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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO ANÁLISE COMPARATIVA DA SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL CRÍTICA ÀS EMENDAS 56 E 215 DO PL 1572/2011 GABRIELLE THAMIS NOVAK FÓES Itajaí-SC, novembro de 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

ANÁLISE COMPARATIVA DA SOBRE-ESTADIA DE

CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL – CRÍTICA ÀS

EMENDAS 56 E 215 DO PL 1572/2011

GABRIELLE THAMIS NOVAK FÓES

Itajaí-SC, novembro de 2015

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

ANÁLISE COMPARATIVA DA SOBRE-ESTADIA DE

CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL – CRÍTICA ÀS

EMENDAS 56 E 215 DO PL 1572/2011

GABRIELLE THAMIS NOVAK FÓES

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em

Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título

de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Osvaldo Agripino de Castro Júnior

Itajaí-SC, novembro de 2015

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo exemplo moral e apoio

sempre despendido sem medir esforços.

Ao meu marido, que com muita paciência

acompanhou o nascimento, crescimento e

amadurecimento deste trabalho.

Ao meu professor Orientador, Doutor Osvaldo

Agripino de Castro Júnior, pela amizade e pela

criteriosa orientação, que abriram novas

perspectivas à minha formação e ao meu

pensamento.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu filho Lucas, que me

acompanhou nesta trajetória desde muito

pequenino, ainda no meu ventre.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí,

a Coordenação do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e

o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí-SC, 22 de novembro de 2015.

GABRIELLE THAMIS NOVAK FÓES

Mestranda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

(A SER ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PPCJ/UNIVALI)

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Antaq Agência Nacional de Transportes Aquaviários

Art. Artigo

BL Bill of Lading

CC Código Civil – Lei n. 10.406/2002

CCom Código Comercial – Lei n. 556/1850

CF Constituição Federal da República Federativa do Brasil

CP Código Penal – Decreto-Lei n. 2.848/1940

CPC Código de Processo Civil – Lei n. 5.869/1973

FAS Incoterm Free Along Ship

FOB Incoterm Free on Bord

HBL House Bill of Lading

HC High Cube

Incoterm International Commercial Terms

Lesta Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – Lei n. 9.537/1997

LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-Lei 4.657/1942, com redação dada pela Lei n. 12.376/2010

MBL Master Bill of Lading

Normam Normas da Autoridade Marítima

NVOCC Non Vessel Operator Common Carrier

PL 1572/2011 Projeto de Lei nº 1572, de 2011 – Institui Código Comercial

TEU Twenty Feet Equivalent Unit

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ROL DE CATEGORIAS

Carta Partida: É o documento que ampara o contrato de fretamento de navios.

Conceito: Denominação que atribui significado a um instituto.

Conhecimento de Embarque: É o documento que evidencia o contrato de

transporte de cargas.

Consignee: É o consignatário da carga em um transporte, o destinatário nomeado

no conhecimento de embarque.

Contêiner: É uma unidade de carga em formato retangular, construída geralmente

em aço, alumínio ou fibra, utilizado no transporte de cargas.

Direito Marítimo: É o conjunto de normas jurídicas que rege o tráfico e o tráfego

marítimo.

Free time: É o tempo concedido pelo transportador para o usuário utilizar-se do

contêiner livre de cobrança.

Frete: Contraprestação pecuniária ao serviço de transporte.

Legitimidade: Característica atribuída a determinada pessoa que detém o direito

ou dever quanto ao instituto.

Lex Maritima: Usos e costumes do transporte marítimo.

Modicidade: Característica de determinado instituto de ser módico, razoável e

proporcional.

Natureza Jurídica: É a categoria jurídica de determinado instituto, sua classificação

dentro de determinado ordenamento jurídico.

NVOCC: É um transportador marítimo sem navio cuja atividade consiste na

contratação de fretes com as transportadoras marítimas de fato (real transportador

ou transportador executor) e revenda destes para seus clientes, importadores e

exportadores. Também denominado de transportador contratual ou virtual.

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Previsibilidade: Característica de determinado instituto conter expressa previsão

em contrato.

Segurança Jurídica: O que se almeja do Direito. É a garantia necessária para o

desenvolvimento das relações e a certeza das consequências dos atos praticados.

Shipper: É o embarcador da carga em um transporte, o remetente nomeado no

conhecimento de embarque.

Sobre-estadia: Denominação dada à cobrança realizada pelo transportador

quando o contêiner por ele disponibilizado ao usuário é por este devolvido fora do

prazo livre (free time) ofertado. Denominação internacional: demurrage.

Transportador: Aquele que se responsabiliza pelo transporte, emitindo um

conhecimento de embarque.

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... 11

ABSTRACT ............................................................................................................... 12

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1. TEORIA GERAL DA SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER ............... 17

1.1. Direito Marítimo ............................................................................................. 17

1.1.1. Origem e codificação .............................................................................. 17

1.1.2. Natureza jurídica e conceito .................................................................. 20

1.1.3. Fontes ...................................................................................................... 23

1.1.4. Características ........................................................................................ 24

1.2. Contratos Marítimos: contrato de utilização de navio e contrato de

transporte ............................................................................................................. 26

1.2.1 Contrato de transporte marítimo ............................................................ 29

1.2.1.1 Conhecimento de embarque - BL ......................................................... 33

1.2.2 Contratos de fretamento de navios ........................................................ 35

1.2.2.1. Da Carta Partida por Viagem e da cláusula laydays: a origem da

sobre-estadia .................................................................................................... 38

1.3. Sobre-estadia (demurrage) de contêiner .................................................... 43

1.3.1. A conteinerização do transporte marítimo internacional de cargas .. 43

1.3.2 Aplicação da demurrage ao contêiner – sobre-estadia de unidade de

carga .................................................................................................................. 46

1.3.3 Sobre-estadia de contêiner no Brasil – aplicação jurídica ................... 50

CAPÍTULO 2. ELEMENTOS DETERMINANTES DA SOBRE-ESTADIA DE

CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL ....................................................... 54

2.1. Elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner – uma

perspectiva inglesa .............................................................................................. 55

2.1.1. Conceito e natureza jurídica .................................................................. 55

2.1.2. Previsibilidade......................................................................................... 62

2.1.3. Modicidade .............................................................................................. 65

2.1.4. Legitimidade ............................................................................................ 69

2.2. Elementos determinantes da Sobre-estadia de contêiner – uma

perspectiva brasileira .......................................................................................... 75

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2.2.1. Conceito e natureza jurídica .................................................................. 75

2.2.2. Previsibilidade......................................................................................... 79

2.2.3. Modicidade .............................................................................................. 86

2.2.4. Legitimidade ............................................................................................ 88

2.2.3.1. NVOCC como parte legítima – ativa e passiva .................................. 91

2.2.3.2. Despachante aduaneiro ...................................................................... 95

CAPÍTULO 3. ANÁLISE COMPARATIVA DOS ELEMENTOS DETERMINANTES

DA SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL:

CRÍTICAS ÀS EMENDAS 56 e 215 DO PL 1572/2011 ............................................ 98

3.1. Análise comparativa ..................................................................................... 99

3.1.1. Conceito e natureza jurídica .................................................................. 99

3.1.2. Previsibilidade....................................................................................... 104

3.1.3. Modicidade ............................................................................................ 107

3.1.4. Legitimidade .......................................................................................... 114

3.2. Crítica ao PL 1572/2011 .............................................................................. 118

3.2.1. Conceito e natureza jurídica – Arts. 111 e 114 da emenda 56 .......... 118

3.2.2. Previsibilidade – Arts. 112 e 114 das emendas 56 e 215 ................... 120

3.2.3. Modicidade – Arts. 1º. e 5º. das emendas 56 e 215 ............................ 123

3.2.4. Legitimidade .......................................................................................... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 130

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................................ 133

ANEXO 1 – Case Law MSC vr. Cottonex ............................................................. 141

ANEXO 2 – Emenda 56 – PL 1572/2011 ............................................................... 182

ANEXO 3 – Emenda 215 – PL 1572/2011 ............................................................. 184

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RESUMO

A presente Dissertação está inserida na linha de pesquisa Constitucionalismo e

Produção do Direito, da área de concentração Fundamentos do Direito Positivo, e do

Grupo de Pesquisa Estado, Constitucionalismo e Produção do Direito. A pesquisa

objetiva contribuir para reduzir a insegurança jurídica da sobre-estadia de contêiner

no Direito Brasileiro, especialmente em relação à (i) natureza jurídica, (ii)

previsibilidade, (iii) modicidade e (iv) legitimidade (ativa e passiva), considerados

elementos determinantes. Essa insegurança jurídica decorrente da juridicidade

(produção, interpretação e aplicação) de tais elementos, e é considerada o problema

da pesquisa, porque tem prejudicado as operações de transportadores marítimos (i)

pela ausência de garantias e eficácia nas cobranças da sobre-estadia; (ii) pela

ausência de conhecimento prévio, pelos usuários (contratantes dos serviços de

transportes) das especificações quanto a possíveis futuras sobre-estadias; (iii) pelas

cobranças de montantes vultuosos, sem modicidade alguma com a operação como

um todo, à título de sobre-estadias; (iv) pelas atribuições de responsabilidade ao

pagamento de forma distinta às previsões do contrato. A normatização do instituto e

regulamentação setorial permeiam a pesquisa, haja vista que a insegurança jurídica

persiste ante a inexistência de normas. A hipótese da pesquisa é que a análise

comparativa dos elementos determinantes da sobres-estadia, acima mencionados, no

Direito Inglês e Brasileiro, especialmente doutrina, jurisprudência e emendas 56 e 215

ao Projeto de Lei n. 1572/2011, contribui para reduzir a insegurança jurídica. A escolha

do Direito Inglês justifica-se pelo grau de especialização e tradição em Direito Marítimo

e, especialmente julgados da High Court of Justice de Londres, com ênfase no recente

caso MSC Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015]. A

dissertação é composta de três capítulos. O Capítulo 1 trata de uma teoria geral da

sobre-estadia de contêiner. O Capítulo 2 apresenta os elementos determinantes da

sobre-estadia de contêiner no Direito Inglês e brasileiro e o Capítulo 3 efetua a análise

comparativa dos quatro elementos determinantes. Os métodos são o indutivo e o

comparativo, em relação à análise dos quatro elementos. No final, são feitas

considerações finais com sugestões para reduzir a insegurança jurídica da sobre-

estadia e, por sua vez, aperfeiçoar o modelo brasileiro.

Palavras-chave: Direito Marítimo. Sobre-estadia de Contêiner. Insegurança Jurídica.

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ABSTRACT

This dissertation is inserted into the Constitutionalism and Law Production research

line, of the Fundamentals of Positive Law concentration area, and of the Research

Group State, Constitutionalism and Law Production. The research aims to contribute

to the reduction of the legal uncertainty related to container demurrage in the Brazilian

Law, especially in relation to (i) legal nature; (ii) foreseeability; (iii) reasonableness and

(iv) legitimacy (active and passive), considered to be the key elements. This legal

uncertainty arises from the juridicity (production interpretation and application) of those

elements, and it is considered the problem of the research, because it has undermined

the maritime transport operation (i) by the absence of warranties and efficiency in the

collection of demurrage; (ii) by the absence of prior knowledge by the users

(contractors of the transport services) of the specification of the possible future

demurrage; (iii) by the large sums of demurrage charges without any moderation to the

costs of the operation as a whole; (iv) by the attributions of liability to pay demurrage

despite the contract provisions. The regulation of this charge and of the sector

surrounds the research, given that the legal uncertainty persists at the lack of

standards. The hypothesis of the research is that the comparative analysis of the key

elements of demurrage mentioned above in the English and Brazilian Law, especially

the doctrine, jurisprudence and amendments 56 and 215 to PL 1572/2011, helps to

reduce legal uncertainty. The choice of English law is justified by the degree of

expertise and tradition in maritime law and especially case law of the High Court of

Justice, with an emphasis on recent case MSC Mediterranean Shipping Company SA

vr. Cottonex Anstalt [2015]. The dissertation consists of three chapters. Chapter 1 is a

general theory of container demurrage. Chapter 2 presents the key elements of the

container demurrage in English and Brazilian Law and Chapter 3 makes a comparative

analysis of the four key elements. The methods are the inductive and the comparative,

in relation to the analysis of the four key elements. In the end are made the final

considerations with suggestions to reduce the legal uncertainty of demurrage,

thereafter enhance the Brazilian model.

Key-words: Maritime Law. Container demurrage. Legal uncertainty.

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INTRODUÇÃO

O objetivo institucional da presente Dissertação é a obtenção do título de

Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Univali.

O seu objetivo científico é analisar a sobre-estadia de contêiner na

Inglaterra e no Brasil, através dos elementos determinantes do instituto, quais sejam

a natureza jurídica e conceito, a previsibilidade, a modicidade e a legitimidade, de

forma a permitir um estudo detalhado das disposições propostas pelas emendas 56 e

215 ao PL 1572/2011, verificando a sua eficácia em sanar a insegurança jurídica hoje

existente.

Na fase de Investigação do presente estudo foi utilizado o método indutivo,

que consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e coleciona-las de

modo a ter uma percepção ou conclusão geral”.1

Já na fase de tratamento de dados, considerando o objeto e objetivos do

estudo, utilizou-se do método comparativo, ou Direito Comparado, o qual versa sobre

“pesquisar dois ou mais fenômenos ao mesmo tempo ou ao longo de um tempo, e

cotejando-os entre si, neles identificar e privilegiar as semelhanças, considerando as

diferenças”.2

Este estudo é focado integralmente na pesquisa do precípuo instituto

relacionado ao Direito Marítimo que se encontra sob vasta discrepância na doutrina e

na jurisprudência nacionais, sendo um dos principais temas dentro desta ciência que

induzem à uma disputa judiciária no Brasil – a sobre-estadia de contêineres.

Dá-se à esta temática grande relevância no Direito contemporâneo, haja

vista a imensidão de cargas transportadas via contêiner no mundo. No ano de 2014,

somente no Brasil foram mais de 6 milhões de contêineres movimentados. Destes,

2,3 milhões foram no Porto de Santos, e em Santa Catarina, houve a movimentação

de um total de 1.064.674 de contêineres,3 representando a necessidade de

1 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 86. 2 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 12. ed. rev. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 86. 3 Estatísticas – Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de uso público. Disponível <http://www.abratec-terminais.org.br/estatisticas>. Acesso em 15 nov. 2015.

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investimento em estudos nesta temática, principalmente no ramo do Direito,

responsável por disciplinar as relações existentes na sociedade, inclusive as

econômicas.

É notável nos dias de hoje no Brasil uma grande disparidade nas decisões

judiciais relativas à sobre-estadia de contêiner, caracterizando-se em evidente

insegurança jurídica aos operadores do setor, com danos, especialmente aos

usuários.

De um lado percebe-se a instabilidade da jurisprudência, e, de outro, tem-

se que esta baseia-se, na maioria dos casos, em uma regra costumeira que pouco

alcança a realidade fática de cada caso, sendo aplicada de forma generalizada e em

dissonância aos preceitos internacionais, conduzindo à inúmeras inadimplências, o

que prejudica o transportador, bem como ao pagamento de valores abusivos,

prejudicando o usuário.

Pode-se afirmar que a principal causa da insegurança jurídica presente

hoje nas relações que tangem à sobre-estadia de contêiner é, senão, a ausência de

norma regulando o instituto. E é devido à tamanha insegurança jurídica que é

necessário se analisar pormenorizadamente as disposições propostas pelas emendas

56 e 215 do PL 1572/2011 e seus reflexos da prática atual, de forma a assegurar que

esta futura norma seja eficaz ao regular o instituto.

Levando em consideração que a sobre-estadia de contêiner é matéria

atinente ao Direito Marítimo, bem como considerando a origem deste direito, suas

fontes e características, dentre as quais destacam-se a especialidade, uniformidade e

internacionalidade, se faz necessário, para melhor aperfeiçoamento do estudo, a

utilização do Direito Comparado. Neste aspecto, e tendo em vista que a Inglaterra,

país regido pelo common law, é referência em Direito Marítimo pela especialidade e

tradição, optou-se pela adoção de seus regramentos para o estudo comparado do

presente trabalho.4

4 Com maior profundidade, acerca do método comparado e da análise comparativa de vinte e dois elementos do sistema judicial norte-americano e brasileiro, bem como da história do direito norte-americano, que faz parte da família do common law, e brasileiro, que faz parte do civil law, ver: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. Introdução ao Direito e Desenvolvimento - Estudo comparado para a reforma do sistema judicial. Brasília: Editora OAB Nacional, 2004, 864 p.

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Para a pesquisa, levantou-se a hipótese de que a análise comparativa dos

elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner na Inglaterra e no Brasil,

assim como das disposições propostas pelas emendas 56 e 215 do PL 1572/2011,

contribui para reduzir a insegurança jurídica que norteia a sobre-estadia de contêiner

atualmente no Brasil.

Os resultados do trabalho de exame da hipótese levantada estão expostos

na presente dissertação, de forma sintetizada, conforme segue.

Principia-se, no Capítulo 1, com a introdução da temática mediante o

estudo da teoria geral que norteia a sobre-estadia de contêiner. Fora trazido, num

primeiro momento, a origem e a codificação do Direito Marítimo para se entender a

origem costumeira das matérias atinentes a esta ciência autônoma. Viu-se,

igualmente, a natureza jurídica e conceito de Direito Marítimo com ciência híbrida, que

trata tanto de Direito Público quanto de Direito Privado. E, completando o estudo do

Direito Marítimo, foram elencadas as fontes basilares desta temática bem como as

características norteadoras desta ciência.

Para introduzir a sobre-estadia na pesquisa, fora necessário abordar a

origem do instituto dentro do Direito Marítimo. Para tanto, tratou-se dos contratos

marítimos de utilização de navio e transporte, que são contratos distintos, muito

embora em ambos possa haver sobre-estadia. Enquanto o primeiro versa da utilização

do navio, representado pelo contrato de fretamento, ou Carta Partida, o segundo é

puramente de prestação de serviço de transporte, representado pelo BL.

Neste cenário, tratou-se da Carta Partida por Viagem, de onde surgiu a

sobre-estadia de navio no Direito Marítimo. Introduzida a temática no estudo, fora

abordado o aspecto histórico da conteinerização do transporte e, posteriormente, a

aplicação da sobre-estadia, até então aplicável somente em navios, aos contêineres

propriamente ditos, elencando-se a aplicação jurídica deste instituto no Brasil.

O Capítulo 2 trata especificadamente dos elementos determinantes da

sobre-estadia de contêiner, quais sejam a natureza jurídica e conceito, a

previsibilidade e modicidade da cobrança, e a legitimidade. Inicialmente foram

destacados os elementos determinantes sob a ótica do Direito Inglês, que, norteado

pelo common law, é formado basicamente por princípios determinados pela

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jurisprudência. Em seguida abordou-se a visão brasileira quanto aos elementos

determinantes preestabelecidos. Considerando a inexistência de norma positivando o

instituto, fora necessário explorar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência.

O Capítulo 3 foi subdividido em duas partes. Na primeira parte tratou-se do

estudo comparado dos elementos determinantes em ambos ordenamentos jurídico,

inglês e brasileiro. Já a segunda parte se preocupou em analisar os aspectos

destacados dos elementos determinantes com as disposições propostas pelas

emendas 56 e 215 ao PL 1572, apontando-se comentários e críticas à eficiência das

disposições no que tange à segurança jurídica almejada.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as considerações finais,

nas quais são apresentados os aspectos destacados da pesquisa e a originalidade da

investigação e relatos realizados. De mesmo modo, são apresentadas as

fundamentadas contribuições que este estudo traz à comunidade científica e jurídica

quanto à sobre-estadia de contêiner, que, embora muito falada, pouco realmente se

sabe.

Inclusive, neste ponto é estimulado a continuidade de estudos e reflexões

sobre a sobre-estadia de contêiner, haja vista que está em trâmite o PL 1572/2011

com as emendas 56 e 215, sendo necessário, no momento atual, entender

minuciosamente da matéria e da prática atual do comércio, possibilitando a

adequação das emendas ao que realmente o setor de transportes, especialmente o

mercado de contêineres, necessita em termos de direito regulando o instituto vertente.

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CAPÍTULO 1

TEORIA GERAL DA SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER

O presente Capítulo 1, dividido em três parte, discorrerá sobre os principais

aspectos de uma Teoria Geral da Sobre-estadia de Contêiner, vez que relevante para

o objetivo geral da pesquisa, qual seja, a de reduzir a insegurança jurídica que rodeia

este relevante instituto do Direito Marítimo, decorrente do fenômeno da

conteinerização. Não se pretende esgotar o tema, mas contribuir para uma Teoria

Geral desse relevante instituto.

Assim, na Parte 1 tratará do Direito Marítimo e na Parte 2 dos contratos de

afretamento e de transporte marítimo. No final, na Parte 3, discorrerá sobre a sobre-

estadia de contêiner, inclusive com aspectos históricos.

1.1. Direito Marítimo

A sobre-estadia de contêiner é instituto particular do Direito Marítimo, não

possuindo qualquer semelhante em todos os outros ramos do Direito. É necessário,

portanto, compreender a alocação deste instituto no Direito Marítimo, entendendo,

consequentemente, a origem, codificação, natureza jurídica e conceito da matéria que

sustenta esta cobrança tão particular.

1.1.1. Origem e codificação

Reportando-se às épocas mais remotas no início das civilizações, o oceano

sempre se destacou como meio fundamental para evolução humana. Os povos da

antiguidade, navegando de forma primitiva, encontravam inúmeros desafios ao

enfrentar o então desconhecido mar.

Tanto era desconhecido que a própria história brasileira remete à

precariedade da navegação ainda no Século XV. O Brasil, como consta da História,

foi descoberto acidentalmente por Pedro Álvares Cabral, que pretendia na realidade

chegar às Índias Ocidentais.

Dada à intensificação das navegações e do comércio através do mar, viu-

se a necessidade de criar normas para regular a atividade, nascendo então o Direito

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Marítimo.

O Direito Marítimo, contudo, não foi criado tal como existe hoje de forma

imediata. Diversos foram os caminhos percorridos e inúmeros foram os povos que

originaram a maioria das regras até hoje existentes, consolidadas nos usos e

costumes do mar.

Lenardi elucida que, muito embora não se saiba precisamente quais foram

de fato as primeiras manifestações escritas do Direito Marítimo, é indubitável ser muito

antigo e “tanto as leis ródias como as romanas são indícios inafastáveis de que tanto

a navegação comercial como sua regulamentação, na forma que existem e são

conhecidas hoje, começaram no Mediterrâneo”.5

Dentre as normas regentes nos primórdios que de alguma forma regulavam

o Direito Marítimo é possível citar o Código Hamurabi, do Século XXIII a.C. e o de

Manu, do povo Hindu, do Século XIII a.C. Na Antiguidade verifica-se a existência de

normas vinculadas ao Direito Marítimo na Lei dos Rodes (Lex Rhodia de Factu), que

com o advento das rotas marítimas entre Estados, a Ilha de Rodes, situada no Egeu

e atualmente território da Grécia, assumiu um papel importantíssimo na normatização

do Direito Marítimo, regulamentando de certo modo as inúmeras expedições do Mar

Mediterrâneo. Aludida Lei vigorou entre os Séculos VII e IX.6

Já na Idade Média, considerando o crescimento do comércio marítimo,

compilações do Direito Marítimo de origem consuetudinária foram se consagrando na

Europa, especialmente na Itália, da seguinte forma:

Como era o Mediterrâneo, sob controle romano, o centro do mundo ocidental e de suas principais vias, o direito marítimo evoluiu na Europa a partir de um conjunto de normas uniformes, supranacionais e compreensivas.7

Em 1681, a França editou a Ordenannance Touchant La Marine, que foi a

primeira codificação de Direito Marítimo (público e privado). Iniciativa de Colbert no

Reino de Luís XIV, que nomeou uma comissão responsável por ampla pesquisa

5 LANARI, Flávia de Vasconcellos. Direito marítimo: controle e responsabilidades. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 45. 6 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p.20. 7 LANARI, Flávia de Vasconcellos. Direito marítimo: controle e responsabilidades. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 45.

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relacionada aos portos. Teve grande influência por quase dois séculos na Europa. O

Código Comercial Francês (1808), em parte copiado da Ordennance (arts. 190 a 426),

influenciou o Código Comercial Brasileiro (1850), até hoje em vigor, e que se encontra

com um projeto de reforma (PL 1572/2011) em tramitação e duas emendas (56 e 215)

que tratam do Direito Marítimo.

O Brasil, por seu turno, considerando ter sido colônia portuguesa até 1822,

mantinha como legislação - e isso em todos os aspectos, não apenas no Direito

Marítimo - as normas das Ordenações do Reino de Portugal. Naquela época as

Ordenações recebiam o nome do Rei de Portugal, tendo existido, por exemplo, as

Ordenações Afonsinas (Dom Afonso), Manoelinas (Dom Manoel) e Filipinas (Dom

Felipe).

Após a declaração da independência, o Brasil Império passou a promulgar

suas próprias leis e, em 25 de junho de 1850 houve a promulgação da Lei n. 556, o

Código Comercial. Este Código passou então a reger o Direito Marítimo nacional, que

continha, na Parte II, as disposições correlatas à matéria.

Sobre o Código Comercial brasileiro, Anjos e Gomes esclarecem que:

Com o desenvolvimento do comércio e da navegação, foi elaborado, em 1807, o Código Francês por uma comissão de renomados juristas, destacando-se entre eles PORTALIS e PORTHIER, a pedido de Napoleão Bonaparte, que em sua própria homenagem o promulgou em 1808, com a denominação de Código de Napoleão, e de fundamental importância para a legislação marítima brasileira, que tem

grande influência da lei francesa ora mencionada.8

Em 1850, a legislação marítima brasileira passou a ser regida

principalmente pelo CCom. Posteriormente, foram sendo criadas novas leis e

organismos públicos para administrar e fiscalizar a atividade naval, tais como a

Diretoria de Portos e Costas, as Capitanias dos Portos, o Tribunal Marítimo e o

Departamento da Marinha Mercante9 e, mais recentemente a Antaq (Lei n.

8 ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 4. 9 MARTINS, Elaine Maria Octaviano, Curso de direito marítimo. 2. ed. Barueri: Manole, 2005 apud JÚDICE, Mônica Pimenta. O direito marítimo no código de processo civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 30.

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10.233/2001).10

Dentre as leis nacionais no âmbito do Direito Marítimo cita-se, além do

CCom, a Lei n. 2.180/54 (Tribunal Marítimo), a Lei n. 9.774/98 (Registro de

Propriedade Marítima), a Lei n. 9.537/97 (LESTA). Há, igualmente, textos normativos

que também regulam o Direito Marítimo brasileiro, tais como Decretos-lei, portarias e

as Normam`s.

O Brasil também ratificou diversas Convenções internacionais no âmbito

do Direito Marítimo, tais como: Convenção para Unificação de Certas Regras em

Matéria de Assistência e de Salvamento Marítimos e Protocolo de Assinatura (Decreto

n. 10.773 de 1994), Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras

Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimas (Decreto n. 351/35) e a Convenção

Internacional para Unificação de Certas Regras Relativas à Limitação da

Responsabilidade dos Proprietários de Embarcações Marítimas (Decreto n. 350/35).

1.1.2. Natureza jurídica e conceito

Ensinam Anjos e Gomes que para entender o Direito Marítimo, é

necessário ter em mente as técnicas ensinadas por Hans Kelsen. Lecionam que:

[...] a divisão do direito em público e privado, consiste, via de regra, no grau de generalidade da norma jurídica. Devemos registrar que essa dicotomia no direito teve origem em Roma. Mas o ilustre doutrinador germânico foi o precursor da melhor tese para definição e divisão do direito público e do direito privado.11

Diante dos conceitos elaborados por Hans Kelsen é que se afirma

atualmente ser o Direito Marítimo de natureza jurídica mista ou híbrida, “tendo em

vista não ter preponderância de interesse público ou privado”.12

Declara Martins que:

10 Acerca da análise comparativa de onze elementos determinantes da Antaq e da Federal Maritime Commission (agência reguladora norte-americana), decorrente de relatório de pesquisa de Pós-Doutoramento na Kennedy School of Government, Harvard University, em 2007/2008, ver: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. Direito Regulatório e Inovação nos Transportes e Portos nos Estados Unidos e Brasil. Prefácio Prof. Ashley Brown. Florianópolis: Conceito, 2009, 410 p. 11 ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 4. 12 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 8.

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[...] afirma Sammarco (2000, p.6) que a distinção entre as esferas pública e a privada, confusa e sem nitidez, faz da separação entre direito público e privado uma tarefa difícil de realizar. E, não obstante, entender que a dicotomia entre direito público e privado ainda persevera – pelo menos por sua operacionalidade pragmática -, reconhece-se o surgimento de campos jurídicos intermediários, nem públicos e nem privados, de modo que os tradicionais conceitos

dogmáticos sentem dificuldade de se impor.13

Sammarco, reportando-se aos fatores históricos do Direito Marítimo, afirma

inequivocamente ser mista a sua natureza jurídica, assim como o é o Direito

Previdenciário, o Direito Econômico, o Direito do Consumidor e o Direito Ambiental.14

Cumpre destacar, contudo, que muito embora seja de natureza híbrida, o

Direito Marítimo está contido em um contexto de interesse público. Inclusive, a reforma

do Estado brasileiro nos anos 90, visando o interesse público, culminou na criação

das agências reguladoras para fazer a intervenção do Estado na atividade econômica.

Neste cenário, cita-se a criação da Antaq em 2001, cuja esfera de atuação engloba,

dentre outras, os portos organizados e as instalações portuárias neles localizadas, os

terminais de uso privado, as instalações portuárias públicas de pequeno porte.15

Portanto, com essência híbrida, o Direito Marítimo subdivide-se em Direito

Marítimo Público e Direito Marítimo Privado. O primeiro trata das normas relativas ao

tráfego marítimo, na qual prepondera o interesse público. Já o Direito Marítimo Privado

estabelece normas regulamentadoras das relações entre particulares, predominando

o interesse privado.

Assim, o Direito Marítimo consagrou-se como um dos ramos do direito

positivo com natureza jurídica híbrida, abrangendo as relações do tráfego marítimo e

do tráfico marítimo. Nas palavras de Martins “a toda evidência, o tráfico marítimo

realiza-se por meio do tráfego marítimo, do exercício de navegar”.16

Enquanto que a atividade de tráfico marítimo contempla o comércio por

13 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 8. 14 SAMMARCO, Oswaldo. Fenomenologia do direito marítimo. Santos: Unimes, 2000. apud JÚDICE, Mônica Pimenta. O direito marítimo no código de processo civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 27. 15 Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Disponível em <http://www.antaq.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2015. 16 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 2.

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meio do mar, como atividade empresarial que via de regra explora o navio como meio

de transporte e possui como fator fundamental o econômico, o tráfego marítimo trata

da navegação em si, do trânsito seguro no mar, possuindo como fator fundamental o

político, porquanto que há necessariamente a intervenção dos Estados nas regras de

navegação, jurisdição, soberania e segurança.

Para Strenger, o Direito Marítimo é um complexo de instituições, categorias

e regras escritas ou costumeiras autônomas, de caráter interdisciplinar, que nascem

da navegação nos espaços marítimos, em todas as suas dimensões.17

O Direito Marítimo moderno, portanto, conceitua-se latu sensu como “o

complexo de regras jurídicas que regulam a navegação pelo mar”18 ou “um conjunto

de normas que visa regular o comercio marítimo”.19

Grael, por seu turno, traduz a esfera em foco como “o Direito que tem por

objeto a ordem jurídica que rege o meio marinho e as diversas utilizações de que é

suscetível”.20

Cervantes Ahamada afirma que:

[...] o Direito Marítimo é um conjunto coordenado de construções, idéias ou instituições jurídicas, emanando de um poder público efetivo e destinado a realizar-se ou a atualizar-se na vida humana de relação social, no teatro do mar ou em relação aos espaços marítimos.21

Júdice, preferindo um conceito mais amplo, alega que “a melhor definição

seria aquela que explica o direito marítimo como um conjunto de regras que tenha

conexão com o mar em geral”.22

17 STRENGER, Irineu. Direito Moderno em foco: responsabilidade civil, direito marítimo e outros. São Paulo, RT, 1986 apud MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 4. 18 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 3. 19 JÚDICE, Mônica Pimenta. O direito marítimo no código de processo civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 26. 20 GRAEL, Gilbert, Traité de droit internacional public de la mer, apud MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 3. 21 CERVANTES AHAMADA, Raúl. Derecho marítimo. México: Porrúa, 2012 apud MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 3. 22 JÚDICE, Mônica Pimenta. O direito marítimo no código de processo civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 26.

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23

Concluir-se, portanto, que o Direito Marítimo é o conjunto de normas

jurídicas, oriundas primordialmente dos usos e costumes, que regem o tráfico e o

tráfego marítimo como um todo.

1.1.3. Fontes

Como fontes do Direito Marítimo moderno, citam-se as normas do direito

positivo, os usos e costumes, a doutrina, a jurisprudência e os princípios gerais do

direito.

A legislação nacional, ainda que inexistente um único codex a tratar

exclusivamente do Direito Marítimo, é vasta, mas ainda não completa, conforme se

verá no decorrer deste trabalho.

A doutrina nacional, por seu turno, desempenha um papel importantíssimo

no Brasil, haja vista a ausência ou insuficiência de norma escrita à regulamentar e

regular esta matéria.

A jurisprudência nacional, por sua vez, não se mostra integralmente

consolidada quanto às matérias de Direito Marítimo. Cita-se aqui como exemplo a

sobre-estadia de contêiner, objeto do presente estudo, sobre a qual há grande

insegurança jurídica, que se justifica, em sua grande maioria, na ausência de

legislação específica ao caso e jurisprudência que proporcione segurança jurídica aos

operadores do transporte marítimo.

Doutro norte, calha registrar que é de grande valia para o Direito Marítimo

os usos e costumes com fonte de direito. Sobre o costume no Direito Brasileiro, Glitz

elucida seu papel secundário em relação à Lei, e esclarece:

Isso se dá a tal ponto que a lei deveria prevalecer mesmo quando contrária ao costume de longa tradição. Assim, se sua importância é subsidiária (segundo Beviláqua, a “fonte immediata (sic) do direito é a lei”), seu papel seria o de atender à insuficiência legal para abranger todos os fenômenos sociais e, em alguma medida, servir de elemento atualizador do sistema.23

23 GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin. Contrato, globalização e LEX mercatória [recurso eletrônico] : Convenção de Viena 1980 (CISG), Princípios Contratatuais Unidroit (2010) e Incoterms (2010). Rio de Janeiro: Clássica, 2012. p. 96.

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Neste cenário, cita-se a Lex Maritima, assim conceituada por Castro Júnior:

Considerada como usos e costumes do transporte marítimo internacional que, todavia, não podem prevalecer no Direito Brasileiro se violarem a ordem pública, nos termos do artigo 17 da Lei de Introdução ao CC, que assim dispõe: “Art. 17° - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Embora haja autonomia da vontade nos contratos internacionais, essa autonomia não é absoluta, mas relativa, vez que encontra limite no ordenamento jurídico pátrio, seja na LICC, seja na Teoria Geral dos Contratos do

CC.24

Os princípios gerais de direito, que, como regras de conduta que norteiam

os operadores do Direito na interpretação das normas, também subsidiam o Direito

Marítimo.

1.1.4. Características

Poética é “a afirmação de Danjon de que o direito marítimo atravessara as

idades sem envelhecer”.25

Atribui-se ao Direito Marítimo a característica de particular haja vista que

possui traços próprios que se reportam aos fatores históricos do ramo. Esta

particularidade se justifica no fato que, nos primórdios, o Direito Marítimo era regido

basicamente pelos usos e costumes do mar, a Lex Maritima, que se consagrou como

uma das principais fontes do Direito Marítimo ainda na atualidade.

Afirmando que a particularidade do Direito Marítimo se dá por dois prismas,

Gilbertoni leciona que:

[...] pela tendência natural do direito contemporâneo de não mais elaborar lei de caráter geral e sim leis especiais que se adaptam aos diversos gêneros de exploração e, sendo de caráter quase exclusivamente internacional, o transporte marítimo exige, para evitar o conflito de leis, normas aplicáveis igualmente em quaisquer águas que os navios tenham de atravessar.26

24 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Principais aspectos do direito marítimo e sua relação com a lex mercatoria e lex marítima. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br>. Acesso em: 20 set. 2015. 25 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p. 37. 26 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 15.

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25

E é da particularidade que decorrem as demais características:

A particularidade do Direito Marítimo é também um fundamento para a sua autonomia, vez que possui traços próprios desde os primórdios, traços estes que se aplicam exclusivamente à navegação, pois, antigamente, o Direito Marítimo tinha nos usos e costumes as normas que o regia – “bons costumes do mar”, que surgiam de forma espontânea no decorrer de sua prática, fazendo com que esta ciência nascesse de forma particular e autônoma. Em decorrência de sua particularidade e autonomia, o Direito Marítimo não é propriamente imutável, pois não renuncia voluntariamente hábitos antigos. De forma sutil recepciona no presente hábitos do passado, como o ocorrido com a atual hipoteca, antigo câmbio marítimo, que apesar deste ter perdido sua utilidade prática, aquele veio substituí-lo. Assim, o câmbio marítimo perdura até hoje como hipoteca.27

Não obstante, salienta-se a necessidade do Direito Marítimo ser

internacional e uniforme, possibilitando aos intervenientes que conheçam e se

adequem às regras globalmente.

Assim Bernaiert, inaugurando a conferência de Liverpool, exclamava: “O oceano só deve conhecer uma só Lei aplicável a todos, sob todas as latitudes”.28

Por se tratar de um conjunto de normas que rege o tráfego e o tráfico

marítimo, e considerando todas as relações internacionais que advém desta prática,

“a uniformidade no tempo e a universalidade no espaço constituem adjetivos

expressivos do Direito Marítimo”.29

A doutrina é vasta em afirmar que o Direito Marítimo é autônomo dos

demais ramos do Direito, possuindo particularidades e especialidades, conforme bem

afirmou Martins:

Na doutrina moderna, a autonomia do direito marítimo é majoritária. Em regra, propugna-se pela autonomia do direito marítimo, assentada na internacionalidade, particularidade e especialidade de suas regras

27 NOVAK FÓES, Gabrielle Thamis. Condicionamento da liberação da carga à prestação de caução da demurrage: ilegalidade à luz do decreto-lei nº 116/1967. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 2, n.3, p. 516-531, 3º quadrimestre de 2011. ISSN 2236-5044. Disponível em <www.univali.br/ricc> Acesso em: 10 nov. 2015. 28 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p. 37. 29 NOVAK FÓES, Gabrielle Thamis. Condicionamento da liberação da carga à prestação de caução da demurrage: ilegalidade à luz do decreto-lei nº 116/1967. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 2, n.3, p. 516-531, 3º quadrimestre de 2011. ISSN 2236-5044. Disponível em <www.univali.br/ricc> Acesso em: 10 nov. 2015.

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26

e na tipicidade de seus institutos.30

Gilbertoni, ao citar Ripert, afirmou que “não só pela conservação de antigos

costumes, mas pela criação de novas regras de caráter internacional, o direito

marítimo conservou ou adquiriu verdadeira autonomia no que diz respeito ao direito

comercial terrestre”.31

Todavia, o Direito Marítimo não se satisfez nestas características, e a

doutrina é firme em sempre enfatizar a ousadia e o atrevimento desta ciência

autônoma.

Lacerda cita que a ousadia do Direito Marítimo se caracteriza pelas regras

inovadoras que foram sendo criadas com base nos usos e costumes do mar e que

hoje servem aos mais diversos campos do direito. Elenca, como exemplo, o seguro,

que teve origem do campo do Direito Marítimo, assim como a reparação por acidente

de trabalho no Direito Trabalhista.32

Derradeiramente, o Direito Marítimo, como ciência autônoma, possui a

particularidade, especialidade, uniformidade, internacionalidade, mutabilidade, e a

ousadia como principais características.

1.2. Contratos Marítimos: contrato de utilização de navio e contrato de

transporte

Quando se deseja enviar mercadorias de um lugar para outro pela via

marítima, inclusive internacionalmente, pode-se dizer que há três opções: [1] utilizar-

se do seu próprio navio para o transporte; [2] afretar um navio, ou; [3] enviar sua

mercadoria em um navio junto com mercadoria de outros diversos embarcadores.

Sem maiores considerações é a primeira opção, que ocorre por meio dos

navios de tráfego privado (private trade), haja vista a utilização de um meio próprio

para proceder com o transporte da mercadoria desejada.

30 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol I. 3. ed. Barueri: Manole, 2008. p. 6. 31 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 15. 32 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p. 37.

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27

Para ser possível a compreensão das duas outras opções, necessário

entender o complexo prático que norteia os contratos marítimos.

Conforme verificado alhures, o Direito Marítimo subsiste na prática do

comércio internacional, e se desenvolve em torno do tráfico e tráfego marítimo. Assim,

para que haja o desejo de enviar mercadorias de um lugar para outro pela via

marítima, na maioria dos casos,33 há a pré-existência de um contrato internacional de

compra e venda.

Cita Martins que:

Efetivamente, os contratos marítimos se formam na sequência de um contrato internacional de compra e venda que define, entre outros aspectos, as responsabilidades do exportador (vendedor) e do comprador no tangente a contratação e pagamento de frete e seguro, e assunção de riscos durante a expedição marítima.34

Faz-se alusão aqui aos Incoterms, que são regras internacionalmente

reconhecidas e utilizadas em todo o mundo em contratos nacionais e internacionais

para compra e venda de bens. Publicado pela primeira vez em 1936, os Incoterms

fornecem definições e regras de interpretação aceitos internacionalmente para termos

comerciais mais comuns. Sua última versão foi lançada em setembro de 2010

(Incoterms 2010), e entrou em vigor em 01 de janeiro de 2011.35

Estas regras – Incoterms – interferem diretamente na formação dos

contratos internacionais de compra e venda, havendo a definição da modalidade do

transporte, das regras quanto às responsabilidades, o momento da transferência do

risco (critical point) e avenças quanto ao seguro internacional da mercadoria.

Assim, o comércio internacional que se desenvolve através do mar nos

termos acima aventados se operacionaliza por dois tipos de navegação, a liner e a

tramp.

A navegação liner, ou navegação de linha, ocorre através de navios de

33 Diz-se maioria das vezes haja vista que o transporte marítimo internacional não necessariamente ocorre quando há uma compra e venda. Como exemplo, cita-se o caso de determinada pessoa que residiu em determinado país e, agora de mudança para outro país, deseja utilizar-se do transporte marítimo para efetivar o transporte de seus bens pessoais. 34 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 74 35 International Chamber of Commerce - International Commercial Terms. Disponível em: <http://www.iccwbo.org>. Acesso em: 27 set. 2015.

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28

linha, que “são regulares, destinados a prestar serviço de navegação marítima regular

com rota fixa (liner trade) ”.36 Por outro lado, os navios tramp, navios de frete ou navios

errantes, são “aqueles que atuam na navegação marítima não regular (tramp trade) e

atendem à demanda específica dos embarcadores no mercado spot”.37

Assim, quando a opção desejada ou mais adequada à determinado caso é

a utilização de um navio tramp (navegação marítima não regular), haverá o

afretamento de um navio. Por outro lado, quando é possível realizar o transporte por

meio de um navio liner, as mercadorias destinadas ao transporte serão embarcadas

junto com diversas outras de outros embarcadores/destinatários, não havendo a

necessidade de se afretar um navio.

Derivam daí, portanto, os contratos marítimos de fretamento (de navios

tramp) e de transporte de mercadorias (em navios liner), conforme aponta Martins:

A operacionalização dos transportes internacionais de mercadorias em navegação liner instrumentaliza-se pelos contratos de transporte internacional de mercadorias. O transporte marítimo internacional em

navios tramp operacionaliza-se pelos contratos de fretamento.38

Ary Brandão de Oliveira, citado por Lenardi, conceitua os contratos de

utilização de navio como:

Aquele cuja finalidade essencial é o aproveitamento de tal veículo em razão do qual uma das partes, em troca de contraprestação, adquire o direito de uso e gozo, ou ao cumprimento, por parte do outro celebrante, de determinada atividade náutica, que deverá realizar-se

em seu benefício mediante o emprego do navio.39

Por outro lado, o contrato de transporte marítimo internacional é, segundo

Martins:

Aquele pelo qual um empresário transportador (carrier) se obriga, mediante remuneração (frete), a transportar por mar, de um porto para o outro, uma certa quantidade de mercadoria que lhe foi entregue pelo

36 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 16. 37 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 16. 38 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 19. 39 LANARI, Flávia de Vasconcellos. Direito marítimo: controle e responsabilidades. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 70.

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embarcador (shipper) e a entrega-la a um destinatário.40

Note-se, portanto, que os contratos marítimos de utilização de navio e de

transporte são contratos distintos.41 Enquanto o primeiro tem como objeto a utilização

do navio, o segundo é puramente de transporte, de coisas ou pessoas.

1.2.1 Contrato de transporte marítimo

Descrevendo como ocorre a prática do transporte de carga fracionada ou

realizada através de navios de linha, sintetizam Anjos e Gomes:

Quando uma pessoa, um comerciante, deseja enviar um pequeno lote de mercadorias par um outro porto, por exemplo, 1.000 caixas de doce, ele entra em contato com um a agência da empresa de navegação. Nesse primeiro contato são fornecidas as especificações da carga e obtidos dados como a chegada do navio no porto, sua saída e a chegada no destino. [...]. Havendo a confirmação de embarque, diz-se que a carga foi “fechada”. Aí, então, diretamente ou através de corretor, a agência toma as providenciais relativas à documentação

necessária para o embarque.42

O contrato de transporte marítimo encontra respaldo na legislação

brasileira na Lei n. 10.406/2002, o atual CC, que regula, nos artigos 730 ao artigo 756

tanto o contrato de transporte de pessoas quanto o contrato de transporte de coisas.

