Anais do Seminário Acessibilidade em Museus...apresentam deficiência de moderada a grave, de...
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Anais do Seminário
Acessibilidade em Museus
Anais do
Seminário
Acessibilidade em Museus
Niterói, 2020
Imagem de capa (detalhe):
Eliseu D'Angelo Visconti (1866 - 1944)
Roda de Crianças, Século XX. Óleo sobre tela.
Acervo do Museu Antonio Parreiras / FUNARJ
Fotografia: Diego Barino – Cerne Sistemas
ISBN no 978-65-87540-00-9
Agradecimentos aos consultores Felipe Vieira Monteiro e Bruno Welber
Pereira, que nos apoiaram nesse projeto.
Sumário
Prefácio, por Douglas Fasolato .................................................. 5
Apresentação, por Kátia de Marco ......................................... 7
Parte 1
Projetos de acessibilidade: ações em curso
O Museu da Vida como espaço de promoção da
Acessibilidade Cultural, por Hilda da Silva Gomes .............. 14
Ver e Sentir: Projeto de Acessibilidade do Museu Nacional de
Belas Artes, por Simone Bibian ................................................ 31
Reflexões sobre acessibilidade atitudinal, por Many
Pereira ..................................................................................... 39
Museu em versão digital: a experiência do MAP na construção
de um site de arte acessível, por Ana Paula Campos ............... 46
Parte 2
Multissensorialidade: os sentidos na inclusão
Terapia Ocupacional, Acessibilidade Atitudinal e Técnicas
Inclusivas nos espaços culturais à pessoa com deficiência
visual, por Neila Vieira Nunes de Souza e Michelle Costa de
Castro ...................................................................................... 65
Sala Experiências do Olhar, espaço contínuo de
experimentação multissensorial – histórico, metodologia
e criação, por Rômulo Morgado............................................... 78
Museus e deficiência visual: encontros e criação, por Roberta
Gonçalves ................................................................................ 91
5
Prefácio
Douglas Fasolato,
Coordenador de Museus – FUNARJ
Os museus brasileiros precisam estimular o contínuo
aprimoramento de políticas públicas culturais que promovam a
acessibilidade universal.
Assim, se promove igualdade de condições de acesso em
seus mais variados aspectos frente à diversidade de públicos e
suas especificidades.
O Museu Antonio Parreiras (MAP), um dos equipamentos
culturais da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio
de Janeiro/FUNARJ, tem o compromisso de ampliar a
acessibilidade reconhecido em sua missão, assim como tem
entre seus valores a acessibilidade universal. Neste sentido,
referenda essa relevância, oferecendo uma dupla contribuição
ao assunto.
A primeira, ao realizar com êxito o Seminário Acessibilidade
em Museus, em maio de 2019, na sala de cursos do Museu de
Histórias e Artes do Estado do Rio de Janeiro (MHAERJ),
conhecido também como Museu do Ingá, na cidade de Niterói,
integrando a programação organizada por ocasião da 17ª
6
Semana Nacional de Museus. A segunda contribuição, ao
divulgar os resultados das experiências, pesquisas e reflexões
apresentadas pelos sete palestrantes convidados, agora
disponibilizadas, por meio desta publicação, sob a coordenação
da diretora do MAP, Kátia de Marco, com colaboração de sua
equipe.
O lançamento dos “Anais do Seminário de Acessibilidade em
Museus” coincide com o período da 18ª Semana Nacional de
Museus, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus –
IBRAM, tendo como tema “Museu para igualdade: diversidade e
inclusão”. Por isso, é uma oportunidade para pensar a
reabertura dos museus e seus passivos em relação aos desafios
da acessibilidade. Também se configura uma leitura
recomendada neste momento turbulento, causado pela
pandemia de COVID-19, que assola todo o planeta, gerando
muitas perdas e incertezas.
Desta forma, a leitura desta obra é uma oportunidade para
conhecer experiências inovadoras sobre o acesso dos acervos e
espaços de museus por pessoas com deficiência. Neste sentido,
esperamos que exemplos como este do Museu Antonio Parreiras
se multipliquem e sirvam para inspirar outras instituições
brasileiras para implantar e aprimorar práticas e experiências
inclusivas ao público que delas necessitam para usufruírem de
novas oportunidades de acesso. Boa leitura!
7
Apresentação
Kátia de Marco,
Diretora do Museu Antonio Parreiras
“Museus para a Igualdade: diversidade e inclusão”. O tema
proposto na 18ª Semana de Museus está em consonância com a
atividade realizada pelo Museu Antonio Parreiras (MAP) na
edição de 2019 do festival, quando reunimos profissionais,
pesquisadores e estudantes no Seminário Acessibilidade em
Museus. A lotação da sala de cursos do Museu do Ingá, onde
ocorreu o evento, ratificou nossa percepção sobre o grande
interesse acerca da fruição e do diálogo entre os espaços
museais e as pessoas com deficiência.
Essa questão se encontra na diretriz prioritária do MAP,
exemplificada nas recentes ações voltadas à acessibilidade de
seus canais de comunicação na internet, com destaque ao
projeto de construção do site institucional do museu e seus
perfis oficiais nas redes sociais.
Dados não faltam para embasar a importância do tema.
Relatório realizado pela Organização Mundial de Saúde e pelo
Banco Mundial, publicado em 2011, aponta que mais de um
bilhão de pessoas possuem algum tipo de deficiência ao redor
8
do planeta. No Brasil, estima-se que 8,27% da população
apresentam deficiência de moderada a grave, de caráter
permanente, seja deficiência motora, visual, auditiva e/ou
intelectual. Além do mais, é consenso entre os pesquisadores a
tendência à ampliação desse público, devido ao envelhecimento
das populações, bem como ao aumento global de doenças
crônicas, tais como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer
e distúrbios mentais.
Se a chegada da pandemia desencadeada pelo novo
coronavírus adiou nossos planos de promover a segunda edição
do seminário, agora remarcada para 2021, por outro lado,
reforçou nosso intuito de divulgar os conteúdos compartilhados
durante o encontro do ano passado. Do esforço de todos os
envolvidos no projeto, surge esta publicação – disponibilizada
para download gratuito, em formato acessível para leitores de
tela –, reunindo artigos gentilmente preparados pelos
palestrantes. Os anais seguem a organização do seminário,
dividido em duas mesas temáticas. A primeira parte, sob o título
“Projetos de acessibilidade: ações em curso”, apresenta
experiências em desenvolvimento com foco nos campos da
educação e da comunicação.
No artigo de abertura, Hilda da Silva Gomes defende a
importância dos museus como espaços educativos e de
enfrentamento das injustiças sociais. A coordenadora da Seção
9
de Formação do Serviço de Educação do Museu da Vida
(Fiocruz) destaca que “os museus trilham novos caminhos na
elaboração de ações educativas acessíveis explorando
afetividade e provocando emoção para oportunizar mais
compartilhamento de saberes e interação”. Para a autora, “a
função social e educativa dos museus é abrangente e tem como
objetivos centrais a autonomia, a emancipação das pessoas e a
valorização da diversidade cultural”.
No texto seguinte, Simone Bibian, técnica em Assuntos
Educacionais do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), aborda
o projeto Ver e Sentir, voltado à acessibilidade para pessoas
cegas e de baixa visão. A partir da iniciativa da instituição,
Bibian convida o leitor a refletir sobre novas possibilidades de
experiências estéticas nos espaços culturais, levando em conta
a diversidade do público.
Many Pereira, por sua vez, optou por fazer um relato
pessoal sobre “acessibilidade atitudinal”, dimensão na qual o
treinamento, a empatia e a compreensão das equipes no
acolhimento das pessoas com deficiência são fundamentais.
“Integrar o público com deficiência nos espaços culturais, muita
das vezes, depende mais de vontade do que de verbas. Ter
empatia, solidariedade e atitude não custa nenhum centavo”,
defende a arte-educadora e produtora cultural.
10
Encerrando a primeira parte desta coletânea, Ana Paula
Campos, assessora de comunicação do Museu Antonio Parreiras,
descreve o processo de criação da página oficial do MAP na
internet e as estratégias utilizadas para torná-la acessível a
pessoas com deficiência. O artigo cita desde os protocolos
internacional e brasileiro aplicados à rede aos dispositivos de
acessibilidade, como leitores de tela e tradutores para a Língua
Brasileira de Sinais (Libras).
Com o título “Multissensorialidade: os sentidos na inclusão”
e a segunda parte dos anais contempla, de forma mais
específica, a acessibilidade voltada a pessoas cegas e com baixa
visão. Nesse campo, a contribuição das terapeutas ocupacionais
Neila Vieira Nunes de Souza e Michelle Costa de Castro se
mostra preciosa, ao propor técnicas inclusivas a serem
utilizadas no acolhimento de pessoa com deficiência visual em
espaços culturais. Para tanto, levam em conta a experiência de
ambas no Setor de Terapia Ocupacional / OM (Orientação e
Mobilidade) da Associação Fluminense de Apoio aos Cegos
(AFAC).
A entidade, aliás, teve papel essencial como instituição
parceira na elaboração da Sala Experiências do Olhar, como
revela o artigo assinado por Rômulo Morgado. Laureado no 10º
Prêmio Ibermuseus de Educação, o projeto estabeleceu, no
Museu do Ingá, um espaço fixo de experimentação
11
multissensorial, dedicado a oferecer a fruição de obras de arte
através da valorização dos sentidos de olfato, audição, paladar e
tato, em detrimento ao da visão.
“O Brasil possui 6,5 milhões de pessoas com algum grau de
deficiência visual, sendo aproximadamente 580 mil cegas. É de
preocupação do museu a participação desse público,
assegurando o exercício de sua cidadania, na garantia do acesso
desse às obras e programação da instituição”, escreve Morgado.
Por questões de agenda, esta versão sai sem o artigo de
Leonardo Dias, educador do Museu Histórico Nacional, que será
incluído na edição atualizada, a ser publicada, em breve, no site
do Museu Antonio Parreiras. Em contrapartida, incluímos, como
“apêndice”, o texto Museus e deficiência visual: encontros e
criação, escrito Roberta Gonçalves especialmente para o evento.
À época recém-radicada em Lisboa, a psicanalista fez
questão de contribuir para o seminário, ao qual havia sido
convidada como palestrante. A carta, enviada da capital
portuguesa e lida no auditório, fala da condição social do
indivíduo e como uma decisão do pintor Antonio Parreiras, no
passado, a estimulou a articular o trabalho da reabilitação com
os museus e espaços de cultura em geral.
12
Com essa publicação, o MAP busca colaborar para os
debates acerca da acessibilidade cultural, um tema que nos é
caro e no qual pretendemos avançar.
13
Parte 1
Projetos de
acessibilidade: ações em
curso
14
O Museu da Vida como espaço de promoção
da Acessibilidade Cultural
Hilda da Silva Gomes
A educação é um dos campos de fundamental importância
para o enfrentamento das iniquidades sociais, isso porque
permite que os indivíduos e grupos se insiram na dinâmica
societária e no fluxo da cultura humana. Esse patrimônio
cultural acumulado e constituído ao longo de gerações implica
em conhecimentos, competências, valores, simbologias,
instrumentos, linguagens características, articula pessoas e
instituições e é a expressão de uma comunidade humana
particular no meio social (FORQUIN,1993). A educação parte de
uma concepção problematizadora, na qual o conhecimento
resultante é crítico e reflexivo. É um ato político que exige
comprovados saberes em seu processo (FREIRE, 1997). De
acordo com esse processo, a ação cultural coletiva se faz
presente e implica em entender que a cultura não termina nas
fronteiras da tribo, da cidade ou da nação. Neste contexto, as
ações educativas e culturais estão necessariamente associadas
à discussão de questões éticas, políticas e sociais.
15
Devemos entender a educação como um ato de intervenção
no mundo e esta deve estar a serviço das transformações
sociais. Freire (1998) nos lembra que prescindir da esperança
que se funda também na verdade como na qualidade ética da
luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais e
enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática
para tornar-se concretude histórica. O artigo 27 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos redigida pela Organização das
Nações Unidas (ONU), já apontava, em 1948, que toda pessoa
tem direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso
científico e nos benefícios que deste resultam. Mas existem
barreiras que impedem o acesso e não proporcionam
sentimento de pertencimento ou identidade não assegurando a
apropriação dos bens culturais e excluindo grande parte da
população.
