractais aproximadas de vários processos naturais

ÁREA SISTEMADIMENSÃO FRACTAL

BIOLOGIA

Olho humano ~1,7Pulmão ~2,2

Cérebro dos mamíferos ~2,6Rami$ cação de plantas 2,2 < d < 2,8

Proteínas 1,6 < d <-2,4

Colônias de fungos e bactérias~1,4 (borda)~1,9 (massa)

GEOCIÊNClAS

Linhas costeiras 1,2 < d < 1,4Meandros de rios 1 < d < 1,2

Contornos topográ$ cos de montanhas 1,1 < d < 1,3

Objetos fragmentados (granito, carvão, basalto, quartzo etc.)

2,1 < d < 2,6

COSMOLOGIA Distribuição de galáxias no Universo ~1,2

ESTRUTURA DA MATÉRIA

Aglomerados de metal em catodo ~1,35Nuvens (projeção do perímetro) ~2,43

Dedos viscosos (produzidos pela injeção de um líquido em outro viscoso)

~1,7

Fonte: (MOREIRA, 1999)

No mundo euclidiano, o observador move-se em saltos descontínuos da linha (unidimensional), para o quadrado (bi-dimensional) e para o cubo (tri-dimensional). Já, no mundo fractal, o observador move-se em saltos contínuos e as dimensões dos objetos são valores entre as dimensões euclidianas.

Por outro lado, observam que os fractais (formas irregulares) são ferramentas potencialmente úteis para pesquisar as questões de escala e resolução, com base no conceito da característica de auto-similaridade dos fractais, na qual uma parte do objeto reproduz exatamente a forma de todo. Isso proporciona a simulação de curvas e superfícies de variada dimensionalidade, assim sendo, essa ferramenta tornou-se importante para análise de espaço. Na área geotécnica, os fractais têm sido usados para melhorar a coerência de generalização cartográ$ ca.

A dimensão fractal encontra-se sempre associada com um determinado nível de resolução analítica. A complexidade pode variar

Page 143: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

149

com o detalhamento da observação e dos procedimentos usados na sua determinação, por exemplo, o estudo da organização estrutural das redes hidrográ$ cas, considerando as diversas escalas de representação cartográ$ ca e a utilização de fotogra$ as aéreas ou imagens orbitais.

Apontamentos e considerações

A abordagem fractal surge como um importante recurso metodológico para o estudo de comportamentos instáveis e aperiódicos em sistemas dinâmicos determinísticos não-lineares, ou seja, caóticos.

A dimensão fractal relaciona-se com o grau de irregularidade ou tortuosidade de um fractal e representa o seu grau de ocupação no espaço.

À Geogra$ a, como a ciência que se preocupa com a compreensão do espaço, mais especi$ cadamente, do onde (dimensão espacial) e do por que deste onde, a abordagem fractal passa a ter grande importância à medida em que pode fornecer subsídios à análise espacial integrada e ao entendimento da organização que os arranjos sociais, culturais e econômicos ganham sentido no espaço geográ$ co.

Por $ m, espero que os conceitos aqui expostos da teoria do caos sirvam de inspiração aos estudantes de Geogra$ a e pesquisadores a utilizarem a abordagem fractal nos estudos geográ$ cos.

Referências

BRIGGS, J. Fractals: [ e Patterns of Chaos. New York: Touchstone, 1992.

CAPRA, F. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

CHRISTOFOLETTI, A. L. H. Análise fractal e multifractal de estações chuvosas em localidades do estado de São Paulo. São Paulo, 1997. 263 f. Tese de Doutorado - UNESP, Rio Claro.

CHRISTOFOLETTI, A. L. H. Sistemas dinâmicos: as abordagens da teoria do caos e da geometria fractal em geogra$ a. In: VITTE, A. C.; GUERRA, A. J. T. (Ed.). Re3 exões sobre a geogra' a física no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2004. p. 89-110.

CHRISTOFOLETTI, A. L. H.; CHRISTOFOLETTI, A. O uso das fractais na análise geográ$ ca. Geogra' a, Rio Claro, v. 19, n. 2, p. 79-112, 1994.

Page 144: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

150

GAO, J.; XIA, Z. Fractals in physical geography. Progress in physical geography, Senenoaks, v.20, n.2, p. 178-191, 1996.

GLEICK, J. Caos: a criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1990. 310p.

GLEISER, I. Caos e complexidade: a evolução do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 281p.

LAM, N.; SIU, N.; QUATTROCHI, D. A. On the issues of scale, resolution, and fractal analysis in the mapping sciences. Professional Geographer. v. 44, n. 1, p. 88-98, feb. 1992.

MANDELBROT, B. B. [ e fractal geometry of nature. San Francisco: W.H. Freeman and Co., 1983. 468p.

MILNE, B. T. Measuring the fractal geometry of landscapes. Applied Mathematics and Computation, New York, v. 27, p. 67–79, 1988.

NlKORA, V. I. On self-similarity of drainage basins. Water Resources Research. v. 30, n. 1, p. 133-137, 1994.

MOREIRA, I. C. Fractais. In: NUSSENZVEIG, H. M. (Org.) Complexidade e caos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPEA, 1999, p. 51-82.

PEITGEN, H. O. P.; JÜRGENS, H.; SAUPE, D. Fractals of the classroom. Part one: introduction to fractals and chaos. New York: Sprinter-Verlag, 1992.

SERRA, C. P.; KARAS, W. E. Fractais gerados por sistemas dinâmicos complexos. Champagnat. Curitiba, 1997. 190p.

VESTENA, L. R., KOBIYAMA, M. A Dimensão Fractal da Rede de Drenagem da Bacia Hidrográ$ ca do Caeté, Alfredo Wagner/SC. In: XIX SEMINÁRIO DE PESQUISA XIV SEMANA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE. Anais... Guarapuava: UNICENTRO, 2008 (no prelo).

Page 145: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Interpretação geográ' ca de um evento pluviométrico excepcional ocorrido em abril de

1998, Guarapuava-PR

AMARAL, Adriano Araújo do1

THOMAZ, Edivaldo Lopez2

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar o episódio de chuvas intensas que ocorreu na cidade de Guarapuava-PR nos dias 23, 24 e 25 de abril de 1998 e que causou alagamentos na cidade. Baseando-se no canal de percepção dos impactos hidrometeóricos da proposta teórico – metodológica de Clima Urbano de Monteiro (1976) e no paradigma da análise rítmica (MONTEIRO, 1971), este estudo busca caracterizar a movimentação atmosférica que atuou sobre a região da área de estudo. Para tal, utilizamos imagens do satélite GOES-8 (Visível), do Centro de Pesquisas Tecnológicas (CPTEC/INPE), e as cruzamos com os dados do IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná) e com os relatórios climáticos da fonte CLIMANÁLISE/INPE (2006).

Palavras–chave: alagamentos; climatologia geográ$ ca; Guarapuava-PR.

Introdução

Gregory (1992), citando Chandler (1976), salienta a relevância que as condições climáticas de uma cidade têm no planejamento da mesma. Ainda nos lembra que Chandler, Cooke e Douglas (1976) já consideram que a mudança de uso do solo de seu ambiente natural para um urbanizado, produz mudanças particularmente nas feições geológicas, geomorfológicas, hidrológicas e nos limites da atmosfera.

São vários os estudos que têm sido feitos em relação aos impactos nos ambientes urbanos, dentre eles a análise da vulnerabilidade das áreas urbanas em face aos desastres naturais (furacões, ciclones, terremotos, alagamentos, secas, e etc.), considerando a magnitude e freqüência desses

1 Graduando do 4° ano de Geogra$ a – licenciatura – da Universidade Estadual do Centro-Oeste

(UNICENTRO) e bolsista do PET (Programa de Educação Tutorial) Geogra$ a.2 Professor doutor do DEGEO – Departamento de Geogra$ a – da Universidade Estadual do Centro-

Oeste (UNICENTRO).

Page 146: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

152

fenômenos, tanto do fenômeno em si quanto pela sua repercussão nas organizações sócio-econômicas.

A concepção de clima aqui adotada é a de Monteiro (1971), onde este aparece como sendo o ambiente atmosférico constituído pela série e sucessão habitual dos estados da atmosfera acima de um lugar. Esta concepção nos recomenda que somente a análise rítmica ao nível de tempo, desvelando a origem dos fenômenos na perspectiva regional, é capaz de contribuir no estudo de diferentes problemas geográ$ cos da região; o autor ainda propõe a análise das variações diárias dos elementos climáticos associados à circulação regional da atmosfera, de modo a buscar a gênese do fenômeno climático encadeado, no nosso caso, na análise episódica. Então, ao trabalhar com o paradigma da análise rítmica, procuramos visualizar as seqüências rítmicas dos tipos de tempo, pois:

A visualização desses encadeamentos atmosféricos depende, basicamente, das respostas locais colhidas nas variações diárias e horárias dos elementos do clima (medições de superfície: estações e postos meteorológicos), nas cartas sinóticas do tempo [...] e nas imagens fornecidas por satélites meteorológicos (ZAVATTINI, 2002, p. 102). (Grifo nosso).

Ainda, neste caso, Monteiro (1971, p. 13) nos recomenda que:

Na análise rítmica as expressões quantitativas dos elementos climáticos estão indissoluvelmente ligados à gênese ou qualidade dos mesmos e os parâmetros resultantes desta análise devem ser considerados levando em conta a posição no espaço geográ' co em que se de' ne (grifo nosso).

Desta maneira, o estado do Paraná caracteriza-se pela sua localização, em ser uma área de transição climática, com atuação de sistemas intertropicais a Norte e Oeste, enquanto ao Sul, os extratropicais (MONTEIRO 1963 citado por THOMAZ, 2005). Guarapuava se localiza a 25º 21`de latitude Sul e 51° 30` de longitude Oeste e a altitude média é de 1120m do nível do mar3. O município está localizado no Terceiro Planalto Paranaense, região com relevo moderadamente sinuoso, com capões e

3 Estes pontos se referem à Estação Agrometeorológica de Guarapuava-PR monitorada pelo IAPAR

(Instituto Agronômico do Paraná) e integra o SIMEPAR (Sistema Meteorológico Paranaense) sendo identi$ cada pelo código 02551010.

Page 147: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

153

matas de galeria, além de campos limpos (VESTENA e THOMAZ, 2003 citando MAACK, 2002). De acordo com estes mesmos autores (p. 72), o clima de Guarapuava pode ser caracterizado por ser:

[...] subtropical mesotérmico-úmido, sem estação seca, com verões frescos e inverno moderado. A pluviosidade mostra-se bem distribuída ao longo do ano, com precipitações médias mensais acima de 100 mm; a média $ ca em torno de 1961 mm, apresentando variações extremas consideráveis [...]

Quanto às massas de ar que agem sobre a região, de forma resumida, podemos destacar a presença da MPa (massa polar atlântica), que atua principalmente durante o inverno; a MTa (massa tropical atlântica), que age principalmente sobre o inverno e primavera; a MTc (massa tropical continental), que atua preferencialmente no verão e da MEc (massa equatorial continental), que repercute mais durante o verão e outono (MONTEIRO, 1963 apud VESTENA e THOMAZ, 2003), consideração esta que pode ser válida para grande parte da região Sul do país.

Assim, a abordagem busca o encadeamento da dinâmica atmosférica através da percepção espaço-temporal do fenômeno regional, que re@ ete no clima da cidade para a compreensão do impacto dos alagamentos ocorridos na cidade em abril de 1998.

Sendo assim, é importante a análise dos eventos/episódios naturais extremos, através de sua magnitude e freqüência, uma vez que estes eventos/episódios excepcionais, ou seja, fora do habitual, podem causar alagamentos no espaço urbano de Guarapuava, pois o manejo inadequado da bacia do rio Cascavel, o crescimento populacional e a conseqüente urbanização, além da má utilização dos recursos disponibilizados pela bacia, $ zeram com que a mesma se tornasse receptora de resíduos e dejetos das mais variadas instâncias. O perímetro urbano da bacia do rio Cascavelzinho é hoje composto por moradias, comércio, além de ruas asfaltadas bem próximas ao leito do rio, o que faz com que haja alagamentos de forma localizada. Portanto, este trabalho tem como objetivo analisar o episódio de chuvas intensas que ocorreu na cidade de Guarapuava-PR nos dias 23, 24 e 25 de abril de 1998 e que causou alagamentos na cidade. Baseando-se no canal de percepção dos impactos hidrometeóricos da proposta teórica – metodológica de Clima Urbano de Monteiro (1976) e no paradigma da análise rítmica (MONTEIRO, 1971) este estudo busca caracterizar a movimentação atmosférica que atuou sobre a região da área de estudo

Page 148: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

154

Materiais e métodos

Além do ritmo climático, este trabalho baseou-se na proposta de clima urbano de Monteiro, mais acerca do terceiro canal de percepção humana da Teoria Clima Urbano (MONTEIRO, 1976) – impactos meteóricos - através do elemento chuva, de onde articulamos a escala local com a regional.

De início realizou-se uma revisão bibliográ$ ca dos aspectos climáticos de Guarapuava e região. Após, nos voltamos para a investigação e análise dos dados climáticos e meteorológicos coletados da estação agrometeorologica de superfície do IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná) de código 02551010 localizada a 25° 21`de latitude Sul e 51° 30`de longitude Oeste, na cidade de Guarapuava-PR.

Utilizou-se também de imagens de satélites meteorológicos METEOSAT-GOES 8 - Geostationary Operational Environmental Satellit – da América do sul, através do Centro de Pesquisas Tecnológicas (CPTEC/INPE, 2006), as quais foram ajustadas para a hora o$ cial de Brasília (-3 GMT) e de cartas sinóticas de superfície ofertadas também pelo INPE.

A abordagem do clima (através do episódio) foi desenvolvida de acordo com a concepção sistêmica de caixa-preta, sendo a chuva o output do sistema climático e os alagamentos a resposta em função de como se organiza a sociedade local modi$ cando a morfologia do sítio urbano. En$ m, este estudo busca se inserir em uma linha de abordagem estabelecida para os estudos de climatologia, onde se deixam de lado os pressupostos do equilíbrio (estados médios da atmosfera elaborados por técnicas estatísticas) e passam a ser focalizadas as estruturas singulares da atmosfera, que são resultado de certa desordem no sistema que resulta em bifurcações a nível regional.

Resultados e discussões

O clima da região no mês de abril – outono - é marcada por @ utuações da MPa e da frente a ela associada, acontecendo assim recuos devido à ação de massas intertropicais e também desenvolvimento de intensas ciclogêneses, através da perplexidade das frentes (MONTEIRO, 1963). Como podemos ver no Grá$ co 1, tal mês não se apresenta como um dos meses mais chuvosos na série analisada.

Page 149: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

155

Grá* co 1 -Médias mensais de pluviosidade para Guarapuava (1976-2006)

Fonte: IAPAR (2007). Dados trabalhados por Amaral e J omaz (2007)

Para que se possa visualizar melhor a magnitude e desvio da pluviosidade no mês de abril para Guarapuava, vejamos a tabela que se segue:

Tabela 1 - Precipitação total e chuvas máximas em 24 horas no mês de abril para Guarapuava-PR no período de 1976-2006

Ano Chuva Máx. Pluv. Total (mm) Ano Chuva Máx. Pluv. Total (mm)

1976 49,8 108,8 1993 39,8 125,5

1977 28,8 89,1 1994 35,4 91,4

1978 0,2 0,6 1995 32,5 79,7

1979 37,6 103,1 1996 23 53,9

1980 41,4 79,3 1997 21 56,5

1981 75,2 213,1 1998 119,8 518

1982 13,2 27,8 1999 71 175,6

1983 84,4 319,8 2000 39,6 105,6

1984 34,4 150,5 2001 30 124,9

1985 74 220,1 2002 61,2 132,2

1986 52 184,2 2003 39,8 95,6

1987 41,2 139,8 2004 47,8 173

1988 51,8 210,8 2005 48,2 135,7

1989 92,4 211,9 2006 29,3 70,7

1990 77,7 230,7 Máx 119,8 518

1991 74,4 193,1 Mín. 0,2 0,6

1992 39,6 140,4 Média 51,0 154,3

Fonte: IAPAR (2006). Dados trabalhados por Amaral e J omaz (2007)

Como podemos observar, na série analisada (1976-2006), o mês de abril não se apresenta como um mês relativamente chuvoso no quadro anual,

Page 150: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

156

isto devido às condições atmosféricas reinantes na época, mas nota-se que há desvios signi$ cativos nos índices de precipitação, como nos anos de 1983 e de 1998 com 319,8 e 518 mm precipitados respectivamente. Também são dignos de observação as chuvas máximas destes dois anos para o mês de abril, sendo 84,4mm para o ano de 1983 e 119,8 para o ano de 1998.

No que se refere aos eventos acima de 50 mm, o mês apresenta-se como intermediário na série analisada – 1976/2006 – apresentando dezesseis eventos signi$ cativos para a discriminação, como podemos observar no grá$ co 2.

Grá* co 2 - Distribuição mensal de precipitação acima de 50 mm (1976 - 2006)

Fonte: IAPAR (2007). Dados trabalhados por Amaral e J omaz (2007)

Podemos notar, através da tabela 1, que o mês de abril de 1998 apresentou um grande desvio de chuva em relação aos outros anos da série analisada, $ cando 70,6mm acima da média no que se refere às chuvas máximas e com desvio positivo de 368,4mm em relação à média mensal de precipitação. Além disso, apresentou grande desvio em relação às precipitações máximas em 24 horas (> de 50 mm) em relação aos outros

meses do ano, conforme gráfi co a seguir.

Page 151: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

157

Grá* co 3 - Chuva máxima mensal em 24 horas ocorrida no ano de 1998

Fonte: IAPAR (2006). Dados trabalhados por Amaral e J omaz (2007)

De acordo com o CPTEC/INPE (2006), no mês de abril de 1998 a região sul do Brasil apresentou anomalias positivas de precipitação, com aumento relativo de 150 mm no índice em relação a abril de 1997. Sobre a região leste do estado do Paraná e Santa Catarina os valores foram superiores a 200 mm precipitados. O índice superior de chuva acumulada foi de 400 mm registrados sobre o oeste do estado do Paraná e Rio Grande do Sul.

Para Guarapuava, de modo geral, o mês de abril de 1998 apresentou 518 mm precipitados, o evento corresponde a 51,7 % da chuva de todo o mês e a 9,3 % do ano hidrológico, sendo que as precipitações do mês são correspondentes a 21 % do ano hidrológico de 1998.

O excedente hídrico ocorrido na região no referido mês não pode ser analisado sem a consideração do fenômeno El Nino. Este, por sua vez, representa um aquecimento das águas da costa da América do Sul, que provoca excedentes hídricos no Sul do Brasil (CUNHA, 2004).

Para o Climanálise/Inpe (2006), o fenômeno El Niño estava perdendo intensidade no mês de abril. Foram observadas TSMs (temperatura da superfície do mar) próximas à média no Pací$ co Equatorial Central e a convecção diminuiu no Pací$ co Central, mas os ventos continuaram com intensas anomalias de oeste no setor oriental.

Mas, mesmo assim, o ano de 1998 $ cou marcado como o segundo ano mais chuvoso (2456,6 mm) numa série de 30 anos (1976-2006) analisados

Page 152: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

158

anteriormente, $ cando atrás apenas do ano de 1983 (3168,4 mm) que também foi afetado pelo fenômeno.

O relatório CLIMANÁLISE/INPE (2006) relata que esta anomalia na precipitação (Grá$ co 2) esteve associada a sistemas frontais que atuaram no país neste mês. Tanto na região Sul como no Mato Grosso do Sul estes sistemas foram intensi$ cados pela presença de cavados4 em todos os níveis, e vórtices ciclônicos em altos níveis. Para exempli$ car o excedente, analisemos o grá$ co que se segue.

Tabela 2 - Dinâmica atmosférica no mês de abril de 1998 associado à movimentação atmosférica

4 São áreas caracterizadas por representarem baixa pressão atmosférica que facilitam a movimentação

de sistemas.

Dia Sistema atmosférico Pluviosidade (mm)

1 FPA 97

2 MPA 0

3 MPA 0

4 MPA 0

5 ÁREA. INS 0

6 MPA. ENFRAQUECIDA 0,1

7 FPA 40,1

8 FPA 0

9 MPA. ENFRAQUECIDA 3,4

10 MTA 0

11 MTA 1,8

12 MTA 0,4

13 MTA 0

14 MTA 0

15 ÁREA. INS 5,2

16 ÁREA. INS 13,8

17 FPA 25

18 MPA 1,4

19 MPA 0

20 MPA 0,1

21 MPA. ENFRAQUECIDA 0

22 MTA 0

23 FPA 101,4

Continua

Page 153: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

159

Dia Sistema atmosférico Pluviosidade (mm)

24 FPA ESTACIONÁRIA 119,8

25 FPA ESTACIONÁRIA 8

26 MPA 1

27 ÁREA. INS 23

28 FPA 60,1

29 FPA ESTACIONÁRIA 16,4

30 FPA 0

31 - 0

Fonte: IAPAR (2006); INPE (2006)Dados trabalhados por Amaral e J omaz (2007)

Como podemos ver, o índice do dia 01, 07, 08, 17 e 28 é resultado da frente Polar Atlântica – FPA, que ao interagir com áreas de baixa pressão causaram chuvas fortes nos respectivos dias.

Nos dias 11, 12 e 13 predominou no RS um sistema de baixa pressão e ao se deslocar para o sudeste interagiu com uma frente provinda do oceano. O ramo mais frio do sistema deslocou-se para o oceano no dia 17, de onde passaram a predominar as áreas de baixas pressões devido ao calor, o que causou fortes chuvas em toda a região Sul. No mesmo dia 17 houve a entrada de um Vórtice Ciclônico em todos os níveis advindo da Argentina, que causou chuvas fracas no PR devido a sua rápida passagem pela região (CLIMANÁLISE/INPE, 2006).

Finalmente chega-se ao tratamento do episódio, para isto começamos com a identi$ cação de sistemas nas cartas sinóticas e análise das imagens meteorológicas do GOES 8. referentes ao dia 22 de abril, de onde se pode notar a presença de áreas de instabilidade que se encontram sobre o Paraguai, numa área caracterizada pela baixa pressão atmosférica - Depressão do Chaco - que facilita a movimentação das massas de ar, e que funciona como um dos reguladores para a formação e movimentação de sistemas continentais na América do Sul, além de facilitar a entrada de sistemas provindos do norte do país e ajudar a provocar bifurcações nas frentes frias. Além disso, percebe-se que há um sistema frontal que está sobre o meio norte do Rio Grande do Sul. No entanto, é somente no dia 22 que as áreas de instabilidade atingem Guarapuava e região. No entanto não houve registros de precipitação até o dado momento5

5 A coletas realizadas pelo IAPAR são realizadas as 09:00h, 15:00h e 21:00h respectivamente, sendo

os dados de precipitação coletados as 09:00h.

Page 154: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

160

Chega-se ao dia 23 com o Paraná todo incorporado pelas áreas instáveis que irão interagir com o quarto sistema frontal – FPA - do mês. O CLIMANÁLISE/INPE (2006) descreve que o sistema que agiu no dia 23 (101,4mm):

[...] estava associado a um centro de baixa pressão em superfície. Esse sistema, deslocou-se pelo interior até o Paraná[...] Durante a sua trajetória, causou chuvas intensas no Rio Grande do Sul e Paraná. No restante das Regiões houve nebulosidade e chuvas fracas.

No dia 24 notamos a incorporação da frente fria - FPA estacionária, dia em que também se registra chuvas de forte intensidade. A frente fria começa sua dissipação a partir do Rio Grande do Sul, no entanto a região guarapuavana ainda está envolvida pela frente, e é exatamente esse resultante fenomênico que vai apresentar o maior valor de pluviosidade em espaço de tempo. Neste dia, a precipitação foi de 119,8 mm.

Nota-se a repercussão da chuva excepcional no relato do jornal O Estado de São Paulo (25 de abril de 1998), citado por Vestena e + omaz (2003, p. 72):

Cerca de 500 pessoas $ caram desabrigadas com a chuva e os ventos que atingiram o Paraná ontem, informou a Defesa Civil em Curitiba. O município mais afetado foi Guarapuava, no centro do estado. Aproximadamente 300 pessoas tiveram as casas destelhadas ou inundadas pelas águas do rio cascavel. “Tivemos, em menos de 24 horas, as chuvas de quatro ou cinco meses”, disse o prefeito Vitor Hugo Burko.

Finalmente, chegamos ao dia em que temos registros de alagamentos na cidade de Guarapuava, como podemos ver nas fotos a seguir.

Page 155: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

161

Foto 1 - Alagamento no bairro cascavel

Fonte: Prefeitura Municipal de Guarapuava 2005

Foto 2 - Alagamento no bairro Jardim das Américas

Fonte: Prefeitura Municipal de Guarapuava 2005

Page 156: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

162

Neste dia - 25 - a frente – FPA - volta a se estacionar sobre a região, mas não apresenta precipitação intensa, sendo que a precipitação chegou apenas 8 mm neste dia, e no $ m da tarde a frente já demonstra enfraquecimento do sistema.

Todavia, acredita-se que os alagamentos visualizados nas fotos acima sejam decorridos dos índices do dia 24. Para isto, os dias 22, com a entrada do sistema, e o dia 23 com o início dos índices da precipitação foram de suma importância para o impacto. A combinação desses dias de acúmulo de precipitação com o processo de urbanização e, conseqüentemente, a ocupação de várzeas e encostas, através das modi$ cações impostas, principalmente pelo número cada vez maior de população ocupando áreas ribeirinhas vieram a contribuir para outros alagamentos no perímetro urbano de Guarapuava.

Os últimos valores de precipitação (dias 27, 28 e 29) para Guarapuava estavam associados a um vórtice ciclônico em todos os níveis localizado no sul do Uruguai. Este, por sua vez, associou-se a um sistema frontal, intensi$ cando-se e originando uma frontogênese e ciclogênese no extremo sul do Rio Grande do Sul. Este sistema teve deslocamento pelo interior até MG e MT e pelo litoral até o RJ, onde enfraqueceu (CLIMANÁLISE/INPE, 2006).

Considerações ' nais

Neste trabalho, ressaltamos o episódio pluviométrico de caráter excepcional que causou impactos na organização do espaço na cidade de Guarapuava. Ressalte-se a importância deste tipo de estudo, principalmente no que se refere aos associados à climatologia geográ$ ca pois, não se trata de um retorno a uma perspectiva do excepcionalismo – particularidades – em Geogra$ a, na perspectiva de se analisar os fenômenos isoladamente, partindo de uma análise das partes, mas sim, como o próprio trabalho aponta, de uma discussão associada com o, neste caso, fenômeno atmosférico regional e que é reflexo de interações com escalas superiores. A s s i m , a possibilidade de interpretações se torna cada vez maior e a qualidade das interpretações é cada vez melhor. É através de ensaios como este que podemos começar a construir conjecturas sobra a dinâmica da natureza/sociedade no urbano e, através delas, visualizar como se dão os impactos e talvez num futuro propor alternativas para a solução e/ou minimização dos problemas ambientais.

Page 157: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

163

Referências

CEPTEC/INPE - Centro de Pesquisas Tecnológicas/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2006.

APAR – Instituto Agronômico do Paraná. Curitiba, 2006.

GREGORY, K. J. A natureza da Geogra' a Física. (trad. Eduardo de A. Navarro) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992, 367p.

MONTEIRO, C. A. F. O clima da região Sul. Geogra$ a regional do Brasil. Tomo I. cap. III. Biblioteca Brasileira, IBGE, 1963.

MONTEIRO, C. A. F. Análise rítmica em climatologia: problemas da atualidade climática e achegas para um programa de trabalho. São Paulo. Instituto de Geogra$ a. Universidade de São Paulo, 1971, 21p. (Climatologia 1).

MONTEIRO, C. A. F. Teoria e clima urbano. São Paulo: IGEO/USP, 1976. (Climatologia) n. 1.

MONTEIRO, C. A. F. Clima e excepcionalismo: conjecturas sobre o desempenho da atmosfera como fenômeno geográ$ co. Florianópolis, Editora da UFSC, 1991.

PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPUAVA-PR, 2005

SIMEPAR - Sistema Meteorológico Paranaense, Curitiba, 2006.

VESTENA, L, R; THOMAZ, E, L. Aspectos climáticos de Guarapuava-PR. Guarapuava: UNICENTRO, 2003, 106 p.

ZAVATTINI, J. A. O paradigma da analise rítmica e a climatologia geográ$ ca brasileira. GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 26, n. 3, p. 25 – 43, Dez. 2000.

ZAVATTINI, J. A. O tempo e o espaço nos estudos do ritmo do clima no Brasil. GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 27, n. 3, p. 101 – 131, Dez, 2002.

Page 158: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008
Page 159: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Análise teórica das migrações: enfoques tradicionais e novos enfoques de aporte social

BRUMES, Karla Rosário1

SILVA, Márcia da2

Resumo: A Geogra$ a, enquanto ciência social, investiga os fenômenos migratórios a partir de uma série de determinações que vêm se modi$ cando e se combinando com o passar do tempo. Assim, os desa$ os encontrados tanto por estudiosos como pelo setor público através de suas políticas públicas na de$ nição não só do conceito, mas também dos processos que a questão migratória envolve, têm gerado alguns impasses quanto à formulação da teoria das migrações. As divergências encontradas entre aqueles que buscam de$ nir migração são justi$ cadas, uma vez que os processos sociais que possuem relação com este conceito aparecem também de forma heterogênea. A variabilidade de movimentos migratórios observados nos dias atuais não se constitui em uma novidade, uma vez que há anos várias têm sido as tentativas de traçar certas regularidades que fundamentariam formulações teóricas a respeito dos movimentos migratórios. No período técnico-cientí$ co, os recursos técnicos, a informatização e a informação, colocados à disposição da humanidade, conferem uma nova dimensão à análise e à interpretação do espaço da sociedade e dos @ uxos migratórios. A análise do fenômeno das migrações bem como do papel dos sujeitos devem suplantar a idéia histórica em que essas eram necessárias e produtivas; um contexto onde os entraves de entradas eram muito maiores e a seletividade se exacerbava. As migrações, no Brasil, não devem ser pensadas num sentido de redimensioná-las conceitualmente para melhor compreendê-las e sim de compreender quais são as requisitos mais satisfatórios para as pessoas se moverem no território, garantindo o pleno direito de locomoção e de que a alternativa de mobilidade possa ser um caminho na direção de melhoria das condições sociais. Por $ m, a análise das migrações deve abordar mais do que o estudo das questões dos desequilíbrios regionais de oferta de emprego. Deve analisar os menores custos de habitação, a oferta

1 Professora junto ao Curso de Geogra$ a - Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

– Campus de Irati-PR. e-mail: [email protected] Professora junto ao Curso de Geogra$ a - Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

– Campus de Guarapuava-PR. e-mail: [email protected].

Page 160: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

166

de serviços públicos e privados, uma maior proximidade da família e, não menos importante, a decisão pessoal do sujeito neste contexto.

Palavras-chave: migração; enfoque tradicional; novos aportes sociais de análise.

Introdução

Entender as mudanças provocadas pela inserção de populações em determinados lugares, demonstrando a alteração da dinâmica dos mesmos e as formas como essas transformações ocorrem deve ser um dos objetos de estudo da Geogra$ a. Isso se explica pela necessidade de se observar o que foi modi$ cado tanto no local de chegada como no de origem, por exemplo, assegurando a esta área do conhecimento um campo de investigação amplo que lhe permita entender as migrações para além de dados quantitativos ou estatísticos.

O pluralismo causal acompanha a explicação dos processos migratórios, fato consensual mesmo que o peso de cada premissa causal inferida dependa de preferências teóricas e das in@ exões circunstanciais dos fenômenos a explicar. De qualquer forma, os fenômenos migratórios são fatos sociais totais, que se relacionam com os socioeconômicos, culturais, político-institucionais e outros. A Geogra$ a, enquanto ciência social, investiga os fenômenos migratórios a partir de uma série de determinações que vêm se modi$ cando e se combinando com o passar do tempo.