De acordo com o CC, o contrato de transporte é aquele pelo qual ”alguém

se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou

coisas”.43

Coelho, ao tratar do assunto, conceituou o contrato de transporte como:

Transporte é o contrato em que uma das partes (transportador) se obriga a levar pessoa ou coisa de onde se encontra para outro lugar no interesse da outra parte (contratante do serviço). Dois requisitos são essenciais para a configuração do contrato de transporte: a empresarialidade do transportador e a onerosidade. Se quem leva pessoa ou coisa para outro lugar no interesse alheio não faz disso sua atividade econômica organizada ou o faz graciosamente, a relação

40 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 247. 41 Acerca dos contratos marítimos e portuários, inclusive de fornecimento de contêiner por meio da sobre-estadia, na perspectiva da responsabilidade civil, ver obra com dezessete capítulos: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. (org.) Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade civil. São Paulo: Aduaneiras, 2015, 548 p. 42 ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 176. 43 CC. Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

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jurídica não é a de contrato de transporte. Rege-se pelas regras gerais

das obrigações de fazer e dos outros contratos gratuitos.44

O contrato de transporte é, portanto, caracterizado pela onerosidade e

atividade empresarial, através do qual o contratado, transportador, compromete-se a

transportar pessoas e/ou coisas de determinado local a outro. Considerando o objeto

do presente estudo, interessa-nos o contrato de transporte de coisas pela via

marítima.

Define Cremoneze “o contrato de transporte marítimo de coisas como o

negócio jurídico em que o transportador se obriga, mediante retribuição em dinheiro a

transportar coisas pelo mar de um lugar para o outro”.45

Explica Martins que o contrato de transporte é um dos mais comuns na vida

comercial, haja vista que é característica do comércio a circulação de mercadorias.46

Considerando a pré-existência de um contrato de compra e venda internacional,

Martins conceitua o contrato de transporte marítimo internacional de mercadorias

como aquele que:

[...] regulamenta a operação de transladar mercadorias (goods) do país de origem do vendedor ou exportador (seller) até o país de destino do comprador ou importador (buyer) por via marítima ou outras

vias navegáveis (sea and inland water ways transport).47

Neste cenário, entende-se como coisa a ser transportada a própria carga,

e, como retribuição ao transporte, o frete, que é a contraprestação pecuniária do

contrato, reportando-se ao custo no transporte em um navio liner. Segundo Gilbertoni,

“o frete nada mais é do que a contrapartida que o transportador recebe em dinheiro

para efetuar o transporte de mercadorias”.48

Ainda segundo Gilbertoni, o frete pode ser calculado referindo-se à unidade

de peso (tonelada métrica), sobre a unidade de volume (metro cúbico), ou ainda sobre

44 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 410. 45 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 30. 46 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 205. 47 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 493. 48 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 171.

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o valor da mercadoria (frete advalorem).49

O objeto do contrato de transporte é justamente o deslocamento da carga

de um ponto a outro, a ser exercido por uma empresa transportadora, que recebe a

mercadoria do shipper (embarcador, expedidor, carregador) e a entrega ao consignee

(consignatário, recebedor, destinatário).

Tem-se, portanto, como interessados no contrato de transporte marítimo o

transportador, responsável pela efetivação do transporte, o shipper (embarcador), que

enviará a carga, e o consignee (consignatário), que receberá a carga. Entretanto,

estas três posições nem sempre se caracterizam como partes integrantes do contrato,

havendo duas teorias, que divergem entre incluir o destinatário como parte contratante

ou não.

A primeira teoria entende que o contrato de transporte marítimo é formado

tão somente entre o shipper e o transportador, sendo o consignee apenas um

interessado no contrato, muito embora indispensável à sua existência e execução.

Esta teoria adota a designação do consignee como cláusula a favor de terceiro

(estipulação em favor de terceiro), sobre o qual se projetam os efeitos do acordo.

Adotando esta teoria, explica Rizzardo que:

O destinatário é apenas a pessoa a quem se envia o bem, não participa, portanto, do contrato, mas pode assumir obrigações perante o transportador, fato comum na eventualidade dele próprio se

responsabilizar pela obrigação de pagar o frete.50

Ainda sobre a primeira teoria, Martins aponta a existência de

entendimentos que excluem o destinatário como ente contratante, sendo ele apenas

uma consequência da emissão e circulação do conhecimento de embarque

(documento que evidencia o contrato de transporte).51

A segunda teoria aponta que os intervenientes do contrato são o

transportador, o shipper e o consignee, “considerando ser o embarcador e destinatário

49 GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 172. 50 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos: transporte de coisas. 3.v. Rio de Janeiro: Aide. p. 839. 51 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 498.

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sujeitos distintos, o embarcador é parte somente até o embarque da mercadoria, e, a

partir de então, o consignatário torna-se parte”.52

Importante notar que há situações em que o shipper e o consignee, muito

embora atuantes em posições distintas, podem ser de fato a mesma pessoa. Cita-se

aqui, como exemplo, uma pessoa física que está de mudança de um país para outro

e opta pelo transporte marítimo para transladar sua mudança. Será ele o embarcador

da carga na origem e, consequentemente, o recebedor da carga no destino.

Na compra e venda internacional o vendedor/exportador ou o

comprador/importador poderão, igualmente, figurar simultaneamente nas posições de

shipper e consignee. Isso pode ocorrer quando da adoção dos Incoterms FAS53 ou

FOB,54 conforme aponta Martins:

Nos Incoterms FAS e FOB, constatada a circunstância fática de ser o importador o embarcador e também o destinatário, será na condição jurídica de embarcador que esse sujeito participará da celebração e conclusão do contrato com o transportador marítimo. Tem-se considerado que a inclusão do mesmo sujeito como embarcador e destinatário não resulta em confundir as respectivas situações jurídicas e, consequentemente, os direitos e as obrigações. Entretanto, há cumulatividade.55

Muito embora existam circunstâncias em que o shipper e o consignee

sejam de fato a mesma pessoa (jurídica ou física), via de regra os contratos de

transporte são formados por pessoas distintas, onde o embarcador e o consignatário

não se confundem.

Entende-se, portanto, que o contrato de transporte marítimo, é o

52 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 498. 53 Free Along Ship ou livre ao lado do navio. Este Incoterm é utilizado quando o vendedor tem facilidade em realizar o desembaraço da mercadoria a ser transportada no seu próprio país. “O FAZ contempla a obrigação do vendedor de suportar os custos e se responsabilizar pelos riscos até a entrega da mercadoria, ao lado do costado do navio transportador no cais ou em embarcações (como barcaças, lighters) utilizadas para o carregamento, no porto de embarque designado pelo comprador [...].”MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 254. 54 Free on Bord ou livre a bordo. “[...] contempla assumir o vendedor os custos e os riscos pelas perdas e avarias relativas à mercadoria (critical point) até a transposição da amurada do navio (ship´s rail) designado pelo comprador no porto de embarque combinado e de acordo com os usos do porto”. MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 255. 55 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 497

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instrumento pelo qual o transportador se obriga perante o embarcador, a transportar

determinada carga e entregá-la ao destinatário, mediante o pagamento do frete.

1.2.1.1 Conhecimento de embarque - BL

Conceituado o contrato de transporte marítimo de coisas, importante

analisar o conhecimento de embarque, que é o documento que evidencia e

instrumentaliza aludido contrato e é considerado pela doutrina um dos documentos

mais importantes do comércio exterior em geral.

Dispõe o CC, em seu artigo 744 que “ao receber a coisa, o transportador

emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido o

disposto em lei especial”.

O conhecimento de embarque, conhecimento de transporte, de carga ou

de frete, ou bill of lading, também designado simplesmente de BL, possui esta

denominação ante ao fato de que é através deste documento que o transportador (ou

quem as vezes o faça) informa ter o conhecimento de que determinada mercadoria

está a bordo e de que se obrigou a entregá-la, tal como lhe foi entregue, no destino

final.

Internacionalmente, o BL foi inicialmente regulado pela Convenção de

Bruxelas de 1924 (Regras de Haia), modificadas pelo Protocolo de Visby de 1968

(Regras de Haia-Visby), que já se encontram em desuso ante a Convenção de

Hamburgo de 1978, assinada, mas não ratificada pelo Brasil.

É o BL que evidencia a existência de um contrato de transporte marítimo,

ou seja, é a prova escrita do contrato em si. Note-se que o BL não é o contrato de

transporte marítimo, que na maioria dos casos é formalizado em momento anterior à

emissão do BL, este que somente é emitido quando a carga é embarcada no navio.

O Direito Inglês é assente em caracterizar o BL como a evidência do

contrato de transporte, conforme fora decidido em Swell vs. Burdick, apud Martins,

onde fora declarado que o BL é uma “excelente evidência dos termos acordados entre

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armador e embarcador”.56 No mesmo sentido, Anjos e Gomes ensinam que:

Mas, hoje em dia, o direito comparado das grandes nações marítimas usa o termo “contrato de transporte” para esses transportes de carga por mar regidos por conhecimentos de embarque. A doutrina inglesa, principalmente após a edição do “Carriage of Goods by Sea Act, 1971” e das Regras de Hamburgo (Convenção das Nações Unidas sobre o Transporte de Mercadorias por Mar, 1978), utiliza o termo “contrato de transporte” (contract of carriage) para o embarque de pequenas quantidades de mercadorias, de muitos embarcadores, cada um

sendo evidenciado por um Conhecimento de Embarque.57

Assim, realizado o contrato de transporte marítimo e embarcada a carga, é

então emitido pelo transportador o conhecimento de embarque – BL, no qual constarão

todas as especificações do contrato.

O BL é emitido, geralmente, em três vias negociáveis,58 permanecendo uma

das vias com o transportador e as outras duas com o shipper, que enviará uma de

suas vias ao consignee, para que este possa retirar a carga no destino.

É um documento que possui frente e verso. Na frente do BL encontram-se

redigidas todas as cláusulas que regem o contrato de transporte em si, sendo

cláusulas pré-impressas e preestabelecidas unilateralmente pelo transportador,

constituindo-se, portanto, em um contrato padrão (standard form). No verso do

documento são inseridos todos os dados correlatos àquele transporte em si, como

dados do shipper, do consignee, local de origem e destino e as especificações quanto

a carga.

Dentre as particularizações do transporte expressas no verso do BL, está o

valor do frete (freight) e o local onde este deverá ser pago. Destacam-se duas

modalidades de pagamento: [1] frete pago no destino, com a utilização da expressão

freight collect,59 e; [2] frete pago antecipadamente na origem, com a utilização da

expressão freight prepaid.60

O BL, como evidência do contrato de transporte marítimo, possui, via de

56 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 515. 57 ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 181. 58 Pode ser emitido em mais vias, se assim requisitado. 59 “frete a coletar” (tradução livre). 60 “Frete pré-pago” (tradução livre).

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regra, duas funções básicas. A primeira delas é como recibo de entrega das

mercadorias, sendo a comprovação documental emitida pelo transportador quando do

recebimento da carga.

A segunda função do BL é como título de crédito, também chamado de

título-valor. Ou seja, este documento representa o título de propriedade das

mercadorias nele inscritas, presumindo-se como titular da mercadoria aquele

nomeado como consignee ou quem estiver na posse do BL.

Sobre a função de título de crédito do BL, Martins destaca que “por tratar-

se de documento probatório inter partes, é título de crédito somente em relação a

terceiros”.61 E continua:

O BL aporta ao terceiro de boa-fé uma prova de valor iure it iure com relação aos dados da carga, consagrando-se, portanto, uma presunção absoluta (conclusive evidence). Em decorrência da natureza de título do BL, a ele é aplicável o regime jurídico cambiário, de modo a sistematizar e tutelar o crédito composto de princípios relativos aos títulos de crédito: literalidade, autonomia (e subprincípios

da abstração e inoponibilidade das exceções) e formalismo.62

Nos termos da análise precedente, o conhecimento de transporte,

comumente chamado apenas de BL na prática do comércio marítimo internacional,

consubstancia-se na evidência escrita do contrato de transporte, estando ali inseridas

todas as especificações quanto ao transporte que ampara, inclusive as obrigações em

relação à sobre-estadia de contêiner, servindo tanto de recibo do embarque da carga

quanto de título de crédito para se reivindicar a carga.

1.2.2 Contratos de fretamento de navios

Sintetizando, explana Martins que “o transporte marítimo internacional em

navios tramp operacionaliza-se pelos contratos de fretamento”.63

Quando a opção escolhida é, na verdade, afretar um navio, o contrato a ser

utilizado entre as partes é representado pela Carta Partida (Carta Partita ou Charter

61 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 516. 62 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 516. 63 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 19.

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Party). Há, no mundo dos negócios internacionais, modelos-padrão de Carta Partida

elaborados por instituições especializadas que contemplam as inúmeras cláusulas já

padronizadas globalmente.

Sobre a denominação Carta Partida (papel partido, papel dividido,

documento repartido), explica Lacerda:

Esta denominação deriva do fato de outrora ser uso na Inglaterra redigirem as convenções por escrito em um papel que depois era cortado em duas partes, de alto a baixo, destinada cada uma delas a cada uma das partes contratantes, a fim de, mais tarde, com a junção

dos dois pedaços, saber-se o que houvera ajustado.64

O contrato de fretamento (ou de afretamento) é considerado um contrato

autônomo e independente, característico e especial do Direito Marítimo e refere-se à

operacionalização e uso do navio. É, portanto, um contrato de utilização do navio, ou

seja, “aquele no qual uma das partes contratantes (fretador) disponibiliza o navio, ou

parte dele, para fins de navegação marítima a outra parte contratante (afretador),

mediante retribuição pecuniária denominada frete (hire) ”.65

A doutrina inglesa, aqui representada por Tetley, conceitua a Carta Partida

como “the basic contract of hire of a ship whereby goods are carried by sea and its

beginnings go back much further than the bill of lading”.66 67

Contextualizando a prática deste tipo de contrato, explicam Anjos e Gomes:

Porém pode ocorrer que o comerciante, ou seja, o embarcador, tenha carga em quantidade para lotar um navio ou mais navios. Ele não irá, certamente, enviá-las num navio de linha, pois sairia muito caro. Para o transporte, ele contrata um navio tramp ou especializado, conforme o caso, para levar a carga até o destino, fazendo uma ou mais viagens; ou contrata mais de um navio. Isso é, ele faz um contrato de afretamento, passando a ser o afretador, e aquele que fornece o navio

será o fretador. O documento do contrato é a carta partida.68

O contrato de fretamento é, portanto, um acordo para utilização do navio,

64 LACERDA, José Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p. 175. 65 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 138 66 Tetley, William; International Maritime and Admiralty Law, Éditions Yvon Blais, Quebec, Canada, 2002, p. 123. 67 “o contrato básico de aluguel de um navio pelo qual as mercadorias são transportadas pelo mar e as suas origens são mais antigas do que o conhecimento de embarque lading” (tradução livre). 68 ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 177.

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através do qual o fretador cede o navio ao afretador mediante o pagamento do frete.

Aludido contrato é representado pela Carta Partida.

Existem basicamente três tipos principais de contrato de fretamento (Carta

Partida): [1] fretamento a casco nu, que é a contratação de um navio inteiro sem o

capitão e a tripulação; [2] fretamento por tempo, que consiste na contratação dos

serviços de um navio com o capitão e tripulação por um período de tempo

determinado, e; [3] fretamento por viagem, que é a contratação dos serviços de um

navio com capitão e tripulação para uma viagem ou viagens determinadas.

A diferença entre os três tipos encontra-se bem afirmada por Martins:

O contrato de fretamento a casco nu se consubstancia no contrato pelo qual o fretador, se obriga a tornar disponível o navio, sem que este esteja armado ou equipado, ao afretador, mediante o pagamento de hire, pagável em intervalos determinados durante o período do contrato. Nesse tipo contratual, o navio é fretado desarmado.

No contrato de fretamento por tempo, o fretador se obriga a disponibilizar o navio armado, equipado e em condições de navegabilidade, à disposição do afretador, por tempo determinado, mediante hire geralmente calculado em dólares por tonelagem de porte bruto (TPB) e meses de operacionalização.

No contrato de fretamento por viagem, o fretador coloca determinado navio à disposição do afretador para a realização de uma ou mais viagens preestabelecidas. No fretamento por viagem, ambas as gestões – GN e GC – são de responsabilidade do fretador, que assume

consequentemente a posição jurídica de “armador-fretador”.69

A Lei n. 9.432/97,70 também traz definições para os aludidos contratos,

representados por Cartas Partida.

A legislação brasileira normatiza os contratos de fretamento em diversos

artigos do CCom.71

69 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 21. 70 Art. 2. Para os efeitos desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições: I - afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação; II - afretamento por tempo: contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado; III - afretamento por viagem: contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens; 71 Art. 566. O contrato de fretamento de qualquer embarcação, quer seja na sua totalidade ou em parte, para uma ou mais viagens, quer seja à carga, colheita ou prancha. O que tem lugar quando o capitão

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1.2.2.1. Da Carta Partida por Viagem e da cláusula laydays: a origem da sobre-

estadia

O contrato de fretamento por viagem (Carta Partida por Viagem) é

conhecido como o mais antigo tipo de contrato no transporte marítimo internacional e

que, na verdade, tem como objetivo a utilização da embarcação em uma (viagem

particular) ou mais viagens predeterminadas (consecutivas ou intermitentes).

A doutrina brasileira, conforme acima aventado, conceitua este contrato

como aquele através do qual o fretador dispõe o navio para realizar uma ou mais

viagens preestabelecidas, permanecendo com o fretador tanto a gestão náutica como

a gestão comercial.72

Na Inglaterra, país com estrutura jurídica baseada no common law, no qual

a lei é construída a partir da jurisprudência, a House of Lords, Suprema Corte de

Justiça Britânica, conceituou a Carta Partida por Viagem no caso The Hill Harmony,

citado em Tetley:

Under the voyage charter the owner or disponent owner is using the vessel to trade for his own account. He decides and controls how he will exploit the earning capacity of the vessel, what trades he will compete in, what cargos he will carry. He bears the full commercial risk and expense and enjoys the full benefit of the earnings of the vessel.73

74

Ao fazê-lo, o proprietário compromete-se com a(s) viagem(ns) por um

determinando montante fixo, o frete (hire). Considerando que ele é o único que suporta

o risco comercial e as despesas da viagem, o frete é calculado em função de vários

aspectos, como o tamanho da carga e os custos envoltos da viagem. E é por este

recebe carga de quanto se apresentam, deve provar-se por escrito. No primeiro caso o instrumento, que se chama carta-partida ou carta de fretamento, deve ser assinado pelo fretador e afretador, e por quaisquer outras pessoas que intervenham no contrato, do qual se dará a cada uma das partes um exemplar; e no segundo, o instrumento chama-se conhecimento, e basta ser assinado pelo capitão e o carregador. Entende-se por fretador o que dá, e por afretador o que toma a embarcação a frete. 72 A gestão náutica de um navio tange ao equipamento e à armação do navio, vai desde a manutenção do navio, com custos de reparos etc, ao seguro e ao pagamento dos salários da tripulação. A gestão comercial de um navio tange ao carregamento e descarregamento no navio, incluindo aqui as despesas de escalas e dos portos. 73 “Sob a carta partida por viagem o proprietário ou disponent owner está usando o navio para comercializar por sua própria conta. Ele decide e controla a forma como vai explorar a capacidade de ganho do navio, em quais mercados ele vai competir, e quais cargas irá transportar. Ele assume todo o risco comercial e despesa, e goza de todos os benefícios do lucro do navio” (tradução livre). 74 TETLEY, William; International Maritime and Admiralty Law; Quebec : Éditions Yvon Blais. 2002. p. 127.

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motivo que a carga deve ser conhecida antecipadamente pelo fretador, assim como o

método a ser utilizado para a estiva da mesma (embarque da carga no navio).

Explica Martins que, via de regra, o frete tem como base de cálculo a

tonelagem da carga, sendo comum ele ser fixado proporcionalmente à quantidade de

carga a ser transportada sob forma de um lumpsum, ou seja, um valor fixo para toda

a viagem.75

No frete está também embutido o laytime para carregar e descarregar a

carga, cobrindo a perda sofrida pelo fretador durante este tempo.

As Voyage Charter Party Laytime Interpretation Rules 1993 (Voylayrules

1993 – Regras de Interpretação para Carta Partida por Viagem de 1993)76 define

laytime como "the period of time agreed between the parties during which the owner

will make and keep the vessel available for loading or discharging without payment

additional to the freight”.77

Ou seja, o laytime, já computado no frete, é o período de tempo (em dias

ou horas) em que o navio ficará disponível no cais ao afretador para as operações de

carregamento e descarregamento de sua carga, sem que tenha que pagar nenhum

adicional por isso.

As doutrinas, tanto a brasileira78 como a inglesa, apontam que a cláusula

de laytime é uma das mais importantes neste tipo de Carta Partida. De acordo com

Wilson:

[...] one of the most important clauses in a voyage chaterparty is that which specifies the amount of time allowed for loading and unloading the cargo. The agreed ‘lay days’ are available free of charge to the

75 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 219 76 Voylayrules 1993 é um conjunto de definição de palavras e frases que são usados em carta partida por viagem padrão. É emitido em conjunto pela BIMCO, CMI, FONASBA e INTERCARGO e reflete a evolução da jurisprudência e da prática comercial em relação ao assunto. 77 “o período de tempo acordado entre as partes, durante o qual o proprietário vai deixar e manter o navio disponível para carregar e descarregar, sem pagamento adicional para o transporte de mercadorias” (tradução livre). 78 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 220.

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charterer, who is regarded as having paid for them in the freight.79 80

Martins faz distinção entre laytime e laydays, afirmando que “as estadias

podem ser contadas em dias (laydays) ou em períodos, geralmente designados em

horas (laytime).81 Ambos, contudo, retratam o tempo concedido ao afretador para

carregar e descarregar sua carga, já estando incluído no frete devido ao armador.

Havendo extrapolação do laytime pelo afretador, a ele é garantido finalizar

o carregamento ou o descarregamento do navio sem que este venha a zarpar,

mediante o pagamento ao fretador de uma compensação. Esta compensação pode

ser na forma de danos não liquidados (unliquidated damages) ou danos por detenção

(damages for detention), ou, ainda, danos acordados (liquidated damages), ao qual

fora atribuído o nome de demurrage, ou sobre-estadia.

As Regras de Interpretação para Carta Partida por Viagem - Voylayrules

1993, define demurrage como “an agreed amount payable to the owner in respect of

the delay of the vessel beyond the laytime, for which the owner is not responsible”.82

Em outras palavras, na Carta Partida por viagem é estabelecido um período

de tempo (laytime) em dias ou horas para o afretador carregar e descarregar sua

carga, estando este valor já incluso no frete. Todavia, necessitando o afretador de

mais tempo do que o laytime previsto, esse poderá finalizar as operações de carga ou

descarga, desde que pague ao fretador a demurrage correspondente, valor

computado também em dias ou horas.

O dicionário norte-americano American Black´s Law Dictionary define

demurrage por meio de dois tipos diferentes:

contract demurrage: Demurrage paid by a vessel´s charterer if the time to load or unload the vessel at port takes longer than that agreed on in the charterer´s contract with the shipowner.

79 […] uma das cláusulas mais importantes em uma carta partida por viagem é aquela que especifica a quantidade de tempo permitido para carga e descarga da mercadoria. Os laydays acordados estão disponíveis sem custo para o afretador, sendo considerado tê-los pago no frete (tradução livre). 80 WILSON, John Furness; Carriage of Goods by Sea, Seventh Edition. Harlow, England: Pearson Education Limited, 2010, p. 52. 81 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. Vol II. Barueri: Manole, 2008. p. 221. 82 "um montante acordado a pagar ao proprietário em relação ao atraso do navio além do laytime, pelo qual o proprietário não é o responsável" (tradução livre).

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noncontract demurrage. Demurrage not provided by contract, but ordered by a court. Also termed damages for detention.83 84

Assim, quando a Carta Partida, que é o contrato entre o fretador e o

afretador, fornece um valor líquido devido no caso de exceder o laytime, esse

montante é chamado de demurrage. No entanto, quando a Carta Partida é silente

quanto à demurrage, o afretador ainda terá o dever de indenizar o fretador em forma

de danos não liquidados (unliquidated damages), fixados pelo Poder Judiciário ou

arbitragem, e conhecido como danos por detenção (damages for detention), que nada

mais é do que uma indenização.

A House of Lords assim se posicionou ao julgar o caso Chandris vr.

Isbrandtsen-Molle Co Inc:

A demurrage clause is merely a clause providing for liquidated damages for certain type of breach. It is presumably the parties` estimate of the loss of prospective freight which the owner is likely to suffer if his ship is detained beyond the lay days. The demurrage rate in this case appears to have been a good deal lower than the freight market rate; and I suppose I need not shut my eyes to the fact that a sum produced by demurrage is generally less than damages for detention, which are presumably assessed by reference to the market rate or freight at the time of the breach. To this extent a demurrage clause may be in practice a concession to the charterer. But I am not, and I do not think I could be, invited to consider it as different in its nature from an ordinary liquidated damage clause.85 86

De fato, a previsão de demurrage na Carta Partida por Viagem, geralmente

feita em horas ou dias, deixa o afretador ciente de que, no caso das operações de

carregamento ou descarregamento não forem concluídas a tempo (dentro do laytime),

83 “Demurrage por contrato: Demurrage pago pelo afretador de um navio se o tempo para carregar ou descarregar o navio no porto leva mais tempo do que o acordado no contrato do afretador com o fretador. Demurrage não-contratual. Demurrage não prevista em contrato, mas ordenada por um tribunal. Também denominado danos por detenção” (tradução livre). 84 GARNER, Bryan A., and others; Black´s Law Dictionary. 9 Ed. St. Paul : West publishing Co. 2009. p. 498. 85 “A cláusula de demurrage é meramente uma cláusula de indenização para certo tipo de violação. É provavelmente a estimativa das partes de perda do frete prospectivo que o proprietário é suscetível de sofrer se o seu navio for detido além dos laydays. O valor de demurrage, neste caso, parece ter sido um bom negócio, inferior ao valor de mercado de frete; e eu suponho que eu não preciso fechar os olhos para o fato de que uma soma produzida pela demurrage é geralmente inferior a danos por detenção, que são presumivelmente avaliados por referência ao valor de mercado ou frete no momento da quebra. Nesta medida, a cláusula de demurrage pode ser, na prática, uma concessão para o afretador. Mas eu não sou, e eu não acho que eu poderia ser convidado a considerar como diferente em sua natureza de uma cláusula de prejuízos de liquidação ordinária” (tradução livre). 86 [1951] 1KB 240,249 apud Girvin, Stephen. Carriage of Goods by Sea. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 463.

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a ele será garantido concluir a operação mediante o pagamento da demurrage, o que,

na realidade, inibe o fretador de zarpar, considerando que, para ele, está reservado o

direito de obter uma indenização por este atraso.

Importante notar que, havendo disposição em contrato acerca da

indenização (compensação) a ser paga pelo afretador ao fretador do navio quando da

estrapolação do laytime, a esta cláusula dá-se a denominação de demurrage.

Contudo, caso a Carta Partida não disponha expressamente sobre esta

compensação, ao fretador ainda é garantido receber indenização (compensação) no

caso do afretador ultrapassar o laytime, e isso ocorrerá por meio de decisão judicial

ou de arbitragem, na qual, levando em consideração os valores de mercado, arbitra o

valor da indenização, chamado então de detention. Em ambos os casos a finalidade

é a mesma, compensar o fretador pelos possíveis danos sofridos com a não devolução

tempestiva do navio.

A doutrina brasileira também é assente quanto à demurrage não contratual,

ou seja, a detention, conforme dispõe Martins:

As hipóteses de sobreestadia ou contra-estadia podem amparar damages for detention a favor do fretador, ou seja, direito do armador-fretador à indenização por perdas e danos (lucros cessantes) decorrentes da detenção do navio.87

Ou seja, na Carta Partida por Viagem todos os riscos e responsabilidades,

ainda que decorrentes de atrasos, devem ser assumidos pelo fretador. A exceção

reside nas cláusulas de laytime e demurrage, que impõem ao afretador, causador da

demora, compensar o fretador pelo tempo perdido, seja na forma de disposta em

contrato (demurrage) ou por meio de perdas e danos (detention).

A legislação brasileira prevê no CCom disposições correlatas à demurrage

de navio, então denominada de sobreestadia ou sobre estadia, nos artigos 567, 591

a 595, dentre outros. Cita-se o artigo 567, que preconiza as disposições que

necessariamente devem estar previstas na Carta Partida, in verbis:

Art. 567 - A carta-partida deve enunciar: [...] 5 - o tempo da carga e descarga, portos de escala quando a haja, as

87 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 419.

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estadias e sobre estadias ou demoras, e a forma por que estas se hão de vencer e contar; 6 - o preço do frete, quanto há de pagar-se de primagem ou gratificação, e de estadias e sobre estadias, e a forma, tempo e lugar do pagamento;

E, apenas para complementar o estudo da cláusula de laydays, cumpre

mencionar a existência do despatch money na Carta Partida por Viagem. O despatch

money, é um prêmio pago pelo fretador ao afretador que for eficiente na operação do

navio de forma a garantir a devolução do mesmo antes mesmo do prazo estipulado

contratualmente.

As Voylayrules 1993 conceituam o despach money como “an agreed

amount payable by the owner is the vessel completes loading or discharging before

the laytime has expired”.88

Assim, o afretador que concluir as operações de carregamento e

descarregamento antes de expirado o laytime terá o direito de compensar, ao término

do contrato, o despach money adquirido por sua eficiência, reduzindo este valor do

frete a ser pago. Contudo, havendo estrapolação do laytime, ao término do contrato

será incluso ao frete a demurrage (ou detention) devida.

1.3. Sobre-estadia (demurrage) de contêiner

1.3.1. A conteinerização do transporte marítimo internacional de cargas

Historicamente, o contrato de fretamento (Carta Partida) de navio era o

mais utilizado. Com o passar dos anos e o desenvolvimento do comércio internacional,

o cenário mudou e a utilização de contratos de transporte marítimo, amparados por

BL, tornou-se o mais corriqueiro, haja vista a possibilidade de se transportar

mercadorias em menor quantidade.

É inconteste que desde o início das civilizações o mar sempre se destacou

como indispensável via de transporte. Com o decorrer dos anos, as funções de tráfico

marítimo – comércio, e tráfego marítimo – transporte, evidenciaram-se e delas

derivaram as atividades de exportação e importação atualmente muito utilizadas.

88 “um montante acordado a ser pago pelo proprietário do navio (fretador) se o navio completar o carregamento e o descarregamento antes de expirado o laytime” (tradução livre).

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Nos primórdios, ante a inexistência da eletricidade, guindastes e

empilhadeiras eram desconhecidos pelo ser humano. Assim, pela própria facilidade

de manuseio, o acondicionamento de mercadorias nos navios era feito por tonéis,

estes que, em decorrência do próprio formato oval, possibilitavam agilidade no

embarque e no desembarque dos navios, além de que, para a época, acondicionavam

perfeitamente todas as mercadorias que eram transportadas.

Ludovido explica que naquela época, os embarques eram feitos por meio

de pranchas colocadas entre o convés do navio e o ancoradouro, formando, assim,

planos inclinados onde os tonéis eram facilmente rolados, evitando ou contornando o

problema do processo de içamento praticado atualmente.89

Como o passar o tempo e o crescimento da indústria, novos mecanismos

para facilitar o comércio internacional e nacional começaram a surgir. Por volta dos

anos 50, a fim de fornecer uma unidade de carga que fosse adequada a todos os

modos de transporte (marítimo, ferroviário, rodoviário, aéreo), o Sr. Malcom Purcell

McLean, um empresário norte-americano do setor de transporte rodoviário, surgiu

com a ideia que derivou para o contêiner usado atualmente em todo o mundo.90

Versátil, o contêiner é uma unidade de carga que atende as necessidades

de todos os modos de transporte, e, na verdade, combina-os, desempenhando um

papel importante no transporte multimodal91 e no de carga consolidada.92

Ao referir-se à carga unitizada em contêiner, Girvin apontou que:

The movement of goods in a single container by means of more than one mode of transport has led to a revolutionary development in international and domestic trade. Indeed, the packing of a cargo or a series of different cargoes into a single modular box – a container – which can form a single lorry load, railways wagon load or to be transported by a ship or aircraft has dramatic economic consequences, including increasing the speed of transit, reducing handling cost, and giving increased protection to the goods being transported since, in theory at least, the container can be transferred between different modes of transport in a single operation. In just a few decades, containers have become the principal form of general cargo transport and in the 2004 trading year some 1.94 billion tonnes of cargo were

89 LUDOVICO, Nelson. Logística de transportes internacionais. São Paulo: Saraiva, 2010. 3v. p. 54. 90 COELHO, Wagner Antonio; Contêiner: aspectos históricos e jurídicos. Univali : Itajaí. 2011. 91 Transporte Multimodal é a combinação de dois ou mais meios de transporte, como o transporte aéreo, rodoviário, ferroviário e marítimo. 92 Carga consolidada, ou consolidação, é o agrupamento de vários lotes em um único contêiner.

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shipped in containers.93 94

Logo, por volta dos anos 50 e 60, o contêiner passou a ser utilizado

mundialmente para o acondicionamento de carga para o transporte dos mais diversos

modos de transporte, inclusive o marítimo, facilitando as operações de carga e

descarga de navios e propiciando uma unitização de mercadorias.

Sobre a conteinerização, Rebello esclarece que:

A conteinerização se caracteriza pelo transporte de vários tipos de cargas uniformes ou não, estufada dentro de um contêiner e revolucionou o mundo dos transportes, principalmente o marítimo e possibilitou transformações, por meio da institucionalização, adoção de regras específicas, procedimentos e padronização das operações.95

Ainda de acordo com Rebello,96 existem aproximadamente 6.000 navios

transportando contêineres no mundo, com uma capacidade de tonelagem de

230.428.076, sendo responsável pelo transporte de 60% dos bens do comércio

internacional.

Paralelamente à conteinerização, que se expandiu rapidamente durante os

anos 60, o Direito Marítimo internacional também desenvolveu certas regulações que,

aplicáveis inicialmente apenas aos navios, passaram a ser também aplicáveis aos

contêineres em todo o mundo. Uma destas regulações inicialmente aplicáveis apenas

aos navios é a própria demurrage, ou sobre-estadia, conforme se verá a seguir.

93 “A circulação de produtos em um único recipiente, por meio de mais de um modo de transporte, levou a um desenvolvimento revolucionário no comércio internacional e nacional. Na verdade, o acondicionamento de uma carga ou uma série de diferentes cargas em uma única caixa modular - um contêiner - que pode formar uma carroceria de camião, um vagão de trem ou ser transportado por um navio ou aeronave tem consequências económicas dramáticas, incluindo o aumento da velocidade do trânsito, reduzindo o custo com manuseio e dando maior proteção para as mercadorias transportadas, já que, pelo menos em teoria, o contêiner pode ser transferido entre diferentes modos de transporte em uma única operação. Em apenas algumas décadas, os contêineres se tornaram o principal meio de transporte de cargas em geral, e no ano de 2004 o comércio anual somou 1,94 bilhão de toneladas de carga foram transportadas em contêineres” (tradução livre). 94 GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods by Sea. Oxford: Oxford University Press. 2007. p. 6. 95 REBELLO, Hilda Maria de Sousa. O nível de internacionalização das empresas da container shipping industry com atuação no Brasil: uma análise sobre a estratégia competitiva. Dissertação de Mestrado em Logística. Itajaí: Univali. 2015. p. 21. 96 REBELLO, Hilda Maria de Sousa. O nível de internacionalização das empresas da container shipping industry com atuação no Brasil: uma análise sobre a estratégia competitiva. Dissertação de Mestrado em Logística. Itajaí: Univali. 2015. p. 22.

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1.3.2 Aplicação da demurrage ao contêiner – sobre-estadia de unidade de carga

A demurrage ou sobre-estadia de contêineres integralizou as operações de

transporte de mercadorias em todo o mundo simultaneamente ao período de

conteinerização no século XX. Para fins comerciais, era entendido que o fornecimento

de uma unidade de carga (contêiner) para o transporte tinha a mesma natureza do

fornecimento de uma embarcação em uma Carta Partida por Viagem.

Conforme aponta Martins, “a demurrage de contêineres deriva geralmente

do contrato de transporte marítimo que envolve o embarcador, transportador marítimo

e destinatário instrumentalizado pelo BL”.97

Tudo se inicia quando, ao contratar o transporte de determinada carga com

um transportador (contrato de transporte – BL), é disponibilizado ao seu contratante

um contêiner (já incluso no preço do frete), permitindo que este unitize sua carga de

forma a estar apta para o transporte.98

Assim, em um contrato de transporte evidenciado por um BL, em que a

carga é armazenada em um contêiner fornecido pelo transportador,99 será ofertado

um prazo livre de utilização da unidade, que não inclui o transit time,100 como o laytime

na Carta Partida por Viagem. No caso do contêiner, este prazo livre é denominado de

free time.101

O free time, estipulado em dias, consiste no lapso temporal livre de

cobrança concedido ao embarcador e ao destinatário para que se utilizem do

contêiner para ovação102 e desova.103 Assim como o laytime na Carta Partida por

Viagem, o free time se aplica tanto no carregamento do contêiner no navio quanto no

97 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 536. 98 Exceto se carga não conteinerizada. 99 Destaca-se a possibilidade do embarcador ou consignatário já possuírem contêineres. Nestes casos, a unidade utilizada é a do próprio contratante, e não fornecida pelo transportador, sendo inaplicável a sobre-estadia. 100 O transit time, ou tempo de trânsito, é o período que determinado navio demora para percorrer determinado percurso, ou seja, é o período de tempo em que o contêiner estará dentro do navio em trânsito. 101 “tempo livre” (tradução livre). 102 Ovação consiste no ato de acondicionamento da carga dentro do contêiner, também denominado de estufagem ou unitização. 103 Desova consiste no ato de esvaziamento do contêiner, ou seja, a retirada da carga do contêiner, também denominado desunitização.

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descarregamento do mesmo. Ou seja, há free time na importação (descarregamento)

e na exportação (carregamento).

Na exportação (carregamento), o free time é concedido ao embarcador do

contêiner possibilitando a este um período de tempo livre de cobrança para que se

possa buscar o contêiner vazio no terminal, leva-lo para ser estufado com a carga e,

em seguida, entregue no terminal pronto para ser embarcado. Assim, no

carregamento, a contagem do free time se inicia quando o contêiner é colocado à

disposição do embarcador, se encerrando apenas quando a unidade é entregue no

terminal pronta para o embarque.

Na importação (descarregamento), o free time é o tempo concedido livre

de cobrança para que o destinatário da carga possa buscar o contêiner no terminal,

leva-lo aos aposentos da empresa ou ao local de destino da carga, fazer a desova e,

em seguida, devolver o contêiner vazio e limpo no terminal designado pelo

transportador. Assim, no descarregamento, a contagem do free time se inicia quando

do descarregamento do contêiner do navio, momento no qual o contêiner está

disponível ao consignatário, encerrando sua contagem apenas quando a unidade é

devolvida vazia e limpa pelo usuário.

A sobre-estadia do contêiner consiste, então, no trespasse do free time,

sendo aplicada comercialmente tanto nas operações de carga (exportação) quanto na

descarga (importação). Martins, tratando sobre a temática, afirmou que “denomina-se

free time o prazo de isenção de demurrage”.104

Supondo que o embarcador, após coletar o contêiner para ovação, não o

entregue no terminal pronto para embarque dentro do free time, é então cobrada a

sobre-estadia do contêiner. Igualmente, caso o destinatário, após retirar o contêiner

com sua carga do terminal deixe de devolvê-lo vazio e limpo antes de encerrado o

free time, também será cobrada a sobre-estadia do contêiner.

Desta forma, atrasos na coleta ou entrega dos contêineres em um

transporte marítimo internacional amparado por um BL podem gerar despesas com

sobre-estadia de contêiner quando ultrapassado o free time previamente acordado.

104 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 536.

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Os valores da sobre-estadia de contêiner são determinados em dólares norte-

americanos e calculados por dia.

É notável atualmente na prática dos operadores do comércio exterior que

comercialmente é utilizada a expressão detention quando há sobre-estadia no

carregamento (exportação), utilizando-se a palavra demurrage quando há sobre-

estadia no descarregamento (importação), em nível internacional. Conforme visto

alhures quando da abordagem da demurrage de navio, no contrato de fretamento a

detention se refere à indenização pelo trespasse do laytime na forma de perdas e

danos, utilizando-se a palavra demurrage apenas para a compensação já expressa

em contrato, ou seja, danos liquidados.

De todo modo, no caso da sobre-estadia de contêiner, o fato de

comercialmente ser utilizado a palavra detention para sobre-estadia no carregamento

(Export Detention) e demurrage para sobre-estadia no descarregamento (Import

Demurrage) não descaracteriza o instituto, referindo-se ambos os casos ao trespasse

do free time concedido pelo uso do contêiner, ou seja, pura sobre-estadia.

Esta diferença de nomenclatura é utilizada internacionalmente, conforme

se evidencia pela prática das empresas Mitsui O.S.K. Lines (MOL),105 Hamburg-

Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft (HamburgSud),106 Hapag-

Lloyd Pte Ltd. (Hapag-Lloyd),107 Maersk Line (Maersk)108 e Cosco International Ltd.

(Cosco).109

Ilustrando o acima aventado e a prática existente, cita-se o que consta no

sítio eletrônico da empresa MOL acerca da sobre-estadia no carregamento, ou seja,

detention na exportação:

ATENÇÃO: A partir de 1º. de janeiro de 2015 o Free time padrão será de15 dias a contar da data de retirada do container vazio até a data do efetivo embarque. Portanto, a cobrança se dará do 16º. dia em diante (não retroativo), conforme tabela vigente. A nova regra também aplica-se para containers retirados e NÃO

105 MOL (Brasil) Ltda. Disponível em <http://www.mitsuiosk.com.br>. Acesso em: 10 out. 2015. 106 HamburgSud Liner Services. Disponível em: <http://www.hamburgsud-line.com>. Acesso em: 10 nov. 2015. 107 HapagLloyd. Disponível em: <https://www.hapag-lloyd.com>. Acesso em: 10 nov. 2015. 108 Maersk Line. Disponível em: <http://www.maerskline.com>. Acesso em: 10 nov. 2015. 109 Cosco Container Lines. Disponível em: <http://www.cosco.com.br>. Acesso em: 10 nov. 2015.

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embarcados.110

De mesmo modo, assim consta na documentação disponível

eletronicamente no sítio da mencionada empresa, acerca da sobre-estadia no

descarregamento, ou seja, demurrage na importação:

Concordamos, ainda, que a contagem relativa ao “período livre” (free time), inicia-se na data de descarga dos contêineres do navio no porto brasileiro de descarga indicado no B/L, independentemente de sábados, domingos ou feriados, quando passará a incidir a tarifa diária de sobreestadia, cuja contagem dos dias em sobreestadia findará somente com a devolução dos mesmos, devidamente, desovados, limpos e livres de avarias, no Terminal indicado pelo Armador e/ou seus agentes locais, bem como após cumpridos todos os

compromissos mencionados neste “TERMO”.111

Não se deve confundir demurrage de navio com a demurrage de

contêineres, aqui tratada simplesmente como sobre-estadia. Muito embora esta derive

daquela, há diferenças entre os institutos, que nem sempre recebem a mesma

nomenclatura. Há países, inclusive, que não se referem à sobre-estadia de contêiner

com a palavra demurrage, mas sim puramente container detention ou container

laydays. No ordenamento jurídico brasileiro, contudo, a sobre-estadia, ou demurrage,

refere-se tanto ao contêiner quanto ao navio, porquanto que decorrentes de um

mesmo fator, qual seja o trespasse do tempo livre, seja ele intitulado de free time ou

laydays (laytime).

Para Martins "a demurrage de contêiner é devida pela retenção da unidade

de carga depois de expirado o prazo para devolução e isenção – free time – fixado

contratualmente".112

Logo, a sobre-estadia de contêiner é devida quando a unidade de carga for

mantida por um período de tempo superior ao free time. Pode ocorrer tanto na

estufagem do contêiner e entrega deste pronto para o transporte (carregamento),

quanto na chegada do contêiner ao porto de destino para desova (descarregamento).

Ou seja, tanto na importação quanto na exportação, havendo o trespasse do free time,

110 MOL (Brasil) Ltda. Disponível em: <http://www.mitsuiosk.com.br/taxas_detention.php>. Acesso em: 10 nov. 2015. 111 MOL (Brasil) Ltda. Disponível em: <http://www.mitsuiosk.com.br/taxas_detention.php>. Acesso em: 10 nov. 2015. 112 MARTINS, Eliane Maria Octaviano; Curso de Direito Marítimo. Volume II, 1. Ed. Barueri : Manole, 208. p. 349.

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haverá a incidência da sobre-estadia.

1.3.3 Sobre-estadia de contêiner no Brasil – aplicação jurídica

Uma definição de contêiner foi dada na legislação brasileira em 1975 pela

Lei n. 6.288/75, a qual tratou do uso, manuseio e transporte, incluindo o transporte

intermodal, de mercadorias em unidades de carga. O conceito era de que o recipiente,

para todos os efeitos legais, não constituía embalagem das mercadorias, sendo

considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador.113

Em 1998 a referida lei foi revogada pela Lei n. 9.611/98, que trata do

Transporte Multimodal.114 Esta lei, muito embora tenha revogado a Lei n. 6.288/75,

manteve uma abordagem semelhante no tocante ao contêiner, considerando-o como

uma unidade de carga, parte do todo, e não embalagem da carga.115

Assim, o contêiner, instrumento facilitador do transporte, principalmente do

multimodal e daquele de carga consolidada, era e é considerado juridicamente como

parte do veículo que o transporta.

