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Análise das Interacções verbais Abordagens antropológica, linguística e sociológica FCSH | 2º semestre 2011-2012 Definição, âmbito, objecto e enquadramento interdisciplinar da análise das interacções verbais. Opções metodológicas. Sessão 1

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Análise das Interacções verbais Abordagens antropológica, linguística e sociológica

FCSH | 2º semestre 2011-2012

Definição, âmbito, objecto e enquadramento interdisciplinar da análise das interacções verbais. Opções metodológicas.

Sessão 1

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Etnometodologia e Análise das interações verbais

Michel G. J. Binet

GIID-CLUNL

FCSH-UNL, 02-03-2012

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Bibliografia

• Garfinkel, H., 1984 [1967]. Studies in Ethnomethodology, Cambridge: Polity Press.

• Garfinkel, H., 2007. Recherches en ethnométhodologie, Paris: PUF.

• Garfinkel, H. & Sacks, H., 2007. Les structures formelles des actions pratiques (1967). In Recherches en ethnométhodologie. Paris: PUF, pp. 429-474.

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Bibliografia Alfred Schütz: o antecessor

• Schütz, A., 1962. Collected Papers (Vol. 1), The Hague: Martinus Nijhoff.

• Schütz, A., 1964. Collected Papers (Vol. 2), The Hague: Martinus Nijhoff.

• Schütz, A., 1998. Éléments de sociologie phénoménologique, Paris: L’Harmattan.

• Schütz, A. & Luckmann, T., 1974. The Structures of the Life-World, London: Heinemann.

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Bibliografia Erving Goffman: co-autoria / intertextualidade / Polifonia

• Goffman, E., 1953. Communication Conduct in an Island Community. PhD dissertation. Chicago: University of Chicago.

• Goffman, E., 1972 [1961]. Encounters: Two Studies in the Sociology of Interaction 2nd ed., Harmondsworth: Penguin Books.

• Goffman, E., 1999a. A situação negligenciada (1964). In Y. Winkin, ed. Os momentos e os seus homens. Lisboa: Relógio d’Água, pp. 148-153.

• Goffman, E., 1974. Frame Analysis - An Essay on the Organization of Experience, Boston, Massachusetts: Northeastern University Press.

• Goffman, E., 1999b. A ordem da interacção (1982). In Y. Winkin, ed. Os momentos e os seus homens. Lisboa: Relógio d’Água, pp. 191-235.

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Bibliografia Harvey Sacks: aluno e continuador

• Sacks, H., 1995. Lectures on conversation (Vol. 1 & Vol. 2), Oxford: Blackwell. [1964-72]

• Sacks, H., Schegloff, E. & Jefferson, G., 1974. A Simplest Sistematics for the Organization of Turn-Taking for Conversation. Language, 50(4), pp.696-735.

• Sacks, H., Schegloff, E. & Jefferson, G., 1977. The Preference for Self-Correction in the Organization of Repair in Conversation. Language, 53(2), pp.361-382.

• Schegloff, E., 2006. Interaction: The infrastructure for social institutions, the natural ecological niche for language, and the arena in which culture is enacted. In N. J. Enfield & S. C. Levinson, eds. Roots of Human Sociality: Culture, cognition and interaction. London: Berg, pp. 70-96.

• Schegloff, E., 2007. Sequence Organization in Interaction - A Primer In Conversation Analysis I, Cambridge: Cambridge University Press.

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Etnometodologia

• A Ordem social: Níveis de organização e escalas de análise (Macro v/s Micro)

• Interaccionismo metodológico (Adriano Duarte Rodrigues) • A situação negligenciada • A Ordem da interação: método “idiográfico” v/s método

nomotético ? Da dicotomia (opções mutuamente exclusivas) ao “trajeto investigativo plural” (Michel Binet & David Monteiro, 2012)

• Etnométodos: os interactantes como metodólogos práticos • Compreensão e Perspectiva émica: ciência objectiva da

subjectividade dos actores (Max Weber) • Tipificações: sociólogos profissionais & sociólogos profanos «Os analistas da conversação são os próprios falantes» (Adriano

Duarte Rodrigues) • Etnometodologia conversacional: ações concertadas e

metodicamente organizadas • Um saber de 2º Grau

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Etnometodologia • Pano de fundo dos saberes partilhados Estruturadas e estruturantes mediante a sua incorporação cognitiva

e disposicional (Bourdieu, 2001a: 204), padronizadas e padronizantes («standardized and standardizing»; Garfinkel, 1984: 36; 2007: 99), as estruturas objectivas são estruturas objectivadas em contexto situacional no e pelo discurso e na e pela acção dos agentes.

