Análise de O Fim

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 Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea II Docente: Profe ssora Dra. Ana Isabel Vasconcelos Mestranda: Dina Carvalho Aparício 1 Análise de O Fim, de António Patrício A obra O Fim, de António Patrício, começa por nos surpreen der pela designação que lhe é atribuída: “História dramática em dois quadros”. A nossa atenção é desperta pelo facto de, ao contrário do que poderíamos esperar, não estarmos perante um texto dramático de características tradicionais, mas de uma nova forma de teatro, em que não só a sua encenação, como o próprio conceito de arte teatral surgem renovados e recriados a vários níveis. Em primeiro lugar, julgamos fundamental esclarecer o conceito de “história dramática”, integrada no teatro simbolista desenvolvido como reação ao teatro clássico e consequente evolução para o teatro naturalista. As grandes inovações surgem ao nível dos aspetos funcionais da peça teatral, desde a conceção do texto, à ação, ao cenário, ao papel do encenador, à função da personagem, em que se verifica “o desprezo pelos atributos exteriores do drama –  individualização das personagens, ação dramática, diálogo”  (REBELLO, 1979: 11), preconizando a arte teatral como um “teatro estático […] que fosse a ilustração de uma ideia, não de uma ação efetiva” (MALLARMÉ, apud id). Assim, passamos a ter em foco, no palco, o estatismo das ideias em detrimento de um enredo e de um conflito, que passam a ser secundários. Segundo Fernando Pessoa, o teatro é “um processo simbólico em que o drama é a sombra, passo a passo, de uma ideia, […] a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações” (apud, id ). Consequentemente, verifica-se uma dissolução do tempo e do espaço e a transgressão das regras dos cânones tradicionais, atribuindo um papel determinante ao encenador e ao ator, que, mais do que uma marioneta, passará, segundo Edward Gordon Craig, a ser uma “super -marioneta”, dominada pela consciência do ator (BORIE, 2004: 386). Por isso, “não é nos atos, mas nas palavras, que se encontra a beleza e a grandiosidade das belas e grandes tragédias” (ibid., 392). Esta “super -marioneta” é a “descendente dos antigos ídolos de pedra dos templos, é a imagem de um Deus” ( id.), representativa de um estado quase transcendente de além-vida, ao “emanar dela um espírito vivo [que se revestirá] de uma beleza de morte” ( ibid ., 393). Recusando a objetividade imposta pela estética realista, o retorno ao Simbolismo, ao poder primordial e iniciático da palavra, revela-se como a alternativa a autores que, como Eugénio de Castro e D. João da Câmara, (re)introduzem em Portugal a estética simbolista, aplicando-a ao teatro, trazendo para o nosso país o que se “represe ntava na Europa”

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 Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea II 

Docente: Professora Dra. Ana Isabel Vasconcelos

Mestranda: Dina Carvalho Aparício

1 Análise de O Fim, de António Patrício

A obra O Fim, de António Patrício, começa por nos surpreender pela designação que lhe é

atribuída: “História dramática em dois quadros”. A nossa atenção é desperta pelo facto de, ao

contrário do que poderíamos esperar, não estarmos perante um texto dramático de

características tradicionais, mas de uma nova forma de teatro, em que não só a sua encenação,

como o próprio conceito de arte teatral surgem renovados e recriados a vários níveis. Em

primeiro lugar, julgamos fundamental esclarecer o conceito de “história dramática”, integrada

no teatro simbolista desenvolvido como reação ao teatro clássico e consequente evolução para o

teatro naturalista. As grandes inovações surgem ao nível dos aspetos funcionais da peça teatral,

desde a conceção do texto, à ação, ao cenário, ao papel do encenador, à função da

personagem, em que se verifica “o desprezo pelos atributos exteriores do drama – 

individualização das personagens, ação dramática, diálogo” (REBELLO, 1979: 11), preconizando

a arte teatral como um “teatro estático […] que fosse a ilustração de uma ideia, não de uma

ação efetiva” (MALLARMÉ, apud id). Assim, passamos a ter em foco, no palco, o estatismo das

ideias em detrimento de um enredo e de um conflito, que passam a ser secundários. Segundo

