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ANÁLISE DE CARACTERÍSTICAS DA CULTURA ORGANIZACIONAL SOB A PERSPECTIVA DA VISÃO BASEADA EM RECURSOS: UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DE MEIOS DE PAGAMENTO Victor de Freitas Felipe Camacho [email protected] Márcia Regina Neves Guimarães [email protected] A visão baseada em recursos (VBR) surge como uma alternativa às abordagens que veem a formulação da estratégia a partir de uma análise externa à organização. A estratégia e a fonte de vantagem competitiva, segundo essa perspectiva, estariam fundamentadas nos recursos e capacidades valiosos, raros, difíceis de serem imitados ou substituídos. Assim, o presente trabalho tem como objetivo identificar a estratégia competitiva e analisar, a partir da VBR, características da cultura organizacional de uma empresa de meios de pagamento. Trata-se de um estudo qualitativo que faz uso do estudo de caso como método de procedimento. Características como a maneira como a empresa se estrutura, ou seja, de maneira enxuta e relativamente flexível, o grau de informalidade e as interações entre os funcionários (relações horizontais e verticais) e entre empresa e outras organizações, são exemplos de pontos fortes relacionados à cultura. Essas, entre outras características, tornam a cultura um recurso intangível que dá apoio e desenvolve a estratégia de diferenciação da empresa. Palavras-chave: Estratégia, visão baseada em recursos, Cultura Organizacional XXXVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO “A Engenharia de Produção e suas contribuições para o desenvolvimento do Brasil” Maceió, Alagoas, Brasil, 16 a 19 de outubro de 2018.

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ANÁLISE DE CARACTERÍSTICAS DA CULTURA

ORGANIZACIONAL SOB A PERSPECTIVA DA

VISÃO BASEADA EM RECURSOS: UM ESTUDO

DE CASO EM UMA EMPRESA DE MEIOS DE

PAGAMENTO

Victor de Freitas Felipe Camacho

[email protected]

Márcia Regina Neves Guimarães

[email protected]

A visão baseada em recursos (VBR) surge como uma alternativa às

abordagens que veem a formulação da estratégia a partir de uma análise

externa à organização. A estratégia e a fonte de vantagem competitiva,

segundo essa perspectiva, estariam fundamentadas nos recursos e

capacidades valiosos, raros, difíceis de serem imitados ou substituídos.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo identificar a estratégia

competitiva e analisar, a partir da VBR, características da cultura

organizacional de uma empresa de meios de pagamento. Trata-se de um

estudo qualitativo que faz uso do estudo de caso como método de

procedimento. Características como a maneira como a empresa se estrutura,

ou seja, de maneira enxuta e relativamente flexível, o grau de informalidade

e as interações entre os funcionários (relações horizontais e verticais) e entre

empresa e outras organizações, são exemplos de pontos fortes relacionados

à cultura. Essas, entre outras características, tornam a cultura um recurso

intangível que dá apoio e desenvolve a estratégia de diferenciação da

empresa.

Palavras-chave: Estratégia, visão baseada em recursos, Cultura

Organizacional

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1. Introdução

Para Porter (2004), a formulação de uma estratégia competitiva se dá a partir de uma análise

da indústria na qual a organização se encontra. Parte-se, portanto, de uma análise de fatores

externos para então formular a estratégia competitiva como forma de se defender das

chamadas cinco forças, ou seja, ameaça de novos entrantes, rivalidade entre os concorrentes

diretos, poder de negociação de fornecedores, poder de negociação de clientes e ameaça de

produtos substitutos.

Por outro lado, tem-se a Visão Baseada em Recurso (VBR) que muda o foco do mercado para

a análise dos recursos e capacidades internos à organização, como base para a formulação da

estratégia. Segundo essa visão, a fonte de vantagem competitiva estaria nos recursos valiosos,

raros, difíceis de serem imitados ou substituídos (BARNEY,1991). Para Barney (1991), essa

análise deve ser feita levantando todos os pontos fortes e fracos da empresa, fazendo com que

os fortes prevaleçam e os fracos sejam evitados.

Diversos outros autores (entre eles, RODRÍGUEZ; RODRÍGUEZ, 2005; HERVAS-OLIVER

et al., 2011) ressaltam que as empresas que possuem recursos valiosos, raros, difíceis de

imitar e de substituir, podem obter vantagem competitiva sustentável por meio da

implementação de estratégias que dificultam a ação dos concorrentes.