Segundo o relatório mundial sobre deficiência elaborado
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Banco
Mundial, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo
possuem algum tipo de deficiência (OMS, 2005). Este conceito
mudou a perspectiva individual e médica que enfatizava a
dependência do indivíduo, considerando-o incapaz, para uma
perspectiva estrutural e social, atribuindo as desvantagens
individuais e coletivas à incapacidade de reestruturação da
16
sociedade (AMIRALIAN et al., 2000). Sob esse prisma, o
ambiente social tem grande impacto sobre a experiência e a
extensão da deficiência, pois ambientes inacessíveis criam
deficiência ao criarem barreiras à participação e inclusão. A
legislação brasileira possui vários decretos constitucionais que
conferem garantias ao direito cultural da pessoa com
deficiência. Importante entender que apesar dos dados do IBGE
(2011) apontarem cerca de 23,91% da população brasileira
como possuindo algum tipo de deficiência, já é sabido que essa
estatística incluiu pessoas que não têm perdas funcionais (como
miopia leve, por exemplo). O público que precisa das políticas
públicas corresponde a 8,27% da população brasileira que
apresentam deficiência de moderada a grave, de caráter
permanente, como deficiência visual, auditiva, intelectual e
motora. Além disso, o Relatório Mundial sobre deficiência (2011)
diz que essa prevalência nos países de renda mais baixa entre
pessoas com idades de 60 anos ou mais, é maior, por exemplo,
se comparada a países com renda mais elevada e estabelece
uma equação entre deficiência e pobreza.
Um dos mais importantes tratados, a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência foi realizada pela ONU em
2006 e tinha como meta: promover, proteger e assegurar o
exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais. Este é um documento muito relevante,
17
pois é o primeiro instrumento de direitos humanos do século
XXI, com uma dimensão explícita de desenvolvimento social e
que marca uma mudança paradigmática de atitudes e enfoque a
respeito das pessoas com deficiência. Em seu artigo 30 destaca
o direito de participação em condições de igualdade da vida
cultural e ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos
culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e
serviços turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter acesso
a monumentos e locais de importância cultural nacional (ONU,
2006, n.p.). Após uma atuação de liderança em seu processo de
elaboração, o Brasil decidiu ratificá-la com equivalência de
emenda constitucional, nos termos previstos no Artigo 5º, § 3º
da Constituição Brasileira, e, quando o fez, reconheceu um
instrumento que gera maior respeito aos Direitos Humanos.
Diante da crescente complexidade da sociedade, a difusão
de diferentes saberes se dá não apenas na escola, mas também
em outros espaços de natureza educativa, como os museus. Ao
longo do tempo os museus passaram por transformações
históricas e conceituais buscando novas estratégias educativas
para ampliar sua comunicação com o público.
Nesse cenário, os museus trilham novos caminhos na
elaboração de ações educativas acessíveis explorando
afetividade e provocando emoção para oportunizar mais
compartilhamento de saberes e interação.
18
Considera-se o museu como um espaço privilegiado para a
articulação dos aspectos afetivos, cognitivos, sensoriais e de
trocas simbólicas.
Segundo o Internacional Council of Museums (ICOM), o
museu:
[...] é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a
serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta
ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e
expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e
seu ambiente para fins de estudo, educação e deleite da
sociedade (ICOM, 2007, p. 20).
De acordo com a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009,
que instituiu o Estatuto de Museus, consideram-se museus, para
os efeitos desta Lei:
As instituições sem fins lucrativos que conservam,
investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins
de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor
histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer
outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento (BRASIL, 2009).
19
A função social e educativa dos museus é abrangente e tem
como objetivos centrais a autonomia, a emancipação das
pessoas e a valorização da diversidade cultural. Vivemos num
mosaico de múltiplas cenografias, ambientes, linguagens e
realidades. Neste cotidiano, há desafios, dificuldades e
retrocessos, mas também lutas, resistências, avanços e
conquistas. Neste esforço educativo e político, um movimento
realizado por educadores de museus, se debruçou na construção
de uma política que pudesse evidenciar a importância da
formação destes profissionais e o papel estratégico dos museus
no fortalecimento da cultura. A Política Nacional de Educação
Museal (PNEM) constituiu-se, de forma participativa, a partir do
Programa Nacional de Educação Museal. É um conjunto de
princípios e diretrizes com o objetivo de nortear a realização das
práticas educacionais em instituições museológicas, fortalecer a
dimensão educativa em todos os espaços do museu e subsidiar
a atuação dos educadores. Sua construção, iniciada no 5º
Fórum Nacional de Museus, que ocorreu em Petrópolis, em
2012, concluiu-se com o documento final aprovado no 7° Fórum
Nacional de Museus, em Porto Alegre, já em 2017 e que se
constitui como matriz orientadora representando um passo
fundamental para a organização e desenvolvimento do campo
da educação museal.
20
Um dos princípios da PNEM destaca que a educação museal
compreende um processo de múltiplas dimensões de ordem
teórica, prática e de planejamento, em permanente diálogo com
o museu e a sociedade. Em seu Eixo III intitulado ‘Museus e
Sociedade’, ressalta como matricial:
Promover a acessibilidade plena ao museu, incentivando
a formação inicial e continuada dos educadores museais
para desenvolvimento de programas, projetos e ações
educativo-acessíveis (PNEM,2017:7).
Sassaki (2007) considera que é preciso garantir diversos
níveis e dimensões de acessibilidade como: atitudinal
(oportunizar práticas de sensibilização e conscientização),
arquitetônica (eliminação de barreiras físicas), metodológicas
(elaboração de estratégias educativas), instrumental (utilizar
equipamentos e aparatos acessíveis), programática (adoção da
legislação) e comunicacional (possibilitar variadas formas de
comunicação e de tecnologia assistiva). Anteriormente a
acessibilidade era vista apenas como um processo de eliminação
de barreiras físicas, os conceitos avançaram para a importância
das condições de utilização de produtos e serviços gerais e hoje
se firma como o direito à vida e respeito à diversidade. Neste
caminho mais um olhar se agrega a esta realidade e que se
potencializa com a implementação das políticas públicas
21
culturais: é a “acessibilidade cultural”, como um conjunto de
adequações, medidas e atitudes que visam proporcionar bem
estar, acolhimento e acesso à fruição cultural para pessoas com
deficiência, beneficiando públicos diversos (SARRAF, 2013).
Para Omote (2008), são necessárias ações que possibilitem a
participação destas pessoas na sociedade como cidadãos e
cidadãs com plenitude de direitos.
No tocante ao contexto das proposições aqui contidas, vale
destacar no que diz respeito ao contexto brasileiro, de acordo
com a publicação “História do Movimento Político das Pessoas
com Deficiência no Brasil”, lançada em 2010 pela Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SNPD/SDH/PR), nas últimas décadas, que as pessoas com
deficiência têm obtido mais visibilidade e conquistado mais
espaços, como resultado da maior articulação política em defesa
de direitos e do combate à discriminação.
Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o
respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela
plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e
pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto,
que a deficiência é apenas mais uma característica da
condição humana (Brasil, 2012).
22
Nossa história é marcada por desequilíbrios e desigualdades
sociais, realimentadas por discriminações étnicas, sociais e de
gênero. Vivemos hoje uma grande crise na compreensão do
conceito de direitos humanos e isto impacta as questões
voltadas para a expressão e fruição de direitos culturais. Estas
dependem de condições de igualdade e a plena oferta de
condições para que estes processos se realizem. Nesse sentido
é preciso continuar fortalecendo o direito das pessoas com
deficiência, ainda tratadas com discriminação e preconceitos. A
reflexão, a ser exercitada sobre a democracia via expressão
cultural e sobre a importância da diversidade de manifestações
identitárias é um fator que possibilita mudanças nesse aspecto
da cultura e que merece investimento intensivo no sentido de
contribuir para libertar possibilidades de expressão oprimidas,
para melhorar a qualidade de vida converter seus direitos legais
em direitos efetivos.
Estes fatores contribuem para o aumento da coesão social,
democracia, cidadania e estão na base do Serviço Único de
Saúde /SUS como território e participação social, sendo um dos
determinantes sociais de saúde fundamentais para
acessibilidade aos serviços e configuração das políticas culturais,
sociais e de saúde.
Toda essa caminhada abre novas perspectivas e tomada de
posições dos gestores e profissionais de espaços culturais. Como
23
potencializar o protagonismo de pessoas com deficiência na
elaboração de projetos, produção de expressões artísticas,
curadorias de espetáculos, exposições e também estimular a
formação desse público como plateia? Essas provocações nos
movem na direção de outros caminhos que devem ser trilhados
a fim de não só promover o acesso, mas também, gerar a
tomada de consciência para intervenção na realidade. Estas
ações se pautam na atenção que os museus devem dar às
diferentes particularidades e especificidades de públicos, como:
infantil, idosos, LGBT, população de territórios socialmente
vulnerabilizados e pessoas com deficiência física, intelectual,
auditiva e visual.
As intervenções físicas e ações educativas acessíveis
também são essenciais, e é necessário construir espaços de
interlocução entre profissionais, oportunizando
compartilhamento de experiências e investindo na formação de
equipes assim como, no fortalecimento de uma rede de
acessibilidade em museus. Criar novos processos museais que
potencializem uma educação libertadora e crítica nos dão
subsídios para enfrentar e modificar o cenário controverso no
qual estamos inseridos. Os museus podem e devem ser fórum
de discussões sobre essas e outras questões que afetam a todos
os cidadãos de todas as classes, etnias, complexidades,
24
especificidades e gêneros. Afinal de contas, não é para isso
também que servem os museus?
Mas para que estas condições sejam viabilizadas, é
fundamental o compromisso na elaboração de estratégias
voltadas para o treinamento e formação de profissionais a fim
de proporcionar acolhimento respeitoso do público de pessoas
com deficiência e a oferta de diversas possibilidades de fruição
no espaço museal. Registramos aqui a experiência em curso no
Museu da Vida/MV, espaço de educação não formal, situado no
campus da Fiocruz em Manguinhos na cidade do Rio de Janeiro.
Um acontecimento abalou a estrutura de nosso alicerce: um
tombo sofrido por um jovem com deficiência visual durante uma
visita ao MV, nos assustou, impactou e desafiou a mudar o
curso de nossa rotina diária no atendimento a este perfil de
público.
O MV dispõe de áreas expositivas que exploram temáticas
relacionadas à ciência, história, arte e saúde. Tem em sua
missão, popularizar a ciência por meio de aparatos interativos,
atividades educativas, objetos museológicos e exposições.
Desde 2013, criamos o Grupo de trabalho Acessibilidade que
tem se dedicado a repensar e rever o atendimento feito ao
público de pessoas com deficiência a fim de desenvolver
estratégias educativas mais acessíveis.
25
Nessa caminhada, o MV continua definindo as rotas.
Estabelecendo outra trajetória pavimentando uma nova estrada
livre de barreiras, pedágios e obstáculos. Ampliando a escuta
como parte de uma agenda emancipatória que não só reconhece
as diferenças, mas valoriza as alteridades respeitando
conhecimentos e saberes legítimos. Mergulhando num
aprofundamento teórico-prático, descobrindo pessoas e
experiências. Explorando a criatividade nas ações educativas.
Apostando na produção da cultura, saúde e cidadania.
Potencializando a promoção da saúde. Investindo na troca
dialógica com estes ‘sujeitos de direito’ para uma dinâmica de
trabalho de mão dupla. Buscando sensibilização, incrementando
o respeito e novas condutas acessíveis. Criando uma rede
parceira com instituições como o IBC e o INES. Realizando
encontros acadêmicos. Desenvolvendo exposições com recursos
de tecnologia assistiva. Trabalhando com a participação e
consultoria de projetos feita por profissionais com deficiência.
Conhecendo um novo e potente lócus de experiências estéticas
e sensíveis. Descobrindo novas formas de mediação e
comunicação alternativa. Compreendendo a sinérgica
importância de ultrapassar os modelos tradicionais e de se abrir
para a elaboração de perspectivas de fruição multissensoriais.
Atuando na eliminação de preconceitos e barreiras atitudinais.
Com esta nova rota traçada e um protocolo implementado,
recebemos 21 instituições e 648 visitantes com deficiência,
26
plenos em suas especificidades e singularidades, no período de
junho de 2017 a dezembro de 2018. Iniciamos o ano de 2019
com a vinda de mais 8 instituições. Podemos encontrar algumas
pedras no caminho e ainda tropeçar, mas já temos suportes que
impedem outros tombos.