Fernando Pessoa, o teatro é “um processo simbólico em que o drama é a sombra, passo a passo,

de uma ideia, […] a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações”

(apud, id ). Consequentemente, verifica-se uma dissolução do tempo e do espaço e a

transgressão das regras dos cânones tradicionais, atribuindo um papel determinante ao

encenador e ao ator, que, mais do que uma marioneta, passará, segundo Edward Gordon Craig,

a ser uma “super-marioneta”, dominada pela consciência do ator (BORIE, 2004: 386). Por isso,

“não é nos atos, mas nas palavras, que se encontra a beleza e a grandiosidade das belas e

grandes tragédias” (ibid., 392). Esta “super-marioneta” é a “descendente dos antigos ídolos de

pedra dos templos, é a imagem de um Deus” ( id.), representativa de um estado quase

transcendente de além-vida, ao “emanar dela um espírito vivo [que se revestirá] de uma beleza

de morte” (ibid ., 393). Recusando a objetividade imposta pela estética realista, o retorno ao

Simbolismo, ao poder primordial e iniciático da palavra, revela-se como a alternativa a autores

que, como Eugénio de Castro e D. João da Câmara, (re)introduzem em Portugal a estética

simbolista, aplicando-a ao teatro, trazendo para o nosso país o que se “representava na Europa”

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(CRUZ, 1991: 9), enriquecendo-a com o saudosismo, uma variante específica do simbolismo

português que com ele se harmoniza no que se refere aos “aspetos formais da linguagem e

substanciais de apelo à evocação do símbolo” (ibid.,  11). Neste sentido, “a expressão cénica

está presente, mas surge envolvida por um verbalismo exuberante, e condicionada por umestatismo por vezes pesado” (id.).

O símbolo “impõe-se na palavra e no tema: musicalidade rebuscada, riqueza de

analogias; temática fatalista, marcada pelo horror e pela morte; gosto do mórbido, portador do

fétido e do repugnante” (id.), ao mesmo tempo que contém a aspiração a uma “espiritualidade

que geralmente não se atinge; panteísmo e protagonismo da natureza e dos animais” (id.).

Curiosa é esta relação do simbolismo com a natureza, pois ela própria sugere e encerra estados

de alma, prenunciando o fatalismo e as questões existenciais inerentes a esta estética (ibid.,

12).

Desta forma, no teatro simbolista, deparamo-nos com o rebuscar da beleza das palavras,

a voz sibilina da pureza da desgraça e da morte, a relação próxima do poder da palavra

enquanto mensageira do visionário louco. Decadência, morte, fatalidade, solidão existencial,

voluptuosidade, morbidez, repugnância, magnificência decrépita são elementos que contribuem

para aquilo a que José Régio apelida de “verbalmente espetacular”, ao referir-se ao teatro de

António Patrício, em que o prestígio da palavra reside no seu poder de comunicabilidade, de

“reduzir os auditores a espetadores” (apud  ibid., 59).

O Fim, obra trazida a público em 1909, integra-se na estética teatral simbolista e

possibilita-nos uma diversidade de leituras pela sua riqueza, pois podemos perceber que, nela,

nada é ocasional, tudo tem um significado que se estende para lá do visível, um prolongamento

da teoria das “correspondências” de Baudelaire. A temática principal do drama é o prenúncio de

morte da Monarquia, a rutura do velho Portugal, de valores tradicionais e obsoletos, e aascensão do “progresso” que perpassa por toda a Europa. Acima de tudo, é o definhar e

prenúncio de morte dum sonho de séculos e séculos de um país que se julgava abençoado e

escolhido por Deus para um destino maior.

Como já foi referido, a obra divide-se em dois quadros. As referências espácio-temporais

são escassas. Sabemos apenas que a ação se passa “na capital do Reino”, na atualidade

(PATRÍCIO, 2010: 3). O Primeiro Quadro tem como cenário o Paço Velho, cuja decrepitude nos

sugere uma monarquia decadente, uma aristocracia falida, em que tudo é teatral e artificial.