Evidentemente, é muito difícil enumerar todas as séries de estímulos susceptíveis que originam as migrações, porém, algumas são mais visíveis como as econômicas, as políticas3 e as religiosas. Estudá-las é importante porque indica fatores que de$ nem a inserção de milhares de pessoas em determinadas localidades, que chegam a alterar a dinâmica tanto da área receptora como a da área de origem. De acordo com Damiani (1999, p. 62),

os estudos geográ$ cos sobre migrações envolvem uma perspectiva histórica ampla e acompanham o fenômeno desde a Antiguidade até os nossos dias. O fenômeno do povoamento não poderia ser compreendido sem as migrações. Considera-se desde migrações intercontinentais, detendo-se especialmente, pelo seu volume, na

3 Gaudemar (1976, p. 9), a$ rma que “os maiores movimentos de populações registrados recentemente ou

ainda os mais importantes fenômenos de transformação pro$ ssional brutal, ocorrem devido menos ao econômico que ao político e a seus desdobramentos militares: os con@ itos entre estados, as guerras.”

Page 161: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

167

emigração européia, do $ nal do século XIX às primeiras décadas do século XX, até as migrações a curta e média distâncias, mais freqüentes. Max Sorre fala da europeização do ecúmeno desde o século XVI.

Diante destas a$ rmações o objetivo principal deste artigo é abordar uma breve discussão teórica a respeito das migrações e a estruturação do espaço geográ$ co diante dos enfoques tradicionais e dos novos aportes sociais.

Metodologia

Ao mesmo tempo em que este estudo é desa$ ante diante do conjunto de temas que se pode abordar, torna-se também prazeroso por permitir a busca de novos elementos acerca da análise das migrações com base no princípio de que se pode contribuir com a idéia de que novos conceitos são construídos, criados e recriados ao longo de um processo. Assim, para a elaboração deste trabalho, a revisão bibliográ$ ca sobre migração e sua estruturação no espaço geográ$ co foi o fundamento principal por permitir que aos enfoques tradicionais de análise pudessem ser aliados os novos enfoques de aporte social e utilizados conjuntamente na compreensão deste fenômeno no meio urbano.

Discussões e resultados

O estudo em questão fundamentou-se nas análises de textos que relacionam migração urbana como um fenômeno resultante apenas de in@ uência macro estrutural, em contraposição àqueles que identi$ cam nas relações sociais, como as estabelecidas pelas redes, como um novo aporte que coloca outras signi$ câncias na discussão migracional.

Os resultados apontam para a idéia de que as abordagens das migrações das décadas de 1960 a 1980, no Brasil, faziam referência aos movimentos intraurbanos, baseados, por exemplo, na dicotomia cidade x campo. Estes, porém, já não trazem operacionalidade para compreender o que acontece na sociedade brasileira hoje.

Se, há alguns anos, acreditava-se que para um desenvolvimento capitalista otimizado a migração tinha papel decisivo, e se o resultado era o de que o indivíduo seria envolvido positivamente nesta racionalidade, estes fatores resultaram em um paradigma da migração necessário ao desenvolvimento

Page 162: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

168

capitalista, ou seja, o apontamento aqui é único e exclusivo de uma migração sem qualquer intervenção do sujeito envolvido, já que as condicionantes estruturais ocupavam o nível mais elevado no poder de decisão.

Todavia, uma análise da migração que sai do nível de determinação macro e passa ao nível micro, a motivação, seja qual for, se apresenta mais racional, pois envolve decisões pessoais. Isto não quer dizer que devam ser esquecidas as contribuições e as discussões existentes entre os anos 1970 e 1980, posto terem sido elaboradas justamente no momento em que a idéia de desenvolvimento se atrelava única e exclusivamente ao crescimento econômico.

Entretanto, as dinâmicas encontradas numa sociedade pautada pelas ações capitalistas, especialmente nas duas últimas décadas, se con$ guram em materialidades tão esparsas e diversas que os dispositivos instrumentais e teóricos acerca das migrações internas elaborados antes dos anos de 1980 não são mais tão e$ cazes na compreensão da questão migratória nos dias atuais. Assim, os estudos para o entendimento do que são as migrações, neste contexto, caminham em direção de se pensar o fenômeno no interior de um processo vigente do desenvolvimento da economia capitalista que anteriormente tinha nas migrações um poderoso mecanismo de transferência de excedentes.

As análises apontam que, após os anos de 1980, um conjunto de alterações econômicas e sociais fez com que as características do processo migratório também passassem por transformações, assim como a própria natureza do migrante. São deixados de lado os estudos que relacionam o processo de mobilidade social ao processo de mobilidade espacial, o que resulta em mudança de paradigma, ou seja, os estudos deixam de ser pautados nas melhorias sociais.

O capitalismo fundamentado nas transferências de excedentes mostra-se, mesmo no caso do Brasil com suas condições de transição demográ$ cas, capaz de gerar permanentemente seus excedentes. Observa-se que mesmo com a taxa de fecundidade baixa em áreas urbanas, por exemplo, os excedentes demográ$ cos não diminuíram, e isto faz com que a “racionalidade” embutida na decisão de migrar tenda a não mais considerar a migração com caráter permanente e sim como uma atividade de risco, uma vez que a mobilidade social da população passa a ser uma atividade arriscada.

O indivíduo que até o início dos anos de 1980 se estabelecia permanentemente pensando em gradativamente ir subindo socialmente é cada vez mais raro, pois ele agora esbarra em toda uma gama de di$ culdades impostas por uma economia capitalista. Assim, a sua decisão vem sendo substituída por um processo racional transitório. Este, no entanto, não

Page 163: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

169

foi um impedimento para que as pessoas deixassem de migrar, uma vez que elas conseguem uma forma de se adequar à estrutura atual na qual a migração passa a ter um papel distinto.

Autores como Brito (1988) e Soares (2003), ainda a partir dos anos 1980, apresentam perspectivas a respeito desta relação, ou seja, demonstram que começa a haver uma diminuição da mobilidade, uma vez que o processo de migração, bem como o da mobilidade social acabam por ser in@ uenciados diretamente pela estrutura econômica brasileira dos anos 19804, década considerada como de grande imobilidade social.

A análise da relação entre migração e mobilidade social visa apresentar outros elementos para a discussão bastante importantes para caracterizar algumas manifestações do fenômeno migratório interno brasileiro, em especial entre as décadas de 1990 e 2000. A partir daí a relação da migração com a mobilidade social é discussão recorrente em muitos estudos e teorias (como as das redes sociais) nas quais se chega ao determinante de que os migrantes são socialmente mais móveis que os naturais das cidades.

Muitas são as análises que apontam que tanto o fenômeno das migrações, no Brasil, como os papéis desempenhados pelos sujeitos devem suplantar a idéia histórica das migrações como necessárias e produtivas, uma vez que o contexto dos entraves de entradas é muito maior e as seletividades se exacerbam, ou seja, as migrações não devem ser pensadas somente num âmbito que apenas as redimensione conceitualmente para que sejam melhor compreendidas. As investigações devem possibilitar que as migrações possam ser entendidas no sentido de esclarecer quais são as condições mais satisfatórias para as pessoas se moverem no território.

Com relação à participação dos sujeitos migrantes em meio a uma série de novas análises, Charlot (2000) lembra ainda que a essência originária do indivíduo humano não está dentro dele mesmo, mas sim fora, em uma posição excêntrica, no mundo das relações sociais. Nessa perspectiva, assim como o ser humano não é um dado, mas uma construção, o migrante não migra apenas por uma imposição, ou seja, este ato está carregado de intencionalidades recorrentes ao próprio sujeito. Defende-se, assim, a idéia

4 A década de 1980 foi considerada para muitos estudiosos como a "década perdida". A crise econômica

de 1981 a 1983 mudou completamente o quadro até então favorável à mobilidade estrutural e, por extensão, às perspectivas de mobilidade social ascendente no país. A queda na taxas de crescimento do Produto Interno Bruto - 7% a.a, entre 1975 e 1980 caiu para 1% no qüinqüênio seguinte – , com a conseqüente diminuição no ritmo de criação de postos de trabalho no setor formal, aumento da rotatividade da mão-de-obra, contratação das vagas na indústria de transformação e na construção civil nas regiões metropolitanas acabaram limitando as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho e as possibilidades de progressão funcional (JANNUZZI, 2000).

Page 164: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

170

de um migrante que é social e cultural, especialmente dentro das várias redes estabelecidas.

Surge um embate na questão da migração no sentido de compreender como o migrante pode, dentro de uma estrutura que os deixa imunes a determinados processos condicionantes e a determinadas situações que ocorrem mediante as forças que agem além das pessoais5. Duas noções de direito vão convergir neste sentido, a saber, o entendimento da evolução dos estudos de população e dos estudos da própria noção de direito.

Mesmo o migrante estando subjugado ao capital e por mais internalizado que esteja a este fato-processo, ainda sim, ele tem certo domínio da decisão do ato de migrar. Neste sentido:

uma questão teórico-metodológica merece ainda ser tratada na discussão do fenômeno migratório: é a relacionada à de$ nição do migrante enquanto categoria de análise. De acordo com o Censo Demográ$ co Brasileiro são considerados migrantes todos os indivíduos que apresentarem pelo menos uma mudança de local de residência, seja de um município para o outro (migrante intermunicipal), seja entre diferentes categorias de domicílio dentro dos limites do mesmo município (migrante intramunicipal). Entretanto, além dessa de$ nição administrativa, outra poderia ser considerada a partir da discussão neomarxista: migrantes são todos aqueles indivíduos que seguem os movimentos do capital sob a condição de força de trabalho assalariada, ou potencialmente assalariada, Becker (1997, p. 2).

Por $ m, Antico (2005) entende que a análise da migração deve abarcar mais do que a idéia de um fenômeno importante para a solução das questões dos desequilíbrios regionais de oferta de emprego. Ela deve ser observada a partir de questões como as que envolvem menores custos de habitação, melhor oferta de serviços públicos e privados, mais proximidade da família, melhor qualidade de vida, dentre outros, que são elementos determinados pelo sujeito da ação, a saber, o migrante.

5 Não obstante não ser objetivo do trabalho, esta argumentação apresentada faz referência aos

deslocamentos compulsórios, ou seja, a migrações forçadas por determinação de uma estrutura maior, como o bem comum. A idéia aqui expressada faz referencia a, por exemplo, refugiados do desenvolvimento como os deslocados para construção de barragens, neste sentido, grupos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), buscam seus direitos mediantes a uma série de estratégias.

Page 165: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

171

Considerações ' nais

Apesar dos vários enfoques atribuídos ao fenômeno das migrações, ao longo do tempo, o destaque é para a predominância da dinâmica macro-estrutural. Dela ocorrem situações como a teoria dos fatores de atração e de repulsão que seriam os responsáveis por um melhor “bem estar” do migrante e seu grupo envolvido. Mas entender esta situação limite é imaginar que o migrante, neste processo, não tem seu papel aludido. É pensar em um sujeito que apenas é no espaço um ser entregue a algumas estruturas condicionantes.

A busca por uma maior compreensão da migração e sua inserção no território deve também ser entendida a partir dos novos papéis desempenhados pelos migrantes, ou seja, condicionados a outras variáveis da vida em sociedade, sendo a migração uma escolha fundamentada em suas crenças, valores, cultura, relacionamentos, representações, que fazem daquele condicionante estrutural um dos elementos signi$ cativos6.

Uma análise que leve em consideração as possibilidades da incorporação das redes sociais exige que novas buscas se materializem, uma vez que não é nada fácil relacionar a dimensão do econômico diante da busca de inserção de um ideal mais coletivo marcante nos últimos tempos, o que con$ gura ao ato de migrar complexidade interessante. Diante desta possibilidade de análise, torna-se invariavelmente complicado superar os anos de pesquisas e estudos que delegaram a macroestrutura status de uno no processo migratório, uma vez ser cada dia mais latente o fato de que o processo de decisão de migrar tem relação com todas as situações que circundam o sujeito. Assim, pode-se entender o papel desempenhado pelas redes e, mais ainda, as relações existentes entre elas e que garantem, cada vez mais, um grau de variabilidade nunca antes apresentado nos estudos migratórios.

Fica claro que as indeterminações presentes nas análises mais recentes, diante das determinações econômicas passadas, são apenas pontos a serem incorporados ao variado processo social vigente, uma vez ser necessário o entendimento de como se dá a análise de sujeito social por meio de uma extensa e variada pesquisa.

Contudo, não é difícil encontrar na literatura indícios que demonstrem que alguns estímulos são colocados em prática com a $ nalidade de que o processo migratório trouxesse resultados positivos aos territórios de inserção.

6 A idéia de associar migração com variáveis estritamente econômicas origina-se do processo

de industrialização periférica, conforme já explicitado, por exemplo, por Lewis (1954 apud FERREIRA, 1971).

Page 166: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

172

Estas ações são bastante difundidas pelos meios de comunicação, que alardeiam determinadas situações positivas a respeito de alguns locais que oferecem empregos (pólos de desenvolvimento), paraísos $ scais e outros.

Algumas re@ exões merecem ser deixadas. Em primeiro lugar, não está se negando a grande in@ uência macro estrutural presente no sistema capitalista vigente, ou seja, há ainda uma demanda por migrantes em determinadas localidades devido: a repulsa dos “locais” em ocupar os setores de baixa produtividade, pois estes (em virtude de uma maior quali$ cação e até a uma espécie de prestigio ou regalia natural) $ cariam vinculados aos setores mais “modernos”; a atitudes de governos e/ou empreendedores em recrutar os desprestigiados, para o cumprimento das tarefas consideradas de baixo calão, a saber, os migrantes.

O segundo ponto deriva do primeiro. O sujeito diante destas ingerências vai buscar, de qualquer forma, também fazer parte do processo de determinações já que agora o faz de modo consciente, ou seja, ele também é um dos agentes que têm papel de$ nido no processo migratório.

Complexa é, então, a busca por compreender as relações, as signi$ câncias, as modalidades e teorias que levem a uma melhor de$ nição do como se abordar os fenômenos migratórios considerando as determinações macro estruturais e os sujeitos do processo que, agora, atuam no sentido de não mais serem meros expectadores, mas que também se inserem por meio das articulações, especialmente por meio das redes.

Em função destas questões, estudos recentes sobre os movimentos migratórios vêm considerando um conjunto complexo e dinâmico de elementos econômicos, sociais e estruturais, expressos nas redes em migração (FUSCO, 2000; FAZITO, 2002; SOARES, 2002).

Referências

ANTICO, Cláudia. Deslocamentos pendulares na Região Metropolitana de São Paulo. In: São Paulo em Perspectiva. Movimentos migratórios nas metrópoles. Fundação SEADE. v. 19, n. 4, Out-Dez 2005, p. 110-120.

BECKER, Olga Maria S. Mobilidade espacial da população: conceito. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo da C.; CORRÊA, Roberto L. (orgs.). Explorações geográ' cas: percurso no $ m do século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 45-75; 319-367.

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. p. 33-51.

Page 167: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

173

DAMIANI, Amélia, et al. O espaço no ' m do século: a nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999. 220 p.

FAZITO, Dimitri. A análise de redes sociais (ARS) e a migração: mito e realidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13, 2002: Ouro Preto, MG. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2002. (Disponível em CD-ROM)

FERREIRA, A. H. B. Migrações internas e subdesenvolvimento: uma discussão. Revista de Economia Política, São Paulo, p. 98-124, jan./abr. 1986.

FUSCO, Wilson. Redes sociais na migração internacional: o caso de Governador Valadares. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÃO, 2, 2000. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2000. p. 317-342.

GAUDEMAR, Jean Paul. Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Editorial, 1976. 405 p.

GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 336 p.

JANNUZZI, Paulo de M. Migração e mobilidade social: migrantes no mercado de trabalho paulista. Campinas: Autores Associados, 2000. 240 p.

SOARES, Weber. Da metáfora a substância: redes sociais, redes migratórias e migração nacional e internacional em Valadares e Ipatinga. 2002. Tese (Doutorado). CEDEPLAR/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2002.

Page 168: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008
Page 169: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

O estudo da reestruturação urbana do bairro Vila Carli a partir da pedagogia de projetos: uma

contribuição ao ensino de geogra' a

SANTOS, Patrícia dos1

Resumo: Na educação sempre buscamos novas práticas e propostas para o ensino de geogra$ a, para que esta ciência deixe de ser vista como desmotivada e chata. A pedagogia de projetos é uma das propostas que apresentamos no desenvolvimento desta pesquisa sobre a reestruturação do Bairro Vila Carli, observando como é o processo de ensino dentro desta proposta de pedagogia, apresentando o que deu certo e o que deu errado e pode ser melhorado. Este trabalho foi desenvolvido durante o estágio no ensino Médio com os alunos da 2ª serie do Colégio Estadual Padre Chagas em Guarapuava-PR. Para trabalhar com a temática da reestruturação urbana, desenvolveu-se um problema a partir da questão: Quais foram as transformações sofridas pelo Bairro Vila Carli, com a implantação do Campus do Cedeteg? A partir daí, foram realizadas leituras, bem como pesquisa em campo, com a aplicação de questionários, seguida da análise de dados e síntese destas informações, instigando os alunos a observarem situações que antes pareciam corriqueiras ao dia-a-dia de cada um. O principal objetivo foi trabalhar os conteúdos escolares sem compartimentação dos conhecimentos, fazendo com que os alunos se apresentassem no papel de pesquisador. Essa proposta se impõe como o caminho pelo qual a proposta de intervenção no estágio deve ser pensada e executada. A pedagogia de projetos tem na pesquisa em sala de aula, com alunos e alunas, o principal eixo organizador da aprendizagem. Como resultado concreto do trabalho foi organizado um painel construído juntamente com os alunos, bem como apresentação oral à escola. Tal atividade mostrou a importância da pedagogia de projetos no ensino, ora porque com esta proposta pode-se tratar de assuntos apresentados pelos próprios alunos de acordo com o espaço vivido por eles, como foi neste caso, diferente do sistema tradicional em que a informação é levada pelo professor. Nesta proposta o aluno é sujeito ativo. O interesse posterior

1 Graduada em Geogra$ a Licenciatura – Voluntária do Programa de Educação Tutorial – PET.

UNICENTRO – Guarapuava-PR. e-mail: [email protected].

Page 170: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

176

com aplicação da pedagogia de projetos é de que esta forma de ensino também se dissemine por outras áreas.

Palavras-chaves: pedagogia de projetos; ensino de Geogra$ a; reestruturação urbana.

Introdução

O presente trabalho busca apresentar atividades realizadas no Estágio Supervisionado no Ensino Médio II, com alunos da 2ª série do Colégio Estadual Padre Chagas, em Guarapuava-PR. A temática que se desenvolveu foi sobre a reestruturação urbana, através da pedagogia de projetos, conforme orientações ocorridas na própria disciplina de Estágio Supervisionado II. Para o desenvolvimento da nossa proposta, procurou-se abordar a dinâmica de transformação do espaço geográ$ co do Bairro Vila Carli, a partir da instalação do Cedeteg (Centro de Desenvolvimento Tecnológico de Guarapuava). Analisou-se, com esse intuito, diversos setores e agentes, como: comércio, serviços, mercado imobiliário; bem como as questões ambientais envolvidas no processo. Abordar tal temática justi$ ca-se pela proximidade do Colégio Pe. Chagas em relação à área do bairro mais atingida pelos processos de reestruturação urbana. O principal objetivo foi trabalhar os conteúdos escolares sem compartimentação dos conhecimentos, uma nova prática de ensino, onde os alunos se apresentassem também no papel de pesquisadores.

A pedagogia de projetos foi uma das propostas incorporadas pelo curso de Geogra$ a da UNICENTRO, vinculada às disciplinas de Estágio Supervisionado II, tanto no ensino fundamental, quanto no ensino médio, dentro das atuais preocupações com novas práticas metodológicas para o ensino de Geogra$ a. Por isso, essa proposta impõe-se como o caminho pelo qual a forma de intervenção no estágio deve ser pensada e executada. A pedagogia de projetos tem na pesquisa em sala de aula, com alunos e alunas, o principal eixo organizador da aprendizagem.

Desenvolvimento da proposta

Optou-se por construir com os alunos e alunas, um processo de pesquisa sobre o processo de urbanização de forma geral, bem como sobre as transformações que aconteceram na realidade próxima, induzindo-os

Page 171: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

177

a mobilizarem-se, recorrerem a metodologias de pesquisa, debaterem e construírem conhecimentos sobre seu bairro.

A fase inicial para o desenvolvimento partiu da seguinte questão-problema, induzida aos alunos: Quais foram as transformações sofridas pelo Bairro Vila Carli, com a implantação do Campus do Cedeteg?

A partir desta questão, buscou-se entender o processo de urbanização guarapuavana e, de maneira geral, do Brasil, conhecendo assim a própria história do município de Guarapuava, até chegar ao objeto especi$ co, que é o Bairro Vila Carli e ao equipamento implantado que é o Cedeteg. Assim, foi possível fazer algumas ligações e interações entre outros assuntos, sem serem separados por conteúdos.

Durante o desenvolvimento, buscou-se identi$ car os principais agentes envolvidos nesta reestruturação urbana, quais sejam: o setor imobiliário, os moradores antigos, os comerciantes que apostam na dinâmica da área e também os novos moradores, estudantes universitários, residindo no esquema de repúblicas, que passaram a ser presença constante no bairro a partir do CEDETEG.

Delimitou-se a área a ser estudada em 26 quadras, tomando como referência o trabalho de Eing (2003), que já estudou o processo de reestruturação em pauta. Nesse trabalho, o autor de$ ne a área ao entorno do portão de entrada do CEDETEG, em direção à rodoviária e aos principais eixos de acesso ao campus, como a localidade onde se apresenta, de forma mais visível, este processo de transformação que ocorreu e ainda está acontecendo no Bairro Vila Carli.

Buscou-se, através de referencial teórico, iniciar o processo de conhecimento da temática a ser abordada, pautando-se principalmente em trabalhos anteriores sobre a área.

Em seguida, para a veri$ cação das abordagens dos autores, foi importante percorrer-se a área de$ nida por Eing. Para tanto, estruturou-se um trabalho de reconhecimento e aplicação de questionários, bem como mapeamento do uso do solo de 2007 (Eing apresenta esse mapeamento para os anos de 1985, 1995 e 2003).

A paisagem urbana por si só pode apresentar as diversas transformações que vêm ocorrendo, mas para comprovação destas análises, foi importante a coleta de dados. Coube aqui, a aplicação dos questionários com os moradores e com comerciantes e prestadores de serviços, bem como a observação dos problemas ambientais. Para a aplicação dos questionários, a turma foi dividida em grupos. Com os questionários já respondidos, a tabulação foi organizada posteriormente.

Page 172: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

178

Para contribuição da pesquisa, foi realizada uma conversa informal com um funcionário do serviço de urbanismo da cidade, no caso, a SURG (Serviço de urbanização de Guarapuava), para se fazer uma comparação com as respostas dos questionários aplicados.

Com todas estas informações, agrupadas de maneira a entender o panorama do Bairro em seus diversos aspectos, foi sugerida a construção de um painel, apresentando tais resultados.

Como o interessante seria que a proposta de projetos também fosse disseminada entre outras áreas, foi realizada uma apresentação deste trabalho, em forma de painel, exposição de fotos e apresentação oral, para outras turmas da escola, tanto para dar crédito para os alunos e alunas que o desenvolveram, como também uma forma de outros professores conhecerem a proposta, sendo essa uma iniciativa dos próprios educandos e educandas.

Discussões e resultados

O que são e como se trabalha em forma de projetos?

De início, pode-se apresentar os projetos de trabalho como uma proposta de uma nova forma de olhar a organização da escola, em relação aos conteúdos a serem trabalhados. A sugestão é não dividir os conhecimentos por disciplinas estanques, mas sim tratá-los de forma articulada.

Segundo Hernández (1998), para se organizar um projeto, é necessário como primeiro passo, a de$ nição de um problema a ser apresentado aos alunos. O autor apresenta as seguintes etapas de um projeto de trabalho:

- Tema ou problema sugerido.

- O processo da pesquisa com a busca de fonte de informação.

- Interpretação destes dados coletados.

- Dúvidas e relações com outros problemas.

- Elaboração do conhecimento (representação).

- Avaliação do aprendizado.

- Levantamento de novos problemas e temas para projetos futuros.

Segundo este mesmo autor, há confusão em distinguir o que é ou não um projeto de trabalho. A$ rma que não é projeto de trabalho, principalmente

Page 173: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

179

quando o professor se faz protagonista das decisões, advertindo que o aluno deva aprender sobre os conteúdos que ele acha necessário e importante. Neste caso, o aluno é tratado com uma “esponja” que apenas absorve conteúdos e saberes e não como agente participativo da situação.

A pedagogia de projetos baseia-se muito mais na construção do conhecimento por alunos e professores em conjunto, do que na transmissão simples pelo professor.

Como já se mencionou anteriormente, antes de tudo, segundo Hernández (1998), é necessária uma problemática, ou seja, questões que, através da pesquisa, possam ser solucionadas. Desta maneira, o objetivo é encontrar as respostas para estas perguntas-problemas. Estas questões podem ser levantadas pelos próprios alunos, de acordo com seus interesses, juntamente com o professor.

Aqui cabem parênteses ao papel do professor dentro dos projetos de trabalho. Nessa forma de organização da prática pedagógica, o professor é focado como um mediador do processo da pesquisa, sua função é orientar com sugestões, não é ele quem dita o que deve ser trabalhado. O professor faz parte do processo, sendo também um pesquisador, por isso ele não terá a função de transmissor do conhecimento, como é o que se tem visto na maioria das escolas.

A fase posterior, a do desenvolvimento, é tentar encontrar respostas, para que este problema, citado anteriormente, seja resolvido, ou seja, quais referências de leitura adotar, que técnicas aplicar (entrevistas, pesquisas de campo, podem ser algumas opções). Neste momento, o professor deve procurar desenvolver as habilidades dos alunos, como: observação, capacidade de síntese, redação e questionamentos, bem como, um das mais importantes nesta prática, o trabalho em equipe.

No período das conclusões, são feitas as avaliações do processo, objetivando veri$ car se respondem àquele problema apresentado. Percebe-se algo, como se o método de pesquisa, isto é, as estratégias para se chegar às respostas, foram as melhores e, principalmente, se o problema foi resolvido e de que forma.

Um fato importante e que pode ocorrer é que, muitas vezes, chegando a este ponto das conclusões, podem surgir novos problemas a partir daquele primeiro. O interessante é que isto ocorra, já que dará continuidade a outros projetos, ressaltando que, para Hernández (1998), os projetos de trabalho não são uma mera metodologia, mas uma forma de organizar a escola, o currículo e toda a prática pedagógica.

Page 174: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

180

O resultado desta etapa pode ser apresentado em algum tipo de objeto. No caso em pauta, a materialização deste trabalho foi em forma de painel.

A conexão da pedagogia de projetos e o caso da reestruturação do bairro Vila Carlo: algumas considerações

Do ponto de vista das referências de leituras e discussões teóricas com a sala, julgou-se pertinente partir do estudo do processo de urbanização da cidade de Guarapuava. A importância dada a esta temática, parte do pressuposto de que é preciso entender as transformações no âmbito urbano de Guarapuava, devendo elas estar inseridas em um contexto de transformações mais amplas, ligadas à urbanização brasileira, para se chegar ao objeto especi$ co, que é o Bairro Vila Carli, pois, nesse espaço especí$ co, as tendências mais amplas ganham materialização e formas próprias.

O desenvolver da pedagogia deu-se a partir de discussões sobre o trabalho de Eing, (2003), o qual se tornou o suporte para todo o desenvolver da pesquisa. A atividade iniciou-se com questões aos alunos e não com um conteúdo pronto e sem espaço para discussões. Esta foi uma sugestão para que pudesse observar qual eram as idéias e opiniões dos alunos sobre o assunto. Isto é interessante na pedagogia de projetos, pois faz dos alunos sujeitos da ação realizada, como é proposto por Hernandez (1998). Como surgiram diversos questionamentos por parte dos alunos no sentido de entender porque o processo de reestruturação urbana está ocorrendo no bairro Vila Carli, apresentou-se a proposta de um trabalho de campo, para materializar o que a teoria vinha demonstrando.

Eis aí a indagação: por que fazer o trabalho de campo e o que avaliar nesta atividade? A resposta está quando Hernandez apresenta no roteiro para a aplicação de projetos, o processo da pesquisa como a busca de fonte de informação.

Para isso, induziu-se os alunos para que identi$ cassem os agentes participativos desta ação. Isto foi um ponto positivo, na prática de projetos, pois, a professora apenas apresentou o espaço que eles já conheciam, mas agora com outros olhos, isto é, uma prática que muitos dos professores não abordam, já que trazem as informações prontas. O interessante é que os alunos percebam o que está acontecendo em suas proximidades e que conseqüências têm isso. Está aí o professor na função apenas de apresentar a situação, deixando que os alunos tirem as suas conclusões para, aí sim, trabalhar tais interpretações.

Depois de realizada esta tarefa de reconhecimento do trabalho a ser realizado, discutiu-se com os alunos, textos do trabalho de Eing

Page 175: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

181

(2003), sobre a temática urbanização, voltada para a questão brasileira, principalmente pautando-se em idéias e conceitos sobre a temática em Milton Santos (geógrafo), observando como é a reorganização espacial a partir deste processo, bem como os problemas decorrentes de tal situação.

Com esta leitura, a intenção era de que os próprios alunos apontassem outras situações decorrentes do processo de urbanização já pensando esta realidade para o recorte espacial do trabalho no bairro Vila Carli, sendo que para isso, os educandos receberam um mapa com o recorte da área a ser estudada. Até o presente momento, a proposta atraiu os alunos para uma nova realidade que até então passava despercebida por entre eles.

Com base nestes materiais teóricos discutidos em sala, foram construídos resumos que abordavam a história de construção da sociedade guarapuavana, para uma compreensão signi$ cativa do foco da pesquisa a ser desenvolvida. Com estes em mãos, foi realizada uma leitura, observando os pontos de maior importância, surgindo assim, alguns agentes responsáveis e presentes neste processo.

Como o texto trata do espaço vivido pelos alunos, que no caso é a cidade e, a partir daí, um bairro, algumas perguntas foram sendo lançadas, tais como: Quem conhece a história de Guarapuava? Quais foram as atividades econômicas decorrentes no tempo até a atual con$ guração do município? O que diferencia Guarapuava de outras cidades vizinhas e mais desenvolvidas? Com base nas observações apresentadas por Silva (1995), sobre a formação socioespacial do município de Guarapuava, foi possível responder as perguntas citadas anteriormente, levando-os a caracterizar espacialmente e economicamente o município guarapuavano, entendendo porque este município se apresenta desta maneira hoje e não de outra. A partir daí, os próprios alunos descobriram como os agentes interferem de forma signi$ cativa na dinâmica do bairro e neles próprios, pois, estes sempre estiveram ali nas proximidades da escola, mas não eram observados da maneira como estão sendo estudados agora.

Os principais agentes ou condicionantes da reestruturação do espaço urbano do bairro Vila Carli:

Grupo 1 : Moradores; Grupo 2: Estudantes; Grupo 3: Comércio e Serviços; Grupo 4: principais problemas ambientais.

Para, o trabalho de campo, foi elaborado um roteiro, constando toda a prática do trabalho, que consistiu na aplicação de questionários, mapeamento do uso do solo e prováveis questionamentos a serem anotados. Para a prática do campo, por uma questão operacional, cada grupo $ cou designado por sub-áreas do recorte espacial.

Page 176: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

182

O importante nesta pedagogia de projetos, neste momento da atividade, é que o aluno não é visto como “esponja”, que apenas absorve o que o professor traz, mas sim sujeito pesquisador, onde cada grupo torna-se responsável pelo seu próprio trabalho e pelo dos outros colegas. Desta forma, não se fariam anotações erradas, efetuando-se o melhor possível.

