Análise de Conto de Luiz Ruffato
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Análise do Conto “Nós poderíamos ter sido grandes amigos”, de Luiz Ruffato
Gisele Souza e Silva
A literatura é a arte que utiliza a linguagem para manifestar-se. A função da
literatura é a representação do real, e os seus conceitos variam segundo a época e
os valores vigentes. A obra literária é um objeto social, ou seja, é produto de uma
sociedade e pressupõe a interação entre diferentes agentes sociais. Uma das
funções da literatura é o compromisso que a obra literária deve apresentar em
defesa de determinados valores. No texto proposto para análise, “Nós poderíamos
ter sido grandes amigos” de Luiz Ruffato, fica evidenciada a função do compromisso,
já que, os valores estéticos não são negados, mas a essência do conto é mostrar a
ligação entre o autor e o mundo. Também, a função do conhecimento está presente.
A literatura é conhecimento quando revela ao homem os enigmas da vida e traduz
uma experiência humana dizendo algo acerca do homem e do mundo. Nesta
narrativa, a experiência humana está relatada por intermédio da hipotética amizade
do narrador com o vizinho e termina com a morte brutal do vizinho em um seqüestro-
relâmpago. É uma crítica social à violência, ao consumismo, ao individualismo que é
a tônica nas grandes cidades.
De acordo com a classificação apresentada por Coelho (1986), o texto
pertence ao gênero literário da ficção. Apresenta a forma do conto de espécie
urbana. A natureza da linguagem é em prosa narrativa, tendo como objeto da
matéria o mundo social. O conto “Nós poderíamos ter sido grandes amigos” tem
brevidade e densidade narrativa, unidade temporal e espacial, restrição do número
de personagens e apresenta o conflito da classe média brasileira.
A narração do conto é realizada em primeira pessoa, o narrador se faz ouvir e
evidencia a sua presença apresentando uma visão parcial dos fatos. O narrador
mostra o que pensa e levanta hipóteses sobre as possíveis sensações do vizinho,
como na passagem: “Após o jantar, de novo esparramados no conforto da sala, nos
perderíamos no torvelinho das conversas e, madrugada, quando já nem mais ânimo
tivéssemos para trocar o cedê, a rua ausente de carros, uma leve culpa, ressaltada
pelo álcool, por as crianças estarem na casa de algum coleguinha ou de parentes,
se imiscuiria em nosso último assunto, e nos despediríamos, prometendo nos
frequentar com alguma assiduidade”. A história em questão revela sentimentos
hipotéticos em relação a um suposto convívio interrompido pela morte trágica do
vizinho.
O narrador utiliza os verbos no futuro do pretérito para fazer referência ao que
poderia ter acontecido e não se realizou: a convivência com o vizinho, as festas e
viagens, como nas passagens: “Seríamos apresentados à sua esposa...”, “O tempo
solidificaria a relação.” Quando o narrador conta o sequestro e a morte do vizinho,
ele utiliza o tempo verbal no pretérito perfeito, pois fica sabendo o que realmente
aconteceu, e os relatos deixam de ser hipóteses para se tornarem eventos
concluídos, como mostra a passagem: “Ele foi vítima de um sequestro-relâmpago”.
A organização dos períodos no texto demonstra que eles se relacionam entre si , e o
narrador utiliza a modalidade do discurso indireto livre. O narrador mostra o que
poderia ter acontecido, mas não apresenta as falas das personagens. As orações
utilizadas, no texto, são coordenadas assindéticas, sem conjunções. Dessa forma, o
narrador consegue manter o fluxo do pensamento, quase como em um filme e
retratar a realidade dos acontecimentos de maneira peculiar.
O vocabulário utilizado no texto reforça a espécie conto urbano, o narrador
utiliza a norma culta, que retrata a classe social a que pertencem os envolvidos no
episódio. Não há marcas de coloquialidade e sim do uso da língua culta.
Enquanto, o narrador está na perspectiva das hipóteses, a narrativa tem uma
velocidade lenta com parágrafos longos. É o tempo da imaginação, do pensamento,
das possibilidades. Quando o conto atinge o clímax, o objetivo do narrador é fazer o
leitor refletir sobre a violência urbana. Nesse momento, o texto recebe outro formato
com parágrafos curtos, ou seja, rápidos e repentinos como o evento da morte do
vizinho e com a velocidade da vida nas grandes cidades.
O narrador não apresenta diretamente as personagens, mas sugere que elas
exibem atitudes de acomodação a fim de manterem o status social e o casamento.
Exemplo disso é que embora não exista relação afetiva satisfatória entre o narrador
e a esposa, ele mantém o casamento. Além disso, a necessidade de ostentar, por
meio de viagens e por meio da posse de carros, demonstra os valores da classe
média que esquece o significado da convivência. A lógica apresentada pelos
assaltantes é a mesma das outras personagens. A diferença está em que os
assaltantes utilizam a violência brutal, mas o desejo é o consumo, o ter acima de
tudo.
A organização dos dois períodos finais do texto: “O corpo foi encontrado hoje
de manhã.” e “O carro ainda não.” sugere que o mais importante é o que tem valor
monetário, o carro. Portanto, o conto mostra uma crítica social à violência, ao
consumo, ao individualismo, e questiona os valores da classe média. O narrador
descreve conflitos vivenciados nas grandes cidades e os enigmas que as
personagens buscam resolver no mundo caótico em que se encontram. É a
realidade social vivida pelo homem contemporâneo em busca da sobrevivência.
REFERÊNCIAS
LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo: Brasiliense. 1986.
Material disponibilizado na disciplina de Introdução aos Estudos Literários. UFSM.
2010.