No contexto da visão baseada em recursos, a cultura organizacional pode ser vista como um

recurso que pode trazer vantagem competitiva para a empresa (KING; FOWLER;

ZEITHAML, 2002). Barney (2006) também ressalta a importância de se desenvolver recursos

não patenteáveis como é o caso cultura. Para o autor, tais recursos podem ser combinados

com o desenvolvimento de recursos tangíveis e levar a organização a uma vantagem

competitiva sustentável.

Assim, o presente trabalho tem como objetivo é identificar a estratégia competitiva e analisar

características da cultura organizacional sob a perspectiva da VBR em uma empresa de meios

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de pagamento. Trata-se de um estudo qualitativo que faz uso do estudo de caso como método

de procedimento.

O trabalho se estrutura da seguinte forma: primeiramente se apresenta o referencial teórico

que explora temas como estratégia (foco na estratégia competitiva), visão baseada em

recursos e cultura organizacional. Em seguida, mostra-se o método adotado para, então,

apresentar e discutir os resultados. Por fim, são feitas as considerações finais.

2. Referencial teórico

2.1 Estratégia

Para Wheelwright (1984), as estratégias, em uma organização, se apresentam em três níveis

dispostos em uma hierarquia. A estratégia corporativa representa o nível mais alto dessa

hierarquia, é ela que determina em quais negócios a organização irá atuar, quais os objetivos e

quais os planos para se atingir tais objetivos. Inclui a aquisição e a alocação de recursos da

corporação às diferentes unidades de negócios (WHEELWRIGHT, 1984).

No âmbito da unidade de negócio, a estratégia competitiva, que se encontra no segundo nível

hierárquico, se refere à maneira como a organização irá conseguir vantagem competitiva. Para

Parnell (2006), a estratégia competitiva descreve como a unidade de negócios ou empresa

compete dentro de um setor.

Já no terceiro nível hierárquico, encontra-se a estratégia funcional que irá definir como cada

função deve contribuir para a vantagem competitiva do negócio (SLACK et al., 2002).

No âmbito da estratégia competitiva, Porter (2004), representante da escola da organização

industrial (MAIA; ALVES FILHO, 2015), apresenta uma lista de três possíveis estratégias:

liderança em custo, diferenciação e enfoque.

Na estratégia de liderança em custo, segundo Porter (2004), busca-se obter um retorno maior

em uma indústria por meio de um conjunto de políticas funcionais voltadas para a redução de

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custos. Essa estratégia exige a construção agressiva de instalações em escala eficiente, uma

perseguição vigorosa de reduções de custo pela experiência, um controle rígido dos custos e

das despesas gerais, a redução de custo em áreas como P&D, assistência, força de vendas,

publicidade, etc. (PORTER, 2004).

A diferenciação, por sua vez, consiste em diferenciar o produto ou o serviço oferecido pela

empresa, criando algo único no âmbito da indústria. Os métodos para essa diferenciação

podem assumir diversas formas: projeto ou imagem da marca, tecnologia, peculiaridades,

serviços sob encomenda, rede de fornecedores, etc. (PORTER, 2004).

Por fim, a estratégia de enfoque, segundo Porter (2004), consiste em enfocar um determinado

grupo comprador, um segmento da linha de produtos, ou um mercado geográfico. Nesse caso,

ao possuir um alvo estratégico mais estreito, a empresa é capaz de atende-lo de maneira mais

efetiva ou eficiente do que se atuasse de forma mais ampla.

Para Porter (2004), a estratégia competitiva é uma forma de defender a organização de cinco

forças externas à organização: ameaça de novos entrantes, poder dos compradores, poder dos

fornecedores, produtos substitutos e rivalidade entre os concorrentes diretos. Assim, em uma

abordagem voltada para o mercado, o autor defende que a estratégia competitiva deve ser

fruto do que ele chama de análise estrutural da indústria.

Embora abordagens voltadas para o mercado sejam amplamente difundidas, Barney (2006)

afirma que algumas empresas conseguem vantagem competitiva mesmo atuando em

ambientes não atraentes, com muitas ameaças e poucas oportunidades. Nesse contexto, Maia

e Alves Filho (2015) ressaltam que a VBR (Visão Baseada em Recursos) surge como uma

resposta ao descontentamento com a abordagem estática e de equilíbrio da Organização

Industrial e tem ganhado espaço cada vez maior na literatura.