Em relação aos dados coletados, realizou-se todo um processo de análise e síntese destes. Assim, cada grupo observou e interpretou os dados em conjunto, surgindo as primeiras idéias sobre o que se havia observado nas leituras, contrapondo-os com os dados abstraídos do trabalho de campo. Isso foi importante, pois é uma das maiores di$ culdades neste processo da pedagogia de projetos, pois além de o professor induzir o aluno a pensar, deve, ele, elaborar o conhecimento, como apresenta Hernandez (1998), sendo uma das situações menos realizadas nas práticas educacionais convencionais do ensino básico. O ponto positivo foi que, ainda em passos lentos, esta fase foi superada com alguns questionamentos levantados por parte dos alunos, pois muitos pensavam no sentido de projeção para o futuro, sobre o caso do bairro Vila Carli.

A realização da conversa com o representante da prefeitura no setor da SURG foi uma sugestão apresentada pelos alunos, já que muitas dúvidas ainda não tinham sido esclarecidas. Isto é um fator positivo, pois os próprios educandos sentiram a necessidade de entender de forma mais consistente, como o processo culminou desta forma no bairro, onde grande parte delas reside.

Munidos desta bagagem de informações e situações interpretadas a partir da conversa com o representante da SURG, coube aos alunos formularem suas idéias a respeito para a etapa $ nal do trabalho, com a construção do painel, e o mapeamento e a disseminação do trabalho através da apresentação oral à escola.

Desta maneira, o trabalho contribuiu com resultados signi$ cativos para o entendimento de uma nova proposta de ensino, bem como resultados ligados à temática, principalmente através do mapeamento de 2003, realizada por Eing (2003), bem como com a situação atual nesta ação. Do mapa, extraíram-se informações que apenas con$ rmaram as indagações que tinham sido expostas, como a grande concentração das kitinets, bem como a carência de estabelecimentos adequados para atender a uma demanda, não só de estudantes, mas também de outros moradores.

Como o trabalho, através da pedagogia, foi uma proposta nova que surtiu efeitos signi$ cativos para a turma, surgiu a possibilidade de elaborar uma apresentação para o colégio, mostrando a importância de se conhecer

Page 177: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

183

as transformações no espaço, nas proximidades da referida unidade educacional. Outros alunos sugeriram a construção de uma maquete da con$ guração atual do bairro Vila Carli, mas devido ao pouco tempo disponível, esta possibilidade $ cou para posteriores trabalhados, que virão a ser desenvolvidos na escola.

O que mais motivou os alunos para a proposta de trabalho foi a construção do painel e a atividade de campo. Estas sugestões, apresentadas em grande parte pelos alunos, é que tornam a prática de projeto um fator positivo e que pode dar certo nas escolas, pois motiva a dar seqüência com outros projetos de uma maneira fora da tradicional; torna pertinente aquilo que lida com o que os alunos gostariam que fosse abordado durante os conteúdos anuais.

Como resultado da pesquisa, percebe-se que o Bairro Vila Carli (observar recorte espacial), é um local que veio a sofrer adaptações para atender a uma lógica do capitalismo, com a chegada do Cedeteg, ou seja, teve uma reorganização em seu espaço, iniciando-se esta, com mais intensidade, há cerca de 10 anos atrás, sendo que ainda se presencia suas mudanças com os diversos agentes (EING, 2003).

Resultados especí' cos sobre os agentes abordados

Comércio e serviços

Não apresentam um crescimento tão expressivo nestes últimos quatro anos, mas ainda assim, grande parte dos estabelecimentos pretende ampliar seus negócios no mesmo local. São estabelecimentos ditos como de pequeno porte e sem $ liais. Sendo o público alvo os estudantes, justamente por isso, estão localizados na proximidade do Cedeteg. O que se nota com isso, é que ainda há uma de$ ciência em relação à quantidade destes estabelecimentos voltados para moradores. Esta falta pode ser explicada pelo fato de os moradores e também estudantes ainda buscarem o que precisam na área central, já que o bairro $ ca próximo ao centro. Os principais itens oferecidos aos estudantes são bares e lanchonetes, mas também estabelecimentos ligado a fotocópias e encadernação, bem como lan houses.

Residências de moradores

Com a chegada do Cedeteg, houve uma valorização do solo urbano, sendo em alguns casos, mais de 50%. Com isso, muitos moradores

Page 178: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

184

venderam seus imóveis, mudando-se para outros lugares. Isto deve-se à grande quantidade de estudantes que vieram ocupar esse espaço, sendo que muitos desses inviabilizaram o sossego dos moradores, em especial, com o que se denomina de “bagunça”. Ainda persistem os que já residem há mais de dez anos no bairro e que dividem o espaço com esses estudantes. Em contrapartida, encontraram-se moradores que pretendem sair desse lugar, pois consideram que não é mais o mesmo bairro de antes.

Prédios de apartamentos

O mercado imobiliário cresceu e continua crescendo para atender ao público estudantil que vem de fora. Com isso, o imóvel foi valorizado. É visível a ocupação de terrenos baldios para a construção de kitinets, tal como expresso no mapeamento do uso do solo de 2007. Este é o segmento mais representativo na reestruturação urbana do bairro. Isto se pode observar no mapa de uso do solo de 2007, comparando-o com a ocupação por estes prédios no mapeamento realizado em 2003.

Problemas ambientais

Conforme observações de campo, foram visíveis situações que comprometem a conservação do rio, em especial para sua sustentabilidade ambiental. As ocupações irregulares que se encontram muito próximas às margens do rio, estão expostas a alagamentos e a desmoronamentos. A falta de uma mata ciliar, a poluição, causada pelo lixo jogado, o despejo de esgoto, entre outras substâncias, bem como o lixo depositado em terrenos baldios, sendo que muitos desses terrenos estão nas proximidades do rio, sendo a situação agravada pelo declive, fazem com que esses resíduos cheguem ao leito e são alguns dos problemas ambientais identi$ cados hoje na área de estudo. É preciso frisar que essas ocupações irregulares e os problemas ambientais em torno do rio são mais antigos do que o CEDETEG e não podem se considerados como resultado da reestruturação urbana do bairro. Pelo contrário, talvez esses problemas sejam um di$ cultador ao próprio processo de reestruturação, pois podem acarretar desvalorização da área.

De qualquer forma, percebe-se no bairro, uma concentração de uma estrutura formada por moradias, bares, lanchonetes, serviços ligados à Internet e fotocópias, voltados a atender aos mais novos e capitalizados moradores do bairro, os estudantes universitários.

Page 179: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

185

Trabalhar a questão urbanização através da pedagogia de projetos, foi de grande valia, pois se pode entender tal temática por outro viés, que no caso foi da realidade próxima dos alunos, com o caso do bairro Vila Carli. Quem a$ rma que a temática urbanização tratada a partir dos métodos tradicionais fosse surtir tantos resultados e considerações quanto os que ocorreram por parte dos alunos, sem se tornar uma aula com poucos atrativos? Talvez esteja aí um dos pontos mais importantes da aplicação deste novo olhar sobre os conteúdos geográ$ cos do ensino básico: o espaço vivido.

Considerações ' nais

Conhecer a ciência com a qual se trabalha é parte fundamental para que se possa organizar, da melhor maneira possível, os conteúdos, os métodos e a própria prática enquanto professora de Geogra$ a. Só desta forma, pode-se superar o antigo descaso que se tem encontrado nas escolas nos últimos anos, quanto ao ensino de Geogra$ a, marcado pela reprodução do conhecimento, pela memorização e pelo vazio de signi$ cado.

É preciso mostrar aos alunos a importância da ciência geográ$ ca, tanto para o conhecimento quanto para a própria vida em sociedade. Isto é mais bem tratado, tornando-se algo interessante, através da pedagogia de projetos, visto que nela, alunos/as e professores/as, são atores cooperativos na produção de um conhecimento novo.

Torna-se isto um ponto positivo, devido aos resultados satisfatórios obtidos com a aplicação desta proposta com o ensino médio, já que os objetivos foram alcançados, visto que, com o projeto, os educandos puderam, então, construir para si mesmos, uma explicação coerente e cientí$ ca sobre o que estão vendo acontecer no seu bairro; bem como também a considerável contribuição do ensino de Geogra$ a para a vida desses alunos e para a própria sociedade.

As metodologias utilizadas para tal atividade foram uma das ferramentas mais importantes para o bom resultado: um embasamento teórico capaz de desenvolver o senso de análise dos alunos para compreender o processo de urbanização em Guarapuava; o trabalho de campo, para o reconhecimento da área de estudo, desenvolvendo a categoria de análise da paisagem, muito conhecida pelos alunos; a aplicação de questionários com moradores e moradoras, para escutar a voz de pessoas mais experientes, bem como as várias opiniões sobre o assunto; o mapeamento do uso do solo, que permite quanti$ car, visualizar de forma sistemática, as transformações comentadas.

Page 180: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

186

Em todo o percurso, percebeu-se que o papel, enquanto professora, foi muito importante para estimular o interesse e a curiosidade dos alunos e alunas. Segundo Hernandez (1998), acredita-se que o professor, na proposta de trabalho, deva ser o mediador, e fazer parte da pesquisa e não apresentar conteúdos prontos, para apenas repassar o que já sabe, pois a sua função é formar também cidadãos, com um senso crítico desenvolvido e aplicado para as diversas realidades apresentadas. Assim, também se aprendeu sobre o bairro. Conheciam-se teoricamente os processos estudados, mas a sua materialização em um bairro particular, foi um aprendizado que se construiu junto com os alunos e alunas.

A proposta foi positiva, comprovando a possibilidade de sua aplicação, não somente para retirar a idéia da disciplina de geogra$ a como algo desestimulador, mas a própria valorização da ciência na sociedade. Com isso, espera-se também, ter chamado a atenção dos alunos e alunas para a necessidade de conhecer e se envolver nas questões de produção do seu espaço próximo, ou seja, entenderem essas transformações como parte de projetos políticos que poderiam ser mais democraticamente discutidos.

Referências

EING, Alírio Marcelo. Reestruturação urbana no bairro Vila Carli a partir da instalação do Centro de Desenvolvimento Tecnológico de Guarapuava – CEDETEG. 2003, 54 @ s. (Trabalho de Conclusão de Curso) UNICENTRO: Guarapuava-PR

HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. Os projetos de trabalho: uma forma de organizar os conhecimentos escolares. In: _______. A organização do currículo por projetos de trabalho. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998, p.61-91.

SILVA, Joseli Maria. Valorização fundiária e expansão urbana recente de Guarapuava-PR, 1995, 200@ s, (Dissertação de Mestrado). – UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC.

Page 181: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Comparação de taxas de in' ltração mensuradas com in' ltrômetros de anel único e anel duplo

PEREIRA, Adalberto Alves1 THOMAZ, Edivaldo Lopes2

Resumo: O presente trabalho buscou comparar as taxas de in$ ltração, utilizando in$ ltrômetros de duplo anel e anel único. Os ensaios foram realizados na fazenda experimental do campus universitário do Cedeteg/UNICENTRO, Guarapuava, Pr, em uma área com plantio convencional e outra com plantio direto. O tamanho dos in$ ltrômetros utilizados para os ensaios foram, in$ ltrômetro de anel único com 300 mm de altura e 100 mm de largura, e in$ ltrômetro de anel duplo tendo 300 mm de altura, com anel externo medindo 200 mm e anel interno medindo 100 mm de diâmetro. Foram realizados seis ensaios com os in$ ltrômetros, sendo três na área com plantio direto e três na área de plantio convencional, a duração dos ensaios variou entre 130 e 180 minutos cada, os in$ ltrômetros foram dispostos a uma distância média de 50 cm. Coletaram-se quatro amostras indeformadas do topo do solo para estimar-se algumas propriedades do solo como umidade antecedente, densidade aparente e porosidade total, para observar possíveis variações pedológicas que pudessem in@ uenciar os resultados. Os dados obtidos demostraram haver alta variação entre a taxa de in$ ltração de acordo com a forma de manejo do solo. Na área com plantio direto as taxas de in$ ltração mantiveram-se numa mesma dinâmica, tendo o in$ ltrômetro de anel duplo taxas ligeiramente superiores ao anel único; já na área com plantio convencional as variações mostraram-se maiores entre os equipamentos, chegando apresentar diferença de 145,41%. As propriedades físicas do solo (densidade aparente e porosidade total), apresentaram características semelhantes entre as áreas, apenas a umidade antecedente apresentou uma variação considerável na área de plantio direto em relação a área com plantio convencional. Embora tenha havido alguma diferença entre as taxas de in$ ltração dos in$ ltrômetros, estas foram pequenas, ou seja, não se pode a$ rmar que ocorreu diferença entre as taxas de in$ ltração mensuradas com dois tipos de in$ ltrômetro (anel simples e duplo).

Palavras-chave: in$ ltrômetro de anel simples; in$ ltrômetro de anel duplo; in$ ltração; uso do solo.

1 Aluno - ICV-UNICENTRO, e-mail:[email protected].

2 Orientador- Dep. De Geogra$ a/UNICENTRO, e-mail: [email protected].

Page 182: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

188

Introdução

In$ ltração é um dos processos mais importantes dentro do ciclo hidrológico. Ela é descrita como sendo a movimentação da água através dos horizontes super$ ciais do solo (BERTONI e LOMBARDI NETO, 1993), e é através do processo de in$ ltração que outros vários processos podem ter início, como o escoamento super$ cial e subsuper$ cial que, por sua vez, podem dar início a processos erosivos como a formação de ravinas e voçorocas, entre outros.

Após in$ ltrar, a água é armazenada em poros no interior do solo e movimenta-se através da força da gravidade e da atração capilar. A força gravitacional transporta a água verticalmente através do per$ l do solo e a atração capilar movimenta-a em todas as direções, principalmente para cima (COELHO NETTO, 2007).

A in$ ltração da água no solo depende de vários fatores, entre eles: características das chuvas, como intensidade e duração, em chuvas com intensidade superior a capacidade de in$ ltração do solo, esta água excedente irá gerar o escoamento super$ cial, e a in$ ltração será reduzida, já em chuvas de fraca intensidade e longa duração, a taxa de in$ ltração tende a ser maior, e o escoamento super$ cial só terá início após a saturação do solo.

Propriedades do solo como textura, umidade antecedente, porosidade e densidade aparente, também são fatores que interferem nas taxas de in$ ltração do solo. Solos de textura mais grosseira tendem a ter taxas de in$ ltração maior que solos de textura $ na como os argilosos. A umidade antecedente controla o volume de água que pode ser armazenada no solo, quanto maior a umidade antecedente menor a capacidade de in$ ltração. Porosidade e densidade aparente são fatores inversamente proporcionais entre si, em solos porosos e de baixa densidade as taxas de in$ ltração tendem a ser superiores, a solos de baixa porosidade e alta densidade.

A topogra$ a do terreno interfere na in$ ltração de modo que em áreas declivosas há um favorecimento no escoamento super$ cial direto, superfícies onduladas ou planas permitem uma maior in$ ltração, e geram um escoamento super$ cial menos veloz (KARMANN, 2003).

A cobertura vegetal protege o solo contra o impacto das gotas de chuva (splash) sobre o solo, e aumenta a capacidade de in$ ltração. Segundo Coelho Netto (2007, p.120), [...] solos recobertos por @ orestas geralmente apresentam os maiores valores de capacidade de in$ ltração, especialmente pela formação da serrapilheira [...]. A redução da densidade de cobertura vegetal é acompanhada pelo decréscimo da in$ ltração”, principalmente devido à formação de crostas na superfície do solo causado

Page 183: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

189

pelo splash. Duley (1939), citado por Brandão et. al (2006), veri$ cou que solos descobertos apresentam reduções da taxa de in$ ltração de até 85% em relação àqueles protegidos por palha.

A forma de preparo e manejo do solo afeta a in$ ltração, pois modi$ ca as propriedades e condições da superfície do solo. Quando se faz o preparo do solo, rompe-se a estrutura da camada super$ cial, ampliando a taxa de in$ ltração, em contraposição, se este preparo for realizado de forma incorreta ou for removida a cobertura vegetal, a capacidade de in$ ltração tende a diminuir.

Alves e Cabeda (1999) apud Brandão et. al (2006), utilizando chuvas simuladas avaliaram a in$ ltração em um solo Podzólico vermelho-escuro sob duas formas de preparo, plantio direto e convencional, e veri$ caram que a taxa de in$ ltração foi quase duas vezes maior na área com plantio direto do que na área de preparo convencional.

A atividade biogênica (fauna endopedônica e vegetais) pode aumentar as taxas de in$ ltração devido à formação de caminhos preferenciais para água, causado pelo crescimento de raízes e pelas escavações e túneis originados pela atividade destes animais e vegetais (COELHO NETTO, 2007).

Devido à grande importância em se conhecer o processo de in$ ltração da água no solo, vários equipamentos foram criados buscando-se estimar as taxas de in$ ltração, entre estes equipamentos estão os in$ ltrômetros de anel, que podem ser de anel único. Estes consistem em cilindros metálicos com altura em torno de 300 mm e diâmetro variando de 100mm a 900mm ou anel duplo em que o anel interno tem tamanho e altura iguais ao do in$ ltrômetro de anel único e o anel externo tem diâmetro duas vezes maior e altura igual ao anel interno.

Desta forma, o presente estudo busca comparar as taxas de in$ ltração obtidas a partir de equipamentos do tipo in$ ltrômetro (anel único e duplo anel), para observar suas possíveis diferenças. Além disso, procurou-se veri$ car a in@ uência do manejo do solo (sistema convencional e direto) nas taxas de in$ ltração.

Materiais e métodos

Os ensaios foram realizados na fazenda experimental do campus universitário Cedeteg-UNICENTRO, em áreas com duas diferentes formas de preparo, uma com plantio direto, próximo ao lago superior do campus, e outra com preparo convencional próximo à estação meteorológica da universidade.

Os solos destas áreas são classi$ cados como Latossolo Bruno (MENDES, 1984). Estes solos caracterizam-se por apresentarem “avançado

Page 184: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

190

estágio de intemperização, cores vivas (brunadas, amareladas e avermelhadas), boa agregação, estrutura comumente granular.” São solos profundos bastante porosos e permeáveis, de textura que varia de média a muito argilosa.” (GUERRA e BOTELHO, 2003)

Para os ensaios de in$ ltração utilizou-se in$ ltrômetro de anel único com 300mm de altura e 100mm de diâmetro, e in$ ltrômetro de anel duplo com 300mm de altura e anel interno com 100mm de diâmetro e anel externo com 200mm de diâmetro. Os in$ ltrômetros foram cravados a uma profundidade de 50mm no solo. A Taxa de in$ ltração foi estimada como descrito por Guerra (1996), multiplicando-se a in$ ltração acumulada pela área do in$ ltrômetro e dividindo-se pelo tempo acumulado no ensaio. Os ensaios foram realizados com os dois in$ ltrômetros no mesmo dia, e horário. A distância entre um local e outro foi de 50cm, para que não houvesse variação das condições pedológicas que pudesse interferir nos resultados.

A diferença das taxas de in$ ltração entre os equipamentos, foi multiplicada por 100 e dividida pela taxa de in$ ltração, do in$ ltrômetro que registrou o menor resultado de in$ ltração durante o ensaio, para que assim obtivéssemos a diferença em porcentagem.

Coletaram-se 4 amostras indeformadas com anel volumétrico de 95,5 cm3 próximo ao local dos ensaios de in$ ltração, para análise das propriedades do solo (umidade antecedente do topo do solo, densidade aparente e porosidade total). As amostras foram numeradas e pesadas, em seguida, secas em estufa a 105°C por 24 horas.

A umidade antecedente do solo foi estimada em três níveis de profundidade, sendo, topo do solo, 5 a 10 cm e 10 a 15 cm de profundidade. Para avaliação da umidade antecedente de 5 a 10 cm e 10 a 15 cm de profundidade foram utilizadas amostras deformadas de solo, que foram preparadas utilizando-se o mesmo método das amostras indeformadas já citadas.

Após este preparo das amostras, estimou-se a umidade antecedente do solo, aplicando a equação descrita por (EMBRAPA, 1997). Em seguida multiplicou-se o resultado por 100 para que este fosse transformado em porcentagem.

Equação 1

U = Pi - Pf onde: U: umidade inicial

Pi : peso inicial da amostra antes da secagem

Pf; peso $ nal da amostra após secagem

Page 185: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

191

Para se estimar a densidade aparente do solo, utilizou-se a equação 2, descrita por (EMBRAPA, 1997).

Equação 2

Da = a / onde: Da: densidade aparente

a : peso da amostra seca

b: volume do anel volumétrico

A estimativa da porosidade total da amostra foi feita utilizando-se a equação 3 citada por (EMBRAPA, 1997).

Equação 3

Pt = 100. (Dr - Da) / Dr Em que: Pt: porosidade totalDr: densidade realDa: densidade aparente

Para a estimativa da porosidade total do solo, utilizamos a densidade real média das partículas de 2,65g/cm3, de acordo com KHIEL (1979), por ser este valor uma boa estimativa quando não se tem a determinação do parâmetro.

Resultados e discussão

Foram realizados seis ensaios com os in$ ltrômetros, sendo três na área com plantio direto e três em área de preparo convencional. Os resultados obtidos apresentaram uma grande diferença entre os in$ ltrômetros de acordo com o tipo de uso da área.

Na área com plantio direto, as taxas de in$ ltração não apresentaram grande variação, tendo o in$ ltrômetro de anel duplo apresentado taxas ligeiramente mais altas que o anel único; sendo a diferença máxima registrada de 2,7%, estes resultados diferem de alguns autores (Brandão et. al 2006; Pinto, Holtz, Martins, 1973), os quais destacam que o in$ ltrômetro de anel único superestima as taxas de in$ ltração devido à dispersão lateral da água. A in$ ltração durante o ensaio na área com plantio direto também se mostrou constante entre os in$ ltrômetros, não apresentando nenhuma curva (alta ou baixa) brusca em um curto espaço de tempo.

As taxas de in$ ltração mensuradas na área de preparo convencional mostraram diferenças que chegaram até 145,41% entre os in$ ltrômetros.

Page 186: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

192

Tendo o in$ ltrômetro de anel duplo apresentado taxa de in$ ltração superior ao in$ ltrômetro de anel único no primeiro ensaio, já em ensaios seguintes o in$ ltrômetro de anel único demonstrou resultados superiores.

Tabela 1 - Taxa de in* ltração de acordo com o tipo de in* ltrômetro e manejo do solo

Taxas de in$ ltração (mm/h)Preparo do solo Plantio direto Plantio convencional

Ensaio 1 2 3 1 2 3Anel único 29,12 121,9 40,7 62,8 41,27 55,7Duplo anel 29,9 122,9 41,8 154,12 20,41 31,8Tempo (h) 2,16 3 2,16 3 2,16 2,16

Diferença (%) 2,6 0,82 2,7 145,41 102,2 75,15

A velocidade de in$ ltração entre as áreas demonstram algumas diferenças; na área com plantio direto a in$ ltração manteve uma mesma dinâmica entre os in$ ltrômetro do início ao $ m dos ensaios, sempre com o in$ ltrômetro de anel duplo registrando taxas superiores ao anel único. Os dados observados mostram que a área de plantio direto apresenta taxas de in$ ltração mais estáveis entre os in$ ltrômetros, apesar de haver diferença entre suas taxas, esta é mínima.

Figura 1 - Velocidade de in* ltração em área de plantio direto

Na área com plantio convencional, a velocidade de in$ ltração mostrou algumas variações bruscas, sendo uma queda da velocidade de in$ ltração do anel duplo logo nos primeiros minutos de ensaio. Isto se deve, provavelmente, pelo fato de os in$ ltrômetros, no momento em que são cravados no solo,

Page 187: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

193

causarem fraturas e rachaduras no mesmo, criando assim caminhos preferenciais à água, após a água preencher estas fraturas a velocidade de in$ ltração se estabiliza, como podemos observar na $ gura 2.

Nota-se também que o in$ ltrômetro de anel único registrou uma alta repentina na in$ ltração entre 30 e 35 minutos de ensaio, alta que se manteve constante até os 70 minutos de ensaio, decrescendo em seguida, e mantendo-se próximo à velocidade de in$ ltração do anel duplo.

Figura 2 - Velocidade de in* ltração em área de plantio convencional

Analisando as propriedades físicas do solo (densidade aparente e porosidade total), notamos que estas não apresentaram grande variação entre as áreas de cultivo. Na área com plantio direto, a densidade aparente média $ cou em torno de 1,59 g/cm3, enquanto que, na área com plantio convencional, a densidade aparente média foi de 1,54 g/cm3. A porosidade total das amostras também se mostrou uniforme, $ cando em torno de 39,6% na área com plantio direto, e 41,4% na área de plantio convencional.

Tabela 2 - Propriedades físicas do solo

Preparo do solo

Plantio direto Plantio convencional

1 2 3Média ±

Desvio Padrão1 2 3

Média ± Desvio

Padrão

Ensaios 1 2 3 Média ±

D. Padrão 1 2 3

Média ±

D. Padrão

Densidade aparente

(g/cm3)1,65 1,59 1,55 1,59 ± 0,05 1,54 1,55 1,55 1,54 ±0,005

Porosidade

total (%)37,5 40 41,3 39,6 ± 1,93 41,7 41,4 41,2 41,4 ± 0,25

Continua

Page 188: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

194

U

m

i

d

a

d

e

(%)

Topo

do

solo

25 22 18 21,6 ± 3,51 18 23 24 21,6 ± 3,21

5 a 10

cm40 35 29 34,6 ± 5,50 35 38 38 37 ± 1,73

10 a

15 cm40 37 29 35,3 ± 5,68 38 41 40 39,6 ± 1,52

A área de plantio direto registrou índices inferiores de umidade antecedente em relação à área de plantio convencional, além de apresentar uma maior variação entre os dados obtidos. Na área de plantio convencional a umidade manteve-se constante entre os ensaios nas profundidades analisadas.

Como era de se esperar as menores taxas de umidade antecedente foram estimadas no topo do solo, devido este estar mais exposto, ao sol e ao vento e tender a perder mais rapidamente a água.

Estas diferenças nos dados da umidade antecedente podem ter sido um dos fatores que levaram a área de plantio direto a apresentar maiores taxas de in$ ltração. Pois à medida que a água in$ ltra, ela vai umedecendo o per$ l do solo verticalmente, até que este esteja saturado. Devido às taxas de umidade antecedente serem mais baixas na área de plantio direto, esta pode ter facilitado a in$ ltração, enquanto a área de plantio convencional que com maior umidade, teve a in$ ltração reduzida.

Conclusão

Conclui-se, com a realização deste trabalho, que para ensaios de in$ ltração ambos os in$ ltrômetros podem ser utilizados desde que sejam levadas em conta as suas capacidades e limitações, pois, de acordo com Bertoni e Lombardi Neto (1993), “a velocidade de in$ ltração varia de acordo com o método utilizado e dos equipamentos; assim, só pode obter-se uma estimativa aproximada da verdadeira in$ ltração”.

Parcialmente, avaliou-se de acordo com os dados obtidos, que a taxa de in$ ltração tem uma maior variação de acordo com área que se estuda e da forma de manejo que se realiza nesta, do que pelos equipamentos utilizados. Portanto, não se pode concluir qual dos in$ ltrômetros é o mais aconselhado para aplicação, devido à semelhança dos resultados. Por outro lado, o número de repetições não foi su$ ciente para determinar diferença entre as técnicas. Deste modo, mais mensurações devem ser realizadas para

Page 189: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

195

que se consigam resultados mais concretos sobre a variação de in$ ltração obtidas pelos dois in$ ltrômetros de anel simples e duplo.

Referências

BERTONI, José; LOMBARDI NETO, Francisco. Conservação do solo. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1993. 355p.

BRANDÃO, Viviane Dos Santos; CECÍLIO, Roberto Avelino; PRUSKI, Fernando Falco; SILVA, Demetrius David da. In' ltração da água no solo. 3º ed. Viçosa: Ed. UFV, 2006. 120p.

COELHO NETTO, Ana Luiza; AVELAR, A . de S. Hidrologia de encosta na interface com a geomorfologia. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia: conceitos, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 103-138

COELHO NETTO, Ana Luiza. Hidrologia de encosta na interface com a geomorfologia. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 93-148

EMBRAPA. Centro nacional de pesquisa de solo. Manual de métodos de análise de solo. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 212p.

GUERRA, Antônio José Teixeira; BOTELHO, Rosângela Garrido M. Erosão dos solos. In:GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 181-228.

GUERRA, Antônio José Teixeira; Processos erosivos nas encostas. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p.149-210.

KARMANN, Ivo. Ciclo da água, água subterrânea e sua ação geológica. In: TEIXEIRA, Wilson; TOLEDO, Maria Cristina Motta de; FAIRCHILD, + omas Rich; TAIOLI, Fábio. Decifrando a Terra. São Paulo: O$ cina de Texto, 2003. p. 113-138.

KIEHL, José Edmar. Manual de edafologia: Relações Solo-Planta. São Paulo: Agronômica Ceres, 1979.

Page 190: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

196

MARTINS, J.A. In$ ltração. In: PINTO, N. L. De S.; HOLTZ, A.C.T.; MARTINS, J.A. (org). Hidrologia de superfície. 2º ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1973. p. 44 – 55.

MENDES, Waldemar. Limitações do uso dos solos do estado do paraná por susceptibilidade á erosão. Rio de Janeiro: Embrapa-SNLCS, 1984.

Page 191: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Sociedade de risco e poluição hídrica

SANTOS, Ariodari Francisco dos1

BERTOTTI, Luiz Gilberto2

Resumo: A diminuição da disponibilidade e qualidade da água nas diversas regiões do planeta é conseqüência de uma atividade antrópica desenfreada, onde as fontes de água para consumo humano também servem como veículo para as descargas oriundas de suas atividades. O risco da contaminação das águas super$ ciais e subterrâneas é evidente, muitas regiões já sofrem com a indisponibilidade de água de qualidade. As diversas atividades associadas a tecnologias derivam resíduos que direta ou indiretamente chegam aos rios. O presente artigo apresenta uma re@ exão sobre a sociedade de risco e a contaminação dos recursos hídricos.

Palavras-chave: risco; poluição hídrica; ciência e tecnologia.

Risco, ciência e tecnologiaAs ações decorrentes das atividades ligadas à ciência e tecnologia

estão provocando mudanças diárias em nossas atividades e no meio físico em função das descobertas cienti$ cas, onde novas tecnologias gradativamente vão fazendo parte de nossas vidas. O mundo está em mudanças e transformações e estas não estão con$ nadas em algum lugar ou espaço, mas nas relações de produção, na tecnologia, nas relações sociais, na economia, nas $ nanças e na comunicação. Não parece haver a previsibilidade do mundo, como pensava Marx e Weber (GIDDENS et al., 2000). Existe um certo descontrole no sistema mundial. Não se sabe bem para onde caminham as ciências e as tecnologias.

Hoje todos nós vivemos numa sociedade de risco, onde cada vez mais se vive numa fronteira tecnológica que ninguém compreende inteiramente e que gera uma diversidade de futuros possíveis. Sua origem está ligada à crescente in@ uência da ciência e da tecnologia, embora não sejam totalmente determinadas por elas, com a transformação do $ m da natureza (raríssimos

1 Professor Adjunto do Departamento de Biologia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de

Pesquisas Ambientais. e-mail: [email protected] Professor Adjunto do Departamento de Geogra$ a/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de

Pesquisas Ambientais. e-mail: [email protected].

Page 192: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

198

os aspectos do mundo físico que não sofrem intervenção humana) e o $ m da tradição (onde a vida não é vivida como destino) (GIDDENS et al., 2000). Natureza e tradição, com a modernidade, se dissipam.