Estas experiências acumuladas representam a fonte de
nossos resultados no avanço desta caminhada. Na estrada
surgiram algumas questões que exigiram reflexão e novas
ações. Como transformar práticas educativas já ‘naturalizadas’ e
construídas numa abordagem que generaliza o público e não
aprofunda o olhar para diversidade? Como elaborar roteiros que
incluam pessoas com deficiência? Como desenvolver estratégias
que ampliem o olhar para as diversas especificidades?
A sociedade deficiente é que dificulta e impõe barreiras
atitudinais, físicas e comunicacionais que prejudicam ou
impedem a participação social dessas pessoas. Como
educadores, devemos ser mais cuidadoso e precisamos ser mais
ousados nos debruçando na elaboração de atividades que
sensibilizem e explorem sons, cheiros, sensações oportunizando
experiências estéticas numa visita ao museu. Considerar uma
outra forma de definir o tempo na exploração do espaço museal
principalmente com mediação é um aspecto necessário. Mas
provocar a emoção, surpresa, inquietação e questionamentos
27
para visitante e mediador é a esperada troca dialética que
esperamos como resultado desse encontro.
Depois daquele tombo... insistimos em manter um grande
processo de sensibilização institucional para ampliar o acesso de
pessoas com deficiência, seja por meio da participação na
elaboração de estratégias expositivas e ações educativas,
estágio e contratação
Museus podem e devem ser espaços dinâmicos de
ressignificações legitimando a presença dos sujeitos na
construção de lugares seguros onde possamos construir a
sensação de pertencimento a partir da mobilização dos acessos
afetivos. Muito ainda está por fazer, mas o caminho agora não
admite retorno pois não dá para voltar atrás. É necessário
avançar na descoberta de novos percursos numa estrada que
nos apresenta muitas possibilidades ainda pouco exploradas.
Sobre a autora: Hilda Gomes possui Licenciatura em Ciências Biológicas
e Bacharelado em Biologia Marinha, pelas Faculdades Integradas Maria
Thereza; é mestre em Educação pela UFF e especialista em Acessibilidade
Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora
universitária, desde 2006, atua na Fundação Oswaldo Cruz, onde
coordena a Seção de Formação do Serviço de Educação do Museu da
Vida. Hilda também integra o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e
Inclusão das Pessoas com Deficiência.
28
Referências
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Pública, [online] v.34, n.1, p.97-103, 2000. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
89102000000100017&script=sci_abstract&tlng=pt> Acesso em: 31 ago.
2018.
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Jurídicos. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009 . Institui o Estatuto de
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
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Decreto Legislativo nº 186/2008: Decreto nº 6.949/2009. 4. ed., rev. e
atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2012. Disponível em:
<http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publica
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mar. 2019.
29
FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do
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Acesso em: 31 ago. 2017.
OMOTE, S. Diversidade, Educação e Sociedade Inclusiva. In OLIVEIRA,
A.A.S.D.;OMOTE,S.;GIROTO,C.R.M. Inclusão Escolar: As Contribuições
da Educação Especial. São Paulo - SP: Cultura Acadêmica Editora, 2008.
OMS. Relatório mundial sobre a deficiência / World Health
Organization, The World Bank; tradução Lexicus Serviços Linguísticos.
São Paulo: SEDPcD, 2012. Disponivel em:
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/
RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf > Acesso em: 31 ago. 2017.
SARRAF, Viviane Panelli. A comunicação dos sentidos nos espaços
culturais brasileiros: estratégias de mediações e acessibilidade para
pessoas com deficiências. 2013. Tese (Doutorado em Comunicação e
Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2013. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/bitstream/
handle/4518/1/Viviane%20Panelli%20Sarraf.pdf>. Acesso em: 20-08-
2018.
30
SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 7. ed.
Rio de Janeiro: wva, 2006.
31
Ver e Sentir: Projeto de Acessibilidade do
Museu Nacional de Belas Artes
Simone Bibian
Resumo: Os museus são, em geral, pouco acolhedores principalmente
para pessoas com deficiência. Apresentamos neste artigo o Projeto Ver e
Sentir, de acessibilidade para pessoas cegas e de baixa visão no Museu
Nacional de Belas Artes (MNBA), bem como seu histórico e
desdobramentos, com objetivo de contribuir para a reflexão da
possibilidade de oferecimento de experiências estéticas nos espaços
culturais, levando em conta a diversidade do público.
Palavras-chave: acessibilidade em museus, arte e pessoa com
deficiência visual, Museu Nacional de Belas Artes e inclusão.
1) Introdução
A democratização do acesso aos bens culturais e a fruição
do patrimônio cultural, levando em conta a diversidade, é um
grande desafio, pois os museus sempre foram pouco
acolhedores, especialmente para as pessoas com deficiência.
Mesmo com todos os movimentos, normas, legislação específica
e direitos conquistados por lei, na prática o acesso ao
patrimônio cultural ainda carece de reflexão. Mais
32
especificamente, como um museu de arte pode oferecer a
possibilidade de apreciação estética a pessoas cegas e de baixa
visão?
Fornecer acesso a obras tão visuais quanto pinturas e
esculturas é uma tarefa para a qual não existe padrão ou
caminho pré-definido. Não está claro o que se deve fazer
para dar acesso, através do tato e de outros sentidos, a
um acervo que sempre se pretendeu e foi visual. Fazê-lo
de uma maneira que desperte o interesse de todos os
públicos, e não apenas dos deficientes visuais, é algo
ainda mais difícil; trata-se porém, de uma meta que
caracteriza o horizonte de uma inclusão efetiva. (Carijó,
Magalhães, Almeida, 2010, p. 174)
2) O Museu Nacional de Belas Artes e o projeto de
acessibilidade
O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) – RJ foi criado em
1937 através de um decreto do então Presidente Getúlio
Vargas. O prédio que ocupa foi projetado para sediar a Escola
Nacional de Belas Artes e construído durante as reformas
urbanísticas do Prefeito Pereira Passos, em 1908. O acervo do
museu se originou através das obras da coleção de D. João VI,
das pinturas trazidas pelo chefe da Missão Artística Francesa,
Joaquim Lebreton, e pelos trabalhos pertencentes ou produzidos
33
pelos membros da Missão. A partir de então, seu acervo tem se
ampliado através de doações e aquisições, contando atualmente
com cerca de 70.000 itens entre desenhos, pinturas, esculturas,
gravuras, mobiliário, livros, fotografias e documentos históricos.
O museu possui a maior e mais importante coleção de arte
brasileira do século XIX, sendo fundamental que seu acervo
possa ser apreciado por todas as pessoas. Por isso, busca
aperfeiçoar a acessibilidade física, sensorial, cognitiva e
atitudinal, desenvolvendo ações de acolhimento para o público
com deficiência. Uma das ações mais importantes neste sentido
é o projeto de acessibilidade Ver e Sentir através do toque.
Iniciado em 2007, o projeto tem como objetivo tornar a
experimentação estética promovida pelas obras de arte, assim
como a história da arte e dos processos artísticos, acessíveis às
pessoas cegas e com baixa visão. Tendo um acervo
essencialmente composto por obras de arte plásticas e visuais,
fornecer o acesso a elas exigiu a disposição em experimentar
caminhos e estratégias que viabilizassem o contato através de
outros sentidos. Assim, em sua primeira fase, o projeto previu a
possibilidade do toque.
Foi construído então um material tátil composto de
reproduções de obras de arte, na forma de placas de gesso em
baixo relevo, produzidas pela Seção de Esculturas da Escola de
Belas Artes - EBA/UFRJ. Faz parte deste conjunto reproduções
34
em material emborrachado (EVA) e algumas maquetes, feitas a
partir do acervo artístico do museu, de obras especialmente
selecionadas para este trabalho, bem como os textos para a
audiodescrição. Todo o material foi submetido à avaliação de
alunos cegos do Colégio Pedro II e da Escola Municipal Helena
Antipoff, e foi objeto de discussão e reflexão no Seminário sobre
Acessibilidade promovido pelo MNBA em 2008. Desde então,
este material vinha sendo utilizado pontualmente,
disponibilizados pelo Núcleo de Educação em visitas agendadas.
Para que este Projeto fosse divulgado para o público em
geral e o material ficasse acessível a todos, foi inaugurada em
janeiro de 2015 a Exposição do Projeto Ver e Sentir através do
Toque, com parte das placas táteis, maquetes e reproduções em
EVA. Uma parceria com a Secretaria da Pessoa com Deficiência
da cidade do Rio de Janeiro proporcionou a orientação
necessária quanto a questões de acessibilidade da própria
exposição, fazendo treinamento com o pessoal do receptivo do
museu e produzindo as etiquetas e textos em Braille. Para que
os visitantes videntes também pudessem ter a experiência do
toque sem a visão, foram disponibilizadas máscaras para cobrir
os olhos.
Esta exposição foi objeto de pesquisa da neurocientista Dra.
Maira Froes e equipe, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro/UFRJ, numa ação intitulada “Quando a arte toca o
35
cérebro”, integrada à programação da Semana Nacional do
Cérebro 2015. A experiência pretendeu ampliar o entendimento
do que o corpo, o sujeito deste corpo, a arte e a ciência revelam
através do toque, discussão também presente no Seminário Ver
e Sentir através do Toque, promovido pelo MNBA naquele
mesmo ano.
3) Projeto Ver e Sentir – nova fase
Por ocasião dos 10 anos do projeto, em 2017 esta proposta
de exposição entra em nova fase, na qual busca a interlocução
com outros agentes e outros modos de fazer, numa abordagem
mais abrangente. Artistas contemporâneos são convidados a
provocar outros sentidos além da visão, ampliando a
experiência estética do visitante através do contato direto com
obras originais. Pessoas cegas e videntes podem assim usufruir
da arte em toda a sua diversidade.
A primeira artista convidada foi Suzana Queiroga. A
exposição Ver e Sentir através do Toque – Suzana Queiroga,
apresentou obras que propunham uma relação nova com a arte,
estimulada através da percepção tátil. Topos, uma destas obras,
era composta de três formas côncavas ovais paralelas,
interligadas por uma forma cilíndrica e côncava na horizontal,
em uma parede branca. Em outra parede, onze formas
convexas ovais e lisas, de tamanhos diferentes, dispostas de
36
forma aleatória e próximas. Outra obra, denominada Rioma,
criada especialmente para o projeto, consistia em uma grande
instalação feita de tecido vermelho e macio, com recortes
vazados de formatos irregulares, inspirada na cartografia do
centro do Rio de Janeiro, aberta no chão como um tapete. As
obras ofereciam-se à experiência do toque por todos os
visitantes e foi muito bem recebida pelo público.
Além de beneficiar as pessoas com problemas de visão,
idosos, crianças em fase de alfabetização, familiares e
amigos das pessoas com deficiência visual, as
adequações para inclusão proporcionam aos indivíduos
esgotados pelo apelo da comunicação visual a
possibilidade de perceber a arte e a cultural com seus
outros sentidos. (Sarraf, 2010, p. 171)
Esta exposição foi objeto de reflexão em uma roda de
conversa ocorrida no museu, com a presença da artista,
técnicos do Instituto Benjamin Constant, pessoas cegas e
pesquisadores.
A próxima exposição do projeto, Diário de Cheiros:
Affectio, a ser inaugurada em maio de 2019, foi concebida pela
artista brasileira radicada em Nova York Josely Carvalho. Esta
exposição, que remete às grandes manifestações populares
ocorridas em 2013, consiste em uma instalação que estimula os
37
sentidos visual, olfativo e tátil, exibida em diferentes espaços do
museu, construída por seis mesas com ânforas olfativas feitas
em vidro soprado. Cada ânfora recebe o nome do cheiro criado
por Josely. São eles: “Pimenta”, “Lacrimæ”, “Barricada”,
“Anoxia”, “Poeira” e “Dama da Noite”. Este último remete à
sensibilidade, à potência e força feminina, entendidas como
possível opção de mediação de conflitos. Faz parte da
exposição, ainda, a escultura “Marielle Franco”, em homenagem
à vereadora da cidade do Rio de Janeiro, que foi brutalmente
assassinada em 2018. A Associação Fluminense de Amparo ao
Cego (AFAC) apoiou a exposição confeccionando etiquetas e
textos em Braille. Rodas de conversa, visitas mediadas e
seminários estão sendo organizados, no sentido de contribuir
para discussão sobre questões de experiência estética, memória
olfativa e acessibilidade.
Sabemos que ainda há um longo trabalho pela frente para
que o acesso pleno por todas as pessoas aos museus e à arte
seja de fato uma realidade, mas seguimos com esperança neste
caminho de pesquisa, reflexão, propostas e compartilhamento
de experiências de novas e diversas formas de ser e estar no
museu.