Nesta sistemática, com base na demurrage de navio em uma Carta Partida

por Viagem, a sobre-estadia passou então a ser cobrada dos usuários dos

contêineres, tanto na importação como na exportação, fazendo-se inserir,

consequentemente, nos usos e costumes do transporte marítimo internacional,

consolidando-se na lex maritima como instituto inerente ao transporte marítimo de

carga conteinerizada amparado por um BL.

E foi com base especialmente na lex maritima que a sobre-estadia de

contêiner passou a ser cobrada judicialmente perante os tribunais brasileiros. De início

se viu uma grande dificuldade em julgar casos sobre esta temática, haja vista a

completa ausência de legislação positivando esta cobrança. Com o passar do tempo,

muito embora o sistema brasileiro seja integralmente civilista, mesmo diante da

113 Lei n. 6.288/1975. Art. 3. O container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador. 114 Lei do Transporte Multimodal. Em vigor. 115 Lei n. 9.611/1998. Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso. Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo.

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ausência de lei sobre a sobre-estadia de contêiner, esta passou a ser aceita

judicialmente como uma cobrança lícita, amparada nos usos e costumes do Direito

Marítimo e na analogia à demurrage de navio da Carta Partida por Viagem, que dispõe

de legislação (CCom).

Após inúmeras ações judiciais tratando da sobre-estadia de contêiner, e

considerando o que a legislação prevê acerca desta unidade de carga, o Superior

Tribunal de Justiça assim decidiu:

De clareza meridiana, portanto, o conceito legal de que o contêiner é um instrumento que facilita o transporte de mercadoria, uma unidade de carga, que permite a qualquer meio de transporte sua utilização, uma vez que adere ao veículo transportador, podendo ser ou não de sua propriedade. Ora, se adere ao veículo transportador, e se o acessório segue o principal, a disciplina jurídica aplicável ao navio lhe é também aplicável, por analogia.116

Dessa forma, tem-se que a demurrage, originalmente criada para ser

aplicada às operações de carga e descarga na Carta Partida por Viagem, com origem

na cláusula laydays, é também aplicada aos contêineres individualmente, com base

na analogia à demurrage de navio (prevista no Código Comercial) e nos usos e

costumes do mar, principais argumentos dos tribunais para o reconhecimento da

sobre-estadia de contêineres no Brasil.117

A sobre-estadia de contêiner, assim como a maioria das regulações do

Direito Marítimo, tiveram sua origem na ousadia e originalidade do Direito Marítimo,

principais características desta ciência autônoma. O instituto nasceu da prática

116 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 678.100 - SP (2004/0092800-4). Ministro Relator Castro Filho. Julgado em 04/08/2005. Disponível:<www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 117 TRANSPORTE MARÍTIMO. CONTÊINERES. ACESSÓRIO OU EQUIPAMENTO DO NAVIO. ATRASO NA DEVOLUÇÃO. TAXA DE SOBRE-ESTADIA. 1 - O ORDENAMENTO POSITIVO QUE REGULA O TRANSPORTE DE MERCADORIAS, TANTO NA LEI ANTERIOR COMO NA ATUAL (ART. 3.º DA LEI N.º 6.288/75 E ART. 24 DA LEI N.º 9.611/98), DISPÕE QUE O CONTAINER NÃO É CONSIDERADO EMBALAGEM, MAS EQUIPAMENTO OU ACESSÓRIO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. 2 - ASSIM DISPONDO, O ORDENAMENTO POSITIVO NÃO DISTINGUE O CONTAINER DO VEÍCULO TRANSPORTADOR E OS TRATA COMO UMA UNIDADE PARA OS EFEITOS LEGAIS. 3 - ESSA CIRCUNSTÂNCIA INDICA QUE O USO DO CONTAINER INTEGRA O PRÓPRIO CONTRATO DE TRANSPORTE E, COMO CONSEQUÊNCIA, REGE-SE PELAS MESMAS DISPOSIÇÕES LEGAIS, INCLUSIVE AS RELATIVAS À PRESCRIÇÃO. 4 - NESTE ASPECTO, O ATRASO NA DEVOLUÇÃO DO CONTAINER ATRIBUI AO TRANSPORTADOR O DIREITO DE COBRAR PELA SOBRE-ESTADIA — EM SUA FORMA MODERNA, PORQUE É PARTE DO NAVIO QUE PERMANECE NO PORTO — QUE PRESCREVE EM UM ANO (ART. 449, § 3.º DO CÓDIGO COMERCIAL) CONTADO DO DESEMBARQUE DAS MERCADORIAS. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. AC n. 1999.001.21387. Desembargador Relator Milton Fernandes de Souza. Julgado em 02.10.2000. Disponível:<www.tjrj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015).

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comercial no âmbito do transporte internacional e consolidou-se nos usos e costumes

do mar, integralizando-se na lex marítima. E por estas razões é que a sobre-estadia

de contêiner passou a ser aceita judicialmente, sendo aplicada legalmente com base

na analogia à demurrage de navio, prevista no Código Comercial.

É importante mencionar que a sobre-estadia de contêiner é cobrada

comercial e judicialmente em todo o território nacional mesmo inexistindo norma

positivando esta cobrança. Ou seja, sua licitude derivou do desenvolvimento dos

julgados brasileiros, que, como explicado, reconhecem este instituto como parte da

lex maritima, utilizando-se da analogia para resguardar esta prática.

Neste diapasão, lembra-se que o costume tem força de lei tanto no

Ordenamento Brasileiro quanto no Direito Comparado, pois se trata de regra não

escrita, que se introduziu pelo uso com o consentimento tácito de todas as pessoas

que admitiram sua força como norma a seguir na prática de determinados atos.

O próprio art. 4º da LINDB118 preleciona que o costume é uma fonte

subsidiária ao julgador, o qual deve ser aplicado em caso de omissão de lei, como no

caso da sobre-estadia de contêiner.

A jurisprudência pátria tem reconhecido a incorporação da sobre-estadia

aos usos e costumes do transporte marítimo, o que significa dizer, ao rigor desse

entendimento, que a licitude de sua cobrança não mais depende unicamente de

expressa previsão legal, muito embora esta seja indispensável para garantir

segurança jurídica.

Em 5 de agosto de 2015, iniciando a quebra de silêncio normativo (lacuna

regulatória) acerca da sobre-estadia de contêiner, a Antaq aprovou em audiência

pública a Resolução n. 4.271/2015, tratando singelamente da sobre-estadia de

contêineres. Esta Resolução teve como objetivo regular os direitos e deveres dos

usuários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio

portuário, cabotagem e longo curso, estabelecendo infrações administrativas.

A Antaq, criada pela Lei n. 10.233/2001, é uma agência reguladora

118 Art. 4o. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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vinculada à Secretaria Especial de Portos, e integrante da Administração Federal

indireta, submetida ao regime autárquico especial. Muito embora seja do Poder

Legislativo a função normativa primária, para o exercício das atividades da Antaq lhe

é concedido amplo poder regulamentar.

Tal atribuição possibilita à Antaq a edição de Resoluções (função normativa

secundária) à medida em que verifica abusos pelo prestador de serviço ou em

desequilíbrio com o mercado, afetando a concorrência e prejudicando os usuários

daquele serviço público ou de interesse público, tal qual no serviço de transporte

aquaviário, que deve ser explorado mediante outorga de autorização (arts. 21, XII, d,

da CF e art. 731 do CC). E é justamente este o caso da Resolução n. 4.271/2015, que

é a primeira norma brasileira a tratar da sobre-estadia de contêiner,119 embora ainda

não esteja em vigor.

Dentre as disposições trazidas pela Resolução n. 4.271/2015, cita-se das

definições elencadas no artigo 2º.:

IX - livre estadia do contêiner (free time): prazo acordado, livre de cobrança, para o uso do contêiner, conforme o contrato de transporte, conhecimento de embarque ou termo de responsabilidade;

X - sobre-estadia de contêiner (detention/demurrage): valor pago pelo usuário ao transportador marítimo, quando o contêiner permanece em seu poder por prazo superior ao acordado;

Frisa-se que a sobre-estadia de contêiner é reconhecida pela

jurisprudência como uma cobrança legítima tendo em vista sua consolidação na lex

maritima e a analogia à demurrage de navio, porquanto que o contêiner é considerado

pela legislação como parte do veículo transportador. Não há, ainda, legislação

nacional que normatize este instituto.

Feito este introito à temática, passa-se a abordagem dos quatro elementos

determinantes da sobre-estadia de contêiner no Direito Inglês e no Direito Brasileiro,

destacando-se os princípios basilares da regra em ambos ordenamentos.

119 Importante frisar que Resolução n. 4.271/2015, muito embora aprovada em ausência pública, não foi ainda publicada no Diário Oficial da União, o que não a torna lei.

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CAPÍTULO 2

ELEMENTOS DETERMINANTES DA SOBRE-ESTADIA DE

CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL

Com enfoque nos elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner,

o presente Capítulo 2 tem como objetivo analisar individualmente cada um dos

elementos na atual prática de ambos ordenamentos jurídicos, inglês e brasileiro, etapa

indispensável ao objetivo geral do estudo, que consiste na redução da insegurança

jurídica deste instituto no Brasil.

A escolha pelo Direito Inglês se justifica na especialização e tradição do

país em Direito Marítimo, bem como porquê, regido pelo common law, as regras são

ditadas pela jurisprudência, que consagra princípios norteadores do Direito de forma

eficaz à prática comercial. Faz-se referência aqui à importância da House of Lords no

Direito Marítimo, que, como Suprema Corte do país, consagrou diversos princípios

que regem a maioria das matérias atinentes ao Direito Marítimo, em nível

internacional. Nesta seara, cita-se o recente julgado MSC Mediterranean Shipping

Company S.A. vr. Cottonex Anstalt proferido pela House of Lords em fevereiro de

2015, através do qual houve minuciosa análise dos elementos determinantes da

sobre-estadia de contêiner, circunstância inédita haja vista a contemporaneidade da

matéria.

Como elementos determinantes à pesquisa que visa a redução da

insegurança jurídica, elencou-se: (i) a natureza jurídica e conceito; (ii) a

previsibilidade; (iii) a modicidade do preço e; (iv) a legitimidade (ativa e passiva).

Desta forma, a Parte 1 do Capítulo 2 tratará dos elementos determinantes

da sobre-estadia de contêiner perante o Direito Inglês, permitindo a utilização do

Direito Comparado como método de pesquisa. Na Parte 2 serão abordados os

elementos determinantes na prática atual do Brasil, o que evidenciará a insegurança

jurídica que se almeja reduzir.

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2.1. Elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner – uma perspectiva

inglesa

2.1.1. Conceito e natureza jurídica

A sobre-estadia de contêiner na Inglaterra é denominada pura e

simplesmente como demurrage, palavra que deriva do francês - demeurer, e significa

permanecer, ficar.120 Em sua origem, como dito, a demurrage compreende um dos

aspectos do Direito Marítimo relacionados à Carta Partida por Viagem e é diretamente

conexa à perda de tempo.

Para ser compreendida a natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner

na perspectiva inglesa, é necessário, num primeiro momento, analisar os aspectos

atinentes à demurrage de navio na Carta Partida por Viagem, para então poder

classificar a natureza deste instituto no Direito Inglês. De fato, em essência, tanto a

demurrage de navios quanto a sobre-estadia de contêineres têm o mesmo princípio,

qual seja a perda de tempo, o trespasse do tempo acordado.

O Direito Inglês é fundamentalmente jurisprudencial, porquanto que

baseado no common law, no qual o direito evolui pela jurisprudência, principal fonte

normativa. É na jurisprudência – case law – que estão sedimentados os mais valiosos

princípios do Direito Inglês, sendo esta a fonte de análise para o presente estudo.

Os principais casos - leading cases - quanto à demurrage de navio na

Inglaterra, considerados como authorities – autoridades – são os cases Aktieselskabet

Reidar vr. Arcos Ltd [1927] e Dias Cia Naviera SA vr. Louis Dreyfus Corp [1978]. Neste

último, fora conceituada a demurrage de navio como:

If laytime ends before the charterer has completed the discharging operation he breaks his contract. The breach is a continuing one; it goes on until discharge is completed and the ship is once more available to the shipowner to use for other voyages. But unless the delay in what is often, though incorrectly, called redelivery of the ship to the shipowner is so prolonged as to amount to a frustration of the adventure, the breach by the charterer sounds in damages only. The charterer remains entitled to continue to complete the discharge of the cargo, while remaining liable in damages for the loss sustained by the shipowner during the period for which he is being wrongfully deprived of the opportunity of making profitable use of his ship. It is the almost

120 TIBERG, Hugo. The law of demurrage. 4 Ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1995. p. 1.

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invariable practice nowadays for these damages to be fixed by the charterparty at a liquidated sum per day and pro rata for part of a day (demurrage) which accrues throughout the period of time for which the breach continues.121 122

Percebe-se que a demurrage é denominada como a cláusula constante na

Carta Partida por Viagem, a qual estabelece um montante líquido, já previamente

fixado, pelas possíveis perdas causadas ao fretador em decorrência da privação de

seu navio pelo afretador. A demurrage é claramente vista como uma cláusula aplicável

em caso de quebra contratual, sendo aplicada enquanto perdurar a violação, de forma

a ressarcir o fretador pelos possíveis danos causados.

O mesmo posicionamento foi lançado pela House of Lords no leading case

President of India vr. Lips Maritime Corp; The Lips [1987]. Neste caso o julgado foi

mais a fundo, tratando não apenas do que é a demurrage, mas também sobre o que

não é demurrage. In verbis:

It is essential to the decision of that question to have in mind the legal nature of demurrage: both what it is and what it is not. I deal first with what demurrage is not. It is not money payable by a charterer as the consideration for the exercise by him of a right to detain a chartered ship beyond the stipulated lay days. If demurrage were that, it would be a liability sounding in debt. I deal next with what demurrage is. It is a liability in damages to which a charterer becomes subject because, by detaining the chartered ship beyond the stipulated lay days, he is in breach of his contract.123 124

A demurrage, portanto, constitui-se numa indenização pré-fixada

contratualmente devida por aquele que violou o contrato. A violação, neste caso, é a

121 “Se laytime termina antes do afretador concluir a operação de descarregamento, ele quebra o contrato. A violação é contínua; ela vai até o descarregamento ser concluído e o navio estar novamente disponível ao fretador para seguir outras viagens. Mas, a menos que o atraso seja frequente, embora incorreto, chamar pela devolução do navio ao fretador é tão prolongado quanto o montante pela frustação da expedição, a quebra contratual soa apenas perdas e danos. O afretador permanece no direito de concluir o descarregamento de sua carga, mantendo-se responsável por danos causados por prejuízos sofridos pelo fretador durante o período para o qual ele está sendo injustamente privado de fazer uso rentável de seu navio. É a prática quase invariável hoje em dia que esses danos estejam fixados pela Carta Partida como um valor líquido por dia ou pro rata por parte do dia (demurrage), o que se acumula ao longo do período de tempo em que a quebra contratual continua” (tradução livre). 122 Dias Compania Naviera SA v Louis Dreyfus [1978] 1 WLR 261, 263-4. 123 “É essencial para a decisão desta questão ter em mente a natureza jurídica da demurrage: tanto o que é, e o que não é. Eu lido primeiro com o que demurrage não é. Não é o dinheiro pago por um afretador em contrapartida pelo seu exercício do direito de deter o navio fretado além do laydays estipulado. Se demurrage fosse isso, seria uma responsabilidade parecendo uma dívida. Em seguida, eu lido com o que demurrage é. É uma responsabilidade por danos para o qual o afretador está sujeito porque, por deter o navio fretado além do laydays estipulado, ele quebra o contrato” (tradução livre e grifos do autor). 124 President of India v Lips Maritime Corporation (The "Lips") [1987] 2 Lloyd's Rep 311 - 315.

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detenção do navio por período superior ao laytime fixado contratualmente. Note-se

que o julgado é claro em enfatizar que a demurrage não se constitui em uma

contrapartida pelo exercício do direito de reter o navio. A retenção do navio é tida

claramente como violação contratual, e a demurrage, consequentemente, o valor

fixado para ressarcimento dos danos decorrentes desta retenção. E o julgado conclui:

Most, if not all, voyage charters contain a demurrage clause, which prescribes a daily rate at which the damages for such detention are to be quantified. The effect of such a claim is to liquidate the damages payable: it does not alter the nature of the charterer's liability, which is and remains a liability for damages, albeit liquidated damages.

In the absence of any provision to the contrary in the charter the charterer's liabilityfor demurrage accrues de die in diem from the moment when, after the lay days have expired, the detention of the ship by him begins.125 126

O fato de conter a cláusula de demurrage na Carta Partida prevendo

valores fixos por dia (ou pro rata diem) não retira a natureza jurídica do instituto, que

é a responsabilidade do afretador de indenizar o fretador por danos ocorridos pela

retenção do navio fretado. A cláusula de demurrage, portanto, é um facilitador da

liquidação da indenização, ao passo que já fornece um valor fixo a ser computado.

Com esta análise, faz-se inequívoca a natureza jurídica indenizatória da

demurrage na Carta Partida por Viagem, porquanto é esta a denominação dada, no

Direito Inglês, a uma cláusula que determina um valor fixo a ser pago pelo afretador

ao fretador por quebra contratual, consubstanciada no trespasso do laytime, ou seja,

na retenção do navio por prazo superior àquele concedido. Conforme apontou o

doutrinador inglês Budgen, “demurrage is a form of liquidated damages, namely

liquidated damages for actionable delay”.127 128

Budgen aborda que os liquidated damages, aqui traduzidos como danos

125 “A maioria, se não todas as Cartas-Partidas por Viagem, contém a cláusula de demurrage, que prevê um preço diário para quantificação dos danos pela detenção. O efeito desta cobrança é a liquidação dos danos devidos: isso não altera a natureza da responsabilidade do afretador, que se mantém responsável por danos, em forma de danos liquidados. Na ausência de qualquer disposição em contrário na Carta- Partida, o afretador é responsável pela demurrage acumulada de die in diem (dia a dia) desde o momento quando, após o laydays tenha expirado, a detenção do navio por ele começou. (tradução livre e grifos do autor). 126 President of India v Lips Maritime Corporation (The "Lips") [1987] 2 Lloyd's Rep 311 - 315. 127 “Demurrage é uma forma de danos liquidados (indenização), ou seja, danos liquidados por um atraso contestável” (tradução livre). 128 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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liquidados ou indenização pré-fixada, no que tange à demurrage, criam um elemento

de certeza. Este elemento se traduz na segurança jurídica, especialmente nos casos

em que a perda efetiva, a valoração, o nexo causal, o afastamento e a mitigação

precisam ser abordados.129

Esta seria a situação no caso de arguição de uma ação por perdas e danos

(ação indenizatória) genérica na Carta Partida (damages for detention), onde seria, na

maioria dos casos, fatalmente inviável, para não dizer impossível, aferir-se o exato

dano do fretador no caso de retenção do navio. No contexto do transporte marítimo

internacional, tempo é dinheiro, e a demurrage é um instituto particular da Carta

Partida por Viagem onde o afretador concorda em pagar um valor fixo de indenização

ao fretador se ele, ou por sua causa, houver atrasos nas operações de carregamento

e descarregamento além do prazo acordado.130

Na Inglaterra é igualmente utilizada a palavra demurrage para tratar da

sobre-estadia de contêiner. O British Dictionary of Shipping Terms (Dicionário Britânico

de Termos do Transporte) conceitua o instituto como sendo “scheduled charge

payable by a shipper or receiver to a shipping line for detaining equipment at a

container yard beyond the time allowed”.131 132

Recentemente,133 a High Court of Justice de Londres, na Inglaterra, proferiu

julgamento em um caso de cobrança de sobre-estadias de 35 contêineres que

permaneceram por diversos meses no porto de destino, em Bangladesh, sem que o

consignatário (importador) fosse coletá-los. Trata-se do case MSC Mediterranean

Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015], onde o transportador, MSC,

acionou judicialmente o shipper (embarcador), objetivando a cobrança da sobre-

estadia desses contêineres.

Devido à existência de pouca jurisprudência sobre a temática (sobre-

estadia de contêiner), este julgado certamente se tornará um leading case, porquanto

129 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015. 130 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015. 131 “preço programado a pagar por um embarcador ou destinatário para uma transportadora marítima por deter o equipamento em um pátio para contêineres além do prazo previsto” (tradução livre). 132 BRODIE, Peter R., Dictionary of Shipping Terms, 4 Ed. London : LLP Limited. p. 83. 133 12 de fevereiro de 2015.

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que diversos princípios que regem esta matéria foram por ele ratificados.

Sobre a natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner, o referido julgado

inicia afirmando que, assim como o transporte de carga conteinerizada, a sobre-

estadia de contêiner é um instituto relativamente moderno. Assegurando haver

carência de julgados sobre o instituto, o julgado aborda a natureza jurídica da sobre-

estadia de contêiner, tal como sustentado no Capítulo 1, fazendo uma analogia à

demurrage na Carta Partida por Viagem:

Subject to a question about whether the sum payable is a penalty which I will come to at the end of this judgment, I think it clear by analogy that clause 14.8 of the bills of lading is similarly a liquidated damages clause. Its effect is to liquidate the damages payable for breach of contract if the Merchant fails to return a container to the Carrier within the agreed period of "free time" (equivalent to laytime in a voyage charter). As with demurrage payable under a voyage charter, the clause prescribes a daily rate at which the damages for detention of the container are to be quantified.134 135

Com base nesse julgado, o entendimento moderno inglês é, portanto, que

a sobre-estadia de contêiner possui natureza jurídica similar à demurrage na Carta

Partida, ou seja, de cláusula indenizatória que prevê um valor fixo para danos – danos

liquidados. Conforme dispõe o mencionado julgado, a cláusula que prevê a sobre-

estadia de contêineres é cláusula que traz um preço diário em que os danos pela

retenção da unidade devem ser calculados.

De mesmo modo, a sobre-estadia de contêiner não é uma contrapartida

por um exercício de direito, pelo contrário, o referido julgado confirma que é por quebra

do contrato, evidenciado pelo conhecimento de embarque (BL), que a sobre-estadia

começa a acumular, a contar do trespasse do free time.

E, justificando a eficácia de uma cláusula de danos liquidados, ou seja,

indenização pré-fixada, o julgador esclarece que “the purpose and effect of a liquidated

damages clause is to make proof of the claimant's actual loss unnecessary and

134 “Sujeito à pergunta sobre se o montante a pagar é uma penalidade, assunto que tratarei ao final do julgamento, eu acredito certamente que, por analogia, a cláusula 14.8 [cláusula do BL que traz previsão da demurrage de contêiner] do Conhecimento de Embarque é similar a uma cláusula de danos liquidados. O seu efeito é liquidar os danos devidos por quebra contratual se o Merchant deixar de devolver os contêineres para o Transportador dentro do free time acordado (equivalente ao laytime na Carta Partida por Viagem). Tal como acontece na demurrage da Carta Partida, esta cláusula prevê um valor diário em que os danos por detenção de um contêiner devem ser quantificados” (tradução livre). 135 MSC Mediterranean Shipping Company SA vr. Cottonex Anstalt [2015] EWHC 283 (Comm).

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irrelevante”.136 Ou seja, o objetivo da cláusula de sobre-estadia é de fato tornar

irrelevante e desnecessária a prova do autor de uma perda real, bastando,

simplesmente, se comprovar a quebra contratual com o trespasse do free time sem a

devolução do contêiner. E continua:

Unless something happens which brings the obligation to pay liquidated damages to an end, such damages continue to accrue as a matter of contract whether or not any loss is still actually being suffered by the claimant.137 138

Não obstante, fora abordado pelo julgador, porquanto que instado pela

defesa a tanto, a tratar da possibilidade de enquadramento da sobre-estadia de

contêiner como uma cláusula penal, o que inviabilizaria a sua cobrança judicial.139

Fora suscitado que “the issue now raised is whether a provision which potentially

allows demurrage to accrue indefinitely is penal”,140 ou seja, o fato de uma previsão

permitir o acúmulo da demurrage indefinidamente (eternamente) torna esta disposição

uma penalidade?

Esse questionamento foi apontado porque, no caso concreto, a sobre-

estadia ainda estava correndo no ponto de vista no autor. Isso porque, como dito, os

contêineres não haviam sido coletados pelo consignatário no porto de destino, e

permaneciam lá há meses, fazendo-se acumular a sobre-estadia ainda no decorrer

da ação.

Com base neste questionamento e analisando-se os princípios de uma

cláusula penal conforme disposto no leading case Makdessi vr. Cavendish Square

Holdings [2013], o julgador entendeu que cobrar sobre-estadia indefinidamente

acarretaria em um montante deveras extravagante se comparado às possíveis perdas

e danos gerados pelo atraso na devolução dos equipamentos. Isso de fato

descaracterizaria a natureza da sobre-estadia, que é indenizatória, ainda que

desnecessária a prova dos danos. Seria cabalmente impossível justificar com motivos

136 MSC Mediterranean Shipping Company SA vr. Cottonex Anstalt [2015] EWHC 283 (Comm). 137 A menos que algo aconteça para encerrar a cobrança de indenização pré-fixada, aludida indenização continuará a acumular por uma questão de contrato, independentemente se o requerente estiver ou não sofrendo alguma perda. 138 MSC Mediterranean Shipping Company SA vr. Cottonex Anstalt [2015] EWHC 283 (Comm). 139 Pelo Direito Inglês, a cláusula penal não é exequível. 140 “a questão agora levantada é se uma disposição que permite potencialmente que a demurrage se acumule indefinidamente é penal” (tradução livre).

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compensatórios uma cobrança sem fim, e, se assim o fosse, certamente a cláusula

seria de caráter penal (inexequível na justiça inglesa).

E, por considerar que a sobre-estadia não é uma cláusula penal, mas sim

uma cláusula indenizatória que prevê um valor fixo aos possíveis danos, é que o

julgador entendeu haver a necessidade de se fixar um término à cobrança daquela

demurrage, que somente estava sendo cobrança ad eternum haja vista a inércia do

consignatário, para não dizer desinteresse, nas cargas unitizadas.

Com fulcro na fatídica envolta ao caso, o julgador entendeu que a sobre-

estadia dos contêineres cessou quando da rescisão unilateral do contrato de

transporte pelo shipper, fixando-se então um termo final razoável para a cobrança da

demurrage daquele caso.

Importante enaltecer que, em um caso comum de sobre-estadia de

contêiner, esta cessaria seu acúmulo quando da devolução do contêiner, fato que, no

caso MSC Mediterranean Shipping Company SA vr. Cottonex Anstalt [2015] não

ocorreu, uma vez que o consignatário sequer retirou as unidades do terminal.

Assim, encontrando uma data final para a cobrança da sobre-estadia

daqueles contêineres, o julgador deixou de considerá-la como cláusula penal, o que

obstaria a sua cobrança judicial no Direito Inglês, permanecendo firme no seu

enquadramento como indenização pré-fixada, ou seja, liquidated damages.

Contudo, há de ser destacado que a doutrina inglesa, considerando a

prática comercial envolta da sobre-estadia, critica o instituto e atribui a ele um caráter

penal. Este foi o entendimento exarado por Budgen, ao analisar o instituto da

demurrage no BL, ou seja, da sobre-estadia de contêiner:

Even assuming the demurrage provision is in fact properly incorporated into the contract of carriage in one way or another there is another hurdle which the carrier has to face. Liquidated damages, including that form of liquidated damages which is demurrage, are only recoverable if they are a genuine attempt at a pre-estimate of the anticipated loss arising through the breach rather than a penalty designed to deter commission of the breach rather than to compensate for the loss truly caused by commission of the breach. Unfortunately the container demurrage rates set by many bill of lading tariffs raise, at least prima face, a strong suspicion that they are intended to operate

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as, and are in fact no more than, a penalty.141 142

De todo modo, ainda que existam críticas ao instituto, considerando que o

sistema inglês é baseado em sua jurisprudência – case law, é possível afirmar que a

sobre-estadia de contêiner, assim como a demurrage de navio, tem natureza jurídica

indenizatória, sendo uma indenização pré-fixada com objetivo de facilitar a

quantificação da indenização, tornando desnecessária a prova do nexo causal e das

perdas e danos efetivos.

2.1.2. Previsibilidade

Da análise realizada quanto à natureza jurídica da sobre-estadia de

contêiner na perspectiva inglesa, já é perceptível que, para sua cobrança, há a

necessidade de uma previsão contratual. Isso porque, como visto, a demurrage é uma

cláusula de indenização pré-fixada em contrato, que somente será exequível quando

da quebra contratual. Daí a afirmativa de que é necessário haver uma previsão

contratual para a sua cobrança, inibindo que valores abusivos sejam impostos pelos

credores em prejuízo dos usuários.

Nessa linha, o doutrinador britânico Budgen, afirmando haver inúmeras

armadilhas nas ações de sobre-estadia de contêiner, afirmou como a principal delas

a necessidade de haver previsão expressa acerca da cobrança. Afirma,

inequivocamente, que não pode haver ação de sobre-estadia de contêiner amparada

por um BL se este não conter previsão acerca da cobrança, asseverando ser

indispensável incorporar esta cláusula ao contrato de transporte. Esclarece que,

geralmente, a previsão da sobre-estadia, mormente sua incidência (free time) e seu

valor, estão escritos no BL e que, não sendo claras estas disposições, a ação deve ser

improcedente. Conclui explicando que “the breach giving rise to the claim for

demurrage needs to be clearly and unmistakably defined and likewise there needs to

141 “Mesmo supondo que a previsão da demurrage seja de fato propriamente incorporada no contrato de transporte, de uma forma ou de outra, há outro obstáculo que o transportador deve enfrentar. Indenização pré-fixada, incluindo a forma de indenização como a demurrage, é apenas recuperável se for uma tentativa genuína de uma pré-estimativa da perda esperada por uma quebra contratual, em vez de uma compensação por uma perda realmente causada pela comissão de uma violação. Infelizmente, os valores de demurrage de contêiner estabelecidas por vários conhecimentos de embarque, ao menos na primeira vista, criam uma forte suspeita de que são intencionadamente operadas como, e de fato são, uma penalidade” (tradução livre). 142 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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be clear provision for the number of ‘free’ days allowed to the Merchant”.143 144

A doutrina, neste aspecto, não diverge da jurisprudência inglesa, que é

assente em afirmar que a demurrage depende de uma previsão contratual. Esta

previsão contratual geralmente já vem disposta no BL, que é a própria evidência escrita

do contrato de transporte. Inclusive, perante o judiciário inglês, as ações de sobre-

estadia de contêiner são ajuizadas como claims in contract, ou seja, ações judiciais

amparados por contrato.

Em Evergreen Marine Corporation vr. Aldgate Warehouse (Wholesale) LTD.

[2003], um case ajuizado por Evergreen, empresa que opera navios de linha,

principalmente porta-contêineres,145 o julgador Moore-Bick, da High Court of Justice,

declarou que “the contract evidenced by the bill of lading is the primary contract under

which demurrage becomes payable”.146

O julgado é seguro em sustentar que é no BL que se encontram as

especificações para a cobrança da sobre-estadia, sendo apenas justificável aplicar

um valor diverso se este houver sido adotado pelas partes por um acordo expresso

após a celebração do contrato de transporte, desde que durante o transporte ou até a

chegada da carga no cais:

I start from the proposition that the amount payable in respect of both freight and demurrage is governed by the terms in force at the time the contract of carriage was made, and indeed by the end of the trial that was largely common ground. The only justification for adopting a different rate would be the existence of a later agreement varying the rates in relation to containers still in the course of carriage or standing on the quay.147

Em 2006, no case P&O Nedlloyd B.V. vr. Arab Metals Co., Stena Trading

143 “a quebra contratual que dá origem ao pedido de demurrage necessita ser clara e inconfundivelmente definida, assim como é preciso haver disposição clara para a quantidade de free time permitida ao Comerciante” (tradução livre). 144 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015. 145 Navios Porta-Contêineres são navios principalmente na navegação liner que transportam unicamente carga unitizada em contêineres. 146 “O contrato, evidenciado pelo conhecimento de embarque (BL), é o contrato principal sobre o qual a sobre-estadia se torna devida” (tradução livre). 147 “Eu começo a partir da proposição de que o montante devido a título de frete e sobre-estadias são regidos pelos termos em vigor no momento em que o contrato de transporte foi celebrado, e inclusive, ao final do julgamento, isso estava certamente confirmado pelas partes. A única justificativa para a adoção de um valor diferente seria a existência de um acordo posterior alterando os preços diários em relação aos contêineres ainda no decurso do transporte ou quando estivessem no cais” (tradução-livre).

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A.B. e Ireland Alloys Ltd., a High Court of Justice, agora representada pelo julgador

Tomlinson, ao analisar o caso declarou que “the expenses incurred were container

demurrage charged at the rate indicated in the clause stamped on the face of the bill

of lading”, ou seja, que o caso se referia a despesas de demurrage de contêiner

cobradas com base no valor fixo diário indicado no BL.

O que se percebe da análise dos julgados ingleses é que nas ações de

sobre-estadia de contêineres o julgador analisa pormenorizadamente as cláusulas

contratuais que amparam a relação entre as partes, mormente aquelas descritas no

BL. Isso porque, sendo um claim in contract, se torna indispensável avaliar cada uma

das disposições e sua respectiva eficácia.

E não foi diferente no leading case MSC Mediterranean Shipping Company

S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015], onde o julgador foi ainda mais a fundo na análise das

disposições do contrato. Esclareceu que a cobrança da sobre-estadia dos 35

contêineres encontrava respaldo nas cláusulas pré-impressas do BL. Enquanto a

cláusula 14.8 continha o tempo dentro do qual os contêineres deveriam ser

devolvidos, a cláusula 14.9 continha as condições específicas em que cada contêiner

deveria retornar. Contudo, fora considerado no julgado as especificações contidas na

parte editável do BL, presumidas como aceitas por ambas as partes e ali inseridas

para alterar o contido na parte pré-impressa:

However, it is common ground that this was overridden by an agreement recorded on the front of each bill of lading that the period of free time allowed at the port of destination was 14 days. The demurrage / detention charges specified in the tariff applicable to 40 foot high cube containers are: US$10 per container per day for the first 10 days; US$18 per container per day for the next 10 days; and US$24 per container per day thereafter.148

Neste caso, havia no BL a previsão da cobrança da sobre-estadia, nas

cláusulas pré-impressas. As especificações do instituto, todavia, foram aquelas

inclusas na parte editável do documento, seu anverso, que previam um free time

diverso daquele pré-impresso. E, ao término do julgado, concluiu-se que “under the

148 “Contudo, é de comum acordo que isso foi substituído por um acordo registrado na frente de cada conhecimento de embarque, de que o período de free time permitido no porto de destino era de 14 dias. Os valores de demurrage/detention especificados para contêiner de 40 pés HC eram: US$ 10,00 por contêiner por dia pelos primeiros 10 dias; US$ 18,00 por contêiner por dia pelos próximos 10 dias e, US$ 24,00 por contêiner por dia subsequente” (tradução livre).

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terms of the contracts of carriage, demurrage began to accrue in this case at the end

of the agreed 14 days of 'free time' following the discharge of the containers at

Chittagong”.149

Note-se que, por ser um claim in contract e por ser a sobre-estadia de

contêiner, na visão inglesa, uma indenização pré-fixada, ou seja, liquidated damages,

a ação judicial deve necessariamente especificar que são liquidated damages

descritos em contrato, sob pena de improcedência. Foi esse o caso do julgado Cosco

Container Lines Company Ltd. vr. Robert John Batchford e Gunter Scheller, do qual

constou:

In the prayer of the Particulars of Claim there was no claim for a liquidated sum, merely a claim for “Damages to be assessed as above;”, interest and costs. True it was that at paragraph 13 there were allegations of breaches of contract, including breaches alleged to consist in not paying sums that should have been paid, but conventionally a claim for a sum of money said to be due under a contract or series of contracts is formulated as a claim for a liquidated sum, not a claim for damages for failing to pay the liquidated sum.

[...] They could only succeed as claims in contract. However, there was no plea in the Particulars of Claim of any relevant term in the Contracts under which a liability to pay “demurrage” at a rate chosen by Cosco might arise.150

Portanto, no Direito Inglês, conclui-se que a sobre-estadia de contêiner

deve conter previsão expressa em contrato, indicando pormenorizadamente as

especificações de seu cálculo, como o free time e a o valor da diária, sob pena de não

procedência da ação que visa a cobrança deste valor.

2.1.3. Modicidade

Na abordagem quanto a natureza jurídica do instituto em evidência,

149 Com base nos termos do contrato de transporte, a demurrage começa a contar no caso quando do término do free time acordado, seguido da descarga dos contêineres no porto de Chittagong” (tradução livre). 150 “Na redação da petição não havia nenhum pedido a um montante liquidado, mas apenas um pedido por “Danos conforme descrito acima”, juros e despesas. É bem verdade que havia no parágrafo 13 alegações de quebra contratual, inclusive quebra contratual consistente no não pagamento de um montante que deveria ter sido pago, mas convencionalmente, um pedido por uma soma em dinheiro dita por ser devida por um contrato, ou por uma série de contratos, é formulada como um pedido por um valor líquido, não um pedido por perdas e danos por falta de pagamento deste valor. [...] Eles só poderiam ter sucesso na demanda como claim in contract (ação em contrato). Contudo, não havia argumento na petição sobre nenhum termo relevante no Contrato sobre o qual a responsabilidade de pagar “demurrage” nos valores indicados pela Cosco (Requerente) tenha surgido” (tradução livre).

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apontamos que Budgen critica a cobrança pois entende que, muito embora seja

considerada pela lei inglesa (case law) uma indenização pré-fixada, o é, na sua visão,

uma cláusula penal (no conceito inglês). Isso porque “the container demurrage rates

set by many bill of lading tariffs raise, at least prima face, a strong suspicion that they

are intended to operate as, and are in fact no more than, a penalty”.151 152

Em realidade, a crítica à sobre-estadia de contêiner feita por Budgen não

tange à sua natureza jurídica, mas sim aos moldes em que é cobrada atualmente,

sem qualquer limitação no seu valor, o que a tornaria uma penalidade (naquele

ordenamento). A penalidade, conforme constou do julgado MSC Mediterranean

Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015], se caracteriza “if the sum is

extravagant and out of all proportion to the loss likely to be incurred (or the greatest

loss which could be incurred)”.153

Neste cenário, ao apontar que a sobre-estadia é uma penalidade, Budgen

de fato recrimina os valores cobrados com fulcro na cláusula de demurrage, que

seriam deveras extravagantes se comparados com qualquer possível perda do

transportador. É, senão, uma total ausência de modicidade na cobrança.

Não se verifica nos julgados ingleses qualquer limitação ao valor diário da

sobre-estadia de contêiner, prevalecendo o valor pré-determinado em contrato, em

especial no BL, por evidenciar o acordado entre as partes. Entretanto, constata-se que

no case MSC Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015] o

julgador analisou a modicidade do valor que estava em discussão, o que é relevante

para combater abusos.

Inicialmente, o julgador esclareceu que as partes haviam acordado que o

valor de cada contêiner era de US$ 3.262,00 (três mil, duzentos e sessenta e dois

dólares norte-americanos). Ocorre que, muito embora as partes tivessem acordado

quanto ao valor de mercado de cada contêiner, o julgador analisou as provas trazidas

151 “os valores de demurrage de contêiner estabelecidas por vários conhecimentos de embarque, ao menos na primeira vista, criam uma forte suspeita de que são intencionadamente operadas como, e de fato são, uma penalidade” (tradução livre). 152 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015. 153 “se a soma é extravagante e fora de qualquer proporção com a perda provável de ser incorrida (ou a maior perda que poderia ser incorrida)” (tradução livre).

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aos autos pelo shipper, e constatou que houveram orçamentos para contêineres do

mesmo tamanho (40` HC) no valor de US$ 1.900,00 (um mil e novecentos dólares

norte-americanos) e US$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos dólares norte-americanos),

tendo assim se manifestado:

I was informed at the start of the trial that the parties had agreed that the value of the 35 containers (measured as their replacement cost) is US$114,172. This equates to US$3,262 per container. […]

These showed that, in response to enquiries recently made, two suppliers had replied immediately with offers to provide 35 used 40 foot high cube containers at Chittagong at a price of, in one case, US$2,800 and, in the other case, US$1,900 per container. […]

In these circumstances I find as a fact that at all material times the Carrier could have bought replacement containers for immediate delivery at Chittagong at a cost of US$3,262 per container or less.154

Frente a isso é que o julgador entendeu que no decorrer dos fatos o

transportador tinha a possibilidade de comprar contêineres a um valor inferior ao

acordado nos autos como efetivo valor por unidade, caso assim desejasse.

Paralelamente, o julgador afirmou que “The Carrier has estimated that,

based on its freight rates at the relevant time, if a round trip was lost because a

container was not returned on time, the loss would have been US$5,700”.155 Ou seja,

ao questionar o transportador sobre as possíveis perdas decorrentes da não

devolução dos 35 contêineres, o transportador informou que, baseado em seus

valores de frete, a perda efetiva de um transporte pela não devolução de um contêiner

seria de US$ 5.700,00 (cinco mil e setecentos dólares norte-americanos), um valor

considerado substancialmente superior àquele que seria despendido com a compra

de uma unidade de carga.

Diante destas constatações é que o julgador entendeu que, de fato, o

154 “Fui informado no início do julgamento que as partes tinham acordado que o valor dos 35 contêineres (como custo de reposição) é de US$ 114.172,00. Isso equivale a US $ 3.262,00 por contêiner. [...] Isso mostra que, em resposta às perguntas feitas recentemente, dois fornecedores responderam imediatamente com cotações para fornecer 35 contêineres usados de 40`HC em Chittagong a um preço de, em um caso, US$ 2.800,00 e, no outro caso, US$ 1.900,00 por unidade. [...] Nestas circunstâncias, tenho como fato que a todo momento relevante o transportador poderia ter comprado contêineres para reposição para entrega imediata em Chittagong a um custo de US$ 3.262,00 por contêiner ou menos” (tradução livre). 155 “O Transportador estimou que, com base em seus valores de frete no momento dos fatos, se um transporte de ida e volta foi perdido porque um contêiner não foi devolvido dentro do prazo, a perda teria sido de US$ 5.700,00” (tradução livre).

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transportador não estava sofrendo nenhuma perda efetiva, eis que, caso assim o

tivesse, estaria perdendo cerca de US$ 5.700,00 (cinco mil e setecentos dólares norte-

americanos) por contêiner, o que poderia ser evitado mediante a compra de

contêineres, cujo orçamento apontou o custo entre US$ 1.900,00 (um mil e

novecentos dólares norte-americanos) e US$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos dólares

norte-americanos) por unidade. Assim pronunciou-se o julgador:

I think it reasonable to assume, however, that the Carrier does not in the ordinary course turn away profitable shipping business because it does not have enough containers to carry the goods.

If the Carrier had an insufficient stock of containers at Chittagong to meet demand for its circular shipping business, it may fairly be presumed that the Carrier as a rational economic agent would have acquired more containers. Given that, as I have found, replacement containers were at all material times immediately available at Chittagong at a cost of US$3,262 per container or less, it would have made obvious economic sense to buy additional containers, if needed, at this cost rather than lose freight of US$5,700 per container – particularly as the containers could later have been sold if they became surplus to requirements.156

Fora fundamentado que caso o transportador não tivesse unidades de

carga suficientes a suprir seus transportes naquela região, por um raciocínio lógico e

econômico, o transportador teria adquirido mais unidades. Isso porque, não faz

sentido presumir que o transportador tenha aceitado perder cerca de US$ 5.700,00

(cinco mil e setecentos dólares norte-americanos) em frete por contêiner, quando

poderia ter comprado novos contêineres por menos de US$ 3.262,00 (três mil,

duzentos e sessenta e dois dólares norte-americanos) evitando esta perda.

Diante disso, asseverou o julgador que se o transportador não comprou

contêineres, é porque não estava de fato sofrendo nenhuma perda. E, muito embora

seja irrelevante e desnecessária a prova da efetiva perda para a aplicação da cláusula

de demurrage (indenização pré-fixada), o fato é que evidentemente não haviam

156 “Eu acho razoável supor, contudo, que o transportador no curso normal não afasta transportes lucrativos porque não tem contêineres suficientes para transportador as mercadorias. Se o transportador tinha estoque insuficiente de contêineres em Chittagong para atender a demanda de seu negócio de transporte rotativo, pode razoavelmente presumir-se que o transportador como um agente econômico racional teria adquirido mais contêineres. Considerando que, conforme descoberto, contêineres de reposição estavam a todo o tempo relevante imediatamente disponíveis em Chittagong a um preço de US$ 3.262,00 por contêiner ou menos, se necessário fosse, a este preço, ao invez de perder o frete de US$ 5.700,00 por contêiner – particularmente porque os contêineres poderiam ser vendidos futuramente se fossem excedentes” (tradução livre).

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perdas ao transportador.

E foi por este raciocínio que o julgador determinou uma data limite para se

cobrar a demurrage, que até então estava em acúmulo tendo em vista que os

contêineres não haviam sido devolvidos. O julgador entendeu que cobrar sobre-

estadia indefinidamente acarretaria em um montante deveras extravagante se

comparado às possíveis perdas e danos gerados pelo atraso na devolução dos

equipamentos, os quais, comprovadamente, não estavam afetando o transportador.

Desta forma, em razão da modicidade na cobrança, o juiz analisou o caso

concreto e entendeu que não haviam motivos para manter a cobrança de uma

indenização pré-fixada se, de fato, nenhum dano estava atingindo o transportador. E

foram por estas razões que o julgador fixou um término para cobrança daquela sobre-

estadia.

Embora não se constate na jurisprudência inglesa analisada limitações ao

valor diário da sobre-estadia, evidentemente que a modicidade é aplicada, conforme

se constatou do case MSC Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt

[2015], inibindo o enriquecimento sem causa e a garantindo a segurança jurídica entre

as partes.