Risco sempre representa conotação negativa, visto referir-se à possibilidade de evitar um resultado indesejável, mas também pode ser visto positivamente no sentido de tomar iniciativas ousadas diante de um futuro problemático (GIDDENS, 1995).

O risco fabricado é o risco criado pelo progresso do desenvolvimento humano, especialmente pelo progresso da ciência e da tecnologia, é aquele que se refere a novos tipos de riscos para os quais a história tem a nos oferecer pouquíssima experiência prévia, onde muitas vezes nem sabemos realmente que riscos são estes e não conseguimos estimá-los com precisão em termos probabilísticos. Este risco está aumentando em todas as direções da vida humana, acompanhando a ciência e tecnologia (GIDDENS, 1995).

Segundo Beck (1995), o “risco ecológico”, resulta da potência diruptiva – “revolucionária” – da tecnologia, como culminância de um processo de dominação técnico-cientí$ ca da racionalidade instrumental. A potência destrutiva das técnicas avançadas da química, do nuclear e da engenharia genética se caracterizaria por seu caráter espaço-temporal ilimitado/indeterminado. Ele de$ niu a sociedade capitalista industrial como a “sociedade de risco” e o processo de modernização como um “retorno à incerteza” (era da insegurança e/ou da incerteza). O avanço da modernização mostra as ameaças produzidas pela sociedade industrial. O conceito de “sociedade de risco” designa, portanto, “[...]uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial”. Neste caso, as instituições da sociedade industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças que não conseguem controlar.

Nessa perspectiva, não há “risco zero” na utilização de descobertas cientí$ cas em geral. O mundo moderno há muito vem sendo moldado pela in@ uência da ciência e das descobertas cientí$ cas. A cada dia novas inovações, novas tecnologias vão in@ uenciando nossas vidas (GIDDENS, 1995).

As incertezas exigem preocupação; devemos estar preparados contra danos futuros não seguros, procurando diminuir a probabilidade do mesmo (dano). A prevenção deve ser praticada tanto ante o perigo como ante o risco, pode-se também ocorrer que tomamos precauções em relação a perigos que não podem atribuir a decisões próprias (LUHMANN, 1991).

A “sociedade de risco” é a fonte para o “retorno à incerteza”, sentimento generalizado na sociedade moderna. Beck situa a “crise ecológica” como

Page 193: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

199

uma crise institucional profunda da própria sociedade industrial. Essa incerteza está na base da crescente resistência, especialmente dos paises europeus, em consumir produtos derivados de Organismos Geneticamente Modi$ cados (OGMs) e na exigência de maiores cuidados na disseminação de tais produtos (ACSELRAD, 2000).

O risco, vale lembrar, incorpora duas dimensões: a primeira refere-se à identidade entre o possível e o provável, aspectos que pressupõem alguma forma de aprender a regularidade dos fenômenos. A segunda refere-se à esfera dos valores: risco pressupõe colocar em jogo algo que é valorizado. Inevitavelmente, pois, a incorporação da noção como um dos aspectos fundantes da sensibilidade moderna foi fruto de transformações sociais e tecnológicas. As transformações sociais, os contornos da sociedade de risco são de$ nidos a partir de duas reorientações. A primeira poderia ser resumida como a progressiva laicização da sociedade e a segunda está associada às transformações nas relações econômicas e sociais que foram resumidamente contempladas no que veio a ser chamado de capitalismo comercial. A perda de hegemonia da Igreja católica e a ascensão do protestantismo nos países do Norte da Europa favoreceram uma forma de racionalidade condizente com a formatação da revolução cientí$ ca. Já a abertura do comércio favoreceu o desenvolvimento de novas estruturas políticas, incluindo aí a noção de soberania sobre territórios nacionais que levou à emergência do estado/nação. A transformação tecnológica é a emergência da teoria da probabilidade como o fator mais relevante para a formatação do conceito moderno de risco. Esta é uma história curiosa. Apesar das brilhantes realizações dos pensadores da Grécia Clássica e da civilização arábica, nenhum desses povos chegou a formular o conceito matemático de probabilidade. Aos gregos certamente faltava um sistema de notação numérica que permitisse o cálculo probabilístico; e aos árabes, após Maomé, muito provavelmente faltava uma $ loso$ a capaz de pensar o futuro como possível de controle (ACSELRAD et al., 2002).

O acúmulo de conhecimento cientí$ co, gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente, deveria necessariamente conduzir à emancipação humana e ao enriquecimento da vida diária. O pensamento iluminista abraçou a idéia de progresso e buscou ativamente romper tradição, procurando desmisti$ car e dessacralizar o conhecimento para liberar os seres humanos. Esse pensamento era permeado por um otimismo desenfreado na ciência e no conhecimento como meios fundamentais para produzir liberdade, igualdade e progresso humano. O domínio cientí$ co da natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade

Page 194: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

200

das calamidades naturais. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, da libertação do livre arbítrio do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana (HARVEY, 1992). Weber também criticou o sonho iluminista de alcançar a felicidade pela ciência, a$ rmando que isso não passou de um otimismo ingênuo. Diferente do que acreditavam os pensadores do iluminismo, é ilusório acreditar que o conhecimento cientí$ co atingiria o “ser verdadeiro”, a “verdadeira natureza”, a “verdadeira felicidade”. Segundo ele, o processo de nacionalização da sociedade moderna não signi$ ca um progresso humano ou um maior conhecimento das condições gerais da vida. “A intelectualização e a racionalização crescente não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos” (WEBER, 1979).

Weber não acreditava na historia da humanidade como um “progresso” unilinear na direção da perfeição moral ou da racionalização tecnológica cumulativa. Apontou, no entanto, para o processo crescente de racionalização e o conseqüente desencantamento do mundo. Não mais os elementos mágicos e as crenças, mas a ciência passa a explicar a realidade e o mundo. [...] não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em principio, diminuir todas as coisas pelo cálculo. Isso signi$ ca que o mundo foi desencantando. Já não precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar ou implorar os espíritos, como faziam os selvagens, para quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço. Esse processo de desencantamento não acontece apenas em relação à religião e seus mitos. Há também um desencantamento resultante da desvalorização do “conhecimento tradicional”, ou seja, formas de produção e/ou relação com a natureza e o mundo que não se encaixam na lógica cientí$ ca ocidental. Os avanços tecnológicos recentes aprofundam essa desvalorização, lançando mão inclusive de mecanismos jurídicos legais (leis de proteção da propriedade intelectual) (ACSELRAD, et al., 2000).

A ciência e a tecnologia não apresentam as soluções para a crise ambiental, mas constituem a instância de poder sobre a informação e sobre a avaliação do risco, con$ gurando uma “irresponsabilidade organizada” que reproduz o poder dos técnicos. Não só a sua aplicação, mas a própria técnica é denominação metódica, cientí$ ca, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados $ ns e interesses da dominação não são autorgados à técnica apenas “posteriormente” e a partir de fora – inserem-se na própria construção do aparelho técnico .... (HABERMAS, 1994).

Page 195: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

201

Modernização, ciência e tecnologia

Weber (1958) destacou os processos de intelectualização e racionalização da sociedade moderna através do crescente progresso cientí$ co. A tendência geral para a racionalização na sociedade moderna ocidental é resultado, segundo ele, de uma combinação de diversos fatores com a expansão do mercado capitalista e a institucionalização do progresso cientí$ co e técnico.

Habermas (1994), seguindo na trilha de Weber, de$ ne o surgimento da modernização e modernidade, a partir do século XVIII, no seio desse racionalismo capitalista ocidental. O “projeto da modernidade”, para ele, é um “projeto inacabado”, representou um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva e liberar os seres humanos através do domínio da razão sobre a natureza.

Os saltos cientí$ cos e tecnológicos das ultimas décadas, especialmente nas áreas de biotecnologia, informática, telecomunicações, robótica e uso de novos materiais, têm sido caracterizados como parte de uma terceira “revolução industrial”. Mais recentemente, tais mudanças no setor industrial passaram a ser percebidas como partes de um novo processo, chamado globalização.

Segundo essa perspectiva, as mudanças nos campos industriais, cientí$ co e tecnológico são parte das mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais do desenvolvimento mundial. As mudanças tecnológicas são acompanhadas, por exemplo, pela superação das fronteiras nacionais, permitindo a livre circulação de mercadorias.

As novas técnicas de comunicação, associadas ao progresso nos meios de transporte de massa, estariam provocando o “encolhimento do planeta”. A globalização trata efetivamente de um processo de transformação do espaço e tempo. Trata-se, portanto, de uma “ação à distância”, ou seja, uma aproximação entre o local e o global, intensi$ cada devido, “nos últimos anos, ao surgimento da comunicação global instantânea e ao transporte de massa” (GIDDENS, 1995).

Modernização da agricultura

A industrialização da agricultura vem acontecendo, desde os anos de 1960, através do que se convencionou chamar de Revolução Verde. As mudanças da base tecnológica ocorreram através da introdução de inovações químicas e biológicas na agricultura. A utilização maciça de fertilizantes químicos e pesticidas permitiu ampliar a produção agrícola em grande escala. Complexos industriais, construídos para a produção de aramas químicas, passaram a produzir insumos para o setor agrícola.

Page 196: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

202

A introdução recente de novas tecnologias, especialmente de engenharia genética, na produção agropecuária representa um aprofundamento do sistema implantado pela Revolução Verde. Não há mudanças signi$ cativas na lógica de produção, nem no processo de industrialização e arti$ cialização da agricultura na natureza. A abordagem continua sendo reducionista, com um processo produtivo baseado no uso intensivo de produtos e fertilizantes químicos (CORDEIRO, 1999).

Ao longo do século passado, a ciência e a tecnologia invadiram nossas vidas, o mundo animal e o meio físico num grau sem precedente, tendo como experimentos objetos involuntários à humanidade e toda a vida existente no planeta (GIDDENS, 1995). A poluição causada pela agricultura pode ocorrer de forma pontual ou difusa. A poluição pontual refere-se, por exemplo, à contaminação causada pela criação de animais em sistema de con$ namento, onde grande quantidade de dejetos é produzida e lançada diretamente no ambiente aquático ou aplicada nas lavouras. Já a poluição difusa é aquela causada principalmente pelo de@ úvio super$ cial (erosão), a lixiviação e o @ uxo de micrósporos que, por sua vez, estão relacionados com as propriedades físicas do solo como in$ ltração e a porosidade. Assim, solos mais arenosos teriam o processo de lixiviação e @ uxo de micrósporos favorecidos. Já em situações onde os solos são manejados de forma incorreta (preparo excessivo do solo, associado ao insu$ ciente aporte de biomassa), poderá ocorrer a degradação de sua estrutura favorecendo, então, ao de@ úvio super$ cial. Por outro lado, em solos bem manejados que têm uma estrutura formada por agregados estáveis e uma boa distribuição de poros, o processo de erosão é reduzido. Nessas condições, porém, o risco de contaminação das águas passa a ser principalmente pelo @ uxo de micrósporos (MERTEN e MINELLA, 2002).

Risco ambiental: a contaminação da água

A água é essencial à vida e todos os organismos vivos do planeta terra dependem da água para sobrevivência. O planeta terra é o único do sistema solar que tem água nos três estados (sólido, líquido e gasoso), e as mudanças no estado físico da água no ciclo hidrológico são fundamentais e in@ uenciam os processos biogeoquímicos nos ecossistemas terrestres e aquáticos. A água, portanto, é um recurso extremamente reduzido; o suprimento de água doce e de boa qualidade é essencial ao desenvolvimento econômico, para a qualidade de vida das populações humanas e para a estabilidade do planeta.

Page 197: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

203

A água nutre @ orestas, mantém a produção agrícola, a biodiversidade nos sistemas terrestres e aquáticos. Portanto, os recursos hídricos super$ ciais e os recursos hídricos subterrâneos são estratégicos para o homem e todas as plantas e animais. Ela funciona como fator de desenvolvimento, pois é utilizada para inúmeros usos diretamente relacionados com a economia. Os usos mais comuns e freqüentes dos recursos hídricos são: água para uso doméstico, hidroelétrica, industrial e especialmente na irrigação. Também é carreadora e receptora de dejetos oriundos dos processos de urbanização. Os usos múltiplos da água aceleram-se em todas as regiões, continentes e paises. Estes usos múltiplos aumentam à medida em que as atividades econômicas se diversi$ caram e as necessidades de água aumentam para atingir níveis de sustentação compatíveis com as pressões da sociedade de consumo, a produção industrial e agrícola. A urbanização acelerada aumenta enormemente as demandas para grandes volumes de água, aumentando também os custos do tratamento, a necessidade de energia para distribuição da água e pressões sobre os mananciais.

Os impactos quantitativos nos recursos hídricos são crescentes e produzem grandes alterações nos estoques de águas super$ ciais e subterrâneas. Há casos evidentes de uso excessivo de recursos hídricos super$ ciais que resultaram na redução quantitativa acentuada e em desastres de grandes proporções. Além dos impactos quantitativos, há muitos outros impactos na qualidade da água, que comprometem os usos múltiplos e aumentam as pressões econômicas regionais e locais sobre os recursos hídricos.

Os resultados de todos estes impactos são muito severos para as populações humanas, afetando todos os aspectos da vida diária das pessoas, a economia regional e nacional e a saúde humana. Estas conseqüências podem ser resumidas:

Degradação da qualidade da água super$ cial e subterrânea; aumento das doenças de veiculação hídrica e impactos à saúde humana; diminuição da água disponível “per capita”; aumento do custo de produção de alimentos; impedimento ao desenvolvimento industrial e agrícola, devido ao comprometimento do uso múltiplo, aumento dos custos de tratamento de água:

Devemos controlar constantemente a qualidade da água que se bebe, qualquer fonte pode estar contaminada; não considerar que é seguro beber água engarrafada, pois a maioria das fontes de abastecimento de água estão contaminadas pelos mais diversos poluentes, uma vez que a maioria dos produtos químicos sintéticos são recentes.

Existem mais de centenas de milhares de produtos químicos sintéticos no mercado e outros tantos milhares são lançados anualmente e seus efeitos

Page 198: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

204

são pouquíssimos conhecidos. A qualidade das águas super$ ciais é re@ exo não apenas dos processos naturais, como também das contradições da sociedade e das formas de apropriação e exploração do espaço (SOUZA et al., 1990). E fato comum a localização dos centros urbanos e industriais às margens ou nas proximidades de rios, os quais adquirem a dupla função de abastecimento de água e de local de deposição dos resíduos do uso da água. O desmatamento as margens dos rios, a erosão, o assoreamento e a poluição dos cursos da água resultam da utilização desordenada do solo, que é um risco de constante preocupação em estudos ambientais, visto que graves impactos sobre a qualidade da água, bem como sobre o ecossistema envolvido nesse processo (SOUZA et al., 1990).

A inadequada utilização dos recursos hídricos resulta, geralmente, em conseqüências danosas ao meio ambiente, seja pela degradação ambiental, seja pelo comprometimento da qualidade da água para consumo humano. Os efeitos da poluição dos rios por diferentes cargas são as alterações estéticas dos rios, deposição de sedimentos, depleção de oxigênio dissolvido, contaminação por patógenos, eutro$ zação e danos ao ecossistema (BIZZONI, 2000). Junto com a contaminação das águas de esgotos urbanos, há que se considerar a grande variedade de poluentes característicos produzidos pela agropecuária, especialmente detritos animais, esterco líquido, estrume, praguicidas e fertilizantes, enquanto os industriais poluem com resíduos químicos e biológicos, metais pesados, ácidos e sólidos em suspensão, hidrocarbonetos, dentre outros. O arraste dos detritos desses poluentes atinge os rios pela ação da água pluvial pelas chuvas (FELLEMBERG, 1980).

Considerações ' nais

Os riscos que ocorrem e que poderão ocorrer relacionados à contaminação de recursos hídricos derivam preponderantemente das atividades antrópicas e raramente de causas naturais.

Os impactos das atividades antrópicas estão relacionados especialmente às rodovias, exploração agropecuária, expansão urbana e industrial sem planejamento.

É necessária a interferência do poder público e do apoio da sociedade para coibir e prevenir o risco da contaminação e exploração dos recursos hídricos, necessário para sobrevivência.

Page 199: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

205

Referências

ACSELRAD, H. Justiça Ambiental – novas articulações entre meio ambiente e democracia. In: IBASE/CUT/IPPUR. Movimento Sindical e Defesa do Meio Ambiente. Série Sindicalismo e Meio Ambiente, Rio de Janeiro, nº 3, 2000.

ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A. Con3 ito social e risco ambiental: o caso de um vazamento de óleo na baia de Guanabara. Disponível em: http:11168.96.200.17/ar/libros/ecologia/acselrad. Acesso em 12 de abril de 2008.

BECK, U. A reinvenção da política: rumo à teoria da modernização re@ exiva. In.: GIDDENS, A. et al. Modernização re@ exiva: Política tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo, UNESP, 1995.

BIZZONI, M. Comparação de desempenho dos modelos QUAL 2E i Mike 11 na região do Alto Iguaçu. Curitiba, 2000. Dissertação (mestrado) - Engenharia hidráulica do setor de tecnologia. Universidade Federal do Paraná. 191 p.

CORDEIRO, A. Transgênicos: Conceitos, evolução, conseqüências sociais para a pesquisa agrícola no Brasil. In.: SAUER, S. Anais... Seminário Internacional sobre biodiversidade e transgênicos. Brasília, Senado Federal, 1999.

FELLEMBERG, G. Introdução aos problemas de poluição ambiental. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980.

GIDDENS, A. Para além da direita e da esquerda: o futuro da política radical. Editora São Paulo: UNESP, 1995.

GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Guiddens: o sentido da modernidade. Tradução Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2000.

HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1994.

HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.

Page 200: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

206

LARA, F. B.; GALBITTI, J. A.; Borges, J. M. Monitoramento de variáveis de qualidade da água do Horto Ouro Verde - Conchal – SP. Engenharia Agrícola, Jaboticabal, v.25, n.3, Sept./Dec. 2005.

LUHMANN, N. Sociologia Del Risco. México: Walter de Griter Y Co. 1991.

MERTEN, G. H.; MINELLA, J. F. Qualidade da água em bacias hidrográ$ cas rurais: um desa$ o atual para a sobrevivência futura. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre, v. 3, n. 4, out/dez 2002.

SOUZA, I. S. T.; MEDINA, A. I. M.; PITTHAN, R. O.; ARAUJO, P. M. C. Manejo integrado de sub-bacias hidrográ$ cas – um modelo de planejamento ambiental. Ciência e tecnologia, Água em Revista. Belo Horizonte, 1990. p 59-66.

WEBER, M. [ e protestant ethic and the spirit of capitalism: the relationship between religion and the economic and social life in modern culture. New York: Charles Scribner´s Sins, 1958.

WEBER, M. A ciência como vocação. In: GERTH, H. H. e MILLS, W. (Org). Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1979.

Page 201: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

O desenvolvimento urbano-industrial de Duque de Caxias-RJ nas décadas de 1940 a de 1980

BUENO, Karoline1

COSTA, Pierre Alves2

Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo principal apresentar os indicadores sócio-econômicos inseridos nos processos de urbanização e industrialização da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e numa abordagem especí$ ca do município de Duque de Caxias (DC)-RJ, nos decênios de 1940 ao de 1980. A pesquisa constou das seguintes etapas: revisão bibliográ$ ca, levantamento de fontes e dados, saídas a campo, análise dos dados e redação.

Palavras-chave: Duque de Caxias; indicadores sócio-econômicos; desenvolvimento urbano-industrial.

Introdução

A estrutura metropolitana do Rio de Janeiro tende, segundo M. Abreu (1987, p. 15), a ser de núcleo hipertro$ ado, concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanísticos disponíveis, rodeado por estratos urbanos periféricos sempre mais necessitados de serviços e de infra-estrutura à medida que se distanciam do núcleo, e sendo útil para moradia e local de funcionamento de algumas outras atividades às grandes massas de população de baixa renda.

Podemos dizer que é a partir de $ ns dos anos 1920 e nos anos 1930, que Caxias passa realmente a ser atingida pela expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro. Os projetos implantados pelo Estado nas décadas de 1930 e 40 proporcionaram a sobrevivência de um campesinato nas áreas periféricas do terceiro e quarto distritos3, a ocupação urbana e a incorporação da

1 Acadêmica de Geogra$ a da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO. Bolsista

PIBIC/UNICENTRO. e-mail: [email protected] Professor e pesquisador do Departamento de Geogra$ a da UNICENTRO. Doutorando em História

Social pela Universidade Federal Fluminense – UFF. e-mail: [email protected] A emancipação de Duque de Caxias (DC) ocorreu no último dia de 1943, em meio ao agitado

ambiente do Estado Novo (1937-45), a partir de Decreto Lei 1055, do então interventor estadual Amaral Peixoto. Os distritos de Caxias, São João de Meriti, Xerém e Estrela se emanciparam do município de Nova Iguaçu, passando a compor o município de Duque de Caxias. O novo município

Page 202: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

208

cidade ao projeto de desenvolvimento industrial do Estado Novo (1937-45). A cidade passou a ser conhecida como a cidade do motor, do trabalho e do trabalhador. A crescente movimentação de pessoas que trabalhavam na cidade carioca e residiam em Caxias produziu uma outra imagem da cidade, a de dormitório (M. SOUZA, 2002).

O expressivo crescimento populacional, a acelerada e não planejada urbanização e as precárias condições de vida aumentaram o quadro de violência social na Baixada Fluminense. A população não dispunha de serviços públicos essenciais (quantitativamente e qualitativamente): coleta regular de lixo, sistema de água encanada, rede de esgoto, escolas públicas e hospitais, dispositivo de segurança pública, entre outros. 4

Exempli$ cando: Caxias detinha, até 1945, 534 veículos motorizados, 11 logradouros públicos iluminados com luz elétrica e somente um posto telefônico para ligações interurbanas. Apenas 4% de suas residências tinham, em 1960, água encanada, inexistindo também uma rede de esgotos (I. BELOCH, 1986, p.28-29).

Em habitações modestas e geralmente improvisadas, a maioria da população da Baixada morava em bairros populares e em favelas – excetuando os residentes dos bairros destinados ao extrato médio da população, como o 25 de Agosto, em Duque de Caxias. Essa violência social, descrita acima, não repercutia devidamente na imprensa carioca, que enfatizava os índices de criminalidade – abundantemente noticiados nas páginas policiais dos jornais populares.

A região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e as condições sócio-geográ' cas de Caxias

A RMRJ de 1960 a 70 sofreu um incremento populacional de 40% mais que sua população no início do decênio. Em 1960 esses municípios possuíam cerca de cinco milhões de habitantes

passou a ser formado por três distritos: DC, São João de Meriti e Imbariê. Em 1947, São João de Meriti se emancipou de DC e em 1954, parte do distrito de Imbariê deu origem a outros dois distritos: o de Campos Elíseos (3º) – onde se instalou a Re$ naria Duque de Caxias, nos anos 1960; e o de Xerém (4º) – onde se instalou a Fábrica Nacional de Motores nos anos 1940. (M. SOUZA, 2002 e M. SIMÕES, 2007).

4 COSTA, 2007, p. 113.

Page 203: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

209

e em 70 contavam com sete milhões e 173 mil. Esse crescimento populacional é um re@ exo, em última análise, da estrutura rural de$ ciente do estado do RJ.5

A taxa média de crescimento populacional da Baixada Fluminense (BF) é a mais alta do estado (período de 1970-1977). Nova Iguaçu detinha mais de um milhão de habitantes, representando 45% do contingente demográ$ co da área e 10% do estado.

Geogra$ camente, a Baixada Fluminense (BF) corresponderia à região de planícies que se estendem entre o litoral e a Serra do Mar, indo do município de Campos dos Goytacases, no Norte Fluminense, até o de Itaguaí, próximo à cidade do Rio de Janeiro. Para este trabalho, adotaremos o conceito de “Baixada Geopolítica”, a qual engloba os atuais municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados, São João de Meriti e o distrito de Inhomirim (Magé).

A principal atividade econômica geradora de emprego na BF é a indústria de transformação, com destaque para os ramos metalúrgico e químico, além de material de transporte em Caxias.

A pesquisa do IBAM6, realizada na primeira metade da década de 1970, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mostrou o Grande Rio como uma área de grandes contrastes, em que existe um núcleo metropolitano extremamente forte – a cidade do Rio de Janeiro – rodeado de uma periferia fraca, ao contrário de São Paulo7, onde todos os municípios metropolitanos se bene$ ciam diretamente do progresso geral da região. Aqui houve uma barreira institucional. O fato de a região estar em dois estados distintos8 fez com que a metrópole se fortalecesse à custa da periferia, pois, todos os recursos eram utilizados em seu próprio proveito.

Os problemas apontados pela pesquisa destacam a importância da RMRJ no contexto do estado e o peso muito grande do núcleo – a cidade do Rio de Janeiro – dentro da Região. O sistema atual é inadequado, pune os municípios que exercem funções residenciais, como Itaguaí, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Mangaratiba, que, embora tenham elevado índice populacional, possuem receitas fraquíssimas.

5 Revista Tendência, março de 1975.

6 Instituto Brasileiro de Administração Municipal, sediado na cidade do Rio de Janeiro.

7 O GLOBO, 25 de maio de 1975; p. 14-15.

8 O atual estado do Rio de Janeiro até 1974 dividia-se em dois: estado da Guanabara (o que hoje

corresponde á cidade do Rio de Janeiro) e estado do Rio de Janeiro (cuja capital era a cidade de Niterói). A fusão dos dois estados ocorreu com a Lei Complementar nº 20de 01/07/1974 e concretizada em 15/03/1975.

Page 204: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

210

A RMRJ foi dividida, por essa pesquisa, em quatro áreas: núcleo, periferia imediata, periferia intermediária (Jacarepaguá, Nilópolis, São João de Meriti, Campo Grande, Nova Iguaçu, Caxias e São Gonçalo); e periferia distante (todo o restante da RMRJ). Para o presente artigo, destacaremos a situação da periferia intermediária, onde encontra-se Caxias.

A Periferia Intermediária tem altas taxas de crescimento populacional, com centro de serviços adequados aos padrões de consumo da população pobre, um crescimento industrial restrito apenas a algumas áreas, com uma infra-estrutura inexistente ou precária. Congrega 80% da população total dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Sua densidade populacional é muito superior à do resto do estado: 1.095 hab./km2, contra 51,9 hab./km2. Tem 85% da população urbana e 22,3% da rural. Embora no contexto metropolitano a população rural seja ín$ ma: apenas 3,4%.

A População Economicamente Ativa (PEA) representava 81% do total do estado; 79,2% dos estabelecimentos industriais do estado e 77,7% do valor gerado por eles; 75,7% do total de prédios, embora apenas 56% deles tinham água encanada.

A cidade do Rio empregava 65% da PEA da RMRJ e Caxias e Nova Iguaçu empregavam de 5 a 10% da PEA. A produção industrial do Rio representava 72,8% do valor global da RMRJ e a de Caxias representava 12,5% do valor global da RMRJ.

A topogra$ a de DC apresenta, em grande parte, planícies e pequenos relevos, assumindo, entretanto, na sua região Norte, $ sionomia montanhosa, onde se sobressaem vários montes e destaca-se a Serra da Estrela. Dessa região derivam-se várias nascentes d’água que se constituem tributárias da Represa de Xerém – manancial que contribui substancialmente para o abastecimento do Rio de Janeiro.

Está localizado em ponto estratégico e privilegiado, qual seja na con@ uência das duas mais importantes e principais rodovias brasileiras: Washington Luiz e Presidente Dutra (Rio-São Paulo). A rodovia Washington Luiz que transpondo Brasília, conduz ao Pará, estado mais setentrional do país, passando antes por inúmeras cidades importantes. Ainda em rami$ cação, alcançam-se os estados da BA, SE, AL, PE, PB, RN e CE. A rodovia Presidente Dutra é a artéria que, passa por São Paulo, o maior parque industrial da América Latina.

Em 1950, era facilmente comprovável sua situação de cidade dormitório, em relação ao expressivo mercado de trabalho do Rio de Janeiro. Entre 1950 a 1965, com a instalação da Re$ naria Duque de Caxias (REDUC) e outras pequenas fábricas, ou seja, com o surto industrial que

Page 205: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

211

sofreu, passou Caxias à nítida posição de subcentro metropolitano, com área de in@ uência que lhe extravasa os limites municipais e alcança até mesmo certos bairros da Guanabara; o que gerou conseqüentemente um mercado de trabalho cujo crescimento tende a aproximar-se do demográ$ co, mas que ainda não acompanha a expansão da oferta de mão-de-obra, proporcionado pelo célere crescimento populacional.

O crescimento populacional de Caxias foi ainda maior nos anos 1950, alcançando 161% – 241.026 habitantes em 1960, sendo o maior índice da baixada. Diversos fatores contribuíram para este crescimento, como: construção de rodovias, baixo preço dos lotes oferecidos, mínima ou total ausência de exigências burocráticas, tarifas do transporte ferroviário uni$ cadas e subsidiadas pelo governo, eletri$ cação total das linhas. Some-se a isso, a atração de trabalhadores para dar conta da construção e funcionamento de mais duas empresas estatais que se instalaram em Caxias: a REDUC, com a construção iniciada em 1958 e concluída em 1961; e a primeira empresa petroquímica brasileira – FABOR (Fábrica de Borracha Sintética), em 1962.

Mas a REDUC também acabou alterando outras condições do município, pois sua instalação se constitui um marco no crescimento da poluição das águas da Baía da Guanabara, causado pelo despejo de seus e@ uentes líquidos. É, sem dúvida, a principal atividade poluidora da Baía. Seus e@ uentes líquidos contêm grandes quantidades de óleos e graxas, metais pesados (inclusive cádmio e mercúrio), fenóis e carga orgânica. Os manguezais remanescentes, situados no litoral de Caxias, foram particularmente impactados pela poluição da re$ naria.9

Em relação à infra-estrutura urbana, a situação era de abandono. Conforme os dados da Agência de Estatística do Município de DC, em 1957 havia 10 mil crianças em idade escolar fora da escola. Das 20.152 crianças de 5 a 14 anos, apenas 7.761 sabiam ler e escrever. Dos 92.459 habitantes, aproximadamente 14.048 homens e 17.741 mulheres eram analfabetos. A maioria das escolas públicas foi instalada em residências ou prédios alugados, sem a menor infra-estrutura.

Na área da saúde, a situação era ainda pior. Existia apenas o Posto Médico do Sandu e os consultórios médicos particulares. A alternativa era buscar atendimento no Distrito Federal. A obtenção de água potável continuava a ser um grande problema. Existiam apenas bicas e carros pipas. Conforme Lemos (1980, p. 59), a água era insalubre, imprestável para beber,

9 AMADOR, 1992, p. 247.

Page 206: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

212

obrigando que fosse apanhada em locais privilegiados e na maioria das vezes, distante das residências. Outra alternativa era a compra nos carros pipas, o que, representava uma fonte de renda para os funcionários da prefeitura. Mesmo sendo o único município (da periferia intermediária) que tem adutora própria, com 54,6% dos seus prédios ligados à rede de abastecimento d’água, DC é sobrecarregado na questão de abastecimento de água e não atende à demanda, sendo, por isso, comum o uso de poços nas residências.

No $ nal da década de 1960, o parque industrial era constituído, na sua maioria, por pequenas e médias empresas. As três grandes empresas presentes nessa época são: REDUC, FABOR e a Fábrica Nacional de Motores (FNM).

Em 1970, dentre os municípios da Baixada, Caxias era o que apresentava maiores reservas em áreas livres, possibilitando várias alternativas para localização da atividade industrial. Con$ gura-se no município com o mais rápido avanço industrial, não apenas na Baixada, mas em todo o antigo estado do Rio de Janeiro.

O crescimento industrial de DC caracterizou-se por duas etapas de implantação: a primeira, representada por fábricas tradicionais que se instalaram ao longo do eixo da antiga Rio - Petrópolis e Estrada de Ferro Leopoldina; a segunda após a abertura da BR-135 (Rio-Brasília) que, deslocando o eixo de atração, permitiu a localização de novas fábricas, in@ uenciadas pela instalação do Complexo REDUC-FABOR.