38
Sobre a autora: Simone Binian é graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutoranda em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense.
No momento, atua como Técnica em Assuntos Educacionais do Museu
Nacional de Belas Artes, sendo Responsável pelo Setor de Educação da
Instituição. É membro do grupo FIAR, Círculo de Estudo e Pesquisa
Formação de Professores, Infância e Arte.
Referências
SARRAF, Viviane. Acesso à Arte e Cultura para pessoa com deficiência
visual: direito e desejo. In: MORAES, Marcia e KASTRUP, Virgínia (orgs.)
Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com pessoas com
deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau, 2010.
CARIJÓ, Filipe, MAGALHÃES, Juliana, ALMEIDA, Maria Clara. Acesso tátil:
uma introdução à questão da acessibilidade estética para o público
deficiente visual nos museus. In: MORAES, Marcia e KASTRUP, Virgínia
(orgs.) Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com pessoas com
deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau, 2010.
COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane ; BRASILEIRO, Alice .
Acessibilidade a museus (Cadernos Museológicos – vol. 2) Brasília, DF:
Ibram, 2012.
39
Reflexões sobre acessibilidade atitudinal
Many Pereira
“Você se lembra, foi isso mesmo que se deu comigo...”
(Castigo, Dolores Duran)
Diferentemente da continuação da canção eternizada na voz
de Dolores Duran, eu não tive nenhum castigo em ter Trilhado
os Caminhos da Acessibilidade Atitudinal (título da seção 2 do
meu trabalho de conclusão de curso da Especialização em
Acessibilidade Cultural, pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro, em junho de 2019). Pelo contrário, hoje tenho muito
orgulho de ter iniciado os meus estudos sobre o tema. O convite
do Museu Antonio Parreiras foi a oportunidade para narrar um
pouco deste caminhar, que seguirá, além de procurar refletir
junto com os presentes, sobre como a acessibilidade atitudinal
pode e deve ser incentivada nos espaços de cultura, através de
iniciativas como cursos, palestras, dentre outras formas, que
devem ser instituídas pelos gestores de tais espaços.
A ideia é de que este relato possa apresentar como a
aproximação com o tema da acessibilidade cultural é capaz de
nos afetar no sentido de ampliar nossos olhares sobre algo que
40
está presente no nosso dia a dia, mas nos parece inicialmente
invisível. E a invisibilidade aos nossos olhos nos parece natural.
A Acessibilidade Atitudinal, uma das dimensões da
acessibilidade, tem se apresentado como força impulsionadora
para todas as outras formas de acessibilidade. Além disso, a
vivência da acessibilidade atitudinal é capaz de provocar
pequenas mudanças, qualificando as iniciativas de promoção da
cidadania cultural das pessoas com deficiência nos espaços
culturais.
No Brasil, os espaços culturais ainda estão se esforçando
para conseguir atender ao público com deficiência, seja se
adequando às leis, ou por programas educacionais inclusivos.
Temos artistas com deficiência lutando para mostrar sua arte,
com iniciativas próprias e pouco apoio governamental, e por
outro lado, temos pela frente o enorme desafio de trazer o
público com deficiência para ocupar seu espaço nos museus,
teatros, cinemas, salas de espetáculos, dentre outros.
Uma das funções do produtor cultural é a formação de
público, ou seja, contribuir para que as plateias lotem
espetáculos, museus, teatros etc. Se por um lado existe todo
um arcabouço teórico e legal que determina a necessidade e a
importância da inclusão e da acessibilidade, por outro, os
gestores e as instituições estão quase sempre alegando falta de
verbas para que os espaços não estejam aptos a receber todas
41
as pessoas. Alinha-se a tudo isso, o fato de que o público com
deficiência, muitas das vezes, não é pensado nestas
programações, por uma série de fatores. A principal delas é a
falta de sensibilidade e de acessibilidade atitudinal.
Durante os estudos para a conclusão da especialização em
Acessibilidade Cultural, ficou claro para nós que a mudança de
foco é possível, e, que, integrar o público com deficiência nos
espaços culturais, muita das vezes depende mais de vontade do
que de verbas. Ter empatia, solidariedade e atitude não custa
nenhum centavo. Portanto, treinar pessoas para que estejam
aptas a propor e buscar soluções que incluam as pessoas com
deficiência é de suma importância, não só para os produtores
culturais, mas para toda a cadeia da produção cultural hoje no
Brasil.
O treinamento e a sensibilização para a acessibilidade
atitudinal das equipes que integram os espaços de cultura visam
incentivar que sejam feitas ações para inclusão das pessoas
com deficiências, não só como público, mas também como
funcionários e artistas. Desta forma, seria quebrada a primeira
barreira que impede o acesso desta população a fruição e ao
lazer, além de propiciar que a sociedade em geral se habitue a
conviver com surdos, cegos, autistas, pessoas com deficiência
intelectual ou física, dentre outras, sem estranhamentos.
42
Sendo assim, quais seriam os benefícios do treinamento em
acessibilidade atitudinal para os espaços? O treinamento
possibilitará o entendimento da necessidade de se criar outras
acessibilidades, como comunicacionais, físicas e arquitetônicas;
o custo deste tipo de treinamento geralmente é menor do que
outros na área; aumento da empatia de setores estratégicos,
como diretorias e finanças; além do principal: o aumento de
público.
Neste sentido, consideramos que a acessibilidade atitudinal
é a porta de entrada para a consciência e sensibilização das
pessoas que trabalham do setor cultural afim de promover, de
fato e de direito, a acessibilidade cultural em seus projetos e
espaços culturais, visto que, ao final do treinamento e
sensibilização, reforçamos as atitudes que os participantes
deveriam exercitar em suas práticas profissionais, tais como:
buscar treinamento constante, mudar a mentalidade excludente,
institucionalizar as regras e não as pessoas e não fazer só
porque está na Lei.
Por fim, é preciso ressaltar que este tipo de sensibilização
necessita acontecer periodicamente, não só como forma de
reciclagem e afirmação de pontos importantes, como também
para avaliar práticas e ações realizadas ou não pelas equipes
treinadas. São verificações que devem ser feitas não só pelas
pessoas que implementaram os treinamentos, mas também
43
pelas equipes que foram sensibilizadas, cada uma em seu setor,
procurando dar condições de acesso ao público com deficiência,
seja ele direto ou indireto (presença física ou virtual), interno ou
externo.
Procurou-se com este artigo apontar para a importância da
acessibilidade atitudinal na formação dos funcionários e
trabalhadores da cultura em geral, como modo de abranger os
diversos públicos de pessoas com deficiência nos espaços
culturais. Para isso, além da necessária empatia e solidariedade,
precisa-se de formação contínua em Acessibilidade Cultural, que
englobe todos os trabalhadores, desde os que estão na linha de
frente, lidando diretamente com o público (como seguranças,
recepcionistas, monitores e educadores), passando pelos
auxiliares gerais (na maioria das vezes pessoas com níveis
educacionais muito baixos e que são menosprezadas na hora de
reuniões ou treinamentos formais na área da cultura), chegando
aos gestores e elaboradores de programas e políticas de
formação de público.
Pensando em como atender melhor o público em geral, é
preciso voltar o olhar para o público interno das instituições,
que é o seu maior capital, na busca pela fidelização do público
externo. Um atendimento que deixe a desejar, um tratamento
equivocado ou com indiferença afasta o mais fiel e assíduo
frequentador de um espaço. Então, se os espaços estão
44
preocupados em manter seus números de atendimento e
melhorá-los, precisam se empenhar em ter pessoas qualificadas
para o atendimento.
Com o público com deficiência não é diferente. Para além
de toda a necessidade de se adequar às normas técnicas,
estipuladas pelas leis e convenções – como colocação de piso
tátil, instalação de rampas, corrimãos, elevadores ou
plataformas elevatórias, contraste e textos com letras
ampliadas, placas em braile, maquetes táteis e outros recursos
de Tecnologia Assistiva que hoje facilitam a livre circulação das
pessoas deficientes, ou com problemas de mobilidade
temporária, como gestantes e idosos, acidentados etc. – é de
vital importância o treinamento voltado para a atitude empática.
Estar no lugar certo na hora certa, estar disponível para um
apoio, estar disposto a ajudar, mesmo que para isso seja
preciso solicitar a orientação da pessoa com deficiência sobre
qual a melhor maneira de fazê-lo, dizem respeito à
Acessibilidade Atitudinal. Ter este tipo de atitude, educada e
cordial, é visto com frequência em atendimento às pessoas não
deficientes. Ocorre que quando se trata de uma pessoa com
deficiência, instantaneamente, alguns indivíduos ficam
paralisados sem saber o que fazer. Isso acontece por vários
motivos, mais o principal deles é que tais sujeitos não foram
acostumados a conviver com a diversidade.
45
Quebrar essas barreiras atitudinais, incentivar o diálogo e a
sensibilização para a acessibilidade são deveres de toda a
sociedade, mas obrigação no caso dos gestores e fazedores de
cultura. Assim, espera-se que ao final do treinamento, as
equipes dos espaços estejam aptas a se engajar na luta pela
cidadania cultural das pessoas com deficiência, tendo
conhecimento na causa para atuar em sua defesa, perseverar e
replicar seus aprendizados com o máximo de pessoas que
puderem, nunca esquecendo o lema das pessoas com
deficiência, “Nada Sobre Nós, Sem a Nossa Presença”.
Sobre a autora: Many Pereira graduou-se em Turismo pela Universidade
Veiga de Almeida e em Produção Cultural pelo Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. É especialista em
Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e
formada em Libras pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).
De 2012 a 2018, atuou como assistente de direção e produtora cultural
no Museu do Ingá. Desde dezembro do ano passado, ocupa o cargo
de arte-educadora e produtora cultural na Coeficiente Artístico, que
presta serviços para o Programa Educativo do OI Futuro.
46
Museu em versão digital: a experiência do
MAP na construção de um site de arte
acessível
Ana Paula Campos de Almeida
Fechado ao público para obras de restauração e
requalificação, o Museu Antonio Parreiras (MAP) buscava novas
estratégias para divulgar “a obra de Antonio Parreiras e as dos
artistas e coleções integrantes do acervo”, conforme explicitado
em seu Plano Museológico. Mesmo incentivando a política de
realização de exposições externas, próprias ou em parceria, e
de cessão de peças para mostras promovidas por outras
instituições, era preciso expandir as ações. Surgiu, assim, a
proposta de criação de um site oficial do museu, ampliando a
participação da instituição na internet para além dos perfis no
Facebook e Instagram.
O primeiro desenho das páginas e conteúdos chegou a ser
bastante robusto, apesar de primar pela simplicidade e
navegação intuitiva. Ambicionava-se publicar o maior número
possível de informações, incluir dispositivos de interação,
disponibilizar a página, pelo menos, em outras duas línguas
47
(inglês e espanhol) e torná-la acessível para pessoas com
deficiência.
Diante da realidade de poucos recursos financeiros para
tanto, a direção do museu decidiu priorizar o quesito
acessibilidade, o que envolveu a redução considerável do
volume de conteúdos e sua simplificação, além da busca por
parceiros com experiência na área. Coube à designer Elza
Suzuki a realização do projeto gráfico, incluindo a conceituação,
criação de identidade visual, leiautes da capa e demais páginas.
A dupla de programadores Bruno Welber Pereira e Cristina
Henriquetta Stoll se encarregou do desenvolvimento da
arquitetura da informação, implementação do projeto gráfico e a
construção do Sistema de Gerenciamento de Conteúdos.
Pereira, que é cego, também respondeu pelas avaliações de
acessibilidade para pessoas com deficiência visual, incluindo
leitores de tela, navegação pelo teclado e outras ferramentas. À
coordenação de comunicação do MAP foi designado o
gerenciamento das demandas da direção do museu, gestora do
projeto, junto aos profissionais envolvidos, além de responder
pela pesquisa de conteúdos e redação de todos os textos,
incluindo as audiodescrições.
48
Boas práticas
Além dos dispositivos legais que abordam o tema
acessibilidade relacionado à rede mundial de computadores, há
dois principais conjuntos de orientações para que isso ocorra na
prática: o eMAG e o WCAG.
No Brasil, a Portaria no 3, de 7 de maio de 2007,
estabeleceu o eMAG , Modelo de Acessibilidade em Governo
Eletrônico, com a definição de patrões de comportamento para
sites públicos. As recomendações têm como alvo os autores de
páginas, projetistas e desenvolvedores de ferramentas para
criação de conteúdo.