2.2 A Visão Baseada em Recursos

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A Visão Baseada em Recursos, segundo Barney (1991), assume que as empresas são

heterogêneas quando diz respeito aos recursos que eles controlam. Além disso, assume que

esses recursos podem não ser perfeitamente móveis entre as empresas.

Essa visão demonstra como as empresas obtêm vantagens competitivas a partir da

implementação de estratégias que exploram suas forças internas, através da resposta a

oportunidades do ambiente o qual está introduzida, neutralizando ameaças externas e evitando

fraquezas internas (BARNEY, 1991).

Segundo Barney (1991), os recursos controlados pela empresa incluem todos os ativos,

capacidades, processos organizacionais, atributos, informação, conhecimento, etc. Eles

possibilitam à empresa conceber e implementar estratégias que melhorem sua eficiência e

eficácia. Tais recursos podem ser classificados em três categorias: recursos de capitais físicos,

aqueles que são de posse da empresa como, por exemplo, equipamentos, planta, ferramentas,

etc.; recursos de capitais humanos, ou seja, aquilo que se refere a cada um dos funcionários,

como treinamentos, experiências, relacionamentos, etc.; e recursos de capital organizacional

que dizem respeito à forma como a empresa se comporta internamente ou externamente, sua

maneira de relacionar com o mercado e seus funcionários, sua cultura organizacional.

Para Siebers, Zhang e Li (2013), a visão baseada em recursos ajuda os competidores a

entender o que causa uma vantagem competitiva frente a seus competidores. Para os autores,

a grande vantagem da dessa visão é afirmar que a heterogeneidade é uma parte significante

para alcançar a vantagem competitiva sustentável, isso porque acaba criando uma barreira que

evita a cópia por parte de outras empresas.

Barney (1991) afirma que para que uma empresa tenha uma potencial vantagem competitiva,

um recurso deve possuir quatro características, ou seja, deve ter valor, ser raro,

imperfeitamente imitável e difícil de ser substituído.

“O primeiro ponto, os recursos necessitam ter valor competitivo, isto é, necessitam permitir que a

firma elabore e implemente suas estratégias para aumentar seu nível de desempenho. Como o valor

competitivo somente pode ser julgado frente às necessidades do mercado (em última instância, o

mercado determina aquilo que lhe tem valor), tem-se aqui um ponto de confluência entre a VBR e

as visões da estratégia focadas no ambiente” (MAIA; ALVES FILHO, 2015, p.107).

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A raridade diz respeito a um recurso que não é comum dentro do mercado. Portanto, quanto

mais raro e valioso o recurso dentro do ambiente competitivo, maiores as chances de se tornar

um diferencial para a empresa (BARNEY, 1991).

A questão da imitabilidade, segundo Barney (1991), se refere à necessidade das empresas que

possuem recursos valiosos e raros manterem vantagem competitiva sustentável, se as

empresas que não os possuem não conseguirem copiá-los ou obtê-los.

Apesar de uma determinada empresa obter um recurso que seja valioso, raro e ainda não seja

possível de ser imitado, Barney (1991) afirma que este recurso também não pode ser

substituível, ou seja, este recurso não pode ter um substituto que consiga obter o mesmo

resultado competitivo que ele. Para Maia e Alves Filho (2015), recursos similares ou

radicalmente diferentes não podem estar disponíveis aos competidores, para não permitir o

desenvolvimento e implementação de estratégias equivalentes.

De acordo com King, Fowler e Zeithaml (2002), a cultura organizacional, foco do presente

estudo, é um recurso fixo, e por não estar situado em cada um dos funcionários, mas dentro da

empresa como um todo, possui maior dificuldade de ser substituído, tornando-se valioso e

possibilitando à empresa manter uma vantagem competitiva. King, Fowler e Zeithaml (2002)

ainda afirmam que a cultura organizacional é um facilitador de competitividade, pois ela pode

favorecer competências de caráter competitivo da empresa.

Ogbonna e Harris (2000) argumentam que devido à singularidade da cultura organizacional,

ela é uma fonte potencialmente poderosa que pode gerar vantagem frente aos seus

competidores. Ao considerar a cultura organizacional como um recurso, e não apenas os

recursos tangíveis da organização, a vantagem competitiva pode ser favorecida.

Para Barney (2006) conforme as empresas se desenvolvem, elas criam habilidades,

capacidades e recursos únicos, que refletem sua trajetória particular por meio da história. Para

o autor, recursos e aptidões socialmente complexos, como reputação, confiança, amizade,

trabalho em equipe e cultura, embora não sejam patenteáveis, por serem intangíveis, são

muito mais difíceis de imitados.