Neste mesmo decênio (1970), DC possuía dois hospitais municipais e já contava com faculdades (Administração, Ciências Contábeis, Pedagogia e Letras, da Associação Fluminense de Educação; Faculdade de Educação com o curso de Pedagogia anexa ao Instituto de Educação Roberto Silveira, Faculdade de Filoso$ a, Ciências e Letras da FEUDUC), 214 unidades de ensino fundamental e 22 de ensino médio; biblioteca e teatros.

Na época, Duque de Caxias arrecadava para a União um bilhão, 304 milhões 643 mil cruzeiros (IBGE, 1973); para o estado Cr$ 34 milhões 460 mil; e para a prefeitura cerca de Cr$ 460 mil.

Possuía também uma estação rodoviária servida pela Rede Ferroviária Federal. E contava com os Jornais: Folha da Cidade, O Recado, O Rio de Janeiro, O Municipal e Baixada Fluminense.

Figurava entre os municípios brasileiros com maior índice de arrecadação de impostos, graças à REDUC, à Fiat Diesel e a mais de 600 outras fábricas e 3.000 estabelecimentos comerciais.

Seus 575 mil habitantes (aproximadamente) sofriam permanentemente com a falta de água, luz, rede de esgotos, coleta de lixo, limpeza, conservação

Page 207: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

213

e policiamento. Continuava como cidade dormitório, fornecendo mão-de-obra para o Rio de Janeiro.

Em 1970, quando o município contava com 431.397 habitantes, só 30.284 trabalhavam ali. Destes, 12,18% ocupavam-se a agricultura, 47,99% na indústria e 40,73% no comércio e serviços. No mesmo ano, o município possuía 109.513 edi$ cações, sendo que apenas 40% eram ligadas à rede de água, 24% à de esgotos e 70% à energia elétrica.

Nos quatro distritos existem bairros que são verdadeiras favelas e onde a baixa condição de vida gera a alta criminalidade.

A falta de água, decorrente da seca na região dos mananciais é o principal problema enfrentado atualmente pela população de DC. Os moradores dizem ter aprendido a conviver com a precária condição de vida e passaram a considerar normal a presença de lixo, poeira, lama e buracos nas ruas, o esgoto mal-cheiroso escorrendo pelos valões, os assaltos, a ausência de iluminação pública e a falta de ônibus, de telefones e de escolas.

No início dos anos 1980, perdeu aquela que foi sua principal característica durante décadas: a criminalidade, o banditismo armado que nada deixava a desejar aos melhores $ lmes de faroeste. Surge uma acelerada ocupação industrial, que segundo muitos, é responsável pelo declínio da violência. 10

Estima-se que, diariamente, mais de 300 mil pessoas deslocam-se para trabalhar em cidades próximas. Em 1983, DC já contava com 826 fábricas, principalmente de pequeno e médio porte, sendo que, no $ nal de 1982, as fábricas empregavam 26 mil pessoas, apresentando um crescimento do número de fábricas na região de 6% ao ano.

Conclusões

As transformações sócio-econômicas sofridas por Caxias, revelam que a cidade perdeu a característica de tão somente “subúrbio dormitório” do Rio de Janeiro, desenvolvendo uma economia própria e passando a se constituir também numa cidade industrial. Nas décadas de 1970 e 80, começou a se consolidar o Pólo Petroquímico de Duque de Caxias; e, no início deste século, Caxias recebeu o Pólo Gás-Químico. Porém, apesar de todo este crescimento econômico, veri$ cado principalmente a partir dos anos 1960, Caxias continua com graves problemas sociais, destacando-se a precariedade no abastecimento de água e no tratamento do lixo e esgoto.

10 O GLOBO, 13 de março de 1983.

Page 208: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

214

Fontes

DIÁRIO DE NOTÍCIAS (Arquivo CPDOC JB) - 30/8/1973; 31/8/1974; 24/8/1975.

JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro (Arquivo CPDOC JB) - 22/1/1961, 14/9/1961, 6/7/1962, 4/8/1969, 26/5/1974, 9/2/1975, 9/3/1975, 11/3/75, 15/2/1976, 1/8/1976, 28/3/1977, 18/2/1978, 12/10/1978, 21/7/1979, 8/10/1981, 13/12/1981, 11/10/1982, 18/12/1981, 28/7/1982.

LUCA, Tânia Regina de. “História, historiogra$ a e imprensa” (palestra). In: SEMANA DE HISTÓRIA DA UNICENTRO: O OFÍCIO DO HISTORIADOR, 15. Guarapuava. Abril de 2007, em DVD.

O GLOBO. Rio de Janeiro (Arquivo Jornal O Globo) - 27/8/72, 3/6/1974, 25/5/1975, 31/12/1978, 3/7/1979, 26/1/1980, 11/9/1980.

O HOMEM da capa preta ($ lme), 1986. Direção: Sergio Rezende.

REVISTA TENDÊNCIA (Arquivo CPDOC JB) - 1/3/1975.

Referências

ABREU, Maurício de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/ZAHAR, 1987.

AMADOR, Elmo da S. Baía de Guanabara: um balanço histórico. In: ABREU, M. de A. Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Departamento Geral de Documentação i Informação Cultural, 1992, p. 201- 258.

BELOCH, Israel. Capa preta e Lurdinha: Tenório Cavalcanti e o povo da baixada @ uminense. Rio de Janeiro: Record, 1986.

COSTA, Pierre. Tenório Cavalcanti: entre o mito e a realidade. In: WORKSHOP REGIONAL DE GEOGRAFIA E MUDANÇAS AMBIENTAIS, 1., 2007. Anais... Guarapuava: UNICENTRO, 2007, p. 113-120.

LEMOS, Santos. Os donos da cidade. Rio de Janeiro: Caxias Recortes, 1980.

Page 209: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

215

SIMÕES, Manoel R. A cidade estilhaçada: reestruturação econômica e emancipações municipais na Baixada Fluminense. Mesquita: Entorno, 2007.

SOUZA, Marlúcia S. de. Escavando o passado da cidade: Duque de Caxias e os projetos de poder político local (1900-1964). Orientadora: Virgínia Fontes. Niterói: Programa de Pós-Graduação em História/UFF. 2002. Dissertação (Mestrado em História).

Page 210: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Políticas territoriais no Brasil: criação e extinção do Território Federal do Iguaçu

CORADELI, Robison Tiago1

FERREIRA, Sandra Cristina2

Resumo: O presente trabalho busca contribuir com a discussão sobre o processo de criação do Território Federal do Iguaçu e as questões que envolvem tal decisão, que são acima de tudo política. Assim, buscaremos apresentar, num primeiro momento, as principais decisões políticas do governo de Getúlio Vargas, desde o seu primeiro mandato em 1930 até o $ m da ditadura imposta por ele no ano de 1945. Ao assumir o poder, Vargas faz muitas reformas na economia e na vida política do país, contribuindo para que o Brasil pudesse em décadas seguintes concretizar sua industrialização, além de incentivar a ocupação e nacionalização de áreas de fronteira, com seu projeto “Marcha para Oeste”. Discutiremos com um Território especi$ co, o do Iguaçu, criado com a fusão de parte do território do Paraná e Santa Catarina e que logo após da saída de Vargas do poder foi extinto. Buscaremos apresentar/discutir como encontrava-se a região que compreendia o Território, como foi para a região a criação e posterior extinção, os agentes que levaram a todo esse processo de mudanças na organização do território nacional. Finalizando o trabalho, enfatizaremos como a capital do território na época, a cidade de Laranjeiras do Sul, encontra-se na atualidade e o que tal fato representou para a cidade. Atualmente, Laranjeiras do Sul encontra-se na região do Estado do Paraná com a maior incidência de famílias pobres; como também entre as cidades que não apresentam alto crescimento no índice de desenvolvimento humano municipal (IPARDES, 2000), bem diferentes de outras capitais federais da região sul como Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Considerando alguns fatos, indagamos se o Território tivesse sido mantido a realidade poderia apresentar diferenças quanto à organização do território paranaense, principalmente, no Centro Sul do estado. Quanto à capital do Território, tais fatos foram impactantes para a cidade tanto no âmbito administrativo,

1 Graduando em Geogra$ a - Universidade Estadual do Centro-Sul do Paraná – UNICENTRO. e-

mail: [email protected] Professora do Departamento de Geogra$ a - Universidade Estadual do Centro Sul do Paraná –

UNICENTRO. e-mail: [email protected].

Page 211: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

218

quanto das aspirações da população, exigindo reorganização e tempo para a retomada de novos rumos.

Palavras-chave: políticas territoriais; Território Federal do Iguaçu; Laranjeiras do Sul.

Introdução

O presente trabalho busca contribuir com a discussão sobre o processo de criação do Território Federal do Iguaçu e as questões que envolvem tal decisão, que é acima de tudo política. Assim, buscaremos apresentar, num primeiro momento, as principais decisões políticas do governo de Vargas, desde o seu primeiro mandato em 1930 até o $ m da ditadura imposta por ele no ano de 1945.

Ao assumir o poder, Vargas faz muitas reformas na economia e na vida política do país, contribuindo para que o Brasil pudesse em décadas seguintes concretizar sua industrialização. Além de incentivar a ocupação e nacionalização de áreas de fronteira, com seu projeto “Marcha para Oeste”, onde discutiremos com um Território especi$ co, o do Iguaçu, criado com a fusão de parte do território do Paraná e Santa Catarina e que logo após da saída de Vargas do poder foi extinto.

Finalizando o trabalho, enfatizaremos como a capital do território na época, a cidade de Laranjeiras do Sul que foi envolvida nesse processo, encontra-se na atualidade e o que representou para a região a criação do Território.

Metodologia

Buscaremos construir o trabalho por meio de uma revisão bibliográ$ ca com o resgate histórico do momento político vivido pelo país, e a criação do Território do Iguaçu (1944 -1946). Entendemos que a re@ exão teórica, permitirá compreender a contribuição de tais ações políticas no contexto sócioespacial e na organização do território paranaense. Para tanto, pretendemos analisar/discutir as particularidades pertinentes ao tema e os principais agentes envolvidos no processo.

Page 212: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

219

A política de Vargas: avaliando resultados

Para compreendermos o momento político da criação do Território buscaremos analisar e discutir a presidência do Brasil na época e as suas principais características de governança para que possamos situar o leitor com o momento político da época.

Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, em novembro de 1930 encontrou o Brasil numa situação econômica bastante preocupante, sofrendo ainda com colapso da bolsa de Nova York em 1929, que afetou a economia do mundo inteiro, e com a queda da bolsa do café, no mercado internacional, que fez com que saísse do país muito capital.

Para tentar conter a crise, num primeiro momento, Vargas tentou implementar uma política de caráter ortodoxo, buscando contrair o gasto público, o crédito e a emissão de moeda. Entretanto, perante a gravidade da crise, não foi possível sustentar apenas essas medidas, obrigando o governo a adotar uma política voltada para a sustentação da atividade econômica. (CORSI, 2004)

A mais importante foi a defesa do café, que introduziu um imposto sobre cada saca exportada, ampliou o crédito interno e retirou do mercado, entre 1930 e 1934, mais de 50 milhões de sacas, das quais cerca de 34 milhões foram destruídas, impedindo assim um colapso cafeeiro, o que contribuiu para manter o nível de atividade no comércio, na indústria, nas $ nanças e nos serviços.

A sustentação da atividade econômica associada à desvalorização da moeda e ao controle das operações cambiais, contribuiu para a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento industrial. “No entanto, a política econômica adotada no período não visava intencionalmente fomentar a industrialização, mas sim neutralizar os efeitos negativos da crise internacional” (CORSI, 2004, p. 24).

A economia recuperou-se a partir do crescimento das atividades vinculadas ao mercado interno, destacando-se o setor de bens de produção. Esses desempenhos favoráveis no setor industrial marcam o início da expansão industrial, determinando à dinâmica da acumulação de capital.

Outras medidas também contribuíram para a retomada da economia, como: a criação de órgãos de regulação e fomento de setores especí$ cos, como por exemplo, o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Conselho Federal de Comércio Exterior, o Departamento de Produção Mineral, o chamado reajustamento econômico, que perdoou 50% das dívidas dos proprietários rurais contraídas até 30 de junho de 1933, a proibição de importações de máquinas e equipamentos para os setores da indústria, a isenção de

Page 213: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

220

tarifas sobre importações de equipamentos para alguns setores industriais considerados importantes, a reforma educacional.

Destaca-se a introdução da legislação trabalhista e a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1932. Medidas que visavam regular a relação entre o capital e o trabalho no espaço urbano. Uma série de direitos trabalhistas foram sendo introduzidas, entre elas o descanso semanal remunerado, regulamentação do trabalho das gestantes e dos menores, férias remuneradas, aposentadorias, salários mínimo, as quais foram sistematizadas em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, que vigoram até hoje. Também foram introduzidos os sindicatos corporativos por categorias, controlados pelo Estado, sendo esse seu principal problema, já que sendo impostos de “cima” para “baixo” representavam uma ambigüidade

O processo sócio-histórico-político conduzido por Vargas tinha um caráter dialético, cuja unidade era contraditória: tanto representava conquista e reconhecimento dos direitos sociais do trabalhador quanto representava desejo de controle e cooptação do Estado sobre a classe operária. (NOGUEIRA, 2004, p. 32,33)

Foi criada a Carteira de Trabalho em 1932, obrigatória para a $ liação num partido e para a obtenção dos benefícios trabalhistas e sociais.

Essas medidas foram instituídas como uma dádiva do Estado, construindo uma ideologia dos direitos trabalhistas na qual Vargas aparece como “pai dos pobres”, base de sua política populista. No entanto, boa parte dessas medidas, nesse período, não saiu do papel. Pode se dizer que a

[...] legislação trabalhista e a estrutura sindical corporativa controlada pelo Estado foram um instrumento de controle do movimento operário e de arrocho dos salários, o que potencializou a acumulação de capital e contribuiu sobremaneira para o aprofundamento da concentração da renda e das desigualdades sociais, [...] seria uma das características mais marcantes do padrão de desenvolvimento econômico introduzido por Vargas (CORSI, 2004, p. 25).

Resultado de uma aliança heterogênea, compreendendo setores oligárquicos excluídos do poder, classe média urbana e burguesia industrial nascente, a Revolução de Trinta liberará as forças necessárias à conclusão do processo de produção do território brasileiro. Isso se deve a duas grandes razões: em primeiro lugar, porque a centralização política administrativa que ela dará origem corresponderá a um forte golpe na descentralização

Page 214: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

221

de que gozavam os Estados federativos. Simbolicamente bem representada pela queima das bandeiras dos Estados, tal centralização fará com que o espaço dos Estados fosse transformado num espaço sobre o qual pairava uma autoridade central, superior. Entre outras medidas, disso fará prova Getúlio Vargas ao intervir em vários Estados para impor a orientação centralizadora do novo regime (NASCIMENTO, 1985).

No ano de 1937, Vargas fecha o Congresso promulga uma nova Constituição de 1937 baseada nas constituições de caráter fascista da Itália e da Polônia, e inicia o período ditatorial conhecido por Estado Novo. Uma das características desse regime são as conquistas políticas por vias golpistas. Quando Vargas implantou o Estado Novo, o fez com a justi$ cativa de frear as fortes ameaças de golpes comunistas no país. Decretou moratória da divida externa e instituiu o controle rígido do câmbio. Signi$ cando um confronto direto com os credores externos. E ao nacionalizar as quedas d’água, os recursos minerais da indústria de base, os bancos e as companhias de seguro pareciam con$ rmar a radicalização.

Entre os órgãos criados pelo governo na época do Estado Novo está o DIP – departamento de imprensa e propaganda – que acabou por controlar os meios de comunicação e que procurou garantir uma “boa imagem” do governo de Vargas. Além disso, o governo de Vargas agiu diretamente com a classe trabalhadora, moldando-a de modo a garantir o propósito de seus objetivos, ou seja, desenvolver a industrialização nacional baseando-se em uma substituição de importações.

A criação dos territórios é uma forma de exempli$ car a ação nacionalista do governo Vargas. No âmbito interno, Vargas procurava garantir a ocupação e a nacionalização das áreas de fronteira, para tentar conter o isolamento e trazer uma enorme região para econômica nacional. Assim, ele cria o projeto “Marcha para Oeste” que já vinha sido pensado desde seu primeiro ano de governo em 1930 e que buscava a criação de territórios federais em áreas de fronteira.

Entretanto, sem abandonar a idéia de desenvolvimento calcado no mercado interno e na indústria, sendo que a implantação da grande siderurgia era considerada fundamental.

Além do extraordinário reforço à industrialização dado pelo Estado, são bem representativas dessa fase, em que se acaba a construção do território, as medidas extinguindo as barreiras alfandegárias entre os estados, estabelecendo um imposto de consumo sobre as mercadorias em todo o país, e abolindo a capacidade que tinham os Estados Federados de legislarem sobre comércio exterior. É dentro desse quadro de transformações

Page 215: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

222

fundamentais para o território que, pouco a pouco, será implantada uma enorme infra-estrutura de transporte (rodovias Rio - Bahia, Belém - Brasília, etc.) e de comunicações, para permitir a circulação dos bens industriais produzidos pelo “centro” (São Paulo notadamente) em direção à “periferia” (os antigos espaços federados agora subordinados). É este o “modelo” de território que prevalece no Brasil até hoje (NASCIMENTO, 1985).

É nesse contexto que acaba por ser criado o Território Federal do Iguaçu, que teve como capital o município de Laranjeiras do Sul.

Território federal do Iguaçu: da criação à extinção

A criação de Territórios Federais ganhou destaque após o Brasil comprar da Bolívia o Território do Acre em 1903, $ cando assim, uma indagação sobre quem deveria jurisdicionar o Território, se a União ou um Estado da federação. O impasse foi resolvido via decreto n° 1.181 de 25 de fevereiro de 1904 autorizando o Presidente da República administrar provisoriamente o Território.

Depois de resolvido o impasse político e jurídico, segundo Mayer (1976 apud MUSSOI, 2004, p. 7).

território federal é uma área, um espaço territorial, não compreendido na jurisdição de estados-membros, excedente portanto do conjunto territorial compartilhado por essas unidades federativas e imediata e exclusivamente submetido à jurisdição da União.

A Constituição de 1934, em seu primeiro artigo, já explicitava o Território como ente da União, acrescentava que “logo que tiver 300.000 habitantes e recursos su$ cientes para a manutenção dos serviços públicos, o território poderá ser, por lei especial, erigido em Estado” (MUSSOI, 2004, p. 7). Essa constituição foi elabora em pleno período revolucionário de Vargas e a questão da criação de novos territórios já estava sendo amplamente discutida.

Embora essa Constituição fosse muito modi$ cada na Constituição de 1937, fôra redigida a portas fechadas por Vargas, que decretou o fechamento do Congresso e promulgou uma nova Constituição, iniciando o período ditatorial conhecido por Estado Novo, que se prolongaria até 1945, conforme supracitado.

Page 216: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

223

Uma das propostas de Vargas, com o Estado Novo, era o fortalecimento das áreas fronteiriças, e para isso ele criou o projeto “Marcha para o Oeste” com a idéia de criação de Territórios Nacionais em áreas de fronteira, para possibilitar sua colonização e ocupação.

O Território Federal do Iguaçu nasce nessa idéia, com a fusão da parte Oeste e Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina. Toda essa região encontrava-se abandonada pelas autoridades locais, sendo freqüentes a presença de estrangeiros, principalmente de paraguaios e argentinos.

Temendo uma possível ocupação desse território pelos argentinos, Vargas criou o território Federal do Iguaçu. “Um ato de ocupação de$ nitiva da faixa de fronteira, para assim romper o isolamento e afastar de$ nitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional, que rondava a região” (LOPES, 2002, apud MUSSOI 2004, p. 34).

Quem explorava os recursos disponíveis eram os paraguaios e argentinos, principalmente a erva-mate e a extração de madeira. Além disso, “impressionara a situação de desnacionalização que constataram na região: a língua corrente era o guarani e o espanhol, o dinheiro era o peso argentino, a navegação do Rio Paraná era controlada pela Argentina [...]” (WACHOWICZ, 1982. apud MUSSOI, 2004, p. 18), evidenciando a desnacionalização encontrada na região de Laranjeiras do Sul nesse período. Além desses problemas, a população enfrentava também omissão do governo no atendimento às necessidades básicas, assim como precárias vias de acesso, que di$ cultavam a vida dos moradores.

Vargas sabia de todos esses problemas, devido uma revolução que acabou por acontecer nessa região, chamada “revolução tenentista”, revelando à nação todos esses problemas de desnacionalização.

O Território Federal do Iguaçu teve dois Governadores, Major Garcez do Nascimento e Frederico Trotta. O primeiro paranaense foi nomeado em 06 de janeiro de 1944, permanecendo no governo até o $ nal de fevereiro de 1946, o segundo, nomeado em seis de fevereiro de 1946, entrou em exercício em cinco de março, permanecendo mesmo após a extinção do território em 18 de setembro de 1946.

Entretanto, o decreto presidencial que criou o território, não de$ niu sua capital. Medidas complementares foram tomadas através do decreto lei nº. 5.839 na qual estabelecia que a capital do território fosse a cidade de igual nome. Tal empasse perdurou por oito meses, quando em 31/05/1944 pelo Decreto-Lei nº. 6.650 foi feito uma reti$ cação dos limites do território, ampliando sua área e de$ nindo sua capital, correspondente a Vila de Xagu, ex-Laranjeiras, desmembrado do município de Guarapuava. Dessa

Page 217: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

224

maneira Laranjeiras do Sul deixa da condição de vila para se tornar capital do Território, com o nome de Iguaçu.

A escolha da vila Xagu, ex–Laranjeiras, não é ainda muito esclarecida, sabe-se que esta decisão foi tomada pelo Major Garcez do Nascimento, primeiro governador do território, que após percorrer todo Território Federal do Iguaçu optou por Laranjeiras uma vez que a BR 277, que estava em construção, provavelmente passaria na cidade (MUSSOI, 2004). Como também por a cidade $ car mais próxima de Guarapuava e seus serviços.

Após ser considerada capital do Território, várias melhorias foram feitas na cidade, dentre elas o plano Urbanístico, criação de um hospital, escola, plano rodoviário e outras das quais, como cita Mussoi (2004, p. 101) “O Governo do Território realizou também inúmeros serviços de utilidade pública, tanto na Capital como nos demais municípios”, evidenciando as reformas realizadas em toda região, que $ cou durante muito tempo abandonada pelos seus respectivos Estados, e as melhorias para suas populações.

A cidade e toda a região do Território passaram por um processo rápido de crescimento econômico e social, com medidas que privilegiavam o povo e uma conseqüente melhoria na economia da região. Embora, quem mais lucrasse com o Território fosse Laranjeiras do Sul, pois muitas reformas foram feitas na cidade, buscando apresentar a cara de uma capital Federal, foram muitas as melhorias feita nos demais municípios que compreendiam o Território.

No ano de 1945, em virtude de manifestações da sociedade para a redemocratização do país, o regime de Vargas tinha se tornado insustentável. Assim, o Alto Comando do Exército, apoiado por uma signi$ cativa parcela da sociedade civil, depôs Getúlio Vargas em 20/10/1945, decretando o $ m do Estado Novo. Devido a essa instabilidade na política nacional tornou-se fácil para que Paraná e Santa Catarina se mobilizassem para a reconquista do território perdido.

Em dezembro desse mesmo ano, ocorreram eleições para presidente da Republica e novos parlamentares. Eurico Gaspar Dutra saiu vencedor e ele apoiava o $ m do Território. Os Territórios Federais não votaram em parlamentares, só para presidente, sendo um dos fatos da falta de representatividade via Assembléia dos Territórios.

A Assembléia Nacional Constituinte foi o fórum no qual Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso, travaram uma verdadeira batalha para extinção do Território do Iguaçu e de Ponta Porá, sendo a liderança do Paraná.

Após aprovada a Constituição Federal de 1946, o projeto de Emenda Constitucional propondo a extinção do Território Federal do Iguaçu foi

Page 218: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

225

apresentado pelo deputado paranaense Bento Munhoz da Rocha, no dia 10/06/1946 recebendo 119 assinaturas, com apoio unânime dos 10 deputados paranaenses e dos dois senadores. Com relação à Santa Catarina, apenas dois deputados assinaram esse projeto, evidenciando a liderança paranaense.

Para que a Emenda tivesse êxito havia a necessidade de mobilizar a população do Território para o apoio à decisão. Entretanto, a população não era favorável à extinção, pois temiam o retrocesso, o abandono das autoridades e o retorno da vida difícil da qual levavam. Assim, foi criada uma comissão composta por um professor, José Loureiro Fernandes, e um engenheiro, Antonio Batista Ribas, pessoas in@ uentes em Iguaçu para convencer a população. Eles pediam a população para que mandassem cartas, telegramas, memórias enviadas ao Presidente da República e a Assembléia pedindo a reincorporação.

Alguns telegramas pedindo a extinção do território têm uma origem duvidosa, (MUSSOI, 2004), o que provocou revolta no povo do Território e da imprensa local.

Outro aspecto que merece destaque:

é o fato de não ter havido manifestações das autoridades e lideranças políticas municipais, apoiando ou contestando às pretensões paranaense, dando a nítida impressão de que, ou a questão territorial não era considerada relevante, ou simplesmente não querendo tomar partido preferiam a neutralidade, possivelmente em função dos acordos $ rmados com os emissários do Interventor paranaense Brasil Pinheiro Machado (MUSSOI, 2004, p. 155).

O ato de extinção do Território Federal do Iguaçu e de Ponta Porã se deu via aprovação da Assembléia Nacional Constituinte no dia 8 de setembro de 1946, bastando apenas à promulgação da Carta Magna, a qual ocorreu no dia 18 do mesmo mês.

Após a extinção do Território, Laranjeiras do Sul, ainda com o nome de Iguaçu, volta à condição de Vila de Guarapuava, entretanto prevendo uma possível revolta dos moradores da cidade, Laranjeiras do Sul é novamente erigida à condição de cidade, agora do Estado do Paraná, no dia 30 de novembro de 1946, mas até hoje as marcas deste período histórico ainda são notáveis.

Esse fato acabou deixando marcas na paisagem e na memória dos habitantes da cidade e de toda região. Embora o pouco tempo da existência do Território, foram muitas as melhorias para a população, que acreditava num futuro promissor.

Page 219: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

226

Considerações ' nais

Pode-se perceber, com o trabalho, o quanto decisões que extrapolam a vontade local e os agentes locais, in@ uenciam no processo de criação e organização de um Território. Embora o caso de Laranjeiras do Sul represente uma especi$ cidade, na cidade, os agentes locais não tiveram participação nas decisões que afetavam seu território. Entretanto, acreditamos que devido ao momento político e como se encontrava a região, a criação do Território Federal do Iguaçu foi de fundamental importância para a cidade.

Os mesmos mecanismos extra-locais que deram uma relativa importância para a cidade no cenário nacional num determinado momento, foram também os responsáveis pelo abandono da questão antes priorizada, demonstrando a predominância de ações centralizadoras e autoritárias, aplicadas pela equipe de Vargas que se servia das forças regionais, locais para seus projetos e os desfazia à medida que mudavam os interesses e alianças político-econômicas (COSTA, 2001). Evidencia-se também, a falta de continuidade dos projetos quando ocorre a troca de governo.

Torna-se difícil tecer considerações sobre como a região estaria se o Território não tivesse sido extinguido. No caso apresentado, além dessa questão da criação e extinção do território, a cidade passou por um processo de fragmentação territorial intenso com a emancipação direta ou secundária de doze municípios que pertenceram a seu território nesse primeiro momento, desestruturando-a política, social e economicamente (CORADELI, 2006). Atualmente, Laranjeiras do Sul encontra-se na região do Estado do Paraná com a maior incidência de famílias pobres; como também entre as cidades que não apresentam alto crescimento no índice de desenvolvimento humano municipal (IPARDES, 2000), bem diferente de outras capitais federias da região sul como Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.

Considerando esses fatos, acreditamos que se o Território tivesse sido mantido, a realidade poderia apresentar diferenças e a organização do território paranaense seria outra. Quanto à capital do Território, tais fatos foram impactantes para a cidade tanto no âmbito administrativo, quanto das aspirações da população, exigindo reorganização e tempo para a retomada de novos rumos.

Page 220: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

227

Referências

CORADELI, R.T. Formação de novos municípios: políticas de desenvolvimento ou estagnação para pequenas cidades no centro sul do Paraná. In: SEMANA DE GEOGRAFIA, 15., 2006. Anais... Guarapuava:UNICENTRO, 2006, p.196.

CORSI, F. L. O longo caminho da industrialização. História Viva, São Paulo, v. 4, p. 22-30, 2004.

COSTA. Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. Ed. Contexto. São Paulo, 2001.

MUSSOI, Arno, Bento. Administração Pública do Território Federal do Iguaçu. Curitiba, (Monogra$ a de pós-graduação da Faculdade do Brasil) Faculdade do Brasil, 2004.

NASCIMENTO, A . Produção Histórica do território Brasileiro e Teoria Geral do Estado: notas críticas sobre uma discussão. In: REVISTA, n.º1, Dezembro de 1985 - p. 76-90.

NOGUEIRA, A. J. F. M. . O trabalho sob a tutela do Estado. História Viva - Grandes Temas - Edição Especial Temática - Ediouro, Brasil e Portugal, v. 4, p. 30 - 37, 11 ago. 2004.

Page 221: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

A globalização no contexto local e global: modernidade e complexidade

BERTOTTI, Luiz Gilberto1

SANTOS, Ariodari Francisco dos2

Resumo: O presente trabalho pautou-se na proposta de apresentar de forma sucinta, por meio de um “diálogo” a globalização no contexto local e global. Dessa forma, Anthony Giddens e outros autores foram de importância ímpar nesse processo, por ser nos últimos tempos esta temática, juntamente com as questões ambientais, as que alcançaram destaque mundial devido à crescente preocupação da sociedade com a conservação, apropriação e o uso dos recursos naturais. Assim, inúmeros debates têm emergido nos diversos setores da sociedade, procurando compreender a lógica do sistema internacional e buscando alternativas para o uso racional dos recursos naturais. É nesses sistemas de interações complexas que se observa o avanço do modelo atual de desenvolvimento em busca desesperada de matéria-prima proporcionando mudanças signi$ cativas na paisagem natural. O objetivo principal é compreender como se con$ gura essa relação buscando suas especi$ cidades em relação ao seu processo de estruturação e as transformações, sublinhando a complexidade, ambiente e sociedade.

Palavras-chave: Globalização; capitalismo; modernidade; risco; economia.

IntroduçãoO presente artigo é o resultado de uma abordagem sucinta referente

à globalização no contexto local e global, diante deste desa$ o procurou-se reconstruir um “dialogo” com a participação de alguns autores de renome internacional, dentre eles, Anthony Giddens.

Nas sociedades modernas as in@ uências culturais e econômicas são evidentes, em função de diversos fatores dentre os quais a penetração dos meios de comunicação e a globalização do mercado. Contudo, a identidade

1 Professor Adjunto do Departamento de Geogra$ a/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de

Pesquisas Ambientais. e-mail: [email protected] Professor Adjunto do Departamento de Biologia/UNICENTRO. Pesquisador do Núcleo de

Pesquisas Ambientais. e-mail: [email protected].

Page 222: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

230

de cada uma delas é caracterizada pelo seu modo de vida nos lugares que construíram e nos quais habitam.

E nesse sentido, observamos importantes transformações políticas, sociais e econômicas que têm atingido de forma direta ou indireta toda a sociedade, seja ela local ou mundial.