2.1.4. Legitimidade

Outro elemento relevante para a segurança jurídica da sobre-estadia de

contêiner é o da legitimidade ativa e passiva. Por ser uma indenização pré-fixada em

contrato, geralmente no próprio BL, que é a evidência escrita do contrato de transporte,

sendo este o principal documento sobre o qual a demurrage se torna devida,157 a

legitimidade ativa (credor) não se torna difícil de identificar, porquanto que pertencente

ao transportador da operação, emitente do BL. Tanto o é que todos os cases em

destaque neste estudo foram propostos pelo transportador da operação que originou

a utilização do contêiner ao qual se cobra sobre-estadias.

Contudo, uma análise mais profunda se torna necessária quanto à

legitimidade passiva (devedor) da sobre-estadia de contêineres.

157 Evergreen Marine Corporation vr. Aldgate Warehouse (Wholesale) LTD. [2003]

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Em Cosco vr. Batchford and Scheller,158 o transportador Cosco objetivou

receber valores decorrentes do transporte, principalmente sobre-estadia de

contêineres devido em função da falha dos consignatários em coletar as unidades de

carga. Ao analisar o caso concreto, o julgador entendeu ser difícil aplicar a quebra

contratual, causadora da sobre-estadia de contêiner, ao consignatário nomeado no BL,

que sequer apareceu para buscar as mercadorias. Diante disso, atribuiu-se a

responsabilidade quanto ao pagamento da sobre-estadia de contêineres àquele que

teria contratado o transportador Cosco para a operação.

However, it is difficult to see that naming a consignee who either did not exist, or who at any rate did not appear to take delivery of a container, amounted to any breach of contract. Rather, if a container was not collected, the parties contracting with Cosco were potentially liable to pay “demurrage” pursuant to the provisions of clause 2 of the Terms.159

Em consequência, percebe-se que houve uma vasta análise no julgado dos

fatos do caso concreto para realmente descobrir quem era a pessoa que utilizou os

contêineres para o transporte das mercadorias, ou seja, quem de fato contratou com

a transportadora, o legitimado passivo da ação de cobrança, enfatizando que seria

este o ponto primordial do litígio:

I think that it is obvious that Mr. Batchford was the owner of tyre bales produced in his own premises, so that at least in those cases, unless he had sold to someone who was using the containers in question for delivery, it had to be Mr. Batchford who was using the containers to effect delivery to his customer. In other words, in those cases he was the shipper of the container.

[…] However, what mattered for the purposes of this action was who, under the scheme, was to contract with Cosco. I am entirely satisfied that it was Mr. Batchford, acting through Mr. Scheller.160

158 Cosco Container Lines Company Limited v. Robert John Batchford and Gunter Scheller, [2013] EWHC 840 (QB). 159 “Contudo, é difícil de ver que nomeando um consignatário que ou não existe ou que sequer aparecer para receber os contêineres, causou alguma quebra contratual. Ao contrário, se um contêiner não foi coletado, as partes contraentes com a Cosco são potencialmente responsáveis pelo pagamento da sobre-estadia conforme previsão da cláusula 2 do Contrato” (tradução livre). 160 “Eu acho que é óbvio que o Sr. Batchford era o dono dos fardos de pneus produzidos em suas próprias instalações, de modo que, pelo menos naqueles casos, a menos que ele os tenha vendido a alguém que estivesse usando os contêineres em questão para a entrega, era o Sr. Batchford que estava usando os contêineres para efetuar a entrega ao seu cliente. Em outras palavras, naqueles casos ele era o embarcador do contêiner. [...] No entanto, o que importava para os fins da presente ação foi quem, no âmbito dos fatos, contratou com a Cosco. Estou absolutamente convencido de era o Sr. Batchford o contratante, agindo através do Sr. Scheller” (tradução livre).

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Veja-se que houve a análise inclusive da etapa de produção das

mercadorias que foram acondicionadas nos contêineres, concluindo-se que foi o

embarcador (Barchford), produtor das mercadorias, o contratante do transporte.

Assim, tendo ele sido o contratante do transporte, firmou-se entendimento sobre a sua

responsabilidade em pagar o valor pleiteado.

Evidenciando a prática da jurisprudência inglesa em analisar

pormenorizadamente os fatos atrelados à operação de transporte que gerou a sobre-

estadia de contêiner, cita-se o case Evergreen vr. Aldgate161 em que o transportador

Evergreen objetivou cobrar o frete e sobre-estadia correspondentes ao transporte de

mercadorias em 22 contêineres. Neste julgado, houve uma profunda análise das

operações paralelas ao contrato de transporte em si para chegar à conclusão quanto

à responsabilidade pelos pagamentos, tendo sido analisado, inclusive, qual Incoterm

foi utilizado no contrato de compra e venda:

The bills of lading and the contracts of carriage which they evidence must therefore be considered in the context of the other transactions to which they are closely related. Aldgate had contracted to buy goods from local suppliers on f.o.b. terms, but, as Devlin J. observed in Pyrene Co. Ltd v Scindia Navigation Co. Ltd [1954] 2 Q.B. 402, 424, the f.o.b. contract has become a flexible instrument and it does not necessarily follow that the buyer is an original party to the contract of carriage.162

Ao considerar os termos do contrato de compra e venda das mercadorias

unitizadas, que elegeu o Incoterm FOB, o julgador entendeu que não havia presunção

de que o comprador (Aldgate – importador/consignatário) fosse parte original do

contrato de transporte. Assim, o julgador declarou que os contratos de transporte

haviam sido celebrados pela Evergreen e o embarcador (vendedor/exportador) e que

Aldgate não teria integrado o contrato de transporte pois nunca havia recebido os

conhecimentos de embarque. Dessa forma, declarou como improcedente a ação

contra Aldgate, consignatária da carga, do seguinte modo:

In all the circumstances I am unable to accept the alternative way in

161 Evergreen Marine Corporation v. Aldgate Warehouse (Wholesale) Ltd. [2003] EWHC 667 (Comm). 162 “Os conhecimentos de embarque e os contratos de transporte que eles evidenciam devem, portanto, ser considerados no contexto das outras operações a que estão intimamente relacionados. Aldgate havia acordado em comprar produtos de seus fornecedores locais nos termos f.o.b., entretanto, conforme observado pelo magistrado J. Devlin em Pyrene Co. Ltd v Scindia Navigation Co. Ltd [1954] 2 Q.B. 402, 424, o acordo f.o.b. tornou-se um instrumento flexível e não mais implica necessariamente que o comprador é uma parte original do contrato de transporte” (tradução livre).

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which Evergreen puts its case. In my judgment each of the contracts of carriage with which I am concerned was made between Evergreen and the shipper named in the bill of lading. In the ordinary way Aldgate would have become a party to those contracts of carriage when the bills of lading were indorsed and delivered to it against payment of the price of the goods. However, the bills of lading covering the 22 containers never were transferred to Aldgate and as a result Aldgate did not become a party to the contracts of carriage. Evergreen’s claim against Aldgate for freight and demurrage in respect of them must therefore fail.163

Já no caso case P&O Nedlloyd B.V. vr. Arab Metals Co., Stena Trading A.B.

e Ireland Alloys Ltd., fora o endossatário do conhecimento de embarque (Ireland

Alloys) declarado como responsável pelas despesas cobradas, que incluíam sobre-

estadia de contêiner. Muito embora o endossatário se negasse a receber a carga

conteinerizada, alegando a presença de material radioativo, afirmou o julgador que o

endossatário Ireland Alloys “had an obligation to take delivery of the goods and to pay

the terminal handling charges and container demurrage in accordance with the

terms”.164 Neste ponto, decidiu-se que a endossatária do BL tinha o dever de receber

as cargas e efetivar os pagamentos devidos no destino, inclusive sobre-estadia de

contêineres, tudo conforme previa o contrato.

Todos os julgados acima referidos fundamentam-se integralmente nas

previsões do contrato para se estabelecer a responsabilidade pelo pagamento da

sobre-estadia de contêiner. Esta análise ficou ainda mais evidente quando do julgado

MSC Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015], porquanto a

discussão primordial tangia à legitimidade, ou não, do embarcador (shipper) para

responder pelo pagamento da sobre-estadia dos contêineres.

A fim de fundamentar a decisão, o julgador transcreveu as cláusulas do

contrato que davam sustentação ao pedido:

The Carrier's claim for 'container demurrage' is founded on clause 14.8

163 “Em todas as circunstâncias, eu sou incapaz de aceitar o caminho alternativo em que Evergreen coloca o seu caso. Em meu julgamento cada um dos contratos de transporte com os quais estou interessado foram realizados entre a Evergreen e o embarcador nomeado no conhecimento de embarque. Na forma ordinária a Aldgate teria se tornado parte desses contratos de transporte quando os conhecimentos de embarque foram endossados e entregues a ela mediante o pagamento do preço pelas mercadorias. Contudo, os conhecimentos de embarque que amparam os 22 contêineres nunca foram transferidos à Aldgate e, como resultado, Aldgate não se tornou parte dos contratos de transporte. O pedido da Evergreen contra Aldgate por frete e sobre-estadia deve, portanto, ser improcedente” (tradução livre). 164 “tinha a obrigação de receber as mercadorias e pagar a capatazia (THC) e a sobre-estadia de contêineres conforme previsto nos termos” (tradução livre).

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of its standard terms of carriage which were printed on the back of the bills of lading. Clause 14.8 states:

"The Carrier allows a period of free time for the use of the Containers and other equipment in accordance with the Tariff and as advised by the local MSC agent at the Ports of Loading and Discharge. Free time commences from the day the Container and other equipment is collected by the Merchant or is discharged from the Vessel or is delivered to the Place of Delivery as the case may be. The Merchant is required and has the responsibility to return to a place nominated by the Carrier the Container and other equipment before or at the end of the free time allowed at the Port of Discharge or the Place of Delivery. Demurrage, per diem and detention charges will be levied and payable by the Merchant thereafter in accordance with the Tariff".165

A disposição daquele contrato que prevê a cobrança da sobre-estadia de

contêiner imputa a responsabilidade pelo pagamento ao Comerciante, ali denominado

simplesmente como Merchant. Diante disso, o julgado foi ainda mais a fundo,

buscando no próprio BL a quem consistia a denominação de Merchant:

The term "Merchant" is defined in clause 1 of the bill of lading terms as including "the Shipper, Consignee, holder of this Bill of Lading, the receiver of the Goods and any Person owning, entitled to or claiming the possession of the Goods or of this Bill of Lading or anyone acting on behalf of this Person".166

De acordo com o contrato, a denominação Merchant incluía o embarcador,

o consignatário, o possuidor do BL, o recebedor das mercadorias e qualquer pessoa

possuindo, intitulado ou reclamando a posse das mercadorias ou o próprio BL, ou

qualquer pessoa atuando em seu lugar. Diante desse conceito contratual, não havia

óbice para a legitimidade passiva da empresa Cottonex Anstalt na ação, visto que era

a embarcadora das mercadorias e, portanto, um Merchant, também responsável por

165 “O pedido do transportador por sobre-estadia de contêiner é encontrada na cláusula 14.8 dos termos padrão do transporte, que estão impressos no verso do conhecimento de embarque. Cláusula 18.8 prevê: O transportador permite um tempo livre (free time) para o uso dos contêineres e outros equipamentos de acordo com os valores e conforme advertido pelo agente local da MSC nos portos de carregamento e descarregamento. O free time começa desde o dia em que o contêiner ou outro equipamento for coletado pelo Comerciante (Merchant) ou descarregado do navio ou entregue no local de entrega conforme o caso. O Comerciante (Merchant) é requisitado e tem a responsabilidade de devolver ao local nominado pelo transportador o contêiner ou outro equipamento antes ou no término do free time permitido no porto de descarga ou no local de entrega. Consequentemente, encargos de demurrage e detention serão cobrados e pagos pelo Comerciante (Merchant) de acordo com o preço” (tradução livre). 166 “O termo "comerciante" é definido na cláusula 1 dos termos do conhecimento de embarque tendo incluído "o embarcador, consignatário, portador do conhecimento de embarque, o recebedor das mercadorias ou qualquer pessoa proprietária dos bens, intitulada ou requerendo a posse das mercadorias ou do conhecimento de embarque, ou qualquer pessoa agindo como representante desta” (tradução livre).

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eventual sobre-estadia.

Verificou-se, ademais, que a cláusula 2 do contrato estabelecia

responsabilidade solidária (joint and several liability) entre aqueles denominados

Merchant, concluindo-se o caso como evidente quebra contratual pelo embarcador

(shipper, incluso no conceito de Merchant) pela não devolução dos contêineres após

expirado o free time, condenando-o à sobre-estadia (no descarregamento) pleiteada.

Com relação a esta disposição quanto à responsabilidade solidária, que é

comumente encontrada nos conhecimentos de embarque, Budgen aponta como sedo

um dos principais problemas enfrentado pelos embarcadores das cargas. Ora, muito

embora já tenham cumprido com sua responsabilidade no transporte, embarcando a

carga e entregando o BL ao consignatário, independentemente da atuação deste

quando da chegada da carga, o embarcador permanece solidariamente responsável

por eventuais cobranças de sobre-estadia de contêineres.167

Cumpre citar, por oportuno, o case Coli Shipping (UK) Ltd vr. Andrea

Merzario Ltd [2001] que não chegou a se tornar case law haja vista a recusa da House

of Lords em processar a Apelação.168 Contudo, os comentários a este julgado de

primeira instância se mostram importantes ao presente estudo. Andrea Merzario Ltd,

um freight forwarder169 (NVOCC), foi considerado responsável por pagar sobre-

estadia de contêineres, dentre outras cobranças.

Jones, analisando o julgado, resumiu que no caso, o BL imputava a

responsabilidade pelo pagamento de sobre-estadias de contêineres ao shipper, no

caso Andrea Merzario, embarcador da carga e cliente do transportador marítimo. Por

agir como freight forwarder, Andrea Merzario imputou a responsabilidade por esta

cobrança ao seu cliente, afirmando ter agido pura e simplesmente como agente.170

Para combater este argumento, o transportador marítimo autor da ação

167 BUDGEN, Paul. Demurrage claims under bills of lading. Disponível em <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=824>. Acesso em: 12 nov. 2015. 168 Alegou a Corte que o valor da ação era baixo e o caso não tinha repercussão considerável à justificar o trabalho da House of Lords em julgamento de apelação. 169 Denominado no Brasil como Agente de Carga. 170 JONES, Peter. Carrier sues and recovers transport charges from forwarder!, Disponível em: <http://www.forwarderlaw.com/library/view.php?article_id=124&highlight=DEMURRAGE>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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apontou que o freight forwarder Andrea Merzario cobrava de seus clientes um valor

maior do que lhe era cobrado pelo frete e pela sobre-estadia dos contêineres, atuação

que o desqualificaria de mero agente e o colocaria na posição de principal no contrato

em discussão (prática existente no transporte marítimo internacional). Apontou Jones

que:

The trial judge noted that there were other activities that were consistent with Merzario assuming a personal liability. Merzario guaranteed payment of certain charges to resolve problems that arose during the transport. Merzario also signed a credit agreement, and assumed specific liability for particular charges for quay rent. On all these facts the judge decided that Merzario should pay.171

Neste cenário, mesmo atuando como freight forwarder e havendo, de fato,

um usuário final do contêiner que gerou a sobre-estadia, Andrea Merzario, sendo parte

contratante do contrato de transporte com o transportador marítimo, foi considerado

responsável pelo pagamento da sobre-estadia pleiteada na ação.

Pela análise na jurisprudência inglesa, é possível observar que sempre há

uma apreciação pormenorizada das relações jurídicas tangentes ao contrato de

transporte para então se aferir a responsabilidade quanto ao pagamento da sobre-

estadia de contêiner. Em nenhum dos casos houve a imputação de responsabilidade

sem que esta estivesse indicada no contrato, concluindo-se, mais uma vez, que

perante ao Direito Inglês não só é necessária haver uma previsão expressa para esta

cobrança, mas, igualmente, a legitimidade de responder por ela deve derivar do

contrato em si, além das circunstâncias fáticas envoltas ao caso.

2.2. Elementos determinantes da Sobre-estadia de contêiner – uma perspectiva

brasileira

2.2.1. Conceito e natureza jurídica

No Brasil, verifica-se vasta controvérsia quando o assunto tratado é a

natureza jurídica da demurrage de navio. De mesmo modo é a sobre-estadia de

171 “O juiz observou que haviam outras atividades que eram consistentes com a assunção de responsabilidade pessoal por Merzario. Merzario havia garantido o pagamento de determinadas taxas para resolver problemas que surgiram durante o transporte. Merzario também assinou um contrato de crédito, e assumiu responsabilidades específicas por determinadas cobranças e quay rent. Por todos estes motivos o Juiz considerou que Merzario deveria pagar as cobranças realizadas na ação” (tradução livre).

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contêiner, que não tem sua natureza jurídica bem definida, seja pela jurisprudência ou

pela doutrina. Tratando da demurrage de navio, aponta Martins que:

A doutrina e jurisprudência oscilam entre enquadrar a demurrage como indenização por danos materiais em sede de responsabilidade civil contratual e entre destacar a natureza de multa. Destacam-se ainda alguns entendimentos recentes que sustentam o caráter de cláusula penal.172

Com relação à sobre-estadia de contêiner, a autora elucida que “em regra,

entende-se que a demurrage de contêiner tem natureza indenizatória, sendo

enquadrável a reponsabilidade civil contratual e respectiva indenização por danos

materiais”.173

Doutro norte, Cremoneze, ao tratar da temática, afirmou inequivocamente

que “a natureza jurídica da demurrage foi subvertida ao longo dos anos”174 elucidando

que esta cobrança deixou de ser um mecanismo de proteção do transportador e

passou a ser o método que propicia maior lucro aos transportadores,

descaracterizando o intuito compensatório da cobrança. Concluiu afirmando que:

A demurrage é cláusula penal e como tal deve ser tratada, não se podendo reconhecer ampla eficácia e ilimitada validade aos termos de acordo impostos unilateralmente pelos armadores aos usuários dos seus contêineres.175

Melo, abordando a sobre-estadia de contêiner, é assente em atribuir à

cobrança a natureza jurídica de cláusula penal, “simplesmente porque na legislação

brasileira esse é o instituto que regula as indenizações por perdas e danos pré-fixadas

contratualmente”.176 E conclui elucidando que:

Ademais, o instituto da demurrage foi criado com o objetivo único de implementar um mecanismo de compensação ágil, para uma atividade na qual a rapidez das transações comerciais e a resolução dos problemas delas oriundas faz-se imprescindível. Como nos ensina o mestre português Antonio Pinto Monteiro, é aí que reside a função

172 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. 173 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 351. 174 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 241. 175 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 254. 176 MELO, Flávia Carvalho. Os Limites à Cobrança de Demurrage de Contêineres. Disponível em: <www.comexblog.com.br/direito-em-foco/os-limites-a-cobranca-de-demurrage-de-conteineres>. Acesso em: 12 nov. 2015.

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indenizatória da cláusula penal.177

De fato, sendo o Brasil um país cujo ordenamento jurídico é puramente

civilista, tem-se que o conceito de indenização pré-fixada contratualmente é de uma

cláusula penal, regida pelo CC no artigo 408 e seguintes, acreditando-se ser esta a

melhor definição para a sobre-estadia de contêiner no ordenamento jurídico brasileiro.

Note-se, por oportuno, que a doutrina é controvertida no que tange à

caracterização da natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner, o que se mantém

no ponto de vista jurisprudencial. Ilustrando a discrepância de julgados nesta seara,

citam-se os ementários abaixo, ambos proferidos pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo, acatando naturezas jurídicas distintas:

APELAÇÃO DEMURRAGE NATUREZA PUNITIVA AFERIÇÃO DE CULPA - DESNECESSIDADE. A disposição de demurrage tem natureza de cláusula penal, não sendo necessária a aferição de culpa para sua exigibilidade, já que constitui mera antecipação para um possível inadimplemento do contrato, de natureza puramente objetiva e também há que mencionar o fato de que a aferição de culpa nos casos de demurrage, dada a sua complexidade, é incompatível com o comércio internacional, atividade absolutamente dinâmica. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.178

Demurrage ou sobre-estadia de contêiner. Ação de cobrança. Natureza jurídica. Indenização pré-fixada. Desnecessidade de demonstração de culpa. A natureza jurídica da demurrage não é de cláusula penal, mas de indenização pré-fixada em caso de inadimplemento contratual. Não há falar em culpa do devedor pelo atraso na devolução do contêiner. Para que haja o dever de indenizar, basta a demonstração da devolução do cofre fora do prazo especificado. Apelação provida.179

Ambas as ações tramitaram como ações de cobrança. Enquanto o primeiro

julgado caracterizou a sobre-estadia de contêiner como uma cláusula penal, o

segundo atribui ao mesmo instituto a natureza jurídica de indenização, ainda que pré-

fixada, o que causa certa dicotomia, haja vista que, na processualística brasileira, o

pleito por perdas e danos deve vir em uma ação de natureza indenizatória (e não de

177 MELO, Flávia Carvalho. Os Limites à Cobrança de Demurrage de Contêineres. Disponível em: <www.comexblog.com.br/direito-em-foco/os-limites-a-cobranca-de-demurrage-de-conteineres>. Acesso em: 12 nov. 2015. 178 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00186267820118260003. Desembargador Relator Carlos Abrão. Julgado em 26.02.2013. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 179 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00407254820108260562. Desembargadora Relatora Sandra Galhardo Esteves. Julgado em 27.02.2015. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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cobrança).

Outro ponto a ser destacado a priori é que ambos ementários elucidam

expressamente a dispensabilidade da aferição de culpa. Ora, genericamente, para

aplicação de uma cláusula penal a culpabilidade é elemento necessário. Do mesmo

modo ocorre à indenização, juntamente com o nexo causal e a prova do dano, também

dispensados no julgado.

Por ocasião de julgamento de ação envolvendo sobre-estadia de

contêineres no Superior Tribunal de Justiça, a Corte se manifestou enquadrando a

natureza jurídica como indenizatória, citando, no acórdão proferido, doutrina correlata

à demurrage de navio:

5.1. De início, cabe a definição quanto à natureza jurídica da verba cobrada pela autora.

Nesse passo, a doutrina especializada em Direito Marítimo, invocando lição de Carlos Rubens Caminha Gomes, sinala a natureza indenizatória da sobre-estadia:

Sobrestadia é, então, o tempo gasto a mais que o concedido na Carta-Partida, para carregar e/ou descarregar o navio. Portanto, uma das partes não cumpriu o contrato e deste modo deve pagar à outra parte uma indenização pelos prejuízos resultantes. Esse pagamento é chamado de multa de sobre-estadia (demurrage), que quase sempre é calculado na base de uma taxa diária (demurrage rate) e do número de dias de sobreestadia. (Lord Choirley e O. C. Giles, na obra Shipping law, nos informam que demurrage é o tempo adicional gasto pela operação, além da estadia, mas que essa palavra é ordinariamente usada no sentido de prejuízo por detenção do navio. Já Raoul Calinvaux, em Carver's carriage by sea, diz que demurrage é a multa que o afretador deve pagar ao armador.) Portanto, diz Lord Stevenson "multa de sobreestadia é a indenização pelos prejuízos causados pelo atraso a um navio no carregamento ou na descarga além do tempo acordado". (MIRANDA, Edson Antonio. Estudo sobre o demurrage e as operações com contêineres. In Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, ano 2, n. 4, 1999, p. 124).

[...]

Em suma, sobre-estadia ou demurrage é termo técnico deveras utilizado em direito marítimo e que significa a obrigação de pagamento de certo montante, em decorrência do prejuízo causado ao armador pela ultrapassagem do prazo preestabelecido no contrato para devolução do navio ou do equipamento utilizado para acomodar a carga.

Assim, o atraso na entrega do contêiner importa o descumprimento de cláusula do contrato de afretamento, rendendo ensejo ao pagamento do respectivo ressarcimento, haja vista que a permanência prolongada do equipamento na custódia do consignatário gera desequilíbrio

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econômico ao impedir que o transportador desenvolva sua atividade principal, que é vender frete.

De fato, este Tribunal Superior posicionou-se no sentido de ser a demurrage uma indenização, consoante se dessume do seguinte excerto do voto condutor do REsp 176.903/PR (publicado no DJ de 9/4/2001):

Na sobreestadia do navio, a carga ou a descarga excedem o prazo contratado; na sobreestadia do 'contêiner', a devolução deste se dá após o prazo usual no porto do destino. Num caso e noutro, as ações que perseguem a indenização pelos prejuízos estão sujeitos à regra do artigo 449, inciso 3º, do Código Comercial.180

De mesmo modo, reafirmando o posicionamento:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. TRANSPORTE MARÍTIMO. "DEMURRAGE". SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER. PRESCRIÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. INDENIZAÇÃO. PAGAMENTO MEDIANTE CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA AO DO STJ. SÚMULA 83/STJ. PRETENSÃO DE MINORAR O VALOR DA CONDENAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.181

Pode-se afirmar que a divergência de entendimentos no Brasil, tanto na

doutrina quanto na jurisprudência, deriva da ausência normativa regulando este

instituto tão peculiar ao Direito Marítimo. Cremoneze bem afirma que “a demurrage

ainda é uma ilustre desconhecida dos operadores do Direito em geral, uma vez que

está oculta pelo biombo da especialidade maritimista”.182

A única proposta de regulamentação até então existente é a Resolução n.

4.271/2015 da Antaq, que permaneceu silente quanto à natureza jurídica da sobre-

estadia de contêiner. Frisa-se que, embora a Resolução tenha sido submetida à

audiência pública, que se encerrou em 3 de novembro de 2015, ainda não foi

publicada via Diário Oficial, não possuindo, portanto, eficácia normativa.

2.2.2. Previsibilidade

Assim como a natureza jurídica, a previsibilidade da sobre-estadia de

180 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1355173/SP. Ministro Relator Luis Felipe Salomão. Julgado em 15.10.2013. Disponível:<www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 181 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1451054/PR. Ministro Relator Paulo De Tarso Sanseverino. Julgado em 15.10.2015. Disponível:<www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 182 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 243.

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contêiner é matéria até hoje não pacificada no Brasil, seja pela doutrina ou pela

jurisprudência, o que se justifica, novamente, pela ausência de norma neste aspecto,

culminando em evidente insegurança jurídica. Afirma-se isso pois a discrepância de

entendimentos aplicados pelos julgados é latente.

Martins, tratando da sobre-estadia de contêineres, afirma que a cobrança

“deriva geralmente do contrato de transporte marítimo que envolve o embarcador,

transportador marítimo e destinatário instrumentalizado pelo BL”.183 Derivar de um

contrato de transporte marítimo não significa, necessariamente, estar nele previsto

expressamente. E aponta:

Nos contratos de transporte marítimo, é admissível a inserção de cláusula que estipule o pagamento de demurrage decorrente da não devolução de unidade de carga no prazo fixado.

Há arestos, todavia, que propugnam que a existência da contraprestação pela sobreestadia de contêiner não depende, necessariamente, de ajuste expresso, pois se regula pelos usos e costumes do lugar em que deve ter a execução.184

Esta conclusão é abordada por diversos julgados brasileiros nos mais

diversos Tribunais da Federação, que aceitam a cobrança de valores de sobre-estadia

de contêineres mesmo sem previsão contratual, o que está em total dissonância com

o Direito Inglês, conforme acima abordado.

Tem-se, sobre este prisma, que a sobre-estadia de contêiner é instituto

inerente exclusivamente ao Direito Marítimo, sendo este um ramo do direito que

possui seus próprios regramentos, e a matéria, caráter peculiar e particular. Acolhe-

se que a sobre-estadia de contêiner é intrínseca ao transporte marítimo, derivando de

todo o contrato de transporte marítimo, ainda que sem previsão expressa. Isso porque

entende-se que esta cobrança já se encontra solidificada nos usos e costumes do mar

(lex maritima), estando inserida em toda relação comercial amparada por um

conhecimento de embarque. Portanto, subintende-se ser de conhecimento geral dos

agentes atuantes nesta prática a possibilidade de cobrança de sobre-estadias de

contêiner quando ultrapassado o free time. Abordando este entendimento, tem-se o

183 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 356. 184 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 348.

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julgado abaixo:

CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO. MORA QUANTO À ENTREGA DOS CONTÊINERES. CARACTERIZAÇÃO DA TAXA DE SOBREESTADIA OU "DEMURRAGE" AINDA QUE NÃO PREVISTA CONTRATUALMENTE PORQUE É INSTITUTO INERENTE AO DIREITO MARÍTIMO, ADVINDO DE SEUS USOS E COSTUMES. JUNTADA DE DOCUMENTO EM MOMENTO POSTERIOR À OFERTA DA PETIÇÃO INICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE SE RESPEITE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E O DA AMPLA DEFESA E NÃO HAJA PREMEDITAÇÃO DE OCULTAÇÃO. Situação em que ficou demonstrado o conhecimento dos termos de embarque por parte da apelante logo que proposta a ação, com comprovação documental posterior ao oferecimento da petição inicial. Sentença mantida. Recurso não provido.185

Foi ressaltado pelo Desembargador José Luiz Germano no julgado acima

que “a demurrage é instituto inerente ao Direito Marítimo, estando ínsito em qualquer

contrato desta natureza em razão dos usos e costumes vivenciados no mar ao longo

dos anos” e que “a mencionada taxa pelo uso além do tempo pactuado (ou

sobreestadia) é devida ainda que não expressamente prevista no contrato”.

Elucidando esta prática da jurisprudência, cita-se ementário exarado pelo

Tribunal de Justiça do Pernambuco:

DIREITO COMERCIAL MARÍTIMO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. REJEITADA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR FALTA DE TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS. MÉRITO. AÇÃO DE COBRANÇA DE SOBREESTADIA DE CONTÊINERES. TAXA DE DEMURRAGE. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO CONTRATUAL EXPRESSA. CARACTERÍSTICA CONSUETUDINÁRIA DO DIREITO MARÍTIMO. CDC. INAPLICABILIDADE. DECISÃO POR MAIORIA. CDC

- Não se nega eficácia de prova a documento redigido em língua estrangeira, cuja validade não se contesta e cuja tradução não é indispensável à sua compreensão. Prestigia-se o princípio do pás de nulitté sans grief quando da nulidade não resultar prejuízo para as partes, de modo que inexiste vulneração ao art. 157 do CPC. Precedentes do STJ;

- Mérito. Segundo a doutrina, sobreestadia ou demurrage tanto significa o excesso de tempo da estadia contratualmente permitida, quanto o valor a ser pago em compensação à utilização/detenção do navio ou contêiner além deste prazo;

- Pelas próprias características do Direito Marítimo, os usos e

185 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 7143179-3. Desembargador Relator José Luiz Germano. Julgado em 14.12.2007. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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costumes possuem extremo destaque na sua condução, por força, principalmente, da dinâmica e rapidez inerentes aos negócios internacionais, entabulados pelos que utilizam de tão relevante instrumento de incremento das economias mundiais;

- Nessa trilha, não há que se falar em falta de previsão legal da taxa de demurrage, pois esta é senão ressarcimento pelo excesso de estadia do navio ou contêiner, instituto reconhecido nos usos e costumes na atividade comercial marítima;

- Inaplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois ausente qualquer relação de consumo entre as partes.157CPC. Código de Defesa do Consumidor.186

Com isso, vislumbram-se julgados que acatam a cobrança de sobre-estadia

de contêineres independentemente de haver ou não previsão expressa acerca de sua

cobrança, uma vez que consideram este instituto inerente ao Direito Marítimo, advindo

de seus usos e costumes, bastando, para tanto, a evidência de um contrato de

transporte entre as partes. Todavia, deve-se sopesar tal posição, à luz da ordem

pública, vez que tal prática pode violar a segurança jurídica, especialmente no tocante

aos elementos da previsibilidade e modicidade no valor da sobre-estadia.

Há julgados que, mesmo inexistindo acordo entre as partes estipulando o

free time concedido ao usuário, acatam o prazo de 10 dias como livre de cobrança.

Este foi o entendimento aplicado em ocasião de julgamento no Tribunal de Justiça de

São Paulo, constando do ementário que “segundo os costumes do transporte

marítimo, o free time é de dez dias, incidindo a partir daí a sobreestadia”.187

No referido julgado, relatou o Desembargador que:

Note-se que, no caso ora tratado, consta expressamente nos “Termos de Compromisso de Reentrega de Contêiner Vazio” (fls. 28, 39, 50, 61, 72, 83, 94, 105, 116 e 126) que a franquia de dias seria concedida de acordo com a negociação entre as partes. Porém, não foi apresentado aos autos qualquer acordo referente ao “free time”. Dessa maneira, não existindo a aludida negociação, conclui-se que não foi concedido nenhum prazo de “free time” à ré, não devendo prevalecer o entendimento manifestado na sentença recorrida, de que, por não ter sido negociado o prazo, o débito decorrente da sobreestadia dos contêineres não é devido. De fato, caso aquele entendimento prevalecesse, restaria configurado o enriquecimento indevido da

186 BRASIL. Tribunal de Justiça do Perambuco. Apelação 0200091665. Desembargador Relator Adalberto de Oliveira Melo. Julgado em 12.08.2009. Disponível:<www.tjpe.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 187 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 0029029-15.2010.8.26.0562. Desembargador Relator Itamar Gaino. Julgado em 14.03.2012. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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empresa ré, que utilizou, por longos períodos, os contêineres de propriedade da autora, privando-a de empregá-los no exercício de sua atividade.

Todavia, embora existentes julgados atribuindo um free time “costumeiro” à

relação em que não fora de fato acordado previamente entre as partes, certo é que “a

unidade de carga deve ser devolvida após o decurso do prazo de devolução e isenção

fixado contratualmente”.188 Oportuno destacar aqui a importância de ser acordado

tanto o free time quanto o valor da diária, para então ser calculada a sobre-estadia

devida.

Ou seja, a sobre-estadia de contêiner decorre da existência de um contrato

de transporte, acatando-se sua cobrança mesmo sem previsão expressa. Contudo,

para o cômputo do valor devido, entende-se como imprescindível conhecer

previamente o free time acordado e o valor da diária pré-estabelecida, quando então

bastará um simples cálculo aritmético para valoração do débito. Nesse cenário,

questiona-se como é possível conhecer tal valor sem uma previsão contratual

expressa, aceita pelo aderente ao contrato de transporte?

Doutro norte, sustentam outros julgados acerca da necessidade de haver

uma previsão expressa quanto a possiblidade de cobrança da sobre-estadia de

contêineres, que deve vir escrita no conhecimento de embarque, documento que se

consubstancia na evidência escrita do contrato de transporte.189 A partir desta

perspectiva, entende-se como indevida a cobrança de sobre-estadias de contêiner

quando inexistente previsão expressa.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE MARÍTIMO. DEMURRAGE OU SOBREESTADIA ANTE A NÃO DEVOLUÇÃO DE CONTÊINER NO PRAZO ESTIPULADO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO ACERCA DO VALOR DEVIDO A ESSE TÍTULO NO CONHECIMENTO DE EMBARQUE. AUTORA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR QUE AS

188 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 356. 189 APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SOBRESTADIAS (DEMURRAGE) DOS CONTÊINERES UTILIZADOS PARA O ACONDICIONAMENTO DAS MERCADORIAS ORIUNDAS DO EXTERIOR TRANSPORTADAS POR VIA MARÍTIMA (PORTO A PORTO). Procedência do pedido inicial. O contrato de transporte marítimo se evidencia pelo conhecimento de embarque marítimo (bill of lading - BL), contendo as cláusulas que regerão o transporte contratado. [...]. RECURSO A QUE SE DA PARCIAL PROVIMENTO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação n. 02990814720118190001. Desembargador Relator Myriam Medeiros Da Fonseca Costa. Julgado em 06.03.2013. Disponível:<www.tjrj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015).

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PARTES TENHAM PACTUADO PREVIAMENTE O VALOR DE SOBRE-ESTADIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE MONTANTE ESTABELECIDO UNILATERALMENTE PELA TRANSPORTADORA. RECURSO DESPROVIDO.190

Dos clarividentes excertos apontados pela Desembargadora do Tribunal de

Justiça Catarinense no julgado acima, fora frisado que “não se pode admitir a

cobrança da sobre-estadia em valores estabelecidos de maneira unilateral pela

apelante, sem prova de que tenham sido previamente pactuados entre as partes, de

maneira que a apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar o fato constitutivo

do seu direito (art. 333, I, CPC) ”.191

Sobre a previsibilidade da sobre-estadia de contêiner, o Superior Tribunal

de Justiça, ao julgar, no caso concreto, a temática envolta à prescrição desta

cobrança, assentou que:

2. A taxa de sobre-estadia, quando oriunda de disposição contratual - que estabelece os dados e critérios necessários ao cálculo dos valores devidos, os quais deverão ser aferidos após a devolução do contêiner, pela multiplicação dos dias de atraso em relação aos valores das diárias -, gera dívida líquida e certa, fazendo incidir o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do CC.

3. Urge, não obstante, registrar uma importante diferenciação, pois, caso não conste no contrato de afretamento nenhuma previsão acerca da devolução serôdia da unidade de carga, eventual demanda que vise à cobrança dos valores de sobre-estadia obedecerá ao prazo prescricional decenal, haja vista a ausência de disposição legal prevendo prazo menor (art. 205 do CC, ante o seu caráter eminentemente residual).192

Apontou o Colegiado prazos prescricionais distintos para cobranças de

sobre-estadias de contêineres, sendo de 5 anos quando existente previsão expressa

(dívida líquida constante em contrato) e de 10 anos quando inexistente previsão

expressa (regra geral, ausência de prazo menor).

A partir desta análise, pode-se concluir que, de acordo com a jurisprudência

190 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n. 2008.0009576. Desembargadora Relatora Soraya Nunes Lins. Julgado em 08.11.2012. Disponível:<www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 191 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n. 2008.0009576. Desembargadora Relatora Soraya Nunes Lins. Julgado em 08.11.2013. Disponível:<www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 192 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1355173/SP. Ministro Relator Luis Felipe Salomão. Julgado em 15.10.2013. Disponível:<www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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do Superior Tribunal de Justiça, no Brasil é aceita a cobrança de sobre-estadias de

unidade de carga mesmo quando inexistente previsão expressa no contrato de

transporte, o que viola sobremaneira a segurança jurídica, com forte impacto nos

custos logísticos dos usuários de transporte marítimo.

Contudo, verifica-se que a inédita Resolução n. 4.271/2015 da Antaq prevê

o contrário, ao passo que registra como indispensável a previsibilidade da cobrança

de sobre-estadias de contêiner, seja no contrato de transporte, no conhecimento de

embarque, ou em termos de responsabilidade, da seguinte forma:

Art. 10. O contrato de transporte, conhecimento de embarque ou termo de responsabilidade deverá indicar, obrigatoriamente:

I - o valor da sobre-estadia do contêiner; e

II - o prazo de livre estadia do contêiner, contado no embarque a partir da data de retirada do(s) contêiner(es) pelo embarcador e no desembarque a partir do dia seguinte à descarga do(s) contêiner(es) na instalação portuária de destino.

Parágrafo único. A responsabilidade do usuário pela sobre-estadia do contêiner termina com a devolução do contêiner em perfeitas condições de uso ao transportador no local designado na contratação ou no momento da devida entrada do contêiner na instalação portuária de embarque.

A referida Resolução inclusive caracteriza como infração administrativa o

não cumprimento do artigo retro, punível com advertência ou multa de até R$

200.000,00 (duzentos mil reais).193

A verdade é que são constatadas atualmente milhares de cobranças

judiciais de sobre-estadias de contêiner indistintamente, com ou sem previsão

contratual. Sobre a processualística, Martins assevera:

Infere-se, outrossim, ser usual a cobrança de demurrage de unidades de carga embasada em notas de débitos amparadas em termos de responsabilidade firmados pelos despachantes aduaneiros entre transportadores marítimos e seus agentes, principalmente em nome do consignatário.194

193 Art. 20. Constituem infrações administrativas de natureza média: I - deixar de estipular no contrato de transporte, conhecimento de embarque ou termo de responsabilidade prazo de livre estadia do contêiner ou fazer cobrança de sobre-estadia referente a esse prazo: advertência ou multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); 194 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 567.

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De fato, esta é a realidade brasileira. São milhares de ações de cobrança

de sobre-estadias de contêineres amparadas (ou não) por Termos de

Responsabilidade, instrumentos assinados na maioria dos casos pelos despachantes

aduaneiro, munidos de procuração do consignatário, através do qual assumem a

responsabilidade pela devolução tempestiva das unidades lhe confiadas. É neste

documento que estão expressos o free time e a diária da sobre-estadia, que

usualmente são impostas pelo transportador, não havendo negociação entre as

partes.195

Outra prática muito realizada pelos transportadores e acatada pela

jurisprudência é o registro de suas tabelas contento o free time e os valores das diárias

em Cartórios, tornando pública a prática daquela empresa. Para este entendimento, o

registro em cartório dos valores praticados pela empresa torna eficaz a sua

oponibilidade perante terceiros, dispensando, nestes casos, a apresentação do Termo

de Responsabilidade, o que viola sobremaneira os princípios da boa fé contratual, da

previsibilidade e da modicidade.

2.2.3. Modicidade

A sobre-estadia de contêineres certamente surgiu como algo positivo e

estritamente necessário. Se assim não o fosse, o transportador não teria como

assegurar que o contêiner disponibilizado ao usuário retornaria a tempo de ser

utilizado em outro transporte, o que afetaria a logística do transportador.

Ocorre que com o decorrer do tempo a sobre-estadia desfigurou-se da sua

origem e função, sendo atualmente apenas mais um método de lucro, em alguns

casos exacerbado, aos transportadores. Cremoneze eludida que:

195 *AÇÃO DE COBRANÇA. Transporte marítimo. Sobreestadia de contêineres. Despachante aduaneiro atua em nome do importador e tem poderes para firmar termos de devolução de contêineres. Aceito o contrato, com o recebimento dos contêineres por seu mandatário, a recorrente passou a se sujeitar aos direitos e obrigações constantes nos termos de responsabilidade. Esgotado o prazo estipulado sem que o contêiner fosse devolvido, correta a incidência da taxa de demurrage. Recorrente figura como consignatária das mercadorias e é parte do contrato, sendo responsável pelo pagamento das taxas devidas. Recurso improvido. -SOBREESTADIA DE CONTÊINERES. Incoterm CPT não exime o comprador de pagar as despesas decorrentes da sobreestadia, pois cabe ao comprador arcar com todos os encargos desde que a mercadoria chegou ao seu destino (Resolução CAMEX nº 21/2011), sendo certo que a demurrage é uma indenização pela não devolução dos contêineres e não está incluída no frete. Recurso improvido. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00167229220118260562. Desembargador Relator Erson de Oliveira. Julgado em 05.06.2014. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015).

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Não todos, mas muitos armadores lucram mais com as cobranças de demurrage do que com os fretes propriamente ditos, e a cobrança de demurrage não se presta a tal fim, o lucro, mas apenas a “punir” eventuais abusos dos consignatários de cargas quanto ao uso dos contêineres, mais tempo do que o devido e pactuado.196

Se forem analisados os valores que uma sobre-estadia pode chegar a

custar, certamente se concluirá pela cobrança abusiva e sem proporcionalidade

alguma a qualquer possível perda que o transportador possa ter enfrentado pela

devolução tardia do contêiner.

A maioria dos julgados brasileiros tende a não analisar possível

abusividade do montante pleiteado,197 acarretando em uma completa ausência de

modicidade nos valores de sobre-estadia. Contudo, ainda que minoria, há julgados

que analisam os valores pleiteados e tomam medidas para garantir a modicidade, à

exemplo do julgado cujo ementário se segue:

Sobre-estadia ou demurrage - Lapso prescricional para o exercício da ação de cobrança, em face da Lei 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas e dá outras providências. Não há transporte com utilização de "container" que não seja multimodal, prescrevendo a ação de cobrança de sobre-estadia, consequentemente, em 01 (um) ano (art. 22). Exclusão de contratos nestas condições. Exclusão de contratos com prova insatisfatória dos termos finais previstos para a devolução dos cofres. Exclusão de contratos com ausência de consentimento das partes em torno da multa pela devolução em atraso dos cofres. Redução da multa contratual - Desproporcionalidade - Aplicação do art. 944, parágrafo único do NCC. Apelação provida em parte.198

No citado julgado, o Desembargador Luiz Sabbato, considerando ter a

sobre-estadia natureza de cláusula penal, afirmou que “a multa não pode ser superior

ao valor da obrigação principal”. Asseverou que caso o contêiner não fosse devolvido,

a indenização ao transportador seria do valor comercial do bem. Por esse motivo, se

196 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 241. 197 RECURSO DE APELAÇÃO. Ação de cobrança de sobrestadia de contêiner. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Matéria exclusivamente de direito. Autorizado o julgamento no estado. Carência da ação e ilegitimidade passiva. Inocorrência. Ré que autorizou a exportadora a contratar terceiros para realizar o transporte da carga e constou no Conhecimento Marítimo como consignatária. Entrega de equipamento contratada para o porto de Santos, não havendo previsão contratual de entrega porta a porta. Responsabilidade da Ré pelo desembaraço aduaneiro e pagamento da demurrage. Abusividade dos valores da sobreestadia não verificada. Sentença mantida. Recurso desprovido. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 04676340220108260000. Desembargadora Relatora Lidia Conceição. Julgado em 24.09.2014. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015). 198 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 990101002434. Desembargador Relator Luiz Sabbato. Julgado em 22.06.2010. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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devolvido o bem, se mostrava desproporcional que o valor da sobre-estadia fosse

superior ao próprio valor da unidade. Diante disso, o julgador limitou a cobrança de

sobre-estadias a 20% (vinte por cento) do valor de mercado do contêiner.