Schütz: Atitude natural(izante) Saberes partilhados de um modo tácito formam o pano de fundo

das interacções quotidianas, partilha postulada como dada à partida, mas interactivamente revista sempre que necessário.

• Membership Categorization Analysis (Sacks, 1995) A troca conversacional se efectua dentro de mundos cognitivos por

ela convocados, partilhados em maior ou menor grau pelos falantes. Representações, categorizações e saberes configuram mundos ordenados mentalmente que funcionam na conversação como quadros ou contextos interpretativos.

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Etnometodologia • Harold Garfinkel « empiriciza » a fenomenologia,

retraduzindo-a em instruções de pesquisa permitindo a localização de situações e de comportamentos que possibilitam a observação dos processos de microconstrução da ordem social.

• A cunhagem de acções reconhecíveis é um processo activo de produção endógena da ordem da interacção. Garfinkel desloca o foco da análise, convertendo um problema de método do observador (como reconhecer o valor accional dos comportamentos observados ?) num problema de método (ou etnométodo) de co-produção da interacção, problema atendido pelos seus participantes (como tornar reconhecível o valor accional do meu comportamento ?), por meio de competências interaccionais e comunicativas a investigar.

• John Gumperz: Pistas de contextualização (contextualization cues)

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Etnometodologia • Esta deslocação do foco da análise operada por Garfinkel tem o

mérito de converter uma abordagem inicialmente cognitivista numa abordagem comportamentalista centrada na acção situada, proporcionando um programa de investigação empírica que converte a fenomenologia numa ciência observacional do comportamento humano em contexto situacional.

• Empenhado em estranhar frente a um «mundo teimosamente familiar» (2007: 101) ao ponto de arriscar passar despercebido, Garfinkel também explorou com a ajuda dos seus alunos técnicas de observação “reactiva” em contextos naturais, breaching experiments (Garfinkel, 2007: 120–6) consistindo em violações deliberadas de normas tácitas inferidas mais do que directamente observadas, para quebrar as expectativas que formam o pano de fundo das interacções, gerando espanto, vergonha, desconforto, irritação, confusão, perturbando situações e desorganizando interacções, no intuito de provocar a explicitação endógena das expectativas, normas e rotinas de fundo, pela via de protestos e de pedidos de explicação que as tornam então visíveis, operando a sua transferência do campo inferencial para o campo observacional .

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O saber de 1º grau não se articula no discurso sobre a prática, mas, sim, dentro da própria prática no curso da

sua realização

A ação situada e a sua organização metódica são o nicho ecológico da fala

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Etnometodologia • Reflexividade: os membros ordenam a sua interacção se observando,

descrevendo, interpretando e tipificando mutua e continuamente. Garfinkel escreve: «(…) os inquéritos dos membros são elementos constitutivos das situações que analisam» (2007: 61).

Os etnométodos, objecto de estudo da etnometodologia, são práticas observacionais, descritivas e interpretativas «omnipresentes», realizadas de dentro de cada uma das situações de interacção que contribuem em constituir, pelos membros que nelas participam reflexivamente.

• Indexicalidade: a âncora situacional da ação concertada Os valores referenciais dos pronomes e dos nomes bem como as

orientações no espaço e no tempo operadas na e pela linguagem usada in situ, são fixados e organizados em redor de uma âncora situacional, axis mundi de toda a actividade enunciativa.

O comportamento se indexicaliza ancorando-se numa situação tornada « familiar » por um processo já mencionado de tipificação-padronização que remete para dimensões da organização social.

A analisabilidade da acção como acção ocorrendo num micro-contexto em construção que incorpora na sua definição interactiva uma representação estruturada e estruturante da ordem social.