Essas transformações são capazes de dar origem aos “riscos de grande conseqüência” que se originaram do impacto do desenvolvimento técnico-industrial sem limites sobre o homem, como consumidor e produtor, sobre a natureza e também sobre a sociedade e sua organização. Nessa perspectiva, Giddens (1991) identi$ ca a origem das crises nas quais enfrentamos estes “riscos”, sendo uma delas o impacto do desenvolvimento social contemporâneo sobre as geobiocenoses.

É nesses sistemas de interações complexas que se observa o avanço do modelo atual de desenvolvimento em busca desesperada de matéria-prima proporcionando mudanças signi$ cativas na paisagem natural.

O capitalismo contemporâneoSaul (2003, p.1) menciona que o capitalismo contemporâneo é visto por

Giddens como um novo modelo de integração social, norteado por laços que se estendem muito além das fronteiras clássicas das comunidades e das nações, levando em si um novo signi$ cado de organização social e política que desa$ a as atuais gerações a repensarem as gêneses da experiência democrática.

As análises da economia capitalista contemporânea devem ter suas referências, em termos metodológicos, a partir do arcabouço teórico que procura descrever o organismo reprodutivo deste sistema. Nessa con$ guração, como é notório por meio da economia política formulada por Marx, um conjunto determinado de leis de movimento e reprodução orienta e conduz o funcionamento dessa economia por meio de uma regularidade particular. Estando esta sintetizada no conceito de ciclo econômico, a qual, por sua vez, está inserida a crise como sendo uma de suas formas básicas. Portanto, no modelo capitalista, a produção, o excedente e a acumulação do capital, ao tempo em que estão logicamente relacionados entre si, também se articulam de acordo com ritmos, volumes e proporções desiguais no tempo e no espaço, decorrendo dessa dimensão o surgimento da crise, denominada em geral de superprodução (MARX, 1986).

No que se refere ao ciclo econômico, a dinâmica capitalista é identi$ cada, em sua formulação clássica, representando a composição de um processo logicamente encadeado, decorrido em um certo período de

Page 223: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

231

tempo. Os elos dessa cadeia de fenômenos econômicos são representados por um período inicial de crescimento, cuja marca dominante é a acumulação rápida do capital; no período seguinte, a superacumulação passa a ser o traço dominante. O desenlace deste processo, ainda dentro desse período, acontece com a abertura da crise em si mesma, qual seja, um período durante o qual haverá desaceleração da acumulação e sub investimento (KATZ, 2000).

Globalização, um fenômeno recenteDiante das exposições acima, torna-se mais fácil a tarefa de avaliar uma

questão de suma importância que emergiu para o primeiro plano no capitalismo contemporâneo, alvo de grandes debates e polêmicas discussões.

Trata-se da chamada globalização3 “a intensi$ cação das relações sociais de alcance mundial, que vinculam lugares distantes de tal forma que acontecimentos locais são in@ uenciados por eventos remotos, e vice-versa”, (Giddens 1991, p. 69) assim, em grande parte das abordagens é considerada como um fenômeno recente, o que justi$ caria delimitar os anos 1970 como seu marco inicial.

Com a chegada da grande indústria e da subsunção real do trabalho ao capital, cenário que se consolida a partir do início século XIX, o modelo capitalista passa a contar com instrumentos que revelaria sua inexorável tendência à expansão. Desde então, a partir da a$ rmação e predomínio daquelas nações que compuseram o núcleo pioneiro do novo modo de produção, o capital se apresenta como a força determinante constitutiva dessa totalidade mediante um processo contínuo. Muito embora, como é inerente à natureza de seu movimento cíclico, sua lógica interna trabalhasse por meio de contrações, rupturas e relações mútuas construindo um universo extremamente complexo, a tendência dominante foi a implementação de estruturas homogêneas, de caráter econômico, político e cultural, sobre o conjunto das nações (SAUL, 2003).

A economia global aberta é uma preciosa conquista, oferecendo oportunidade, criatividade e riqueza (HUTTON; GIDDENS, 2001, p. 213-4).

3 “Tornou-se uma espécie de palavra da moda. Muitas vezes dita, mas raramente com o mesmo

signi$ cado. Trata-se na verdade, de um daqueles conceitos tão amplos, que é empregado por diferentes pessoas para explicar fatos de natureza completamente diversa, sendo que, mesmo quando quali$ cada como econômica, ainda assim, pode ser associada a uma grande variedade de fenômenos” (CARDOSO, 1996).

Page 224: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

232

A necessidade de um caminho

Existe uma certa correspondência na escala temporal entre a veiculação do conceito de capitalismo global e o debate sobre a necessidade de um terceiro caminho nas articulações políticas nacionais. Dos anos oitenta em diante, tornou-se uma espécie de lugar-comum no pensamento político a veiculação da idéia de que o processo de globalização havia criado uma nova fronteira afetando não apenas a democracia representativa, o conceito de soberania e a identidade nacional. Esse processo teria estreitado consideravelmente a margem de manobra macroeconômica, fazendo com que a diferença entre esquerda e direita se reduzisse à maneira como se manipulam receitas e despesas para alcançar macro-resultados. A questão de que tipo de resultados buscar $ ca posta de lado (Gonzalez e Ho� mann, 1999), dando margem ao surgimento de diferente concepção de região, o “regionalismo aberto”, que circula como característica central do movimento da globalização e de abertura dos mercados nacionais e sua reunião em blocos regionais.

A terceira via em sua vertente britânica, mais do que uma mera re@ exão sobre o impasse diante das condições emergentes na vida política, ou uma reação contra a apatia e a incapacidade da esquerda para enfrentar a revisão da “ortodoxia” da política democrática. A intenção não é apenas de apontar para a solução dos problemas propostos pelo movimento da globalização, como também para a fundamentação dessa solução através de sua sustentação num corpo de conceitos, cujo sentido é mostrar que ela se encontra na própria dinâmica daquele movimento. Muito embora as noções sociológicas e o conhecimento da vida social não possam ser aplicados imediatamente em planos de intervenção social por parte de órgãos governamentais ou de grupos poderosos, “o impacto prático das teorias sociológicas estão constitutivamente envolvidos no que a modernidade é” (GIDDENS, 1991, p. 24).

Na perspectiva do autor, a resolução dos dilemas da vida na atualidade tem seu núcleo estratégico de$ nido pelo processo de ajuda aos cidadãos para abrir caminho através das “revoluções” do nosso tempo. Ou seja, a globalização, a transformação na vida pessoal e o relacionamento com a natureza. Esse processo implica um novo tipo de relacionamento do indivíduo com a comunidade, através da rede$ nição de direitos e obrigações (SAUL, 2003).

Page 225: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

233

Transformação e risco

Essa transformação deve levar em conta a questão do risco, conceito este que em qualquer campo de saber cientí$ co ou tecnológico em que venha a ser utilizado, tem um único e preciso signi$ cado: probabilidade de ocorrência de um evento de interesse, mantendo-se especialmente o lado ativo do risco, isto é, a oportunidade e a inovação - o lado “não ativo” representado por segurança e responsabilidade (GIDDENS, 1999, p. 73).

O enfrentamento do risco é inerente à atividade empresarial e à força de trabalho. Os agentes devem assumir riscos com responsabilidade, nas esferas dos mercados, governamentais, empresariais e do trabalho. O Estado deixa de ser referência para con@ itos derivados da desigualdade. A questão da desigualdade se resolve pela eliminação das discrepâncias criadas pela “meritocracia”. Ela deve ser conduzida através de reformas que proporcionem oportunidades de formação pessoal e iniciativa individual. O bem estar positivo deve voltar-se para a formação de capital humano por meio do qual se encaminharia o desenvolvimento da capacidade cognitiva e emocional, elementos decisivos da “inclusão” (GIDDENS 1999, p. 113 - 127). Deve se entender que o con@ ito entre capital e trabalho não existe mais. O que hoje ocorre é uma disputa em torno e dentro de mercados, e o decisivo é ser competente e superar os riscos, ou assumir a incompetência e aceitar o destino que a nova economia reserva para os incompetentes.

O trabalhador deve ter o espírito do empresário, da competição e da aceitação de desa$ os. Ambos são “empreendedores sociais”. A empresa é o modelo tanto de competição quanto de criação de riqueza e nele deve inspirar-se a sociedade tanto civil quanto política (Estado ou governo). Ela passa a ser o nervo do “novo interesse público”. O risco é a característica da modernidade tardia ou da sociedade pós-tradicional, termo que Giddens (1991) prefere à noção de pós-modernidade, por entendê-la sem precisão. A matriz do risco, que deriva da análise das questões ecológicas como um dos dilemas que dominam o debate em torno das novas direções da social-democracia, serve, assim, de núcleo em torno do qual se estabelecem os elos de ligação entre a teoria social e o programa político. Os elementos componentes da matriz do risco, inovação e oportunidade, segurança e responsabilidade, são os campos representativos dos novos valores da social-democracia renovada e os articuladores de toda a trama que de$ ne os novos princípios sociais e políticos que devem caracterizar o novo Estado e a nova sociedade civil.

Na matriz do risco, opera-se a articulação entre o dinamismo da sociedade pós-tradicional e a subjetividade típica do novo individualismo,

Page 226: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

234

essencialmente sensível às questões morais da nossa época. Trata-se de um “individualismo institucionalizado” (expressão de Ulrich Beck assumida por Giddens), no sentido de que não se refere mais à manifestação de interesses pessoais como no antigo individualismo, sinal de decadência moral e uma ameaça constante à solidariedade social, mas de um esforço perene pela produção dessa solidariedade e de ampliação da democracia (GIDDENS, 1999, p. 46-47). Enquanto na velha social-democracia a questão da responsabilidade $ cava submersa na “provisão coletiva” garantida pelo Estado, o novo individualismo implica o despertar do sentido de responsabilidade que anima a busca do equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade.

De outro lado, na matriz do risco, $ ca evidente que o elemento que serve de ligação entre o lado ativo e o lado não-ativo do risco tem a mesma origem da matriz, isto é, a questão ecológica, e tem correspondência também com a estratégica noção de “conservadorismo $ losó$ co”. O conservadorismo $ losó$ co implica a combinação entre modernização e conservadorismo e se apresenta como a forma mais adequada para enfrentar a nova combinação entre risco e responsabilidade. Essa combinação de modernidade e conservadorismo é só aparentemente contraditória.

Para Giddens, ela é a forma pragmática de enfrentar as mudanças decorrentes dos avanços da ciência e da tecnologia e das relações sociais derivadas, que são os elementos fundantes da nova economia mista. Na verdade, na perspectiva do autor, o social se traduz em práticas com extensão espacial e duração temporal que são constituídas a partir de relações de con$ ança, funcionando esta como base da segurança ontológica (Giddens 1991, p. 95) que liga as subjetividades às instituições ou às estruturas e aos sistemas. É importante referir que a noção de segurança ontológica parece ser um dos conceitos centrais de toda a teorização social do autor, marcando presença desde seus primeiros trabalhos. A noção desempenha papel decisivo, por exemplo, no desenvolvimento da idéia de dualidade de estrutura e, conforme Giddens, na conseqüente superação da oposição freqüentemente reiterada no debate teórico em sociologia entre ação e estrutura.

Defendendo-se de seus críticos, Giddens, em 2000, volta a reiterar seus argumentos acrescentando, entretanto, alguns aspectos novos quanto à sua fundamentação. Em primeiro lugar, reitera que o debate entre esquerda e direita perdeu substância e grande parte da sua signi$ cação para entendimento do que ocorre na sociedade contemporânea. Em segundo lugar, aponta três áreas que emergem como decisivas na esfera do poder: governo (ou Estado), economia e “comunidades” da sociedade civil. Em terceiro, a ordem social, a democracia e a justiça social não admitem o

Page 227: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

235

predomínio de uma esfera sobre outra. Segue-se a necessidade de elaboração de um novo contrato social fundado no princípio antes mencionado da “inexistência de direitos sem responsabilidade” a ser aplicado a todos, ricos e pobres, empresas ou indivíduos. Em quarto, refere-se à esfera econômica e, particularmente, à criação da nova economia mista, ancorada na “nova economia da informação” ou “economia do conhecimento”. A seguir, considera como objetivo a consolidação de uma “sociedade diversi$ cada” baseada em princípios igualitários. Porém, a terceira via não admite o igualitarismo de renda e sim o igualitarismo de oportunidades. E, por último, vem a necessidade de levar a sério a globalização. Ela não tem apenas aspectos negativos. Tem os aspectos positivos e estes devem ser maximizados pelo programa da terceira via (GIDDENS, 2000a, p. 50-4).

A caracterização do movimento que inspira a renovação política contida na proposta da terceira via aparece reforçada nesse texto, indicando com maior detalhe a articulação entre a globalização, as condições econômicas emergentes, sua determinação sobre mudanças na vida cotidiana e o surgimento de uma “cidadania re@ exiva”. A globalização em curso é diferente de movimentos análogos anteriores (GIDDENS 2000a, p. 65). De acordo com Giddens, o fenômeno da globalização, em sua natureza, causas e conseqüências, não se reduz ao mercado global e deve ser entendido, também em suas características sociais, políticas e culturais (GIDDENS 2000a, p. 68). Não parece haver dúvidas sobre o fato de que o processo econômico em curso está no centro das transformações da sociedade contemporânea. A intensidade do processo de globalização é in@ uenciada diretamente pela revolução na tecnologia da informação, induzindo à globalização da “economia do conhecimento”, o que, combinando-se com aspectos mais amplos do processo, gera mudanças na natureza da atividade econômica (GIDDENS 2000a, p. 69).

Ao de$ nir as prioridades que a nova política deve promover, Giddens dá ênfase à questão educacional e do incentivo ao capital humano: “A força chave no desenvolvimento do capital humano deve ser obviamente a educação. É o principal investimento público para impulsionar tanto a e$ ciência econômica quanto a coesão cívica” (GIDDENS, 2000a, p. 73).

Trata-se, na concepção de Giddens, de uma virtude do processo de globalização que, induzindo uma pressão para baixo, estimularia o desenvolvimento do espírito comunitário nas esferas locais (devolution). Neste caso, o termo comunidade é empregado, esclarece Giddens, não no sentido de recuperação de velhas formas de solidariedade, mas como uma tendência de renovação social e material de grupos, em bairros, pequenas

Page 228: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

236

cidades e outras áreas locais mais amplas. A elevação do nível de auto-organização indica a condição re@ exiva de uma sociedade, e isso revelaria a inexistência de “fronteiras permanentes” entre governo (ou Estado) e sociedade civil (GIDDENS, 1999, p. 89-90).

Dentre as ambigüidades e ambivalências de Giddens, a questão da sociedade civil adquire uma dimensão extremamente signi$ cativa. No ano de 1973, criticando a teoria do Estado capitalista em Marx, Giddens expressa a sua discordância com a forma em que é sustentada, naquele autor, a relação entre Estado e sociedade (GIDDENS, 1975, p. 342). Em 1985, a$ rma que não se utiliza o conceito por ver nele, a partir das análises de Marx, uma fonte de equívocos (GIDDENS 2001, p. 93). Em 1994, voltará a insistir na idéia, ao tratar de desenvolver a linha de força de uma política radical (alternativa à social-democracia clássica). Diz ele, argumentando a respeito da necessidade de restabelecer a solidariedade dani$ cada pelas condições vigentes no sistema de mercado sem controles, processo que envolveria certo conservadorismo $ losó$ co e preservaria valores associados até então ao pensamento socialista: É importante não interpretar isso no sentido da idéia de uma revitalização da sociedade civil, que goza de tanto prestígio entre certos setores da esquerda. O conceito de uma “sociedade civil” intermediária entre indivíduo e o Estado é [...] suspeito quando se aplica às condições sociais atuais. Hoje devemos falar mais propriamente de re-ordenamento das condições da vida individual e coletiva, o que indubitavelmente produzirá novas formas de desintegração social, porém também oferecerá novas bases para gerar solidariedades (GIDDENS, 2000b, p. 81).

Existem formas de barganha diversas, dentre as quais, a que atua no campo do gerenciamento dos riscos, a relacionada com os acordos em torno de temas econômicos, como salários e contratos, e a barganha que funciona no terreno do debate sobre questões ecológicas (GIDDENS 1996, p. 374). O conceito de política regenerativa é uma forma de exercício de re@ exividade social que se opera no espaço que vincula o Estado à mobilização re@ exiva da sociedade em seu conjunto: “A política regenerativa é uma política que tenta criar as condições de possibilidade para que indivíduos e grupos sejam capazes de fazer coisas - ao invés de esperar que lhes façam as coisas - no contexto das preocupações e objetivos sociais globais” (GIDDENS, 2000b, p. 85-86).

Resumindo as transformações que se operaram na vida econômica nos últimos tempos, Giddens observa que, na velha economia, a manufatura dominava o campo de articulações entre manufatura, $ nanças e conhecimento.

Page 229: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

237

A nova economiaNa nova economia, a economia global, o setor de $ nanças adquiriu

maior autonomia, submetendo os setores produtores. O conhecimento tornou-se menos subserviente à manufatura, na medida em que se fez questão-chave da produtividade. Os mercados $ nanceiros cresceram de forma diversa guiados pela crescente complexidade do conhecimento que envolve seu funcionamento. Em tais condições, o controle do capital manufatureiro e a regulação dos mercados $ nanceiros permaneceriam sendo as tarefas mais importantes dos governos de centro-esquerda. Mas, na medida em que uma outra dimensão da economia tornou-se mais importante, o governo necessita construir uma “base de conhecimento” que liberte o potencial da economia fundada na informação (GIDDENS 2000a, p. 72-73). Essa base é constituída fundamentalmente por trabalhadores polivalentes, cujo saber “é a propriedade mais valiosa que as empresas dispõem”, e a inovação e a busca de “nichos de mercado”, tendo em vista que o ciclo dos produtos é muito mais rápido hoje do que nos tempos da velha economia (GIDDENS, 2000a, p. 69-70). É no contexto de “devolution”, isto é, no processo de indução da autonomia local pelo movimento de globalização (Giddens, 2000a, p. 62-153) que conceitos como life politics e life-style bargaining, compreendendo estilos de atuação política, vivenciados nas comunidades, dão sentido mais adequado à concepção giddensiana de sociedade civil como uma das três faces do poder na sociedade contemporânea, ao lado do mercado e do governo (Estado) (GIDDENS 2000a, p. 51). É ainda dentro da perspectiva, desta “pressão para baixo”, que a questão da inovação se revela em potência plena como parte central da economia baseada no conhecimento, como produto de redes e projetos realizados em processos de colaboração (GIDDENS 2000a, p. 79).

Neste contexto, o risco é a condição do jogo político e o sucesso depende da capacidade emocional e reativa dos indivíduos e dos grupos. A con$ ança é o suporte deste arranjo de riscos e oportunidades, cuja regra é “não há direitos sem responsabilidades”, e o investimento social privilegiado na política da terceira via deve ser orientado para a promoção do capital humano em substituição do sustento econômico típico do bem estar negativo, que estimulava a ignorância e a ociosidade.

Movimentos sociais e processo de globalizaçãoTorna-se então inegável a inadequação - também para a análise dos

movimentos sociais - de se continuar a pensar no estado nacional como

Page 230: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

238

claramente delimitado em suas fronteiras políticas, sociais e culturais, de$ nindo assim o limite das práticas que emergem em seu interior, ao abrigo de “contaminações” de fora. O processo de globalização introduziu forças de integração/deslocamento no âmago das práticas institucionais e identitárias. Desta maneira, cada sociedade se transforma numa articulação de contextos regionais, culturais, econômicos, políticos, discursivos, etc. (APPADURAI, 1990; BURITY 1994 p. 45-48). Os álibis apresentados pela teoria da modernização (liberal ou marxista) para justi$ car a seqüencialidade e discrição dos “estágios” - a saber, a @ agrante situação de pobreza e exclusão social e a fragmentação da soberania nacional e das identidades coletivas -, são articulados da imprevisibilidade dos pontos de con@ ito e das formas de negociação ao surgimento de novas questões e eixos de agregação de forças, e à intensa pressão colocada pelos novos agentes sociais sobre governos locais ou nacionais. Em todos os casos, a possibilidade de que as questões, repertórios de ação, alcance da intervenção dos atores se projete para além (e aquém) das fronteiras do estado/nação realça o vínculo entre a experiência recente dos movimentos sociais o processo de globalização (BURITY, 1994).

Globalização e desenvolvimento desigual são, portanto, duas faces de um mesmo processo. Por um lado, como observa Giddens (1990 p.175), é um processo que “fragmenta ao coordenar”, introduzindo assim “novas formas de interdependência, nas quais, uma vez mais, não existem ‘outros’. Estas criam novas formas de risco e perigo ao mesmo tempo em que promovem amplas possibilidades de segurança global”.

A globalização no Brasil: existe um dualismo no espaço brasileiro?

A modernização da economia e da sociedade brasileira foi e continua sendo um processo bastante concentrado. Existe em primeiro lugar uma concentração social, com alguns – minoria rica – se bene$ ciando bastante, isto é, possuindo elevada renda e alto poder de consumo, ao passo que outros – a imensa maioria – ainda vivem em precárias condições de vida. E há também a concentração espacial ou territorial dessa modernização, com algumas áreas bastante industrializadas e outras áreas ou regiões praticamente até hoje com uma economia agrícola atrasada, com métodos rudimentares.

Por isso se diz comumente que no Brasil há uma Bélgica e uma Índia: existem, no mesmo território nacional, poucas áreas ou setores sociais comparáveis aos do Primeiro Mundo e amplas regiões e camadas populacionais em condições semelhantes ao “quarto mundo”, aos países

Page 231: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

239

mais pobres da África ou do sul da Ásia. Seriam o “Brasil moderno” e o “Brasil arcaico” ou atrasado.

Alguns autores denominam esses contrastes de dualismo ou dualidade. Eles argumentam que o “Brasil moderno” seria o motor do progresso, sendo o “Brasil arcaico” um empecilho para o desenvolvimento. Nesses termos, o grande problema para o Brasil seria resolver esse dualismo, modernizando as áreas arcaicas ou atrasadas. Já outros autores criticam essa visão, argumentando que essas são duas faces de uma mesma moeda, ou seja, que um desses brasis não existiria sem o outro. Eles a$ rmam que o atraso de certas áreas (ou a pobreza de certos setores sociais) seria uma condição necessária para o tipo especí* co de crescimento econômico que o Brasil adotou nas últimas décadas, o chamado “capitalismo selvagem”.

Considerações ' nais

Para Giddens, o processo de globalização é visto como um novo modelo de integração social orientado por laços que se estendem muito além das fronteiras tradicionais das comunidades e das nações, levando em si um novo sentido de organização social e política que desa$ a as atuais gerações a repensarem as raízes da experiência democrática. Esse é o sentido do programa da terceira via e também o sentido da teoria social de Giddens. Num plano mais geral, observa-se que a teoria e seu programa político delineiam-se no interior da tendência que parece dominar a cena na atualidade, a percepção de um novo ambiente sociológico, onde a indução pelo mercado domina como centro ético político, a partir do qual se processa uma ampla rede$ nição das relações sociais, políticas e econômicas, tanto no plano local quanto no plano global.

Segundo Giddens, os perigos ambientais que ameaçam os ecossistemas da Terra são hoje muito mais presentes e disseminados na sociedade global. Esses exemplos ilustram o que ele denomina de “dialética do local e do global” (p.27). Nessa dialética, tanto a cultura quanto a economia e as dimensões sociais têm papel preponderante.

Referências

APPADURAI, Arjun. Disjuncture and di� erence in the global cultural economy, In: FEATHERSTONE, Mike (ed.). Global Culture: Nationalism, Globalization and Modernity. London/Newbury Park/New Delhi, SAGE, 1990.

Page 232: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

240

BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização re@ exiva. In: GIDDENS, A; BECK,U.; LASH, S.; Modernização re@ exiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1989. p. 11–72 .

BURITY, Joanildo A. Radical Religion and the Constitution of New Political Actors in Brazil: the Experience of the 1980s. Inglaterra, 1994. Tese (Doutorado) - Departamento de Governo da University of Essex. Colchester, Inglaterra.

CARDOSO, Fernando Henrique. Conseqüências sociais da globalização. Conferência do Senhor Presidente da República, no Indian International Centre. Cidade de Nova Delhi, Índia, 27 jan. 1996. Brasília: Presidência da República do Brasil, 1996.

GIDDENS, Anthony. A estrutura de classes das sociedades avançadas. Trad. Márcia

B. de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

GIDDENS, Anthony. El Capitalismo y la moderna teoria social. Barcelona: Editorial Labor S. A., 1990.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

GIDDENS, Anthony. A� uence, Poverty and the Idea of a Post-Scarcety Society. Development and Change, v. 27, 1996, p. 365-377.

GIDDENS, Anthony. A terceira via: re@ exões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999.

GIDDENS, Anthony. [ e [ ird Way and its Critics. Cambridge: Polity Press, 2000a.

GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2000b.

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. Trad. Beatriz Guimarães. São Paulo: EdUSP, 2001.

GONZALES, Felipe; HOFFMANN, Stanley. European Union and Globalization. Foreign Policy, n. 115, p. 28-43, 1999.

Page 233: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

241

HUTTON, Will; GIDDENS, Anthony. On the edge. London: Vintage, 2001.

KATZ, Claudio. Ernest Mandel e a teoria das ondas longas. In: Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, 7 Letras, nº 7, pp. 74-103, dezembro de 2000.

MARX, Karl. O capital – crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural (Os Economistas), vols. I, IV e V, 1985, 1986.

Page 234: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

O estudo geográ' co das festas como manifestações culturais

SIDOR, Simone de Fátima1

Resumo: Este artigo explora o processo de constituição e consolidação atual da Geogra$ a Cultural, dentro da história de evolução do pensamento geográ$ co. Uma história marcada por rupturas e transformações que nos colocam hoje diante de uma Geogra$ a Cultural renovada, que incorpora várias dimensões das manifestações da cultura no espaço, como territorialidade e paisagem, para citar alguns exemplos. Dentro da Geogra$ a Cultural, procuramos apresentar o debate sobre festas populares, que é nosso objeto de estudo (a Festa da Padroeira de Guarapuava, Nossa Senhora de Belém). Apresentamos o signi$ cado da festa, o sentido social e espacial dessa manifestação da cultura religiosa e popular. As festas são possibilidades de entendermos as demais dimensões da sociedade local, suas transformações ao longo do espaço-tempo e suas conexões com outros lugares. As transformações por que passou a festa, são, assim, vistas como em sintonia com mudanças no espaço urbano e na sociedade local e podem ajudar à compreensão desses processos. Apresentamos também a metodologia da observação participante, que muito nos embasou nos trabalhos de campo que realizamos entre janeiro e fevereiro de 2008, período de preparação, realização e avaliação da festa, na Igreja Matriz da cidade. Nossas análises apresentam algumas dessas observações a partir das quais construímos pontes com a teoria e interpretações sobre o “lugar festivo” da festa da padroeira. Ainda no campo das metodologias de pesquisa, salientamos a importância da produção de entrevistas com os sujeitos com os quais construímos relações durante a observação. As entrevistas são uma técnica de conversação dirigida a partir de um roteiro, em que procuramos mais detalhes e esclarecimentos daquilo que observamos. Essas entrevistas devem ser transcritas em detalhe, só assim temos o documento oral, que será então, objeto de análise. Por $ m, cabe apresentar algumas observações e conclusões preliminares do estudo que ainda está em andamento. Assim, podemos adiantar que a Festa de Nossa Senhora de Belém tem características bastante únicas, vistas como formas de expressão da religiosidade local e transmissoras de sentimentos dentro de

1 Aluna do curso de Geogra$ a – Unicentro – Guarapuava-PR.

Page 235: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

244

uma sociedade que procura conservar tradições. A festa sofreu in@ uências das transformações do lugar, pois precisou se adaptar ao longo do tempo, renovando-se e mantendo-se; porém nunca deixou de simbolizar um rito universal de expressão ideológica.

Palavras-chave: cultura popular; transformação espacial; festa popular.

Introdução

Este trabalho tem a intenção de discutir o referencial teórico que estou empregando no estudo da Festa de Nossa Senhora do Belém, em Guarapuava, meu objeto de estudo na iniciação cientí$ ca voluntária e no TCC.

A Festa de Nossa Senhora de Belém está sendo abordada, na pesquisa, numa perspectiva espaço-temporal, enfocando seu signi$ cado diante da sociedade, destacando suas dimensões política, econômica e social, bem como suas relações com o espaço e a territorialidade, por serem essas dimensões bastante incorporadas dentro da geogra$ a cultural preocupada com as festas populares. A pesquisa em si objetiva observar: quais foram as transformações por que passou a festa? Qual a função da festa hoje para a sociedade guarapuavana? Como as transformações no espaço urbano e na sociedade local foram absorvidas pela festa, que também se transformou?

Como o estudo de campo, apesar de $ nalizado, ainda está em fase de sistematização, não tenho condições nesse momento, de apresentar os dados e as discussões que eles ensejam. Apresento somente, nesse texto, uma discussão sobre a história da Geogra$ a Cultural; uma discussão sobre o estudo geográ$ co das festas populares; as metodologias que me embasaram na pesquisa de campo (observação participante e entrevistas); e, por $ m, alguns rápidos apontamentos sobre a festa de Nossa Senhora do Belém, apenas para evidenciar que há muitas questões a serem abordadas pela geogra$ a no seu estudo e para argumentar que, pelo estudo dessa festa em particular, podemos conhecer muito das transformações socioespaciais pelas quais passou esse lugar que é Guarapuava, ao longo do tempo.

Observação participante

Escolher uma metodologia para a pesquisa de campo é dos fatores decisivos quanto ao seu sucesso. Entendo que, para isto, é necessário, além de saber o que estudar, também saber quais meios serão utilizados para a produção do material empírico a ser observado. Algumas importantes

Page 236: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

245

sugestões foram dadas por Cicourel (1980, p. 118), no que se refere ao início do trabalho de campo;

O pesquisador de campo deve formular o que busca realizar, testar hipóteses, delimitar território; qualquer conhecimento da situação deve ser conseguido. Incluir a literatura pertinente, entrando em contato com as fontes que possam ter informações sobre o problema a ser estudado, buscando informações sobre o meio no qual a pesquisa de campo deverá efetuar-se; na medida em que o problema a ser explorado permita, deve-se deixar claro os tipos de informações que seriam necessários para cumprir seus objetivos.

Acredito que a Observação Participante tenha sido a melhor maneira para me aproximar do grupo e poder conhecer, analisar e entender parte do universo das pessoas que trabalham na organização de festa religiosa de Nossa Senhora do Belém – sejam as pessoas que recebem seus salários no $ nal do mês, sejam as pessoas que trabalham somente guiadas pela fé, pela vontade de ajudar em um evento que quase toda a comunidade de Guarapuava participa. Para todas elas, o seu trabalho é devotado ao serviço da Mãe de Deus.

A observação participante permite um contato bastante íntimo com as pessoas diretamente ligadas aos processos que buscamos investigar. Contudo, coloca o risco da pesquisadora lidar com informações com as quais está emocionalmente envolvida. A amizade pode ocorrer durante o campo, porém não se pode deixar in@ uenciar por ela, sob a possibilidade de conduzir a pesquisa apenas de um único ponto de vista, sem contrapor as informações recolhidas.

Cicourel (1980) nos apresenta quatro diferentes tipos de papéis, formulados por Gold, que poderão ser assumidos durante o campo: participante total, observador total, participante-como-observador e observador-como-participante.

O participante total observa e interage de maneira natural, podendo participar até certo nível da vida das pessoas do seu estudo.

O Observador-como-participante é utilizado em forma de entrevistas formais, normalmente única, com um contato super$ cial entre o observador e o observado.

O Observador total é feito de maneira que o informante não toma conhecimento que está sendo observado, ele não tem contato direto com o observado. Essa posição é eticamente rejeitada pela maioria dos estudiosos e estudiosas.

Page 237: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

246

A observação participante nos permite interagir no grupo estudado, tendo contato direto com o objeto de estudo, porém, Cicourel (1980, p. 93) nos alerta para o perigo de “virar nativo”, tornar-se cego para muitas questões cienti$ camente importantes. Outra recomendação importante para este autor é quanto ao dia-a-dia da pesquisa.