Com o fim de garantir certa modicidade nos valores cobrados, que, em

alguns casos, são extravagantes e certamente abusivos, há a necessidade de

regulamentação garantindo limitação em valor razoável, a fim de evitar o

enriquecimento ilícito do transportador ou do seu agente intermediário. E isso decorre,

mais uma vez, da ausência de norma regulamentando a sobre-estadia, que, no que

tange à modicidade, reforça ainda mais a insegurança jurídica desta cobrança.

Muito embora (ainda) sem eficácia normativa, a Resolução n. 4.271/2015

inovou ao elencar em seu artigo 3º que é direito básico do usuário a modicidade nos

fretes e preços, neste último inclusos todos os consectários ao frete, inclusive a sobre-

estadia. Sobre a modicidade, a Resolução determina:

Art. 5º. O transportador marítimo, bem como as EBN de apoio marítimo e portuário, devem observar permanentemente, no que couber, as seguintes condições para a prestação do serviço:

[...]

VII - modicidade, caracterizada pela adoção de preços e fretes em bases justas, transparentes e não discriminatórias e que reflitam o equilíbrio entre os custos da prestação dos serviços e os benefícios oferecidos aos usuários, permitindo o melhoramento e a expansão dos serviços, além da remuneração adequada; e

Certo é que o usuário não deve permanecer com um contêiner que não lhe

pertence servindo como armazém de sua carga. Contudo, se por uma eventualidade

a unidade não possa ser devolvida dentro do free time acordado, deve ser garantido

ao usuário do contêiner que o valor cobrado pela sobre-estadia do contêiner seja justo

e proporcional aos custos da operação em si, garantindo equilíbrio na relação.

É notório que a ausência de modicidade, razoabilidade e proporcionalidade

nos preços das sobre-estadias agrava a ausência de segurança jurídica, que somente

será minimizada quando realizada a correta regulamentação ao tema.

2.2.4. Legitimidade

Sob a ótica brasileira, a legitimidade precisa ser analisada por ambos os

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prismas, legitimidade ativa (credor) e passiva (devedor), uma vez que se verifica

discrepância de entendimentos nos dois lados. Analisar-se-á, num primeiro momento,

a legitimidade ativa na cobrança de sobre-estadias de contêiner.

A sobre-estadia de contêiner é o valor devido ao transportador pelo tempo

que o usuário da unidade de carga permanecer com a mesma além do prazo pré-

estipulado. Ou seja, consagra-se o entendimento de que é do transportador a

legitimidade de pleitear a sobre-estadia.

Cobrança. Transporte marítimo. Sobre-estadia (demurrage). Legitimidade de parte ativa reconhecida, vez que a Autora ostenta qualidade de transportador. Prescrição que é aquela enunciada no artigo 206, § 5º, I, do CC. Precedente jurisprudencial, inclusive do STJ. Devolução dos containeres com atraso evidenciada. Valor cobrado da taxa de sobreestadia que não foi impugnado especificamente. Princípios da boa-fé, probidade e função social dos contratos que devem ser observados por ambas as partes. Apelante que firmou contrato de importação de livre e espontânea vontade. Incidência do princípio "pacta sunt servanda". Sentença de procedência mantida. Preliminar rejeitada e recurso não provido.199

Assim, quando da operacionalização de um transporte marítimo de carga

unitizada em contêiner, será ofertado pelo transportador ao usuário um prazo,

denominado free time, para que o mesmo possa utilizar-se do contêiner sem custo,

devendo devolvê-lo ao transportador após a sua utilização. Caso o referido free time

seja ultrapassado, ao transportador é garantido o direito de cobrar um valor diário pela

sobre-estadia do contêiner.

Contudo, constata-se a existência de julgados que propugnam pela

comprovação de propriedade da unidade de carga. Esse entendimento pode ser

exteriorizado pelo voto da Desembargadora Janice Goulart Garcia Ubialli, do Tribunal

de Justiça de Santa Catarina, ao afirmar que “a sobre-estadia (demurrage ou

sobredemora) é uma compensação devida ao proprietário do contêiner em razão da

retenção dessa unidade de carga por prazo superior ao contratualmente previsto

como de isenção (free time)”,200 concluindo que “o que se vê, portanto, é que essa

199 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00226569420128260562. Desembargador Relator João Pazine Neto. Julgado em 25.11.2014. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 200 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n. 2009.0411145. Desembargadora Relatora Janice Goulart Garcia Ubialli. Julgado em 31.10.2013. Disponível:<www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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compensação é devida ao proprietário do contêiner”.201

Ocorre que na prática comercial atual, geralmente os contêineres não

pertencem àquele que operacionalizou o transporte, ou seja, não pertencem ao

transportador, seja ele o transportador executor ou o NVOCC.202 O que se constata

atualmente no mercado internacional de frete é que as empresas marítimas não

possuem a quantidade suficiente de contêineres para suprir sua totalidade de clientes.

Diante disso, contratos de leasing de contêineres foram introduzidos no âmbito do

mercado de frete internacional.

Trazendo-se à baila a legitimidade passiva, é necessário diferenciar a

sobre-estadia de contêiner ocorrida no embarque do contêiner - carregamento

(exportação), daquele ocorrida no desembarque da unidade - descarregamento

(importação).

Ao tratar de sobre-estadia no embarque da unidade, comumente conhecida

simplesmente por detention, constata-se a legitimidade passiva do embarcador da

carga (shipper) para responder por esta cobrança. Melhor elucidando a legitimidade

do embarcador e responder por esta cobrança, cita-se trecho de julgado do Tribunal

de Justiça de São Paulo, em ação de cobrança de valores de sobre-estadia na

exportação (detention):

A detention, assim como a demurrage, consiste em termo técnico utilizado no transporte marítimo, consistente em indenizar o armador, ou seja, o operador do frete marítimo, pelo descumprimento na entrega do contêiner para embarque fora do prazo denominado free time pelo afretador ou embarcador. O atraso na entrega do cofre ou contêiner objetiva indenizar o armador, que dele foi privado de sua utilização, geralmente por uma multa prevista em contrato por dia de atraso.203

Desta forma, havendo atraso na devolução do contêiner para o seu

respectivo embarque, a responsabilidade pela sobre-estadia é imputada

indubitavelmente ao embarcador da carga, qual seja aquele que figura como shipper

201 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n. 2009.0411145. Desembargadora Relatora Janice Goulart Garcia Ubialli. Julgado em 31.10.2013. Disponível:<www.tjsc.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 202 Matéria abordada no tópico 2.2.3.1 abaixo. 203 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 0007204-44.2012.8.26.0562 . Desembargador Relator Francisco Giaquinto. Julgado em 28.05.2014. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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no BL, sendo dele a legitimidade passiva.

Por outro lado, havendo sobre-estadia de contêiner no descarregamento,

consubstanciada no atraso na devolução do contêiner vazio após o transporte, a

jurisprudência aponta a legitimidade passiva do destinatário da carga, ou seja,

daquele que figura como consignee no BL.204

Nota-se, portanto, que a legitimidade passiva da sobre-estadia de contêiner

reporta-se unicamente às disposições constantes no BL, não sendo analisadas as

circunstâncias fáticas paralelas à contratação, tampouco as cláusulas do contrato.

Havendo sobre-estadia no carregamento, imputa-se a legitimidade ao shipper, e,

havendo sobre-estadia no descarregamento, a legitimidade é do consignee.

2.2.3.1. NVOCC como parte legítima – ativa e passiva

O NVOCC – Non-Vessel Operating Common Carrier, que significa, ipsis

litteris, transportador comum não operador de navio, é “um transportador que mantém

o controle sobre parte do navio sem ter que comprá-lo, tampouco tomá-lo em contrato

de afretamento e, mesmo, ocupar-se com sua administração”.205 Sobre a atuação

desta figura no mercado de fretes marítimos, Sávio José Di Giorgi Ferreira de Souza,

esclarece:

A atividade denominada NVOCC – non vessel operator common carrier (operador conjugado de frete marítimo) surgiu de uma condição extraordinária criada durante a transição forçosa dos navios de carga geral para full containers. Desde a mudança, tornou-se fácil intermediar a compra e venda de fretes marítimos em nome próprio, na condição de atacadistas de espaços em navio, sem que o comprador seja usuário final ou o transportador físico da carga. O usuário final é o embarcador ou o consignatário (exportador ou importador), dependendo de quem contrata o transporte da mercadoria que se dá pela Cia de Navegação proprietária do navio.206

204 APELAÇÃO AÇÃO DE COBRANÇA DEMURRAGE LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. Por ser a Apelante consignatária da carga (fl. 72), é evidente que tem legitimidade para se sujeitar aos efeitos da prestação jurisdicional em relação à pretensão inicial do Apelante. RECURSO IMPROVIDO NESTE PONTO. [...](BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 4005792-73.2013.8.26.0562. Desembargador Relator Eduardo Siqueira. Julgado em 15.04.2015. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015). 205 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 78. 206 Sávio José Di Giorgi Ferreira de Souza apud CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 78.

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O NVOCC é, portanto, um transportador marítimo sem navio cuja atividade

consiste na contratação de fretes com as transportadoras marítimas de fato (real

transportador ou transportador executor) e revenda destes para seus clientes,

importadores e exportadores.

Segundo Castro Junior e Bandeira, ao comentarem o NVOCC no direito

norte-americano, afirmaram que "tal conceito encontra-se devidamente prelecionado

no Shipping Act de 1984,207 logo após o conceito de transitário marítimo (freight

forwarder) que, junto com o NVOCC, compõem a categoria de ocean transportation

intermediary (OTI).208

Note-se que o NVOCC, muito embora seja um transportador virtual (ou

transportador contratual), porquanto que a execução do transporte é efetivada por

outra empresa, é o transportador perante seu cliente (importador ou exportador).

Verdade é que o NVOCC efetivamente é um transportador pois, conforme bem

apontou Martins, “é irrelevante, para o conceito, se o transportador executa

pessoalmente o contrato ou repassa a execução do transporte a outro transportador

– o transportador executor”.209

A operacionalização do contrato de transporte quando existente um

NVOCC ocorre mediante a emissão de um BL pelo NVOCC (HBL) e outro pelo

transportador executor (MBL). Exemplificando, supondo uma contratação de um

NVOCC para transportar determinada carga, o mesmo repassará a execução do

transporte para um armador, ou Cia de Navegação, que terá como seu contratante o

NVOCC. A Cia de Navegação emitirá um BL, denominado MASTER BL (MBL) ou BL MÃE,

no qual constará como embarcador (shipper) o NVOCC da origem. O consignatário

do MBL será outro NVOCC, ou seja, um NVOCC no destino, parceiro do NVOCC da

origem, que tem por função desmembrar o MBL. O NVOCC da origem emitirá um BL ao

seu embarcador (exportador), então denominado HOUSE BL (HBL) ou BL FILHOTE. Neste

HBL constará o exportador como shipper e o importador como consignee (em regra).

207 Section 3(17). 208 CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de; BANDEIRA, Samuel Helges. A relevância da regulação do NVOCC para o Poder Marítimo brasileiro. In: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. (org.). Direito Marítimo, Regulação e Desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 448. 209 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol III: contratos e processos. Barueri: Manole, 2015. p. 509.

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Sintetizando, Martins explana:

O NVOCC recebe do transportador executor um BL, em seu nome, referente à carga entregue para o transporte. Efetivamente, evidencia-se que o NVOCC é o embarcador perante o armador, em lugar do próprio dono da carga, como ocorre normalmente. Sequencialmente, o NVOCC emite o seu próprio BL, representando a carga recebida, e que é entregue ao dono da carga.210

Ou seja, quando há a atuação de um NVOCC no transporte marítimo,

haverá um MBL emitido pelo transportador executor ao NVOCC, bem como um HBL

emitido pelo NVOCC ao contratante de fato da operação. Diante disso, nota-se que

há dois conhecimentos de embarque (ou seja, duas relações jurídicas) para apenas

uma operação no plano dos fatos. Assim, enquanto o transportador executor, emissor

do MBL, é responsável pelo transporte perante o NVOCC, este o é perante o

exportador/importador, conforme o HBL.

Do ponto de vista do NVOCC, nota-se que este figura como transportador

perante ao real embarcador e consignatário (exportador e importador). Contudo, o

NVOCC será o próprio embarcador ou consignatário no que tange à contratação do

transportador executor.

Após esta introdução, retorna-se à temática da legitimidade nas ações de

sobre-estadia de contêineres. Ora, sendo o NVOCC o transportador perante o real

embarcador e consignatário (exportador e importador), emitente de um conhecimento

de embarque (HBL), ele possui plena legitimidade ativa para pleitear valores de sobre-

estadia de contêineres (do exportador e importador). Ilustrando a afirmativa acima,

cita-se trecho de inteiro teor de julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:

Os agentes NVOCC atuam de forma a consolidar mercadorias de vários embarcadores em um ou vários contêineres, facilitando o trabalho e os custos também dos armadores no transporte, podendo-se dizer que são os efetivos transportadores das mercadorias. De outro vértice, distinta é a relação que exsurge entre o importador e o NVOCC, no caso, Ré e Autora, respectivamente. Isso porque, na qualidade de importadora da carga descrita no conhecimento de embarque, não intervém no contrato de transporte e não mantém vínculo direto com o armador, mas sim com o próprio agente NVOCC. Destaca-se, portanto, a existência de duas relações contratuais distintas, ou seja, uma entre a Autora e o transportador, dando origem aos conhecimentos de embarque emitidos às fls. 29/38,

210 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 255.

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e outra entre Autora e Ré. Nessa toada, da relação existente entre a Recorrente e a Recorrida exsurgem os encargos contratuais, inclusive do pagamento da sobreestadia à que esta tenha dado causa, legitimando-se, assim, a cobrança promovida entre a Apelante e a empresa Apelada.211

Doutro norte, muito embora o NVOCC seja o transportador no que

concerne à relação evidenciada pelo HBL, ele é o embarcador ou consignatário do MBL,

o que o qualifica, igualmente, na legitimidade passiva da sobre-estadia de contêineres.

Ora, figurando o NVOCC em um BL como shipper, e havendo custos de

sobre-estadia de contêiner no carregamento (detention), perante ao transportador

executor é o NVOCC o legitimado passivamente. O mesmo ocorre quando há sobre-

estadia no descarregamento e o NVOCC é o consignee do BL.

Importante notar que, nestes casos, o transportador executor não possui

qualquer relação contratual com o real embarcador e consignatário (exportador e

importador de fato). Sua relação se restringe ao seu conhecimento de embarque, MBL,

forçando-o a acionar o NVOCC por eventuais sobre-estadias.

A jurisprudência é firme em atribuir a legitimidade passiva ao NVOCC

quando este figura como shipper ou consignee no BL, pouco importando a existência

de outro conhecimento de embarque em que figuram outros intervenientes como reais

embarcadores e destinatários. Sobre o tema:

[...] LEGITIMIDADE PASSIVA - Consignatária – Pretensão de que seja acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva em razão de não ter obrigação em pagar a sobreestadia - Rejeição - Hipótese em que, mesmo sendo a apelante um armador sem navio (N.V.O.C.C. - Non-Vessel Operating Common Carrier), foi ela consignatária das mercadorias transportadas, conforme os conhecimentos de transporte (Bills of Lading) de fls. 37-96, sendo, portanto, a responsável pelas obrigações lá pactuadas, entre elas, a entrega dos contêineres dentro do prazo avençado, o que a torna legitimada para figurar no pólo passivo da demanda - PRELIMINAR REJEITADA.212

211 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE MARÍTIMO. LEGITIMIDADE ATIVA. AUTORA QUE ATUA NA QUALIDADE DE AGENTE NVOCC (NON VESSEL OPERATING COMMON CARRIER). RELAÇÃO JURÍDICA QUE EXSURGE DA DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA AOS AUTOS. SENTENÇA CASSADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. APELO PREJUDICADO. RECURSO DE APELAÇÃO 1 PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO 2 PREJUDICADO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação n. 843474-0. Desembargador Relator Sérgio Arenhart. Julgado em 12.06.2012. Disponível:<www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015). 212 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 0188348-81.2009.8.26.0100. Desembargadora Relatora Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca. Julgado em 27.07.2011.

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Quando um NVOCC atua na logística do transporte marítimo, aquele se

situa em duas posições distintas: como credor de sobre-estadias e como devedor.

Ocorre que, na maioria dos casos, o NVOCC cobra de seu contratante um valor maior

pela sobre-estadia do que lhe é efetivamente cobrado pelo transportador executor,

acarretando em mais uma cadeia de lucro em detrimento do importador/exportador

final, e de enriquecimento sem causa, somente quando esse valor é a abusivo.

2.2.3.2. Despachante aduaneiro

Conforme explicado alhures, inúmeras são as ações de cobrança de sobre-

estadias de contêineres embasas em Termos de Responsabilidade, instrumentos

assinados na maioria dos casos por despachantes aduaneiros. O despachante

aduaneiro atua como representante do importador ou exportador auxiliando no

desembaraço de mercadorias bem como intermediando o trânsito da carga. Sobre as

atividades desenvolvidas pelo despachante aduaneiro, cita-se o Decreto n. 646 de 09

de setembro de 1992.

Na prática atual, com a chegada da carga no destino, o despachante

aduaneiro realiza inúmeros procedimentos para viabilizar o desembaraço aduaneiro e

respectiva liberação da carga para a qual foi contratado. Para atuar desta forma em

nome do importador, este lhe fornece uma procuração, outorgando-lhe diversos

poderes inerentes à atividade.

Munidos desta procuração, os despachantes aduaneiros assinam os

referidos Termos de Responsabilidade em nome dos consignatários, de forma a liberar

a carga perante ao transportador. Nestes Termos de Responsabilidade é comum a

existência de uma cláusula de solidariedade, através da qual o despachante

aduaneiro, em tese, assume responsabilidade solidária com o consignatário para a

devolução tempestiva das unidades de carga e consequente pagamento de sobre-

estadias.

E é com base nestes Termos de Responsabilidade que ações de cobrança

de sobre-estadias são ajuizadas em face de despachantes aduaneiros, sendo a sua

legitimidade passiva, em alguns casos, aceita pelo judiciário. Inclusive, os

Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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despachantes aduaneiros são de fato condenados solidariamente a pagar os valores,

haja vista que para a aferição da responsabilidade pela sobre-estadia não é analisado

o elemento culpa, bastando a comprovação do atraso na devolução da unidade, por

quem quer que seja.

Neste sentido:

Ação de cobrança - sobrestadia de contêineres ("demurrage") - legitimidade passiva do despachante aduaneiro - prescrição - revogação do art. 449 do Código Comercial pelo CC de 2002 - inaplicabilidade da Lei nº 9.611/98, bem como do prazo trienal previsto no art. 206, § 3º,V do CC - incidência do prazo decenal do art. 205 do CC - natureza jurídica da cobrança - caráter de indenização - valor contratualmente previsto devolução fora do prazo de 'freetime' estabelecido entre as partes sobrestadia de um dia devida - ação julgada parcialmente procedente - sentença reformada para esse fim - recurso parcialmente provido.213

TRANSPORTE MARÍTIMO - ação de cobrança - sobreestadia de contêineres - legitimidade passiva da consignatária da carga e também da despachante aduaneira - existência de causa de pedir e possibilidade jurídica do pedido - não comprovada coação alegada pela despachante aduaneira, tampouco que ela se responsabilizou por um único contêiner - "demurrage" constitui indenização por descumprimento de contrato e não cláusula penal - existência de "Termo de Responsabilidade por devolução de contêineres" que obriga as corrés solidariamente ao pagamento de sobreestadia - possibilidade de adoção do dólar como moeda de referência para pagamento, convertido para moeda nacional para cobrança - demanda procedente recursos improvidos.214

Há vasta crítica sobre a inclusão do despachante aduaneiro em ações de

cobrança de sobre-estadias, uma vez que a assinatura do Termo de Responsabilidade

está intrínseca à sua atividade como despachante. Demais disso, o despachante

aduaneiro não possui qualquer gerência sobre o contêiner, limitando-se a atuar no

desembaraço aduaneiro. Sobre a procuração que é utilizada para a assinatura do

aludido Termo de Responsabilidade, aponta Martins que a mesma não confere

poderes para assunção da aludida responsabilidade, porquanto que os poderes de

um despachante aduaneiro são específicos e estão discriminados no Decreto n.

213 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00390574220108260562. Desembargador Relator Coutinho de Arruda. Julgado em 10.02.2015. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 214 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 00325552420098260562. Desembargador Relator Jovino de Sylos. Julgado em 30.042013. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.

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646/1992.215

Frente à análise realizada quanto aos elementos determinantes da sobre-

estadia de contêiner sob a ótica do Direito Inglês e do Direito Brasileiro, percebe-se

facilmente a insegurança jurídica no Brasil quanto à sobre-estadia de contêineres.

Considerando não haver norma regulando o instituto, a disparidade de julgados é

latente, evidenciando a necessidade jurídica e econômica da presente pesquisa.

Diante disso, e considerando a tramitação de um projeto de lei que

possivelmente regulará esta matéria tão específica do Direito Marítimo, é que se faz

extremamente necessário fazer o estudo comparado e a análise das disposições

correlatas à sobre-estadia de contêiner sugeridas pelas emendas 56 e 215 ao PL

1572/2011, avaliando sua eficácia normativa, o que será realizado do próximo e último

Capítulo.

215 MARTINS, Elaine Maria Octaviano. Curso de direito marítimo, vol II: vendas marítimas. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 351.

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CAPÍTULO 3

ANÁLISE COMPARATIVA DOS ELEMENTOS DETERMINANTES DA

SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINER NA INGLATERRA E NO BRASIL:

CRÍTICAS ÀS EMENDAS 56 e 215 DO PL 1572/2011

Este capítulo, composto de duas partes, objetiva efetuar a análise

comparativa dos quatro elementos determinantes encontrados no Direito Inglês e no

Direito Brasileiro, confrontando-os às disposições das emendas 56 e 215 propostas

ao PL 1572/2011.

Na primeira parte faz-se um contraste do que foi pesquisado no Capítulo 2,

itens 2.1. e 2.2. Essa análise será feita no item 3.1 deste Capítulo. Após esse

contraste, no item 3.2 far-se-á o confronto com o que é sugerido nas emendas 56 e

215 apresentadas ao PL 1572/2011 no que se refere à sobre-estadia de contêineres.

Abordou-se, anteriormente, que em termos de Direito Marítimo, por um

longo período o Direito Brasileiro era o mesmo que Direito Português, considerando-

se que o Brasil era uma colônia de Portugal até 1822. Em 1850, o Brasil codificou sua

legislação comercial, incluindo o Direito Marítimo dentro do CCom.216 Este código

estava inteiramente em vigor até 2002, quando o CC217 foi estabelecido, revogando a

Parte I do CCom, que lidava com o comércio em geral. O CCom não foi integralmente

revogado, mantendo-se em vigor, dentre outras disposições, a Parte II do aludido

codex, a qual trata do comércio marítimo.

Claramente, um Código de 1850, talvez a única lei ainda em vigor do

período Imperial brasileiro, não atende às necessidades atuais do comércio,

especialmente no que se refere ao comércio marítimo, que se desenvolveu

drasticamente ao longo das últimas décadas. Tanto o é que diversas práticas atuais

não são abordadas pelo CCom, como a matéria sub examine, que é despida de

qualquer normatização.

Em junho de 2011, um Projeto de Lei de um Novo Código Comercial foi

216 Código Comercial Brasileiro, Lei nº 556, 25 jun. 1850. 217 CC Brasileiro, Lei nº 10.406, 10 jan. 2002.

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apresentado ao Congresso Nacional, com o número 1572/2011. Até o momento,218

223 emendas foram apresentadas ao projeto, dentre as quais as emendas 56,

proposta em dezembro de 2012, e a emenda 215, proposta em abril de 2015.

Referidas emendas visam complementar o PL 1572/2011 com disposições

correlatas ao Direito Marítimo. Dentre estas disposições, são objeto do presente

estudo aquelas correlatas à sobre-estadia de contêiner.

Através da análise da prática atual do mercado envolto ao transporte

marítimo, analisar-se-á através do estudo comparado os elementos determinantes da

sobre-estadia de contêiner na Inglaterra e no Brasil, verificando, com base em erros e

acertos, a eficácia das disposições correlatas à sobre-estadia de contêiner propostas

ao PL 1572/2011.

3.1. Análise comparativa

3.1.1. Conceito e natureza jurídica

Ao examinar o conceito e a natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner,

percebeu-se que, na visão do Direito Inglês, a sobre-estadia de contêiner, ou, como é

denominada, a demurrage de contêiner, reflete exatamente os princípios basilares da

demurrage de navio, que é uma cláusula da Carta Partida por Viagem aplicável

quando da existência da quebra contratual, consubstanciada no trespasse do laytime.

Havendo esta quebra contratual, a cláusula da demurrage, que estabelece um

montante líquido pelas possíveis perdas causadas ao fretador em decorrência da

privação de seu navio pelo afretador, será executada.

A sobre-estadia de contêiner, por seu turno, acompanha o entendimento

perfilado para a demurrage de navio. A jurisprudência inglesa afirma que a natureza

jurídica da sobre-estadia de contêiner é de cláusula indenizatória, consubstanciada

em liquidated damages, ou seja, indenização pré-fixada ou danos liquidados, natureza

jurídica esta existente naquele ordenamento. É excluída expressamente a

possibilidade de enquadramento deste instituto como contraprestação pelo exercício

de um direito, porquanto que a sobre-estadia é vista como consequência de uma

quebra contratual, verificada após a ultrapassagem do free time concedido no

218 Último acesso em nov. 2015.

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contrato.

Muito embora a doutrina inglesa critique a sobre-estadia de contêiner e

afirme que, na realidade, este instituto se mostra mais similar à uma cláusula penal, a

jurisprudência da House of Lords já destacou que esta não é a natureza jurídica da

demurrage. Considerando que a sobre-estadia de contêiner tem uma data limite para

encerrar o seu acúmulo, qual seja a data da devolução das unidades, ou,

eventualmente, uma data estipulada pela corte (tal qual o realizado no case MSC

Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015]), o valor tido como

devido é plenamente justificável com motivos compensatórios, descaracterizando o

enquadramento do instituto como cláusula penal no Direito Inglês, o que inviabilizaria

a sua cobrança.

Para o Direito Inglês, a indenização pré-fixada da sobre-estadia de

contêiner é extremamente eficaz, ao passo que torna desnecessária a prova de uma

efetiva perda, bastando que se invoque a aplicação da cláusula quando da quebra

contratual, esta sim mediante provas. Assim, muito embora seja uma indenização

(pré-fixada), a sobre-estadia já está prevista de forma líquida no contrato, sendo, em

verdade, um facilitador para a quantificação da indenização e, por sua vez, da

previsibilidade, embora esta não implique em modicidade.

Já no Brasil, a realidade não é assim tão uniforme. Não há pacificação

quanto ao conceito e natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner, seja na doutrina

ou na jurisprudência, e isso talvez derive da inexistência de uniformidade quanto ao

instituto originário, qual seja a demurrage de navio.

Existem entendimentos que enquadram a sobre-estadia de contêiner em

indenização por danos materiais em sede de responsabilidade civil contratual. Outros

afirmam a desqualificação do instituto como indenização, enquadrando-o como

cláusula penal, que, diferente do Direito Inglês, no Brasil é plenamente aceito e

exequível.

Não se mostra aplicável, contudo, o enquadramento da sobre-estadia de

contêiner em indenização em sede de responsabilidade civil. Primeiramente, exclui-

se imediatamente o enquadramento em responsabilidade civil extracontratual, ou

aquiliana, porquanto que a sobre-estadia de contêiner decorre obrigatoriamente de

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uma relação contratual de transporte.

A responsabilidade civil contratual, por seu turno, decorre do

inadimplemento de uma obrigação, da violação ou inexecução de um contrato,

respondendo o devedor pelas perdas e danos e consectários legais. Limitando-se a

isso, poderia ser afirmado que a sobre-estadia de contêiner se enquadra

perfeitamente na responsabilidade civil. Ocorre que, tratando-se de indenização,

ainda que em sede de responsabilidade civil contratual, o ordenamento positivo

brasileiro traz como requisitos essenciais o nexo causal e a prova do dano, estes que,

na sobre-estadia de contêiner, são dispensados imediatamente.219

Diniz esclarece que a indenização por perdas e danos em sede de

responsabilidade civil contratual, regulada pelos artigos 389 e 395 do CC, tem como

pressuposto o dano, “pois sem ele impossível será a ação de indenização”.220

Neste cenário, enfatiza-se que embora seja sustentado, em alguns casos,

a natureza jurídica de indenização da sobre-estadia de contêiner, as ações não são

indenizatórias, mas sim de cobrança, nas quais não é trazida em seu corpo a prova

do dano em si.221

De acordo com o que fora abordado anteriormente, a sobre-estadia de

contêiner, assim como a demurrage de navio, nasceu como facilitador às possíveis

perdas e danos que o transportador pudesse sofrer pela devolução intempestiva do

contêiner (ou do navio, na Carta Partida). Assim, dispondo-se em contrato qual valor

219 Conforme preconiza Diniz, para a fixação da indenização por perdas e danos o magistrado “deverá considerar se houve: dano positivo ou emergente; dano negativo ou lucro cessante; nexo de causalidade entre o prejuízo e a inexecução culpa ou dolosa da obrigação por parte do devedor. Deve ater-se, ao fixar o quantum das perdas e danos, ao tempo do julgamento, ao lugar da estimação, que será o daquele em que o pagamento teria de efetuar-se, e à pessoa do lesado, principalmente sua situação patrimonial”. Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 437. 220 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 269. 221 Transporte marítimo. Ação de cobrança. Sobre-estadia de containers (demurrage). Preliminar de cerceamento de defesa afastada. Natureza indenizatória da demurrage. Indenização devida mesmo quando não houver expressa previsão contratual, pois decorre dos usos e costumes do comércio marítimo. Adesividade do contrato que não vicia, por si só, sua validade. Atraso na devolução dos containers incontroverso nos autos. Responsabilidade que prescinde da demonstração de culpa. Burocracia alfandegária que configura risco da atividade das empresas importadoras e não pode ser oposta à autora. Ausência de demonstração da abusividade dos valores cobrados, em relação àqueles praticados no mercado. Sentença mantida. Recurso improvido. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 0038996-16.2012.8.26.0562. Desembargadora Relatora Maria Cláudia Bedotti. Julgado em 22.10.2015. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015).

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será devido pela devolução do contêiner fora do prazo, basta que se comprove a

devolução fora do prazo para que se cogite a aplicação da aludida cláusula, tornando-

se irrelevante a prova efetiva de dano.

Tratar a sobre-estadia de contêiner como indenização, dentro do

ordenamento jurídico brasileiro, vai de total desencontro à origem deste instituto, que,

como facilitador das relações, tem como intrínseco a dispensabilidade da prova de

dano. Neste cenário, sendo requisito essencial no ordenamento brasileiro a prova de

dano para a indenização, não há o que cogitar em atribuir esta natureza ao instituto

em análise, ante a própria essência existencial do mesmo.

Ou seja, não se verifica na sobre-estadia de contêiner os elementos

formadores da indenização em sede de responsabilidade civil contratual no Brasil. Na

prática, a sobre-estadia de contêiner não exige os elementos intrínsecos da

indenização, além de que o valor de sua cobrança, na prática atual, ultrapassa

facilmente qualquer possível dano eventualmente comprovado.

Ao que consta, o enquadramento deste instituto no Brasil como indenização

objetiva reproduzir os parâmetros internacionais de países anglo-saxônicos, como a

Inglaterra, onde a sobre-estadia de contêiner é puramente uma indenização pré-

fixada. Ocorre que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro a figura da “indenização

pré-fixada” tal qual na Inglaterra, ao menos não com a denominação de indenização.

Concluindo o raciocínio, elencam-se os clarividentes excertos de Dinis:

A responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar e só haverá indenização quando existir prejuízo a reparar. É preciso não olvidar, porém, que há hipóteses, na seara da responsabilidade contratual, em que a lei presume a existência do dano, liberando o lesado do ônus de provar sua existência. É o que se dá, p. ex., com:

[...]

b) a cláusula penal (CC, art. 416), pois para exigir a pena convencional não será necessário que o devedor alegue dano;222

No Brasil, portanto, tem-se a figura da cláusula penal, assim conceituada

por Diniz:

222 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 269.

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A cláusula penal (stipulatio poenae) vem a ser um pacto acessório, pelo qual as próprias partes contratantes estipulam, de antemão, pena pecuniária ou não, contra a parte infringente da obrigação, como consequência de sua inexecução completa culposa ou à de alguma cláusula especial ou de seu retardamento (CC, art. 408), fixando, assim, o valor das perdas e danos, e garantindo o exato cumprimento da obrigação principal.223

Enfatiza-se a função ambivalente da cláusula penal, uma vez que reúne a

função compulsória (meio de forçar o cumprimento avençado) e a função indenizatória

(estimativa prévia de perdas e danos). E, concluindo, Diniz assevera que as funções

da cláusula penal consistem em “prever o seu inadimplemento, sendo uma

predeterminação das perdas e danos estabelecidos a priori, e constituindo uma

compensação dos prejuízos sofridos pelo credor com o descumprimento da obrigação

principal”.224

Nota-se que o conceito e função da cláusula penal encaixam-se

perfeitamente na sobre-estadia de contêiner. A cláusula penal brasileira nada mais é

do que a indenização pré-fixada, ou liquidated damages, perante o Direito Inglês.

Conforme já se apontou, sendo o Brasil um país cujo ordenamento jurídico é

puramente civilista, tem-se que o conceito de indenização pré-fixada contratualmente

é de uma cláusula penal, regida, até então, pelo CC.

A sobre-estadia é, senão, uma estimativa prévia de possíveis perdas e

danos, estabelecendo-se um valor fixo diário a ser devido por aquele que descumprir

o contrato no que tange à devolução tempestiva de contêineres, obrigando o

contratante a cumprir com o prazo avençado. Dispensa, nos termos do artigo 416, a

prova do dano efetivo, assim como os liquidated damages no Direito Inglês, bastando

para a sua exigibilidade a prova da quebra contratual.

Conceituar a sobre-estadia de contêiner no Brasil como cláusula penal e

atribuir-lhe esta natureza jurídica não a distingue da sobre-estadia de contêiner

perante o Direito Inglês, o qual atribui a natureza jurídica de indenização pré-fixada.

O que se tem são enquadramentos distintos do mesmo instituto, cada qual no seu

ordenamento jurídico que, em regra, não atribuirá à sobre-estadia características

223 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 438. 224 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 438.

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diferentes. Isso, de fato, vem a consolidar as características necessárias do Direito

Marítimo, quais sejam a uniformidade e internacionalidade.

A cobrança da sobre-estadia de contêiner, portanto, é uma consequência

de uma quebra contratual, consubstanciada na devolução intempestiva do contêiner

quando ultrapassado o free time acordado. Enquanto perante o Direito Inglês fala-se

em aplicação da cláusula de indenização pré-fixada, no Brasil fala-se em aplicação da

cláusula penal, cada qual plenamente exigível em seu respectivo ordenamento, sendo

em todo semelhante, com exceção da denominação em si.

3.1.2. Previsibilidade

Na perspectiva inglesa, a previsibilidade da sobre-estadia de contêiner no

contrato, inclusive no conhecimento de embarque, é inerente ao próprio conceito e

natureza jurídica do instituto. Ora, a demurrage de contêiner no Direito Inglês é, senão,

a cláusula contratual cuja quebra enseja no acumulo de sobre-estadias, identificado

como uma indenização pré-fixada, ou seja, pré-determinada por um contrato.

Nas relações comerciais na Inglaterra, percebeu-se pelos julgados e pela

análise doutrinária que a previsibilidade da sobre-estadia de contêiner e suas

especificações vêm estipuladas no próprio conhecimento de embarque, que é a

evidência escrita do contrato de transporte. Estas especificações podem vir descritas

nas cláusulas pré-impressas do BL ou até mesmo inseridas na parte editável deste

documento. Havendo divergência entre o pré-impresso e o inserido pontualmente na

parte editável, prevalecerá este último por melhor evidenciar a vontade dos

contratantes. Somente será justificável aplicar um valor diverso daqueles apontados

pelo BL se houver prova de um acordo expresso após a celebração do contrato de

transporte e desde que durante o transporte ou até a chegada da carga no seu destino.

Já no Direito Brasileiro, ante a própria inexistência de regulação e

legislação neste sentido, a jurisprudência aceita cobranças de sobre-estadia sem

qualquer previsão contratual, intensificando a insegurança jurídica do instituto. O

fundamento para tanto é que esta cobrança é intrínseca a todo o contrato de

transporte, eis que já muito bem consolidada nos usos e costumes da prática

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marítima.225

Certo é que a sobre-estadia de contêineres já faz parte do Direito Marítimo,

reportando a sua origem à Carta Partida por Viagem, na qual a sobre-estadia é

cobrada pela retenção do navio. Com o passar dos anos e em decorrência da

conteinerização do transporte, a sobre-estadia passou também a ser cobrada pela

retenção dos contêineres utilizados para o acondicionamento das cargas.

Ocorre que o fato de um instituto estar inserido nos usos e costumes não o

torna exigível em toda e qualquer relação negocial sem qualquer previsão contratual.

Tem-se que a sobre-estadia de contêiner é matéria já consolidada na lex maritima.

Contudo, lex maritima não determina a sua cobrança sem qualquer previsão, sendo

equivocada a interpretação contrária. Mesmo porque, o Direito Comparado, em

especial o Inglês, que é pilar sustentador do Direito Marítimo, assim não determina.

Sobre o tema da relativização de tais usos e costumes, especialmente

quando em conflito com a ordem pública brasileira, consubstanciada nos princípios da

previsibilidade e da modicidade, cabe a lição de Castro Junior:

Não obstante o uso da Lex Maritima no Direito Marítimo brasileiro, esse deve ser recepcionado com a filtragem fundada na observância do princípio da ordem pública disposto no art. 17, LINDB, e no Código de Defesa do Consumidor, especialmente em face das cláusulas abusivas que tais contratos de transportes padronizados (de adesão) possuem, com grave prejuízo aos usuários brasileiros.226

Doutro norte, como visto, não é possível enquadrar a sobre-estadia de

contêineres no ordenamento jurídico brasileiro como pura indenização, eis que os

elementos formadores desta natureza jurídica dispostos na legislação nacional são

inexistentes no instituto em tela, mormente a prova efetiva do dano. Desta forma, sua

natureza é de simples cláusula penal, exigível quando da quebra contratual pela

devolução do contêiner fora do prazo estipulado. Nesse passo, sua previsão é

indispensável.

225 Código de Processo Civil. Art. Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. 226 CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. Direito Marítimo e Direito Portuário à Luz da Globalização: Breves Notas. In: CASTRO JUNIOR, Osvaldo Agripino de. (Org.). Contratos Marítimos e Portuários: Responsabilidade civil. São Paulo: Aduaneiras, 2015, p. 75.

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É equivocado acatar a cobrança de sobre-estadias sem que esta esteja

prevista no contrato que regula a relação entre as partes. Aceitar que se fundamente

a cobrança de sobre-estadias pura e simplesmente por existir um contrato de

transporte destoa da prática internacional (são características necessárias do Direito

Marítimo a internacionalidade e uniformidade). Afora isso, tornar desnecessária a

previsão da sobre-estadia em contrato deixa o usuário vulnerável a cobranças pós-

contrato de valores que desconhecia quando da fase pré-contratual.

Cogitar uma possível cobrança de sobre-estadias de contêiner sem

previsão contratual é falar de notória ação indenizatória por perdas e danos, haja vista

a inexistência de cláusula contratual prevendo um valor líquido pelas possíveis perdas

e danos. Se assim o é, correto seria uma ação indenizatória, na qual é indispensável

comprovar o dano efetivo, conforme dispõe o CC, em especial os arts. 389 e 395.

Critica-se aqui, igualmente, as cobranças judiciais de sobre-estadias de

contêineres previstas unicamente em Termos de Responsabilidade. Isso porque, de

acordo com a prática comercial hoje havida, a qual fora amplamente relatada alhures,

o Termo de Responsabilidade no Brasil é assinado após a chegada da carga no seu

destino.

Neste momento, não há que se cogitar possível negociação entre os

contratantes, tampouco pesquisa de mercado pelo usuário, uma vez que a carga já

se encontra com o determinado transportador, o que lhe garante maior poder na

relação, havendo uma verdadeira imposição de free time e do valor diário.

E são por esses motivos que perante o Direito Inglês a sobre-estadia de

contêiner deve vir prevista no conhecimento de embarque, seja em suas cláusulas

pré-impressas ou naquelas editáveis pelas partes, o que possibilita que ambos

contratantes conheçam as especificações de possível sobre-estadia antes da

conclusão do transporte.

De mesmo modo, acata-se aplicar valores diversos daqueles se estes

forem pactuados em acordos expressos e até a chegada da carga no destino, mas

jamais após a sua chegada, como ocorre com os Termos de Responsabilidade no

Brasil.

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Importante esclarecer que não se critica a existência da sobre-estadia de

contêiner, mas sim a sua aplicação tal qual ocorre atualmente nos parâmetros

brasileiros, sem previsibilidade e modicidade. E é diante do que se verifica hoje na

prática comercial que se afirma ser necessário o requisito da previsibilidade da sobre-

estadia no contrato de transporte, ou no documento que o ampara, qual seja o BL,

evitando-se, assim, possíveis cobranças abusivas.

E, ainda que se ouça corriqueiramente dos transportadores ser inviável

prever em contrato, ou no BL, a sobre-estadia, que já é amplamente conhecida por

seus contratantes, frisa-se que a prática internacional não encontra qualquer óbice

quanto a isso. Tanto o é que, na Inglaterra, não se cogita cobrar sobre-estadias de

contêiner sem que haja previsão contratual.

3.1.3. Modicidade

Não se constatou quando da análise da jurisprudência inglesa uma

limitação ao valor diário da sobre-estadia de contêiner. Todavia, verificou-se no case

MSC Mediterranean Shipping Company S.A. vr. Cottonex Anstalt [2015] a interferência

do julgador para obstar o enriquecimento sem causa e a desfiguração da essência da

sobre-estadia, que é coibir a devolução fora do prazo e compensar o transportador

por possíveis perdas.

No caso em destaque, o julgador optou como solução para garantia da

modicidade a imposição de uma data limite ao acúmulo da sobre-estadia, entendendo

ser inaceitável a sobre-estadia incidir indefinidamente. Por esse motivo, o julgador

pois a termo o acúmulo da sobre-estadia, limitando, consequentemente o valor da

mesma.

Para tanto, fora analisado pela Corte os valores de um contêiner e os

valores que seriam, em tese, imputados como perda devido à não devolução dos

contêineres no prazo. Da análise realizada concluiu-se que o transportador não estava

de fato incorrendo em perdas efetivas a justificar a continuação do acúmulo da sobre-

estadia, cujo termo fora arbitrado pelo julgador. Pelo estudo, e considerando que a

sobre-estadia no Direito Inglês necessita de motivos compensatórios para justificar a

sua ocorrência, certo é que há certa modicidade nas cobranças, que é garantida pela

jurisprudência inglesa.

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No Brasil a realidade não é esta. A vasta maioria da jurisprudência não

acata argumentos de abusividade e desproporcionalidade porventura levantados pela

defesa. Embora não se requisite prova do dano efetivo em uma ação de sobre-estadia,

o fato é que as decisões justificam a inexistência de abusividade com motivos

indenizatórios, enfatizando que a sobre-estadia ter caráter indenizatório e, portanto,

não há abusos.

Como exceção, tem-se julgados que de alguma forma analisam o valor total

em discussão comparando-o aos parâmetros do caso concreto, utilizando como

padrão de comparação o valor da operação em si (frete e taxas) e o valor do contêiner,

conforme se evidenciou através do julgado de Luiz Sabbato citado no tópico 2.2.3.

Neste julgado fora considerado que o valor da multa (sobre-estadia) não poderia

superar o valor da obrigação principal (valor do contêiner), limitando-se a cobrança a

20% (vinte por cento) do valor de mercado do contêiner objeto da lide.

A insegurança jurídica é fortemente incentivada pela completa ausência de

modicidade, razoabilidade e proporcionalidade nos valores que são cobrados

atualmente à título de sobre-estadia, o que torna este elemento determinante um dos

principais ao instituto em análise.

É certo que o transportador detém o legítimo direito de cobrar pela sobre-

estadia do contêiner que disponibilizou ao seu contratante. Mesmo porque, caso nada

fosse cobrado, haveriam usuários utilizando-se de contêineres como armazéns de

suas cargas, ficando o transportador logisticamente desfalcado de contêineres para

atender os próximos contratantes.

Ocorre que no Brasil a sobre-estadia geralmente ocorre por questões

alheias à vontade dos usuários, muito embora sejam eles os responsáveis pelas

unidades que lhe foram confiadas. Burocracias do desembaraço aduaneiro, na

liberação de carga, atrasos no transporte rodoviário, problemas com a Receita

Federal, até mesmo greve se servidores públicos,227 são motivos corriqueiramente

227 Cobrança. Sobreestadia de container. Recurso conhecido, vez que manifesta inconformismo com a r. sentença proferida. Prescrição que é aquela indicada no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Não ocorrência, vez que o container foi devolvido em agosto de 2012 e a ação foi ajuizada em março de 2015. Sobreestadia que tem natureza indenizatória e decorre do contrato firmado entre as partes, e independe de culpa do devedor. O reconhecimento de caso fortuito ou motivo de força maior tem como pressuposto a imprevisibilidade ou a inevitabilidade

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trazidos pelas partes como reais causadores da não devolução em tempo do contêiner

disponibilizado.

A fim de ilustrar o problema, supondo a realização de um frete internacional

por um transportador na importância de US$ 2.000,00 (dois mil dólares norte-

americanos) de um contêiner tipo 40` Dry,228 onde foi pactuado um free time de 10

dias e uma sobre-estadia de US$ 100,00 (cem dólares norte-americanos) por dia.229

Neste exemplo, com a chegada da carga no Brasil, o consignatário

enfrentou diversos problemas com a Receita Federal para realização de desembaraço

aduaneiro de sua carga e consequente liberação da mesma. Em decorrência dos

procedimentos internos do órgão, a carga foi submetida a canal vermelho,230 havendo,

além da conferência documental, a conferência física da carga.