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Etnometodologia Incompletude das regras sociais e práticas ad hoc : ceteris

paribus, factum valet e et cetera

Incompletas e genéricas, as regras introduzidas localmente

pelas pré-definições socio-institucionais das situações precisam de serem completadas por um trabalho interactivo de co-ordenamento da interacção, atento às contingências e singularidades da mesma.

• Esta tese potencia o retorno do actor na agenda da investigação sociológica. Um actor situado, a quem compete agir em contextos inacabados, incompletamente definidos e regulamentados.

«A ordem social (...) não é uma "ordem encontrada", mas sim "realizada" [practical accomplishment]»(Wolf, 1979: 147).

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Etnometodologia Accountability As acções são activamente cunhadas como observáveis,

descritíveis, relatáveis, analisáveis, intencionais, consequentes, justificáveis, numa palavra: racionais.

Esta racionalidade, reivindicada de dentro (e não atribuída de fora por um observador exterior) e incorporada numa prática ciosa da sua descritibilidade e justificabilidade, projecta e performa uma ordem social ordenando a prática (Garfinkel, 2007:95).

Cada interactante, guardião zeloso da racionalidade das suas acções na interacção com os outros, antecipa qualquer eventual incompreensão fornecendo informações e justificações prévias à realização de um acto ou à produção de uma fala susceptível de não ser compreendido; ou, em caso de mal interpretação não antecipada, investe em dar conta e responder a posteriori pela sua conduta ou pelas suas palavras. A trama da interacção é composta passo a passo por acções auto-justificadas ou auto-justificáveis.

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Etnometodologia • a «temporalidade interna» (organização

sequencial) dos cursos de acção como dimensão-chave da ordem interaccional:

decomposição analítica, sob a forma de uma estrutura multi-operacional (Garfinkel, 2007: 91), caminho investigativo continuado e aprofundado por Harvey Sacks, que, sob a designação de Análise da Conversação (Sacks, 1995), se tornou uma corrente de investigação de âmbito internacional.

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Etnometodologia • A etnometodologia, i.e. o estudo dos métodos práticos de

organização do curso temporal das acções concertadas à escala situacional, encontra nas interacções conversacionais um terreno privilegiado de observação e análise da produção social e cultural de “eventos” e de “identidades” reconhecidos porque tornados localmente reconhecíveis. As identidades são «realizações práticas e contingentes» (Garfinkel, 2007: 286), que, longe de operar num vazio social, convocam, ratificam e incoproram «expectativas socialemente padronizadas» (Garfinkel, Op. Cit.: 289), no decurso de um «trabalho de organização invisível [aos próprios membros da sociedade]» (Op. Cit.: 288), por uma parte importante de teor conversacional, passível de descrição detalhada mediante o seu registo por observação directa ou gravação, vasto programa investigativo que define a Análise da Conversação.

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«Posso…..?» • Os próprios interactantes subordinam a

realização de certos actos a um «pedido de licença» prévio:

• Trecho 1 – 5.2.(02) 469 Técnica1 posso pôr aqui dentro?

470 Utente pode pode claro

• Trecho 2 – 5.2.(02)

1955 Técnica1 posso lhe fazer uma pergunta?

1956 Utente pode

1957 Técnica1 quem é que faz a sua higiene

pessoal?

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A prova administrada pelos próprios falantes

• Trecho 3 – 5.2.(02)

249 Técnica1 não gosto nada de abrir as

250 coisas

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Bibliografia • Amiel, P., 2004. Ethnométhodologie appliquée. Éléments de

sociologie praxéologique, Paris: Presses du LEMA (Laboratoire d’Ethnométhodologie Appliquée - Université Paris 8).

• Coulon, A., 1987. L’ethnométhodologie, Paris: PUF. • Fornel (de), M. & Léon, J., 2000. L’analyse de conversation:

de l’ethnométhodologie à la linguistique interactionnelle. Histoire Épistémologie Langage, 22(I), pp.131-155.

• Heritage, J., 1987. Ethnomethodology. In A. Giddens & J. Turner, eds. Social Theory Today. Cambridge: Polity Press, pp. 224-272.

• Heritage, J., 1998. Harold Garfinkel. In R. Stones, ed. Key Sociological Thinkers. Basingstoke: Palgrave Macmillan, pp. 175-188.

• Wolf, M., 1979. Sociologias de la vida cotidiana 2nd ed., Madrid: Cátedra.