Tais padrões visam tornar a rede acessível, independente
da ferramenta utilizada (navegadores para computadores,
smartphones, tablets e laptops ou navegadores por voz) e de
certas limitações técnicas, a exemplo da falta de recursos de
mídia ou conexão lenta. O processo de definição do eMAG
envolveu o estudo de normas de outros 14 países, como a
Section 508, dos Estados Unidos, o CLF , do Canadá, e as
diretrizes irlandesas para acessibilidade digital. A versão
brasileira recebeu atualizações na versão 3.1, em 2014, e se
apresenta como uma variante especializada do WCAG (Word
Content Accessibility Guidelines), tipo de manual internacional
do segmento.
49
Aliás, o WCAG advém de outra iniciativa mundial de apoio à
acessibilidade digital, o W3C (World Wide Web Consortium),
espécie de consórcio em que organizações filiadas, equipes de
desenvolvedores e voluntários trabalham em conjunto na
criação de padrões para a rede, gratuitos e abertos, visando
garantir a evolução da rede. A W3C inaugurou seu escritório no
Brasil em 2008 e, em março de 2012, instituiu o Grupo de
Trabalho de Acessibilidade na Web, formado por representantes
governamentais, membros de instituições para pessoas com
deficiência, acadêmicos e pessoas da sociedade civil. A partir
desse GT, foi lançada a Cartilha de Acessibilidade na Web, uma
das ferramentas básicas na construção do site do Museu Antonio
Parreiras.
De forma resumida, existem quatro princípios gerais
recomentados pela WCAG, entendendo-os como base conceitual
da acessibilidade na rede. Segundo esses princípios, para que
qualquer pessoa tenha acesso e utilize seus conteúdos, um site
deve ser Perceptível, Operável, Compreensível e Robusto.
Para atender a cada princípio, há uma série de diretrizes.
No que concerne a tornar-se Perceptível, as premissas do
WCAG buscam permitir que o conteúdo do site seja transmitido
a idosos, pessoas com baixa visão, daltonismo, cegueira ou com
outras alterações que atrapalhem ou impeçam sua visualização.
Para tanto, o documento sugere a inclusão de alternativas em
50
texto para informações não textuais (entre elas, a possibilidade
de impressão em braille, audiodescrição de imagens e
linguagem mais simples) e alternativas para mídia com base em
tempo (apresentações em texto sincronizadas com informações
visuais), oferecer conteúdo adaptável (apresentável em
diferentes maneiras) e buscar ser discernível (facilitar a
visualização e audição do conteúdo, possibilitando o controle do
volume de um áudio e tamanho da fonte de texto, por
exemplo).
O segundo princípio, ser Operável, envolve uma série de
instruções voltadas à facilitar a navegação do usuário a partir da
interface do site. Elas englobam desde permitir a acessibilidade
por teclado, fornecer tempo suficiente para o usuário ler e
utilizar o conteúdo, não criar conteúdo que possa causar
convulsões e reações físicas (evitar animações e flashes) e
oferecer mobilidade de entrada (além do teclado, possibilidade
de acionamento por gestos e movimento).
Medidas relacionadas à criação e organização dos textos,
por sua vez, tornam o site Compreensível. Cuidados como
evitar uma escrita rebuscada, abreviaturas, expressões
idiomáticas e jargões e manter a coerência na apresentação dos
conteúdos dizem respeito a este princípio.
51
Finalmente, o quarto e último princípio geral de
acessibilidade na rede, ser Robusto, cuida para que os
conteúdos possam ser interpretados com segurança por uma
ampla variedade de aplicativos usados por pessoas com
deficiência para interagir com computadores, incluindo os de
tecnologia assistiva. Nesse caso, as diretrizes procuram
maximizar a compatibilidade do site não apenas com os atuais
aplicativos, mas também com os que ainda serão inventados.
Ao todo, são listadas 13 diretrizes, reunindo diversas
recomendações. Cada diretriz é avaliada segundo “critérios de
sucesso”, podendo receber uma nota que varia de A (que
atende menos) à AAA (que atende mais às recomendações da
WCAG). No caso do site do Museu Antonio Parreiras, à época de
seu lançamento, foi classificado como um pouco além do nível
de conformidade AA.
Os princípios aplicados ao site do MAP
Na interface do museu, há a seção “Acessibilidade”, no qual
o internauta encontra o link para baixar a ferramenta VLibras, o
canal de comunicação para envio de críticas e sugestões para o
desenvolvimento do site e, principalmente, a lista de recursos
voltados à acessibilidade e usabilidade, que são:
Estrutura em HTML para facilitar navegação com um
leitor de tela;
52
Descrições das imagens para pessoas com deficiência
visual (texto "alt");
Layout responsivo para aumentar/diminuir o texto em
qualquer tela (desktop, tablet, e smartphone);
Links para pular à navegação ou conteúdo para usuário
de um leitor de tela;
Recurso para alterar as cores para alto-contraste;
Ferramenta VLibras para tradução a LIBRAS;
Código HTML validado na W3C;
Bateria de testes de acessibilidade e usabilidade por
pessoas com deficiência.
(Disponívell em: www.museuantonioparreiras.rj.gov.br.
Acesso em 2 mai. 2019)
De forma resumida, abordaremos a seguir alguns desses
recursos, a começar pelo VLibras. Assim como o Hand Talk e a
ProDeaf, o VLibras é uma ferramenta criada para traduzir de
forma automática textos em português para a Língua Brasileira
de Sinais (Libras) através de personagem em 3D, chamado
avatar. O dispositivo foi criado com código aberto pelo extinto
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão em
parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
53
Para utilizá-lo, o usuário precisa instalar o programa em seu
computador, tablet ou smartfone, não havendo cobrança pelo
serviço, sendo uma ferramenta essencial para pessoas fluentes
na língua de sinais. Importante lembrar que nem todos os
surdos dominam a Língua Portuguesa, motivo pelo qual apenas
a publicação de textos e legendas não dá conta de tornar o
conteúdo de um site acessível para esse público.
No entanto, legendas em conteúdos audiovisuais podem ser
extremamente úteis para pessoas com baixa audição ou aquelas
que perderam a audição na fase definida por Oliver Sacks como
pós-linguística, tendo, por isso, se alfabetizado na Língua
Portuguesa. No site no MAP, estão presentes no vídeo em
destaque em sua homepage. Essa seção, atualizada
periodicamente, traz reportagens e entrevistas com
personalidades ligadas ao museu, a partir de link no canal do
MAP no portal YouTube.
Por sua vez, o aumento do tamanho das letras e o alto-
contraste são recursos que almejam atender usuários com baixa
visão. Também chamada de visão subnormal, é caracterizada
quando a pessoa apresenta 30% ou menos de visão no melhor
olho, após todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos e correção
com óculos. Há várias graduações de baixa visão, desde a
moderada (quando permite que o indivíduo tenha uma
independência similar à das pessoas que não possuem
54
comprometimento visual) até profunda (que é próxima à
cegueira, tornando-o mais dependente de recursos de
tecnologia assistiva e de acessibilidade digital).
Pessoas com baixa visão não enxergam com nitidez e
podem ter visão turva ou mesmo enxergarem apenas no meio
ou nas bordas do campo de visão. Por isso, a importância da
ampliação do tamanho das fontes na tela do computador. No
caso do MAP, todo o layout da página pode ser alterado o uso
dos comandos Control + (para ampliar) e Control – (reduzir), se
adaptando às diversos formatos de tela, seja desktop, tablet ou
smartphone.
O recurso de alto-contraste, por outro lado, adapta as cores
das páginas, facilitando a percepção dos conteúdos não apenas
para pessoas com baixa visão, como para daltônicos. O
daltonismo, também designado “deficiência cromática” diz
respeito a pessoas que percebem as cores de forma alterada,
podendo não enxergar os tons de vermelho, verde, azul ou cor
nenhuma. Desta forma, páginas com pouco contraste, a
exemplo de letras amarelas ou cinza sobre fundo branco,
impossibilitam a acessibilidade desse tipo de usuário.
Outro cuidado na construção de sites diz respeito a não
basear informações e comandos em cores. Indicar que obras de
um determinado gênero são identificadas por ícone da cor verde
55
e de outro, em vermelho criam ruídos na comunicação com
usuários daltônicos.
Voltada para pessoas com a visão mais comprometida, a
audiodescrição consiste na “identificação e locução de elementos
visuais essenciais à compreensão e apreciação das imagens
presentes nas obras teatrais, cinematográficas, televisivas,
literárias, jornalísticas, científicas, artístico-culturais, entre
outras” (LIMA, VIEIRA, RODRIGUES e PASSOS, 2010, p.42).
Apesar de ser destinada a pessoas com deficiência visual,
pode beneficiar ainda públicos com dislexia, pessoas analfabetas
ou que não saibam o idioma utilizado no evento ou em peças de
comunicação do espaço cultural. Para a pesquisadora Viviane
Sarraf (2018), a audiodescrição, ao proporcionar o acesso
qualitativo aos patrimônios cultural e científico presente nos
acervos de museus, contribui para que pessoas com deficiência
conheçam novos universos e perspectivas e desenvolvam sua
capacidade crítica e cidadã.
Por se tratar de uma tradução intersemiótica, isto é, a
substituição de imagens por palavras, a audiodescrição possui
premissas particulares. As principais delas: ser objetivo, ser
breve, ser descritivo, ser lógico e ser rigoroso (LIMA, VIEIRA,
RODRIGUES e PASSOS, 2010, p. 42-43). Criar um roteiro de
audiodescrição envolve determinar as informações mais
56
importantes, por conta da impossibilidade de traduzir todos os
detalhes sem cansar ou dispensar a atenção do ouvinte. Outra
recomendação recorrente é iniciar pelo geral e, só depois,
passar para as informações específicas. Além desses princípios
básicos, outras técnicas são aplicadas, dependendo do conteúdo
cultural ou científico a ser traduzido.
No caso das imagens publicadas no site do MAP, optou-se
por audiodescrições resumidas, servindo como uma introdução
ao acervo e aos projetos do museu. Camadas de informações
mais aprofundadas seriam mais adequadas a audioguias ou em
material específico voltado a pesquisadores, conforme consultas
informais ao professor Luiz Benedicto Gonçalves de Souza, da
Associação Fluminense de Amparo aos Cegos (AFAC), e ao
consultor Felipe Monteiro.
As descrições contidas no cadastro do acervo MAP que
integra o Sistema de Gerenciamento de Acervos Museológicos
(SISGAM), serviu como ponto de partida para o trabalho. No
entanto, a falta de constância de volume de informações e
padronização dos textos demandou a criação de um formato
único de redação.
Adotou-se, assim, a seguinte estrutura de texto: abertura
padrão (“Início da descrição”); identificação do tipo de suporte
da imagem (foto, tela em tinta à óleo, escultura, entre outros.
57
Além de, quando possível, alguma característica marcante do
estilo de pintura); identificação do(s) personagem(ns) ou objeto
em destaque; informações complementares sobre esse
personagem ou objeto (relativa à roupa, posição do corpo, o
que têm nas mãos...); detalhes em segundo plano importantes
para a compreensão da obra; descrição do fundo (céu,
paisagem, bandeira, parede etc.); cores predominantes; mais
explicações, quando necessárias; encerramento padrão (“Fim da
descrição”).
O processo de hierarquização dos conteúdos para definir
quais os elementos em destaque e quais as informações a
serem descartadas na audiodescrição baseou-se na observação
das obras. O tamanho e posicionamento do personagem/objeto
dentro da composição serviram como principais indicativos de
sua importância, assim como o título da obra, que, em muitos
casos, deixava latente a intenção do artista ao executá-la, a
exemplo da tela Zumbi:
58
Figura 1
Zumbi, 1927. Antonio Parreiras. Óleo sobre tela.
Fonte: Acervo MAP/Sisgam/Funarj
Início da descrição. Pintura em óleo sobre tela de homem negro, em pé.
Com a mão direita ele segura a extremidade do cano de um rifle apoiado
no chão, próximo a uma rocha na base de dois troncos de árvores. O
homem é forte, usa um lenço amarelo na cabeça, camisa vermelha
desbotada com as mangas dobradas acima dos cotovelos, calça ocre
dobrada acima dos joelhos e está descalço. Fim da descrição.