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No que se refere à definição, Machado e Vasconcellos (2007, p. 18) afirmam que cultura

organizacional é “um sistema de significados aceito pelos integrantes da organização em um

determinado tempo e serve de base para a interpretação das situações do cotidiano”. Segundo

Ehtesham, Muhammad e Muhammad (2011), a cultura organizacional é construída através de

premissas e valores dos gestores e membros de uma empresa. Além disso, os autores a

consideram como uma vantagem competitiva da empresa, pois ajusta os processos e unifica as

capacidades organizacionais com coesão, provendo soluções para resolver problemas e,

assim, facilitando a empresa a atingir seus objetivos. Por meio da cultura organizacional, a

empresa e seus membros constroem uma identidade que lhes possibilita se comunicar e

cooperar em torno de um objetivo comum (GOMEZ; PROWESK, 2011).

Para Shein (1984) a cultura organizacional pode ser analisada em diferentes níveis, sendo

eles: artefatos, crenças e valores e pressupostos básicos.

Os artefatos são citados como os mais difíceis de analisar, uma vez que é possível identificar

como um determinado grupo construiu seu ambiente de trabalho, ou ainda, quais

comportamentos são pertinentes dentro dele, entretanto, raramente se consegue decifrar o

porquê determinado grupo se comporta daquela forma (SCHEIN, 1984).

No segundo nível, das crenças e valores, Shein (1984) afirma que eles se referem a interações

entre os grupos internos da empresa e que eles se concentram no que as pessoas dizem e o

que, idealmente, é o motivo do seu comportamento. Para entender estes valores, é necessário

entrevistar membros principais da organização.

No terceiro nível, se consegue realmente entender o porquê daquele grupo. Os pressupostos

de um grupo são geralmente inconscientes, mas explicam o que um grupo pensa, percebe e

sente. De acordo com as teorias em uso, os pressupostos básicos não são confrontáveis e nem

debatíveis, portanto, são extremamente difíceis de serem alterados (SHEIN, 2004).

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3. Metodologia

O estudo pode ser classificado como exploratório, uma vez que, segundo Gil (2002), busca

familiaridade com o tema, além de buscar desenvolver, esclarecer ou modificar conceitos,

tendo em vista a formulação de problemas e hipóteses para estudos futuros. Segundo o autor,

esse tipo de estudo, em geral, envolve levantamento bibliográfico e documental, entrevistas

mais abertas ou estudos de caso.

De natureza qualitativa, a presente pesquisa adota o estudo de caso como método de

procedimento. Segundo Yin (2001), os estudos de caso buscam responder questões “como” e

“por que”, envolvem casos nos quais o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos, e

casos nos quais o foco se encontra em um fenômeno contemporâneo (nesse caso, cultura

organizacional como um recurso que favorece a vantagem competitiva) inserido em algum

contexto da vida real (uma empresa do mercado de meios de pagamento).

A coleta de dados e informações se deu a partir da realização de quatro entrevistas e da

observação direta.

Para as entrevistas, foram escolhidos quatro funcionários da empresa focal, sendo eles dois

gerentes (Planejamento Estratégico e Recursos Humanos), um coordenador (Comercial) e um

superintendente (Comercial). Tais funcionários foram escolhidos levando-se em consideração

o tempo de empresa e a área de atuação. As entrevistas foram feitas entre agosto e setembro

de 2017, a partir de um roteiro semi-estruturado que contou com questões relacionadas à

estratégia da empresa e à cultura organizacional.

Ressalta-se que a coleta de dados também incluiu observação realizada durante a permanência

do pesquisador na empresa, o que possibilitou, de maneira complementar, uma análise do dia-

a-dia da influência da cultura organizacional nas ações e resultados alcançados pela empresa.

As entrevistas, gravadas e transcritas, juntaram se aos registros feitos na observação para,

posteriormente, serem feitas a narrativa, a redução, a tabulação dos dados e, por fim, a análise

dos resultados.

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4. Resultados

Os resultados estão apresentados em 3 subseções: identificação da empresa, estratégia de

competitiva da empresa, e visão baseada em recursos e cultura organizacional.

Durante a apresentação dos resultados, os entrevistados serão numerados da seguinte forma:

Entrevistado 1: Gerente de Planejamento Estratégico; Entrevistado 2: Gerente de Recursos

Humanos; Entrevistado 3: Coordenador Comercial; Entrevistado 4: Superintendente

Comercial.