Assim, somente para liberação da carga na Receita Federal o usuário

aguardou 30 dias. Liberada a carga, aguardou-se o trânsito da mercadoria via

rodovias brasileiras, onde se perdeu mais 5 dias. Até a chegada da carga nas

dependências do consignatário e retorno do contêiner vazio e limpo ao terminal,

perdeu-se mais 5 dias. Nesta contagem, o contêiner permaneceu com o consignatário

40 dias, contudo este só possuía 10 dias de free time. Pelo cálculo, ao consignatário

será cobrado um valor estimado em US$ 3.000,00 (três mil dólares norte-americanos),

o equivalente a R$ 11.400,00 (onze mil e quatrocentos reais).231

E isso falando-se no transporte de apenas 1 contêiner. Supondo que

determinada a empresa consignatária continha cargas em 10 contêineres, na mesma

sistemática, o valor se multiplicaria a R$ 114.000,00 (cento e quatorze mil reais). Sem

falar que ainda são devidos pelo usuário a armazenagem do contêiner no terminal e

do evento. Demora na liberação das mercadorias pelas autoridades portuárias, em decorrência de greve, que é fato previsível. Termo inicial da contagem do prazo de livre utilização do container claramente estabelecido no contrato. Devolução tardia evidenciada. Sentença de procedência mantida. Preliminar rejeitada e recurso não provido. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação 1007081-24.2015.8.26.0562. Desembargador Relator João Pazine Neto. Julgado em 03.11.2015. Disponível:<www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015). 228 É o tipo de contêiner mais utilizado no transporte marítimo internacional. Tamanho de 40 pés para carga seca. 229 Valores médios aplicados no mercado. Como referência, utilizou-se a prática da empresa Maersk Line. Disponível em <http://www.maerskline.com/pt-br/countries/br/world%20factbook/general/demurrage-detention>. Acessado em: 21 nov. 2015. 230 Canal vermelho é um dos tipos de canais de parametrização, criados pela Secretaria da Receita Federal como forma de análise fiscal da carga objeto de despacho aduaneiro. 231 Taxa de conversão utilizada nos parâmetros do Banco Central do Brasil de novembro de 2015: 3,80

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demais taxas incidentes na operação.

Continuando neste mesmo raciocínio e, desta vez, aos olhares do

transportador, que desembarcou em determinado porto 2.000 contêineres,232 supondo

que 70% (setenta por cento) destes (1.400 unidades) gerem sobre-estadia de 30 dias,

a um valor médio de US$ 100,00 a diária,233 estar-se-ia a falar de uma sobre-estadia,

apenas para este navio, neste porto, de US$ 4.2 milhões, quase R$ 16 milhões.

Questiona-se, agora, se a sobre-estadia, que existe para compensar o

transportador por possíveis perdas pela não devolução do contêiner dentro do prazo

estipulado, se justifica nos valores acima trazidos como exemplo. Não seria

desproporcional o usuário do contêiner pagar US$ 3.000,00 (três mil dólares norte-

americanos) de sobre-estadia de um contêiner cujo frete custou US$ 2.000,00 (dois

mil dólares norte-americanos)? Justifica-se em motivos compensatórios o

transportador cobrar US$ 4.2 milhões de sobre-estadia em apenas um porto, quando

o frete destes mesmos contêineres lhe seriam rentáveis US$ 2.8milhões? Acredita-se

que não.

E diante deste panorama geral é que Cremoneze elucidou que:

Percebemos, com indisfarçada preocupação, que a natureza jurídica da demurrage foi subvertida ao longo dos anos, de tal forma que ela deixo de ser um mecanismo de legítima proteção do armador contra eventuais abusos dos usuários dos seus contêineres para se converter numa forma condenável de opressão e de enriquecimento indevido.

Não todos, mas muitos armadores lucram mais com as cobranças de demurrage do que com os fretes propriamente ditos, e a cobrança de demurrage não se presta a tal fim, o lucro, mas apenas a “punir” eventuais abusos dos consignatários de cargas quanto ao uso dos contêineres, mais tempo do que o devido e pactuado.234

A cobrança tal qual ocorre atualmente evidencia um enriquecimento ilícito

do transportador, consubstanciado no acréscimo patrimonial deste sem justo motivo.

Os valores das sobre-estadias que estão sendo cobradas hoje no Brasil, considerando

232 Em 06 de fevereiro de 2015 o navio CMA CGM Tigris atracacou em Santos e realizou a movimentação de 4mil TEUs. O navio tem capacidade para 10.900 TEUs. Disponível em http://www.portodesantos.com.br/pressRelease.php?idRelease=825 . Acessado em: 21 nov. 2015. 233 Há contêiner que, pelo tipo, o valor da sobre-estadia chega da US$ 300,00 (trezentos dólares norte-norte-americanos). 234 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 241.

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todos os problemas paralelos que o usuário enfrenta para conseguir devolver o

contêiner em um tempo razoável, acarreta em um lucro exacerbado do transportador.

Assim, não é justificável em um possível dano que a retenção indevida possa ter

causado, sendo certo que “a demurrage surgiu como algo positivo e até mesmo

necessário, mas, sempre é bom repetir, desvirtuou-se com o passar do tempo”.235

A navegação de linha, como é o caso dos navios porta-contêineres, não

necessita que os exatos contêineres que estavam a bordo de determinado navio

retornem a este mesmo navio. Isso afetaria drasticamente a logística do transporte,

porquanto que o navio teria que aguardar o retorno ao porto de todos os contêineres

para seguir viagem.

Há outros contêineres que estão à disposição do transportador no porto, e

isso já está engajado na logística do transportador, sendo certo que, se há perdas pela

devolução a destempo da unidade de carga, esta perda é (geralmente) inferior ao

valor cobrado pela sobre-estadia. Ademais, nem todos os contêineres pertencem aos

transportadores, sendo comum a utilização de contratos de leasing de contêineres.

Não se afirma aqui que o transportador não sofre perdas com a retenção

das unidades pelos usuários. O que é afirmado é que os valores das sobre-estadias

que são atualmente cobrados são superiores às possíveis perdas sofridas pelo

transportador.

Sobre os contêineres objeto leasing, a crítica a esta questão subsiste

porque, enquanto é pago em um contrato de leasing uma média de US$ 3,00 (três

dólares) por dia, o transportador cobra do usuário do contêiner um valor até 50 vezes

maior que esse, acarretando em um lucro exacerbado, o que viola a modicidade. Tal

circunstância, além de ir de encontro dos princípios contratuais brasileiros, fere a

origem da sobre-estadia de contêiner, que seria pura e simplesmente compensar o

transportador por possíveis danos causados devido à retenção da unidade de carga,

compelindo o usuário a devolve-lo no prazo.

Ainda sobre a temática vertente, é necessário tecer comentários quando

da atuação do NVOCC, que possui tanto legitimidade ativa (como credor) tanto

235 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2015. p. 243.

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legitimidade passiva (como devedor) para a sobre-estadia de contêineres. Por ser um

transportador puramente contratual, o NVOCC não possui contêineres, nem mesmo

contratos de leasing, mas igualmente cobra por sobre-estadias.

Ocorre que o NVOCC não faz o mero repasse do valor que lhe é cobrado.

Na prática, o NVOCC possui outros parâmetros de cobranças, com menores free

times e diárias maiores, o que leva a cobrança de uma sobre-estadia maior do que de

fato lhe foi cobrada pelo transportador executor. De fato, esta prática atinge todo o

mercado internacional, inclusive o Brasil e a Inglaterra, conforme se evidenciou pelos

julgados citados anteriormente de ambas jurisdições.

Não são raros os casos nos quais o NVOCC, por deter uma quantidade

maior de embarques, consegue com o transportador executor um free time

consideravelmente bom, como por exemplo 30 dias. Contudo, para o seu cliente, o

NVOCC informa um free time menor, à exemplo, de 10 dias. Supondo que a devolução

do contêiner ocorra 30 dias após o desembarque do mesmo, ao NVOCC nada será

cobrado, haja vista que possui um free time de 30 dias com o transportador executor.

Contudo, o consignatário do NVOCC pagará os 20 dias de sobre-estadia, pois detinha

apenas 10 dias de free time. Neste exemplo, pressupondo que o contêiner utilizado

era do tipo 40` Reefer,236 para os quais a diária de um NVOCC chega a US$ 300,00

(trezentos dólares norte-americanos), a sobre-estadia total seria de US$ 6.000,00

(seis mil dólares norte-americanos),237 o equivalente a R$ 22.800,00 (vinte e dois mil

e oitocentos reais).

E, indo mais a fundo neste exemplo prático, é interessante comparar o valor

da sobre-estadia com o do frete. Num exemplo prático, para o transporte de um

contêiner do tipo 40` Reefer, o frete seria cerca de EUR 1.500,00 (um mil e quinhentos

euros),238 ou seja, R$ 6.000,00 (seis mil reais).239 Assim, para o transporte de um

contêiner 40´Reefer, seria pago R$ 6.000,00 (seis mil reais) de frete, mais R$

22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos reais) de sobre-estadia de contêiner. Em outras

palavras, a contraprestação pelo serviço de transporte (frete) custaria 1X e a cláusula

236 Contêiner de 40 pés do tipo refrigerado. 237 Taxa de conversão utilizada nos parâmetros do Banco Central do Brasil de novembro de 2015: 3,80 238 Prática de novembro de 2015 de um Agente de Cargas – NVOCC, em Itajaí (SC). 239 Taxa de conversão utilizada nos parâmetros do Banco Central do Brasil de novembro de 2015: 4,00

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penal por inadimplemento contratual (sobre-estadia) cerca de 4X.

Neste exemplo, o NVOCC estaria lucrando com a sobre-estadia de apenas

um contêiner o equivalente a R$ 22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos reais), valor

que entra em sua conta como lucro líquido, haja vista que não terá que pagar ao

transportador executor nenhuma sobre-estadia. Frisa-se, aqui, que o NVOCC, como

transportador sem navio, não necessita dos contêineres para operar, haja vista que

necessariamente contrata um transportador executor, que possui contêineres ou

contratos de leasing. Ou seja, tratando-se de um NVOCC, é completamente inviável

justificar a cobrança de sobre-estadias de contêiner com motivos compensatórios,

pois sua operação não é afetada pela devolução a destempo do contêiner.

Certo é que os valores atualmente cobrados no Brasil por sobre-estadia de

contêineres são substancialmente altos quando comparados com o custo da operação

como um todo. É o lucro mediante uma cláusula penal. E, diante do que se vê

atualmente na prática, frente a cobranças sem qualquer previsão contratual ou,

quando previstas, tão somente em Termos de Responsabilidade dos quais a parte

toma conhecimento somente após a efetivação do transporte, uma fatura cobrando

um valor quatro vezes maior do valor estimado como custo para o transporte impacta

drasticamente a economia do país, evidenciando a necessidade de regulação e

legislação eficaz para o instituto.

A ausência de modicidade nos valores cobrados contribui drasticamente a

insegurança jurídica existente no Brasil com relação à sobre-estadia de contêiner,

visto que os contratantes do transporte marítimo estão sujeitos a pagar valores

altíssimos a este título. A ausência de limitações ou regulação eficaz afeta a ordem

pública e aumenta o custo Brasil significativamente.

No que tange à modicidade, traz-se à baila, neste aspecto, a Lei n.

10.233/2001, que trata da reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre e

criação do Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, da Agência

Nacional de Transportes Terrestres, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários

e do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e que estabeleceu o

seguinte:

Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos

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Transportes Terrestre e Aquaviário:

II – regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a:

a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;

b) harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações que configurem competição imperfeita ou infração da ordem econômica.

Por essência, acredita-se que a Antaq deve garantir a modicidade dos

fretes e tarifas, aqui então compreendidas todos os consectários atinentes ao

transporte, inclusive a sobre-estadia, conforme dispõe a alínea “a” do artigo supra. E,

conforme já citado anteriormente, ainda que sem eficácia normativa até o presente

momento, a Resolução 4.271/2015, em seu artigo 3º, objetivando colocar em prática

os objetivos taxados no artigo supra, determinou expressamente como direito básico

do usuário a modicidade nos preços cobrados pelo transportador, de forma a equilibrar

o custo com a prestação do serviço.

Por afetar drasticamente a insegurança jurídica, certamente há muito a ser

avançado para inibir aos vultosos valores que são hoje cobrados no Brasil à título de

sobre-estadias de contêiner. A prática atual, na grande maioria dos casos, apenas

acarreta em custos vultosos aos usuários e ao lucro abusivo dos transportadores, em

especial NVOCCs, que operam, ainda, sem qualquer outorga de autorização ou

regulação da Antaq. E, conforme apontou o estudo, a sobre-estadia de contêineres

não surgiu para gerar lucro, nem custo, mas sim como forma de forçar o contratante

a cumprir com o avençado (devolução dentro do free time) e compensar a outra parte

por possíveis perdas (valor diário de sobre-estadia).

3.1.4. Legitimidade

Ambos os ordenamentos em análise, inglês e brasileiro, têm como regra

geral a legitimidade ativa do transportador em cobrar eventuais sobre-estadias de

contêiner. Viu-se, contudo, que há entendimento jurisprudencial no Brasil que

propugna pela comprovação da propriedade das unidades de carga para se aferir a

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legitimidade ativa para cobrança de sobre-estadias.

O ponto crucial quanto à propriedade dos contêineres é que, na maioria

dos casos, as unidades não pertencem de fato ao transportador da operação, seja ele

o transportador executor ou o NVOCC. Segundo os esclarecimentos já tecidos

anteriormente, a prática atual recebe a interferência de contratos de leasing de

contêineres, através dos quais as empresas de navegação marítima usam/oferecem

aos usuários contêineres dos quais não detém a propriedade, mas sim o direito de

uso sobre o bem.

Neste cenário, possuindo determinado transportador o direito de uso sobre

o contêiner (contrato de leasing), e não sua propriedade, excluiria seu direito, ou

melhor dizendo, sua legitimidade em cobrar eventual sobre-estadia da unidade de

carga? Mesmo o contêiner não sendo de sua propriedade, a não devolução desta

unidade de carga não afetaria a logística operacional de determinado transportador?

Se o contêiner é a matéria-prima do transporte de cargas conteinerizadas,

o fato do contêiner não ser de propriedade de determinado transportador proíbe-o de

disponibilizá-lo livre de custos somente por determinado período de tempo? Se assim

o fosse, então o usuário de determinado contêiner objeto de contrato de leasing pelo

transportador poderia ser por ele retido indefinidamente?

Acredita-se que mesmo o contêiner sendo objeto de leasing pelo

transportador, que não detém sua propriedade, já o legitima a cobrar sobre-estadias

da referida unidade. Isso porque a retenção de unidades de carga pelos usuários

afetaria a logística operacional da empresa de transporte, sendo o contêiner seu ou

estando ao seu dispor mediante contrato de leasing. Para esta conclusão é necessário

olhar não apenas para o embarque um contêiner isolado, mas sim milhares de

embarques de milhares de contêineres. Se todos os usuários ignorassem a

necessidade de devolver a unidade de carga que lhe fora confiada dentro do prazo

acordado, certamente a empresa de transporte sentiria os efeitos de não ter seus

contêineres, ainda que objetos de leasing, ao seu dispor para outros transportes.

Registra-se que ao tratar da necessidade de modicidade para a garantia da

segurança jurídica, foram criticadas as possíveis perdas dos transportadores pela

retenção dos contêineres. Contudo, conforme fora esclarecido, o que é repreendido é

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o preço abusivo da sobre-estadia se comparada com as possíveis perdas, que

evidentemente ocorrem quando há a retenção de unidades por usuários, haja vista

que afeta a logística do transportador.

Faz-se prudente trazer à baila a figura do NVOCC alhures elucidada. O

NVOCC, sendo um transportador marítimo sem navio, para atuar em determinada

operação de transporte necessita, obrigatoriamente, contratar um transportador

executor. Neste cenário, vê-se que o NVOCC não possui contêineres, nem mesmo

possui contratos de leasing de contêineres, eis que é um transportador sem navios e

contratará sempre, para a execução de seus transportes, outro transportador, o

transportador executor, este sim que possui contêineres ou leasing de contêineres.

O NVOCC, portanto, é cobrado pelo transportador executor por eventual

sobre-estadia que venha a ocorrer na operação. E, por ser igualmente um

transportador (ainda que somente contratualmente), o NVOCC detém legitimidade

para cobrar de seu contratante a sobre-estadia. Todavia, esta cobrança em escala não

é um mero repasse de cobranças, onde o NVOCC repassa ao seu cliente o valor que

é cobrado do transportador executor. Na realidade, o NVOCC possui outros

parâmetros de cobranças, menores free times e diárias maiores, o que leva a

cobrança de uma sobre-estadia maior do que de fato foi cobrada pelo transportador

executor. De fato, esta prática atinge todo o mercado internacional, inclusive o Brasil

e a Inglaterra, conforme se evidenciou pelos julgados citados anteriormente de ambas

jurisdições.

A legitimidade passiva, por seu turno, à vista do que dispõe o ordenamento

inglês, é sempre baseada nos termos do contrato. É indispensável a análise

pormenorizada das relações jurídicas tangentes ao contrato de transporte para então

se aferir a legitimidade de determinado agente em responder pelo pagamento da

sobre-estadia de contêiner. Não se vislumbra a imputação de responsabilidade sem

que esta venha descrita no contrato ou decorra da atuação das partes em cooperar

pelo acúmulo da sobre-estadia.

E, como a legitimidade passiva decorre do contrato, não são raras as vezes

em que é atribuída responsabilidade solidária ao embarcador e consignatário para

eventuais despesas com sobre-estadias, haja vista ser comum a existência da

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cláusula joint and several liability240 nos conhecimentos de embarque.

No que tange à abordagem no Brasil quanto à legitimidade passiva, esta é

atribuída ao despeito da qualquer circunstância fática, limitando a atribuição à posição

que determinado agente figura na operação. Desta forma, o entendimento prevalece

no sentido de ser do embarcador (shipper) a legitimidade passiva por sobre-estadias

no carregamento (exportação); e do consignatário (consignee) a legitimidade passiva

por sobre-estadias no descarregamento (importação).

A diferença de abordagem neste cenário é ampla. Enquanto no Direito

Inglês são analisadas detalhadamente as cláusulas contratuais, no ordenamento

brasileiro o contrato, na maioria dos casos, sequer é analisado, bastando que o agente

figure no BL como embarcador ou consignatário para que a legitimidade e

responsabilidade lhe sejam atreladas. Na maioria dos casos no Brasil, inclusive,

sequer são analisadas as disposições contratuais.

Conforme bem observado no caso Cosco vr. Batchford and Scheller,241 por

exemplo, no qual a legitimidade foi daquele que havia contratado o transporte com a

Cosco (o embarcador), o julgador entendeu não ser imputável a cobrança ao

consignatário haja vista que a carga, acondicionada nos contêineres, não foi por ele

retirada. Contudo, na hipótese deste caso ser julgado no Brasil, certo é que a

legitimidade e responsabilidade seriam atribuídas ao consignatário,

independentemente de qualquer circunstância, porquanto que prevalece a posição do

agente no contrato de transporte.

Constata-se, ademais, que ambos ordenamentos possibilitam a cobrança

de sobre-estadias ao agente de carga,242 que atua tanto como NVOCC e como freight

forwarder. Como visto, verificou-se a existência de julgado inglês condenando o freight

forwarder ao pagamento das sobre-estadias, porquanto que considerado parte

240 “Responsabilidade solidária” (tradução do autor). 241 Cosco Container Lines Company Limited v. Robert John Batchford and Gunter Scheller, [2013] EWHC 840 (QB). 242 Lei n. 10.833/2003. Art. 37. O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado. § 1º O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas.

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contratante do contrato de transporte com o transportador marítimo. De mesmo modo

ocorre no Brasil, onde o NVOCC é parte passiva legítima quando figura como

embarcador ou consignatário do BL.

3.2. Crítica ao PL 1572/2011

Feita a análise comparativa dos elementos determinantes da sobre-estadia

de contêiner no Brasil e na Inglaterra, passa-se a abordar, dentro do que fora

estudado, as disposições para este instituto previstas nas emendas 56 e 215

apresentadas ao PL 1572/2011, de forma a averiguar a sua possível eficácia

normativa no que tange à segurança jurídica necessária e almejada.

3.2.1. Conceito e natureza jurídica – Arts. 111 e 114 da emenda 56

Da análise realizada é certo que perante ao Direito Inglês a sobre-estadia

é uma cláusula contratual de indenização pré-fixada, ou liquidated damages. Já no

Brasil não há consenso. Todavia, diante dos elementos da sobre-estadia e do seu

motivo existencial, acredita-se que sua natureza jurídica no ordenamento brasileiro é

de cláusula penal, existente para coibir o inadimplemento contratual e garantir uma

compensação a eventuais perdas e danos sofridos, sendo desnecessária a prova de

dano.

Quanto ao conceito e natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner,

ambas as emendas não são claras quanto a esta designação, sendo necessária uma

interpretação de seus artigos para verificar qual a sugestão proposta.

O artigo 111 das suas emendas, 56243 e 215244 trazem em seu texto que é

lícita a cobrança da sobre-estadia de contêiner quando ocorrer a retenção do mesmo

por período superior ao acordado. Contudo, a emenda 56 incluiu no texto a palavra

contraprestação, o que sugere ser a sobre-estadia um exercício de um direito de reter

o contêiner, pelo qual paga-se à outra parte contratante um montante estipulado.

243 Emenda 56. Art. [111]. É lícita a previsão de cobrança pelo transportador de contraprestação pela sobrestadia de unidade de carga, se, no seu embarque ou desembarque, ela ficar retida por período superior ao acordado contratualmente. 244 Emenda 215. Art. [111]. É lícita a previsão de cobrança pelo transportador de sobrestadia de unidade de carga, se, no seu embarque ou desembarque, ela ficar retida por período superior ao acordado contratualmente.

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Tendo-se em mente toda a abordagem histórica e originária da sobre-

estadia de contêiner, bem como o entendimento do Direito Inglês e a prática atual do

comércio internacional, assim como o conceito e a natureza jurídica da sobre-estadia

de contêiner perante o Direito Brasileiro, esta cobrança não é uma contraprestação,

mas sim um valor devido por uma quebra contratual.

O trespasse do free time não é um exercício de direito do usuário do

contêiner, a fim de justificar a denominação da sobre-estadia de contraprestação.

Frete é contraprestação pelo serviço de transporte, mas sobre-estadia não é

contraprestação pela retenção do contêiner. É, senão, o descumprimento de uma

obrigação contratual, que determina a devolução da unidade em determinado período

de tempo.

O contêiner, pode-se dizer, é a matéria-prima do transportador para a

efetivação do transporte marítimo de carga conteinerizada. Sem os contêineres, este

tipo de transporte não acontece, motivo pelo qual a sua disponibilidade ao usuário

(embarcador/consignatário) sem custos adicionais é por tempo limitado.

A devolução do contêiner fora do prazo previsto não deve ser tida como

regra, mas sim uma exceção à regra, que é a devolução no tempo estipulado. Assim,

sendo a sobre-estadia de contêiner uma cláusula penal que incide quando do

descumprimento da obrigação de devolver o contêiner no prazo previsto, equivocada

se mostra a proposta do artigo 111 da emenda 56 ao tratar a sobre-estadia como uma

contraprestação.

E, apesar da emenda 56 citar no seu artigo 111 a palavra contraprestação,

no artigo 114245 a emenda conceitua a sobre-estadia como cláusula penal, porquanto

que, ao determinar os elementos necessários ao Termo de Responsabilidade, cita que

nele deve conter o valor, a periodicidade e a gradação da penalidade pela sobre-

estadia.

245 Art. [114]. O termo de retirada de unidade de carga que preencher os requisitos previstos neste artigo, devidamente assinado por duas testemunhas e acompanhado do respectivo contrato ou conhecimento, consiste em título executivo extrajudicial. Este deverá conter: I – A identificação do embarcador e do consignatário da carga; II – A identificação das unidades de carga que estão sendo retiradas. III – O prazo para a devolução livre de cobrança de encargos. IV – O valor, a periodicidade e a gradação da penalidade pela sobrestadia.

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Tendo em vista que um dos motivos das emendas propostas é de fato

reduzir a insegurança jurídica que gira em torno das matérias correlatas ao Direito

Marítimo, nota-se sua ineficiência quanto a pacificação da natureza jurídica da sobre-

estadia de contêineres. Enquanto a emenda 215 nada mencionada sobre a natureza

do instituto, a emenda 56 traz duas denominações confrontantes.

3.2.2. Previsibilidade – Arts. 112 e 114 das emendas 56 e 215

Enquanto no Direito Inglês não se cogita em cobrar sobre-estadia de

contêiner sem que haja previsão contratual, no Brasil é uma verdadeira balbúrdia, pois

é admitida a cobrança de sobre-estadias sem qualquer previsão contratual, utilizando-

se como pretexto (equivocado) de que a matéria é consolidada na lex maritima.

Fora esclarecido que, embora a sobre-estadia de contêineres já esteja bem

solidificada nos usos e costumes, estes não autorizam a sua cobrança sem previsão.

E isso é evidenciado pelo próprio Direito Comparado, que apontou que na Inglaterra

é pacífica a necessidade de previsão expressa.

Criticou-se, igualmente, a prática brasileira quanto a utilização desmedida

de Termos de Responsabilidade para amparar cobranças de sobre-estadia, haja vista

que este somente integra a relação após a chegada da carga no porto de destino, o

que torna evidente a inexistência de qualquer negociação entre as partes.

Neste aspecto, ambas emendas 56 e 215 propõe trazer expressamente na

lei a licitude da previsão da sobre-estadia de contêineres. A emenda 56 propõe dispor

que a sobre-estadia somente será exigível quando expressamente prevista no

contrato ou no conhecimento.246 Por outro lado, a sugestão da emenda 215 propõe

que a cobrança da sobre-estadia pode ocorrer quando estiver prevista no contrato e

no conhecimento ou, na falta de previsão, segundo os usos e costumes do porto.247

A proposta da emenda 215 neste aspecto não sugere nenhuma alteração

à prática atual, que é vastamente criticada ante a insegurança jurídica que gera, ao

passo que muito embora cogite a necessidade de previsão, deixa em aberto a

246 Art. [112]. A sobrestadia de unidade de carga somente poderá ser cobrada pelo transportador se estiver expressamente prevista no contrato ou no conhecimento. 247 Art. [112]. A sobrestadia de unidade de carga será cobrada pelo transportador na forma prevista no contrato ou no conhecimento, e, na sua falta, segundo os usos e costumes do porto.

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possibilidade desta cobrança encontrar respaldo somente nos usos e costumes, o que

deve ser abolido. Os usos e costumes de fato abarcam a sobre-estadia de contêiner,

contudo, isso não isenta a necessidade de estar previsto no contrato determinada

cobrança que possa vir a surgir, assim como seus parâmetros de apuração, como o

free time e o valor diário.

É direito do transportador cobrar pela sobre-estadia do contêiner que

colocou a disposição do usuário. Contudo, é direito do usuário saber previamente que

está sujeito a esta cobrança nos termos do contrato, conhecendo de antemão qual

seu free time e o valor que será cobrado por dia de atraso, bem como pagar um preço

módico.

Por isso, sustenta-se que é no contrato de transporte, ou no BL, que deve

vir a previsão quanto a sobre-estadia de contêiner, inclusive seus parâmetros de

cobrança, como o free time e o valor da diária. Mesmo porque, tratando-se de evidente

cláusula penal, indispensável a sua previsão escrita.

Ainda quanto a previsibilidade, ambas emendas 56 e 215 propõem a

inclusão do artigo 114, o qual atribui ao Termo de Responsabilidade força executiva

se preenchidos os requisitos ali estabelecidos. Essa característica dada ao Termo de

Responsabilidade beneficia em muito o credor, que, ao invés de intentar uma ação de

cobrança (Processo de Conhecimento) pelos ritos ordinário ou sumário, tal qual ocorre

atualmente, poderá imediatamente proceder à expropriação de bens do devedor para

satisfazer seu crédito, que será líquido e exigível em um título executivo.

Esta qualificadora do Termo de Responsabilidade não apenas beneficia o

credor, mas também toda a negociação do comércio marítimo em si, haja vista que,

diante da facilidade da cobrança, acredita-se que poderá inibir as inúmeras

inadimplências hoje existentes, representadas pelo imenso número de ações judiciais

de cobrança de sobre-estadias que se acumulam no Poder Judiciário.

Para ser considerado um título de crédito extrajudicial, sugerem as

emendas que o Termo de Responsabilidade, ali denominados como Termo de

Retirada, deve conter a identificação do embarcador (shipper), do consignatário

(consignee) e dos contêineres, bem como o prazo de free time pactuado. A emenda

56 inclui que devem também estar previstos no termo o valor, a periodicidade e a

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gradação da penalidade pela sobre-estadia.248 Tais parâmetros são substituídos na

emenda 215 pela simples de menção de “o valor da sobrestadia”.249

Ambas emendas propõem que o Termo de Responsabilidade que

preencher os requisitos ali descritos somente consistirá em título executivo se

assinado por duas testemunhas e acompanhado do respectivo contrato ou

conhecimento. Ou seja, o termo de responsabilidade sem o contrato ou conhecimento

de embarque não terá força executiva.

É relevante mencionar que a disposição não restringiu a cobrança de

sobre-estadias de contêiner apenas com base no referido Termo, sendo ainda

possível ao transportador ajuizar uma ação pelo rito ordinário ou sumário (Processo

de Conhecimento), caso não possua o termo ou este não cumprir os requisitos

mencionados acima.

Diante da problemática hoje enfrentada pelos agentes intervenientes do

transporte marítimo internacional, a melhor solução é determinar que a previsão da

sobre-estadia venha obrigatoriamente escrita no contrato de transporte ou no BL,

sugestão esta proposta pela emenda 56. Entretanto, faz-se a menção aqui que a

eficácia da norma somente seria garantida caso o texto da lei previsse a necessidade

de previsão, inclusive do free time e do preço da diária, no contrato de transporte ou

no conhecimento.

O Termo de Responsabilidade passaria então a ser um instrumento

coadjuvante, através do qual seria permitido ao credor uma ação judicial mais célere

para buscar possíveis valores inadimplidos, por meios de uma ação de execução.

248Emenda 56. Art. [114]. O termo de retirada de unidade de carga que preencher os requisitos previstos neste artigo, devidamente assinado por duas testemunhas e acompanhado do respectivo contrato ou conhecimento, consiste em título executivo extrajudicial. Este deverá conter: I – A identificação do embarcador e do consignatário da carga; II – A identificação das unidades de carga que estão sendo retiradas. III – O prazo para a devolução livre de cobrança de encargos. IV – O valor, a periodicidade e a gradação da penalidade pela sobrestadia. 249 Emenda 215. Art. [114]. O termo de retirada de unidade de carga que preencher os requisitos previstos neste artigo, devidamente assinado por duas testemunhas e acompanhado do respectivo contrato ou conhecimento, consiste em título executivo extrajudicial. Este deverá conter: I – A identificação do embarcador e do consignatário da carga; II – A identificação das unidades de carga que estão sendo retiradas. III – O prazo para a devolução livre de cobrança de encargos. IV – O valor da sobrestadia.

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3.2.3. Modicidade – Arts. 1º. e 5º. das emendas 56 e 215

No Brasil pouco se trata da modicidade dos valores cobrados à título de

sobre-estadia de contêiner. A jurisprudência brasileira não tende a analisar possível

abusividade nas cobranças, justificando a atitude no suposto caráter indenizatório do

instituto, muito embora não se fale em dano efetivo. Já a jurisprudência da Inglaterra

aponta a necessidade de intervenção para se garantir um valor justo de forma a

fundamentar a sobre-estadia, que é, senão, uma compensação por eventuais perdas

suportadas, mas não uma forma de lucro do transportador.

Especificamente quanto a sobre-estadia, as emendas nada sugerem de

forma a assegurar modicidade nos valores que são cobrados. Há, contudo, nos artigos

iniciais de ambas emendas, sugestões principiológicas que devem reger todo o Direito

Comercial Marítimo.

O artigo 1º250 de ambas emendas aponta que o Direito Comercial Marítimo

deve ser regido pelas normas que ali seguem, sem prejuízo, contudo, dos princípios

e normas de direito público. De mesmo modo, as emendas sugerem, através do inciso

IV do artigo 5º,251 o dever de mitigar prejuízos como um dos princípios do Direito

Marítimo.

O princípio do dever de mitigar prejuízos sugerido pelas emendas deriva

do princípio inglês “duty to mitigate the loss”,252 tendo como definição, no artigo 9 das

emendas, que “o empresário, seus empregados e prepostos, bem assim qualquer

pessoa tem o dever de agir com boa-fé, ética, probidade, lealdade e cooperação,

adotando todas as medidas ao seu alcance capazes de mitigar seu próprio prejuízo e

o de terceiros”.253

Dada à insegurança jurídica que a sobre-estadia acarreta das relações de

250 Emenda 56 e 215. Art. [1º]. Sem prejuízo dos princípios e normas de direito público e daqueles previstos em acordos e tratados internacionais ratificados, o direito empresarial marítimo reger-se-á pelas disposições do presente código. 251 Art. [5º]. São princípios do Direito Marítimo: [...] IV – princípio do dever de mitigar prejuízos; 252 “Dever de mitigar a perda” (tradução livre). 253 Emenda 56 e 215: Art. [9º]. Pelo princípio do dever de mitigar prejuízos, o empresário, seus empregados e prepostos, bem assim qualquer pessoa tem o dever de agir com boa-fé, ética, probidade, lealdade e cooperação, adotando todas as medidas ao seu alcance capazes de mitigar seu próprio prejuízo e o de terceiros.

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transporte marítimo internacional, principalmente no que tange à posição do

contratante dos serviços, verifica-se como necessária maior intervenção estatal nesse

domínio econômico para se garantir modicidade nos valores hoje praticados no

mercado.

3.2.4. Legitimidade

Na seara da legitimidade ativa, observou-se que ambos ordenamentos

propugnam pela legitimidade do transportador, sendo ele transportador executor ou

contratual. Embora exista entendimento (minoritário) de que há a necessidade de se

comprovar a propriedade do contêiner para se cobrar a sobre-estadia, entende-se

que, exceto ao NVOCC, isso não deve prosperar.

Quanto ao NVOCC, muito embora seja transportador contratual, não possui

contêineres nem mesmo leasing de contêineres, sendo certo que sua atuação não

depende da devolução da unidade de carga em tempo. A devolução intempestiva do

contêiner somente afeta o NVOCC pois ele é cobrado do transportador executor pela

sobre-estadia. Contudo, o NVOCC não repassa esse valor ao seu contratante, pelo

contrário, imputa ao seu contratante valores ainda maiores, garantindo o seu lucro por

meio da sobre-estadia, que não se constitui no objetivo do instituto.

As emendas 56 e 215 do PL 1572/2011, no que se refere à legitimidade

ativa para a cobrança das sobre-estadias, deixam claro que a cobrança deve ser

efetivada pelo transportador, nada mencionando acerca da comprovação da

propriedade da unidade.254 Neste sentido, o transportador da operação, seja ele

transportador executor ou transportador NVOCC, nos termos das emendas propostas,

terá legitimidade para pleitear sobre-estadias.

254 Emenda 56 e 215. Artigos 111 e 112.

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Pelas emendas 56255 e 215256 é igualmente atribuída legitimidade ativa ao

transportador para demandar judicialmente a busca e apreensão da unidade de carga

depois de decorridos 30 dias do termo do prazo para devolução, independentemente

de prévia notificação. Dispõem as emendas que a liminar de busca e apreensão

poderá ser deferida independentemente de prestação de caução e que o prazo de 30

dias pode ser alterado pelas partes.

A emenda 56 (art. 116, §3º), adicionalmente, dispõe que se o contêiner

estiver ainda com carga, o esvaziamento será determinado pelo Magistrado às

expensas dos interesses da carga. Por outro lado, a emenda 215 (art. 116, §1º) limitou

a busca e apreensão de unidade ainda com carga somente se a mesma estiver nas

dependências finais do consignatário ou destinatário, possibilitando ao Magistrado

determinar seu esvaziamento às expensas destes.

Não parece razoável limitar o direito do transportador de efetuar a busca e

apreensão de contêiner, ainda estufado, somente quando este estiver nas

dependências do destinatário/consignatário. Isso exclui a possibilidade do

transportador realizar este procedimento quando o contêiner estiver ainda nos pátios

do Terminal Portuário ou Receita Federal, circunstâncias muito comuns de ocorrerem.

Adicionalmente, a emenda 56 legitima o transportador a requerer

judicialmente a desova do contêiner se, após 120 dias de tê-lo colocado à disposição

do consignatário, este não tenha providenciado a sua retirada do Terminal ou a sua

255 Art. [116]. Independentemente da sobrestadia de unidade de carga, o transportador poderá demandar judicialmente a busca e apreensão da unidade de carga depois de decorridos 30 (trinta) dias do termo do prazo para devolução, independentemente de prévia notificação. § 1º. A liminar de busca e apreensão poderá ser deferida independentemente de prestação de caução. § 2º. As partes poderão convencionar no termo de retirada da unidade de carga prazo maior do que o previsto neste artigo. § 3º. Se a unidade de carga não tiver sido desovada quando da apreensão pelo transportador, o Juiz determinará o esvaziamento da unidade e o armazenamento da carga às expensas dos interesses da carga. 256 Art. [116]. Independentemente da sobrestadia da unidade de carga, o transportador poderá demandar judicialmente a sua busca e apreensão depois de decorridos trinta dias do termo do prazo para devolução, independentemente de prévia notificação. § 1º. Somente é admissível a busca e apreensão de unidade com carga ainda nela acondicionada, na hipótese de a unidade encontrar-se nas próprias dependências finais do consignatário ou destinatário, quando o juiz determinará seu esvaziamento às expensas destes. § 2º. A concessão de liminar de busca e apreensão independe da prestação de caução. § 3º. As partes poderão convencionar no termo de retirada da unidade de carga prazo maior do que o previsto neste artigo.

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desova.257 Não há, na emenda 215, disposição equivalente. De toda forma, acredita-

se que este artigo não propõe nenhuma mudança significativa, mas apenas ratifica

um direito que já é próprio do transportador.258

Quanto a legitimidade passiva, enquanto no Direito Inglês são analisadas

as cláusulas do contrato em si, no Direito Brasileiro aponta-se a legitimidade àquele

que figurar no BL como shipper ou consignee.

Ao tratar da pessoa responsável pela sobre-estadia, ou seja, da parte

passiva legitimada a responder pela cobrança, ambas emendas 56259 e 215,260 nos

artigos 113, não destoam ao propor um texto legislativo que limita a sua atribuição

àquele que reter em sua posse o contêiner para além do prazo estabelecido ou ao

eventual garantidor da obrigação.

Ao utilizar-se do termo posse, as emendas não deixam claro quem de fato

será a pessoa legitimada a responder pela sobre-estadia, tornando deveras subjetivo

este elemento determinante do instituto.

Certo é que o legitimado a responder por eventuais sobre-estadias é aquele

257 Emenda 56. Art. [117]. Decorridos cento e vinte dias da data em que o transportador colocou a unidade de carga à disposição do consignatário, sem que este a tenha retirado do terminal ou providenciado a sua desova, poderá o transportador requerer medida judicial para sua desova. 258 ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA. LIBERAÇÃO DE CONTÊINER. UNIDADE DE CARGA DISTINTA. Discute-se o direito à liberação de contêineres, independentemente da finalização do procedimento para o perdimento das mercadorias neles mantidas, sob o fundamento de serem unidades de cargas autônomas, não se confundindo com o bem transportado. Faz a impetrante prova de sua qualidade de transportadora e possuidora direta do container, conforme documentos exigidos pela fiscalização, conhecimento de embarque e manifesto de carga, os quais acompanham todas as cargas comercializadas internacionalmente. Preliminar rejeitada para reconhecer a legitimidade da transportadora para a desunitização do container. Precedente do STJ. Os contêineres se encontram sujeitos ao regime aduaneiro especial de admissão temporária automática, nos moldes da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal IN-SRF 285, de 14 de janeiro de 2003, a qual considera referido equipamento como um acessório da mercadoria importada. A apreensão dos contêineres pela autoridade foi regular e encontra amparo na legislação aduaneira, porém apenas em relação ao seu conteúdo. Os contêineres, conforme dita a lei, encontram-se beneficiados pelo regime de admissão temporária automática, como consequência da internação das mercadorias no País, cuja irregularidade destas não os sujeita às mesmas penalidades. Precedentes. Apelação provida. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação n. 0000988-37.2011.4.03.6104. Desembargadora Relatora ELIANA MARCELO. Julgado em 22.08.2013. Disponível:<www.trf3.jus.br>. Acesso em: 20 nov. 2015. 259 Emenda 56. Art. [113]. A responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos em decorrência da sobrestadia de unidades de carga recai exclusivamente sobre aquele que a reteve em sua posse para além do prazo estabelecido e do eventual garantidor da obrigação. 260 Emenda 215. Art. [113]. A responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos em decorrência da sobrestadia de unidades de carga recai exclusivamente sobre aquele que a reteve em sua posse para além do prazo estabelecido e do eventual garantidor da obrigação.

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a quem o contêiner foi concedido e que se responsabilizou pela sua guarda,

manutenção e devolução no prazo. Na maioria dos casos, a posse da unidade não

permanece diretamente nas mãos deste contratante, o que torna ineficiente a norma

tal qual proposta pelas emendas 56 e 215.

Quando há a sobre-estadia de um contêiner, a unidade nem sempre está

na posse do consignatário ou do embarcador. Pode estar nos pátios no Terminal

Portuário, ou da Receita Federal, ou até mesmo em trânsito com um transportador

rodoviário ou ferroviário. Dessa forma, acredita-se que o termo “posse” pode acarretar

em mais insegurança jurídica, o que não é desejado.

Como dito, as emendas também incluem no artigo 113 a legitimidade

passiva do garantidor da obrigação. Isso porque o artigo 118 de ambas as emendas

56261 e 215262 propõe tornar lícita a exigência de garantias reais ou fidejussórias para

as obrigações decorrentes da sobre-estadia de contêineres.

De fato, a prática de se requerer garantia real para sobre-estadias já é

realidade, muito embora não normatizada. Não são raras as vezes em que o

transportador requer depósito caução para eventuais sobre-estadias. Inclusive, há

casos em que o consignatário se recusa a realizar o depósito caução e vê sua carga

retida pelo transportador através do sistema Siscomex.263

A prática de retenção de carga por falta de pagamento de caução para a

sobre-estadia é totalmente ilegal, porquanto que, nos termos do artigo 7º do Decreto-

Lei 116/67,264 somente é permitida a retenção de carga por falta de pagamento do

frete ou da contribuição para avaria grossa declarada.

261 Emendas 56. Art. [118]. É lícita a exigência de prestação de garantias reais ou fidejussórias para as obrigações decorrentes da sobrestadia de unidade de carga, podendo a garantia ser prestada no próprio termo de recebimento do container ou em instrumento apartado. 262 Emendas 56 e 215: Art. [118]. É lícita a exigência de prestação de garantias reais ou fidejussórias para as obrigações decorrentes da sobrestadia de unidade de carga, podendo a garantia ser prestada no próprio termo de recebimento do container ou em instrumento apartado. 263 O Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, instituído pelo Decreto nº 660, de 25 de setembro de 1992, é um sistema informatizado responsável por integrar as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, através de um fluxo único e automatizado de informações. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/siscomex/siscomex.html>. Acesso em: 12 nov. 2015. 264 Decreto-Lei 116/67. Art. 7º Ao armador é facultado o direito de determinar a retenção da mercadoria nos armazéns, até ver liquidado o frete devido ou o pagamento da contribuição por avaria grossa declarada.

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Futura e incerta sobre-estadia não é valor de frete, tampouco constitui-se

em avaria grossa,265 sendo a retenção de carga por falta de pagamento desta garantia

uma prática arbitrária e considerada autotutela, vedada no jurídico brasileiro e

considerada crime, conforme artigo 345 do Código Penal Brasileiro.266

Neste aspecto, notar que as emendas não incluíram a possibilidade de

retenção de carga por falta de pagamento da garantia, permanecendo esta prática

como ilícita.

Nesta seara, o artigo 118 das emendas propõe tornar lícita a exigência de

garantias, não só a real (em dinheiro), mas também a fidejussória (garantia pessoal).

Havendo garantia fidejussória, o garantidor, nos termos do artigo 113 das emendas, é

parte passiva legítima.

Dê fato a possibilidade de exigência de garantias, assim como a atribuição

de caráter executivo ao termo de responsabilidade, garante a satisfação do débito,

trazendo mais segurança jurídica aos transportadores.

Ao passo em que as emendas atribuem a responsabilidade pela sobre-

estadia de contêiner àquele que reter em sua posse a unidade e ao garantidor da

obrigação, ambas sugerem no artigo 115267 uma excludente de responsabilidade.

Assim, pelo texto proposto, a sobre-estadia não será devida se o atraso na restituição

do contêiner decorrer de fato imputável direta ou indiretamente ao próprio

transportador ou de caso fortuito ou de força maior.