Tudo o que representa a realeza (os veludos vermelhos, o trono, as armas reais) se carateriza

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pelo aspeto puído e sem brilho. As cores morrem, mas contrastam com um teto de carvalho,

símbolo da durabilidade. A decoração segue os padrões antigos e está ultrapassada. Parece que

parou no tempo –  “mesa escura”, “cadeiras conventuais de espaldares de couro”, “uma

serpentina de prata” (ibid.,4). De destacar, é a descrição da cadeira do trono (“Sob o dossel,num estrado, uma cadeira teatral cujo espaldar remata numa coroa” –  id.), que se evidencia

pelo adjetivo “teatral”, preparando-nos para a artificialidade –  a falta de genuinidade e

autenticidade –  de uma instituição moribunda que já não serve a sociedade. Nesta primeira

didascália em que se descreve o cenário, as figuras humanas que nele se movem parecem diluir-

se e fundir-se na própria decadência do Paço, assemelhando-se a sombras espectrais, vivas por

fora, mortas por dentro (O Criado tinha “traços viris que a expressão do olhar desmente: vago,

infantil, quase de louco” – id.). Toda esta decadência, intensificada pelo entardecer (momentodo dia simbólico por anunciar o fim), nos sugerem que a monarquia não se atualizou e que

aquilo que é visível não se coaduna com a verdadeira essência. Suspensos no tempo, como se o

Paço fervilhasse de atividade, o Duque, o Criado e a Aia preocupam-se com a receção do

aniversário da Rainha Velha. A Aia, a quem resta um pouco de lucidez, é uma mulher de

cinquenta anos, demonstra “uma expressão de bondade inteligente […]. Maneiras simples que

revelam raça”1 (id.) Prima pela discrição – veste de escuro e não usa joias, o que pode sugerir a

sua consciência da necessidade de contenção e a perceção das reais condições desta “realeza”

que definha.

Unidos por um objetivo comum, que é preparar uma receção – mesmo ilusória – à Rainha,

sugerem a utilização de espelhos2 para a criação de uma “ilusão de um grande convívio, duma

corte” (ibid., 5). É preciso fazer a Rainha feliz, nem que seja ilusoriamente. A contribuir para a

construção da ilusão, temos o empenho da Aia, que se preocupa verdadeiramente com a sua

Ama e que começa “a perder a serenidade” (ibid., 5) com a inquietude por ela revelada. O seu

estado é considerado “tão grave” que até o médico a considera incurável (“Não tem mais nada adar-lhe. Depois… sempre apreensões… esta incerteza… o estado do país…” –  ibid., 6).

Percebemos, aqui, que o abandono a que é votada a Rainha se deve à descrença na Monarquia

como caminho político-ideológico. A personagem do Duque, resistente duma corte falida,

simboliza a aristocracia desprezada que, embora inerte e acomodado, lamenta a falta de “um

movimento de opinião” (id ) que mudasse a situação vigente. O Ministro, personagem em quem

as outras depositam a sua réstia de esperança numa improvável mudança, revela dificuldade em

1 A referência à “raça” integra-se no vocabulário do saudosismo, referindo-se ao que ainda de genuíno existe no País. A “raça” é

o elemento catalisador da Alma-Pátria, aquilo que poderá potenciar um “renascimento”. 2 Recordemos o simbolismo do espelho, associado à máscara, à ilusão, à falta de essência.

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comunicar aquilo que é evidente: - que não podem contar com apoio do exterior. É a voz do

Duque que nos chama a atenção para a inevitável loucura de uma mulher – uma Rainha – que

perdeu tudo o que amava, tudo aquilo que a mantinha viva:

 Não é natural, que depois de ver o filho e o neto assassinados, a dor, o desespero a desvairassem?...Um coração de Rainha como o seu!... Queriam vê-la longe, é o que era. Ainda agora, destronada, o prestígio da sua nobreza, do seu porte, fazem sombra… Depois da sua desgraça, a humilhação desteabandono. (ibid., 7)