4.1. Identificações da Empresa

A empresa estudada pertence ao mercado nacional de meios de pagamentos e conta com

investimento nacional. Está em processo intenso de investimento e crescimento e, no

momento em que foram feitas as entrevistas, contava com 90 funcionários, com expectativa

de chegar a 140 até o final do ano 2017

4.2. Estratégia competitiva da empresa

A empresa, segundo a tipologia de Porter (2004), utiliza a estratégia de diferenciação. O

entrevistado 1 afirma que os clientes vêem a empresa como próxima, inovadora e flexível,

pois entende rapidamente as necessidades dos mesmos e tende a ter uma resposta rápida.

Apesar das funcionalidades e benefícios oferecidos pelo cartão, o entrevistado 3 ressalta que o

maior diferencial da empresa é a capilaridade (alcance ou cobertura do mercado) que os

bancos emissores oferecem, se tornando o diferencial da empresa.

Os processos externos são feitos com a chamada “guarda-compartilhada”, uma vez que a

empresa não possui contato direto com os portadores dos cartões, o contato mais próximo é

realizado pelos emissores. Portanto, o objetivo da empresa é intervir na oferta de benefícios e

atrativos para seus clientes, pois diferente dos concorrentes, ainda não há tanta difusão do

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produto no mercado. Tal fato é afirmado pelos entrevistados 2 e 4, que acreditam que o

diferencial da empresa é o esforço conjunto com emissores de cartão para conquistar maior

fatia de mercado. Com relação aos clientes, o entrevistado 3 afirma que eles, ao solicitarem

um cartão juntamente ao banco, não possuem uma preferência, entretanto, por serem mais

responsivos à qualidade do serviço, servem como termômetro e agem como embaixadores e

formadores de opinião do cartão.

4.3. Visão baseada em recursos e características referentes à cultura organizacional

Nesta pesquisa, em função da complexidade do tema, deu-se ênfase a apenas algumas das

características referentes à cultura organizacional e aos seus níveis, conforme apresentados

por Schein (1984).

A empresa possui uma estrutura organizacional enxuta e horizontal, mesmo havendo

hierarquia, os processos são feitos de forma rápida e com participação colaborativa de todos

os envolvidos. Para o entrevistado 1, o diferencial da empresa das outras do mercado é a

velocidade dos processos e tomadas de decisões, uma vez que as decisões não precisam de

aprovação da matriz.

Além disso, é citado pelo entrevistado 2, que há uma sinergia entre as áreas, pois todos se

encontram perto e caso haja a necessidade de troca de informação, ela é realizada de forma

rápida e eficiente. Os processos internos, de maneira geral, devido à proximidade entre as

áreas, ocorrem sem formalização e de forma rápida.

Para o entrevistado 4, a empresa, através dos seus valores e seu corpo diretivo, busca

esclarecer métodos de trabalho e favorecer a integração entre os funcionários, principalmente

quando se trata de “valorizar pessoas” e “ser protagonista”.

A cultura organizacional é voltada para a aproximação dos funcionários, sendo assim, há o

estímulo de trabalhos integrados entre as áreas, além de reuniões mensais com todos os

funcionários para acompanhamento de metas e resultados, e a facilidade de interação de

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diferentes níveis gerenciais, como por exemplo, um estagiário ou analista ter contato direto

com diretores e presidência.

O entrevistado 3 afirma que todos os funcionários e candidatos devem possuir algumas

características para se adequar à empresa: capacidade técnica, perfil fácil de se adaptar à

cultura organizacional, bom relacionamento e, preferencialmente, experiência no mercado.

O entrevistado 2 ressalta que os recursos que possuem maior diferencial dentro da empresa

são os organizacionais, além disso, o entrevistado 1 afirma que a proximidade do RH com

todos os funcionários através de ações, trazem um grau de raridade quando comparados a

outras empresas do mercado. Para que haja o desenvolvimento do recurso, a empresa busca

relações estreitas com fornecedores e demais organizações que estejam interessadas em

desenvolver parcerias.

Em seu manifesto de cultura organizacional, foram criados seis valores: “valorizar pessoas,

ser protagonista, conquistar a preferência de parceiros e clientes, ser inconformado, agir com

ética e respeito e garantir resultados”. Para o entrevistado 4, esses manifestos são integrados

diretamente com a visão da empresa, dando uma direção clara do modo de agir de cada um

dos funcionários para assim, tornar a empresa diferenciada.