Na redação dos textos que seriam publicados, o MAP
preocupou-se – além do respeito às regras ortográficas e
gramaticais – de ser simples, claro e objetivo e evitar
expressões idiomática, abreviaturas e jargões técnicos. O WCAG
59
2.1, aliás, recomenda que o redator tenha em mente um público
que não exija “uma capacidade de leitura mais avançada do que
o nível de educação secundário inferior (equivalente no Brasil
aos últimos anos do Ensino Fundamental)”. O mesmo vale para
títulos e legendas que devem descrever claramente o tema ou
objetivo a que se refere o conteúdo:
Muitas pessoas com necessidades especiais não são
usuárias experientes da web e leem a página por inteiro,
ao invés de varredura seletiva. Para auxiliar na busca de
tópicos relevantes, títulos e legendas devem descrever
claramente o tema ou objetivo a que se refere o
conteúdo; marcadores na posição vertical ao invés da
horizontal contribuem para a organização de conteúdos
(REILLY, KELLY, CARVALHO, BRIGATTO, 2016, p. 58).
Existem outros detalhes que devem ser observados
conforme a Cartilha de Acessibilidade na Web. O segundo
fascículo da série sugere, por exemplo, o aumento do
espaçamento das entrelinhas e o uso de linhas de texto mais
curtas, facilitando a leitura para pessoas com baixa visão ou
com deficiência intelectual. Indica-se, ainda, o alinhamento de
texto à esquerda, para evitar os espaços entre palavras
produzidos pelo modo justificado (alinhado às duas margens).
60
No que se refere à navegação na página, o mesmo fascículo
lista diversas sugestões, seguidas pelo projeto do Museu
Antonio Parreiras. Destacamos o design “limpo”, com poucos
elementos; navegação acessível pelo teclado e a inclusão de
“salto” para o topo em cada página. Não há, conforme a
cartilha, recursos ou conteúdos acessíveis apenas por comando
de voz ou disponíveis exclusivamente em áudio, ou mesmo o
uso de captcha como dispositivo de segurança.
Como qualquer ação ligada à questão da acessibilidade, o
site do Museu Antonio Parreiras requer constante atualização
dos recursos e ampliação de conteúdos, como a inclusão de
janela de Libras em audiovisuais e propostas de atividades
educativas em multiformatos, só para citar algumas. Estar
presente na rede mundial em formato amigável para pessoas
com deficiência foi um primeiro passo que, esperamos, seja
seguido de outros.
Sobre a autora: Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela
Universidade Gama Filho (1988) e em Produção Cultural pela
Universidade Federal Fluminense. É mestre em Ciências da Arte, também
pela UFF, e especialista em Acessibilidade Cultural na Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Atua como assessora de comunicação do
Museu Antonio Parreiras, também respondendo pelos projetos
relacionados à acessibilidade.
61
Referências
Fundação Dorinia Norwill. O que é visão subnormal ou baixa visão?
Disponível em https://www.fundacaodorina.org.br/a-
fundacao/deficiencia-visual/o-que-e-visao-subnormal-ou-baixa- -visao/
Acesso em: 09 de maio de 2019.
LIMA, Francisco José de; VIEIRA, Paulo André de Melo; RODRIGUES,
Ediles Revorêdo e PASSOS, Simone São Marcos. Arte, educação e
inclusão: orientações para áudio-descrição em museus. 40-49 p. In:
Diálogos entre arte e público: caderno de textos. SANTOS, Anderson
Pinheiro e (org.) 40-49. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife,
v. 3. 2010. Disponível em: <https://issuu.com/anpisa/docs/di_logos_m:
entre_arte_e_publico_caderno3< http://www.deficienciavisual.pt/txt-
AudioDescricao_Museus-orientacoes.htm> Acesso em: 07 de outubro de
2018.
LIMA, Francisco José de Lima. Introdução aos estudos do roteiro
para áudio-descrição: sugestões para a construção de um script
anotado. Revista Brasileira de Tradução Visual Ano 2. Vol. 7. Jun – Set.
2011. Disponível em http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/
index.php/principal/article/view/92/144> Acesso em: 10 abr. 2016.
SILVA, Miriam Célia Rodrigues. A acessibilidade nos sites dos museus
e sua influência na dimensão educativa das instituições: um
estudo sob a perspectiva dos visitantes com deficiência visual.
2018. 121 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
62
Educação e Formação Humana, Universidade do Estado de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2018.
MARIANO, Cintia Rodrigues dos Santos. A acessibilidade em museus
virtuais de arte: uma abordagem sobre a virtualidade. In: Encontro da
Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas. 2017.
Campinas. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017.
MUSEU ANTONIO PARREIRAS. Plano Museológico do Museu Antonio
Parreiras. ANO 2011.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São
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http://www.w3c.br/traducoes/wcag/wcag21-pt-BR/#sotd>. Acesso em:
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W3C Brasil. Cartilha de Acessibilidade na WebWeb. Fascículo I.
Disponível em:
<http://www.w3c.br/pub/Materiais/PublicacoesW3C/cartilha-w3cbr-
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14/03/2018.
_______. Cartilha de Acessibilidade na WebWeb. Fascículo II.
Disponível em:
<http://www.w3c.br/pub/Materiais/PublicacoesW3C/cartilha-w3cbr-
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2018.
63
_______. Cartilha de Acessibilidade na WebWeb. Fascículo III.
Disponível em: < http://www.w3c.br/Materiais/materiais/cartilha-w3cbr-
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março 2018.
W3C. Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo WebWeb (WCAG)
2.0. Traduzido Prof. Everaldo Bechara. 2008. Disponível em:
<https://www.w3.org/Translations/WCAG20-pt-br/>. Acesso em: 27 de
agosto de 2018.
SARRAF, Viviane. Acessibilidade em Espaços Culturais: acessibilidade
cultural na prática. Disponível
em:<http://acessibilidadecultural.com.br/artigos/artigo.php?id=423&/
acessibilidade -em-spacos-culturais-acessibilidade-cultural-na-pratica>
Acesso em: 09 de setembro de 2018.
SARRAF, Viviane. s/d. Audiodescrição para Exposições, Museus,
Centros Culturais e Centros de Ciências, São Paulo: Fundação
Dorina Nowill.
64
Parte 2 Multissensorialidade:
os sentidos na inclusão
65
Terapia Ocupacional, Acessibilidade
Atitudinal e Técnicas Inclusivas nos espaços
culturais à pessoa com deficiência visual
Neila Vieira Nunes de Souza
e Michelle Costa de Castro
Pensando na Terapia Ocupacional e no quanto ela interveio
e intervêm em minha construção como sujeito, indivíduo e
cidadã, percebo o antes e o agora em constante mutação. Como
terapeuta ocupacional, convivendo diariamente com o fazer
humano, aprendi através da Análise da Atividade a identificar
diferentes possibilidades de exercê-lo e a respeitar quem o faz.
Acessibilidade Atitudinal têm relação com o modo como
percebemos o outro, sem uma visão discriminatória, excludente
e preconceituosa. Em minha prática diária, durante treinos
internos e externos na Orientação e Mobilidade, com a pessoa
com deficiência visual, me deparo constantemente com
situações e atitudes por parte de transeuntes ou mesmo
familiares, que transbordam preconceitos. E acreditem, na
maioria das vezes, elas não têm consciência desse modo de ser
e agir. Como exemplo, cito alguém que ao passar e ver que a
66
moça é cega, diz: “Ela é tão bonita! Coitada! “. Por quê? A
pessoa cega têm que ser feia? Também há aqueles que tentam
criar uma aura mística, colocando as ações realizadas no
cotidiano, seus feitos e trabalhos como extraordinários. Tirando
assim, todo o crédito que certamente foi conseguido com suor e
lágrimas, como todos nós.
Pintor (2016, p.27) em seu livro Educação Inclusiva, cita
JODELET que diz que “o preconceito é definido como um
julgamento positivo ou negativo do qual não se exerceu um
exame prévio, dirigido para uma pessoa ou um objeto
envolvendo vieses e esferas diferenciadas”. Desse modo, ao
julgarmos levianamente as competências do outro, podemos
não levar em conta uma gama de estruturas que fazem partem
deste sujeito. Existe um senso comum sobre a cegueira como
sendo a pior das deficiências sensoriais, submetendo quem a
possui a estereótipos que se perpetuam ao longo da história.
Pensar em espaços inclusivos e acessíveis é mais do que
falar em transpor barreiras físicas ou arquitetônicas, pois são
muitos os entraves que impedem o livre acesso e a inclusão de
quem apresenta características que diferem da maior parte da
população. Uma vez ouvi uma pessoa cega dizer que se nos dias
atuais, cada um têm de matar um leão por dia, ela teria que
matar seis ou mais, visto que o ambiente, a arquitetura, os
67
meios de transportes, as comunicações, as oportunidades de
estudo, trabalho e lazer não lhe são acessíveis.
O acesso à cultura e aos espaços culturais poucos são
oportunizados. No entanto, no Brasil, a Carta Magna prevê o
Direito à Cultura como um direito fundamental do cidadão. Mas
isso não significa que os espaços estarão preparados para
recebê-lo.
Segundo a (ABNT, NBR9050, 2015, p2), a definição de
Acessibilidade é: “Possibilidade e condição de alcance,
percepção e entendimento para utilização com segurança e
autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos,
edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive de
sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações
abertos ao público, de uso público, privado ou coletivo, tanto na
zona urbana como na rural, por pessoas com deficiência ou
mobilidade reduzida”.
Todavia, ainda que o ambiente não seja acessível, devemos
pensar e falar em Acessibilidade Atitudinal. Precisamos fomentar
debates que levem a reflexão sobre como acolhemos a pessoa
com deficiência visual, o que sabemos realmente sobre esta
deficiência, como reagimos a sua presença, respeitamos ou
somos preconceituosos? Barreiras atitudinais precedem a todas
a barreiras pois começam dentro de casa e chegam as ruas.
68
Algumas atitudes simples podem ajudar à convivência. São
elas:
Perguntar-lhe se precisa de ajuda é o melhor modo de
fazê-lo.
Dirija-se a ela e não ao seu acompanhante, quando for
falar-lhe.
A bengala é o referencial mais comum para identificar a
pessoa com deficiência visual. Suas cores são: verde
(baixa visão), branca com 3 tiras vermelhas (surdo-
cego), branca com ponta vermelha ou amarela (cego).
Ao dar informações, diga esquerda ou direita, na frente
ou atrás.
Não puxe a pessoa cega pela mão, ofereça o braço.
Quando estiver conversando e for afastar-se, informe
que irá fazê-lo.
Use um tom de voz adequado. Às vezes, sem perceber,
aumentamos o tom da voz.
Não indague se reconhece sua voz. Quem se lembra de
todos os rostos que já viu?
69
Descreva o espaço em que se encontra, caso lhe peça.
Fique à vontade para usar palavras como “veja” e
“olhe”, elas as usam com naturalidade. Afinal, todos os
sentidos nos ajudam a apreciar o mundo.
Quando a pessoa estiver sendo conduzida por cão-guia,
não brinque com ele, pois está a trabalho.
Desse modo, podemos fazer a diferença, desenvolvendo
uma relação natural e tranquila para ambos.
AFAC
A AFAC (Associação Fluminense de Amparo aos Cegos), é
uma instituição filantrópica fundada em 1931.Todavia, em 1994,
tornou-se um Centro de Habilitação e Reabilitação. Inicialmente
a clientela atendida era exclusivamente de pessoas com
deficiência visual. Buscando prepara-la para a inclusão na
sociedade, estudo e trabalho, num resgate de sua cidadania.
Com estas ações evidenciadas, o Ministério da Saúde credenciou
a AFAC como Unidade de Reabilitação Visual. Após 3 aos de
atuação exemplar, nova portaria habilitou a instituição para o
atendimento a outra clientela, a com deficiência intelectual, com
ou sem Transtorno do Espectro autista (TEA). Atualmente a
AFAC integra a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência do
Sistema Único de Saúde (SUS).
70
Foi pensando em todas as possibilidades de inclusão, que
surgiu no Setor de Terapia Ocupacional / OM (Orientação e
Mobilidade) da AFAC, o projeto de levar aos profissionais que
trabalham com cultura em diferentes espaços, o treino das
Técnicas do Guia Vidente, do Programa de Orientação e
Mobilidade.
Estas técnicas possibilitam lidar com segurança e maior
eficiência com pessoas cegas ou de baixa visão. Propiciando
melhor locomoção dentro dos espaços, reconhecimento e
formação concreta de um mapa mental que permite
compreender e interagir no ambiente.
TÉCNICA DO GUIA VIDENTE
É a primeira técnica a ser aprendida e se constitui num dos
meios mais eficientes para familiarizar a pessoa com os espaços
físicos.