O Regicídio, em 1908, representou a queda física da Monarquia, o ataque brutal a tudo o

que ela representava. O abandono e o desprezo a que foi votada a Rainha –  não só por ser

considerada louca, mas também por ser estrangeira – demonstram que até a própria nobreza,

preocupada em salvaguardar os seus interesses pessoais, se dividiu entre o regime antigo e as

promessas de renovação. Critica-se a incapacidade do povo para lutar pelos seus valores, poruma tradição, por uma Alma (“E os homens de talento e energia? Estacaram-se então todas as

fontes… - ibid., 10). Os que ainda acreditam na Monarquia, “um ou outro de valor vive isolado,

com a sua razão de desprezo e impotência. Partiram os remos nas mãos de muitos que quiseram

lutar contra a maré. […] Maré podre (ibid., 10-11).

Presença constante como personagem é a Morte, desde as primeiras palavras da obra.

Embora ausente, está sempre presente no ambiente de decadência descrito e sentido. A Morte é

fatalmente inevitável. Na verdade, ela já se instalou, mas ainda não deu o seu golpe final. Surge

personificada na figura da Rainha, que já mais tem de espectral do que de humana. Embora

tétrica e quase grotesca, mantém a elegância de quem nasceu para reinar (“Em toda a máscara

emaciada, um hieratismo teatral de linhas. Perfil de uma pureza numular feito para ser cunhado

em oiro virgem” –  ibid., 11). Plenos de simbolismo, destacam-se os “olhos –  duas gotas de

sangue azul coagulado” (id.), a sua realeza inútil e trágica. Traz nos cabelos “um diadema falso

de diamantes” (id), prova concreta da ilusão em que vive, da peça de teatro de que é a

personagem mais trágica, o último reduto de uma nobreza que se esvai e de que ela estáconsciente. A sua loucura é o seu poder visionário, o de alcançar aquilo a que os outros não

chegam. Sabe que a Morte a ronda – a ela e a tudo o que ela ainda simboliza. As suas palavras

são poéticas, ininteligíveis para as mentes torpes: num último esforço de se manter firme, de

assegurar a continuidade da Monarquia, assume-se, simbolicamente, como a jardineira que rega

as flores e as faz florescer, afastando o Inverno –  a Morte. Contudo, reconhece que os seus

esforços são infrutíferos: “Sou jardineira / Ando a regar a Morte… / E as covas não abrem a

florir!.../ É sina minha. É a minha sorte (ibid.,12)”. O seu discurso alterna entre a loucura e alucidez e, num comportamento tetricamente infantil, canta para a Morte adormecer, canta para

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que ela não acorde, tentando exorcizá-la. A Morte está em todo o lado – no uivar nos pavões, no

estalar das portas, no ranger dos seus ossos, no seu coração, no silêncio… Por isso, canta e

procura o contacto com a natureza, o jardim, o sol, o luar, sugerindo-nos que, paulatinamente,

se funde com os elementos da natureza, num panteísmo simbolista que não representa a Morte,mas o retorno ao primordial. Refere os seus impérios gloriosos, os navios que “querem ser asas e

poder voar” (ibid., 13). Sabe que se riem dela, mas não se importa. A sua voz poética,

profética, visionária, deu-lhe acesso à voz de Deus, à voz dos simples, dos puros. Passado ou

presente deixaram de fazer sentido. Vive no sonho, num tempo suspenso. Morta por dentro, não

quer os homens – morreu por dentro, quando deixou de ter a quem amar, prefere a natureza

que ainda reconhece o seu direito natural – aquele que Deus lhe deu (ibid.,14) Sente-se amada

pela natureza e relembra o Outono, que, já em criança, lhe murmurava presságios de desgraçae é essa natureza que ainda a faz sentir o fugaz pulsar da vida (“Às vezes, por instantes, sinto

em mim / A minha alma de infanta… / A cotovia acorda em folhas secas…” – id.). Ao longo do

seu discurso, codificado, mas lúcido, exprime todo o desencanto e a desilusão do seu reinado,

da sua vida de Rainha. Afinal, ser Rainha é o sonho de qualquer mulher comum, mas a Dor

transforma esse sonho belo e ilusoriamente feliz no fatalismo inerente à condição humana. Na

existência, somos todos tragicamente iguais. A beleza definha, destruída pela Dor, aniquilada

pela Morte. Numa última tentativa para se sentar no trono, prefere sentar-se “junto às flores do

tapete… para as sentir (ibid., 17)”. Anoitece e a cena fica quase às escuras. O fim aproxima-se.