De acordo com entrevistados, há algumas formas e motivos pelos quais a empresa desenvolve

alguns de seus valores. Quanto a “valorizar as pessoas”, as reuniões mensais citadas não só

servem para premiar ou demonstrar resultados da empresa como um todo, mas demonstrar o

andamento dos projetos. No entanto, a observação mostrou que nem sempre todos são

convocados, e isso gera uma insatisfação por parte de alguns funcionários.

Para enfatizar o “protagonismo”, a empresa busca estimular iniciativas de qualquer tipo de

melhoria por parte de todos os funcionários da empresa. Relaciona-se a preferência de

parceiros e clientes e a boa imagem da empresa ao valor de “agir com ética e respeito”. O

valor que se refere a “ser inconformado” busca estimular a inovação.

Ainda sobre a cultura organizacional, a maioria das decisões finais parte diretamente dos mais

altos níveis hierárquicos. Isso, conforme se percebe na empresa, é visto como contrário a dois

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dos valores pregados, “valorizar pessoas” e “ser protagonista”, pois os funcionários sentem-se

limitados por não terem a influência desejada no desenvolvimento dos projetos.

Apesar de incentivos para os funcionários buscarem aperfeiçoamento técnico externo, como

pós-graduação, MBA, etc., não há uma oferta constante de treinamentos internos.

Com relação aos feedbacks, eles atuam de forma quase pontual, predominantemente quando

se está perto de fechamento de metas e mais relacionados aos níveis hierárquicos mais altos

(Gerência, Superintendência e Diretoria).

Percebe-se, de maneira geral, segundo os entrevistados, que a empresa tem nos recursos

voltados à cultura organizacional, um diferencial competitivo. É vista como sendo um recurso

valioso, raro e difícil de ser imitado. Essas três características mais a dificuldade de

substituição, para Barney (1991), tornariam o recurso fonte de vantagem competitiva.

Segundo eles, a maneira como a empresa se estrutura, ou seja, de maneira enxuta e

relativamente flexível, o grau de informalidade e as interações entre os funcionários (relações

horizontais e verticais) e entre empresa e outras organizações, são exemplos de pontos fortes

relacionados à cultura.

Acredita-se que a estratégia de diferenciação adotada pela empresa é favorecida por

características da cultura organizacional. Os valores organizacionais reforçam a missão,

direcionam ao alcance da visão e transmitem a imagem que a empresa pretende aos

funcionários e ao ambiente externo. Do ponto de vista da visão baseada em recursos,

conforme Barney (2006), recursos relacionados à estrutura e à cultura organizacional por si só

podem não trazer vantagem competitiva, mas podem facilitar o aproveitamento de outros

recursos que sejam tangíveis. Para o autor, as empresas têm uma trajetória particular, uma

história que as torna únicas. Recursos intangíveis como a cultura, embora não sejam

patenteáveis, são muito difíceis de serem imitados.

Os resultados desta pesquisa vão ao encontro do que afirmam King, Fowler e Zeithaml (2002)

e Ogbonna e Harris (2000), ou seja, a cultura tem um papel importante e favorece a estratégia

e a competitividade da empresa.

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5. Considerações finais

O artigo mostra que algumas características relacionadas à cultura organizacional podem

favorecer a competitividade de uma organização. Diversos aspectos referentes à cultura

apóiam a estratégia competitiva de diferenciação da empresa de meios de pagamento, foco do

presente estudo. Valores, relações interpessoais, estrutura organizacional flexível, entre

outros, são aspectos que transmitem o papel da inovação e o que se espera em termos de

comportamento dos funcionários. Refletem a imagem que a organização pretende ter diante

da sociedade.

Academicamente, o trabalho contribui com estudos que focam a visão baseada em recursos e

reforça a literatura que trata do desenvolvimento de recursos intangíveis, não patenteáveis. Na

visão dos entrevistados, os recursos organizacionais são importantes e são a principal fonte de

vantagem competitiva.

Por se tratar de um estudo exploratório, pode servir como base para elaboração de hipóteses

para a realização de estudos futuros de origem quantitativa. Também, como forma de

minimizar a principal limitação da pesquisa, que está no fato de se tratar de um estudo de caso

único, não generalizável, trabalhos futuros podem aprofundar o tema e utilizar-se do estudo

multicasos para prover conclusões mais abrangentes.

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