A técnica do guia vidente é aceita e empregada
universalmente tanto em ambientes internos ou externos. É
importante destacar que nesta técnica a pessoa não deverá se
deixar guiar passivamente, mas sim assumir uma atitude
responsável por sua segurança física, devendo instruir seu guia
para que este se constitua numa fonte segura de informação e
proteção. O indivíduo deverá esforçar-se para interpretar
corretamente os movimentos corporais e sinais emitidos pelo
71
guia, isto acontecerá após um período de uso da técnica. Uma
observação importante é que a pessoa guiada em ambiente
externo deverá caminhar do lado interno da calçada
protegendo-se de obstáculos.
A finalidade de apresentação destas técnicas é oferecer
subsídios práticos a todos que lidam com pessoas com
Deficiência Visual.
UTILIZAÇÃO DO GUIA VIDENTE
Procedimentos:
O guia entra em contato com a pessoa tocando
levemente no seu braço, com o cotovelo ou com o
dorso da mão.
A pessoa localiza o cotovelo do guia, segura seu braço
(logo acima do cotovelo) colocando o polegar do lado
externo e outros dedos na parte interna do braço de
maneira firme e segura.
A pessoa deverá permanecer meio passo atrás do guia,
com o seu ombro na mesma posição que a dele.
Esta deverá acompanhar o ritmo da marcha do guia de
forma sincronizada, evitando tornar-se um peso para
ele.
72
Deverá manter seu braço junto ao seu corpo com o
cotovelo fletido.
Observações: A pessoa deverá sempre ser deixada em contato
com um objeto concreto, evitando sentir-se perdido no espaço,
e o guia deverá informar onde ele se encontra. As crianças ou
pessoas de baixa estatura poderão usar o pulso do guia para
compensar a diferença de altura.
TROCA DE LADO
Procedimentos:
O guia fornece uma indicação verbal para troca de
lado.
A pessoa deverá segurar o braço do guia com as duas
mãos, soltando uma das mãos ela deverá escorregá-la
horizontalmente nas costas do guia até localizar o
braço oposto, segurando-o.
A pessoa solta o braço que inicialmente segurava
passando a segurar o braço oposto do guia. Esta
somente deverá soltar o braço do guia após ter
localizado seu braço oposto.
Observação: Esta transferência poderá ser usada quando
passar por portas, escadas etc.
73
PASSAGEM ESTREITA
Procedimentos:
O guia posicionará seu braço estendido para trás, em
diagonal e distante de seu corpo.
A pessoa se colocará atrás de seu guia, estendendo seu
braço e fazendo o alinhamento.
Após ultrapassar a passagem estreita ou área
congestionada, o guia e a pessoa assumem novamente
a posição básica da técnica do guia vidente.
Observação: A pessoa deverá manter seu braço estendido para
não pisar no calcanhar de seu guia.
MUDANÇA DE DIREÇÃO
Procedimentos:
O guia indica verbalmente que se voltará para a
direção oposta.
A pessoa solta o braço do guia.
O guia e o acompanhante executam uma volta de
180°.
74
O guia volta a estabelecer o contato com a pessoa.
LOCALIZAR CADEIRA E SENTAR-SE
Procedimentos:
O guia conduz o seu acompanhante até a pessoa e até
o assento, relatando a posição do mesmo.
A pessoa move-se em direção ao assento até encostar
a perna na borda da cadeira, soltando o braço do guia.
Com a mão toca o encosto da cadeira e pesquisa
ligeiramente o assento com a face posterior dos dedos.
Após a pesquisa, senta-se.
Observação: Caso haja uma mesa, o guia deverá informar-lhe
e este verificará a posição da cadeira em relação a mesa.
SUBIR E DESCER ESCADAS (SEM GUIA VIDENTE)
Procedimentos:
Nesta técnica, quando a pessoa for sozinha usando a
bengala, ela subirá pelo lado direito da escada.
Localizará o corrimão (se tiver) e a bengala irá a frente
do seu corpo, um degrau acima.
75
Para descer, a bengala irá a frente, um degrau abaixo.
SUBIR E DESCER ESCADAS (COM GUIA)
Procedimentos:
O guia se coloca do lado direito da escada, segurando o
corrimão com o braço direito. O guiado irá um degrau
abaixo do guia, em posição na técnica de guia vidente,
do lado oposto. Caso ele faça uso da bengala, esta
deverá ficar diante do seu corpo, na diagonal.
O guia avisará quando terminarem os degraus. O
guiado perceberá, pois estarão os dois no mesmo nivel.
Observação: Caso a pessoa tenha mobilidade reduzida ou
insegurança excessiva, poderá ficar para o lado do corrimão,
segurando-o. E o guia estará do lado esquerdo, um degrau
acima.
Sobre as autoras
Neila Nunes é terapeuta graduada em Terapia Ocupacional pela Escola
Superior de Ensino Helena Antipoff, com especialização em Orientação e
Mobilidade. No momento, atua Associação Fluminense de Amparo aos
Cegos, como Terapeuta Ocupacional da Orientação e Mobilidade e
gestora da Oficina Terapêutica de Produção, e nas oficinas terapêuticas
76
da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Neila é membro
fundadora da Associação Brasileira de Defesa dos Direitos dos Terapeutas
Ocupacionais.
Michelle Costa de Castro é terapeuta ocupacional formada pela Escola
Superior de Ensino Helena Antipoff, com especializações em
Psicomotricidade e Orientação e Mobilidade. Atua na Associação
Fluminense de Amparo aos Cegos, na área de Terapia Ocupacional da
Orientação e Mobilidade, e no Hospital Universitário Gafrée e Guinle.
Michelle também é membro fundadora da Associada Associação Brasileira
de Defesa dos Direitos dos Terapeutas Ocupacionais.
Referências
Lei Federal número 13.146/15. Lei Brasil de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). NBR9050, 2015.
Normas Técnicas de Acessibilidade. Decreto Lei número 123/97.
Sassaki, Romeu Kazun. Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e
educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação) São Paulo,
março/abril de 2009, p.10-16.
Pintor, Nelma Alves Marques. Educação Inclusiva. As contradições do
direito à educação e do cotidiano da Escola Pública. Niterói, 2016, p.27.
77
Felippe & Felippe, Vera Lúcia Leme Rhein / João Álvaro de Moraes.
Orientação e Mobilidade. Laramara – Associação Brasileira de
Assistência ao Deficiente Visual, São Paulo,1997.
78
Sala Experiências do Olhar, espaço contínuo
de experimentação multissensorial: histórico,
metodologia e criação
Rômulo Morgado
A sala Experiências do Olhar reforça a trajetória de
exposições multissensoriais do Museu do Ingá. Esse espaço
busca romper com a comunicação unicamente visual das
exposições e proporciona novas possibilidades de interação.
O ambiente é resultado de duas mostras anteriores, Emeric
Marcier: Motivos do Rio de Janeiro (2015) e Di Cavalcanti em
Várias Faces (2017), nas quais foram desenvolvidas as
atividades multissensoriais pelo Setor Educativo da instituição.
Inicialmente, tais ações tinham o intuito de sensibilizar,
sem necessariamente serem estruturadas na perspectiva da
acessibilidade. Entretanto, a procura de instituições de
reabilitação - como a Associação Fluminense de Amparo aos
Cegos (AFAC) e o Instituto Fluminense de Saúde Mental – foi
tão crescente que fomos impactados por essa demanda social.
79
Assim, consolidou-se no calendário da instituição a proposta
de uma sala fixa, com exposições e programações contínuas,
pensadas a partir do ângulo da acessibilidade. Foi um
movimento do Museu do Ingá e da Superintendência de Museus
para que a curadoria das mostras, programações e outros
processos museológicos se estruturassem para garantir o amplo
acesso do público com e sem deficiência em qualquer época as
experiências multissensoriais.
A Sala, um espaço contínuo de experimentação
multissensorial do Museu do Ingá, foi concebida para atender
todos os públicos, sendo dirigida principalmente às pessoas com
perda parcial ou total de visão. O objetivo é ampliar o acesso ao
acervo desta instituição. Para além de democratizar o acesso, a
sala é um convite aos visitantes a experimentar as variadas
formas de interação com a obra.
O espaço é um projeto em que consiste em uma exposição
multissensorial, com a curadoria e planejamento das atividades
educativas pautadas na perspectiva da acessibilidade. A
finalidade é tornar acessível através da multissensorialidade o
acervo da instituição aos cegos e pessoas com baixa visão, uma
vez que o Brasil possui 6,5 milhões de pessoas com algum grau
de deficiência visual, sendo aproximadamente 580 mil cegas. É
de preocupação do museu a participação desse público,
80
assegurando o exercício de sua cidadania, na garantia do acesso
desse as obras e programação da instituição.
Para além das exposições e mediações sensoriais, o
conceito da sala tem como proposta uma programação de rodas
de conversas, seminários, e encontros diversos que possibilitem
diálogos variados acerca da acessibilidade em museus. Em
outras palavras, as práticas acessíveis ao público cego e de
baixa visão nesse caso é pensada como parte estruturante da
programação e das exposições da sala, e não, um
desdobramento educativo de complementação.
Compreendendo a dinâmica multissensorial no espaço
museal a partir da perspectiva de Amanda Pinto da Fonseca
Tojal, acreditamos que: “A percepção multissensorial é também
parte inerente de uma postura semiótica aplicada à
comunicação museológica”. (TOJAL, 2007). Dessa maneira, em
consonância com Tojal, a sala Experiências do Olhar tem o
intuito de ampliar os canais perceptivos dos visitantes, o que
possibilitou uma nova interação do público com que o cerca.
As atividades da sala são oferecidas de forma totalmente
gratuita e a mediação foi pensada para grupos agendados de
até vinte pessoas, com a idade mínima de oito anos.
A sala Experiências do Olhar reforça então a trajetória de
exposições multissensoriais do Museu do Ingá. Este espaço,
81
como já mencionado, busca romper com a comunicação
unicamente visual das exposições e proporciona novas
possibilidades de interação entre o público e o museu. O
objetivo é ampliar o acesso às obras e criar espaços de
formação e experimentação com público com e sem deficiência
no museu.
Ao mesmo tempo em que os desdobramentos acima
ocorriam, um grupo de trabalho foi formado por diversas
instituições museais (Superintendência de Museus/SECEC,
Museu do Ingá, Museu Histórico Nacional, Museu Nacional de
Belas Artes, Museu Janete Costa, Museu Antonio Parreiras)
juntamente com as associações de reabilitações (AFAC), e
instituições de pesquisa em tecnologia (Lamce/ COPPE/UFRJ),
com objetivo de debater a questão da acessibilidade em
museus. Assim como, refletir sobre as possibilidades do uso de
tecnologia assistiva, como forma de ampliar o acesso e
divulgação dos acervos às pessoas com deficiência.
No caso do Museu do Ingá, foi apresentada a proposta de
se criar a sala Experiências do Olhar, um espaço inclusivo de
experimentação multissensorial. Contamos então com a
assessoria técnica dos professores coordenadores do
Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia
(LAMCE/COPPE/UFRJ), que viabilizaram tecnicamente as
provocações sonoras (elaboração de painéis sonoros e a
82
instalação de caixas de som) e olfativas (elaboração das
essências e instalação dos difusores de ar).
A sala Experiências do Olhar é então inaugurada com a
exposição Cícero Dias em novos olhares, com a mostra do
painel Visão Carioca (1965). Este que integra uma série de
obras da importante Coleção Banerj, um patrimônio público do
Estado do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que as exposições
anteriores com esse caráter multissensorial também exibiam
painéis de prestigiados artistas, como Di Cavalcanti e Emeric
Marcier.
É importante salientar que a sala Experiências do Olhar é
um espaço autônomo de mostras multissensoriais. Sendo assim,
para além das mediações agendadas nas quais os grupos
percorrem um percurso sensorial, a sala em si possui
provocações multissensoriais, como estímulos olfativos e
sonoros que estão constantemente acionados no espaço.
Cabe então descrever como o projeto da sala foi
desenvolvido no que se refere à elaboração e viabilização desse
conteúdo multissensorial, bem como o roteiro das visitas
mediadas.
A primeira etapa do projeto consistiu na pesquisa
aprofundada sobre a obra e a temática da multissensorialidade
na educação museal. Em seguida, já em contato direto com a
83
obra exposta (Visão Carioca- Cícero Dias), foi levantada as
possibilidades de sons e cheiros a serem utilizados na
elaboração de painéis sonoros e olfativos, que estão disponíveis
na sala e durante o percurso da mediação. Foram selecionados
também objetos táteis que são utilizados durante as visitas.