O parágrafo único da referida disposição, consolidando o princípio inglês

Once on Demurrage Always on Demurrage,268 sugere que a contagem da sobre-

estadia que já tiver sido iniciada não se suspenderá na ocorrência de caso fortuito ou

265 Avaria Grossa são danos e despesas extraordinárias causadas intencionalmente no intuito de salvaguardar a expedição marítima. 266 NOVAK FÓES, Gabrielle Thamis Condicionamento da liberação da carga à prestação de caução da demurrage: ilegalidade à luz do decreto-lei nº 116/1967. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 2, n.3, p. 516-531, 3º quadrimestre de 2011. ISSN 2236-5044. Disponível em: <www.univali.br/ricc> Acesso em: 10 nov. 2015. 267 Emendas 56 e 215: Art. [115]. A sobrestadia de unidade de carga não será devida se o atraso na restituição decorrer de fato imputável direta ou indiretamente ao próprio transportador ou de caso fortuito ou de força maior. Parágrafo único. A contagem da sobrestadia que já tiver sido iniciada, não se suspende na intercorrência de caso fortuito ou força maior. 268 “Uma vez em sobre-estadia, sempre em sobre-estadia” (tradução livre).

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força maior.

Considerando que, com a incidência da sobre-estadia o devedor já estaria

em mora, o parágrafo único, baseado no referido princípio, está em perfeita

consonância com o CC, que, no artigo 399,269 determina que o devedor em mora

responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de

caso fortuito ou de força maior. Assim, mesmo que o texto do projeto forneça

circunstâncias de exclusão de responsabilidade, também afirma que a ocorrência de

tais circunstâncias não intervém na cobrança de sobre-estadia já iniciada.

Feita esta análise, certo é que as emendas são eficazes quanto a atribuição

da legitimidade ativa, embora ainda inclua o NVOCC como parte legítima ativa, haja

vista que é também transportador.

Contudo, muito embora haja previsões certeiras, como a questão da

garantia e da responsabilidade do garantidor da obrigação, acredita-se que a forma

como está posta a responsabilidade passiva, como sendo daquele que reter em sua

posse a unidade de carga, trará ainda mais incertezas à sobre-estadia de contêineres

e ao ambiente de negócios brasileiro.

269 Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa é contribuir para reduzir a insegurança jurídica

da sobre-estadia de contêiner no Brasil, por meio da análise comparativa de quatro

elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner na Inglaterra e no Brasil. Tal

análise se fez necessária de forma a possibilitar um estudo detalhado das disposições

sugeridas pelas emendas 56 e 215 ao PL 1572/2011 e sua eficácia para sanar a

insegurança jurídica que paira atualmente nas relações entre embarcadores,

consignatários, transportadores e agentes intermediários.

Neste cenário, o problema que justificou a pesquisa é a própria insegurança

jurídica verificada atualmente no Direito Brasileiro, especialmente em relação aos

elementos determinantes da sobre-estadia de contêiner, quais sejam, a natureza

jurídica, a previsibilidade, a modicidade e a legitimidade (ativa e passiva). Nota-se que

a insegurança jurídica decorre da juridicidade destes elementos, evidenciada pela

disparidade de entendimentos, seja doutrinário ou jurisprudencial, o que prejudica as

operações de transporte marítimo no Brasil.

A natureza jurídica, como elemento determinante, é responsável pela

classificação do instituto dentro do ordenamento jurídico que se estuda. A

previsibilidade, por seu turno, por ser uma característica que determina a expressa

previsão da cobrança em contrato, é fundamental para a análise precedente,

principalmente diante do problema enfrentado atualmente com a insegurança jurídica,

que se fundamenta na inexistência de garantias aos agentes atuantes na prática do

transporte marítimo internacional.

De mesmo modo, a modicidade contribui fundamentalmente ao estudo,

porquanto que a insegurança jurídica se revela igualmente pelos valores abusivos e

extravagantes que em alguns casos são cobrados. Estas cobranças abusivas não

prejudicam apenas os usuários individualmente, mas a própria economia e ordem

pública, haja vista o enriquecimento sem causa de alguns transportadores e agentes

intermediários, especialmente o NVOCC.

Por outro lado, se verifica como indispensável ao problema a análise dos

sujeitos ativo e passivo da cobrança de sobre-estadia, justificando o estudo do

elemento determinante da legitimidade, ativa e passiva.

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Para contribuir para a solução deste problema, levantou-se a hipótese de

que a análise comparativa dos elementos determinantes da sobres-estadia no Direito

Inglês e Brasileiro, utilizando-se como método o Direito Comparado, contribui para a

redução da insegurança jurídica. Isso porque o conhecimento dos elementos

determinantes por meio do método comparado possibilita uma melhor análise crítica

das emendas 56 e 215 ao PL n. 1572/2011 e, por sua vez, maior eficácia da pesquisa

para reduzir a insegurança jurídica que paira atualmente nas relações.

Assim sendo, como a sobre-estadia é instituto do Direito Marítimo, no

Capítulo 1 tratou-se inicialmente dessa disciplina jurídica, sua origem e codificação tal

qual conhecida atualmente, sua natureza jurídica e conceito. Abordou-se, igualmente,

as fontes do Direito Marítimo e suas características, entendimento essencial para se

compreender o instituto da sobre-estadia de contêiner, particular à esta disciplina

jurídica autônoma.

Foram analisados, igualmente, os contratos marítimos de utilização de

navio e os contratos de transportes, possibilitando conhecer a inserção da sobre-

estadia no Direito Marítimo, sua origem e função. Derradeiramente, introduziu-se a

sobre-estadia tal qual em enfoque nesta pesquisa, tendo sido analisado o fenômeno

da conteinerização e da aplicação da sobre-estadia ao contêiner.

Já o Capítulo 2 tratou pormenorizadamente dos elementos determinantes

da sobre-estadia de contêiner, acima mencionados, dentro de cada ordenamento

jurídico. Foram abordados os elementos individualmente na prática do Direito Inglês

e do Direito Brasileiro.

Neste aspecto, justificou-se a utilização do Direito Inglês no método

comparado desta pesquisa pela especialização e tradição da Inglaterra no Direito

Marítimo. De mesmo modo, considerando que o país é regido pelo common law, suas

regras são ditadas pela jurisprudência, que consagra princípios com base da prática

do mercado, retratando a realidade das relações comerciais.

Por fim, no Capítulo 3 efetuou-se a análise comparativa dos quatro

elementos determinantes encontrados no Direito Inglês e no Direito Brasileiro,

confrontando-os às disposições das emendas 56 e 215 propostas ao PL 1572/2011.

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O citato Capítulo foi dividido em duas partes. A primeira tratou da análise

comparativa dos elementos determinantes em ambos ordenamentos, inglês e

brasileiro. Posteriormente, realizou-se o confronto destes elementos com o que é

sugerido nas emendas 56 e 215 apresentadas ao PL 1572/2011 no que se refere à

sobre-estadia de contêineres.

Verificou-se com o estudo que a insegurança jurídica desse instituto no

Brasil ocorre diante da inexistência de pacificação em relação aos elementos

determinantes da sobre-estadia de contêiner, o que se justifica pela inexistência de

norma eficaz a regular a temática.

Constatou-se que não há qualquer consenso no Brasil quanto a natureza

jurídica da sobre-estadia de contêiner. Enquanto alguns sustentam que a cobrança é

uma cláusula penal, outros alegam tratar-se de indenização, muito embora não haja,

na sobre-estadia, os elementos formadores desta natureza no Direito Brasileiro.

De mesmo modo, não se verificou pacificação quanto ao elemento da

previsibilidade. A previsibilidade, como característica que impõe a necessidade de

previsão expressa em contrato, é ponto crucial à segurança jurídica da sobre-estadia

de contêiner.

Sem esta característica, as relações comerciais ficam desfalcadas e sem

estabilidade, haja vista a possibilidade de se cobrar valores não acordados

previamente. E é justamente este o ponto crítico deste elemento, considerando que a

jurisprudência no Brasil acata cobranças de sobre-estadia de contêineres mesmo sem

previsão contratual, fundamentando-se, equivocadamente, na lex maritima, sem

qualquer observância da ordem pública doméstica.

Outro elemento crucial à insegurança jurídica que norteia a sobre-estadia

de contêiner é a completa ausência de modicidade nos valores cobrados. E, para esta

análise, reportou-se à origem desta cobrança e sua função. A sobre-estadia nasceu

como método para constranger o usuário a devolver o contêiner que lhe foi

disponibilizado pelo transportador, bem como para compensar o transportador por

possíveis perdas geradas quando da devolução fora do prazo.

Ocorre que a função da sobre-estadia foi completamente desvirtuada ao

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longo do tempo, e atualmente o que se constata é que muitos transportadores estão

lucrando muito acima do razoável com a devolução intempestiva de contêiner, o que

não é o objetivo do instituto.

A legitimidade, por seu turno, também apontou circunstâncias que

contribuem à insegurança jurídica. Verificou-se que alguns transportadores, à exemplo

do NVOCC, que sequer podem sofrer qualquer perda com a retenção de contêineres,

são aceitos pela jurisprudência como parte legítima ao pleito de sobre-estadias. Por

outro lado, constatou-se, igualmente, que agentes intervenientes ao contrato de

transporte, como é o caso dos despachantes aduaneiros, sofrem imputação de

responsabilidade sem sequer participarem na relação contratual que permeia a sbre-

estadia de contêineres.

E foi diante da análise comparativa dos elementos determinantes da sobre-

estadia de contêiner na Inglaterra e no Brasil é que se observou que a prática do Brasil

destoa da internacional em diversos pontos.

As emendas 56 e 215 ao PL 1572/2011, embora já um grande avanço para

a sociedade, contém disposições que, diante da análise realizada, podem não

contribuir de forma eficaz para reduzir a insegurança jurídica que rodeia a sobre-

estadia de contêiner. É necessário olhar mais criticamente ao instituto e averiguar se

as disposições realmente resolvem toda a discrepância de julgados existentes

atualmente, garantindo certa uniformidade e internacionalidade à norma, bem como

pacificação aos elementos determinantes do instituto.

Há muito ainda a ser feito para se assegurar a segurança jurídica almejada

ao instituto da sobre-estadia de contêiner, sendo certo que ambas emendas

prescindem de ajustes para garantir eficácia à regulamentação do instituto.

Assim, pode-se concluir que a hipótese foi confirmada, pois a análise

comparativa dos elementos determinantes da sobres-estadia no Direito Inglês e

brasileiro, utilizando-se como método o Direito Comparado, contribui ao estudo das

emendas 56 e 215 ao PL 1572/2011 e sua eficácia em reduzir a insegurança jurídica,

ressaltando-se, todavia, a necessidade de continuidade da pesquisa com esse

objetivo, a fim de apontar novos caminhos para minimizar os efeitos negativos da

juridicidade (produção, interpretação e aplicação do direito) desse relevante instituto

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do transporte marítimo.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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140

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141

ANEXO 1

MSC Mediterranean Shipping Company SA vr. CottonexAnstalt

[2015]270

IN THE HIGH COURT OF JUSTICE QUEEN'S BENCH DIVISION

COMMERCIAL COURT

Royal Courts of Justice

Strand, London, WC2A 2LL

12/02/2015

B e f o r e :

MR JUSTICE LEGGATT ____________________

Between:

MSC Mediterranean Shipping Company S.A. Claimant

- and -

Cottonex Anstalt Defendant

____________________

Emmet Coldrick (instructed by Duval Vassiliades) for the Claimant Luke Pearce (instructed by Holman Fenwick Willan LLP) for the Defendant

Hearing dates: 1-2 December 2014

Mr Justice Leggatt :

Introduction

1. This case raises questions of some importance in international shipping about the

nature and duration of an obligation to pay 'container demurrage'.

The contracts and shipments

270 Disponível em http://www.bailii.org/

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142

2. The claimant, whom I will call "the Carrier", is a Swiss company which carries on a

container shipping business worldwide. According to its evidence, the claimant is

currently the second largest carrier of containers in the world by number of container

vessels operated and by container slot capacity. In 2013 it carried about 13,722,000

containers.

3. The defendant, whom I will call "the Shipper", is a Lichtenstein Anstalt which trades in

raw cotton.

4. The Carrier contracted with the Shipper to carry a total of 35 containers of raw cotton

by sea from ports in the Middle East to Chittagong in Bangladesh. The containers used

for the carriage were 40 foot 'high cube' containers provided by the Carrier. The cargo

was shipped in three lots under five bills of lading. The first lot of 19 containers was

loaded at Bandar Abbas in Iran under two bills of lading both dated 7 April 2011 and

was discharged at Chittagong on 13 May 2011. The second lot of 12 containers was

loaded at Bandar Abbas under two bills of lading dated 11 and 17 April 2011 and was

discharged at Chittagong on 20 May 2011. The third lot of four containers was loaded

at Jebel Ali in Dubai under a bill of lading dated 4 June 2011 and was discharged at

Chittagong on 27 June 2011.

5. The Shipper sold the cotton to a company in Bangladesh called Regent Spinning Mills

Ltd, which I will refer to as "the Consignee". Payment was by confirmed letter of credit.

The contract of sale dated 14 April 2011 contained a retention of title clause, which

provided that "the goods remain the property of Seller until full execution of the

payment by the Buyer".

6. The Consignee has never collected the goods. Nor has anyone else. To this day the

cotton remains at the Port of Chittagong, still packed inside the containers. The dispute

in this case is about whether the Shipper is liable to pay the Carrier a daily charge,

described as "demurrage", for each day that the containers remain unavailable to the

Carrier because they are still being used to hold the goods.

The proceedings in Bangladesh

7. Shortly after the conclusion of the contract of sale, the market price of raw cotton

collapsed and the Consignee sought to extricate itself from the contract. When the

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143

Shipper refused to cancel the contract, the Consignee sought to stop payment under

the letter of credit by bringing proceedings in the courts of Bangladesh.

8. The Consignee commenced proceedings on 6 June 2011 against the banks which had

respectively issued and confirmed the letter of credit. The Shipper was also named as

a defendant, although it does not appear that the Consignee has alleged any breach

of the contract of sale. Its case is that the banks were not entitled to pay against the

documents presented under the letter of credit as some of the bills of lading had been

fraudulently misdated to make it appear, falsely, that the goods had been shipped

within the period required by the terms of the letter of credit.

9. On 15 June 2011 the Consignee obtained an interim injunction from the High Court in

Bangladesh to restrain the issuing bank from making any payment under the letter of

credit. The injunction was still evidently in place on 27 February 2013, when the court

ordered that the injunction should continue for a further six months. There is no

evidence which shows what, if anything, has happened in the proceedings since then.

10. In fact, on 23 May 2011, before the Bangladeshi proceedings were begun, the Shipper

had already been paid under the letter of credit for the first two lots of cotton shipped

under the first four bills of lading. The payment for the third lot shipped under the fifth

bill of lading was subsequently made by the confirming bank to the Shipper on 30

January 2013.

The fate of the containers

11. In the period of some three and a half years during which the containers have been

sitting in the Port of Chittagong, such attempts as have been made to retrieve the

containers have come to nothing.

12. The Carrier has taken the position that it is for the Shipper or the Consignee to collect

the goods and then unpack and return the containers. The Shipper has taken the

position that it has no power to take delivery of the goods and that only the Consignee

may do so. Meanwhile, the Consignee has made no attempt to collect the goods and

has made it clear that it does not intend to do so. To add to the problems, the

Bangladeshi customs authorities have apparently taken the position that they will not

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allow anyone to remove the containers from the yard where they are being stored

without a court order.

13. On 3 July 2011 the Carrier was already complaining to the Shipper that the shipments

were still lying uncleared in Chittagong. On 23 July 2011 the Carrier's agent sent a

formal notice to the Consignee and to the Shipper that the Carrier reserved the right to

dispose of the cargo if it was not collected within 15 days and that the Consignee and

the Shipper were being held responsible for all costs and charges caused by the failure

to collect the goods. The Consignee responded to say that it was taking court

proceedings based on an allegation that fraud had been committed in respect of the

documents presented under the letter of credit and that it was not in a position to take

any action to clear the consignment unless and until the issues raised in the

proceedings had been resolved.

14. On 1 August 2011 the Carrier sent an email to the Shipper referring to the court

proceedings and asking what actions the Shipper was planning to take to solve the

problem with the Consignee and to pay the outstanding demurrage. This was followed

up on 27 September 2011. The Shipper's response on that date was that it did not

have legal title to the goods as it had been paid for them. (In fact, payment had not at

that stage been made for the third lot of four containers but the first two lots comprising

31 containers had been paid for.) The Shipper suggested that the bank would pay the

demurrage charges "as soon as conflict and disputes between banks are solved". The

Carrier replied on 2 October 2011 asking for "a gesture of support by settling our

demurrage". The Carrier also observed that it would not be surprising if the amount of

demurrage owed by now exceeded the value of the cargo, and said that they did not

want to see a situation in which the cargo was auctioned leading to the Carrier having

to forego demurrage charges.

15. On 25 October 2011 the Carrier sent a further formal notice to the Shipper and the

Consignee regarding the mounting demurrage charges. On 2 November 2011 the

Consignee wrote a letter to the Carrier further explaining its refusal to accept the

documents presented under the letter of credit.

16. On 27 November 2011 the Carrier sent an email to the Shipper complaining that the

shipments remained uncleared by the Consignee "without any certain future for our

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containers which are just sitting idle in Chittagong". The Carrier said that its office in

Chittagong had been in constant touch with the Consignee but without any positive

response. The email requested settlement of the outstanding demurrage in an amount

(which did not include the four containers used to ship the third lot) of US$127,968.

17. No response was received from the Shipper in the next several weeks, despite a series

of reminder emails. Some time in January 2012, however, there was a telephone

conversation in which the Carrier offered to sell the containers to the Shipper.

According to the Carrier's manager, Mr Sethuraman, who made this offer, the Shipper

specifically asked for such an offer as a practical solution because the containers were

likely to remain blocked for the foreseeable future. This discussion was referred to in

an email from the Carrier to the Shipper dated 2 February 2012, which said: "we have

already given the necessary solution from our side which is to buy our containers and

settle up to date demurrage". According to its director, Mr Schonberger, the Shipper

did not accept the Carrier's offer because the amount of money which the Carrier

wanted for the containers was US$200,000 and the Shipper thought that this price was

too high.

18. In March and again in June 2012 the Shipper indicated that it was expecting a decision

in the court proceedings which should clarify the situation. However, despite a series

of emails from the Carrier in the second half of that year asking to know what was

happening with the case, there was no response from the Shipper.

19. It does not appear that any material development occurred during 2013.

20. On 8 January 2014 Esack Brothers Industries Ltd, the owner of the container yard at

the Port of Chittagong where the Carrier's agent had arranged for the containers to be

stored following their discharge from the vessels, wrote a letter to the Carrier's agent

which stated (with some obvious typographical errors corrected):

"We cannot deliver this long idle containerised cargo due to failure and incompetence

of interested parties to present valid and authentic documents due to the stay order of

the Court (Supreme Court Civil, Appellate Division – Title Suit 493 of 2011 dated 27

February 2013). We notified Cargo interests several times to evacuate the slots at yard

but no fruitful result.

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146

Considering the above, with regrets, in no way are we in a position to deliver or release

these consignments, or to allow dealing with the cargo of cotton (including de-van

cargo), as same is prevented by Bangladesh Customs until receiving of Court Order

allowing delivery/release with other ancillary documents approved by Bangladesh

Customs."

Also in January 2014, a representative of the Carrier's agent in Chittagong had a

meeting with the Assistant Commissioner of Customs at which he was told that the

customs authority would not allow any movement of the cargo, including unstuffing the

cotton from the containers, until the court proceedings had been resolved.

21. In March 2014 officials from Royal Inspection International Ltd, agents appointed by

the Shipper to investigate the position, travelled to Chittagong and had meetings with

representatives of Esack Brothers Industries Ltd, the Carrier's local agent and the

customs authority. The inspection company reported that the customs authority would

not allow the containers to be released without an order from the court and that the

Consignee had made it clear that it would not take delivery of the cargo.

22. On 21 August 2014 lawyers in Bangladesh instructed by the Shipper sent a letter

before action to the customs authority demanding permission for the cotton to be

unpacked from the containers. The letter pointed out that the injunction granted by the

court only prohibited payment under the letter of credit and did not prevent the

containers from being unpacked. No response to this letter appears to have been

received, and on 11 September 2014 the Shipper began proceedings in the

Bangladeshi courts against the customs authority. These proceedings are based on a

provision of the Bangladeshi Customs Act 1969 which provides that, if goods are not

collected, the customs authority may auction the goods after 30 days or within such

longer period as it thinks appropriate. It is not clear how this provision can be said to

impose any obligation on the customs authority to sell the goods, as opposed to simply

giving it a power of sale, nor what standing the Shipper has to seek any relief in

circumstances where it no longer owns nor has a right to possession of the cotton.

The value of the containers

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23. I was informed at the start of the trial that the parties had agreed that the value of the

35 containers (measured as their replacement cost) is US$114,172. This equates to

US$3,262 per container.

24. In a submission which can most charitably be described as displaying an excess of

zeal, Mr Coldrick on behalf of the Carrier subsequently argued that, although the

Carrier had agreed what it would cost to buy 35 containers, it had not agreed that there

were in fact any containers available to buy at Chittagong at any relevant time (or, if

there were, how quickly such containers could have been obtained). To address this

unmeritorious point, I allowed the Shipper to put in evidence the quotations obtained

by its solicitors which had led to the parties reaching an agreement on value. These

showed that, in response to enquiries recently made, two suppliers had replied

immediately with offers to provide 35 used 40 foot high cube containers at Chittagong

at a price of, in one case, US$2,800 and, in the other case, US$1,900 per container.

Both these quoted prices were less than the value of US$3,262 per container which

the parties have agreed. There is nothing to suggest that the availability or cost of

containers at Chittagong has altered in any significant way during the period since May

2011. In these circumstances I find as a fact that at all material times the Carrier could

have bought replacement containers for immediate delivery at Chittagong at a cost of

US$3,262 per container or less.

The witness evidence

25. Various witness statements were tendered as hearsay evidence. The only witness

called to give oral evidence was Mr Schonberger, the director of the Shipper. Despite

its length, his evidence did not add anything material to what is recorded in the

documents.

The claim for demurrage

26. The Carrier's claim for 'container demurrage' is founded on clause 14.8 of its standard

terms of carriage which were printed on the back of the bills of lading. Clause 14.8

states:

"The Carrier allows a period of free time for the use of the Containers and other

equipment in accordance with the Tariff and as advised by the local MSC agent at the

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148

Ports of Loading and Discharge. Free time commences from the day the Container

and other equipment is collected by the Merchant or is discharged from the Vessel or

is delivered to the Place of Delivery as the case may be. The Merchant is required and

has the responsibility to return to a place nominated by the Carrier the Container and

other equipment before or at the end of the free time allowed at the Port of Discharge

or the Place of Delivery. Demurrage, per diem and detention charges will be levied and

payable by the Merchant thereafter in accordance with the Tariff."

27. I will also quote at this stage clause 14.9 which states:

"The Merchant shall redeliver, to a place nominated by the Carrier, the Containers and

other equipment in like good order and condition, undamaged, empty, odour free,

cleaned and with all fittings installed by the Merchant removed and without any rubbish,

dunnage or other debris inside. The Merchant shall be liable to indemnify the Carrier

for any and all costs incurred reinstating or replacing Containers and other equipment

not returned in the condition as specified above, including the reasonable legal

expenses and costs of recovering the costs incurred and interest thereon."

Thus, clause 14.8 specifies the time within which containers must be returned (and the

consequences of non-compliance), while clause 14.9 specifies the condition in which

containers must be returned (and the consequences of non-compliance).

28. It is not in dispute that the period of free time provided for in clause 14.8 commenced

on the dates mentioned earlier when the containers were discharged from the vessels

at Chittagong. (The expression "Place of Delivery", as defined in clause 1 of the bill of

lading terms, is only applicable when the Carrier has contracted to deliver the goods

at a place other than the Port of Discharge, which was not the case here.)

29. Clause 3 of the bill of lading terms incorporated the tariff to which clause 14.8 refers.

The relevant tariff is entitled "Prevailing tariff for import detention at Bangladesh". It

specified free time of five days. However, it is common ground that this was overridden

by an agreement recorded on the front of each bill of lading that the period of free time

allowed at the port of destination was 14 days. The demurrage / detention charges

specified in the tariff applicable to 40 foot high cube containers are: US$10 per

container per day for the first 10 days; US$18 per container per day for the next 10

days; and US$24 per container per day thereafter.

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149

30. The term "Merchant" is defined in clause 1 of the bill of lading terms as including "the

Shipper, Consignee, holder of this Bill of Lading, the receiver of the Goods and any

Person owning, entitled to or claiming the possession of the Goods or of this Bill of

Lading or anyone acting on behalf of this Person." The definition of "Goods" includes

the cargo but does not include containers where, as here, they are provided by the

Carrier and are not owned or leased by the Merchant. Clause 2 provides that every

person defined as "Merchant" is jointly and severally liable to the Carrier for all the

various undertakings, responsibilities and liabilities of the Merchant under or in

connection with the bill of lading. Accordingly, the Shipper has all the liabilities of the

"Merchant" under the contracts evidenced by the bills of lading, including any liability

under clause 14.8 to pay demurrage.

31. On the Carrier's case, demurrage started to accrue at the end of the free period of 14

days following the discharge of each lot. Thus, demurrage started to accrue for the 19

containers used to carry the first lot on 29 May 2011, for the 12 containers used to

carry the second lot on 5 June 2011, and for the four containers used to carry the third

lot on 13 July 2011.

32. At the time when this action was begun on 10 June 2013 the amount of demurrage

claimed by the Carrier was US$577,184. It is the Carrier's case that demurrage is

continuing to accrue at the daily rate of US$840 (US$24 x 35 containers). As at 1

January 2015, the amount of the claim had reached US$1,090,424 plus interest from

the date when each daily payment accrued. Thus, the demurrage claimed is now

around 10 times the value of the containers.

The issues

33. Some defences raised by the Shipper were struck out as having no real prospect of

success by HHJ Mackie QC on 13 June 2014. There are two issues still to be decided:

i) Whether demurrage began to run at all; and

ii) If it did, when – if at all – demurrage stopped running.

The course of argument

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34. At the trial each party's case on the latter issue was advanced in ways which had not

been pleaded. In particular, in its skeleton argument for the trial the Shipper put forward

for the first time a new case that it had repudiated the contracts of carriage and that in

these circumstances the obligation to pay demurrage came to an end. The answers

given to that case by Mr Coldrick in his oral submissions on behalf of the Carrier raised

further significant points of law. Further, at the start of the trial the only dispute

regarding mitigation of loss was whether or not as a matter of fact the Carrier had taken

reasonable steps to mitigate its loss. However, in the course of oral argument Mr

Coldrick advanced a new case that, as a matter of law, the Carrier had no duty to

mitigate its loss. This point had repercussions for some of the other legal arguments.

35. Because the new points raised were all either matters of law or legal analysis of

undisputed facts, they were all capable of being decided on the basis of the existing

evidence. In these circumstances it seemed to me desirable to allow all the points to

be argued so as to ensure that the dispute is decided on its real legal merits. However,

the very late stage at which new points were raised meant that neither party had a full

and fair opportunity to address the other party's case at the hearing. In addition, after

the hearing, I invited the parties to consider two further points of law which had not

been argued.

36. To bring the proceedings to a conclusion in a fair and orderly way, I gave directions on

22 December 2014 for (a) each party to serve a draft amended statement of case

pleading those points not previously pleaded on which it wished to rely and (b) for

sequential service of further written submissions on those points. This procedure has

been followed and I am satisfied that all the points have now been properly pleaded

and argued. Both parties have confirmed that they wish the court to proceed to give

judgment without any further oral hearing.

37. Although the Carrier has objected to some of the proposed amendments to the

Shipper's defence on the grounds that they are made late and/or have no real prospect

of success, I do not consider that the Carrier has in the event been prejudiced by the

fact that points were raised late – a complaint which anyway invites a pot and kettle

observation. Nor do I consider that any of the amendments so clearly lacks any

prospect of success that I should refuse permission to make it. I therefore grant

permission for all the amendments sought.

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151

The nature of container demurrage

38. Container "demurrage", like container shipping, is a relatively modern phenomenon.

No case was cited by either party which involved a claim for container demurrage.

There is, however, a substantial body of case law concerning claims under voyage

charterparties for "demurrage" payable to the shipowner on account of delay caused

by the charterer's failure to load or discharge cargo within an agreed period. It is well

established that such demurrage represents liquidated damages. As Lord Brandon

explained in President of India v Lips Maritime Corporation (The "Lips") [1987] 2 Lloyd's

Rep 311, 315:

"[Demurrage] is a liability in damages to which a charterer becomes subject because,

by detaining the chartered ship beyond the stipulated lay days, he is in breach of his

contract. Most, if not all, voyage charters contain a demurrage clause, which prescribes

a daily rate at which the damages for such detention are to be quantified. The effect of

such a claim is to liquidate the damages payable: it does not alter the nature of the

charterer's liability, which is and remains a liability for damages, albeit liquidated

damages."

39. Subject to a question about whether the sum payable is a penalty which I will come to

at the end of this judgment, I think it clear by analogy that clause 14.8 of the bills of

lading is similarly a liquidated damages clause. Its effect is to liquidate the damages

payable for breach of contract if the Merchant fails to return a container to the Carrier

within the agreed period of "free time" (equivalent to laytime in a voyage charter). As

with demurrage payable under a voyage charter, the clause prescribes a daily rate at

which the damages for detention of the container are to be quantified. To determine

when demurrage begins to run under clause 14.8, it is therefore necessary to identify

the point at which a breach of contract occurred.

Can demurrage start to run before the Carrier nominates a place for redelivery?

40. It is the Shipper's case that, on the proper interpretation of clause 14.8 of the bills of

lading (quoted in paragraph 26 above), it was a condition precedent to the Shipper's

obligation to return the containers that the Carrier had nominated a place at the Port

of Discharge to which the Shipper was required to redeliver the containers. On behalf

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152

of the Shipper, Mr Pearce submitted that this is the plain meaning of the third sentence

of clause 14.8 which states:

"The Merchant is required and has the responsibility to return to a place nominated by

the Carrier the Container and other equipment before or at the end of the free time

allowed at the Port of Discharge …"

Mr Pearce argued that the effect of these words is that the Merchant only has a

contractual responsibility to return the containers once there is a place nominated by

the Carrier for their return. He further argued that this makes good business sense. It

would, he submitted, be commercially absurd for the Merchant to be in breach of

contract for failing to redeliver containers when the Merchant did not know where it had

to redeliver them.

41. It is common ground that the Carrier has never in fact nominated a place for the

redelivery of the containers. The Carrier's evidence is that it would normally do so when

the bills of lading were presented and arrangements made for the delivery of the goods

– which has never happened. The Shipper contends that in these circumstances

demurrage has never started to run.

42. I cannot see any merit in this argument. There is nothing in the language of clause

14.8 which states that the nomination by the Carrier of a place for redelivery is a

condition precedent to the obligation of the Merchant to return the containers – whether

by using the expression "condition precedent" or another phrase with the same

meaning. Nor do I agree that such an interpretation would make commercial sense.

The requirement to nominate a place to which the containers are to be redelivered only

has any practical relevance if and when the Merchant has taken delivery of the

containers, unpacked the goods and is ready and willing to return the containers to the

Carrier. Until then, the Merchant has no need to know a place for redelivery. What

would be commercially unreasonable is that a Merchant should be relieved of the

obligation to pay demurrage because no place for redelivery has been nominated in

circumstances where the absence of such a nomination has not prevented the

Merchant from returning the containers because it is not yet ready and willing to do so.

The common sense of the matter is that a failure to nominate a place for redelivery

should only affect the Merchant's liability to pay demurrage if it has prevented the

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153

Merchant from returning the containers. That sensible result is achieved by interpreting

the Carrier's obligation to nominate a place for redelivery as arising only when the

Merchant is ready and willing to perform its obligation to return the containers.

43. Alternatively, if that is wrong, I would interpret the two obligations as independent of

each other. On this interpretation, if failure of the Carrier to nominate a place for

redelivery prevents the Merchant from returning the containers for a given period, any

claim for demurrage in relation to that period will be defeated or offset by a claim for

damages in the same amount resulting from the Carrier's breach of its obligation to

nominate.

44. I accordingly reject the Shipper's argument that demurrage never began to accrue

because no place for redelivery of the containers was nominated.

Can demurrage become payable before the containers are delivered?

45. When reflecting on the arguments after the hearing, it seemed to me that there is a

basic point about the operation of clause 14.8 on the facts of the present case which

had not been addressed. The reason why the Carrier has never in fact nominated a

place for the redelivery of the containers is that the containers have never been

collected and remain in its custody. In these circumstances I invited further

submissions from the parties on the question whether, on the proper interpretation of

the bill of lading terms, demurrage can become payable under clause 14.8 if the

containers have not been delivered to the Merchant.

46. On behalf of the Shipper, Mr Pearce submitted that the obligation under clause 14.8 to

"return" the containers to the Carrier presupposes that the containers have been

delivered to the Merchant in the first place. Logically, there can be no obligation on the

Merchant to return the containers until it has the containers to return. If the obligation

to return the containers has not arisen, there cannot be a breach of the obligation, and

there is therefore no right to claim damages (liquidated or otherwise) for failing to return

the containers within the agreed period of free time.

47. Mr Coldrick on behalf of the Carrier did not dispute that, in order to return the

containers, the Merchant must first take delivery of them. He submitted, however, that

the use of the word "return" in clause 14.8 does not signify that the Merchant must

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have taken delivery of the containers before demurrage can start to run. It merely

defines what must be done by the end of the free time allowed – the containers must

be returned to the Carrier. Thus, in order to avoid a breach of clause 14.8 which results

in demurrage becoming payable the Merchant will need to have taken delivery of the

containers and re-delivered them to the Carrier, all before the end of the free time.

48. When the goods are packed in containers, taking delivery of the goods will require the

Merchant to take delivery of the containers. The obligation of the Merchant to take

delivery of the goods is dealt with in clause 20 of the bill of lading terms. This states:

"20. NOTIFICATION AND DELIVERY

...

20.2 The Merchant shall take delivery of the Goods within the time provided for in the

Carrier's applicable Tariff or as otherwise agreed. If the Merchant fails to do so, the

Carrier may without notice unpack the Goods if packed in containers and/or store the

Goods ashore, afloat, in the open or under cover at the sole risk of the Merchant. Such

storage shall constitute due delivery hereunder, and thereupon all liability whatsoever

of the Carrier in respect of the Goods, including for misdelivery or non-delivery, shall

cease and the costs of such storage shall forthwith upon demand be paid by the

Merchant to the Carrier.

20.3 If the Goods are unclaimed within a reasonable time or whenever in the Carrier's

opinion the Goods are likely to deteriorate, decay or become worthless, or incur

charges whether for storage or otherwise in excess of their value, the Carrier may at

its discretion and without prejudice to any other rights which it may have against the

Merchant, without notice and without any responsibility attaching to it, sell, abandon or

otherwise dispose of the Goods at the sole risk and expense of the Merchant and apply

any proceeds of sale in reduction of the sums due to the Carrier from the Merchant to

take under or in connection with the Bill of Lading.

20.4 Refusal by the Merchant to take delivery of the Goods in accordance with the

terms of this clause and/or to mitigate any loss or damage thereto shall constitute an

absolute waiver and abandonment by the Merchant to the Carrier of any claim

whatsoever relating to the Goods or the carriage thereof. The Carrier shall be entitled

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to an indemnity from the Merchant for all costs whatsoever incurred, including legal

costs, for the cleaning and disposal of Goods refused and/or abandoned by the

Merchant."

49. These clauses give the Carrier extensive protection in circumstances where – as

happened in this case – the Merchant refuses or fails to take delivery of the goods.

That protection includes, at clause 20.2, a power to unpack the goods from the

containers in which they have been transported if the Merchant fails to take delivery of

the goods "within the time provided for in the Carrier's applicable Tariff or as otherwise

agreed". It is common ground that "the Carrier's applicable Tariff" referred to in this

clause is the same tariff as that referred to in clause 14.8 of the bill of lading terms but

also that, as mentioned earlier, a period of 14 days was in this case "otherwise agreed".

Accordingly, when this period of 14 days had elapsed and the goods had still not been

collected, the Carrier was entitled to unpack the goods from their containers and

thereby free up the containers for use elsewhere.

50. Mr Pearce on behalf of the Shipper submitted that the remedies for breach of the

obligation to take delivery of the goods (and by implication the containers in which the

goods are packed) are expressly set out in clause 20, and do not include any right to

claim damages at all, let alone liquidated damages. Alternatively, if that is wrong and

the Carrier is entitled to claim damages for breach of the obligation to take delivery,

there is nothing in clause 20 which states that any such damages are liquidated, and

there is no basis for reading in any such provision.

51. I do not accept the contention that the remedies afforded to the Carrier by clause 20

exclude ordinary common law remedies. Although, as mentioned, clause 20.2 entitles

the Carrier to unpack the goods and, implicitly, recover the use of its containers if they

are not collected by the Merchant before the end of the agreed period of free time, it

does not oblige the Carrier to do so. Indeed, in practice – albeit not as a matter of legal

obligation – it might reasonably be expected that the Carrier would normally afford

some latitude and would not immediately start unpacking the containers if the goods

are not collected before the end of that period. In that event, the Carrier would be

without the use of the containers as a result of the Merchant's breach of contract and

would in principle be entitled to damages to compensate it for any consequential loss.

It requires clear words to exclude the right to recover damages for loss caused by a

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breach of contract, and there are no words in clause 20 which can reasonably be

construed to mean – let alone which clearly state – that the remedies it provides are

intended to be in substitution for, rather than in addition to, the ordinary remedy of

damages.

52. What is less obvious is whether the sum recoverable if the Merchant does not take

delivery of the goods within the period of free time is fixed by the Carrier's tariff. Clause

20 does not say so. One possible interpretation of the bill of lading terms is that the

tariff rates apply only if the Merchant does in fact take delivery of the goods before the

Carrier has exercised its right to unpack them from the containers. In that event the

Merchant will become obliged under clause 14.8 to return the containers to a place

nominated by the Carrier. Demurrage will then be payable for the period from when

the free time ended until the containers are returned. If, on the other hand, as

happened in this case, the goods remain unclaimed, the damages for loss of use of

the containers remain at large.

53. Although this is a possible interpretation, however, I accept the Carrier's contention

that such an interpretation of the bill of lading terms would not make commercial sense.

There is no logic in providing for the demurrage rate to apply if the containers are

collected but not if they are left uncollected. The natural expectation is that demurrage

will accrue for each day that the Carrier is deprived of the use of the containers after

the end of the free time by the Merchant's breach of contract, whether or not the

Merchant does ultimately collect the containers. I accept Mr Coldrick's submission that

it would be perverse if demurrage was payable if the Merchant performs its obligations

late but not if it fails to perform them at all.

54. I also accept that the clear intention of clause 14.8 is that demurrage will start to accrue

as soon as the period of free time runs out if the Carrier is still without the use of the

containers. Not only is that implicit in the provision of a period of "free time" which

commences when the containers are discharged from the vessel, but it is expressly

confirmed by the last sentence of clause 14.8. That provides for demurrage to be levied

and payable by the Merchant "thereafter". The word "thereafter" plainly means after

"the end of the free time allowed" – the phrase used in the previous sentence. That is

further confirmed by the wording of the applicable tariff itself, which shows the charges

commencing when the free time ends. The requirement for the Merchant "to return the

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containers to a place nominated by the Carrier before or at the end of the free time"

indicates that demurrage will not start to accrue if this obligation has been performed.

It is implicit that, in order to perform this obligation, the Merchant will need to have

taken delivery of the containers. If that has not happened and the Merchant is in breach

of its obligation to take delivery of the goods (and impliedly the containers) within the

free time allowed in accordance with the first sentence of clause 20.2, demurrage will

start to accrue.

55. The relevant terms of the Carrier's bill of lading could be much better drafted. I

conclude, however, that on the proper interpretation of the contractual wording read as

a whole the Merchant's obligation upon discharge of the containers from the vessel is

to take delivery of the containers, unpack the goods and return the containers to the

Carrier, all within the period of free time, and that under clause 14.8 demurrage is

payable upon breach of this obligation. It is fair to say that this was how both parties

had understood the relevant provisions (subject to the argument already discussed

about nomination of a place for redelivery) before I raised the possibility of a different

interpretation.

56. It follows that in the present case the Shipper was in breach of the bill of lading

contracts such that demurrage began to accrue when the free time expired on the

dates which I have mentioned in paragraph 31 above.

When, if at all, did demurrage cease to accrue?

57. The second issue is when, if at all, demurrage ceased to accrue. This issue raises

questions about the inter-relationship of a liquidated damages clause which provides

for payment of a daily sum until the relevant obligation is performed and the mitigation

principle.

The mitigation principle

58. It is the Shipper's case that the Carrier has failed to take reasonable steps to mitigate

its loss either by unpacking the goods so as to retrieve the containers or, if necessary,

by buying replacement containers, and that this limits the period for which the Carrier

can claim demurrage.

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59. The rules governing mitigation of damages for breach of contract are well established.

They can be summarised as follows:

i) Despite the common use of the phrase "duty to mitigate", in the absence of a contrary

agreement a claimant is free to act as it wishes following a breach of contract by the

defendant and does not owe any obligation to the defendant to mitigate its loss: see

e.g. Darbishire v Warran [1963] 1 WLR 1067, 1075; Sotiros Shipping Inc v Samiet

Solholt (The "Solholt") [1983] 1 Lloyd's Rep 605, 608. However, the general principle

is that the damages recoverable for a breach of contract are to be calculated as if the

claimant had acted reasonably to mitigate its loss: see Golden Strait Corp v Nippon

Yusen Kubishika Kaisha (The "Golden Victory") [2007] 2 AC 353, 370, para 10. I will

refer to this as the "mitigation principle".

ii) The burden of proof is on the defendant to show that there were steps available to

the claimant to take which would have avoided all or an identifiable part of its loss, and

that it is reasonable to expect that someone in the claimant's position would have taken

those steps: Roper v Johnson (1873) LR 8 CP 167; Standard Chartered Bank v

Pakistan National Shipping Corp [2001] 1 All ER (Comm) 822 at para 38.

iii) The standard of reasonableness to be applied is not an exacting one having regard

to the fact that the claimant's predicament has been caused by the defendant's

wrongdoing: Banco de Portugal v Waterlow & Sons Ltd [1932] AC 452, 506.

60. As mentioned earlier, in its statements of case and skeleton argument for the hearing

the Carrier did not dispute that the mitigation principle is applicable as a matter of law,

but argued that on the facts the Carrier has at all times acted reasonably such that

there has been no failure to mitigate its loss. On behalf of the Carrier, Mr Coldrick

submitted that it is plain from the evidence that the Carrier has never been in a position

to unpack the containers because this would require approval from the Bangladeshi

customs authorities which it is clear that they will not give without an order from the

Bangladeshi court. He submitted that it would be unreasonable to expect the Carrier

to have to take court proceedings in Bangladesh to try to retrieve its containers and

there is in any event no expert evidence on Bangladeshi law to indicate any legal basis

on which such proceedings could have been brought, the likelihood that they would

have been successful or how long they would have taken and how much they would

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have cost. Mr Coldrick submitted that the absence of evidence on these matters is fatal

to the Shipper's contention that there has been a failure to mitigate, since it is the

Shipper which bears the burden of proof.

61. Mr Coldrick further denied that taking reasonable steps to mitigate loss required

replacement containers to be purchased. He pointed out in this context that the Shipper

had refused the Carrier's offer, made in early 2012, to resolve the matter by selling the

containers to the Shipper.

Should the Carrier have unpacked the containers?

62. On the first of these points, if the goods are not collected within a reasonable time after

demurrage has started to accrue and the Carrier needs the containers for other

shipments, it would normally be reasonable to expect the Carrier to exercise its right

under clause 20.2 of the bill of lading terms to unpack the containers so as to recover

them for further use. However, it is clear from the evidence to which I have referred in

paragraphs 20-22 of this judgment that there is a problem in this case because the

customs authorities at Chittagong will not allow the containers to be unpacked without

a court order. There does not appear to be any legal justification for that stance. The

injunction granted by the Bangladeshi courts only purported to prevent payment under

the letter of credit and not to prevent movement of the goods or the containers.

Nevertheless, rightly or – as it appears – wrongly, the customs authorities have taken

the view that the proceedings brought by the Consignee in the Bangladeshi courts

require them to refuse to permit any dealings with the cargo including the removal of

the cotton from the containers.

63. There is no direct evidence of the attitude of the customs authorities at any time before

January 2014. Despite the notice sent by the Carrier's agent on 23 July 2011

threatening to dispose of the goods if they were not collected within 15 days, there is

no evidence that the Carrier ever in fact made any attempt to exercise its right under

clause 20.2 of the bill of lading terms to unpack the goods from the containers. I see

no reason to suppose, however, that the attitude of the customs authorities would have

been any different if the Carrier had sought to remove the cotton from the containers

at any time after the injunction was granted in June 2011. I also accept the submission

that the Shipper has failed to show that the Carrier ought, if acting reasonably, to have

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brought proceedings in the Bangladeshi courts to try to secure the release of the

containers.

Should the Carrier have replaced the containers?

64. The second factual question raised is whether, and if so when, the Carrier should have

mitigated its loss by buying replacement containers. In principle, the answer to this

question seems to me to depend on three things: (i) the extent of any financial losses

incurred or likely at any given time to be incurred by the Carrier as a result of its inability

to use the containers; (ii) the cost of replacing the containers; and (iii) the prospect (in

terms of likelihood and likely time scale) as it appeared at any given time that the

existing containers could be retrieved.

65. There is no evidence on the first of these matters. In circumstances where it is claiming

a daily demurrage rate fixed by agreement, the Carrier has not adduced evidence of

any financial loss actually caused by the loss of use of the containers. Thus it is

possible, for all the evidence shows, that at all material times the Carrier has had a

surplus stock of containers so that the containers which have effectively been

impounded at Chittagong have not in fact been required; in that event the Carrier would

not have needed to acquire any replacement containers to mitigate its loss as it would

have had no loss to mitigate. It is also possible that the Carrier has had a need for the

containers and, rather than lose profitable business, has in fact replaced them. Without

knowing what, if any, losses have actually been incurred and how, it is impossible to

determine whether the Carrier failed to take reasonable steps to mitigate any such

losses.