O participante que estuda a mudança enquanto observador precisa, portanto manter, uma perspectiva fora e independente da mudança. Não envolver-se ajuda a evitar a alteração de estruturas de memória e permite ao observador ver mudanças cumulativas. (1980, p.95)

Ao entrar em contato com o grupo, é imprescindível que se tenha em mente que terá contato com pessoas bem diferentes do universo que se está acostumado a viver, pessoas de vários níveis sociais, de diferentes posições políticas etc. A metodologia permite que se conviva com o grupo, que se o conheça em toda a sua plenitude, fazendo parte dele, participando, quando se pode participar, experimentando, quando se deve experimentar e dando a sua opinião, se assim for pedido. Esta é a forma de se conhecer todos os segredos, todos os símbolos e, principalmente, os motivos pelos quais os sujeitos estão ali em interação, com o objetivo de construir a festa.

A pesquisa bibliográ$ ca é uma das bases iniciais, porém nela não encontramos nenhuma fórmula de como proceder durante o campo. Existem apenas relatos de autores que já realizaram suas pesquisas e dão dicas de como proceder em algumas situações. Porém, quando estudamos ciências sociais devemos estar preparados para imprevistos e nos comportamos bem diante de situações inusitadas.

A observação foi o principal método utilizado, porém, durante o desenvolvimento da pesquisa, percebemos a necessidade de integrar outras técnicas para a sua complementação, como a realização de entrevistas, método este que nos fornece subsídios para completar as outras fases da pesquisa.

Segundo Meihy, citado por Turra Neto (2007, p. 41), a entrevista é como se fosse um documento, compatível com a necessidade da busca de esclarecimentos. Nela colocamos exatamente quais são as informações que pretendemos buscar e, em torno dessa necessidade, criamos o roteiro. Mas esta também não é a última etapa da pesquisa. Depois de realizadas todas as entrevistas, devemos tomar cuidado para transcrevê-las, exatamente como elas procederam, todos os risos, os momentos de silêncio, as descontrações durante toda a entrevista.

Page 238: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

247

Penso que cada grupo social a ser estudado difere de outros, pois cada sociedade tem cultura e suas tradições próprias de cada lugar, ainda que não devamos perder de vista que essas diferenças são produzidas também na relação com outros grupos de outros lugares. Neste caso, seguir à risca esses passos, pode correr o risco de perder informações ou deixar de observar fatos que poderiam ajudar no andamento da pesquisa.

A pesquisa tem o objetivo de informar sobre algo que ainda não conhecíamos sob aquele ponto de vista, ela tanto nos ajuda a entender determinadas situações que já conhecíamos, como pode nos despertar a atenção para acontecimentos que nos passaram despercebidos ou que não tínhamos o conhecimento de sua existência e, então, poder estudá-los.

Transformações da Geogra' a Cultural

A Geogra$ a passou a ser considerada uma ciência organizada somente no século XIX, primeiramente na Alemanha e depois na França, com contribuições signi$ cativas de Alfred Hettner e Paul Vidal de La Blache. A partir daí, surgiram muitas de$ nições da Geogra$ a, tanto com relevância para aspectos naturais como para grupos humanos. A Geogra$ a passou, então, a ser disciplina acadêmica a partir do século XIX, voltada ao estudo da relação entre homem (sic) e natureza, mas ainda numa perspectiva muito naturalista (CHRISTOFOLETTI, 1980).

Segundo Christofoletti (1980), com o passar do tempo e a ampliação dos estudos, os aspectos naturais foram sendo estudados pela Geogra$ a Física e os grupos humanos pela Geogra$ a Humana. Mais tarde, a Geogra$ a sofreu outras divisões para estudar campos como a Geogra$ a Urbana e a Geogra$ a Regional. Manley (1966), citado por Christofoletti, propõe uma “nova geogra$ a”, com tendências renovadas após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se da Geogra$ a conhecida como Teorética ou Quantitativista, pela larga aplicação de modelos matemáticas para estudo de padrões espaciais de distribuição de fenômenos. Os fundamentos, contudo, continuaram positivistas.

Após um grande período de expansão, essa Geogra$ a entrou em crise. Há uma busca por maior criatividade, liberdade e novas propostas para re@ exão e, a partir de 1970, os geógrafos voltaram-se para novas discussões. Esse movimento de renovação levou os geógrafos e geógrafas para propósitos bastante diversi$ cados e já não tinham a mesma unidade da geogra$ a Tradicional.

Page 239: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

248

Os progressos da Geogra$ a Cultural só passaram a ser sentidos após 1980, quando autores como Jackson buscaram uma aproximação, através da Antropologia, entre a Geogra$ a Cultural e a Geogra$ a Social. Outros autores buscaram várias aproximações e relações com as idéias já presentes na escola de Berkeley dos anos de 1920, revitalizando e renovando a tradição dos estudos das paisagens culturais (JACKSON e COSGROVE, 2000).

Nessa linha, o novo conceito de paisagem, conforme Jackson e Cosgrove (2000, p 18), pode ser entendido da seguinte forma:

[...] um modo especial de compor, estruturar e dar signi$ cado a um mundo externo, cuja história tem que ser entendida em relação à apropriação material da terra. Assim, as qualidades simbólicas da paisagem, que produzem e sustentam seu signi$ cado social, tornam-se objeto de pesquisa, ampliando as fontes disponíveis para a geogra$ a cultural.

Desta forma, a paisagem pode ser estudada através de diversos meios, entendendo a interação do homem (sic), do tempo e do espaço. Também a discussão de paisagem pode ser desenvolvida na Geogra$ a a partir da interlocução com outros campos de estudos que, talvez, possam estar desenvolvendo interpretações mais acuradas sobre a paisagem.

[...] interpretações da paisagem e do lugar são encontradas fora da literatura geográ$ ca, como, por exemplo, na leitura da paisagem urbana em cerimoniais e em rituais cívicos em Veneza, de Edward Muir (1981), que faz uma analogia com o teatro e não com o texto; ou na interpretação de Montpellier do século XV III pelo olhar do cronista burguês da época, em trabalho de Robert Darnton (1984) (JACKSON e COSGROVE, 2000, p. 21).

Apesar de todos os esforços realizados para difundir a Geogra$ a Cultural, ela ainda nos parece ser um campo pouco conhecido, principalmente, no Brasil. Existem alguns trabalhos publicados em congressos, porém ainda em número inferior ao de outros ramos da Geogra$ a. Turra Neto (2007) entende que a partir de 2000, a Geogra$ a Cultural passou a ganhar mais espaço em Encontros Nacionais de Geogra$ a, onde foram criados “espaços de diálogos” voltados especi$ camente para ela. Houve, então, uma maior difusão entre as universidades do país, abordando vários temas dentro das manifestações culturais no espaço, como território, territorialidade, sentido de lugar, percepção ambiental, memória, paisagem cultural etc.

Page 240: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

249

No século XX, presenciou-se uma “virada cultural” que, para Hall (1997), citado por Turra Neto (2007), foi uma verdadeira “revolução cultural”.

Para Turra Neto (2007), a cultura não é mais considerada apenas uma variável dependente de outras forças sociais, mas ela passa a ser considerada “condição constitutiva da vida social”. Entendendo que toda a prática social tem também um sentido cultural, o próprio conceito do que é cultural ampliou-se e os estudos se multiplicaram numa in$ nidade de temáticas, desde os considerados espaços sagrados da religião, aos espaços profanos da prostituição de rua, desde o estudo das populações ribeirinhas aos grupos punk da cidade.

A Geogra$ a Cultural mostra como podemos entender e de$ nir a cultura, analisando um determinado grupo, observando suas diferenças e relações com outros grupos, como se dá o processo de inserção social. Vermos a juventude produzindo seu jeito de ser jovem e sua identi$ cação ou não com o contexto cultural em que se produziu, contribui com o entendimento de que há uma espacialidade inerente a essas práticas culturais, que cabe à Geogra$ a interpretar.

Para entendermos a cultura não podemos analisar somente as formas espaciais, mas sim os sujeitos que dão vida a este espaço, que o produzem e o reproduzem constantemente nas suas práticas cotidianas. Gomes (2001, p 95) destaca a oportunidade de aprofundarmos esta discussão.

Neste sentido, a nova orientação da geogra$ a cultural nos conduz a um novo olhar sobre a dimensão espacial de certos fenômenos. Isso corresponde a dizer que, hoje, a geogra$ a dispõe de condições para construir um novo conceito e um domínio epistemológico inovador em torno destas idéias de espaço e cultura.

Podemos abordar uma pluralidade de estudos para entendemos as manifestações culturais das sociedades modernas em relação àquelas do passado, mas, para tanto, é necessário que tenhamos em mente que desde sempre, o jogo de escalas está presente na constituição da sociedade. Assim, temos que entender que as relações que o grupo social estabelece com o espaço urbano, que tem como produto e condição para sua ação, estão em diálogo com processos que acontecem em outros lugares, todos articulados em um contexto de relações econômicas, políticas e culturais.

Page 241: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

250

As festas como manifestações culturais

As festas populares se apresentam como um amplo campo de estudos de diversas ciências, como a Sociologia, a Antropologia, História e, em bases ainda iniciais, a Geogra$ a, com alguns poucos autores que se dedicam a essa temática. Na Geogra$ a, os estudos têm se pautado pela consideração dos aspectos ligados à temporalidade e espacialidade desses rituais, no reconhecimento dos agentes formadores desses eventos, suas relações e as vinculações da festa com processos de natureza econômica, política, cultural mais amplos, da sociedade local em suas articulações com o mundo.

Para Amaral (1998), citado por Maia (1999):

[...] A festa é uma das vias privilegiadas no estabelecimento de mediações de humanidade. Ela busca recuperar a imanência entre criador e criaturas, natureza e cultura, tempo e eternidade, de vida e morte, ser e não ser [...] A festa é ainda mediadora entre os anseios individuais e coletivos, mito e história, fantasia e realidade, passado e presente, presente e futuro, nós e os outros, por isso mesmo revelando e exaltando as contradições impostas à vida humana pela dicotomia natureza e cultura, mediando ainda os encontros culturais absorvendo, digerindo e transformando em pontes os opostos como inconciliáveis. (p.52).

Segundo Maia (1999), são vários os agentes relacionados à produção da festa. Destacamos as características de cada um deles:

- Os participantes: são os principais elementos, se aglomeram por ocasião da festa mantendo uma relação bastante próxima. Para Maia (1999), eles são a festa.

- O poder Público: que é normalmente o responsável pela produção do espaço físico, utilizando suas facilidades para a divulgação da festa;

- Líderes: estes têm várias características, podem ser os coordenadores, organizadores e os religiosos, no caso de festas religiosas;

- A Mídia: tem uma participação bastante evidente, normalmente depende dela o sucesso de público da festa, que mostra todos os

Page 242: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

251

atrativos e chama a todos para participarem. Pode ser um jornal, a TV, rádio, pan@ etagem, carros de som e outros meios. Tem a característica de tornar a festa um espetáculo atraente aos olhos do público;

- Os Patrocinadores: são as pessoas que contribuem com bens para a festa, seja em forma de dinheiro, de doações de alimentos ou de prendas para leilões. Podem também ter uma característica de participante.

O espaço das festas populares possui uma composição bastante complexa. Nele subsistem relações econômicas, político-ideológicas, simbólicas e afetivas, extremamente ricas, apesar do caráter efêmero do evento (MAIA, 1999).

Para Pimentel (1997, p. 132), “A festa, enquanto depositária da ”tradição do lugar”, é compreendida como um sistema único e sem periodizações a que a memória social recorre para escandir o contato e o vivido em várias temporalidades”.

A festa liberta as pessoas da vida cotidiana, dos afazeres domésticos; há troca de valores, rea$ rmação de tradições e de fé, portanto, a festa tem a função de repor costumes e tradições.

Como a$ rma Mary Del Priore (1994, p. 33), a festa tem sido celebrada como um tempo de utopias. É neste tempo que podemos viver como liberdade todas as fantasias. Para ela, “a festa se faz no interior de um território lúdico onde se exprimem igualmente as frustrações, revanches e reivindicações de vários grupos que compõem uma sociedade”.

É no tempo da festa que toda a rotina é substituída pela perspectiva, a ansiedade para a chegada de um grande momento. Nesta fase festiva são rea$ rmados muitos laços de solidariedade, muitas rivalidades são deixadas para trás, outros podem ser rea$ rmadas, pois a durante a festa os atores estão sujeito a exageros. Para Da Matta, citado por Maia (1999), são ”momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores que são considerados altamente positivos”.

Segundo Ferreira (1996, p. 12):

A festa pode ser entendida como um con@ ito de hegemonia do discurso festivo, realizado através de quali$ cações e desquali$ cações, de lembranças e esquecimentos, de enfrentamentos, en$ m, que determinam e são determinados pelo espaço festivo.[...] O espaço da festa será necessariamente, um

Page 243: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

252

espaço eclético, polissêmico, aberto, articulador dos diferentes atores que dela participam.

Para Del Priore, a festa pode ter um sentido social político, religioso ou simbólico, e em muitos casos ela pode ter todos esses sentido juntos. A festa pode ser vista como uma possibilitadora de aproximações, visto que os grupos que dela participam facilmente se identi$ cam dentro do espaço festivo.

A festa de Nossa Senhora de Belém

Enquanto buscava informação para a reconstrução histórica da Festa de Nossa Senhora de Belém, percebi ser bastante frágil a documentação existente. Por isso, a maior parte das informações citadas aqui são de fontes orais, resultado da memória dos sujeitos que a elaboraram ao longo do tempo. Imagino, portanto, neste sentido que não existe uma “verdade histórica”, e não é aqui meu objetivo chegar até ela.

De acordo com a historiadora Julia de Santa Maria Pereira, em entrevista ao jornal Diário de Guarapuava (02 a 03/02/2008), a chegada da nossa padroeira teve início na carta régia de D. João VI, que havia mandado uma expedição para Guarapuava por volta de 1810, autorizando a criação de uma igreja com o nome de Nossa Senhora de Belém. A construção da igreja se iniciou em 1843 e levou quaenta anos para ser concluída. A administração foi do padre Antonio Braga de Araújo, que contou com o apoio dos paroquianos na ajuda $ nanceira. O primeiro registro da festa que se sabe data de 1899, no jornal O Guayra, de 21 de janeiro de 1899, jornal nº 28.

Segundo informações obtidas em campo, a festa, em seu início, não tinha este mesmo formato que tem hoje. Ocorreram muitas transformações na sociedade que obrigaram a festa a se adequar para continuar viva. Hoje, a sociedade de Guarapuava participa em peso de todas as festividades, que se iniciam no dia 24 de janeiro, com a primeira novena, até o $ nal, no dia 02 de fevereiro, com a missa e procissão. Para cada dia de novena, foi escolhido um tema dentro do documento de Aparecida como está sendo chamado a V Conferência Geral do Episcopado Americano e do Caribe, que se realizou em Aparecida do Norte - SP, entre os dias 13 e 31 do mês de maio de 2007. Cada leitura continha uma riqueza de re@ exões para serem levadas aos $ éis. O grande dia da festa é o mais esperado por todos, pois todos os $ éis que participam da novena podem fazer seus agradecimentos e pedidos durante a grande procissão.

Page 244: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

253

Assim, podemos pensar no jogo de escalas que envolve essa festa em particular, que articula as orientações da Igreja Católica Romana com a fé local, em procissão, missa e fé.

A Festa de Nossa Senhora de Belém teve uma participação de políticos, porém não deixou de ter seu sentido religioso rea$ rmado diante de seus $ éis. Houve a participação de renomes do estado e da cidade, tanto na missa solene com no almoço festivo. Contou também com o apoio da prefeitura da cidade na divulgação e em assuntos econômicos. A prefeitura se encarregou da organização do Show do Pe. Reginaldo Manzotti, realizado na Praça da Fé (praça onde se realizam vários eventos ecumênicos), que encerrou as festividades do dia da padroeira. Essa parceria é uma novidade na história da festa, que com o Show do Padre acabou ganhando também uma dimensão espetacular que antes não tinha. A questão que lançamos diante desse fato é se a tendência da festa é para a espetacularização, como forma mesmo de manter-se.

No presente momento, ainda estou analisando os depoimentos recolhidos e as observações feitas no trabalho de campo. Ao todo foram entrevistadas doze pessoas, entre padre, senhoras, jovens, que nos darão uma diversidade de visões sobre o mesmo evento e sobre o seu envolvimento ao longo do tempo com ele, bem como de sua transformação.

Por isso não posso ainda ter informações precisas, nem muitas conclusões, pois seriam precipitadas, mas já se pode perceber que este ano a festa passou novamente por algumas metamorfoses, que foram percebidas apenas por algumas pessoas, outras, porém, só serão percebidas daqui há alguns anos.

Últimas palavras

A Geogra$ a Cultural traz para o debate novas temáticas para o campo mais amplo da Geogra$ a Humana. Incorporar a dimensão cultural à suas análises pode contribuir para ampliar sua compreensão sobre a produção do espaço para além das dimensões econômica e política. Ao se preocupar com o estudo das festas populares de natureza religiosa, essa geogra$ a volta-se, inevitavelmente, para uma re@ exão sobre a tradição e o tradicional em suas conexões com o moderno, a modernização e a urbanidade.

Os estudos empíricos mostram que as tradições não são simplesmente deslocadas pela modernidade, como dizem muitos teóricos da aculturação. São elas que, na verdade incorporam elementos modernos como forma mesmo de continuarem se reproduzindo. Por outro lado, a tradição e o tradicional

Page 245: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

254

sempre se refazem em novos contextos e em diálogo com eles. Tal é o caso da Festa Nossa Senhora de Belém. Seu estudo pode nos levar a pensar nas formas próprias como esses amalgamas se deram e se dão em Guarapuava.

Compreendemos a festa como um ponto de encontro, onde novas relações são constituídas e antigas rea$ rmadas. Essas ligações ultrapassam a barreira do tempo e do espaço e se estendem em diferentes escalas como conexões sociais. A festa não é tida como um passatempo do povo, mas sim como um conjunto de valores partilhados e explicados através da fé.

A festa de Nossa Senhora de Belém poderia ser uma festa como todas as outras, porém ela é especial porque engloba características muito únicas. Nela podemos ver a expressão da diversidade cultural guarapuavana coexistindo no mesmo espaço. Todos unidos no mesmo ritual festivo, com signi$ cados culturais, sociais e políticos especí$ cos. Ela pode ser observada entre dois pólos: um que engloba a novena e a missa solene, com a benção das velas como seu ponto crucial; e o outro como as festividades onde a sociedade reanima seus laços entre conversas e divertimentos, na pura interação do festar.

Podemos observar que festa possa ter passado por um “empobrecimento” se olharmos pelos aspectos estéticos e participativos, No seu início vinham muitos festeiros das regiões rurais, tornando a festa quase um espetáculo. Hoje, ao contrário, se vê que apenas a sociedade urbana participa, com exceção de alguns fazendeiros. Por outro lado, podemos observar que ela ganhou um formato mais familiar, pois, logo após os jantares, todos se retiram mostrando realmente que o ponto alto da festa é a religiosidade.

Certamente meu trabalho não dará conta de lidar com toda essa complexidade. O desa$ o que me coloquei foi de participar da festa e, pela participação, perceber sua particularidade. Talvez caro leitor, você também queira encarar esse desa$ o: participe ao menos uma vez e perceba que esta não é uma festa comum e que ainda há muitos questionamentos a serem desvendados.

Referências

CICOUREL, Aaron. Teoria e método em pesquisa de campo. In: GUIMARAES, Alba Zaluar. Desvendando máscaras sociais. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1980.Cap. 4. p. 87-121.

CHRISTOFOLETTI, Antonio. As perspectivas dos estudos geográ' cos. In: Perspectivas da geogra$ a. São Paulo: Difel. 1980, pg. 10-31.

Page 246: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

255

COSGROVE, Denis, JACKSONM, Peter. Novos rumos da geogra$ a cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (orgs). Geogra' a cultural: um século (2). Tradução de Tânia Shepherd. Rio de Janeiro. Ed UERJ, 2000. p. 15-31.

DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994.

FERREIRA, Luiz Felipe. O lugar festivo: a festa como essência espaço-temporal do lugar. Espaço e cultura – N 3 –(Dez. 2006)- Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, pg. 07-21.Dez. 1996.

GOMES, Paulo César da c. A cultura pública e o espaço: desa$ os metodológicos. In: ROSENDAHL, Zeny. CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.) Religião, identidade e território. Rio de Janeiro. Ed UERJ. 2001. p. 93- 113.

MAIA, C.E.S. Ensaio Interpretativo da dimensão espacial das festas populares: proposições sobre festas brasileiras. In: ROSENDAHL, Z; CORREA, R.L. (org). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: Ed. UCRJ, 1999, p. 191-218.

SENA, Ana Lígia. Festa de nossa padroeira Nossa Senhora de Belém. Diário de Guarapuava. Guarapuava, 2 e 3 de fevereiro, 2008. Ano X. Edição 2282. p. 11-14.

TURRA NETO, Nécio. Geogra' a cultural, juventudes e ensino de geogra' a: articulações possíveis. Texto Digitado, 2007. p 1- 19.

Page 247: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Resumos

Page 248: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

259

Museu de Ciências Naturais de Guarapuava: um espaço de informação, cultura e lazer

VERONEZZI, Fernando1

Museus são considerados bens culturais da humanidade, onde se pode perceber a relação entre o antigo e o atual. Em um museu de ciência natural, o visitante deve analisar seu papel diante do ambiente e posicionar-se como ser integrante do mesmo. O Museu de Ciências Naturais de Guarapuava é uma instituição pública, que foi criada através da parceria entre a Prefeitura Municipal de Guarapuava e a Universidade Estadual do Centro-Oeste. Situado em uma área de preservação ambiental, com cerca de 3.800 araucárias preservadas, já recebeu desde sua criação, em 1997, mais de 370 mil visitantes. Recebe semanalmente a visita de estudantes do ensino fundamental, médio e superior, além dos visitantes espontâneos e turistas estrangeiros. Através da visita monitorada, os estagiários compartilham o conhecimento adquirido na Universidade e o repassam para os estudantes e comunidade em geral. O museu apresenta o maior acervo de história natural da região Centro-Sul do Paraná, contando com duas coleções permanentes: a do professor João José Bigarella e a do autodidata Hipólito Schneider. Essas coleções distribuem-se da seguinte forma no espaço físico do museu: na sala da Geologia é apresentado aos visitantes amostras de rochas e minerais de várias partes do Brasil e do mundo. Fósseis de peixes, trilobita, Mesosaurus brasilienses, madeira petri$ cada e artefatos indígenas são encontrados na sala da Paleontologia. Exemplares de sambaquis, corais, conchas, algas calcáreas, crustáceos, cascos de tartarugas e ossos de baleia são os representantes da sala marinha. Animais taxidermizados de vários biomas brasileiros são expostos à visitação na sala do Diorama. Na sala da Entomologia, encontra-se em exposição aproximadamente 220 gavetas entomológicas com mais de 4.000 insetos. Um dos principais objetivos do museu é permitir que o visitante se conscientize da importância que os recursos naturais têm em seu dia-a-dia, como também o seu papel na preservação do ambiente, para que as futuras gerações possam conhecer a diversidade encontrada atualmente na natureza.

Palavras-chaves: museus; história natural; Guarapuava.

1 Graduando em Geogra$ a da UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 249: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

260

Monitoramento hidrogeomorfológico do Faxinal Anta Gorda - Prudentópolis-PR

KOLISKI, Carlos Alberto1

THOMAZ, Edivaldo Lopes2 (Orientador)

A pesquisa, em desenvolvimento, visa caracterizar algumas variáveis hidrogeomorfológicas (erosão de solos, atravessamento, in$ ltração de água no solo) que in@ uenciam no sistema de Faxinal, no município de Prudentópolis - Pr. O sistema de faxinal é uma forma consuetudinária entre a produção animal (criadouro comum) e extrativismo vegetal, que se baseia na extração da erva-mate, na prática da agricultura tradicional, chamada de sistema de roça, e na extração da madeira. Os rebanhos são criados soltos (sem cercado entre os limites das propriedades). Nota-se uma grande diversidade de pesquisas sobre o sistema de faxinal que, em sua maioria enfocam os aspectos culturais e sócio-econômicos. Nos faxinais de Prudentópolis, não existe e/ou não se tem conhecimento de pesquisas sobre as questões hidrogeomorfológicas. Neste sentido, vê-se a necessidade de uma investigação sobre essas variáveis hidrológicas e geomorfológicas dentro do sistema de faxinal. A área que está sendo estudada, situa-se distante da sede 15 km ao norte do município, na localidade de Linha Paraná Anta Gorda. O local de estudo é uma voçoroca, que se formou pelo constante pisoteio de animais que buscam um leito de água na jusante dessa voçoroca. A pesquisa está se desenvolvendo por meio de monitoramento de campo. Em campo, já foram coletadas amostras para análises granulométricas do solo; está sendo feita batimetria, através de uma rede de pinos (vergalhões de ferro) que foram $ xados nas bordas do caminho, que servirá de parâmetro para quanti$ car os percentuais de solo erodido relacionado aos eventos pluviométricos; monitoramento das raízes das árvores nas áreas próximas aos corpos de água para quanti$ car o seu grau de exposição; coleta de dados da quantidade de água precipitada na área, entre outros trabalhos. Através desse monitoramento será possível avaliar a pluviosidade, a interceptação da vegetação, a produção de serrapilheira, além da erosão causada pela compactação do solo através do constante pisoteio dos animais. Assim, após o término da pesquisa, poderá se entender algumas variáveis hidrológicas e geomorfológicas dentro de um sistema de Faxinal, contribuindo para o

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professor do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 250: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

261

avanço de uma lacuna pouco estudada, contribuindo signi$ cativamente para a Geogra$ a.

Palavras-chaves: faxinal; extrativismo; criadouro comum; monitoramento hidrogeomorfológico.

Metodologia da observação participante

KUHN, Claudete1

OCTAVIANO, Elisangela Maria2

TURRA NETO, Nécio3 (Orientador)

Em pesquisa etnográ$ ca, que se refere ao estudo de grupos sócio-culturais, pautada na observação, interpretação e descrição densa, a metodologia de observação participante é bastante empregada. Em Geogra$ a Cultural, preocupada com o estudo dos sujeitos sociais nas suas relações socioespaciais, a observação participante pode se constituir na construção de uma abordagem geográ$ ca de grupos culturais. Esta metodologia pode ser de$ nida como um processo em que a observadora se insere no grupo social a ser observado e, a partir dessa inserção, realiza investigações cientí$ cas. Durante o convívio com o grupo, a pesquisadora vive esse contexto social, modi$ cando e sendo modi$ cada na relação, ao mesmo tempo em que colhe dados. Toda pesquisadora que se utiliza da observação participante possui como principal instrumento um diário de campo. É nele que são feitas todas as anotações, os dados brutos, as emoções, onde são descritos os lugares, pessoas e eventos. O diário necessita ser privado, de forma que só a pesquisadora possa lê-lo e relê-lo. Ele é a fonte que será objeto de análise para a redação $ nal da pesquisa. A transformação das observações em dados começa no decorrer das atividades de campo, sendo um processo contínuo que in@ uencia nas observações posteriores. É importante que o relatório de observação seja redigido logo após as atividades em campo. Outro fator importante é o domínio das diferentes linguagens, palavras, gestos e expressões que o grupo observado se utiliza, para que a pesquisadora registre com certeza os elementos levantados, bem como interaja com ele. Por isso, parte da observação é utilizada na

1 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Professor do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 251: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

262

familiarização com o universo simbólico e lingüístico do grupo estudado. Vale ressaltar, que a observação participante possui limitações práticas. É necessário que as pesquisadoras tenham tempo disponível para o trabalho com o grupo estudado, permitindo entender o meio social em que vivem. Sendo utilizada em grande escala, torna-se ine$ ciente, comprometendo seu desempenho. É a partir dessa metodologia que cada uma de nós está construindo sua pesquisa empírica com grupos juvenis, em escolas de Guarapuava. Também é importante frisar que a observação participante não é a única metodologia empregada. Trabalhamos também com questionários, entrevistas e grupos focais. Contudo, é ela que inicia nossas pesquisas e que informa a construção das outras metodologias.

Palavras-chaves: observação participante; metodologia; geogra$ a cultural.

Considerações entre bioturbação e gênese de erosão em túneis em média e baixa encosta, Guarapuava-PR

BAZZOTTI, Diego Maikon1

SILVA, Wellington Barbosa da2

PIETROBELLI, Gisele3 (Orientadora)

O presente trabalho visa estabelecer a relação entre atividade biológica (bioturbação) de animais escavadores (macro fauna) com o surgimento de canais subsuper$ ciais (túneis ou pipes) em encosta coberta por mata secundária em Guarapuava, estado do Paraná. Esse tipo de erosão ocorre principalmente pela ação da água, pelos contrastes texturais que reduzem a permeabilidade a certa profundidade do solo, pela presença de uma zona do solo potencialmente dispersiva ou pela litologia de determinadas áreas e por vezes pela ação de raízes ou da atividade de animais escavadores. Com o objetivo de se entender o papel da vegetação, a presença de micro, meso e macro fauna e o papel da água no sistema hidrológico da encosta, foram feitas algumas considerações dos dutos através de fotogra$ as. Trata-se de fotogra$ as digitais tiradas com Câmera Cânon A530. Essas

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 252: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

263

fotogra$ as foram tiradas onde as estruturas de abatimento permitiam acesso, já que suas aberturas possuem um pequeno diâmetro assim como os túneis. Devido a estes fatos, não foi possível usar escalas padronizadas, mas pequenos animais e insetos que se refugiam dentro dos dutos dão indicativos do tamanho das feições. Sobre as estruturas de abatimento que estão na parte mais alta da encosta, podemos notar que estão sempre junto a raízes das árvores, onde o solo é notadamente menos denso e mais úmido, podendo até mesmo ex$ ltrar água se perfurado. Essa diferenciação de densidade pode acumular nas raízes das árvores vermes, formigas, grilos e outros animais que servem de alimento para animais maiores, como por exemplo, tatus. Esses animais, quando estão à procura de alimento, escavam pequenos buracos descontínuos, podendo originar então os dutos. Os animais escavadores ainda não puderam ser determinados, mas é sabido que estão presentes tanto na parte externa do sistema de túneis, quanto na parte interna, uma vez que foram encontrados sedimentos revolvidos no pé das árvores e dentro dos túneis, todos contra o @ uxo super$ cial de água. A presença de animais escavadores de médio porte explica em parte a falta de simetria entre as estruturas de abatimento com as marcas do @ uxo super$ cial, o pequeno diâmetro das estruturas e a existência de túneis em solos rasos em média e baixa encosta.

Palavras-chaves: bioturbação; túneis; estrutura de abatimento.

Meio ambiente e recursos hídricos

FRANDOLOZO, Marcos Augusto1

Esse trabalho surgiu pelo envolvimento com o projeto de extensão “Universidade Sem Fronteira”, lançado pelo edital 02-2007 da SETI (Secretaria de Estado da Ciência, tecnologia e Ensino Superior), que visa ao desenvolvimento social da região Centro-Sul do estão do Paraná. Esse trabalho será executado na escola Domingos Sávio, no Bairro Vila Carli, no município de Guarapuava-PR. Por se tratar de um bairro com áreas sujeitas a alagamento (Bacia Hidrográ$ ca do rio Cascavel), enfocaremos a questão ambiental e a preservação dos recursos hídricos, a partir de práticas envolvendo a comunidade escolar e do bairro. Sabe-se que a água é um recurso importante no planeta, mas apenas uma pequena

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 253: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

264

porcentagem é água potável, e devido ao mau uso e o grande número de casos de poluição, por meio da indústria e pela população em geral, essa água torna-se cada vez mais escassa e poluída, tornando-se imprópria para o consumo humano. A poluição hídrica, além de restringir a utilização, gera uma série de doenças pelo contato e pelo consumo dessa água pela população residente em áreas próximas a rios e córregos. No trabalho de sensibilização, iniciaremos com a discussão do conceito de meio ambiente e como que o homem se insere nesse contexto. Faremos, no decorrer do trabalho, uma atividade de campo com o intuito de contextualizar a teoria com a prática, aproveitando o contato com a população para realizar entrevistas. Coletaremos algumas amostras de água, em diferentes partes do rio, para análise bacteriológica. Com tais atividades, nosso objetivo, portanto, é veri$ car, pesquisar e propor alternativas para os problemas referentes aos recursos hídricos, junto com a comunidade escolar e comunidade geral, esclarecendo de forma adequada a dinâmica que compõe o ciclo hidrológico, a relação homem-meio e como estabelecer uma convivência equilibrada com o rio, a partir de práticas pensadas e orientadas para a preservação e conservação dos recursos hídricos.