O Primeiro Quadro termina com esta heroica Rainha, decrépita, a desafiar a Morte, deixando o

leitor / espetador na expetativa do novo dia que se aproxima.

O Segundo Quadro ilustra o desassossego, o pânico que se vive no Paço Velho. Houve

agitação na cidade. Parece que há esperança. Surpreende-nos a entrada em cena do

Desconhecido que, segundo Manuel Tânger Correia3 é a única personagem equilibrada da peça,

simbolizando a esperança do povo anónimo e o pulsar latente do patriotismo saudoso, a réstiade “raça” que existirá no “peito ilustre lusitano”.  Esta personagem relata à Aia os últimos

esforços para lutar pela Monarquia, deixando no ar o espírito da luta que não foi abafado

(“Agora… Morreu a capital: há mais país. Triunfar pela vida ou pela morte, mas triunfar. Fomos

iniciados.” – ibid., 26). Acreditando na “lógica da Raça” (ibid .,27), pretende ver a Rainha que,

surge em cena de vestido roxo, carregando o simbolismo da paixão e morte de Cristo.

Apresenta-se cadavérica, teatral, na cerimónia de beija-mão, mais cadáver do que espectro,

aos olhos do Desconhecido, que fica horrorizado (“com asco e com terror”- ibid.,  28) e não

3 Recurso disponibilizado na plataforma

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contém a impressão que lhe causa a visão da Rainha, verbalizando todo o absurdo da situação:

“Ficou isto!... Um rei antigo deu beija-mão a um cadáver exumado. Agora é uma corte póstuma,

um povo póstumo, no beija-mão de uma Estrangeira louca!... –  id.). Comparada a Inês de

Castro, colocada numa situação inferior, por ser uma morta-viva, a Rainha diz: “Tenho fome(id.).” Fome de quê? De comida, por ainda se sentir humana? Ou fome de Infinito, por sentir que

já não pertence ao mundo? Fome física ou fome de unidade primordial?

A peça termina em aberto. O Desconhecido afasta-se, depois de a Rainha se levantar do

trono. Não há solução à vista para ressuscitar a Monarquia, mas também não são apresentadas

alternativas. A Rainha torna-se grandiosa como personagem na sua loucura, na sua clarividência.

A Monarquia já não tem lugar num Portugal adormecido, que desistiu de si próprio, que se

tornou um “cadáver adiado”, como Fernando Pessoa escreverá mais tarde, na Mensagem.

BIBLIOGRAFIA ATIVA

PATRÍCIO, António (2010) – O Fim, Braga, Edições Vercial.

BIBLIOGRAFIA PASSIVA

AAVV (2003) – Teatro em Debate(s). I Congresso do Teatro Português, Lisboa, Livros Horizonte.

BORIE, Monique, et allii (2004) – Estética Teatral. Textos de Platão a Brecht, 2ª ed., Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian.

CRUZ, Ivo Duarte (1991) – O Simbolismo no Teatro Português (1890-1990), 1ª ed., Lisboa, ICLP.

DELACY, Monah (2003) – Introdução ao Teatro, Petrópolis, Editora Vozes.

MOLINARI, Cesare (2010) – História do Teatro, Lisboa, Edições 70.

MOURÃO-FERREIRA, David (1989) – “António Patrício: da época à obra”, in Sob o mesmo Tecto.

Estudos sobre Autores de Língua Portuguesa, 1ª ed., Lisboa, Editorial Presença.

REBELLO, Luiz Francisco (1979) – O Teatro Simbolista e Modernista (1890-1939), 1ª ed., Lisboa,ICLP.

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