66. Nevertheless, some reasonable inferences may be made at a general level. According

to the Carrier's evidence, its intention and expectation was that the containers

discharged at Chittagong would then be used for shipment to the United States, and

thence onwards to the Middle East, and so on – a circular trade with weekly sailings.

Such a round the world trip could be expected to take about 100 days. The Carrier has

estimated that, based on its freight rates at the relevant time, if a round trip was lost

because a container was not returned on time, the loss would have been US$5,700 –

i.e. substantially more than the cost of buying a replacement container.

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67. The Carrier's witnesses did not say whether any business was in fact lost in this case.

I think it reasonable to assume, however, that the Carrier does not in the ordinary

course turn away profitable shipping business because it does not have enough

containers to carry the goods. If the Carrier had an insufficient stock of containers at

Chittagong to meet demand for its circular shipping business, it may fairly be presumed

that the Carrier as a rational economic agent would have acquired more containers.

Given that, as I have found, replacement containers were at all material times

immediately available at Chittagong at a cost of US$3,262 per container or less, it

would have made obvious economic sense to buy additional containers, if needed, at

this cost rather than lose freight of US$5,700 per container – particularly as the

containers could later have been sold if they became surplus to requirements.

68. Accordingly, I think it reasonable to expect that, if and when the containers detained at

Chittagong were needed for onward shipments, the Carrier would have bought

additional containers in order to mitigate its loss.

Does the mitigation principle apply?

69. As mentioned earlier, although at the start of the trial the Carrier took its stand simply

on the basis that it had acted reasonably, in the course of the hearing the Carrier's

case underwent a change and Mr Coldrick submitted that there is in law no scope for

invoking the mitigation principle in the present case because to do so would be

inconsistent with the agreement to pay demurrage.

70. In support of this submission, Mr Coldrick cited Abrahams v Performing Rights Society

Ltd [1995] ICR 1028. This was an employment case in which the plaintiff employee

was summarily dismissed. He brought an action claiming a payment in lieu of notice.

The employer pleaded in its defence that the plaintiff was under a 'duty' to mitigate his

loss during the notice period. This defence was struck out and the decision to strike

out the defence was upheld by the Court of Appeal. The Court of Appeal held that the

mitigation principle did not apply because the payment in lieu of notice was a

contractual debt. However, Hutchison LJ (with whose judgment Aldous LJ agreed) also

considered what the position would be if the provision for a payment in lieu of notice

was characterised as an agreement to pay liquidated damages. He said (at p.1041C):

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"As a matter of principle, where there is a liquidated damage clause which is valid –

i.e. cannot be impugned as a penalty – there is no room for arguments on mitigation

of damages, a concept relevant only in cases where damages are at large."

Hutchison LJ further stated that to allow mitigation arguments where there is a

liquidated damage clause would be inconsistent and unfair because it would involve

limiting the damages recoverable by a plaintiff who can show that his actual loss is

greater than the stipulated sum whilst permitting a defendant who can show that it is

less to take advantage of that fact. It would also expose the parties to "the risk, expense

and uncertainty of litigation the avoidance of which is to be presumed to be one of the

principal reasons for their stipulating for liquidated damages": see p.1040F.

71. Both on this authority and on principle, I think it clear that, in circumstances where the

parties have agreed the amount payable by the Shipper as damages for its breach of

contract, there is no scope for reducing that amount on the ground that the Carrier has

failed to take reasonable steps to mitigate its loss. The purpose and effect of a

liquidated damages clause is to make proof of the claimant's actual loss unnecessary

and irrelevant. Since the claimant's entitlement to the agreed damages does not

depend on whether the claimant has in fact suffered any loss at all, its entitlement

cannot depend on whether any loss that it did suffer ought reasonably to have been

mitigated.

Is there a distinction between period and rate?

72. On behalf of the Shipper, Mr Pearce accepted that the purpose of the demurrage

clause in the bill of lading contracts is to agree in advance the sum payable per day if

the containers are not returned, irrespective of the Carrier's actual daily loss or whether

there was any failure to mitigate it. However, he submitted that a demurrage clause

does not oust the mitigation principle altogether. Mr Pearce adopted the view

expressed by the authors of Voyage Charters (4th Ed, 2014) at para 16.6 and Tiberg,

The Law of Demurrage (5th Edn, 2013) at para 12-03 that, although a demurrage

clause liquidates the daily rate of the claimant's loss, it does not liquidate the period of

such loss, so that in the case of a charterparty the shipowner is expected to take

reasonable steps to reduce the period of detention of the ship. Similarly, Mr Pearce

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submitted, the Carrier in this case was required to take reasonable steps to reduce the

period of time for which it was deprived of the use of its containers.

73. Looking at the point as one of principle, I cannot accept that there is any relevant

distinction between the daily rate and period of loss. There is no difference between

reducing the period of the claimant's loss and reducing the daily rate of loss after that

period to nil. Unless something happens which brings the obligation to pay liquidated

damages to an end, such damages continue to accrue as a matter of contract whether

or not any loss is still actually being suffered by the claimant.

74. Nor do the two authorities cited by Mr Pearce assist his argument. The old case of

Moller v Jecks (1865) 19 CD (NS) 331 concerned a ship which was detained in harbour

as a result of the charterer's failure to pay harbour dues. After nine days the Master

obtained the release of the ship by paying the harbour dues himself. It was held by the

Court of Queen's Bench that the shipowner was only entitled to recover the amount of

the dues paid to the harbour authorities, but not damages in the form of demurrage for

the time the ship was detained. Willes J said (at p.819):

"The master might and ought to have paid those charges and sailed out of the harbour,

resorting to his remedy against the merchant afterwards. A man has no right to

aggravate damages against another by the course of proceeding adopted by the

plaintiff here."

The other judges agreed, Montague Smith J observing that the shipowner "might as

well have paid the money on the first day as on the ninth".

75. Moller v Jecks was not a case, however, in which the charterer failed to complete

discharge of the cargo within the agreed lay days. Although the claim was described

as a claim for "demurrage", there is nothing in the report of the case to suggest that

the charterparty provided for liquidated damages to be payable in the situation which

occurred. Indeed, Willes J said in the course of argument (at p.818):

"'Demurrage' means a compensation for delay or detention of the ship by reason of the

cargo not being taken out of her according to the terms of the charterparty. The claim

here is for something altogether different."

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The claim would appear to have been one for damages for detention in circumstances

not falling within the demurrage clause but where the shipowner sought to quantify its

claim by using the demurrage rate. In such a case the demurrage rate may be invoked

as evidence of the daily rate of loss resulting from detention of the ship; but there is no

agreement to pay that rate which ousts the mitigation principle. I therefore interpret this

case as an ordinary application of the mitigation principle in a situation where there

was no agreement to pay liquidated damages for the period of detention.

76. The other case cited by Mr Pearce is Smailes & Son v Hans Dessen & Co (1906) 12

CC 117. There the shipowners stopped discharge of the cargo for several days in the

exercise of a lien because the freight had not been paid. As a result, the agreed laytime

was exceeded and the shipowners claimed demurrage for the additional days. The

owners of the cargo argued that under the Merchant Shipping Act the shipowners could

have allowed the cargo to be landed whilst preserving the lien, which was what

ultimately happened, and that by not doing so sooner they had failed to take

reasonable steps to mitigate their loss. The Court of Appeal decided that, on the

particular facts, the shipowners had acted reasonably in not allowing the cargo to be

discharged earlier. However, as Mr Pearce pointed out, there was no suggestion that

the mitigation principle did not apply.

77. The relevant contractual provision in the Smailes case required discharge of the cargo

to be completed at the rate customary at the port, "and if the ship be further detained

through the fault of the charterers, ten days on demurrage over and above the said

laying days at twenty pounds per day". It seems to me that the argument that the

shipowners acted unreasonably in preventing the discharge of the cargo for the period

they did went to the question whether the ship was detained for that period through the

fault of the charterers. Had it been found that the shipowners acted unreasonably, then

it could have been said that it was their unreasonable action and not the fault of the

charterers in failing to pay the freight which caused this period of detention; hence no

liability to pay damages in the form of demurrage would arise. Thus, although the

language of mitigation is used in the judgments, I do not consider that this case on a

proper analysis shows that a shipowner has a 'duty' to mitigate the period for which it

suffers loss resulting from detention of the ship when a ship is on demurrage.

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165

78. In my view, the Shipper's argument confuses two different things. One is a 'duty' to

mitigate the period of loss. The other is a duty to reduce the period for which demurrage

is contractually payable. As discussed, demurrage is payable whether or not any loss

is being suffered and for as long as the payment obligation continues. There is

therefore no scope for reducing the period for which demurrage is payable by relying

on the mitigation principle. Any argument for the different proposition that the obligation

to pay demurrage ceased after a certain period even though the containers had not

been returned would have to be based on some legal principle under which contractual

obligations are brought to an end. It could not be based on the mitigation principle.

The contractual demurrage period

79. Clause 14.8 of the bill of lading terms does not state when, once demurrage begins to

accrue in the specified daily amount, the Merchant's obligation to pay demurrage will

cease. The clause says simply that demurrage will be payable "thereafter" (i.e. after

the end of the free time) "in accordance with the Tariff". The applicable tariff likewise

specifies a rate which (after the first 20 days) is payable "thereafter". On the face of it,

therefore, the payment obligation is completely open-ended and continues indefinitely.

80. Since demurrage is intended to be a charge for the detention of the containers by the

Merchant, it is implicit that demurrage will cease to be payable if and when the

containers are no longer detained. That will occur if the Merchant's obligations to

unpack the goods and return the containers to the Carrier are belatedly performed or

if the Carrier exercises its self-help remedy under clause 20.2 of the bill of lading terms

to unpack the containers itself. It would also occur if the contract was brought to an

end.

81. On behalf of the Carrier, Mr Coldrick submitted that those are the only circumstances

in which the obligation to pay demurrage will cease.

82. I raised in argument the question whether on the Carrier's case demurrage would

continue to be payable if, for example, the containers were collected by the Merchant

but were then stolen or destroyed in a fire before they were returned. Mr Coldrick's

answer was that in that event the contract would be frustrated, and the Shipper would

thus be discharged from its obligations to return the containers and pay demurrage for

their detention. It is not necessary to explore the circumstances in which the doctrine

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of frustration would apply, as an attempt by the Shipper to rely on that doctrine in this

case was held by Judge Mackie to have no real prospect of success. Nor has the

Shipper sought to argue that the refusal of the customs authorities to allow the

containers to be released and the consequent inability of the Carrier to release the

containers has provided a lawful excuse for non-performance.

The repudiation argument

83. The Shipper has, however, argued that its inability or failure (actual and/or prospective)

to collect the containers amounted to a repudiation of the bill of lading contracts which

brought the obligation to pay demurrage to an end. In support of this argument, Mr

Pearce again relied on cases concerning charterparties. If a charterer does not

complete discharge of the cargo during the agreed lay time, there is a breach of

contract by the charterer which continues until discharge is completed and the ship is

once more available to the shipowner. The charterer's obligation is, however, one

which sounds in damages only, unless the charterer makes it clear that it does not

intend to perform its obligation or disables itself from doing so, or the delay becomes

so prolonged as to amount to a repudiatory breach of the contract. Mr Pearce

submitted that at that point the shipowner not only has the right to sail away, but also

the duty to do so unless (perhaps) it would be reasonable to keep the vessel at port

for the benefit of the charterer. In support of this submission, he referred to Tiberg, The

Law of Demurrage (5th Edn, 2013), para 12-02; Schofield, Laytime and Demurrage (6th

Edn, 2011), para 6.10, and three cases: Inverkip Steamship Co v Bunge & Co (1917)

22 CC 200: Dias Compania Naviera SA v Louis Dreyfus [1978] 1 WLR 261, 263-4; and

Universal Cargo Carriers Corp v Citati [1957] 2 QB 401.

84. Those cases show that delay by the charterer will amount to a repudiatory breach of

the contract when it becomes so prolonged as to frustrate the commercial purpose of

the venture: see Inverkip Steamship Co v Bunge & Co (1917) 22 CC 200, 204: Dias

Compania Naviera SA v Louis Dreyfus [1978] 1 WLR 261, 263-4; and Universal Cargo

Carriers Corp v Citati [1957] 2 QB 401, 430-434. The Citati case also shows that the

impossibility of performance before the delay reaches that point will amount to an

anticipatory breach of a repudiatory nature. Thus, Devlin J held that the owners were

entitled to succeed if they could prove that the charterer had, by the time when the

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owners treated the contract as at an end, become wholly and finally disabled from

finding a cargo before the delay frustrated the commercial purpose of the venture.

Has there been a repudiation?

85. On the facts of the present case, once the Shipper received payment for the cotton so

that title to the goods passed to the Consignee under the contract of sale, the Shipper

had no right to take delivery of the goods. When that point occurred depends on the

interpretation of the retention of title clause in the contract of sale. As mentioned earlier,

the clause stated that "the goods remain the property of Seller until full execution of

the payment by the Buyer". These words are ambiguous. One possible interpretation

of them is that the Consignee does not obtain title to any of the goods until payment

for all of the goods supplied under the contract has been made. The alternative

interpretation is that, where payment is made for any of the goods supplied under the

contract, the Consignee obtains title to those goods. It seems to me that it would take

clear wording to displace the ordinary rules regarding the passing of property to the

radical extent which the first of these interpretations would involve and that the second

interpretation is therefore to be preferred.

86. It follows that the goods shipped under the first four bills of lading ceased to be the

property of the Shipper when it received payment for those goods on 23 May 2011.

The Consignee never sought to reject the goods. Indeed, there is no evidence that the

Consignee has ever alleged any breach of the contract of sale. Any right to reject the

goods, if it existed and had not already been lost by the time that payment was made,

must have been lost shortly thereafter. Nor is there any legal basis, so far as I can see

or that has been suggested, on which the Shipper could have compelled the Consignee

to collect the goods and return the containers to the Carrier in circumstances where

the Shipper no longer had title or any right to possession of the goods. I therefore

conclude that by some time in June 2011 the Shipper was wholly and finally disabled

from further performance of the first four bill of lading contracts.

87. This was not immediately apparent to the Carrier. On 27 September 2011, however,

the Shipper informed the Carrier that it did not have legal title to the goods as they had

been paid for (see paragraph 14 above). The Shipper had not by that date yet been

paid for the third lot of four containers shipped under the final bill of lading. However,

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the Carrier did not know this and would reasonably have understood from the email of

27 September 2011 that there was no realistic prospect of the Shipper being able to

arrange for any of the containers to be collected. I in any event consider that by this

time the delay in collecting the goods had become so prolonged as to frustrate the

commercial purpose of the venture.

88. In these circumstances I find that from 27 September 2011 the Shipper was clearly in

repudiatory breach of all the contracts of carriage.

Consequences of repudiation

89. It is settled law, however, that a repudiatory breach of contract does not automatically

bring the primary obligations of the parties to perform the contract to an end. Rather, it

gives the innocent party a choice whether to accept the repudiation as terminating the

contract or whether to keep the contract in force: see e.g. Geys v Société Générale

[2013] 1 AC 523. If the innocent party chooses to terminate the contract, two

consequences ensue: first, both parties are released from all their current and future

primary obligations under the contract; and second, the repudiating party (whose

repudiation is treated as the effective cause of the termination) is liable to pay damages

to compensate the innocent party for any loss suffered as a result of the early

termination: see e.g. Photo Production Ltd v Securicor Transport Ltd [1980] AC 827,

849. If, on the other hand, the innocent party chooses not to accept the repudiation,

both parties remain obliged to continue to perform the contract. None of the cases cited

by Mr Pearce (and referred to at paragraphs 83-84 above) casts doubt on these well

established principles.

90. In the well known case of White & Carter (Councils) Ltd v McGregor [1962] AC 413

White & Carter agreed to advertise McGregor's business by putting advertisements on

litterbins. McGregor repudiated the contract on the day it was made but White & Carter

did not accept the repudiation. Instead, they went ahead and displayed advertisements

in accordance with the contract, and then sued for the agreed price. The House of

Lords (by a majority of 3 to 2) held that their claim succeeded.

91. It is sometimes said that the White & Carter case decided that the mitigation principle

does not apply to an action for an agreed sum. It is true that the mitigation principle is

only applicable to a claim for damages, but it also only becomes relevant once the

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breach of contract on which the claim is based has occurred. It is the latter point which

was critical to the decision in the White & Carter case. White & Carter chose not to

accept McGregor's repudiation of the contract and instead claimed the agreed sum

when it subsequently became due. Even if their claim had not been for an agreed sum

but had been for damages, the mitigation principle would only have applied to the loss

caused by McGregor's failure to perform the later obligation. Thus if, for example,

McGregor's obligation had been to render some form of performance in kind in return

for the display of the advertisements, it is only if White & Carter had failed to mitigate

loss caused by McGregor's failure to render that performance that the damages could

have been reduced. The fact that the action was one for specific enforcement of a

primary obligation (in the form of payment of an agreed sum) rather than an action for

damages was not important. To establish a defence to the claim, McGregor needed to

show that the primary obligation on which the claim was based did not arise at all. That

depended on showing that White & Carter were not entitled to continue to perform the

contract and hence trigger McGregor's obligation to pay for the advertisements in the

circumstances which had arisen. The mitigation principle had no relevance to that

question.

92. Counsel for McGregor argued that White & Carter were not entitled to continue to

perform the contract after it had been repudiated, even though the repudiation had not

been accepted, or alternatively that White & Carter were not entitled to do so in

circumstances where the performance involved incurring useless expense. The

majority of the House of Lords did not accept these arguments. Lord Reid said (at

p.430):

"It might be, but it never has been, the law that a person is only entitled to enforce his

contractual rights in a reasonable way, and that a court will not support an attempt to

enforce them in an unreasonable way."

93. Lord Reid did nevertheless recognise two limitations on the innocent party's freedom

of choice in the event of a repudiatory breach. First, he noted that "in most cases the

circumstances are such that an innocent party is unable to complete the contract and

earn the contract price without the assent or cooperation of the other party" (p.430). In

such circumstances, unless the innocent party is entitled to an order for specific

performance to compel the other party to cooperate, the only way in which the innocent

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party can obtain a remedy for the other party's subsequent non-performance of the

contract is by accepting the repudiation. Second, Lord Reid suggested that there could

be circumstances in which the freedom of choice of the innocent party might be limited

by considerations of equity or public policy. He said (at p.431):

"It may well be that, if it can be shown that a person has no legitimate interest, financial

or otherwise, in performing the contract rather than claiming damages, he ought not to

be allowed to saddle the other party with an additional burden with no benefit to himself.

If a party has no interest to enforce a stipulation, he cannot in general enforce it: so it

might be said that, if a party had no interest to insist on a particular remedy, he ought

not to be allowed to insist on it and, just as a party is not allowed to enforce a penalty

so he ought not to be allowed to penalise the other party by taking one course when

another is equally advantageous to him."

The 'legitimate interest' principle

94. These remarks were obiter and, it must be said, of very uncertain scope. The example

given by Lord Reid of when this principle might apply was that of an expert who is

engaged by a company to prepare an elaborate report. Counsel for McGregor had

argued that if in this example the company repudiated the contract before any work

was done, to allow the expert then to waste thousands of pounds preparing the report

could not be right if a much smaller sum of damages would give him full compensation

for his loss (p.428). Lord Reid indicated that in such a case "it might be that the

company could show that the expert had no substantial or legitimate interest in carrying

out the work rather than claiming damages" (p.431). I observe in passing that it is not

obvious how this example materially differs from the facts of the White & Carter case

itself.

95. Lord Reid's 'legitimate interest' principle has been recognised in a number of later

cases. I do not need to recite these cases as they have recently been the subject of a

careful review by Cooke J in Isabella Shipowner SA v Shagang Shipping Co Ltd (The

"Aquafaith") [2012] EWHC 1077 (Comm); [2012] 2 Lloyd's Rep 61. In The "Aquafaith"

a ship was chartered for a minimum period of 59 months. 94 days before the end of

this period the charterer repudiated the charterparty. The shipowners did not accept

the repudiation, kept the ship available and claimed hire for the remaining period of the

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charter. On an appeal from an arbitration award, Cooke J held that the White & Carter

principle applied. After reviewing the authorities, he concluded that an innocent party

can only be said to have no legitimate interest in maintaining the contract if (a)

damages are an adequate remedy and (b) maintaining the contract would be "wholly

unreasonable". Cooke J found that on the facts of The "Aquafaith" these requirements

were not fulfilled and so the shipowners were entitled to claim the agreed hire.

96. The legitimate interest principle sets some constraint, albeit a weak one, on the

freedom of a party when exercising a choice whether or not to terminate a contract to

consult only its own interests. As Staughton LJ said in Stocznia Gdanska SA v Latvian

Shipping Co [1996] 2 Lloyd's Rep 132, 139:

"To be a legitimate interest, the innocent party must have reasonable grounds for

keeping the contract open bearing in mind also the interests of the wrongdoer."

97. The principle can be seen in a wider context. There is increasing recognition in the

common law world of the need for good faith in contractual dealings. Further impetus

has been given to this development by the unanimous judgment of the Supreme Court

of Canada in Bhasin v Hrynew, 2014 SCC 71, given on 13 November 2014, holding

that good faith contractual performance is a general organizing principle of the

common law of contract which underpins and informs more specific rules and

doctrines. One such more specific rule which is now firmly established in English law

is that, in the absence of very clear language to the contrary, a contractual discretion

must be exercised in good faith for the purpose for which it was conferred, and must

not be exercised arbitrarily, capriciously or unreasonably (in the sense of irrationally):

see e.g. Abu Dhabi National Tanker Co v Product Star Shipping Ltd (The "Product

Star") (No 2) [1993] 1 Lloyd's Rep 397, 404; Paragon Finance Plc v Nash [2002] 1

WLR 685, paras 39-41; Socimer International Bank Ltd v Standard Bank London Ltd

[2008] 1 Lloyd's Rep 558, 575–577; British Telecommunications Plc v Telefónica O2

UK Ltd [2014] UKSC 42, para 37. The cases in this line of authority have all been

concerned with the exercise of discretionary powers conferred by the express terms of

the contract, whereas the choice whether or not to terminate the contract in response

to a repudiatory breach is one which arises by operation of law. However, I cannot see

why this should make any difference in principle. In each case one party to the contract

has a decision to make on a matter which affects the interests of the other party to the

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contract whose interests are not the same. The same reason exists in each case to

imply some constraint on the decision-maker's freedom to act purely in its own self-

interest. The essential concern, as Rix LJ observed in the Socimer case at para 66, is

that the decision-maker's power should not be abused.

98. I would accordingly regard the line of authority dealing with the exercise of an option

to terminate the contract and the line of authority dealing with the exercise of a

contractual discretion as concerned with materially identical questions and as

establishing essentially the same test.

The Carrier's decision to keep the contracts alive

99. Applying these principles to the present case, if the Carrier had accepted the Shipper's

repudiation of the bill of lading contracts, the Shipper would thenceforth have been

released from its obligations to take delivery of the goods and return the containers to

the Carrier. The Shipper would therefore also have been released, as from the date of

termination of the contracts, from its obligation to pay demurrage while those primary

obligations remained unperformed. Instead of those primary obligations, the Shipper

would have been liable to pay damages to compensate the Carrier for any loss caused

by their termination. The calculation of those damages would be at large and therefore

subject to the mitigation principle. Thus, damages would only be awarded if and in so

far as the Carrier was able to show that the Shipper's inability to remove the cotton

from the containers and return them to the Carrier's use has caused the Carrier

financial loss since the termination date; and any such loss would not be recoverable

if and insofar as the Carrier failed to take reasonable steps to mitigate it.

100. As it is, the Carrier has chosen not to terminate the bill of lading contracts in

response to the Shipper's repudiatory breach and instead to keep the contracts in force

and go on claiming demurrage.

101. Mr Pearce on behalf of the Shipper sought to distinguish the White & Carter line

of cases on the ground that they are concerned with anticipatory breaches of contract

and that the situation is different where the repudiation consists in an actual breach. I

cannot accept, however, that this is a relevant distinction. As I have indicated, the point

illustrated by the White & Carter case is that, where there is a repudiation which is not

accepted, the primary obligations remain in force and are not replaced by a claim for

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damages. It is therefore only as and when breaches of those obligations occur that any

'duty' to mitigate arises – and not before. This analysis is not affected by whether the

repudiatory breach is anticipatory or consists in an actual breach which gives rise to a

right of termination.

102. In the ordinary case where the Carrier has control over the containers and the

goods and can freely exercise its right under clause 20.2 to unpack the containers and

thereby recover the use of them, it is reasonable to expect that the Carrier will exercise

this right once it becomes clear that the Merchant has repudiated the contract of

carriage and is not going to take delivery of the goods. I find it difficult to envisage what

legitimate commercial justification there could be in such a case for leaving the goods

in the containers and continuing to claim demurrage.

103. It is, however, an unusual feature of the present case that, as I have found, the

customs authorities in Bangladesh have at all material times refused to allow the goods

to be released or even unpacked from the containers. On behalf of the Carrier, Mr

Coldrick submitted that, in circumstances where the Carrier was and is prevented by

the customs authorities from unpacking the containers and recovering them for further

use, it has a legitimate interest in keeping the contracts alive and in collecting daily

demurrage as compensation for the loss of use of the containers.

104. I have no doubt that the Carrier had a legitimate interest in keeping the contracts

of carriage in force for as long as there was a realistic prospect that the Shipper would

perform its remaining primary obligations under the contracts by procuring the

collection of the goods and the redelivery of the containers. Once it was quite clear,

however, that the Shipper was in repudiatory breach of these obligations and that there

was no such prospect, the Carrier no longer had any reason to keep the contracts open

in the hope of future performance. The present case is materially different in this regard

from the White & Carter case. In that case McGregor had repudiated the contract but

White & Carter were able to enforce performance of McGregor's primary obligation to

pay for the advertisements by performing their own side of the bargain and suing for

the agreed sum. Similarly, in The "Aquafaith" the shipowners were able to keep the

ship available until the end of the charter period and obtain specific performance of the

charterers' obligation to pay the agreed hire. By contrast, in the present case the

Shipper's obligations were not specifically enforceable both because they are not

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obligations of a kind which the court will ordinarily specifically enforce and because the

court would not in any event order the Shipper to do what is impossible.

105. The Carrier's only interest in keeping the contracts in force in these

circumstances was to continue to claim demurrage. The question therefore becomes

whether after 27 September 2011, being the date at which I have found that it was

clear that the Shipper had repudiated the contracts, it was legitimate for the Carrier to

keep the contracts in force solely in order to claim demurrage rather than be left with a

claim for unliquidated damages.

Is it open to the Shipper to argue that the demurrage provision is a penalty

clause?

106. Over three and a half years have now passed since demurrage started to accrue

and over three years have elapsed since, on my finding, it was clear that the contracts

had been repudiated. I raised with the parties the question whether, if the Carrier is

correct in its contention that it has been throughout this time, and remains, entitled to

keep the contracts in force so that demurrage has continued to accrue and will

potentially continue to accrue indefinitely, the demurrage provision in clause 14.8 is a

penalty clause and therefore unenforceable. On behalf of the Shipper, Mr Pearce gave

an affirmative answer to that question.

107. On behalf of the Carrier, Mr Coldrick submitted that it is not now open to the

Shipper to advance this argument because at an earlier stage of the proceedings the

Shipper applied for permission to amend its defence to plead that the demurrage

provision is a penalty clause and its application was refused by HHJ Mackie QC, who

held that the contention did not have a real prospect of success: see [2014] EWHC

2638 (Comm) at para 21. Mr Pearce responded that the argument which the Shipper

was then seeking to make was a different one from that now put forward. At the hearing

before Judge Mackie the Shipper adduced evidence that the daily rate of demurrage

prescribed by the Carrier's tariff is approximately 10 times the daily loss likely to be

caused to the Carrier by a loss of the use of the containers, and argued that the daily

rate is therefore penal. By contrast, the argument now made is directed not at the size

of the daily rate but at the period for which demurrage can accrue.

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108. Mr Coldrick replied that courts decide issues and not arguments, and the fact

that the Shipper now wishes to advance an argument which was not advanced before

Judge Mackie is not a reason which can justify re-litigating the issue of whether the

demurrage provision is penal. That issue has already been decided by Judge Mackie

when he refused permission to amend. That decision, Mr Coldrick submitted, gives rise

to an issue estoppel; alternatively, allowing the Shipper to contend that the demurrage

provision is a penalty would be an abuse of process because contrary to the principle

in Henderson v Henderson (1843) 3 Hare 100 that a party is ordinarily required to bring

forward its whole case and not just part of it.

109. I accept that a decision on an application for permission to amend is capable of

giving rise to an issue estoppel. I do not accept, however, that the issue decided by

Judge Mackie was the same issue as that now raised. Judge Mackie decided that the

daily rate of demurrage is not penal. The issue now raised is whether a provision which

potentially allows demurrage to accrue indefinitely is penal. As stated in Phipson on

Evidence (18th Edn, 2013) para 43-33, the safest test is to inquire whether the same

evidence would support both issues. The evidence relied on at the hearing before

Judge Mackie is irrelevant to the point now in issue, which indeed does not depend on

evidence at all.

110. Even if I am wrong about this and the issue is regarded as being the same, the

principles of estoppel arising out of court proceedings are essentially concerned with

preventing abuse of process and are not to be applied inflexibly where in exceptional

circumstances this would work injustice: see Arnold v National Westminster Bank

[1991] 2 AC 93, 107-110; Spicer v Tuli [2012] 1 WLR 3088, 3095, para 16. Importantly,

no point arose at the time of the hearing before Judge Mackie about the period of

demurrage, as the case at that stage was being conducted by both parties on the

assumption that the period for which demurrage could be claimed was limited by the

mitigation principle. The argument now made is therefore not one which could

reasonably have been made at that time. It is only because the Carrier has since

changed its case so as to contend, correctly as I have held, that the mitigation principle

has no application that the possibility of demurrage continuing to accrue indefinitely

has arisen. In these circumstances it would be unjust to prevent the Shipper from

raising this point and it cannot be said that to do so is an abuse of process.

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Is the demurrage provision a penalty clause?

111. The law relating to penalty clauses has recently been reviewed by the Court of

Appeal in Makdessi v Cavendish Square Holdings BV [2013] EWCA Civ 1539, [2014]

2 All ER (Comm) 125. As Christopher Clarke LJ observed in that case at para 44: "The

law of penalties is a blatant interference with freedom of contract". While the common

law attaches very great importance, however, to enforcing contracts which parties have

freely entered into, this is not the only value which the English law of contract upholds.

Another important object of the law is encouraging efficiency and the productive use

of resources. As Lord Sumption explained in his dissenting judgment in Geys v Société

Générale [2013] 1 AC 523 at para 117, this value underlies the law's reluctance to

grant specific performance and its willingness in general to allow parties to break their

contracts if it pays them to do so after taking the payment of damages into account.

Mitigation rules which prevent the injured party from recovering compensation for

losses which could reasonably be avoided by purchasing a substitute for the lost

performance are also designed to encourage the efficient use of resources. So is the

law's refusal to enforce promises which constitute an unreasonable restraint of trade.

The refusal to enforce penalty clauses has a similar rationale. While these rules

undoubtedly limit the parties' freedom of contract, they do so in order to protect their

freedom to break their contract if continued performance becomes inefficient and to

deploy their resources elsewhere.

112. From the judgment of Christopher Clarke LJ (with whom Tomlinson and Patten

LJJ agreed) in the Makdessi case and the authorities discussed in that judgment, I

extract the following key principles:

i) A penalty is a sum of money provided by the terms of a contract to be payable upon

a breach of the contract which has the object of deterring breach and securing

performance of the contract.

ii) The question whether a sum is a penalty is a question of construction of the contract,

to be determined objectively at the time when the contract was made.

iii) The burden is on the party who alleges that a payment is a penalty to show that it

is one and the court should exercise great caution before finding that a clause of a

commercial contract is a penalty clause.

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iv) A sum is not a penalty if it is a "genuine pre-estimate of loss", i.e. if its object is to

provide compensation for loss caused by breach of the contract.

v) A sum is not a penalty just because it is payable in a variety of circumstances in

some of which it will or may exceed the loss caused by the breach. However, if the

sum is extravagant and out of all proportion to the loss likely to be incurred (or the

greatest loss which could be incurred) in all or many or a significant category of cases,

this may indicate that it is a penalty.

vi) Recent authorities indicate that, even if a payment is not a genuine pre-estimate of

the loss that would be recoverable at common law as compensation for breach, it will

not be regarded as a penalty if there is a commercial justification for it. Such a

justification may lie in the benefit of knowing with certainty in advance the financial

consequences of breach and avoiding disputes.

vii) Ultimately, the essential question is whether the payment provision is

unconscionable because it provides for a payment which is extravagantly high in

comparison with the sum that would be required to compensate for loss caused by the

breach, and does so without sufficient commercial justification.

113. I would add that, in assessing for the purpose of comparison with the sum

payable under the contract the sum which the injured party could recover as

compensation for its loss in the absence of the payment provision, it is clearly

necessary to take into account the mitigation principle: see Chitty on Contracts (31st

Edn, 2012), para 26-175; Lansat Shipping Co Ltd v Glencore Grain BV [2009] 2 Lloyd's

Rep 688.

114. Applying these principles, if the position were that, in the face of a repudiation

of the contract of carriage by the Merchant, the Carrier could simply decline to accept

the repudiation as bringing the contract to an end and go on claiming demurrage

indefinitely, the sum payable would be manifestly extravagant in comparison with the

maximum amount of damages which, if damages were at large, the Carrier could

conceivably recover. That is because, if damages are at large, they are limited by the

mitigation principle. If the containers are in the Carrier's possession, it will normally be

straightforward for the Carrier to mitigate its loss by unpacking the containers. If the

containers are not in the Carrier's possession, the ability to buy replacements limits the

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extent of the recoverable loss which the Carrier can suffer. As I have held, however,

the period for which demurrage is payable is not limited by the mitigation principle.

115. The ability to claim demurrage in a significant category of cases in an amount

which is extravagantly high in comparison with the sum that would be required to

compensate for loss caused by the breach signifies that the payments cannot be

justified as a pre-estimate of the loss. Nor can I see any other commercial justification

for such an arrangement. Making every allowance for the advantages of certainty and

avoiding disputes, it is impossible to justify on compensatory grounds a provision which

can require payments without end for so long as the Carrier chooses to keep the

contract in force. Such a clause could only be explained as serving the function of

penalising breach of the contract.

116. Accordingly, if clause 14.8 of the bill of lading terms gave the Carrier an

unfettered right to ignore the fact that the Shipper has repudiated the contract and to

carry on claiming demurrage indefinitely, I would hold that the clause is penal.

Was there a legitimate interest in keeping the contracts alive?

117. In the event I do not consider that the Carrier has such an unfettered right. I

nevertheless find the distinction between a valid liquidated damages clause and a

penalty clause relevant and helpful in identifying the extent of the Carrier's legitimate

interest in keeping the contracts of carriage alive in the present case in order to claim

demurrage. I note that the analogy with a penalty clause is one which was expressly

drawn by Lord Reid in the passage of his speech in the White & Carter case which I

quoted at paragraph 93 above.

118. The law concerning penalties confirms that the legitimate purposes of a clause

providing for payment of a fixed sum of money upon a breach of contract are, first and

foremost, to compensate the innocent party for financial loss caused by the breach

and, second, to avoid the costs and uncertainties involved in having to prove what loss

has actually been suffered by quantifying in advance the damages payable. A provision

which cannot be justified on these grounds will be regarded as penal and will not be

enforced. Following this logic, it seems to me that it would be proper for the Carrier to

keep the contract of carriage in force in order to claim demurrage even after the

contract has been repudiated by the Merchant provided that there is at least some

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basis for supposing that the Carrier's inability to use the containers is causing it to

suffer ongoing financial loss. In such circumstances it can in good faith be said that the

demurrage clause is being used to provide compensation for loss resulting from a

breach of the contract and that the decision to rely on the clause rather than to

terminate the contract and claim unliquidated damages is serving the proper purposes

of giving certainty and avoiding disputes about the amount of damages to which the

Carrier is entitled. The position is different, however, if there is no basis for supposing

that any such loss is being suffered. In that case I cannot see that the Carrier has any

legitimate interest in keeping the contract alive solely in order to claim demurrage.

119. Approaching the matter in this way, I can see no basis at all for supposing that

by 27 September 2011 the Carrier was suffering any financial loss as result of its

inability to use the containers. In the first place, there is no evidence that the Carrier

was suffering any such loss – the Carrier having chosen not to adduce evidence that

it in fact suffered any financial loss as a result of the Shipper's breach of contract.

Secondly, as I discussed earlier when considering the question of mitigation, if the

detention of the containers at Chittagong meant that the Carrier did not have as many

containers as it needed for onward shipments, any reasonable Carrier would long

before then have acquired replacement containers. Thirdly, the Carrier's offer made in

January 2012 to sell the containers to the Shipper seems to me to confirm that, by then

at any rate, the Carrier was not suffering any loss of revenue as a result of its inability

to use the containers and that its only potential claim was for the replacement cost.

120. There is a further reason why, as it seems to me, it cannot be said that the

Carrier was suffering any loss on 27 September 2011 (or subsequently) as a result of

the Shipper's breach of the contracts of carriage. It follows from my finding that the

customs authorities in Bangladesh have at all material times refused to allow the

containers to be released that, even if the Shipper had been in a position to take

delivery of the containers and had tried to do so, the Carrier would not have been able

to give possession of the containers to the Shipper. It cannot in these circumstances

be said that the Shipper's breach of contract has caused any loss to the Carrier, as the

action of the customs authorities – which was outside the control of the Shipper – would

have prevented the Carrier from performing its own contractual obligation and caused

the containers to remain impounded in any event.

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121. I accordingly find that the Carrier had no basis for claiming on 27 September

2011 that it was suffering any loss as a result of the Shipper's breach of contract. In

these circumstances I conclude that the Carrier had no legitimate interest in keeping

the contracts of carriage in force after that date in order to continue claiming

demurrage. Its election to do so, and to go on doing so ever since, can in my view

properly be described as wholly unreasonable. It is wholly unreasonable because the

Carrier has not been keeping the contracts alive in order to invoke the demurrage

clause for a proper purpose but in order, in effect, to seek to generate an unending

stream of free income.

Conclusions

122. In summary, for the reasons given, I have reached the following conclusions:

i) Under the terms of the contracts of carriage, demurrage began to accrue in this case

at the end of the agreed 14 days of 'free time' following the discharge of the containers

at Chittagong.

ii) Thereafter, on the proper interpretation of the contracts, demurrage continued to

accrue until (a) the Merchant took delivery of the containers and returned them to the

Carrier, (b) the containers were unpacked by the Carrier in the exercise of its

contractual right to do so, or (c) the contract was terminated.

iii) As the demurrage clause fixed the sum payable in respect of the Shipper's breach

of contract resulting from the failure to return the containers within the period of free

time, there is no scope for any argument that the amount payable should be reduced

either on the ground that the Carrier did not in fact suffer any financial loss after a

particular date or on the ground that it would not have suffered such financial loss if it

had taken reasonable steps in mitigation.

iv) By 27 September 2011 it was clear that the Shipper had repudiated the contracts

because it was impossible for the Shipper to procure collection of the goods and the

delay in collecting them had in any event become so prolonged as to frustrate the

commercial purpose of the venture.

v) The right of the Carrier to keep the contracts in force and claim demurrage in such

circumstances depends on whether it had any legitimate interest in doing so. Given

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that the proper purpose of a demurrage clause is to quantify the damages payable for

loss caused by the Merchant's detention of the containers, it is illegitimate to keep the

contract open for the sole purpose of claiming demurrage if it is clear that no such loss

is being suffered.

vi) I have found that, as at 27 September 2011, there was no basis for supposing that

the Carrier was suffering any financial loss as a result of the detention of the containers

at Chittagong, and that in these circumstances keeping the contracts alive when the

only purpose of doing so could be to claim demurrage was wholly unreasonable.

vii) If I had concluded that the Carrier's right to keep the contracts alive was unfettered,

I should have held that the clause is unenforceable as a penalty because it is

impossible to justify on compensatory grounds a provision which allows demurrage to

be recovered indefinitely even when no reasonable Carrier would be suffering a loss.

123. In the result, I find that the Carrier is entitled to be paid demurrage from the

dates and at the rate claimed until 27 September 2011. I invite the parties to agree the

calculation of the precise sum due.

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ANEXO 2

EMENDA 56 – PL 1572/2011

Subseção II – Da Sobrestadia de unidades de carga Art. [111]. É lícita a previsão de cobrança pelo transportador de contraprestação pela

sobrestadia de unidade de carga, se, no seu embarque ou desembarque, ela ficar

retida por período superior ao acordado contratualmente.

Art. [112]. A sobrestadia de unidade de carga somente poderá ser cobrada pelo

transportador se estiver expressamente prevista no contrato ou no conhecimento.

Art. [113]. A responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos em decorrência da

sobrestadia de unidades de carga recai exclusivamente sobre aquele que a reteve em

sua posse para além do prazo estabelecido e do eventual garantidor da obrigação.

Art. [114]. O termo de retirada de unidade de carga que preencher os requisitos

previstos neste artigo, devidamente assinado por duas testemunhas e acompanhado

do respectivo contrato ou conhecimento, consiste em título executivo extrajudicial.

Este deverá conter:

I – A identificação do embarcador e do consignatário da carga;

II – A identificação das unidades de carga que estão sendo retiradas.

III – O prazo para a devolução livre de cobrança de encargos.

IV – O valor, a periodicidade e a gradação da penalidade pela sobrestadia.

Art. [115]. A sobrestadia de unidade de carga não será devida se o atraso na restituição

decorrer de fato imputável direta ou indiretamente ao próprio transportador ou de caso

fortuito ou de força maior.

Parágrafo único. A contagem da sobrestadia que já tiver sido iniciada, não se

suspende na intercorrência de caso fortuito ou força maior.

Art. [116]. Independentemente da sobrestadia de unidade de carga, o transportador

poderá demandar judicialmente a busca e apreensão da unidade de carga depois de

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decorridos 30 (trinta) dias do termo do prazo para devolução, independentemente de

prévia notificação.

§ 1º. A liminar de busca e apreensão poderá ser deferida independentemente de

prestação de caução.

§ 2º. As partes poderão convencionar no termo de retirada da unidade de carga prazo

maior do que o previsto neste artigo.

§ 3º. Se a unidade de carga não tiver sido desovada quando da apreensão pelo

transportador, o Juiz determinará o esvaziamento da unidade e o armazenamento da

carga às expensas dos interesses da carga.

Art. [117]. Decorridos cento e vinte dias da data em que o transportador colocou a

unidade de carga à disposição do consignatário, sem que este a tenha retirado do

terminal ou providenciado a sua desova, poderá o transportador requerer medida

judicial para sua desova.

Art. [118]. É lícita a exigência de prestação de garantias reais ou fidejussórias para as

obrigações decorrentes da sobrestadia de unidade de carga, podendo a garantia ser

prestada no próprio termo de recebimento do container ou em instrumento apartado.

Art. [119]. Aplicam-se subsidiariamente ao termo de retirada de unidade de carga as

disposições pertinentes ao depósito voluntário, no que couber.

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ANEXO 3

EMENDA 215 – PL1572/2011

Subseção II – Da sobrestadia de unidades de carga

Art. [111]. É lícita a previsão de cobrança pelo transportador de sobrestadia de unidade

de carga, se, no seu embarque ou desembarque, ela ficar retida por período superior

ao acordado contratualmente.

Art. [112]. A sobrestadia de unidade de carga será cobrada pelo transportador na forma

prevista no contrato ou no conhecimento, e, na sua falta, segundo os usos e costumes

do porto.

Art. [113]. A responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos em decorrência da

sobrestadia de unidades de carga recai exclusivamente sobre aquele que a reteve em

sua posse para além do prazo estabelecido e do eventual garantidor da obrigação.

Art. [114]. O termo de retirada de unidade de carga que preencher os requisitos

previstos neste artigo, devidamente assinado por duas testemunhas e acompanhado

do respectivo contrato ou conhecimento, consiste em título executivo extrajudicial.

Este deverá conter:

I – A identificação do embarcador e do consignatário da carga;

II – A identificação das unidades de carga que estão sendo retiradas.

III – O prazo para a devolução livre de cobrança de encargos.

IV – O valor da sobrestadia.

Art. [115]. A sobrestadia de unidade de carga não será devida se o atraso na restituição

decorrer de fato imputável direta ou indiretamente ao próprio transportador ou de caso

fortuito ou de força maior.

Parágrafo único. A contagem da sobrestadia que já tiver sido iniciada, não se

suspende na intercorrência de caso fortuito ou força maior.

Art. [116]. Independentemente da sobrestadia da unidade de carga, o transportador

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poderá demandar judicialmente a sua busca e apreensão depois de decorridos trinta

dias do termo do prazo para devolução, independentemente de prévia notificação.

§ 1º. Somente é admissível a busca e apreensão de unidade com carga ainda nela

acondicionada, na hipótese de a unidade encontrar-se nas próprias dependências

finais do consignatário ou destinatário, quando o juiz determinará seu esvaziamento

às expensas destes.

§ 2º. A concessão de liminar de busca e apreensão independe da prestação de

caução.

§ 3º. As partes poderão convencionar no termo de retirada da unidade de carga prazo

maior do que o previsto neste artigo.

Art. [118]. É lícita a exigência de prestação de garantias reais ou fidejussórias para as

obrigações decorrentes da sobrestadia de unidade de carga, podendo a garantia ser

prestada no próprio termo de recebimento do container ou em instrumento apartado.

Art. [119]. Aplicam-se subsidiariamente ao termo de retirada de unidade de carga as

disposições pertinentes ao depósito voluntário, no que couber.