Reunindo assim os estímulos olfativos, sonoros e táteis, é
apresentada uma interpretação multissensorial da obra ao
público. Vale mencionar, assim como está destacado no texto da
sala, que, apesar de serem apresentadas interpretações
multissensoriais realizadas por uma rede de colaboradores,
essas não são as únicas leituras possíveis. “Muitos painéis
sonoros, olfativos e táteis poderiam ser elaborados no diálogo
das vivências que ocorrem no contato entre o público, suas
experiências e a obra.”
Na elaboração desse conteúdo multissensorial, contamos
com o auxilio de uma rede de colaboradores: estagiários e
educadores do Setor Educativo do Museu do Ingá; diretor e
demais funcionários da instituição e da Superintendência de
Museus do Estado do Rio de Janeiro; profissionais de instituições
de reabilitação; educadores cegos; assessores técnicos (COPPE-
UFRJ); grupo de jovens. O trabalho dessa rede consistiu no
levantamento dos estímulos sensoriais, na elaboração dos
painéis multissensoriais, na instalação dos equipamentos, bem
como na concepção da audiodescrição.
84
A audiodescrição, assim como a capacitação dos
educadores e estagiários do Setor Educativo tiveram consultoria
do educador cego Leonardo Dias. O que possibilitou o
aprimoramento da forma desses funcionários em receber os
grupos de cegos, pessoas com baixa visão e o público com
outras deficiências. Foi apresentado o roteiro das mediações e
as alterações foram realizadas a partir das considerações do
colaborador, a fim de garantir acessibilidade de forma mais
plena. Aos demais funcionários do Museu, foi promovido um
workshop de guia vidente e de acessibilidade atitudinal, os
capacitando na recepção desse determinado público.
Em relação aos atendimentos agendados, o roteiro da
mediação consiste em proporcionar aos visitantes, deficientes
ou não, uma experiência sinestésica ao percorrerem parte do
circuito expositivo vendados, que os levam a se relacionar com
a obra e o Museu em outros sentidos e horizontes.
A sala Experiências do Olhar é um projeto estruturado a
partir dos desdobramentos das ações de acessibilidade
realizadas pelo Setor Educativo do Museu do Ingá em mostras
anteriores. Desse modo, a proposta de um espaço inclusivo e
contínuo de experimentação multissensorial é consequência da
iniciativa de educadores museais que marcaram a importância
de se refletir sobre educação e acessibilidade no cotidiano de
um museu de história e arte.
85
Entende-se por acessibilidade o direito de vida
independente, exercício de direitos de cidadania e participação
social. O espaço acima atende então a todos esses requisitos,
uma vez que pretende ser um ambiente autônomo e
verdadeiramente inclusivo, que possibilite e amplie as relações
das pessoas com deficiência - em predominância, às cegas e
com baixa visão - com o patrimônio museológico do Museu do
Ingá. Bem como possibilita a criação de espaços de
experimentação sensorial, de formação do público com e sem
deficiência através de rodas de conversas, seminários, encontro
com educadores e outros. Viabiliza-se assim o diálogo e
compartilhamento das múltiplas vivências a partir da
perspectiva da educação e acessibilidade no espaço museal.
Todos os elementos textuais presentes na sala estão
disponíveis em grandes formatos e em alto contraste para
garantir a leitura das pessoas com baixa visão. Está sendo
providenciado um material que disponibiliza todos os textos em
braile, contribuindo assim para a divulgação desse sistema de
escrita. Àqueles que não são familiarizados com o braile, pode
contar com o recurso das audiodescrições, disponíveis em mp3.
A sala possui um espaço de interação da exposição com o
público, onde este é provocado à interpretação multissensorial
com perguntas e curiosidades sobre vida e obra do artista.
Atentando-se ao atendimento dos visitantes cegos e com baixa
86
visão, de forma a proporcionar o melhor acesso desses ao
espaço da instituição, todos os funcionários do museu passaram
por capacitações especificas de acessibilidade atitudinal.
Dessa forma, todas as atividades e articulações
desenvolvidas na consolidação da sala Experiências do Olhar,
como espaço que se pretende ser efetivamente inclusivo e
contínuo em sua programação e exposição, é fruto da
potencialidade educativa do Museu do Ingá, bem como da
atuação dos profissionais da educação.
Nota do autor: O Museu de História e Artes do Estado do Rio de Janeiro,
carinhosamente conhecido como Museu do Ingá, localiza-se em Niterói,
região metropolitana do estado fluminense. Pertencente a Secretaria de
Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, a instituição
atua como centro de estudo, de preservação e de divulgação da história
política e da produção artística dos artistas fluminense. Com entrada
totalmente gratuita, o Museu do Ingá está aberto ao público de terça-
feira a sábado (12h-17h). Com um acervo de mais de nove mil peças,
distribuídas em oito coleções, destaca-se as obras da Coleção Banerj, um
patrimônio público do Estado do Rio de Janeiro, que reúne pinturas,
esculturas e gravuras de importantes artistas como Di Cavalcanti, Cicero
Dias, Oswald Goeldi, Tarsila do Amaral, entre outros.
87
Sobre o autor: Rômulo Morgado é Educador de Museus, com MBA em
Gestão de Museus pela Cândido Mendes, e historiador pela Universidade
Federal Fluminense. Atuou durante cinco anos no Setor Educativo do
Museu do Ingá e hoje integra a equipe do Departamento de Difusão
Cultural da Superintendência de Museus da Secretaria de Estado de
Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro.
Referências
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In: IV
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e
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88
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2009.
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(Texto apresentado no I Encontro Nacional de Rede de Educadores de
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apresentado na 13a Reunião Anual do Instituto Biológico, realizado em
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89
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especiais em museus. 2007. 322f. Tese (Doutorado) – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.
90
Apêndice
91
Museus e deficiência visual: encontros e
criação
Roberta Gonçalves
Há cerca de 80 anos, Antônio Parreiras, o pintor, tomou
três decisões importantes: escrever um livro, se tornar sócio da
primeira instituição filantrópica de Niterói e interligar essas duas
ações em seu testamento. Este é apenas um exemplo de como
ideias, ações, decisões e memórias constituem tanto as nossas
próprias existências quanto a nossa sociedade.
Freud e Lacan, ambos contemporâneos de Parreiras,
defendiam que cada sujeito é único e singular, mas também
social e coletivo. Para a psicanálise, não existe o indivíduo como
ser inteiro, individual, separado de todas as coisas. Desde
nossos primórdios, desde nossa concepção e nascimento, somos
sujeitos e assujeitados a todo um mundo de percepções,
normas, afetos, palavras e sentidos.
Lacan nomeou isto de 'o tesouro dos significantes', o
'Grande Outro'. E é isto que os cuidadores, geralmente pai e
mãe, apresentam a partir das suas próprias leituras pessoais,
seus gestos, seus olhares, suas respostas e suas escolhas na
relação com aquele serzinho que acabou de nascer. Muitas
92
vezes mesmo sem saber o que transmitem, dado que todo esse
processo, todo esse movimento é em si mesmo o Inconsciente
da psicanálise.
Daí em diante o processo de crescer, de desenvolver não
tem nada de natural como pode parecer, mas subjetivamente é
um processo de construção. Vou sustentar que é um processo
criativo! Criamos nossa própria existência. Somos marcados e
deixamos marcas também. Somos atores e autores de nossa
história.
Voltando ao século passado, Parreiras, sabe-se lá porquê,
associou-se à Sociedade de Cegos de Niterói, hoje ainda em
funcionamento como a Associação Fluminense de Amparo aos
Cegos. Muita água rolou ao longo do tempo. No início era um
abrigo para pessoas cegas. Uma forma de cuidar e ajudar
aqueles que naqueles tempos eram vistos como infelizes,
incapazes e pobrezinhos (termos tirados por mim de um jornal
da época). Mudanças políticas, históricas e contingenciais
tornaram a AFAC, hoje, em um Centro Especializado de
Reabilitação que atende pessoas que perderam ou estão
perdendo a visão, além de pessoas com deficiência intelectual e
autismos.
Sabe-se pouco sobre a razão de Parreiras aderir à causa da
cegueira. Mas ele deixou em seu testamento a marca de seu
93
desejo. Prolongar-se na história através de suas memórias e
ajudar a associação. Pediu que seu livro autobiográfico fosse
reeditado, nem que para isso fossem vendidas as suas
medalhas de ouro e alguns quadros. E mais. Pediu que
exemplares fossem distribuídos por todos os institutos públicos
e museus, e que o restante fosse vendido e os ganhos doados à
sociedade dos cegos da qual era sócio.
Foi na biblioteca municipal de Niterói que fiz essa
descoberta. Fui lançada ao mesmo tempo para frente e para
trás. Nas memórias de Parreiras em História de um pintor -
contada por ele mesmo, viajei através do tempo. Vi seu
encontro com Dom Pedro II, vi as restingas de Icaraí, vi um
Brasil na virada do século com suas belezas e contradições, vi a
natureza exuberante das matas que ele pintava. Ele nada falou
sobre os cegos. Mas em muitos momentos disse que pintava o
que sentia, e contou sobre as belezas de sua terra natal, dos
afetos e encontros com seus contemporâneos, suas visões sobre
a vida. Coisas intangíveis. E Impossíveis de se pintar ou
representar com a perfeição de como eram vividas ou sentidas.
As memórias! São elas que ficam e se prolongam no tempo.
Através de palavras ou de sentidos, mas, sobretudo, de afetos!
A partir desta descoberta, o meu desejo de articular o
trabalho da reabilitação com os espaços de cultura e museus foi
o que surgiu. Recordei-me das minhas aulas de pintura com um
94
amigo, da minha fascinação pelas aulas de História, pela arte,
pela música e, sobretudo, pelas histórias pessoais contadas por
cada um que eu recebia com o intuito de cuidar. A partir daí,
foram só boas descobertas. E o desenrolar de encontros com
pessoas também desejosas de fazer uso desse campo
museológico como um lugar de construção, inclusão e
transformação social. Como de fato um museu deve ser: lugar
de memória, de afeto e de criação. De si mesmo e dos outros
que encontramos pelo caminho.
Segue abaixo um trecho do livro de Parreiras em que conta
sobre sua ida às ainda desbravadas e remotas Cataratas do
Iguaçu para pintá-las a pedido do Governo do Paraná, e em
seguida um trecho da crítica de Monteiro Lobato sobre o livro do
pintor:
"Jamais e durante quase quarenta anos de vida artística
nunca me achei ante trabalho tão difícil. E o que fiz não
passará jamais de uma pálida e deficiente imagem do
que lá está. Consola-me, porém, a certeza de que
ninguém também o conseguirá. Há coisas tão grandes,
tão extraordinárias, tão majestosas, que não podem
caber na pequenez de uma tela, no trabalho de um
homem, por mais genial que seja” ( Antônio Parreiras em
História de um pintor de 1926 )
"Poucas vezes temos lido com maior encanto uma
autobiografia. Talvez porque o escritor não passa do
95
mesmo pintor, apenas trocando de instrumento de
expressão. Usa da pena como do pincel, e, em tela de
130 páginas, pinta com palavras um biorama dos que de
um jacto o leitor vê com os olhos da imaginação. E como
é preciosa a dose de subsídios que nele se reúne para a
história de um momento da nossa vida estética, só temos
louvores para sua feliz ideia de compor tal livro. Assim o
imitassem outros, para que dos nossos artistas não
ficassem apenas, como rastro de sua passagem pelo
mundo, os palmos da tela dispersos por paredes das
casas ricas ou museus.” (Monteiro Lobato em A Manhã,
domingo, 12 de dezembro de 1927)
Aos que perderam a visão, cabe uma nova construção. A
elaboração do luto pela perda da visão e a criação de um novo
modo de ver a vida, com todos os outros sentidos que nos
inundam de percepções tantas vezes subestimadas e relegadas
a segundo plano nesse mundo tão visual. Mas cabe a todos nós
debater, agregar e construir formas de que os museus estejam
ali para todos que deles quiserem desfrutar.
Lisboa, 12 de maio de 2019.
96
Sobre a autora: Psicanalista, especialista em Atenção Psicossocial na
Infância e Adolescência pelo IPUB/UFRJ. Foi psicóloga na Associação
Fluminense de Amparo aos Cegos (AFAC) de 2014 a janeiro de 2019 e no
Centro de Integração da Criança e do Adolescente Portador de Deficiência
- Professor Almir Ribeiro Madeira da Fundação para a Infância e
Adolescência do Estado do Rio de Janeiro (CICAPD-PARM FIA-RJ),
instituição de acolhimento para crianças e adolescentes com múltiplas
deficiências em medida de proteção, de 2009 a 2014