Palavras-chaves: meio ambiente; recursos hídricos; sociedade; alagamento; poluição.

Geogra' a, história, medicina: a multidisciplinaridade nos escritos de Eurico Branco

Ribeiro

NASCIMENTO, Diego da Luz e1

GONÇALVES, Camila Mota2

TECCHIO, Caroline3

GANDRA, Edgar Ávila4 (Orientador)

Este trabalho versa sobre a produção da obra “Esboço da História do Oeste do Paraná” de Eurico Branco Ribeiro. O texto foi escrito em 1940 para uma revista do Conselho Nacional de Geogra$ a, mais especi$ camente para o Diretório Regional de Geogra$ a do Estado do Paraná. O autor traz elementos

1 Graduando em História – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduando em História – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Graduando em História – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

4 Professor do Departamento de História – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 254: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

265

da geogra$ a e da história do Paraná, tratando especialmente das explorações do território e do povoamento do oeste paranaense. Lembramos que o autor era sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográ$ co Paranaense e sócio correspondente honorário do Conselho Nacional de Geogra$ a, não sendo um membro efetivo neste último caso. Para a realização deste trabalho, primeiramente foi feito o mapeamento de todas as obras do autor que se encontram disponíveis na Biblioteca Municipal Padre Ruiz de Montoya, na cidade de Guarapuava-PR. Assim, percebemos os diversos estilos que permeiam a obra do autor, sendo que estes variam desde escritas religiosas até estudos cientí$ cos na área da medicina, abordando ainda temas pertinentes à geogra$ a e à história. Nos estudos religiosos, Ribeiro pesquisa intensamente a vida de São Lucas, visto que este é considerado o protetor dos médicos, pro$ ssão exercida pelo autor. Nos estudos cientí$ cos dedicasse a várias questões, sendo recorrente em seus escritos, a questão das águas medicinais. Já nos estudos de cunho geográ$ co e histórico, procuramos perceber nos escritos do autor, partindo de nossas leituras teóricas, suas concepções de geogra$ a e de história, tendo claro que o pesquisador sempre se volta para suas fontes com problemáticas estabelecidas a partir de seu tempo e de sua realidade. Foi possível perceber em nossa pesquisa que Ribeiro foi um grande intelectual e que seus estudos permitem uma análise interdisciplinar; no caso, enfocaremos a interdisciplinaridade em relação à história e à geogra$ a. Esses campos do conhecimento permitiram uma melhor articulação na construção do saber em relação a obra de Ribeiro.

Palavras-chaves: multidisciplinaridade; geogra$ a; história.

O poder local a partir do estudo de grupos político-econômicos em Guarapuava-PR

ANGREWSKI, Eliton1

SILVA, Márcia da2 (Orientadora)

Considerando que a região de Guarapuava possui algumas especi$ cidades tradicionais nas relações políticas, apesar dos mistos de modernidade, é que a temática de pesquisa, na área de Geogra$ a Política, tem por $ nalidade, através

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 255: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

266

dos diálogos dos outros campos do saber cientí$ co, analisar as con$ gurações do poder e seus re@ exos no cotidiano dos municípios brasileiros, neste caso no de Guarapuava. Assim, o objetivo é o de estudar as relações de poder político por meio do aprofundamento da abordagem dos con@ itos e das alianças político-econômicas locais-regionais, tendo como recorte temporal as eleições de 2004 e 2006 e como enfoque a eleição municipal de 2002, com a identi$ cação e a análise da participação de atores sociais que se expressam na produção, reprodução e organização do território, como resultado do interesse dos mesmos. A metodologia da pesquisa teve como fundamento coleta dados junto à justiça eleitoral, entrevista com algumas ‘lideranças’ de grupos político-econômicos e pesquisa em jornais locais. Como primeira etapa de estudos foram realizadas leituras para a construção do referencial teórico. Os conceitos de poder, poder local e poder político local puderam ser compreendidos em sua vinculação com as relações políticas. No poder local é possível a observação de um complexo relacionamento entre poder político e uma rede de poderes difusos que posicionam-se diferentemente perante o poder político e, de acordo com os atributos que lhes são próprios, podem disputar com ele a capacidade de decisão. Landislau Dowbor (1994) a$ rma que somos condicionados a acreditar que as formas de organização de nosso cotidiano pertencem naturalmente a uma misteriosa esfera superior, o Estado. Para conquistarmos melhorias na qualidade de vida, cidadania e democracias efetivas é necessário resgatar a força da comunidade, o chamado “poder local”. Um mecanismo de ordenamento político e econômico que já deu prova de e$ ciência, em particular nos países desenvolvidos como os europeus.

Palavras-chaves: poder; Guarapuava; político; econômico; conceito.

A inserção da pequena produção agropecuária no espaço regional: a mesorregião centro-sul paranaene

OLIVEIRA, Leisiane de1

FAJARDO, Sergio2 (Orientador)

Analisando o contexto socioeconômico do pequeno produtor, observa-se que os mesmos são caracterizados por uma utilização de mão-de-obra

1 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professor do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 256: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

267

predominantemente familiar, dispondo tão ou mais de tecnologias quantos os grandes produtores. Porém, a sua necessidade de produzir sem interferir na decisão de como, quando e onde investir seu capital, diferencia-o do produtor patronal. A principal di$ culdade do pequeno produtor em produzir está na carência em torno de questões como conhecimento, terra e capital. Muitos deles não obtêm a renda estimada para sua sobrevivência no campo, fazendo com que busquem alternativas para a complementação de sua renda, e muitas vezes estas acabam por ultrapassar os limites de sua propriedade. Tem-se observado também um menor índice de êxodo rural, que parcelas destes são de mulheres que partem em busca condições melhores de trabalho, o que explica uma tendência no índice de participação das mulheres nas atividades relacionadas ao campo. A complementação da renda agropecuária familiar pode ser notada em sistemas de pluriatividades, nas quais se destacam a produção de aves e suínos, que acabam por inserir o pequeno produtor nas cadeias agroindustriais, ressaltando a relação do campo com o processo de industrialização e urbanização. Além da pluriatividade outra atividade signi$ cativa pode ser identi$ cada resolução da complementação de renda, é o fenômeno denominado “colono-operário”, no qual o trabalhador do campo acaba sendo mão-de-obra barata, não quali$ cada e de fácil exploração por parte da empresas urbanas. Fica evidenciado nas relações acima citadas, que cada vez mais se torna complexa a inserção da produção agropecuária no espaço urbano, e que o produtor vê-se acuado nas exigências desse mercado consumidor que se tornou mais competitivo.

Palavras-chaves: pequeno produtor; agricultura familiar; complementação de renda.

A problemática da água como representação social

FAGUNDES, Beatriz1

Este texto tem como objetivo apresentar o trabalho desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Geogra$ a, da UFPR, entre 2006 a 2007. Como temática central, procuramos entender a difusão e incorporação da

1 Professora de Geogra$ a do Colégio Carneiro Martins – Guarapuava-PR.

Page 257: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

268

problemática da água no saber cotidiano. Partimos da idéia de que a água, além de pertencer ao ecossistema natural, também pertence a universos culturais. Atualmente, tem se difundido uma imaginação sobre a água ligada à escassez e poluição, ou seja, a água tornou-se um problema. Veri$ camos que na sociedade moderna são basicamente três dimensões que participam na formação do senso comum sobre a problemática da água: o conhecimento cientí$ co, com seu raciocínio complexo e abstrato; a divulgação midiática, que transforma este conhecimento em imagens e reportagens; e a vivência cotidiana, com suas experiências e tradições (inclusive religiosas). Para analisar esta construção do saber, nos apoiamos na Teoria das Representações Sociais criada por Moscovici em 1961. Teoria incorporada pela Geogra$ a Cultural quando esta, a partir de 1960, começou a abordar temas envolvendo a subjetividade e a representação do espaço em seus estudos. A pesquisa contou com metodologias qualitativas como: observações, entrevistas, mapas mentais, desenhos e textos, com crianças, adolescentes e adultos do Bairro Alto da XV (Guarapuava-PR), além de entrevistas com professores/as de escolas do bairro e análise de livros didáticos de geogra$ a que abordam a temática. A pesquisa mostrou que a escola é um importante ator formador e difusor do pensamento cientí$ co sobre a problemática da água, porém os/as alunos/as, e até mesmo os/as professores/as são fortemente in@ uenciados pela mídia, que informa também os livros didáticos. Veri$ camos que as ações construídas e incorporadas ao cotidiano, informadas por essas representações sociais, principalmente, relacionadas à economia doméstica de água, estão muito in@ uenciadas, não pela realidade do nosso “mundo vivido” mas, por realidades de mundos geogra$ camente distantes, trazidas ao nosso cotidiano pela mídia. A pesquisa também revelou que muitas vezes as representações são ambíguas e contraditórias (água natural versus água no sentido cultural, água em outros ambientes versus água encanada), mostrando que a educação ambiental necessita, diante desta problemática, inter-relacionar, de forma direta, os conhecimentos cientí$ cos e midiáticos com a situação local e problematizar saberes e práticas tidas hoje como naturais no cotidiano.

Palavras-chaves: água; representação social; problemática da água.

Page 258: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

269

Políticas públicas e planejamento: condições básicas para o desenvolvimento sócioespacial em novos

municípios: o caso de Goioxim-PR

ZORZANELLO, Liamar Bonatti1

FERREIRA, Sandra Cristina2 (Orientadora)

O presente trabalho tem por objetivo entender as condições de sobrevivência dos municípios desmembrados na década de 1990 no Estado paranaense, em especial, o caso de Goioxim. Este foi emancipado sem prévio planejamento por parte dos poderes públicos (Município, Estado e Nação), $ cando assim, à mercê de múltiplos problemas sócioespaciais. Goioxim é um município do centro-oeste do Paraná, desmembrado da cidade de Cantagalo em 1995. Atualmente, após treze anos de sua emancipação política, procura se $ rmar perante o cenário estadual como um município em desenvolvimento, que acredita na e$ ciência de sua base agrária, apesar das constantes crises agrícolas que afetam o país, buscando seu reconhecimento e viabilizando recursos para tal. Atualmente conta com uma população censitária total de 7.993 habitantes, sendo que destes 5.159 habitantes vivem em situação de pobreza (IPARDES 2000). Em 2005 a renda Per Capita girava em torno de R$ 5.413,00/ano por habitante, e o índice de desenvolvimento humano (IDH) liderava as piores colocações apresentado-se com o número de 0.680% (IBGE, 2000). Goioxim conta com um pequeno núcleo urbano, o qual re@ ete sua base agrícola e ainda conserva hábitos típicos de cidades com predominância de atividades ligadas ao campo. Neste, identi$ ca-se uma carência de serviços básicos que caracterizam a existência de uma cidade, tais como: transporte coletivo, saneamento básico, iluminação pública, praças públicas, serviços de telefonia móvel, entre outros. Deste modo, visualiza-se a falta de planejamento que impera no município, como em outros tantos da região, e $ ca a indagação sobre quais as vantagens em se emancipar um determinado local, sendo que este não tem condições de se auto-gerir e não consegue oferecer a sua população condições dignas para sua sobrevivência. Para tanto, além do referencial teórico e pesquisas empíricas, serão realizadas pesquisas de dados e informações junto a

1 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 259: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

270

Prefeitura Municipal, IBGE, IPARDES e outras fontes que contribuam para o desenvolver da pesquisa.

Palavras-chaves: políticas públicas; desmembramento de municípios; planejamento; desenvolvimento.

O novo modelo agricola nos municipios de São Carlos do Ivai e São Jorge do Ivai e seus impactos ambientais

BONIFÁCIO, Cássia Maria1

SERRA, Elpídio2 (Orientador)

O objetivo do trabalho é resgatar os processos de ocupação humana, repartição e uso econômico da terra agrícola na fase de ocupação pioneira, assim como as conseqüências ambientais geradas pelo processo de modernização da agricultura no vale do Rio Ivaí, nos municípios de São Carlos do Ivaí e São Jorge do Ivaí, a partir dos anos 1970. Colonizados em 1960, no auge do avanço das lavouras cafeeiras no Noroeste do Paraná, os municípios tiveram sua estrutura fundiária baseada nas pequenas e médias propriedades, tendo os trabalhadores rurais morado em suas propriedades agrícolas. Esgotada essa fase de ocupação pioneira com a crise do café no início dos anos 1970, o modelo de colonização sofre alterações, surgindo a grande propriedade agrícola; e no lugar das lavouras de café, as lavouras mecanizadas de soja, milho, trigo e cana. As transformações levaram à expulsão do homem do campo e ao conseqüente esvaziamento populacional dos municípios, bem como geraram danos ambientais, com conseqüências para o solo, os rios e o próprio clima. Os desmatamentos efetuados para viabilizar o avanço das novas culturas quase eliminaram as últimas reservas de matas nativas.O trabalho visa além de estudar a ocupação inicial e as transformações recentes: avaliar os impactos ambientais produzidos pelo novo modelo agrícola e propor alternativas de manejo do solo, que ajudem a preservar o principal meio de produção e amenizar os impactos que vem sofrendo desde que as novas técnicas foram introduzidas em função do capitalismo no campo. Quanto a metodologia, primeiramente será feita a revisão bibliográ$ ca. No que se refere ao espaço estudado, os títulos estarão

1 Graduanda em Geogra$ a junto a UEM.

2 Professor do Departamento de Geogra$ a da UEM.

Page 260: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

271

relacionados ao processo de ocupação, uso do solo e impactos ambientais produzidos pelo excessivo uso do solo agrícola. O segundo passo consistirá nos dados de campo. Nesta fase a primeira etapa evolverá coleta de dados de fontes secundárias, caso dos recenseamentos do IBGE, dos cadastros do INCRA. De posse dos dados bibliográ$ cos e de campo, se partirá para a terceira etapa do trabalho, esta compreendendo análise dos dados coletados. O relatório $ nal será base de discussões acadêmicas no âmbito da geogra$ a agrária.

Palavras-chaves: ocupação humana; impactos ambientais; noroeste do Paraná.

Áreas verdes e políticas públicas em Guarapuava-PR

VAZ, Cesar Antonio De Abreu1

GOMES, Marquiana de Freitas V. B.2 (Orientadora)

São consideradas áreas verdes os espaços que envolvem a vegetação arbórea, sobretudo, as praças, jardins públicos e parques urbanos. Estes espaços são de uso coletivo, mas nem sempre são públicos. As áreas verdes possuem vários papéis na qualidade ambiental urbana, principalmente, por envolver conforto térmico e espaço de lazer para a população. A questão das áreas verdes urbanas tem sido objeto de pesquisas em várias áreas do conhecimento, e, de modo geral, a temática envolve o urbanismo e planejamento urbano. Guzzo et al., (1994, p.) de$ ne áreas verdes onde: “Há o predomínio de vegetação arbórea, englobando as praças, os jardins públicos e os parques urbanos. Os canteiros centrais de avenidas e os trevos e rotatórias de vias públicas, que exercem apenas funções estéticas e ecológicas, devem, também, conceituar-se como área verde. Entretanto, as árvores que acompanham o leito das vias públicas, não devem ser consideradas como tal, pois as calçadas são impermeabilizadas”. O autor ainda a$ rma que as áreas verdes exercem diversas funções: - Importante fator social: resgatando indivíduos da marginalidade e principalmente não permitindo a entrada de novos membros, no sentido de que estão proporcionando áreas de lazer à população. - Fator ambiental: Como

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 261: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

272

regulador de temperatura, impedindo a formação de “ilhas de calor”, promovendo melhorias no clima, na qualidade do ar, água, solo etc. - Fator psicológico. O ambiente urbano tem suas especi$ cidades; cuidar dele é uma forma de manter as melhores condições de vida das pessoas, pois é neste ambiente que as pessoas desenvolvem as suas atividades diariamente, seja em casa, no trabalho ou em outros lugares da cidade. Assim, falar de ambiente é falar de um ambiente construído, no qual, as áreas verdes existentes são apropriadas pelo homem urbano de diversas maneiras e com várias intenções. Estas áreas têm uma função na cidade, uma razão de ser. Neste sentido é que, com esta pesquisa, espera-se aqui distinguir as diferentes formas de como estes locais são apropriados e com isso entender como devem ser aplicadas para cada uma delas, levando sempre em conta que cada local tem sua especi$ cidade, e assim sendo devem de ser tratadas de modo diferente pelas gestões governamentais.

Palavras-chaves: áreas verdes; políticas públicas; Guarapuava.

Concentração bancária no Brasil: um re3 exo da privatização dos bancos públicos

LUZ, Ivoir da1

VIDEIRA, Sandra Lúcia2 (Orientadora)

Este resumo tem por objetivo apresentar uma breve discussão sobre aprivatização dos bancos públicos estaduais no Brasil. Os primeiros bancos estatais começaram a ser privatizados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso-FHC. As políticas adotadas durante esse governo tinham como objetivo reduzir a presença do Estado no setor financeiro, através do processo de privatização das empresas estaduais, principalmente dos bancos públicos. As privatizações dos bancos públicos no Brasil ocorreram tanto por in@ uências externas como internas. Como in@ uência externa podemos destacar a política neoliberal, cujo propósito é reduzir a presença do estado no mercado. Quanto às in@ uências internas, que culminaram na privatização, apontamos a desestruturação dos bancos devido à má

1 Pós-Graduando em nível de Especialização em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 262: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

273

administração pública dessas instituições ao longo do seu desenvolvimento. Além desses problemas, os bancos públicos enfrentavam pressões internas dos próprios bancos nacionais que, na tentativa de não deixar bancos estrangeiros crescerem no Brasil, in@ uenciaram as privatizações. A privatização dos bancos públicos ainda é questionável pelo fato de esses bancos terem sido construídos com dinheiro público do contribuinte, uma vez que o sistema privado desprezava certos segmentos. A importância dos bancos públicos também foi fundamental no desenvolvimento do território, pois enquanto as instituições privadas se concentravam nas regiões mais rentáveis do ponto de vista do capital; as estaduais eram implantadas em diferentes lugares desempenhando assim, importante papel na integração das regiões através de uma extensa rede de agências, atuando em diferentes áreas onde o sistema $ nanceiro privado não tinha interesse.Diante disso, a atual con$ guração do Sistema Financeiro Nacional, em que pequeno grupo de bancos privados nacionais e internacionais controlam grande parte do mercado $ nanceiro, é resultado das inúmeras mudanças de ordens políticas, econômicas e tecnológicas que se dão em escala mundial e que corroboram para o acúmulo de capital dos grandes grupos econômicos.

Palavras-chaves: bancos públicos; fusões; privatizações.

Depressões no terreno associadas à estruturas de abatimento em encosta afetada por erosão em

túneis em Guarapuava-PR

HOLOCHESKI, Cleverson1

PEREIRA, Simão Gonçalves2

SILVA, Wellington Barbosa da3

PIETROBELLI, Gisele4 (Orientadora)

A presente pesquisa visa caracterizar em encosta afetada por erosão em túneis, feições associadas a movimentos de massa que resultam em depressões aproximadamente arredondadas que ocorrem junto às árvores locais. Elas

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

4 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 263: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

274

ocorrem dispersas na superfície da encosta. Trata-se de movimentos muito lentos, gerados provavelmente pelo adensamento ou afundamento de camadas de solo, resultantes da remoção de alguma fase sólida, líquida ou gasosa do solo. A área de estudo localiza-se em encosta junto ao rio das Pombas, município de Guarapuava (PR), morfologicamente é caracterizada por per$ l retilíneo-convexo e apresenta relevo dissecado a moderadamente dissecado. Esse rebaixamento do solo é conhecido como subsidência, e é gerado pelo carreamento de partículas de solo em subsuperfície e posterior desabamento de parte do teto do túnel. A subsidência pode ocorrer em relevos cársticos ou onde há prospecção de águas subterrâneas, devido à troca de porosidade água – ar. O trabalho tem como objetivo a identi$ cação e o cadastramento das formas e feições relacionadas à subsidência do terreno em encosta afetada por erosão em túneis, bem como reconhecimento dos processos que as originam as feições. Na encosta estudada, essas estruturas aparecem relacionadas à erosão em túneis. A metodologia utilizada consiste no levantamento dos componentes dimensionais – largura, altura e profundidade – da feição erosiva. São efetuadas observações diretas relativas ao funcionamento da subsidência com registros sistemáticos dos mecanismos erosivos dominantes no processo de formação de túneis da área, através de marcas de erosão super$ cial e feições associadas, bem como das características gerais do ambiente, como tipo de cobertura vegetal e marcas de animais escavadores. Os resultados preliminares indicam que a subsidência do solo predomina sobre o abatimento do teto do túnel em área e número. Essas formas erosivas resultam da dinamicidade do processo erosivo e este, por sua vez, resulta da conjugação de mecanismos erosivos atuantes e que predominam no sistema encosta. A montante do sistema de túneis nas depressões converge o @ uxo super$ cial concentrado, este assume maior volume e velocidade da média para a baixa encosta passando a escoar em subsuperfície ao encontrar estruturas de abatimento, levando para dentro do sistema de túneis grande quantidade de água com matéria orgânica (serrapilheira) e fazendo com que as feições erosivas em túneis evoluam com a ação mecânica da água.

Palavras-chaves: túneis; subsidência; estruturas de abatimento.

Page 264: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

275

O capital e o Estado enquanto categorias clássicas na análise da produção do espaço urbano

FERREIRA, Sandra Cristina1

Dentre as principais categorias empregadas na análise e compreensão da produção do espaço urbano, estão o Capital e o Estado. O capital, em sua estratégia de reprodução, materializa-se no espaço, o Estado; enquanto mecanismo de regulação, interfere por meio das mediações que realiza implicando diretamente na produção e apropriação do espaço por meio de sistemas de planejamento, legislação urbana, entre outros. Apresentamos aqui, algumas considerações sobre a atuação desses agentes transformadores do espaço urbano e o emprego destes enquanto categorias de análise em pesquisas cientí$ cas em Geogra$ a urbana. A dinâmica socioeconômica contemporânea exige, em muitos casos, o emprego de outras categorias e conceitos no desenvolvimento de pesquisas nessa área, assim como novas categorias podem surgir. Entretanto, o atual período político-econômico enfatiza o discurso de neutralidade e-ou ausência do Estado e predominância do capital privado. Contudo, deve-se atentar para as falácias que tal discurso representa, quando tomado como de$ nitivo, pois o Estado não exime-se em totalidade, mas também assume formas @ exíveis para atuação em conformidade com o capital privado. Apresentamos algumas referências de pesquisadores que valorizaram-valorizam a articulação Capital-Estado em pesquisas sobre o espaço urbano:”[...] as formas contraditórias do desenvolvimento urbano re@ etem e acentuam a política do Estado” LOJKINE(1979, p.15); “[...] o solo e suas melhorias são freqüentemente valorizadas de acordo com seu melhor e mais alto uso.” HARVEY(1977, p.195); as relações entre o Estado e o espaço “[...] reproduz e multiplica as mesmas contradições das relações capitalistas de produção.” GOTTDIENER(1993, p.1993); [...] a atuação do Estado se faz fundamentalmente em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista.CORRÊA (1989, p.26);[...] o ambiente construído é o produto racional do processo de acumulação capitalista”. HARVEY (1992, p.72); [...] a produção do solo urbano no modo de produção capitalista se apóia na especulação que por sua vez é alimentada pelo Estado. ALENCASTRO(1986, p.17); [...] Acumulação

1 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 265: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

276

de capital, a produção de mais valia, é a força que impulsiona a sociedade capitalista. GOTTDIENER(1993:93).

Palavras-chaves: espaço urbano; capital; Estado.

Territorialização no campo: o caso do assentamento 08 de abril–PR

DENEZ, Cleiton Costa1 OLIVEIRA, Éderson Dias de2

BERNARDINO, Virgílio Manuel Pereira3 (Orientador)

O Brasil possui uma grande concentração de terras, fruto de uma longa história de benefícios em favor de uma classe dominante. Esta estrutura se mantém até hoje, por conta dos grandes latifundiários que fazem uso do poder político-econômico e possuem domínio sobre a atual estrutura agrária do país, mesmo com toda uma pressão dos trabalhadores rurais e de movimentos agrários por uma distribuição mais igualitária da terra. O presente trabalho tem o propósito de analisar a organização do campo através da apropriação do espaço e a construção do território juntamente com seus variantes, como territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Estes processos resultam da luta entre classes e se alteram em função das desigualdades sociais. Pretende-se tal abordagem através do Assentamento Oito de Abril localizado no município de Jardim Alegre, região Centro Norte do Paraná. Será analisada a estrutura agrária e a modernização do campo para compreensão da organização do espaço territorializado e o processo de colonização da região onde se moldou a con$ guração do espaço rural local e sua organização. O Assentamento Oito de Abril é tomado como exemplo de recon$ guração do espaço rural, criando um novo território onde se insere novos elementos no espaço caracterizado historicamente pelo latifúndio. Propomo-nos a contribuir para a re@ exão buscando conhecer melhor a luta pela terra e a necessidade da reforma agrária; não se pretendendo esgotar o assunto e tampouco colocar nossas posições como únicas e verdadeiras.

Palavras-chaves: território; colonização; assentamento.

1 Graduando em Geogra$ a pela FAFIJAN – Jandaia do Sul-PR.

2 Graduando em Geogra$ a pela FAFIJAN – Jandaia do Sul-PR.

3 Professor da FAFIJAN – Jandaia do Sul-PR.

Page 266: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

277

Identi' cação da 3 ora e fauna do litoral paranaense: o caso da Ilha do Mel-PR

PUSSINI, Nilmar1

FREDER, Amarildo2

FERREIRA, Juliano3

FERREIRA, Sandra Cristina4 (Orientadora)

O resumo que aqui segue é resultado da sintetização do artigo com o nome supracitado, produzido junto a disciplina de tópicos Especiais II, ministrada pela prof. Sandra Cristina Ferreira para a turma do 3º ano de Geogra$ a Licenciatura, na Ilha do Mel, no ano de 2007. Tal trabalho consistiu em observações direcionadas para os aspectos e as particularidades da fauna e da @ ora do litoral paranaense, em especial da área visitada (Ilha do Mel). Além das análises empíricas realizadas no trabalho de campo já mencionado, foi feito um vasto levantamento bibliográ$ co sobre o tema proposto, bem como sobre as características físicas gerais do Estado do Paraná. A ausência de bibliogra$ a sobre tal temática aliado às necessidades próprias de produções nortearam a confecção deste trabalho, tendo em vista a riqueza e a importância do conhecimento da @ ora e da fauna do litoral paranaense. O litoral paranaense e, particularmente a Ilha do Mel, tem uma rica e exuberante diversidade biológica, tanto no que toca a fauna como também a @ ora. Na ilha existem cerca de 650 espécies de vegetais, divididas entre vegetação de praia, vegetação de mangue e vegetação de restinga. Com relação à fauna, pode-se encontrar na Ilha vinte espécies de répteis, 153 de pássaros, além das 24 espécies de mamíferos, sete de peixes residentes em água doce e dezenove ordens de insetos. Dentre todas estas espécies citadas, existem várias com estágio avançado de degradação, e muito desses animais já estão enquadrados na lista de animais em extinção, isto devido às ações antrópicas que quase que sempre interferem de maneira negativa em relação aos animais, bem como ao ecossistema da ilha como um todo. As paisagens vegetais naturais da ilha também se encontram em situação crítica. Em relação a sua preservação e conservação, a identi$ cação das

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

4 Professora do Departamento de Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 267: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

278

mesmas se faz necessárias para que assim, com melhor conhecimento sobre suas características possa se garantir a sobrevivência desse meio natural tão importante, não só para nosso Estado, mas para o meio ambiente em geral.

Palavras-chaves: fauna e @ ora do litoral paranaense; Ilha do Mel; caracterização litorânea do Paraná.

Identi' cação dos minerais coletados na escarpa da esperança - Guarapuava-PR

SILVA, Felipe Alexandre da1

ZANCANARO, Grasiela2

PASSOS, Jaquelime Rodrigues dos3

BUENO, Karoline4

LEAL, Tatiane5

As rochas vulcânicas do Cretáceo Inferior que cobrem a seqüência sedimentar da Bacia do Paraná apresentam espessura máxima de mais de 1000 m com dezenas de derrames sobrepostos, cuja composição varia de basaltos, na porção inferior, a riolitos no SE da Bacia. Nas rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, ocorrem minerais primários representados principalmente por fenocristais e microfenocristais de plagioclásio (labradorita, andesina), augita e olivina-Mg e minerais secundários que incluem minerais hidrotermais, produtos do intemperismo e qualquer outro mineral encontrado nestas rochas. É consenso de que as paragêneses de minerais secundários encontrados nas províncias de basaltos são bastante diversi$ cadas e registram importantes alterações de um derrame para outro e também dentro de um mesmo derrame a pequenas distâncias. O presente trabalho se concentrou na identi$ cação de minerais secundários em topo de derrame na Escarpa da Esperança, município de Guarapuava (PR). A área de estudo localiza-se a 1.1260 m de altitude, a uma latitude de 25º 36`27`` S e longitude 51º 12`34`` W. A metodologia se concentrou em levantamento bibliográ$ co,

1 Graduando em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

2 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

3 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

4 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

5 Graduanda em Geogra$ a – UNICENTRO – Guarapuava-PR.

Page 268: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

279

reconhecimento das propriedades físicas dos minerais utilizando-se de testes de ácido clorídrico, observação em lupa, risco com ponteira, cor do traço em cerâmica, dureza utilizando vidro, imã para identi$ cação da presença ou não de magnetismo. Os minerais coletados na Escarpa da Esperança foram encontrados em rochas provenientes do topo de derrame de trapp, algumas foram encontradas em rochas sãs e outras em rochas com algum grau de alteração (intemperismo) com aproximadamente 1% de capacidade de absorção de água. Foram encontrados os seguintes minerais: calcita6, @ uorita, chabazita e saponita, pertencentes ao grande grupo dos Carbonatos; das Zeólitas e dos Filosilicatos. Esses minerais ocorrem em zona muito fraturada na rocha e em vesículas com dimensões de até 3 cm.

Palavras-chaves: minerais secundários; rochas vulcânicas; Escarpa da Esperança.

Page 269: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

280

(Footnotes)

1 BSCH (Banco Santander Central Hispano) corresponde ao grupo controlador do Santander no Brasil.

2 No Brasil, o Grupo BBVA, que havia comprado o Excel-Econômico, deixou de exercer atividades em 2003, ao vender suas participação para o Bradesco.

3 Esta empresa tem participação do Grupo Santander.

Page 270: Anais da XVI Semana de Geografia UNICENTRO 2008

Divulgação Editora UNICENTRO

Projeto Grá$ co

Diagramação Editora UNICENTRO

Editoração

Formato 160mm X 220mm

Mancha 115mm X 180mm

Tipologia Minion Pro (8-15 p.)

Miolo Papel Sul$ te 75 g.

Capa Couche 230 g.

ImpressãoGrá$ ca UNICENTRO

Acabamento

Número de páginas 280

Tiragem 200